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Ana Maria Serra

(Organizadora da tradução brasileira)

Paul M. Salkovskis, PhD


Editor
Prólogo por S. Rachman

Supervisão técnica da edição brasileira


Ana Maria Serra,
PhD em Psicologia e Terapeuta Cognitiva pelo
Institute of Psychiatry da Universidade de Londres, Inglaterra.
Diretora do ITC - Instituto de Terapia Cognitiva.
Presidente Honorária e ex-Presidente Fundadora da
ABPC - Associação Brasileira de Psicoterapia Cognitiva.
© 2005,2012 Casapsi Livraria e Editora Ltda.
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, para qualquer finalidade,
sem autorização por escrito dos editores.

Ia Edição 2005

2a Edição 2012
Diretor Geral Itigo Bernd Güntert

Publisher Mareio Coelho

Coordenadores Editoriais Fabio Alves Melo e Luciana Vaz Carneira

Diagramação Everton Alexandre Cabral

Capa André Luís Ribeiro Borges

Tradução Inaiara de Souza Golob e Tatiana Maria Martinez

Adaptação Ortográfica Rhamyra Toledo

índices para catálogo sistemático:


1. Psicologia - terapia cognitiva

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

As opiniões expressas neste livro, bem como seu conteúdo, são de responsabilidade de seus
autores, não necessariamente correspondendo ao ponto de vista da editora.
Para Aaron I Beck
Colaboradores

Artur Auerbach, MD, Departamento de Psiquiatria, Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia,


Filadélfia.

David H. Barlow, PhD, Departamento de Psicologia, Universidade do Estado de Nova Iorque em Albany.

Aaron T. Beck, MD, Departamento de Psiquiatria, Universidade da Pensilvânia, Filadélfia; Beck Institute
for Cognitive Therapy and Research, Bala Cynwyd, Pensilvânia.

Judith S. Beck, PhD, Beck Institute for Cognitive Therapy and Research, Bala Cynwyd, Pensilvânia;
Departamento de Psiquiatria, Universidade da Pensilvânia, Filadélfia.

Ivy-Marie Blackburn, PhD, Newcastle CityNHS Trust, Newscastle upon Tyne, Reino Unido; Departamento
de Psiquiatria, Universidade de Newcastle, Newcastle upon Tyne, Reino Unido; Departamento de Psicologia,
Universidade de Durham, Durham, Reino Unido.

David D. Burns, MD, Departamento de Psiquiatria e Ciência Comportamental, Escola de Medicina da


Universidade de Stanford, Paio Alto, Califórnia.

Dianne L. Chambless, PhD, Departamento de Psicologia, Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill.

David A. Clark, PhD, Departamento de Psicologia, Universidade de New Brunswick, Fredericton, New
Brunswick, Canadá.

David M. Clark, PhD, Departamento de Psicologia, Instituto de Psiquiatria, Universidade de Londres,


Londres, Reino Unido.

Robert D. DeRubeis, PhD, Departamento de Psicologia, Universidade da Pensilvânia, Filadélfia.

Mark D. Evans, PhD (falecido), Departamento de Psicologia, Universidade de Minesota, Mineapolis.

Robert A. Franz, MA, Departamento de Psicologia, Universidade de Kansas, Lawrence.


Fronteiras da Terapia Cognitiva

Steven D. Hollon, PhD, Departamento de Psicologia, Universidade Vanderbilt, Nashville, Tennessee.

Debra A. Hope, PhD, Departamento de Psicologia, Universidade de Nebraska, Lincoln.

Philip C. Kendall, PhD, Departamento de Psicologia, Universidade Temple, Filadélfia, Pensilvânia.

Bruce S. Liese, PhD, Departamento de Medicina Familiar, Centro Médico da Universidade de Kansas,
Kansas City.

Lata K. McGinn, PhD, Departamento de Psiquiatria, Faculdade Albert Einstein de Medicina/Centro Médico
de Montefiore, Bronx, Nova Iorque.

Stirling Moorey, MRCPsico, Departamento de Psicologia, Hospital St. Bartholomew, Londres, Reino Unido.

Christine A. Padesky, PhD, Centro para Terapia Cognitiva, Newport Beach, Califórnia; Departamento de
Psiquiatria e Comportamento Humano, Universidade de Califórnia, Irvine.

A. John Rush, MD, Departamento de Psiquiatria, Centro Médico Sudoeste da Universidade do Texas,
Dallas, Texas.

Paul M. Salkovskis, PhD, Departamento de Psicologia, Instituto de Psiquiatria, Universidade de Londres,


Londres, Reino Unido.

Tracy Sbrocco, PhD, Departamento de Psicologia Médica e Clínica, Escola F. Edward Hébert de Medicina,
Universidade das Ciências de Saúde, Bethesda, Maryland.

Robert A. Steer, EdD, Departamento de Psiquiatria, Escola de Medicina Osteopatica, Universidade dc


Medicina e Odontologia de Nova Jersey, Camden.

John D. Teasdale, PhD, Unidade de Psicologia Aplicada, Conselho de Pesquisa Médica, Cambridge, Reino
Unido.

Kelly M. Vitousek, PhD, Departamento de Psicologia, Universidade do Havaí em Manoa, Honolulu.

Melissa J. Warman, MS, Departamento de Psicologia, Universidade de Temple, Filadélfia, Pensilvânia.

Marjorie E. Weishaar, PhD, Departamento de Psiquiatria e Comportamento Humano, Brown University,


Providence, Rhode Island.

Jan E. Weissenburger, MA, Serviço de Psicologia, Centro Médico do Departamento Audie L. Murphy de
Veteranos, San Antonio, Texas.

J. Mark G. Williams, Dphil, Escola de Psicologia, Universidade do Pais de Gales, Bangor, Reino Unido.

Jesse H. Wright, MD, PhD, Departamento de Psiquiatria e Ciências Comportamentais, Escola de Medicina
da Universidade de Louisville, Louisville, Kentucky; Clínica Psiquiátrica Norton, Louisville, Kentucky.

Jeffrey E. Young, PhD, Centros de Terapia Cognitiva de Nova Iorque e de Fairfield County, Connecticut;
Departamento de Psiquiatria, Faculdade de Médicos e Cirurgiões, Universidade de Columbia, Nova Iorque,
Nova Iorque.

8
Apresentação à edição brasileira

eu primeiro contato com o original desta notáveis autores, reunidos em um único volume.

M obra, Frontiers of Cognitive Therapy,


teve lugar em Toronto, durante a con­
venção anual da APA - American Psychological
Association, em 1997. Aaron T. Beck havia pro­
Além disso, uma obra histórica, pois foi editada
como um tributo ao homem que criou e inspirou
o desenvolvimento dc um sistema dc psicotcrapia
que hoje se destaca entre os demais e se firma
ferido uma palestra, desnecessário dizer, brilhante como a abordagem de escolha por profissionais em
como todas as outras. Ao término, falamos, en­ todo o mundo: a Terapia Cognitiva. Mas quem é
tusiasmadamente, sobre a Terapia Cognitiva no Aaron Beck, e por que publicar um livro em sua
Brasil, cujos primeiros desenvolvimentos já se homenagem? Os autores dos capítulos reunidos
faziam notar em diversos setores, com especial nesta obra respondem a essa pergunta de forma
destaque ao curso de especialização em terapia exemplar, por meio de suas próprias obras, inspi­
cognitiva, oferecido por nosso grupo inicialmente radas nas idéias, ações e realizações desse homem
em 1996 e 1997 naUnicamp. Caminhando juntos, admirável. Desnecessário dizer que retornei ao
chegamos à seção de livros, para onde se dirigia Brasil já com a intenção de buscar a publicação
Beck a fim de promover a obra, naquele momento da edição brasileira, feito que hoje se materializa
em fase de lançamento. Tomando um exemplar, por intermédio da Editora Casa do Psicólogo.
ele se referiu à qualidade do livro em poucas pa­ O lançamento da edição brasileira de Fron­
lavras, porém suficientes para que me decidisse a teiras da Terapia Cognitiva deve ser celebrado
comprá-lo, sem ao menos folheá-lo. Ainda ganhei com entusiasmo por profissionais, acadêmicos e
de presente uma dedicatória de Beck, que guardo estudantes brasileiros, por inúmeros e importantes
com carinho. motivos. Primeiro, pela visão da Editora, que soube
Ele havia dito que o livro era bom. Uma afirma­ reconhecer seu indiscutível valor e sua qualidade,
ção modesta diante da verdadeira estatura da obra. tomando-o disponível a profissionais do Brasil e de
O livro era excelente! Nos dias que se seguiram, outros países de língua portuguesa. Segundo, pela
folheando-o, fui surpreendida por sua qualidade possibilidade de informar profissionais, acadêmicos
notável: os temas clínicos mais relevantes, as e estudantes brasileiros sobre modelos específicos
grandes questões teóricas e empíricas, e os mais da Terapia Cognitiva para uma ampla gama de
Fronteiras da Terapia Cognitiva

transtornos, desde a depressão, os transtornos de cujos trabalhos foram diretamente influenciados


ansiedade e as demais áreas de transtornos afetivos, por Aaron Beck, este volume apresenta uma
até as dificuldades interpessoais, os transtornos de inestimável coleção de depoimentos, dados e in­
personalidade e a psicose. Terceiro, pela oportu­ formações que representam verdadeiros avanços
nidade de tomar conhecidos por brasileiros um nesse campo de conhecimento sempre em rápida
conjunto notável de grandes nomes internacionais evolução e transformação. Mostram-nos não ape­
na área de Terapia Cognitiva, todos eles líderes nas propostas recentemente desenvolvidas sobre
em suas especialidades. Esses autores, além de como os transtornos emergem, se desenvolvem e
inspirar-nos com sua criatividade e engenhosidade, podem ser tão prejudiciais aos seus portadores, mas
também nos enriquecem com informações e da­ também formas de intervenção cognitiva inovado­
dos, nas áreas de clínica, pesquisa e treinamento ras, sofisticadas e comprovadamente válidas. Esta
de profissionais. obra certamente será de utilidade para o clínico
Em julho de 2000, Beck fez sua célebre afir­ experiente, que poderá expandir seu “arsenal”
mação sobre a crescente especificidade dos mo­ de instrumentos, técnicas c estratégias terapêu­
delos cognitivos, argumentando que tal nível de ticas; para o acadêmico, que poderá aprofundar
especificidade colocava cada vez menos demanda seu conhecimento e inspirar-se a explorar novas
sobre a intuição do terapeuta, mas cada vez mais linhas e métodos de investigação; e também para
demanda sobre sua formação adequada. Na reali­ o profissional ou estudante que apenas começa a
dade, nesse momento, Beck comentava, ao final de interessar-se pela Terapia Cognitiva, e que deseja
uma conferência sobre fobias e pânico oferecida uma fonte que ilustre seus princípios básicos,
por Paul Salkovskis e seu parceiro David M. Clark, modelos aplicados a cada classe de transtorno e
a respeito do volume admirável de estudos que o status atual de suas propostas, gerais e espe­
ambos desenvolveram ao longo de quase duas cíficas. Estou certa de que, após o acesso, todos
décadas de atividades clínicas e de pesquisa em concordarão com meu entusiasmo e respeito pela
Oxford, e da importância desse trabalho. Hoje, qualidade deste volume, que perduram desde meu
ambos, Salkovskis e Clark, se revezam na dire­ primeiro contato.
ção, respectivamente, do Departamento Clínico Muitas pessoas contribuíram decisivamente
e do Departamento de Psicologia do Institute of para o êxito da aventura que culmina com a adi­
Psychiatry da Universidade de Londres, um dado ção deste livro à coleção de obras sobre Terapia
de especial significância para a afirmação da Te­ Cognitiva disponíveis em língua portuguesa. Pri­
rapia Cognitiva na Academia, graças ao prestígio meiramente, a equipe do ITC - Instituto de Terapia
internacional desse Instituto, e de especial signi­ Cognitiva, cujos professores, supervisores e alunos
ficância para mim, devido ao fato de que nesse não permitiram que desistíssemos do plano de
departamento completei meu doutorado e minha ver publicada esta edição brasileira. Segundo, e
especialização em Terapia Cognitiva. mais importante, as tradutoras, Inaiara de Souza
Paul M. Salkovskis destaca-se entre os grandes Golob e Tatiana Maria Martinez, ambas admira­
nomes internacionais. Sua reconhecida capacidade velmente capacitadas tanto nos idiomas inglês e
e sua originalidade, aliadas a surpreendentes português como também em Terapia Cognitiva,
energia e produtividade, resultaram na edição de o que as colocou em uma posição privilegiada
uma obra que certamente nos oferece o que há de para produzir a tradução desta edição; ambas ge­
melhor em Terapia Cognitiva intemacionalmente. nerosamente doaram de seu tempo escasso para
Ele teve a visão para, como editor, selecionar presentear a todos com uma excelente tradução.
capítulos relevantes, autores líderes e perspec­ Terceiro, Carla Andrea Serra, que incansavelmente
tivas interessantes. Contando com contribuições me auxiliou na tarefa de revisão técnica da tradu­
de uma ampla gama de pesquisadores e clínicos, ção e na digitação das referências e dos contatos

10
Apresentação à edição brasileira

com a Editora. Quarto, a assistência do próprio a Editora Casa do Psicólogo, que se interessou
Paul em nossos contatos com a Editora Guilford, em explorar - e soube reconhecer - o valor do
e de David Mitchell, representante da Guilford, original e o potencial de uma edição brasileira.
fatores que contribuíram para que persistíssemos Todos estão de parabéns pelo êxito em mais esse
na busca de um editor no Brasil disposto a em­ empreendimento pelo desenvolvimento da Terapia
preender a produção desta edição. E, finalmente, Cognitiva no Brasil.
Ana Maria M. Serra, PhD
São Paulo, SP
Maio de 2005.

11
Prólogo

alegria que acompanhou os primeiros um sentido aguçado de um irresistível movimento

A avanços da terapia comportamental,


entre 1954 e 1965, foi seguida por um
período de consolidação valioso, durante o qual
essas técnicas foram refinadas e as afirmações
adiante. Esta coleção dá sustentação à observação
de Martin Seligman de que esta é, de fato, a idade
de ouro da terapia cognitiva.
Uma característica bem-vinda de muitos dos
terapêuticas avaliadas. O sucesso da terapia capítulos é o reconhecimento generoso oferecido
comportamental no tratamento dos transtornos de a Beck por suas contribuições inspiradoras; e eu
ansiedade, entretanto, não foi acompanhado por aproveito a oportunidade para acrescentar minha
avanços comparáveis no tratamento da depressão; própria gratidão a ele. Este capítulo de abertura
e quando Aaron Beck começou a relatar a eficá­ é um relatório oportuno e bem-vindo sobre o
cia da terapia cognitiva aplicada à depressão, ele progresso do seu pensamento.
encontrou uma audiência pronta. A inclusão, por É também adequado que Paul Salkovskis fosse
Beck, de conceitos e técnicas comportamentais o editor de um livro que marca as fronteiras da
adicionou o toque de respeitabilidade que permitiu terapia cognitiva, devido ao fato de que seu próprio
a terapeutas comportamentais absorver, desavi- trabalho é também caracteristicamente inovador
sada e desapercebidamente, muitas das idéias e original; e também porque muito da inspiração
de Beck e, posteriormente, aplicá-las em uma científica para a terapia cognitivo-comportamental
análise cognitiva inovadora do pânico e outros originou-se no departamento de Oxford, do qual
transtornos de ansiedade. Como resultado, temos ele é um membro ilustre.
hoje um entendimento amplamente melhorado do Estas são, de fato, as fronteiras da terapia
transtorno de pânico, dos transtornos obsessivos, cognitiva; e, além das fronteiras, podemos esperar
da hipocondria e da fobia social. tentativas intensivas dirigidas à avaliação de suas
A originalidade e o valor dessas novas idéias mais novas aplicações, ao exame incisivo das suas
fazem-se evidentes nesta rica coleção, editada bases teóricas e à absorção segura dos conceitos
por um dos principais contribuintes ao avanço da de processamento não consciente por sua teoria
terapia cognitivo-comportamental. Há capítulos mais ampla.
excelentes e atualizados a respeito de uma ampla S. Rachman
variedade de problemas psicológicos, o que nos dá University of British Columbia
Prefácio

m 1976, Aaron Beck publicou um livro in­ campo; e, nesse sentido, destaca as fronteiras da

E titulado Terapia Cognitiva e os Transtornos


Emocionais. Nesse livro, ele descreveu uma
teoria sobre a emoção c os transtornos emocionais
e uma nova abordagem psicoterápica, com ênfase
terapia cognitiva. Inclui novos desenvolvimentos
e áreas em que a abordagem cognitiva da emoção
e dos problemas emocionais sc une às ciências
cognitivas e biológicas.
no tratamento da depressão. Vinte anos mais tarde, O livro se inicia com um capítulo do próprio
em 1996, a terapia cognitiva se tomou a abordagem Beck, no qual ele descreve seu pensamento atual
psicoterápica mais importante e a melhor validada sobre a relação entre humor, crenças e personali­
entre as demais. É o tratamento psicológico de dade e como estes se relacionam à psicopatologia.
escolha para uma ampla variedade de problemas John Teasdale então destaca a influência crucial
psicológicos. Pesquisa clínica e experimental resul­ que teorizações clinicamente relevantes exercem
tou na ampliação e no desenvolvimento da teoria, sobre o desenvolvimento passado, presente e
deixando, porém, os fundamentos inalterados. Mês futuro das abordagens da terapia cognitiva. Em
a mês, novas aplicações de terapia cognitiva são meu capítulo, demonstro de que forma a afirmação
desenvolvidas. Não pode haver dúvidas de que a original da teoria cognitiva sobre os problemas
abordagem cognitiva de Beck para a compreensão emocionais continua a trazer novos insights ao
e o tratamento de problemas emocionais refletiu desenvolvimento de tais teorias clínicas. Em
uma mudança de paradigma, e de que o paradigma seguida, David A. Clark e Robert Steer mostram
foi verdadeiramente mudado. como as descobertas da pesquisa nos campos da
Este livro descreve o status atual da teoria e ansiedade e da depressão resultaram na validação
da terapia cognitivas, aplicadas a uma variedade das premissas fundamentais da teoria cognitiva
de problemas psicológicos. Não é um trabalho e em seu refinamento. Em seus capítulos, Mark
exaustivo, senão teria que ser uma enciclopédia. Williams, Jan Weissenburger e John Rush des­
Omissões proeminentes são o trabalho na área de crevem características importantes da relação
psicose (incluindo transtorno bipolar) e em terapia entre a abordagem cognitiva e ciência cognitiva
de casais. Realmente representa muito do que há e neurociência.
de melhor no pensamento e na prática atual neste
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Seguindo uma abordagem mais diretamente teóricas quanto na demonstração admirável de alto
clínica, David Bums e Arthur Auerbach articu­ funcionamento final em uma proporção surpreen­
lam claramente a importância da empatia em dentemente elevada de pacientes ao término do
terapia cognitiva e mostram não somente que tratamento e durante o follow-up. Fobia social é
empatia é importante, mas também que pode outra área que se está desenvolvendo rapidamente;
ser ensinada, e que as características da terapia Dianne Chambless e Debra Hope mostram como
cognitiva possibilitam maximizar seu impacto desenvolvimentos teóricos têm sido acompanhados
terapêutico. Nos dois capítulos seguintes, Judith por melhoras no tratamento. Kelly Vitousek tam­
Beck, Lata McGinn e Jeffrey Young enfocam as bém destaca as principais interações entre teoria,
dificuldades psicológicas graves e de longo prazo pesquisa experimental e resultado de tratamentos,
(por exemplo, os transtornos de personalidade), mostrando como a abordagem cognitiva ajuda a
demonstrando como finalmente há uma esperança enfocar conceitos clínicos chave, segundo formas
real de mudança nestes grupos de problemas de que facilitam o desenvolvimento e a implementação
mais difícil resolução. Jesse Wright demonstra de um tratamento eficaz. Tracy Sbrocco e David
que a abordagem cognitiva pode ser prontamente Barlow descrevem os fundamentos experimen­
adaptada para exercer um grande impacto no mais tais para novos desenvolvimentos na abordagem
tradicional dos contextos psiquiátricos - a unidade cognitiva, para o entendimento da sexualidade e
de pacientes internados. Suicídio é um problema de seus problemas. O desenvolvimento de abor­
particular, ao qual a terapia cognitiva tem dado dagens cognitivas para problemas médicos é bem
contribuições cruciais; elas são resumidas por representado pelo trabalho de Stirling Moorey
Marjorie Weishaar. Vulnerabilidade à depressão em ajudar pessoas a lidar com as consequências
é abordada por Ivy-Marie Blackburn, mostrando psicológicas do câncer. Abuso de substância é um
como o trabalho em depressão progrediu, embora problema com um prognóstico particularmente
ainda retendo as idéias fundamentais geradas por pobre, especialmente devido às interações com­
Beck em seu trabalho original nesta área. plexas entre fatores psicológicos, biológicos e
Ao contrário do que acreditam seus críti­ sociais; Bruce Liese e Robert Franz descrevem uma
cos, terapia cognitiva não é uma montagem de abordagem de tratamento cognitivo recentemente
técnicas mecanicamente aplicadas. Christine desenvolvida e validada. Philip Kendall e Melissa
Padesky destaca a importância de se assegurar a Warman descrevem um tratamento cognitivo para
competência do terapeuta na ampla variedade de os transtornos emocionais de jovens; claramente,
habilidades psicoterapêuticas envolvidas em terapia o desenvolvimento cognitivo provavelmente se
cognitiva, dissipando qualquer noção infundada apresentará de forma cada vez mais proeminente,
de que esta abordagem é puramente prescritiva. não somente nesta área de trabalho com jovens,
Os capítulos que se seguem, sobre transtornos mas também em outras fases de vida. O capítulo
específicos, mostram o quão importante é a com­ final examina uma vida cm particular, aquela do
binação de intervenções específicas, e como estas fundador da terapia cognitiva, Aaron T. Beck,
são invariavelmente baseadas em formulações identificando suas realizações e o escopo de sua
idiossincraticamente derivadas. Steven Hollon, influência. Esse capítulo lança alguma luz sobre
Robert DeRubeis e Mark Evans ampliam traba­ a questão de como e por que a terapia cognitiva
lhos anteriores sobre o tratamento da depressão se desenvolveu do modo como o fez.
e oferecem esclarecimentos importantes sobre Finalmente, eu gostaria de agradecer às muitas
questões de manutenção de tratamento. David M. pessoas que tomaram este livro possível. Judith
Clark descreve o status atual do trabalho na área de Sumida que manteve tudo em perfeitas condições
transtornos de pânico: o tratamento cognitivo em em meu escritório. Seymour Weingarten, Anna
pânico é inovador tanto na precisão de previsões Brackett e outros da The Guilford Press foram

16
Prefácio

imensuravelmente pacientes, úteis e encorajadores como sempre, uma rocha. Minha esposa, Loma, e
quando eu hesitava. Barbara Marinelli ajudou em minha filha, Cora, ajudaram-me em mais maneiras
uma variedade de formas, e não menos ao propor­ do que eu consigo descrever. E Tim Beck foi e é
cionar algumas gargalhadas. David M. Clark foi, tanto uma inspiração quanto um suporte.
Paul Salkovskis
Universidade de Oxford

17
Sumário

Colaboradores...............................................................................................................................................................................7

Apresentação à edição brasileira..............................................................................................................................................9

Prólogo.......................................................................................................................................................................................... 13

Prefácio..........................................................................................................................................................................................15

Capítulo 1
Além da crença: uma teoria de rndos, personalidade e psicopatologia......................................................................................... 23
Aaron I Beck

Capítulo 2
Teoria clinicamente relevante: integrando o insight clínico com a ciência cognitiva................................................................... 45
John Teasdale

Capítulo 3
Ansiedade, crenças e comportamento de busca de segurança............................................................................................ 65
Paul M. Salkovskis

Capítulo 4
Status empírico do modelo cognitivo de ansiedade e de depressão.........................................................................................89
David A. Clark e Robert A. Steer
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Capítulo 5
Processos de memória em psicoterapia......................................................................................................................................109
J. Mark G. Williams

Capítulo 6
Biologia e cognições na depressão: a mente sabe o que o cérebro está fazendo?..................................................................... 125
Jan E. Weissenburger e A. John Rush

Capítulo 7
Empatia terapêutica em terapia cognitivo-comportamental: ela realmente faz diferença?........................................................137
David D. Burns e Arthur Auerbach

Capítulo 8
Terapia cognitiva dos transtornos de personalidade.................................................................................................................. 163
Judith S. Beck

Capítulo 9
Terapia focada no esquema...................................................................................................................................................... 179
Lata K. McGinn e Jeffrey E. Young

Capítulo 10
Terapia cognitiva cm pacientes internados.............................................................................................................................. 201
Jesse H. Wright

Capítulo 11
Fatores cognitivos de risco para o suicídio............................................................................................................................... 217
Marjorie E. Weishaar

Capítulo 12
Vulnerabilidade cognitiva à depressão.....................................................................................................................................239
Ivy-Marie Blackburn

Capítulo 13
Desenvolvendo competências do terapeuta cognitivo: modelos de ensino e supervisão.......................................................... 253
Christine A. Padesky

Capítulo 14
A terapia cognitiva no tratamento e na prevenção da depressão............................................................................................... 277
Steven D. Hollon, Robert J. DeRubeis e Mark D. Evans

20
Sumário

Capítulo 15
Transtorno do pânico: da teoria à terapia................................................................................................................................... 301
David M. Clark

Capítulo 16
Abordagens cognitivas para a psicopatologia e o tratamento de fobia social............................................................................325
Dianne L. Chambless e Debra A. Hope

Capítulo 17
O status atual dos modelos cognitivo-comportamentais de anorexia nervosa e de bulimia nervosa.......................................... 357
Kelly M. Vitousek

Capítulo 18
Conceituando o componente cognitivo da excitação sexual: implicações para a pesquisa e o tratamento da
sexualidade................................................................................................................................................................................389
Tracy Sbroco e David H. Barlow

Capítulo 19
Quando coisas ruins acontecem com pessoas racionais: terapia cognitiva em circunstâncias adversas de vida...................... 417
Stirling Moorey

Capítulo 20
Tratamento dos transtornos por uso de substâncias com a terapia cognitiva: lições aprendidas e implicações
para o futuro............................................................................................................................................................................. 435
Bruce S. Liese e Robert A. Franz

Capítulo 21
Transtornos emocionais na juventude...................................................................................................................................... 467
Philip C. Kendall e Melissa J. Warman

Epílogo
Terapia cognitiva e Aaron T Beck....................................................................................................................................... 487
Paul M. Salkovskis

Sobre o Editor............................................................................................................................................................................ 495

21
Capítulo 1

Além da crença: uma teoria de modos ,


PERSONALIDADE E PSICOPATOLOGIA

Aaron T. Beck

pliquei o conceito de esquemas cogni­ entendimento e tratamento da psicopatologia, vem

A tivos negativos pela primeira vez, para


explicar o “transtorno de pensamento” na
depressão 30 anos atrás (Beck, 1964). Tomando
emprestado dos construtos cognitivos de Kelly
se tomando aparente através dos anos que a teoria
não explica completamente muitos dos fenômenos
e conclusões experimentais.
Especificamente, uma quantidade de problemas
(1955) e recorrendo ao vocabulário de Bartlett psicológicos não é adequadamente considerada pelo
(1932) e Piaget (1947/1950), eu propus que a modelo dos esquemas individuais (processamento
ativação de certos esquemas cognitivos idios­ esquemático linear) e, portanto, requerem atenção.
sincráticos representavam o problema central Este capítulo é uma tentativa de considerá-los,
na depressão e poderíam ser apontados como através de uma expansão do meu modelo original.
tendo um papel primário na produção de vários Entre tais problemas, incluem-se os seguintes:
sintomas cognitivos, emocionais e comportamen-
tais. Também propus que intervenções voltadas 1. A multiplicidade de sintomas relacionados,
para moderar ou modificar as interpretações e que abrangem os domínios cognitivos, emo­
predições disfuncionais, bem como as crenças cionais, motivacionais e comportamentais, na
disfuncionais fundamentais (incorporadas aos presença de um transtorno psicopatológico.
esquemas disfuncionais), poderíam melhorar o
2. Evidência de um viés esquemático em vários
transtorno clínico.
domínios, sugerindo que uma organização
Desde minhas primeiras incursões no domínio de esquemas mais global e complexa está
da depressão e, subsequentemente, de outros trans­ envolvida cm reações psicológicas intensas.
tornos clínicos (Beck, 1964, 1976; Beck, Emery
& Greenberg, 1985; Beck, Freeman & Associates 3. A descoberta de uma vulnerabilidade especí­
1990; Beck, Wright, Newman & Liese, 1993), fica, ou diátese, para estressores específicos
muito da teorização sobre o papel dos esquemas que são congruentes com um transtorno
na depressão e outros transtornos tem sido apoiado particular.
por estudos experimentais e clínicos (para uma 4. A grande variedade de reações psicológicas
revisão, veja Haaga, Dyck & Emst, 1991). Apesar “normais” que são evocadas por uma miríade
de que as formulações clínicas têm sido úteis no de circunstâncias de vida.
Fronteiras da Terapia Cognitiva

5. A ligação entre conteúdo, estrutura e função maior interesse para o estudo da psicopatologia,
na personalidade. incluem as derivações de organizações antigas que
evoluíram em circunstâncias pré-históricas e são
6. Observações de variações na intensidade das
manifestadas em reações de sobrevivência, mas,
reações específicas de um indivíduo frente a
também, de uma forma exagerada, em transtornos
um conjunto de circunstâncias, ao longo do
psiquiátricos. Em segundo lugar, proponho o uso
tempo.
do conceito de cargas (ou catexes) para explicar
7. O fenômeno de sensibilização (fenômeno as flutuações nos gradientes de intensidade das
de “ignição”): recorrências sucessivas de estruturas cognitivas. Este conceito pode ser
um transtorno (por exemplo, depressão) dis­ aplicado ao fenômeno de sensibilização, extinção
paradas por experiências progressivamente e remissão.
menos intensas. O conceito de “energias” (cargas ou catexes)
8. O enfraquecimento dos sintomas tanto por fornece um modelo explicativo para a instigação
farmacoterapia como por psicoterapia. de, e mudanças em, estados normais e anormais.
Por exemplo, ele ajuda a explicar a observação
9. A aparente continuidade de muitos fenôme­
clínica de que, no início de um transtorno clínico
nos psicopatológicos com a personalidade.
particular (por exemplo, ansiedade, pânico ou
10. A relevância do modelo de “humores” nor­ depressão), vários sistemas (cognitivo, afetivo,
mais. motivacional e comportamental) mudam de um
estado inativo para um estado altamente ativado.
11.0 relacionamento entre o processamento da
Além do mais, o conceito de modos inclui as con­
informação consciente e o não consciente.
dições clínicas caracterizadas pela superativação
(ou hipercatexia) de um conglomerado de crenças
Apesar do modelo de processamento esque-
disfuncionais, significados e memórias próximas ou
mático atual ainda parecer válido e útil para
relacionadas, que influenciam, se não controlam, o
intervenções clínicas, é aparente que estes e outros
processamento de informação. O modelo também
problemas relacionados requerem construtos mais
explica a observação de que, quando a síndrome
globais e refinamentos adicionais relacionados ao
clínica entra em remissão, as interpretações e
progresso no campo. Vários escritores mostraram
crenças disfuncionais características tornam-se
uma convergência gradual em direção ao modelo
menos salientes - ou mesmo desaparecem.
integrativo deste capítulo (Bandura, 1986; Bargh
& Tota, 1988; Bower, 1981; Dweck & Leggett,
1988; Epstein, 1944. Higgins, 1996; Kihlstrom,
1990; Mischel & Shoda, 1995; Williams, Watts, Análise de caso
McLeod & Matthews, 1988; Segal & Ingram,
Considere o seguinte, e relativamente simples,
1994; Teasdale& Barnard, 1993; Rachman, 1990). exemplo clínico: um jovem, Bob, sofre de fobia
Neste capítulo, vou procurar apresentar dois de elevador. À medida que ele se aproxima de um
acréscimos à teoria do processamento esquemá- alto edifício de escritórios, que tem um elevador
tico simples. Em primeiro lugar, recorro à noção que ele irá usar, começa a se sentir ansioso -
de modos (“modes”), uma teia de componentes apesar de, nesse momento, estar envolvido numa
cognitivos, emocionais, motivacionais e com- discussão rotineira de assuntos de trabalho com
portamentais. Os modos, consistindo de setores um colega. À medida que eles se aproximam do
integrados ou suborganizações da personalidade, edifício, sua ansiedade aumenta. Apesar de não
são projetados para tratar de problemas ou de­ estar pensando sobre entrar no elevador, obvia­
mandas específicas. Os “modos primários”, de mente algum tipo de processamento pré-consciente

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Além da crença: uma teoria de modos, personalidade e psicopatologia

do evento antecipado está ocorrendo e produzindo toma-se pálido, sua e treme; seu coração acelera.
ansiedade. O conhecimento implícito de que ele irá Ele se sente tonto. E tem uma “sensação de aperto”
entrar em um elevador para ir até um andar alto em seu abdômen.
já colocou em ação processos cognitivos, afetivos, A progressão de eventos pode ser analisada da
comportamentais e psicológicos. seguinte maneira: inicialmente, à medida que Bob
Apesar de que Bob pode não estar consciente­ se aproxima do edifício, seu esquema orientativo
mente pensando sobre o elevador (ele pode estar sinaliza que existe perigo à frente. Esse sinal é
absorvido em sua discussão de negócios), uma suficiente para ativar todos os sistemas do modo: o
“sondagem cognitiva” nesse ponto evocaria a sistema afetivo gera rapidamente níveis crescentes
mesma informação, como se ele estivesse ativa­ de ansiedade; o sistema motivacional expressa uma
mente raciocinando sobre a viagem no elevador: intensidade crescente do impulso para escapar, e
se lhe fosse solicitada a introspecção - explorar o sistema fisiológico produz um aumento na taxa
todos os seus pensamentos sobre sua antecipação de batimentos cardíacos, uma queda na pressão
- ele reconhecería que estava com medo de entrar sanguínea resultando na sensação de desmaio,
no elevador. Ele podería inicialmente, talvez, estar uma tensão nos músculos do peito, e um aperto
mais assustado sobre a desconfortável ansiedade no abdômen.
que ele sentiría no elevador do que sobre o perigo Neste ponto, Bob torna-se completamente
físico presumido, associado com o mau funciona­ consciente de seus sentimentos desconfortáveis
mento do elevador. Assim que entra na recepção, e deseja escapar, mas ele é capaz de ativar seus
entretanto, o medo específico da catástrofe toma-se controles voluntários para superar esta reação
saliente. Ele se toma consciente do medo de que o “primitiva” e forçar-se a entrar no elevador. Ele
elevador irá cair e arrebentar ou ficar parado: ele consegue permanecer no elevador, não obstante
irá morrer, sufocar ou desmaiar. Ele também está com considerável ansiedade, até que chega ao
com medo de que seu sofrimento se acelerará até andar desejado. Assim que ele sai do elevador,
o ponto em que ele começará a gritar de forma sua ansiedade se reduz.
descontrolada e será humilhado.
Devemos notar a importância da interpretação
Mais tarde, quando Bob não estiver mais con­ do Bob sobre suas sensações fisiológicas em adição
frontado pelo medo de entrar em um elevador, ele ao seu medo de um desastre físico ou psicológico.
não estará mais com medo destes “perigos” do Através do feedback de suas sensações corpóreas
passado. A distância da fonte de perigo representa para seu sistema de processamento cognitivo, a
uma zona de segurança ou um “sinal de segurança” sensação de desmaio traz à tona um medo muito
(Woody & Rachman, 1994). Mas quando a mesma forte de morrer; o aperto de seus músculos in-
situação surge novamente, o mesmo padrão de tercostais conduz ao medo de não ser capaz de
medos é repetido. respirar; e o sentimento de turbulência produzido
Vamos examinar este padrão de reação fóbica. por seu aumento nos batimentos cardíacos e pela
As circunstâncias ativadoras repetem-se em tomo aflição abdominal intensifica seu desejo de fugir e
do evento de subir com o elevador. Estas circuns­ seu medo de que irá gritar de forma descontrolada
tâncias são processadas através do componente e bater nas paredes do elevador. Essa sequência
orientador do modo primitivo relevante para o imaginada de eventos leva a um outro medo - de ser
perigo - o risco imaginado de morrer, sufocar, humilhado por sua falta de controle na presença de
desmaiar e perder o controle. À medida que este outras pessoas. Tendo analisado a fobia de elevador
medo específico é ativado, os vários sistemas do Bob, podemos agora voltar à apresentação do
componentes do modo são reforçados. Vemos, conceito de modo e sua aplicação aos transtornos
então, a manifestação da ativação do modo: Bob clínicos e estados emocionais normais.

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Fronteiras da Terapia Cognitiva

Definição e descrição: estrutura e luta-fuga é composto da percepção de ameaça


(sistema cognitivo), sentimentos de ansiedade
funções
ou raiva (sistema emocional) que estimulam o
Os modos são suborganizações específicas den­ indivíduo a fazer alguma coisa, a criação de um
tro da organização da personalidade e incorporam impulso para agir (sistema motivacional), e a ação
os componentes relevantes dos sistemas básicos em si (sistema comportamental). O componente
da personalidade: cognitivo (ou processamento fisiológico consiste da mobilização física para luta
da informação), emocional, comportamental e ou fuga. Assim é possível descrever cada sistema
motivacional. Eu entendo cada um desses siste­ (cognitivo, emocional etc.) separadamente, como se
mas como composto de estruturas, denominadas fosse autônomo, ou em termos de suas interações
“esquemas”. Assim, o sistema cognitivo consiste sincrônicas com os outros sistemas.
de esquemas cognitivos, a emoção de esquemas O sistema cognitivo1 2 é responsável pelas fun­
emocionais, e assim por diante. Eu também incluo ções envolvidas no processamento de informação
o sistema fisiológico periférico como um compo­ e atribuição de significados: seleção dos dados,
nente separado até o grau em que ele contribui com atenção, interpretação (atribuição de significado),
uma dimensão exclusiva para o funcionamento memória e lembrança. Este sistema é composto de
do modo\ O modo, em virtude da rede integrada uma variedade de estruturas cognitivas relevantes
cognitiva-emocional-comportamental, produz para as construções das pessoas sobre si mesmas e
uma resposta síncrona às demandas externas e sobre outras pessoas, seus objetivos e expectativas,
fornece um mecanismo para implementar ordens e seu armazenamento de memórias, aprendizagem
e objetivos internos. anterior e fantasias. O processamento geralmente se
Alguns modos são mais “primitivos”, no sen­ estende para a elaboração secundária de significa­
tido em que incorporam mais padrões imediatos e dos complexos, relevantes para temas abstratos tais
básicos, relevantes aos objetivos cruciais derivados como autovalor, atratividade social e atribuições
de forma evolucionária (por exemplo, sobrevivên­ causais. O processamento geralmente ocorre fora
cia e procriação). O conteúdo destes modos - por da consciência (Kihlstrom, 1990), mas o conteúdo
exemplo, medos, ansiedade, impulsos de fugir - é pode ser acessado conscientemente. As estruturas
experimentado como se eles fossem reações refle­ básicas deste sistema foram denominadas de “es­
xas a situações de vida. Outros modos são menos quemas cognitivos” (veja Beck, 1967, para uma
peremptórios e são ativados por circunstâncias revisão). Os esquemas relacionados com infe­
menos constrangedoras, incluindo situações tão rências e interpretações são consolidados em um
prosaicas quanto estudar ou assistir televisão. subsistema de “atribuição de significado”.
Presumo que cada um dos sistemas que par­ As memórias ocupam um importante lugar no
ticipam de um modo tem uma função individual sistema cognitivo. Apesar de que as memórias
específica, mas que eles operam em sincronia de eventos passados podem não ser conscien­
para implementar uma estratégia coordenada tes, elas podem ajudar a moldar as reações aos
direcionada a um objetivo. Por exemplo, o modo eventos correntes (Williams, Watts, McLeod &

1 O sistema fisiológico não é tão isomórfico com (isto ó, está cm um nível diferente de abstração do que) os outros sistemas. Entretanto, para
explicarmos adequadamente o fenômeno, é necessário misturar os construtos físicos aos psicológicos. Um problema de certa forma parecido refere-
-sc ao conceito de carga ou catexia dos esquemas.

O enquadre conceituai de Teasdale de Interacting Cognitive Subsystems (ICS, Subsistemas Cognitivos de Interação), descrito no Capítulo 2,
apresenta uma descrição bem mais detalhada das várias unidades, códigos e padrões cognitivos do que apresento aqui. Assim, suas formulações são
complementares às minhas e fornecem uma carga rica de hipóteses testáveis derivadas da ciência cognitiva. Além do mais, por recorrer à lingua­
gem bem como aos conceitos da psicologia cognitiva, ele ajuda a preencher a distância entre as formulações clinicamente derivadas e aquelas das
disciplinas experimentais.

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Além da crença: uma teoria de modos, personalidade e psicopatologia

Matthews, 1988). As experiências são abstraídas tais como apetite e sexualidade, as necessidades
e organizadas na memória em tomo de temas es­ espontâneas de atacar ou fugir, e as pressões
pecíficos. Quando um modo particular é ativado, “involuntárias” para evitar ou reprimir ações “de
as memórias congruentes com o tema do modo risco”. Os sistemas motivacional e comportamental
também são ativadas. Reações denominadas “re­ são também compostos de estruturas, denomina­
flexos condicionados” têm tais memórias como das respectivamente “esquemas motivacionais” e
sua essência3. “esquemas comportamentais”. Estas estruturas são
O sistema emocional produz os vários estados disparadas rápida e automaticamente.
de sentimento e suas nuances e combinações Apesar de serem automáticos, esses padrões
(tristeza, alegria, ansiedade, raiva). Uma reação motivacionais-comportamentais podem ser postos
emocional não é simplesmente uma experiência sob controle consciente em muitas circunstâncias.
emocional desprovida de qualquer função vital. A ativação comportamental pode ocorrer indepen­
Ela é uma parte integrante das estratégias psi- dentemente da intenção consciente e, efetivamente,
cobiológicas relacionadas com sobrevivência e pode preceder a percepção consciente do impulso
procriação. Através do prazer (afeto positivo) e de lutar ou fugir, por exemplo. A mobilização auto­
disforia (afeto negativo), afetos reforçam o com­ mática e o impulso de lutar ou fugir é, geralmente,
portamento adaptativo (Beck, Emery & Greenberg, contrária aos desejos de controle consciente. Bob,
1985). Minha concepção de afeto negativo atribui- por exemplo, desejava intensamente ser capaz de
-lhe uma função específica, isto é, a de chamar a andar de elevador sem experimentar ansiedade e
atenção dos indivíduos e estimulá-los a focar numa um impulso de fuga. Ele era capaz de expressar
circunstância particular, que o reduz de alguma seu desejo consciente pela superação da ansiedade
forma. O afeto positivo funciona para reforçar desconfortável e do impulso automático, através da
as atividades direcionadas a objetivos, através de aplicação de seu “sistema de controle consciente”
“recompensar” a realização do objetivo. (descrito abaixo).
Pode-se fazer uma analogia entre a operação O sistema fisiológico é geralmente envolvido
deste sistema e a percepção de dor física, a qual sempre que um modo relevante de ameaça tenha
é projetada para trazer à tona ações corretivas e o sido ativado. Nesta discussão, não estou me refe­
prazer sensorial que recompensa as experiências rindo à ativação (ou inibição) do sistema nervoso
adaptativas. Este sistema também é composto de central, subjacente a todos os processos psicológi­
estruturas definidas - os esquemas afetivos - que cos, mas a inervação dos sistemas periféricos, tais
produzem afeto quando ativados. como o sistema nervoso autônomo, os sistemas
Os sistemas motivacional e comportamental motores e os sistemas sensoriais. Os sintomas
fornecem o mecanismo para a mobilização (ou fisiológicos, que acompanham a ansiedade ou a
inibição) automática do organismo para a ação (ou raiva, por exemplo, são importantes não somente
inação). Estes sistemas incluem as várias estratégias porque eles aumentam o impulso de fugir ou lutar,
emergenciais, tais como luta, fuga e imobilização mas, também, por causa das interpretações (“Eu
(Beck et al., 1985). O termo “motivação”, usado vou desmaiar”, “Eu não posso enfrentar isso”)
aqui como oposto à “intenção consciente”, aplica-se que são feitas deles. O feedback fisiológico dos
ao impulso involuntário automático e às inibições músculos, quando a pessoa está mobilizada para a
que estão vinculadas às estratégias primitivas. O ação, soma-se à sensação de “estar ligado” (veja
construto da motivação inclui as pulsõcs biológicas, Figura 1.1).

As memórias atribuídas ao modo têm sido descritas na literatura como um sistema especializado que registra “eventos emocionais”; isto é,
casos em que as experiências originais estavam associadas ao afeto (McGaugh, Introini-Collison, Cahill, & Castellano, 1993).

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Fronteiras da Terapia Cognitiva

Figura 1.1 - Ativação do modo.

O sistema de controle consciente é o instru­ ou memórias desagradáveis, inibindo impulsos


mento dos desejos, metas e valores mais reflexivos, disfuncionais ou ignorando emoções desagradáveis.
deliberados, conscientes e menos automáticos; Uma função importante é poder avaliar as reações
por exemplo, para se tomar livre de medos não cognitivas básicas.
razoáveis, para estabelecer e atingir metas razoá­ Esse sistema permite ao indivíduo formar
veis, para resolver problemas. Em contraste aos intenções conscientes bem como neutralizar pen­
impulsos reflexivos automáticos dos sistemas mo­ samentos, emoções e motivação primitivos. Bob,
tivational e comportamental, estes desejos e metas por exemplo, foi capaz de forçar-se a entrar no
são flexíveis e não são tão imperiosos. O sistema elevador, a despeito do seu desconforto e forte
também está envolvido com o processamento de necessidade de fugir. Através da intervenção tera­
procedimentos, tais como a aplicação de lógica a pêutica, ele pôde, conscientemente, reenquadrar a
problemas e o planejamento em longo prazo. Este situação ameaçadora (isto é, o perigo inferido) e
sistema está envolvido com o estabelecimento de transformá-lo em um evento relativamente inócuo.
controles sobre os sistemas primitivos, através, O sistema de controle, portanto, tem a função de
por exemplo, da correção dos “pensamentos auto­ avaliar os produtos do processamento cognitivo
máticos” que são gerados pelo sistema cognitivo primitivo (medos automáticos, autocríticas, culpa
primitivo, desviando a atenção de pensamentos etc.) através da aplicação de um pensamento

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Além da crença: uma teoria de modos, personalidade e psicopatologia

mais adaptativo, flexível e maduro. A operação Reações normais e excessivas


deste sistema tem, às vezes, sido denominada de
“metacognição”, uma vez que ela envolve “pensar Cada um dos transtornos clínicos pode ser
sobre o pensamento”. caracterizado em termos de um modo primitivo
A ativação de numerosos modos primitivos específico que, quando ativado, recorre a sistemas
depende das “características da demanda” de uma congruentes para implementar o “objetivo” do
situação (por exemplo, modo defensivo, modo de modo. Considere a seguinte observação: as pessoas
ansiedade, modo de avaliação, modo de ataque ou vivem reações discriminadas, bem definidas, que
agressão). A ativação de um modo em particular podem ser vistas como consequências lógicas de
é geralmente previsível a partir das circunstân­ circunstâncias ativadoras. Por exemplo, uma séria
cias que se apresentam ou, mais precisamente, perda geralmente leva a um composto de tristeza,
as construções ou imagem dessas circunstâncias lembranças de perdas passadas e, talvez, alguma
que a pessoa faz. passividade e lentidão4. Uma ameaça de um de­
sastre iminente evoca uma variedade de sintomas
Os sistemas integrados dos modos primitivos
tais como pensamento catastrófico, ansiedade e
são desenhados para ativar objetivos primitivos
perturbações do sono. Estas reações, com um
específicos - no exemplo da fobia de Bob, a sobre­
toque característico individual, são geralmente
vivência. Estes modos particulares são primitivos
no sentido de que eles são orientados para objetivos consistentes quando elas são provocadas. O quadro
cruciais tais como a sobrevivência, a segurança completo de sintomas do transtorno psiquiátrico -
e a proteção e são essencialmente de natureza ou modo primitivo - pode ser compreendido em
reflexiva. Eles também compreendem o pensa­ termos da ativação dos componentes dos vários
mento primitivo, tais como a abstração seletiva, sistemas, incluindo cognição, afeto, motivação e
as inferências dicotômicas e a supergeneralização comportamento.
(Beck, 1967). As interconexões dos sistemas no As reações primárias específicas de um dado
“modo de vulnerabilidade”, por exemplo, levam paciente, apesar de consistentes em sua forma e
a um acúmulo de ansiedade ou a uma inibição seu conteúdo, variam em intensidade e limiar.
ou a um impulso para evitar ou fugir da situação Uma reação severa, por exemplo, pode ser pos­
ameaçadora. Paradoxalmente, um padrão que é terior a uma experiência levemente estressante,
ativado para garantir a segurança, frequentemente se houver sido precedida por uma sucessão de
produz desconforto c possivelmente ameaça a estressores. Este fenômeno pode ser explicado
segurança por imobilizar o indivíduo. como resultando de um acúmulo de aumento na
O conceito de modo tem várias vantagens ao carga (ou energia) do modo. Um modo particular
explicar reações complexas tais como uma fobia está geralmente quieto ou latente no início, mas,
de elevador. Este conceito é capaz de explicar através de sucessivas experiências relevantes,
o seguinte: a regularidade e homogeneidade pode receber cargas cumulativas até que supere
das reações fóbicas específicas e outras reações o limiar para a ativação completa. Em algumas
disfuncionais de um indivíduo; a consistência do condições psicopatológicas - por exemplo, uma
conteúdo cognitivo destas reações; a multiplici­ depressão recorrente - o modo é cronicamente,
dade de sintomas envolvendo todos os sistemas; mas subliminarmente, energizado, de forma que
o baixo limiar para a formação de sintomas em ele possa se tomar completamente ativado após
indivíduos susceptíveis; e a progressiva sensibi­ um evento estressante relativamente insignificante
lização a eventos ativadores. (o fenômeno da sensibilização). Em algumas

4 Certamente, na análise final, a interpretação do evento e das circunstâncias relevantes determina a resposta. Para uma pessoa religiosa, a morte
de uma pessoa amada, por exemplo, pode ser vista como um final feliz, como sendo a entrada em uma bem-aventurança etema após a vida.

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Fronteiras da Terapia Cognitiva

condições, pode haver uma redução temporária perigo específico. Este processamento cognitivo
da intensidade da carga através de uma estratégia distorcido é refletido em pensamento dicotômico,
consciente; por exemplo, ataques de pânico podem supergeneralização, catastrofização e personali­
ser interrompidos através da distração5. zação. Recursos de atenção são concentrados no
O conceito de modo pode também ajudar a conteúdo específico do modo (por exemplo, no
explicar sentimentos de ansiedade ou angústia, que caso do pânico, em experiências somáticas ou
ocorrem quando a pessoa não está conscientemente fisiológicas; na paranoia, em possíveis sinais de
preocupada com uma ameaça em particular. No abuso pessoal). Em outras palavras, os processos
caso de Bob, por exemplo, a entrada iminente cognitivos são dirigidos pelos esquemas cogniti­
em um elevador ativou o modo de perigo-vulne- vos ativados. Como Epstein (1994) destacou, no
rabilidade, responsável por sua sensação vaga de entanto, essas reações primitivas não são neces­
ansiedade, mas o conteúdo cognitivo (isto é, o sariamente disfuncionais e, na realidade, podem
medo de queda etc.) não atingiu completamente salvar vidas em certas situações.
a consciência até que ele se preparou para entrar A diferença entre um processamento esque­
no elevador. O modelo presente assegura que mático simples e o processamento baseado em
muitos dados são processados implicitamente modos é ilustrado pelo exemplo seguinte: um es­
(sem atenção) pelo modo, enquanto os dados que tudante chega atrasado à sala de aula. As reações
requerem uma implementação consciente, tomam- específicas dos outros estudantes são modeladas
-se conscientes. por seus esquemas idiossincráticos; por exemplo,
preocupação com o estudante atrasado, incômodo
pela interrupção, ou satisfação por ele ter perdido
alguma instrução importante. Essas interpretações
Processamento modal versus
específicas, bem como as emoções, são geralmente
processamento esquemático simples transitórias. Não há mobilização para a ação e a
O componente cognitivo do modo, que con­ atenção dos estudantes pode ser dirigida de volta
siste de vários elementos inter-relacionados tais à aula. A variedade de reações breves como essas
como as crenças básicas, regras compensatórias e pode ser explicada pelo modelo de processamento
estratégias comportamentais, é mais complexo do esquemático simples.
que o simples modelo linear original. Os dados Quando analisamos o cenário do ponto de vista
visuais, auditivos e outros dados sensoriais rele­ da experiência do estudante atrasado, entretanto,
vantes são processados simultaneamente através um modelo de processamento cognitivo mais com­
de canais múltiplos. No modo primário, o pro­ plexo é necessário para explicar as observações. Ao
cessamento de informação altamente focalizado dirigir-se para a sala de aula, nosso estudante está
resulta em produtos cognitivos distorcidos6. Um determinado a chegar na hora, porque o material
modo fóbico, por exemplo, em virtude do foco da aula será assunto de uma prova. Entretanto, ele
dominante no conceito de perigo, seletivamente está atrasado porque seu automóvel está em um
abstrai e interpreta dados relevantes para um congestionamento de tráfego devido a um acidente

O uso de termos tais como “carga”, “catexia” e “energia” não deve ser confundido com as mesmas palavras usadas na teoria psicanalítica.
Freud formulou a ideia de histeria, por exemplo, como uma expressão de energia represada ligada a idéias ou memórias reprimidas. A derivação
sintomática dessa energia reprimida podia scr aliviada atravós da catarse ou ab-rcação do afeto. Utilizo os termos dc uma forma similar à dc Floyd
Allport (1955, pp. 48-415), em sua descrição dos conjuntos de ativação e desativação. Apesar desses termos haverem caído em desuso, eles adicio­
nam um poder explicativo substancial aos modelos estruturais de personalidade e psicopatologia. De certo modo, a energização dos modos pode
corresponder à atividade neural de áreas específicas do cérebro, que já foram demonstradas como estando correlacionadas a funções mentais, tais
como energia, memória e ruminações.

O pensamento distorcido não é necessariamente disfuncional. Em certas condições perigosas, é melhor reagir cm excesso do que reagir a
menos, atribuir um significado exagerado de perigo e personalizar certas ameaças.

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Além da crença: uma teoria de modos, personalidade e psicopatologia

na rodovia e ele tem consciência de que poderá ser expressos através da ampliação de recursos,
perder a aula toda. em atividades tais como a aquisição de riqueza e
Essas são as circunstâncias ativadoras para a propriedade. O envolvimento total no aumento de
instigação de um modo de medo. Seu mecanismo recursos interpessoais e materiais é característico
orientador, relacionado com o conceito de vulnera­ do modo maníaco e é refletido em um autoconceito
bilidade e perigo, é uma parte vital da organização inflado. Na depressão, o modo produtivo perde
cognitiva. Quando a situação ou a circunstância é energia e o autoconceito é empobrecido; parte
percebida como ameaçadora à segurança física ou do tratamento é dirigido à preparação para este
psicológica, o mecanismo orientador ativa o modo modo (tanto através de farmacoterapia como de
primitivo. O estudante começa a visualizar um intervenção cognitivo-comportamental). Também
fluxo de consequências terríveis para o seu atraso. incluído no modo construtivo está o tipo de pen­
Ele vai perder a prova, ser expulso da escola, ser samento construtivo descrito por Epstein (1992).
humilhado pelos outros estudantes e terminar mar­
ginalizado pela sociedade. A lembrança de outros Modos menores
estudantes que fracassaram acentua seus medos. Até agora estive discutindo os principais modos
Quando um modo primitivo é ativado, todos primitivos, relacionados a assuntos vitais (tais como
os sistemas (cognitivo, afetivo, comportamental, perigo, fracasso e rejeição). Para a maior parte
fisiológico) mantêm-se energizados por algum de nossa vida ativa, entretanto, experimentamos
tempo depois que as circunstâncias ativadoras modos menores em atividades mais prosaicas, tais
tenham desaparecido. Assim, o estudante atrasado como nosso envolvimento com a leitura, conversar
permanece ansioso por um período prolongado com outras pessoas ou trabalhar. Nossa atenção está
de tempo, mesmo depois que ele chega à classe focada na situação imediata e os sistemas cogni­
e consegue recuperar o material que perdeu. tivo, afetivo, comportamental e motivacional são
Semelhantemente, os mais importantes modos mobilizados em um nível suficiente para satisfazer
disfuncionais, como a depressão, permanecem as demandas da situação. Em contraste com os
em operação muito depois que o evento precipi- modos mais importantes ou primários, esses modos
tador (por exemplo, um fracasso ou término de menores não são altamente energizados e estão
um relacionamento) tenha acabado. O paciente sob controle consciente flexível; por exemplo, é
permanece triste e distanciado e o modo também relativamente fácil mudar de um modo de estudo
continua a moldar as interpretações do paciente ou de conversação para um outro modo (digamos,
sobre suas experiências, de acordo com seus pró­ diversão). Esse fácil intercâmbio não está dispo­
prios conteúdos negativos. nível na depressão e em outros transtornos sérios.

Modo “construtivo” ou “positivo” Relação entre modos e humor


Atividades produtivas direcionadas diretamente O conceito de modo pode ser usado para subs­
a aumentar os recursos vitais também podem ser tituir o conceito tradicional de humor. Apesar de
manifestações de modos primitivos. Um exemplo que existem semelhanças entre esses dois cons-
bastante óbvio é o estado de fascinação que faci­ trutos, creio que o construto do modo incorpora
lita o cumprimento da exigência evolucionária do as principais características do humor e tem maior
vínculo íntimo. Outros modos expansivos podem valor explanatório do que as formulações padrão7.

English e English (1958) definem humor como “um estado emocional relativamente leve, permanente ou recorrente (...) um estado interno de
prontidão para um tipo específico de resposta emocional; excitado, feliz, depressivo”. O conceito de modo cobre ambas as definições.

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Fronteiras da Terapia Cognitiva

Apesar de algumas descrições de humor fazerem acordo com minha formulação atual, a formação
referência a um componente cognitivo, uma e o desenvolvimento inicial do modo dependem da
característica definidora refere-se à presença de interação de padrões congênitos (“protoesquemas”)
afeto (tristeza, alegria, medo etc.). Além do mais, e experiência. Esses protoesquemas simplesmente
humores têm sido vistos como estados transientes fornecem as estruturas básicas que respondem
que simplesmente não tem uma função específica. seletivamente a experiências congruentes e evo­
Em contraste, o conceito de modo inclui as fun­ luem para esquemas cognitivos, através de uma
ções específicas não somente do processamento forma análoga ao desenvolvimento das estruturas
de informação, mas também dos outros sistemas de linguagem específicas a partir das estruturas de
psicológicos, ao fornecer uma resposta integrada linguagem primitivas não diferenciadas. (Pinker,
específica para as demandas externas, bem como 1994). Logo, aprender a reconhecer e responder
um mecanismo para a implementação dos objetivos às ameaças reais depende da disponibilidade dos
de uma pessoa. protoesquemas e suas exposições a experiências
A teoria do modo também inclui o conceito relevantes de vida, as quais, então, interagem para
de estrutura e carga (ou energia) para explicar a produzir esquemas diferenciados. Assim, a estru­
regularidade com a qual estados específicos são tura preliminar de um modo disfuncional já está
acionados e sua ativação, após intervalos, através instalada antes do início de transtornos psicológicos
de estímulos progressivamente menos intensos - por exemplo, depressão - e é, então, disparada
(sensibilização ou facilitação). De acordo com por um evento congruente, tal como uma perda.
o conceito de modo, a pessoa que está de “mau Como um modo particular é ativado por uma
humor” (ou modo) iria não somente sentir-se situação congruente? Quando o indivíduo percebe
brava, mas iria perceber os eventos como intru- a situação estimuladora relevante (o elevador, no
sivos e ofensivos e estaria disposta a responder caso de Bob), ou está geograficamente ou tempo­
asperamente às pessoas, sem uma provocação ralmente próximo a ela, um esquema orientativo
ostensiva. atribui um significado preliminar à situação estimu­
Em concordância com esta formulação atual, ladora e ativa o restante do modo relevante (neste
termos tais como “transtornos de humor” seriam caso, o “modo de perigo”), o qual é manifestado
traduzidos como “transtornos de modo”; “ex­ clinicamente pela reação fóbica ao elevador. O
periências de indução de humor”, tomar-se-iam encontro do esquema orientativo com a situação
“indução de modo”; e frases tais como “Estou de é um processo intrincado que ocorre rapidamente
mau humor”, tomar-se-iam “Eu estou em um mau e, no caso de situações perigosas, praticamente de
modo”. Essa formulação não exclui explicações forma instantânea.
biológicas para a ativação do humor ou dos trans­ O conteúdo dos esquemas orientativos pode ser
tornos de humor, mas ampliam sua caracterização equiparado com um algoritmo que determina as
ao incluir os sistemas básicos dos modos. condições necessárias para uma correspondência.
Os termos do algoritmo não são aplicados cm uma
progressão passo a passo, mas operam simultanea­
mente de uma forma global, como se estivessem
Ativação dos modos
ajustados em um molde ou forma. Quando essas
Em minha teorização anterior, postulei um condições estão satisfeitas, o esquema é ativado
caminho simples da cognição para a emoção, e, por sua vez, dispara o restante do modo ao
motivação e comportamento (Beck, 1967, 1976). qual está ligado. A excitação estende-se, através
Propus que uma situação estímulo ativava um do sistema cognitivo do modo, aos sistemas afe­
esquema cognitivo, o qual, simultaneamente, ati­ tivo, motivacional, comportamental e fisiológico
vava motivação, emoção e comportamento. De (veja Figura 1.1). Essa formulação tem alguma

32
Além da crença: uma teoria de modos, personalidade e psicopatologia

similaridade com a teoria de rede de Bower (1981) Modos e transtornos psiquiátricos


- especialmente com relação à distribuição da ex­
citação através da rede - mas isto está muito mais Os vários modos psicopatológicos podem ser
proximamente relacionado à formulação das redes conceituados em termos dos modos primários. Exis­
cognitivo-emocionais de Mischel e Shoda (1995). tem, por exemplo, modos de ansiedade, depressão,
O “sistema de controle consciente” é separado desesperança suicida, pânico, obsessivo-compul-
e relativamcnte independente do modo. Quando sivo e modos fóbicos específicos, correspondendo
ativado, este sistema de controle tem o potencial a cada um dos transtornos ou problemas clínicos
de suprimir, ou, mais precisamente, de “desener- (veja Tabela 1.1). Também a ativação dos modos
gizar” o modo. pode ser observada em comportamentos com­
Qual é o papel dos esquemas orientativos pulsivos tais como abuso de substâncias, comer
quando a pessoa já está em um estado clínico (por excessivo, anorexia nervosa ou cortar os pulsos.
exemplo, depressão)? O esquema orientativo ainda Os modos também estão, obviamente, envolvidos
está operando, mas requer muito menos “evidência” na paranoia e comportamento homicida (veja
para fazer um alinhamento com (isto é, atribuir Tabela 1.1).
um significado a) uma situação estimuladora. Até os transtornos de personalidade podem
Por exemplo, na depressão, eventos ambíguos ser formulados cm termos dc modos (Beck et
ou irrelevantes podem ser interpretados de uma al., 1990). Quando pessoas com transtornos de
forma negativa. Os esquemas negativos superati- personalidade dependente, histriônico, evitativo ou
vados interrompem os esquemas mais normais e narcisista descompensam, elas podem entrar em
imprimem seu próprio significado ao evento (veja um modo hostil, depressivo, ansioso ou de outro
Beck, 1967, p. 285). Assim, uma pessoa depressiva tipo. Os transtornos de personalidade também po­
pode interpretar um sorriso como benevolência, dem ser caracterizados em termos de seus modos
expressão de empatia ou sinal de desdém, e uma habituais ou predominantes, os quais exercem
separação passageira de uma pessoa significativa
um papel constante na vida diária do paciente.
como um abandono.
Assim, transtornos de personalidade dependente,
Deve ser enfatizado que os modos primários não evitativo e histriônico são caracterizados com base
são necessariamente disfuncionais. A mobilização em modos persistentes dependentes, evitativos ou
de toda a organização psicobiológica, ao ocorrer histriônicos. Nesses transtornos, os modos estão
um perigo real, pode ser muito adaptativa, até operando a maior parte do tempo e não requerem
mesmo salvar a vida. Uma vez que os modos pri­ um forte estímulo para serem ativados.
mários evoluíram em épocas remotas, eles podem
A organização cognitiva, referente aos vários
causar problemas por não estarem necessariamente
transtornos do Eixo I (Sistema DSM-IV, APA
adaptados às circunstâncias modernas. O “nicho”
mudou e muitas das estratégias derivadas estavam - American Psychiatric Association), pode ser
melhor adaptadas para resolver os problemas analisada em termos dos modos principais. Esses
básicos pré-históricos, do que os problemas mais modos têm as mesmas estruturas cognitivas que as
complexos da vida contemporânea. O modo de formulações conceituais atualmente utilizadas ao
perigo, por exemplo, que se originou em condições se formular um caso. As organizações cognitivas
perigosas nas selvas pré-históricas, é mobilizado são compostas dc uma hierarquia dc crenças de­
quando uma ameaça é simbólica - por exemplo, nominadas “constelação cognitiva controladora”
ser negativamente avaliado - mas é experimentado (Beck et al., 1985), que forma a estrutura de atri­
como se existisse uma séria ameaça à vida (como buição de significados, interpretações, explicações
podería ser o caso em tempos remotos). e expectativas.

33
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Tabela 1.1 - Sistemas típicos cognitivo, afetivo, comportamental e fisiológico, associados a categorias
diagnosticas específicas

a Embora hostilidade não tenha sido incluída como um transtorno mental nas classificações atuais, acredito que deveria ser
incluída, a fim de explicar reações individuais excessivas, que levam à violência e ao homicídio.

As crenças básicas consistem dos componen­ O terapeuta pode inferir as crenças básicas
tes mais sensíveis do autoconceito (por exemplo, incondicionais, subordinadas a essas regras condi­
vulnerável, desamparado, incapaz, não amado, cionais: “Eu não tenho amigos, não sou amado”,
sem valor) e a visão primitiva que o indivíduo “fisicamente vulnerável”, e “sem utilidade, sem
tem de outros (rejeitadores, hostis, superiores). valor”; outras pessoas são “rejeitadoras”, “críticas”,
As regras condicionais (embutidas no “esquema ou “perigosas” (essas crenças básicas se tomam
orientativo”) estipulam as condições sob as quais a totalmente conscientes e são frequentemente ex-
crença básica é aplicável e, dessa forma, toma-se perienciadas como ruminações, quando a pessoa
operativa. As regras orientadoras correspondem tem uma depressão clínica, mas são mais sutis em
às regras comportamentais “se... então”, descritas outros transtornos).
por Mischel e Shoda (1995). Quando os critérios
As crenças básicas são geralmente equilibradas
para estas regras são preenchidos, a crença básica
pelas regras compensatórias:
ou sua derivativa é ativada ou reforçada. Por
exemplo, a regra condicional de Bob era: “Se eu
pegar o elevador, eu provavelmente morrerei.” “Se eu evitar os outros, eu posso evitar ser
Logo, a decisão de tomar o elevador preencheu rejeitado” (ansiedade social).
as condições da regra e ativou o modo fóbico “Se eu conseguir atenção do médico imediata­
centrado na crença básica, “Eu sou vulnerável a mente, eu poderei ser salvo” (pânico).
um desastre físico”. Outros exemplos de regras “Se eu continuar alcançando realizações, então
condicionais são: terei valor” (depressão).

“Se eu me aproximar de outras pessoas, serei As regras compensatórias conduzem a impera­


rejeitado” (ansiedade social). tivos, imposições e proibições tais como “Trabalhe
“Se eu tiver uma sensação inexplicável, isso tanto quanto você consiga”, “Não se destaque para
é um sinal de um perigo interno catastrófico” não ser notado”, “Não troque o certo pelo incerto”.
(pânico). No transtorno obsessivo-compulsivo, exis­
“Se eu tentar fazer qualquer coisa, eu certamente tem pelo menos duas crenças básicas. Primeiro,
vou falhar” (depressão). “Eu (ou outros indivíduos vinculados a mim

34
Além da crença: uma teoria de modos, personalidade e psicopatologia

nessa sequência causal) sou vulnerável a algu­ uma crença particular está errada ou disfuncional
mas condições externas tóxicas”. Essas ameaças e que outra crença é mais precisa e adaptativa.
são geralmente invisíveis, tais como micróbios Além disso, as estratégias indutoras dormentes
patogênicos, radar, gases tóxicos, ou mesmo para resolução de problemas (Nezu & Nezu, 1989)
“pensamentos maldosos”, que podem (dc acordo ajudam a ativar o modo adaptativo mais “normal”.
com o paciente) provocar doença, dano ou morte. Os modos primais, particularmente aqueles que
Aliado às ameaças, há uma segunda crença básica: correspondem a transtornos tais como pânico, an­
“Sou responsável, se eu não evitar o desastre.” siedade social, depressão e obsessivo-compulsivo,
As regras condicionais negativas, no trans­ podem ser “descarregados” - isto é, reduzidos para
torno obsessivo-compulsivo, são (1) “Se eu (ou um nível de repouso - através de uma variedade
alguém ligado a mim) for exposto, então graves de métodos. Em uma reação adaptativa normal, o
consequências irão ocorrer”; (2) “Se eu não agir modo primai referente a perigo é ativado, quando
para evitar o dano causado por qualquer um destes os indivíduos percebem um conjunto de condições
agentes nocivos ou letais, eu serei responsável (e que parecem representar um perigo real. Se eles
culpado)”. A regra compensatória condicional é reconhecem que sua interpretação de “perigo” foi
“Se eu tomar medidas apropriadas, posso evitar errada, ou quando eles determinam que o perigo
que o desastre ocorra”. A regra imperativa é “Eu passou, o modo primai é desativado.
tenho que fazer tudo o que puder para evitar que Suponha que você seja despertado de seu sono
este desastre ocorra”. por barulhos estranhos que soam como os de um
O modo no transtorno obsessivo-compulsivo invasor em seu quarto. Você se toma instantanea­
pode não ser operacional o tempo todo. Todavia, mente mobilizado para se proteger. Você, então,
o modo sempre carrega alguma carga acima do descobre que os sons foram causados pelo movi­
limiar, até que uma carga adicional, ocasionada por mento da persiana de sua janela. Você se acalma
uma situação estímulo (por exemplo, exposição à e volta a dormir. O modo de perigo, ativado por
sujeira), eleva a carga acima do limiar e o modo sua interpretação dos sons, foi “descarregado”
sc toma totalmcnte operacional. Assim, quando por sua reinterpretação, baseada em informação
as condições das regras condicionais negativas mais precisa.
são preenchidas, o modo é ativado e os sintomas Uma sequência um tanto diferente ocorre na
específicos do transtorno obsessivo-compulsivo experiência de pacientes com transtornos psicoló­
tornam-se aparentes. A mesma dinâmica ocorre gicos. Por exemplo, pacientes com transtorno de
em outros transtornos, tais como o transtorno de pânico aprendem que seus ataques de pânico po­
ansiedade generalizada e a depressão. dem ser interrompidos por meio de distração, pela
transferência de sua atenção para algum estímulo
externo. A carga do modo de pânico é temporaria­
Terapia: “descarregando” e modificando mente reduzida, situando-se abaixo do limiar de
ativação, e os sintomas desaparecem. Deveria ser
os modos
observado, entretanto, que em contraste à reação
Há três abordagens principais para o “tra­ normal que ocorre quando um perigo presumido
tamento” dos modos disfuncionais: primeiro, termina, o modo de pânico ainda carrega uma
desativá-los, segundo, modificar sua estrutura e carga abaixo do limiar (subliminar) e pode ser
conteúdo, e, terceiro, formar ou “construir” modos prontamente reativado - isto é, atingir o limiar
mais adaptados para neutralizá-los. Na prática real, - sob circunstâncias conducentes; por exemplo,
o primeiro e terceiro procedimentos são conduzidos experimentar uma “sensação não natural”, tal
simultaneamente, por exemplo, demonstrando que como uma súbita dor no peito.

35
Fronteiras da Terapia Cognitiva

As flutuações na carga do modo são particular­ Como um terapeuta obtém uma modificação
mente óbvias nos transtornos fóbicos, tais como mais permanente do conteúdo ou da estrutura de um
a fobia de Bob ao elevador. Quando exposto ao modo? Parece que, para que tal mudança duradoura
problema de andar de elevador, seu modo de perigo ocorra, é necessário obter mudança substancial
se toma mais altamente carregado e ele se toma nas regras básicas, absolutas e condicionais, que
ansioso. Se ele optar por usar as escadas (isto é, moldam as interpretações do indivíduo. Por exem­
ele escapa da situação fóbica), a carga é reduzida plo, estudos de tratamentos demonstraram que, à
abaixo do limiar e ele não mais estará sintomático. medida que as regras condicionais dos pacientes
Entretanto, mesmo o fato de pensar sobre andar com predisposição ao pânico, referentes à explica­
de elevador pode aumentar a carga até acima do ção para suas sensações corporais ou experiências
limiar de ativação e produzir ansiedade, respiração psicológicas não naturais, são substancialmente e
rápida e suor nas mãos. repetidamente repudiadas e uma explicação mais
Outros métodos, além de distração, podem ser convincente para estas sensações é incorporada,
temporariamente efetivos na redução da carga eles não mais experimentam ataques de pânico8.
supraliminar do modo primai. Por exemplo, a “ca- A mudança permanente nas crenças, por exem­
texia” do modo de pânico, quando ativada, pode plo, de “Minha leve dor no peito é provavelmente
ser reduzida para um nível subliminar, durante um ataque do coração” ou “Minha sensação de
um ataque de pânico, por meio reasseguramento desmaio significa que estou morrendo”, para “Esse
por um médico ou outro profissional. A comuni­ tipo de dor passageira no peito é devido a um
cação confiante de uma informação corretiva leva espasmo inócuo dos músculos do peito” ou “A
a uma interpretação mais benigna da sensação sensação de desmaio é resultado da hiperventila-
não natural e reduz a carga do modo até abaixo ção”, não somente produz rápido alívio dos ataques
do limiar de ativação. Dependendo da fonte de de pânico, mas também um tipo de “imunidade”
ansiedade ou fobia, a informação persuasiva pode contra ataques futuros. O sólido aprendizado,
estar simplesmente refletida na garantia de que envolvido numa demonstração convincente da
não há perigo de sufocar em um túnel, ou perder natureza irreal dos medos mais a incorporação de
o controle em um supermercado, ou desmaiar no uma crença mais realista, forma uma sólida parede
topo de uma torre alta. protetora contra ataques de pânico subsequentes.
A informação corretiva que provenha de uma Este tipo de aprendizado corretivo se toma
autoridade reconhecida não somente contraria o “estruturado”, isto é, incorporado em um modo
conteúdo (por exemplo, o medo) incorporado ao adaptativo. Uma mudança crucial ocorre no
modo, mas também ativa um “modo de segurança”, esquema orientador. As condições provocativas
incorporando uma crença mais realista (veja Ra- anteriores (por exemplo, tontura ou dor no peito)
chman, 1990). À medida que esse modo se toma não mais produzem pânico, mas evocam um sig­
ativo, ele desvia parte da carga (temporariamente) nificado adaptativo (tais como, “Minha tontura é
da fixação no perigo. Entretanto, a carga ou modo uma reação fisiológica normal a hiperventilação”
de segurança é, geralmente, instável e quando o ou “Minha dor no peito é simplesmente tensão
paciente é novamente exposto ao estímulo amea­ em meus músculos peitorais”). À medida que o
çador, o modo de perigo é recarregado acima do esquema orientador (ou regra) é alterado, a in-
limiar de ativação e o paciente experimentará seu fraestrutura das crenças absolutas é modificada.
típico complexo de ansiedade. Essa alteração é provavelmente o paradigma para

8 Um estudo de Oxford mostrou que mudanças nas regras relativas à saúde-doença estavam correlacionadas com a cessação duradoura de
ataques bem como com a recuperação do período atual de ataques múltiplos (Clark et al1994).

36
Além da crença: uma teoria de modos, personalidade e psicopatologia

a maior parte das aprendizagens corretivas. Além inadequação” básica é parcialmente desativada. O
disso, o conhecimento implícito incluído no novo reconhecimento, revisão e reenquadre dos “pen­
modo adaptativo inibe a ativação das velhas cren­ samentos automáticos negativos” também ajuda
ças disfuncionais, as quais se tomam inoperantes, a energizar os testes de realidade, bem como
apesar de não totalmente eliminadas. Elas podem modificar a autoimagem negativa.
se tomar novamente carregadas, sob circunstâncias Outras habilidades cognitivas, tais como exa­
estressantes específicas. minar evidências a favor de uma interpretação,
A modificação do modo depressivo segue explorar explicações alternativas, e reforçar (e
uma rota similar àquela dos transtornos de fobia recarregar) testes de realidade, também são cru­
e pânico. As intervenções de apoio padrão, por ciais na redução da catexia do modo depressivo.
exemplo, podem enfraquecer as crenças básicas Se, por um lado, a aplicação destas habilidades
“Ninguém pode me ajudar” ou “Ninguém pode pode ser eficaz em interromper a progressão da
me amar” (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1979). depressão e promover a recuperação, por outro,
O interesse e a orientação do terapeuta transfe­ não necessariamente altera a predisposição para
rem parte da catexia da crença de “desamparo” a depressão. A fim de evitar novas ocorrências, é
ou “desamor”, para uma crença mais adequada e necessário modificar o conteúdo dos esquemas e
“agradável”. No entanto, uma vez que este pro­ aplicar as habilidades cognitivas, quando surgirem
cesso, em si mesmo, não altera permanentemente interpretações disfuncionais. Barber e DeRubeis
as crenças disfuncionais, o transtorno está sujeito (1989) afirmam que a proteção contra novas ocor­
a ocorrer novamente. Similarmente, a farmacotera- rências de depressão, em seguida à aplicação com
pia pode neutralizar a carga do modo depressivo, sucesso da terapia cognitiva, pode ser atribuída à
mas, uma vez que ela não altera a estrutura do aprendizagem, pelos pacientes, das habilidades
modo, não evita que o transtorno tome a ocorrer. cognitivas básicas durante a terapia e, então, à sua
A mudança mais permanente ocorre a partir da aplicação quando surgem circunstâncias adversas.
alteração do significado das regras de atribuição A abordagem para modificar a predisposição
que equiparam, por exemplo, o fracasso ou o para a depressão consiste em alterar as caracterís­
desapontamento com “não poder ser amado” ou ticas estruturais específicas do modo depressivo.
“ser uma pessoa sem poder”, substituindo-as por Primeiro, os tipos de avaliações negativas que se
regras mais adequadas referentes ao significado originam a partir dos esquemas orientativos, e que
de uma rejeição ou um fracasso. disparam o modo e efetivamente são componentes
A abordagem básica cognitivo-comportamental do modo depressivo, são avaliados e modificados.
para a depressão, que consiste do estabelecimento Por exemplo, se os pacientes acreditam que sua
de um programa de atividade estruturado e de uma felicidade e seu valor dependem de contínuo
ênfase em “superioridade” e “prazer” (Beck et al., sucesso e reconhecimento, eles tendem a investir
1979), ajuda a induzir o modo produtivo ou adapta­ excessivamente na busca dessas metas. Quanto
tivo que havia estado dormente durante a depressão. mais eles valorizam o alcance dessas metas e
A indução de esquemas produtivos específicos à equivalem seu senso de valor a essa realização,
resolução de problemas contrapõe-se à passividade mais vulneráveis eles serão a qualquer reversão
regressiva. Atividades, tais como a atribuição de ou retrocesso. Modificar as regras de atribuição
uma hierarquia de tarefas graduadas, confron­ de significado envolve o esclarecimento do papel
tar e resolver problemas práticos (incluindo-se do sucesso pessoal, por exemplo, como somente
aqueles criados pela depressão), demonstram aos uma parte da vida e não como a medida do va­
pacientes que eles são capazes de fazer mais do lor do indivíduo. Estas alterações no sistema de
que acreditavam e que têm mais controle sobre si valores dos pacientes leva a uma estabilização de
mesmos do que imaginavam. Assim, a “crença de sua autoestima e autoimagem. Através da redução

37
Fronteiras da Terapia Cognitiva

do grau de envolvimento do ego em afirmar seu o mesmo: o modo é desativado. A desvantagem


sucesso, por exemplo, eles descobrem que os da farmacoterapia é que, apesar de conseguir
eventos se tomam menos importantes. descarregar ou inibir o modo disfuncional, ela
O fato de que as drogas parecem ter o mesmo não produz quaisquer alterações duráveis nas
impacto que a psicoterapia no funcionamento dos crenças de atribuição de significado. Assim, em
modos é um problema que precisa ser abordado. um momento posterior, a confluência de condições
Por exemplo, a melhora nas crenças depressivas predisponentes e precipitadoras pode novamente
são observadas em seguida a um tratamento bem- produzir o recrudescimento dos sintomas.
-sucedido, tanto através da terapia cognitiva como As implicações terapêuticas da presente dis­
da farmacoterapia (Simons, Garfields & Murphy, cussão são relevantes para a duração da terapia
1984). Assim como experiências tais como ga­ e para o impacto sobre os sistemas de crenças.
nhos, perdas ou ameaças podem ativar um modo Na prática clínica, é importante concentrar na
expansivo, depressivo ou vulnerável e intervenções modificação das crenças disfuncionais, bem como
psicológicas podem desativar estes modos, da inculcar habilidades cognitivas. Uma vez que os
mesma forma os agentes farmacológicos, tais como pacientes variam em suas “curvas de aprendiza­
as anfetaminas, tricíclicos e barbitúricos podem ter gem”, a duração da terapia deveria ser adaptada
efeitos similares em carregar, descarregar e inibir às necessidades individuais, particularmente
modos específicos. Sem considerar o dilema do conforme indicadas pelas alterações nas crenças
problema mente-corpo, ainda é possível englobar disfuncionais e fundamentais. Sessões de reforço,
estas observações dentro da presente teoria: os após o término do curso formal da terapia, também
modos são conceituados como estruturas unitárias. seriam indicadas como uma forma de reforçar o
Vistos de uma perspectiva psicológica, eles têm aprendizado adaptativo.
as características (estruturas, conteúdo, nível de
ativação) já descritas. A partir de uma perspectiva
ncuroquímica, os modos podem scr vistos como
Resumo
um conjunto de padrões de redes neurais, até o
momento não definidas. A ativação do fenômeno A formulação da teoria dos modos foi estimu­
psicológico e dos substratos neurais ocorre como lada por minha dificuldade em acomodar vários
um processo unitário, no qual os aspectos psicoló­ fenômenos psicológicos e psicopatológicos ao mo­
gico e neural simplesmente representam diferentes delo esquemático simples de estímulo -> esquema
perspectivas do mesmo fenômeno. cognitivo -»motivação, emoção e comportamento.
O ponto de entrada ao sistema nervoso central A noção de modo pode fornecer uma explicação
e o caminho para ativação (ou desativação) do mais completa da complexidade, previsibilidade,
modo difere conforme as drogas e as experiên­ regularidade e singularidade das reações normais e
cias de vida (incluindo a psicoterapia): as drogas anormais. Um modelo que englobe um composto dc
afetam o modo pela entrada direta ao cérebro, estruturas cognitiva, emocional e comportamental,
através da corrente sanguínea, e modificam a refere-se ao fenômeno clínico e, ao mesmo tempo,
atividade neural. Os acontecimentos externos resguarda a unidade psicobiológica essencial do
são afunilados através dos canais sensitivos, tais organismo. Este novo modelo, além do mais, pode
como visão e audição, e após um processamento clarificar não somente a forma e o conteúdo dos
preliminar são transformados na atividade neural transtornos psiquiátricos, mas também sua preci­
que culmina na ativação ou desativação do modo. pitação, oscilação e remissão.
Independentemente do ponto de entrada - se atra­ O conceito de modos representa uma expan­
vés dos canais sensitivos ou através da introdução são global da simples teoria dos esquemas e
de materiais psicotrópicos no cérebro - o efeito é fornece o enquadre para uma teoria integrada de

38
Além da crença: uma teoria de modos, personalidade e psicopatologia

personalidade e psicopatologia. Modos são con­ congruentes. Além do mais, a disponibilidade de


cebidos como unidades estruturais e operacionais conjuntos {clusters) de crenças e memórias facili­
de personalidade, que servem para adaptar um tam o processamento paralelo (isto é, global), de
indivíduo a mudanças em contingências. Os modos sorte que o organismo possa responder quase que
consistem em um composto dos sistemas cogni­ instantaneamente a todas as variáveis relevantes
tivo, emocional, motivacional e comportamental. em uma situação específica.
Os componentes relevantes desses sistemas são Uma nova contribuição à teoria é o conceito
unificados dentro do modo e funcionam sincroni- de “esquema orientativo”. O esquema orientativo
camente como estratégias adaptativas. Os modos consiste de um tipo de algoritmo que estabelece
podem explicar uma variedade de funções, que vão as condições ou circunstâncias necessárias para a
desde reações relativamente breves em situações ativação do modo. Assim, um simples olhar para
de emergência até fenômenos mais diversificados e uma figura ameaçadora pode colocar em movi­
permanentes tais como emoção, depressão clínica mento uma avaliação simultânea da relevância
e preconceito. pessoal, do contexto, do risco, das estratégias de
Está claro que a organização cognitiva na enfrentamento e da previsão de resultados para
depressão, por exemplo, não pode ser reduzida a uma determinada estratégia. À medida que o
poucos esquemas simples, mas consiste de uma modo é ativado, os esquemas relevantes coorde­
série complexa de esquemas que variam ao longo nados entram em ação e os sistemas emocional,
de várias dimensões, tais como a acessibilidade motivacional e comportamental são energizados.
(explícita ou implícita) e potência ou intensidade Quase simultaneamente, o organismo se torna
preparado para a ação, que estabelece as condições
(por exemplo, preponderante ou latente). O con­
ou circunstâncias necessárias para ativar o modo.
glomerado de esquemas também inclui uma ampla
Uma vez que o modo é ativado, a variedade de
categoria dc crenças, tais como autoimagem,
esquemas coordenados entra em ação. Os sistemas
expectativas, imperativos e memórias. O con­
emocional, motivacional e comportamental são
teúdo dessas crenças varia de acordo com certas
ativados simultaneamente.
características, tais como absoluto ou relativo e
condicional ou incondicional. Independente de serem ativados por eventos
ambientais ou por fatores neuroendócrinos internos,
À medida que circunstâncias e demandas
os modos operam como processadores de informa­
mudam, um modo relevante para a situação em
ções de situações em andamento. Os indivíduos
transformação é ativado. Embora um modo seja
continuamente monitoram seus ambientes interno
visto como sendo, de forma geral, ativado por
e externo e, quando um conjunto particular de
circunstâncias externas relevantes, alguns modos
condições “se encaixa” ao algoritmo ou à forma
podem ser instigados por fatores biológicos, tais
original do esquema orientativo ligado ao modo,
como fome ou desejo sexual, ou por condições
o composto cognitivo do modo é carregado. À
anormais, tais como transtornos afetivos bipolares.
medida que o significado é atribuído à situação
Os humores - reformulados como modos - podem pelos esquemas cognitivos, os sistemas emocio­
ser ativados por fatores endógenos. nal, motivacional e comportamental congruentes
De um ponto de vista funcional, é mais eco­ se tomam carregados. O conteúdo dos esquemas
nômico para um organismo ter acesso imediato cognitivos consiste de regras, crenças e memórias,
a uma suborganização que recorre aos sistemas que moldam o fluxo de informação em produtos
cognitivo, emocional e motivacional relevantes, cognitivos: interpretações, previsões e imagens.
de uma forma global, do que ter que se apoiar O processo cognitivo inicial está geralmente fora
em um processo linear de crenças e esquemas da consciência, mas os produtos frequentemente
individuais, que ativam emoções e motivações prosseguem até alcançar a consciência.

39
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Um modo de luta (ou hostil), por exemplo, A noção de “energia” (catexia, carga) pode
pode ser ativado por uma outra pessoa brandindo explicar o fenômeno de ativação e desativação, de
um taco de beisebol. A crença orientativa confere elevação e redução dos limiares, e de sensibilização
um rótulo de “ameaça” e quase instantaneamente e dessensibilização. O conceito de carga ou catexia
energiza o modo de luta: a impressão inicial inclui pode explicar como um modo particular se toma
uma representação global do risco, da seriedade e mais ativo face a situações de estímulo sucessi­
iminência da ameaça e dos recursos individuais de vas, até que domina o funcionamento individual.
enírentamento (Beck et al., 1985). Os componentes Essa acumulação progressiva pode ocorrer em
apropriados do modo são ativados - significado: circunstâncias “normais”, tais como uma reação
“estar sendo atacado”; afeto: raiva; motivação: profundamente hostil após repetidos insultos, ou
necessidade de lutar; comportamento: mobilização em reações anormais, tais como a depressão clínica.
para contra-atacar. Há também um componente O conceito de “desenergizar” e modificar os
fisiológico para esse tipo de modo, especificamente modos disfuncionais, e construir ou reforçar modos
uma ativação do sistema nervoso autônomo, ma­ mais adaptativos, pode clarificar problemas, tais
nifestada por um aumento em pressão sanguínea, como remissão e recaída e a escolha da interven­
batimentos cardíacos e sudorese. ção apropriada. O modelo também fornece algum
Muito do processo cognitivo, em situações insight sobre o valor relativo e as aplicações espe­
emergenciais, ocorre fora da consciência, mas cíficas de várias intervenções terapêuticas, como
geralmente existe um produto cognitivo consciente, distração, treinamento de habilidades e reestrutu­
em forma de uma imagem, do risco potencial de ração de crenças básicas. Ele também destaca a
ser atacado. No geral, os processos não conscientes importância de uma abordagem multifacetada para
ocorrem como respostas automáticas, praticamente transtornos complexos, tais como a depressão, a
reflexas e imediatas a uma ameaça, sendo que o qual requer a combinação de intervenções conso­
processamento consciente ocorre como uma res­ lidadas por meio “sessões de reforço”, a fim de
posta mais lenta. o modo disfuncional reforçar o modo adaptativo.
O sistema consciente registra os derivativos Este construto também fornece uma explicação
(pensamentos, sentimentos e desejos) dos com­ para a similaridade e a diferença entre terapia
ponentes reflexivos dos modos, bem como dos cognitiva e farmacoterapia. A terapia cognitiva é
componentes mais refletidos. Este componente mais eficaz em proteger contra recaídas, porque
também consiste de fenômenos importantes, tais ela altera a estrutura do modo.
como o senso consciente de identidade (“eu”), O conteúdo de um modo particular fornece
escolha, vontade, valores, estética e curiosidade. um guia com relação à possibilidade do indivíduo
O sistema consciente é o mais flexível e adaptável estar experienciando uma reação normal ou um
dos sistemas de personalidade e funciona para: (1) transtorno clínico. Um estado prolongado caracte­
sobrepor-se às operações automáticas de um modo, rizado por um conteúdo extremo, desproporcional
quando entram em conflito com valores e planos a circunstâncias provocadoras, e que não retrocede
conscientes; (2) fornecer uma perspectiva mais com a alteração nas circunstâncias, sugere que um
ampla de uma situação; (3) conduzir um “teste transtorno clínico está presente.
de realidade” dos produtos (inferência automática Cada um dos transtornos clínicos pode ser
e previsões); e (4) fornecer um planejamento em descrito em termos de um modo específico,
longo prazo, mudança de estratégias e estabe­ com propriedades idiossincráticas cognitivas,
lecimento de metas. Assim, a interação entre o emocionais, motivacionais e comportamentais.
sistema consciente e o modo pode acontecer de Os sintomas são manifestações destas proprieda­
forma vertical e em ambas as direções. des; por exemplo, no modo depressivo há uma

40
Além da crença: uma teoria de modos, personalidade e psicopatologia

preocupação com perda (cognitiva), uma tristeza endógenas, alterações na intensidade e qualidade de
(emocional), e uma inércia e passividade geral estados emocionais, relação entre personalidade e
(comportamental). Uma função do modo depres­ psicopatologia e as respostas diferenciais das per­
sivo é a conservação de recursos e uma função do turbações psicológicas à farmacoterapia e à terapia
modo de ansiedade é a imediata autopreservação. cognitiva. Esse acréscimo à terapia cognitiva atual
Os demais transtornos clínicos também podem ser pode fornecer esclarecimentos adicionais sobre
compreendidos em termos dos componentes do processos normais e anormais e pode facilitar o
modo específico. Suas funções podem ser geral­ refinamento de estratégias de intervenção.
mente vistas como uma aberração ou exageração
de um processo adaptativo normal. Por exemplo,
o transtorno obsessivo-compulsivo, o transtorno
Agradecimentos
alimentar, o transtorno de pânico podem ser vistos
dessa forma. Sou muito grato aos feedbacks muito valiosos
Em essência, a formulação do conceito de modo sobre os primeiros rascunhos deste capítulo que
pode fornecer uma abordagem para várias questões recebi de Judith S. Beck, David A. Clark, David
que dizem respeito à interação entre vários sistemas M. Clark, Cathy Flanagan, Robert Leahy, James
psicológicos, à relação entre funções inconscientes Pretzer, Paul Salkovskis, John Teasdale, Jeffrey
e conscientes, reações a variáveis situacionais ou Young e Larry Weiss.

41
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Clark, D. M., Salkovskis, P. M., Hackman, A., Middleton,


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43
Capítulo 2

Teoria clinicamente relevante: integrando o


INSIGHT CLÍNICO COM A CIÊNCIA COGNITIVA

John Tcasdale

ue tipo de teoria irá melhorar o tra­ o entendimento e tratamento da depressão. No


tamento psicológico?”. Esta pergunta futuro, historiadores neste campo, sem dúvida,
forneceu o título e o foco de um destacarão este trabalho como um dos mais
capitulo de um livro que escreví no inicio dos importantes pontos de mudança, que revisou,
anos 1980 (Teasdale, 1982). Naquele capítulo, radicalmente, nossa abordagem a este transtorno.
abordei o rápido sucesso e desenvolvimento inicial Entretanto, o modelo cognitivo que fundamenta a
da terapia comportamental e argumentei que isto terapia cognitiva é expresso em linguagem essen­
era o resultado, em larga escala, da rica interação cialmente leiga, ou cotidiana, em vez de utilizar
que houve entre, por um lado, as formulações os termos de qualquer das estruturas conceituais
comportamentais e o tratamento de problemas, desenvolvidas dentro da psicologia cognitiva ou
e, por outro, os paradigmas experimentais de da ciência cognitiva. De várias formas, isso tem
aprendizagem e condicionamento. A existência sido uma força em vez de uma limitação; a rápida
de uma estrutura conceituai compartilhada entre comunicabilidade e senso comum dos aspectos do
modelo cognitivo tem sido provavelmente um fator
esses dois domínios permitiu que os clínicos
de contribuição ao sucesso dramaticamente cres­
desenvolvessem modelos teóricos, descobertas
cente da terapia cognitiva. Entretanto, as versões
empíricas e métodos de avaliação desenvolvidos
em nível de senso comum do modelo cognitivo
pelos experimentalistas, para benefício mútuo
não são desprovidas de problemas. Por um lado,
de ambas as partes. Quando escrevi o capítulo,
tais descrições esforçam-se para fornecer explica­
argumentei que, no caso da depressão, não havia
ções convincentes de fenômenos-chave, tais como
nada que se ajustasse bem a uma estrutura con­
o fato de que medidas de atitudes disfuncionais,
ceituai compartilhada, ou paradigma, que pudesse
geralmente admitidas como representativas de
agir como uma interface fértil entre os domínios vulnerabilidades cognitivas fundamentais estáveis,
clínico e experimental. são muito fortemente influenciadas por estados
O mesmo pode ser dito da situação atual. Beck de humor (por exemplo, Haaga, Dyck & Emst,
e seus colegas fizeram avanços realmente grandes 1991). Por outro lado, a linguagem cotidiana não
no desenvolvimento da abordagem cognitiva para é um veículo apropriado para expressar algumas
Fronteiras da Terapia Cognitiva

das refinadas hipóteses de trabalho, geralmente A estrutura dos Subsistemas


implícitas, que guiam os terapeutas cognitivos
Cognitivos Interativos (SCI)
criativos e de sucesso. Parece sempre existir um
perigo, ao utilizar conceitos cotidianos tais como Os Subsistemas Cognitivos Interativos (SCI)
regras e crenças como identificadores aproximados compreendem uma ampla estrutura conceituai,
para referir-se a conceitos fundamentais que são dentro da qual, em princípio, uma explicação de
mais sensíveis e complexos, de que nossas teorias todos os aspectos do processamento de informações
possam cair numa armadilha e serem limitadas pode ser desenvolvida. Originalmente desenvolvido
pela linguagem que utilizamos para expressá- por Barnard (1985), esta estrutura foi recente­
-las. Além do mais, tais descrições não fornecem mente ampliada e elaborada especificamente para
uma interface particularmente permeável através incorporar a emoção e foi aplicada à análise de
da qual as descobertas e os conceitos da ciência transtornos emocionais, cspccialmcntc a depressão
cognitiva possam fecundamente interagir com os (Teasdale & Barnard, 1993).
dos clínicos. Os SCI são baseados em poucas ideias, basica­
Vou dcscrcvcr uma estrutura conceituai, emba- mente simples. A primeira é a de que, para fazer
sada na psicologia cognitiva e na ciência cognitiva, justiça àquilo que sabemos sobre a forma pela
que pode avançar na direção de satisfazer a ne­ qual a mente trabalha, temos que reconhecer que
cessidade de uma articulação mais precisa dos existem tipos de informações ou códigos mentais
insights e ideias que tão fecundamente orientaram qualitativamente diferentes. Cada um destes códi­
o desenvolvimento do movimento clínico cogni­ gos representa um aspecto distinto da experiência.
tivo até hoje. O enquadre não é tão proximamente Assim, nos SCI, alguns códigos representam a
informação da experiência sensorial “crua”, “não
atado a fenômenos experimentais particulares
digerida”, tais como os padrões de luz, sombra e
quanto o são os paradigmas que orientaram o de­
cor, o diapasão, o timbre e os padrões temporais do
senvolvimento inicial da terapia comportamental.
som; e os padrões da estimulação proprioceptivos,
Entretanto, ela compartilha com eles a vantagem
que surgem a partir da musculatura e outros órgãos
sobre os esquemas conceituais mais “cotidianos”
sensitivos internos. Outros códigos representam
de articulação e especificação de construtos mais
regularidades repetidas, que foram extraídas dos
precisos, de uma forma que facilita a interação
padrões dos códigos sensitivos criados pelos
com as disciplinas experimentais e nos permite
indivíduos durante o curso de suas experiências
estruturar explicações alternativas para fenômenos
de vida. Assim, por exemplo, um código de nível
complexos. Da mesma forma, ela pode fazer justiça
discursivo capta as características que são comuns
à riqueza de “palpites” e da observação clínica,
a certas palavras, independente do volume ou so­
geralmente oferecendo uma análise do fenômeno
taque com os quais elas são faladas, de forma que
que se aproxima mais dos “modelos operacio­
somente o essencial da palavra é retido, e outras
nais” que orientam os clínicos, do que as teorias
características sensíveis, mais superficiais, são
expressas em linguagem mais cotidiana. Mas, o descartadas. Similarmente, um código de objeto
mais importante, ela fornece uma visão nova do visual captura padrões básicos que tenham ocorrido
fenômeno que, com uma apropriada mistura de nos padrões dos códigos sensoriais visuais. Esse
inspiração e insight clínico, pode levar ao desen­ código representaria, por exemplo, a propriedade de
volvimento de novas abordagens para tratamento ser “esférico” ou “estar atrás”. Padrões recorrentes
e prevenção. nos códigos de nível discursivo e de objetos visuais
Neste capítulo, me concentrarei em comunicar são, eles próprios, representados por códigos que
ideias. A base empírica para tais ideias é apresen­ representam significados. Os SCI distinguem dois
tada extensivamente por Teasdale e Barnard (1993). tipos de significados, um relativamente específico

46
Teoria clinicamente relevante: integrando o insight clínico com a ciência cognitiva

e um mais genérico. Uma vez que essa distinção é de “lembrança” óbvia, mas também no curso de
particularmente importante para a presente discus­ longas operações de processamento, tais como as
são, ela será considerada com mais detalhes adiante. envolvidas no entendimento de uma situação que
A segunda ideia básica dos SCI é a de que está ocorrendo ou na previsão de estados futuros.
existem processos que transformam a informação Na arquitetura cognitiva dos SCI, os processos
de um tipo de código para outro. As conversões de transformação que convertem padrões de infor­
realizadas por esses processos de transformação mação em um código em padrões dc informação
são “aprendidas” de acordo com as bases das em outro código, e a memória de armazenamento
regularidades e das covariações nos padrões dos de códigos específicos, são distribuídos em nove
códigos das informações previamente encontrados subsistemas cognitivos. Cada subsistema é espe­
na experiência do sistema. Assim, por exemplo, cializado em processar as entradas em um dado
um processo, ao receber um padrão particular código de informação. Todos os processos de
de informação sensorial de som como entrada transformação que usam entradas naquele código
(input), produzirá um padrão em código de nível são incluídos no subsistema, assim como os regis­
discursivo correspondente à palavra “bom” como tros de memória que armazenam representações
saída {output). O mesmo processo, ao receber um de todas as informações que entram no subsistema
padrão diferente de informação sensorial de som, naquele código.
irá produzir como saída um padrão em código de Dentro dos SCI, o processamento da informa­
nível discursivo correspondente à palavra “vivo”. ção envolve a transformação de padrões dentro
Similarmente, um outro processo, ao receber um de um código de informação em padrões dentro
padrão típico de situações anteriores relacionadas de um outro código de informação. Um proces­
à perda, no código de informação que representa samento de informação extensivo envolve um
significados de alto nível, irá produzir, como saída, fluxo contínuo e troca de dados entre os subsis­
padrões de código executivo, que irão produzir temas, durante o qual a natureza da informação
componentes da reação emocional depressiva. processada é repetidamente modificada como
A ideia final básica da abordagem dos SCI é a resultado de ações de processos de transformação
de que todos os padrões dos códigos de informações e das contribuições dos registros de memória. Tal
criados são guardados na memória, com sistemas processamento irá, geralmente, envolver trans­
de memória separados para cada um dos diferentes formações recíprocas que, por exemplo, criam
códigos mentais. Por exemplo, em sequência a significados de alto nível a partir de padrões de
uma conversação, existirão vários registros daquele significados de baixo nível e, então, criam no­
evento - no armazenamento do nível discursivo vos significados de baixo nível a partir daqueles
estarão as representações correspondentes às significados de alto nível. O processamento da
palavras proferidas durante a conversação, no informação pode utilizar como entrada tanto
armazenamento de significados específicos estarão padrões de informação sensorial derivados “exter­
as representações correspondentes aos significados namente”, originados nos eventos ambientais, ou
específicos derivados durante a conversação, a padrões de informação derivados “intemamente”,
partir de sentenças que incluíram aquelas pala­ os quais surgem de processamentos prévios ou a
vras, e no armazenamento de significados de alto partir de acesso à memória.
nível, estarão as representações correspondentes
às interpretações de alto nível (por exemplo, de
ameaça, atração ou “agendas ocultas”), criadas
Significado nos SCI
em relação ao total da experiência de conver­
sação. A informação guardada nos registros de Os SCI reconhecem dois níveis de significado,
memória é acessada não somente nos momentos um nível específico e um nível mais genérico.

47
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Padrões de código Proposicional representam direta para os significados Implicacionais, junta­


significados específicos em termos de conceitos mente com padrões de significados específicos.
discretos e dos relacionamentos entre eles, por Assim, os significados de alta ordem que obtemos
exemplo, o significado específico por trás da a partir dos significados específicos transmitidos
forma discursiva “Roger tem cabelo castanho”. naquilo que alguém está nos dizendo podem ser
O significado nesse nível pode ser captado de diretamente influenciados pelos sons reais das
forma relativamente fácil, uma vez que existe um palavras, se o tom de voz de quem fala é tenso e
relacionamento bastante direto entre a linguagem forçado em vez de ser caloroso e relaxado, e se,
e os conceitos neste nível. Os significados propo- em nível corporal, estamos calmos e alertas ao
sicionais têm um valor de verdade que pode ser invés de cansados e desconfortáveis.
acessado. Isto é, eles conduzem informação sobre Padrões coerentes do código Implicacional
estados específicos do mundo, os quais podem ser representam modelos esquemáticos da experiên­
verificados através de referência às evidências. cia. Modelos mentais, em geral, representam os
Padrões de código Implicacional representam inter-relacionamentos entre elementos semânticos
um nível de significado mais genérico, holístico. (Johnson-Laird, 1983). Modelos Esquemáticos
O significado neste nível é difícil de transmitir representam os inter-relacionamentos entre ca­
porque ele não se ajusta diretamente à linguagem. racterísticas genéricas da experiência, capturando
Tradicionalmente, as tentativas de transmitir tais regularidades repetidas de nível muito alto, no
significados holísticos através da linguagem to­ mundo, no corpo e na “mente”. Esses modelos
maram a forma de poemas, parábolas e histórias. referem-se ao que combina com que em um
Esse nível genérico de representação codifica a alto nível de abstração. Assim como os modelos
repetição de regularidades de ordem muito alta matemáticos, que recebendo como entrada um
através de todos os outros códigos de informação. certo conjunto de valores para um certo número
Os SCI propõem que somente este nível genérico de variáveis calculam um conjunto particular de
de significado está diretamente ligado à emoção. valores de saída, os modelos esquemáticos tam­
Significados Implicacionais não podem ser avalia­ bém produzem saídas que refletem as implicações
dos como simplesmente verdadeiros ou falsos, da calculadas a partir do estado da informação que
mesma forma que os significados Proposiconais eles tenham tido como entrada.
mais específicos podem. Os SCI sugerem que, O conhecimento, nos modelos esquemáticos,
subjetivamente, a síntese dos significados gené­ é implícito ao invés de explícito. Por exemplo,
ricos é marcada pela experiência de “sensações” diante de um texto que comunica os significados
ou “sentimentos” holísticos particulares com específicos “João derrubou o copo da mesa. Maria
um conteúdo de significado implícito: “alguma foi até a cozinha buscar uma vassoura”, o modelo
coisa errada”, “confiança”, “no caminho certo”, esquemático [“ato de quebrar”]1 será sintetizado.
“desesperança”. Este modelo codifica todas as regularidades repe­
Refletindo o fato de que os padrões do código tidas de alta ordem que tenham sido previamente
Implicacional representam padrões repetitivos ex­ extraídas das experiências envolvendo a quebra de
traídos de todos os outros códigos, características objetos frágeis. O conhecimento implícito, inerente
sensoriais, tais como o tom de voz ou o feedback neste modelo esquemático, nos permite inferir,
proprioceptivo a partir de uma expressão facial ou imediatamente, o significado específico de que o
uma excitação corporal, trazem uma contribuição copo foi quebrado, sem o recurso de quaisquer

1Seguindo a convenção adotada por Teasdale e Barnard (1993), colchetes são usados para denotar modelos esquemáticos. Os conteúdos
dentro dos colchetes indicam o conteúdo temático do modelo.

48
Teoria clinicamente relevante: integrando o insight clínico com a ciência cognitiva

regras explícitas, tais como “Se alguma coisa é A Tabela 2.1 também pode ser usada para ilus­
derrubada e alguém vai buscar um instrumento trar o conhecimento implícito inato nos modelos
de limpeza, então a coisa deve ter sido quebrada”. esquemáticos criados pelo poema. Se uma pessoa
Algum “sentimento” das representações em ler a poesia em voz alta, capta o “sentido” que ela
nível Implicacional pode ser obtido através da transmite, e então responde à questão “Ele seria
consideração da analogia entre uma sentença e divertido se o encontrasse em uma festa?”, po­
um poema. Uma sentença carrega um ou mais dendo responder à pergunta de forma muito direta
significados específicos pelos arranjos de letras e imediata através da consulta do conhecimento
ou fonemas em uma sequência apropriada. Um implícito do modelo esquemático construído. Em
poema transmite significados “holísticos” que não contraste, se uma pessoa ler a versão em prosa e
podem ser transmitidos por simples sentenças, pela então responder à pergunta, muito provavelmente
ordenação de sentenças em sequências apropriadas, ela teria que fazer isto passo a passo, considerando
combinadas, é importante notar, com contribuições cada uma das proposições por etapas e chegando
sensoriais diretas apropriadas a partir dos sons a um julgamento mais lenta e “racionalmente”.
das palavras, dos ritmos e métricas do todo, e das
imagens visuais trazidas à tona.
O significado total comunicado por um poema Os SCI e as emoções
é qualitativamente diferente da soma dos sig­
nificados específicos separados, assim como o Como são produzidas as emoções dentro da
significado de uma sentença é qualitativamente estrutura dos SCI? De acordo com os SCI, os
diferente das letras ou palavras que a compõem. modelos esquemáticos relacionados com a emoção
Isso é ilustrado na Tabela 2.1, na qual é apre­ desempenham um papel central na produção e
sentado um extrato de um poema. O significado manutenção dos estados emocionais. Da mesma
holístico criado pela poesia é marcado por um forma que os modelos esquemáticos Implica-
“sentido” de melancolia e abandono. A Tabela 2.1 cionais, em geral, codificam as características
também inclui uma versão em prosa que retém a extraídas como prototípicas dc classes dc expe­
mesma sequência de níveis de significados espe­ riências, os modelos esquemáticos relacionados à
cíficos, mas que, devido às formas em que são emoção codificam características extraídas como
expressos, falta-lhes a coerência, as qualidades prototípicas de situações anteriores que evocam
evocativas dc som e as imagens do poema. O uma dada emoção. Quando, subsequentemente, no
efeito total da versão em prosa é muito diferente! curso do processamento da informação, padrões

49
Fronteiras da Terapia Cognitiva

do código Implicacional correspondentes a tais os expressa em uma estrutura mais esquemática


modelos são sintetizados, a emoção correspon­ que também sugere a importância dos fatores
dente é produzida. Assim, por exemplo, sínteses enfatizados em desenvolvimentos mais recentes
dos modelos esquemáticos de temas codificados da terapia cognitiva. Os SCI têm a vantagem
extraídos como prototípicos de situações depressi­ adicional de que os relatos da depressão são
vas anteriores, tais como [“visão negativa global expressos em termos de uma estrutura explana-
do self’] ou [“uma situação desesperançada, al­ tória de processamento da informação com um
tamente aversiva, incontrolável, que irá persistir propósito generalista, permitindo-nos, assim,
indefinidamente”], levarão à produção de um operar em conclusões e descobertas mais gerais
estado emocional atual depressivo. da psicologia cognitiva.
Dentro dos SCI, a habilidade de evocar dire­
tamente uma resposta emocional é limitada aos
modelos esquemáticos relacionados ao afeto; SCI e depressão
representações relacionadas à emoção, em outros
códigos de informação, somente contribuem para
a produção de emoção até o ponto em que elas Manutenção da depressão
alimentam a produção de tais modelos. De forma Como já destacado, os SCI sugerem que a
relacionada, os SCI restringem a capacidade síntese de um modelo esquemático, relacionado
de trazer à tona uma emoção no mais genérico com a emoção, é o antecedente imediato à pro­
dos dois níveis de significado que ela reconhece dução de uma resposta emocional. Se a resposta
(Teasdale, 1993). Significados nesse nível podem emocional deve ser sustentada, o modelo esque­
incluir construções substanciais de elementos mático relevante relacionado com a emoção deve
sensorialmente derivados. Consequentemente, ser repetidamente ressintetizado. Conclui-se que
inputs sensoriais podem fazer uma contribuição a manutenção de um estado depressivo depende
direta para a síntese de significados de alto nível da produção contínua de modelos esquemáticos
relacionados ao afeto. Por exemplo, padrões de dcpressogênicos, a partir de padrões de signifi­
significados de baixo nível relacionados à perda, cados específicos e padrões de inputs derivados
que podem criar modelos esquemáticos depres- sensorialmente. O relato dos SCI é essencialmente
sogênicos [“desesperançoso - autodepreciativo”] dinâmico; se a produção dos modelos depres-
em conjunção com feedback corporal indicando sogênicos cessar (por exemplo, como resultado
indolência, postura curvada e expressão carrancuda, de uma produção de modelos esquemáticos não
podem criar uma maior aceitação ou modelos de depressogênicos alternativos), então o estado de
enfrentamento (significados) em conjunção com depressão será suspenso.
feedback que indica uma postura corporal alerta, O que mantém a produção contínua de modelos
ereta, digna e uma expressão de satisfação. depressogênicos? Uma possibilidade óbvia é a de
Apesar de baseada em poucos princípios que o fluxo contínuo de acontecimentos de perdas
simples, a abordagem dos SCI, ao ser aplicada, sérias ou de dificuldades derivadas do ambiente será
pode se tomar bastante complexa, refletindo as suficiente para provocar um fluxo dc informações
complexidades e sutilezas do processamento de derivadas extemamente, que irão levar à síntese
informação humano (Teasdale & Barnard, 1993). repetida de modelos esquemáticos de manutenção
O princípio básico apresentado será desenvolvido da depressão. Entretanto, parece que geralmente
quando eu considerar a manutenção e o tratamento a depressão é mantida por eventos muito menos
da depressão. A aplicação dos SCI conduz a uma significativos que, se encontrados em um estado
análise que retém os insights centralmente impor­ não depressivo, não iriam disparar uma resposta
tantes do modelo cognitivo clínico original, mas depressiva. Em outras ocasiões, a depressão parece

50
Teoria clinicamente relevante: integrando o insight clínico com a ciência cognitiva

que é mantida, não tanto por eventos ambientais contribuições para a síntese do modelo, derivadas
negativos, tais como fluxos persistentes de reflexões de eventos ambientais simultâneos, foram omitidas
de pensamentos negativos. Os SCI sugerem que, em dessa figura.
todas essas situações, qualquer contribuição à pro­ Na configuração mostrada na Figura 2.1, os
dução de modelos esquemáticos depressogênicos, outputs gerados a partir dos modelos mentais
a partir de eventos ambientais, é substancialmente esquemáticos depressogênicos, retroalimentam
reforçada, prolongada, ou mesmo suplantada pelos e regeneram modelos esquemáticos similares
processos cognitivos que suportam a “manutenção àqueles a partir dos quais foram derivados os
interna” da depressão. A análise dos SCI sugere que outputs. Loops de retroalimentção, envolvendo
tal manutenção interna depende, em muito, do es­ contribuições que modelam sínteses, tanto a partir
tabelecimento de configurações de processamento de padrões de significados específicos quanto de
autoperpetuadoras, que continuam a regenerar os inputs sensoriais, proprioceptivos, formam partes
modelos esquemáticos depressogênicos. A Figura dessa configuração automantida.
2.1 ilustra tal configuração. Por simplificação, as

Figura 2.1 - A manutenção “interna” da depressão por uma configuração autoperpetuadora de proces­
samento “intemamente fechado”. O motor central da cognição (ciclos Implicacional - Proposicional
- Implicacional) é indicado pelas setas pontilhadas.

51
Fronteiras da Terapia Cognitiva

O “loop cognitivo” mostrado na Figura 2.1 específicos (por exemplo, “É porque eu não sou
depende da relação recíproca que existe, dentro bom como pessoa, que eu fracassei em X [ou Y
dos SCI, entre as representações Implicacionais não gosta de mim]”), são, logicamente, passíveis
genéricas e as representações Proposicionais es­ de incentivar uma síntese adicional de modelos de
pecíficas. Por um lado, os modelos esquemáticos “self globalmente negativo” no próximo ciclo de
Implicacionais produzem, como saídas, signifi­ processamento. Estes significados negativos especí­
cados Proposicionais específicos; por outro lado, ficos também podem ser (mas não necessariamente
padrões de significados específicos fornecem uma serão) vivenciados como fluxos de “pensamentos
das maiores fontes de input a partir da qual os automáticos negativos”, como resultado da ope­
modelos esquemáticos Implicacionais são sinte­ ração de processos de transformação, que geram
tizados. Dado um tal relacionamento recíproco, padrões de código dc nível discursivo a partir dc
existe uma possibilidade inerente dc que a troca dc padrões de significados específicos (Figura 2.1).
informação entre os subsistemas Proposicionais e
O loop cognitivo mostrado na Figura 2.1 esta-
Implicacionais pode “acomodar-se” em um padrão,
belece-se quando a interação recíproca entre os
no qual somente uma estreita faixa dc conteúdos
subsistemas cognitivos, que manipulam os níveis
cognitivos tematicamente relacionados são proces­
de significado genérico (Implicacional) e especí­
sados. Isso sugere que tal situação surge em um
fico (Proposicional), tomam-se “fechados” dentro
círculo cognitivo de configuração mantenedora
do processamento de um intervalo limitado de
da depressão, ilustrado na Figura 2.1. Aqui, os
conteúdos negativos tematicamente relacionados.
modelos esquemáticos depressogênicos produ­
Esse processamento fechado, suplementado pouco
zem significados específicos negativos (previsões
ou muito, por informações que surgem de inputs
negativas do futuro, atribuições de fracasso a
coincidentes do meio ambiente, age para manter
desajustes pessoais, avaliações negativas de inte­
a síntese de uma classe de modelos esquemáticos
rações interpessoais, dicas de resgate que acessam
Implicacionais depressivos relacionados e para
memórias de fracassos ou dificuldades prévias
perpetuar o estado depressivo. Tal configuração
etc.). Esses resultados geralmente serão compo­
nentes das rotinas de processamento motivado, fechada é particularmente propensa a tornar-se
direcionadas (ineficazmente) para a obtenção de estabelecida a partir de modelos esquemáticos
objetivos altamente valorizados, os quais não po­ globalmente negativos do self ([“o indivíduo como
dem ser atingidos nem abandonados (ver Teasdale uma pessoa totalmente sem valor, sem utilidade,
& Barnard, 1993, Capítulo 14, e comparar com sem ajuda”]) ou do futuro ([“um futuro totalmente
Pyszczynski & Greenberg, 1987). Uma vez que sem esperança, desprovido de qualquer satisfa­
eles codificam significados negativos específicos, ção ou alívio”]). Tais modelos globais, além de
esses resultados, após processamento adicional, produzirem estados depressivos de intensidade
podem agir para regenerar modelos esquemáticos considerável, também podem ser reinstalados por
depressogênicos adicionais, similares àqueles a elementos que correspondem a uma grande gama
partir dos quais os resultados foram derivados. Por de significados negativos específicos. Consequen­
exemplo, um modelo esquemático relacionado ao temente, variações consideráveis no conteúdo
tema [“o indivíduo como uma pessoa sem valor, específico da informação negativa que circula
sem utilidade, incompetente, cujas ações irão em tomo do loop cognitivo ainda podem levar à
provavelmente falhar, mas que precisa manter-se manutenção continuada de configuração fechada
buscando a aprovação dos outros”] podería gerar e do estado depressivo. Dc maneira consistente
significados específicos relacionados com as atri­ com essa análise, a depressão está, obviamente,
buições de inadequação pessoal para uma recente associada com a experiência de pensamentos ne­
experiência específica de fracasso. Tais significados gativos que refletem visões negativas globais do

52
Teoria clinicamente relevante: integrando o insight clínico com a ciência cognitiva

self, do mundo e do futuro (Haaga et al., 1991): podemos considerar com mais detalhes, a partir
a tríade cognitiva de Beck. de agora, os aspectos da abordagem dos SCI no
A Figura 2.1 também mostra um loop sensorial. entendimento e tratamento da depressão.
Aqui, os modelos esquemáticos depressogênicos
produzem os componentes corporais de uma res­
posta emocional depressiva, tais como a excitação SCI e a função dos pensamentos
e a ativação reduzidos; uma postura inclinada negativos na manutenção e no
e curvada; uma expressão com lágrimas, triste, tratamento da depressão
carrancuda; e assim por diante. Essas respostas
Dentro da estrutura dos SCI, a experiência
levam a elementos informacionais sensorialmente
subjetiva de pensamentos, em forma verbal, está
derivados (estado-corporal) que, uma vez que
associada com a produção de padrões correspon­
tenham sido associados com a síntese de modelos
dentes, em código mental em nível discursivo. A
esquemáticos depressogênicos e a produção de de­
experiência subjetiva de pensamentos, na forma
pressão no passado, podem contribuir para a atual
de imagem visual, está associada à produção de
síntese de modelos esquemáticos depressogênicos
padrões correspondentes em código de objeto
adicionais. Esses modelos irão produzir novamente
visual. Em ambos os casos, os pensamentos sub­
respostas depressivas no corpo. Dessa forma, o
jetivamente experimentados terão sido criados
circuito sensório, juntamente com o circuito cog­
como produtos “subordinados” de significados
nitivo, pode agir para perpetuar a configuração do
específicos associados. Esses significados espe­
“encadeamento depressivo”, mantendo a produção
cíficos, por sua vez, serão derivados tanto como
da depressão.
resultado de modelos esquemáticos, que codificam
A análise dos SCI sugere que a vulnerabilidade significados de alto nível, quanto do processamento
para o início ou para a recaída da depressão severa de inputs em códigos de nível discursivo ou de
ou persistente irá depender da facilidade com que objetos visuais.
as configurações encadeadas, do tipo ilustrado na Algumas definições anteriores do modelo
Figura 2.1, irão se desenvolver em situações de cognitivo clínico sugeriram que a depressão é
leve efeito negativo. Também sugere que o risco uma consequência da experiência de pensamentos
de encadeamento é particularmente alto para mo­ automáticos negativos. Em contraste, a análise dos
delos globalmente negativos do self ou do futuro. SCI, sumarizada na Figura 2.1, vê os pensamen­
Consistentes com estas sugestões, a vulnerabilidade tos negativos, em nível superficial e disponíveis
à depressão incapacitadora está associada com à consciência, como não tendo um papel direto
índices elevados nas avaliações de uma visão ou necessário na produção da depressão. Tais
global negativa do self aplicada em situações de pensamentos podem dar um acesso consciente
humor levemente deprimido (Teasdeale & Dent, à informação que está circulando em tomo da
1987). Similarmente, indivíduos vulneráveis configuração mantenedora da depressão, e podem
registram índices acima dos controles normais, contribuir indiretamente, através da produção de
quando ambos os grupos são testados em estados significados negativos específicos, para a síntese
de depressão leve avaliados com base em suas de modelos esquemáticos depressogênicos. Entre­
atitudes disfuncionais, indicando uma dependência tanto, na análise dos SCI, o antecedente primário
do valor pessoal global aos eventos relacionados à produção de uma resposta emocional depressiva
com aprovação ou realização (Miranda & Persons, é a síntese dos modelos esquemáticos depresso­
1988; Miranda, Persons & Byers, 1990). gênicos, ao invés da experiência de pensamentos
A análise dos SCI da manutenção interna negativos ou da produção de significados negativos
da depressão fornece uma base a partir da qual específicos.

53
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Naturalmente, em muitas situações, a depressão alteração de uma pequena porção de um padrão


será mantida por uma configuração de processa­ total de um código Implicacional pode ser sufi­
mento autoperpetuador integrado, a qual inclui ciente para alterar radicalmente o significado de
componentes importantes ao nível dos modelos alto nível representado. Dessa forma, o efeito de
esquemáticos depressogênicos, significados especí­ alterar um pensamento e seu significado espe­
ficos relacionados com a depressão, e pensamentos cífico relacionado pode, através da alteração de
automáticos negativos, como mostrado na Figura uma discreta seção correspondente de um padrão
2.1. Entretanto, a partir da perspectiva dos SCI, de código Implicacional que evoca uma emoção,
não causa surpresa que, por exemplo, na terapia ser suficiente para alterar a resposta emocional.
cognitiva, às vezes pode ser difícil identificar Por exemplo, no caso de alguém que tenha sin­
quaisquer pensamentos negativos precedentes ao tetizado o significado de alto nível [“o self como
estabelecimento dos sentimentos depressivos (ou um fracasso total”] em consequência do fracasso
quaisquer pensamentos refletindo conteúdos con­ em um exame, ajudá-lo(a) a descobrir que 95%
sistentes com a severidade da resposta emocional). dos outros candidatos também fracassaram pode
A depressão pode ser mantida pela síntese conti­ criar alterações em partes associadas do padrão
nuada dos modelos esquemáticos depressogênicos, Implicacional total que, apesar de limitadas, são
sem que o processamento daqueles modelos seja suficientes para criar um significado de ordem
necessariamente refletido na percepção do con­ mais alta radicalmente diferente.
teúdo correspondente, ao nível dos pensamentos Terceiro, a ação real de tentar lidar com pen­
automáticos negativos conscientemente acessáveis. samentos negativos, da mesma forma que com
De forma relacionada, a análise dos SCI tem outros procedimentos de enffentamento, pode levar
implicações para o significado dos pensamentos à síntese de modelos esquemáticos relacionados
acessíveis à consciência, no tratamento psicológico. com “assumir o controle”. Esses substituiríam os
Essa análise sugere que o primeiro objetivo do modelos esquemáticos relacionados aos temas de
tratamento deveria ser a substituição da síntese desamparo e desesperança, que, caso contrário,
mantêm a depressão (ver Teasdale & Barnard,
dos modelos esquemáticos depressogênicos que
1993, Cap. 16, para uma discussão mais completa
mantêm a depressão, pela síntese de modelos al­
ternativos não depressogênicos. Na visão dos SCI, sobre esses assuntos). Implicações adicionais da
análise dos SCI para o tratamento psicológico da
existe um local para modificar os pensamentos e as
depressão são discutidas em uma sessão adiante.
imagens, mas somente se, ao fazê-lo, uma pessoa
provoque uma alteração no nível de significados
de ordens mais altas.
Primeiro, pode ser que os procedimentos que Crença “emocional” versus “intelectual”
consigam com sucesso modificar os pensamen­ Os pacientes depressivos geralmente dirão
tos negativos, também modifiquem os modelos alguma coisa como “Eu sei, racionalmente,
esquemáticos “primários”, a partir dos quais os que não sou sem valor, mas não acredito nisso
pensamentos foram derivados. Nessa situação, os emocionalmente”. Ao discutir essa questão, o
pensamentos e as imagens agem como “marcado­ texto padrão na terapia cognitiva da depressão
res” úteis do estado do alvo de interesse maior. recomenda: “Os pacientes geralmente confundem
Segundo, da mesma forma que pequenas alte­ os termos ‘pensando’ e ‘sentindo’... o terapeuta
rações nas sequências das letras que formam uma pode dizer ao paciente que uma pessoa não pode
sentença podem alterar radicalmente o significado acreditar em alguma coisa ‘emocionalmente’
específico que ela representa ([“The man said ...quando o paciente diz que ele acredita ou não
VO ON”] vs. [“The man said NO GO”]), a acredita em alguma coisa emocionalmente ele

54
Teoria clinicamente relevante: integrando o insight clínico com a ciência cognitiva

está se referindo ao grau de sua crença” (Beck, nível genérico apropriado, em forma de código
Rush, Shaw & Emery, 1979, p. 302, itálico no Implicacional. De forma relacionada, a crença
original). Tais afirmativas do modelo cognitivo intelectual, ou “saber com a cabeça”, é igualada à
clínico parecem rejeitar qualquer distinção entre concordância ou discordância com os significados
tipos de significados; é sugerido que, no contraste Proposicionais específicos, ao passo que a crença
entre crença “intelectual” versus “emocional”, nós emocional ou intuitiva, ou “saber com o coração”,
estamos tratando simplesmente com variações está relacionada com o estado das representações
quantitativas de um único nível de significado. Implicacionais holísticas.
Além do mais, geralmente parece que o nível de Dissociações entre o conhecimento Proposicio­
significado que o modelo clínico tem em mente
nal, da “cabeça”, e o conhecimento implicacional,
é específico - afirmativas proposicionais que têm
do “coração”, são completamente consistentes com
um valor de verdade que pode ser determinado. O
a análise dos SCI. Um dado significado específico
objetivo da terapia é, então, invalidar o valor de
é apenas um entre um número potencialmente
verdade dos significados depressivos específicos.
grande de contribuintes para a síntese de um mo­
Em contraste, a análise dos SCI propõe uma delo esquemático. Consequentemente, na Figura
distinção qualitativa entre dois tipos de significado 2.1., por exemplo, é bem possível que a caixa
e sugere que somente o nível mais genérico e ho- inferior do lado esquerdo contenha representações
lístico do significado Implicacional, correspondente Proposicionais, indicando que existe uma evidência
à crença “emocional” ou “intuitiva”, é diretamente logicamente inconsistente com a proposição “Eu
ligado ao afeto. Os SCI sugerem que a mudança sou um fracasso como pessoa”, sem que isso,
ao nível dos modelos esquemáticos Implicacio-
necessariamente, tenha muito impacto em evitar
nais deveria ser o objetivo inicial da terapia. Nós
sínteses subsequentes, a partir de uma coleção mais
observamos anteriormente que o contraste entre
ampla de informações de um modelo esquemático
o significado Proposicional e o Implicacional é
depressogênico [“o self como um total fracasso”].
análogo ao contraste entre uma sentença e um
poema. Aplicando essa analogia à tarefa da tera­
pia, podemos ver que, de acordo com os SCI, o
objetivo deveria ser ajudar o paciente a escrever A concorrência por recursos cognitivos
um poema diferente, ao invés de simplesmente limitados: os SCI, distração e déficits
reescrever simples sentenças de seu poema atual.
cognitivos na depressão
Entretanto, como observado na seção anterior,
sempre haverá situações nas quais, ao reescrever Uma vantagem de expressar teorias clinica­
uma ou mais sentenças simples, efetivamente mente relevantes em termos compatíveis com os
escrevemos um poema diferente. conceitos usados nas teorias cognitivas, orientadas
Ao expressar a diferença entre os dois tipos mais experimentalmente, é que os insights e as con­
de significado, os SCI fornecem uma perspectiva clusões podem ser transferidos mais prontamente
sobre a diferença entre cognição “quente” e “fria”, entre os domínios clínico e laboratorial de inves­
de uma forma mais geral. As representações Pro­ tigação. Os SCI incorporam, em seus princípios
posicionais de informações relacionadas à emoção básicos operacionais, uma das conclusões melhor
não podem, sozinhas, disparar a emoção. O pro­ estabelecidas da psicologia cognitiva experimen­
cessamento de tais representações Proposicionais tal; existe um limite no volume de informação
específicas estaria associado com a consideração que qualquer fonte de processamento cognitivo
fria do material relacionado à emoção. O pro­ especializado pode manusear em um dado mo­
cessamento quente do material relacionado à mento. Nos SCI, essa generalização está incluída
emoção depende da síntese dos significados em no princípio de que cada um dos processos, que

55
Fronteiras da Terapia Cognitiva

transformam informação de um código mental distração serão aquelas que exercem a maior
para outro, somente pode manusear, em um dado demanda sobre os recursos do motor central.
momento, um fluxo coerente de dados. Essas serão, geralmente, tarefas inusitadas ou
Se considerarmos este princípio em relação à complexas, que fazem grandes demandas sobre
visão dinâmica da regeneração “interna” do es­ os recursos controlados do processamento das
tado depressivo, ilustrado na Figura 2.1, surgem tarefas de coordenação e controle.
vários insights. Primeiro, temos uma explicação A análise dos SCI sugere que, nos estados
para os efeitos da distração na produção do alí­ depressivos que já tenham existido por algum
vio imediato, em curto prazo, da depressão (por tempo, os efeitos de breves tarefas de distração,
exemplo, Fennell, Teasdale, Jones & Damlé, 1987). que aliviam a depressão, podem não persistir por
O loop cognitivo da configuração da engrenagem muito tempo, uma vez que a demanda para pro­
depressiva (ilustrado na Figura 2.1) envolve ciclos cessar informações relacionadas com a tarefa tenha
repetidos, nos quais os significados específicos são sido retirada. Cada subsistema dos SCI tem uma
derivados dos modelos esquemáticos e os modelos memória que armazena cópias de todos os padrões
esquemáticos são sintetizados a partir de padrões de informação que ele usa como input. Segue-se
de significados específicos. Ciclos recíprocos que, onde a configuração da engrenagem depressiva
de processamento Proposicional-lmplicacional tenha estado operando por algum tempo, as seções
similares estão no centro de muitas outras con­ recentes da memória armazenada do subsistema
figurações de processamento, que suportam uma Implicacional conterão várias representações dos
grande variedade de tarefas de “processamento modelos esquemáticos relacionados à depressão.
controlado”, geralmente envolvendo o processa­ Uma vez que a tarefa da distração esteja completa,
mento de informação não relacionada à depressão. esses modelos serão facilmente acessados, “retor­
Por essa razão, tais ciclos têm sido denominados nando” para dentro do fluxo de dados que circulam
“motor central” da cognição (Teasdale & Barnard, em tomo do motor central e, assim, reiniciando a
1993, pp. 76-81). Dentro do motor central, os configuração da engrenagem depressiva. Um alívio
processos que transformam, respectivamente, sig­ mais persistente da depressão requer mudanças nos
nificados específicos em modelos esquemáticos e modelos esquemáticos relacionados à depressão e
modelos esquemáticos em significados específicos, que mantêm a depressão.
representam dois potenciais “gargalos” de proces­ A competição pelos recursos limitados do motor
samento. A limitada capacidade de transformação central também explica os déficits cognitivos asso­
disponível em cada um destes pontos significa ciados com a depressão. Onde a configuração da
que, frequentemente, haverá uma necessidade engrenagem depressiva, que mantém a depressão,
de selecionar entre fluxos alternativos de dados, vence a batalha pelos recursos, menos recursos
que concorrem para acessar os mesmos recursos estarão disponíveis para o desempenho de tarefas
de processamento; o processamento de um fluxo cognitivas e os déficits podem ser esperados. Além
de dados necessariamente significa que outros do mais, essa explicação sugere que estes déficits
fluxos não podem ser, também, processados no serão mais pronunciados nas tarefas que requerem
mesmo momento. A partir dessa análise, segue-se substanciais recursos de controle e coordenação
que as tarefas de distração, que competem com do motor central para uma execução com sucesso.
sucesso por recursos limitados do motor central, Essa é exatamente a conclusão que emerge dos
farão com que tais recursos sejam indisponíveis estudos empíricos, os quais consistentemente
para a configuração da engrenagem depressiva. apontam para déficits muito maiores em tarefas
Consequentemente, a depressão deveria começar que envolvem um substancial processamento
imediatamente a se retirar. Além do mais, essa controlado do que em tarefas que são executadas
análise indica que as tarefas mais efetivas da mais “automaticamente”, isto é, com menores

56
Teoria clinicamente relevante: integrando o insight clínico com a ciência cognitiva

exigências dos recursos do motor central (Hartlage, conceitos de atitudes disfuncionais e distorções
Alloy, Vasquez & Dikman, 1993; Watts, 1993). lógicas fornecem descrições aproximadas dos re­
sultados da tendência de sintetizar tipos particulares
de modelos esquemáticos em situações de humor
depressivo ou eventos relacionados à perda. Antes
Distorções lógicas e o estado de
de apresentar essa análise, é necessário descrever
dependência de atitudes disfuncionais mais completamente a natureza das representações
As afirmações iniciais do modelo cognitivo Implicacionais.
clínico sugeriam que a vulnerabilidade para a As palavras consistem de arranjos de letras e
depressão dependia de possuir, como uma pre­ diferenças entre as letras, cuja sequência codifica
disposição cognitiva relativamente persistente e palavras particulares. As sentenças consistem de
característica, certas pressuposições básicas ou arranjos de palavras, cuja natureza e sequência
atitudes disfuncionais. Os fracassos repetidos ob­ encerram significados específicos particulares.
servados na busca de escores elevados ao medir Analogamente, os modelos esquemáticos Implica­
tais atitudes em pacientes depressivos, uma vez cionais são compostos de elementos informacionais
que eles tinham-se recuperado de episódios de ou variáveis, sendo que cada elemento corresponde
depressão (revisto por Haaga et al., 1991), propôs a uma característica ou dimensão de alta ordem
um considerável desafio para essa visão. Igual­ extraída da experiência. Essas variáveis podem
mente, não está totalmente claro como essa visão assumir valores diferentes, que correspondem ao
explica a bem-estabelecida dependência de estado atual estado das dimensões fundamentais da ex­
de humor de tais atitudes; estudos investigativos periência que elas representam. Podemos pensar
dos efeitos das mudanças de humor, tanto em curto sobre os significados de alta ordem dos modelos
prazo (Miranda et al, 1990) quanto em longo prazo esquemáticos em termos de padrões de valores
(Haaga et al., 1991), têm demonstrado de forma entre as variáveis. Podemos usar a convenção de
convincente que os escores nas medidas de atitudes representar um modelo esqucmático por um padrão
disfuncionais são poderosamente influenciados de valores (arbitrariamente indicado pelos círculos
pelo estado de humor. Recentemente, Persons e cheios ou vazios na Figura 2.2) entre variáveis,
Miranda (1992), em suas hipóteses sobre “estado cada uma das quais representa uma dimensão de
de humor”, tentaram explicar a dependência do alta ordem da experiência. Esses padrões serão
estado de humor das atitudes e crenças disfun­ constantemente montados, remontados e variados
cionais, propondo que as crenças disfuncionais de acordo com a mudança no estado das dimensões
estão sempre presentes nos cognitivamcntc vul­ fundamentais, conforme refletidas nas mudanças
neráveis, mas que, no humor positivo, elas estão nos padrões dos códigos de baixo nível a partir
“indisponíveis para serem relatadas” (Pearsons & dos quais os modelos são sintetizados. A figura
Miranda, 1992, p. 497). nos lembra que tais inputs incluem contribuições
A análise dos SCI propõe uma perspectiva baseadas não somente nos padrões de significados
radicalmente diferente da visão de que as atitudes específicos de baixo nível, mas também em padrões
e pressuposições existem como “crenças” relativa­ derivados diretamente de elementos sensoriais.
mente persistentes, que podem ser adequadamente É o padrão total, derivado de ambos os tipos de
expressadas como regras verbalizáveis. Igualmente, fonte, que determina o significado de alto nível e
as assim denominadas “distorções lógicas”, tais a resposta emocional.
como a supergeneralização, não são vistas como Estamos agora em condições de considerar
o resultado de operações lógicas trabalhando sobre a análise das atitudes disfuncionais nos SCI,
“bases falsas” (cf. Kovacs & Beck, 1978, p. 528). distorções lógicas tais como a supergeneraliza­
Ao invés disso, a análise dos SCI sugere que os ção e a dependência do estado de humor desses

57
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Figura 2.2 - Uma representação diagramática de um modelo esquemático relacionado à emoção, mos­
trando as contribuições de inputs derivados tanto de padrões de significados específicos quanto de padrões
de informações sensoriais. O modelo esquemático é representado como um padrão de valores (O ou •) ao
longo de uma gama de variáveis, cada uma das quais correspondente a uma dimensão da experiência de
ordem mais alta. Extraído de Teasdale (1993). Direitos autorais de Pergamon Journals, Ltd. Reimpresso
com autorização.

fenômenos. Como ilustrado na Figura 2.1, a Ao nível de palavras, apresentar a letra O tem
manutenção da depressão depende da contínua consequências bem diferentes se ela ocorrer em
regeneração dos modelos esquemáticos Implica- sequência às letras ESPERT ao invés das letras
cionais depressogênicos. Esses modelos podem BOB. Similarmente, ao nível da sentença, a palavra
incluir padrões de valores nas variáveis que indi­ “silêncio” tem implicações bem diferentes se ela
cam uma gama de características negativas do self, ocorrer no contexto: “Sua piada foi seguida por
do futuro, ou do mundo, juntamente com variáveis um total_______ ”, do que se cia ocorrer no con­
que indicam input sensorial sensível propriocep- texto: “O sol estava-se pondo, uma brisa quente
tivo, que refletem efeitos corporais depressivos. balançava as folhas das palmeiras, caso contrário
Os padrões de valores nessas variáveis fornecem havia um profundo________ ”.
um contexto informacional implícito, dentro do A Figura 2.3 ilustra como, ao nível Implicacio­
qual os “significados genéricos” de incidentes nal, efeitos comparáveis de diferenças contextuais
particulares ou elementos de informação são podem produzir uma “supergeneralização” a partir
avaliados. Os resultados são padrões caracterís­ de uma experiência de fracasso específico em um
ticos de pensamento depressivo. Podemos usar paciente depressivo, mas uma resposta bastante
analogias com códigos mentais de baixo nível diferente na mesma pessoa quando ela não está
para ilustrar este ponto. em depressão.

58
Teoria clinicamente relevante: integrando o insight clínico com a ciência cognitiva

A figura utiliza a convenção de representar os bem diferentes, a saber, mudanças nos contextos
modelos esquemáticos em termos de padrões de criadas por padrões de elementos informacionais
valores (arbitrariamente indicados por círculos genéricos.
cheios ou vazios) entre variáveis, cada uma das A proposição dos SCI explica a mudança de uma
quais representa uma dimensão de alta ordem resposta “disfuncional” de uma pessoa depressiva
da experiência. A figura ilustra fragmentos do para uma resposta “funcional” da mesma pessoa
padrão total de informação, ao nível de modelo após sua recuperação, em termos das alterações
esquemático, presumidamente presente em um em contextos semânticos genéricos preexistentes.
paciente depressivo, imediatamente antes e após O modelo esquemático preponderante da pes-
uma experiência específica de fracasso. A resposta soa depressiva recuperada é
gerada pela mesma pessoa, quando recuperada, etc., “Self aceitável”]. Em vista desse contexto
também é mostrada. A diferença no estado de preexistente, uma mudança no valor da variável
humor predominante, entre as condições depressiva única relacionada a um fracasso específico não irá
e recuperada, é refletida nas diferenças no padrão perturbar o padrão total o suficiente para criar um
de valores nas variáveis que fornecem o contexto modelo [“Self como um fracasso total”]. Conse­
semântico anterior à experiência de fracasso. quentemente, em contraste com a situação quando
Na pessoa depressiva, o padrão depressivo, observa-se uma resposta funcional.
etc., “o self pouco adequado”] já está presente As diferenças entre os estados depressivos e os
como resultado dos modelos esquemáticos de- não depressivos refletem variações nos modelos
pressogênicos criados anteriormente. Esse padrão esquemáticos que mantêm esses humores. Dife­
corresponde a um modelo que é suficiente para rentemente da situação ao nível de uma palavra
manter algum nível de depressão, mas que é ou uma sentença, não estamos explicitamente
“preservado” de “completar” o padrão caracte­ conscientes do estado dos elementos semânticos
rístico do modelo [“self como um fracasso total”] que constituem o contexto preexistente nesse nível
pelo valor atribuído à variável de representação. A natureza implícita e altamente
relacionada a experiências recentes de sucesso/ abstrata dos elementos contextuais, ao nível gené­
fracasso. Se esta pessoa experimentar agora um rico, pode nos conduzir a ver a resposta da pessoa
fracasso específico, o valor da variável relacionada depressiva ao fracasso como uma forma especial
irá mudar de para o modelo esquemático irá de “distorção lógica” baseada nas “regras” incor­
se tomar etc., “self como um poradas às “crenças” ou “atitudes” disfuncionais.
fracasso total ], e a pessoa tera uma sensaçao Entretanto, a análise dos SCI sugere que tanto a
de si como um total fracasso como pessoa. resposta catastrófica ao fracasso da pessoa depres­
O modelo cognitivo clínico explica tais res­ siva quanto a dependência ao estado de humor desta
postas “supergeneralizadas” para experiências resposta, e das medidas das “atitudes disfuncionais”
específicas de fracasso, sugerindo que as pessoas associadas, são simplesmente exemplos adicionais
vulneráveis à depressão têm “crenças” ou “atitudes” dos efeitos do contexto.
disfuncionais, tais como “Se eu fracassar no meu
trabalho, então sou um fracasso como pessoa”. Por
essa razão, tanto a resposta emocional excessiva
A perspectiva dos SCI no tratamento
frente a um fracasso e o “erro lógico” da super-
generalização resultam de “premissas falsas” que psicológico da depressão
fundamentam o pensamento depressivo. A partir As consequências da análise dos SCI para a
da perspectiva dos SCI, postular tais crenças pode compreensão e aperfeiçoamento da efetividade da
ser visto como uma tentativa de descrever efeitos terapia cognitiva para a depressão, e também, de
que são, na realidade, mediados por mecanismos modo mais geral, do tratamento psicológico para

59
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Figura 2.3 - A análise dos ICS da “supergeneralização” de uma experiência de fracasso específico. As dife­
rentes respostas nos estados depressivos e não depressivos refletem as diferenças nos contextos semânticos
preexistentes ao nível de representação genérica. De Teasdale e Barnard (1993, p. 158). Direitos autorais
de 1993. Reimpresso com autorização de Erlbaum (UK). Taylor & Francis, Hove, UK.

60
Teoria clinicamente relevante: integrando o insight clínico com a ciência cognitiva

a depressão, são discutidos com algum detalhe por de ansiedade e pânico alternativos completos, ao
Teasdale e Barnard (1993, Cap. 16). Irei resumir invés de invalidar crenças negativas específicas
as suas principais implicações. serialmente (D. M. Clark, comunicação pessoal,
A análise dos SCI sugere que a tarefa da terapia Julho de 1991). Similarmente, Padesky (1993) es­
é substituir os modelos esquemáticos que mantêm truturou uma distinção muito útil entre “modificar
a depressão por modelos esquemáticos alternativos, mentes” (fazer que os pacientes admitam que os
mais adaptativos. Em várias situações, a manu­ pensamentos ou crenças negativas específicas que
tenção da depressão dependerá da integridade e eles tenham são inconsistentes com a evidência
persistência de configurações de processamento disponível) e a “descoberta dirigida” (ajudar os
encadeado similares às ilustradas na Figura 2.1. pacientes a alcançarem perspectivas alternativas e
Uma vez que a manutenção de tais configurações mais amplas nas situações problemáticas). Baseada
depende de um número de circuitos de feedback em extensa experiência clínica, Padesky defendeu
interligados, a configuração total é vulnerável a vigorosamente as vantagens da segunda dessas es­
ataques de intervenções que criam mudanças em tratégias, focalizando, em termos dos SCI, a criação
vários pontos “periféricos” em adição a interven­ de modelos esquemáticos alternativos ao invés de
ções que se dirigem especificamente ao objetivo invalidar pensamentos ou significados específicos.
“central” de mudar modelos esquemáticos. Obser­ Curiosamente, Pasdesky mencionou que a maioria
vamos anteriormente a contribuição potencial de das transcrições de trechos de sessões terapêuticas,
intervenções direcionadas à alteração de signifi­ disponíveis em textos publicados sobre terapia
cados específicos e de pensamentos automáticos cognitiva, na realidade focaliza primariamente a
negativos associados. A análise dos SCI sugere meta de “modificar mentes”.
que as intervenções direcionadas à criação de Em contraste aos modelos e tratamentos para a
mudanças no nível corporal (por exemplo, através depressão mais puramente “cognitivos”, a análise
de exercício físico, mudança de postura, expres­ dos SCI sugere que significados de alto nível,
são facial etc.) também têm uma contribuição a derivados de situações, podem ser fortemente
fazer. Por exemplo, ao alterar a informação que influenciados pelas técnicas que modificam ele­
circula em tomo do circuito sensorial mostrado mentos puramente sensoriais. Como a Figura 2.2
na Figura 2.1, de forma que ela não seja mais nos lembra, as contribuições diretas de fontes
congruente com um estado corporal depressivo, sensoriais podem formar componentes de modelos
tais intervenções podem alterar a contribuição, esquemáticos relativos à emoção, os quais são tão
sensorialmente derivada, à síntese dos modelos importantes quanto as contribuições derivadas de
esquemáticos depressogênicos, o suficiente para padrões de significados específicos. Por exemplo,
romper a integridade da configuração do proces­ o significado de ordem mais alta que crio em
samento autoperpetuável. sequência a uma experiência de fracasso pode
Alterar os modelos esquemáticos requer aten­ ser bem diferente se eu combinar os significados
ção a um contexto semântico mais amplo, o que específicos relativos ao fracasso com os elementos
invalida os significados específicos. Ao sugerir relacionados ao feedback sensorial de uma expres­
um foco primário, ao criar visões alternativas são facial sorridente em vez de uma carrancuda,
completas e coerentes em um nível esquemático, a ou de uma alta excitação corporal e uma postura
análise dos SCI é consistente com uma amplitude ereta do que de um estado corporal indolente e
de desenvolvimentos dentro da terapia cognitiva. uma postura curvada e parada.
Por exemplo, a terapia cognitiva que alcançou Também consistentes com a estratégia de
alto sucesso no tratamento do pânico (Clarck tratamento geral indicada pela análise dos SCI,
& Salkovskis, 1991), objetiva fazer exatamente os desenvolvimentos recentes no tratamento de
isso através da criação de “visões” ou modelos depressões e de transtornos de personalidade de

61
Fronteiras da Terapia Cognitiva

longa duração (por exemplo, Beck, Freeman, e Comentários finais


Associados, 1990; Young, 1990) têm focalizado
mudanças em um nível esquemático, embora O desenvolvimento da abordagem cognitiva
utilizando uma formulação algo diferente de pro­ para a compreensão e tratamento da depressão,
cessamento esquemático do que a descrita pelos por Beck e seus colegas, representa um dos
SCI. Algumas dessas abordagens incorporaram es­ maiores avanços clínicos do século, nessa área.
tratégias terapêuticas da Gestalt-terapia, tais como Tem sido uma parte inestimável e natural dessa
imaginação guiada ou procedimentos encenados. empreitada de alto sucesso que as idéias funda­
Apesar do pequeno valor em fornecer evidência mentais que dirigem a terapia deveríam evoluir
para desacreditar os pensamentos ou significados à luz da experiência, da investigação sistemática
negativos específicos, tais intervenções podem ser e do feedback dos pacientes. É, para mim, uma
vistas como formas de alterar pacotes coerentes satisfação saber que a perspectiva nas abordagens
de significados e contribuições sensoriais ao nível cognitivas para a compreensão e tratamento da
esquemático. Por exemplo, ao “reencenar”, em depressão que emergem a partir da análise dos
tarefas de imaginação guiada, cenas de abuso na SCI é totalmente consistente com o estado atual
infância, os elementos incorporados de controle e do modelo cognitivo derivado clinicamente, con­
poder que o paciente tem agora, como um adulto, forme descrito no capítulo de Beck no presente
mas não tinha quando criança, podem ser vistos volume. Em particular, existem paralelos surpreen­
como um método poderoso para introduzir novos dentes entre o conceito de modos, que atualmente
elementos em padrões de código Implicacional, ocupa um lugar central na teorização do Beck, e
relacionados a temas de desesperança, dominação, as características essenciais da análise dos SCI.
traição e sofrimento. Os ciclos de interação cognitivo-emocionais dis­
tribuídos e autoperpetuadores que, na análise dos
Além de fornecer um enquadre conceituai
SCI, desempenham um papel tão importante na
sistemático, que nos permite refocalizar a ênfase
manutenção de certos estados emocionais, parecem
da terapia cognitiva segundo uma forma que
intrigantemente próximos ao conceito de modos de
é totalmente consistente com recentes desen­
Beck. Realmente, em relatos anteriores (Teasdale
volvimentos, clinicamente fundamentados, de
e Barnard, 1993), eu já havia, na verdade, descrito
tratamento, o enquadre dos SCI também pode for­
esses estados como “modos da mente”.
necer a base para desenvolvimentos radicalmente
novos de tratamento. Por exemplo, a análise do A abordagem cognitiva aos problemas clínicos
processamento de informação dos SCI sobre a inspirados por Aaron T. Beck tem sido um sucesso
reincidência da depressão e sua prevenção através enorme e impressionante. Espero que o enquadre
da terapia cognitiva conduziu à exploração de uma dos SCI, ao fornecer um veículo para os intercâm­
abordagem inovadora na prevenção de recaída na bios entre aqueles que trabalham clinicamente e os
depressão, integrando aspectos da terapia cogni­ que trabalham experimentalmente, contribua para
tiva com aspectos de treinamento do controle da o crescimento adicional do trabalho que foi criado
atenção (conscientização ou “mindfulness”), em um e nutrido tão efetivamente no seu desenvolvimento
formato eficiente do ponto de vista de seu custo por este extraordinário e generoso homem.
(Teasdale, Segai e Williams, 1995).

62
Teoria clinicamente relevante: integrando o insight clínico com a ciência cognitiva

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63
Capítulo 3

Ansiedade, crenças e comportamento


DE BUSCA DE SEGURANÇA

Paul M. Salkovskis

base do modelo cognitivo da emoção de costumava scr uma pessoa dc sucesso, mas agora

A Beck (1976) é agora quase universalmente


aceita e compreendida. A ideia funda­
mental é de que as emoções são experimentadas
como um resultado do modo pelo qual os eventos
algo tão simples quanto sair da minha própria
casa transforma-se num desastre. Não faz sentido
continuar; isso é típico de como vai ser o resto
do meu dia”. Sentindo-se muito deprimida, essa
são interpretados ou avaliados. É o significado pessoa voltou para a cama.
dos eventos que desencadeia as emoções e não os
eventos em si. A avaliação específica que é feita A segunda pessoa teve a mesma experiência
dependerá do contexto no qual o evento ocorre, desagradável. Sua reação, entretanto, foi muito
do humor da pessoa no momento em que ele diferente. Sendo propenso à ansiedade, a reação
ocorre, e das experiências anteriores da pessoa. dessa pessoa foi: “O que eu vou fazer? Se voltar
Tipos particulares de emoções dependem dessa para casa e limpar essa sujeira, eu vou chegar
interpretação específica. Isso significa, efetiva­ tarde no trabalho e perder meu emprego. Por
mente, que o mesmo evento pode provocar uma outro lado, se eu não voltar e não limpar essa
emoção diferente em pessoas diferentes, ou mesmo sujeira, então as pessoas no trabalho irão pensar
emoções diferentes na mesma pessoa em ocasiões que eu tenho um problema pessoal de higiene, a
diferentes. A ideia da especificidade da cognição- notícia vai se espalhar e eu vou acabar perdendo
-emoção é claramente ilustrada por uma história: meu emprego de qualquer forma”.

Quando saí para trabalhar essa manhã, três outros Deixamos essa pessoa num estado de indecisão
homens saíram na mesma hora. Por coincidência, e verificamos que a terceira pessoa também
a mesma coisa aconteceu a cada um dc nós. No pisou nas fezes do cachorro. Essa pessoa tem a
momento em que cada um saiu de sua casa, ele tendência a encarar os problemas com a raiva e
teve o azar de pisar diretamente sobre as fezes essa ocasião não foi uma exceção. Seu pensa­
de algum cachorro. A primeira pessoa tem uma mento imediato é: “De quem é o cachorro que
tendência a sentir-se deprimida. Sua reação fez isso? quantas vezes eu tenho que dizer aos
imediata foi típica: “Eu sou um fracasso. Eu meus vizinhos para não deixarem seus cachorros
Fronteiras da Terapia Cognitiva

fazerem sujeira na frente da minha casa, mas a precisão dessas alternativas em comparação às
não, eles não me ouvem! Espere só quando eu suas experiências passadas, presentes e futuras.
descobrir quem foi o responsável por isso - ele Portanto, o objetivo não é persuadir as pessoas
está rcalmcnte encrencado!” de que a maneira atual delas olharem a situação é
errada, irracional ou excessivamente negativa; ao
Essa história resume de maneira organizada o invés disso, é permitir-lhes identificar onde elas
princípio da especificidade, com sentimentos de podem ter caído em uma armadilha ou ficado “en­
depressão associados a ideias de perda, sentimen­ calhadas” em sua forma de pensar, e permitir-lhes
tos de ansiedade associados a ideias de perigo ou descobrir outras formas de encarar a sua situação.
ameaça pessoal, e sentimentos de raiva associados Uma vez feito isso, o terapeuta ajuda a pessoa
a ideias de que alguém foi injusto ou desrespeitou a identificar quaisquer obstáculos que as impeçam
as regras pessoais de um indivíduo. Na história de pensar e agir dessa forma nova e mais fun­
também existe, é lógico, um terapeuta cognitivo. cional. Assim, a terapia cognitiva busca libertar
os pacientes para que escolham outras formas de
O terapeuta cognitivo deixa sua casa (e é impor­ interpretar e reagir às situações, escolhendo dentre
tante notar que a proficiência nessa área não o a mais completa gama possível de alternativas
protege de eventos desagradáveis tais como pisar disponíveis (incluindo sua explicação negativa
nas fezes de um cachorro). Entretanto, a reação atual). Dessa forma, o terapeuta busca capacitar
do terapeuta cognitivo é bastante diferente das os pacientes, expandindo as escolhas que eles po­
reações dos outros. Ao olhar para seus sapatos, dem fazer sobre a forma como reagem à situação
deu um largo sorriso, enxugou a testa e disse e ajudando-os a descobrir informações que lhes
para si mesmo: “Ainda bem que eu me lembrei permitam decidir entre as alternativas disponíveis
de calçar meus sapatos essa manhã?”1 de uma maneira fundamentada. A alternativa es­
colhida pode ser mais racional ou mais positiva,
Temos aqui um ponto importante referente à mas não tem que ser assim. Essa filosofia destaca
natureza das intervenções cognitivas. A terapia a importância da descoberta dirigida, na qual o
cognitiva não se refere necessariamente a pensar terapeuta ajuda os próprios pacientes a explorarem
mais racionalmente, nem se refere necessariamente formas alternativas de olhar para a sua situação.
a pensar mais positivamente. A ideia fundamental Por definição, esse estilo de terapia significa que
é de que podem existir diversas formas alternativas as alternativas a que se chega são aceitáveis para
de encarar uma determinada situação. As pessoas os pacientes e consistentes com suas crenças e
que sofrem de problemas emocionais geralmente valores. Também significa que não há lugar na
estão presas a uma forma particularmente negativa teoria ou na terapia para a ideia do “pensamento
ou inútil de olhar para a sua situação, e só conse­ errado”, assim definido pelo terapeuta, o que seria
guem ver essa forma de interpretá-la. Dizer a elas inapropriadamente arbitrário.
para pensarem mais racionalmente é perigosamente Tendo destacado algumas das noções norma-
semelhante a dizer que se recomponham. O papel lizadoras fundamentais da abordagem de Beck à
do terapeuta cognitivo é auxiliar as pessoas a explo­ terapia cognitiva, o restante desse capítulo irá exa­
rar se podem ou não existir formas alternativas de minar o modo segundo o qual o modelo cognitivo
avaliar a sua situação. Uma vez que outras opções trabalha a ansiedade em geral e, mais especifica­
sejam consideradas, a terapia continua ajudando mente, a manutenção da ansiedade em pessoas
então as pessoas a avaliar os méritos relativos e que têm transtornos de ansiedade persistentes.

Essa história foi tomada emprestada com permissão de Philip Kendall (Kendall, 1992).

66
Ansiedade, crenças e comportamento de busca de segurança

Dedicarei atenção especial a uma perspectiva O modo pelo qual o modelo cognitivo pode
nova e especificamente cognitiva sobre a ligação ser aplicado tanto para as percepções acuradas
entre cognição e comportamentos de “evitação” na de ameaça quanto para as equivocadas toma-se,
manutenção dos problemas de ansiedade. A partir portanto, um componente importante da própria
dessa discussão, serão feitas considerações sobre as terapia. As abordagens cognitivas podem ser
formas pelas quais as hipóteses cognitivas podem facilmente aplicadas a situações nas quais um
ser usadas para lidar mais eficazmente com o caso estressor objetivo esteja presente (por exemplo,
especial da ansiedade relacionada à saúde e com ver Moorey, Capítulo 19, nesse volume, para uma
problemas obsessivo-compulsivos. discussão sobre o uso da terapia cognitiva em
pacientes com câncer). Na depressão, os eventos
negativos da vida são, frequentemente, um estresse
significativo e contínuo. Conforme indicado por
0 papel da avaliação da ameaça ou do
Clark e Wells (1995), no contexto da fobia social,
perigo para alguns pacientes ansiosos a catástrofe temida
A teoria cognitiva propõe que as pessoas que pode realmente acontecer em algum nível. Por
experimentam a ansiedade acreditam que estão exemplo, a pessoa fica realmente incapaz de falar
sendo ameaçadas por um dano físico ou social. ou realmente treme, os outros realmente percebem
Se o dano que elas temem está ou não objetiva­ que ela está ansiosa, e assim por diante.
mente presente é irrelevante para a experiência Apesar de não adotar uma visão patológica
da ansiedade. Assim, é a interpretação de uma (doença) da ansiedade, a hipótese cognitiva espe­
situação ou estímulo como um sinal de ameaça cifica as circunstâncias sob as quais os processos
pessoal que é essencial para a experiência dessa cognitivos, que de outra forma seriam normais,
emoção. Por consequência, a experiência do pa­ podem tomar-se “paralisados”, resultando em
ciente de pânico, que erroneamente acredita que níveis excessivos e incapacitadores de ansiedade vi-
está tendo um ataque do coração, é muito similar venciados pelas pessoas que sofrem dc transtornos
à da pessoa que rcalmcntc está tendo um ataque de ansiedade. Os fatores envolvidos na ocorrência
do coração. A pessoa que erroneamente acredita de ansiedade mais severa e persistente podem ser
que tenha sido desprezada e ridicularizada por um divididos em duas categorias: (1) fatores que levam
grupo de conhecidos reage de forma semelhante as pessoas a experimentarem níveis de ansiedade
à da pessoa que foi realmente submetida a essa relativamente maiores e (2) fatores envolvidos na
experiência. Essa visão normalizadora pode ser manutenção de altos níveis de ansiedade.
usada ativamente na terapia para “fortalecer” os
pacientes; uma explicação cognitiva pode ter o Fatores que aumentam o grau da
efeito de reduzir a baixa autoestima que em geral ansiedade experienciada
acompanha um diagnóstico psiquiátrico que pode A noção de que as pessoas têm maior proba­
carregar a ideia de “doença mental”. Da mesma bilidade de interpretar as situações como mais
forma, adotar essa abordagem normalizadora pode perigosas do que elas realmente são, devido a
liberar o paciente do desamparo que ele sente pressuposições ou crenças particulares que elas
frente à explicação de uma “doença” incontrolável aprenderam durante um período inicial de suas
por um lado e, por outro lado, frente à implicação vidas, é fundamental à teoria cognitiva do desenvol­
insidiosa de fraqueza moral ou pessoal devida vimento dos transtornos emocionais (Beck, 1976).
a uma sensibilização “irracional”. O terapeuta Tais crenças podem ter sido úteis durante aquele
cognitivo e o paciente concordam que qualquer estágio inicial, mas podem tomar-se problemáticas
um (incluindo o terapeuta), que tivesse as mesmas quando surgem novas situações que exigem um
crenças, reagiría de maneira semelhante. tipo diferente de compreensão. Exemplos desse

67
Fronteiras da Terapia Cognitiva

tipo de crença seriam: “É importante ficar abso­ pessoas ou sufocamento com seu próprio vômito).
lutamente calmo o tempo todo”; “Se eu não me Esses dois fatores são vistos como multiplicativos e
controlar, então corro o risco de perder o controle”; sinérgicos. Essa conceituação de fatores cognitivos
“Eu não devo mostrar meus sentimentos”; “Se na ansiedade também explica a situação na qual a
eu não me preocupar com as coisas, então tudo pessoa acredita que um resultado negativo espe­
dará errado para mim”. Independentemente das cífico é extremamente improvável, mas, mesmo
pressuposições gerais sobre a própria ansiedade, assim, mostra extremo medo do mesmo. Tal pa­
outros tipos de pressuposições caracterizam dife­ drão é particularmente provável quando a pessoa
rentes transtornos, tais como pânico, fobia social, acredita que, apesar de improvável, a ameaça é
transtorno obssessivo-compulsivo, hipocondria terrível demais para se arriscar. Essa combinação
e assim por diante. Eventos da vida ou outros é proeminente em várias circunstâncias, tanto
“incidentes críticos” podem provocar a ativação de ansiedade severa relacionada à saúde quanto
desse tipo de pressuposição, resultando em uma de problemas de obsessão, nas quais as pessoas
interpretação mais ou menos contínua de uma reconhecem que suas preocupações são provavel­
série de situações de uma forma indevidamente mente sem sentido, mas ficariam completamente
ameaçadora (Beck, 1976). devastadas se o improvável viesse a acontecer.
Um segundo fator relacionado envolvido na pro­ A combinação de risco e custo é ainda modulada
dução de ansiedade excessiva refere-se à avaliação pelo sentimento das pessoas sobre até que ponto
específica da ameaça em si. Mais comumente, o seriam capazes de enfrentar ou não o perigo caso
modelo cognitivo é visto como propondo que as ele se materializasse, e até que ponto fatores alheios
pessoas que sofrem de ansiedade tendem a supe­ ao próprio enfrentamento (por exemplo, reações
restimar a probabilidade da ameaça. Entretanto, de ajuda de outras pessoas) estariam envolvidos.
Beck, Emery e Greenberg (1985) descrevem Evidências clínicas e de pesquisa sugerem que
uma conceituação muito mais ampla e útil do as pessoas que sofrem de problemas de ansie­
componente cognitivo da ansiedade. Ela pode scr dade podem apresentar distorções envolvendo
resumida pela seguinte equação: cada um desses fatores individualmente ou em

Probabilidade percebida da ameaça


Ansiedade = ------------------------------------------------------
Capacidade percebida de enfrentamento

De acordo com essa visão, uma percepção au­ combinação. Diferentes combinações são prová­
mentada da probabilidade do perigo resultaria num veis entre os indivíduos e provavelmente entre os
aumento da ansiedade. Entretanto, a probabilidade transtornos. Por exemplo, pacientes que sofrem
percebida interage com o significado específico de pânico podem apresentar elevações em todos
que a pessoa atribui ao perigo em referência. Por os aspectos. Pesssoas que sofrem de transtorno
exemplo, algumas pessoas podem acreditar que é obsessivo-compulsivo e hipocondria geralmente
muito provável que elas desmaiem em uma dada relatam probabilidades relativamente baixas de
situação, mas não se sentiríam indevidamente an­ perigos, mas índices surpreendentemente altos de
siosas a menos que elas sentissem que desmaiar percepção de custo ou grau de aversão. A avaliação
fosse uma coisa particularmente má ou perigosa dos transtornos de ansiedade deve focalizar todos
(por exemplo, que resultasse em rejeição por outras os componentes descritos.

68
Ansiedade, crenças e comportamento de busca de segurança

Fatores envolvidos na manutenção da ansiedade aranhas examina o ambiente à procura de


A persistência de interpretações excessivamente sinais de teias de aranha, as pessoas ansiosas
negativas de estímulos, eventos ou situações em relação à sua saúde leem livros médicos,
é vista como crucial para o entendimento dos e os pacientes de pânico focam sua atenção
transtornos de ansiedade. De acordo com a teoria em (e como resultado geralmente encon­
cognitiva, a manutenção do pensamento negativo tram) sensações que podem se originar em
e da ansiedade tem pelo menos três componentes sua região cardíaca. A pessoa ansiosa que
principais (Beck, Emery & Greenberg, 1985; Clark, percebe mais sinais de perigo pode, então,
1986b; Clark & Beck, 1988). A Figura 3.1 ilustra erroneamente, interpretá-los como sinal de
os três principais círculos viciosos que se acredita que o perigo tomou-se realmente maior,
estarem envolvidos na manutenção da ansiedade. aumentando assim sua preocupação e refor­
São os seguintes: çando ainda mais aquela interpretação.
2. Alteração fisiológica. A ansiedade tem
1. Atenção seletiva. Aqueles que acreditam efeitos fisiológicos diretos e indiretos. As
estar em perigo tendem a se tomar sensíveis pessoas que se percebem em perigo, podem
à percepção dos estímulos consistentes com sentir os efeitos da liberação da adrenalina.
o perigo percebido. Embora pareça provável Se a fonte do perigo for percebida como
que isso seja, até certo ponto, uma resposta relacionada a sensações corporais, então a
automática (muito semelhante à forma como percepção de perigo é aumentada, crescendo
as pessoas que descobrem que elas próprias em espiral até um ataque de pânico (Clark,
ou suas parceiras estão grávidas começam 1986a, e o Capítulo 15 desse volume). Os
a perceber outras mulheres grávidas), pacientes socialmente ansiosos, que têm
pelo menos uma parte da atenção seletiva medo que outras pessoas percebam sua
observada na ansiedade é uma sondagem ansiedade e os considerem tolos, podem,
deliberada da ameaça. Assim, o fóbico a como resultado dessa ideia, começar a suar,

Figura 3.1 - Uma ilustração do modo pelo qual os fatores psicológicos podem perpetuar as cognições de
ameaça e, consequentemente, manter os problemas de ansiedade.

69
Fronteiras da Terapia Cognitiva

enrubescer e tremer. Os pacientes obsessivos comportamentais, isso tem sido enquadrado como
que acham que estão sendo contaminados, o fracasso da extinção das reações fóbicas, diante
apesar de terem lavado suas mãos repe­ de apresentações não reforçadas do estímulo con­
tidamente, começam a suar mais e têm a dicionado (Eysenk, 1979). Para o teórico cognitivo
sensação de que suas mãos estão se tomando isso gira em tomo da questão de por que alguém
“sujas”; isso pode realmente ser porque suas continua a temer uma catástrofe que repetidamente
mãos ficaram muito secas e são umedecidas deixa de se materializar (Seligman, 1988).
pelo suor que vem em resposta à ansiedade. Isso representa um sério desafio para a teoria e
Em cada caso, o círculo vicioso resulta numa a terapia cognitiva, dada a clara filosofia normali-
percepção aumentada de ameaça. zadora. Se a lógica dos transtornos de ansiedade
é tão clara quanto se supõe, por que a lógica da
3. Mudanças no comportamento. Sabe-se que
desconfirmação não se sustenta igualmente? Em
a percepção do perigo aumenta o compor­
outras palavras, por que a paciente de pânico que
tamento de evitação. O comportamento
acredita que irá desmaiar ainda acredita nisso de­
de evitação aumenta a preocupação com
pois de aproximadamente 2.000 ataques nos quais
a ameaça, e assim constitui-se o terceiro
os desmaios não ocorreram? O mesmo pode ser
círculo vicioso envolvido na manutenção
dito dos pacientes obsessivos e de vários outros
da ansiedade, de acordo com o modelo cog­
casos de transtornos de ansiedade.
nitivo. Entretanto, nessa etapa, é necessária
uma reavaliação do papel do comportamento Felizmente, a lógica teórica e prática é clara
na manutenção da ansiedade. Tipicamente, e pode ser rapidamente identificada, se forem
os teóricos e os terapeutas cognitivos tendem feitas as perguntas corretas ao paciente ansioso.
Quando sc pergunta a pacientes dc pânico por
a olhar os comportamentos relacionados
que eles não morreram no supermercado, eles lhe
à ansiedade a partir de uma perspectiva
dirão que foi porque eles saíram “na hora h”. Os
altamente influenciada pela teoria compor-
fóbicos sociais, dos quais ninguém riu, vão lhe
tamental. Ao mesmo tempo em que isso
dizer que foi porque eles permaneceram calados
permitiu a adoção pelos terapeutas cogni­
em um grupo de pessoas que conversavam. Os
tivos de técnicas tais como a exposição,
pacientes obsessivos irão lhe dizer que eles não
também teve o efeito de desviar sua atenção
agiram impulsivamente porque resistiram ao pen­
de uma análise cognitiva mais completa
samento violento e então o neutralizaram com um
sobre o papel do comportamento na manu­
“bom” pensamento. Longe de serem patológicas,
tenção da ansiedade.
tais respostas de “esquiva” são características da
ansiedade normal. O comportamento de qualquer
pessoa que acredita que está em perigo, geralmente
Uma perspectiva cognitiva do irá focar em qualquer coisa que ela acredite que
comportamento relacionado à possa reduzir o perigo ou, por outro lado, mantê-la
ansiedade segura. O comportamento de busca de segurança
é um tipo de resposta altamente adaptativo nos
durante a maior parte deste século, o “paradoxo casos que se referem a uma ameaça real. As
neurótico” atormentou pesquisadores e clínicos pessoas abandonam um prédio em chamas tão
da ansiedade. Na sua expressão mais simplista, rápido quanto podem. Entretanto, se a percepção
o paradoxo é o seguinte: por que as pessoas que do perigo está baseada em uma má interpretação,
sofrem de ansiedade não conseguem se beneficiar então o comportamento de busca de segurança
das repetidas experiências de sobreviverem ilesas pode ter um efeito colateral desagradável. A
a situações provocadoras de ansiedade? Em termos busca inapropriada de segurança pode evitar que

70
Ansiedade, crenças e comportamento de busca de segurança

as pessoas ansiosas descubram que seus medos Implicações para o tratamento


são infundados. Após um episódio que deveria ter Essa análise especificamente cognitiva do pa­
mostrado que a consequência temida não aconte­ pel do comportamento de busca de segurança na
ceu, as pessoas envolvidas em comportamentos manutenção da ansiedade tem várias implicações
de segurança ativos podem acreditar que tiveram importantes, tanto para a compreensão dos trata­
sorte em escapar porque elas fizeram coisas que mentos existentes quanto para o desenvolvimento
evitaram que a catástrofe temida acontecesse. A de intervenções adicionais e mais eficazes. Da
partir dessa perspectiva, os pacientes de pânico, perspectiva cognitiva, é possível afirmar que os
que tiveram 2.000 ataques nos quais eles não tratamentos de exposição funcionam por permi­
desmaiaram, percebem-se como tendo passado por tirem aos pacientes ansiosos que repetidamente
mais de 2.000 ataques nos quais eles estiveram experimentem entrar na situação temida e, desse
no limiar do desmaio, e quase não conseguiram modo, finalmente aprender que as coisas das quais
evitar que ele ocorresse. Os comportamentos de eles têm medo não acontecem de fato - isto é,
busca de segurança podem ser comportamentos eles experimentam a desconfirmação de seus te­
globais, tais como a esquiva e a fuga, ou formas mores. Entretanto, essa redefinição dos efeitos da
mais sutis de evitação que ocorrem em uma exposição é de pequeno valor, a menos que ela
situação na qual a pessoa sente que evitou a produza previsões empiricamente testáveis que
materialização do perigo. vão além daquelas geradas pela própria aborda­
O comportamento de busca de segurança gem da exposição. Está claro que existem várias
tende a se enquadrar em uma de três categorias previsões sobre (1) modos de otimizar os efeitos
principais: (1) evitação de situações que o pa­ da exposição e (2) experimentos comportamentais
ciente acredita que possam provocar pânico (por que não contêm elementos claros de exposição pro­
exemplo, evitar supermercados); (2) fuga de uma priamente. Poder-se-ia prever que ambos os tipos
situação quando um ataque de pânico ocorre (por de procedimentos reduzem a ansiedade, na medida
exemplo, sair de uma loja quando começam os em que eles têm o efeito de reduzir crenças-chave
sintomas de pânico); e (3) comportamentos de de ameaça; essa associação seria mais forte do que
busca de segurança executados durante o pânico, aquela que existe entre o volume de exposição e
com a intenção de ativamente evitar a catástrofe o grau de redução do medo.
temida (por exemplo, quando a tontura leva ao A exposição, na tradição puramente comporta-
pensamento “eu vou desmaiar”, segurar-se em outra mental, é relativamente uma questão de “acerto ou
pessoa, ou no carrinho de compras ou sentar-se). erro”. Eventualmente, o paciente pode realmente
Já descrevemos anteriormente essa última cate­ obter a desconfirmação, caso ele permaneça na
goria como “comportamentos de esquiva sutil”. situação por tempo suficiente. Entretanto, a maioria
Cada um desses comportamentos pode ter o efeito dos pacientes, durante a exposição, usa compor­
de manter as crenças relacionadas ao pânico; os tamentos sutis de esquiva, como a distração, se
pacientes logicamente inferem que eles evitaram eles acreditam que a ansiedade em si pode lhes
a ocorrência das catástrofes temidas por causa de causar dano caso aumente muito - por exemplo,
seus comportamentos (por exemplo, “Se eu tivesse andar próximo às paredes se eles sentem que vão
ido ao supermercado ontem, eu teria desmaiado”; perder o equilíbrio, neutralizar um pensamento
“Se eu não tivesse saído imediatamente, eu teria obsessivo quando eles não podem mais lavar suas
desmaiado”; “Se eu não tivesse me sentado, então mãos como resposta ao mesmo, e assim por diante.
eu teria desmaiado”). Assim, o comportamento do A abordagem cognitiva, por outro lado, enfatiza
tipo descrito acima impede a desconfirmação das o valor de entrelaçar uma discussão inicial, que
catástrofes temidas e transforma as desconfirma- tem o objetivo de reduzir a crença do paciente
ções potenciais em “escapadas por pouco”. na avaliação negativa específica que ele faz da

71
Fronteiras da Terapia Cognitiva

situação temida, com experimentos comporta- intrusivos que eles “tentam suprimir ou neutrali­
mentais, explicitamente projetados para fornecer zar através de algum outro pensamento ou ação”
às pessoas uma desconfirmação direta de seus (American Psychiatric Association, 1994, p. 418).
medos. Assim, as pessoas que têm medo de que A tentativa deliberada de suprimir os pensamentos
suas pernas possam fraquejar são incentivadas a intrusivos que ocorrem naturalmente aumenta,
relaxar suas pernas e então ficar cm pó sobre uma inequivocamente, a ocorrência desses pensamentos
perna só, para ver se de fato irão cair. À pessoa (Salkovskis & Campbell, 1994; Trinder & Sal­
que teme que possa agir ao ter pensamentos sobre kovskis, 1994). Se o leitor quisesse tentar suprimir
cortar alguém com uma faca afiada, pede-se que pensamentos de girafas da mente nesse momento,
focalize nesses pensamentos, enquanto segura uma seria quase inevitável que tais pensamentos ou
faca assim na presença do terapeuta. A análise em imagens viessem a ocorrer mais frequentemente
termos de comportamento de busca de segurança durante o tempo em que as tentativas de supres­
permite que experimentos comportamentais sejam são ativas estivessem acontecendo. Isso é quase
planejados, a fim de testar idéias negativas sobre certamente devido, pelo menos em parte, ao fato
as consequências da própria ansiedade. Ao invés de que a pessoa está prestando atenção à ideia de
de tentar controlar a ansiedade, solicita-se aos pa­ girafas. É também autoevidente, a partir do próprio
cientes que focalizem sua atenção nos pensamentos exercício, por que os pensamentos “indesejados”
assustadores, de forma a elevar o seu nível de estão ocorrendo. Entretanto, no caso de um paciente
ansiedade além do que eles consideram seguro, e, obsessivo que esteja experimentando pensamen­
dessa forma, testar as suas crenças. A experiência tos blasfemos ou outros tipos de pensamentos
de nosso grupo tem sido de que procedimentos indesejados, isso é consideravelmente menos
como esses e aqueles descritos em Salkovskis, óbvio. Tais pacientes geralmente pensam que os
Clark e Gelder (no prelo) podem ser usados para pensamentos indesejados estão ocorrendo numa
provocar mudanças extremamente rápidas na an­ frequência assustadoramente alta quando tentam
siedade durante as sessões (habitualmente muito não pensar neles; segue-se daí que os pensamentos
breves, geralmente menos de uma hora); e que ocorreríam de modo ainda mais frequente e mais
essas reduções de ansiedade podem ser persistentes descontrolado se eles tentassem interromper as
e se generalizar com pouco ou nenhum trabalho tentativas de eliminá-los.
adicional. Entretanto, é importante notar que os Não é somente nos problemas de obsessão que
efeitos dos comportamentos de segurança às vezes os comportamentos de segurança aumentam os
vão além da desconfirmação em si. sintomas que têm foco na ansiedade. Em casos
de pacientes ansiosos com relação à sua saúde,
Os comportamentos de busca de segurança não é incomum que eles apalpem ou fficcionem
podem aumentar os sintomas caroços até que eles doam e inchem ainda mais, ou
A experiência no trabalho com o comportamento que eles procurem submeter-se a exames médicos
de busca de segurança sugere que muitos desses com tanta determinação até que sejam realizados
comportamentos podem ter um efeito adicional não exames suficientes para produzirem falsos resul­
desejado. Um comportamento de busca de segu­ tados positivos, e assim por diante.
rança pode não somente evitar a desconfirmação, Quando ocorre esse tipo de padrão, como parece
mas, em algumas circunstâncias, ele também pode ser o caso tanto no transtorno obsessivo-compul­
aumentar os sintomas que foram a fonte inicial sivo quanto em uma grave ansiedade relacionada
da interpretação errônea e, por consequência, da à saúde, a estratégia terapêutica precisa envolver:
ansiedade. Esse tipo dc efeito é mais óbvio no (1) o fornecimento de uma formulação cognitiva
transtorno obsessivo-compulsivo. Por definição, os que seja compreensível e abrangente, e (2) uma
pacientes obsessivos experimentam pensamentos demonstração clara e não ambígua do modo pelo

72
Ansiedade, crenças e comportamento de busca de segurança

qual os fatores de manutenção da interpretação é vista como iminente, toma-se problemática a


errônea (incluindo os comportamentos de busca ideia de que o tratamento deveria focalizar ex­
de segurança) tendem a aumentar tanto a má in­ clusivamente em ajudar as pessoas a entender o
terpretação quanto os sintomas. Precisamente por que não irá acontecer. O fundamental na prática
que isso é assim, será discutido a seguir. da terapia cognitiva é que o paciente e o terapeuta
trabalhem juntos para chegarem a uma compreen­
Quando a desconfirmação não é uma opção são compartilhada (conceituação) da forma como
Conforme descrito acima, a hipótese cognitiva o problema do paciente opera. A forma mais
permite um claro entendimento tanto da origem eficaz de alterar uma má interpretação (seja um
quanto da manutenção dos problemas de ansie­ sintoma, uma situação ou um pensamento) é ajudar
dade. Um componente particularmente poderoso a pessoa a elaborar uma interpretação alternativa,
da terapia envolve técnicas direcionadas à geração menos ameaçadora da sua experiência. A terapia
da desconfirmação do perigo (Salkovskis, 1991). subsequente (incluindo a discussão, experimentos
Entretanto, o transtorno obsessivo-compulsivo e a comportamentais e exercícios de desconfirmação)
ansiedade severa relacionada à saúde (hipocondria) será então totalmente dirigida a auxiliar a pessoa
trazem algumas dificuldades especiais com rela­ a distinguir entre as diferentes interpretações que
ção a esse último aspecto. A atenção aos detalhes ela tem. Em cada ocasião, a explicação alternativa
das crenças características desses dois problemas será altamente idiossincrática, baseada no padrão
mostra onde reside a dificuldade e como ela pode específico de sintomas e interpretações vivenciadas
ser resolvida da melhor forma. Tanto nas obses­ por cada pessoa.
sões como nas hipocondrias, o perigo temido é A hipótese cognitiva também especifica que
mais comumente considerado como provável de diferentes tipos de problemas psicológicos mostra­
ocorrer em algum tempo relativamente distante rão certa consistência geral dentro de categorias.
no futuro. Por exemplo, os pacientes obsessivos Assim, as preocupações da pessoa que sofre
podem acreditar que seu fracasso em controlar ataques de pânico repetidos irão provavelmente
seus pensamentos blasfemos significa que eles irão focalizar o modo como a pessoa interpreta as
sofrer um tormento eterno depois de sua morte. sensações físicas e mentais como um sinal de
Os pacientes hipocondríacos podem acreditar que catástrofe iminente (ver o Capítulo 15 de Clark,
o formigamento que eles sentem na ponta dos nesse volume); as preocupações dos fóbicos
dedos é um sinal antecipado de esclerose múlti­ sociais irão provavelmente focalizar idéias de
pla que irá piorar progressivamente, tomando-se serem humilhados, desprezados ou rejeitados.
posteriormente seriamente sintomática e então os Os modelos mais específicos de problemas psi­
tomando deficientes num período de apenas 10-15 cológicos particulares fornecem ao clínico e ao
anos. Em ambos os casos, as manobras que obje­ pesquisador um guia geral que lhes permite, en­
tivam mostrar à pessoa que as consequências por tão, dirigir suas intervenções de uma forma mais
ela temidas não se concretizaram provavelmente precisa. Assim, o tratamento cognitivo enfatiza a
irão fracassar. Sabe-se há muito que os problemas negociação de um entendimento compartilhado
obsessivos e a hipocondria não respondem à reafir­ dos problemas do paciente, combinado a manobras
mação. De fato, parte da definição de hipocondria subsequentes projetadas, quando possível, para
é a deficiência em responder à reafirmação, isso ajudar o paciente a alcançar a desconfirmação de
é, “A preocupação persiste apesar da avaliação sua interpretação negativa, bem como encontrar
médica adequada e da reafirmação”. suporte para a alternativa menos ameaçadora.
Fica claro, então, que a ênfase no tratamento Uma vez que as catástrofes temidas na ansiedade
requer uma atenção cuidadosa. Mesmo nos pro­ relacionada à saúde e no transtorno obsessivo-
blemas de ansiedade, nos quais a catástrofe temida -compulsivo situam-se mais no futuro do que no

73
Fronteiras da Terapia Cognitiva

caso de outros problemas, a desconfirmação é interpretados de uma forma negativa. Salkovskis


muito menos útil como estratégia. Isso aumenta (1985) fez uso dessas idéias e da observação de
a importância relativa do entendimento, tanto dos que os pensamentos intrusivos, que não são distin­
pacientes quanto do terapeuta, da explicação não guíveis dos pensamentos obsessivos, ocorriam na
ameaçadora do seu problema, isto é, do modelo maioria da população (Rachman & de Silva, 1978;
cognitivo conforme idiossincraticamente aplicado Salkovskis & Harrison, 1984), ao desenvolver
aos sintomas e à situação dos pacientes. As ca­ uma hipótese cognitiva específica dos problemas
racterísticas da explicação cognitiva do transtorno obsessivos.
obsessivo-compulsivo e da hipocondria, que A teoria cognitivo-comportamental dos trans­
tendem a representar um importante papel em tornos obsessivo-compulsivos começa com a
tal explicação, serão descritas a seguir. proposição de que o pensamento obsessivo tem
sua origem em cognições intrusivas normais. As
cognições intrusivas são idéias, pensamentos,
A hipótese cognitiva do transtorno imagens ou impulsos que invadem, no sentido de
que eles interrompem o fluxo corrente de cons­
obsessivo-compulsivo
ciência de uma pessoa, e que a pessoa também os
Durante muitos anos, a ideia de que qualquer considera perturbadores, inaceitáveis ou de alguma
tipo de procedimento baseado na verbalização outra forma desconfortáveis. A diferença entre as
seria útil nos casos de problemas obsessivos foi cognições intrusivas normais e as cognições intru­
considerada, mas com grande dúvida. Mesmo os sivas obsessivas não está na ocorrência ou mesmo
defensores da abordagem psicodinâmica, que não no controle (ou falta de controle) das intrusões
são famosos por sua sensibilidade à melhora ou não em si, mas ao invés disso, na interpretação feita
dos sintomas do paciente, consideravam o trans­ pelos pacientes obsessivos da ocorrência e/ou do
torno obsessivo-compulsivo como um problema conteúdo das intrusões. Se a avaliação estiver
não particularmente tratável pela psicoterapia. Isso totalmente focalizada, por um lado, no dano ou
quase não causa surpresa, uma vez que, quase por perigo e, por outro lado, na perda, então a rea­
definição, os pacientes obsessivos veem seus pen­ ção emocional será provavelmente de ansiedade
samentos intrusivos como sem sentido. Qualquer ou de depressão, respectivamente. Tal avaliação
terapia voltada a convencer os pacientes de que das cognições intrusivas e as consequentes alte­
seus pensamentos obsessivos não são verdadeiros rações de humor podem-se tomar parte de uma
seria, portanto, de sucesso improvável. O sucesso espiral de avaliação do humor (Teasdale, 1983;
da terapia comportamcntal, envolvendo a exposição Rachman, 1983), mas não se esperaria que neces­
aos estímulos temidos e a evitação da resposta sariamente viesse a resultar em comportamento
do comportamento compulsivo e neutralizador, compulsivo, neutralizações e obsessões clínicas.
resultou em uma mudança na ênfase sobre o De acordo com a hipótese cognitiva, um padrão
modo como os problemas obsessivos eram vistos obsessivo ocorrería se as cognições intrusivas
(Salkovskis & Kirk, 1989). fossem interpretadas como uma indicação de que
Os fundamentos da teoria cognitiva são fa­ a pessoa pode ser, pode ter sido, ou pode vir a ser
cilmente compreensíveis. Rachman (1971) fez responsável por um dano ou por sua prevenção
a observação crítica de que os pensamentos (Salkovskis, 1985, 1989; Salkovskis, Richards &
obsessivos poderíam provavelmente ser melhor Forester, 1995; Rachman, 1993). É essa interpre­
considerados como estímulos condicionados. Beck tação específica, em termos da responsabilidade
(1976) já havia observado anteriormente que as por danos a si mesmo ou a outras pessoas, que
respostas emocionais ocorriam como um resultado se acredita que vincule as cognições intrusivas
do modo como os estímulos específicos eram tanto ao desconforto experienciado quanto aos

74
Ansiedade, crenças e comportamento de busca de segurança

comportamentos neutralizadores (compulsivos), Por exemplo, uma paciente obsessiva pode acre­
sejam estes secretos ou públicos2. ditar que a ocorrência de um pensamento como “Eu
A estrutura dessa conccituação alinha-se estrei­ poderia matar ou molestar meu bebê” significa que
tamente à abordagem cognitiva referente a outros existe um risco de que ela vá cometer a ação, a me­
tipos de transtornos de ansiedade, no sentido de que nos que ela faça alguma coisa para evitá-la, como
uma situação particular não ameaçadora se toma evitar ficar sozinha com a criança. Ela procuraria
o foco de preocupação como resultado de crenças a reafirmação das pessoas ao seu redor e tentaria
referentes a perigo ou ameaça. Portanto, o modo evitar ou escapar de seus pensamentos intrusivos,
pelo qual a ansiedade se manifesta depende do foco ou tentaria pensar em pensamentos positivos para
das percepções de ameaça e das consequências que compensar os negativos (neutralizá-los). Assim, a
essa percepção tem sobre as reações subsequentes. interpretação das intrusões obsessivas como uma
Por exemplo, na hipótese cognitiva do pânico indicação de aumento da responsabilidade tem
(Clark, 1986a; Salkovskis, 1988), diz-se que os vários efeitos importantes e inter-relacionados: (1)
ataques de pânico ocorrem como um resultado aumento do desconforto, ansiedade e depressão; (2)
da má interpretação de sensações físicas normais, aumento da atenção focalizada nessas intrusões;
particularmente as sensações de ansiedade normal. (3) maior acessibilidade ao pensamento original e
A maior parte das pessoas normais experimenta a outras idéias relacionadas; (4) tentativas ativas
tais sensações, mas somente as pessoas que tenham e geralmente contraproducentes de reduzir os
uma tendência permanente a interpretá-las de um pensamentos e diminuir ou descartar a respon­
modo catastrófico sofrerão repetidos ataques de sabilidade que é percebida como relacionada aos
pânico. Isso ocorre provavelmente como resultado mesmos, incluindo respostas comportamentais e
da tendência da ansiedade focalizada na catástrofe cognitivas “neutralizadoras”. Essas podem incluir
resultar em (1) um aumento percebido nos sinto­ o comportamento compulsivo, a esquiva de si­
mas, que foram o foco original da preocupação, e tuações relacionadas ao pensamento obsessivo, a
(2) nos comportamentos de busca dc segurança, que busca de reafirmação (tendo o efeito de diluir ou
têm o efeito de evitar que as pessoas descubram compartilhar a responsabilidade) e as tentativas
que as coisas que elas temem não acontecem e, de livrar-se ou excluir o pensamento da mente
às vezes, de aumentar os próprios sintomas (Clark (ver abaixo).
1986a; Salkovskis, 1991). Da mesma forma, os Cada um desses efeitos contribui não somente
pensamentos intrusivos, os impulsos, as imagens para o impedimento da eliminação da ansiedade,
e as dúvidas fazem parte da experiência normal do mas também para o aumento da preocupação e
dia a dia, mas somente as pessoas que têm uma de uma espiral que piora os pensamentos intru­
tendência permanente de interpretar sua própria sivos, levando a reações afetivas, cognitivas e
atividade mental como indicação de “responsa­ comportamentais disfuncionais. Em alguns casos,
bilidade” pessoal experimentarão o padrão de nos quais a consequência temida é vista como
desconforto e de neutralização característico do iminente, as respostas comportamentais podem
transtorno obsessivo-compulsivo. Os efeitos da ter o efeito adicional de impedir a desconfirma-
emoção eliciada e dos comportamentos de busca ção das crenças negativas da pessoa (Salkovskis,
de segurança serão de manter e aumentar o padrão 1991). Por exemplo, um paciente pode acreditar
de preocupação. que deixar de lavar suas mãos vigorosamente por

A responsabilidade é usada nesse contexto de uma forma específica. A avaliação da responsabilidade, que é hipotetizada como caracterizan­
do os problemas obsessivos, é operacionalmente definida como “a crença de que uma pessoa tem um poder que é central para causar ou evitar
resultados negativos subjetivamente cruciais. Esses resultados podem ser reais, isso é, ter consequências no mundo real e/ou em um nível moral”
(Salkovskis, Rachman, Ladouceur & Freeston, 1992).

75
Fronteiras da Terapia Cognitiva

15 minutos podería provocar uma séria doença na A avaliação da responsabilidade que surge a
sua família. Tendo lavado suas mãos dessa forma, partir da ocorrência e do conteúdo das intrusões
ninguém de sua família ficou doente, o que lhe pode ser ao menos parcialmente independente,
fornece uma confirmação de sua crença inicial, e apesar de geralmente relacionada. Um paciente
mantém a crença intacta (ou até mesmo reforçada) que era incapaz de livrar-se de pensamentos e
para ocasiões subsequentes, quando o pensamento imagens bizarros e desagradáveis interpretou
de contaminação ocorrer novamente. essa aparente resistência aos seus esforços de os
Os pacientes obsessivos tendem, assim, a controlar como um sinal de que ele estava cor­
interpretar os aspectos de seu próprio funciona­ rendo perigo de perder o controle e comportar-se
de modo imprevisível e violento. Ele tomou-se
mento mental - tais como pensamentos, imagens,
preocupado com esforços intencionais para evitar
impulsos, dúvidas e memórias intrusivos (obses­
que os pensamentos indesejados viessem à sua
sivos) - diferentemente dos não obsessivos. Um
mente e tentou controlar seu pensamento. Nesse
resultado significativo e contraproducente é que
caso, foi principalmente a ocorrência das intrusões
os obsessivos tentam arduamente exercer controle
que foi mal interpretada. Em outro exemplo, uma
sobre a sua própria função cognitiva, sobre a
paciente vivenciou imagens repetidas e vividas de
ocorrência dos pensamentos, sobre a sua memória,
si mesma morta em frente à loja local, e de sua
sobre os detalhes de como eles executam as ações
família reunida em tomo de um caixão no qual
do dia a dia, e assim por diante. O desconforto
ela estava deitada. Ela interpretou a ocorrência
experimentado é devido à avaliação que o paciente
dessas imagens particulares como uma previsão
faz do conteúdo e da ocorrência dos pensamentos
do futuro e ficou especialmente perturbada pelo
intrusivos. A frequência aumentada de intrusões
fato de que as imagens representavam lugares e
em relação aos não obsessivos pode, em grande
pessoas reais e de que elas eram vividas e detalha­
parte, ser diretamente devida aos comportamen­
das. Aqui, o conteúdo particular das intrusões foi
tos (privados e públicos) que são motivados pela
de importância relativamente maior. Embora esses
avaliação feita, conforme descrito abaixo.
dois aspectos da avaliação sejam mais comumente
A hipótese cognitiva propõe que as avaliações ligados em problemas obsessivos (“Ter esses pen­
aumentadas de responsabilidade podem focalizar samentos significa que eu sou um perigo para a
tanto a ocorrência quanto o conteúdo das cognições minha família”), isso não é necessariamente óbvio
intrusivas, ou ambos. A importância emocional é em todos os casos. Por exemplo, um pensamento
um resultado do padrão idiossincrático particular positivo pode ser avaliado negativamente se ele
da avaliação. Segue-se, portanto, que as intrusões ocorrer de forma incongruente em uma ocasião
são, no início, emocionalmente neutras, mas são triste. Entretanto, quando o significado do pen­
como outros estímulos potencialmente emocionais, samento específico que está ocorrendo é levado
na medida em que podem adquirir um significado em consideração, a ligação entre a ocorrência e
emocional positivo, negativo ou neutro, depen­ o conteúdo é normalmente evidente.
dendo da experiência anterior da pessoa e do Quando a avaliação da ocorrência e do con­
contexto no qual as intrusões ocorrem (Beck, 1976; teúdo das intrusões sugere uma reação voluntária
Edwards & Dickerson, 1987; England & Dicker- específica (incluindo tentativas de neutralizar,
son, 1988). Conforme descrito acima, uma parte suprimir ou evitar a intrusão, ou mesmo monitorar
crucial da avaliação de uma intrusão se referirá às cuidadosamente sua ocorrência), a prioridade de
implicações de uma intrusão e à necessidade de processamento será inevitavelmente aumentada. As
ação adicional. Se a intrusão é avaliada como não intrusões interpretadas como relevantes quanto à
tendo implicações, a prioridade de processamento responsabilidade irão, portanto, tender a persistir e
tenderá a ser reduzida. tomar-se o foco de pensamentos e ações ulteriores;

76
Ansiedade, crenças e comportamento de busca de segurança

idéias irrelevantes podem ser levadas em conside­ Entretanto, se alguém aceita a possibilidade de
ração, mas não irão resultar em pensamentos ou ser capaz de evitar até mesmo um dano potencial,
ações posteriores. Às vezes, entretanto, cognições então a responsabilidade percebida pode ser au­
desagradáveis ou perturbadoras não podem ser mentada por esse conhecimento, com base em que,
resolvidas e tomam-se mais persistentes, como se uma pessoa pode influenciar um evento, então
na depressão, na ansiedade e na preocupação. Nos essa pessoa assume alguma responsabilidade pelos
casos em que a ocorrência de um tipo específico possíveis resultados. Isto é, agindo para reduzir a
de pensamento é avaliada como uma indicação de sua responsabilidade, a pessoa implicitamente acei­
que o indivíduo tomou-se responsável por evitar ta a implicação de ser originalmente responsável.
danos para si mesmo ou para os outros, então a A “evasão” ou transferência de responsabilidade
ocorrência e o conteúdo do pensamento tomam-se em curto prazo tem, portanto, o efeito indesejado
tanto uma fonte de desconforto quanto um sinal adicional de reforçar as crenças mais resistentes
imperativo para agir, direcionado para neutralizar referentes à amplitude da responsabilidade no
o pensamento e suas consequências potcncialmcntc momento e no futuro.
danosas, bem como para evitar ou controlar sua
ocorrência posterior. Pressuposições
A teoria cognitiva propõe que as pessoas estão
Com o objetivo de evitar a ocorrência de intru­
predispostas a fazer avaliações específicas, devido
sões e/ou tomar-se consciente e limitar as impli­
a pressuposições que são aprendidas durante lon­
cações da responsabilidade, o paciente obsessivo
gos períodos que se iniciam na infância ou que
geralmente sente que é necessário prestar cuidadosa
podem ser formadas como resultado de eventos
atenção ao seu processo mental. A distribuição de
e circunstâncias extremas ou incomuns. Algumas
estratégias de esforço e de atenção relativas ao con­
pressuposições que caracterizam os pacientes com
trole da atividade mental envolve uma variedade
transtorno obsessivo-compulsivo são descritas em
de fenômenos que podem todos contribuir para
Salkovskis (1985) e incluem as seguintes:
a experimentação e a manutenção dos sintomas
obsessivos. Eles podem incluir, por exemplo,
tentativas de certificar-se da precisão da própria “Ter um pensamento sobre uma ação é como
executar a ação”.
memória, de assumir responsabilidade por todos
os fatores envolvidos nas suas decisões, de evitar “Não evitar (ou não tentar evitar) um dano a si
a ocorrência de fatos substanciais inaceitáveis, de mesmo ou aos outros é o mesmo que ter causado
garantir que um resultado seja atingido quando a o dano”.
diferença entre atingi-lo ou não é imperceptível
“A responsabilidade não é reduzida por outros
(por exemplo, decidir que suas mãos estão ade­
fatores, tais como o fato de alguma coisa ser
quadamente limpas depois de tê-las lavado para
improvável”.
remover a contaminação). As estratégias precisas
serão determinadas pelas crenças idiossincráticas “Não neutralizar quando uma intrusão tenha
da pessoa sobre seu impacto. A escolha das es­ ocorrido, é similar ou equivalente a buscar
tratégias é melhor compreendida a partir de uma ou querer que o dano relacionado à intrusão
perspectiva de busca de segurança; o paciente aconteça”.
reagirá através dos modos que ele acredita serem “Uma pessoa deveria (e pode) exercer controle
os mais prováveis a fim de efetivamente reduzir sobre os seus pensamentos”.
a ameaça da responsabilidade por um dano que
pode ser evitado. Os comportamentos de segurança Se uma pessoa mantém essas atitudes muito
podem, assim, ser direcionados para evitar danos intensamente, então os comportamentos ocultos
ou para evitar a responsabilidade pelos danos. e públicos característicos de pessoas que sofrem

77
Fronteiras da Terapia Cognitiva

de problemas obsessivos tendem a acontecer tipo de viés de omissão. Se essa observação for
naturalmente. validada experimentalmente, ela abre uma gama
Os efeitos desses tipos de pressuposições são de novas possibilidades para o entendimento do
geralmente descritos em termos de “erros de pen­ comportamento obsessivo.
samento” (Beck, 1976); erros de pensamento são Poderiamos esperar que a crença geral de que
distorções características que influenciam classes “qualquer influência sobre o resultado = responsa­
completas de reações. Os erros de pensamento bilidade pelo resultado” aumentasse a preocupação
não são patológicos em si mesmos; na verdade, a a respeito das omissões; a consideração da fe-
maioria das pessoas faz julgamentos empregando nomenologia dos problemas obsessivos sugere
uma série de “heurísticas”, muitas das quais podem vários outros modos mais específicos através dos
ser ilusórias (Nisbett & Ross, 1980). quais as omissões podem tomar-se relativamente
A hipótese cognitiva sugere que os pacientes mais importantes para um indivíduo vulnerável.
com transtorno obsessivo-compulsivo apresentam Um fator importante nos julgamentos referentes
vários erros característicos de pensamento, que à responsabilidade é a percepção de “agente”,
se relacionam com suas dificuldades obsessivas; significando que alguém escolheu fazer alguma
provavelmente o erro mais típico e importante é coisa. Uma importância especial é normalmente
a ideia de que “qualquer influência sobre o re­ atribuída à premeditação, no sentido de ser capaz
sultado = responsabilidade pelo resultado”. Uma de prever possíveis resultados danosos. A atribuição
possibilidade particularmente interessante é o de responsabilidade nesse sentido depende do que
relacionamento entre a responsabilidade através nós acreditamos que tenha sido o estado mental
da ação em oposição à falta de ação, ou inércia. da pessoa, antes ou durante o período de ação
Como descrito acima, Salkovskis (1985) sugere ou de omissão, com algum grau de premeditação
que a crença de que “Não evitar (ou não tentar ou previsão tendendo a fazer com que uma ação
evitar) um dano a si mesmo ou aos outros é o questionável (ou inércia intencional) pareça ser
mesmo que ter causado o dano” pode ser uma mais um sinal de responsabilidade ou culpa. Se
pressuposição chave na geração de problemas uma possibilidade real de causar um dano que
obsessivos. Recentemente, Spranca, Minsk e Ba­ pode ser evitado é realmente prevista, uma ação
ron (1991) demonstraram o que denominaram de ou uma omissão será mais provavelmente con­
“viés de omissão” em sujeitos não clínicos. Eles siderada como censurável e uma fonte de culpa.
mostraram que os sujeitos normais, quando uma Isso é, o estado mental da pessoa no momento do
omissão está envolvida, julgam sua responsabili­ ato determina até que ponto ela será vista como
dade por consequências negativas como reduzida; culpável. Se uma ação ou omissão foi bastante
e, ao contrário, julgam sua responsabilidade por acidental e imprevista, é improvável que a pessoa
consequências negativas como aumentada, quando seja culpada, a menos que achemos que a pessoa
alguma ação específica esteve envolvida na ocor­ deveria estar ciente do possível resultado danoso.
rência da consequência negativa. Isso é verdade em Acreditar que uma pessoa tem o dever implícito
sujeitos normais, mesmo quando o estudo controla ou explícito de prever o dano teria o efeito de
a existência do elemento de intenção (isso é, até aumentar a percepção de responsabilidade por
que ponto a pessoa deseja que o resultado “ne­ possíveis omissões.
gativo” ocorra). Assim, a maior parte das pessoas Um dos problemas vividos pelos pacientes
parece considerar-se mais responsável por aquilo obsessivos é o de que, geralmente, faz parte da
que ativamente faz do que por aquilo que deixa de natureza do transtorno que eles frequentemente
fazer. A experiência clínica (e um recente trabalho- antevejam uma grande variedade de possíveis
-piloto do nosso grupo) sugere que os pacientes resultados negativos. Isto é, os pensamentos intru-
obsessivos não parecem mostrar evidência desse sivos geralmente se referem a coisas que podem

78
Ansiedade, crenças e comportamento de busca de segurança

dar errado (como transmitir uma contaminação, ter tendo trancado a porta, a pessoa tenta não pensar
machucado alguém acidentalmente, ter deixado a que ela possa estar aberta, vivência o pensamento
porta destrancada ou o registro de gás aberto), a novamente, e fica, portanto, forçada a agir ou
menos que algo seja feito. Às vezes não é nem arriscar ser responsável por ter decidido não ve­
mesmo permissível para um obsessivo tentar rificar. Curiosamente, a verificação e a busca da
não prever os problemas/desastres, porque isso reafirmação são proeminentes tanto no transtorno
significaria que ele teria deliberadamente esco­ obsessivo-compulsivo quanto na hipocondria, e
lhido esse caminho, o que, novamente, aumenta pode ser razoável supor que o processo de tomada
a responsabilidade. Quando estão conscientes de decisão na ansiedade relacionada à saúde possa
disso, alguns pacientes veem como uma obrigação ser governado por considerações similares.
tentar prever os resultados negativos. Entretanto,
se de qualquer forma um resultado negativo é
previsto, mesmo como um pensamento intrusivo,
Ansiedade severa associada à saúde
a responsabilidade fica estabelecida, porque, para
não fazer nada, a pessoa teria que decidir não agir (hipocondria)
para evitar o resultado danoso. Isto é, decidir não
Na sua forma mais severa, a ansiedade asso­
agir, a despeito de estar consciente das possíveis
ciada à saúde é conhecida como hipocondria. A
consequências desastrosas, toma-se uma decisão
hipocondria é definida pelo DSM-IV (American
ativa, fazendo da pessoa um agente causai em
Psychiatric Association, 1994, p. 462) como a
relação às consequências desastrosas. Assim, a
“preocupação com temores de ter, ou a ideia de
ocorrência de pensamentos intrusivos/obsessivos
que a pessoa tem, uma doença grave, com base
transforma uma situação onde o dano somente
na interpretação errônea de sintomas físicos pela
pode ocorrer por omissão, em uma situação na
pessoa”. A definição de ansiedade severa associada
qual a pessoa escolheu “ativamente” permitir que
à saúde depende, portanto, da presença de interpre­
o dano venha a ocorrer. Isso pode significar que
tações errôneas de ameaça. A hipótese cognitiva
a aparente ausência de um viés de omissão nos
de ansiedade associada à saúde novamente começa
obsessivos é mediada pela ocorrência de pensa­
com estímulos inócuos que são, por definição,
mentos obsessivos.
erroneamente interpretados como sinal de alguma
Decidir não fazer algo resulta em um sentimento
séria ameaça de doença.
de ter sido o “agente”; desse modo, os pacientes
A teoria cognitiva afirma que, na ansiedade
não se preocuparão com objetos cortantes que eles
severa relacionada à saúde c na hipocondria, os
não tenham visto, e não ficarão preocupados, caso
sinais corporais, os sintomas, as variações e a
eles não tenham considerado a possibilidade de
informação médica tendem a ser percebidos como
dano. Entretanto, se eles veem algo e lhes ocorre
que eles poderíam ou deveríam tomar uma ação mais perigosos do que realmente são, e que uma
preventiva, a situação muda, porque não agir toma- doença específica é vista como mais provável do
-se uma decisão ativa. Dessa forma, a ocorrência que ela realmente é (Salkovskis, 1989; Salkovskis
real de pensamentos intrusivos de dano e/ou de e Warwick, 1986; Warwick e Salkovskis, 1990).
responsabilidade pelo dano passa a representar Ao mesmo tempo, é provável que o paciente se
um papel-chave na percepção da responsabili­ perceba como incapaz de evitar a doença e inca­
dade pelos seus conteúdos. A supressão, como paz de afetar o seu curso, isto é, como não tendo
descrita acima, irá intensificar ainda mais esse meios eficazes de enfrentar a ameaça percebida.
efeito, aumentando a ocorrência dos pensamentos O conhecimento e as experiências anteriores
exatamente nas situações das quais o obsessivo da doença (em si mesmo ou em outros) levam
mais deseja excluir qualquer intrusão. Assim, à formação de suposições específicas sobre os

79
Fronteiras da Terapia Cognitiva

sintomas, a doença e os comportamentos de saúde. séria. Situações que constituem incidentes críticos
Elas são aprendidas a partir de várias fontes, e ativam pressuposições anteriormente dormentes
particularmente de experiências anteriores, mas incluem sensações físicas não familiares, ouvir
também de eventos no círculo social do paciente detalhes de doença em um amigo de idade similar,
ou da mídia. A experiência anterior de doença física ou novas informações sobre doenças. Sensações
nos pacientes e em suas famílias, e experiências físicas adicionais podem então ser percebidas
passadas com tratamentos médicos insatisfatórios, como uma consequência da vigilância aumentada
podem ser importantes (ver Bianchi, 1971). Um que surge da ansiedade. Nos pacientes que se
fator adicional é a informação transmitida pela tomam particularmente ansiosos sobre sua saúde,
mídia. Um exemplo marcante é fornecido pelo tais situações são associadas a pensamentos que
aííuxo de casos de “fobia de AIDS” observado representam interpretações catastróficas pessoais
após uma campanha publicitária sobre esse tópico. das sensações ou dos sinais físicos.
Exemplos de pressuposições potencialmente As interpretações catastróficas podem, por
problemáticas são “As alterações físicas são ge­ sua vez, levar a um entre dois possíveis padrões
ralmente um sinal de uma doença séria, porque de ansiedade. Se as sensações ou os sinais não
todos os sintomas têm que ter uma causa física são daqueles que aumentam como resultado da
identificável” e “Se você não for ao médico assim ansiedade (e em consequência de uma excitação
que perceber qualquer coisa incomum, então será autonômica), ou o paciente não vê a catástrofe
tarde demais”. Algumas suposições referem-se a temida como imediata, então a reação será a an­
preocupações com a saúde, por exemplo, “Se eu siedade hipocondríaca relacionada à saúde, com os
não me preocupar com a minha saúde, então eu correlatos cognitivos, comportamentais, fisiológi­
posso ficar doente”. Nesse caso, pode ser que as cos e emocionais, conforme detalhados acima (por
pessoas acreditem que a preocupação com a saúde exemplo, “As dores em meu estômago significam
as mantém seguras de alguma forma supersticiosa que eu tenho um câncer não detectado”). Por outro
direta (como em não arriscar a sorte), ou que se lado, se os sintomas que são interpretados erronea­
preocupar com saúde significa que elas permane­ mente são daqueles que ocorrem como parte da
cem vigilantes sobre sintomas que de outra forma excitação autonômica, induzida pela ansiedade, e
poderiam negligenciar, até que eles se tomassem a interpretação é de que os sintomas são os sinais
muito fortes (e aí seria tarde demais). Outros tipos de uma catástrofe imediata (por exemplo, “Essas
de crenças referem-se a fraquezas pessoais especí­ palpitações significam que eu estou tendo um
ficas e doenças particulares; por exemplo, “Existem ataque do coração agora”), eles resultarão em um
problemas cardíacos na família”; “Eu tenho pul­ aumento imediato nos sintomas. Se esse processo
mões fracos desde quando eu era um bebê”. Tais continuar, então um ataque de pânico é a resposta
crenças podem representar uma fonte constante de mais provável (Clark, 1988; Salkovskis, 1988).
ansiedade e/ou podem ser ativadas em indivíduos Apesar das diferenças nos tipos de sintomas e na
vulneráveis por incidentes críticos. As suposições duração da doença temida, a ideação é similar no
também podem levar o paciente a dar atenção pânico e na hipocondria, e ambos os transtornos
seletiva a informações que parecem confirmar a frequentemente se sobrepõem (ver Noyes, Reich,
ideia de ter uma doença e, seletivamente, ignorar Clancy & O’Gorman, 1986).
ou descartar as evidências que indicam boa saúde.
Assim, as pressuposições específicas normalmente Fatores diretamente envolvidos na manutenção
levam a um viés conjirmatório no pensamento do da preocupação com os cuidados relativos à saúde
paciente, uma vez que um incidente crítico tenha A Figura 3.2 ilustra os principais modos pelos
resultado na interpretação errônea dos sintomas e quais os fatores psicológicos operam para man­
dos sinais físicos como indicadores de uma doença ter a ansiedade e a preocupação com a saúde. É

80
Ansiedade, crenças e comportamento de busca de segurança

importante lembrar que, em muitos pacientes, doença, do mesmo tipo que se observa em
esses fatores físicos e psicológicos interagem com casos de pânico, são comuns na hipocondria,
outros mecanismos envolvidos na manutenção das tais como interpretar palpitações como um
alterações somáticas, interagindo com os fatores sinal que alguma coisa está errada com o seu
aqui descritos ao invés de se sobreporem a eles. coração, tontura como sinal de um derrame,
e assim por diante (Salkovskis and Clark
1. Aumento da Excitação Fisiológica. Resulta [1993] discutem as semelhanças e as dife­
da percepção da ameaça e leva a um aumento renças entre o pânico e a hipocondria com
nas sensações mediadas autonomicamente; maiores detalhes).
essas sensações são geralmente interpretadas 2. Foco de atenção. As variações normais no
pelo paciente como uma evidência adicional funcionamento corporal (incluindo aquelas
a favor da doença. Por exemplo, um paciente que dão origem às sensações físicas), ou
percebeu um aumento na transpiração e teve aspectos da aparência ou do funcionamento
o pensamento de que isso era um sinal de um corporal não notados anteriormente, podem
sério desequilíbrio hormonal; quando esse chamar a atenção dos pacientes e ser per­
pensamento ocorreu, a sudorese aumentou, cebidos como novos. Os pacientes podem
o que forneceu uma evidência adicional do concluir que essas mudanças percebidas
“distúrbio”. Esse fator é importante na deter­ representam desvios patológicos do “nor­
minação de altas taxas de comorbidade de mal”. Por exemplo, um paciente percebeu
hipocondria e pânico (Salkovskis & Clark, que as raízes de suas unhas pareciam pálidas
1993); interpretações errôneas baseadas em e que ele tinha manchas brancas em suas

Figura 3.2 - Fatores psicológicos de manutenção das crenças ameaçadoras.

81
Fronteiras da Terapia Cognitiva

unhas, e interpretou isso como sinal de um e morrido”; “Eu nunca me exercito porque
“problema hormonal”. Ele considerou essa isso podería me matar”.
observação extremamente desagradável e
Em alguns pacientes propensos à ansiedade
não podia acreditar que ele tivesse deixado associada à saúde, comportamentos, tais
de notar algo tão significativo no passado, como a checagem física e a busca de rea­
o que queria dizer que isso deveria ser um firmação, são reforçados por uma redução
fenômeno novo. O foco da atenção também temporária da ansiedade; assim como com
pode levar a alterações reais nos sistemas os pacientes obsessivos, isso se dá à custa
fisiológicos, naqueles casos em que ambos de um aumento na ansiedade e preocupação
os controles reflexo e voluntário estão em longo prazo. Na busca de reafirmação, a
envolvidos (por exemplo, respirar, engolir, intenção do paciente é chamar a atenção de
atividade muscular etc.). Por exemplo, um outras pessoas para seu estado físico, a fim
paciente pode observar uma dificuldade em dc que qualquer anormalidade física possa
engolir alimentos secos e interpretar isso ser detectada (e, dessa forma, possa reduzir
como um sinal de câncer na garganta. Focar o risco em longo prazo). Na verdade, checar
no processo de engolir pode então levar a e buscar a reafirmação focaliza a atenção
um esforço indevido e a um aumento no dos pacientes nos seus medos e impede a
desconforto e na dificuldade. A experiência habituação aos estímulos provocadores da
de dor é aumentada pelo foco de atenção ansiedade. Em alguns casos, o sofrimento
(Melzack, 1979), independentemente do persistente, a limitação do comportamento
modo pelo qual a dor é interpretada. normal e as frequentes solicitações de con­
3. Comportamentos de esquiva. Ao contrário sulta médica, investigações e reafirmações,
de pessoas com fobias, os pacientes com persuadem médicos solidários a optarem
preocupações sobre sua condição física por intervenções médicas mais drásticas.
ficam ansiosos principalmente em relação Essas podem, às vezes, incluir cirurgias
às ameaças representadas por situações ou ou medicação poderosa, que os pacientes
estímulos internos (sensações corporais podem tomar como confirmação de seus
como desconforto ou dores estomacais, medos, dessa forma piorando os seus sin­
sinais físicos tais como caroços sob a pele). tomas e queixas e, às vezes, adicionando
Entretanto, sua atenção pode ser focada novos sintomas iatrogênicos aos que já
nesses estímulos internos devido a fatores estão presentes (por exemplo, efeitos cola­
externos, tais como uma leitura sobre uma terais de medicação).
doença específica, ou as perguntas de um Alguns comportamentos têm um efeito
cônjuge preocupado. Os pacientes rara- físico mais direto nos sintomas do paciente.
mcnte têm a opção de evitar completamcnte Por exemplo, um paciente que percebeu
os estímulos provocadores de ansiedade, uma persistente fraqueza reduziu suas
e assim eles recorrem altemativamente a atividades, parou de praticar esportes, e
comportamentos projetados para minimizar reduziu a distância que caminhava. Após
o desconforto físico e a comportamentos alguns meses, ele percebeu que a fraqueza
que eles acreditam que possam evitar os estava ficando pior (na verdade devido à
desastres temidos. A crença de que o perigo falta de preparo físico), o que confirmou
foi desviado dá sustentação às crenças dos seus medos iniciais de que ele estava
pacientes; por exemplo, “Se eu não tivesse sofrendo de esclerose múltipla. Pacientes
usado meu inalador, eu teria me sufocado com dor frequentemente reduzem o volume

82
Ansiedade, crenças e comportamento de busca de segurança

de exercício e adotam posturas exageradas coisa estava errada internamente, disse


na tentativa de reduzir sua dor. Como resul­ mais tarde ao terapeuta que o neurologista
tado desse comportamento, a dor (que pode tinha dito que ele tinha um tumor cerebral
ter sido originalmente muscular) piora, e fatal, devido ao fato de o que ele estava
o paciente começa a sentir dor em outros percebendo mais os seus sintomas, o que ele
músculos persistentemente mantidos em pensava significar que o seu tumor estava
posições forçadas. Um paciente com dores piorando. Ele acreditava que o fato de o
nos testículos pressionava-os frequente­ neurologista dizer que ele não tinha nada
mente para verificar se a dor ainda estava de seriamente errado era um exemplo de
lá; ele fazia isso por períodos de até 15 “dar a notícia delicadamente”.
minutos, às vezes com intervalos de apenas
2 ou 3 minutos. Não surpreendentemente, A identificação específica de fatores como esses,
a dor aumentou e, com ela, sua deficiência. em qualquer paciente individual, é crucial para a
Outros comportamentos comuns incluem o estratégia utilizada em terapia cognitiva, a qual
uso excessivo de coisas como medicação busca alcançar um entendimento compartilhado
inapropriada (prescrita ou não), espartilhos, dos processos psicológicos que poderíam explicar
bengalas, muletas, e assim por diante. os problemas do paciente. Essa estratégia geral,
aplicada tanto à ansiedade relacionada à saúde
4. As crenças e a interpretação errônea dos
quanto aos problemas obsessivos, será discutida
sintomas, de sinais, e das comunicações
a seguir.
médicas. O aspecto mais importante da
ansiedade relacionada à saúde, e um
componente crucial nas queixas de vários
pacientes com problemas somáticos, é a Tratamento da ansiedade associada
interpretação errônea de mudanças físi­ à saúde e do transtorno obsessivo-
cas inócuas ou da informação fornecida
compulsivo
por médicos, amigos ou pela mídia. Os
pacientes consideram essas alterações e A partir da discussão anterior, conclui-se que
comunicações como evidência de que eles o tratamento dos problemas obsessivos e da an­
estão sofrendo de um problema mais sério siedade severa associada à saúde precisa envolver
do que é na realidade. Isso é especialmente o alcance de um entendimento compartilhado,
provável quando as crenças exageradas pelo terapeuta e pelo paciente, referente à base
que os pacientes têm sobre a natureza dos psicológica de seu problema. Isso é crucial porque,
sintomas ou da doença resultam em um viés no início da terapia, esses pacientes acreditam
confirmatório a respeito de informações que o seu problema é que eles estão sob o risco
relativas à doença. Como resultado, tais de alguma terrível catástrofe. Se essa crença
pacientes percebem e lembram, seletiva­ é mantida muito intensamente, é improvável
mente, das informações consistentes com que o paciente se engaje em um tratamento de
suas crenças negativas sobre seus proble­ base psicológica (ou psiquiátrica). O paciente
mas. Por exemplo, um paciente consultou obsessivo acredita que ele é um molestador de
um neurologista a respeito de dores de crianças ou está contaminado, o paciente hipo­
cabeça e tontura; o neurologista disse-lhe condríaco acredita que ele tem uma doença do
que, se ele tivesse um tumor cerebral, este coração ou um câncer. Os pacientes nesse está­
teria piorado e o teria matado. O paciente, gio, portanto, procuram resolver seus problemas
que acreditava que quaisquer sensações mantendo-se mais limpos, garantindo que eles
na cabeça eram um sinal de que alguma não sejam responsáveis por danos, obtendo a

83
Fronteiras da Terapia Cognitiva

ajuda médica apropriada, e assim por diante. É, e o paciente saem para uma vigorosa caminhada
portanto, necessário, que nos estágios iniciais em tomo do hospital, fazendo repetidas avaliações
do tratamento os pacientes sejam ajudados a ver da intensidade da dor no peito. Uma paciente
que pode haver uma explicação alternativa para obsessiva pode ver que tentar não pensar em um
as dificuldades que eles estão experimentando. É pensamento pode aumentar a frequência daquele
apresentado aos pacientes um modelo cognitivo pensamento. Entretanto, ela também considera
baseado idiossincraticamente, que oferece uma possível que seus pensamentos de machucar seus
explicação de seus problemas bem diferente filhos podem não seguir esse padrão, e que talvez
e menos ameaçadora. Ou seja, não é que eles ela só esteja conseguindo mantê-los afastados
sejam molestadores de crianças ou que tenham através de distanciamento e distração. A fim
câncer, mas eles estão preocupados e acreditam de testar essa possibilidade, a paciente mantém
que possam ser molestadores de crianças, ou eles um registro diário da frequência da ocorrência
estão preocupados e acreditam que possam ter dos pensamentos, sendo que, em alguns dias,
câncer. Para que o tratamento seja eficaz, conclui- ela tenta distrair-se deles tanto quanto possível,
-se que é crucial que o paciente concorde que as e, em outros dias, tenta deixar os pensamentos
estratégias terapêuticas deveríam ser dirigidas à virem e não lutar contra eles. Ao fazer assim,
redução de tais preocupações, em vez das suas ela descobre que os pensamentos ocorrem mais
tentativas infrutíferas de reduzir o risco. frequentemente e a chateiam mais naqueles dias
Nesse estágio do tratamento (de vinculação), nos quais ela escolhe resistir a eles. Desse modo
as duas explicações possíveis para os problemas há uma constante interação entre a formulação
do paciente são consideradas simultaneamente, cognitivo-comportamental extraída pela paciente
ao invés de serem consideradas como alternativas e pelo terapeuta, a discussão de como a experiên­
mutuamente exclusivas. O paciente é convidado a cia da paciente se encaixa naquela formulação, e
avaliar como as duas visões alternativas combinam a geração de experiências novas e informativas
com sua experiência. Uma vez que o terapeuta e utilizando experimentos comportamentais para
o paciente concordam com as duas alternativas, a esclarecer ainda mais o modelo. Os elementos cog­
terapia prossegue como uma avaliação dos méritos nitivos e comportamentais estão entrelaçados, mas
relativos dessas duas visões. Evidências a favor o princípio direcionador está sempre habilitando
e contra cada uma são revisadas e discutidas em o paciente a considerar e adotar uma crença mais
detalhes (ver Salkovskis, 1989, para uma descri­ útil e menos ameaçadora do que aquela à qual ele
ção clínica mais abrangente de como isso pode estava vinculado anteriormente.
ser feito). Os principais elementos do tratamento são os
Frequentemente, a discussão atinge um ponto seguintes:
no qual precisam ser procuradas informações
adicionais não disponíveis ao paciente naquele 1. Trabalhar com os pacientes para desenvol­
r

momento. E nesse momento que os experimen­ ver um modelo cognitivo-comportamental


tos comportamentais são introduzidos; eles são abrangente da manutenção de seus proble­
exercícios para colher informações que ajudam as mas obsessivos. Isso envolve a identificação
pessoas a tirar conclusões relativas às suas crenças. de crenças básicas distorcidas relevantes
Por exemplo, um paciente pode ter notado que sua e a construção colaborativa de uma expli­
dor no peito tende a piorar próximo à hora em cação alternativa não ameaçadora da sua
que ele pratica exercícios. Durante a discussão, experiência obsessiva, a fim de permitir aos
ele não tem certeza se é antes, durante ou depois pacientes testar explicitamente suas crenças
do exercício. Para testar esse ponto, o terapeuta sobre responsabilidade.

84
Ansiedade, crenças e comportamento de busca de segurança

2. Identificação detalhada e automonitora- de que os fatores que anteriormente desencadea­


mento dos pensamentos obsessivos, e ram a ansiedade e o desconforto podem continuar
das avaliações desses pensamentos pelos a ocorrer. Entretanto, a terapia tem o efeito dc
pacientes, combinada com exercícios pro­ modificar o significado das variações físicas, ou
jetados para ajudar os pacientes a modificar dos pensamentos intrusivos, trazendo-os ao nível
suas crenças sobre responsabilidade, no experienciado pela maioria das outras pessoas, as
minuto-a-minuto de suas experiências (por quais não sofrem de um transtorno de ansiedade
exemplo, usando o Registro Diário de Pen­ desse tipo. Nenhuma tentativa direta é feita para
samentos Disfuncionais). reduzir a quantidade das sensações físicas ou das
variações experimentadas, e qualquer intenção
3. Técnicas de discussão para desafiar as ava­
por parte do paciente de efetuar tal redução é
liações, bem como as pressuposições básicas
desafiada, com base nas crenças que a motivam.
nas quais elas estão baseadas. O objetivo
é a modificação das crenças negativas dos Entretanto, um efeito colateral feliz e desejável
pacientes sobre a extensão de sua própria da terapia cognitiva é que existe frequentemente
responsabilidade pessoal (por exemplo, fazer um decréscimo real em tais sintomas. Observe que
o paciente descrever todos os fatores que a pessoa “normal” não procura constantemente
contribuem para o resultado temido e então controlar sintomas ou pensamentos; o controle
ilustrar a divisão de fatores contribuintes em tende a ser indireto, porque não há consequências
um gráfico). negativas sérias caso ela fracasse em controlar
os sintomas.
4. Experimentos comportamentais para testar
diretamente as avaliações, as pressuposições
e os processos que se supõe estarem envolvi­
dos nos problemas obsessivos dos pacientes Conclusão
(demonstrar que as tentativas de suprimir Nesse capítulo, tentei mostrar o modo pelo
um pensamento levam a um aumento na qual a hipótese cognitiva lida com a relação entre
frequência com que ele ocorre, ou mostrar a resposta emocional normal e os problemas ou
que crenças tais como “Se eu penso nisso, eu transtornos emocionais. Experienciar ansiedade é
consequentemente quero que isso aconteça” um fenômeno normal, e os fatores envolvidos na
estão incorretas). Cada experimento compor- geração e na manutenção de problemas severos de
tamental é idiossincraticamente planejado, ansiedade são também fimdamentalmente normais.
para auxiliar os pacientes a testar suas Nos transtornos emocionais, uma ressonância ou
explicações anteriores (ameaçadoras) de sua entrelaçamento é estabelecido entre crenças relati­
experiência em oposição à nova explicação vas à ameaça e o modo pelo qual a pessoa responde
(não ameaçadora) desenvolvida juntamente à ameaça percebida. No curso da terapia, um novo
com o terapeuta. padrão não ameaçador de significado é estabelecido
5. Auxiliar os pacientes a identificar e modifi­ ou restabelecido. O objetivo é fazer com que as
car pressuposições gerais subjacentes (tais crenças não ameaçadoras transformem-se em um
como “Não tentar evitar um dano é tão ruim modo relativamente automático de responder às
quanto fazê-lo acontecer deliberadamente”), situações que anteriormente teriam disparado as
que dão origem à sua interpretação errônea reações mantenedoras da ansiedade. Tais reações
de sua própria atividade mental. deveriam ser automantenedoras, removendo a
necessidade de vigilância e tentativas de controle
No tratamento tanto dos problemas obsessivos constantes, que caracterizam as abordagens mais
quanto da ansiedade associada à saúde, a ideia é comportamentais para gerenciamento da ansiedade.

85
Fronteiras da Terapia Cognitiva

A análise dos esforços relacionados à ansiedade em oposição à esquiva. Isso, portanto, é parte do
para controlar ou evitar resultados negativos, em legado de Aaron T. Beck; uma visão flexível e
termos de comportamentos de busca de segurança, empiricamente baseada das emoções e dos proble­
permite que uma clara distinção teórica e clínica mas emocionais, com uma ênfase normalizadora
possa ser feita entre enfrentamento adaptativo e fortalecedora singular.

86
Ansiedade, crenças e comportamento de busca de segurança

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88
Capítulo 4

S tatus empírico do modelo cognitivo de

ANSIEDADE E DE DEPRESSÃO

David A. Clark
Robert A. Steer

Elementos básicos do modelo cognitivo A pesquisa empírica sobre o modelo cognitivo


que sustenta a psicopatologia é importante para a
prática da terapia cognitiva por duas razões bási­
Teoria e terapia cognitiva: um caso de cas. Primeiro, o diferencial da terapia cognitiva
identidade compartilhada como um sistema de psicoterapia não depende
esde sua concepção, a terapia cognitiva das técnicas terapêuticas específicas empregadas

D que foi desenvolvida e promovida por


Aaron T. Beck estabeleceu uma forte
ligação entre teoria e pesquisa sobre os fatores
cognitivos na psicopatologia (Beck, 1967, p.
pelos terapeutas cognitivos (várias das quais são
emprestadas de outras escolas de terapia), mas
sobre as proposições e os construtos cognitivos
fundamentais que guiam a implementação da te­
318). De acordo com uma monografia baseada na rapia (Beck, 1991). Consequentemente, a pesquisa
Conferência Malcolm Miller sobre Psicoterapia, que testa a validade dessas pressuposições é alta­
que ofereceu na Universidade deAberdeen, o Pro­ mente relevante para a veracidade da abordagem
fessor Beck descreveu a terapia cognitiva como de tratamento cognitivo.
um produto direto de suas observações e pesquisa Segundo, a pesquisa sobre o modelo cognitivo
sobre os fatores cognitivos na depressão (Beck, pode ajudar a elucidar possíveis mecanismos de
1988). De fato, ele (Beck, 1976) arguiu que uma mudança que poderíam explicar a eficácia da tera­
abordagem de tratamento psicológico somente pode pia cognitiva. O entendimento de tais mecanismos
ser qualificada como um sistema de psicoterapia pode, por sua vez, levar à melhora do tratamento
se fornecer “(a) uma teoria ou modelo de psicopa­ cognitivo de vários transtornos. Obviamente, a
tologia abrangente, e (b) uma descrição detalhada eficácia da terapia cognitiva só pode ser determi­
e um guia das técnicas terapêuticas relacionadas nada pelos resultados dos efeitos do tratamento
com esse modelo” (pp. 306-307). Assim, através e dos estudos de processo. Entretanto, depois de
dos anos, Beck tem repetidamente enfatizado uma 30 anos de teoria, pesquisa e prática, a terapia
ligação íntima entre a teoria e a prática cognitiva cognitiva de Beck foi descrita por Dobson (1994)
em sua pesquisa e em suas publicações (Beck, como “um modelo intemamente consistente com
1976, 1991). comprovada eficácia”. Essa conclusão otimista
Fronteiras da Terapia Cognitiva

pode ser parcialmente atribuída à interdependên­ significados podem subsequentemente levar


cia entre a teoria e a prática cognitiva, fazendo a respostas emocionais ou comportamentais
com que a pesquisa sobre a teoria cognitiva seja disfuncionais, se tais significados refleti­
diretamente relevante para o tratamento cognitivo rem representações imprecisas dos eventos
dos transtornos psicopatológicos. (Beck, 1991). Por exemplo, na depressão, os
indivíduos tendem a interpretar experiências
Pressuposições básicas do negativas pessoalmente significativas como
modelo cognitivo confirmando suas crenças de que eles são um
A teoria cognitiva de psicopatologia é baseada fracasso.
em uma perspectiva de processamento de infor­
2. A cognição media afeto e comportamento.
mação (Beck, 1987). De acordo com Beck, vieses
Considera-se que conteúdo, processos e
sistemáticos no processamento de informação são
estruturas cognitivas influenciam ou mediam
evidentes em todos os estados psicopatológicos
o comportamento e a emoção (Dobson &
(Beck, 1967, 1976, 1987). O processamento
Block, 1988). Ao nível descritivo, o modelo
errôneo de informação é uma parte integral dos
vê os fatores cognitivos como mediadores
complexos sintomas e funções emergentes que
mantêm os transtornos psicológicos (Beck, 1991; ou concomitantes aos transtornos psicoló­
Clark e Beck, 1989). Em adição ao processamento gicos, ao invés de serem agentes causais
distorcido de informações, o modelo cognitivo (Beck, 1987; Haaga, Dyck & Emst, 1991).
especifica que as condições psicopatológicas re­ O modelo cognitivo não postula um relacio­
presentam fluxos de consciência dominados por namento sequencial unidirecional no qual
imagens e pensamentos automáticos negativos a cognição sempre precede a emoção, mas
que são, por sua vez, derivados de estruturas ou assume que a cognição, a emoção e o com­
esquemas cognitivos latentes c permanentes, com portamento são construtos reciprocamente
uma orientação disfuncional ou mal-adaptativa determinantes e interativos (Beck, 1991).
(Beck, 1976,1987; Clark & Beck, 1989). De acordo Os pensamentos automáticos negativos e
com esse modelo, podem ser identificadas quatro os processos cognitivos distorcidos não
pressuposições intrínsecas que guiam a teoria e o têm um papel causai na depressão, mas, ao
tratamento cognitivo: 1 invés, são os sintomas principais do trans­
torno depressivo e desempenham um papel
1. Os indivíduos constroem ativamente sua mediador básico na manutenção de outros
realidade. O princípio básico do modelo sintomas emocionais, comportamentais e
cognitivo é que os indivíduos não são recep­ motivacionais no transtorno (Beck, 1987,
táculos passivos de estímulos ambientais 1991).
ou sensações físicas, mas estão ativamente
3. A cognição pode ser conhecida e acessada. O
envolvidos na construção de suas próprias
realidades (Beck, 1967, 1987). Toda per­ modelo cognitivo de Beck propõe construtos
cepção, aprendizagem e conhecimento, são que podem ser definidos operacionalmente
produtos de um sistema de processamento e testados empiricamente. A mensuração
de informações que ativamente seleciona, da cognição desempenhou um importante
filtra e interpreta os estímulos ambientais papel na pesquisa de Beck através dos anos,
e outros estímulos sensoriais que atingem e o desenvolvimento de instrumentos tais
o indivíduo. Consequentemente, os indiví­ como o Inventário de Depressão de Beck
duos atribuem significados altamente pes­ (BDI -Beck Depression Inventory; Beck &
soais e idiossincráticos aos eventos e esses Steer, 1993c), o Inventário de Ansiedade de

90
Status empírico do modelo cognitivo de ansiedade e de depressão

Beck (JBAI - Beck Anxiety Inventory:; Beck Nível descritivo do modelo cognitivo
& Steer, 1993a), o Inventário de Desespe­ Ao nível descritivo, o modelo cognitivo propõe
rança de Beck (BHS - Beck Hopelessness várias hipóteses sobre o papel da cognição na de­
Scale; Beck & Steer, 1993b), e a Lista pressão, que são derivadas dos pressupostos básicos
de Verificação de Cognições (Cognitions do modelo (Haaga et al., 1991). Estas hipóteses
Checklist; Beck, Brown, Steer, Eidelson, podem ser testadas e têm sido, em graus variados,
& Riskind, 1987) indicam o seu nível de investigadas em diversos estudos.
dedicação à mensuração de construtos cog­ A primeira, denominada de “hipótese da ne­
nitivos. Entretanto, o modelo cognitivo não gatividade”, especifica que em todos os tipos de
assegura que todos os processos cognitivos depressão será encontrado um aumento signifi­
são conscientes, controlados ou resultado de cativo do pensamento negativo autorreferente,
esforço. O modelo reconhece níveis variados relacionado ao self, ao futuro e ao mundo (Beck,
de acessibilidade (Beck, 1976). De fato, 1976, 1987, 1988,1991). Um apoio empírico con­
a definição de pensamentos automáticos siderável tem sido observado para a hipótese da
negatividade, tanto em amostras clínicas quanto não
negativos pressupõe que os pensamentos
clínicas (Clark & Beck, 1989; Engel & DcRubeis,
associados com os transtornos psicológicos
1993; Haaga et al., 1991). Esses estudos sugerem
são bastante espontâneos e tangenciais à
que as cognições negativas estão associadas à de­
consciência (Beck, 1988). Um dos pres­
pressão nos níveis de síndrome, sintoma e estado
supostos básicos da teoria e do tratamento
de humor. Entretanto, tem havido contestações
cognitivo é o de que os indivíduos podem
à “universalidade” do pensamento negativo na
ser treinados para ter acesso aos produtos de depressão. A teoria da desesperança da depressão,
seu processamento errôneo de informações por exemplo, afirma que somente um subtipo da
(Beck, 1991). depressão apresentará a tríade cognitiva negativa
4. A mudança cognitiva é básica ao processo (Abramson, Metalsky & Alloy, 1989; Engel &
de mudança humano. Essa pressuposição, DeRubeis, 1993). Baseados em suas próprias
que é a pedra angular da terapia cognitiva, descobertas em pesquisas, e nas de Hamilton e
é uma extensão lógica da teoria cognitiva Abramson (1983), Miller e Norman (1986) con­
para o tratamento dos transtornos psicoló­ cluíram que aproximadamente 50% dos pacientes
gicos. Se a disfunção cognitiva é crucial depressivos têm altos níveis de distorção cognitiva.
para a manutenção dos sintomas de ansie­ Assim, o viés da negatividade cognitiva pode não
dade e depressão, então a mudança de uma ser encontrado em todas as pessoas depressivas.
vasta gama de sintomas comportamentais, A segunda, a hipótese da primazia, propõe que
emocionais e somáticos somente pode distorções na cognição ou no processamento de
ser alcançada através da modificação dos informação irão influenciar criticamente os outros
sintomas cognitivos. Em outras palavras, sintomas da ansiedade e da depressão. Beck (1987)
a melhora comportamental e emocional considera a primazia como significando que o pro­
somente é possível se os produtos, os pro­ cessamento cognitivo distorcido conduzirá a uma
cessos e as estruturas cognitivas mediadoras mudança correspondente na resposta emocional
mudarem. Isso pode ser diretamente ativado e comportamental do indivíduo. Isto sugere que
por uma técnica terapêutica cognitiva, tal a cognição negativa pode ser uma parte tão inte­
como a reestruturação cognitiva, ou indireta­ grante da experiência depressiva que os sintomas
mente por uma intervenção comportamental, negativos deveríam ser o alvo de tratamento na
tal como a exposição gradual in vivo ou a depressão, ao invés dos sintomas depressivos “não
programação de atividades. cognitivos”. Em uma nota de rodapé, Beck (1987)

91
Fronteiras da Terapia Cognitiva

esclarece esse ponto ao observar que a primazia pesquisa ao longo dos últimos anos. A hipótese
não significa que cognições distorcidas causam os define que todo transtorno psicológico tem um
demais sintomas da depressão. Em sua revisão, perfil cognitivo distinto, o qual é refletido em to­
Haaga et al. (1991) consideram a “hipótese” da dos os níveis do funcionamento cognitivo (Beck,
primazia como uma estratégia conveniente para 1967, p. 270; Beck, 1987). Na depressão, o tema
auxiliar clínicos a entender e organizar os proble­ cognitivo dominante refere-se à perda ou privação
mas de seus pacientes, ao invés de representar um pessoal, enquanto na ansiedade o tema principal
construto que podería ser testado empiricamente. é sobre a ameaça ou perigo físico ou psicológico.
Apesar dessa dúvida sobre o papel primário das Assim, o conteúdo cognitivo específico, asso­
cognições negativas na depressão, evidências apre­ ciado ao transtorno, é considerado como crítico
sentadas na literatura sobre indução de humor e para o diagnóstico diferencial entre ansiedade ou
sobre psicofisiologia sugerem que a produção de depressão.
pensamentos e imagens negativos autorreferentes A Tabela 4.1 resume as principais caracterís­
pode levar a respostas afetivas, comportamentais ticas que distinguem o pensamento negativo na
e fisiológicas características da depressão (D. M. ansiedade e na depressão (ver também Beck &
Clark, 1983; Martin, 1990; Sirota & Schwartz, Clark, 1988). O pensamento negativo na depres­
1982; Teasdale & Brancroft, 1977; Teasdale & são destaca as perdas e os fracassos passados, e
Rezin, 1978). Entretanto, nenhum estudo pros­ o paciente descreve tais pensamentos em termos
pective, até o momento, investigou a sequência de autoafirmações globais, absolutas e exclusivas
temporal dos sintomas cognitivos e não cognitivos. (Beck & Clark, 1988). Os transtornos de ansiedade,
A terceira hipótese relevante para o nível des­ por outro lado, são caracterizados por pensamentos
critivo do modelo cognitivo é identificada como automáticos orientados para o futuro, referentes a
a hipótese da especificidade do conteúdo cogni­ ameaças potenciais físicas ou psicológicas, sendo
tivo. Esta é uma das hipóteses básicas do modelo que esses pensamentos expressam um sentido de
cognitivo e tem sido submetida a considerável vulnerabilidade aumentado (Beck & Clark, 1988).

92
Status empírico do modelo cognitivo de ansiedade e de depressão

Pensamentos ansiosos tendem a ser de natureza com as consequências de um ataque de pânico


mais seletiva, experimental e antecipatória, ge­ ou a expectativa apreensiva, são características
ralmente tomando a forma de uma pergunta, tal sintomáticas definidoras críticas do transtorno de
como “e se...?” (Beck & Clark, 1988; Kendall & pânico e do transtorno de ansiedade generalizada,
Ingram, 1987, pp. 94-98). respectivamente.
A pesquisa sobre a hipótese da especificidade Finalmente, a pesquisa sobre a especificidade
do conteúdo cognitivo aborda a validade do mo­ do conteúdo cognitivo tem consequências sobre a
delo cognitivo, pelas razões a seguir. Primeiro, a mensuração dos transtornos psicológicos, tais como
especificidade do conteúdo cognitivo é uma das a ansiedade e a depressão. Artigos de revisão têm
bases principais do modelo cognitivo. Se o con­ consistentemente mencionado uma alta correlação
teúdo cognitivo negativo encontrado na ansiedade (índices [r] médios: 0,62 - 0,70) entre instrumentos
é similar ao encontrado na depressão, então o de ansiedade e de depressão (L. A. Clark & Watson,
modelo cognitivo de Beck será questionável. Ele 1991a; Dobson, 1985; Gotlib& Cane, 1989). Se os
induziría alguém a questionar a eficácia de focalizar estados psicopatológicos têm um perfil cognitivo
o pensamento negativo no tratamento da ansiedade distinto, então seria possível melhorar a validade
e da depressão, sugerindo, ao invés, que outros diferencial das medidas dos sintomas, através do
sintomas não cognitivos possam ser mais críticos aumento do número de itens cognitivos contidos
para os estados psicopatológicos (Ingram, 1990). nos instrumentos de ansiedade e de depressão. Na
Embora não se deva descontar a importância de sessão seguinte, revisaremos a literatura empírica
variáveis não específicas na pesquisa psicopato- sobre a especificidade do conteúdo cognitivo na
lógica, tampouco se deve descartar o fato de que ansiedade e na depressão, nos níveis de sintomas,
são os elementos singulares ou específicos que síndrome e mensuração. Entretanto, antes de revisar
estabelecem a natureza patogênica do transtorno e essa literatura, descreveremos brevemente um se­
sugerem possíveis pontos de intervenção (Garber gundo nível de conceituação no modelo cognitivo:
& Hollon, 1991). a vulnerabilidade ou causalidade cognitiva.
Segundo, a pesquisa sobre a especificidade do
conteúdo cognitivo tem importantes consequências A causalidade e o modelo cognitivo de ansiedade
para o diagnóstico de transtornos psicológicos e de depressão
(Garber & Hollon, 1991). Um sistema viável de O modelo de Beck não limita a teoria cog­
classificação de psicopatologias deve incluir sin­ nitiva à descrição dos padrões dos sintomas. Há
tomas com alta sensitividade e/ou especificidade um nível causal no modelo que considera certos
(Frances, Pincus, Widiger, Davis & First, 1990). O construtos cognitivos como cruciais na etiologia de
sistema de classificação deve descrever tanto as ca­ algumas depressões (Beck, 1987, 1991). Antes de
racterísticas essenciais quanto as discriminadoras, descrever esses construtos, é importante considerar
dos transtornos. A pesquisa sobre especificidade duas qualificações frequentemente negligenciadas
pode indicar se o conteúdo cognitivo é útil para se nas críticas sobre o status causal das variáveis
chegar a um diagnóstico diferencial entre ansiedade cognitivas ou da vulnerabilidade cognitiva, como
e depressão. Entretanto, deve ser observado que é comumente mencionada na literatura. Primeiro,
o DSM-IV {Diagnostic and Statistical Manual, 4a Beck (1987, 1991) claramcntc define que as estru­
Edição; American Psychiatric Association, 1994) turas cognitivas, tais como crenças ou esquemas
considera os sintomas afetivos e motivacionais, disfuncionais latentes, são fatores de predisposição
em vez dos sintomas de cognição negativos, periféricos, que podem contribuir para o início
como sendo as características básicas críticas de de um episódio depressivo. Os esquemas disfun­
um episódio depressivo maior. Por outro lado, cionais não são causas nem necessárias e nem
os sintomas cognitivos, tais como se preocupar suficientes da depressão. Segundo, a interação

93
Fronteiras da Terapia Cognitiva

de uma predisposição à vulnerabilidade cognitiva Em anos recentes, Beck (1983, 1987, 1991)
com um evento de vida precipitador será evidente argumentou que a depressão não ocorre isola­
somente em algumas depressões, possivelmente damente, mesmo em indivíduos cognitivamente
somente naquelas de natureza “reativa” (Beck, vulneráveis. Ele reconhece que um estressor ou
1991; Clark, Beck & Brown, 1992). Assim, a uma tensão ambiental agudos ou crônicos estão
hipótese da vulnerabilidade cognitiva não é con­ geralmente envolvidos na instalação da depressão.
siderada como aplicável universalmente a todos Em sua teoria cognitiva reformulada, Beck (1987)
os casos de depressão. postulou um modelo cognitivo de diátese-estresse,
Na sua teoria cognitiva da depressão inicial, para explicar a etiologia das depressões reativas
Beck (1967, 1976) enfatizou o papel de esquemas e de outros transtornos clínicos. A sociotropia e a
latentes e disfuncionais na etiologia da depressão. autonomia são consideradas diáteses periféricas de
Em anos recentes, a ênfase na hipótese da vulne­ personalidade, que interagem com eventos de vida
rabilidade cognitiva de Beck distanciou-se dos coincidentes ou congruentes, na precipitação de
esquemas negativos idiossincráticos para conste­ uma reação depressiva. Pessoas sociotrópicas têm
lações esquemáticas superordenadas mais amplas, maior probabilidade de se tomarem depressivas
que refletem as orientações de personalidade, ou o caso experienciem um evento que seja percebido
conceito de modos (Beck, 1983,1987). Beck (1983) como uma perda dc recursos sociais, enquanto
postulou a sociotropia e a autonomia como dois uma pessoa autônoma tem maior probabilidade
possíveis fatores de vulnerabilidade, envolvidos de se deprimir em resposta a eventos que sejam
na predisposição à depressão reativa ou a outras percebidos como envolvendo derrota ou perda de
condições psicopatológicas, tais como a ansiedade. independência pessoal, controle ou mobilidade
Dc acordo com Beck (1983), a orientação da (Beck, 1987,1991). De acordo com essa hipótese,
personalidade sociotrópica atribui um alto valor esperaríamos que os precipitantes da depressão
a ter relações interpessoais próximas, com forte refletissem uma congruência específica entre (1)
ênfase em ser amado e aceito pelos outros. Por a sociotropia e eventos interpessoais negativos e
outro lado, a orientação da personalidade autônoma (2) a autonomia e eventos de realização negativos.
reflete um alto investimento em independência
pessoal, realização e liberdade de escolha. Sob
a perspectiva da vulnerabilidade, um indivíduo Apoio empírico à especificidade
altamente sociotrópico ou autônomo pode correr
cognitiva
risco igual tanto para a depressão quanto para a an­
siedade. Indivíduos sociotrópicos, ou socialmente
dependentes, tentam satisfazer suas necessidades Especificidade dos sintomas cognitivos
de segurança e autovalor agradando outros e Vários estudos demonstraram que pensamentos
evitando a desaprovação de outros, através da de perda pessoal e fracasso estão mais altamente
manutenção de vínculos interpessoais próximos associados à depressão nos níveis de humor,
(Beck, 1983. Beck, Epstein, Harrison, & Emery, sintoma e síndrome, ao passo que pensamentos
1983). Em contraste, a pessoa altamente autônoma relativos a dano e perigo tendem a estar mais
extrai o seu autovalor a partir de competências e altamente associados aos sintomas e síndromes da
realizações, podendo então ter exigências pessoais ansiedade (para revisões ver Clark & Beck, 1989;
excessivas de autocontrole e conquista. Os indi­ Engel & DeRubeis, 1993; Haaga et al., 1991;
víduos autônomos tendem a ser menos sensíveis Ingram, 1990). Estudos anteriores, que avaliaram
às necessidades dos outros, preferindo a solidão a especificidade do conteúdo cognitivo, tenderam
e a privacidade ao invés da companhia dos outros a associar as medidas cognitivas aos seus estados
(Beck, 1983; Beck et ai, 1983). de humor correspondentes, produzindo, assim,

94
Status empírico do modelo cognitivo de ansiedade e de depressão

resultados não conclusivos sobre a especificidade considerado um sintoma não específico e comum
do sintoma cognitivo (Clark, 1988). Entretanto, a ambos os estados psicológicos. No modelo tri­
estudos recentes compararam grupos diagnósticos partido, as cognições negativas são características
diferentes, como depressão maior e transtorno do AN e não específicas à ansiedade e à depressão.
de pânico, com base em medidas de cognições Por outro lado, a baixa frequência de cognições
negativas. Outros estudos, utilizando amostras positivas é esperada como específica à depressão,
clínicas ou não clínicas, examinaram padrões de porque a depressão reflete uma ausência de afeto
correlações entre medidas de conteúdo cognitivo positivo. Estudos para avaliar a frequência das
e os diferentes estados de humor ou sintomas. De cognições positivas descobriram que a depressão
um modo geral, esses estudos mais recentes deram está associada a uma taxa significativamente mais
apoio à hipótese da especificidade do conteúdo baixa de pensamento positivo (Burgess & Haaga,
cognitivo, embora os dados pareçam apoiar mais 1994; Ingram, 1989; Kendall, Howard & Hays,
claramente a especificidade das cognições de perda 1989). Entretanto, não foi demonstrado que a baixa
e fracasso na depressão do que as cognições de frequência de pensamento positivo é mais especí­
ameaça e perigo na ansiedade (Ambrose & Rho- fica à sintomatologia depressiva do que uma alta
les, 1993; Beck et al.9 1987; Clark, 1986; Clark, frequência de cognições negativas. Dois estudos
Beck & Brown, 1989; Clark, Beck & Stewart, descobriram que havia uma redução de pensamento
1990; Garber, Weiss & Shanley, 1993; Harrell, positivo tanto na ansiedade como na depressão
Chambless & Calhoun, 1981; Hollon, Kendall & (Ingram, 1990; Ingram & Wisnicki, 1998).
Lumry, 1986; Ingran, Kendall, Smith, Donneell Recentemente, Ambrose e Rholes (1993) rela­
& Ronan, 1987; Jolly & Dykman, 1994; Jolly & taram que a especificidade do conteúdo cognitivo
Kramer, 1994; LaPointe & Harrell, 1978; Laurent pode variar de acordo com os níveis de frequência
& Stark, 1993; Rholes, Riskind & Neville, 1985; das cognições negativas. Baseados em uma grande
Thorpe, Barnes, Hunter & Hines, 1983; Wickless amostra não clínica de crianças e adolescentes,
& Kirsch, 1988). Além disso, há alguma evidência eles encontraram uma relação curvilínea entre
de que a hipótese da especificidade do conteúdo cognições de ameaça e sintomas de ansiedade, ao
cognitivo pode não ser tão consistente em certas invés da relação linear habitualmente encontrada
populações, como crianças, adolescentes ou univer­ entre pensamentos de perda e fracasso e sintomas
sitários não clínicos (Garber et al., 1993; Laurent depressivos. Em níveis baixos de cognições nega­
& Stark, 1993; Steer, Beck, Clark & Beck, 1994). tivas, cognições de perda mostraram-se associadas
Duas publicações recentes sobre a especifici­ tanto a sintomas de ansiedade quanto a sintomas
dade dos sintomas cognitivos centraram-se em duas de depressão (não especificidade); ao passo que
questões: (1) se a especificidade pode ser mais forte cognições de ameaça mostraram-se relacionadas
nas cognições positivas do que nas negativas, e apenas a sintomas de ansiedade (especificidade).
(2) se a especificidade dos sintomas cognitivos é Em níveis mais altos de pensamento negativo,
consistente através dos vários níveis de distúrbio. tanto as cognições de perda quanto as de ameaça
L. A. Clark & Watson (1991a, 1991b) propuseram eram mais positivamente associadas a sintomas
um modelo tripartido para explicar a relação entre depressivos do que de ansiedade. Os autores
a ansiedade e a depressão. De acordo com seu mo­ concluíram que deveria ser feita uma modifica­
delo, a ansiedade é diferenciada da depressão por ção na hipótese de especificidade do conteúdo
sintomas de hiperexcitação fisiológica, enquanto a cognitivo, a fim de explicar essas diferenças nas
depressão é diferenciada da ansiedade por sintomas relações entre sintomas cognitivos e diferentes
de perda de interesse, baixa motivação e anedonia, níveis de frequência de pensamento negativo. Eles
os quais refletem um baixo afeto positivo (AP). O também sugeriram que a relação curvilínea para
sofrimento geral, ou alto afeto negativo (AN), é as cognições de ameaça indicava que a ansiedade

95
Fronteiras da Terapia Cognitiva

pode predominar em baixos níveis de sofrimento podem diferenciar entre os transtornos de ansiedade
e a depressão pode predominar em altos níveis e depressão. Watson e Kendall (1989) também
de distúrbio. Em um recente estudo de Clark, concluíram, em sua revisão, que o conteúdo dos
Steer, Beck e Snow (1996), a relação entre, de pensamentos negativos c diferenças cm processa­
um lado, as cognições de perda e ameaça e, de mento distorcido de informação podem diferenciar
outro, os sintomas dc ansiedade c dc depressão, foi entre os transtornos de ansiedade e depressivo.
investigada em pacientes psiquiátricos, indivíduos Em um estudo conduzido por Clark, Beck e
cronicamente doentes, e controles normais. Uma Beck (1994), sintomas afetivos, comportamentais,
forte relação linear fez-se evidente na maioria das motivacionais, cognitivos e somáticos foram me­
análises de regressão entre as medidas de cognição didos em quatro grupos diagnósticos extraídos de
e sintomas, com o componente curvilíneo fazendo pacientes ambulatoriais no Philadelphia Center for
apenas uma contribuição mínima à associação. Cognitive Therapy, (1) transtorno depressivo maior
Além disso, a especificidade do conteúdo cogni­ (TDM; n = 262); (2) TD (n = 82); (3) transtorno de
tivo efetivamente variou de acordo com o nível de pânico com ou sem evitação agorafóbica (TP; n =
severidade do sintoma. A especificidade foi mais 156); e (4) TAG (n = 79). Os diagnósticos foram
consistentemente identificada nas amostras de feitos por psicólogos treinados, usando a Structu­
pacientes psiquiátricos internos e ambulatoriais e, red Clinical Interview para o DMS-III/DMS-III-R
com menos expressão, mais nos sujeitos clínicos do (Spitzer, Williams, Gibbon & First, 1990). O
que no grupo não clínico de controle. Em resumo, Inventário de Depressão de Beck (BDI-BeckDe­
essas descobertas sugerem que pesquisas futuras pression Inventory), o Inventário de Ansiedade de
sobre a especificidade dos sintomas cognitivos Beck (BAI - Beck Anxiety Inventory), o Cognitions
devem levar em consideração as características Checklist (CCL) e o Hamilton Psychiatric Rating
da amostra, níveis de distúrbio, e se as medidas Scales for Anxiety and Depression foram aplicados
de cognição avaliam a frequência das cognições na avaliação inicial para avaliar os sintomas e
positivas e/ou negativas. cognições de depressão e ansiedade. Uma análise
dos componentes principais, usando uma rotação
Especificidade cognitiva e diagnóstico Varimax, foi realizada nos itens combinados desses
Poucos estudos investigaram até o momento instrumentos. Dois dos componentes que emergi­
se as variáveis cognitivas melhoram significativa­ ram mostraram-se particularmente relevantes em
mente como resultado do diagnóstico diferencial relação à especificidade do conteúdo cognitivo. O
entre transtornos de humor e de ansiedade. Numa primeiro componente, denominado AutoConceito
análise discriminatória com pacientes apresen­ Negativo, incluía todos os 14 itens de Depressão
tando transtorno de ansiedade generalizada “puro” da CCL, assim como os itens do BDI que lidavam
(TAG) ou distimia (TD), Riskind et al. (1991) com “a sensação de fracasso”, “autoacusações”,
descobriram que a desesperança e pensamentos “não gostar de si mesmo”, “punição” e “culpa”.
de perda e fracasso diferenciavam o grupo de TD O segundo componente, Cognições de Ameaça,
do grupo de TAG, mas que as cognições de ansie­ incluía todos os 12 itens de ansiedade da CCL,
dade relacionadas à preocupação e à expectativa bem como o item “medo de morrer” do BAI e o
apreensiva não diferenciavam o grupo de TAG do item “perda da libido” do BDI. Para determinar a
grupo de TD. Numa revisão da literatura sobre a importância relativa das dimensões dos sintomas
ocorrência concomitante da síndrome e do sintoma na diferenciação dos quatro grupos diagnósticos,
nos transtornos de ansiedade, Di Nardo e Barlow os 12 sintomas componentes foram incluídos
(1990) concluíram que as variáveis cognitivas, tais numa análise de função discriminatória padrão. A
como preocupação excessiva, estilo de atribuição, primeira função bipolar diferenciou a depressão
percepção de controle e interpretação de sintomas, e a ansiedade, e separou os grupos de TDM e

96
Status empírico do modelo cognitivo de ansiedade e de depressão

de TD dos grupos de TP e de TAG. A segunda deveríam ter validade discriminatória reduzida,


função representou uma dimensão de severidade porque cognições negativas são características
e separou os grupos de TDM e de TP dos grupos do sofrimento generalizado que é comum tanto
de TD e de TAG. Uma inspeção dos coeficientes na ansiedade quanto na depressão.
da função discriminante padronizada e da matriz Para tratar desse aspecto, realizamos uma série
resultante indicou que o autoconceito negativo, de análises fatoriais analíticas dos 42 itens do BDI
a anedonia e a disforia distinguiam a depressão, e BAT revisados, a fim de determinar a percen­
ao passo que a presença de sintomas de pânico, tagem relativa da variância comum e específica
cognições relacionadas à ameaça e à ansiedade evidentes nessas duas medidas de autorrelato
subjetiva distinguiam a ansiedade. Esses resul­ (Clark, Steer & Beck, 1994). Análises fatoriais
tados, então, indicaram que os pensamentos de separadas foram conduzidas com 844 pacientes
perda e fracasso (autoconceito negativo) haviam ambulatoriais psiquiátricos e com 439 estudantes
emergido como uma das melhores variáveis de universitários. Análises fatoriais principais, usando
sintomas para a diferenciação entre a depressão uma rotação oblíqua Promax, identificaram dois
e a ansiedade, enquanto as cognições de ameaça fatores correlacionados em ambas as amostras:
e perigo, juntamente com os sintomas de pânico um fator de Depressão e um fator de Ansiedade.
(hiperexcitação fisiológica) e tensão, foram os Utilizando uma transformação Schmid-Leiman
melhores sintomas para diferenciar o pânico. (Gorsuch 1983, pp. 248-254), foi descoberto que
Curiosamente o TAG não foi bem diferenciado um fator de segunda ordem respondia por 40%
por essas medidas de sintomas. As descobertas, da variância compartilhada no BDI e no BAI,
então, apoiaram a especificidade do conteúdo cog­ tanto para a amostra dos pacientes ambulatoriais
nitivo e indicaram que a avaliação do conteúdo do quanto dos estudantes. Entretanto, depois de
pensamento negativo pode ser útil no diagnóstico desconsiderar parcialmente os efeitos desse fator
diferencial da ansiedade e da depressão. geral de segunda ordem, os fatores de primeira
ordem, Depressão e Ansiedade, continuaram a
Especificidade cognitiva e questões de explicar mais de 20% da variância comum para
mensuração o BDI e o BAI em ambas as amostras. Nossos
Várias revisões da literatura psicométrica sobre resultados são, portanto, consistentes com outros
ansiedade e depressão concluíram que as escalas estudos que sugerem que o BDI e o BAI avaliam
de autorrelato e de avaliação clínicas de sintomas dimensões distintas de sintomas (Endler, Cox,
ansiosos e depressivos e de estados de humor estão Parker & Bagby, 1992; Hewitt & Norton, 1993).
altamente correlacionados (L. A. Clark & Watson, Portanto, as medidas de sintomas de ansiedade e
1991a; Dobson, 1985; Gotlib & Cane, 1989). Os depressão, que incluem sintomas cognitivos em seu
revisores têm recomendado consistentemente que a conjunto de itens, efetivamente avaliam dimensões
validade discriminatória das medidas de ansiedade específicas de ansiedade e depressão, embora um
e depressão podería ser aperfeiçoada, incluindo-se grande componente de sofrimento generalizado não
mais itens que avaliassem sintomas singulares ou específico ou AN pode também estar presente nas
específicos. De acordo com a hipótese da especifi­ medidas (ver também Jolly & Kramer, 1994). Em
cidade do conteúdo cognitivo de Beck, as medidas contraste, pesquisadores utilizando uma variedade
de ansiedade e depressão, que enfatizam conteúdos de medidas tradicionais de ansiedade e depressão,
cognitivos distintos, deveríam ter validade discri­ concluíram que estes instrumentos simplesmente
minatória mais alta do que as medidas que não avaliam o sofrimento generalizado (Feldman,
enfatizam as diferenças cognitivas. L. A. Clark c 1993). Gotlib, 1984). Assim, a inclusão de itens
Watson (1991a), por outro lado, argumentam que cognitivos pode melhorar a especificidade das
os instrumentos que enfatizam cognições negativas medidas dos sintomas de ansiedade e depressão.

97
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Status empírico do modelo cognitivo realizações apresentam baixa validade paralela e


de previsão.
da diátese-estresse
Recentemente, completamos dois estudos aná­
Durante os anos passados recentes, vários logos sobre a hipótese cognitiva de diátese-estresse
estudos testaram a hipótese cognitiva da diátese- de Beck, com amostras de estudantes universitários.
-estresse para a depressão. Diferentes diáteses Os estudantes representam um grupo de sujeitos
da personalidade foram examinadas, tais como o adequado para o estudo da vulnerabilidade na
estilo de atribuição negativo (Metalsky, Halberstadt depressão, porque eles tendem a ter índices mais
& Abramson, 1987; Metalsky & Joiner, 1992), a altos de disforia e a experimentar um grande
desesperança (Metalsky & Joiner, 1992), o perfec­ número de eventos estressantes interpessoais e
cionismo (Hewitt & Flett, 1993), a dependência relativos à realização (Vrendenburg, Flett & Kra-
interpessoal e a autocrítica (Blatt & Zuroff, 1992; mes, 1993). Além disso, fatores de vulnerabilidade
Zuroff & Mongrain, 1987). Alguns estudos investi­ devem ser investigados em amostras não clínicas,
garam a sociotropia e a autonomia, utilizando tanto caso o propósito seja identificar os antecedentes
a Socioíropy-Autonomy Scale (SAS; Beck et al., temporais da depressão.
1983) ou as subescalas de Approval by Others e Utilizando um desenho metodológico vertical,
Performance Evaluation da Disfunctional Attitude que envolveu 438 estudantes que preencheram o
Scale (DAS; Weissman & Beck, 1978). De forma BDI {Beck Depression Inventory), uma versão do
geral, os resultados foram ambíguos. Estudos aná­ SAS de 60 itens e um inventário de autorrelato
logos, empregando sujeitos não clínicos, tenderam sobre eventos de vida com 104 itens, Clark, Beck
a encontrar uma interação significativa entre a so­ e Brown (1992) recentemente testaram a hipótese
ciotropia e um evento interpessoal negativo, porém cognitiva dc diátcse-cstrcssc. Três juizes inde­
nenhuma interação significativa entre a autonomia pendentes categorizaram os itens do inventário
de eventos de vida em 44 eventos interpessoais
e os eventos de realização negativos (Clark et al
negativos e 46 eventos negativos de realização. Os
1992; Robins & Block, 1988; Robins, 1990, Study
sujeitos avaliaram cada um dos eventos de vida em
1; Nietzel & Harris, 1990; Rude & Burnham,
3 escalas, de 5 pontos, relativas a grau de angústia,
1993). Estudos prospectivos, com depressivos em
a perda percebida de recursos interpessoais, e a
remissão, relataram interações significativas entre
perda percebida de metas e independência. Os
autonomia versus realizações negativas, mas os
sujeitos com escores acima de 16 no BDI (n =
resultados tenderam à inconsistência (Hammen,
64) foram classificados como disfóricos, e uma
Ellicott, Gitlin & Jamison, 1989; Hammen, Elli-
amostra randômica de 64 indivíduos não disfóricos
cott, & Gitlin 1989; Hammen, Ellicott & Gitlin,
foi selecionada entre os sujeitos que pontuaram
1992; Segal, Shaw & Vella, 1989; Segal, Shaw, abaixo de 10 no BDI. Usando uma análise de
Vella & Katz, 1992). Foi sugerido que os resul­ regressão hierárquica múltipla, foram avaliados,
tados inconsistentes com a autonomia podem scr nos primeiros três passos, os principais efeitos
atribuíveis às limitações psicométricas da escala para personalidade, número de eventos negativos
SAS Autonomy (Bamet & Gotlib, 1988; Robins & interpessoais e avaliações de perda social e de
Block, 1988). Além disso, Rude e Burnham (1993) metas. Os termos de interação entre personali­
concluíram que pode haver deficiências conceituais dade, frequência de eventos da vida e avaliações
em relação ao construto de vulnerabilidade relativo da perda social e de metas foram incluídos no
a realizações e autonomia. Eles concluíram que a passo final da análise. A interação sociotropia x
autonomia é um construto menos coerente do que eventos interpessoais negativos foi significativa
a sociotropia ou a dependência interpessoal e, em (p < 0,05) ao final da equação, ao passo que a
consequência, as medidas de vulnerabilidade de interação incongruente não alcançou significância

98
Status empírico do modelo cognitivo de ansiedade e de depressão

(isto é, sociotropia x eventos negativos relativos à efeitos principais para personalidade e número de
realização). A escala da Autonomia, do SAS, não eventos negativos interpessoais e autônomos foram
teve quaisquer efeitos ou interações significativas inseridos no segundo passo, e os termos da inte­
principais com os eventos de vida negativos. A ração congruente e incongruente foram inseridos
diátese de personalidade também não interagiu como o último passo. A análise da Sociotropia da
significativamente com as avaliações de perda escala SAS e o número de eventos interpessoais
associadas com os eventos. Assim, os resultados negativos revelou um incremento significativo
foram consistentes com as descobertas anteriores (R2 = 0,03; F (6, 169) = 4,03, p < 0,02) para os
e apoiaram parcialmente a hipótese cognitiva de termos da interação. A interação congruente da
diátese-estresse. Entretanto, os desenhos verticais Sociotropia com os eventos negativos interpessoais
não podem avaliar causalidade; ao contrário, são foi significativa (F(6, 169) = 4,82, p < 0,03), ao
necessários projetos de pesquisa prospectivos para passo que a integração incongruente (Sociotropia
estabelecer a antecedência temporal da diátese x eventos de realização negativos) emergiu como
(Bamett & Gotlibb, 1988; Garber &Hollon, 1991; uma variável supressora (F(6, 169) = 7,61, p <
Haaga et ai, 1991; Hammen, 1985). 0,01). A interação Sociotropia x eventos nega­
Um estudo mais rigoroso sobre a hipótese tivos relativos à realização não foi diretamente
cognitiva de diátese-estresse foi conduzido a se­ relacionada com o prognóstico de mudanças nos
guir (Clark, Purdon & Beck, 1994). Um desenho escores do BDI (r = -0,03), mas, ao invés disso,
prospectivo de pesquisa foi empregado, no qual suprimiu a variância que subtraía da relação entre
176 estudantes de graduação completaram o BDI a interação congruente e a variável dependente. A
e a uma versão extensa do SAS (Clark & Beck, significância da Sociotropia x interação negativa
1991) no momento 1 (Tl), seguido, 3 meses mais interpessoal manteve-se, mesmo quando a variável
tarde, de uma nova aplicação do BDI e da versão supressora foi inserida separadamente num passo
para estudantes do Inventário de Experiências Ne­ anterior. Uma representação gráfica das linhas da
gativas de Vida (NLEI - Negative Life Experiences regressão revelou que somente os sujeitos altamente
Inventory). A SAS, versão extensa, consiste de 60 sociotrópicos e que vivenciaram mais eventos
itens da SAS original (Beck et al., 1983), além interpessoais negativos tiveram um aumento nos
de 33 novos itens relativos à autonomia, escritos escores do BDI do Tl para o T2.
para fornecer uma avaliação mais precisa da per­ Análises da Solidão e dos eventos autônomos
sonalidade autônoma, conforme descrita por Beck negativos revelaram um aumento significativo de
(1983). Uma série dc análises fatorial e de itens, R2 = 0,03 (F(6, 170) = 3,11, p < 0,05) para os
em amostras sucessivas de estudantes de graduação, termos da interação. A interação entre Solidão x
produziu três escalas para a SAS, versão extensa evento negativo autônomo foi significativa (F(6,
(Clark & Beck, 1991; Clark, Ross, Beck & Steer, 170) = 4,80, p < 0,03) e a interação incongruente
1995). A primeira escala, de Sociotropia, consiste emergiu como uma variável supressora (F(6, 170)
de 29 itens, dos quais todos, com exceção de dois, = 4,98, p < 0,03). Uma representação gráfica da
foram tirados da SAS original, ao passo que duas curva de regressão sugeriu uma interpretação
novas dimensões de autonomia também emergiram, diferente da interação entre Solidão x realização
Solidão e Independência. negativa. A interação significativa era atribuível a
Foram realizadas análises hierárquicas de sujeitos com alta Solidão e com um número mais
regressão múltipla separadas para cada um dos baixo de eventos negativos relativos à realização,
três construtos de personalidade da SAS. Em mostrando maior decréscimo nos escores do BDI
cada análise, o BDI do Tl foi inserido no pri­ do Tl para o T2. Portanto, a presença de eventos
meiro passo como uma covariante, com o BDI negativos relativos à realização reduziu o grau
do tempo 2 (T2) como a variável dependente. Os de invulnerabilidade à depressão, que estava

99
Fronteiras da Terapia Cognitiva

associado à alta Solidão. A subescala da SAS investigam os construtos cognitivos no nível causai
relativa à independência não atingiu signiíicância de análise (Haaga et al., 1991).
com relação a efeitos principais ou a interações.
Análises adicionais foram conduzidas com Hipótese da especificidade do
relação ao evento de vida de maior angústia dos conteúdo cognitivo
sujeitos, às avaliações deste evento e às estratégias Estudos sobre a relação entre as cognições
de enfrentamento. A combinação de alta Sociotro- e os sintomas têm consistentemente encontrado
pia e evento de vida congruente continuou como um relacionamento específico entre pensamentos
um fator de previsão significativo de depressão, de perda e fracasso, e transtornos depressivos,
mesmo quando a unidade de análise se referia ao sintomas e estado de humor. Essa relação existe
evento de vida de maior angústia dos sujeitos. tanto em amostras clínicas como não clínicas, mas
Entretanto, a combinação de alta Solidão a um o nível de especificidade pode variar conforme
evento negativo relativo à realização não mais a severidade da psicopatologia. A especificidade
se mostrou significativa. Além disso, os sujeitos do conteúdo cognitivo pode ser mais evidente em
altamente Sociotrópicos que relataram um evento amostras com maior nível de angústia, com uma
negativo interpessoal avaliaram a si mesmos como amplitude maior de distúrbio, do que em amostras
tendo menos controle sobre o evento e habilidades com menor nível de angústia, e com uma amplitude
gerais de enfrentamento mais pobres. Ironicamente, menor de distúrbio. Em contraste, estudos sobre
estes sujeitos também tiveram escores significati­ a relação entre cognições de ameaça e perigo e
vamente mais alto nas subescalas de enfrentamento sintomas de ansiedade não têm apoiado consisten­
adaptativo da Escala de Enfrentamento (Cope temente a hipótese de especificidade do conteúdo
Scale; Carver, Scheier & Weintraub, 1989), mas cognitivo. Pode ser que as medidas cognitivas da
não diferiram significativamente de outros sujeitos ansiedade, como a CCL (Cognitions Checklist),
na subescala de má adaptação. Portanto, os achados sejam muito genéricas, e medidas cognitivas
deste estudo fornecem apenas suporte parcial para mais específicas deveríam ser desenvolvidas para
a hipótese cognitiva de diátese-estresse de Beck. avaliar a expectativa apreensiva ou a interpreta­
A interação entre Sociotropia e eventos negativos ção distorcida de sintomas corporais. A relação
interpessoais foi significativa, tanto no estudo entre cognição-sintoma na ansiedade pode ser
vertical quanto no estudo prospectivo. Entretanto, mais sensível a variações nas características da
não houve interação significativa entre a escala de amostra, como a severidade da angústia. Qualquer
Autonomia, da SAS, (i.e., Solidão e Independên­ que seja o caso, seria interessante saber por que
cia) e os eventos negativos relativos à realização. a especificidade do conteúdo cognitivo não tem
sido tão forte na ansiedade quanto na depressão.
Mais pesquisa também é necessária para comparar
a especificidade de cognições positivas versus ne­
Observações finais e direções futuras gativas. Isto é particularmente importante dados os
A pesquisa sobre o modelo cognitivo de Beck da prognósticos diferenciais dos modelos cognitivos
ansiedade e da depressão é crucial para o estabele­ e tripartite sobre o papel das baixas cognições
cimento das bases empíricas da terapia cognitiva. positivas e altas cognições negativas na ansiedade
Na última década, muita pesquisa tem focalizado e depressão.
duas hipóteses primárias do modelo cognitivo, a Estudos psicométricos conduzidos com várias
hipótese da especificidade do conteúdo cognitivo e medidas sugerem que a validade discriminante das
a hipótese cognitiva de diátese-estresse. Até hoje, medidas de ansiedade e depressão pode ser me­
a pesquisa que trata do modelo em nível descritivo lhorada se mais itens cognitivos específicos forem
tem fornecido mais apoio do que os estudos que incluídos nas medidas. É provável que a inclusão

100
Status empírico do modelo cognitivo de ansiedade e de depressão

de itens de cognição positiva também aumente a negativos relativos à realização. Primeiramente, a


validade discriminante. Entretanto, não sabemos se medição do construto autônomo provou ser mais
a inclusão de itens cognitivos melhoraria a validade difícil do que a medição da sociotropia. Conforme
discriminante das medidas de ansiedade e depressão observado por Rude e Bumham (1993), nenhuma
para todas as populações. Por exemplo, pode ser das medidas atuais de vulnerabilidade no campo
que cognições negativas sejam mais inespecíficas da realização avalia o construto adequadamente.
em populações que relatem níveis de sofrimento Foram feitas revisões para a escala Autonomia
geral de leve a moderado, sem uma psicopatolo- da SAS, mas é muito cedo para prever se a re­
gia específica, como pacientes com uma doença visão encontrará resultados mais encorajadores
médica crônica (L. A. Clark & Watson, 1991a). do que aqueles baseados na SAS original. Se o
As cognições negativas de ansiedade e depres­ Personal Style Inventory (PSI), desenvolvido por
são diferenciam os transtornos de depressão maior Clive Robins e colegas (Robins et al., 1994), se
e pânico. Entretanto, em dois estudos (Clark, Beck mostrará como uma medida melhor de sociotropia
& Beck, 1994; Riskind et al.9 1991), medidas de e autonomia do que a SAS revisada, é algo que
cognições de ameaça e perigo (i.e., CCL) não dis- ainda precisa ser provado.
tinguiram entre o TAG e a depressão. Portanto, a Um segundo problema com a pesquisa da auto­
especificidade cognitiva pode ser mais evidente no nomia refere-se ao próprio construto. A autonomia
pânico do que no TAG. Estes resultados sugerem é um construto heterogêneo (Rude & Bumham,
que a diferenciação entre o perfil cognitivo dos 1993), composto de conceitos sobre motivação para
pacientes com TAG daquele dos pacientes que a realização, independência, solidão, autocrítica,
sofrem de transtornos depressivos pode ser parti­ insensibilidade interpessoal e desconforto relativo
cularmente difícil, porque estes dois transtornos à intimidade. Portanto, as medidas de autonomia
têm um alto índice de comorbidade. Está claro que irão diferir, dependendo de qual característica de
mais atenção de pesquisa deveria ser dedicada a personalidade é enfatizada. Algumas característi­
esse assunto à luz das mudanças no diagnóstico cas da autonomia podem não estar relacionadas
do TAG no DSM-IV. à depressão, ao passo que outros aspectos estão
diretamente associados à disforia. Dada essa he-
Hipótese cognitiva de diátese-estresse terogeneidade, pode ser mais produtivo para os
A hipótese cognitiva de diátese-estresse de pesquisadores focalizar componentes do construto
Beck tem sido parcialmente apoiada em estudos mais estreitamente definidos, ao invés de assumir
empíricos recentes. Embora as conclusões variem que autonomia é um construto homogêneo.
entre os diferentes estudos, dependendo da medida Finalmente, melhores desenhos de pesquisa
cognitiva empregada ou dos diferentes tipos de são necessários para testar a hipótese cognitiva de
amostras escolhidas, a maioria dos pesquisadores diátese-estresse. Até hoje, a maioria dos estudos
tem apresentado resultados que apoiam uma inte­ empregaram um modelo de regressão múltipla,
ração significativa entre a escala Sociotropia da com amostras de estudantes não clínicos ou
SAS e eventos negativos interpessoais. A interação de depressivos em remissão. O problema com
congruente entre Autonomia e eventos negativos amostras de estudantes nos estudos atuais é que a
relativos à realização tem sido menos encoraja- maioria dos sujeitos descreve pequenas alterações
dora, embora alguns dos estudos com depressivos em disforia como resposta a estressores de vida,
em remissão tenham produzido resultados mais os quais, por sua vez, são relativamente suaves.
favoráveis para a autonomia. Abramson, Alloy e Metalsky (1988) observaram
Várias razões podem ser propostas para explicar que os modelos cognitivo de diátese-estresse, como
por que a autonomia não tem consistentemente o modelo de Beck, são baseados em pressuposi­
prognosticado a depressão na presença de eventos ções de suficiência ao invés de necessidade. Ou

101
Fronteiras da Terapia Cognitiva

seja, eles reconhecem que muitas pessoas podem necessários, como o de Temple-Wisconsin Cog­
se tornar deprimidas por razões diferentes da nitive Vulnerability to Depression Study (Alloy,
vulnerabilidade cognitiva. Além disso, a maior Lipman & Abramson, 1992), que acompanha indi­
parte da pesquisa sobre a diátese-estresse cognitivo víduos com vulnerabilidade cognitiva alta e baixa,
falhou em avaliar adequadamente as variáveis de durante um período específico de tempo, e investiga
avaliação de eventos, as quais Beck argumenta suas reações a eventos de vida significativamente
serem importantes para determinar se um evento adversos, congruentes e incongruentes. Até que
estará associado a uma resposta depressiva. Os a próxima geração de estudos de vulnerabilidade
estudos com depressivos em remissão também têm cognitiva seja concluída, a evidência empírica
seus problemas. Por exemplo, não está claro se as para o modelo cognitivo de diátese-estresse será,
variáveis que levam a uma recaída nos sintomas na melhor das hipóteses, inconclusiva.
depressivos nos pacientes em remissão serão as
mesmas que atuam em indivíduos que nunca fo­
ram depressivos. Portanto, pode-se questionar a
Agradecimentos
possibilidade de generalização das conclusões dos
estudos com amostras de depressivos em remissão Parte desta pesquisa foi apoiada por fundos
para as amostras de sujeitos nunca antes depres­ fornecidos ao primeiro autor pela University of
sivos. Haaga et al. (1991) também observaram New Brunswick Research Fund, Social Sciences
que um teste de causalidade requer que a diátese and Humanities Research Council of Canada
cognitiva seja medida e mostre estar presente antes (Grant No. 410-92-0427), e pela Foundation for
do episódio de depressão. Claramente, estudos são Cogntive Therapy.

102
Status empírico do modelo cognitivo de ansiedade e de depressão

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107
Capítulo 5

Processos de memória em psicoterapia

J. Mark G. Williams

eorias psicológicas têm sido frequentemente além de sentir e colocar em palavras os mesmos

T obscuras quanto ao papel de eventos de­


sagradáveis na etiologia e manutenção de
distúrbios emocionais. Este capítulo examinará
a maneira pela qual a memória desempenha um
sentimentos que ela havia experienciado naquele
momento no passado. Seus sintomas desaparece­
ram em seguida a essa “catarse”. Outros pacientes
aparentaram reagir igualmente bem. Apesar de
papel mediador entre evento e psicopatologia. Freud mais tarde interromper o uso da hipnose
Quatro aspectos de memória serão distinguidos: em favor da “livre associação”, ele continuou a
“memória factual”, “memória do comportamento”, acreditar que problemas atuais eram decorrentes
“memória de eventos” e “memória de prospecção”. de traumas passados e que lembranças viriam à
Cada uma tem um efeito próprio nas respostas mente quando ele colocasse sua mão na testa do
emocionais (por exemplo, propensões na memória paciente (Freud & Breuer, 1893-1895/1955).
factual podem eliciar atitudes disfuncionais; per­ Num primeiro momento, essas descobertas
turbações na memória de prospecção podem eliciar foram adotadas como um princípio geral. As
pensamentos intrusivos). Este capítulo delineará origens de neuroses seriam sempre algum evento
como uma maior compreensão das origens dos esquecido - um evento que tinha sido vergonhoso,
processos destes fenômenos permite a pesquisa­ alarmante, chocante ou doloroso. A recordação do
dores e terapeutas trabalharem juntos para gerar evento havia sido reprimida e o afeto, desapro­
novas abordagens e superar bloqueios na terapia. priado. Esse afeto havia se expressado em forma
A ideia de que psicoterapia faz efeito ao curar de um sintoma neurótico ou, no caso de alguns
lembranças de eventos traumáticos no passado, pacientes (histéricos), havia sido convertido em
com certeza, não é nova. O objetivo original de um sintoma físico.
Freud em psicanálise era o de descobrir traumas Mas à medida que Freud tratou de mais clientes,
encobertos e foi com Breuer que ele fez sua sua convicção de que sempre havia um evento
primeira descoberta. Foi pedido a Anna O., sob traumático enfraqueceu-se. O tema geral de que a
hipnose, que relembrasse a primeira vez em que emoção do passado causa problemas no presente
os sintomas apareceram. Foi também pedido a permaneceu, mas as causas possíveis dessa emo­
ela que descrevesse o momento detalhadamente, ção passada foram ampliadas. Primeiro, foram
Fronteiras da Terapia Cognitiva

ampliadas para incluir necessidades ou impulsos importantes do ambiente geral em que o cliente
instintivos que pareciam fortes demais para resistir foi criado, em casa, com a família, ou o ambiente
e procuravam ser “descarregados”. Tais impulsos geral na escola com colegas e professores, além
poderíam surgir espontaneamente (endogenamente) de levantar questões sobre como o próprio trauma
ou serem evocados por um evento, tal como ver afetou a vida emocional da pessoa posteriormente.
determinada pessoa, secretamente amada, mas in­ Essa é uma visão comum à maioria das escolas
disponível. Segundo, foram ampliadas para incluir de psicoterapia.
eventos que ocorreram quando da manifestação
O objetivo deste capítulo é revisitar a ideia de
de sintomas que não eram por si só traumáticos,
que a memória atua como um elemento pivô na
mas evocavam uma lembrança de um trauma
perturbação emocional, e de que a cura da me­
anterior. De todas as mudanças que Freud fez, a
mória exerce um papel central em psicoterapia,
que é atualmente mais famosa (ou infame) é seu
quando esta alcança o seu objetivo. Isto se deve,
afastamento da visão de que a maioria de seus
em parte, ao fato de que agora sabemos mais sobre
pacientes haviam sido seduzidos.
os verdadeiros estresses e traumas que precedem
Uma razão adicional para à memória traumática
abalos psicológicos, incluindo abuso físico e se­
ter sido dado um papel secundário em psicoterapia
xual (para uma refutação do argumento de que
analítica refere-se à distinção que Freud veio a fazer
relatos retrospectivos são invariavelmente pouco
entre neurose de fato e psiconeurose. Neuroses de
confiáveis, veja Brewin, Andrews & Gotlib, 1993).
fato eram reações ao “trauma real” (por exemplo,
Entretanto, poucas pessoas ousariam sugerir que
trauma de armas, ferimento, ou motivações se­
existe uma relação direta entre eventos estressan-
xuais endógenas ou agressivas), cuja expressão
tes e abalos psicológicos. Isto seria repetir o erro
potencial causaria um estado de pânico interno e
primário de Freud. Muitas pessoas experienciam
resultaria em fadiga geral, tensão, tontura, insônia,
uma grande carga de traumas e não demonstram
dores e sofrimento. Isso variavelmente tem sido
identificado como “neurastenia”, “trauma a armas” perturbação psicológica mais tarde em suas vidas.
ou “fadiga de batalha”. Freud não considerou as Por outro lado, algumas pessoas que desenvolvem
“neuroses de fato” (especialmente aquelas causadas perturbação emocional, até onde elas ou qualquer
por trauma externo) como casos adequados para outra pessoa possa relatar, haviam levado vidas
a psicanálise. Ele acreditava, por exemplo, que livres de tais eventos desagradáveis. Isso é, com
pesadelos de tais vítimas de trauma refletiríam certeza, central para o modelo cognitivo proposto
realidades do evento e não poderíam ser subme­ por Beck através de suas publicações. A força
tidos à interpretação de sonhos. de seu modelo reside, primeiramente, no fato de
O resultado foi que a psicanálise se distanciou conseguir levar em consideração diferenças indi­
da ideia de que recuperação de emoções ligadas viduais na psicopatologia posterior, por exemplo,
a eventos traumáticos no passado era um fator através de pressuposições, atitudes e esquemas
importante em terapia. Embora a imagem popu­ adquiridos durante a infância. Segundo, Beck tem
lar do psicoterapeuta - encorajando o paciente a sido capaz de construir pontes entre os interesses
descrever seu passado até que, finalmente, um epi­ do clínico e do pesquisador. Suas teorias informam
sódio doloroso fosse relembrado, um trauma fosse nossa prática terapêutica, mas também geram pre­
descoberto e os sintomas desaparecessem - tenha visões passíveis de teste através da investigação
permanecido, isto é agora mais uma característica experimental. Elas nos ajudam a entender quais
do analista de Hollywood do que da psicanálise que poderíam ser as propensões do processamento
é de fato praticada. Quando um trauma prematuro de informação que mediam a vulnerabilidade,
é relatado, acredita-se que o relato é importante a precipitação e a manutenção de perturbação
devido ao fato de que ele revela características emocional. É com este espírito de construção de

110
Processos de memória em psicoterapia

pontes que eu quero discutir o aspecto relativo à mesmo, seu autoconhecimento semântico; segundo,
memória, no processamento de informação. elas podem afetar sua memória comportamental,
como você reage a determinadas situações, pessoas,
atividades e lugares, independentemente de você
conscientemente recordar ou não a razão pela qual
A importância da memória
está reagindo desta maneira. Terceiro, elas podem
Para avaliarmos a importância da memória, afetar sua memória de eventos influenciando a
temos apenas que observar o que acontece se a recordação, de tal forma que eventos positivos
perdermos. Pacientes amnésicos descobrem que tomam-se mais difíceis de serem relembrados,
todos os aspectos de suas vidas foram afetados; e tomando a memória supergeneralizada, de tal
eles não conseguem sair de casa sem se perderem; forma que gravações específicas de memória se
eles não conseguem acompanhar a trama de um tomam difíceis e a resolução de problemas atuais,
filme ou eventos esportivos; eles não conseguem que requerem memória específica, seja prejudicada.
desfrutar de livros. Eles observam a vida através Quarto, elas podem afetar a memória de prospec-
de uma janela de poucos minutos. Qualquer coisa ção, estabelecendo metas para pessoas atingirem, as
que tenha ocorrido (um filme, um livro, uma partida quais elas não têm nenhuma esperança de atingir,
esportiva ou até mesmo suas próprias vidas) a mais mas as quais interrompem seus pensamentos do dia
do que aqueles poucos minutos atrás é perdida. a dia com seus lembretes. Vamos agora examinar
É da memória que obtemos um sentido de nós uma de cada vez para compreender exatamente o
mesmos, a sensação de ser a mesma pessoa através que pode dar errado com elas.
do tempo. Nossa memória nos proporciona todas
as informações que temos sobre nós mesmos e
como os outros nos veem. Grava nossas redes Memória factual
sociais, o passado e o presente de nossas famílias.
Grava o que temos que fazer para consertar nosso Se alguém elogia outra pessoa por causa de
carro quando este quebra, ou onde encontrar al­ sua memória, esta pessoa frequentemente tem
guém capaz de fazê-lo. Grava nosso primeiro dia em mente conhecimento de fatos e dados. Isto é
em uma nova escola, os professores que eram algumas vezes denominado de “memória factual”,
prestativos e os que eram sarcásticos. Grava as para distinguir entre a memória para eventos
vezes que brigamos com nossos amigos e quando específicos e episódicos (memória de episódios).
fizemos as pazes. Grava que Pequim é a capital Esta memória para conhecimento geral não requer
da China e o que aconteceu na Praça Tiananmen. que recordemos onde e quando aprendemos pri­
Faz-nos lembrar como fazer omeletes ou como meiramente tal fato, pois sua validade independe
falar francês. Ajuda-nos a planejar o futuro, as da situação. Fatos como “Paris é a capital da
férias, as consultas ao dentista, e nos lembra desses França” ou “um objeto derrubado ao chão acelera
compromissos no momento certo. a 32 pés por segundo”, permanecem verdadeiros
independentemente de termos aprendido isto pela
Para sistematizar a descrição do que a memó­
primeira vez através de livros, rádio, televisão ou
ria é, eu quero dividi-la em quatro sistemas ou
um professor. Mas nós também utilizamos este
funções principais e olhar um de cada vez. Esses
sistema de memória para gravar conhecimentos
quatro aspectos ou tipos de memória são: memória
acerca de outras pessoas ou nós mesmos: A é
factual, memória comportamental, memória de
autoritário, B é fraco, C é alto, D é magro.
eventos e memória de prospectiva. Eles definem
quatro maneiras pelas quais a memória pode ser Como então pode a memória factual tomar-se
afetada por eventos desagradáveis. Primeiro, elas distorcida? Isto ocorre uma vez que a maioria das
podem afetar o que você “sabe” a respeito de si informações é parcial e criamos o que é possível

111
Fronteiras da Terapia Cognitiva

a partir delas. Há poucas ilustrações de como este devido a uma impossibilidade matemática (!): o
preenchimento de fragmentos pode ocorrer, melho­ número total de WAC’s situado nessa região era
res do que o estudo de rumores ou boatos. Allport consideravelmente menor do que quinhentos. En­
e Postman (1948) oferecem um relato excelente de tretanto, este teste de realidade não teve um tom
como rumores espalharam-se nos Estados Unidos inteiramente convincente, especialmente quando
durante a Segunda Guerra Mundial. Devido ao a próxima frase dizia de forma um tanto quanto
fato de que rumores poderíam abalar a confiança, sombria: “O número exato é um segredo militar.”
o governo norte-americano preocupou-se muito em Separar entre fato e rumor ou propaganda nunca
fazer algo a respeito. A maioria dos rumores era foi fácil. O problema é que a memória factual os
muito bizarra; por exemplo, “Os russos pegam a trata como iguais. Não há base para distinguir
maior parte de nossa manteiga e apenas a utili­ entre um e outro. Essa igualdade de tratamento
zam para lubrificar suas armas”; ou: “A Marinha pode causar um dos maiores problemas para a
jogou fora três carregamentos de café na baía de incubação de perturbação emocional nas pessoas.
Nova York”. O governo estabeleceu programas Pessoas mais vulneráveis, devido a eventos que
especiais de rádio nos quais pegariam um rumor, aconteceram em suas vidas, tomam-se ainda mais
discuti-lo-iam e tentariam esmagá-lo. O problema vulneráveis quando tomam a propaganda contra si
era que os ouvintes americanos ficavam mudando mesmas. Fatos são misturados à autopropaganda
estações. Pessoas estavam ouvindo os rumores e de uma maneira muito destrutiva, resultando em
não sua refutação, o que somente contribuía para conclusões tais como “eu sou inútil” ou “eu sou um
espalhar os rumores! Então decidiram criar Clínicas fracasso” ou “se pessoas soubessem como eu sou
de Rumores nos jornais, nas quais um psicólogo realmente, ninguém iria querer me conhecer”. Mas
discutia um rumor, refutava-o e então apresentava por que essas categorizações negativas deveríam
as razões psicológicas (por exemplo, mecanismo ser tão persistentes? Frequentemente, as coisas, a
de defesa, projeção etc.) que provavelmente os respeito de nós mesmos, das quais não gostamos,
sustentariam. refletem o lado negativo de aspectos que nós mais
Entretanto, havia também problemas com as valorizamos. Langer (1989) relata um experimento
Clínicas de Rumores. Para ilustrar, permitam-me no qual foi dado a algumas pessoas um determi­
citar um exemplo de rumor que preocupou a Sub­ nado atributo; em seguida, lhes foi perguntado o
divisão do Exército de Mulheres (WAC - Women’s quanto elas o valorizavam. Sujeitos classificaram
Army Corps). Poucas fofocas subversivas causaram como de alto valor aspectos como consistência,
à nossa Clínica de Rumores mais horror do que os seriedade e confiança. Também foi perguntado a
rumores falsos que estavam circulando a respeito essas mesmas pessoas que coisas elas odiavam
das WAC. Aqui estão alguns exemplos. sobre si mesmas. Os resultados demonstraram que
aquelas que valorizavam consistência responderam
“Mais de quinhentas WAC’s foram dispensadas
que o que odiavam mais era a rigidez; aquelas que
do serviço por causa de gravidez ilegítima.”
valorizavam a seriedade odiavam mais serem vistas
“Quinhentas WAC’s grávidas retomaram da como mal-humoradas; e aquelas que valorizavam
África do Norte.” a sua natureza de confiança queriam ser menos
“General Eisenhower diz que as WAC’s são a ingênuas (Langer, 1989, p. 69).
sua maior fonte de problemas” (o que, conside­ Atitudes disfuncionais e “suposições silencio­
rando que ele estava lutando com Hitler naquele sas” (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1979) podem ser
momento, é dificilmente provável). também caracterizadas como “memória factual”.
Não havia absolutamente nenhuma evidencia Como uma lei em física, elas são aprendidas em
que apoiasse histórias como estas. O rumor sobre as determinadas situações, ainda que sua estrutura
WAC’s na África do Norte era falso, primeiramente semântica lhes dê a aparência de leis eternas da

112
Processos de memória em psicoterapia

natureza. O sistema que grava as leis de Newton emergiu, pelo menos para as pessoas “vulneráveis
também grava regras pessoais; por exemplo: “se dependentes”. Para estes ex-pacientes, observou-
alguém fica bravo comigo, essa pessoa jamais -se uma correlação significativa entre o número
será minha amiga novamente.” Este “autoconhe- de eventos vitais interpessoais experienciados e
cimento” toma-se um problema quando é tratado, o nível de depressão (r = 0,62). Estes mesmos
assim como o conhecimento geral, como fato. sujeitos, entretanto, não reagiram positivamente
Precisamente quantos tipos diferentes de esquemas aos eventos de autocrítica.
disfuncionais existem, bem como suas interco- Os resultados para os sujeitos autocríticos
ncxõcs, ainda é uma questão aberta. Apenas há permaneciam ambíguos. Para eles, depressão e
evidências preliminares de que uma distinção pode eventos vitais continuavam não sendo correlacio­
ser feita pelo menos entre esquemas de dependência nados. Nem os eventos pessoais de vida negativos
c dc realizações. Por exemplo, cm um estudo pros­ ou os eventos de vida autocríticos puderam ser
pective, Segal, Shaw e Vella (1989) estudaram se correlacionados ao nível médio de depressão,
a congruência entre o esquema de uma pessoa e o durante a realização do estudo. Estes resultados
tipo de evento de vida era importante para prever parcialmente confirmaram a hipótese de congruên­
recaída em pacientes deprimidos. Eles seguiram 46 cia, mas somente para os sujeitos dependentes.
pacientes que se haviam recuperado recentemente Isto é consistente, entretanto, com as descobertas
de depressão, utilizando a Dysfunctional Attitude de especificidade da terapia cognitiva no estudo
Scale (DAS - Escala de Atitude Disfuncional). colaborativo de depressão do Instituto Nacional
Eles foram capazes de identificar 10 ex-pacientes de Saúde Mental (National Institute of Mental
que obtiveram uma alta pontuação nos itens que Health) dos EUA. Imber et al. (1990) descobriram
refletiam dependência e 16 ex-pacientes que ob­ que terapia cognitiva afetou em especial o fator de
tiveram uma alta pontuação nos itens refletindo “necessidade de aprovação” no DAS {Dysfunctio­
autocrítica. O período de follow up durou 6 me­ nal Attitude Scale), a única evidência de qualquer
ses, durante o qual foi solicitado às pessoas que especificidade para qualquer das terapias incluídas
relatassem qualquer ocorrência de “eventos vitais” nesse experimento.
durante esse período. Para ajudá-las a identificar Muito do esforço terapêutico em terapia cog­
tais eventos, foi oferecida a elas uma lista de 66 nitiva objetiva lidar com o aspecto da memória
eventos possíveis, metade dos quais representavam factual da psicopatologia. O cliente e o terapeuta
eventos de autocrítica relativos a realizações e passam tempo descobrindo em quais fatos de
metade dos quais referiam-se a eventos relativos autorreferência ele acredita e quais suposições
a relacionamentos pessoais. Se em qualquer mo­ ele está fazendo - como está categorizando a si
mento durante este período de 6 meses a pontuação mesmo. Em especial, a discussão foca em quais
no Beck Depression Inventory (BDI - Inventário eventos e pessoas em particular contribuíram para
de Depressão de Beck) de qualquer dos pacientes cada suposição. O objetivo deste aspecto da terapia
excedesse 16, era realizada uma entrevista por é reconhecer como estas crenças não são, de fato,
telefone para estabelecer se sua depressão era leis da natureza. Alguns terapeutas propõem que
severa o suficiente para corresponder ao Research clientes peçam informações adicionais a familiares.
Diagnostic Criteria (RDC) depressão. Não houve Por exemplo, tios e tias conseguem frequentemente
uma correlação significativa entre eventos dc vida lembrar o que aconteceu com seu irmão/sua irmã
e a pontuação no BDI, tanto nos sujeitos depen­ (o pai ou a mãe do cliente) em anos anteriores, a
dentes quanto nos autocríticos, quando os eventos fim de que o cliente possa desenvolver uma va­
vitais não eram subdivididos cm categorias. Uma liosa interpretação alternativa. Por exemplo, um
vez que eventos vitais foram divididos em eventos cliente poderá descobrir, pela primeira vez, que
interpessoais e autocríticos, um padrão diferente sua mãe ou pai haviam ficado no hospital, devido

113
Fronteiras da Terapia Cognitiva

à depressão, muitas vezes, quando o cliente era disto, eles melhoram dia após dia. Eles se lembram,
muito jovem. Frequentemente, o cliente podería porém não sabem que se lembram.
estar vagamente ciente da falta da sua mãe por Um experimento ilustra quanto tempo dura essa
longos períodos, mas sem nunca haver entendido memória comportamental. Kolers (1976) ensinava
o porquê; ou porque quando a sua mãe estava em pessoas a copiarem frases invertidas, ou de cabeça
casa, ela nunca parecia satisfeita com as crianças. para baixo, enquanto olhavam para um espelho.
Finalmente, o terapeuta em terapia cognitiva Um ano mais tarde, estas mesmas pessoas eram
encoraja clientes a ver como muitas das suas rea­ testadas novamente. Eram-lhes dadas algumas
ções atuais a pessoas e situações são determinadas das frases do ano anterior para copiar, bem como
por aquelas suposições previamente estabelecidas algumas novas. Elas não eram capazes de lembrar
como “leis da natureza”. Distanciar-se de suas ou reconhecer quais frases haviam visto antes.
reações atuais os habilita a escolher se comportar Mesmo assim, quando da realização da tarefa,
dc determinadas maneiras, ao invés de sentirem elas eram mais rápidas em executá-la quando
que seu passado escolhe o seu comportamento por utilizavam as frases do ano anterior. Elas não
eles; habilita-os a distinguir entre fato e rumores conseguiam lembrar explicitamente, ainda que seus
ou boatos. comportamentos mostravam que, implicitamente,
alguma coisa estava sendo lembrada.
Brewin (1989) utilizou a mesma distinção
em sua análise dos processos de mudança em
Memória comportamental
psicoterapia. Ele distinguiu entre dois sistemas
Esta é uma de muitas denominações atribuídas cognitivos: o primeiro para transmissão de infor­
àquele aspecto da memória que se refere a habili­ mação e o segundo para a experiência consciente.
dades de aprendizado, tal como dirigir um carro. O aspecto relativamente automático de transmis­
Este tipo de “memória comportamental” ou “me­ são de informação foca-se no componente de
mória processual” é importante, uma vez que ela memória comportamental, enquanto os aspectos
não depende da percepção consciente de ter feito relativamente estratégicos em seu modelo incluem
algo anteriormente. Isto é algumas vezes conhecido aspectos explícitos de memória, (veja Williams,
como o fenômeno de “Claparède”, em homenagem Watts, Macleod & Mathews 1988, Capítulos 2 e
a um neurologista da virada do século XX. Como 10). O sistema de processamento automático é rá­
outros lidando com pacientes amnésicos, ele sabia pido, relativamente inflexível, difícil de modificar,
que seus pacientes não o reconheciam de um dia requer atenção mínima e é ativado sem intenção ou
para o outro. Claparède decidiu testar os limites consciência. Sua função é estocar a soma total de
deste fenômeno escondendo um pequeno alfinete experiências anteriores. Seus resultados dependem
em sua mão. Quando ele se apresentava a um pa­ de novas situações que se combinam a alguma
ciente amnésico, ele dava a mão e o paciente sentia antiga. Dentre tais circunstâncias, a combinação
a picada do alfinete na palma de sua mão. No dia irá eliciar reações fisiológicas semelhantes àquelas
seguinte, o paciente, com certeza, não se recordava ocorridas cm resposta à situação de aprendizado
de ter conhecido Claparcdc anteriormente, mas se original, mas não necessitando nenhuma pondera­
mostrava, não obstante, muito relutante em dar a ção consciente. No caso deste sistema cognitivo, a
mão a ele! A mesma dissociação pode ser encon­ pessoa não consegue relatar as razões pelas quais
trada na performance de pacientes amnésicos em está reagindo desta forma.
um jogo de quebra-cabeça. Se for dado a eles um O segundo sistema cognitivo é limitado pelo
quebra-cabeça em dias consecutivos, eles não se âmbito da atenção e fortemente influenciado por
lembrarão de ter visto isto anteriormente. Apesar expectativas a priori e por regras e heurísticas

114
Processos de memória em psicoterapia

simples. Este existe para calcular consequências classificações em particular, atribuições, ou opções
futuras de possíveis ações, utilizando o conheci­ de enffetamento sejam consideradas.
mento de situações presentes. Diferentemente do Brewin conclui que existem duas maneiras
primeiro sistema cognitivo, os conteúdos deste diferentes nas quais a terapia cognitiva mais pro­
podem ser verbalmente descritos. vavelmente funcionará para depressão: (1) “As
Brewin sugere que memórias emotivas podem tentativas do terapeuta de verbalmente isolar,
ser codificadas por ambos os sistemas cognitivos. identificar e desafiar pensamentos traumáticos ou
No caso do primeiro, estas serão acessadas por cor­ negativos podem ser vistas como perturbadoras do
respondências entre situações presentes e passadas ciclo de feedback, atrapalhando, desta forma, ima­
(elas são “acessíveis por situação”). Neste caso, gens (automáticas) e pensamentos que permeiam a
o processo não está disponível para introspecção, consciência, (...) acessam novamente memórias de
embora alguém possa, com base em suas reações situação, e mantêm o humor deprimido” (p. 388);
físicas, inferir algo sobre as memórias que são (2) “terapeutas podem ser vistos como alterando
armazenadas. O exemplo que Brewin dá deste conteúdos de conhecimento verbalmente acessí­
mecanismo em operação é a resposta irracional ao veis, com o intuito de contrariar a classificação de
medo. Apesar de pessoas que têm medo de aranhas estímulos inapropriados e evitar o acesso inicial a
“saberem” que a aranha não vai fazer mal a elas, não memórias de situações não conscientes” (p. 388).
obstante elas reagem fortemente quando veem uma Enquanto a primeira destas opções é causada
aranha na frente delas. Os flashbacks de experiên­ por pacientes, ao serem instruídos sobre os elos
cias traumáticas, experienciados por pessoas que entre pensamentos e afeto e ao serem treinados a
sofrem de transtorno de estresse pós-traumático, questioná-los e argumentar contra os mesmos, a
são encarados como sendo tanto decorrentes da segunda é alcançada ao focar deliberadamente em
atividade desse tipo de memórias acessíveis por experiências perturbadoras e examinar a evidência
situação, como pensamentos automáticos que vêm para interpretações diferentes, promovendo o teste
espontaneamente à mente na depressão. sistemático da realidade e a reclassificação de
Além destes processos inconscientes e ina­ eventos e experiências. Brewin conclui que terapia
cessíveis, memórias emotivas podem também cognitiva para depressão principalmente “modifica
ser codificadas pelo segundo sistema de terapia acesso a memórias situacionais não conscientes”.
cognitiva. Nesse caso, elas podem ser acessadas Tais memórias podem ainda existir inalteradas, mas
verbalmente por meio de manobras estratégicas e não são acessadas porque foram sobrepostas por
conscientes. Isso implica que pessoas estarão mais memórias mais novas que são preferencialmente
propensas a entender, por exemplo, a razão pela acessadas, ou categorias semânticas e regras mais
qual ficam abaladas, pois essas memórias estão novas foram geradas para interpretar experiências
disponíveis para introspecção. Esses processos atuais. Uma discussão adicional do modelo de
conscientes formarão a base para análises meta- Brewin em relação a outras teorias, sobre quais
cognitivas adicionais: classificação e atribuição, processos psicológicos sustentam as mudanças
geração de opções de enfrentamento, avaliação de causadas por terapia cognitiva, pode ser encontrada
tais opções, monitoramento de mudanças quando em Williams (1992, pp. 249-267).
qualquer ação é tomada, e autorreforço que pode ou
não vir em seguida. Similarmente, estes processos
cognitivos estão envolvidos na seleção de res­
Memória de eventos e o fenômeno do
postas de enfrentamento (por exemplo, distração,
autoafirmações positivas, evitação, automedicação,
interlock mnemônico
relaxamento e exposição). Em resumo, este sis­ Muito de nossa pesquisa ao longo dos últimos
tema de processamento é envolvido sempre que 10 anos examinou as consequências de danos ao

115
Fronteiras da Terapia Cognitiva

sistema de recuperação que governa a memória de overdose não seriam capazes de realizar a
de eventos (veja Williams, 1996, para resumo). tarefa. Em resposta à palavra, eles diziam “meu
Evidência crescente agora indica que os tipos de pai” ou “ir passear com minha mãe” ou “eu sou
eventos traumáticos que precedem um transtorno sempre desajeitado”. Presumimos primeiramente
emocional, tal como depressão e suicidalidade, que não havíamos explicado direito as instruções.
causam “interlocks ” mnemônicos, ocasionando um Entretanto, mesmo depois de mais exemplos serem
estilo de recuperação não especifico, que por sua dados e elas serem capazes de dizer exatamente
vez tem consequências adicionais para a resolução o que a tarefa demandava, elas ainda a achavam
de problemas atuais. difícil. Poderiamos ter desistido e mudado para
O objetivo de nossa pesquisa em memória de outra tarefa, se não tivéssemos notado o mesmo
eventos foi compreender como as pessoas reagem fenômeno durante uma terapia cognitiva com
a eventos e estresses da vida de maneira catas­ uma cliente depressiva suicida. Quando tentava
trófica. Estávamos particularmente interessados se lembrar das vezes ao longo do no anterior em
no “parassuicídio”. Embora estivesse claro, com que ela havia obtido sucesso em superar as crises,
base em muitas pesquisas anteriores, que pes­ ela facilmente se lembrava de que tais vezes ha­
soas que se tornam suicidas sofreram fracassos viam ocorrido; porém não era capaz de recordar,
e perdas recentes, também era claro que essas por um tempo considerável, qualquer exemplo
mesmas pessoas haviam passado por experiências específico. Poderia ser que esta simples técnica
similares anteriormente, as quais não haviam de palavras-chave sugeridas tivesse incorrido em
precipitado crises suicidas. Necessitávamos saber alguma dificuldade genuína de memória?
“por que agora?” Similarmente, outras pessoas Estudos adicionais demonstraram que esse é
que haviam experienciado eventos semelhantes um fenômeno robusto, e que não é decorrente das
não haviam, como resultado, se tomado suicidas. drogas que pacientes estão utilizando ou recente­
Necessitávamos ainda saber dos nossos pacientes mente utilizaram, nem tampouco é correlacionado
suicidas, “por que eles?” Estávamos diante de a grau de inteligência ou educação (Williams &
um caso no qual diferenças em processamento Broadbent, 1986; Williams & Dritschel, 1988).
cognitivo poderíam realmente ser um importante Além disso, o fenômeno também é encontrado
fator mediador. Sabendo que o humor rebaixado em pacientes depressivos (Williams & Scott,
pode frequentemente produzir um viés negativo na 1988; Moore, Watts & Williams, 1988; Puffet,
memória, começamos tentando investigar se isto Jehin-Marchot, Timsit-Berhier & Timsit, 1991)
poderia ser particularmente verdadeiro no caso de e pessoas que sofrem de transtorno de estresse
pessoas que estavam passando por crises suicidas. pós-traumático (McNally, Litz, Prassas, Shin &
Usamos um teste de palavras-chave sugeridas, Weathers, 1994). Finalmente, Robert Wahler, da
apresentando palavras positivas e negativas como Universidade de Tennessee, descobriu um fenô­
“feliz”, “desculpa” ou “desajeitado”, e pedimos meno similar em pais que tinham dificuldade em
que pessoas pensassem cm qualquer evento dc controlar seus filhos, especialmente aqueles que
seu passado que a palavra os fizesse recordar. tinham múltiplos estresses em suas vidas. Quando
Aplicamos este teste em pessoas que haviam eles vinham à clinica para discutir os problemas
recentemente tido uma overdose (entre 2 e 3 dias que estavam tendo com seu filho, ele solicitava
após) e também em pessoas das mesmas alas que descrevessem exemplos do comportamento
do hospital que estavam hospitalizadas devido a difícil dele. Os pais diziam “ele é terrível” ou “ele
outros problemas (físicos). Finalmente, aplicamos é incontrolável”, mas quando lhes era pedido que
o teste em um grupo de controle, pareado aos dessem exemplos específicos, era difícil para eles.
outros grupos, de sujeitos não hospitalizados. Em Então aqui está um fenômeno similar ocorrendo
um primeiro momento, parecia que os pacientes em clientes suicidas, pós-traumáticos, depressivos e

116
Processos de memória em psicoterapia

em pais que estão sob estresses múltiplos, lutando Podemos, portanto, estar à beira de realizar um
para lidar com seus filhos. Outros dois casos de importante progresso no entendimento maior do
pesquisas recentes ajudaram-nos a compreender o dano que o trauma precoce, as dificuldades e o
que poderia estar acontecendo. Primeiro, em uma abuso podem causar. Não apenas o trauma resulta
outra pesquisa, com pais que tinham uma relação em memórias traumáticas, que por si só podem
pobre com seus filhos, descobriu-se que estes pais posteriormente requerer atenção terapêutica; mas
tinham problemas com seus próprios pais. Como afeta também a memória de outros eventos, fazendo
parte da Adult Attachment Interview (Entrevista de com que as pessoas apresentem tendência à recor­
Vínculos Adultos), perguntou-se a mães a respeito dação supergeneralizada, até mesmo de eventos
de memórias de suas próprias mães. Interessante- positivos em suas vidas. Sugeri em outro artigo
mente, elas eram capazes de descrever suas mães (Williams, 1996) que esse dano ocorre à medida
em termos gerais, mas quando lhes era pedido que que a memória autobiográfica emerge como uma
dessem exemplos concretos de cada um desses habilidade na criança em desenvolvimento entre
adjetivos, elas tinham dificuldade. 3 e 4 anos de idade. Antes disso, todas as crian­
Em uma segunda pesquisa relacionada, Kuy- ças podem falar sobre eventos em termos gerais
ken e Brewin estudaram 58 mulheres que se (Morton, 1990; Nelson, 1991). Mas entre as idades
enquadravam nos critérios de DSM-III-R para de 3 e 4 anos, uma série de mudanças ocorre; a
transtorno de depressão maior. Sessenta e três por criança se toma mais autoconsciente, capaz de
cento desta amostra relatou abuso físico e sexual atribuir motivações e intenções a outras pessoas
quando criança. Eles deram a seus pacientes o (frequentemente referidas como desenvolvendo
Autobiographical Memory Test1 (Teste de Memória uma teoria da mente). Psicólogos estudando estas
Autobiográfica) e descobriram não só que pessoas mudanças nas diversas fases da infância notaram
depressivas tinham mais dificuldade em ser espe­ que as crianças nesse estágio começam a falar com
cíficas do que o grupo de controle não depressivo, seus pais sobre eventos específicos que ocorreram,
mas que, dentro do grupo depressivo, as mulheres ao invés de eventos de forma geral. Entretanto,
que tinham sofrido abuso sexual tinham até mais se a criança está passando por dificuldades ou
dificuldade em relembrar episódios específicos de sofrendo abusos neste momento, a recuperação
seu passado. Além disso, essa falha de memória de memórias genéricas pode persistir como uma
era particularmente ruim para aqueles pacientes estratégia de defesa contra a lembrança destes
que estavam ainda tendo pensamentos intrusivos eventos específicos. Eventos específicos evocam
sobre o abuso (tanto físico quanto sexual), apesar imagens concretas, que trazem consigo perturba­
das memórias em si não serem de experiências ções altamente definidas. Memórias gerais têm
de abuso. Kuyken e Brewin foram também capa­ as suas próprias consequências emocionais, mas,
zes de confirmar que a dificuldade em recuperar embora dolorosas, são associadas à dor menos
memórias específicas era independente da gravi­ focalizada. Um exemplo pode ilustrar: pode ser
dade da depressão, conforme medida pelo Beck doloroso ter um pensamento geral “Eu sempre
Depression Inventory (Inventário de Depressão de fui um fracasso”, mas isso pode ser preferível à
Beck), concluindo então que essa dificuldade não lembrança de um evento específico em que um
era simplesmente decorrente do humor depressivo professor de escola lhe disse que você havia sido
atual, o qual tomaria mais difícil, e trabalhoso, o reprovado em um teste importante. Entretanto, o
processo de recordar. uso persistente deste estilo de memória genérica

Cópias do Autobiographical Memory Test serão disponibilizadas pelo autor, mediante solicitação.

117
Fronteiras da Terapia Cognitiva

leva ao interlock mnemônico, no qual o sistema Evans, Williams, 0‘Loughlin e Howells (1992)
de memória perde o poder de recuperar memórias examinaram a previsão de que a memória genera­
específicas voluntariamente. Isto ocorre porque lizada pode interferir com a resolução de problemas
as descrições de memórias intermediárias, que interpessoais. Basearam esta previsão no fato de
frequentemente ajudam na recuperação de even­ que pessoas depressivas podem tentar usar memó­
tos específicos, somente têm sucesso em eliciar rias generalizadas como um “banco de dados”, a
descrições genéricas adicionais. fim de gerar soluções para problemas interpessoais
Em terapia cognitiva, há a necessidade de atuais. Entretanto, memórias generalizadas são
se enfocar novamente eventos específicos, pois um tanto quanto inadequadas para este propósito.
muito da terapia envolve repassar eventos que Se você está se sentindo infeliz e tenta lembrar
aconteceram e avaliar possíveis interpretações que tipo de coisas o faz feliz, e a única coisa que
vem à sua mente é uma recordação genérica “ca­
alternativas. Sem conseguir acessar eventos e
minhadas com Tony”, então você não tem muita
fatores específicos que ocorreram, não se pode
informação específica para ajudá-lo a resolver
começar a gerar interpretações alternativas para
sua infelicidade presente, espccialmcnte se Tony
os eventos. Por exemplo, se a pessoa que passa
estiver fora no momento. Entretanto, recuperar
na rua sem ver o cliente é codificada como uma
uma memória específica (“estar com o Tony na
dentre uma série de experiências de rejeição, então
rua quando encontramos seus amigos na terça-feira
é difícil reinterpretar essa ocorrência. Entretanto,
passada e fomos a um bar beber”) provavelmente
se a pessoa é capaz dc recuperar os detalhes es­
será mais útil em resolver seu problema atual de
pecíficos do evento - a rua movimentada, a outra
solidão. Nesse evento específico existem “Tony”,
pessoa andando do outro lado, o trânsito que flui
“a caminhada”, “os amigos do Tony”, “o bar” e
entre eles, o barulho na rua, entre outras coisas -
“terça-feira passada”, sendo que cada um desses
então é perfeitamente possível que ele ou ela seja
elementos pode ativar outros pensamentos e me­
capaz de recuperar um volume suficiente de outros
mórias, indicando que podem ser utilizados para
exemplos que sugiram interpretações alternativas
construir soluções alternativas possíveis para o
para esse evento.
problema atual. Evans et al. (1992) contrastou pa­
Similarmente, a terapia cognitiva foca nos cientes que tinham recentemente sofrido overdose
eventos de cada dia, enfatizando a importância de com pacientes cirúrgicos, pareando-os em idade,
registros diários. É comum em terapia ter clientes sexo e grau de escolaridade. Eles descobriram que
vindo semana após semana sem completar seus os resultados se apresentaram conforme haviam
diários, sendo que muitos terapeutas estão propen­ previsto. Aquelas pessoas que tinham dificuldade
sos a interpretar este fato como significando que em ser específicas em suas memórias, também
a pessoa está questionando a terapia de alguma tinham dificuldade para gerar soluções eficazes
forma. Entretanto, nossa pesquisa, que demonstra nos itens do teste de Means-Ends Problem Solving
que pessoas depressivas acham difícil codificar Test (MEPS - Resolução de Problemas Meios-
eventos específicos, nos lembra que, para algumas -Fins; Platt & Spivack, 1975). Isto se mostrou
pessoas, completar um diário ao final do dia pode verdadeiro para o grupo como um todo, no qual
ser muito difícil ou até mesmo impossível. Elas a correlação era de 0,56 (p <0,01) entre eficácia
simplesmente não conseguem lembrar os detalhes (classificada indcpcndcntcmcntc) e especificidade
do que elas fizeram, e, admitir essa dificuldade de memória. Mostrou-se também verdadeiro para
no diário, pode significar esperar delas um pouco os pacientes de overdose em particular, no qual a
demais. Nesses casos, estamos muito prontos a correlação era 0,67 (p < 0,02). Os autores pude­
interpretar de uma forma motivacional, o que é, ram investigar se a correlação poderia ser fruto
na verdade, um déficit cognitivo dessas pessoas. do descaso de algumas pessoas em responder

118
Processos de memória em psicoterapia

a qualquer tarefa em geral, ao fragmentarem a resultados de testes de memória autobiográfica, eles


latência da resposta na tarefa de memória. Se as descobriram que somente 1 dos 9 pacientes que
correlações significativas que eles encontraram generalizavam suas memórias estava recuperado
eram devidas simplesmente à falta de empenho no sétimo mês. Em contraste, 8 dos 10 pacientes
de algumas pessoas em todas as tarefas, então isto que eram específicos em suas memórias positivas
também deveria aparecer em forma de respostas quando da sua admissão estavam recuperados no
lentas no teste de palavras-chave sugeridas. De sétimo mês.
fato, a correlação entre eficiência em resolução de
problemas e esta medida de latência apresentou-se
baixa e não significante; e até mesmo quando a
Memória prospectiva
latência era separada da correlação entre resolução
de problemas e especificidade de memória, o grau Finalmente, memória envolve também lembrar-
de correlação não era afetado. -se de fazer coisas (Winograd, 1988). Necessitamos
Todos esses resultados sugerem que o inter­ nos lembrar de manter compromissos, encontrar
lock mnemônico desempenha um papel crítico pessoas, buscar as crianças, escrever aos ami­
em contribuir para a depressão e em impedir a gos, pagar contas. Enquanto a memória que
recuperação da depressão, retardando a resolução mencionamos até o momento olha para trás - é
de problemas. Entretanto, vimos que não é apenas retrospectiva - esta memória olha para frente - é
a memória em si para evento traumático que é prospectiva. Pesquisas mostram que uma boa
o problema, mas o efeito que eventos negativos memória retrospectiva (memória do passado) e
anteriores têm na memória de eventos em geral uma boa memória prospectiva (lembrar de fazer
é o fator responsável por muitos dos problemas as coisas) não estão correlacionadas (Harris &
posteriores. Da mesma forma, não é simplesmente Wilkins, 1982). Memória prospectiva é um sistema
o fato da depressão estar associada a vieses de de memória, cuja função é lembrar sobre metas e
memória - a valência superior de memórias intenções. Memória prospectiva é sensível ao que
negativas sobre as positivas - que deve levar a está incompleto. Uma vez que uma pessoa tenha
culpa, como se pensava; mas é, na verdade, a não estabelecido uma meta, haverá lembretes acerca
especificidade de memórias em geral que exacerba dessa meta até que tenha sido satisfeita (o efeito
o problema e retarda a recuperação. Este efeito de Zeigamik). Entretanto, o sistema pode falhar
da memória sobre a duração da depressão foi devido a uma série de razões (Reason, 1990).
recentemente confirmado por Brittlebank, Scott, Vemos suas falhas na vida cotidiana quando nos
Williams e Ferrier (1993). Eles testaram a memória esquecemos de uma incumbência no caminho
autobiográfica de pacientes depressivos quando de volta do trabalho para casa, ou quando nos
de sua admissão, juntamente com medidas de esquecemos de completar um tratamento de anti­
severidade da depressão de Hamilton (Hamilton, bióticos, após os sintomas da enfermidade já terem
1967) e o DAS {Dysfunctional Attitude Scale; diminuído significativamente. A relevância para a
Weissman & Beck, 1978). Eles descobriram que presente discussão é que um sistema de memória
nem a escala DAS e nem a escala de Hamilton prospectiva pode definir objetivos que são difíceis
neste estudo foram capazes de prever a gravidade de cumprir. Qual será a consequência da atividade
da depressão após 3 e 7 meses; porém, a não do sistema normal de lembretes?
especificidade da memória (particularmente em Se olhamos mais cuidadosamente a pesquisa
resposta a dicas positivas) o fez. Dos 22 pacientes sobre memória prospectiva, notamos que, quando
em seu estudo, eles tinham dados de 19 no sétimo as pessoas têm que fazer alguma coisa, pensa­
mês de follow-up. Dividindo estes em específico mentos sobre aquela tarefa tende a interrompê-las
e generalizado, usando uma divisão mediana dos durante o seu dia (Ellis, 1988). Se a tarefa possuir

119
Fronteiras da Terapia Cognitiva

horário e lugar definidos, mas houverem lembretes si mesmas tomam proeminentes as metas de alto
suficientes em seu escritório, na sua agenda, e nível e as metas “difíceis de ser atingidas”. Por
assim por diante, então estas interrupções de pen­ exemplo, a regra pessoal “Ser feliz significa ser
samento serão poucas. Se, entretanto, não existir amado por todos” configura uma meta que é di­
um horário fixado (por exemplo, você precisa fícil de ser atingida. Assim, “alguém franzindo a
ligar para alguém a qualquer momento ao longo cara” não é apenas um evento que confunde, ou
da semana), a responsabilidade de lembrar cairá de menor importância, que pode significar “eles
completamente sobre o próprio sistema de memó­ estão provavelmente cansados ou se concentrando
ria. Pensamentos sobre o telefonema interrompem muito”. Mas significa “eles não gostam de mim”.
outras atividades. Se isso não ocorrer, pessoas Isso viola a meta “ser amado por todos” e reforça
relatam uma sensação geral (um tanto quanto a conclusão “eu não posso ser feliz”.
desconfortável) de ter alguma coisa em mente
O problema é que a meta “ser amado por to­
(embora, se tentam se lembrar do que é, podem
dos” estará na pilha de metas, juntamente com
não ter sucesso). É como se as pessoas tivessem
compromissos, preparar refeições ou sair com
uma pilha de metas retidas na memória em fun­
amigos para almoçar. Assim como outras metas,
cionamento, algumas sendo triviais e outras mais
o sistema interromperá a atividade em curso
importantes; e aquela memória em funcionamento
possuísse um dispositivo para recuperar amostras periodicamente para verificar o progresso em
de tempos em tempos e ter a certeza de que elas relação à realização da meta. Se deprimido, o
surjam em meio às atividades em andamento, a sistema priorizará aquela meta e, uma vez que não
fim de assegurar que as metas serão processadas. haja uma solução concreta para ela (ser amado
por absolutamente todos pode levar um longo
O gerenciamento de nossas metas individuais
tempo!), as interrupções - pensamentos intrusivos
- quando nós interrompemos uma atividade (por
- ocorrerão muito frequentemente. Pensamentos
exemplo, escrever uma carta) a favor de uma outra
(jantar) - é geralmente simples. Entretanto, é mais intrusivos e ruminações são a consequência natural
difícil priorizar entre metas que são igualmente de um mecanismo adaptativo da mente, desem­
importantes, ou ainda entre uma meta que é impor­ penhando seu papel da melhor forma que pode, a
tante, mas demandará um grande grau de esforço, fim de lembrar uma pessoa de metas incompletas
e outra que é menos importante, porém, demandará (veja também Greenberg & Safran, 1987, para
menos esforço. Quando somamos aquelas pequenas uma discussão do conceito de “negócios inaca­
tarefas que podem não ser importantes, porém bados”, intimamente relacionado a esta questão).
que possuem um prazo até as 15 horas daquela Devido ao fato de que o sistema tenta priorizar
tarde, você pode ver que o “sistema operante” que estas metas grandes, sem foco, incompletas, não
agenda nossas metas e planos algumas vezes tem só haverão repetidas intrusões por parte delas,
de fazer hora extra! É adaptativo para tal sistema mas outras metas menores serão inibidas. É por
de gerenciamento ser capaz de inibir a busca de isso que o mecanismo adaptativo está presente.
algumas metas para que outras possam prosseguir; Entretanto, esse quadro resulta simplesmente em
entretanto, o sistema precisa tirar amostras da pilha procrastinação - a estante que precisa de conserto,
de metas frequentemente para verificar se não há a carta que precisa ser escrita. Coisas menores na
nada que precise ser executado. É isto o que causa pilha de metas são inibidas (para nossa contínua
a intrusão de pensamentos relacionados a tarefas irritação), simplesmente porque nós temos, como
incompletas a que me referi anteriormente. se fosse, um eficiente software tentando fazer um
É aqui que a memória prospectiva interage agendamento eficaz de todas as nossas atividades.
com a memória factual. Os tipos de fatos que A falta de conclusão de tais ações, então, reforça a
pessoas propensas à depressão acumulam sobre visão negativa da própria pessoa, a mesma pessoa

120
Processos de memória em psicoterapia

que, de qualquer forma, priorizou a meta sem foco Terceiro, experiências que causam danos podem
desde o início. causar interlocks mnemônicos, tomando a memória
supergeneralizada e sem foco. Memória sem foco
por si só inibe a resolução de problemas. Ela reduz
o número de alternativas que uma pessoa consegue
Inter-relações
produzir para resolver um problema interpessoal,
Agora começamos a ver como todos esses as­ sendo que aquelas alternativas que são produzidas
pectos de memória podem ser interconectados. tendem a ser menos eficazes.
Experiências que causaram danos afetam a me­
mória de comportamento e situacional. Memória
de comportamento codifica eventos de uma forma
Conclusão
que influencia nossas reações comportamentais
e corporais, sem que sejamos conscientemente Agora se toma claro porque afirmei no início
capazes de controlá-las. Tais reações vão se ex- que acreditava que a cura da memória era central
tinguir com o tempo, mas ao longo de um curso para a terapia cognitiva. Memória é a coisa mais
de tempo diferente daquele com o qual estratégias importante que alguém pode saber sobre as pes­
cognitivas conscientes se resolvem. Entretanto, há soas, quando tentando ouvir seus problemas em
o perigo constante de que elas possam ser mantidas terapia. Não somente o que elas lembram, mas
ou incubadas, e de que as nossas reações cons­ a maneira pela qual as lembram; não somente a
cientes a elas, caso sejam catastróficas, tenderão sua recordação consciente, mas as suas memórias
a retroalimentar a situação que fará com que elas comportamentais, as quais vêm sobrevivendo por
sejam incubadas. muito tempo após um evento inicial que as pre­
Segundo, experiências que causaram danos cipitou; não somente sua memória retrospectiva,
criam atitudes e hipóteses vulneráveis que se tor­ mas sua memória prospectiva. A pesquisa que
nam codificadas como leis da natureza na memória fizemos enfatiza a importância de ser concreto e
semântica. As hipóteses se traduzem em objetivos específico acerca de eventos e não deixar o me­
- “eu não devo sentir dor” ou “eu devo impedir as nor evento passar sem verificar o tema maior que
pessoas de conhecerem como eu sou” - que são ele pode ilustrar e à qual meta incompleta pode
globais demais para serem satisfeitas ou concluídas. estar relacionado. Em nossa prática terapêutica,
Como as metas incompletas, elas permanecem necessitamos assegurar que possuímos a gama
no sistema de memória, interrompendo algumas de ferramentas, com as quais podemos lidar com
tarefas e inibindo outras completamente. cada uma dessas fontes de distorção de memória.

121
Fronteiras da Terapia Cognitiva

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123
Capítulo 6

Biologia e cognições na depressão: a mente


SABE O QUE O CÉREBRO ESTÁ FAZENDO?

Jan E. Weissenburger
A.John Rush

eorias cognitivas e biológicas de depressão bem documentada autocaracterização negativa de

T permaneceram relativamente isoladas, em


parte devido a muitas orientações que
apresentam problemas para uma visão integrada.
Similarmente, muito pouca pesquisa em depressão
pacientes depressivos parece específica para este
transtorno, tanto em adultos (Greenberg & Beck,
1989; Beck, Steer, & Epstein, 1992) como em
adolescentes (Laurent & Stark, 1993).
tem focalizado a avaliação simultânea de fatores Em contraste a estas características dc estado,
psicológicos e biológicos. Por exemplo, evidências a teoria propõe que a etiologia da depressão é
se acumulam no sentido de apoiar a presença de encontrada na ativação de esquemas depressivos
alterações biológicas em pacientes sintomáticos latentes por estressores aos quais o indivíduo é
com depressões endógenas (ou melancólicas) e particularmente suscetível. Este modelo denomi­
concomitantes sociais em depressões não endóge­ nado de modelo de diátese-estresse sugere que
nas (ou reativas). É importante, entretanto, ir além estressores na arena interpessoal podem precipitar
destas diferenças categóricas para compreender a depressão em pessoas altamente sociotrópicas;
como fatores biológicos e psicossociais interagem. enquanto fracassos relacionados à carreira profis­
Este capítulo resume pesquisas atuais que suge­ sional ou perdas materiais são, de forma causai,
rem elos potenciais entre funções psicológicas e relacionados à depressão por pessoas altamente
biológicas em depressão clínica. autônomas. Há algum apoio empírico para os
Duas importantes abordagens teóricas ao conceitos de sociotropia e autonomia (Robins,
entendimento da depressão são a cognitiva e a Block & Peselow, 1989; Hammen, Marks, Mayol &
bioquímica. A teoria de Beck (1967, 1976) propõe deMayo, 1985; Segal, Shaw, Vella & Katz, 1992).
que o estado de depressão clínica é caracterizado Beck sugeriu que o modelo de diátese-estresse
pela presença de uma tríade cognitiva negativa, para a depressão se aplica especificamente à de­
composta de visões negativas a respeito de si, pressão não endógena (reativa; Haaga et al., 1991).
do mundo e do futuro. Trabalho extensivo na Confirmando esta teoria, a maioria das pesquisas
área tem proporcionado confirmação empírica descobriu que pacientes não endógenos relataram
abundante destas alterações cognitivas (para uma mais eventos de vida estressantes recentes do que
revisão, veja Haaga, Dyck & Ernst, 1991). A muito pacientes endógenos (Robins, Block & Peselow,
Fronteiras da Terapia Cognitiva

1990; Cornell, Milden & Shimp, 1985; Dolan, áreas: (1) subtipagem e classificação de depressão
Calloway, Fonagy, de Souza & Wakeling, 1985). maior, (2) cognições e biologia no suicídio, (3)
Resultados a respeito de atitudes disfuncionais são cognições e biologia relacionados ao curso da
mais confusos, com alguns estudos confirmando a doença depressiva e (4) previsão de respostas a
teoria (Peselow, Robins, Block, Barouche & Fieve, tratamentos.
1990; Robins et al., 1990; Zimmerman, Coryell
& Pfohl, 1986), mas não outros (Eaves & Rush,
1984; Giles & Rush, 1982; Norman, Miller &
Classificação de depressão maior
Dow, 1988; Zimmerman & Coryell, 1986).
Um segundo tipo importante de teoria vincula A identificação de diferentes subtipos de de­
a depressão clínica à neurobiologia alterada. pressão maior pode levar a avanços na teoria e
Estudos sobre metabólitos do sistema nervoso tratamento clínico. Assim, a pesquisa para sub­
central (SNC) sugerem que os sistemas neurotrans- tipos distintos tem uma longa história. Vários
missores envolvendo norepinefrina, serotonina, tipos específicos foram propostos por sistemas
acetilcolina, dopamina e ácido gama-aminobutírico de diagnósticos recentes, incluindo endógenos
(GABA) podem estar alterados em pacientes com versus não endógenos (pelo RDC - Research
depressão clínica (Rush et al., 1991). O trata­ Diagnostic Criteria; Spitzer, Endicott & Robins,
mento bem-sucedido da depressão clínica com 1978), melancólico versus não melancólico (pelo
antidepressivos sugere que processos neuroquí- DSM-III - Diagnostic and Statistical Manual of
micos básicos estão envolvidos. Mudanças nos Mental Disorders, terceira edição [DSM-III], ter­
sistemas neuroendócrinos, tais como nos eixos ceira edição revisada [DSM-III-R], e quarta edição
Hipotalâmico-Pituitário-Adrenal (HPA) e Hipo- [DSM-IV]; APA - American Psiquiatric Associa­
talâmico-Pituitário-Tireóide (HPT), têm também tion, 1980, 1987, 1994), endógeno versus reativo
sido associados à depressão clínica. Vários índices (Newcastle Scale; Camey, Reynolds & Sheffield,
fisiológicos e bioquímicos são anormais em alguns 1986) e primário versus secundário (RDC) (para
pacientes com depressão. O melhor investigado uma revisão, veja Rush & Weisenburger, 1994).
desses índices refere-se ao teste de supressão de Pesquisas têm também sugerido que altera­
dexametasona (DST - Dexamethasone Suppre- ções biológicas específicas podem discriminar
sion Test; Carrol et al., 1981), que revela uma depressões endógenas das não endógenas (Giles
resposta de cortisol anormal para a dexametasona & Rush, 1982; Rush, Giles, Roffwarg &Parker,
e o polisomnograma (PSG), que revela latência 1982; Giles, Schlesser et al, 1987; Rush & Weis-
reduzida do movimento rápido do olho (REM - senburger, 1994). Ao mesmo tempo que há um
Rapid Eye Movement; tempo do início do sono apoio generalizado para um componente biológico
até o primeiro período de REM), continuidade de em depressão endógena (melancólica) (Rush et
sono pobre, sono profundo diminuído e aumento al., 1991), as descobertas são menos claras com
de densidade de REM (veja Berger & Riemann, relação à importância de fatores cognitivos e de
1993, para uma revisão). Pesquisa recente também personalidade e estresse de vida para subtipos
utilizou tecnologia de imagem cerebral funcional específicos de depressão.
para examinar atividade regional do cérebro em Um estudo (Monroe, Thase & Simons, 1992)
indivíduos depressivos (Baxter et ai, 1985; Sch­ examinou o marcador biológico da latência REM
wartz, Baxter, Mazziotta, Gemer & Phelps, 1987). e estresse de vida em um grupo de pacientes
Este capítulo proporciona um breve panorama endógenos, segundo o RDC, descobrindo que
das descobertas recentes a respeito dos funciona­ aqueles com estresses precipitantes tinham va­
mentos biológico e cognitivo de indivíduos com lores de latência de REM normal, ao passo que
depressão. São destacadas pesquisas em quatro aqueles sem tais estresses tinham latência de

126
Biologia e cognições na depressão: a mente sabe o que o cérebro está fazendo?

REM reduzida. Dado que a amostra nesse estudo para todos os pacientes que não se enquadram
era compreendida exclusivamente por pacientes nos critérios específicos de depressão endógena.
endógenos, os resultados sugerem que até mesmo Como tal, é uma mistura de subtipos de depressão
nesse presumidamente subgrupo mais biologica­ potencialmente distintos.
mente baseado, estresses de vida contribuem para Em relação a este assunto, um estudo recente
algumas dessas depressões. por Haslam e Beck (1993) classificou pacientes
Em outro estudo sobre latência de REM, fami­ não hospitalizados com depressão maior, com
liares de pacientes com latência de REM reduzida base nos 21 itens do Inventário de Depressão
tinham mais atitudes disfiincionais do que fami­ de Beck (BDI; Beck, Ward, Medensol, Mock &
liares de pacientes com latência de REM normal Erbaugh, 1961). Quatro subtipos distintos foram
(Giles, Etzel & Biggs, 1990). Uma vez que os identificados, dentre os quais um tipo generalizado
familiares eram assintomáticos no momento da não específico; um tipo melancólico mais grave;
avaliação, diferenças em estado depressivo não ex­ um tipo autocrítico e com alta ansiedade; e um
plicam estes resultados. Entretanto, foi descoberto tipo menos severo. Os últimos dois grupos eram
que o histórico de depressão nos familiares refletia pequenos em comparação aos dois anteriores,
um correlato significativamente independente do contabilizando apenas 10% e 8% da amostra,
grau de suas atitudes disfuncionais. Não é possível respectivamente. Embora os resultados devam
determinar, com base neste estudo transversal, se neste momento ser tratados como preliminares,
a elevação em atitudes disfuncionais é um efeito eles sugerem que o termo “não endógeno” pode
residual de episódios depressivos passados ou incluir três dos quatros subtipos identificados,
um traço de vulnerabilidade preexistente. Sugere, com a exceção sendo o tipo melancólico grave,
entretanto, que fatores biológicos e cognitivos que parece corresponder ao conceito de depressão
podem indcpendcntcmcnte contribuir para o risco endógena.
de depressão. Haslam e Beck (1993) também executaram
Em contraste, um estudo colaborativo da uma análise dos principais componentes dos itens
Organização Mundial de Saúde, usando o DST, do BDI para examinar a estrutura da variação dos
não encontrou nenhum sintoma forte ou previsor itens. Eles identificaram quatro dimensões latentes
psicopatológico de níveis de cortisol pós-dexa- significativas de depressão que eles classificaram
metasona ou de estado de DST, além dos efeitos como “anedônica”, “sem esperança”, “autocrítica”
bem documentados, sobre os índices de depressão, e “vegetativa”. Resultados de um estudo por
dos fatores idade e sexo (Gastpar, Gilsdorf, Abou- DeJong e Roy (1990) pode estar relacionado à
-Saleh & Ngo-Khac, 1992). Além disso, resultados biologia do componente de autocrítico da depres­
enfatizam as dificuldades envolvidas em se medir são. Nesse estudo, níveis do hormônio liberador
o estresse de vida, sinalizando a importância de de corticotropina (CRH - Corticotropin-releasing
se usar instrumentos bem-validados e específicos hormone) no fluído cerebrospinal (FCS) de pacien­
para este tipo de avaliação, uma vez que se observa tes depressivos foi medido, com base em pesquisas
uma grande variabilidade entre locais cm relação anteriores que sugeriam que a hipersecreção de
aos resultados relativos às variáveis de estresse. CRH em núcleos paraventriculares do hipotálamo
Um problema potencial, relativo às pesquisas pode desempenhar um papel nas alterações do
que utilizam o modelo de diátese-estresse ou ou­ sistema HPA descobertas em depressão (Gold et
tras hipóteses de características da depressão não al., 1986; Nemeroff et al., 1987; Banki, Bissette,
endógena, é o de definir um conceito relativamente Arato, O’Connor & Nemeroff, 1987). Itens cog­
homogêneo para este tipo de depressão. Este con­ nitivos de autoacusação, expectativa de punição
ceito tem sido usado como uma categoria residual e choro explicam 82% da variação em níveis de

127
Fronteiras da Terapia Cognitiva

CRH na amostra dos 17 mais melancólicos dentre sexual) para o papel excitatório e antecipatório
os pacientes internados. dos eventos negativos.
Duas destas características (autoacusação e Pesquisa por Faustman, Faull, Whiteford,
expectativa de punição) estavam incluídas no com­ Borchert e Csemansky (1990) fornece evidên­
ponente autocrítico e são características definidoras cia adicional para a relação entre bioquímica e
do tipo autocrítico/ansioso de depressão descoberto sintomas característicos da depressão. Em 30
por Haslam e Beck (1993). Autoacusação estava pacientes depressivos internados, o nível de cor­
associada a níveis mais baixos de CRH. Quando tisol foi relacionado a sintomas “vegetativos” da
este efeito foi controlado, a expectativa de puni­ depressão, incluindo distúrbio de sono, variação
ção mostrou-se positivamente associada ao nível diurna, sintomas genitais, hipocondria, perda de
de CRH. Esses resultados sugerem que a visão peso e sintomas de ansiedade somática. Em con­
negativa de si (autoacusação) está associada a traste, níveis no FCS do metabólito serotonérgico
uma diminuição no CRH, ao passo que um efeito ácido 5-hidroxindoleacético (5-HIAA) não se
independente é exercido na direção oposta pela relacionaram a esses sintomas vegetativos, mas
presença dc aspectos cognitivos relacionados ao se relacionaram ao grupo {cluster) de sintomas
medo e ansiedade (medo de punição). Medo de “cognitivos”, incluindo ideação suicida, culpa,
punição pode surgir de uma visão negativa a res­ ansiedade psíquica, insight, paranoia, despersona-
peito de como o sujeito acredita ser percebido pelos lização, trabalho/atividades, humor depressivo e
outros. Esta visão negativa de si, cm particular, alterações psicomotoras. Níveis de cortisol também
tem sido teoricamente relacionada às emoções de se apresentaram relacionados aos sintomas cogni­
medo e ansiedade (Higgins, 1987). tivos, embora em um nível inferior ao 5-HIAA.
Em termos de neuroanatomia relacionada, Esses resultados sugerem que disfunções do sis­
Schulkin (1994) recentemente teorizou que a tema HPA e níveis associados de glucocorticoides,
amígdala é um local importante de ação nas alte­ incluindo o cortisol, estão altamente relacionados
rações de CRH e de glucocorticoides, descobertas aos sintomas vegetativos. Isto é consistente com
na depressão. Baseado na literatura animal e em descobertas que relatam alterações de cortisol e
estudos de fluxo sanguíneo cerebral regional em reposta no DST à depressão endógena (melan­
humanos com depressão usando tomografia de cólica). Critérios de RDC e DSM, em particular,
emissão de positron (PET Scan), ele concluiu especificam estes sintomas vegetativos como sendo
que níveis crescentes de CRH na amígdala estão as características definidoras do subtipo endógeno.
relacionados ao medo e à ansiedade. Evidências Embora sintomas cognitivos de culpa, ansiedade,
também ligam níveis elevados de glucocorticoides paranoia, alterações psicomotoras e ideação sui­
a reações de estresse e falta de controle perce­ cida também estejam relacionados aos níveis de
bido. Glucocorticoides podem assim produzir cortisol, eles podem ter uma associação adicional
ansiedade, via estimulação de CRH na amígdala. singular com o sistema serotonérgico. Pesquisas
Em contraste, e de relevância para a manifestação anteriores, conforme discutido na próxima seção
sintomática de depressão clínica, níveis elevados deste capítulo, demonstraram uma relação entre
de glucocorticoides reduzem níveis de CRH no suicídio e 5-HIAA no FCS.
núcleo paraventricular do hipotálamo, reduzindo Em resumo, pesquisas sugerem que depressão
desejos de comida e sexo. Schulkin nota que sua endógena pode estar associada, de forma singular,
ênfase no papel da amígdala muda o foco de um a alterações biológicas específicas. Os resultados
mecanismo homeostático (pois está relacionado ao não são conclusivos, entretanto, a respeito da re­
sistema hipotalâmico/hipocampal e seu papel na lação entre variáveis cognitivas, de personalidade
regulação do apetite, da sede e do comportamento ou de estresses de vida e os subtipos depressivos.

128
Biologia e cognições na depressão: a mente sabe o que o cérebro está fazendo?

Dificuldades em quantificar e medir estresses de Com relação aos subtipos de depressão, um


vida têm atrapalhado pesquisas nesta área. Resul­ estudo recente descobriu uma taxa de mortalidade
tados intrigantes sugerem que a autocrítica pode mais alta por suicídio entre pacientes depressivos
estar associada a níveis mais baixos de CRH e não endógenos, segundo a Escala de Newcastle,
que sintomas de ansiedade ou medo podem estar em comparação a pacientes depressivos endógenos
associados a níveis crescentes deste hormônio. (Buchholtz-Hansen, Wang, Kragh-Sorensen & the
Níveis de CRH na amígdala podem modular Danish University Antidepressant Group, 1993).
níveis de CRH glucocorticoidal e hipotalâmico/ Outro estudo, focalizando um grupo seleto de
paraventricular, dessa forma influenciando sin­ pacientes melancólicos severamente depressivos,
tomas vegetativos tais como redução no apetite descobriu que fatores sociais mostraram-se menos
e libido. As evidências se acumulam a favor de importantes como fatores de previsão de suicídio
um subtipo autocrítico/ansioso de depressão, com para esse grupo (Bradvik & Berglund, 1993).
características neurofisiológicas distintas. Um estudo colaborativo de follow-up colabo-
rativo do Instituto Nacional de Saúde Mental dos
Estados Unidos (NIMH - National Institute of
Mental Health; Fawcet, 1993) descobriu previsores
Cognições e a biologia do suicídio diferentes para suicídios agudo (durante 1 ano
Muitas pesquisas têm examinado fatores de após a avaliação inicial) e tardio (de 2 a 10 anos
previsão do comportamento suicida (Beck, 1986). após a avaliação). Fatores de previsão baseados
Desesperança tem sido consistentemente apontada em sintomas de suicídio, ocorrido durante 1 ano
como estando relacionada tanto à ideação suicida após a avaliação, incluíram anedonia, ansiedade
quanto ao eventual suicídio consumado (Minkoff, psíquica, ataques de pânico, abuso de bebidas
Bergman, Beck & Beck, 1973; Silver, Bohnert; alcoólicas, insônia e baixa concentração. Em
contraste, fatores de previsão de suicídio, ocor­
Beck & Marcus, 1971; Wetzel, Margulies, Davis
rido de 2 a 10 anos após a avaliação, incluíram
& Karam, 1980; Beck, Berchick, Stewart & Steer,
desesperança, ideação suicida e tentativas ante­
1990; Beck, Steer, Kovacs & Garrison, 1985). Um
riores de suicídio. Estes resultados sugerem que
escore de 9 ou mais na escala de desesperança (HS
desesperança e tentativas anteriores podem prever
- Hopelessness Scale; Beck, Weissman, Lester &
o suicídio em longo prazo, mas sintomas clínicos
Trexler, 1974) tem sido sugerido como um fator de
específicos podem prever melhor o suicídio em
previsão de suicídio em pacientes clínicos (Beck
curto prazo. É interessante notar que os fatores
et al., 1990).
de previsão de suicídio em curto prazo incluem
Atitudes disfuncionais têm sido relacionadas vários sintomas que podem estar relacionados, de
à ideação suicida em pacientes hospitalizados uma forma geral, à impulsividade, particularmente
(Ranieri et al., 1987) mas não em pacientes clí­ sintomas como a ansiedade, o abuso de álcool e
nicos (Beck, Steer & Brown, 1993). No segundo a baixa concentração. Evidências têm sugerido
estudo, o efeito de atitudes disfuncionais sobre a que o sistema serotonérgico está envolvido com
ideação suicida foi ofuscado pelos efeitos da de­ a impulsividade (Linnoila et al., 1983; Coccaro
sesperança e do histórico dc tentativas anteriores et al, 1989; Gardner, Lucas & Cowdry, 1990).
de suicídio. Com estes efeitos não controlados, Estudos que analisaram os fatores biológicos
quatro conjuntos de atitudes disfuncionais foram de previsão de suicídio têm geralmente focalizado
significativamente relacionados à ideação suicida, os papéis de corticoesteroides e monoaminos. Pes­
incluindo vulnerabilidade cognitiva, sucesso- quisa anterior (Bunney & Fawcett, 1965; Bunney,
-perfeccionismo, necessidade de impressionar os Fawcett, Davis & Gifford, 1969) descobriu níveis
outros, e desaprovação-dependência. elevados de 17-hidroxicorticoesteróide urinário

129
Fronteiras da Terapia Cognitiva

em pacientes depressivos que tentaram ou come­ Em comparação à pesquisa feita no sistema de


teram suicídio. Estes resultados foram replicados serotonina em suicídio, o sistema dopaminérgico
por outros (Ostroff et. al., 1982; Prasad, 1985), recebeu uma atenção muito menor. Existe evidên­
que também encontraram que as elevações em cia, entretanto, indicando o seu papel potencial.
corticoesteróides estavam mais evidentes em pa­ Alguns estudos descobriram um baixo nível do
cientes que utilizaram um método violento quando metabólito da dopamina, o ácido homovanilico
da tentativa de suicídio. Além disso, altos níveis (AHV), no FCS de pacientes depressivos que
de cortisol no sangue e plasma também têm sido haviam tentado o suicídio (Agren, 1980, 1983;
encontrados em pacientes depressivos suicidas Traskman, Asberg, Bertilsson & Sjostrand, 1981;
(Asberg, Schalling, Traskman-Bendz, & Wagner, Montgomery, 1982; Roy et. al., 1986). De fato,
1987; Krieger, 1974). foi sugerido que um baixo nível de AHV pode
ser um indicador de comportamento suicida mais
Outras evidências têm apontado para a pos­
confiável do que baixos níveis de 5-HIAA. Um
sibilidade de monoaminos desempenharem um
estudo recente por Pichot, Hansennc, Moreno c
papel em suicídio, especificamente baixos níveis
Ansseau (1992) examinou a relação entre atividade
de 5-HIAA no FCS, o principal metabólito da
de dopamina pós-sináptica e tentativas de suicídio
serotonina (Asberg, Traskman, & Thoren, 1976;
ao administrarem apomorfina, um agonista dopami­
Asberg et. al., 1987; Roy et. al., 1986). Os efeitos
nérgico seletivo, e medir a resposta do hormônio
parecem ser robustos, ocorrendo através das cate­
de crescimento (HC). Pacientes com um histórico
gorias diagnosticas c das medidas dc tendência ao
de tentativas de suicídio mostraram uma resposta
suicídio. Níveis de monoaminos parecem refletir
reduzida de HC à apomorfina, em comparação a
mais um traço do que um estado, geralmente de­
pacientes equivalentemente depressivos sem um
monstrando estabilidade com o passar do tempo.
histórico de tentativas de suicídio. A resposta
Roy e colegas (1986) também sugeriram que
reduzida à apomorfina sugere que os pacientes
baixo 5-HIAA no FCS, combinado a altos níveis
com um histórico de tentativas suicidas têm uma
de cortisol pós-dexametasona, podem prever sensibilidade reduzida do receptor pós-sináptico de
suicídio em pacientes depressivos. Um estudo dopamina. O tempo entre a tentativa de suicídio e
recente confirmou uma associação entre baixos a avaliação clínica não se mostrou relacionado à
níveis de 5-HIAA e altos níveis de 3-metoxi-4- resposta do HC, sugerindo que a alteração pode ser
-hidroxifenilglicol (MHPG), um metabólito de estável ou representar um traço. Nenhuma diferença
norepinefrina, em tentativas violentas de suicídio foi encontrada entre aqueles que haviam tentado
(Traskman-Bendz et. al., 1992). o suicídio de forma violenta versus aqueles que
Alguns investigadores sugerem que uma das haviam tentado de forma não violenta, embora o
principais funções do sistema serotonérgico é a tamanho da amostra fosse pequeno demais para
regulação do sono (Griffiths, Lester, Coulter & se extrair qualquer conclusão segura.
Williams, 1972; George, Millar, Hanley & Kryger, Pesquisas examinando os correlatos cognitivo e
1989; Jouvet, 1984; Dugovic & Wauqueir, 1987; biológico de suicídio têm sugerido que pode haver
Sommerfelt, Hauge & Usdin, 1987). Dado o papel diferenças entre fatores de previsão de curto e de
sugerido para o sistema serotonérgico em suicídio, longo prazo. Enquanto a desesperança e tentativas
Sabo, Reynolds, Kupfer e Berman (1991) examina­ anteriores de suicídio podem prever o suicídio em
ram medidas de PSG como marcadores potenciais longo prazo, fatores de previsão em curto prazo
para o suicídio. Os resultados foram consistentes podem estar mais relacionados à ansiedade, ao
com a noção de que suicidas mostram alterações pânico e à impulsividade. O substrato biológico
de sono, especialmente no início do sono e na para estas últimas características pode se localizar
frequência e intensidade de períodos de REM. no sistema serotonérgico.

130
Biologia e cognições na depressão: a mente sabe o que o cérebro está fazendo?

0 curso da doença depressiva tinham ou não mais atitudes disfuncionais antes


ou durante o tratamento agudo.
Evidências a respeito da utilidade da Dysfunc­
Vários estudos examinaram aspectos da hipó­
tional Attitude Scale (DAS - Escala de Atitude
tese congruente, que propõe que a correspondência
Disfuncional; Weissman, 1979), como um indi­
entre o tipo de personalidade e o tipo de estressor
cador de vulnerabilidade para prever o início ou
de vida está associada ao início da depressão. Em
recaídas na depressão, são contraditórias. Alguns
geral, há apoio para estas hipóteses (Brown, Bifulco
estudos relatam que a DAS tem valor de previsão & Harris, 1987, Hammen, Ellicott & Gitlin, 1989;
(Rush, Weissenburger, & Eaves, 1986; Simons, Segal, Shaw & Vella, 1989; Zuroll & Mongrain,
Murphy, Levine, & Wetzel, 1986), ao passo que 1987). Alguns estudos relatam uma relação de
outros não (Weissman & Beck, 1978; Dohr, Rush previsão mais alta para pacientes sociotrópicos
& Berstein, 1989; Hollon, Kendall & Lumry, (ou dependentes), que são suscetíveis ao estresse
1986). Williams, Healy, Teasdale, White e Paykel interpessoal (Hammen et. al., 1985; Zuroff &
(1990) sugeriram que pode haver dois subgrupos Mongrain, 1987; Robins & Block, 1988); ao passo
de pacientes que relatam atitudes altamente dis­ que outros estudos descobriram uma relação de
funcionais quando em depressão. Um grupo tem previsão mais forte para sujeitos autônomos (ou
elevações transitórias, nas atitudes disfuncionais, autocríticos), os quais são suscetíveis a estresses
relacionadas ao humor, enquanto o outro tem ati­ relacionados a realizações (Hammen et. al., 1989;
tudes disfuncionais mais crônicas. Seria esperado Segai et. al., 1992). Segai et. al. (1992) sugerem
que o último grupo tivesse depressão continuada, que estas discrepâncias podem estar relacionadas
se estas atitudes não fossem alteradas. É sugerido a diferenças de amostragem, sendo que os estudos
que uma combinação de farmacoterapia e psico- que utilizam populações de estudantes descobriríam
terapia pode ser indicada em casos de escores de efeitos de congruência mais fortes para sujeitos
DAS cronicamente elevados. dependentes experienciando estresses interpes­
Essa distinção pode também estar relacionada soais, e os estudos utilizando amostras de pacientes
à cronicidade da própria doença depressiva. In­ mostrando mais congruência para a autonomia e
divíduos com a denominada depressão crônica estressores relacionados a realizações. Eles tam­
“caracterológica”, marcada por início precoce bém sugerem que pode haver um efeito temporal
e sintomas crônicos leves (Akiskal, 1983), ou interativo, com estresse interpessoal sendo mais
aqueles com episódios de depressão maior soma­ agudo e estresses relacionados a realizações sendo
dos à distimia crônica (Keller, Lavori, Endicott, mais aditivos e insidiosos em seus efeitos.
Coryell & Klerman, 1983; Keller, Lavori, Lewis, Ao examinar o funcionamento biológico, foi
& Klerman, 1983) podem ter atitudes altamente descoberto que pacientes com mais episódios
disfuncionais e de forma crônica. anteriores de depressão têm uma maior incidência
Um estudo por Frank, Kupfer, Hamer, Gro- de uma não-supressão continuada de DST ape­
chocinski c McEachran (1992) pode proporcionar sar da recuperação (Gurguis, Meador-Woodruff,
apoio indireto para a existência de um subgrupo Haskett & Greden, 1990). Este resultado precisa
de pacientes com atitudes disfuncionais crônicas, ser replicado, entretanto, uma vez que no estudo
os quais respondem preferencialmente à psico- citado havia mais pacientes bipolares no grupo
terapia. Neste estudo, pacientes não-endógenos com não-supressão continuada. Estudos também
permaneciam em remissão por um período de demonstraram que a não-supressão continuada de
tempo mais longo do que pacientes endógenos, DST após a recuperação clínica está relacionada
durante o tratamento de manutenção com psico- à recaída prematura (Greden et. al., 1983; Hols-
terapia. Infelizmente, não é sabido se os pacientes boer, Liebl & Hofschuster, 1982; Targum, 1983).
não-endógenos que ficaram bem por mais tempo O status de DST pré-tratamento não parece estar

131
Fronteiras da Terapia Cognitiva

relacionado ao número de episódios de depressão Previsão de resposta ao tratamento


(Lenox, Peyser, Rothschild, Shipley & Weaver,
1985; Meador-Woodruff, Gurguis, Grunhaus, Has­ Pacientes endógenos e não-endógenos foram
kett & Greden, 1987). Parece haver um tempo de comparados em relação às suas respostas ao
latência entre o momento de recuperação clínica e tratamento com medicação antidepressiva (Rush
a normalização da resposta de cortisol à dexame- et. al., 1989), ao tratamento combinando psicote-
tasona (Gerken, Maier & Holsboer, 1985) e uma rapia e medicação (Prusoff, Weissman, Klerman
série de pacientes continua a demonstrar respostas & Rounsaville, 1980) e terapia eletroconvulsiva
anormais de DST, apesar da recuperação clínica (ECT - Eletroconvulsive Therapy; Prudic, Deva-
(Targum, 1983; Papakostas, Fink, Lee, Irwin & nand, Sackheim, Decina & Kerr, 1989; Vlissides &
Johnson, 1981; Holsboer, Steiger & Maier, 1983; Jenner, 1982). Resultados têm sido contraditórios e
Greden et. al., 1983; Gurguis et. al., 1990). Além podem ter sido influenciados pela definição especí­
disso, foi descoberto que anormalidades de DST fica de endógenos (Zimmerman, Stangl & Coryell,
ocorrem anteriormente a sinais clínicos de recaída 1985). Em geral, a literatura não é clara acerca de
ou recorrência de depressão (Holsboer et. al., se a subtipagem de endógenos (melancólicos) é útil
1983). Estes resultados sugerem que, embora a para prever resultados de tratamento em curto prazo
não-supressão de DST seja uma característica de com medicação antidepressiva, especialmente em
estado associada à depressão, sua presença conti­
pacientes clínicos (Avery, Wilson & Dunner, 1983;
nuada pode indicar a possibilidade de recuperação
Paykel, Hollyman, Freeling & Sedwick, 1988;
incompleta ou de recaída prematura.
Georgotas et. al., 1987; Coryell & Turner, 1985;
Kupfer, Frank, McEachran e Grochocinski Davidson, Giller, Zisook & Overall, 1988; para
(1990) sugeriram que a razão de sono delta (nú­ uma revisão veja Rush & Weissenburger, 1994).
mero médio de ondas delta no primeiro período
Resultados a respeito da resposta ao tratamento
não REM, dividido pelo número médio de ondas
com psicoterapia também são inconsistentes.
delta no segundo período não REM) pode estar
Pacientes endógenos, em um estudo, tiveram um
correlacionado à recorrência prematura da de­
pobre desempenho quando tratados com psicote­
pressão. Latência de REM reduzida também tem
sido sugerida como um indicador de recaída ou rapia interpessoal (IPT - Interpersonal Therapy;
recorrência prematura de depressão após a descon- Klerman, Weissman, Rounsaville & Chevron,
tinuação do tratamento (Giles, Jarrett, Roffwarg 1984), mas responderam bem a uma combinação
& Rush, 1987; Giles, Jarrett, Biggs, Guzick & de IPT e amitriptilina (Prusoff et. al., 1980).
Rush, 1989). Pacientes não-endógenos neste estudo reagiram
melhor à IPT sozinha. Em contraste, resultados
O curso da doença tem sido examinado em
do estudo colaborativo do NIMH sugerem que
termos tanto de funcionamento psicológico quanto
biológico. Infelizmente, muito pouco tem sido pacientes endógenos respondiam melhor à IPT,
feito de forma a integrar estes resultados. Formas enquanto que subtipos não diferem em suas res­
crônicas de depressão têm sido relacionadas a postas à psicoterapia comportamental cognitiva
escores no DAS cronicamente elevados e anorma­ (CBT - Cognitive Behavioral Therapy; Sotsky et.
lidades persistentes no DST e no PSG têm sido al., 1991). Thase, Simons, Cahalane e McGeary
associadas à recaída/recorrência prematura em (1991) descobriram uma taxa alta de resposta
depressão. Não está claro se pacientes cronica­ à CBT entre pacientes endógenos. Frank et. al.
mente depressivos têm anormalidades persistentes (1990) não descobriram nenhuma utilidade da
tanto na área cognitiva quanto na biológica, ou realização de uma subtipagem endógena para a
se existem subgrupos desses pacientes cognitiva previsão de resposta tratamento combinado de
e biologicamente distintos. IPT e imipramina.

132
Biologia e cognições na depressão: a mente sabe o que o cérebro está fazendo?

Estudos que focalizaram os fatores relacionados significativamente relacionadas ao estado clínico


à resposta ao tratamento com antidepressivo desco­ após 6 semanas de tratamento. Os resultados não
briram que respostas em curto prazo podem estar eram relacionados à gravidade da depressão, ao
relacionadas a mudanças precoces em sintomas subtipo (endógenos vs. não-endógenos) ou à cro­
específicos (por exemplo, hostilidade, somatização nicidade, definida como o número de episódios
e ansiedade; Katz et. al., 1991) e níveis mais altos anteriores ou duração do episódio atual. O papel de
de apoio social (Vallejo, Gasto, Catalan, Bulbena estresses de vida não foi avaliado. Em um follow-up
& Menchon, 1991). Ausência de estressores de aos 6 meses, este efeito não foi mais observado.
vida ao longo do período de tratamento e níveis Esse resultado é consistente com a sugestão de
de supressão de DST pré-tratamento têm sido que existe uma diferença na previsão de recaída
relacionados à resposta em longo prazo (6 meses) versus a previsão de depressão continuada (Keller
à imipramina, enquanto a ausência de eventos de & Shapiro, 1981; Teasdale, 1988).
vida anteriores ao início do episódio depressivo
Em uma amostra de 74 pacientes clínicos
foi associada a um resultado em longo prazo mais
tratados com amitriptilina ou desipramina, foi
pobre à fenelzina (Vallejo et. al., 1991).
descoberto que a resposta ao tratamento nas se­
Outra evidência é contraditória a respeito da manas 3, 7 e no final de tratamento (semana 9
relevância de eventos de vida para o resultado do ou 10) não estava relacionada ao escore na DAS
tratamento. Parker, Tennant e Blignault (1985)
pré-tratamento (Rush, Gullion, Cain & Roffwarg,
descobriram que pacientes com eventos de vida
1992). Em contraste, outro estudo (Peselow et. al.,
pré-existentes apresentavam uma melhor resposta
1990) descobriu que escores mais altos na DAS
ao tratamento. Em um outro estudo, este efeito foi
pré-tratamento estavam relacionados à pior res­
atribuído somente a pacientes endógenos (Monroe,
posta tanto aos antidepressivos quanto ao placebo.
Thase, Hersen, Himmehoch & Bellack, 1985).
Interessante notar que para pacientes com escores
Eventos de vida, ocorrendo durante as semanas
na DAS acima da mediana, a taxa de resposta à
iniciais de tratamento, foram relacionados a um
medicação não era significativamente diferente da
pobre resultado (Lloyd, Zisook, Click & Jaffe,
resposta ao placebo, sugerindo que pacientes com
1981). Outros estudos não consideraram eventos
escores iniciais altos na DAS podem requerer mais
de vida como sendo fatores de previsão úteis,
do que farmacoterapia sozinha.
nem para respostas em curto prazo e nem para a
cronicidade em longo prazo (Garvey, Schaffer & Latência reduzida de REM no pré-tratamento
Tuason, 1984; Hirschfeld, Klerman, Andreasen, tem sido associada a uma probabilidade maior
Clayton & Keller, 1986). de resposta à amitriptilina ou desipramina, en­
Foi descoberto que atitudes altamente disfun- quanto sujeitos com latência mais alta de REM
cionais preveem persistência da depressão tanto teriam uma resposta seletivamente mais pobre à
em amostras da população em geral (Lewinsohn, desipramina (Rush et. al., 1989). Outros estudos
Steinmetz, Larson & Franklin, 1981) quanto em confirmaram a associação entre medidas de PSG
amostras de pacientes hospitalizados (Williams et. à resposta ao tratamento com antidepressivos
al., 1990). Descobertas similares têm relacionado (Gillin, Wyatt, Fram & Snyder, 1978; Kupfer et.
atitudes disfuncionais à duração da hospitalização al., 1981; Kupfer, Ehlers, Pollock, Nathan & Perel,
(Norman, Miller & Keitner, 1987). Neste último 1989, Reynolds et. al., 1987, Rush et. al., 1983;
estudo, gravidade e subtipo biológico de depressão Shipley et. al., 1985). Em geral, perturbações na
baseado no DST foram medidos, sendo desco­ continuidade do sono e latência reduzida de REM
berto que estavam relacionados aos resultados. tem sido relacionada especificamente à resposta
No estudo por Williams et. al. (1990), atitudes ao tratamento agudo com medicação (Kupfer et.
disfuncionais quando da admissão mostraram-se al., 1981; Rush et. al., 1989).

133
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Em contraste, estudos em geral não têm de­ de metabolismo serotonérgico alterado e níveis ele­
monstrado o efeito de medidas de sono sobre a vados de glucocorticóides pode ser particularmente
resposta à psicoterapia (Jarrett, Rush, Khatami & útil para prever suicidas potenciais. Considerando
Roffwarg, 1990; Simons & Thase, 1992; Thase o papel do sistema serotonérgico no sono e na
& Simons, 1992). Entretanto, um estudo recente impulsividade, trabalhos adicionais relacionando
(Buysse et. al.9 1992) descobriu que pessoas não mudanças e índices de atividade serotonérgica aos
reativas à IPT tinham latências mais longas de sintomas, curso da doença, resposta ao tratamento
sono, eficiência mais baixa de sono e atividade e suicídio são importantes.
aumentada de REM fásico, quando comparada às Temos muito poucas evidências conclusivas
pessoas reativas. Pessoas reativas e não-reativas sobre como fatores psicológicos e biológicos estão
também demonstraram diferenças de adaptação relacionados ao curso da doença depressiva, aos
ao longo das duas noites de avaliação do sono. fatores de vulnerabilidade e à resposta ao trata­
Em resumo, resposta a tratamento específico mento. Em geral, um curso mais extenso e uma
não foi consistentemente relacionada às variáveis resposta mais pobre ao tratamento estão associa­
cognitivas, de personalidade ou de estresse de dos a um funcionamento cognitivo cronicamente
vida. Anormalidades em continuidade de sono pobre e a anormalidades biológicas mais estáveis.
têm sido associadas a uma resposta boa e precisa É importante ir além desse grau de compreensão
à farmacoterapia, mas suas relações às respostas mais global e focalizado na severidade. Estudos
à psicoterapia ainda não são claras. longitudinais podem proporcionar uma abordagem
mais ideográfica e elucidar relações temporais
entre as variáveis sob investigação.
Resumo Muitas pesquisas têm sido realizadas para testar
a previsão das teorias de depressão de Beck (1967,
Tem-se observado um apoio generalizado aos 1976). Resultados confirmaram a associação entre
subtipos biologicamente relacionados da depressão alterações ou distorções cognitivas específicas e
endógena, que é caracterizada por sintomas vege- o estado de depressão. O foco recentemente tem
tativos tais como perturbação do sono e perda de sido sobre as implicações etiológicas da teoria,
apetite, peso e libido. Estes sintomas endógenos incluindo o modelo de diátese-estresse e a hipótese
têm sido associados a graus reduzidos de CRH de congruência. Embora a testagem destes concei­
no hipotálamo paraventricular e ao aumento de tos seja metodologicamente desafiadora, avanços
glucocorticóides. Depressão não-endógena é uma têm sido obtidos. O papel de fatores cognitivos,
categoria residual que pode incluir vários tipos eventos de vida e características de personalidade
distintos. Um componente que pode ser cognitiva na etiologia e desenvolvimento da depressão estão
e biologicamente distinto é o da autocrítica/ansie- começando a ser elucidados. A interação recíproca
dade. Esse componente pode estar relacionado a entre estes fatores e o funcionamento biológico é
níveis cronicamente altos de atitudes disfuncio- complexa e não é facilmente estudada ou com­
nais e/ou alterações em aspectos específicos da preendida. Entretanto, os poucos esforços feitos
autoestima e relações interpessoais. Em termos de nesta área têm sido encorajadores em termos do
biologia, alterações no metabolismo serotonérgico conhecimento muito mais rico obtido como resul­
podem estar associadas de forma singular com tado desta abordagem integradora. Mais trabalho
esse componente da depressão. nesta área provavelmente será muito informativo
Alterações de serotonina também têm sido e elucidará a interação entre fatores biológicos e
envolvidas na previsão de suicídio. A coexistência psicológicos na depressão.

134
Biologia e cognições na depressão: a mente sabe o que o cérebro está fazendo?

Agradecimentos University of Texas Southwestern Medical Center.


Agradecemos a David Savage pela ajuda secre­
Este trabalho foi apoiado em parte pela Bolsa tarial e a Kenneth Z. Altshuler, MD, pelo apoio
de n° MH-41115 do National Institute of Mental administrativo.
Health Center, ao Departamento de Psiquiatria,

135
Fronteiras da Terapia Cognitiva

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136
Capítulo 7

Empatia terapêutica em terapia


cognitivo-comportamental:

ELA REALMENTE FAZ DIFERENÇA?

David D. Bums
Arthur Auerbach

pesar de a terapia cognitiva ser geral­ sua própria empatia de uma maneira razoa­

A mente percebida como sendo uma forma


altamente técnica de terapia, Beck e
seus colegas (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1979;
Beck, Wright, Newman & Liese, 1993) também
velmente precisa? Como a empatia podería
ser melhor avaliada pelos clínicos em sua
prática clínica diária?
• Qual é a forma mais efetiva de treinar os
enfatizaram a importância de um relacionamento
terapeutas para que desenvolvam maior
terapêutico caloroso e empático. Por exemplo, eles
empatia, particularmente ao tratarem com
afirmaram: “A eficácia das técnicas cognitivas e
pacientes hostis, difíceis e desconfiados?
comportamentais é dependente, em larga escala,
do relacionamento entre o terapeuta e o paciente...
O relacionamento requer calor, empatia apurada e
genuinidade por parte do terapeuta. Sem esses, a 0 que é empatia? Quem melhor pode
terapia toma-se “orientada por truques” (Beck et avaliá-la?
al., 1993, p. 135). Neste capítulo, iremos examinar
o papel da empatia terapêutica na terapia cognitiva Uma vez que a empatia é um conceito tão
e tentar responder às seguintes questões: central em psicoterapia, uma rápida referência
à origem do conceito na cultura geral pode ser
de interesse (Gauss, 1973). A palavra “empatia”
• O que é empatia terapêutica? A visão cog­
é uma tradução da palavra alemã Einjuhlung.
nitiva de empatia é diferente da visão
Esse conceito surgiu no contexto da teoria alemã
psicanalítica tradicional de empatia?
de estética do século 19. Os filósofos estavam
• Há alguma evidência científica de que a curiosos sobre como um objeto estético podería
empatia terapêutica realmente tem um efeito produzir uma resposta emocional no observador.
causai na recuperação na terapia cognitiva? Eles acreditavam que essa resposta empática era
Qual o tamanho desse efeito? causada por uma predisposição interna do ob­
• Os terapeutas, em sua maioria, são razoa­ servador, que atribuía beleza ou falta de beleza
velmente empáticos? Os terapeutas avaliam ao objeto.
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Essa definição de empatia foi subsequentemente dificuldades semelhantes que o paciente tenha
ampliada para incluir o conhecimento do objeto experienciado em vários outros relacionamentos
pelo observador, bem como seus sentimentos, e os íntimos.
historiadores e os cientistas sociais começaram a De qualquer forma, sob a perspectiva da tera­
aplicar o conceito na análise dos relacionamentos pia cognitiva, a visão psicodinâmica da empatia
humanos. Eles teorizaram que uma identificação é suspeita. Os terapeutas cognitivos postulam que
simpática com uma outra pessoa promovia o as respostas emocionais resultam, às vezes, mais
entendimento do ponto de vista e da motivação das percepções idiossincráticas de uma pessoa, do
daquela pessoa. que de eventos externos, reais. Portanto, as reações
Fundamentados nessa tradição, os investigado­ emocionais dos terapeutas a seus pacientes irão
res psicodinâmicos definiram empatia em termos geralmente nos dizer mais sobre as percepções,
das experiências subjetivas do terapeuta, em fantasias e crenças dos terapeutas do que as dos
resposta ao paciente. Por exemplo, Buie (1981) pacientes. Para o comportamento de um paciente
define que empatia “ocorre intrapsiquicamente no qualquer, diferentes terapeutas podem ter - e pro­
analista” (p. 283). Numa veia similar, Basch (1983) vavelmente terão - diferentes tipos de percepções
conceitua empatia como um estado afetivo interno e sentimentos.
do terapeuta em resposta à aparência e ao com­
Alguns estudos empíricos sugerem que as
portamento do paciente. Book (1988) concorda,
formulações dos terapeutas são frequentemente
referindo-se à empatia como a “experimentação
não relacionadas sistematicamente com o que os
dos... estados emocionais do paciente... [Empatia é]
pacientes estão realmente pensando ou sentindo.
... uma experiência espontânea, intrapsíquica, pré-
Por exemplo, em seu estudo sobre a empatia e
-consciente... interna ao terapeuta” (p. 421). Frayn
resultados obtidos em terapia dinâmica breve, Free
(1990) concorda, apontando que “os impulsos
e seus colaboradores (Free, Green, Grace, Chemus
do paciente estimulam fantasias correspondentes
& Whitman, 1985) descobriram que os terapeutas
no terapeuta. O paciente compele o terapeuta a
não estimavam, com precisão, a forma como os
experienciar o seu mundo interno, inspirando, no
terapeuta, um sentimento, pensamento ou estado do seus pacientes os percebiam. Os investigadores
self que previamente permanecia somente dentro relataram que “não havia uma concordância
dele próprio”. Freud (1915/1964) pareceu tocar importante entre os pacientes, os terapeutas, e
nessa linha de pensamento quando escreveu: “É os supervisores clínicos, quando eles usavam a
notável que o (inconsciente) dc um ser humano mesma escala para avaliar a empatia do terapeuta
possa reagir sobre o inconsciente de um outro... nas mesmas sessões. Somente as avaliações dos
mas... o fato é incontestável” (p. 194, itálico pacientes correlacionavam-se significativamente
adicionado). com os resultados de algumas das medidas” (p. 917,
itálicos adicionados). Numa linha similar, Squier
Certamente, os terapeutas deveríam utilizar
(1990) escreve: “A literatura psicoterápica mostra
toda a informação disponível para o entendimento
claramente que, para a empatia ser eficaz, ela pre­
e a conceituação de seus pacientes, incluindo suas
próprias respostas subjetivas durante as sessões. cisa scr percebida e sentida pelo paciente. Aqui
Essas respostas fornecem uma fonte de informação está a dificuldade: a empatia tal como percebida
não verbalizada sobre a qualidade e a natureza pelos (próprios terapeutas ou por seus) professo­
do relacionamento terapêutico. Por exemplo, se o res, supervisores, (ou) colegas... geralmente não
terapeuta se sente frustrado durante as sessões com tem sido relacionada com a experimentada pelos
um paciente específico, há uma grande probabili­ pacientes.”
dade de que o paciente também se sinta frustrado Outra pesquisa sobre a empatia terapêutica é
e não compreendido. O impasse poderia refletir consistente com este ponto de vista. Na sua revisão

138
Empatia terapêutica em terapia cognitivo-comportamental: ela realmente faz diferença?

de estudos sobre empatia terapêutica e resultados, alertado a não responder de uma forma defensiva
Orlinsky, Grawe e Parks (1994), relataram que, ou que transpareça menosprezo ou rejeição.
quando a empatia terapêutica foi avaliada pelos Permite-se que a dramatização continue por 1
pacientes, estava positivamente correlacionada ou 2 minutos. O “paciente” quase sempre expressa
com a recuperação em 34 de 47 estudos. Essas raiva e insiste que o terapeuta não tem sido de muita
correlações foram positivas, independentemente ajuda, não se preocupa com ele e nem o entende.
de o resultado ser avaliado pelos pacientes, pelos A maioria dos terapeutas pode representar o pa­
terapeutas, por avaliadores independentes, ou por pel do paciente irritado com prazer considerável,
testes psicométricos objetivos. uma vez que quase todos eles têm frequentemente
Em contraste, quando os terapeutas avaliaram estado na posição de receber tais críticas. Após
sua própria empatia, as correlações importantes várias trocas entre terapeuta e paciente, a demons­
entre empatia e recuperação foram mencionadas tração é interrompida e é solicitado ao “paciente”
somente em 4 de 15 estudos. Em três desses para classificar o terapeuta utilizando a Escala de
quatro relatos positivos, o resultado foi avaliado Empatia (ES - Empathy Scale; Persons & Bums,
por terapeutas, levantando preocupações de que 1985; Bums & Nolen-Hoeksema, 1992) que está
as correlações poderíam ter sido tautológicas. ilustrada na Tabela 7.1.
Quando o resultado foi avaliado por pacientes, por
A ES é um questionário com 10 itens que pode
avaliadores independentes ou por testes objetivos,
ser usado em pesquisa ou na prática clínica. Os
uma correlação positiva entre a avaliação da em­
pacientes classificam quanto seus terapeutas foram
patia e do resultado por terapeutas foi observada
calorosos, genuínos e empáticos durante a mais
em somente 1 de 19 estudos. A um nível de sig-
recente sessão terapêutica. Os pacientes registram
nificância de 0,05, uma correlação positiva em
o quão intensamente eles concordam com cada
20 estudos poderia ser esperada por mero acaso.
item da escala, com as opções de resposta variando
Consideradas em sua totalidade, essas descobertas
de “nada” a “muito” em uma escala Likert de 4
sugerem que os pacientes podem ser melhores
pontos. Os primeiros cinco itens são escritos de
avaliadores do que os terapeutas, da qualidade da
forma que uma forte concordância indica um
empatia terapêutica, e indicam que as avaliações,
bom relacionamento terapêutico. Os segundos
pelos pacientes, da aliança terapêutica têm maior
cinco itens são escritos de forma que uma forte
probabilidade de prever a recuperação clínica.
concordância indica um pobre relacionamento te­
Certamente, a percepção de um terapeuta sobre
rapêutico. Um escore total na ES pode ser obtido
o relacionamento terapêutico não será sempre
pela adição dos cinco itens escritos positivamente
incorreta. Entretanto, os terapeutas não estão
e subtração dos cinco itens escritos negativamente.
conscientes que suas avaliações do calor e da
Os escores totais podem variar entre -15 (a mais
empatia terapêuticos podem geralmente ser muito
baixa avaliação de empatia possível) e +15 (a
inconsistentes com a forma como seus pacientes
mais alta avaliação possível).
realmente os veem. Para ilustrar esse problema,
a demonstração a seguir pode ser conduzida du­ O indivíduo que representa o papel do paciente
rante programas de treinamento. Solicita-se a um hostil, geralmente dá ao terapeuta avaliações baixas
terapeuta que represente o papel de um paciente na ES, que são similares àquelas na Tabela 7.1.
com raiva, com um transtorno de personalidade Essas avaliações indicam que o paciente achou
borderline. Solicita-se a um segundo terapeuta que que o terapeuta estava um tanto condescendente
represente o papel do terapeuta por 1 ou 2 minutos. e não o apoiava, e realmente não entendeu como
O trabalho do terapeuta é responder ao paciente ele se sentia.
de uma forma empática e respeitosa. O terapeuta Quando o paciente preenche a ES após a dra­
é orientado a encorajar o paciente a se abrir e matização, solicita-se ao indivíduo que representou

139
Fronteiras da Terapia Cognitiva

o terapeuta para preencher a versão do terapeuta Os participantes que observam a dramatização


da ES, a qual está ilustrada na Tabela 7.2. Como também podem avaliar o terapeuta. Eles geralmente
você pode ver, as versões do paciente, da Tabela dão ao terapeuta avaliações baixas, similares às do
7.1, e do terapeuta, da Tabela 7.2., contêm itens paciente. Esse resultado confirma uma observação
quase idênticos, os quais, porém, são escritos da feita anteriormente - de que os pacientes podem
perspectiva do paciente ou do terapeuta, respec­ geralmente ser os melhores juizes do calor, da
tivamente. Por exemplo, o item 1 na versão do empatia e da genuinidade dos seus terapeutas.
paciente é: “Eu senti que podia confiar em meu O exercício pode ser poderoso e deve ser
terapeuta durante a sessão de hoje.” O item 1 na conduzido com grande tato e sensibilidade em
versão do terapeuta é: “Meu paciente sentiu que relação aos sentimentos do indivíduo que repre­
podia confiar em mim durante a sessão de hoje.” senta o papel do terapeuta. O feedback pode ser
Uma vez que o paciente e o terapeuta tenham perturbador, especialmente se o terapeuta sentir-se
preenchido as escalas, suas avaliações podem ser julgado, vulnerável ou inseguro. Se for conduzido
comparadas. As avaliações do terapeuta geralmente com sensibilidade, a demonstração pode ser muito
são bastante diferentes das do paciente. A maioria interessante e pode revelar que as percepções dos
dos terapeutas sente que eles foram razoavel­ terapeutas de como seus pacientes se sentem com
mente bem e se avaliam bastante positivamente relação a eles são frequentemente inconsistentes com
nesse exercício, com respostas similares àquelas o modo como os seus pacientes realmente os veem.
da Tabela 7.2. Esse terapeuta acreditava que ele E mesmo deixando de lado o aspecto filosófico de
tinha se comunicado de uma maneira calorosa, quais avaliações são mais realistas, parece estar
confiável e compassiva. claro que, quando há discrepâncias, as avaliações

140
Empatia terapêutica em terapia cognitivo-comportamental: ela realmente faz diferença?

dos pacientes, mas não necessariamente as dos e a terapia interpessoal tiveram efeitos similares,
terapeutas, irão prever alterações na autoestima e tanto na depressão quanto nas variáveis objetivas
no nível de depressão dos pacientes. cognitivas, comportamentais e interpessoais, apesar
dos tratamentos terem sido projetados para focali­
zarem somente as cognições, os comportamentos
ou as habilidades interpessoais, respectivamente.
0 papel da empatia na terapia
Assim, as terapias que postulam fatores muito di­
cognitivo-comportamental ferentes na causa e na manutenção da depressão e
Apesar de a terapia cognitivo-comportamental que geralmente utilizam intervenções terapêuticas
(TCC) ter-se mostrado eficaz para a depressão (ver diferentes parecem ter efeitos surpreendentemente
as revisões de Dobson, 1989; Robinson, Berman similares em quase todas as variáveis medidas.
& Niemeyer, 1990), vários investigadores rela­ Numa tentativa de explicar esses resultados,
tam que outros tipos de psicoterapia podem ser vários teóricos postularam que fatores não es­
igualmente eficazes (Elkin et ai, 1989; Rehm, pecíficos, comuns a todas as formas de terapia,
Kaslow & Rabin, 1987; Thompson, Gallagher & podem representar um papel mais importante na
Breckenridge, 1987). Além disso, parece haver melhora clínica, do que os fatores específicos,
uma falta de especificidade no mecanismo através únicos para cada tipo de tratamento (Bergin, 1990;
do qual esses diferentes tratamentos funcionam. Garfield, 1990). Um dos fatores não específicos
Por exemplo, vários investigadores (Rehm et al., mais frequentemente citados é a qualidade do
1987; Zeiss, Lewinsohn, & Munoz, 1979) relataram relacionamento terapêutico (Luborsky, McLellan,
que a terapia cognitiva, a terapia comportamental Woody, O'Brien & Auerbach, 1985). A revisão de

141
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Orlinsky et al (1994), anteriormente mencionada, demitido de vários empregos como programador


apoia essa hipótese. Eles relataram que em mais de computador, antes de procurar a terapia. Ele
da metade de 115 estudos, a empatia terapêutica nasceu no Paquistão e atribuiu suas dificuldades
esteve significativamente correlacionada com o na carreira ao preconceito racial. Se seu terapeuta
resultado terapêutico. aceitar seu ponto de vista, isso poderá oferecer
O papel da empatia na TCC é, de certa forma, um relaxamento emocional, porque o paciente
controverso. Apesar de Rogers (1957) propor que se sentirá vingado e compreendido. No entanto,
um relacionamento caloroso e empático é uma das essa intervenção poderá fazer pouco ou nada para
condições necessárias e suficientes para a mudança melhorar os hábitos de trabalho inconsistentes do
na personalidade, Beck e seus colaboradores (Beck paciente ou a sua forma ácida de se comunicar
et al, 1979) sustentaram que um bom relaciona­ quando recebe um feedback sobre seu desempe­
mento terapêutico é necessário, mas não é uma nho de parte dos colegas e dos supervisores. Da
condição suficiente para a mudança clínica. Isto mesma forma, qualquer tentativa de mudar estes
é, sem um adequado relacionamento terapêutico, padrões disfuncionais, na falta de uma aliança
as intervenções técnicas voltadas à modificação terapêutica calorosa e que expresse confiança, é
das atitudes c comportamentos disfimeionais dos pouco provável que tenha sucesso.
pacientes provavelmente não serão eficazes.
Ellis (1962) minimizou a importância da empa­
tia, sustentando que um relacionamento terapêutico Pesquisa sobre a empatia na TCC
caloroso não é necessário nem suficiente. Ele
Em um dos poucos testes empíricos de empatia
escreve: “Roger (sustenta que)... a compreensão
na TCC, Persons e Bums (1985) relataram que
empática... parece ser essencial para a terapia... Eu
as percepções, pelos pacientes, da empatia e do
preciso contestar novamente essa controvérsia...
calor terapêutico estavam positiva e fortemente
(e)... eu tenho refutado várias vezes em minha
correlacionadas com o grau de melhora durante as
própria prática terapêutica” (pp. 114-116).
sessões individuais de terapia cognitiva. Entretanto,
Ellis (comunicação pessoal a David D. Bums, esse foi um pequeno estudo, envolvendo somente
1993) sugeriu recentemente que a empatia te­ uma única sessão de terapia para cada um dos
rapêutica pode nem mesmo ser desejável. Ele 17 pacientes, e os efeitos da empatia durante o
acredita que a empatia podería realmente evitar período de condução da TCC não foram inves­
o progresso, criando dependência do cliente ao tigados. Além disso, uma vez que essa foi uma
terapeuta. Assim, apesar de um terapeuta caloroso análise correlacionai, não foi possível determinar
e apoiador poder fazer o cliente sentir-se melhor, se a empatia terapêutica realmente provocou uma
essa elevação temporária do humor pode evitar que melhora clínica.
o cliente faça o trabalho difícil, mas necessário,
Separar as relações entre causa e efeito, envol­
para melhorar.
vendo a empatia terapêutica e a melhora clínica,
Enquanto alguns terapeutas podem discordar de não é algo direto. Como observado acima, as
Ellis nesse ponto em particular, a maioria concor­ estimativas dos terapeutas de sua própria empatia
daria que uma empatia apurada não garante uma podem refletir um viés, e geralmente não se cor­
intervenção terapêutica útil. O terapeuta podería relacionam com a recuperação clínica. Entretanto,
empatizar de uma forma que, na verdade, refor­ as percepções, pelos pacientes, da empatia tera­
çasse os padrões de autossabotagem do paciente. pêutica podem estar contaminadas pela severidade
Por exemplo, um paciente cronicamente depri­ da depressão, no momento em que é realizada a
mido, com transtorno de personalidade narcisista, avaliação. Assim, os pacientes que estão seve­
relatou dificuldades no trabalho e que tinha sido ramente deprimidos e não conseguem melhorar,

142
Empatia terapêutica em terapia cognitivo-comportamental: ela realmente faz diferença?

podem ter maior probabilidade de sentirem que enviesadas. Além do mais, a percentagem de viés
não são compreendidos e que não recebem atenção pode ser infinita e não pode ser estimada.
de seus terapeutas, do que os pacientes que estão Dadas essas dificuldades estatísticas, bem como
melhorando mais rapidamente. Esse tipo de viés os problemas em se conduzir uma pesquisa contro­
dependente do humor, presente nas percepções, lada, são necessárias outras estratégias analíticas
pelos pacientes, da empatia terapêutica, podería para separar as relações de causa e efeito entre a
inflacionar falsamcnte os relacionamentos entre empatia terapêutica e a recuperação clínica. Mo­
a empatia e a recuperação clínica. delos de equação estrutural são uma ferramenta
Quando a empatia foi estimada por observado­ alternativa, que pode auxiliar o pesquisador a
res externos, Orlinsky et al. (1994) relataram uma esclarecer as relações entre variáveis que podem
associação positiva entre a empatia terapêutica e a estar ligadas recíproca e simultaneamente. Usando
melhora clínica em 19 de 43 estudos. Entretanto, essa estratégia, Bums e Nolen-Hoeksema (1992)
isto não elimina a possibilidade de que a direção estimaram o efeito causai da empatia terapêutica
da causalidade seja da severidade da depressão na melhora clínica, ao mesmo tempo que contro­
para a empatia. Quando os pacientes começam a laram o efeito causai recíproco e simultâneo da
melhorar, eles e os seus terapeutas podem desen­ severidade da depressão nas avaliações de empatia
volver sentimentos mais positivos entre si. Isso terapêutica, em um grupo de 185 pacientes de
podería levar a uma melhora na qualidade da ambulatório, estudados durante as 12 primeiras
aliança terapêutica. Assim, a empatia terapêutica semanas de tratamento com a TCC. Os investiga­
e a melhora clínica ainda seriam positivamente dores abordaram as seguintes questões:
correlacionadas.
É difícil conceituar de que forma esse problema 1. A empatia terapêutica realmente leva à
de causa e efeito podería ser resolvido, usando-se melhora clínica, ou os pacientes que estão
um desenho experimental. Idealmente, seria dese­ melhorando percebem seus terapeutas como
jável distribuir os pacientes de forma randômica mais empáticos e cuidadosos porque eles
para terapeutas que fossem cordiais e empáticos estão se sentindo melhor?
ou frios e críticos. Assumindo que esses dois 2. Quão grande é o efeito da empatia terapêu­
tipos de terapeutas fossem igualmente hábeis em tica na recuperação?
todos os outros aspectos, então qualquer resultado
3. A empatia terapêutica trabalha indireta­
diferencial entre os grupos podería ser atribuído à
mente, facilitando a motivação dos pacientes
empatia terapêutica. Mesmo que alguém pudesse
para que se ajudem a si mesmos, o que, por
suplantar os problemas éticos na condução de
sua vez, leva a uma melhora clínica, ou a
uma pesquisa desse tipo, treinar dois grupos de empatia terapêutica tem um efeito direto na
terapeutas que fossem igualmente hábeis em todos
recuperação clínica?
os aspectos, exceto quanto à empatia, parece ser
algo virtualmente impossível. Os investigadores atribuíram diagnósticos do
Esse problema também apresenta formidáveis Eixo I e do Eixo II na avaliação inicial usando as
desafios estatísticos. As técnicas estatísticas dos Structured Clinical Interviews (Entrevistas Clínicas
quadrados mínimos comuns (OLS - ordinary Estruturadas) para o Eixo I do DSM-III (SCID-I;
least squares), tais como a análise correlacionai, Spitzer & Williams, 1983) e para o Eixo II (SCID-
a análise de covariância, ou a regressão múltipla, -II; Spitzer & Williams, 1985). Dos 185 pacientes
não podem ser usadas para estimar sistemas com no estudo, 168 (90,8%) apresentavam transtorno
causalidade circular, porque, independente de emocional (ou um episódio depressivo significa­
quão grande seja a amostra, as estimativas serão tivo e/ou um transtorno distímico), e 17 (8,2%)

143
Fronteiras da Terapia Cognitiva

tinham um transtorno de ansiedade ou um outro estavam sob controle. Isso indica que, mesmo em
diagnóstico do Eixo I, tal como um transtorno de uma forma de terapia altamente técnica, tal como
ajustamento, acompanhado de humor depressivo a TCC, a qualidade do relacionamento terapêutico
ou ansioso. Adicionalmente, 104 pacientes (56,2%) tem um impacto substancial no grau de recupe­
tinham um ou mais diagnósticos do Eixo II. Ne­ ração clínica.
nhum dos pacientes no estudo era esquizofrênico Esse é o primeiro relato que conhecemos que
ou sofria de um transtorno mental orgânico. documentou de forma convincente os efeitos
A severidade da depressão foi avaliada no início causais da empatia terapêutica na recuperação. A
e na avaliação feita na 12a semana, usando o In­ magnitude do efeito foi de moderada a grande, uma
ventário de Depressão de Beck (BDI; Beck, Ward, vez que cada unidade na ES mostrou-se associada
Mendelson, Mock & Erbaugh, 1961). A empatia a aproximadamente 1,3 unidades no BDI.
terapêutica foi avaliada na 12a semana com a ES Para entender esse efeito, imagine que tanto
descrita anteriormente (Persons & Bums, 1985; o paciente A quanto o paciente By começam a
Bums & Nolcn-Hoekscma, 1992). terapia com um escore no BDI de 22, indicando
Os clínicos e os pesquisadores podem ter a uma depressão moderada. O paciente A tem um
preocupação de que os escores dos pacientes9 na terapeuta caloroso e empático que atinge +15 na
ES possam estar enviesados. Por exemplo, um pa­ ES. O paciente B tem um terapeuta mais frio e
ciente carente e não assertivo pode apontar escores menos apoiador, que atinge somente +7 na ES.
de empatia exageradamente positivos, por medo Tudo o mais sendo igual, o paciente A irá melhorar
de causar um conflito ou magoar os sentimentos aproximadamente 10 pontos no BDI a mais do que
do terapeuta, ao passo que um paciente depres­ o paciente B (8 unidades de ES x 1,3) durante as
sivo e irritado pode apontar escores de empatia 12 primeiras semanas de terapia. Isso não é um
exageradamente negativos. pequeno grau de melhoria, uma vez que será ne­
Bums e Nolen-Hoeksema (1992) mostraram cessária uma redução total de 15 pontos no BDI
como esse problema de mensuração pode ser re­ para atingir um escore normal. Para o paciente
solvido, usando um procedimento de estimativa de A, 10 desses 15 pontos BDI serão resultado do
quadrados mínimos em três estágios (Hanushek e efeito da empatia.
Jackson, 1977), a fim de livrar os escores de em­ A empatia terapêutica foi fortemente associada
patia terapêutica dos pacientes de todas as fontes com reduções nos escores de BDI, mesmo quando
de viés subjetivo ou de erros de mensuração. As­ a execução da tarefa de casa foi controlada. Isso
sim, os investigadores puderam estimar os efeitos sugere que a empatia terapêutica tem um efeito
causais da “empatia verdadeira” na recuperação da direto na melhora clínica e não opera indiretamente
depressão. Usando uma técnica similar, os inves­ através da facilitação da realização da tarefa de
tigadores conseguiram estimar os efeitos causais casa. Em outras palavras, a empatia terapêutica e a
da “depressão verdadeira” nas percepções pelos realização da tarefa de casa fizeram contribuições
pacientes da empatia terapêutica. adicionais e independentes para a melhora clínica.
Consistentemente com estudos anteriores (ver Para entender a magnitude do efeito da ta­
Luborsky, Crits-Cristoph, Mintz & Auerbach, refa de casa, imagine, no exemplo citado acima,
1988, e Parloff, Waskow & Wolfe, 1978, para que o paciente A tenha feito em média mais de
revisões), os pacientes dos terapeutas que eram 3 dias por semana de tarefas de casa durante o
os mais calorosos e os mais empáticos melhora­ tratamento, enquanto o paciente B tenha feito
ram significativa e substancialmente mais do que em média menos do que 1 dia por semana de
os pacientes dos terapeutas com as mais baixas tarefas de casa. O paciente A teria uma previsão
avaliações de empatia, quando os outros fatores de escore no BDI, na 12a semana, de 6 pontos a

144
Empatia terapêutica em terapia cognitivo-comportamental: ela realmente faz diferença?

menos do que o paciente B, quando tudo o mais pacientes que saíram da pesquisa prematuramente.
estiver sob controle. Uma vez que os 6 pontos de Apesar de parecer provável que um fracasso na
melhora resultantes das tarefas de casa podem ser empatia terapêutica contribua para um término
adicionados aos 10 pontos de melhora resultantes prematuro, é também possível que os pacientes
da empatia terapêutica, o paciente A terá uma me­ que terminaram prematuramente possam relatar
lhora total de 16 pontos no BDI. Dessa forma, a níveis mais baixos de empatia terapêutica, porque
previsão de escore no BDI do paciente A na 12a eles não tiveram tanto tempo para conhecer seus
semana será de 6, o que está dentro do intervalo terapeutas.
considerado normal. Em contraste, o paciente B, Os 20 pacientes (11,0% da amostra) com diag­
que não tem nem os benefícios de uma aliança nóstico de transtorno de personalidade borderline
terapêutica calorosa nem a melhoria associada melhoraram significativamente menos do que os
com a realização consistente das tarefas de casa, 162 pacientes sem esse diagnóstico. Esse resultado
terá uma previsão de pontuação no BDI, na 12a é consistente com a experiência clínica (Kemberg,
semana, de 22, não indicando melhora alguma. 1975; Shapiro, 1978) e apareceu mesmo quando
Essas conclusões repetem e ampliam relatos a severidade inicial da depressão, a empatia tera­
anteriores (Maultsby, 1971; Bums e Nolen-Hoek- pêutica, a realização da tarefa de casa, e outras
sema, 1991; Persons et al., 1988), nos quais os psicopatologias do Eixo II estavam sob controle.
sujeitos que consistentemente completam as tarefas Essas descobertas indicam que o caráter refratário
de casa entre as sessões melhoram mais do que da resposta dos pacientes borderline ao tratamento
sujeitos que não as completam. Isso sugere que não é simplesmente o resultado da severidade
a participação nas tarefas entre sessões pode ser da depressão ou de dificuldades de formar uma
um ingrediente importante do processo terapêutico aliança terapêutica ou de aderir aos procedimentos
cm TCC. terapêuticos. Na verdade, as avaliações da empatia
terapêutica pelos pacientes borderline não foram
Um caminho causai recíproco da severidade
significativamente diferentes das avaliações dos
da depressão para a empatia terapêutica também
pacientes sem esse diagnóstico.
foi documentado, mas a magnitude desse efeito
foi muito pequena. As descobertas sugeriram que
mesmo as mais extremas alterações na severidade
da depressão irão influenciar remotamente as per­ Implicações clínicas
cepções pelos pacientes da empatia terapêutica.
Se os futuros investigadores forem capazes de
Isso significa que, tudo o mais sendo igual, um
repetir essas descobertas, os resultados podem ter
grupo de pacientes severamente depressivos e um implicações úteis tanto para o treinamento clínico
grupo de pacientes felizes e totalmente recupera­ quanto para o tratamento. Uma vez que as identi­
dos, irão apresentar escores de empatia bastante dades dos terapeutas foram utilizadas para prever
idênticos para os seus terapeutas. Assim, enquanto os escores de empatia dos pacientes, os investiga­
a qualidade da aliança terapêutica tem um grande dores foram capazes de identificar os terapeutas
impacto na recuperação clínica, a depressão parece com baixos níveis de empatia terapêutica, de sorte
ter somente um efeito insignificante nas percepções que eles puderam fazer ajustes corretivos na sua
dos pacientes da empatia terapêutica. Isso deveria técnica terapêutica. Eles também identificaram
aumentar a confiança dos clínicos na utilidade da um terapeuta, um novato, com escores de empatia
ES e na validade dos escores obtidos com esse anormalmente altos. Esse terapeuta foi subsequen­
instrumento. temente encorajado a ser o modelo de respostas
As avaliações de empatia dos pacientes foram empáticas durante as sessões de treinamento da
significativa e substancialmente menores nos equipe. Os investigadores também foram capazes

145
Fronteiras da Terapia Cognitiva

de estimar precisamente a eficácia de cada tera­ Alguns terapeutas acham que aplicar testes em
peuta no tratamento da depressão, bem como em cada sessão seria um consumidor de tempo ou um
relação a outras variáveis, tais como a ansiedade ou incômodo. Em sua maior parte, a experiência clí­
conflito conjugal, de forma que os terapeutas com nica não tem validado essas preocupações. Como
registros de acompanhamento excepcionais, bem observado acima, os pacientes completam os testes
como aqueles que necessitavam de treinamento de avaliação por si mesmos entre as sessões de
adicional, puderam ser identificados. terapia e relatam os escores no começo dc cada
Os resultados desse estudo levaram a alterações sessão subsequente. O tempo total de terapia
significativas na administração e nos métodos necessário para registrar os escores nos quadros
terapêuticos da clínica. Todos os novos pacientes dos pacientes e para compará-los com os escores
eram informados que lhes seria solicitado o preen­ da sessão anterior é, normalmente, menos do que
chimento da ES após cada sessão e a devolução 1 minuto.
ao seu terapeuta na sessão subsequente. Esse Alguns pacientes, especialmente aqueles com
procedimento permitiu aos terapeutas identificarem transtorno de personalidade borderline, resistem
e se dedicarem imediatamente às dificuldades na a qualquer tarefa entre as sessões, incluindo os
aliança terapêutica. testes de autoavaliação. Uma exploração dessa
Também foi solicitado aos pacientes que com­ resistência pode ser produtiva, do ponto de vista
pletassem três testes de autoavaliação para a terapêutico. Adicionalmente, para minimizar esse
depressão, para a ansiedade e para a satisfação em tipo de resistência, a necessidade de fazer tarefas
relacionamentos, respectivamente, entre as sessões de casa pode ser negociada com cada paciente
de terapia, de forma que os terapeutas pudessem como parte da avaliação de admissão. Os pacientes
acompanhar mais precisamente a melhora clínica que indicarem uma relutância em participar das
e identificar as situações terapêuticas difíceis. Essa tarefas de casa (tipicamente menos do que 1%)
ênfase pragmática na mensuração e na coleta de não são aceitos para tratamento, mas podem ser
dados objetivos sobre o progresso do paciente, a encaminhados para outros terapeutas, cuja orien­
severidade dos sintomas atuais e as percepções sobre tação seja mais compatível com a dos pacientes.
o terapeuta, reflete o espírito empírico central da Esse procedimento pode resultar em um aumento
terapia cognitiva. Novos estudos serão necessários significativo na realização, pelo paciente, de testes
para determinar se esses procedimentos melhoram
psicológicos a cada sessão, bem como de outras
sistematicamente a empatia terapêutica e auxiliam
tarefas de casa.
na recuperação clínica.
Alguns terapeutas podem duvidar da validade
dos testes de autoavaliação, temendo que os pa­
cientes não os respondam honestamente ou que
A resistência do terapeuta à avaliação a credibilidade dos testes diminua com o passar
da empatia terapêutica do tempo. Em sua maior parte, a experiência
clínica tem demonstrado que essas preocupações
Em pesquisas informais conduzidas durante
são desnecessárias. Com a possível exceção dos
palestras e workshops para profissionais de saúde
indivíduos com questões forenses (tais como ações
mental, o primeiro autor (D. D. B.) descobriu que
judiciais ou processos de invalidez), a grande
muito poucos terapeutas (menos do que 2%) pedem
maioria dos pacientes parece responder aos testes
aos pacientes para preencherem um ou mais testes
honestamente e aplicações repetidas não parecem
de autoavaliação entre as sessões de terapia. Há
causar viés algum sobre os resultados.
várias razões para isso.
De qualquer forma, um bom julgamento clínico
sempre deve complementar a interpretação de

146
Empatia terapêutica em terapia cognitivo-comportamental: ela realmente faz diferença?

qualquer teste psicológico. Por exemplo, pacien­ terapeuta e o paciente, tornem-se muito mais
tes ansiosos e não assertivos podem achar difícil responsáveis e precisos na avaliação do progresso
expressar sentimentos negativos sobre os seus terapêutico ou da falta dele. A consciência de que
terapeutas. Portanto, os terapeutas precisam estar o paciente está paralisado ou de que a aliança é
atentos ao fato de que quaisquer avaliações que não insatisfatória, pode geralmente sinalizar a necessi­
atinjam os escores máximos na ES podem indicar dade de mudança na estratégia terapêutica, o que
um conflito potencial que necessita ser explorado. fará o tratamento novamente caminhar adiante e
Levando isso em consideração, um terapeuta de forma produtiva.
podería fazer uma interpretação parecida com essas
linhas: “Eu percebo que seus escores nas duas
subescalas da ES são 15 e 1. Esse é um escore Quão comum é o fracasso empático?
praticamente perfeito, portanto eu concluo que
Quais são as consequências?
você se sentiu muito positivo com relação à nossa
última sessão. Entretanto, você indicou na sua O fracasso empático em situações simuladas
resposta ao item 10 que eu pareci condescendente de dramatização parece ser mais a regra do que a
algumas vezes. Eu também fiquei preocupado com exceção. Quando os terapeutas se confrontam com
isso mais tarde, quando estava refletindo sobre a os colegas que representam o papel de pacientes
sessão. Você pode me dizer alguma coisa mais difíceis e críticos, parecem que poucos são capa­
sobre isso?” Esse questionamento não defensivo, zes de responder de uma maneira não defensiva e
pode levar a uma discussão produtiva que irá, empática. Entretanto, é difícil saber se isso reflete
frequentemente, fortalecer a aliança terapêutica. a prática clínica real, porque tem havido muito
Finalmente, alguns terapeutas estão conven­ poucos estudos empíricos a respeito de como os
cidos de que são sensíveis e podem avaliar a terapeutas respondem a clientes difíceis, em sessões
qualidade da aliança terapêutica, bem como a de terapia reais não simuladas.
severidade do sofrimento emocional do paciente, No primeiro estudo Vanderbilt de psicoterapia
com razoável precisão. Portanto, as escalas de dinâmica de tempo limitado, Strupp (1980a) e
avaliação podem parecer desnecessárias. Como seus colegas estudaram fitas de áudio de sessões
observado previamente, a maior parte dos estudos de terapia para aprender como os terapeutas
empíricos e das dramatizações não apoia essa respondiam a pacientes difíceis que os estavam
noção. A menos que os terapeutas solicitem um criticando. Eles ficaram surpresos ao descobrir
feedback explícito, verbal ou escrito, dos seus que a defensividade do terapeuta frequentemente
pacientes, eles frequentemente não avaliam pre­ contribuía para fracassos na aliança terapêutica.
cisamente a natureza das cognições, a severidade Safran e Segai (1990) mencionaram o texto de
das emoções, ou as percepções dos seus pacientes Strupp:
acerca da aliança terapêutica.
O uso da ES, juntamente com os testes de (Os)... principais inibidores para a formulação
autoavaliação para depressão, ansiedade e conflito de uma boa aliança de trabalho não são somente
conjugal, em nível de estudos empíricos e mesmo os pacientes... defesas inadequadas, mas - pelo
com poucos pacientes, irá habitualmente conven­ menos igualmente importantes - os terapeutas...
cer o terapeuta cético de que esses instrumentos No projeto Vanderbilt, mesmo (terapeutas) alta­
podem não apenas ser úteis, mas também ter um mente experientes e que tinham sido submetidos
efeito revolucionário na sua prática, independente a uma análise pessoal... tendiam a responder...
da orientação do terapeuta. Monitorar os escores com contra-hostilidade que tomava a forma
sessão por sessão irá fazer com que ambos, o de frieza, distanciamento e outras formas de

147
Fronteiras da Terapia Cognitiva

rejeição... Em nosso estudo, não encontramos similares podem afligir os terapeutas cognitivos
um único caso no qual a hostilidade e o negati­ bem como terapeutas de quase todos os estilos.
vismo de um paciente difícil foram confrontados Existem muito poucas comparações empíricas de
ou resolvidos com sucesso (pp. 40-41, itálicos aliança terapêutica na terapia cognitiva versus
adicionados). outros tipos de terapia. Raue e seus colegas (Raue,
Castonguay & Goldfried, 1993) relataram escores
Strupp refletiu que, enquanto isso pode ter de aliança terapêutica significativamente mais
sido devido às peculiaridades do grupo de te­ altos em sessões individuais de terapia cognitivo-
rapeutas que eles estudaram, uma possibilidade -comportamental do que em terapia interpessoal,
mais provável era de que “as respostas negativas enquanto Sálvio, Beutler, Wood e Engle (1992)
do terapeuta para os pacientes difíceis são muito não encontraram diferenças entre a terapia cog­
mais comuns e muito mais intratáveis do que havia nitiva, a gestalt-terapia e uma terapia de apoio
sido geralmente reconhecido até então” (Saffan e “autodirigida”.
Segall, 1990, p. 41).
Existem razões para prever que o treinamento
Baseados em sua análise dos dados do segundo em TCC podería ter um impacto positivo ou ne­
estudo Vanderbilt, Henry, Schacht e Strupp (1990), gativo na capacidade do terapeuta para a empatia?
mostraram que essas respostas terapêuticas negati­ Seria de se esperar que a ênfase da terapia cognitiva
vas podem impedir o progresso terapêutico e têm em sistematicamente trazer à tona os sentimentos
um impacto nocivo nos sentimentos de autoestima negativos, os pensamentos e as crenças funda­
dos pacientes. Os investigadores correlacionaram
mentais do paciente durante as sessões, deveria
as respostas do terapeuta, durante as sessões, com
aumentar a empatia terapêutica.
os resultados do paciente, em um grupo de 14
Por outro lado, a empatia pode, às vezes, colo­
pares terapêuticos, consistindo de 7 casos com
car uma dificuldade específica para os terapeutas
resultados bons e 7 casos com resultados pobres.
O resultado foi definido em termos da melhora nos cognitivos que são treinados para identificar as
níveis de autoestima e autoaceitação dos pacientes. distorções nos pensamentos disfuncionais dos
Os investigadores relataram que: pacientes. Existe o perigo de que o terapeuta
cognitivo excessivamente zeloso possa prematura­
mente desafiar o paciente e enviar uma mensagem
(...) terapeutas no grupo com resultados pobres
de que as suas percepções são irracionais, isso é,
eram significativamente mais depreciadores e
ridículas. Esse perigo é particularmente grande
acusadores, e ignoravam e negligenciavam... Os
quando o paciente está bravo com o terapeuta. Do
resultados indicam... um alto grau de correspon­
ponto de vista do paciente, a raiva e a crítica são
dência entre as afirmações de culpa do paciente
muito justificadas e válidas. Mesmo se as críticas
e as afirmações sutis do terapeuta culpando o
parecerem grosseiramente distorcidas para o tera­
paciente (r = -0,53)... Aparentemente, mesmo
peuta, geralmente é mais efetivo para ele manter
terapeutas profissionais bem treinados são sur­
as ferramentas cognitivas temporariamente na
preendentemente vulneráveis a se engajarem
em processos interpessoais potencialmente prateleira e achar o grão de verdade naquilo que o
destrutivos... Parece claro que os métodos de paciente está dizendo. Isso requer uma imprevista
treinamento tradicionais não têm preparado mudança de paradigma, que pode ser confusa para
adequadamente muitos terapeutas, (pp. 771-774) os terapeutas cognitivos.
Por que o fracasso empático é tão comum
Apesar dos estudos de Strupp e seus colegas quando os terapeutas respondem às críticas feitas
terem ocorrido no contexto da terapia psicodinâ- por pacientes com raiva? O fracasso empático pode
mica, parece razoável assumir que dificuldades resultar, em parte, do orgulho e da defensividade

148
Empatia terapêutica em terapia cognitivo-comportamental: ela realmente faz diferença?

do terapeuta, como será discutido abaixo. Mas que os pacientes expressam desconfiança ou raiva
também pode haver outras razões. para com seus terapeutas, ou todas as vezes que os
A psicoterapia ainda é mais uma arte do que pacientes estão chateados e precisam espairecer,
uma ciência, e os procedimentos para o tratamento estejam ou não em conflito com seus terapeutas.
da depressão ou da ansiedade são muito menos Um terapeuta pode ter que ir e voltar entre
padronizados do que os procedimentos que um os modos técnico e empático em várias ocasiões
médico seguiría ao tratar uma infecção do trato durante uma sessão de terapia, particularmente
urinário. Na falta de uma ciência válida do compor­ com pacientes difíceis ou resistentes. Quando os
tamento humano, surgiram centenas de escolas de pacientes estão paralisados ou irritados ou ex­
terapia, semelhantes a religiões concorrentes, cada pressando forte emoção, os terapeutas precisam
uma reclamando que tem o domínio da verdade. colocar suas técnicas cognitivas e comportamentais
Os terapeutas precisam escolher uma ou uma temporariamente na prateleira e responder de uma
combinação dessas orientações terapêuticas. Essa maneira empática. Quando os pacientes sentem-se
escolha não pode ser baseada em informação relaxados c validam c confiam cm seus terapeutas,
científica e é, provavelmente, mais frequente­ então as intervenções técnicas podem novamente
mente motivada por valores subjetivos e fortes ser implementadas.
preferências pessoais. Consequentemente, a fé A distinção entre as intervenções técnicas e as
do terapeuta na sua abordagem não é facilmente empáticas é um tanto artificial, porque esses dois
abalada, de maneira muito parecida com a forma modos são idealmente integrados. Qualquer técnica
como as pessoas sentem uma grande fé nas suas cognitiva ou comportamental, não fundamentada
próprias crenças religiosas. no contexto de um relacionamento terapêutico de
Dessa maneira, as críticas de um paciente não confiança, irá provavelmente fracassar.
irão, habitualmente, fazer com que o terapeuta As intervenções técnicas e empáticas reque­
faça uma boa pesquisa interior, porque há uma rem tipos dramaticamente diferentes de atitudes
tendência de se acreditar que o paciente deve estar terapêuticas e pessoais. Alguns terapeutas têm
errado. Portanto, não é surpresa que os terapeutas excelentes habilidades cognitivas e comporta­
frequentemente concluam que as “críticas” de mentais, mas parecem desconfortáveis no modo
seus pacientes não são razoáveis e resultam de interpessoal e empático. Outros terapeutas são bons
problemas neuróticos. ouvintes e fornecem apoio emocional, mas não
têm ferramentas cognitivas ou comportamentais
altamente desenvolvidas. O raro terapeuta que
pode integrar conjuntamente os modos técnico e
Intervenções técnicas versus
empático será mais flexível e eficaz do que um
intervenções empáticas terapeuta unidimensional. Essa integração pode,
O programa de treinamento que vamos descre­ às vezes, ser muito difícil.
ver está baseado na ideia de que uma boa terapia Por exemplo, suponha uma mulher que tenha
tem dois componentes básicos: as intervenções completado uma avaliação inicial de 2 horas
técnicas e as intervenções empáticas (Burns, para depressão crônica severa e dificuldades
1989). Os terapeutas podem usar as intervenções interpessoais. Essa avaliação revela um grande e
técnicas para auxiliar os pacientes a resolver pro­ definitivo transtorno depressivo, juntamente com
blemas pessoais e modificar os pensamentos, os características de um transtorno de personalidade
sentimentos e os comportamentos disfuncionais. borderline e um casamento problemático. Em uma
As intervenções empáticas são especialmente das primeiras sessões de terapia subsequentes, ela
importantes em duas situações: todas as vezes diz ao seu terapeuta, em um tom de voz irado e

149
Fronteiras da Terapia Cognitiva

acusador, que sua depressão é culpa de seu marido. ele precisará lhe dar o tempo suficiente para es-
Ela insiste que seu marido é totalmente autocen- pairecer e desenvolver a confiança. Para alguns
trado, teimoso, argumentador, e não disposto a pacientes, isso pode necessitar tão pouco quanto
ouvir seu ponto de vista. Ela explica que teve de 20 minutos, e para outros podem ser necessárias
dispensar quatro terapeutas conjugais anteriores várias sessões de terapia.
porque eles foram enganados por seu marido Depois que ela se sentir aceita e compreendida,
e errônea e injustamente fizeram a sugestão de então o terapeuta poderá lhe pedir para identificar
que ambos podiam estar contribuindo para os vários problemas específicos que ela gostaria de
problemas conjugais, e que ela também poderia trabalhar na terapia. Ela gostaria de usar as técnicas
precisar mudar. da terapia cognitiva para resolver sua depressão?
Apesar de haver claramente alguma verdade Ela gostaria de trabalhar na melhora do seu casa­
no que ela diz, a maioria dos terapeutas iria mento? Ela preferiría explorar a possibilidade de
assumir que são necessárias duas pessoas para deixar seu marido? Ela preferiría manter o status
brigar (“quando um não quer, dois não brigam”) quo? O quanto ela estaria disposta a trabalhar para
e que suas dificuldades conjugais resultam, pelo resolver esses problemas? Estaria ela disposta a
menos em parte, de suas próprias percepções dis­ mudar a si mesma com o objetivo de resolver esses
torcidas e do modo autoanulador com o qual ela problemas? Ela estaria pronta para fazer tarefas
se comunica. Entretanto, se o terapeuta sucumbe de casa todos os dias?
à tentação de ajudá-la a modificar suas atitudes Esse passo do processo terapêutico é chamado
ou seu estilo de comunicação, ela irá, quase que de “estabelecimento da agenda” (Bums, 1989).
certamente, reagir com raiva e poderá terminar a Qualquer tentativa de estabelecer a agenda prema­
terapia prematuramente mais uma vez. turamente, quando os pacientes sentem-se irritados
Em contraste, se o terapeuta responder de uma ou emocionalmente assoberbados, tende a ser
maneira empática e ouvir com o seu “terceiro exageradamente improdutiva. E, mesmo depois
ouvido”, há uma chance muito melhor de que o que o terapeuta e o paciente tenham se vinculado
vínculo terapêutico possa ocorrer. Por exemplo, apropriadamente e desenvolvido uma agenda te­
o terapeuta poderia dizer, “Parece que seu rela­ rapêutica significativa, o paciente pode-se tomar
cionamento com o seu marido tem sido difícil, chateado e perder a confiança em várias ocasiões.
e eu posso imaginar o quanto frustrada, sozinha Sempre que isso ocorrer, o terapeuta deve mudar de
e irritada você deve-se sentir. Estou entendendo marcha bruscamente. Deve colocar as ferramentas
você corretamente?” Uma resposta alternativa, cognitivas e comportamentais temporariamente
mas igualmente boa, poderia focalizar a sua des­ de lado e utilizar as habilidades de empatia para
confiança no terapeuta: “Eu entendo que os seus restabelecer novamente a confiança do paciente.
terapeutas anteriores não fizeram um bom trabalho A resposta empática não é fácil por três ra­
em ajudá-la a se sentir apoiada ou compreendida, zões. Primeiro, vários pacientes que se sentem
e eu estou preocupado com a possibilidade de irritados e alienados são “experts” em hostilizar
também ter parecido julgador ou não apoiador as pessoas. Alguns podem subconscientemente
uma vez ou outra. Fui?” criar uma distância interpessoal como uma defesa
Apesar de haver dúzias de respostas igualmente contra a intimidade. Pode ser difícil para qualquer
boas que um terapeuta habilidoso poderia dar, terapeuta resistir a um sutil, mas vigoroso, convite
esse estilo desarmador irá evitar a polarização, e de um paciente difícil para envolver-se em um
a aliança terapêutica irá, com toda probabilidade, relacionamento conffontador.
melhorar. Se for para o terapeuta ter alguma chance Segundo, quando os pacientes estão sob grande
de sucesso com uma paciente de tal dificuldade, dor, os terapeutas querem ajudar e podem propor

150
Empatia terapêutica em terapia cognitivo-comportamental: ela realmente faz diferença?

soluções prematuramente, antes que a agenda te­ reprimido, regularmente encontrado em pacientes
rapêutica tenha sido negociada. Isso pode resultar com dificuldades de moderadas a severas” (p. 953).
do medo subconsciente do terapeuta de um conflito
pessoal, especialmente quando o paciente está
irado. “Auxiliar” o paciente irritado pode ser uma
Descrição do programa de treinamento
maneira sutil de estabelecer dominância e evitar
a raiva do paciente. em empatia
Isso é especialmente verdadeiro quando as Podem os terapeutas ser treinados para vencer
críticas iradas do paciente contêm um fundo de essas reações negativas e responder mais em-
verdade. Apesar de que os terapeutas idealmente paticamente? Nós achamos que sim, mas serão
consideram a si mesmos como piedosos e objeti­ necessários estudos empíricos para avaliar esse
vos, há uma forte tendência humana - a despeito assunto. Muito pode depender da atitude inata do
do treinamento psicoterápico e da determinação terapeuta e da motivação que ele traz para o trei­
pessoal - a sentirem-se injustamente acusados e namento. A capacidade de empatia é parcialmcnte
responderem defensivamente, às vezes, durante baseada na disposição do terapeuta de experienciar
as sessões. A defensividade do terapeuta é quase as coisas como os outros humanos as experienciam.
tão automática e inevitável quanto o movimento Normalmente isso requer um esforço deliberado
reflexo do joelho de uma pessoa quando leva uma para adotar, temporariamente, o modo de pensar,
pancada com o martelo do neurologista. Como não familiar, de outra pessoa.
Strupp (1980b) disse: “O fato simples é que O programa de treinamento em empatia é
qualquer terapeuta - na realidade qualquer ser baseado, em parte, nas cinco técnicas de comuni­
humano - não pode permanecer imune a reações cação listadas na Tabela 7.3. Há três ferramentas
negativas (de raiva) diante do rancor suprimido e de escuta e duas ferramentas de autoexpressão. A

151
Fronteiras da Terapia Cognitiva

grande maioria dos impedimentos para o avanço você está sofrendo. Apesar de você poder estar se
terapêutico pode ser rapidamente resolvida, sentindo travado justamente agora, eu acredito que
utilizando-se essas técnicas, desde que elas sejam temos feito progresso e que eu posso ajudá-lo.”
implementadas com tato e respeitosamente. Essa afirmativa pode ser bem-intencionada e pode
Apesar de todas as técnicas parecerem bastante parecer estar fornecendo apoio. Com um tom de
diretas, os praticantes novatos e os experientes voz suficientemente caloroso e respeitoso, pode
irão, da mesma forma, descobrir que elas podem até mesmo ser apreciada por alguns pacientes,
ser supreendentemente difíceis de serem aplicadas, mas esse não é um resultado provável.
quando os terapeutas estão sob o ataque de clien­ De acordo com a lei dos opostos, qualquer
/

tes difíceis. Esses métodos podem ser geralmente defesa irá validar a crítica. E esse o caso aqui?
dominados após vários meses de prática persistente O terapeuta, em essência, está dizendo “Eu estou
com os colegas. A recompensa para esse esforço certo e você está errado”. Isso é uma afronta sutil,
é frequentemente uma melhora significativa no que provavelmente não irá soar muito sensata ou
calor e na eficácia terapêutica. piedosa da perspectiva do paciente. O terapeuta não
explorou os sentimentos de raiva ou desconfiança
A técnica do desarmamento do paciente, mas está falando sobre si próprio. A
A primeira das três ferramentas dc escuta implicação é “Eu estou certo, e você está enganado
é chamada de técnica do desarmamento: você uma vez que você não concorda comigo”. Isto
encontra alguma verdade naquilo que o paciente soa como uma afirmação em benefício próprio e
irritado está dizendo, mesmo se as afirmativas confirma as críticas do paciente.
do paciente parecerem inteiramente injustas ou
Como o terapeuta podería usar a técnica do
ilógicas. Isso é quase sempre difícil porque, do
desarmamento para responder mais eficazmente?
ponto de vista do terapeuta, pode parecer que as
Primeiro, precisamos perguntar se há alguma
críticas do paciente não são válidas.
verdade nas críticas do paciente. O paciente diz
A técnica do desarmamento é baseada em um que o terapeuta não tem sido cooperativo e que
conceito conhecido como a lei dos opostos (Bums, não se preocupa ou não o compreende. O paciente
1989). Bums (1989) enfatizou que se você se está certo com relação a que ele não tem sido
defende de uma crítica que é inteiramente falsa ajudado recentemente, mesmo se as intervenções
e injusta, você geralmente irá validar a crítica na pareceram bem razoáveis, uma vez que o paciente
mente do paciente. Se, em contraste, você acha um está bastante deprimido. Um exame dos escores do
mínimo de verdade na crítica, você frequentemente paciente nos testes de depressão, de ansiedade e
o acalmará. Isso é um paradoxo. de satisfação com o relacionamento, irá confirmar
Esse conceito é contraintuitivo e pode inicial­ que o paciente está sob uma tremenda aflição. A
mente ser difícil de compreender. Um exemplo terapia pode ter sido de ajuda anteriormente, e
pode tomá-lo mais compreensível. A queixa mais pode ser de ajuda mais tarde, mas nesse momento
comum dos pacientes é de que o terapeuta não está o paciente está claramente “encalhado”.
sendo cooperativo e não compreende ou não se Também podemos dizer que o terapeuta pro­
preocupa. Essa queixa pode ser expressa de muitas vavelmente não transmitiu uma compreensão dos
formas diferentes por muitos pacientes diferentes, sentimentos internos do paciente, uma vez que o
mas essa é geralmente a essência da crítica. paciente se sente com raiva e não compreendido.
Vários terapeutas sentirão a necessidade de se Um relacionamento empático, por definição, é
defender e alguns podem responder algo parecido aquele no qual o paciente sente-se compreendido
com o seguinte: “Eu quero que você saiba que eu me e aceito.
preocupo com você e que eu posso entender como

152
Empatia terapêutica em terapia cognitivo-comportamental: ela realmente faz diferença?

Finalmente, a insistência do paciente de que O paciente pode sentir o mesmo com relação
o terapeuta não se preocupa atinge diretamente o a muitas pessoas, e não somente ao terapeuta.
alvo. O terapeuta pode estar tentando, com grande Provavelmente nenhum deles jamais irá admitir
esforço, ser cooperativo, tanto durante quanto entre qualquer validade no que o paciente diz. Quando o
as sessões. Pode ter havido vários telefonemas de terapeuta responde não defensivamente e expressa
emergência estressantes nos fins de semana ou no uma curiosidade genuína sobre como o paciente
meio da noite. Apesar desses esforços, o terapeuta se sente, isso será uma surpresa inesperada para o
provavelmente foi repetidamente contestado e paciente. Essa pode ser a primeira vez que alguém
não ouviu muitas expressões de agradecimento tenha ouvido ou reconhecido que as percepções
ou apreciação - somente reclamações e pedidos. negativas do paciente têm algum valor.
Como esse terapeuta tem se sentido a res­ Muitos terapeutas temem que qualquer tentativa
peito do paciente? Caloroso e preocupado? Não de concordar com um paciente borderline que es­
é muito provável! Muitos terapeutas sentir-se-iam teja irritado, sentindo fortemente que “está no seu
compreensivelmente frustrados, esgotados ou direito”, fará o terapeuta parecer fraco. Esses tera­
ressentidos. Em algum nível, o paciente e o tera­ peutas podem resistir à técnica do desarmamento,
peuta estão ambos vividamente conscientes dessa pensando que ela simplesmente irá abrir a porta
dinâmica negativa, e o paciente está verbalizando para mais ataques sádicos. A experiência clínica
o que ambos sabem ser verdadeiro. indica que ocorre exatamente o oposto. O ataque
Esse exemplo não é incomum. Em algum nível, crescente do paciente quase sempre resulta da ati­
as críticas dos pacientes quase sempre contêm um tude defensiva sutil do terapeuta. As pancadas na
considerável volume de verdade, mesmo quando as porta são ruidosas porque o paciente corretamente
críticas são expressas de uma maneira exagerada. percebe que a porta está completamente fechada.
Uma vez que o paciente quer desesperadamente ser
O terapeuta podería reconhecer a validade da
compreendido, o volume das acusações aumenta
crítica do paciente, dizendo “Sabe, o que você
e estas se tomam mais extremas. Em contraste,
está dizendo é importante, e eu concordo com
quando o terapeuta genuinamente reconhece a
você. Posso observar, a partir de seus escores de
validade das críticas do paciente, a intensidade
depressão e ansiedade, que você tem estado extre­
da interação é frequentemente reduzida.
mamente angustiado nas últimas semanas. Também
notei um pouco de tensão no nosso relacionamento, Há diversas advertências. Primeiro, o terapeuta
e estou preocupado com a possibilidade de não precisa ser genuíno e piedoso e precisa comunicar
estar fazendo um bom trabalho em ajudá-lo ou em um sentimento de respeito pelo paciente. Se o te­
compreender como você se sente. Posso imaginar rapeuta desarmar o paciente com um tom de voz
que você pode estar se sentindo bastante desenco­ que pareça condescendente, sarcástico ou manipu­
rajado e com raiva de mim. Estou compreendendo lative, o método irá produzir um efeito contrário.
você com clareza? Gostaria de ouvir mais sobre Segundo, o terapeuta precisa compreender que
como você se sente”. as críticas dos pacientes realmente podem conter
O paradoxo é que, ao reconhecer respeito­ uma verdade significativa, não importando o
samente certo grau de fracasso terapêutico, o quanto ilógicas ou não razoáveis elas pareçam.
terapeuta aumenta a probabilidade de sucesso, Isso representa um enorme obstáculo para muitos
porque o paciente e o terapeuta acabam “jogando terapeutas. Wile (1984) enfatizou como o trei­
no mesmo time”. Se o terapeuta puder achar alguma namento terapêutico pode contribuir para essa
verdade nas críticas do paciente, o antagonismo e desafortunada tendência de desacreditar no que
desconfiança irão frequentemente diminuir. os pacientes dizem:

153
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Certas interpretações comumente feitas na psi­ ou nociva. Parece que você está dizendo que é
canálise e na terapia psicodinâmica são acusató- difícil para você confiar em mim. Você pode me
rias. Os terapeutas parecem fazê-las, não porque dizer alguma coisa adicional sobre isso? Sinto-me
são hostis ou insensíveis, mas por causa das mal por tê-la desagradado, e fico extremamente
diretrizes da sua teoria. Os clientes são vistos grato a você por estar me dizendo como você se
como tendo um impulso infantil de gratificação, sente”. Perceba que apesar de o terapeuta reafirmar
como sendo defensivos, ou como tendo defeitos ao paciente que o conteúdo específico da crítica
de desenvolvimento, ou ainda sendo resistentes não está correto, ele ainda desarma sua falta de
à terapia... Mesmo os terapeutas que rejeitam confiança.
o modelo psicanalítico podem, apesar disso,
ver os clientes como dependentes, narcisistas, Empatia de pensamento e sentimento
manipulativos... e se recusando a encarar as Os dois tipos de empatia são chamados de
responsabilidades da idade adulta. Os terapeutas empatia de pensamento e empatia de sentimento.
que conceituam as pessoas dessas formas podem A empatia de pensamento é definida como a re­
ter dificuldades de fazer interpretações que não petição das palavras do paciente, de sorte que o
comuniquem pelo menos algum elemento dessa paciente saiba que o terapeuta ouviu e recebeu a
visão pejorativa, (p. 353) mensagem. O terapeuta pode simplesmente dizer
“Parece que você está dizendo que...” (ou outra
Certamente, muitos seres humanos (incluindo frase similar) e então repetir as palavras do paciente
tanto os terapeutas quanto os pacientes!) com- tão exatamente quanto possível. Após parafrasear as
portam-se, às vezes, de uma maneira dependente, palavras do paciente, o terapeuta pode reconhecer
narcisista ou manipulativa. Essas deficiências o que o paciente está provavelmente sentindo, em
geralmente precipitam a necessidade, em primeiro vista do que o paciente disse. Esse último passo
lugar, de tratamento. É claramente importante é chamado de empatia de sentimento.
lidar com essas dificuldades, mas isso requer Suponha que um paciente diga “Eu já o estou
uma cuidadosa atenção ao ritmo do processo, que vendo há 18 meses e me sinto mais depressivo
deve obedecer a uma necessidade infinita de tato. hoje do que eu já me havia sentido em toda a
Quando o paciente está irritado e o terapeuta está minha vida”. Usando a empatia do pensamento
sob ataque, não é inteligente chamar a atenção para e de sentimento, o terapeuta poderia dizer “Você
as deficiências do paciente. Isso pode ser tratado disse que você tem vindo às sessões há 18 meses
muito mais eficazmente quando o paciente sente- e mesmo assim você se sente mais depressivo
-se relaxado e validado pelo terapeuta. Mesmo hoje do que nunca. Eu posso imaginar que vocc
assim, o terapeuta deve usar um tom de voz e uma esteja se sentindo frustrado e desencorajado e pode
linguagem que transmita objetividade e apoio, ao ser até que esteja com raiva de mim. Você está?”
invés de acusações. Há vários benefícios relativos à empatia de
Às vezes o desarmamento pode não ser indi­ pensamento e de sentimento. A disciplina ne­
cado ou nem ajudar. Suponha que uma paciente cessária para repetir literalmente as palavras da
mulher ferozmente acusa, erroneamente, um afirmação do paciente força o terapeuta a processar
terapeuta homem de ter uma atração sexual por a mensagem corretamente e dá ao terapeuta alguns
ela. Uma resposta eficaz e ética poderia ser “Eu momentos para pensar sobre o que dizer a seguir.
quero reafirmar que eu estou aqui para ajudá-la, e Muitos terapeutas tomam-se tão nervosos e dis­
não para ter um relacionamento pessoal ou sexual, traídos pelos seus próprios pensamentos negativos
o que seria exageradamente abusivo e não ético. quando confrontados com pacientes irritados que
No entanto, eu compreendo que devo ter dito ou eles perdem a linha do conteúdo do que o paciente
feito alguma coisa que pareceu não profissional disse. Então a resposta subsequente do terapeuta

154
Empatia terapêutica em terapia cognitivo-comportamental: ela realmente faz diferença?

irá revelar que ele não ouviu o que o paciente intervenção pode, paradoxalmente, intensificar o
disse. Isto irrita o paciente e as tensões aumentam. desejo do paciente de trabalhar sua raiva.
Em contraste, quando os terapeutas parafraseiam As empatias de pensamento e de sentimento
precisamente e reconhecem como o paciente se parecem fáceis de compreender, mas podem re­
sente, o paciente fica geralmente relaxado porque presentar um desafio devido a uma dificuldade
fica claro que o terapeuta está conectado. denominada “fobia à raiva” ou “fobia dc con­
A empatia de sentimento pode ser difícil se flito” (Bums, 1989). Alguns terapeutas sentem-se
o terapeuta não se identificar com as reações ameaçados por conflitos e podem, sutilmente,
emocionais do paciente. Às vezes, os terapeutas evitar o reconhecimento ou a exploração da raiva
podem traduzir os sentimentos do paciente em do paciente. Esse fenômeno pode ser bastante
experiências que lhe sejam mais familiares. surpreendente.
Por exemplo, suponha que um paciente descreva Durante uma recente demonstração em um
ataques de raiva no trânsito a caminho do trabalho, centro de treinamento em psicoterapia, o diretor
e o terapeuta raramente ou nunca reage ele próprio do treinamento ofereceu-se como voluntário para
dessa mesma maneira. A raiva do paciente resulta uma demonstração de dramatização sobre como
de cognições altamente competitivas e persona­ empatizar com um paciente raivoso e portador de
lizadas, tais como “Ele acha que pode se safar um transtorno de personalidade borderline. Ele
cortando minha frente desta maneira. Eu vou lhe foi instruído para responder tão empaticamente
mostrar uma coisa!” Se o terapeuta mostrar que quanto possível, usando as três técnicas de escuta
essas cognições são irracionais e disfuncionais, isso descritas acima. Ele foi prevenido de que o paciente
pode aumentar a raiva. A maioria dos pacientes irá provavelmente estaria furioso e foi fortemente
defender suas percepções e sentimentos, se eles encorajado a reconhecer quaisquer sentimentos de
se sentirem não compreendidos. Em vez disso, o raiva que o paciente pudesse expressar.
esforço empático do terapeuta deveria consistir Um outro membro da equipe ofereceu-se como
de, silenciosamente, lembrar da raiva que possa voluntário para representar o papel do paciente.
ter experimentado em alguma outra situação e Ela fez um forte ataque, usando, sem restrições,
reconhecer que as pessoas podem, realmente, ser palavras ofensivas. Ela o chamou de impostor e
agressivas e irritáveis. criticou sua falta de compreensão.
Uma empatia precisa também pode dirigir a Quando ela terminou, houve um longo silên­
escolha de intervenções técnicas do terapeuta. Por cio e podia-se ouvir um alfinete caindo ao chão,
exemplo, há uma pronunciada tendência nas pes­ enquanto ele lutava desesperadamente para pensar
soas de querer se fixar em sua raiva. Isso é porque em uma resposta adequada. Finalmente, com um
a raiva frequentemente cria sentimentos de poder tom de voz condescendente, ele disse “Você deve
e superioridade moral. Ao perceber essas reações ser uma pessoa muito solitária!”
em sua experiência pessoal, o terapeuta pode optar Nesse exercício, permite-se ao paciente fazer
por uma técnica motivacional tal como a análise somente um ataque ao terapeuta, e permite-se ao
de custo-benefício (Bums, 1980, 1989), antes de terapeuta dar uma única resposta. A resposta do
tentar desafiar as cognições distorcidas do paciente terapeuta é, então, criticada pelo “paciente” e pelos
com raiva. Depois de listar as vantagens e des­ colegas que observaram a demonstração.
vantagens de sentir raiva, o paciente pode concluir O grupo mencionou que ele havia, cuidadosa­
que as vantagens são maiores. O terapeuta pode, mente, evitado qualquer reconhecimento da raiva
então, demonstrar que a raiva não parece ser um da paciente, apesar de haver sido especificamente
problema e perguntar se há outros problemas que instruído a fazê-lo. Ao invés de encontrar alguma
o paciente prefira trabalhar durante a sessão. Essa verdade no que ela havia dito, ele sutilmente a havia

155
Fronteiras da Terapia Cognitiva

culpado pelo impasse terapêutico ao rotulá-la de acusadoras e farão com que a outra pessoa se
uma pessoa “solitária” (e, portanto, inadequada). tome defensiva.
Quando os terapeutas observam os colegas O uso de afirmações do tipo “eu sinto” em
cometendo enganos tão óbvios durante as sessões terapia é controverso. A maioria dos terapeutas
de treinamento, eles ficam surpresos e convenci­ com orientação psicanalítica não acreditam que
dos de que eles não cometeríam erros similares. seja apropriado expressar sentimentos pessoais
Apesar disso, quando é a vez deles assumirem o durante as sessões. Eles frequentemente res­
papel do terapeuta, frequentemente cometem erros pondem às críticas do paciente com silêncio ou
semelhantes. A prática persistente, com várias in­ podem simplesmente refletir o que o paciente
versões de papéis em dramatizações, é geralmente está dizendo. A ideia é que o terapeuta não é uma
necessária, até que os terapeutas possam relaxar pessoa real, mas uma tela branca que reflete as
e empatizar eficazmente. figuras significativas na vida do paciente. Quanto
mais o terapeuta se revela, mais essa reação de
Questionamento transferência fica contaminada pela forma como
Quando os terapeutas usam as técnicas de o terapeuta realmente é.
empatia de pensamento e de sentimento, pode ser Apesar disso, há circunstâncias nas quais pode
de grande ajuda adicionar uma pergunta aberta ao ser importante que os terapeutas expressem os
final. Por exemplo, o terapeuta pode dizer, “Estou seus sentimentos. O exame de várias questões
entendendo vocc corretamente?” ou “Você pode mc pode ajudar os terapeutas a decidir se a expressão
falar um pouco mais sobre isso?” Essa técnica, de de sentimentos será ética ou prejudicial. A pri­
questionamento, é a terceira ferramenta de escuta. meira regra refere-se ao fato de que a expressão
Os terapeutas usam questões gentis e convidati­ dos sentimentos por um terapeuta deve ser feita
vas, encorajando os pacientes a compartilhar seus demonstrando respeito pelo paciente, usando
pensamentos e sentimentos. A ideia é encorajar os uma linguagem que reflita tato, ao invés de uma
pacientes a se abrir e discutir seus mais negativos linguagem excessivamente coloquial, que pode
sentimentos e percepções. O questionamento tam­ parecer grosseira ou ofensiva.
bém permite aos pacientes validar ou corrigir as A segunda regra refere-se ao fato de que o
percepções do terapeuta à respeito de como eles propósito da afirmação “eu sinto” deve ser o de
estão pensando e sentindo. ajudar o paciente ao invés de ajudar o terapeuta.
Se fosse para o terapeuta confessar que tem senti­
Afirmações do tipo “eu sinto” mentos de desesperança ou de inadequação em um
A primeira ferramenta de autoexpressão envolve tom de voz desanimado, isso seria desmoralizante
o uso de afirmações do tipo “eu sinto”. Os tera­ para o paciente.
peutas podem, às vezes, expressar seus próprios A terceira regra refere-se ao fato de que os
sentimentos em um formato de “Eu estou sentindo terapeutas devem expressar seus sentimentos
x”, onde x refere-se a uma palavra que reflete com uma atitude de autoestima, e não de uma
uma emoção tal como “preocupado”, “frustrado” maneira autodepreciativa ou denotando culpada.
etc. Uma afirmação do tipo “eu sinto” é bastante Quando em dúvida, consultar um colega pode ser
diferente de uma afirmação usando “você”. Uma de grande ajuda.
afirmação do tipo “eu sinto” seria “Eu estou me Como observado anteriormente, é natural que
sentindo um pouco frustrado”. Em contraste, uma os terapeutas sintam-se frustrados ou defensivos,
afirmação usando “você” seria, “ Você está sendo uma vez ou outra, durante as sessões. A maioria
teimoso” ou “ Você está me deixando irritado”. dos terapeutas tem receio de reconhecer esses sen­
Afirmações iniciando-se por “você” parecem timentos, achando que isso não seria profissional.

156
Empatia terapêutica em terapia cognitivo-comportamental: ela realmente faz diferença?

O terapeuta pode sentir-se envergonhado ou com treinamento substanciai até que os terapeutas
medo de desprestigiar-se aos olhos do paciente. possam aplicar qualquer uma dessas técnicas de
O terapeuta pode estar pensando: “Esse paciente uma maneira natural e eficaz.
está tocando em meu ponto fraco. Eu não deveria
estar ansioso. Eu deveria ser mais objetivo. O “Afago”
que há dc errado comigo? Eu tenho que parecer A segunda ferramenta de autoexpressão é de­
confiante e manter o controle.” nominada de “afago”. Significa simplesmente que
O terapeuta que se autocensura dessa maneira os terapeutas deveríam expressar respeito pelos
poderá recorrer ao seu inventário de expressões pacientes, mesmo no calor da batalha. Muitas
coletadas durante seu treinamento, tais como “fale- pessoas têm dificuldades em integrar a raiva ao
-me mais a respeito” ou “você também teve essa afeto ou ao respeito, e naturalmente esperam que
dificuldade em outros relacionamentos?” Entre­ qualquer conflito inevitavelmente terminará cm
tanto, essas respostas parecerão condescendentes punição ou rejeição. Se o terapeuta puder assegurar
e habitualmente irritarão o paciente. Um paciente o paciente de que uma discussão franca sobre a
assertivo pode tomar-se ainda mais crítico e dizer sua raiva e a sua desconfiança melhorará o rela­
que o terapeuta parccc falso c defensivo. cionamento entre eles, isso tomará mais fácil para
Como poderia o terapeuta responder nessas o paciente se abrir.
circunstâncias? O que você diria se um paciente O afago pode ser comunicado verbal ou não ver­
lhe dissesse isso, quando você estivesse realmente balmente. Às vezes, um comportamento relaxado
se sentindo frágil e defensivo? e caloroso do terapeuta e seu genuíno interesse no
Você poderia desarmar o paciente e usar que o paciente está dizendo naturalmente conduz
uma afirmação do tipo “eu sinto”, semelhante à a uma atitude de respeito. É sempre um prazer
seguinte: “Você sabe, eu estou me sentindo um encontrar o raro terapeuta com o dom natural de
pouco defensivo e reconheço que pareci falso há um estilo interpessoal compassivo.
pouco. Eu percebo que existe alguma verdade Às vezes o afago precisa ser explicitamente
em suas críticas, e peço desculpas por ter saído expresso, através de uma afirmação do tipo: “Eu
tanto da linha”. posso ver que você está se sentindo bastante irritado
Ao admitir que se sente defensivo, o terapeuta e incompreendido. Sei que pode ser incômodo falar
não mais irá parecer falso. A humildade terapêutica sobre isso. Contudo, creio que poderemos chegar
e o respeito pelo paciente frequentemente têm um a um sentimento muito melhor de entendimento
efeito positivo, porque o terapeuta nivela-se ao e respeito mútuo. Com isso cm mente, você pode
paciente e este não mais estará em uma posição me falar mais sobre como você tem pensado e se
inferior. Isso frequentemente aumentará o valor sentido?” Essa afirmação reafirma ao paciente que
do terapeuta aos olhos do paciente. o terapeuta não o irá rejeitar ou perder o respeito
Como um alerta, esse tipo de resposta, bem por ele - independente do que o paciente diga - e
como todas as demais técnicas descritas, falha­ que o terapeuta também não espera ser rejeitado.
rão caso o terapeuta não concorde genuinamente Essa mensagem pode suavizar a interação e au­
com o paciente, ou caso o paciente interprete as mentar os sentimentos de confiança.
afirmativas do terapeuta como uma manipulação. Essas cinco técnicas foram apresentadas se­
Ainda que com as mesmas palavras, a menor paradamente para facilitar o aprendizado. Não
alteração na atitude ou no tom de voz do tera­ há uma fórmula simples de como aplicá-las, e
peuta pode fazer uma enorme diferença na forma o terapeuta hábil irá integrá-las em uma grande
como o terapeuta será percebido e experienciado variedade de formas, dependendo das exigências
pelo paciente. Frequentemente é necessário um da situação. Elas podem ser vistas como cinco

157
Fronteiras da Terapia Cognitiva

notas em um instrumento musical, que podem Os estudos recentes que utilizam modelos de
produzir um infinito número de melodias. Embora equações estruturais indicaram, pela primeira
o domínio dessas técnicas requeira considerável vez, que os efeitos causais da empatia terapêutica
treinamento e determinação, a recompensa será, sobre a recuperação parecem ser grandes, até
geralmente, um estilo terapêutico mais profundo, mesmo em um tipo de terapia altamente técnica,
compassivo e efetivo. tal como a TCC. Em contraste, a depressão não
afeta consideravelmente as percepções pelos
pacientes sobre a aliança terapêutica. Essas des­
cobertas indicam que a empatia terapêutica é uma
Conclusão
“faca de dois gumes”. Uma relação terapêutica
Os filósofos estéticos do século dezenove en­ calorosa e de confiança pode significativamente
fatizaram a importância da intuição e de respostas melhorar o tratamento e acelerar a recuperação,
subjetivas para a compreensão de uma outra pessoa. mas uma aliança terapêutica insatisfatória pode ter
Esse conceito de empatia foi subsequentemente um impacto negativo na autoestima do paciente
incorporado à terapia psicanalítica por Freud e retardar a recuperação.
e tem sido aceita por quase todos os teóricos A avaliação da empatia a cada sessão pode aju­
psicodinâmicos. dar os terapeutas a avaliar a qualidade da aliança
Apesar do fato de que as respostas subjetivas terapêutica e localizar impasses terapêuticos mais
de um terapeuta podem às vezes melhorar sua rapidamente. A aplicação de inventários e escalas
compreensão do paciente, há duas razões para a cada sessão também pode ajudar os terapeutas
questionar essa visão da empatia. Primeiro, as a avaliar a severidade de outros sintomas, tais
reações emocionais de um terapeuta podem ser, como depressão, ansiedade e satisfação em rela­
às vezes, bastante idiossincráticas e podem nem cionamentos íntimos de forma que o progresso
sempre refletir o que o paciente está realmente clínico - ou a falta dele - possa ser monitorado
pensando e sentindo. Segundo, estudos empíricos mais precisamente.
indicam que as avaliações da aliança terapêutica Apesar de alguns terapeutas resistirem a esses
por terapeutas e por pacientes são, frequentemente, procedimentos, a experiência clínica indica que eles
não correlacionadas e que somente as percepções são aceitos pela maioria dos pacientes e podem ser
pelos pacientes a respeito da empatia dos terapeutas surpreendentemente úteis, da mesma forma que o
são consistentemente à melhora clínica. uso de um termômetro ajuda um clínico a monitorar
Apesar das correlações positivas entre a empa­ o desenvolvimento da febre de um paciente. Essa
tia terapêutica e a recuperação clínica terem sido ênfase na mensuração sistemática reflete o espírito
anteriormente relatadas por vários pesquisadores, colaborativo e empírico que é tão fundamental ao
as relações causais entre essas variáveis perma­ modelo cognitivo de terapia. Embora a maioria dos
necem controversas. Um problema técnico quase terapeutas se veja como relativamente objetivos e
intransponível, que anteriormente afligiu todos os compassivos, eles frequentemente respondem aos
pesquisadores, tem sido a questão do “ovo e da pacientes hostis e críticos de uma forma defensiva,
galinha”: a empatia terapêutica realmente conduz controladora ou sutilmente distante. O treinamento
à recuperação, ou os pacientes que se recupe­ em empatia pode tomar os terapeutas mais cons­
ram sentem-se mais positivos à respeito de seus cientes dessas reações.
terapeutas? As técnicas estatísticas de mínimos O programa de treinamento é baseado na ideia
quadrados comuns não podem ser usadas para de que uma boa terapia consiste de intervenções
resolver esse problema devido à possibilidade de técnicas e empáticas. As intervenções empáticas são
causalidade recíproca. necessárias, todas as vezes que os pacientes sentem

158
Empatia terapêutica em terapia cognitivo-comportamental: ela realmente faz diferença?

raiva ou desconfiança pelo terapeuta, ou quando persistente durante um período de vários meses.
eles se sentem desmoralizados e assoberbados pela A incorporação desses métodos aos programas de
emoção. Essas intervenções técnicas e empáticas treinamento para terapeutas cognitivo-compor-
são baseadas em paradigmas significativamente tamentais pode fornecer a terapeutas novatos e
diferentes e requerem atitudes pessoais diferentes. avançados uma gama mais ampla de intervenções
Vários terapeutas parecem presos a um ou outro e uma forma mais compassiva e criativa de ajudar
estilo e têm dificuldade em integrá-los. pacientes difíceis. Serão necessários estudos adicio­
As cinco técnicas de escuta e autoexpressão nais para determinar se estas técnicas, juntamente
podem ajudar os terapeutas a melhorar suas habili­ com os procedimentos de avaliação a cada sessão,
dades interpessoais. Aprender a implementar esses podem aumentar significativamente a empatia e
métodos requer treinamento sistemático e esforço eficácia terapêutica.

159
Fronteiras da Terapia Cognitiva

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161
Capítulo 8

Terapia cognitiva dos transtornos


DE PERSONALIDADE

Judith S. Beck

terapia cognitiva, da maneira como Aaron & Beck, 1996). Turkat e Maisto (1985) revisaram

A Beck originalmente a concebeu, era pri­


mordialmente uma forma de psicoterapia
breve, focada na resolução de problemas, para
o tratamento da depressão, embora Beck tenha
vários estudos experimentais de caso único, utili­
zando conceituações individualizadas e segundo
planos específicos de tratamento. De modo geral,
eles descobriram que a implantação destes planos
também destacado sua aplicação aos transtornos de tratamento individualizados é mais efetiva do
de ansiedade (Beck, 1964, 1967). Desde a década que o tratamento que combina intervenções aos
de 60, Beck e seus colegas ao redor do mundo sintomas. Beck e colaboradores (1990) concluíram
expandiram a terapia cognitiva, conceituai e cli­ que a terapia cognitiva “padrão”, utilizada para os
nicamente. Uma notável expansão refere-se à área casos simples de depressão e ansiedade, frequen­
dos transtornos de personalidade (Beck, Freeman temente não é eficaz para casos de transtorno de
& Associates, 1990). Enquanto vários teóricos cog­ personalidade; e que é essencial a pesquisa a fim
nitivos e cognitivo-comportamentais têm escrito de testar a possibilidade de que uma abordagem
sobre uma abordagem cognitiva aos transtornos mais abrangente, como aquela descrita no livro
de personalidade (por exemplo, Linehan, 1993; de 1990 de autoria de Beck e seus colegas, seja
Liotti, 1992; Safran & McMain, 1992), este ca­ eficaz para essa difícil população.
pítulo focaliza a teoria e a abordagem derivada Os pacientes com transtorno de personalidade,
diretamente do trabalho de Beck. de acordo com a quarta edição do Diagnostic and
Há poucas pesquisas controladas sobre a efi­ Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-
cácia da terapia cognitiva para os transtornos de -IV; American Psychiatric Association, 1994),
personalidade. A maior parte das pesquisas con­ são caracterizados por “um padrão persistente
duzidas até esta data consistiu de relatos clínicos dc cxpcricncia interna c dc comportamento, que
não controlados, de desenhos de caso único e de se desvia acentuadamente das expectativas da
estudos sobre os efeitos dos transtornos de perso­ cultura do indivíduo, é invasivo e inflexível,
nalidade sobre os resultados de tratamentos. De tem início na adolescência ou no início da idade
maneira geral, estes estudos indicam que a terapia adulta, é estável no tempo e leva ao sofrimento
cognitiva é uma abordagem promissora (Pretzer ou ao desajustamento” (p. 630). A característica
Fronteiras da Terapia Cognitiva

invasiva, o início precoce, a rigidez, a cronicidade e por sobrevivência e vínculo com os obstáculos,
a disfuncionalidade duradoura ajudam a distinguir ameaças e demandas externas”.
os transtornos de personalidade do Eixo II, dos O indivíduo saudável, em nossa sociedade tec-
transtornos do Eixo I, habitualmente mais agudos nologicamente avançada, emprega muitas, se não
e episódicos. A inflexibilidade, a disfuncionali- todas, dessas estratégias de forma adaptativa e
dade e o uso compulsivo de certas estratégias em circunstâncias específicas. Por exemplo, é
comportamentais distinguem os pacientes com funcional que um indivíduo seja desconfiado,
transtornos de personalidade dos pacientes que vigilante e esteja em guarda, numa área da cidade
também exibem “padrões persistentes de percep­ dominada pelo crime. Um indivíduo, cuja tarefa
ção, de relacionamento e de pensamento sobre o seja persuadir um grupo a adotar certo ponto de
ambiente e si mesmos, que se manifestam em uma vista, pode necessitar ser um tanto dramático ou
ampla variedade de contextos sociais e pessoais” teatral. Em uma disputa durante um campeona­
(American Psychiatric Association, 1994, p. 630), to, é vantajoso para um indivíduo ser altamente
mas cujos traços de personalidade são relativamente competitivo.
mais flexíveis e que conseguem variar seu com­ O paciente com transtorno de personalidade
portamento de forma mais adaptativa, conforme pode exibir esses mesmos comportamentos, mas
a situação. tende consistentemente a utilizar em excesso um
Beck interessou-se pelos transtornos do Eixo II pequeno conjunto de estratégias de maneira in­
quando reconheceu que um número significativo flexível e compulsiva, quando atuar dessa forma
de pacientes recuperados de uma depressão maior é, com frequência, claramente desvantajoso. Ao
ainda experimentavam sofrimento reduzido, mas contrário do indivíduo com personalidade mais
ainda persistente ou intermitente, e continuavam saudável, falta-lhe a habilidade para avaliar si­
a demonstrar padrões de pensamento falhos e tuações particulares de forma realista e selecionar
comportamentos disfuncionais (Beck, no prelo). uma a partir de um amplo espectro de estratégias.
Simultaneamente, ele começou a explorar a ligação Por exemplo, um paciente paranoico pode reagir
entre a teoria evolucionista e os transtornos psiquiá­ de forma muito desconfiada em interações com
tricos. A humanidade, ele observou, desenvolveu as pessoas, mesmo quando os dados objetivos
estratégias comportamentais para promover os e a sua própria experiência indicam que essas
objetivos evolucionários primários, de sobrevivên­ pessoas muito provavelmente são confiáveis. Um
cia e reprodução. O uso inflexível, disfuncional e paciente histriônico pode agir de forma altamente
compulsivo dessas estratégias no ambiente atual inadequada e dramática numa situação séria, como
é uma das características mais marcantes dos pa­ uma entrevista formal de emprego. O narcisista
cientes com transtornos de personalidade. pode agir de uma maneira autoengrandecedora
e competitiva, quando for alocado numa equipe
igualitária no trabalho.

Estratégias disfuncionais Beck observa que nem todos os indivíduos


com distribuição significativamente enviesada de
Os padrões de funcionamento derivados da traços ou estratégias geneticamente influencia­
evolução incluem comportamentos ou estratégias das experimentam angústia significativa. Alguns
como: competitividade, dependência, evitação, procuram um ambiente que acomode suas estra­
resistência, desconfiança, dramatização, controle, tégias características. Um indivíduo dependente,
agressão, isolamento e autoengrandecimento. Beck que constantemente busca ajuda de outros, pode
(no prelo) observa que as estratégias “represen­ escolher amigos e parceiros que sejam cuidadores
tam a solução singular de cada indivíduo para os fortes e decididos. Um indivíduo desconfiado e
problemas de conciliação das pressões internas demasiadamente cauteloso pode optar por viver

164
Terapia cognitiva dos transtornos de personalidade

sozinho, de modo bastante anônimo, e procurar processando informação. A hipervalência de um


um trabalho que requeira pouca interação com os esquema pode inibir a ativação de esquemas
outros. Um indivíduo compulsivo e perfeccionista contrários, que sejam mais adaptativos à situação
pode criar um ambiente que seja altamente estru­ específica (Beck, 1967).
turado e ordenado. Observe, também, que alguns Uma paciente evitativa, por exemplo, pode
indivíduos com estratégias inflexíveis podem, ter um esquema prevalente ativado, de ameaça
eles próprios, não experimentar muita angústia ou perigo, mesmo quando ela está entre colegas
subjetiva, mas podem infligir sofrimento aos ou­ de trabalho não avaliativos, que estejam fa­
tros. Indivíduos que consistentemente agem de zendo comentários de apoio a ela. Um paciente
uma forma superior, autopromotora e exigente, passivo-agressivo, com um esquema relevante à
geralmente têm relacionamentos conturbados, vulnerabilidade, pode erroneamente perceber seu
por exemplo, como ocorre com aqueles que são supervisor como tentando controlá-lo, quando o
manipuladores, exploradores e agressivos. supervisor está, na realidade, tentando ajudá-lo.
De acordo com Beck et al. (1990), além dos
esquemas cognitivos, há esquemas emocionais,
Os esquemas e os sistemas de crenças motivacionais, de ação (ou instrumentais) e de
controle. O paciente evitativo que está descre­
Muito cedo em seu processo de desenvolvi­ vendo seu projeto para colegas de trabalho sofre
mento, as crianças procuram compreender o sentido uma ativação de seu esquema cognitivo (ameaça),
delas mesmas e do seu mundo. Elas desenvolvem seu esquema emocional (ansiedade), seu esquema
esquemas, ou estruturas cognitivas, para organizar o motivacional (desejo de evitar), e seu esquema
enorme volume de dados que estão constantemente de ação (mobilização para lidar com a ameaça
recebendo. Os esquemas são os meios através dos através de fuga).
quais elas entendem o que estão experienciando
Young (1990) elaborou a respeito das carac­
e decidem como proceder. Beck baseou-se nos
terísticas e do funcionamento dos “esquemas
trabalhos de Bartlett, Piaget e Kelly ao propor
disfimcionais precoces” ou “temas extremamente
sua concepção elaborada de esquemas (Weishaar,
estáveis e duradouros que se desenvolvem durante
1993).
a infância e são elaborados durante toda a vida
O conteúdo de alguns esquemas é, frequente­ de um indivíduo... (os quais são) modelos para o
mente, idiossincrático para uma dada pessoa. Um processamento de experiências futuras” (p. 9). Ele
esquema relevante para policiais irá provocar uma observou que esses esquemas são aceitos, a priori,
resposta positiva numa criança, por exemplo, ou como verdadeiros, autoperpetuadores, difíceis de
uma reação ansiosa, desdenhosa ou neutra em mudar, significativamente disfuncionais, ativados
outras. Os esquemas “fornecem as instruções por eventos ambientais, e associados a altos ní­
para guiar o foco, a direção e a qualidade da vida veis de emoção. Ele descreve três processos de
diária e das contingências especiais” (Beck et al, esquemas: manutenção do esquema (o indivíduo
1990, p. 4). processa a informação de modo a reforçar o es­
Os esquemas têm várias características. A quema), evitação do esquema (o indivíduo evita
qualquer momento, um esquema pode estar al­ pensar sobre situações que possam disparar um
tamente ativado ou completamente dormente, ou esquema, evita sentimentos negativos associados
em uma posição intermediária. Um esquema pode a um esquema, ou evita, comportamentalmente,
ser relativamente estreito ou abrangente, rígido situações que possam disparar um esquema), e
ou modifícável, proeminente ou relativamente compensação do esquema (o indivíduo age con­
obscuro. Quando altamente ativado, um esquema sistentemente de uma forma oposta à que seria
influencia a maneira pela qual o indivíduo está esperada a partir dos seus esquemas).

165
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Beck (1967) denominou o conteúdo dos esque­ não o exploraram apenas porque não tiveram uma
mas cognitivos de “crenças”, as quais representam boa oportunidade para fazê-lo. Uma paciente para­
a compreensão pelos indivíduos de si próprios, do noica pode reconhecer que uma outra pessoa não
seu mundo e dos outros. A personalidade saudável a tratou mal em várias ocasiões, mas atribui isto
tem crenças básicas ou fundamentais estáveis, a um motivo oculto. As pessoas que têm persona­
adaptativas, relativistas (“Eu sou uma pessoa ra­ lidades relativamente mais saudáveis são capazes
zoavelmente competente; meu mundo tem algum de assimilar as informações que recebem de uma
perigo, mas é predominantemente um lugar seguro forma mais apropriada, ajustar seus esquemas para
o bastante para mim; outras pessoas podem ser be­ se adequarem mais precisamente à realidade de seus
néficas, neutras ou malévolas em relação a mim”). mundos e desenvolver um conjunto mais amplo de
Os pacientes com transtornos de personalidade, padrões de comportamento que são relativamente
ao contrário, têm crenças extremas, negativas, mais adaptativos e funcionais.
globais e rígidas (“Eu sou incompetente; meu Beck (no prelo) propõe que as crenças básicas
mundo está fora do meu controle; outras pessoas sobre o self são de importância central na conceitua-
não são confiáveis”). Quando seus esquemas são ção dos pacientes com transtorno de personalidade.
ativados, eles aplicam essas crenças a situações Ele descreve essas crenças negativas como per­
que não justificam tal visão negativa. Eles agem e tencentes a duas categorias: as crenças associadas
reagem como se suas percepções fossem precisas, ao desamparo (“Eu estou desamparado”, “Eu não
apesar de algumas vezes haver forte evidência em tenho poder”, “Eu sou inadequado”, “Eu não sou
contrário. Eles desenvolvem um viés de percepção suficientemente bom [em realizações]”, “Eu sou
que interfere com o processamento razoável e fraco”, “Eu sou vulnerável”, “Eu estou num beco
adaptativo de informação. sem saída”) e as associadas à incapacidade de ser
Um indivíduo, por exemplo, quando colocado amado (“Eu não sou digno de ser amado”, “Eu
frente a uma tarefa intelectualmente desafiadora não tenho valor”, “Eu sou imperfeito”, “Eu sou
na qual ele usualmcnte se destaca, repentinamente indesejável”, “Eu não sou suficientemente bom
sente-se apavorado porque as suas crenças de que [para ser amado pelos outros]”). Essas crenças
“Eu sou inadequado” e “Os outros irão me julgar básicas são bastante dolorosas para os pacientes
e criticar” foram ativadas. Uma outra pessoa com e estes desenvolvem estratégias que os ajudam a
uma crença fortemente ativada, como “Os outros enfrentá-las ou a evitar a ativação dessas idéias
sempre tiram vantagem de mim”, sente muita causadoras de angústia.
raiva nessa mesma situação. Assim, os esquemas Essas estratégias geralmente são expressas
dos indivíduos influenciam o modo como eles como regras (“Eu não posso deixar que os outros
processam a informação e quais crenças irão guiar tirem vantagem de mim”), como atitudes (“Seria
suas reações. O paciente com transtorno de perso­ terrível se os outros me vissem como fraco”), e
nalidade atenta seletivamente a, distorce, registra como pressuposições condicionais (“Se os outros
e evoca informação, de uma forma disfuncional. levarem vantagem sobre mim, então isso significa
A rigidez e a inflexibilidade das crenças e que eu sou uma pessoa completamente fraca”).
estratégias do paciente com transtorno de per­ Os pacientes podem não expressar suas crenças
sonalidade podem ser entendidas por uma falta básicas e pressuposições até a realização da terapia,
de acomodação, a um novo input ambiental, de quando seu terapeuta encoraja a revelação do sig­
maneira útil e significativa. Uma paciente histriô- nificado subjacente de suas percepções atuais nas
nica, por exemplo, pode não perceber que ela é diversas situações. Em sua maior parte, as crenças
geralmente mais apreciada quando interage com disfuncionais não são difíceis de identificar e os
os outros de uma forma mais sutil e discreta. Um terapeutas constroem suas conceituações com base
paciente antissocial pode acreditar que os outros nas percepções, significados atribuídos e reações

166
Terapia cognitiva dos transtornos de personalidade

características dos pacientes em uma variedade de se sentindo desse jeito” sobre si mesmos, sobre os
situações problemáticas. outros e sobre seu mundo, embora o grau de sua
Cada transtorno de personalidade tem um crença possa intensificar-se durante um episódio
conjunto específico de crenças e um padrão com- concomitante do Eixo I. O desenvolvimento de
portamental que o acompanha (Beck et al., 1990). tais crenças, de acordo com Beck (no prelo), é
Os pacientes com transtorno de personalidade parcialmente influenciado geneticamente, mas
dependente, por exemplo, acreditam que são in­ também é significativamente afetado por eventos
competentes e incapazes de enfrentar situações. ocorridos na infância.
Consequentemente, eles tendem a possuir estraté­
gias superdesenvolvidas de dependência e evitação
de importantes decisões e desafios, mas estratégias A experiência do desenvolvimento
subdesenvolvidas em termos de autonomia e ca­
pacidade para tomar decisões. Os pacientes com As crenças básicas originam-se à medida que
transtorno de personalidade evitativa acreditam que os indivíduos se desenvolvem e começam a extrair
não são dignos de ser amados e que são vulneráveis. sentido de si mesmos, de seu mundo pessoal e das
Eles tendem a evitar a intimidade, a crítica e a outras pessoas. A maioria das crianças saudáveis
emoção negativa e são, portanto, subdesenvolvidos é capaz de incorporar tanto os eventos positivos
em termos de abertura, assertividade e tolerância quanto os negativos e adotar uma visão balanceada
emocional. Os pacientes com transtorno da perso­ e estável de si mesmas e dos outros. Os pacientes
nalidade obsessivo-compulsiva acreditam que são com transtorno de personalidade, por outro lado,
vulneráveis ao desmoronamento do seu mundo e, geralmente tiveram infâncias sutilmente ou dra­
portanto, superenfatizam regras, responsabilidade maticamente traumáticas, durante as quais eles
e controle, e são deficientes em espontaneidade, começaram, correta ou incorretamente, a ver a si
leveza e flexibilidade. Os pacientes com transtorno mesmos de forma distintamente negativa. Alguns
de personalidade borderline compartilham várias traumas são severos: o abuso sexual, físico ou
crenças extremamente rígidas e negativas com verbal. Outros traumas são menos agudos, mas
outros transtornos (Layden, Newman, Freeman angustiantemente crônicos: pais altamente críticos,
& Morse, 1993) (“Eu sou imperfeito”, “Eu sou irmãos ou colegas humilhadores, cuidadores ou
vulnerável”, “Eu estou fora de controle”, “Eu não professores exageradamente severos. Conside-
consigo enfrentar”, “Eu serei abandonado”) le­ rando-se que nem todas as crianças que sofrem
vando a padrões de comportamento mais extremos. traumas precocemente desenvolvem transtornos de
personalidade, Beck (no prelo) propõe que alguns
Os pacientes que sofrem de um transtorno do
indivíduos podem ser geneticamente predispostos
Eixo I sem comorbidade com um transtorno do
a desenvolver um transtorno de personalidade
Eixo II, também podem demonstrar crenças ex­
mais extremo, ou pode ter-lhes faltado figuras
tremas e negativas. Os pacientes depressivos, por
apoiadoras que colaborassem para amortecer os
exemplo, podem ver a si mesmos como fracassos
traumas da infância.
totais ou completamente indignos de ser amados.
Os pacientes com um transtorno de ansiedade Quando as crianças começam a desenvolver
podem acreditar “Eu sou vulnerável”. Essas cren­ uma crença básica negativa, baseadas em suas expe­
ças, no entanto, tomam-se ativas somente durante riências, elas começam a processar informações de
o episódio agudo e tomam-se latentes uma vez uma forma distorcida. Elas interpretam os eventos
que o transtorno do Eixo I entra em remissão, negativos como confirmações amplas e globais
quando suas crenças básicas relativamente mais de suas crenças básicas negativas. Os eventos
positivas voltam a predominar. Os pacientes do positivos ou não são percebidos, e, portanto, não
Eixo II, ao contrário, descrevem-se como “sempre processados, ou são distorcidos, de forma que a

167
Fronteiras da Terapia Cognitiva

crença básica não seja neutralizada (J. S. Beck, Reações a situações atuais
1995). Por exemplo, uma criança que acredita que
é inadequada, pode não reconhecer seu domínio Os pacientes com transtornos de personalidade
crescente sobre habilidades ou desafios, ou pode geralmente têm fortes reações emocionais frente às
descartá-los (“Qualquer um pode fazer isso”, situações atuais. Suas crenças básicas influenciam
“Essa [tarefa] pode não ser difícil para mim, mas suas percepções e interpretações. Essas percepções
a maioria das outras coisas é”). O processo de são frequentemente distorcidas, apesar de aceitas
incorporar prontamente os dados negativamente como verdadeiras e, por sua vez, influenciam as
percebidos e omitir ou descontar dados positivos reações emocionais, fisiológicas e comportamen-
solidifica os esquemas disfimcionais no período de tais dos pacientes. Assim, um paciente narcisista
formação do indivíduo. As crenças e estratégias que acredita que “Se as pessoas não me tratarem
específicas que a criança desenvolve são, nova­ de uma forma especial, elas estão sendo injustas
mente, idiossincráticas ao indivíduo. e não razoáveis”, pode ter também pensamentos
automáticos como “Como ousam tratar-me dessa
Uma criança com um pai ou mãe alcoólatra,
forma” e pode tomar-se muito bravo e beligerante
por exemplo, pode ver a si mesma como despro­
quando forçado a aguardar sua vez ou quando
tegida, vulnerável e desamparada quando o pai
algo que solicitou lhe é negado. Uma paciente
ou a mãe agride a família durante uma bebedeira,
obsessiva-compulsiva pode tomar-se muito ansiosa
e essas crenças sobre si mesma podem se tomar
se outras pessoas criarem um transtorno, mesmo
mais generalizadas e globais. Ela pode começar
insignificante, devido à sua crença de que “Coisas
a acreditar que “Eu sou vulnerável” ou “Eu estou
terríveis podem acontecer se tudo não for feito
desamparada” em várias situações, nas quais esses
exatamente da maneira correta”. Pensamentos
julgamentos são total ou, pelo menos, parcialmente
automáticos tais como “E se o trabalho não estiver
inválidos. Dependendo de certos vieses em sua
suficientemente bom? E se não estiver pronto em
formação genética, a criança pode desenvolver
estratégias de controle e responsabilidade exces­ tempo? E se o projeto não for aprovado?” em uma
situação de trabalho, podem levar à ansiedade e
sivos e pode tomar-se demasiadamente regida por
regras, a fim de conseguir lidar com um ambiente a um gasto enorme de tempo em tarefas relativa­
mente sem importância.
que ela percebe como caótico. Uma outra criança
pode tomar-se bastante evitativa, culpar a si mesma A fim de facilitar a alteração dessas reações
pelo comportamento disfuncional de seu pai ou disfuncionais, é importante conceituar para os
mãe, começar a acreditar que é inadequada, e pacientes a relação entre, por um lado, a ativação
distanciar-se das outras pessoas que ela teme que de suas crenças básicas em situações atuais espe­
também a acharão deficiente. Uma terceira criança, cíficas e, por outro, seus pensamentos automáticos,
com uma percepção de si mesma relativamente resposta emocional e comportamento. A Figura
mais saudável, pode perceber, com precisão, que 8.1 apresenta o Diagrama de Conceituação Cog­
ela não corre um perigo agudo e que é seu pai ou nitiva para Kim, uma paciente com transtorno de
mãe, e não ela própria, que tem problemas. Essa personalidade, descrita adiante nesse capítulo. O
terceira criança, que talvez tenha uma percepção preenchimento desse diagrama com os pacientes
melhor devido a um melhor “arranjo genético”, (baseado nos dados que eles apresentam) os ajuda
desenvolve uma personalidade mais saudável, a entender como suas experiências da infância
sem um conjunto enviesado de estratégias super levaram ao desenvolvimento de suas crenças
e subdesenvolvidas. É assim que as crianças de­ disfimcionais, pressuposições e padrões de com­
senvolvem suas próprias formas características de portamento não adaptativos (J. S. Beck, 1995).
perceber e se relacionar com seu mundo.

168
Terapia cognitiva dos transtornos de personalidade

Iniciais do Paciente:____________ Nome do Terapeuta: Judith Beck, PhD


Diagnóstico do Paciente: Transtorno de Pânico em Remissão Eixo II: Transtorno de Personalidade Evitativa

Figura 8.1 - Diagrama de conceituação cognitiva. Direitos autorais 1996 de Judith S. Beck, Ph.D. Reim-
presso com autorização.

Tratamento de pacientes com estabelecimento de metas, resolução de problemas,


modificação de pensamentos e crenças disfuncio-
transtorno de personalidade
nais, mudança do comportamento disfuncional e
O tratamento dessa difícil população comparti­ prevenção da recaída, ensinando os pacientes a
lha aspectos comuns com a terapia cognitiva para ser seus próprios terapeutas. Geralmente o trata­
a depressão e transtornos de ansiedade do Eixo mento focaliza, em primeiro lugar, o diagnóstico
I. O terapeuta enfatiza o aspecto colaborativo no mais agudo do Eixo I, se houver. O empirismo

169
Fronteiras da Terapia Cognitiva

colaborativo e a descoberta guiada são enfati­ sociais e tentava evitar chamar a atenção para si
zados, embora técnicas mais persuasivas sejam mesma. Evitava desafios no trabalho, apesar de
frequentemente utilizadas para modificar as crenças ser competente e talentosa. Kim comportava-se
fortemente arraigadas. dessa forma disfuncional em várias situações, por
Existem diferenças notáveis, porém, entre o causa de sua forte crença básica de que ela era
tratamento do Eixo I e do Eixo II. Talvez o esta­ má e não merecia ser amada. Ela tinha certeza de
belecimento e a manutenção de uma forte aliança que, se as outras pessoas realmente a conhecessem,
terapêutica seja significantemente importante (es­ elas a rejeitariam porque descobriríam como ela
sencial para todos os pacientes, mas geralmente era realmente má. Apesar de parecer uma pessoa
desafiadora para os pacientes que exibem relacio­ atraente, bem-apresentável, articulada, inteligente
namentos caracteristicamente perturbados dentro e e realizada para os outros, ela acreditava quase
fora da terapia). Há também um foco muito mais completamente que era de fato o oposto. Ocasional­
forte na modificação das crenças e pressuposições mente, ela tinha imagens de “contaminar” pessoas
básicas, além do reconhecimento e resposta aos inocentes com a sua maldade, simplesmente por
pensamentos automáticos. Essa ênfase adicional estar em sua presença.
requer um foco não apenas no aqui e agora (à Como Kim desenvolveu um autoconceito tão
medida que os terapeutas e os pacientes analisam distorcido? Os pais de Kim divorciaram-se quando
as reações angustiadas dos pacientes frente a situa­ ela era bem jovem e sua mãe continuamente atri­
ções atuais, tanto dentro quanto fora das sessões buía o divórcio ao nascimento de Kim. Sua mãe
de terapia), mas também nas origens desenvol- era alcoólatra, altamente crítica, e fisicamente
vimentais das crenças disfuncionais, através de violenta. Talvez ela própria tivesse um transtorno
métodos tanto “racionais” quanto “emocionais” ou da personalidade borderline. Casou-se novamente
experienciais. A modificação de crenças relativas quando Kim tinha 10 anos e ela e o padrasto, em
ao Eixo II requer um trabalho consistente durante seguida, tiveram dois filhos que eles favoreciam
um período considerável dc tempo e o tratamento de maneira ostensiva. O padrasto era volúvel e
pode continuar por 9 meses a 2 anos, ou mesmo alcoólatra e ele também era verbalmente muito
por períodos mais longos para os pacientes com crítico em relação a Kim.
transtornos severos (ver Beck et al.9 1990, e Fle­ Muito cedo Kim desenvolveu a ideia de que
ming & Pretzer, 1990, para orientações adicionais ela devia ser má, indigna de amor para que sua
no tratamento de transtornos de personalidade). mãe (e mais tarde seu padrasto) a tratasse tão
mal. Ela acreditava tanto nessa ideia negativa que,
Exemplo de caso quando começou a cursar a escola e foi exposta a
Kim (ver a Figura 8.1) era uma paciente com o outras pessoas, começou a se afastar dos colegas
transtorno de personalidade evitativa, de 20 e pou­ de classe, crianças da vizinhança e da maioria dos
cos anos. Ela, originalmente, procurou tratamento adultos. Ela descreveu a si mesma como tendo
para transtorno de pânico e, após 12 sessões, esse sido uma criança fisicamente não atraente, que
transtorno do Eixo I apresentou total remissão. usava o cabelo sobre seu rosto para que as pessoas
Entretanto, decidiu permanecer na terapia para não pudessem realmente vê-la ou conhecê-la. Sua
melhorar alguns dos seus problemas dc longa data, inibição e afastamento contribuíram para que Kim
em relacionamentos e no trabalho. tivesse poucos amigos à medida que ela crescia.
Kim tinha poucos amigos e não tinha intimidade Sua interpretação da falta de amigos era a de que
com eles. Ela era hipersensível à crítica de outros e as outras crianças não lhe davam abertura, pois
consistentemente mal interpretava, como negativas, podiam ver como ela era má e não merecedora
as reações neutras ou mesmo ligeiramente positivas de amor. Naturalmente, uma explicação mais
de outras pessoas. Ela ficava inibida em situações provável é que Kim não se apresentava como

170
Terapia cognitiva dos transtornos de personalidade

uma pessoa desejável ou atraente porque suas Kim será usada como um exemplo para ilustrar
crenças de que era má e não merecia ser amada os seguintes princípios do tratamento:
eram muito fortes.
Além do frequente abuso físico de sua mãe, Estabelecimento e manutenção de uma
Kim sofria vários pequenos traumas por parte de aliança terapêutica
sua família diariamente. Por exemplo, sempre que Conforme mencionado acima, o paciente com
ela recebia boas avaliações, sua mãe lhe dizia “Não transtorno de personalidade traz as mesmas pres­
pense que você é tão esperta. O professor provavel­ suposições negativas sobre os relacionamentos
mente lhe deu boas notas porque você se comporta fora da terapia para a própria sessão terapêutica.
bem ou porque fica quieta”. Quando Kim venceu Se por um lado isso é um impedimento à eliciação
uma competição estadual de matemática, sua mãe da total cooperação e confiança do paciente, esses
caracteristicamente observou “Eu espero que você problemas dentro da sessão também fornecem
não se vanglorie muito. Os juizes provavelmente uma oportunidade para conceituar as dificuldades
lhe deram esse prêmio porque eles ficaram com do paciente nos relacionamentos, para testar as
pena de você”. A crença básica de Kim, “Eu sou pressuposições do paciente sobre o terapeuta e
má e não mereço ser amada”, tomou-se mais forte para aprender maneiras novas e mais funcionais
a cada ano. Embora tivesse experiências positivas de se relacionar com outras pessoas.
ocasionais (alguns professores e um primo a tra­ Kim, por exemplo, estava inicialmente ansiosa
tavam carinhosamente), ela não interpretava esses na terapia porque ela pressupunha “Se minha
eventos de uma forma positiva. Ao contrário, ela terapeuta realmente me conhecesse, ela me rejei­
descontava sua importância, acreditando “Eles só taria”. Essa pressuposição resultou cm numerosos
gostam de mim porque eles não me conhecem pensamentos automáticos que Kim teve durante a
bem o suficiente”. própria sessão de terapia, que interferiram com sua
Os anos de Kim na faculdade, longe de casa, habilidade de relatar dados importantes à terapeuta.
foram relativamente melhores. Com a redução Ela tinha certeza que se revelasse seus problemas
da influência de sua família, ela começou a per­ (e especialmente sua história problemática com
ceber, pelo menos um pouco, que outras pessoas sua mãe), a terapeuta a avaliaria negativamente,
a achavam atraente. Entretanto, ela novamente a criticaria verbalmente e terminaria o relaciona­
interpretou essa experiência positiva de uma forma mento terapêutico. Kim continuamente acreditava
distorcida. “A razão pela qual eles gostam de mim que estava à beira da rejeição.
é porque eu uso uma fachada. Se eles realmente A ansiedade de Kim durante a sessão de terapia
me conhecessem, eles iriam me rejeitar”. permitiu à terapeuta conceituar imediatamente as
O tratamento do transtorno de personalidade suas dificuldades. Em primeiro lugar, a terapeuta
de Kim teve dois focos principais. O primeiro tentou explorar os pensamentos automáticos de
envolveu ajudá-la a resolver problemas, responder Kim durante a sessão. Com medo da reação da
adaptativamente ao seu pensamento distorcido terapeuta, Kim respondeu que ela não conseguia
nas situações atuais, aprender novas habilidades, relatar o que se passava em sua mente. A terapeuta
e mudar seu comportamento. O segundo, entre a não a forçou a identificar suas cognições, mas, ao
metade e o final da terapia, envolveu o trabalho contrário, identificou seu medo de revelar seus
de sua terapeuta em enfatizar fortemente tanto o pensamentos. Kim conseguiu relatar que tinha
desafio da pressuposição de Kim, de que se alguém medo da avaliação negativa e da rejeição da te­
a conhecesse de verdade ela seria rejeitada, quanto rapeuta. A terapeuta então a ajudou a testar esse
a modificação de sua crença básica, de que era má pensamento, examinando as evidências a favor e
e não merecia ser amada. contra, baseada na experiência de Kim em sessões

171
Fronteiras da Terapia Cognitiva

anteriores. Através do questionamento Socrático, sou nada” pode demandar um tempo extra com
Kim percebeu que era improvável que a terapeuta o terapeuta. A paciente dependente que acredita
a julgasse severamente e a dispensasse da terapia. “Se eu me apoiar em mim mesma, falharei” pode
Após várias sessões nas quais a terapeuta aju­ evitar encarar problemas que ela podería resolver
dou Kim a avaliar realisticamente os seus medos sozinha. O paciente passivo-agressivo que acredita
de rejeição, a ansiedade de Kim diminuiu e ela “Se eu fizer o que os outros querem que eu faça,
conseguiu ser mais aberta. Aos poucos, durante isso significa que eles estão me controlando” pode
várias sessões adicionais, Kim revelou o abuso de deixar de fazer as tarefas de casa sugeridas pelo
sua mãe em relação a ela quando era criança. A terapeuta. O paciente com transtorno da perso­
terapeuta percebeu que Kim podería ter interpre­ nalidade obsessivo-compulsivo, que acredita “Se
tado erroneamente sua reação a essas revelações, meu terapeuta não me entender perfeitamente,
eu não obterei ajuda”, pode insistir em relatar
portanto, a encorajou a questioná-las diretamente.
numerosos detalhes desnecessários. A paciente
A terapeuta, então, revelou sua reação genuína:
histriônica que acredita “Se eu não conseguir
ela se sentia triste por Kim ter enfrentado tama­
entreter minha terapeuta, ela não gostará de mim
nho trauma, lamentou que Kim tivesse sofrido,
ou não prestará suficiente atenção em mim” pode
ficava feliz pelo fato de Kim haver confiado nela
entreter a terapeuta com histórias divertidas ao
o suficiente para se abrir, e também estava feliz
invés de focar nos seus problemas. Identificar e
porque tal informação era vital para que a tera­
modificar essas crenças disfuncionais dentro do
peuta pudesse conceituar as dificuldades atuais de
relacionamento terapêutico permite ao paciente
Kim e planejar o seu tratamento. Depois de várias
aprender estratégias adicionais para se relacionar
intervenções desse tipo, nas quais Kim descobriu
com outras pessoas.
que os seus medos, em relação à terapeuta, eram
infundados, ela conseguiu generalizar o que tinha
Modificação das pressuposições e
aprendido para outros relacionamentos. Com o
crenças básicas
passar do tempo Kim tomou-se menos insegura
Em geral, o terapeuta focaliza, inicialmente, os
com relação à rejeição por outras pessoas, mais
pensamentos automáticos angustiantes do paciente
disposta a arriscar-se a ter intimidades, e teve
em situações atuais específicas, ensinando-o a
mais sucesso no estabelecimento e manutenção
identificar pensamentos e imagens e sistemati­
de relacionamentos bons e produtivos.
camente avaliá-los. Os pensamentos automáticos
Assim, o estabelecimento de uma relação são geralmente menos rígidos e globais do que as
terapêutica apresenta tanto um desafio para os tera­ crenças e, portanto, mais facilmente modificáveis.
peutas (quando os pacientes trazem pressuposições Por exemplo, Kim tinha pouca dificuldade em ava­
disfuncionais à terapia), quanto uma oportunidade liar e responder adaptativamente a seu pensamento
para que os terapeutas ganhem acesso às reações automático “É terrível que eu não tenha pago
dos pacientes relativas a outras pessoas. O moni­ minhas contas mensais de serviços”. Entretanto,
toramento das próprias respostas emocionais do modificar sua crença básica global “Eu sou uma
terapeuta ao comportamento dos pacientes fomcce má pessoa”, levou meses de trabalho constante,
uma ideia a respeito de como outros podem, por utilizando vários tipos de intervenções, conforme
sua vez, estar reagindo aos pacientes. descrito a seguir.
Os pacientes oferecem uma grande variedade O uso do Diagrama de Conceituação Cog­
de desafios à terapia, de acordo com suas crenças nitiva (Figura 8.1) pode auxiliar o terapeuta na
e estratégias disfuncionais. O paciente narcisista formulação de um caso e na identificação das
que tem uma crença “Se os outros não me tratarem crenças básicas, das pressuposições subjacentes,
de uma forma especial, isso significa que eu não estratégias compensatórias e reações às situações

172
Terapia cognitiva dos transtornos de personalidade

atuais do paciente (J. S. Beck, 1995). O terapeuta paciente a monitorar, através do tempo, o progresso
pode preencher o diagrama com o paciente ou feito em direção ao enfraquecimento da crença
verbalmente revisar seu conteúdo (sem apresentar básica negativa e ao fortalecimento de uma crença
o diagrama) em várias etapas, durante várias ses­ nova e mais realista (J. S. Beck, 1995).
sões. É importante que os pacientes entendam seu Os terapeutas devem ser criativos para criar
perfil cognitivo e como suas crenças básicas dão intervenções que demonstrem a invalidade das
forma às interpretações da realidade. Através da crenças básicas dos pacientes. Contrastes extremos
revisão dos exemplos de seu processamento falho ajudaram Kim a analisar cuidadosamente como ela
de informação, o terapeuta mostra aos pacientes era diferente de uma pessoa que considerava ter
como suas crenças básicas negativas tomaram-se qualidades ainda mais negativas do que ela própria
fortalecidas com o passar do tempo, enquanto as tinha. Através do questionamento Socrático, por
crenças positivas, mais realistas, nunca se desenvol­ exemplo, Kim comparou-se a uma figura pública,
veram ou se tomaram atenuadas. Essas explicações a qual ela via como uma pessoa realmente má, e
ajudam os pacientes a compreender por que suas reconheceu que compartilhava poucos atributos
crenças podem parecer tão verdadeiras apesar de com tal pessoa. Um continuum cognitivo, no
serem falsas ou parcialmente falsas. qual ela classificou atos de “maldade”, ajudou-a a
Após educar os pacientes sobre suas crenças compreender que ela não era 100% má por, inad-
básicas, o terapeuta os ajuda a identificar as van­ vertidamente, orientar mal um colega de trabalho,
tagens e desvantagens de modificá-las. Através do mas apenas 1% má. Sua terapeuta ajudou-a a co­
questionamento Socrático, o terapeuta fortalece meçar a julgar seus próprios comportamentos e os
cada vantagem e enfraquece cada desvantagem de outros, criando “medidores” de comportamento
(“Uma vantagem de me ver como uma pessoa legal razoável, limítrofe e inapropriado. Através do
é que terei maior probabilidade de iniciar novos questionamento dirigido, Kim conseguiu fornecer
relacionamentos, melhorar os relacionamentos exemplos de respostas claramente não razoáveis
que eu já tenho, falar o que eu penso, ser mais e mesquinhas para o convite de um homem sobre
interessante para as pessoas, divertir-me mais, um encontro e de julgar que ela havia recusado o
não sentir como se estivesse sempre no limiar da encontro de uma forma razoável. Essa percepção
rejeição, não ter que tomar cuidado com tudo o debilitou sua crença de que ela era má por não
que eu digo e faço”. “Uma desvantagem é que aceitar o convite de um homem de quem não
vou me sentir ansiosa por questionar meu sentido gostava. Através da avaliação dos comportamentos
de self, mas a ansiedade será por tempo limitado; dos outros com um “medidor”, começou a reco­
muito provavelmente serei capaz de tolerá-la e nhecer quando eles estavam agindo de maneira não
pode haver um grande benefício em me ver menos apropriada em relação a ela. Parou de rotular a si
negativamente e mais realisticamente”). mesma como “má”, por exemplo, quando resistia a
As intervenções iniciais voltadas à modificação solicitações não razoáveis de sua colega de quarto.
das crenças básicas dos pacientes com transtorno Os experimentos comportamentais ajudaram
de personalidade são focadas no presente. Um Kim a testar suas pressuposições. Ela acreditava
Registro da Crença Básica (Figura 8.2) permite que um amigo a rejeitaria se lhe propusesse que
à paciente reconhecer quando ela estiver pro­ fossem assistir um filme diferente de sua sugestão
cessando informações de uma forma distorcida inicial e que seu chefe a veria como crítica e “ar­
e assim reforçando a crença básica negativa. Ele rogante” se ela fizesse uma sugestão construtiva
ajuda a paciente a reenquadrar suas interpretações para melhoria no trabalho. Após discutir e dra­
negativas e a prestar atenção aos dados positivos matizar essas situações, Kim abordou seu amigo
que, de outra forma, ela podería não reconhecer e seu chefe e descobriu que eles responderam
ou descontar. O registro também ajuda terapeuta e positivamente. “Fazer de conta” que acreditava

173
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Figura 8.2 - Registro de crença básica. Direitos autorais, 1996, de Judith S. Beck, Ph.D. Reimpressa com
permissão.

em uma nova crença mais funcional (antes que As intervenções descritas acima são todas
ela realmente acreditasse) a ajudou a modificar orientadas para o momento presente. Os pacien­
sua crença básica e a adotar um comportamento tes com transtorno de personalidade também se
mais funcional. A terapeuta de Kim fez com que beneficiam de um reexame da validade de sua
ela imaginasse detalhadamente o que faria em crença básica, a partir de uma perspectiva desen-
um encontro social específico, se verdadeira­ volvimental. Kim e sua terapeuta fizeram uma
mente acreditasse que era uma pessoa “legal” e revisão histórica (ver Young, 1990), na qual elas
de quem os outros gostariam. Embora Kim ainda examinaram sua vida em blocos de anos (na rea­
não mantivesse essa nova crença fortemente, foi, lidade, por períodos escolares). Inicialmente Kim
entretanto, capaz de se imaginar agindo mais fun­ se lembrou de evidências que pareciam apoiar sua
cionalmente e então, de fato, o fez em uma festa. crença básica negativa em cada período de tempo.
Essa mudança comportamental em várias situações A seguir, através de questionamento Socrático, ela
fortaleceu sua nova crença, mais adaptativa. E, à identificou evidências que contrariavam a antiga
medida que a nova crença se tomava mais forte, crença básica e fortaleciam a crença nova e mais
Kim se acha cada vez mais facilmente capaz de funcional. Em seguida a terapeuta ajudou Kim a
“fazer de conta”. reenquadrar cada parte dos dados negativos de

174
Terapia cognitiva dos transtornos de personalidade

uma forma mais adaptativa. Finalmente, Kim alternativa para o que ela havia acabado de ex­
resumiu esse período de tempo, avaliando mais pressar. Durante várias sessões de terapia, Kim
realisticamente a validade da crença básica. relembrou vividamente os abusos físicos de sua
Intervenções em nível “emocional” podem ser mãe por infrações pequenas ou imaginárias. Atra­
necessárias para os pacientes que desenvolvem vés das sugestões de sua terapeuta, ela conseguiu
uma percepção intelectual de que suas crenças imaginar seu “self mais velho” confortando seu
básicas não são válidas, mas ainda as “sentem” “self mais jovem”, explicando que a Kim de 5
como verdadeiras. Durante as dramatizações anos de idade não era má, mas, ao contrário, que
racionais/emocionais, Kim representou um lado sua mãe é que tinha sérios problemas e por isso
“emocional” que mantinha fortemente uma crença a tratava tão mal. Ao trazer à tona e, então, res­
básica, enquanto sua terapeuta representou o “lado ponder às dúvidas da Kim “mais jovem” sobre a
intelectual” que reconhecia que a crença básica era validade de tal interpretação, a Kim “mais jovem”
totalmente falsa, ou falsa em sua maior parte. Sua (na verdade, a parte “emocional” de sua mente)
terapeuta insistiu com Kim que argumentasse tão conseguiu mudar o significado dessas experiências.
fortemente quanto pudesse, de forma que todas
as suas razões “emocionais” pudessem ser ditas
em voz alta. A terapeuta contrapôs cada razão Conclusão
emocional com um ponto de vista mais realista,
com base nos dados que Kim havia fornecido nas Assim, o tratamento de pacientes com transtorno
sessões anteriores. Quando Kim esgotou todas as de personalidade tem vários aspectos em comum
suas razões “emocionais”, elas trocaram de papéis. com o tratamento do paciente do Eixo I, especial­
A terapeuta então expressou as mesmas razões mente a ênfase inicial à resolução de problemas
emocionais e Kim fornecia as interpretações mais atuais, ao aprendizado da identificação e modifi­
razoáveis, tendo acabado de ouvir essas contra­ cação de pensamentos disfimeionais em situações
posições na dramatização anterior. Mais tarde na atuais, e à mudança comportamental. Uma sólida
terapia, Kim foi encorajada a representar ambos formulação do caso é crítica para a identificação
os papéis, com a terapeuta intervindo somente das crenças básicas, das pressuposições e das
quando ela não conseguia produzir uma resposta estratégias compensatórias, a fim de que os pa­
racional apropriada. cientes e o terapeuta entendam as reações destes às
situações atuais. Uma forte ênfase na modificação
Uma intervenção final para os pacientes que
das pressuposições e crenças dos pacientes faz-se
ainda “sentem” que suas crenças básicas são
necessária, a fim de que eles vejam a si mesmos
verdadeiras, apesar de intelectualmente as enten­
e aos outros de uma forma mais realista, o que
derem como inválidas, envolve a reestruturação
os levará a um comportamento mais funcional, a
do significado de memórias antigas (J. S. Beck,
depender menos de algumas poucas estratégias
1995. Edwards, 1989). A terapeuta de Kim fez com
compensatórias e a uma maior habilidade para
que ela revivesse vividamente na imaginação os
atingir suas metas.
antigos traumas que contribuíram para a origem
ou manutenção de sua crença básica. Quando Quando Aaron T. Beck concebeu a terapia
Kim relatou uma intensa ativação de sua crença cognitiva como um tratamento para a depressão,
básica e intensa emoção, sua terapeuta entrevistou ele tinha apenas uma pequena noção de sua ampla
o “self mais jovem” de Kim. A terapeuta a ajudou aplicação a uma gama de transtornos do Eixo I,
a reinterpretar a experiência, sugerindo que outra e muito menos que pudesse ser estendida para os
pessoa ou seu “self mais velho” fosse incluído na transtornos de personalidade. Sua elaboração de
imagem imediatamente após o trauma e ajudasse esquemas, sua aplicação da teoria evolucionista
a Kim “mais jovem” a encontrar uma explicação ao funcionamento atual dos indivíduos, suas

175
Fronteiras da Terapia Cognitiva

noções de processamento de informação e seu um tratamento eficaz para pacientes do Eixo II.
desenvolvimento de perfis cognitivos específicos Essa realização importante é, obviamente, apenas
para cada um dos transtornos de personalidade, uma das extraordinárias contribuições que Beck
levaram-no ao desenvolvimento e refinamento de fez ao campo da psiquiatria e psicoterapia.

176
Terapia cognitiva dos transtornos de personalidade

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177
Capítulo 9

Tekapia focada no esquema

Lata K. McGinn
Jeffrey E. Young

ecentes tendências na terapia cognitiva, esquema. Entretanto, os antecedentes históricos

R tais como um crescente interesse no exame


das estruturas e processos centrais que
facilitam ou inibem o crescimento e a mudança
pessoal (Mahoney, 1993), levaram ao desenvol­
da terapia focada no esquema, principalmente o
modelo inicial de terapia cognitiva de Beck e o
trabalho dos construtivistas, serão primeiramente
detalhados para ilustrar sua influência no desen­
vimento de novos paradigmas para o tratamento volvimento do modelo focado no esquema.
de pacientes com transtornos de personalidade. À
medida que os terapeutas cognitivos começaram
a avançar no tratamento de transtornos do Eixo
Raízes históricas da terapia focada no
I, tais como a depressão, para problemas mais
crônicos e de personalidade1, algumas limitações esquema
do modelo inicial da terapia cognitiva de Beck,
desenvolvido para estados agudos de depressão A terapia cognitiva de Beck
(Beck, Rush, Shaw & Emery, 1979), tomaram-se A terapia cognitiva de Beck, tradicionalmente,
aparentes. Influenciado pelo movimento construti- focaliza padrões distorcidos de pensamento. Para
vista (Mahoney, 1993), Young (1994a) propôs um entender por que os pacientes experimentam es­
modelo integrativo denominado terapia focada no tados de sofrimento emocional ou se envolvem
esquema, projetado para ampliar o modelo origi­ em comportamentos disfuncionais, o terapeuta
nal de terapia cognitiva de Beck e para abordar cognitivo tenta entender como eles interpretam
especificamente as necessidades de pacientes com eventos em suas vidas. Se o terapeuta puder
transtornos caracterológicos de longa duração. ajudar os pacientes a mudar essas interpretações,
O capítulo elucida tanto os postulados teóricos que tomam a forma de pensamentos e imagens
como as aplicações práticas da terapia focada no distorcidas, então os estados emocionais e os

1 Os termos “problemas caracterológicos”, “patologia caracterológica” e transtornos de personalidade serão usados intercambiavelmente no
presente capítulo.
Fronteiras da Terapia Cognitiva

comportamentos disfuncionais que os acompanham mundo, formadas no início da infância, permane­


geralmente também melhorarão. cem inconscientes devido aos mesmos mecanismos
A terapia cognitiva desenvolveu-se como um normais, não patológicos, através dos quais outros
movimento desvinculado tanto das limitações hábitos de pensamento e comportamento tomam-
teóricas e práticas da psicanálise clássica quanto -se automáticos.
da natureza restritiva do behaviorismo radical Isso levou Beck a procedimentos terapêuticos
(Dobson, 1988). Nos anos 70, várias terapias muito diferentes da psicanálise. Ele treinou os
cognitivas distintas tinham surgido, incluindo as pacientes a aumentar a percepção de seu “fluxo de
de Beck (1976) e Ellis (1962). A terapia cognitiva consciência” contínuo, expondo os pensamentos
de Beck derivou diretamente de seus esforços automáticos rígidos que precediam suas respostas
para testar a teoria de Freud de que na essência emocionais características. Beck, então, ensinou
da depressão está a raiva voltada contra o self. aos pacientes procedimentos para utilizar a razão a
Através do exame dos pensamentos e sonhos de fim de combater esses “pensamentos automáticos”
pacientes depressivos, Beck observou repetida­ disfuncionais. Ele defendeu um diálogo ativo com
mente sentimentos de fracasso, juntamente com os pacientes, em vez da escuta passiva, por meio
um consistente viés para a negatividade, ao invés do qual ele treinava os pacientes a desenvolver
de temas de raiva internalizada, conforme teria argumentos empíricos, baseados na realidade,
sido previsto pela teoria de Freud. Com base em para combater as distorções em seu pensamento.
estudos como esses, Beck concluiu que a depres­ Ao treinar os pacientes a processar informações
são era caracterizada por um viés consistente em de um modo mais preciso e racional, estes apren­
direção a interpretações negativas de si mesmo, diam a afastar-se de seus sentimentos negativos, e
do ambiente e do futuro. Isto se desenvolveu seus sintomas melhoravam gradualmente. Devido
subsequentemente em sua teoria cognitiva mais ao fato de que o terapeuta e o paciente trabalham
geral dos transtornos emocionais, que afirmou que juntos como um time, sistematicamente testando a
mudanças no processamento da informação são validade das crenças e pensamentos do paciente,
centrais à psicopatologia. As emoções foram ex­ o estilo de trabalho da terapia cognitiva foi de­
plicadas como o resultado de avaliações cognitivas nominado de “empirismo colaborativo”. Desde o
contínuas; as emoções negativas, e as avaliações começo, a terapia cognitiva foi orientada para o
distorcidas das quais elas resultavam, tomaram-se presente, de duração limitada, estruturada e edu­
o foco do modelo cognitivo. cativa. O terapeuta era ativo, diretivo e focado
Em maior contraste ao modelo psicanalítico, em problemas.
que assume que nós somos conduzidos por motivos Através da ênfase de Beck em estudos cien­
e impulsos inconscientes, e à tradição compor- tíficos de resultados a fim de testar sua eficácia,
tamental, que pressupõe que somos governados a terapia cognitiva tomou-se uma das psicote-
por contingências externas, Beck propôs que os rapias mais amplamente pesquisadas. A maior
pensamentos disfuncionais, os quais poderiam ser parte da pesquisa, inicialmente conduzida com
prontamente trazidos para a percepção consciente, pacientes clínicos depressivos, demonstrou que
são os responsáveis por uma grande parte da dis- a terapia cognitiva é tão efetiva quanto a farma-
fiinção emocional. coterapia na redução da sintomatologia aguda, e
Embora Beck não tenha contestado a reivin­ há evidências promissoras de que ela possa ser
dicação psicanalítica central dos determinantes superior à farmacoterapia e às psicoterapias não
inconscientes do comportamento, ele desafiou a comportamentais na prevenção da recaída (Dob­
noção da repressão ativa. De acordo com Beck, son, 1989). Evidências crescentes indicam que a
as pressuposições centrais sobre si mesmo e o terapia cognitiva também é eficaz para a ansiedade

180
Terapia focada no esquema

e outros transtornos, mas questões relativas a experienciais à prática clínica; o estudo dos pro­
processo e resultado ainda estão sendo ativamente cessos inconscientes na psicologia cognitiva; um
pesquisadas (Beckham & Watkins, 1989; Robins foco crescente em processos auto-organizadores e
& Hayes, 1993). autoprotetores no curso da vida e no desenvolvi­
O impacto clínico do movimento cognitivo mento da personalidade; e o reconhecimento dos
tem sido enorme. Entretanto, a esperança de um processos social, biológico e de personificação na
paradigma único e integrado não foi concretizada. terapia. Como resultado desses desenvolvimentos
Ao invés disso, um grande número de formula­ recentes, nasceu o movimento construtivista nas
ções teóricas e práticas, todas afirmando serem ciências cognitivas.
terapia cognitiva, tem sido desenvolvido. Ao redor Os construtivistas rejeitam uma “teoria de
de 1990, mais de 20 tipos diferentes de terapia correspondência” da verdade, a ideia de que os
cognitiva haviam sido identificados (Haaga & pensamentos e as crenças deveríam manter uma
Davidson, 1991). correspondência direta com a realidade externa,
bem como a pressuposição consequente de que as
0 movimento construtivista crenças que não correspondem à realidade objetiva
À medida que os terapeutas cognitivos come­ são disfuncionais. Ao contrário, eles sustentam
çaram a focar nos transtornos de personalidade e que a viabilidade de qualquer construção é uma
outros transtornos crônicos, muitas das limitações função de suas consequências para o indivíduo que
do modelo original de Beck, conforme aplicado a a adota. Sistemas humanos são caracterizados por
esse subgrupo de pacientes, tomaram-se aparentes. dinâmicas auto-organizadoras e evoluem de modo a
Young (1994a) propôs que, para que os pacientes proteger sua coerência interna. A cognição humana
tivessem sucesso com o modelo original de Beck, é vista como pró-ativa e antecipatória ao invés
várias condições deveríam ser atendidas: que os de passiva e determinada. Como consequência,
pacientes tivessem pronto acesso a seus senti­ os terapeutas construtivistas tendem a objetivar
mentos e pensamentos, que os pacientes tivessem mudanças em sistemas mais amplos de construtos
problemas de vida identificáveis a serem enfocados, pessoais, ao invés de contestar unidades de pen­
que eles estivessem motivados e fossem capazes samentos circunscritas (Niemeyer, 1993). Uma
de realizar tarefas de casa, que eles pudessem se vez que esses sistemas dc crenças e explicações
engajar em um relacionamento colaborativo com pessoais são vistos como tendo continuidade per­
o terapeuta, e que suas cognições fossem flexíveis manente no tempo, as dimensões evolucionárias da
o bastante para serem modificadas utilizando- psicopatologia do paciente são enfatizadas, com
-sc procedimentos cognitivo-comportamcntais atenção particular atribuída aos relacionamentos
reconhecidos. Infelizmente, os pacientes com primários de vínculos afetivos.
transtornos de personalidade geralmente violam O objetivo das terapias construtivistas é criativo
essas condições, e, à medida que tais pacientes não ao invés de corretivo e as intervenções são prova­
podem atender a essas condições, Young sugeriu velmente elaborativas, reflexivas e intensamente
que o modelo inicial de Beck falharia, a menos pessoais, ao invés de persuasivas, analíticas ou tec­
que a abordagem fosse significativamente alterada nicamente instrutivas. Há um foco nos significados
a fim de abordar essas limitações. pessoais que formam o subtexto das afirmações
Vários desenvolvimentos em psicologia tam­ dos pacientes, portanto metáforas e imagens men­
bém desafiaram muitas das pressuposições centrais tais idiossincráticas são amplamente usadas. As
e estratégias de intervenção da corrente principal emoções são vistas como informativas, na medida
da terapia cognitiva (Mahoney, 1993). Esses in­ em que elas refletem a natureza das tentativas dos
cluíram novas descobertas em pesquisa sobre a pacientes de construir um significado a partir de
natureza das emoções; a incorporação de técnicas suas experiências. Da mesma forma, a resistência

181
Fronteiras da Terapia Cognitiva

é vista como uma forma de autoproteção em certos central para muitos desses pacientes. Alguns pa­
pontos da terapia, nos quais o terapeuta ameaça os cientes frequentemente acham difícil engajar-se
processos básicos de organização dos pacientes. num relacionamento terapêutico, enquanto outros
podem se tomar excessivamente dependentes em
seus terapeutas. Se essas dificuldades interpessoais
são vistas como uma barreira para as tarefas reais
Desenvolvimento da terapia focada
da terapia, então o problema central é geralmente
no esquema não identificado. Infelizmente, o modelo inicial da
terapia cognitiva não oferece orientações suficien­
Problemas caracterológicos: por que a tes para abordar problemas na relação terapêutica.
modificação da terapia cognitiva é necessária
A abordagem focada no esquema foi formu­ Rigidez
lada especificamente para tratar das necessidades Na terapia cognitiva tradicional, os pacien­
de pacientes com transtornos caracterológicos de tes são ensinados a observar distorções em seu
longa duração. De acordo com Young (1994a), pensamento e, com prática e repetição razoáveis,
os pacientes com problemas caracterológicos espera-se que desafiem e modifiquem seus padrões
têm várias características psicológicas singulares cognitivos e comportamentais. Supõe-se que os
que os distinguem dos casos claros do Eixo I e pacientes têm uma certa flexibilidade que lhes
os tomam candidatos inadequados para a terapia permite modificar seus pensamentos e comporta­
cognitiva padrão. mentos através da análise empírica, do discurso
lógico, da experimentação, de passos graduais e
Apresentação difusa da prática.
Os pacientes com problemas de personalidade Entretanto, já que uma das características defini­
frequentemente não têm problemas prontamente doras dos transtornos de personalidade é a presença
identificáveis que podem se tornar o foco do de traços rígidos e inflexíveis, as técnicas da terapia
tratamento. Esses pacientes frequentemente se cognitiva padrão isoladas geralmente conduzem a
apresentam com queixas vagas, mal definidas, sem sucesso limitado ou nenhum sucesso com esses
desencadeadores específicos, apesar de apresenta­ pacientes. Os pacientes com transtornos de persona­
rem uma perturbação significante no ajustamento lidade tipicamente apresentam padrões arraigados
pessoal ao longo do tempo. Uma vez que não de pensamento e comportamento, que podem não
podem ser identificados problemas objetivos se render a meses de trabalho terapêutico. Mesmo
específicos, as técnicas padrão usadas na terapia os pacientes que são capazes de reconhecer seus
cognitiva requerem uma modificação. pensamentos ou ações disfuncionais ainda mantêm
um sentimento de desesperança quando se trata
Problemas interpessoais de mudar seus sentimentos, comportamentos e
Na terapia cognitiva tradicional, é esperado crenças centrais.
que os pacientes se envolvam num relacionamento
colaborativo com o terapeuta em algumas sessões. Evitação
Isso frequentemente apresenta um desafio terrível Na terapia cognitiva tradicional, presume-se
para esses pacientes, os quais tipicamente têm que os pacientes têm um acesso relativamente livre
relacionamentos interpessoais disfuncionais dura­ aos seus pensamentos e sentimentos. Entretanto,
douros. Na verdade, as dificuldades interpessoais uma vez que os pacientes com transtornos carac­
são enfatizadas nas definições de transtornos de terológicos cronicamente bloqueiam ou evitam
personalidade do DSM-IV (American Psychiatric sentimentos (evitação afetiva; ver Young, 1994a)
Association, 1994) e geralmente são o problema e pensamentos (evitação cognitiva) dolorosos, as

182
Terapia focada no esquema

técnicas padrão utilizadas na terapia cognitiva ge­ mudança do que os pacientes com transtornos do
ralmente são malsucedidas em conseguir acesso a Eixo 1, o curso do tratamento é frequentemente
seus pensamentos e sentimentos. Young formulou mais longo na terapia focada no esquema.
a hipótese de que essa evitação crônica se desen­
volve como resultado de um condicionamento
aversivo - a ansiedade e a depressão tomam-se
Modelo focado no esquema: estrutura
condicionadas a memórias e cognições, levando
à evitação.
teórica
Apesar dos pacientes com transtornos não O modelo focado no esquema não pretende ser
complexos do Eixo I também apresentarem evi­ uma teoria abrangente de psicopatologia, mas, ao
tação (por exemplo, pacientes com transtorno de contrário, uma teoria operacional para integrar e
pânico que evitam observar seus pensamentos guiar as intervenções clínicas com pacientes que
catastróficos ou evitam ir a lugares nos quais te­ apresentam transtornos caracterológicos. Quatro
mem que um ataque possa ocorrer), eles têm um construtos principais são propostos: esquemas
acesso relativamente livre a seus pensamentos e precoces disfuncionais, domínios do esquema,
sentimentos. Ou seja, com treinamento suficiente, processos do esquema e modos do esquema. Al­
esses pacientes geralmente são capazes de acessar guns desses construtos representam uma extensão
seus pensamentos automáticos e assim desafiar e do modelo cognitivo de curto prazo proposto
modificar seus pensamentos e comportamentos. por Beck e seus colegas (1979), enquanto outros
representam novos construtos baseados em nosso
Diferenças entre a terapia focada no esquema e a trabalho em desenvolvimento, nesse modelo.
terapia cognitiva
A terapia focada no esquema integra técnicas Esquemas disfuncionais iniciais
cognitivas, comportamentais, experienciais e inter­ O conceito de esquemas é central no modelo
pessoais, utilizando o conceito de “esquema” como de terapia de Young (1994a). Os esquemas foram
o elemento unificador. Ela adapta as técnicas usadas definidos anteriormente como “elementos orga­
na terapia cognitiva tradicional, mas vai além da nizados de reações e experiências passadas que
abordagem de curto prazo, através da combinação formam um corpo de conhecimento relativamente
de técnicas interpessoais e experienciais dentro de coeso e persistente, capaz de guiar a percepção e
um enquadre cognitivo-comportamental. as avaliações subsequentes” (Segai, 1988, p. 147).
Comparado à terapia cognitiva tradicional, o De fato, a importância dos esquemas foi percebida
modelo focado no esquema envolve um uso maior por Beck (1967) em alguns de seus primeiros
do relacionamento terapêutico como um veículo trabalhos sobre a depressão, onde ele observou
para a mudança, e uma discussão mais extensiva que “um esquema é uma estrutura (cognitiva) que
de experiências iniciais da vida e das origens dos filtra, codifica e avalia os estímulos que impingem
problemas na infância. Também existe maior ênfase sobre o organismo... Com base na matriz dos es­
na experiência afetiva (por exemplo, imagens, quemas, o indivíduo toma-se capaz de orientar-se
dramatização de papéis) e, como resultado, o nível em relação a tempo e espaço, e de categorizar e
de afeto é muito mais alto nas sessões focadas no interpretar experiências de uma maneira que faça
esquema. A abordagem focada no esquema apoia- sentido” (p. 283).
-se menos na descoberta dirigida e, ao contrário, Ao invés de apresentar uma teoria de es­
defende uma confrontação mais ativa dos padrões quemas concorrente, Young (1994a) propõe um
cognitivos e comportamentais. Finalmente, uma subconjunto de esquemas denominados “esquemas
vez que os pacientes com transtornos de persona­ disfuncionais precoces”. Em contraste à terapia
lidade apresentam uma resistência muito maior à cognitiva breve, que enfoca primariamente dois

183
Fronteiras da Terapia Cognitiva

níveis dos fenômenos cognitivos - pensamentos Entretanto, os esquemas tornam-se poste­


automáticos e pressuposições básicas -, a abor­ riormente elaborados no decorrer do tempo,
dagem focada no esquema propõe uma ênfase transformando-se em padrões profundamente
primária nesse nível mais profundo de cognição, arraigados de pensamentos distorcidos e com­
o esquema disfuncional precoce (o termo “esque­ portamentos disfuncionais. Eles se tornam
mas”, no presente capítulo, será empregado para autoperpetuadores e, portanto, são extremamente
se referir aos “esquemas disfuncionais precoces”, resistentes à mudança. Uma vez que os esquemas
desenvolvidos em períodos iniciais do desenvol­ se desenvolvem cedo na vida, eles se tomam con­
vimento do indivíduo). fortáveis e familiares e geralmente são centrais
O modelo focado no esquema define esquemas ao autoconceito da pessoa e à sua concepção do
como temas amplos e persistentes, relacionados ambiente. Mesmo quando lhes são apresentadas
a si mesmo e ao seu relacionamento com os evidências que refutam o esquema, os indivíduos
outros, desenvolvidos durante a infância e elabo­ persistentemente distorcem a informação para
rados através da vida de uma pessoa, e que são manter a validade do esquema. Por exemplo, um
disfuncionais em um grau significativo (Young, adulto com esquema de Defectividade pode con­
1994a). Por exemplo, crianças que não recebem tinuar a se sentir imperfeito e defeituoso apesar
cuidado, empatia ou proteção de seus pais, podem de lhe ser dito repetidamente que ele é digno de
desenvolver o esquema de Privação Emocional. amor. A ameaça da mudança esquemática é muito
Quando adultos, tais indivíduos podem manter perturbadora para a organização cognitiva central e,
crenças exageradas de que eles não estão sendo portanto, uma variedade de manobras cognitivas e
cuidados e compreendidos por outros, podem-se comportamentais (processos do esquema, descritos
sentir sozinhos e vazios e podem comportar-se abaixo) reforçam o esquema.
de forma excessivamente dependente de outros. Os esquemas são geralmente ativados durante
Várias características definidoras dos esquemas a vida por eventos ambientais relevantes para o
são destacadas. Os esquemas são essencialmente esquema específico. Por exemplo, o esquema dc
temas implícitos, incondicionais, mantidos pelos Abandono de um indivíduo pode ser desencadeado
indivíduos. Eles são percebidos como irrefutáveis se sua esposa sai da cidade para participar de uma
e são aceitos como algo natural. Os esquemas ser­ reunião de negócios. Quando ativados, os esque­
vem como um modelo para processar experiências mas geram altos níveis de afeto no indivíduo e
posteriores e, como resultado, tomam-se elaborados levam direta ou indiretamente a uma variedade de
através da vida e definem os comportamentos, os problemas psicológicos, tais como depressão ou
pensamentos, os sentimentos do indivíduo e os pânico; sentimentos de solidão ou relacionamentos
seus relacionamentos com as outras pessoas. Em destrutivos; desempenho profissional inadequado;
contraste com as pressuposições subjacentes, os dependência de álcool e drogas ou consumo exces­
esquemas são geralmente incondicionais e, por­ sivo de alimentos; ou transtornos psicossomáticos
tanto, muito mais rígidos. como úlceras ou insônia.
Os esquemas se desenvolvem como o resultado Por definição, os esquemas são significativa­
de experiências disfuncionais contínuas com os mente disfuncionais. Eles interferem na habilidade
pais, os irmãos e amigos durante a infância e se de uma pessoa de satisfazer necessidades básicas
desenvolvem à medida que as crianças tentam de estabilidade e conexão, autonomia, poder de
compreender suas experiências e evitar um sofri­ atração, e autoexpressão, e na habilidade de uma
mento adicional. Essencialmente, os esquemas são pessoa de aceitar limites e divisas razoáveis nos
geralmente representações válidas das experiências relacionamentos com outros.
nocivas durante a infância.

184
Terapia focada no esquema

Domínios do esquema e origens desempenhar com sucesso. A família de origem


desenvolvimentais é tipicamente intrusiva, impede a confiança da
Young desenvolveu 18 esquemas e esboçou criança em si mesma, ou superprotetora, ou não
estratégias cognitivas, comportamentais, expe- consegue reforçar a criança para ter um desem­
rienciais e interpessoais específicas para cada um penho competente fora da família.
(Bricker, Young & Flanagan, 1993; Young, 1994a).
Cada um dos esquemas é agrupado em cinco Limites prejudicados
domínios ou categorias amplas, e acredita-se que Os esquemas dentro desse domínio (Mereci-
cada um dos cinco domínios interfere com uma mento/Grandiosidade, Autocontrole/Autodisciplina
necessidade básica na infância. Essa é uma lista Insuficientes) dizem respeito à deficiência nos
tentativa e constantemente aberta à modificação e limites internos, na responsabilidade com outros,
à elaboração baseadas em nosso crescente trabalho ou em orientação a objetivos de longo prazo.
dentro desse modelo. Estudos recentes geralmente Esses esquemas levam à dificuldade de respeitar
confirmam a estrutura fatorial do Questionário de os direitos de outros, de cooperar com outros, de
Esquemas deYoung (Young Schema Questionnaire, assumir compromissos, ou estabelecer e atingir
2a edição), um questionário de autorrelato, derivado metas pessoais realistas. Os pacientes com esses
da experiência clínica e projetado para avaliar os esquemas tipicamente têm famílias caracterizadas
esquemas disfuncionais precoces (Schmidt, 1994; pela permissividade, indulgência, falta de dire­
Schmidt, Joiner, Young & Telch, 1995; Young & ção, ou um senso de superioridade, ao invés de
Brown, 1994). confrontação, disciplina e limites apropriados em
Na seção seguinte, forneceremos uma descrição relação a assumir responsabilidades, cooperar de
de cada domínio dos esquemas. Uma lista dos 18 uma maneira recíproca, e estabelecer metas. Em
esquemas está apresentada no Apêndice. alguns casos, a criança pode não ter sido obrigada
a tolerar níveis normais de desconforto ou pode
Desconexão e rejeição não ter recebido supervisão, direção ou orientação
Os pacientes com esses esquemas esperam que adequadas.
suas necessidades de segurança, estabilidade, cui­
dado, empatia, compartilhamento de sentimentos, Orientação para o outro
aceitação e respeito não serão atendidas de uma Dentro desse domínio, há um foco excessivo
maneira constante ou previsível. Os esquemas nos desejos, sentimentos e respostas dos outros, à
nesse domínio (Abandono/Instabilidade, Descon­ custa das próprias necessidades, a fim de obter amor
fiança/Abuso, Privação Emocional, Defectividade/ e aprovação, manter um senso de conexão, evitar
Vergonha e Isolamento Social/Alicnação) resultam retaliação ou aliviar a dor dos outros. Os pacientes
tipicamente de experiências iniciais de um ambiente com esses esquemas (Subjugação, Autossacrificio,
familiar sem vínculos, frio, rejeitador, contido, Busca de Aprovação/Busca de Reconhecimento)
solitário, explosivo, imprevisível ou abusivo. usualmente suprimem e não tomam consciência de
sua própria raiva e inclinações naturais. A família
Autonomia e desempenho prejudicados de origem típica desses pacientes está baseada na
Essencialmente, os pacientes com esses esque­ aceitação condicional, onde as crianças precisam
mas (Dependência/incompetência, Vulnerabilidade suprimir aspectos importantes de si mesmas para
ao Perigo [Eventos Randômicos], Não Individua- obter amor, atenção e aprovação. Em muitas dessas
ção/Self Subdesenvolvido, e Fracasso) têm certas famílias, as necessidades e os desejos emocionais
expectativas de si mesmos e do ambiente que dos pais, ou a aceitação e status social, são mais
interferem em sua habilidade percebida de separar- valorizados do que as necessidades e sentimentos
-se, sobreviver, funcionar independentemente ou singulares de cada criança.

185
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Hiperuigilância e inibição Por exemplo, uma pessoa com um esquema de


Os esquemas dentro desse domínio incluem Defectividade pode tolerar amigos críticos porque
Negatividade/Vulnerabilidade ao Erro (Eventos ela se percebe como defeituosa.
Controláveis), Excesso de Controle/Inibição Emo­
cional, Padrões Inflexíveis/Crítica Exagerada e Evitação do esquema
Caráter Punitivo. Dentro desse domínio, há uma A evitação do esquema refere-se às estratégias
ênfase excessiva no controle dos sentimentos, cognitivas, comportamentais ou emocionais através
impulsos e escolhas espontâneas de uma pessoa, das quais o indivíduo tenta evitar a ativação de
para evitar cometer erros ou atender a regras e um esquema e o intenso afeto relacionado (por
expectativas rígidas e internalizadas sobre de­ exemplo, a pessoa se distrai dos pensamentos
sempenho e comportamento ético, geralmente à sobre assuntos relacionados com o esquema ou
custa da felicidade, da autoexpressão, do relaxa­ evita situações que provavelmente ativariam o
mento, dos relacionamentos íntimos ou da saúde. esquema). Por exemplo, um paciente com o es­
A família de origem típica é severa (e algumas quema de Fracasso pode evitar trabalhar no seu
vezes punitiva): o desempenho, o dever, o per­ projeto porque ele acredita que será mal avaliado.
feccionismo, a obediência às regras e a evitação Ao agir assim, ele toma provável a obtenção dc
de erros predominam sobre o prazer, alegria e uma avaliação negativa, reforçando assim ainda
relaxamento. Existe normalmente uma tendência mais o esquema (profecia autorrealizante).
oculta ao pessimismo e uma preocupação de que
as coisas possam não dar certo se a pessoa não Compensação do esquema
for vigilante e cuidadosa o tempo todo. A compensação do esquema refere-se a com­
portamentos ou cognições que supercompensam
Processos do esquema um esquema; eles parecem ser opostos ao que
Conforme definido anteriormente, quando a alguém esperaria a partir de um conhecimento de
ameaça de uma mudança esquemática é muito seus esquemas iniciais. As compensações do es­
perturbadora para a organização cognitiva central quema representam tentativas funcionais iniciais da
do self, o indivíduo se engaja em uma variedade criança para aliviar e enfrentar a dor de maus-tratos
de manobras cognitivas e comportamentais ou precoces pelos pais, irmãos ou amigos. Entretanto,
processos do esquema para manter a validade quando estendidas para a idade adulta, as compen­
do esquema. São propostos três processos de sações do esquema geralmente tomam-se muito
esquema: manutenção, evitação e compensação. extremadas para ser funcionais em um ambiente
Esses processos (que eram adaptativos na infância mais saudável e, portanto, passam dos limites. As
e se sobrepõem aos conceitos psicanalíticos de supercompensações, em última análise, são um tiro
mecanismos de resistência e defesa) tomam-se, pela culatra e servem para manter o esquema. Por
mais tarde, estilos disfuncionais de enfrentamento exemplo, um indivíduo com o esquema de Privação
usados pelo indivíduo, que são ativados pelos Emocional, que demanda volumes excessivos de
esquemas e, por sua vez, os reforçam. atenção, pode, de fato, alienar os outros e no final
sentir-se ainda mais privado.
Manutenção do esquema
A manutenção do esquema refere-se aos padrões Modos do esquema
de distorções cognitivas e comportamentos disfun­ Embora vários esquemas possam fundamentar
cionais que reforçam ou perpetuam um esquema os comportamentos, pensamentos, sentimentos e
diretamente (por exemplo, exagerar informações relacionamentos de um indivíduo com outras pes­
que confirmam o esquema, envolver-se em com­ soas, todos os esquemas podem não estar ativos
portamentos que são consistentes com o esquema). ao mesmo tempo. Na verdade, alguns esquemas

186
Terapia focada no esquema

podem ser ativados enquanto outros permanecem forma de evitação do esquema: seu propósito
adormecidos. Um modo de esquema representa um é se distrair ou se tomar insensível à dor dos
grupo de esquemas que estão atualmente ativos esquemas de Privação Emocional e Defectivi­
para um indivíduo em particular. Young define um dade. A autobajulação pode tomar várias formas,
modo de esquema como “uma faceta do self, que incluindo o abuso de drogas e álcool, a atividade
envolve um agrupamento natural de esquemas e sexual compulsiva, a busca de estimulação (por
processos do esquema, que não foi completamente exemplo, investimentos ou apostas de alto valor),
integrado a outras facetas” (Young & Flanagan, comer exageradamente, fantasias de grandiosidade
no prelo). À medida que um indivíduo muda para e trabalhar exageradamente.
outro modo de esquema, um grupo diferente de Os pacientes com transtorno de personalidade
esquemas, anteriormente adormecidos, agora se borderline podem trocar entre quatro modos:
toma ativo. o Protetor Desvinculado, a Criança Raivosa, a
Pacientes com transtornos severos de perso­ Criança Abandonada e o Pai Punitivo. O Protetor
nalidade, tais como pacientes com transtorno de Desvinculado é o modo básico para a maioria des­
personalidade borderline, saltam abruptamente ses pacientes e serve para desligá-los das pessoas
de um modo para outro, primariamente em res­ e de experienciar emoções. Os pacientes com o
posta a circunstâncias ambientais ou eventos da transtorno de personalidade borderline usualmente
vida. Esses modos de esquema ou facetas do self vivenciam uma sensação de despersonalização,
são mais ou menos desligados um do outro e os vazio ou tédio e podem parecer excessivamente
pacientes podem apresentar diferentes cognições, obedientes ou submissos. O abuso de substâncias,
comportamentos e emoções em cada modo. comer excessivamente, a automutilação, e queixas
Por exemplo, os pacientes com um transtorno psicossomáticas são características desse modo.
de personalidade narcisista podem geralmente Tais pacientes podem saltar para o modo Criança
saltar entre três modos, o Autoengrandecedor, a Abandonada quando se sentem assoberbados por
Criança Solitária, e o Autobajulador Desvinculado. ameaças de dano ou abandono. Enquanto nesse
Vários narcisistas passam a maior parte do seu modo, eles caracteristicamente sofrem intensa
tempo no modo Autoengrandecedor, o que inclui depressão, desesperança, medo, desvalorização,
esquemas de Merecimento, Busca de Aprovação, incapacidade de serem amados, vitimização e
Padrões Inflexíveis e Desconfiança. Os narcisistas intensa carência. Como resultado, eles podem
nesse modo agem de forma superior, orientados se envolver em esforços frenéticos para evitar o
pelo status, merecedores e críticos dos outros, abandono e podem até mesmo tentar o suicídio.
mostrando pouca empatia. Eles podem saltar para Uma mudança para o modo do Pai Punitivo ocorre
o modo da Criança Solitária (compreendendo os quando os pacientes com transtorno de persona­
esquemas de Defectividade, Privação Emocional, lidade borderline acreditam que podem ter feito
e Subjugação) se forem isolados de fontes de alguma coisa de errado, por exemplo, ter alguns
aprovação e validação, por exemplo, quando eles sentimentos “inapropriados”, tais como a raiva.
recebem feedback negativo ou crítica. Nesse modo, Eles começam a sentir ódio de si mesmos e raiva
esses indivíduos experimentam agudamente a perda autodirigida, e tendem a se punir duramente por
de status especial e sentem-se desvalorizados. cometerem erros. Por exemplo, eles podem negar
Finalmente, para escapar da dor de estar na média a si mesmos prazeres, podem tomar-se autocríticos
e serem desvalorizados, os narcisistas ou saltam e, em casos severos, podem até mesmo cortar-se
de volta para o modo Autoengrandecedor ou, caso ou mutilar-se.
falhem as tentativas de recuperar a aprovação e Os modos Protetor Desvinculado e Criança
validação, eles mudam para o terceiro modo, o Abandonada criam tremenda raiva nos pacientes
Autobajulador Desvinculado. Esse modo é uma com o transtorno de personalidade borderline,

187
Fronteiras da Terapia Cognitiva

porque envolvem a supressão de necessidades Esquemas de Young, 2a edição), o Multimodal


e sentimentos intensos. Quando a raiva cresce e Life History Inventory (Inventário Multimodal
não pode mais ser contida, geralmente devido a de História de Vida), o Registro de Pensamentos,
um evento percebido como a gota-d’água, esses diários, avaliação do humor, o Young Parenting
indivíduos saltam para o modo Criança Raivosa. Inventory (YPI - Inventário de Educação de Fi­
Nesse modo, suas emoções anteriormente con­ lhos de Young), o Young Compensation Inventory
finadas tomam-se liberadas, e eles geralmente (YCI - Inventário de Compensação de Young), e
tomam-se enfurecidos, exigentes, desvalorizadores, o Young-Rygh Avoidance Inventory (Inventário
manipulativos, controladores e abusivos. Esses de Evitação de Young-Righ), bem como pela
indivíduos agora também se tomam focados em observação dos padrões no relacionamento na
ter suas necessidades atendidas, mas o fazem de terapia. (2) Ativação do Esquema: Nesse estágio,
formas destrutivas. Por exemplo, eles se tomam os esquemas e afetos identificados são ativados
impulsivos, cometem tentativas de suicídio, através de imagens, diálogos e dramatização para
envolvem-se em promiscuidade etc. confirmar o papel dos esquemas e para superar a
Uma vez que os modos de esquemas são mais evitação afetiva. (3) Conceituação do Esquema:
ou menos isolados uns dos outros, e já que os Na preparação para a fase de mudança, o terapeuta
pacientes com transtorno de personalidade apre­ desenvolve uma conceituação geral dos esquemas
sentam diferentes cognições, comportamentos e relevantes e um plano de tratamento. (4) Instrução
emoções em cada modo, o terapeuta deve utilizar sobre o Esquema: No estágio final, a conceituação
diferentes estratégias de tratamento em resposta do problema em termos de esquema e o plano de
a cada modo. O objetivo terapêutico é eliminar tratamento são discutidos com o paciente.
os modos não saudáveis, e, ao mesmo tempo,
desenvolver, nutrir e integrar modos saudáveis. Identificação do esquema
Padrões que duram a vida toda são inicial­
mente identificados durante a entrevista clínica,
de forma que os problemas apresentados pelo
Aplicações práticas da terapia focada
paciente possam ser conceituados dentro do con­
no esquema texto dos esquemas. Informação confirmatória é
O tratamento focado no esquema é dividido então derivada a partir de outras fontes, incluindo
em duas fases: avaliação e mudança. A fase de o Questionário de Esquemas de Young (2a edição;
avaliação foca na identificação e ativação dos Young & Brown, 1994), um inventário de autorre-
esquemas específicos e que são mais relevantes lato com 205 itens que consiste de autoafirmações
para cada paciente, enquanto, na fase de mudança, relacionadas com cada esquema; o Multimodal Life
se tenta modificar os esquemas relevantes, através History Inventory (Lazarus & Lazarus, 1991), um
da alteração das visões distorcidas de si mesmo registro dos eventos históricos importantes na vida
e dos outros. do paciente, que permite ao clínico gerar hipóteses
sobre as origens dos esquemas; o YPI (Young,
Avaliação 1994b), que extrai as origens dos esquemas, através
A fase de avaliação é dividida em grosso modo da solicitação ao paciente para que avalie sua mãe
em quatro estágios: (1) Identificação do Esquema: e seu pai, separadamente, em várias afirmações
Durante esse estágio, os esquemas relevantes referentes à sua infância (por exemplo, “criticava-
são identificados pela análise clínica da queixa -me muito”); o YCI (Young, 1994c), que penetra
e levantamento da história de vida do paciente; no grau e no tipo de compensação do esquema; o
pela da aplicação de inventários tais como o Young-Rygh Avoidance Inventory (Young & Rygh,
Young Schema Questionnaire (Questionário de 1994), que mede o grau e o tipo de evitação do

188
Terapia focada no esquema

esquema. O Diário do Esquema, um registro de não despertem afetos significativos podem ser
humor dado aos pacientes para documentar pen­ considerados secundários para o paciente.
samentos, sentimentos e comportamentos, durante A ativação do esquema é também usada para
períodos de estresse ou ansiedade (Young, 1994d), superar sua evitação; entretanto, esse processo
também fornece informações importantes sobre os não tem a intenção de modificar os esquemas,
esquemas básicos. mas meramente facilitar a modificação durante a
Uma vez que os esquemas específicos sejam fase de mudança. A ativação dos esquemas per­
identificados, o clínico deve explorar como os mite que os pacientes, particularmente aqueles
pacientes caracteristicamente mantêm, evitam que apresentam evitação do esquema, suportem
e compensam os esquemas. Por exemplo, um sentimentos dolorosos sem fugir, de forma que a
paciente identificado como tendo o esquema de fase de mudança possa prosseguir eficientemente.
Defectividade, pode entrar em um relacionamento Conforme mencionamos anteriormente, os pacien­
íntimo com alguém exageradamente crítico e, tes com transtornos de personalidade apresentam
desse modo, continuar a se sentir ainda mais im­ forte evitação afetiva e cognitiva. Enquanto eles
perfeito. Identificar esses processos de esquemas continuarem a evitar pensamentos e memórias que
ajuda ao clínico a determinar como os esquemas causam emoções dolorosas, a terapia não pode
são perpetuados pelo paciente e também fornece progredir eficientemente porque o terapeuta e o
confirmação adicional sobre a primazia de certos paciente não têm acesso a informações vitais que
esquemas sobre outros. estão fora da consciência. As técnicas experien­
Finalmente, os modos do esquema são também ciais, tais como as imagens, são empregadas para
identificados durante esse estágio. Os clínicos facilitar a habilidade dos pacientes de vivenciarem
necessitam não somente distinguir os diferentes emoções dolorosas que são desencadeadas por seus
modos, mas também precisam estar alertas a esquemas, e assim trazer à lembrança os eventos e
disparadores situacionais ou eventos de vida, que as cognições associadas com o afeto. Em suma, o
ativam cada modo, e observar as diferentes cog- papel do terapeuta nessa fase é ajudar os pacientes
nições, emoções e comportamentos apresentados a tolerarem baixos níveis do afeto relacionado com
pelos pacientes em cada modo de esquema. o esquema e, então, intensificar gradualmente a
experiência, até que eles sejam capazes de tolerar
Ativação do esquema o exercício de imaginação completo, sem recuar
Uma vez que a identificação do esquema esteja diante da imagem. Esse processo, em última
completa, o terapeuta focaliza, agora, a ativação análise, permite que os pacientes tenham acesso
dos esquemas primários durante as sessões de a pensamentos e emoções anteriormente evitados
avaliação. Um dos componentes mais valiosos e facilita a modificação dos esquemas básicos
nessa fase envolve o uso de técnicas experienciais, durante a fase de mudança.
tais como pedir ao paciente que imagine uma cena
do início da infância que lhe venha à mente, para Conceituação do esquema
desencadear o afeto associado com os esquemas Antes que a fase de mudança possa começar,
identificados. o material obtido durante a fase de avaliação é
O objetivo da ativação do esquema é duplo. integrado em um mapa geral dos problemas do
Primeiro, ativar os esquemas durante a avaliação paciente usando o Formulário de Conceituação
confirma a primazia dos esquemas identificados. do Esquema {Schema Conceptualization Form,
Isto é, os esquemas que trouxerem à tona (ou Young, 1992). Podem ser necessárias várias ses­
estejam associados com) altos níveis de afeto sões para se chegar a esse ponto, dependendo da
durante as sessões de ativação do esquema podem duração e complexidade dos assuntos envolvidos
ser considerados primários, enquanto aqueles que e do quanto o paciente está ferido, autoprotetor,

189
Fronteiras da Terapia Cognitiva

compensado ou evitativo. A conceituação é sempre semelhantes às utilizadas na terapia cognitiva pa­


feita sob medida para o paciente individual, visto drão, vamos simplesmente resumir essas técnicas.
que a padronização dos esquemas e o modo par­ As técnicas focadas no esquema, exclusivas desse
ticular através do qual eles interagem é diferente modelo, serão apresentadas em maiores detalhes.
para cada pessoa. Dois pacientes com o esquema Durante toda a fase de mudança, a postura
central de Defectividade podem apresentar qua­ básica do terapeuta em relação ao paciente é de
dros clínicos muito diferentes. Além de serem “confrontação empática”. Isso envolve empatizar
diferentes na idade, inteligência, origem étnica, consistentemente com os esquemas básicos, en­
e assim por diante, alguns pacientes com o es­ quanto se confronta o paciente com a necessidade
quema de Defectividade podem parecer instáveis, de mudar seus pensamentos, sentimentos e com­
autoabsortos e ansiosos por falar sobre aspectos portamentos disfuncionais. O terapeuta deveria se
superficiais de si mesmos, enquanto outros podem empenhar em equilibrar a empatia e a confrontação
ser muito cautelosos e perceber-se ameaçados por ou teste de realidade, de forma contínua durante
quaisquer questões pessoais, independente de quão essa fase.
gentilmente elas sejam colocadas.
Técnicas cognitivas
Instrução sobre o esquema O objetivo geral das técnicas cognitivas é alterar
Finalmente, antes que a mudança seja iniciada, a visão distorcida de si mesmo e dos outros, que
é essencial explicar aos pacientes a natureza de tem origem no esquema, através da apresentação
seus esquemas, para desenvolver um entendimento de evidência objetiva contrária para refutá-la. Os
compartilhado de seus problemas e questões cen­
exercícios cognitivos são voltados a melhorar a
trais. Isso também permite que paciente e terapeuta
forma através da qual os pacientes habitualmente
concordem sobre a conceituação do problema e
processam informação, de modo que eles sejam
o tratamento no contexto do modelo de esquema.
capazes de manter os ganhos obtidos na terapia.
Para melhor consolidar sua compreensão dos es­
Os exercícios cognitivos incluem a “revisão da
quemas, recomendamos que os pacientes leiam
vida”, seção na qual os pacientes são solicitados
Reinventing Your Life (Reinventando sua Vida;
a fornecer evidências sobre suas vidas que con­
Young & Klosko, 1994), um livro de autoajuda
firmam e desconfirmam o esquema. O objetivo da
baseado na abordagem focada no esquema.
revisão da vida é (1) ajudar os pacientes a avaliar
Também fornecemos rotineiramente aos novos
pacientes o A Client's Guide to Schema-Focused como seus esquemas distorcem suas percepções e
Therapy (Guia do Cliente para a Terapia Focada sentimentos, dessa forma mantendo rigidamente o
no Esquema; Bricker & Young, 1994). Esse livrete esquema e (2) começar o processo de distancia­
de seis páginas explica a abordagem focada no mento, ao invés da identificação com os esquemas.
esquema e fornece exemplos ilustrativos de como Também são usados nessa fase os Cartões do
cada esquema opera. Esquema (Young, 1996), de forma que os pacientes
possam continuar o processo de distanciamento fora
A fase de mudança da terapia. Os cartões consistem basicamente de
Conforme definido anteriormente, o modelo fichas desenvolvidas em conjunto pelo terapeuta e
focado no esquema é uma abordagem integrativa pelo paciente, que incorporam as mais poderosas
para o tratamento de pacientes com transtornos evidências e argumentos contra os esquemas. Os
caracterológicos, que incorpora técnicas expe- pacientes são incentivados a carregar esses cartões
rienciais e interpessoais, dentro de um enquadre em todos os momentos e lugares, sendo-lhes soli­
cognitivo-comportamental. Uma vez que muitas citado que os leiam repetidamente, especialmente
das estratégias cognitivas e comportamentais são quando um esquema é ativado (por exemplo,

190
Terapia focada no esquema

quando eles têm um “ataque esquemático”). A Os pacientes são encorajados a permanecer


repetição constante de respostas racionais e o re­ com seus sentimentos e finalmente responder à
conhecimento de evidências contrárias ao esquema imagem com a nova parte mais saudável de si
no momento de sua ativação ajudam os pacientes mesmos. Por exemplo, durante a imagem, uma
a tomar distância do esquema e do sentimento a paciente com esquema de Defectividade pode ser
ele relacionado, e a se identificar mais com a voz encorajada a expressar a um pai crítico como ele
mais nova, mais saudável e mais objetiva. a fez sentir, e a ficar com raiva dele por maltratá-
-la. Esse trabalho permite aos pacientes continuar
Técnicas experienciais se distanciando de seus esquemas, ajudando-os a
As técnicas experienciais têm sido crescente­ mudar a percepção de sua infância. Por exemplo,
mente incorporadas à terapia cognitiva em anos confrontar um pai crítico na imaginação pode per­
recentes (por exemplo, ver Daldrup, Beutler, Engle mitir a uma paciente reconhecer o papel do pai na
& Greenberg, 1988; Safran & Segai, 1990) e são formação do seu esquema de Defectividade, em
usadas para sincronizar as emoções dos pacien­ vez de atribuir a crítica a si mesma.
tes com as mudanças cognitivas. Essas técnicas
Diálogo com o Esquema. Em um diálogo com
parecem estar entre as mais úteis de todas as es­
o esquema, os pacientes aprendem a rejeitar os
tratégias utilizadas na terapia focada no esquema,
sentimentos ativados pelo esquema e a fortalecer
e acredita-se que alteram os esquemas básicos de
os aspectos saudáveis de si mesmos. Eles são
modo fundamental, e geralmente de modo mais
encorajados a confrontar o esquema, produzindo
poderoso do que o uso exclusivo de técnicas
evidência contrária para refutá-lo. Assim como
cognitivas. As técnicas experienciais habilitam o
a revisão da vida habilita os pacientes a expe­
paciente a experienciar a ativação afetiva associada
rienciar uma distância cognitiva do esquema, o
ao esquema, a qual, por sua vez, facilita a modifi­
diálogo com o esquema permite aos pacientes
cação do esquema básico. Entre as duas técnicas
experienciar liberdade emocional e autoeficácia,
mais comumente utilizadas estão exercícios de
imagens e diálogos com o esquema. ao mesmo tempo em que aumentam sua distância
emocional do esquema.
Técnicas de Imagens. As técnicas de imagens
figuram entre as abordagens mais dramáticas para Com essa técnica, pede-se aos pacientes para
modificar os esquemas. Em vez de meramente re­ alternar entre duas cadeiras. Em uma cadeira, eles
cordar e tolerar a dor e o desconforto na imagem, dramatizam a “voz” do esquema (pensamentos
conforme exigido na fase de avaliação, os pacientes consistentes com seu esquema). Os pacientes
são agora encorajados a modificar a imagem. Por habitualmente fazem isso com facilidade, porque
exemplo, um paciente com o esquema de Privação seus pensamentos dirigidos pelo esquema formam
Emocional pode ser encorajado a confrontar um o centro de seu autoconceito. Na outra cadeira, os
progenitor privador na segurança da imagem. pacientes são incentivados a responder à “voz”
do esquema a partir do “lado saudável”. Já que
Pede-se aos pacientes que visualizem a cena
tão vividamente quanto possível. Para facilitar os pacientes experienciam mais dificuldade em
isso, o terapeuta pode pedir aos pacientes que refutar o esquema, o clínico pode “apoiá-los”,
descrevam detalhes da situação, tal como eles a apontando evidências contrárias, com base em
viram naquela idade; como os pais, irmãos ou seu conhecimento sobre as vidas dos pacientes,
colegas pareciam; como era a cena; a hora do dia; e encorajando-os a focalizarem em como eles se
e assim por diante. Durante o procedimento de sentem vivendo com o esquema.
imagens, também se presta particular atenção ao Além de permitir um distanciamento do es­
acesso aos sentimentos e pensamentos relevantes quema, o diálogo com o esquema também habilita
à cena visualizada. os pacientes a perceber que é a voz do esquema

191
Fronteiras da Terapia Cognitiva

que mantém seus sentimentos negativos e, portanto, Esquemas Ativados no Relacionamento Terapêu­
esses sentimentos não são inerentemente válidos. tico. Uma vez que vários dos temas esquemáticos
Com prática suficiente, os pacientes gradualmente dos pacientes (por exemplo, Privação Emocional,
aprendem a assumir o papel da voz saudável e a Subjugação, Dependência e Defectividade) surgem
contradizer a voz do esquema. Quando eles atin­ em relação ao terapeuta, os pensamentos e senti­
gem esse estágio, sua habilidade para expressar mentos do paciente sobre o terapeuta também se
sentimentos e rejeitar o esquema lhes dá um senso tomam relevantes na identificação, na ativação e
de liberação desse modo habitual de pensar, pos­ na modificação dos esquemas.
sibilitando um modo mais novo e mais saudável Diferentemente da terapia psicanalítica tradicio­
de pensar e sentir. nal, o terapeuta focado no esquema trabalha direta
e colaborativamente com os pacientes, a fim de
Técnicas interpessoais identificar os esquemas no momento em que eles
Uma vez que muitos pacientes com transtornos surgem durante as sessões. Quando se acredita que
caracterológicos têm dificuldade em estabelecer um esquema é ativado em relação ao terapeuta,
um relacionamento terapêutico, e uma vez que este dá aos pacientes a oportunidade de testar a
problemas interpessoais geralmente são o ponto validade de seus esquemas. Isso pode envolver a
central para esses pacientes, a relação terapêutica é autorrevelação, por parte do terapeuta, para corrigir
geralmente um veículo potente para a modificação as distorções do paciente. Geralmente o terapeuta
do esquema. oferece feedback direto, que contradiz as crenças e
Reparentalidade Limitada. Um aspecto do papel expectativas dos pacientes originadas no esquema,
do terapeuta é conceituado como “reparentalidade provendo-os com a oportunidade de expressar
limitada”, através da qual o terapeuta tenta prover sentimentos altamente carregados, diretamente na
um relacionamento terapêutico que se contrapõe sessão. Pela confrontação cmpática repetida, os
aos esquemas. Os esquemas e os domínios do pacientes são ensinados a entender o papel dos
esquema do paciente guiam o terapeuta na decisão esquemas na manutenção de seus pensamentos
de que aspectos do processo de reparentalidade e expectativas, e a desafiá-los e modificá-los à
podem ser especialmente importantes. A reparenta­ medida que eles surgem durante as sessões.
lidade limitada é mais valiosa para pacientes com Relacionamentos Interpessoais. Os esquemas
esquemas no domínio de Rejeição e Desconexão, também são mantidos pelo atual ambiente inter­
particularmente para aqueles que experienciaram pessoal do paciente, incluindo amigos e parceiros.
crítica, abuso, instabilidade, privação ou rejeição Os pacientes são gradualmente conscientizados
extremos quando crianças. Por exemplo, se os pais sobre o papel de seus esquemas na manutenção de
de um paciente foram extremamente críticos, o relacionamentos interpessoais. Os padrões observa­
terapeuta tenta ser tão aceitador quanto possível dos dentro da relação terapêutica também podem
e tenta elogiar o paciente direta e frequentemente. ser aplicados aos relacionamentos interpessoais,
Se os pais do paciente foram contidos, o terapeuta externos ao ambiente terapêutico.
se empenha em ser tão acolhedor quanto possível. Quando possível, amigos ou cônjuges podem
Logicamente, o terapeuta somente oferece uma ser convidados para as sessões, a fim de ajudar os
aproximação da experiência emocional perdida, pacientes a avaliar a validade de seus esquemas
enquanto mantém os limites éticos e profissionais e a modificar seus relacionamentos disfuncionais.
do relacionamento. Nenhuma tentativa é feita pelo Durante essas sessões, o terapeuta confronta os
terapeuta de representar o papel de pai (ou mãe), pensamentos e expectativas dos pacientes, guiados
ou de regredir o paciente a um estado de depen­ pelo esquema, e os ajuda a extrair inferências
dência semelhante ao de uma criança. corretas sobre os outros. Tais sessões também

192
Terapia focada no esquema

habilitam os pacientes a comunicar seus pensa­ é-lhes solicitado que emitam tais comportamentos
mentos e sentimentos não expressos anteriormente, fora da sessão (exposição in vivo).
em um ambiente seguro. Os resultados de tais Se os pacientes executarem o exercício com su­
reuniões podem frequentemente ser dramáticos, cesso fora da sessão, eles serão reforçados durante
particularmente quando os participantes conseguem a sessão seguinte e serão então orientados para o
ver como seus esquemas interagem para produzir exercício seguinte, mais difícil, na hierarquia. Sc os
conflito e desapontamento. pacientes não obtiverem sucesso, a situação é dis­
cutida longamente, a fim de identificar exatamente
Técnicas comportamentais como ou onde ela falhou. Frequentemente, cartões
Técnicas comportamentais são utilizadas na são úteis em ajudar os pacientes a desafiar esque­
terapia focada no esquema, a fim de modificar mas, enquanto fazem mudanças comportamentais.
padrões autoderrotistas de evitação, manutenção e Uma vez que a fonte do fracasso é identificada, o
compensação comportamentais, os quais têm con­ mesmo exercício é ensaiado novamente durante
corrido para perpetuar os esquemas dos pacientes. a sessão, antes que o paciente tente executá-lo
Apesar dos exercícios cognitivos enfraquecerem fora da terapia.
o esquema, os pensamentos relacionados com o Quebra do Padrão Comportamental Além dos
esquema podem ainda ser ativados em situações exercícios que focalizam o acréscimo de novos
específicas, conduzindo os pacientes a continuar a comportamentos a seus repertórios, os pacientes
se comportar de formas que reforçam o esquema. também são encorajados a parar de se comportar
Portanto, exercícios comportamentais são usados de formas que reforçam o esquema. Por exemplo,
em conjunção com exercícios cognitivos, a fim de uma vez que pacientes com um esquema de De-
desafiar ainda mais os pensamentos e comporta­ fectividade frequentemente percebem sugestões
mentos em situações específicas. A terapia focada bem-intencionadas como críticas ásperas (manu­
no esquema incorpora, quando apropriado, várias tenção do esquema), eles podem ser ajudados a
técnicas eficazes e comportamentais bem estabele­ fazer uma distinção entre sugestões úteis e a crítica
cidas, tais como habilidades sociais, treinamento de excessivamente depreciativa. Uma vez que sejam
assertividade, exposição sistemática e programação capazes de fazer essa distinção, eles são ensinados
comportamental, com a finalidade de mudar os a confrontar parceiros que sejam inapropriada-
comportamentos que reforçam o esquema. mente críticos e a terminar o relacionamento se
Emitindo Novos Comportamentos. Às vezes, os parceiros não mudarem. Eles também podem
uma hierarquia de exposição é construída em ser ensinados a responder mais adequadamente a
conjunto pelo terapeuta e paciente, a fim de per­ amigos que ofereceram feedback construtivo, ao
mitir que os pacientes desafiem seus pensamentos invés de se tomarem depressivos ou defensivos.
sistematicamente e emitam novos comportamentos
que contradizem o esquema. Antes que a exposi­
ção in vivo ocorra, os pacientes são expostos, na Validação clínica e empírica da terapia
imaginação, a cada passo na hierarquia durante a
focada no esquema
sessão de terapia. Esse processo reduz sua ansie­
dade e aumenta a probabilidade de sucesso fora Em nossa experiência clínica, o modelo de
da terapia, porque esses novos comportamentos, Young, focado no esquema, tem sido aplicado
que ainda não faziam parte de seu repertório, serão com sucesso a pacientes com vários transtornos
vividos inicialmente na imaginação. Uma vez que do DSM-IV, incluindo a prevenção de recaída
os pacientes completam com sucesso cada passo nos transtornos de depressão e ansiedade (Young,
na hierarquia, através da exposição imaginada, Beck & Weinberger, 1993); nos transtornos de

193
Fronteiras da Terapia Cognitiva

personalidade evitativo, dependente, compulsivo, técnicas interpessoais e experienciais, e dentro de


passivo-agressivo, histriônico, borderline, e nar­ um enquadre cognitivo-comportamental, utilizando
cisista; no abuso de substância durante a fase de o conceito de esquema disfuncional inicial como
recuperação; e no caso de pacientes com uma o elemento unificador.
história de transtornos alimentares, dor crônica,
ou abuso infantil (McGinn, Young & Sanderson,
1995). Entretanto, estudos de resultados clínicos
Apêndice: esquemas disfuncionais
controlados, comparando a eficácia relativa da te­
rapia focada no esquema versus a terapia cognitiva iniciais2
padrão para o tratamento desses transtornos, ainda
estão por ser realizados. Domínio I. Desconexão e rejeição
Investigações futuras poderão comparar os
1. Abandono/instabilidade
resultados do tratamento para pacientes do Eixo I,
com e sem um transtorno de personalidade, tanto A instabilidade ou desconfiança percebida em
na terapia cognitiva breve quanto na terapia focada relação àqueles que estão disponíveis para apoio
no esquema. Especificamente, os pacientes que se e conexão. Esse esquema inclui a sensação de
apresentam com um transtorno principal do Eixo que os outros significativos não serão capazes de
I, com e sem a comorbidade de um transtorno de continuar provendo apoio emocional, conexão,
personalidade, podem ser tratados tanto com a força, ou proteção prática, devido ao fato de que
terapia cognitiva de curto prazo apenas, ou com eles são emocionalmente instáveis e imprevisíveis
a terapia cognitiva associada à terapia focada no (por exemplo, acessos de raiva), não confiáveis, ou
esquema. Esse tipo de desenho experimental ava­ irregularmente presentes; ou devido à possibilidade
liaria se a adição de um componente focado no de sua morte iminente; ou porque eles abandonarão
esquema mantém os ganhos, previne a recaída, e o paciente em favor de alguém melhor.
assim por diante, em comparação ao uso exclusivo
da terapia cognitiva. Além disso, os pacientes com 2. Desconfiança/abuso
um transtorno principal do Eixo II podem ser A expectativa de que os outros irão machucar,
tratados tanto com a terapia cognitiva tradicional abusar, humilhar, enganar, mentir, manipular, ou
quanto com a terapia focada no esquema. Isso tirar vantagem. Esse esquema geralmente envolve
nos permitiría determinar se, conforme proposto, a percepção de que o mal é intencional ou o resul­
a terapia focada no esquema é superior à terapia tado de negligência injustificada e extrema. Pode
cognitiva breve para esses pacientes. incluir a sensação de que a pessoa sempre termina
sendo injustiçada relativamente aos outros ou de
que “fica com as desvantagens”.

Conclusão 3. Privação emocional


A terapia focada no esquema é um promissor e A expectativa de uma pessoa de que o seu
novo modelo integrativo de tratamento para uma desejo de um grau normal de apoio emocional
ampla variedade de padrões duradouros. A terapia não será adequadamente atendido pelos outros.
focada no esquema adapta técnicas utilizadas na As três maiores formas de privação são (a) priva­
terapia cognitiva tradicional, mas vai além da abor­ ção de cuidado: falta de atenção, afeto, calor, ou
dagem de curto prazo, através da combinação de companheirismo; (b) privação de empatia: falta de

Desenvolvido por Jeffrey E. Young, PhD. Copyright 1996 by Jeffrey E. Young. Proibida a reprodução sem o consentimento expresso do autor.
Para maiores informações, contatar: Cognitive Therapy Center of New York, 8 East 80th Street, PH, New York, NY 10021.

194
Terapia focada no esquema

compreensão, de ser ouvido, da autorrevelação, ou 8. Não individuação/self subdesenvolvido


do mútuo compartilhamento, com outros, de seus envolvimento emocional e proximidade ex­
sentimentos; (c) privação de proteção: ausência de cessivos com uma ou mais pessoas significativas
força, direção ou orientação por parte dos outros. (geralmente os pais), à custa de sua completa
individuação ou de um desenvolvimento social
4. Defectividade/vergonha normal. Frequentemente envolve a crença de que
O sentimento de uma pessoa dc que ela é im­ pelo menos um dos indivíduos envolvidos não
perfeita, má, indesejada, inferior, ou inválida em pode sobreviver ou ser feliz sem o apoio cons­
aspectos importantes; ou de que uma pessoa não tante do outro. Também pode incluir sentimentos
seria amada por outras pessoas significativas se de ser sufocado por, ou em simbiose com, outros
exposta. Pode envolver hipersensibilidade à crítica, ou de identidade individual insuficiente. Geral­
rejeição e culpa; desconforto, comparações, e inse­ mente é experienciado como um sentimento de
gurança em relação aos outros; ou um sentimento vazio e privação, falta de direção, ou, em casos
de vergonha referente às próprias falhas percebidas. extremos, pode ocasionar o questionamento da
Essas falhas podem ser privadas (por exemplo, própria existência.
egoísmo, impulsos raivosos, desejos sexuais não
aceitáveis) ou públicas (por exemplo, aparência 9. Fracasso
física indesejável, inabilidade social). A crença de que uma pessoa fracassou, irá
inevitavelmente fracassar, ou é fundamentalmente
5. Isolamento social/alienação inadequada em relação aos seus pares em áreas
O sentimento de que a pessoa está isolada do de realização pessoal e profissional (carreira, es­
resto do mundo, é diferente das outras pessoas e/ portes etc.). Frequentemente envolve crenças de
ou não é parte de nenhum grupo ou comunidade. que a pessoa é estúpida, ineficiente, sem talento,
ignorante, de status inferior, com menor sucesso
Domínio II: Autonomia e desempenho que os outros, e coisas semelhantes.
prejudicados
Domínio III: Limites Prejudicados
6. Dependência/incompetência
A crença de uma pessoa de que ela é incapaz 10. Merecimento/grandiosidade
de lidar com suas responsabilidades diárias de uma A crença de que uma pessoa é superior às outras
maneira competente, sem considerável ajuda dos pessoas; é digna de direitos e privilégios especiais,
outros (por exemplo, tomar conta de si mesma, ou não restrita às regras de reciprocidade que
resolver problemas rotineiros, fazer bom julga­ orientam a interação social normal. Frequentemente
mento, realizar novas tarefas, tomar boas decisões). envolve uma insistência relativa à ideia de que a
Frequentemente se apresenta como desamparo. pessoa deveria poder fazer ou ter qualquer coisa
que quiser, independente do que seja realista, do
7. Vulnerabilidade ao perigo (eventos randômicos) que os outros considerem razoável, ou do custo
medo exagerado de que uma catástrofe ines­ para os outros; ou um foco exagerado na supe­
perada (“randômica”) possa ocorrer a qualquer rioridade (por exemplo, figurar entre aqueles de
momento, e de que a pessoa será incapaz de evitá- maior sucesso, famosos, ricos), a fim de alcançar
-la. Os medos focalizam um ou mais dos seguintes poder ou controle (não primariamente por atenção
domínios: (a) médico (por exemplo, ataque do ou aprovação). Às vezes inclui competitividade
coração, AIDS), (b) emocional (por exemplo, ficar excessiva ou dominação de outros - declarando seu
louco), (c) natural/fóbico (por exemplo, elevadores, poder, forçando seu ponto de vista, ou controlando
crime, aviões, terremotos). o comportamento dos outros em linha com seus

195
Fronteiras da Terapia Cognitiva

próprios desejos - sem empatia ou preocupação como carentes. Frequentemente resulta de uma
com as necessidades ou sentimentos dos outros. sensibilidade aguda à dor dos outros. Às vezes
conduz a um sentimento de que as suas próprias
11. Autocontrole/autodisciplina insuficientes necessidades não estão sendo adequadamente
Dificuldade ou recusa generalizada a exercer atendidas e ao ressentimento em relação àqueles
suficiente autocontrole e tolerância à frustração que que estão sendo cuidados (sobrepõe-se ao conceito
lhe permitiríam alcançar seus objetivos pessoais, ou de codependência).
a refrear a expressão excessiva das suas emoções
e impulsos. Na sua forma mais amena, o paciente 14. Busca de aprovação/busca de reconhecimento
apresenta-se com uma ênfase exagerada na evitação Uma ênfase excessiva em obter aprovação,
do desconforto - evitar dor, conflito, confrontação, reconhecimento ou atenção das outras pessoas ou
responsabilidade, ou esforço exagerado - à custa em encaixar-se, à custa do desenvolvimento de
da própria satisfação, de comprometimento ou da um senso seguro e verdadeiro do self. O senso de
integridade pessoal. autoestima da pessoa é dependente primariamente
das reações dos outros, ao invés de suas próprias
Domínio IV: Orientação para o outro inclinações naturais. Algumas vezes inclui uma
ênfase excessiva em status, aparência, aceitação
12. Subjugação social, dinheiro, ou realização pessoal como meio
Uma entrega excessiva de controle aos outros, de obter aprovação, admiração, ou atenção (não
devido ao fato de que a pessoa se sente coagida primariamente com o sentido de poder ou controle).
- geralmente a fim de evitar raiva, retaliação, ou Frequentemente resulta em importantes decisões
abandono. As duas principais formas de subjugação de vida que não são autênticas ou satisfatórias, ou
são: (a) subjugação de necessidades: supressão em hipersensibilidade à rejeição.
das suas preferências, decisões e desejos; e (b)
subjugação de emoções: supressão da expressão Domínio V: Hipervigilância e inibição
emocional, especialmente a raiva. Esse esquema
geralmente envolve a percepção de que seus 15. Negatividade/vulnerabilidade ao erro (eventos
próprios desejos, opiniões e sentimentos não são controláveis)
válidos ou importantes para os outros. Frequen­ Foco amplo e perpétuo em aspectos negativos da
temente apresenta-se como anuência excessiva, vida (dor, morte, perda, desapontamento, conflito,
combinada com hipersensibilidade a sentir-se culpa, ressentimento, problemas não resolvidos,
encurralada. Geralmente leva ao desenvolvimento erros potenciais, traição, coisas que podem dar
da raiva, manifestada em sintomas disfuncionais errado etc.), ao mesmo tempo em que a pessoa
(por exemplo, comportamento passivo-agressivo, minimiza ou negligencia os aspectos otimistas
explosões descontroladas de raiva, sintomas psi- ou positivos; ou uma expectativa exagerada -
cossomáticos, retraimento do afeto, dramatizações, em uma ampla gama de situações de trabalho,
abuso de substância). 13 * * * financeiras ou interpessoais que são tipicamente
vistas como “controláveis” - de que as coisas
13. Autossacrifício darão seriamente errado, ou de que os aspectos
Foco excessivo em atender voluntariamente da vida da pessoa que parecem estar indo bem
às necessidades dos outros em situações diárias, desmoronarão a qualquer momento. Usualmente
à custa da própria gratificação. As razões mais envolve um medo desmedido de cometer erros
comuns são para evitar causar dor aos outros, que possam levar a um colapso financeiro, perda,
para evitar a culpa de sentir-se egoísta, ou para humilhação, perda de controle ou ficar encurra­
manter a conexão com outros que são percebidos lado em uma situação. Devido ao fato de que

196
Terapia focada no esquema

resultados negativos potenciais são exagerados, comportamento e desempenho, habitualmente a


esses pacientes são frequentemente caracterizados fim de evitar críticas. Geralmente resulta em sen­
por preocupação, vigilância, pessimismo, queixas timentos de pressão ou dificuldade em desacelerar,
ou indecisão crônicas. e na crítica exagerada a si mesmo e aos outros. É
necessário que envolva prejuízo significativo no
16. Excesso de controle/inibição emocional prazer, relaxamento, saúde, autoestima, senso de
A inibição excessiva da ação, sentimento ou realização, ou relacionamentos satisfatórios. Pa­
comunicação espontâneos - habitualmente a fim de drões inflexíveis tipicamente se apresentam como
criar um sentimento de segurança e previsibilidade (a) perfeccionismo, atenção desmedida ao detalhe,
ou de evitar cometer erros, a desaprovação dos ou uma subestimação da qualidade do próprio
outros, a catástrofe e o caos, ou perder o controle desempenho em relação à norma; (b) regras rígi­
de seus impulsos. As áreas mais comuns de con­ das e a chamada “tirania dos deveres” em várias
trole excessivo envolvem (a) inibição da raiva e áreas da vida, incluindo preceitos morais, éticos,
agressão; (b) ordem e planejamento compulsivos; culturais ou religiosos irrealisticamente altos; ou (c)
(c) inibição de impulsos positivos (por exemplo, preocupação com o tempo e eficiência, de forma
alegria, excitação sexual, brincar); (d) atenção que mais coisas possam ser realizadas.
excessiva a rotinas ou rituais; (e) dificuldade em
expressar vulnerabilidades ou comunicar-se livre­ 18. Caráter punitivo
mente sobre os próprios sentimentos, necessidades A crença de que as pessoas deveríam ser gra­
e assim por diante; ou (f) ênfase excessiva na vemente punidas por cometer erros. Envolve a
racionalidade, ao mesmo tempo em que descon­ tendência a ser raivoso, intolerante, punitivo, e
sidera necessidades emocionais. Frequentemente, impaciente com aquelas pessoas (incluindo a si
o excesso de controle é estendido a outros no mesmo) que não atingem as suas expectativas
ambiente do paciente. 17 ou padrões. Habitualmente, inclui a dificuldade
de perdoar erros em si mesmo ou nos outros,
17. Padrões inflexíveis/crítica exagerada devido à relutância em considerar circunstâncias
A crença básica de que uma pessoa precisa lutar atenuantes, admitir a imperfeição humana, ou
para atingir padrões internalizados muito altos de empatizar com os sentimentos.

197
Fronteiras da Terapia Cognitiva

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199
Capítulo 10

Terapia cognitiva em pacientes internados

Jesse H. Wright

aplicação dos princípios de terapia cog­ (Kleespies, 1986). Entretanto, modelos de terapia

A nitiva para o tratamento de pacientes


internados está tomando lugar em um
momento crítico na história da psiquiatria hospi­
talar. A duração da permanência de pacientes na
cognitiva têm emergido como um método de for­
necer intervenções psicossociais substantivas em
uma era de financiamento público de programas
de saúde (managed care). Como será discutido
maioria dos hospitais na América do Norte caiu posteriormente neste capítulo, terapia cognitiva
dramaticamente, e pacientes que preenchem critério tem muitos atributos que a faz altamente ade­
para hospitalização, sob os programas severos de quada para uso no tratamento em curto prazo de
revisão da utilização de leitos, estão geralmente pacientes internados.
muito enfermos. Um paciente típico pode ter sido Programas cognitivamente orientados para
admitido por causa de uma tentativa de suicídio pacientes internados foram inicialmcnte desenvol­
ou por um episódio psicótico complicado por vidos em centros acadêmicos, na mesma época em
transtornos comórbidos, tais como transtorno de que foi iniciada a pesquisa sobre a aplicação de
personalidade, abuso de drogas ou problemas terapia cognitiva a este grupo de pacientes. Um
médicos significativos. A grave interrupção de centro de tratamento em terapia cognitiva para
relações sociais e funcionamento ocupacional pacientes internados foi estabelecido em 1980 na
também é comum. Clínica Psiquiátrica Norton da Universidade de
Os terapeutas de pacientes hospitalizados fre­ Louisville, e o primeiro relato sobre o tratamento
quentemente têm alcançado um grande avanço em de pacientes internados com terapia cognitiva veio
um período curto de tempo. Eles devem reduzir da Universidade de Western Ontário, no mesmo
sintomas substancialmente e reabilitar o funcio­ ano (Shaw, 1980). Subsequentemente, Miller, Bi­
namento social e ocupacional para que o paciente shop, Norman e Keitner (1985) começaram a usar
possa ter alta do hospital e possa ser encaminhado terapia cognitiva, como um adjunto ao tratamento
para atendimento ambulatorial. Tudo isso deve ser padrão de pacientes internados, na Universidade
feito a um custo aceitável. Em alguns casos, estas Brown, e Bowers (1990) implantou um programa
condições têm levado ao abandono de tentativas similar na Universidade de Iowa. No Reino Unido,
de se construir um milieu (ou meio) de tratamento Scott e colegas (Barker, Scott & Eccleston, 1987;
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Scott, 1988; Scott, 1992; Scott, Byers & Turking- intervenções de tratamento psicossocial são ba­
ton, 1993) contribuíram com uma série de artigos seadas predominantemente em construtos teóricos
sobre o tratamento da depressão, em um milieu e métodos da terapia cognitiva, (2) o milieu tera­
hospitalar cognitivamente orientado. Unidades de pêutico amplo é considerado para o planejamento
terapia cognitiva de pacientes hospitalizados tam­ e implementação do tratamento e (3) terapia cog­
bém se desenvolveram em hospitais particulares, nitiva é combinada à psiquiatria biológica e outras
centros de reabilitação de longo prazo e serviços abordagens em um modelo integrado de oferta
financiados por comunidades (Perris et al., 1987). de tratamento (Wright & Favis, 1993). Nenhum
Estes programas com pacientes internados programa com pacientes internados depende da
têm metas, estruturas e métodos diversos para a terapia cognitiva como uma modalidade de trata­
implementação da terapia cognitiva, mas todos mento único, mas muitas unidades evoluíram ao
compartilham um vínculo comum ao trabalho de ponto em que a terapia cognitiva atua como uma
Aaron T. Beck. Os conceitos fundamentais de teoria organizadora primária para psicoterapia
terapia cognitiva delineados por Beck no começo (Wright, Thase & Beck, 1992). Uma ênfase ex­
dos anos 60 (Beck, 1963, 1964) e refinados du­ clusiva em terapia cognitiva seria imprudente por
rante as três décadas seguintes, formou a coluna várias razões, tais como o potencial para vieses
vertebral para a terapia cognitiva com pacientes contra outros tratamentos efetivos (por exemplo,
internados. O interesse pessoal de Beck em mui­ farmacoterapia ou abordagens sistêmicas de terapia
tas dessas unidades de pacientes hospitalizados familiar) e a subestimação de contribuições valio­
desempenhou um papel significativo em seu sas de modelos anteriores de psiquiatria hospitalar
desenvolvimento. Ele tem regularmente visitado (Wright & Davis, 1993).
programas de pacientes internados, atuado como Wright e Davis (1993) identificaram nove carac­
consultor, estimulado idéias para pesquisa, liderado terísticas gerais de programas de terapia cognitiva
grupos de discussão sobre psiquiatria hospitalar, com pacientes internados: (1) o tratamento é
e feito contribuições importantes à proposição baseado em teorias cognitivas específicas; (2) a
do primeiro manual de tratamento para terapia natureza colaborativa da terapia cognitiva estimula
cognitiva aplicada a pacientes internados (Wright, boas relações de trabalho entre pacientes, membros
Thase, Beck & Ludgate, 1993). da equipe de tratamento e famílias; (3) o formato
Este capítulo detalha as características gerais estruturado da terapia cognitiva ajuda a organizar
de um milieu cognitivo e descreve vários tipos a unidade de uma forma produtiva; (4) a natureza
diferentes de unidades de terapia cognitiva, que orientada ao problema, e de curto prazo, da tera­
possuem uma ampla aplicabilidade. Modificações pia cognitiva é especialmente útil para pacientes
de técnicas de terapia para pacientes internados são hospitalizados que estão tentando melhorar tão
brevemente apresentadas. Após revisar a pesquisa rapidamente quanto possível e retomar seu fun­
sobre terapia cognitiva em ambientes hospitalares, cionamento ocupacional e social; (5) a eficácia
o capítulo conclui com uma consideração das comprovada da terapia cognitiva proporciona aos
perspectivas de crescimento futuro para a terapia pacientes a esperança de uma melhora significativa
cognitiva com pacientes internados. durante a permanência hospitalar; (6) a terapia
cognitiva é integrada à psiquiatria biológica, na
prática clínica; (7) métodos psicoeducacionais
são usados extensivamente; (8) a prevenção da
0 milieu cognitivo
recaída é um foco principal do tratamento e (9)
O termo “milieu cognitivo” é usado para contribuições significativas de modelos anteriores
descrever programas de pacientes internados que de terapia para pacientes internados, incluindo a
apresentam três características principais: (1) comunidade terapêutica, são adaptadas para uso

202
Terapia cognitiva em pacientes internados

no milieu de tratamento. Um exemplo dessa última O modelo de terapeuta primário foi original­
característica das unidades de terapia cognitiva é mente criado para introduzir a terapia cognitiva
a reformulação das terapias em grupo, reuniões em unidades acadêmicas, nas quais pesquisas de
da unidade ou comunidade, e os procedimentos resultados estavam sendo conduzidas. A ênfase é
para direção da unidade - marcas da comunidade dirigida ao treinamento de terapeutas primários
terapêutica - a fim de tomá-los consistentes com para aplicar a terapia cognitiva individual a um
a abordagem cognitiva de tratamento (Wright, alto nível de competência. Algum esforço pode ser
Thase, Beck & Ludgate, 1993; Bowers, 1989). necessário a fim de educar membros da equipe,
Os milieus cognitivos não surgiram do nada. Eles para que eles possam auxiliar com as lições de
devem muito a indivíduos tais como Maxwell casa da terapia cognitiva ou com os procedimentos
Jones (1953), Jerrold Maxmen (Maxmen, Tucker psicoeducacionais, mas o peso da responsabilidade
& Lebow, 1974) e outros, que desenvolveram para a psicoterapia é claramente colocado sobre
métodos anteriores de psiquiatria hospitalar. os terapeutas primários, tais como psiquiatras,
As características definidoras da terapia cog­ psicólogos e assistentes sociais. Em contraste, o
nitiva com pacientes internados descritas acima a modelo de equipe transfere a responsabilidade pelo
distinguem de outros modelos contemporâneos de oferecimento de terapia cognitiva a enfermeiras,
tratamento de pacientes hospitalizados, incluindo auxiliares e terapeutas adjuntos (terapeutas ocu-
o ecletismo racional (Moline, 1976) e psiquiatria pacionais, recreacionais e terapeutas expressivos).
biológica “pura”. Na próxima sessão deste capí­ Essas unidades foram formadas em hospitais
tulo, formas específicas de terapia cognitiva com particulares e de equipe aberta, onde psiquiatras
pacientes internados são definidas e ilustradas. admitem o paciente e concordam em permitir que
a equipe implemente o programa de psicoterapia.
O médico retém a responsabilidade pela avaliação
diagnostica c farmacoterapia. Geralmcntc um
Modelos de terapia cognitiva com
diretor médico ou outro diretor de programa, que
pacientes internados recebeu treinamento em terapia cognitiva, devota
Várias formas diferentes de terapia cognitiva um tempo considerável à educação e supervisão
oferecidas em hospitais se desenvolveram em res­ de membros da equipe na aplicação de métodos
posta a necessidades, recursos e limitações locais. de terapia cognitiva. Embora um milieu coeso
Unidades de terapia cognitiva variam desde equipes possa ser desenvolvido com o modelo de equipe,
fechadas afiliadas a programas universitários, nas há um potencial considerável para conflito com
quais todos os terapeutas primários receberam relação aos objetivos e métodos de tratamento
treinamento intensivo em terapia cognitiva, até entre o médico que admite o paciente e os demais
equipes abertas, hospitais particulares, nos quais membros da equipe.
a terapia cognitiva é fornecida por enfermeiras e O modelo de tratamento adicional foi usado
outros membros ou consultores, contratados para amplamente em uma variedade de diferentes
oferecer terapia cognitiva como um adjunto ao sis­ settings. Este tipo de tratamento do paciente in­
tema de tratamento existente. Quatro tipos comuns ternado é menos complicado, mais rapidamente
de unidades de terapia cognitiva foram descritos empregado e menos custoso que qualquer outro
previamente (Wright, et al., 1993). Características sistema aqui descrito. Entretanto, terapia cognitiva
destes modelos de terapia cognitiva com pacien­ pode ser utilizada apenas de forma limitada dentro
tes internados (terapeuta primário, tratamento do programa geral de tratamento. Quando esta
adicional, equipe e tratamento abrangente) e um abordagem é usada, um módulo de terapia cogni­
método adicional de tratamento (o modelo flexível) tiva é adicionado ao milieu de tratamento, sem a
são resumidos na Tabela 10.1. tentativa de se fazer mudanças significativas nos

203
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Tabela 10.1 - Modelos para terapia cognitiva com pacientes internados


Terapeutas Tratamento Equipes Tratamento Modelo
primários adicional abrangente flexível
Treinamento Psiquiatras; Terapeuta(s) Equipe de Todos os tera­ A maioria dos
intensivo terapeutas adjunto(s) apoio peutas; equipe terapeutas;
primários de apoio equipe de
apoio
Treinamento Equipe de Psiquiatras; Psiquiatras Nenhum Alguns
mínimo apoio equipe de terapeutas
apoio
Papel do médico Terapeutas Fonte de enca­ Fonte de enca­ Terapeuta Terapeuta
cognitivos; minhamento; minhamento; cognitivo; cognitivo;
farmacotera- farmacotera- farmacotera- farmacotera- farmacotera-
-peutas peuta peuta -peuta -peuta
Papel da Orientação Tradicional Terapeuta Terapeuta Variável
enfermagem cognitiva cognitivo cognitivo
Terapia de Variável Variável Variável Terapeuta Terapeuta
grupo e familiar cognitivo cognitivo
Terapia Orientação Tradicional Orientação Terapeuta Terapeuta
ocupacional cognitiva cognitiva cognitivo cognitivo

demais programas terapêuticos já em andamento. dos modelos de terapeuta primário e de equipe.


Este modelo tem sido utilizado para estudos de A abordagem de tratamento abrangente para a
pesquisa onde a terapia cognitiva é comparada a ou­ terapia cognitiva aplicada a pacientes internados
tras intervenções que são adicionadas ao programa envolve treinamento extensivo de ambos, tera­
usual de tratamento (Miller, Norman & Keitner, peutas primários e membros de equipe, a fim de
1989). O modelo de tratamento adicional também que todos os membros da equipe multidisciplinar
foi adaptado para programas clínicos, que desejam possam se juntar na construção de um milieu de
introduzir a terapia cognitiva, mas sem o esforço tratamento baseado nos conceitos e métodos da
e os custos de um treinamento de grandes grupos terapia cognitiva. Todos os métodos de tratamento
de terapeutas primários ou membros da equipe, e (por exemplo, individual, em grupo, recreacional,
de uma reestruturação do milieu de tratamento. ocupacional, familiar, intervenções pela enfer­
Neste caso, um terapeuta cognitivo experiente é magem, reuniões da unidade ou comunidade
recrutado para oferecer terapia cognitiva individual etc.) empregam a terapia cognitiva, sendo que o
com pacientes selecionados ou conduzir terapia planejamento do tratamento é usado para integrar
cognitiva de grupo. É necessária, geralmente, a as atividades da equipe.
educação de membros da equipe, para que eles Terapeutas primários e unidades que utilizam
sejam orientados sobre os princípios da terapia o modelo de equipe podem progredir em direção
cognitiva, mas esses membros de equipe não te­ a uma abordagem de tratamento abrangente, à
rão um papel proeminente na implementação da medida que seus programas amadurecem. Entre­
terapia cognitiva. tanto, muitos obstáculos podem ser enfrentados na
O modelo de tratamento abrangente é a forma tentativa de implementar um programa de terapia
mais totalmente desenvolvida de terapia cogni­ cognitiva abrangente. Rotatividade da equipe e flu­
tiva com pacientes internados. Este sistema de tuações da população de pacientes frequentemente
tratamento combina as melhores características são problemas significativos. O ambiente ideal para

204
Terapia cognitiva em pacientes internados

o desenvolvimento de um milieu abrangente de conta dos tipos de pacientes na unidade e para a


terapia cognitiva incluiría: (1) um sistema médico utilização mais efetiva dos recursos do hospital.
de equipe fechada ou equipe limitada, no qual Esta forma de terapia cognitiva para pacientes
todos os psiquiatras são competentes em terapia hospitalizados requer uma equipe bem treinada
cognitiva e apoiam seu uso; (2) disponibilidade e dedicada, que possa executar uma ampla gama
de muitos outros terapeutas primários e terapeutas de intervenções terapêuticas, ao mesmo tempo em
adjuntos, que são experientes na terapia cognitiva que mantêm as funções essenciais de um milieu
ou estão interessados em aprender esta abordagem; de tratamento cognitivamente orientado.
(3) apoio administrativo forte e consistente para
um programa de terapia cognitiva; e (4) habilidade
para selecionar, entre a população de pacientes na
Adaptações de terapia cognitiva para
unidade, aqueles aos quais a terapia cognitiva seria
adequada. Estas condições ideais são raramente pacientes hospitalizados
encontradas. Assim, a maioria das unidades atuais A abordagem da terapia cognitiva para pacientes
não consegue implementar totalmente um milieu hospitalizados usa todos os procedimentos (por
abrangente. exemplo, empirismo colaborativo, definição de
O modelo flexível é especialmente útil quando agenda, intervenções comportamentais e identifi­
muitos dos elementos de um milieu abrangente cação e desafio de pensamentos automáticos), que
foram desenvolvidos, mas a população de pacientes são amplamente empregados no tratamento de pa­
na unidade varia significativamente a cada dia. cientes não hospitalizados. Entretanto, os pacientes
Unidades psiquiátricas em hospitais gerais ou internados geralmente apresentam sintomas mais
pequenos hospitais de livre acesso podem não severos, tais como desesperança profunda, intensa
ter o luxo de recusar pacientes orgânicos ou flo­ ideação suicida, retardamento psicomotor acen­
ridamente psicóticos de suas unidades. Algumas tuado, pânico resistente ou psicose. Além disso,
vezes, a população de pacientes da unidade pode os pacientes hospitalizados têm uma tendência
ser composta primariamente por indivíduos com maior a ter experienciado importantes eventos de
transtornos afetivos, os quais se beneficiam de um vida estressantes ou perturbações acentuadas em
programa intensivo de terapia cognitiva. Devido à seus relacionamentos interpessoais. As técnicas
curta duração de hospitalizações e a consequente terapêuticas devem ser modificadas para dar conta
rotatividade rápida de pacientes, o ambiente da dessas diferenças (Thase & Wright, 1991).
unidade hospitalar pode mudar rapidamente, ao Uma descrição completa de métodos para tera­
ponto em que uma demanda pesada é colocada pia individual, em grupo e familiar com pacientes
sobre a equipe para intervenções médicas, imposi­ internados não é possível neste capítulo. O leitor
ção de limites ou até a imobilização de pacientes. é remetido a relatos recentes de procedimentos
Embora métodos de terapia cognitiva tenham-se terapêuticos para pacientes hospitalizados (Bowers,
desenvolvido para pacientes psicóticos, este tipo 1989; Davis & Casey, 1990, Ludgate, Wright,
de terapia (na sua forma padrão), não é realmente Bowers & Camp, 1993; Freeman, Schrodt, Gil­
adequado para psicose aguda e severa ou para son & Ludgate, 1993; Miller, Keitner, Epstein,
pacientes com um substrato orgânico significativo. Bishop & Ryan, 1993; Wright & Beck, 1993)
Ao contrário, uma abordagem orientada à realidade, para orientações detalhadas sobre esta forma de
que foi denominada “terapia cognitiva de apoio”, tratamento. Além disso, abordagens específicas
é recomendada (Casey & Grant, 1993). foram desenvolvidas para pacientes internados com
Quando o modelo flexível é aplicado, terapias transtornos alimentares (Bowers, 1993), abuso de
em grupo e planos de tratamento para pacientes drogas (Barrett & Meyer, 1993), depressão crônica
individuais são ajustados diariamente para dar (Scott, 1992; Scott et al., 1993), esquizofrenia

205
Fronteiras da Terapia Cognitiva

(Perris, 1989; Scott et ai, 1993) e transtornos de de concentração. Geralmente, a terapia começa
personalidade (Scott et ai, 1993). Também, pro­ com o desenvolvimento de um relacionamento
gramas especiais foram iniciados para tratamento colaborativo, a geração de uma lista de proble­
de adolescentes (Schorodt & Wright, 1987, Schodt, mas, a reprogramação e registro de atividades, e
1993) e de pacientes geriátricos (Casey & Grant, a instrução sobre o modelo cognitivo (Ludgate et
*

1993). Várias das modificações gerais nos proce­ ai, 1993). E também importante abordar a deses­
dimentos terapêuticos para pacientes internados perança logo no início da terapia. Frequentemente
são apresentados a seguir. é possível identificar algumas distorções cognitivas
A adaptação mais óbvia de terapia cognitiva chave (por exemplo, “Não tem futuro”; “Eu sou
para uso em hospitais refere-se ao envolvimento um fracasso total”, “Todos estariam melhores se
de uma equipe multidisciplinar. Esta mudança eu estivesse morto”), que podem ser modificadas
nas condições terapêuticas pode oferecer claras através de técnicas de terapia cognitiva e, deste
vantagens. O programa terapêutico pode continuar modo, reduzir o risco de suicídio. Uma das técni­
através de todo o dia, e pode ser reforçado por cas mais úteis com pacientes internados refere-se
um grande número de indivíduos no milieu. Pode à elaboração de uma lista de razões para viver.
também haver desvantagens, especialmente se pro­ Com a maioria dos pacientes deprimidos, este
blemas de comunicação ou conflitos existirem entre procedimento geralmente pode ser executado no
os membros da equipe. No ambiente hospitalar, o primeiro dia de hospitalização.
terapeuta cognitivo individual necessita expandir o À medida que a hospitalização continua, os
seu trabalho além dos limites da dupla terapêutica pacientes internados aprendem a reconhecer os pen­
habitual, a fim de incluir o envolvimento com ou­ samentos automáticos e as distorções cognitivas,
tros membros da equipe. Este esforço pode custar e a utilizar procedimentos, tais como o Registro
tempo e frustrações, mas se a equipe trabalha bem Diário de Pensamentos Disfuncionais (Beck,
em conjunto, os resultados podem ser gratificantes. Rush, Shaw & Emery, 1979), a fim de modificar
Alguns dos aspectos positivos da abordagem do os pensamentos distorcidos. Um esforço conside­
milieu incluem a habilidade de estabelecer tarefa rável é geralmente dirigido a ajudar o paciente a
de casa, a qual pode ser executada sob supervisão, adquirir habilidades de resolução de problemas e
a oportunidade para programas psicoeducacionais melhores estratégias de enfrentamento, através de
múltiplos, que ensinam os princípios básicos da procedimentos comportamentais, sessões psicoe­
terapia cognitiva, o uso do setting hospitalar, para ducacionais e intervenções cognitivas. O trabalho
reconhecer as “cognições quentes”, e a utilização terapêutico sobre os esquemas pode ser adiado
de terapeutas auxiliares (por exemplo, terapia ocu- para o último período da hospitalização, ou até
pacional, aconselhamento pastoral e arte-terapia), mesmo para a fase de hospitalização parcial ou
que poderão envolver alguns pacientes que não após a alta hospitalar. Entretanto, alguns pacientes
estejam prontos para o uso da terapia cognitiva conseguem se beneficiar de intervenções em nível
padrão. de esquemas no início do tratamento (Wright,
Terapia individual com pacientes hospita­ 1992). Um dos componentes mais importantes
lizados geralmente emprega maior estrutura e da terapia com o paciente hospitalizado refere-se
maior ênfase comportamental, especialmente no ao foco na prevenção de recaída, durante as fases
início do tratamento, do que geralmente ocorre intermediárias e final da hospitalização. Faz-se
no tratamento de pacientes não hospitalizados uma tentativa para identificar estímulos nos am­
(Thase & Wright, 1991). Um trabalho intensivo bientes da casa ou do trabalho, que podem levar
de identificação e modificação de cognições a um retomo dos sintomas. O terapeuta então usa
pode ser demasiado demandante para pacientes procedimentos tais como o role play e o ensaio
profundamente deprimidos e com dificuldades cognitivo-comportamental, a fim de ajudar o

206
Terapia cognitiva em pacientes internados

paciente a aprender estratégias para gerenciamento para receber alta. Nota-se que a rotatividade de
de situações potencialmente estressantes. Métodos pacientes pode proporcionar uma vantagem para
cognitivos e comportamentais para reforçar a ade­ a terapia cognitiva em grupo com pacientes inter­
são à medicação são também enfatizados (Rush, nados, porque mantém os indivíduos focados na
1988; Wright & Schrodt, 1989). tarefa principal de retomar um nível de funciona­
Muitos programas com pacientes internados mento que seja compatível com a alta hospitalar
utilizam terapias em grupo como o modo primário (Freeman et al., 1993).
de tratamento. Vários formatos diferentes para Alguns grupos têm uma agenda flexível, ba­
terapia cognitiva em grupo com pacientes hospita­ seada nas questões e preocupações singulares dos
lizados foram relatados (Freeman et al, 1993). A pacientes no grupo. Duas outras formas de terapia
maior parte das unidades de terapia cognitiva tem cognitiva em grupo com pacientes internados usam
um grupo aberto. Devido à rápida rotatividade de uma abordagem mais estruturada. O conceito de
pacientes, a maioria dos grupos abertos tem uma tema rotativo para grupos foi desenvolvido por
composição diferente a cada sessão. Não obstante, Bowers (1989), em uma tentativa de contrabalançar
geralmente há suficiente estabilidade no milieu para os problemas de instabilidade na composição dos
proporcionar um núcleo de pacientes constantes em grupos de pacientes internados. Uma série de te­
cada grupo. Geralmente, os grupos com pacientes mas, tais como reações à hospitalização, definição
internados seguem a sugestão de Yalom (1983) de e alcance de metas, ou construção da autoestima,
que cada encontro deve ser independente (Freeman é usada para organizar o grupo. Os tópicos são
et al, 1993). Uma variedade de técnicas é usada comunicados com antecedência e os membros da
para assegurar que a terapia em grupo será valiosa equipe ajudam os pacientes a se preparar para o
para os pacientes, até mesmo se o indivíduo é grupo. O terapeuta desenvolve materiais psicoedu­
somente capaz de participar de uma única sessão. cacionais relevantes para cada tema, mas também
Contudo, a maior parte dos pacientes participa de pede aos pacientes sugestões sobre itens de agenda
quatro ou mais encontros do grupo. relacionados ao tema escolhido para a sessão.
Freeman et al. (1993) recomendou métodos Métodos para grupo programados são de­
para tomar cada sessão de terapia em grupo uma rivados do trabalho de Covi e colegas (Covi,
“terapia dentro de uma terapia”. Eles sugerem a Roth & Lipman, 1982; Covi & Lipman, 1987),
ênfase nos aspectos psicoeducacionais do trata­ que demonstraram a eficácia de uma terapia em
mento, a fim de que os pacientes possam dispor grupo baseada em curriculums com pacientes não
de ferramentas, que eles poderão usar em outras hospitalizados. Metas e métodos de aprendizagem
situações durante a sua hospitalização e na fase específicos são estabelecidos para cada grupo, e
da terapia após a alta hospitalar. Assim, terapeutas as sessões são organizadas em uma sequência de
de grupo podem ser mais didáticos nos settings desenvolvimento. Por exemplo, a sessão 1 pode
com pacientes internados, do que os seriam no ser direcionada à compreensão do modelo cogni­
trabalho clínico em longo prazo. A definição da tivo para depressão e ansiedade, enquanto sessões
agenda é outro componente importante da terapia posteriores são devotadas ao reconhecimento de
cognitiva em grupo com pacientes internados. erros cognitivos ou ao domínio de técnicas de
Uma tentativa é feita no sentido de gerar itens de ensaio cognitivo-comportamental (Freeman et al,
agenda significativos para cada paciente, e então 1993). Quando esta forma de terapia cognitiva em
focalizar o trabalho do grupo em tópicos de ampla grupo é utilizada no setting hospitalar, cada sessão
relevância. O grupo retém um foco orientado ao é projetada a fim de que a participação em sessões
“aqui e agora” e à resolução de problemas, e é anteriores não seja um pré-requisito para a com­
especialmente dirigido ao alcance de mudanças preensão do material que está sendo apresentado.
cognitivas e comportamentais, que o prepararão Entretanto, pacientes obviamente ganharão mais se

207
Fronteiras da Terapia Cognitiva

forem capazes de acompanhar toda a sequência de Bowers et al (1993) não estudou a possibili­
sessões e desenvolver suas habilidades da terapia dade de que um programa de computador podería
cognitiva em múltiplas áreas. aumentar a terapia cognitiva padrão com pacientes
Uma série de outros tipos diferentes de tera­ hospitalizados. Parecería improvável que um com­
pia em grupo é utilizada em unidades de terapia putador pudesse substituir um terapeuta humano
cognitiva, incluindo reuniões de unidades comu­ para pacientes internados severamente deprimidos,
nitárias, grupos para pacientes que têm problemas porém, intervenções através do computador podem
significativos relativos a testes de realidade, ser úteis na socialização do paciente ao tratamento,
grupos familiares de educação e apoio, grupos dando-lhe instruções sobre os princípios básicos da
para revisar tarefas de casa determinadas na terapia cognitiva, proporcionando oportunidades
terapia individual ou em grupo, grupos psicoedu- de praticar procedimentos cognitivos-comporta-
cacionais sobre medicação ou gerenciamento de mentais, e reforçando o componente de autoajuda
estresse, grupos de terapia ocupacional, e grupos da terapia.
de transição ou de prevenção de recaída. Em um Uma nova forma de terapia através do computa­
milieu cognitivamente orientado, os pacientes dor, que utiliza tecnologia dc multimídia, pode scr
geralmente são envolvidos em múltiplas terapias
mais fácil para pacientes internados com níveis sig­
de grupo interligadas, projetadas para maximizar
nificativos de sintomatologia. “Terapia Cognitiva:
a aplicação da metodologia de terapia cognitiva,
Um Programa de Aprendizagem em Multimídia”
durante o curto tempo disponível para tratamento
(“Cognitive Therapy: A Multimedia Learning
de pacientes internados.
Program”; Wright, Salmon, Wright & Beck,
1995a, 1995b), está sendo estudado atualmente
com pacientes hospitalizados na Universidade
Terapia via computador para pacientes de Louisville. Este programa de computador usa
internados um vídeo para envolver o paciente em situações
da vida real, que mostra a terapia cognitiva em
Outra forma de tratamento, terapia via compu­
ação. Familiaridade com teclados ou computa­
tador, foi recentemente introduzida ao milieu com
dores não é necessária. O paciente atua através
pacientes internados. Bowers, Stuart, MacFarlane
de uma série de exercícios altamente interativos
e Gorman (1993) estudaram a utilidade de um
usando uma touch-screen ou mouse. As caracte­
programa de computador, intitulado “Superando
rísticas básicas da terapia cognitiva - o modelo
a Depressão” (Overcoming Depression; Colby &
cognitivo-comportamental, o reconhecimento e
Colby, 1990) em pacientes depressivos hospitali­
mudança dos pensamentos automáticos, o uso de
zados e descobriu que a terapia computadorizada
procedimentos comportamentais e a modificação
era inferior à terapia cognitiva administrada por
de esquemas - são abordados e tarefas de casa
terapeutas. Entretanto, deve-se notar que o pro­
são completadas em um livro de exercícios que
grama de Colby e Colby requer que o paciente
acompanha o programa.
digite respostas em um teclado e é de natureza
tutorial. O computador “espelha” as respostas O lugar que a terapia cognitiva através do com­
dos pacientes e está programado para responder a putador ocupará no tratamento hospitalar ainda é
“palavras-chaves” (Bowers et al., 1993). Embora o desconhecido. Estudos empíricos são claramente
programa introduza o conceito de que pensamen­ necessários. Contudo, a pressão contínua para
tos disfuncionais estão envolvidos na depressão, reduzir o tempo de hospitalização e ainda alcançar
o programa não replica os elementos comuns da um resultado positivo pode estimular esforços
terapia cognitiva administrada por terapeutas (tais direcionados ao uso da tecnologia de informática
como tarefas de casa comportamentais). com pacientes internados.

208
Terapia cognitiva em pacientes internados

Programas de hospitalização parcial capacidade funcional, a fim de permitir o re­


tomo completo aos papéis social e ocupacional.
Todos os cinco modelos psiquiátricos para Dessa forma, a terapia é geralmente dirigida a
pacientes internados descritos neste capítulo aprendizagem no uso de princípios cognitivos-
também podem ser utilizados em programas de -comportamentais, para melhorar as habilidades
hospitalização parcial. As formas mais altamente sociais, aumentar a autoestima e efetivamente
desenvolvidas, tais como os modelos abrangente gerenciar problemas da vida real.
e flexível, podem na realidade ser mais fáceis de
A pressão para rapidamente retirar os pacientes
implementar em settings de hospitalização parcial,
das unidades hospitalares intensivas para os hospi-
devido ao fato de que a quantidade de membros
tais-dia reflete um fenômeno recente nos Estados
de equipe e terapeutas primários são geralmente
muito menores do que em uma unidade tradicio­ Unidos e a eficácia deste tipo de tratamento ainda
nal de serviço integral. Assim, o treinamento e não está clara. Pesquisa de resultados ainda não
supervisão de terapeutas podem requerer menos foi relatada sobre os programas de hospitalização
recursos e a consistência da abordagem pode ser parcial orientados cognitivamente. Espera-se que
mais fácil de manter. Também, devido ao fato de o ambiente de atendimento gerenciado encora­
que o caráter agudo dos sintomas pode ser menos jará o crescimento adicional de programas de
extremo em pacientes de hospital-dia, este grupo hospitalização parcial e que muitas unidades de
de indivíduos pode conseguir se concentrar mais terapia cognitiva para pacientes internados serão
efetivamente no trabalho da terapia. associadas a hospitais-dia, que usam métodos de
Terapia cognitiva em grupo é frequentemente tratamento cognitivo-comportamental. Assim, a
a espinha dorsal de programas de hospitalização definição do “milieu cognitivo” necessitará ser
parcial cognitivamente orientados. O programa expandida para incluir o continuum que vai desde
de hospital-dia na Clínica Psiquiátrica Norton na os componentes de tratamento de hospitalização
Universidade de Louisville, depende intensamente integral até os componentes de tratamento de
de métodos de terapia em grupo. Na maioria dos hospitalização parcial. Além disso, estudos sobre
dias há de duas a três sessões de grupo, utilizando terapia cognitiva com pacientes internados ne­
o formato aberto e de temas rotativos para a te­ cessitarão incluir programas de tratamento diário
rapia cognitiva em grupo. Os pacientes também como parte do pacote terapêutico a ser avaliado.
têm sessões individuais (aproximadamente três
por semana), e participam de terapia cognitiva
através do computador (Wright, Salmon, Wright Pesquisa de resultados
& Beck, 1995a, 1995b).
As adaptações da terapia cognitiva para pa­ Investigações controladas sobre terapia cogni­
cientes internados, descritas anteriormente neste tiva para pacientes internados têm sido limitadas,
capítulo, também se aplicam ao hospital-dia. até o momento, a estudos sobre o efeito da adição
Contudo, devido ao fato de que os sintomas são da terapia cognitiva individual a outras formas de
frequentemente menos severos, o paciente pode tratamento usadas no modelo médico ou nos milieus
ser capaz de se engajar em exercícios terapêuticos ecléticos. Nenhuma comparação sobre a eficácia
mais demandantes. Por exemplo, tarefas de casa do tratamento de um milieu cognitivo integral
podem envolver mais exposição in vivo a situa­ versus o cuidado psiquiátrico hospitalar “padrão”
ções ansiogênicas, ou o terapeuta pode focalizar foi feita até o momento. Entretanto, as evidências
mais intensivamente na modificação dos esquemas disponíveis indicam que a terapia cognitiva pode
básicos. Os programas de hospitalização parcial ter um efeito cumulativo, mesmo quando todo o
são habitualmente direcionados ao aumento da espectro de outros tratamentos é empregado.

209
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Vários estudos sobre terapia cognitiva com (1987) observou que 8 pacientes internados com
pacientes internados sugerem que esta forma de depressão crônica refratária melhoraram após 12
terapia pode ser associada com redução subs­ semanas de terapia cognitiva, porém ainda apre­
tancial cm sintomas de depressão. Shaw (1980) sentavam alguma evidência de depressão residual
tratou 10 pacientes sem medicação com terapia ao tempo da terminação da terapia (escore médio
cognitiva três vezes por semana, por um tempo no HRSD pós—tratamento = 13.1). Scott (1992)
médio de 8.1 semanas. O escore médio no BDI também observou que 16 pacientes com depressão
{Beck Depression Inventory) para este grupo caiu crônica, que foram tratados com um protocolo de
de 29.8 antes do tratamento para 15.6 na época terapia cognitiva mais intensiva (três sessões por
da alta. Thase, Bowler e Hardin (1991) também semana) apresentaram redução no escore médio
examinaram o efeito de terapia cognitiva sem no HRSD de 24.5 a 10.6 após o tratamento com
medicação. Em seu primeiro estudo, 16 pacientes pacientes hospitalizados.
hospitalizados deprimidos, que receberam terapia Outro estudo aberto examinou os efeitos de
cognitiva diária (número médio de sessões = 12.8) terapia cognitiva em grupo em pacientes interna­
apresentaram uma redução nos escores médios no dos deprimidos (Simoneau et al, 1992). Embora
HRSD {Hamilton Rating Scale for Depression), o programa de tratamento não tenha sido descrito
de 21.7 a 7.7. Embora 13 dos 16 pacientes (18%) em detalhes, parece que terapias múltiplas em
satisfaziam o critério de resposta ao tratamento na grupo foram utilizadas. Infelizmente, não foram
época da alta, três de um total de quatro sujeitos, fornecidos dados sobre a duração da hospitalização
que não receberam terapia cognitiva no período ou sobre a frequência e formato das modalidades
de follow up após a alta, recaíram. Em contraste, de tratamento. O escore médio no HRSD caiu de
a recaída foi observada em apenas 1 de um to­ 22.2 antes do tratamento para 8.7 no momento
tal de 7 (14%) pacientes que receberam terapia da alta. Além disso, os escores médios no HRSD
cognitiva ambulatorial após a alta hospitalar. O se mantiveram estáveis após 1 ano (9.0) e 2 anos
grupo de Thase (Thase, 1994) também relatou (8.5) de follow up.
um resultado de um grupo maior de 30 pacientes Três estudos controlados sobre terapia cogni­
internados deprimidos, nos quais foi observada uma tiva com pacientes internados foram relatados até
resposta de 70% (HRSD < 10) à terapia cognitiva o momento. DeJong, Treiber e Henrich (1986)
com paciente hospitalizado. completaram o primeiro estudo controlado sobre
Evidência adicional para a utilidade de terapia terapia cognitiva aplicada a pacientes hospitali­
cognitiva com pacientes internados foi apresentada zados. Embora os sujeitos fossem tratados com
a partir de estudos sobre o uso de terapia cognitiva terapia cognitiva sem medicação, o desenho
com pacientes que também receberam medica­ metodológico não permitiu comparações ade­
ção antidepressiva (Wright, 1986; Barker et al., quadas entre os grupos experimentais. Trinta
1987; Scott, 1992; Simoneau, Konen & Gabris, pacientes com depressão crônica foram tratados
1992). Wright (1986) observou que 42 pacientes com terapia cognitiva individual para pacientes
internados deprimidos, que foram aleatoriamente internados, com reestruturação cognitiva para
alocados a três doses diferentes de nortriptilina pacientes internados ou com psicoterapia de
(50, 100 e 150 mg ao dia, respectivamente), apoio para pacientes não hospitalizados. Os indi­
responderam bem à terapia cognitiva combinada. víduos que receberam terapia cognitiva intensiva
Embora se previsse que os pacientes que apre­ para pacientes internados apresentaram a maior
sentavam níveis terapêuticos de nortriptilina no redução nos escores no BDI após um máximo
plasma teriam uma resposta superior, os níveis no de 6 semanas de tratamento. Entretanto, os dois
plasma não foram significativamente associados grupos de tratamento de pacientes internados
aos resultados. Em outro estudo, Barker et al. apresentaram escores semelhantes no HRSD no

210
Terapia cognitiva em pacientes internados

momento da alta. Seis entre 10 pacientes que aqueles que foram tratados com terapia hospitalar
receberam terapia cognitiva foram classificados padrão. Sessenta e quatro por cento do grupo de
como respondentes ao tratamento, enquanto ape­ terapia cognitiva respondeu ao tratamento (usando
nas 1 dos 10 pacientes não internados, membros o critério do HRSD), enquanto apenas 24% dos
do grupo de controle, foram classificados como sujeitos alocados à terapia padrão foram julgados
respondentes do tratamento. As formas similares como respondentes ao tratamento. O índice de
de tratamento utilizadas para as duas amostras de resposta para pacientes que receberam treinamento
pacientes internados e a inclusão de um grupo de em habilidades sociais foi intermediário (43%)
controle de pacientes não internados, confundiram entre os outros dois grupos. Após 12 meses de
a interpretação de resultados desse estudo. follow up, não foram observadas diferenças entre
Miller e colegas (Miller et al., 1985; Miller, os três grupos com relação aos escores no HRSD
Norman, Keitner, Bishop & Dow, 1989; Miller, e no BDI, mas os pacientes tratados com qualquer
Norman & Keitner, 1989; Miller, Norman & das formas de psicoterapia (reunidos em um só
Keitner, 1990) estudaram terapia cognitiva com grupo na análise estatística) apresentaram um índice
pacientes internados dentro de um modelo de significativamente mais alto de recuperação (68%),
tratamento adicional, em um grande hospital do que aqueles que receberam tratamento hospi­
psiquiátrico afiliado a uma universidade. O pri­ talar padrão (33%). Uma análise subsequente dos
meiro relato descreveu um estudo piloto com dados desta investigação revelou que indivíduos
6 pacientes internados com depressão crônica, que tinham altos níveis de disfunção cognitiva
que responderam bem à terapia cognitiva mais exibiram uma melhora consideravelmente maior
medicação (Miller et al., 1985). Em um estudo nos escores de HRSD e BDI e uma probabilidade
controlado posterior, Miller, Norman, Keitner, maior de recuperação (57%) após terapia cognitiva
Bishop e Dow (1989) aleatoriamente alocaram 47 do que aqueles com níveis menores de disfunção
pacientes à terapia padrão para pacientes internados cognitiva (18%) (Miller, Norman & Keitner, 1990).
(tratamento “usual” incluindo medicação a escolha Em outro estudo, Bowers (1990) aleatoriamente
do médico), terapia padrão mais terapia cognitiva alocou 30 pacientes internados à nortriptilina
ou terapia padrão mais treinamento em habilida­ sozinha, nortriptilina mais terapia cognitiva, ou
des sociais. Nenhuma diferença significativa em nortriptilina mais treinamento de relaxamento.
resultado dos tratamentos foram observadas ao Os pacientes em todos os três grupos também
final da hospitalização (aproximadamente 3 a 4 receberam outras terapias que eram oferecidas na
semanas); entretanto, após a fase de tratamento unidade. Ao final da hospitalização (duração mé­
como paciente não internado (17 à 18 sessões), os dia de hospitalização = 29.4 dias), os três grupos
pacientes nos grupos de psicoterapia tinham escores haviam melhorado, mas os pacientes que rece­
mais baixos no BDI (Miller, Norman & Keitner, beram psicoterapia combinada à farmacoterapia
1989). Estas diferenças alcançaram significância apresentavam escores no BDI significativamente
estatística para o grupo que recebeu treinamento mais baixos e tendiam mais a alcançar o critério
em habilidades sociais. de recuperação baseado no BDI (BDI < 7). Em­
Os pacientes tratados com terapia cognitiva bora, ao final do tratamento, não se observassem
por Miller et al apresentaram uma tendência não diferenças nos escores médios no HRSD entre os
significante (p = 06) para desempenho superior. Ao três grupos, os pacientes que receberam terapia cog­
final do tratamento, os pacientes que receberam te­ nitiva apresentaram um índice significativamente
rapia cognitiva apresentaram um índice de resposta mais alto de recuperação, com base no critério da
significativamente mais alto (HRSD < 7) do que escala de Hamilton (HRSD < 7).

211
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Perspectivas futuras para a pesquisa pesquisa com pacientes internados. Com projetos
vigorosos de revisão da utilização de leitos hospi­
sobre terapia cognitiva com pacientes
talares e uma duração mais curta de hospitalização,
internados a alocação aleatória de pacientes internados à psi-
coterapia sozinha por 3 a 4 semanas pode não ser
Os resultados gerais de pesquisa sobre terapia
possível. Desenhos metodológicos alternativos, que
cognitiva com pacientes internados sugerem que
utilizem um programa de tratamento longitudinal,
esta abordagem pode ser um tratamento eficaz para
incluindo uma breve permanência hospitalar de 1 a
pacientes hospitalizados severamente deprimidos.
2 semanas seguida de uma continuação de terapia
No entanto, há muitas limitações nas pesquisas que
cognitiva intensiva como paciente ambulatorial e
já foram conduzidas e obstáculos significativos
uma fase subsequente de manutenção dos resul­
impedirão investigações futuras. As preocupações
tados da terapia, pode ser preferível. Também,
mais óbvias nesta área de pesquisa se referem à
estudos controlados de formas mais longas de
escassez de investigações controladas, ao pequeno
tratamento com pacientes internados podem ser
número de sujeitos na maioria dos estudos, e às
viáveis em países com diferentes sistemas de
dificuldades em controlar o impacto de outros
financiamento dos serviços de saúde.
tratamentos no milieu hospitalar. Bowers (1990)
Uma das vantagens de terapia cognitiva com
e Miller, Norman, Keitner, Bishop e Don (1989)
pacientes internados é que o modelo pode ser
realizaram os esforços mais integrados para usar
prontamente adaptado para uso com múltiplas
um desenho de pesquisa controlada. Contudo, eles
terapias, tais como tratamento em grupo, terapia
não conseguiram documentar ou estudar as influên­
ocupacional e intervenções da enfermagem. No
cias de variáveis múltiplas que podem afetar os
entanto, esta vantagem se toma uma desvantagem
resultados com pacientes internados (por exemplo,
com a maior parte dos desenhos de pesquisa. É
eventos estressantes, estrutura e apoio familiar,
muito difícil limitar a terapia cognitiva a apenas
relações terapêuticas com médicos e outros profis­
um grupo de pacientes e assegurar que outros pa­
sionais, tratamento com terapia de grupo e outras
cientes no mesmo hospital não sejam influenciados
psicoterapias habitualmente usadas com pacientes
por essa abordagem de tratamento. Um desenho
internados, enfermidades médicas, transtornos do de pesquisa ideal incluiría a alocação aleatória dc
Eixo II). Ambos os estudos de Bower e Miller et pacientes a um milieu abrangente de terapia cogni­
al. tinham somente de 10 a 12 pacientes em cada tiva, comparado a outro milieu de tratamento, onde
condição de tratamento. métodos da terapia cognitiva não sejam usados
Outra dificuldade na pesquisa com pacientes de nenhuma forma. Este desenho proporcionaria
internados refere-se a uma relutância geral em informações valiosas sobre como um programa
tratar pacientes hospitalizados apenas com psico- completo de terapia cognitiva se compara a outros
terapia. A expectativa padrão no cuidado com os tratamentos. Contudo, estudos como este seriam
pacientes internados é oferecer alívio dos sintomas extremamente difíceis de implementar e neces­
o mais breve possível através de farmacoterapia. sitariam de compromissos significativos de um
Entretanto, Shaw (1980) e Thase e colegas (1991) sistema de saúde regional ou nacional.
demonstraram que terapia cognitiva pode aliviar É provável que a pesquisa sobre terapia cog­
depressão, mesmo se usada sem farmacoterapia. nitiva com pacientes internados prosseguirá em
Embora o seu trabalho parecesse preparar o cami­ uma escala menor do que comparações aleatórias
nho para estudos controlados de terapia cognitiva de milieus completos de tratamento. Estudos adi­
sozinha versus farmacoterapia e tratamento com­ cionais poderíam refinar comparações de terapia
binado, o ambiente econômico atual nos Estados cognitiva com farmacoterapia e outros tratamentos
Unidos está impondo limitações severas sobre a e poderíam examinar os componentes ou formas

212
Terapia cognitiva em pacientes internados

de terapia. Exemplos incluiríam estudos sobre os Procedimentos terapêuticos habitualmente são


custos e benefícios de terapia cognitiva em grupo conduzidos em settings múltiplos no milieu. A fim
versus individual, o ritmo ótimo ou “dosagem” das de que conceitos básicos possam ser reforçados e
sessões de terapia cognitiva, e o impacto de grupos o paciente tenha a oportunidade de operacionalizar
psicoeducacionais sobre a aquisição de habilidades in vivo habilidades da terapia cognitiva. Alguns
da terapia cognitiva. Outras áreas potenciais para programas com pacientes internados utilizam a
investigações poderíam incluir terapia cognitiva terapia cognitiva como uma especialidade ou como
para pacientes internados com populações de uma modalidade adicional ao modelo eclético de
pacientes especiais (por exemplo, transtornos ali­ tratamento, enquanto outras unidades utilizam a
mentares, adolescentes, dor crônica, transtornos de terapia cognitiva como o método primário para
personalidade), a interação entre terapia cognitiva intervenções psicossociais e como uma teoria
e farmacoterapia, modelos de terapia cognitiva organizadora para o milieu.
para hospitalização parcial e o efeito de terapia Pesquisa sobre terapia cognitiva com pacientes
cognitiva em prevenção de recaídas. Esperamos internados tem-se limitado a estudos sobre a efi­
que um esforço investigativo continuado ajudará a cácia da terapia individual ou em grupo, somada
esclarecer o papel que a terapia cognitiva deveria a outras formas de tratamento utilizadas com
desempenhar no hospital psiquiátrico. pacientes hospitalizados. Consideradas juntas, os
resultados destes estudos sugerem que o tratamento
com terapia cognitiva pode ser associado à redução
Resumo substancial nos sintomas da depressão. Entretanto,
houve poucos estudos controlados e tem sido
A terapia cognitiva emergiu como uma influên­ difícil separar os efeitos da terapia cognitiva do
cia significativa sobre o cenário em transformação total de influências oriundas de outros tratamen­
na área de psiquiatria com pacientes internados. À tos utilizados em settings hospitalares. Pesquisa
medida que diminui a duração das hospitalizações adicional sobre as aplicações da terapia cognitiva
e aumenta a pressão para uma rápida resolução em hospitais faz-se claramente necessária, porém
dos sintomas, a necessidade de psicoterapias será difícil conduzir estudos definitivos. Prevemos
eficazes e breves foi intensificada. Métodos da que as características pragmáticas, de curto prazo
terapia cognitiva têm sido adaptados com sucesso e orientadas à resolução de problemas da terapia
para uso em pacientes hospitalizados, nos forma­ cognitiva, promoverão o crescimento futuro deste
tos de terapia individual, em grupo e familiar. método de tratamento com pacientes internados.

213
Fronteiras da Terapia Cognitiva

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216
Capítulo 11

Fatores cognitivos de risco para o suicídio

Marjorie E. Wcishaar

pesquisa em Terapia Cognitiva, especial­ de Beck sobre a tríade cognitiva - visão negativa

A mente o trabalho de Aaron T. Beck e seus


colaboradores, contribuiu, fortemente,
para a nossa compreensão dos fatores clínicos de
risco no suicídio. A pesquisa de Beck sobre suicídio
do si como um fracasso, o mundo como cruel e
opressivo e o futuro como sem esperança - encerra
os temas aparentes nas crenças depressogênicas.
Dessa forma, na depressão, essas crenças são ne­
refletiu uma derivação natural de sua pesquisa sobre gativas, mal-adaptativas e idiossincráticas, assim
depressão unipolar e, assim, beneficiou-se de seu também como o são aquelas que acompanham os
uso de amostras clínicas e do modelo conceituai transtornos de personalidade.
gerado a partir de suas descobertas sobre depressão. Para muitos, a flexibilidade cognitiva retoma
O modelo propõe que, durante um episódio de e o pensamento negativo diminui à medida que
angústia psicológica, o pensamento das pessoas a depressão remite. Para outros, as crenças e
toma-se mais rígido e distorcido, os julgamentos se pressuposições negativas, particularmente aquelas
tomam absolutos e as crenças básicas do indivíduo estabelecidas em fases precoces da vida, persistem
sobre si, seu mundo pessoal e o futuro tomam-se e conduzem a depressões mais crônicas e, em
inflexíveis. Erros lógicos, denominados distorções alguns casos, a suicidalidade incipiente.
cognitivas, negativamente distorcem percepções A fim de investigar os fatores de risco no
e inferências, e contribuem e conduzem a falsas suicídio, a pesquisa em terapia cognitiva utili­
conclusões. zou a classificação de comportamentos suicidas
A noção de vulnerabilidade cognitiva à depres­ desenvolvida pelo National Institute of Mental
são se apoia no conceito de esquemas. Esquemas Health (NIMH, Instituto Nacional de Saúde Men­
são estruturas cognitivas que contêm crenças tal), força-tarefa em prevenção de suicídio (Beck
básicas. Estas crenças estão, habitualmente, in­ et al., 1973). A pesquisa cm terapia cognitiva
conscientes, até serem ativadas por um evento de desenvolveu escalas para avaliar a ideação e a
vida quando, então, emergem acompanhadas de intenção suicida e conduziu estudos prospectivos
uma forte emoção. Na depressão, estas crenças e com amostras clínicas. A descoberta de que a
pressuposições básicas refletem temas de perda, desesperança é uma variável psicológica chave no
privação, fracasso e desvalorização. A definição suicídio preparou o caminho para a identificação de
Fronteiras da Terapia Cognitiva

variáveis cognitivas adicionais e para a construção a Suicide Intent Scale (SIS, Escala de Intenção
de modelos para descrever e explicar os caminhos Suicida; Beck, Schuyler & Herman, 1974), a Beck
que levam ao suicídio. Hopelessness Scale (BHS, Escala de Desesperança
de Beck; Beck, Weissman, Lester & Trexler, 1974)
e o Beck Self-Concept Test (BST, Teste de Auto-
conceito de Beck; Beck, Steer, Epstein & Brown,
Escalas de avaliação
1990). Estas escalas foram usadas para identificar
Como parte da força de tarefa do National fatores cognitivos de risco no suicídio. Assim, em
Institute of Mental Health Center for Studies of adição a fatores de risco demográficos, imediatos e
Suicide Prevention (Centro de Estudos de Preven­ clínicos, podemos também considerar precursores
ção de Suicídio do Instituto Nacional de Saúde cognitivos para o suicídio.
Mental), Beck ajudou a estabelecer um sistema
de classificação tripartite para descrever compor­ BDI - Beck Depression Inventory
tamentos suicidas: ideação suicida, tentativa de O BDI (Beck & Steer, 1987) é um questionário
suicídio e suicídio consumado (Beck et ai, 1973). de autorrelato, contendo 21 itens, que requer que o
Estas categorias são adicionalmente subdivididas sujeito classifique, em uma escala de quatro pontos,
em: intenção suicida, letalidade da tentativa e mé­ seus sintomas depressivos ao longo da semana
todo dc suicídio ou de tentativa de suicídio. Estas anterior. Entre os sintomas avaliados estão sinais
distinções ajudam na investigação de diferenças vegetativos de depressão bem como sentimentos de
entre grupos e reforçam a descoberta de que a fracasso, culpa e pessimismo, e desejos suicidas.
intenção não pode sempre ser inferida com base na Beck e Steer (1987) apresentaram as propriedades
letalidade da tentativa. Enquanto alguns (Goldney, psicométricas do BDI.
1981) encontraram uma associação entre intenção O BDI está correlacionado à intenção suicida
e a letalidade da tentativa, Beck, Beck e Kovacs quando uma amostra ampla e heterogênea, como
(1975) descobriram que a intenção e letalidade uma população clínica geral, é estudada. Quando
são positivamente correlacionadas apenas quando um grupo homogêneo, espccificamcnte uma popu­
a pessoa tem um conhecimento preciso sobre a lação altamente deprimida de sujeitos com ideação
letalidade do método de suicídio por ela escolhido. suicida, é estudado, o BHS (Beck, Weissman et
Além disso, a pesquisa em terapia cognitiva al, 1974) e o BST (Beck, Steer et al., 1990) são
gerou escalas de avaliação para investigar a natu­ melhores indicadores de intencionalidade.
reza do suicídio. Estas escalas foram originalmente
criadas para uso em estudos prospectivos, porém, DAS - Dysfunctional Attitude Scale
para ter também utilidade clínica. A utilização de O DAS (Weissman & Beck, 1978) é uma escala
estudos prospectivos por Beck significou uma de 100 itens projetada para medir as pressuposições
contribuição importante à pesquisa sobre suicídio, e crenças subjacentes à depressão clínica. Além
devido ao fato de que sua dimensão longitudinal de identificar crenças que podem interagir com
permitiu a identificação de fatores de risco não estresses de vida para produzir sintomas clínicos
associados ao acaso ou a vieses inadvertidos. As (Beck & Weishaar, 1989), presume-se que o
escalas de terapia cognitiva desenvolvidas são escore total reflita a severidade geral de atitudes
o Beck Depression Inventory (BDI, Inventário disfuncionais negativas. O DAS foi originalmente
de Depressão de Beck; Beck & Steer, 1987), a desenvolvido para medir crenças e pressuposições
Dysfunctional Attitude Scale (DAS, Escala de específicas, mas tem sido usado como uma medida
Atitudes Disfuncionais; Weissman & Beck, 1978), geral de vulnerabilidade cognitiva à depressão
a Scale for Suicide Ideation (SSI, Escala de Idea­ (Shaw & Segai, 1988). Atitudes disfuncionais têm
ção Suicida; Beck, Kovacs & Weissman, 1979), sido correlacionadas à ideação suicida em muitos

218
Fatores cognitivos de risco para o suicídio

estudos (Bonner & Rich, 1988a; Ellis & Ratliff, entre alcoolistas (Beck, Steer & Trexler, 1989;
1986; Ranierir et al., 1987). Beck & Steer, 1989). Sujeitos alcoolistas, que
tentam o suicídio e que eventualmente se matam,
SSI - Scale for Suicide Ideation tomaram mais precauções contra serem descobertos
O SSI (Beck, Kovacs & Weissman, 1979; Beck no momento de sua tentativa do que aqueles que
& Steer, 1991) avalia o grau segundo o qual uma não morreram.
pessoa está pensando atualmente em suicídio. O
SSI é uma escala de 19 itens, avaliados em uma BHS - Beck Hopelessness Scale
escala de 3 pontos, administrada em uma entre­ O BHS (Beck, Weissman, e col., 1974) é um
vista clínica estruturada. Avalia a intensidade de questionário de autorrelato, composto de vinte
atitudes, planos e comportamentos específicos re­ itens, verdadeiro ou falso. Avalia o nível de pes­
lativos ao suicídio, tais como frequência e duração simismo ou a visão negativa do futuro do sujeito.
de pensamentos suicidas, sentimentos subjetivos As propriedades psicométricas do BHS são apre­
de controle, a força relativa do desejo de viver sentadas por Beck, Kovacs e Weissman (1975).
e do desejo de morrer, obstáculos ao suicídio e Uma versão do BHS foi desenvolvida para uso
a disponibilidade do método. Estudos sobre a com crianças (Hopelessness Scale for Children;
confiabilidade e a validade da SSI indicam a sua Kazdin, Rodgers & Colbus, 1986). Além disso, uma
utilidade (Beck, Kovacs & Weissman, 1979). Uma escala de avaliação baseada em entrevista clínica,
versão em forma de autorrelato foi desenvolvida Clinician s Hopelessness Scale (CHS, Escala de
(Beck, Steer & Ranieri, 1988) bem como uma Desesperança do Clínico; Beck, Weissman e col.,
versão modificada (Miller, Norman, Bishop & 1974) foi desenvolvida. Parece ser comparável ao
Dow, 1986). BHS em termos de sensibilidade, mas demonstra
uma especificidade inferior para amostras de pa­
SIS - Suicide Intent Scale cientes internados c não internados (Beck, Brown
O SIS é um questionário de quinze itens, ad­ & Steer, 1989). O BHS tem um índice alto de
ministrados em uma entrevista clínica a indivíduos falsos positivos (Beck, Brown, Berchick, Stewart
que tentaram o suicídio. Avalia a severidade da & Steer, 1990), o qual é reduzido pela adição do
intenção psicológica do indivíduo de morrer, no BST ao protocolo de pesquisa. Para uso clínico,
momento da tentativa, através da investigação de o BHS é o indicador mais sensível do risco de
aspectos relevantes do comportamento do sujeito suicídio; em pesquisa recomenda-se a combinação
antes, durante e depois da tentativa. Os itens dos dois questionários.
incluem o grau de isolamento e a probabilidade
de ser descoberto, atos finais, concepção sobre BST - Beck Self-Concept Test
a letalidade e possibilidade de resgate médico, O BST (Beck, Steer e col., 1990) requer que os
atitudes em relação a viver e morrer, e o objetivo respondentes se classifiquem, usando uma escala
da tentativa. de cinco pontos, em cada uma de 25 característi­
O SIS foi consistentemente validado como cas pessoais. O escore final reflete o autoconceito
medida da seriedade da intenção de morrer (Beck, geral do indivíduo. O BST tem demonstrado uma
Kovacs & Weissman, 1975; Beck & Lester, 1976; maior especificidade do que o BHS, mas também
Beck, Morris & Beck, 1974; Beck, Schuyler & uma redução em positivos verdadeiros.
Herman, 1974; Minkoff, Bergman, Beck & Beck, Vários pesquisadores identificaram caracterís­
1973; Silver, Bohner, Beck & Marcus, 1971). A ticas cognitivas de indivíduos suicidas que vão
subescala referente a precauções do SIS tem-se além do estabelecimento por Beck da desespe­
mostrado como o único fator de previsão, com­ rança e autoconceito como fatores de risco. Estas
parado ao BDI e ao BHS, de eventual suicídios diferenças cognitivas entre pessoas suicidas e

219
Fronteiras da Terapia Cognitiva

não suicidas persistem mesmo quando o grau da (1975) relatam que a desesperança media a relação
patologia ou o nível de depressão são controla­ entre depressão e intenção suicida entre aqueles
dos. Os fatores cognitivos no suicídio que foram que tentam o suicídio.
examinados são desesperança, baixo autoconceito, Entre usuários de drogas, a desesperança se
rigidez cognitiva, pressuposições disfuncionais, mostra mais fortemente associada à intenção sui­
estilo de atribuição, déficit em habilidades para cida do que a depressão (Emery, Steer & Beck,
resolução de problemas interpessoais, visão do 1981) e ao uso de droga em si (Weissman, Beck
suicídio como uma solução “desejável” e déficit & Kovacs, 1979). Entretanto, o papel da deses­
em razões para viver. Alguns desses fatores são perança na relação entre alcoolismo e tentativas
mais bem fundamentados do que outros e, assim, de suicídio é menos evidente. Embora se pensasse
constituem contribuições de graus diferentes para que a desesperança desempenhava um papel de
o modelo de suicidalidade. mediação (Beck, Weissman & Kovacs, 1976), este
fator não se mostrou como um fator de previsão
entre alcoolistas que tentaram o suicídio (Beck,
Desesperança Steer & Trexler, 1989). Nessa amostra, somente a
subescala do SIS que se refere a precauções, em
A desesperança, ou visão negativa do futuro,
comparação ao BDI e ao BHS, previu o suicídio
é a característica cognitiva mais consistentemente
ao longo de um período de 5 ou 10 anos.
relacionada à ideação, intenção e consumação
suicida, em populações clínicas adultas (Beck, Estudos prospectivos descobriram que a deses­
Brown e col., 1990; Beck, Kovacs & Garrison, perança reflete um fator de previsão de suicídio
1985; Fawcett e col., 1987; Goldney, 1981; Wet­ em adultos (Beck e col., 1985, Brown e col.,
zel, 1976) e infantis (Asamow & Guthrie, 1989; 1990; Drake & Cotton, 1986; Fawcett et al 1987).
Carlson & Cantwell, 1982; Kazdin, French, Unis, Fawcett et al (1987) identificou a desesperança,
Esveldt-Dawson & Sherrick, 1983). Em termos de perda de prazer ou interesse, e flutuações de hu­
ideação suicida, Beck, Kovacs e Weissman (1975) mor como variáveis que distinguem aqueles que
descobriram que a desesperança é um melhor cometeram o suicídio daqueles que não o fizeram.
indicador de ideação suicida atual entre sujeitos Estudos longitudinais, realizados por Beck e seus
que tentam o suicídio do que a depressão. Tam­ associados, descobriram que um escore de nove
bém, Nekanda-Trepka, Bishop e Blackburn (1983) pontos ou mais no BHS previa suicídio ao longo de
descobriram uma associação entre desesperança um período de 10 anos, para grupos de pacientes
e desejos suicidas aumentados entre pacientes hospitalizados com ideação suicida (Beck et al,
psiquiátricos não internados. 1985; Beck, Brown & Steer, 1989) e para pacientes
A desesperança se mostra mais fortemente re­ psiquiátricos não hospitalizados (Beck et al, 1990).
lacionada à intenção suicida do que a depressão, Na amostra de pacientes não hospitalizados, o BHS
entre amostras clínicas de sujeitos com ideação sui­ gerou uma alta porcentagem de falsos positivos
cida (Beck, Kovacs & Weissman, 1975; Bedrosian (59%), então o fator desesperança é adequadamente
& Beck, 1979; Wetzel, Margulies, Davis & Karam, conceituado como um fator dc risco do que como
1980) e de sujeitos que tentaram o suicídio (Dyer um fator de previsão do suicídio. Não obstante,
& Kreitman, 1984; Goldney, 1981; Wetzel, 1976). em decisões clínicas, essa abrangência excessiva
Em um estudo com pacientes (esquizofrênicos) é preferível à possibilidade de deixar passar des­
deprimidos e não deprimidos, aqueles que tinham percebidos alguns positivos verdadeiros.
altos níveis de desesperança, mesmo na ausência de A desesperança pode ser conceituada como
depressão, tinham altos níveis de intenção suicida um esquema relativamente estável, incorporando
(Minkoff e col., 1973). Beck, Kovacs e Weissman expectativas negativas. Durante a perturbação

220
Fatores cognitivos de risco para o suicídio

psiquiátrica, tal como um episódio depressivo, a Dyer e Kreitman (1984) entre mulheres 15 a 34
desesperança aumenta, refletindo um risco agudo anos de idade.
de suicídio. Para a maior parte, a desesperança Os dados são bem diferentes em adolescentes,
diminui à medida que a depressão regride. No entre os quais a maioria das tentativas de suicídio
entanto, a desesperança alta em um episódio sig­ nem tinham uma alta intenção (Brent, 1987; Haw-
nifica um fator de previsão de desesperança alta ton, Osborn, O’Grady & Cole, 1982). Quando a
em episódios subsequentes (Bcck, 1988; Beck, intenção suicida está presente, entretanto, é uma
Brown et al, 1990). Para outros indivíduos, a indicação da necessidade de hospitalização (Brent
desesperança é mais crônica e o suicídio se toma & Kolko, 1990).
uma ameaça mais constante (Beck, 1987). Dessa
Os resultados são também equívocos em amos­
forma, a desesperança pode ser concebida como
tras não clínicas. Cole (1989) e Rudd (1990) ambos
um fator de risco tanto agudo quanto crônico para
mostraram que a depressão está mais relacionada
o suicídio.
à ideação e comportamentos suicidas do que a
Entre adolescentes e em amostras não clínicas, desesperança em grupos de adolescentes. Rich et
a relação entre desesperança e ideação e intenção al (1992) demonstraram que ambas a depressão
suicidas é menos clara. Enquanto vários pesqui­ e a desesperança, associadas ao abuso de drogas
sadores descobriram que a desesperança aumenta, e a poucas razões para viver refletiam fatores de
com a severidade da ideação suicida, em pacientes previsão de ideação suicida em estudantes do
psiquiátricos infantis e adolescentes (Asamow & ensino médio.
Guthrie, 1989; Brent, Kolko, Goldstein, Allan &
Em uma amostra com estudantes de ensino
Brown, 1989; Carlson & Cantwell, 1982; Kazdin
superior, Clum e seus colaboradores (Clum, Pat-
et al., 1983; Rich, Kirkpatrick-Smith, Bonner
siokas & Luscomb, 1979; Schotte & Clum, 1982)
& Jans, 1992; Spirito, Williams, Stark & Hart,
descobriram que a depressão era o melhor fator
1988), outros descobriram que esta relação cai
de previsão da tentativa de suicídio em níveis
para um nível não significante quando a depressão
baixos de ideação suicida. A desesperança era o
é excluída (Asamow, Carlson & Guthrie, 1987).
melhor fator de previsão da intenção suicida em
Diferenças em gênero podem ser importan­ altos níveis de ideação suicida. Portanto, a relação
tes em amostras de adolescentes; Cole (1989) entre desesperança e intenção suicida, em amostras
descobriu que, controlando para a depressão, a não clínicas de adolescentes, pode ser diferente
desesperança mostrou uma correlação modesta conforme os diferentes níveis de ideação suicida.
com o comportamento suicida em meninas, mas
não em meninos.
Em contraste, Rotheram-Borus e Trautman
Autoconceito
(1988, p. 703) argumentam que “a desesperança
não é um fator de previsão significativo de inten­ O autoconceito tem sido identificado em adultos
ção suicida para meninas e mulheres jovens”. Eles como indicador de risco de suicídio, independente
descobriram que, entre meninas adolescentes de da desesperança (Beck, Steer et al., 1990b; Beck
grupos étnicos minoritários, a desesperança não & Stewart, 1989; Wetzel & Reich, 1989). Entre
diferenciou entre sujeitos que tentaram o suicí­ crianças também as expectativas negativas de si
dio e sujeitos com transtornos psiquiátricos que mesmas bem como visões negativas do futuro estão
não tentaram. Nesse estudo, embora depressão e relacionadas à depressão e à intenção suicida (Ka­
desesperança estejam altamente correlacionadas, zdin et al., 1983). Em termos do modelo cognitivo
nenhuma delas previu a tentativa de suicídio. de depressão, o autoconceito negativo ou baixa
Descobertas semelhantes foram relatadas por autoestima representam um dos componentes da

221
Fronteiras da Terapia Cognitiva

tríade cognitiva: a visão negativa de si. A deses­ a pacientes igualmente depressivos, mas não
perança, a visão negativa do futuro, é um outro suicidas, usando uma batería de medidas cogni­
componente da tríade. tivas. Eles descobriram que os pacientes suicidas
tiveram um escore mais alto do que os pacientes
não suicidas em termos de crenças irracionais,
desesperança e atitudes depressogênicas. Bonner e
Distorções cognitivas e pressuposições
Rich (1987) demonstraram que as pressuposições
disfuncionais disfuncionais desempenham um papel importante
na previsão da ideação suicida em estudantes de
Distorções cognitivas ensino superior. Finalmente, Ranieri et al. (1987)
Evidências indicam que distorções cognitivas descobriram uma correlação positiva entre seve­
particulares estão associadas à ideação suicida. Por ridade geral das pressuposições disfuncionais e
exemplo, Prezant e Neimeyer (1988) descobriram, ideação suicida, em pacientes psiquiátricos inter­
entre depressivos moderados, que, uma vez que nados, mesmo depois quando a desesperança e a
o nível de depressão foi controlado, a abstração depressão foram controladas. Além disso, atitudes
seletiva e a supergeneralizacão emergiram como perfeccionistas em relação a si e sensibilidade à
fatores de previsão da ideação suicida. A abstração crítica social explicaram a variação independente
seletiva é um erro de percepção, através do qual em ideação suicida.
um indivíduo dá atenção a apenas uma parte das Trabalho adicional com pacientes não hos­
informações relevantes. A supergeneralização é um pitalizados, por Beck, Steer e Brown (1993),
erro de inferência, no qual a pessoa abstrai uma objetivou determinar se conjuntos específicos de
regra geral a partir de evento único e a aplica tanto atitudes disfuncionais diferenciavam sujeitos com
a eventos relacionados como não relacionados. ideação suicida de sujeitos sem ideação suicida, e
Prezant e Neimeyer concluíram que a combina­ se certas atitudes disfuncionais estavam associadas
ção entre distorções cognitivas e sintomatologia à severidade da ideação suicida. Nesta amostra,
depressiva é um fator superior de previsão da a severidade geral de atitudes disfuncionais, bem
suicidalidade do nível autorrelatado de depressão. como quatro conjuntos de atitudes disfuncionais
específicas - sentir-se vulnerável à depressão,
Rigidez cognitiva aceitar as expectativas de outras pessoas, sentir que
Além da abstração seletiva e da supergene­ é importante impressionar outros, e ser sensível
ralização, a distorção cognitiva, ou pensamento às opiniões dos outros - estavam positivamente
dicotômico, ou pensamento tudo ou nada, tem- associadas à ideação suicida. Entretanto, estas
-se mostrado como característica de pessoas atitudes não diferenciaram sujeitos com ideação
suicidas (Neuringer, 1961, 1967, 1968; Neuringer suicida de sujeitos sem ideação suicida, quando
& Lettieri, 1971). O pensamento dicotômico é se controlou com base nas seguintes variáveis:
considerado uma forma de rigidez cognitiva e idade, sexo, um diagnóstico clínico de transtorno
foi incorporado a essa categoria em pesquisas primário de humor ou pânico, comorbidade, pre­
mais recentes sobre resolução de problemas. É sença de transtorno de personalidade, história de
discutido a seguir. tentativas anteriores de suicídio, escores no BDI,
BHS e BST. História de tentativas anteriores de
Pressuposições disfuncionais suicídio e a desesperança mostraram-se como as
Alguns estudos objetivaram demonstrar se duas variáveis mais importantes para identificar
pressuposições disfuncionais particulares levam os sujeitos com ideação suicida. A desesperança,
ao pensamento suicida. Ellis e Ratliff (1986) associada a atitudes disfuncionais, pode aumentar
compararam indivíduos que tentaram suicídio o desejo de morrer de uma pessoa.

222
Fatores cognitivos de risco para o suicídio

Além do trabalho de Ranieri et al. (1987), Rotheram-Borus, Trautman, Dopkins e Shrout


Hewitt, Flett e Tumbull-Donovan (1992) des­ (1990) descobriram, num estudo feito com mulhe­
cobriram um tipo de perfeccionismo associado res adolescentes de grupos étnicos minoritários,
à ameaça e impulso suicidas, conforme medido que haviam tentado ou não tentado o suicídio,
pelo Minnesota Multphasic Personnality Inven­ que aquelas que tentam não se encaixavam no
tory (MMPI). Os autores examinaram três tipos padrão observado em adultos deprimidos. Pelo
de perfeccionismo - expectativas de si (auto- contrário, adolescentes que tentam o suicídio
-orientadas), expectativas de outros (orientadas a percebem os eventos positivos como atribuíveis
outros) e expectativas que outros têm das pessoas a causas pessoais, permanentes e abrangentes.
(perfeccionismo socialmente determinado) - e suas Essas adolescentes relataram muito menos atri­
possíveis relações à ideação suicida em pacientes buições disfuncionais para situações positivas
psiquiátricos internados. Apenas o perfeccionismo do que pacientes psiquiátricos que nunca haviam
socialmente determinado previu a variação nos tentado o suicídio.
escores de ideação suicida, que não foram expli­ Spirito, Overholser e Hart (1991) também
cados pela depressão ou pela desesperança. Esse compararam adolescentes que haviam tentado o
achado, que a tendência a perceber outros como suicídio com uma amostra de adolescentes psi­
tendo expectativas irrealistas de si mesmo, está quiátricos hospitalizados. Não foram encontradas
associado à ideação suicida. Esse fator pode se diferenças no estilo de atribuição entre os grupos
relacionar ao terceiro aspecto da tríade cognitiva diagnósticos. Entretanto, pacientes adolescentes do
de Beck: que o mundo faz demandas exorbitantes sistema público de saúde tinham maior tendência do
do indivíduo. que adolescentes que não eram do sistema público
de saúde, a atribuir eventos negativos a causas
globais e eventos positivos a causas específicas.
Estilo de atribuição Os autores concluem que a falta de consistência
na relação entre estilo de atribuição e tentativas
O estilo de atribuição tem sido investigado, em de suicídio indicam que não existe um estilo de
relação à pesquisa sobre o suicídio, porque man­ atribuição específico em adolescentes que tentam
tém uma relação já demonstrada com a depressão o suicídio.
(Abramson, Metalsky & Alloy, 1989). Conforme Resultados mais consistentes em relação ao
o modelo, os indivíduos deprimidos têm uma padrão de adultos deprimidos foram obtidos por
tendência, diferentemente dos não deprimidos, Priester e Clum (1992), que estudaram a relação
a atribuir a causalidade de eventos negativos a entre estilos de atribuição e depressão, desespe­
fatores pessoais, permanentes e abrangentes. Os rança, e ideação suicida em estudantes do ensino
eventos positivos seriam atribuídos a causas ex­ superior. Uma nota baixa numa prova era o evento
ternas, passageiras e específicas. Há evidências de negativo imposto aos estudantes, os quais foram
que eventos de vida precipitam muitas tentativas avaliados antes e depois da prova em todos os três
de suicídio, particularmente entre adolescentes critérios. Foi descoberto que o estilo de atribuição
(Spirito, Overholser & Stark, 1989), alcoólatras permanente-negativo estava relacionado a todos os
(Heikkinen, Aro & Lonnqvist, 1993) e pessoas critérios: a tendência de atribuir a reprovação na
com transtornos de personalidade (Lester, Beck prova a causas permanentes mostrou-se associada
& Steer, 1989). Portanto, o estudo dos estilos de aos níveis mais altos de depressão, desesperança
atribuição pode esclarecer a maneira pela qual as e ideação suicida. Aqueles que atribuíram even­
pessoas com ideação suicida avaliam os eventos. tos positivos (por exemplo, boas notas) a causas
Os dados sobre o papel desempenhado pelo internas mostraram-se menos propensos a se
estilo de atribuição no suicídio são confusos. sentirem deprimidos, sem esperança ou suicidas.

223
Fronteiras da Terapia Cognitiva

A interação entre uma nota baixa e estilo de atri­ Chiles, Egan, Devine & Laffaw, 1986). Segundo,
buição permanente-negativo era o fator chave. O existem evidências de que indivíduos com ideação
desempenho fraco, por si só, não tinha relação suicida (Mraz & Runco, 1994) e pessoas que tentam
com a ideação suicida. suicídio (Rotheram-Borus et al, 1990) percebem
um número maior de problemas, porém, geram
menos soluções que pacientes e não pacientes do
grupo de controle. Terceiro, pessoas que tentam
Déficits em resolução de problemas
suicídio, comparadas com pacientes e controles
Uma boa parte das pesquisas recentes sobre normais não suicidas, são menos propensos a se
fatores cognitivos de risco em suicídio tem foca­ engajar em resolução de problema interpessoal
lizado um déficit de habilidades para resolução quando solicitados. Num dos poucos estudos sobre
de problemas encontrada em indivíduos com estratégias de enff entamento com crianças suicidas,
ideação suicida e que tenta o suicídio. Déficits em Asamow e col. (1987), descobriram que essas
habilidades para resolução de problemas tem-se crianças eram menos propensas, do que crianças
mostrado característico de crianças (Asamow e não suicidas, a usar habilidades instrumentais de
col., 1987; Orbach, Rosenheim & Hary, 1987), resolução de problemas quando diante de eventos
adolescentes (Curry, Miller, Waugh & Anderson, estressantes de vida.
1992; Levenson & Neuringer, 1971; Rotheram- A falta de resolução ativa de problema também
-Borus et al., 1990) e adultos suicidas (Linehan, foi notada em adultos que tentam suicídio quando
Camper, Chiles, Strosahl & Shearin, 1987; Schotte comparados a sujeitos com ideação suicida e pa­
& Clum, 1987), e estas dificuldades se tomam mais cientes clínicos não suicidas (Linehan et al, 1987).
profundas à medida que os problemas aumentam As pessoas que tentaram suicídio esperavam que os
em conteúdo interpessoal (McLeavy, Daly, Murray, problemas se resolvessem ou descobriam alguém
O’Riodan & Taylor, 1987). para resolvê-los. Esta descoberta, entretanto, é
Crianças, adolescentes e adultos suicidas têm contrária aos dados de Orbach, Bar-Joseph e Dror
habilidades limitadas para encontrar soluções em (1990) que compararam os estilos de resolução de
tarefas interpessoais porque têm dificuldades em problemas entre adultos com ideação suicida, pes­
produzir novas idéias, identificar soluções (Orbach soas que tentam suicídio e pacientes psiquiátricos
et al, 1987; Patsiokas, Clum & Luscomb, 1979) não suicidas. Tanto as pessoas que tentam suicídio
e gerar alternativas (Cohen-Sandler & Berman, como os pacientes não suicidas geraram soluções
1982; Levenson, 1974). Adolescentes suicidas de­ mais ativas do que os indivíduos com ideação
monstraram persistir no uso de soluções ineficazes suicida. A implicação clínica desses resultados é
até mesmo quando uma estratégia mais eficaz foi que a resolução ativa de problemas necessita ser
oferecida a eles (Levenson & Neuringer, 1971). canalizada positivamente.
Tal padrão de resposta estereotipado e rigidez A evitação, ou falta de engajamento em re­
cognitiva ajudam a explicar de que maneira as solução de problemas, também foi observada
tentativas repetidas de suicídio se estabelecem em adolescentes que haviam tentado o suicídio.
como um resultado comportamental. Rotheram-Borus e col. (1990) descobriram que
A resolução de problemas interpessoais tem mulheres adolescentes que tentaram o suicídio,
maior relevância clínica para o estudo do suicídio provenientes de grupos minoritários, eram mais
por várias razões. Primeiro, porque as pessoas que propensas a pensamentos que denotavam seus
tentam o suicídio relatam maiores dificuldades com desejos, quando sob estresse, do que controles
problemas interpessoais do que os indivíduos com normais. Spirito et al (1989) descobriram que
ideação suicida, pacientes psiquiátricos não suici­ adolescentes suicidas usaram o afastamento social
das e controles da população em geral (Linehan, mais frequentemente do que controles psiquiátricos

224
Fatores cognitivos de risco para o suicídio

e normais. Parece que, como os grupos de controle, são menos capazes de gerar alternativas, anteci­
os adolescentes suicidas usaram uma variedade par consequências de várias soluções e lidar com
de estratégias de enfrentamento, mas em algum problemas atuais em sua própria vida.
ponto eles desistiam e se afastavam socialmente. Schotte e Clum (1987), de modo semelhante,
Os estudos acima sobre “estilo de enfrenta­ descobriram que pacientes hospitalizados e com
mento” abordam a questão de se os indivíduos ideação suicida conseguiam gerar menos da me­
suicidas tentam ou não resolver problemas, não o tade das muitas soluções possíveis para problemas
quanto eles o fazem bem. Algumas pessoas usam interpessoais, extraídos da sua própria vida, do
a esquiva; outras enfrentam problemas tentando que sujeitos deprimidos do grupo de controle.
resolvê-los. Schotte e Clum (1987) argumentam Além disso, eles têm uma tendência a focalizar as
que, entre outros déficits, aos pacientes suicidas consequências potencialmente negativas da imple­
falta uma orientação apropriada em direção à mentação de qualquer solução. A reação do tipo
resolução de problemas. Eles têm dificuldades “sim (pode ser uma boa solução), mas...” frente
de se engajar em resolução de problemas e de a soluções potenciais pode ser uma característica
aceitar que os problemas constituem uma parte importante do pensamento suicida (Priester &
normal da vida. Clum, 1993b).
Estilos de enfrentamento foram sistematica­ Orbach et al (1990) compararam os estilos de
mente investigados por Josepho e Plutchik (1994). resolução de problemas de indivíduos adultos com
Eles os definem como “os métodos que as pessoas ideação suicida, pessoas que tentam o suicídio e
usam para lidar com classes particulares de con­ pacientes psiquiátricos não suicidas. As soluções
flitos emocionais” (p. 50). Eles compararam os oferecidas pelos pacientes suicidas para dilemas
estilos de enfrentamento de pessoas hospitalizadas interpessoais mostraram menos versatilidade, me­
que tentam o suicídio com os estilos de pacientes nos relevância, mais evitação, mais afeto negativo
não suicidas. A supressão ou evitação da pessoa e menos referência ao futuro do que as soluções de
ou problema que o indivíduo acredita ter criado a pacientes não suicidas. Orbach e seus associados
situação, mostrou a mais forte correlação positiva (Orbach et al, 1987) similarmente descobriram
à suicidalidade. Tais comportamentos amplificam que crianças suicidas eram menos capazes que
o risco de suicídio. Em contraste, a substituição, crianças clinicamente enfermas e crianças normais
o esforço para melhorar situações estressantes ou de gerar alternativas para dilemas de vida e morte
as limitações do indivíduo mostrou a mais forte em histórias. Além disso, elas constituíram o único
correlação negativa com o risco de suicídio. O grupo a mostrar uma interação entre tal rigidez
uso aumentado de supressão e o uso reduzido de cognitiva e atração pela morte.
substituição aumentaram o risco de comportamento A literatura sobre pesquisas na área de resolução
suicida. de problemas recentemente incorporou a noção
Uma vez que indivíduos suicidas se engajam de habilidades percebidas para a resolução de
em resolução de problemas interpessoais, os problemas, ao invés de habilidades reais (Bonner
mesmos déficits que acompanham a resolução de & Rich, 1988b; Dixon, Heppner & Anderson,
problemas pessoais emergem, mas se mostram 1991; Rudd, Rajab & Dahm, 1994). Bonner e
ampliados (McLeavey et al, 1987). McLeavey et Rich (1988b) e Dixon et al (1991) descobriram
al (1987) descobriram que, comparado a pacientes que tanto o estresse de vida quanto as habilida­
psiquiátricos não suicidas e controles não pacien­ des autoavaliadas para resolução de problemas
tes, as pessoas que tentam o suicídio são menos previram a desesperança e a ideação suicida em
capazes de orientar-se em direção a uma meta e estudantes de ensino superior. Entretanto, Priester
de conceberem uma estratégia para atingi-la. Elas e Clum (1993a) descobriram que estudantes de

225
Fronteiras da Terapia Cognitiva

ensino superior, que classificaram suas habilidades As pessoas suicidas podem ter dificuldades
de resolução de problemas como inferiores no em tolerar a ansiedade inerente à resolução de
momento 1, eram mais vulneráveis ao estresse problemas. Crianças suicidas, por exemplo, de­
de uma nota baixa e mostraram níveis mais altos monstraram-se menos capazes de gerar afirmações
de depressão e desesperança, mas não de ideação autorreconfortantes do que crianças não suicidas,
suicida, no momento 2, do que estudantes cujo diante de eventos estressantes de vida (Asamow
autorrelato demonstrava uma avaliação mais alta et. al, 1987).
de suas próprias habilidades. Rudd et al. (1994) Linehan et al (1987) relatam que o nível de
também descobriram que a avaliação de habilidades expectativa de que o suicídio possa resolver os
de resolução de problemas é um melhor fator de problemas de uma pessoa é um fator de previsão
previsão de desesperança do que a ideação suicida, de intenção suicida mais elevada. Além disso, Stro-
em uma amostra clínica. sahl, Chiles e Linehan (1992) descobriram, entre
A autoavaliação de habilidades de resolução de parassuicidas com grande intenção de morrer, uma
problemas reflete mais uma medida de autoeficácia relação positiva entre crenças de sobrevivência/
do que efetivamente de habilidades de resolução enfrentamento e intenção suicida. À medida que
de problemas (Bonner & Rich, 1988b). De fato, a intenção aumenta, a pessoa se toma mais focada
a confiança de uma pessoa em sua habilidade de nos efeitos de resolução de problemas do suicídio.
resolver problemas pode ser completamente di­ Orbach etal. (1987) descobriram evidências dc
ferente da sua performance real, particularmente visão do suicídio como uma solução desejável entre
entre as pessoas deprimidas. O construto necessita crianças. Comparando crianças suicidas, crianças
ser esclarecido: é uma medida de autoeficácia ou clinicamente enfermas e crianças normais, eles
de expectativas de resultado? Além disso, não está descobriram que a interação entre a inabilidade
claro se as habilidades de resolução de problemas, de gerar soluções para dilemas de vida ou morte
a autoavaliação ou alguma outra combinação é em estórias e uma atração pela morte era exclu­
mais importante cm prever a desesperança. Pode­ siva de crianças suicidas. Essa interação não foi
ría também ser argumentado que a desesperança observada com crianças com doenças crônicas
acarreta uma baixa avaliação de habilidades de ou crianças normais, as quais podem não ter-se
resolução de problemas (Bonner & Rich, 1988b). mostrado aptas em resolução de problemas, mas
Assim, a significância teórica e clínica da relação não eram atraídas ao suicídio.
observada entre habilidades de resolução de pro­ Portanto, o suicídio pode parecer uma solução
blemas, avaliações de habilidades e desesperança quando uma pessoa é incapaz de mudar para uma
necessitam ser estabelecidas. nova estratégia, de tolerar a ansiedade inerente à
resolução de problemas, ou tem crenças falsas
sobre a eficácia do suicídio em resolver problemas.

Suicídio como solução “desejável”


No livro Terapia Cognitiva da Depressão (Beck,
Razões para viver
Rush, Shaw & Emery, 1979), Beck observa que
indivíduos suicidas têm um déficit cognitivo sin­ Em contraste à desesperança está a noção de
gular para a resolução de problemas interpessoais: crenças adaptativas ou expectativas positivas que
quando suas estratégias habituais falham, eles se pode servir para manter as pessoas vivas ou pro­
tomam paralisados e veem o suicídio como uma tegê-las dos eventos de vida. O papel das atitudes
saída. Ele descreve a atração pelo suicídio, nestes positivas na prevenção do suicídio foi explorado
casos, como semelhante a um “narcótico”. por vários pesquisadores, mais notavelmente por

226
Fatores cognitivos de risco para o suicídio

Linehan e seus colaboradores (Linehan, Goodstein, são o subconjunto do RFLI que recebeu uma maior
Nileson & Chiles, 1983; Strosahl e col., 1992; atenção, conforme será discutido abaixo.
Strosahl, Linehan & Chiles, 1983). Eles partem Usando uma amostra dc estudantes de ensino
do ponto de vista de que às pessoas suicidas superior, Westfeld, Cardin e Deaton (1992) desen­
faltam expectativas positivas, ao invés, ou além volveram o College Student Reasons for Living
de, terem expectativas negativas. O Reasons for Inventory (CSRFLI, Inventário de Razões para
Living Inventory (RFLI, Inventário de Razões para Viver para Estudantes de Ensino Superior). Uma
Viver; Linehan et ai, 1983a) foi desenvolvido para análise fatorial gerou seis fatores, cinco dos quais
avaliar a influência de crenças adaptativas ou de são os mesmos identificados por Linehan et al.
enfrentamento sobre o comportamento suicida. (1983), com a adição de “amigos” ao fator refe­
Além desse instrumento dc medida, o BHS (Beck rente à Responsabilidade com a Família e com os
Hopelessness Scale) é uma medida global de pes­ Amigos. Entre os estudantes do ensino superior, o
simismo, não sendo específico para suicídio. O fator Preocupação Relacionada a Filhos, compreen-
RFLI, ao contrário, identifica cognições específicas sivelmente, não estava presente. Ao invés desse,
y

de suicídio. A medida que uma pessoa se toma o fator Preocupações Relacionadas à Faculdade e
crescentemente suicida, suas cognições podem mu­ ao Futuro surgiu como exclusivo para este grupo.
dar de desesperança generalizada para a avaliação Pesquisas têm investigado ainda o papel de
do suicídio como uma solução. Por essas razões, crenças de enfrentamento na ideação, intenção e
o RFLI tem sido empregado para estudar cogni­ comportamento suicida. Especificamente, a atenção
ções suicidas. De fato, um estudo com pacientes é direcionada à verificação sobre se o BHS e o
internos e controles normais demonstrou que os RFLI medem construtos diferentes (Dyck, 1991;
escores no RFLI eram inversamente relacionados à Strosahl et al, 1983); e sobre como a desesperança
ideação suicida e a tentativas anteriores de suicídio e as razões para viver diferencialmente influenciam
(Linehan e col., 1983). Indivíduos suicidas eram a ideação e o comportamento suicida, em vários
significativamente menos propensos a endossar níveis de intencionalidade (Strosahl et al., 1992)
razões para viver. Estresses recentes de vida e e em populações diferentes (Cole, 1989; Connell
patologias em geral não identificaram aqueles que & Meyer, 1991; Rich et al., 1992). Em vários
tinham poucas razões para viver. estudos, Linehan e seus colaboradores (Linehan e
col., 1983; Strosahl et al., 1992, Strosahal et al.,
Seis conjuntos de razões para viver distingui-
1983) estabeleceram a subescala do RFLI referente
ram entre indivíduos não suicidas e suicidas: (1)
a Crenças de Sobrevivência e de Enfrentamento
crenças de sobrevivência e enfrentamento, (2) como um fator de previsão útil da intenção suicida.
responsabilidade com a família, (3) preocupações Strohal et al. (1983) demonstraram que Crenças de
centradas em filhos, (4) medo do suicídio, (5) Sobrevivência e de Enfrentamento podiam discri­
medo de desaprovação social e (6) objeções mo­ minar entre níveis de intenção suicida até mesmo
rais ao suicídio. O conjunto referente a Crenças entre pacientes com níveis significativos de deses­
de Sobrevivência e Enfrentamento inclui itens perança. Um estudo adicional com parassuicidas
como “Eu tenho planos futuros que anseio por hospitalizados (Strosahal e col., 1992) identificou
realizar” e “Acredito que posso aprender a me as Crenças de Sobrevivência e Enfrentamento, a
ajustar ou enfrentar os meus problemas”. Linehan desesperança e a depressão como os mais impor­
et al. (1983) descrevem este conjunto de crenças tantes fatores de previsão da intenção suicida. O
como resultado da combinação de crenças que são fator Crenças de Sobrevivência e Enfrentamento
inversas a algumas crenças do BHS, com crenças emergiu como o melhor fator único de previsão de
sobre autoeficácia e crenças a favor do valor da intenção suicida em parassuicidas. A desesperança
vida. As Crenças de Sobrevivência e Enfrentamento demonstrou-se um fator significativo de previsão

227
Fronteiras da Terapia Cognitiva

apenas quando analisado independentemente das extensão da sua desesperança, ideação suicida e
Crenças de Sobrevivência e Enfrentamento, mas comportamento suicida anterior e, deste modo,
mesmo assim não entre os indivíduos que tentavam distorcer os resultados.
o suicídio repetidas vezes. De fato, o fator atratividade social demonstrou
Os dados desse estudo, tanto para os mesmos desempenhar um papel maior sobre as respostas
parassuicidas de repetição como para uma su- da população em geral do que entre pacientes
bamostra de parassuicidas com intencionalidade psiquiátricos (Strosahl et al., 1984). Cole (1988),
alta, reforçam a ideia de que o suicídio como uma em uma pesquisa com estudantes de ensino supe­
solução se toma fixo dentro de um repertório li­ rior, descobriu também que a atratividade social
mitado de respostas. Lester, Beck e Narret (1978) influenciava a relação entre desesperança e paras-
descobriram que a intenção suicida aumenta com suicídio apenas entre os estudantes que não estavam
sucessivas tentativas, e que, entre esses pacien­ recebendo tratamento psicológico. Para os que
tes parassuicidas com alta intencionalidade, foi estavam em busca de tratamento, a desesperança
observada uma correlação positiva entre Crenças mostrou-se relacionada ao parassuicídio, mesmo
de Sobrevivência e Enfrentamento e a intencio­ quando os fatores depressão e atratividade social
nalidade. Teoricamente, isto poderia refletir um foram controlados. O estudo de Cole concluiu
enfoque no suicídio como uma solução, embora que tanto a natureza da amostra quanto a maneira
mal-adaptativa. Poderia também indicar que, à através da qual a atratividade era operacionalizada
medida que uma pessoa se toma mais suicida, as afetam os resultados.
cognições mudam de desesperança generalizada
Em estudos de grupos não clínicos, a atrativi­
para crenças específicas sobre suicídio. Além do
dade social tem sido definida como o reflexo de
mais, a presença de um conjunto de expectativas
um bom ajustamento social e psicológico (Strosahl
suicidas pode estabelecer uma “prontidão de res­
et al., 1984; Connel & Meyer, 1991). Isto tem
posta” (Strosahal et al., 1992, p. 371) a eventos
levado a alguma confusão sobre o que o construto
negativos da vida, fazendo com que o que parece
avalia: é uma tentativa de retratar alguém sob
ser um ato impulsivo seja, na realidade, um ato
a mais favorável perspectiva, ou é uma medida
baseado em um sistema de crenças altamente
específico. de autorrelato da capacidade geral? Enquanto o
conceito teórico de atratividade social permanece
Atratividade social, desesperança e indefinido, a implicação clínica resultante é a de
enfrentamento que se deve interpretar os autorrelatos de deses­
Um dos debates que emergem da identificação perança mantendo em mente a possibilidade de se
dos fatores cognitivos de risco para o suicídio estar lidando, na verdade, com a atratividade social.
gira em tomo do conceito de atratividade social Finalmente, Holden, Mendonça e Serin (1989)
ou a tendência de atribuir a si qualidades social­ examinaram as relações entre suicídio, desespe­
mente desejáveis e rejeitar valores socialmente rança e um modelo de duplo fator de atratividade
indesejáveis. social. Um fator de atratividade social incluía itens
Linehan e seus colaboradores (Linehan & que refletiam pensamentos focados e realistas, inte­
Nielson, 1981, 1983; Strosahl, Linehan & Chiles, gração social, autoconfiança e resistência. O outro
1984) demonstraram que o BHS se correlacionava fator continha itens relacionados à consideração
negativamente com a Edwards Social Desirability com o próximo, sensibilidade social e tolerância.
Scale (ESD - Escala de Edwards de Atratividade Os autores definem desesperança como cognições
Social; Edwards, 1970) e, então, questionaram a pessimistas sobre o futuro e atratividade social ne­
validade preditiva do BHS. Argumentou-se que gativa, como um sentido de baixa autoeficiência e
as pessoas podem não divulgar, inteiramente, a enfrentamento. Em dois estudos de grupos clínicos

228
Fatores cognitivos de risco para o suicídio

e não clínicos Holden et al. (1989), descobriram concluiu que qualquer um, ou todos os fatores,
que tanto a desesperança quanto um componente podem aumentar o risco de ideação suicida; eles
da atratividade social, representando um senso geral refletem fatores independentes de risco.
de capacidade, são importantes para a previsão de Clum e seus colaboradores (Clum et al., 1979;
comportamento suicida. Há uma interação, na qual Schotte & Clum, 1982) desenvolveram modelos
este senso geral de capacidade modera a relação que focalizam a relação entre déficits em resolução
entre desesperança e susceptibilidade ao suicídio. de problemas e desesperança. Eles propuseram que
A ausência de autoeficiência e as expectativas a combinação entre estresses de vida e um déficit
pessimistas estão ambas relacionadas ao suicídio, em habilidades de resolução de problemas conduz à
mas a autocapacidade reduz a ligação entre de­ desesperança que, por sua vez, desencoraja a pessoa
sesperança e suicídio. Dessa forma, argumenta-se a tentar resolver problemas (Clum et al., 1979).
que diferentes conjuntos de cognições mostram-se Um teste deste modelo com pacientes suicidas,
relevantes para a compreensão do suicídio. entretanto, não encontrou nenhuma relação entre
desesperança e níveis de habilidade de resolução
de problemas interpessoais (Schotte & Clum,
Modelos de comportamento suicida 1987). Esta descoberta oferece apoio à hipótese
de que esses representam fatores independentes
Modelos que integram fatores cognitivos dc
de risco no suicídio.
risco para o suicídio foram propostos e testados
em várias amostras. Estes modelos são baseados, As relações entre habilidade de resolução de
primariamente, no modelo de vulnerabilidade- problemas, depressão e suicídio foram examinadas
-estressor, no qual estressores da vida, impostos a num trabalho longitudinal. Schotte, Cools e Payvar
configuração de fatores cognitivos de risco, resul­ (1990) acompanharam a trajetória de pacientes
tam em comportamentos suicidas. Dessa forma, os hospitalizados e com ideação suicida e descobri­
fatores de risco representam uma vulnerabilidade ram que habilidades de resolução de problemas
ao suicídio, que se toma aparente sob condições não representavam um traço, mas oscilava com os
adversas. níveis de depressão, estado de ansiedade, desespe­
rança e intenção suicida. Isto sugere que déficits
Bonner e Rich construíram (Bonner & Rich,
em resolução de problemas são concomitantes,
1987) e testaram (Rich & Bonner, 1987) um
ao invés de representar a causa, em depressão,
modelo baseado em uma amostra de estudantes
desesperança e intenção suicida.
de ensino superior em que distorções cognitivas,
alienação socioemocional e razões deficitárias Schotte et al. (1990) chamaram a atenção
para viver predispunham o indivíduo à ideação para a noção de que os déficits em resolução de
suicida. Uma vez que a ideação é ativada, o indi­ problemas são antecedentes de depressão, deses­
víduo corre o risco de um aumento em alienação, perança e comportamento suicida. Então, Priester
depressão e estresse. Neste ponto, a desesperança e Clum (1993b) avaliaram o papel de déficits em
pode-se desenvolver e levar a um comportamento resolução de problemas anteriores a um estressor
suicida manifesto. Uma combinação linear entre no desenvolvimento eventual destes critérios. Os
alienação socioemocional, distorções cognitivas, resultados de forma geral sustentam a hipótese de
recursos adaptativos deficientes, desesperança e que déficits em resolução de problemas sozinhos
estresse na vida demonstrou-se capaz de explicar ou em interação com níveis de estresse podem
comportamentos suicidas passados (Bonner & prever depressão, desesperança e ideação sui­
Rich, 1987) e ideação suicida presente (Rich & cida, mas nem todos os aspectos da resolução de
Bonner, 1987). Um teste adicional sobre interação problemas foram importantes na previsão desses
entre essas variáveis (Bonner & Rich, 1988a) critérios. O padrão de relações de previsão foi

229
Fronteiras da Terapia Cognitiva

o mais semelhante em relação à desesperança e Em contraste, as pessoas que tentaram suicídio


ideação suicida, mas diferente para os sintomas foram caracterizadas como tendo transtorno de
de depressão. Especificamente, indivíduos que personalidade, alcoolismo e comportamento an-
podiam pensar apenas em consequências negativas tissocial. Sua desesperança e baixo autoconceito
para as soluções por eles identificadas, tomaram- eram crônicos e reforçados pela sociedade. Este
-se desesperançados e suicidas quando expostos grupo apresentava rigidez cognitiva, impulsividade,
ao estresse de um evento de vida. Esta atitude de déficits de resolução de problemas que persistiam
rejeitar soluções os impede de implementar solu­ entre os episódios suicidas (Lester et al, 1989) e
ções. Isto não se mostra, entretanto, relacionado à eram considerados traços de personalidade. Nos
depressão. Sujeitos que se tomaram deprimidos e momentos de crises suicidas, ambos os grupos
desesperançados foram os menos capazes a gerar tinham baixa autoestima, elevados níveis de de­
soluções relevantes para os problemas. sesperança e baixa habilidade em resolução de
Há várias implicações destas descobertas: (1) a problemas interpessoais, mas devido a diferentes
descoberta de que diferentes variáveis em resolu­ “causas”.
ção de problemas refletiam fatores de previsão de
desesperança, ideação suicida e depressão sugerem
que é importante avaliar todos os aspectos da reso­ Apresentação clínica de clientes
lução de problemas, considerando-se que déficits
suicidas
específicos conduzem a disfunções específicas;
(2) a descoberta de que, se forem suficientemente Os fatores cognitivos investigados ajudaram
profundos, os déficits em resolução de problemas a formar um quadro clínico dos clientes suicidas.
poderíam, sozinhos, levar à ideação suicida sugere Pessoas com alto risco de suicídio apresentam
que eles representam muito mais traços de perso­ elevados níveis de desesperança em cada episódio
nalidade do que de estado, para esta amostra; e depressivo ou, especialmente no caso de clientes
(3) a tendência a focalizar consequências negativas com transtornos de personalidade, quando um
mostrou-se associada à desesperança e ideação evento de vida precipita uma crise interpessoal.
suicida. Esta mesma variável não apresentou uma A abstração seletiva permitiría que o indivíduo
covariância com o humor no estudo de Schotte visse apenas parte do quadro, a supergeneralização
et al. (1990). Dessa forma, pode refletir uma boa levaria a falhas e conclusões generalizadas e os
medida de déficits persistentes em resolução de pensamentos dicotômicos levariam a emoções e
problemas. comportamentos extremos. Incidentalmente, pode-
A pesquisa de Beck (Beck, 1987; Lester et -sc facilmente imaginar a influência que o álcool
al., 1989) sobre ideação suicida e pessoas que teria neste processo cognitivo. Tais distorções
tentam o suicídio de forma reincidente, também cognitivas servem para manter as pressuposições
fornece informações sobre a questão de “estado depressogênicas ou disfuncionais através da
ou traço” dos déficits cm resolução dc problemas. eliminação de outras informações relevantes. A
Os indivíduos com ideação suicida neste estudo incapacidade de gerar perspectivas alternativas
eram pacientes com depressão, hospitalizados por ou soluções para problemas leva o cliente a um
ideação suicida. Quando deprimidos, eles fica­ impasse mental. O suicídio, particularmente no caso
vam, também, desesperançados e apresentavam em que tenha havido tentativas anteriores, aparece
autoconceito negativo e déficits em resolução com uma saída para este dilema, e se transforma
de problemas. Esses aspectos eram solucionados em uma resposta estereotipada. A ideação suicida
quando a depressão diminuía. Para eles, as deficiên­ frequente ou contínua, sobre a qual o indivíduo
cias na resolução de problemas eram dependentes tem pouco controle, e que ainda fornece algum
do estado de humor. alívio, é indicativa de alto risco.

230
Fatores cognitivos de risco para o suicídio

Na avaliação do risco de suicídio, é necessário de risco, tanto agudos quanto crônicos, no desen­
verificar como o cliente respondeu anteriormente a volvimento do comportamento suicida. Há uma
eventos estressantes na vida. Que tipo de estratégias forte sustentação para os papéis independentes
de autocontrole ou habilidades de enfrentamento o da desesperança, dos déficits em resolução de
cliente tem empregado? Essas estratégias podem problemas e nas poucas razões para viver, nos
incluir distração da ideação suicida persistente, processos que conduzem ao suicídio. As relações
desafio de idéias suicidas, utilização de fatores entre essas características cognitivas podem variar
de apoio social, emprego de comportamentos de acordo com o nível de ideação e intenção sui­
alternativos, e adoção de uma postura de reso­ cida e outros fatores, como eventos estressantes
lução de problema. Pessoas em risco de suicídio de vida, representando um risco mais próximo.
podem sentir-se incapazes ou hostis diante da A identificação de fatores cognitivos em sui­
necessidade de resolução de problemas e evitá-lo cídio pode levar a intervenções terapêuticas que
completamente. Ao invés disso, o cliente pode reduzam o risco de suicídio. Por exemplo, tanto a
demonstrar uma atração pela morte, como uma terapia cognitiva (Rush, Beck, Kovacs, Weissen-
forma de solucionar problemas. burger & Hollon, 1982) quanto o treinamento para
resolução de problemas (Lemer & Clum, 1990;
Finalmente, a rigidez cognitiva aparente em
Salkovskis Atha, & Storer, 1990) têm demonstrado
clientes suicidas pode ser acompanhada de difi­
capacidade para reduzir a desesperança, e, em um
culdades em tolerar o processo de resolução de
estudo (Salkovskis et al., 1990), a ideação suicida
problemas. Certamente, o desafio do terapeuta é
e a frequência em curto prazo de tentativas. Além
engajar o paciente neste processo e criar um certo disso, a importância das crenças de enfrentamento
desequilíbrio no quadro inflexível de crenças, en­ tem sido observada na melhora do risco de sui­
quanto encoraja e ensina o paciente a suspender cídio. Tal descoberta fornece apoio adicional a
seu julgamento, até que uma solução alternativa intervenções que reduzem distorções cognitivas
possa ser escolhida com segurança. e fortificam maneiras de pensar mais adaptativas.
Estratégias terapêuticas dirigidas ao aumento da
flexibilidade cognitiva, tolerância à ansiedade em
Conclusão conflitos interpessoais e suspensão do julgamento
até que uma solução tenha sido testada reduziríam,
As características cognitivas de indivíduos presumidamente, o uso do suicídio como uma
suicidas podem ser conceituadas como fatores resposta a situações aparentemente intoleráveis.

231
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237
Capítulo 12

Vulnerabilidade cognitiva à depressão

Ivy-Marie Blackburn

través dos séculos, estudos de pesquisa inato e persistente e, algumas vezes, explodindo em

A teórica e clínica em depressão procura­


ram por possíveis fatores que pudessem
predispor alguns indivíduos a desenvolver uma
doença depressiva. Fatores biológicos, psicológi­
uma síndrome melancólica total. Outros autores,
desde então, envolveram traços de personalidade,
tais como introversão c neuroticismo (Murray &
Blackburn, 1974), e traços obsessivos (Kendell &
cos e sociológicos foram cogitados, embora estas DiScipio, 1970).
classes de predisposição ou fatores de vulnerabi­ Teorias cognitivas de depressão reavivaram o
lidade não sejam necessariamente independentes interesse em pesquisa na área de vulnerabilidade
e a maioria dos pesquisadores agora aceitem que psicológica para a depressão, postulando certas
a vulnerabilidade provavelmente é multifatorial. atitudes básicas ou estilos cognitivos como sendo
A possibilidade de haver fatores de vulnerabi­ depressogênicos ou como sendo predisponentes
lidade em depressão é atraente e possui validade à depressão. Este modelo de diátese-estresse,
empírica. Evidências de pesquisa, apoiando a visão primeiro descrito por Beck (1967) e mais tarde
de uma predisposição biológica, derivam primeira­ expandido por Kovacs e Beck (1978), descreve
mente dc estudos genéticos dc família (McGuffin atitudes latentes, que podem scr desencadeadas por
& Katz, 1986), indicando que a depressão parece certas situações ou eventos-chave, e que então se
possuir um componente hereditário; por outro tomam hiperativas e aplicadas a estímulos cada
lado, Brown e Harris (1978), em seu influente vez mais inapropriados. Esta hipótese recebeu
estudo sociológico de mulheres cm Camberwell, pouco suporte empírico, sendo que a maioria
descreveram vários fatores ambientais que parecem dos estudos descobriu evidências a favor de um
render pessoas vulneráveis a uma reação depres­ estilo cognitivo dependente de estado, ao invés
siva, quando encaram adversidades. Investigações de um traço de personalidade estável (Persons
psicológicas tenderam a enfocar primeiramente os & Miranda, 1992). Outras teorias cognitivas,
fatores de personalidade internos. O conceito de tais como a teoria reformulada do desamparo
uma personalidade depressiva tem uma longa histó­ aprendido (Abramson, Seligman & Teasdale,
ria que data até, pelo menos, a época de Kraepelin, 1978), têm similarmente procurado por padrões
que descreveu o “temperamento depressivo” como cognitivos estáveis nos estilos de atribuição, tais
Fronteiras da Terapia Cognitiva

como fatores potencialmente predisponentes à do que as pressuposições depressogênicas. Beck


depressão, com resultados inconsistentes. Costello (1983, 1987) descreveu dois construtos de perso­
(1992) atribui os fracos resultados nesta área a nalidade, sociotropia e autonomia, que podem agir
problemas metodológicos, ao invés de atribui- como indicadores de vulnerabilidade, no sentido
-los à invalidade do conceito de vulnerabilidade em que sensibilizam indivíduos a certos tipos de
cognitiva. Por exemplo, os resultados frustrados eventos. Um indivíduo sociotrópico é descrito
no uso da Dysfunctional Attitude Scale (DAS, como socialmente dependente - isto é, ele ou
Escala de Atitudes Disfuncionais; Weissman & ela investe altamente em trocas positivas com
Beck, 1978) podem ser, segundo Costello, devidos os outros, valorizando acima de tudo aceitação,
ao uso de “conceitos incontestáveis” - isto é, a intimidade, apoio e orientação. Por outro lado, um
associação de esquemas negativos à depressão. indivíduo autônomo é descrito como investindo
Daí a maioria dos estudos indicarem que atitudes em um funcionamento independente, mobilidade,
disfuncionais “crescem e declinam conforme o liberdade, escolha e conquista, valorizando acima
estado clínico” e aparecem “para refutar a hipótese de tudo a integridade do seu próprio domínio.
de que são traços estáveis” (Persons & Miranda, Esses conceitos assemelham-se aos conceitos de
1992, p. 487). dependência e autocrítica, descritos por outros au­
Teasdale (1988) propôs uma alternativa à teoria tores com uma visão psicodinâmica, e envolvidos
de vulnerabilidade de Beck, que ele denominou na depressão (Blatt, Quinlan, Cherron, McDonald
de “hipótese de ativação diferencial”. Esta “su­ & Zuroff, 1982). Uma escala foi desenvolvida,
gere que são os padrões de processamento de a Sociotropy-Autonomy Scale (SAS, Escala de
informação, que ocorrem uma vez que a pessoa Sociotropia-Autonomia; Beck, Epstein & Harrison,
esteja ao menos levemente deprimida, que são 1983) que consiste de 60 itens, avaliados em um
cruciais em determinar se um estado depressivo escala de 5 pontos, com três fatores relacionados
inicial aumentará até atingir o nível de depressão à sociotropia (Desaprovação, Vínculo c Agradar
maior” (Teasdale, 1988, p. 256). Esta hipótese aos Outros) e três fatores relacionados à autonomia
pressupõe corretamente que depressão amena e (Realização Individualista, Livre de Controle e
transiente é um fenômeno comum, mas somente Preferência por Solidão).
algumas pessoas desenvolvem depressão grave ou Beck (1983) hipotetizou que sociotropia ou
crônica. Vários estudos empíricos são citados por autonomia excessivas poderíam predispor à depres­
Teasdale a favor de sua hipótese. Por exemplo, são em determinadas situações; estas determinam
interpretações de experiências em termos negativos o padrão dos sintomas, com sintomas não endó-
globais, quando em um estado de humor levemente genos sendo associados à sociotropia e sintomas
depressivo, e escores elevados na DAS têm sido endógenos, à autonomia; e eles influenciariam a
apontados como fatores de previsão de depressão resposta a determinadas formas de tratamento.
grave. O nível desses padrões de processamento Grande número de estudos foi publicado até a
cognitivo negativo, uma vez que o indivíduo es­ presente data, com o fim de investigar a validade e
teja deprimido, também prevê a persistência da o grau de confiabilidade do SAS e testar algumas
depressão. O estilo particular de processamento das previsões descritas acima (veja Clark & Beck,
de informação descrito por Teasdale - qual seja, 1991, para uma revisão). Em geral, a validade do
autoavaliações negativas globais - está provavel­ construto da subescala de sociotropia tem sido
mente relacionado a altos níveis de neuroticismo bastante apoiada, mas, com relação à subescala
(Martin, 1985). de autonomia, os dados são menos consistentes.
Estudos recentes em vulnerabilidade cogni­ O Grupo de Pesquisa de Terapia Cognitiva da
tiva para a depressão têm focalizado traços de Universidade de Edinburgh utilizou o SAS como
personalidade que são julgados ser mais estáveis parte de uma bateria de testes, em um amplo estudo

240
Vulnerabilidade cognitiva à depressão

de tratamento e follow-up, investigando o efeito Sociotropia e autonomia em depressão


profilático da terapia cognitiva na área da depressão
recorrente. Este estudo acaba de ser concluído e
Estudo 1: Sociotropia, autonomia e
alguns resultados relacionados à sociotropia e à
memórias pessoais
autonomia serão relatados abaixo.
A SAS nos permite definir subgrupos de in­
Outro aspecto da vulnerabilidade cognitiva
divíduos depressivos, com base em grupos de
para a depressão tem sido descrito como um estilo
atitudes que os podem tomar vulneráveis a tipos
geral pessimista de pensamento. Esta negatividade
específicos de eventos, talvez através da mediação
tem sido às vezes definida como uma distorção
de tipos particulares de viés cognitivo. Moore
da realidade, ou como um viés, que não configura
e Blackburn (1993) descreveram um estudo de
necessariamente uma visão distorcida do mundo,
pacientes depressivos que tinha como objetivo
mas um viés negativo em situações nas quais a
testar a hipótese de que tipos particulares de
realidade não é evidente. Um artigo influente por
viés cognitivo negativo estariam relacionados à
Alloy e Abramson (1979), com o interessante sub­
sociotropia e à autonomia. Usamos a memória
título “Mais triste, porém mais sábio?”, discutiu um
autobiográfica como a tarefa experimental, ao invés
estudo de percepção de controle, com estudantes
de questionários de autoavaliação, os quais podem
de graduação descritos como depressivos (escore
refletir alguma sobreposição com o questionário
do Inventário de Depressão de Beck [BDI] = 9)
independente de medida de personalidade - isto
e não depressivos (escore de BDI = 8). Eles des­
é, o SAS. Como este estudo foi completamente
cobriram que, ao contrário da expectativa inicial,
descrito em Moore e Blackburn (1993), somente
sujeitos depressivos eram mais precisos do que
um breve relato será oferecido aqui.
sujeitos não depressivos em tarefas de contingência,
Vinte pacientes unipolares, hospitalizados e
utilizando um computador, com nenhum controle
clínicos, fizeram parte do estudo, 6 homens c 14
sobre os resultados. Os sujeitos não depressivos
mulheres, com uma média de idade de 37 anos
exibiram uma tendência otimista, que levou a erros
(DP = 12). O escore médio no Hamilton Rating
de julgamento sobre o seu grau de controle. Os
Scale for Depression (HRSD, Escala Hamilton de
sujeitos depressivos demonstraram um realismo
Depressão, 17 itens; Hamilton, 1960) foi de 19,6
excessivo, parecendo ser disfuncionais somente à
(DP = 4,9) e o escore médio no BDI (versão de 13
medida que não exibiram um viés regular favorá­
itens; Beck & Beck, 1972) foi de 19,2 (DP = 6,5).
vel a si; este dado tem sido apontado em muitos
Dezesseis estímulos foram independentemente
estudos (Ackerman & Derubeis, 1991). Neste
validados por três juizes, a fim de se extrair quatro
capítulo, também relatarei brevemente um estudo,
memórias positivas e quatro negativas relacionadas
comparando julgamento de controle em sujeitos
à sociotropia, além de quatro memórias positivas
depressivos e controles normais.
e quatro negativas relacionadas à autonomia. A
Os quatro estudos descritos abaixo foram rea­
medida dependente era a latência de recordação
lizados por meu grupo de pesquisa, como parte
para memórias específicas ativadas pelo estímulo.
de um programa em andamento, investigando
Os 16 estímulos foram apresentados em um de­
vários aspectos sobre a vulnerabilidade cognitiva
senho balanceado e os sujeitos classificaram, em
para a depressão. Os três primeiros estudos estão
uma escala de 1 (muito mais triste) a 7 (muito
relacionados à sociotropia e à autonomia, enquanto
mais feliz), como o evento os tinha feito se sentir.
o quarto estudo é uma réplica parcial de Alloy e
As hipóteses específicas do estudo eram:
Abramson (1979).

241
Fronteiras da Terapia Cognitiva

1. A Sociotropia estará relacionada a uma re­ foi também demonstrado pela diferença significante
cordação mais rápida de eventos sociotró- entre a correlação de sociotropia e velocidade
picos negativos. relativa para recordação de eventos sociotrópicos
negativos, e entre sociotropia e velocidade relativa
2. A Autonomia estará relacionada a uma recor­
de recordação de eventos autônomos negativos.
dação mais rápida de eventos autônomos
negativos. Este estudo, embora baseado cm números pe­
quenos, é importante por duas razões. É baseado
3. A velocidade de recordação de memórias
em uma amostra de pacientes e é o primeiro estudo
positivas, em proporção a memórias negati­
a demonstrar o efeito da sociotropia sobre as fun­
vas, será positivamente relacionada ao grau
ções cognitivas, neste caso recordação de eventos
de depressão.
negativos sociotrópicos. A primazia das memórias
negativas em relação a memórias positivas em
Os resultados indicaram que a proporção da
depressão é bem estabelecida (Blaney, 1986).
latência para memória de eventos sociotrópicos
Este estudo indica um efeito de especificidade
negativos era significante e negativamente corre­
para tipos de memórias negativas, pelo menos no
lacionada ao nível de sociotropia (r = -0,47, n =
caso da sociotropia. A hipótese relacionada para
19, p < 0,05, one-tailed), isto é, quanto mais alto
autonomia não foi apoiada por resultados. Clark e
o nível de sociotropia do indivíduo, mais rápida
Beck (1991) indicam que a validade do construto
a velocidade de memória para eventos sociotró­
da subescala de autonomia pode ser aumentada
picos negativos relativa à velocidade da memória
pela supressão de 10 dos itens originais e adição
em geral. A relação entre autonomia e velocidade
de 24 novos itens.
relativa para eventos autônomos negativos não
foi significante. A velocidade de recordação para Os próximos dois estudos foram conduzidos
memórias positivas relativas a memórias negativas com um grande grupo de pacientes recrutados para
aumentou com o grau de depressão (como previsto fazer parte de um estudo de resultados e follow
na hipótese 3), a correlação com o HRSD sendo up de 3 anos, a fim de investigar o efeito profilá-
significante (r = 0,44, n = 20, p < 0,05, one- tico da terapia cognitiva comparada à medicação
-tailed), mas a correlação com o BDI não atingiu antidepressiva.
significância (r = 0,34).
Mais importante, nenhuma das correlações entre Estudo 2: a relação de sociotropia e autonomia
sociotropia e autonomia com o grau de depressão com sintomas, cognições e personalidade em
foram significantes, indicando que sociotropia e pacientes depressivos
autonomia refletiam mais traços do que um estado. Neste estudo (Moore & Blackburn, 1994),
Além disso, quando a associação de sociotropia investigamos a relação de sociotropia e autono­
com depressão era decomposta, a correlação entre mia com depressão e ansiedade, bem como com
sociotropia e velocidade de recordação de memó­ características de personalidade bem definidas
rias negativas sociotrópicas continuou significante (neuroticismo e extroversão, Questionário de
(BDI dividido, r = -0,43, n = 18; HRSD, r = -0,50, Personalidade de Eysenck; Eysenck & Eysenck,
n = 19, /7 < 0,05, one-tailed). Não parecia haver 1975), com conteúdos negativos de pensamento
um efeito relativo ao caráter recente do evento, (Automatic Thoughts Questionnaire [ATQ]; Hollon
considerando que a correlação entre sociotropia & Kendall, 1980) e com atitudes disfuncionais
e velocidade de recordação de eventos negativos específicas (DAS, Weissman & Beck, 1978).
sociotrópicos permaneceram significantes, quando Embora agora pareça claro que a sociotropia,
o caráter recente do evento foi isolado (r = -0,47, em particular, é associada a sintomas depressivos
n = \ 9 , p < 0,05, one-tailed). Um efeito específico (Nietzel & Harris, 1990), não foi estabelecido que

242
Vulnerabilidade cognitiva à depressão

tal associação é específica à depressão, ao invés de Especificidade da relação com depressão


refletir transtornos psicológicos em geral. Um dos Como a Tabela 12.1 mostra, a sociotropia está
objetivos deste estudo foi examinar a especificidade significativamente correlacionada tanto com as
da relação de sociotropia e autonomia com depres­ medidas de severidade da depressão quanto com
são, em comparação à ansiedade. Um segundo a severidade da ansiedade, enquanto a autonomia
objetivo foi esclarecer a relação entre sociotropia está significativamente correlacionada apenas
e autonomia, e neuroticismo e extroversão. Como com a escala de avaliação da depressão utilizada
mencionado na introdução, o neuroticismo tem pelo observador (a HRSD). A especificidade foi
sido associado com vulnerabilidade à depressão, e testada para correlações parciais. Para escores
Gilbert e Reynolds (1990) relataram uma relação de sociotropia, a correlação com o BDT (Beck,
entre sociotropia e neuroticismo, mas não extro­ Ward, Mendelson, Mock & Erbaugh, 1961) per­
versão; enquanto autonomia não foi relacionada maneceu significativa quando os escores relativos
a nenhuma dessas dimensões de personalidade. a estado, no State-Trait Anxiety Inventory (STAI-
Em terceiro lugar, pode ser previsto que, como -S, Inventário de Traços-Estado na Ansiedade;
fatores de vulnerabilidade em potencial, níveis Spielberger, Gorsuch & Lushener, 1970) foram
mais altos de sociotropia e autonomia estariam isolados (r = 0,36, n = 118, p < 0,001). Entre­
relacionados a níveis mais altos de pensamentos tanto, a correlação entre o STAI-S e sociotropia
automáticos negativos conscientes e a níveis mais não mais se apresentou significativa quando os
altos de atitudes disfuncionais. Em particular, escores do BDI foram controlados (r = 0,03). Por
seria de se esperar que sociotropia e autonomia outro lado, a correlação com HRSD não mais se
fossem diferencialmente relacionados a grupos de apresentou significativa quando os escores no
fatores (clusters), derivados da DAS, relativos à STAI-S foram isolados (r = 0,17), ao passo que a
dependência e relativos à realização pessoal (Imber correlação entre sociotropia e STAI-S permaneceu
et al., 1990). significativa quando os escores na HRSD foram
Cento e dezoito pacientes depressivos hospita­ isolados (r = 0,22, n= MS, p< 0,05). Entretanto,
lizados e clínicos, que preencheram o diagnóstico a relação entre autonomia e STAI-S continuou
para depressão primária maior, segundo o RDC significativa quando o nível de ansiedade foi
(Research Diagnostic Criteria, Spitzer, Endicott isolado (r = 0,21, n = 118, p < 0,05). Assim,
& Robins, 1978), e sofrendo de pelo menos um algum grau de especificidade para a relação entre
segundo episódio de depressão, fizeram parte do sociotropia e depressão foi demonstrado, pelo
estudo. Havia 72 pacientes clínicos, 46 pacientes menos no que concerne às escalas de autorrelato
hospitalizados, 61% da amostra era composta de depressão. Sabe-se que a HRSD tem um peso
por mulheres e a média de idade era de 40 anos grande sobre os sintomas de ansiedade (Cleary &
( D P = 13). Guy, 1977) e talvez não surpreenda que a relação
entre sociotropia e HRSD não mais se mostrou
Confiabilidade interna significativa quando a ansiedade foi controlada.
O alfa de Cronbach indicou que ambas as es­ Por outro lado, a especificidade para autonomia
calas da SAS mostraram-se altamente consistentes e grau de depressão apenas foi demonstrada pelo
intemamente (alfa = 0,87, n = 118 em ambas as HRSD, mas não pelo BDI. A HRSD e o BDI são
instâncias). Para efeitos de comparação, a cor­ conhecidos por explorar diferentes aspectos da
relação de sociotropia e autonomia era 0,23, n depressão, sendo que as duas escalas se correla­
= 118, p < 0,05. A Tabela 12.1 mostra as várias cionam apenas moderadamente (Prusoff, Klerman
correlações que foram calculadas. & Paykel, 1972).

243
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Relação com neuroticismo e extroversão inesperadamente, associada significativamente ao


O padrão de correlação indica que níveis mais perfeccionismo, embora em grau mais baixo. A
altos de sociotropia foram signifícativamente especificidade foi demonstrada através da diferença
associados a níveis mais altos de neuroticismo, significativa entre as duas correlações (t = 4,79, n =
enquanto níveis mais altos de autonomia estavam 118, p < 0,001). A autonomia estava significativa­
associados a níveis mais baixos de extroversão. mente correlacionada ao perfeccionismo, mas não
Uma vez que o neuroticismo foi descrito como um à aprovação social, novamente a diferença entre
fator de vulnerabilidade para a depressão (Martin, as duas correlações sendo altamente significativas
1985), essa descoberta, que está de acordo com (t = 3,57, n = 118, p< 0,001).
Gilbert e Reynolds (1990), soma apoio para a visão Em resumo, neste grande estudo de pacientes
da sociotropia como um fator de vulnerabilidade em depressivos, preenchendo critérios para depressão
depressão. A pequena, porém significativa, relação maior unipolar, as seguintes descobertas foram
entre autonomia e introversão possui validade, mas feitas:
não foi descoberta por Gilbert e Reynolds (1990).

1. Tanto a subescala de sociotropia quanto a


Relação com as variáveis cognitivas envolvidas
de autonomia mostraram-se altamente e
na depressão
intemamente confiáveis.
A sociotropia mostrou-se alta e significativa­
mente correlacionada à frequência de pensamentos 2. A sociotropia foi moderada, mas, significa­
automáticos negativos (o ATQ) e ao grau de ati­ tivamente, associada ao nível de depressão
tudes disfuncionais (DAS), porém a autonomia e de ansiedade. A associação com depressão
não. A relação com fatores específicos da DAS autorrelatada não demonstrou ser mediada
indicou, como era esperado, que a sociotropia por ansiedade, enquanto a associação com
estava alta e significativamente correlacionada à depressão, avaliada por um observador,
aprovação social, mas a sociotropia também estava, sim.

244
Vulnerabilidade cognitiva à depressão

3. Neuroticismo mostrou-se associado à socio­ consistiu de terapia cognitiva, de antidepressivos


tropia, e introversão à autonomia. somente, ou de uma combinação destes dois trata­
4. O conteúdo negativo de pensamentos e ati­ mentos, através da alocação aleatória de sujeitos.
tudes depressivas mostrou-se relacionado a Se a SAS se comporta como uma medida de
graus mais altos de sociotropia, mas não de personalidade, indicando vulnerabilidades particu­
autonomia. lares à depressão, seria esperado que demonstrasse
um certo grau de estabilidade com o passar do
5. A sociotropia mostrou-se mais altamente
tempo - isto é, nenhuma mudança significativa
relacionada à necessidade de aprovação
deve ocorrer com a remissão de sintomas. Tanto
social do que ao perfeccionismo, enquanto
a sociotropia quanto a autonomia mostraram-se
a autonomia mostrou-se mais altamente
estáveis com o passar do tempo, conforme indicado
relacionada ao perfeccionismo do que à
pelas correlações (sociotropia, r = 0,77, n = 90, p
necessidade de aprovação social.
< 0,001; autonomia, r = 0,72, n = 90,/? < 0,001).
Concluindo, a sociotropia parece ser um indi­ A magnitude das mudanças foi calculada através
cador de vulnerabilidade para depressão, mas a de Testes T pareados, conforme demonstrado na
subescala de autonomia, embora confiável, aparenta Tabela 12.2. As mudanças altamente significativas
ter menos validade conceituai. em depressão não foram refletidas em mudanças
O próximo estudo investigou a estabilidade, nas áreas de sociotropia e autonomia, as quais
com o passar do tempo, dos conceitos de socio­ permaneceram notavelmente estáveis com o passar
tropia e autonomia. Como apontado na introdução, do tempo. Entretanto, estas comparações podem
vários fatores de vulnerabilidade, por exemplo, ser enganosas, desde que, no momento 2, nem
atitudes disfuncionais conforme medidas pela DAS, todos os pacientes se apresentaram inteiramente
provaram ser elusivas quando medidas através de recuperados, conforme indicado pelos altos escores
um método longitudinal, pré e pós-tratamento. médios de BDI e HRSD. Estabelecemos, por­
tanto, um teste mais rigoroso, a fim de comparar
Estudo 3: A estabilidade de sociotropia e escores dos pacientes que haviam se recuperado
autonomia no decorrer do tratamento inteiramente a um grau significativo, isto é, com
Como parte do estudo descrito acima, os pacien­ escores no HRSD de oito ou menos. Como pode
tes foram testados em duas ocasiões: momento 1 (na ser visto na Tabela 12.2, o escore médio de so­
admissão ao estudo, depois de passar por triagem ciotropia caiu para aproximadamente 7 pontos (p
para diagnóstico e histórico) e momento 2 (ao < .01), enquanto a autonomia permaneceu está­
final de 16 semanas de tratamento). O tratamento vel. Quando os sujeitos foram divididos em dois

245
Fronteiras da Terapia Cognitiva

grupos, isto é, aqueles que foram tratados somente Propensão negativa versus realismo
com medicação (n = 24) e aqueles que receberam
depressivo
somente terapia cognitiva, ou em combinação com
medicação (N =18), uma análise de variância dos
escores de sociotropia, tendo como fatores o tempo Estudo 4: ‘Mais triste, porém, mais sábio”
e a modalidade de tratamento, indicaram um efeito Conforme indicado na introdução, outro aspecto
significativo de tempo, como já demonstrado pelo da vulnerabilidade cognitiva à depressão refere-
Teste T pareado. Entretanto, nenhum efeito de -se à forma como inferências são feitas acerca do
tratamento, ou de interação entre tempo versus grau de controle em situações incertas. De um
tratamento, foi observado. Uma análise similar de ponto de vista evolucionário, um estilo útil de
escores de autonomia não indicou nenhum efeito pensamento pode necessitar de um grau de oti­
significativo de tempo, tratamento ou de interação mismo não realista, que combatería o desamparo
entre os dois fatores. e a desesperança e, desta forma, a depressão dis-
füncional. O estudo de Alloy e Abramson (1979)
É notável, entretanto, que embora escores re­
apareceu para demonstrar que realismo, cm uma
lativos à sociotropia tenham diminuído significa­
tarefa de computador de laboratório envolvendo
tivamente com a remissão de sintomas, o escore
julgamentos de contingência, era característico do
médio permaneceu alto em relação aos escores
humor depressivo.
normativos (nossos próprios dados para 30 con­
troles não depressivos [Blackburn, Roxborough, Neste estudo (Mountford, 1992), testamos 20
Muir, Glabus & Blackwood, 1990; Roxborough, pacientes depressivos e 20 controles não depres­
1991], escore médio de HRSD = 1,5 [DP 1,7]; sivos, pareados, na medida do possível, com base
escore médio de sociotropia = 57,2 [DP = 15,8]). em características demográficas. Havia 10 homens
Estas médias são significativamente diferentes (t e 10 mulheres em cada grupo. O grupo depressivo
= 3,05, df= 70, p < 0,01). tinha uma média de idade de 35,5 anos (DP = 11,0)
e um QI médio de 103,6 (DP = 9,3). A média de
Em resumo, as correlações entre escores, em
idade do grupo de controle era de 36,9 anos (DP =
pacientes que passaram por tratamento, indicaram
12,1) e o seu Qi médio era de 104,1 (DP = 10,2).
que os níveis relativos de sociotropia e autonomia
Os sujeitos depressivos preenchiam os critérios
permanecem consistentes com o passar do tempo.
para depressão maior unipolar. O julgamento das
Evidência adicional para a estabilidade de ambas
tarefas de controle era similar àquele utilizado por
as características foi obtida para o grupo como
Alloy e Abramson (1979), consistindo da relação
um todo. Entretanto, para pacientes que realmente
entre um resultado, a aparição de uma estrela na
responderam ao tratamento, sociotropia, mas não
tela do computador, e uma resposta, pressionando
autonomia, diminui significativamente. Contudo,
(resposta ativa) ou não pressionando (não ativa)
há alguma indicação de que o grau de sociotropia
um botão.
em pacientes depressivos remitidos permanece
mais alto que o normal. Essa descoberta não é Era pedido a sujeitos que adivinhassem a
distinta daquela encontrada com relação ao neu- extensão de controle que eles eram capazes de
roticismo, conforme indicado por vários estudos exercer sobre a aparição ou não aparição de uma
(por exemplo, Murray & Blackburn, 1974). estrela na tela do computador. Cada sujeito reali­
zou quatro condições diferentes da tarefa em uma
O último estudo é diferente, no sentido de que
ordem balanceada:
emprega um desenho experimental, a fim de testar,
em pacientes depressivos, a hipótese de realismo
1. 70% de controle (resposta ativa ou não ativa).
disfuncional em julgamentos de controle em situa­
ções nas quais, na verdade, nenhum controle existe. 2. 30% de controle (resposta ativa ou não ativa).

246
Vulnerabilidade cognitiva à depressão

3. 0% de controle com 70% de frequência de Os resultados relatando as hipóteses 1 e 2 são


aparição da estrela (reforço alto). apresentados nas Figuras 12.1 e 12.2. Duas aná­
4. 0% de controle com 30% de frequência de lises de variância, sobre quatro diferentes fatores,
aparição da estrela (reforço baixo). foram realizadas. Para testar a hipótese 1 (Figura
12.1), os fatores foram humor (deprimido ou não
Os sujeitos foram inteiramente informados e deprimido) x sexo (homem e mulher) x tipo de
iniciaram o experimento após ter tido uma chance resposta (ativa ou não ativa) x nível de controle
de praticar e compreender a tarefa. Um resumo que é um fator repetido (70% e 30%). Para testar a
dos resultados e as implicações que podem ser hipótese 2 (Figura 12.2), os fatores foram humor x
derivadas a partir deles são oferecidos a seguir. sexo x tipo de resposta x grau de reforço, que são
Duas hipóteses foram levantadas, a partir dos repetidos (70% ou 30% de aparência de estrela).
experimentos 1 e 2 de Alloy e Abbramson (1979). A Figura 12.1 indica, como foi previsto, que
Uma terceira hipótese foi levantada, derivando de ambos os grupos se comportaram de forma no­
uma proposição de realismo depressivo: tavelmente similar na condição de 70% de grau
de controle: eles eram relativamente precisos na
1. Em condições contingentes (70% e 30% condição de resposta ativa, mas eles subestimavam
de controle), não haveria diferenças entre seu controle na condição de resposta não ativa. Os
os grupos, independentemente do tipo de dois grupos também responderam igualmente com
resposta (ativa ou não ativa), tanto os gru­ 30% de grau de controle, condição de resposta ativa
pos depressivos quanto os não depressivos (ambos os grupos superestimaram seu controle),
julgando o grau de contingência de maneira mas com 30% de controle, condição de resposta
precisa. Também não haveria diferenças não ativa, os não depressivos são relativamente
entre homens e mulheres, tanto em cada precisos enquanto os depressivos subestimam seu
grupo quanto entre eles. controle.
A análise de variância indica que a hipótese
2. Em condições não contingentes (0% de
1 foi apenas parcialmente apoiada: não houve
controle) não haveria diferença entre os
grupos no nível baixo de reforço (30% de diferenças por grupo (humor), nem diferença por
aparições de estrela), mas no alto nível de sexo ou por sexo x humor, mas o tipo de resposta
reforço (70% de aparição de estrela), o grupo (ativa ou não ativa) representou um fator altamente
de não depressivos superestimaria seu grau significativo (F = 23,7, df= 1,32, p < 0,0001),
de controle enquanto o grupo de depressi­ sendo que o grau de controle também mostrou-
vos avaliaria de forma precisa. O tipo de -se significativo (F = 5,8, df= 1,32, p < 0,03).
resposta (ativa ou não ativa) não seria um Houve uma interação significativa entre tipo de
fator significante. Mulheres não depressivas, resposta e grau de controle (F = 6,2, df= 1,32,
em comparação a outros grupos, superesti­ p < 0,02). Dessa forma, os grupos depressivo e
mariam o grau de controle, nas condições de não depressivo não diferiram significativamente,
alto nível de reforço. porém o grau de controle e o tipo de resposta de
fato afetou o julgamento.
3. Sujeitos não depressivos, como um todo,
veriam sua performance geral de forma A Figura 12.2 indica que, na condição não
excessivamente otimista e como sendo contingente (0% de controle), os resultados obti­
acima da média, enquanto que sujeitos dos com estudantes disfóricos (Alloy e Abramson,
depressivos, como um todo, veriam sua 1979) foram replicados. Com alta frequência de
performance, de forma realista, como na aparecimento da estrela (70% de reforço), ambos
média. os grupos superestimaram seu grau de controle,

247
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Figura 12.1 - Julgamento de controle nas condições contingentes (70% ou 30% de grau de controle) e
tipo de resposta ativa ou não ativa.

mas os não depressivos superestimaram muito graduação e não depressivas, mulheres não de­
mais, tanto no tipo de respostas ativa quanto de pressivas neste experimento não superestimaram
não ativa. A diferença entre os grupos é menos seu grau de controle na condição de reforço alto.
óbvia na condição de reforço baixo (30%). Na hipótese 3, nós previmos que os não de­
As análises múltiplas de variância demonstram pressivos superestimariam sua performance como
que o grupo (humor) mostrou uma tendência em um grupo, enquanto os depressivos não. No final
direção a significância (F = 3,3, df = 1,32, p < do experimento, foi pedido a todos os sujeitos que
0,08), da mesma forma que o grau de reforço classificassem sua performance, em comparação
(F = 3,3, df= 1,32, p < 0,08). Entretanto, como a das outras pessoas que fizeram parte do experi­
previsto, houve uma interação significativa entre mento, em uma escala de 1 a 3, onde 1 = acima da
humor e grau de reforço (F = 4,3, df = 1,32, p média, 2 = média e 3 = abaixo da média. Os não
< 0,04), indicando que sujeitos não depressivos depressivos, como um todo, mostraram-se realistas,
superestimam o grau de controle em comparação classificando sua performance como média (média
aos sujeitos depressivos, na condição de reforço = 2,0, DP = 0,64), enquanto os depressivos, como
alto. Também, como previsto, o tipo de resposta um todo, classificaram sua performance como
(ativa ou não ativa) não representou um fator sig­ abaixo da média (média = 2,7, DP 0,47). Dessa
nificativo. Entretanto, contrário à previsão, sexo e forma, na sua autoavaliação, os pacientes depres­
sexo x humor não foram significativos, indicando sivos demonstraram um viés não realisticamente
que, diferentemente das mulheres estudantes de negativo, em que a grande maioria se classificou

248
Vulnerabilidade cognitiva à depressão

Figura 12.2 - Julgamento de controle nas condições não contingentes (0% de grau de controle), dois níveis
de reforço (R), e tipo de resposta ativa ou não ativa.

como desempenhando a um nível mais baixo do de laboratório pudessem ser generalizados e aplica­
que os demais membros do grupo, enquanto os dos ao funcionamento cotidiano mais geral, que as
não depressivos foram realistas. Isso não apoia a características de pensamento depressivo envolvem
hipótese de realismo depressivo. a consideração de si mesmo como relativamente
Em resumo, essencialmente o fenômeno de desamparado e, além disso, a consideração de si
“realismo depressivo”, conforme descoberto no mesmo como tendo uma performance inferior a
estudo original de Alloy e Abramson (1979), foi de outros.
apoiado, mas somente quando o julgamento de
controle fosse considerado, e quando havia de
fato 0% de controle na condição de reforço alto. Conclusão geral
Quando a autoavaliação foi considerada, o viés
excessivamente negativo mais típico foi encon­ Nestes quatro estudos, eu apresentei uma visão
trado no grupo de depressivos, enquanto os não geral do trabalho realizado por um grupo de co­
depressivos foram realistas. Assim, o conceito de legas, aos quais dou o devido reconhecimento ao
realismo depressivo pode scr aplicável somente cm final deste capítulo. Em minha opinião, pesquisas
algumas situações, ou seja, no caso da avaliação sobre vulnerabilidade cognitiva à depressão estão
de controle, enquanto o viés negativo depressivo é somente em sua infância, sendo que tendências
aplicável para a autoavaliação. Poderia, portanto, promissoras estão agora ocorrendo. Estas incluem
ser argumentado, caso os dados de um experimento o papel de dimensões básicas de personalidade,

249
Fronteiras da Terapia Cognitiva

tais como sociotropia e autonomia, e o papel de A busca por fatores de vulnerabilidade psico­
estilos cognitivos particulares e em situações lógica não impede o papel de outras classes de
específicas. fatores de vulnerabilidade. Esses provavelmente
A sociotropia demonstrou, até o momento, ser interagirão para produzir o caminho comum final
um fator de vulnerabilidade mais confiável que da depressão. Por exemplo, Harris, Brown e Bi-
a autonomia. A revisão da SAS (Clark & Beck, fulco (1990) e Brown, Bifulco e Andrews (1990)
1991) pode talvez ajudar a aumentar a validade demonstraram como variáveis psicológicas, tais
do construto da escala, ou pode ser possível que como desamparo e baixa autoestima, interagem
a necessidade de autonomia não desempenhe, com eventos da vida para produzir depressão.
na verdade, um papel de grande importância em Fatores de vulnerabilidade biológica estão certa­
depressão. O contexto interpessoal da depressão, mente envolvidos, embora eles sejam difíceis de
conforme discutido por vários autores (por exem­ ser estabelecidos. Estudos genéticos de família
plo, Klerman, Rounsaville, Chevron & Weissman, (McGuffin & Katz, 1986) e, de forma tentativa,
1984, Safran & Segai, 1990), é congruente com estudos de indicadores genéticos, sugerem um
o dado de que níveis altos de sociotropia podem fator substancial de hereditariedade na depressão.
ser um fator real de vulnerabilidade. Entretanto, a dinâmica entre os fatores ambientais,
psicológicos e hereditários é complexa e ainda
O realismo depressivo em julgamentos de
não foi esclarecida.
controle e o viés negativo depressivo em avalia­
ções de performance são, porém, dois aspectos
do processamento de informação que podem
ser importantes. Outros autores implicam outros Reconhecimentos
aspectos - por exemplo, um estilo de resposta
Sou agradecida pela colaboração de Richard
ruminativo (Nolen-Hoeksema, Morrow & Fredrick­
Moore, atualmente no MRC Applied Psychology
son, 1993); dimensões do perfeccionismo (Hewitt
Unit em Cambridge; Louise Mountford, atualmente
& Flett, 1993), que podem estar relacionadas à
no Royal Edinburgh Hospital; Hilary Roxborough,
autonomia, como indicado no estudo 2; e recor­
atualmente no Departamento de Psiquiatria, Man­
dação excessivamente geral, especialmente para
chester; e Ângela Wilson e Michelle Hipwell, do
memórias autobiográficas positivas (Britlebank,
Royal Edinburgh Hospital.
Scott, Williams & Ferrier, 1993).

250
Vulnerabilidade cognitiva à depressão

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252
Capítulo 13

Desenvolvendo competências do terapeuta


cognitivo: modelos de ensino e supervisão

Christine A. Padesky

terapia cognitiva foi uma das primeiras Apesar destes estudos não terem sido replicados

A terapias a proporcionar especificações


detalhadas para estágios dc tratamento,
estrutura e métodos. O texto seminal sobre essa
terapia, a obra Terapia Cognitiva da Depressão
com relação a todos os diversos problemas trata­
dos com terapia cognitiva, o desenvolvimento de
protocolos específicos de terapia cognitiva para
transtornos específicos supõem que a aderência
(Beck, Rush, Shaw & Emery, 1979), foi original­ ao protocolo está ligada ao resultado da terapia.
mente escrito como um manual de treinamento Portanto, programas ensinando terapeutas a con­
para terapeutas, a fim de padronizar intervenções duzirem terapia cognitiva geralmente ensinam
de tratamento. A clara especificidade relativa aos conceituações cognitivas para problemas parti­
métodos de tratamento permitiu a pesquisadores culares, bem como procedimentos específicos a
avaliar o quanto terapeutas aderiam aos protocolos serem administrados de acordo com os princípios
de tratamento e se elementos diferentes destes e estrutura especificados nos protocolos de trata­
protocolos correspondiam a resultados positivos mento da terapia cognitiva.
de tratamento. A aderência do terapeuta aos princípios gerais
Enquanto o fator resultado de tratamentos é ge­ da terapia cognitiva é frequentemente medida
ralmente utilizado para medir a eficácia de modelos pela Cognitive Therapy Scale (CTS, Escala de
de terapia, ele pode ser também utilizado como Terapia Cognitiva; Young & Beck, 1980), que
uma medida de competência do terapeuta. Vários foi criada para medir a competência do terapeuta
estudos sugerem que terapeutas conseguem um em aplicar a terapia cognitiva. A CTS parece ser
melhor resultado de tratamento para depressão se uma medida confiável e válida da competência
aderirem com atenção à estrutura da terapia cog­ do terapeuta (Dobson, Shaw, 1985; Hollon e ou­
nitiva (Shaw, 1988) e seguirem os procedimentos tros, 1981; Vallis, Shaw & Dobson, 1986; Young,
padronizados da terapia (Thase, 1994). Portanto, Shaw, Beck & Budenz, 1981), com coeficientes
dois critérios possíveis para a competência do de confiabilidade intraclasse variando de 0,54 a
terapeuta são o conhecimento e a aderência aos 0,96 (Beckman & Watkins, 1989). Instrutores e
protocolos de tratamento. terapeutas, desejando avaliar as habilidades do
terapeuta em terapia cognitiva, podem utilizar a
Fronteiras da Terapia Cognitiva

CTS para avaliar uma gravação em áudio ou vídeo com problemas múltiplos segundo um formato
de uma sessão de terapia, em termos de habilidades terapêutico breve. Esta tarefa complexa requer
terapêuticas em geral (por exemplo, colaboração, que terapeutas formem conceituações rápidas e
rapport interpessoal, ritmo da sessão) e habilidades tenham um vasto conhecimento, além de serem
específicas em terapia cognitiva (por exemplo, habilidosos no tratamento de problemas diversos e
enfoque nas cognições chaves, estratégias para inter-relacionados. Um breve histórico do conteúdo
mudança, qualidade da lição de casa designada). ensinado nos programas de treinamento em terapia
cognitiva ilustrará esta evolução e o crescimento
surpreendente na base de conhecimento necessária
para alcançar “competência” como um terapeuta
Ensinando terapia cognitiva a
cognitivo.
terapeutas
Para ser competente como um terapeuta cogni­ A evolução da base de conhecimento da
tivo é necessário ter conhecimento sobre a terapia terapia cognitiva
cognitiva e a habilidade para aplicar esta teoria de Quando Beck introduziu a terapia cognitiva
forma estruturada. Para tanto, terapeutas devem para a depressão, nos anos 70, outras terapias para
ser capazes de formular uma conceituação útil do depressão destacavam o papel das emoções, da
caso e habilidosamente aplicar métodos clínicos, biologia, das relações interpessoais e algumas vezes
empiricamente fundamentados, em uma relação do comportamento. Beck propôs cognição e com­
terapêutica colaborativa. Programas que ensinam portamento como os pontos focais primários para
terapia cognitiva devem, portanto, ensinar aos a intervenção terapêutica. Terapeutas desejando
terapeutas habilidades de conceituação, proces­ aprender esta nova terapia liam a Terapia Cogni­
sos interpessoais necessários para a formação e tiva da Depressão (Beck e outros, 1979), como
manutenção de uma relação terapêutica colabo­ o novo modelo para o tratamento de depressão.
rativa, uma variedade de procedimentos clínicos, Para alcançar competência, as pessoas aprendiam
e protocolos de tratamento que especificam como o modelo cognitivo de Beck para a compreensão
e quando utilizar procedimentos particulares para da depressão (Beck, 1967) e dominavam as téc­
problemas particulares. nicas descritas no manual de tratamento (Beck e
outros, 1979).
Conteúdo necessário para a competência As habilidades primárias do terapeuta, ensinadas
do terapeuta neste último livro, refletiam métodos para mudar
Ensinar terapia cognitiva hoje é mais com­ comportamento, identificar cognições e ensinar
plexo do que o era ao final dos anos 70, quando clientes a testar pensamentos e crenças negativas.
um modelo de tratamento único existia para um Uma vez que o afeto já era predominante nesta
único transtorno, a depressão. Atualmente, existem população clínica, somente uma discussão formal
conceituações específicas da terapia cognitiva e foi dedicada à importância de se cultivar o afeto
protocolos de tratamento para a maioria das sín- em terapia. Foi ensinado aos terapeutas a conduzir
dromes descritas na quarta edição do Diagnostic terapia de uma forma relativamente nova. Cada
and Statistical Manual of Mental Disorders sessão era estruturada com uma agenda definida,
(DSM-IV, Manual Diagnóstico e Estatístico dos foco nos problemas e desenvolvimento de tarefas
Transtornos Mentais; Associação Psiquiátrica Ame­ de casa a fim de o aprendizado, a observação, e
ricana, 1994). Além disso, resultados positivos de a experimentação entre as sessões terapêuticas
tratamento obtidos a partir de estudos empíricos por parte dos clientes. Durante as sessões, havia
contribuem para a expectativa de que terapeutas um novo conceito de “empirismo colaborativo”
cognitivos devem ser capazes de tratar clientes (Beck e outros, 1979, p. 6), no qual o terapeuta

254
Desenvolvendo competências do terapeuta cognitivo: modelos de ensino e supervisão

empregava o “questionamento Socrático” para diferencialmente ao tratamento. Portanto, os


orientar o aprendizado do cliente e a reavaliação terapeutas cognitivos aprenderam conceituações
de suas crenças negativas depressogênicas. e protocolos de tratamento específicos para cada
À medida que foi estabelecida a eficácia da transtorno de ansiedade.
terapia para o tratamento da depressão (Rush, Beck, Além da terapia cognitiva para os transtornos
Kovacs & Hollon, 1977; Shaw, 1977; Blackburn, de ansiedade, paradigmas de tratamento baseados
Bishop, Glen, Whalley & Christie, 1981; Murphy, em pesquisa emergiram para muitos outros pro­
Simons, Wetzel & Lustman, 1984; Beck, Hollon, blemas nos anos 80. Conceituações cognitivas e
Young, Bedrosian & Budenz, 1985), a terapia se paradigmas de tratamento foram desenvolvidos
tomou cada vez mais popular entre terapeutas e para problemas tão diversos quanto os transtornos
pesquisadores ao redor do mundo. Paradigmas alimentares (Gamer & Bemis, 1982; Fairbum,
evoluíram para a aplicação de seus princípios 1985), dependência química (Beck, Wright, New­
a uma gama crescente de problemas incluindo man & Liese, 1993), problemas de relacionamento
transtornos de ansiedade, transtornos alimentares (Beck, 1988; Baucom & Epstein, 1990; Dattilio
e dificuldades de relacionamentos. Com cada nova & Padesky, 1990) e esquizofrenia (Perris, 1988;
aplicação, novos modelos conceituais foram de­ Kingdon & Turkington, 1994).
senvolvidos e testados empiricamente. Além disso, No final dos anos 80, os terapeutas cognitivos
novos requisitos de conteúdo para a competência começaram a discutir as aplicações dos princípios
dos terapeutas foram adicionados. da terapia cognitiva para o tratamento dos trans­
Ao redor da metade dos anos 80, a terapia tornos de personalidade (Padesky, 1988; Pretzer
cognitiva havia-se tomado o tratamento de esco­ & Fleming, 1989). Por volta dos anos 90, estas
lha para transtornos de ansiedade. Beck e outros idéias foram reunidas em um texto que delineou
desenvolveram conceituações cognitivas para ênfases e estratégias específicas de tratamento para
os transtornos de ansiedade (cf. Beck, Emery & cada um dos transtornos de personalidade (Beck e
Greenberg, 1985; Butler & Mathews, 1983; Clark, outros, 1990). Terapia cognitiva dos transtornos de
1986; Salkovisks, 1985). Terapeutas cognitivos personalidade requer que terapeutas desenvolvam
que desejassem adquirir competência, agora ne­ conceituações de casos individualizados que in­
cessitavam aprender modelos conceituais tanto cluam crenças esquemáticas mais profundas bem
para depressão quanto para ansiedade. Além disso, como pensamentos automáticos e pressuposições
embora ainda estruturados e embasados no empi- subjacentes, que constituem o foco primário
rismo colaborativo, os tratamentos de ansiedade de tratamentos para a ansiedade e a depressão.
exigiam dos terapeutas novas habilidades. Conceituações de clientes com transtornos de per­
Cognições ansiosas frequentemente ocorriam sonalidade também incluem uma ênfase maior na
como imagens, então os terapeutas aprenderam história de desenvolvimento precoce e interações
métodos para avaliar e cognitivamente reestruturar dos clientes com fatores ambientais (especialmente
imagens. Em contraste ao tratamento da depres­ familiares e sociais), que influenciam o desenvol­
são, o afeto não era onipresente nas sessões. Os vimento e a manutenção dos esquemas.
terapeutas necessitavam aprender métodos para Os terapeutas cognitivos tratando transtornos
induzir o afeto em sessão, pois “a terapia cogni­ de personalidade também enfatizam o relaciona­
tiva não pode ser realizada na ausência do afeto” mento terapeuta-cliente, mais do que é necessário
(Beck, 1990). Diferentemente da depressão, que no tratamento da depressão e da ansiedade. Isto
era tratada com sucesso por métodos similares da se deve ao fato de que os esquemas centrais ao
terapia cognitiva, independentemente do tipo de tratamento dos transtornos de personalidade fre­
depressão, os transtornos de ansiedade respondiam quentemente emergem mais claramente dentro

255
Fronteiras da Terapia Cognitiva

do relacionamento terapêutico. A mudança dos Fatores no relacionamento terapêutico


esquemas é central no tratamento dos transtornos de O manual de tratamento inicial de Beck (Beck e
personalidade. Enquanto terapeutas auxiliam clien­ outros, 1979) dedicou um capítulo à necessidade de
tes com transtornos de personalidade a avaliar e um relacionamento terapêutico positivo, incluindo
modificar pensamentos automáticos mal-adaptados fatores inespecíficos de tratamento, tais como calor
e pressuposições subjacentes, Beck e seus colegas humano, empatia precisa, genuinidade, confiança e
propuseram que a chave para o tratamento dos rapport. Além disso, este livro discutiu brevemente
transtornos de personalidade era a modificação dos questões de transferência e contratransferência em
esquemas mal-adaptativos (Beck e outros, 1990). terapia, reconhecendo sua importância em terapia
Dessa forma, a base de conhecimento em terapia cognitiva e a maneira direta com a qual terapeu­
cognitiva necessária foi expandida para incluir tas cognitivos as abordam. Dessa forma, desde o
métodos projetados para enfraquecer os esquemas início, era esperado que os terapeutas cognitivos
mal-adaptativos e construir novos esquemas. Estas competentes fossem capazes de formar e manter
habilidades incluem o uso de métodos de conti­ relacionamentos terapêuticos positivos.
nuação, psicodrama, testes históricos de esquemas
Alguns textos posteriores dedicam uma discus­
e registros de crenças básicas (Padesky, 1994a).
são considerável aos processos interpessoais em
terapia cognitiva, importantes especialmente nas
Exigências de conteúdo de última geração para a
terapias com clientes com transtornos de persona­
competência do terapeuta
lidade (cf. Beck e outros, 1990; Safran & Segai,
Como o resumo anterior ilustra, o conteúdo a
1990; Wright & Davis, 1994). Estratégias para o uso
ser dominado por terapeutas cognitivos cresceu
de um relacionamento cliente-terapeuta positivo
enormemente ao longo dos últimos 20 anos. Como
a fim de promover mudança e usar o conflito na
sempre, a terapia cognitiva continua a evoluir à
relação terapêutica para estimular o aprendizado do
medida que a prática clínica é vinculada a dados de
cliente são centrais em terapia cognitiva (Newman,
pesquisa. Cada aplicação clínica específica inclui
1994; Padesky com Greenberger, 1995; Rane &
intervenções a serem aprendidas e dominadas. Uma
Goldfried, 1994; Safran & Muran, 1995).
vez que a base tenha sido aprendida, um terapeuta
cognitivo competente desenvolve uma habilidade A mudança esquemática nos transtornos de
engenhosa para conceituar problemas interligados, personalidade, os terapeutas cognitivos usam o re­
fazer escolhas de intervenção e resolver problemas lacionamento terapêutico como um laboratório para
de uma forma eficiente e eficaz para facilitar o testar as crenças centrais. Por exemplo, um cliente
aprendizado e a mudança por parte do cliente. que desconfia de outros é encorajado a arriscar-
Estes ideais são desafiadores. -se a confiar no terapeuta em questões pequenas.
Terapeutas e clientes examinam as consequências
Processos clínicos necessários para a competência afetivas, cognitivas, comportamentais c relacionais
do terapeuta desses experimentos. Para participar totalmente
Construir elos entre os vários domínios de nesse tipo de “laboratório” relacionai, o terapeuta
aplicações clínicas é necessário para um relacio­ cognitivo necessita de uma autoconsciência sólida,
namento terapêutico positivo e para a habilidade além de habilidades de relacionamento.
do terapeuta em seguir princípios básicos do pro­
cesso de terapia cognitiva: colaboração, descoberta 0 processo da terapia cognitiva
guiada e estrutura. Estes princípios permaneceram Os processos terapêuticos fundamentais na tera­
os mesmos através da evolução da terapia cognitiva, pia cognitiva são colaboração, descoberta guiada e
embora os terapeutas cognitivos os especifiquem estrutura. A colaboração significa que o terapeuta
mais claramente com o passar do tempo. e o cliente trabalham juntos como uma equipe,

256
Desenvolvendo competências do terapeuta cognitivo: modelos de ensino e supervisão

conjuntamente escolhendo metas terapêuticas, cliente e dos problemas abordados. Por exemplo,
construindo uma conceituação adequada de seus a terapia cognitiva para os transtornos de pânico
problemas e desenvolvendo planos para mudança. segue um protocolo de tratamento altamente
Um relacionamento colaborativo requer que ambos, estruturado ao longo dc um número breve dc
o terapeuta e o cliente, sejam ativos e interativos sessões. Altemativamente, a terapia cognitiva para
dentro do relacionamento terapêutico. Cada um os transtornos de estresse pós-traumático, como
procura e recebe feedback entre si; as questões uma vítima de estupro que tem um transtorno de
de ambos os lados são encorajadas. A colaboração personalidade borderline, necessitaria de maior
em terapia cognitiva requer que o cliente também flexibilidade na estrutura e de uma maior colabo­
seja ativo fora da sessão como um observador, ração com o cliente, a fim de determinar o tipo
um repórter de experiências e um experimentador. e o grau de estrutura da sessão que podem ser
Terapeutas que não estão dispostos a participar de terapeuticamente tolerados semana após semana.
um relacionamento terapêutico altamente interativo Portanto, o terapeuta cognitivo ideal é capaz de
são fracos candidatos ao treinamento em terapia ser altamente estruturado em terapia, de seguir
cognitiva. confortavelmente uma série de tarefas durante
A descoberta guiada é o processo de aprendi­ a sessão e ainda ter sensibilidade para adaptar a
zado primário em terapia cognitiva. Terapeutas estrutura de terapia para determinados clientes, a
dirigem a descoberta, tanto verbalmente, através fim de maximizar a colaboração em um relacio­
do questionamento, quanto experiencialmente, namento terapêutico positivo.
ajudando os clientes a planejar experimentos Na seção seguinte, uma variedade de modelos
que serão conduzidos dentro e fora das sessões de ensino é descrita, que estimulam o desenvol­
terapêuticas. A descoberta guiada é o motor que vimento da competência do terapeuta no que se
conduz o aprendizado do cliente cm terapia cog­ refere ao conteúdo, a fatores de relacionamento
nitiva. O encorajamento da observação ativa pelo e processo de terapia cognitiva. Seria ideal se os
cliente e da exploração de pensamentos, emoções, programas de treinamento e supervisão modelas­
comportamentos, padrões interpessoais e respostas sem o domínio de conteúdo, um relacionamento
fisiológicas, são fundamentais para a descoberta positivo (entre instrutor e aluno), a colaboração,
guiada. Os terapeutas que têm uma compreensão a descoberta guiada e a estrutura.
de metodologia científica e um entusiasmo para
ajudar outros a aprender por si, são idealmente Processos de ensino
adequados para guiar a descoberta do cliente. Desde os primeiros anos de treinamento em
Finalmente, a terapia cognitiva é estruturada. terapia cognitiva, Beck preferiu métodos de ensino
Durante as sessões, os terapeutas cognitivos colabo- que modelassem a terapia e proporcionassem aos
rativamente estabelecem agendas com os clientes, terapeutas experiências de aprendizado para guiar
claramente definem metas, fornecem resumos fre­ a sua descoberta. Seus workshops e apresentações
quentes e ajudam a construir tarefas de aprendizado incluíam o uso frequente de questionamento
específicas c estruturadas. Ao longo das sessões, Socrático, a fim de auxiliar os participantes a
as habilidades são ensinadas de forma gradativa, descobrir os princípios teóricos. Além disso, Beck
os clientes são encorajados a manter anotações e emprega exercícios experienciais, para encorajar os
registros da terapia, e protocolos de tratamento alunos a reunir dados a respeito de seus próprios
são seguidos tão proximamente quanto possível pensamentos, emoções e respostas fisiológicas,
para o tratamento de cada paciente em particular. relacionando estas experiências pessoais aos tó­
O grau e a forma que esta estrutura toma pode picos em discussão. Dessa forma, desde o início,
ser um tanto quanto diferente, dependendo do a terapia cognitiva tem sido ensinada utilizando

257
Fronteiras da Terapia Cognitiva

os princípios de colaboração, descoberta guiada, reforça a importância do aprendizado baseado em


conceituação e estrutura. dados. O conhecimento de descobertas empíricas
anteriores proporciona uma fundamentação para
Colaboração programas de treinamento em terapia cognitiva.
A colaboração entre instrutor e alunos é central Os alunos são encorajados e instrutores são re­
no ensino e aprendizado de terapia cognitiva. Os quisitados a estar a par de pesquisas empíricas
alunos são encorajados a desempenhar um papel clinicamente relevantes. As aplicações clínicas
ativo no aprendizado (1) questionando o instru­ mais bem-sucedidas em terapia cognitiva se de­
tor, (2) participando de exercícios desenvolvidos senvolveram em paralelo a estudos empíricos do
para ensinar princípios terapêuticos chave, e (3) fenômeno clínico tratado. Instrutores de terapia
respondendo de forma considerada às questões cognitiva aprendem sobre pesquisa lendo pu­
do instrutor com base em experiências clínicas e blicações científicas, frequentando simpósios de
auto-observação. Instrutores de terapia cognitiva pesquisa em conferências nacionais e internacionais
colaboram com os alunos (1) discutindo aberta­ de terapia cognitiva e, geralmente, conduzindo
mente a agenda de ensino, (2) encorajando o input pesquisas eles próprios.
dos alunos em relação aos tópicos e processos de Além do aprendizado obtido a partir de pesquisas
aprendizado, (3) fazendo perguntas para guiar a empíricas, os terapeutas cognitivos desenvolvem
descoberta do aluno e (4) convidando os alunos a a sua própria competência pessoal investigando
darem feedback acerca das demonstrações clínicas regularmente os benefícios e limitações da meto­
e princípios teóricos. dologia clínica aprendida. Os instrutores encorajam
Instrutores de terapia cognitiva estimulam os alunos a utilizar métodos empíricos, montando
equipes investigativas e de apoio. Em grandes experimentos de aprendizagem para os alunos em
grupos de aprendizado, estas equipes podem ser treinamento completarem. Por exemplo, alunos
pequenas, contendo de dois a seis membros, que aprendendo a utilizar o Diário de Pensamentos
aprendem através de role plays e discussões, se­ Automáticos podem ser orientados a primeiramente
guido de feedback por parte do instrutor. Grupos completar o Diário de Pensamentos eles mesmos.
menores de aprendizado podem trabalhar como O instrutor pode guiar a descoberta, questionando
um todo, para encorajar e estimular o aprendizado. os alunos sobre o que eles aprenderam utilizando
Por exemplo, duplas podem praticar habilidades o Diário de Pensamentos. Essas questões podem
de terapia cognitiva em frente ao grupo e receber incluir dúvidas sobre uma variedade de fatores, tais
feedback dos colegas sobre o que eles fizeram como o que facilitou ou dificultou a identificação
bem e o que pode ser melhorado. Um ambiente de pensamentos automáticos, quais pensamentos ou
apoiador é necessário, pois terapeutas devem se emoções interferiram com a tarefa, quais estraté­
sentir seguros e confortáveis ao cometerem erros gias auxiliaram os alunos, e como as experiências
frente ao grupo. Se os terapeutas sentirem pressão destes terapeutas podem ser similares ou diferentes
por parte do grupo para evitar erros, eles hesitarão das experiências dos clientes na realização dessa
em tentar novas abordagens e o novo aprendizado mesma tarefa.
será limitado. Em seguida à prática pelos terapeutas de
métodos e discussões clínicas a respeito do que
Descoberta guiada/empirismo foi aprendido, é solicitado aos terapeutas que
A terapia cognitiva utiliza descoberta guiada e tentem utilizar os mesmos métodos com um ou
métodos investigativos empíricos como os princi­ mais clientes, a fim de colher mais informações
pais métodos para aprendizagem e mudança por acerca do valor e das dificuldades contidas em
parte do cliente. A utilização destes mesmos prin­ uma intervenção clínica específica. Praticar so­
cípios para ensinar terapia cognitiva a terapeutas mente alguns novos métodos de cada vez facilita

258
Desenvolvendo competências do terapeuta cognitivo: modelos de ensino e supervisão

a aprendizagem do aluno, especialmente se estes depressivos; eu utilizarei abordagens comporta­


métodos forem aplicados a vários clientes com mentais e farmacológicas primeiro com clientes
o mesmo diagnóstico. A prática repetida com que apresentem muitos sintomas vegetativos) para
clientes similares aumenta a aprendizagem do serem (8) posteriormente testadas por experimentos
terapeuta, permitindo a comparação de resultados clínicos adicionais.
em diversas tentativas de aprendizagem em um Os instrutores estimulam a boa vontade do
curto espaço de tempo. Os terapeutas com um terapeuta a usar este tipo de abordagem empírica
leque cheio e diverso de casos podem frequente­ quando estes métodos são modelados no contexto
mente criar estas circunstâncias de aprendizagem, de ensino. Ao invés de didaticamente ensinar
selecionando dois ou três clientes similares, com “verdades”, os instrutores podem resumir desco­
os quais praticarão métodos específicos da terapia bertas empíricas e então planejar experimentos
cognitiva. de aprendizagem para ver se e como estas des­
Esses aprendizados experimentais por parte dos cobertas se aplicam às próprias experiências dos
terapeutas em treinamento geralmente apresen­ alunos e às experiências de clientes. Os alunos são
tam resultados clínicos confusos; alguns clientes encorajados a descobrir porque intervenções nem
responderão bem às intervenções, e outros não. sempre obtêm êxito, examinando a qualidade da
O instrutor ou supervisor pode encorajar os tera­ implementação destas intervenções, características
peutas em aprendizagem a usar tanto experiências do cliente e crenças e emoções do terapeuta que
positivas quanto negativas para obter avanços em também influenciam os resultados do tratamento.
seu aprendizado. Uma postura verdadeiramente Finalmente, os alunos são ensinados que nenhuma
empírica, por parte do terapeuta, consiste em abordagem clínica funciona perfeitamente com
(1) formular hipóteses (por exemplo, aprender todos os clientes. Os terapeutas que melhor desen­
a utilizar um Diário de Pensamentos auxiliará volvem a arte e a habilidade de terapia são aqueles
meus clientes depressivos a se sentir melhor), que consistentemente analisam e aprendem com os
(2) conduzir experimentos clínicos (por exemplo, feedbacks dos clientes e resultados das intervenções
ensinar vários clientes depressivos a utilizar um tanto positivos quanto negativos.
Diário de Pensamentos), (3) observar o resultado
destes experimentos (por exemplo, dois clientes se Conceituação
beneficiam largamente do Diário de Pensamentos, Outra pedra fundamental do processo de instru­
um outro parece tomar-se mais depressivo ao longo ção em terapia cognitiva está em ensinar terapeutas
do processo de aprendizado do uso do Diário de a formular uma conceituação útil dos problemas dos
Pensamentos), (4) analisar esses resultados cui­ clientes. Uma conceituação em terapia cognitiva
dadosamente (por exemplo, o cliente que não viu inclui crenças (pensamentos automáticos, pressu­
utilidade no uso do Diário de Pensamentos tinha posições básicas e esquemas), reações emocionais,
uma depressão muito mais vegetativa), (5) imple­ recursos e déficits comportamentais, fatores sociais
mentar experimentos adicionais (por exemplo, eu que influenciam problemas (tanto passados quanto
podería tentar intervenções mais comportamentais presentes) e a consideração de fatores biológicos.
com o cliente ou passar a utilizar medicação), Persons (1989) recomenda que o terapeuta procure
(6) rever os resultados dos experimentos (por pelo menor número de elementos explicativos, que
exemplo, esse terceiro cliente está ainda um tanto podem explicar todos os problemas apresentados
quanto deprimido, mas responde de alguma forma pelo cliente. A avaliação completa de crenças dos
melhor às intervenções comportamentais do que clientes é central para conceituação em terapia
às cognitivas), e (7) elaborar conclusões preli­ cognitiva, não porque crenças são consideradas a
minares (por exemplo, Diários de Pensamentos raiz de todos os problemas, mas porque crenças
parecem ser úteis para a maioria dos pacientes servem uma função poderosa de manutenção dos

259
Fronteiras da Terapia Cognitiva

comportamentos problemáticos e das dificuldades sessão, com refinamentos adicionados à medida


interpessoais (Padesky, 1994a). que a terapia procede. Os terapeutas são encora­
Diversos métodos são utilizados para ensinar jados a discutir conceituações com clientes como
conceituação de casos a terapeutas cognitivos. Fre­ hipóteses a serem avaliadas através de observação,
quentemente, terapeutas iniciantes são instruídos coleta de dados e experimentos comportamentais.
a depender de modelos cognitivos empiricamente As conceituações em terapia cognitiva são des­
avaliados para conceituar as dificuldades do cliente. critivas e intimamente ligadas à compreensão e
Por exemplo, um transtorno de pânico do cliente é à explicação das experiências diárias do cliente.
conceituado como o resultado de uma interpretação Instrutores e supervisores de terapia cognitiva
catastrófica de sensações físicas ou mentais, de são encorajados a modelar e ilustrar uma varie­
acordo com o modelo proposto por Clark (1986). dade de métodos de conceituação de caso para os
A depressão de um cliente é conceituada como alunos. Os alunos são encorajados a testar concei­
resultante de estressores biopsicológicos, combi­ tuações baseadas em diagnóstico, formulários de
nados a cognições negativas sobre si, o mundo e conceituação de casos por escrito e diagramas de
o futuro (Beck e outros, 1979). Terapeutas que padrões de clientes para descobrir que abordagens
adotam estas conceituações-modelo e seguem os são mais úteis.
protocolos de tratamento correspondentes podem
ficar satisfeitos, contanto que isto faça sentido para Estrutura
o cliente e o tratamento tenha sucesso. Aprender a praticar a terapia cognitiva de forma
estruturada é frequentemente uma das mais difíceis
Na maioria das vezes, entretanto, clientes apre-
tarefas para os terapeutas. Os instrutores modelam
sentam-se com mais de uma dificuldade, exigindo
o uso da estrutura em cada uma das sessões de
que o terapeuta combine ou escolha entre modelos
ensino, estabelecendo agendas, monitorando o
conceituais genéricos. Portanto, terapeutas têm que
uso do tempo e solicitando feedback regular dos
aprender a desenvolver conceituações individua­
alunos acerca do ritmo imposto ao processo de
lizadas de caso. Muitos centros de treinamento aprendizagem. Os alunos são encorajados a praticar
desenvolveram formulários de conceituação de uma abordagem terapêutica mais estruturada em
caso para guiar terapeutas neste processo. Estes atividades de role play, de tempo limitado, nas
formulários geralmente requerem que terapeutas quais certas tarefas terapêuticas necessitam ser
listem os problemas apresentados pelo cliente, cumpridas. Exercícios de role play são analisa­
escrevam um breve histórico de eventos relevantes, dos para verificar quais estratégias são eficazes
descrevam o processo interpessoal em terapia e de modo a balancear entre estrutura, foco c um
identifiquem as pressuposições e esquemas básicos relacionamento terapêutico positivo.
relevantes. Este resumo é utilizado para escrever
O feedback dos “clientes” nestes role plays é
um breve plano de tratamento que é entregue ao
geralmente muito instrutivo. Os terapeutas fre­
supervisor para feedback. Conceituações escritas
quentemente acreditam que a estrutura atrapalha
frequentemente são discutidas com clientes, os
um bom relacionamento terapêutico e os insights
quais podem colaborar no seu desenvolvimento. do cliente. Como clientes, os terapeutas frequen­
Formulários de conceituação por escrito au­ temente descobrem que, se comparado a métodos
xiliam o terapeuta cognitivo iniciante a aprender de entrevista relativamente não estruturados, uma
processos para construir conceituações que guiem o entrevista estruturada e empática proporciona um
tratamento. Terapeutas cognitivos mais experientes ambiente no qual uma maior compreensão, por
formulam conceituações escritas em colaboração parte do terapeuta, e maior esperança de melhora
com clientes no início do processo terapêutico, são experienciados, devido ao fato que um plano
frequentemente logo na primeira ou segunda de tratamento mais claro pode emergir.

260
Desenvolvendo competências do terapeuta cognitivo: modelos de ensino e supervisão

Gravações de áudio e vídeo de sessões de o aprendizado do aluno selecionando textos que


terapeutas com clientes reais são revisadas pelo combinam o conhecimento derivado de estudos
instrutor de terapia cognitiva, para avaliar se o empíricos com uma descrição clara e específica
terapeuta-aluno está aderindo a um plano estru­ de suas aplicações clínicas.
turado durante a sessão de terapia. Os terapeutas Programas breves de treinamento algumas ve­
frequentemente necessitam ajuda para aprenderem zes utilizam um texto único que descreva terapia
a gerenciar impedimentos comuns à estrutura, tais cognitiva aplicada a uma série de problemas (cf.
como: agendas que são complexas demais para Freeman, Pretzer, Fleming & Simon, 1990; Haw-
o tempo disponível, clientes que têm dificuldade ton, Salkovskis, Kirk & Clark, 1989). Programas
em manter o foco e a necessidade de oferecer de treinamento mais longos geralmente requerem
um resumo final e desenvolver tarefas de casa que os alunos estudem textos primários sobre
que pode consumir mais tempo que dispõe o te­ terapia cognitiva para problemas específicos tais
rapeuta novato. A discussão sobre, e o role play como depressão (Beck et al., 1979), ansiedade
de, estratégias para manter a estrutura auxiliam (Beck, Emery & Greenberg, 1985), transtornos de
no desenvolvimento de habilidades comporta- personalidade (Beck et al, 1990) e outras popula­
mentais do terapeuta. Além disso, as crenças do ções clínicas tratadas, tais como casais (Baucom
terapeuta acerca das vantagens e desvantagens & Epstein, 1990; Dattilio & Padesky, 1990) ou
da estrutura podem necessitar ser examinadas e crianças (Kendall, 1991).
testadas utilizando-se o Diário de Pensamentos e
Manuais de tratamento de terapia cognitiva diri­
experimentos comportamentais.
gidos a clientes também facilitam o aprendizado do
terapeuta, ao proporcionar um texto programado a
ser utilizado em terapia. Um manual de tratamento
Métodos de ensino de 12 capítulos escrito por Greenberger e Padesky
(1995) ensina aos clientes as habilidades de terapia
Enquanto a maioria dos programas de trei­
cognitiva básicas, necessárias para o tratamento
namento em terapia cognitiva se esforce para
de muitos problemas diferentes. Capítulos ensinam
incorporar os princípios delineados acima, uma
como identificar emoções, identificar pensamentos
variedade de métodos de ensino é empregada para
que se cumpra essas metas de aprendizagem. A automáticos, utilizar o Diário de Pensamentos
para avaliar pensamentos automáticos, conduzir
maioria dos programas utiliza vários dos métodos
de ensino abaixo. Idealmente, os terapeutas que experimentos comportamentais e iniciar métodos
desejam se tomar terapeutas cognitivos compe­ de alteração de esquema. Este manual de cliente
tentes experimentarão todos estes métodos de ajuda terapeutas cognitivos iniciantes ao propor­
aprendizado. cionar explicações escritas para tarefas comuns
de aprendizado em terapia cognitiva.
Materiais de leitura Adicionalmente, resumos, “dicas” e guias de
Os terapeutas cognitivos escreveram algumas localização de problemas nos manuais de clientes
das descrições sobre tópicos terapêuticos mais podem ser extremamente úteis ao terapeuta que
específicos e, ao mesmo tempo, sobre um amplo esteja aprendendo a praticar a terapia cognitiva.
espectro de diferentes tópicos na história da psi- Estas diretrizes escritas destacam ideias-chaves e
coterapia. Portanto, alunos de terapia cognitiva ajudam a resolver problemas comuns encontrados
não terão nenhuma dificuldade em encontrar na condução da terapia cognitiva. Um guia para
referências bibliográficas para quase toda e qual­ o clínico acompanha este manual de tratamento
quer população de clientes e configuração de do cliente e resume protocolos de tratamento para
problema. Instrutores de terapia cognitiva facilitam uma variedade de aplicações da terapia cognitiva

261
Fronteiras da Terapia Cognitiva

(Padesky com Greenberg, 1995). Este guia do determinado cliente ou diagnóstico particular­
clínico também destaca dilemas comuns com mente desafiadores. Um instrutor clínico pode
que se defrontam os terapeutas cognitivos, com se encontrar com um paciente selecionado para
recomendações sobre como a colaboração e a ilustrar intervenções in vivo. Demonstrações ao
descoberta guiada podem ajudar a resolver estas vivo também podem ser feitas sem aviso prévio,
dificuldades. durante aulas ou workshops para ilustrar princípios
Manuais de tratamento do cliente também de tratamento ou para responder às questões dos
foram escritos para problemas específicos, tais alunos. Alunos que são céticos sobre a utilidade
como depressão (Bums, 1989; Eaves, Jarrett & da terapia cognitiva para clientes particularmente
Basco, 1989), ansiedade (Bourne, 1990), trans­ complexos, são frequentemente reassegurados
torno obsessivo-compulsivo (Steketee & White, através de uma demonstração clínica ao vivo,
1990) e problemas interpessoais (Beck, 1988). que ilustra princípios terapêuticos aplicados sob
Cada um destes manuais do cliente fornece uma circunstâncias desafiadoras.
apresentação estruturada da abordagem da terapia Demonstrações clínicas ao vivo podem ser
cognitiva para o tratamento destas dificuldades. proporcionadas por alunos, bem como pelo instru­
Terapeutas cognitivos iniciantes podem descobrir tor. É útil aos terapeutas que estejam aprendendo
que os cadernos de exercício do cliente podem terapia cognitiva poder praticar suas doutrinas
significar uma contribuição útil para a terapia que sob a observação de outros terapeutas, que pro­
eles conduzem. Uma vez que cadernos de exer­ porcionam feedback construtivo. Inicialmente, os
cício proporcionam explicações de princípios de alunos se sentem mais confortáveis proporcionando
terapia cognitiva escritos em linguagem simples, demonstrações breves de role play de princípios
terapeutas iniciantes podem modelar suas próprias terapêuticos particulares (por exemplo, 5 minutos
explicações verbais aos clientes com base nestas de descoberta guiada). Eventualmente, é útil aos
amostras escritas. alunos proporcionar e assistir demonstrações de
sessões de terapia completas.
Demonstrações clínicas O modelo de supervisão “rotativo” (Padesky,
Textos e manuais escritos descrevem princí­ 1993a) pode ser usado para proporcionar demons­
pios de tratamento em detalhes. Demonstrações trações clínicas ao vivo quando um grupo de
clínicas ilustram processos terapêuticos e, algumas terapeutas, em um ambiente clínico comum, está
vezes, engenhosidade. Por exemplo, um texto de aprendendo terapia cognitiva. Este método envolve
terapia cognitiva descreverá um empirismo co- demonstrações de terapia conduzidas em rodízio
laborativo e talvez até mesmo forneça diálogos por cada terapeuta em treinamento. O terapeuta
escritos entre terapeuta e cliente. Entretanto, estas mais experiente começa conduzindo uma sessão de
ilustrações deixam a desejar. Uma demonstração terapia cognitiva observada ao vivo pelos outros
clínica proporciona informação adicional acerca terapeutas. Após esta sessão, o grupo de terapeutas
do andamento da sessão, tom e inflexão de voz, discute a sessão, enfatizando a aprendizagem para
comunicação não verbal entre o terapeuta e o todos os membros do grupo. O primeiro terapeuta
cliente e o desenvolvimento de intervenções em continua o seu caso de demonstração, com discus­
“tempo real de terapia”. sões semanais e crítica das sessões. Após 2 ou 3
Demonstrações clínicas podem ser ao vivo, semanas, um segundo terapeuta inicia tratamento
gravadas em vídeo ou áudio e podem envolver com um novo cliente; as sessões são da mesma
clientes ou role plays. Cada formato tem suas forma observadas e criticadas pelo grupo em
vantagens e desvantagens. Demonstrações ao treinamento. Após alguns meses, cada terapeuta
vivo são úteis quando terapeutas que estão proporciona demonstrações clínicas para o grupo
aprendendo querem conselhos a respeito de e cada membro do grupo tem a oportunidade de

262
Desenvolvendo competências do terapeuta cognitivo: modelos de ensino e supervisão

observar varias sessões por semana, acompanhadas ou ouvem a gravações de workshops, a fim de
de discussão e análise em grupo. atualizar-se com habilidades e de aprender sobre
Demonstrações clínicas também podem ser desenvolvimentos recentes de especialistas clínicos
apresentadas em vídeo. Vídeos têm a vantagem e de pesquisa. Os métodos de estrutura e ensino
de serem apresentados integralmente, a fim de utilizados nestas aulas e workshops influenciam
capturar muitas das vantagens de entrevistas ao seu valor de aprendizado.
vivo, ou em um formato editado, a fim de enfa­ As aulas podem ser curtas com apenas poucas
tizar pontos-chave do processo de aprendizagem horas de duração ou encontros regulares ao longo de
em um período de tempo mais curto. Além disso, 1 ano ou mais. Enquanto a maioria dos workshops
entrevistas gravadas em vídeo podem ser adapta­ tem desde poucas horas até 2 dias de duração, a
das flexivelmente a muitos propósitos de ensino. terapia cognitiva é melhor aprendida através de
Terapeutas podem assistir segmentos gravados em programas nos quais o aprendizado ocorre ao longo
vídeo e discuti-los em relação à teoria cognitiva, de várias semanas, meses ou anos. Períodos mais
conceituação de caso ou intervenções. Um instrutor longos de instrução permitem que haja tempo para
pode mostrar uma parte da gravação em vídeo e praticar a terapia, enquanto ainda se encontrando
então perguntar aos alunos que escolhas eles fariam com o instrutor para fazer perguntas e obter feed­
nos minutos seguintes da sessão. Role plays gra­ backs. Uma série de programas de treinamento
vados em vídeo podem ilustrar várias intervenções estabelecidos existe na Austrália, Canadá, Europa,
possíveis e seus resultados com o mesmo cliente Grã-Bretanha, Estados Unidos e América do Sul,
nas mesmas circunstâncias. Aspectos não verbais de onde clínicos podem participar de programas de
terapia cognitiva podem ser destacados, assistindo
treinamento com duração de várias semanas a um
ao vídeo de uma sessão com o áudio desligado.
ano. Terapeutas que moram a grandes distâncias
Demonstrações em áudio não dispõem da pos­ destes centros de treinamento frequentemente se
sibilidade de exibir visualmente componentes não beneficiam de workshops de 1 ou 2 dias, ou de
verbais da terapia, mas ainda assim retêm muitas programas com duração de uma semana, acom­
das demais vantagens do formato em vídeo. As panhado de sessões contínuas de supervisão. Há
principais vantagens de demonstrações gravadas poucos programas de treinamento extramurais,
em áudio são o aspecto portátil e o baixo custo. nos quais os terapeutas recebem treinamento a
O fato de ser mais facilmente portáteis toma mais longa distância, atendendo a workshops de final de
fácil para os terapeutas ouvir os áudios repetidas semana ou de uma semana inteira, periodicamente
vezes, a fim de reforçar a assimilação de padrões ao longo de um ano, além de sessões semanais de
de questionamento terapêutico, ritmo, métodos supervisão por telefone.
para manter o rapport e outros princípios de tra­
Os métodos utilizados para ensinar terapia cog­
tamento, que podem ser ilustrados em um áudio
nitiva nestes programas são tão variados quanto os
de treinamento. Gravações em áudio de sessões
tópicos ensinados. Instrutores de terapia cognitiva
de terapia dos alunos são utilizadas para anali­
geralmente preferem métodos de ensino interativos,
sar as habilidades e as limitações dos alunos ao
implementar determinadas abordagens de terapia cm forma de aulas e workshops, independente do
número de alunos. Ensinar grandes grupos de tera­
cognitiva com determinados clientes.
peutas requer maior organização e criatividade, a
Aulas e workshops fim de que haja o engajamento do grupo todo nos
A maioria dos terapeutas que pratica terapia processos ativos de aprendizado. Alguns métodos
cognitiva frequenta uma ou mais aulas e work­ de ensino inovadores são destacados aqui.
shops de terapia cognitiva. Até mesmo terapeutas Exercícios de Formulação de Imagens para a
cognitivos avançados frequentam workshops Descoberta Guiada. Beck frequentemente utiliza

263
Fronteiras da Terapia Cognitiva

exercícios de formulação de imagens para guiar a Utilizando o Questionamento Socrático com


descoberta de pontos-chave por parte dos alunos. Grupos. Em terapia, o questionamento socrático
Por exemplo, em um workshop de ansiedade (Beck é utilizado para estimular o aprendizado ativo
& Padesky, 1984), Beck utilizou-se de formulação e encorajar uma atitude questionadora e inves-
guiada de imagens para auxiliar participantes a criar tigativa no cliente. O questionamento socrático
imagens vividas deles próprios quando crianças, tem o mesmo propósito quando utilizado com
aguardando na escola por seus pais que iriam levá- alunos. As perguntas de Beck, após o exercício
-lo para casa, mas que estavam bastante atrasados. de formulação de imagens descrito acima, propor­
Participantes eram instruídos a anotarem os seus cionam um exemplo de questionamento socrático
pensamentos e reações emocionais, à medida que em um workshop. Instrutores também intercalam
o tempo passava até o momento em que seu pai questionamentos em uma palestra para encorajar
chegava, uma hora atrasado. o aprendizado ativo. Por exemplo, um instrutor
pode delinear a teoria cognitiva para um problema
Após esse exercício de formulação de imagens,
específico e então pedir aos participantes do work­
Beck questionou a platéia acerca de suas reações
shop que identifiquem os princípios de tratamento
emocionais, enquanto esperavam os pais (que
conforme a teoria.
variava desde raiva à felicidade ou horror), e os
Como com todo questionamento socrático,
pensamentos que acompanharam estas respostas.
o nível das perguntas feitas deve ser apropriado
Ele envolveu a platéia inteira, pedindo a indiví­
conforme a base de conhecimento daqueles ques­
duos que descrevessem suas respostas e a outros
tionados (Padesky, 1993b). Terapeutas iniciantes
membros da platéia que levantassem suas mãos
são capazes de identificar conexões cognitivas e
caso sua experiência fosse semelhante. Utilizando
afetivas, mas podem ter dificuldades em responder
um retroprojetor para escrever os diferentes humo­
a perguntas que requerem uma formulação inde­
res ao lado de uma coluna com seus respectivos
pendente de conceituação de um caso cognitivo.
pensamentos, Beck guiou a platéia para que esta
Terapeutas com níveis intermediários de expe­
descobrisse os temas cognitivos associados a de­
riência em terapia cognitiva seriam capazes de
terminadas emoções. Questionamento adicional da
responder a perguntas que façam alusões à teoria,
platéia levou à obtenção de informações acerca
conceituações de caso e princípios aplicados de
do papel do exercício de formulação de imagens
tratamento. Terapeutas de nível avançado podem
na ansiedade, da relevância da história de desen­
ser questionados acerca de todos os níveis da teoria
volvimento pessoal e dos esquemas relativos à cognitiva e terapia aplicada a determinados casos
vulnerabilidade emocional, assim como acerca de particularmente desafiadores.
outros pontos teóricos de interesse.
Demonstrações de Grupo de Princípios de Tra­
Exercícios de formulação de imagens com tamento. O instrutor pode demonstrar princípios
uma platéia são uma boa forma de gerar dados de tratamento, aplicando-os a um grupo inteiro.
necessários para construir pontos de aprendizado. Uma demonstração de grupo útil é completar um
Alunos provavelmente se lembrarão mais facil­ Diário de Pensamentos a respeito de uma situação
mente destas experiências vividas de aprendizado. que os participantes do workshop tenham cm co­
Além disso, estes exercícios frequentemente são mum. Por exemplo, foi exigido que funcionários
paralelos daqueles métodos clínicos utilizados de um hospital aprendessem terapia cognitiva,
em terapia. Depois da participação no exercício porém, muitos eram céticos de que esta nova
de formulação de imagens, foi pedido aos alunos abordagem seria útil para pacientes gravemente
terapeutas que refletissem acerca da força de se depressivos e hospitalizados. Como instrutor,
criar experiências vividas em terapia, em vez de esta autora modelou terapia de grupo, ajudando
simplesmente intelectualizar sobre problemas. os funcionários a identificar seus sentimentos e

264
Desenvolvendo competências do terapeuta cognitivo: modelos de ensino e supervisão

pensamentos automáticos negativos naquela si­ Exercícios experimentais em workshops são


tuação, “aprendendo a usar terapia cognitiva na frequentemente conduzidos em duplas ou pe­
unidade de atendimento”, registrando e avaliando quenos grupos. Em duplas, um terapeuta assume
estas reações em um Diário de Pensamentos. o papel do cliente e o outro, o do terapeuta. Se
A identificação de pensamentos automáticos ne­ um pequeno grupo é envolvido, alguns membros
gativos permitiu que os funcionários expressassem são designados como “terapeutas” e “cliente(s)”,
seu cepticismo e relutância em aprender estratégias enquanto os demais membros são consultores ou
da terapia cognitiva. Por meio da descoberta guiada, observadores. A fim de intensificar o aprendizado,
o instrutor foi capaz de ajudar os funcionários a os instrutores geralmente estruturam exercícios
começar a testar suas crenças negativas. Quando práticos, para terapeutas iniciantes e interme­
enfim completaram o Diário de Pensamentos, o diários. Por exemplo, são designados objetivos
grupo já havia identificado uma série de respostas de terapia aos terapeutas, além de um método
alternativas para os seus pensamentos negativos. clínico para praticar e uma situação de cliente em
Mais importantemente, o grupo experimentou particular para o role play. O cliente é instruído
in vivo os poderosos efeitos que a metodologia se deve representar um quadro mais simples ou
da terapia cognitiva poderia ter sobre respostas mais desafiador. O(s) instrutor(es) observa(m) os
emocionais e cognitivas a um evento. Através da grupos pequenos e oferece(m) conselhos quando
identificação de suas próprias crenças negativas e requisitado(s). Depois de um role play de tempo
desesperançadas, os funcionários experimentaram limitado, o cliente oferece ao terapeuta feedback a
a terapia cognitiva de uma perspectiva similar respeito do que era ou não era útil. Então, o grupo
àquela dos pacientes internados depressivos que maior discute o que foi aprendido no role play e
eles iriam posteriormente ajudar. como gerenciar qualquer obstáculo encontrado.
Exercícios Experimentais. Para aprender Terapeutas iniciantes frequentemente aprendem
terapia cognitiva, terapeutas devem praticá-la. melhor nos exercícios práticos mais estrutura­
Portanto, a maioria dos workshops e aulas inclui dos, limitados por tempo e orientados a metas.
exercícios experimentais, nos quais participantes Conforme os terapeutas cognitivos se tornam
aplicam os métodos ensinados. Por exemplo, em mais habilidosos, estes role plays se tornam
um workshop de 2 dias sobre intervenções para mais abertos, com uma gama maior de escolhas
mudanças de esquemas, o instrutor demonstrou sendo oferecidas ao terapeuta, relativas a metas,
métodos para a identificação de esquemas, aju­ metodologia clínica e grau de complexidade do
dando os terapeutas participantes a identificar seus cliente. Dessa forma, exercícios experimentais
próprios esquemas ativados em situações clínicas assemelham-se cada vez a uma terapia de fato, à
pertinentes (Padesky, 1994b). Tendo identificado medida que o conhecimento e a experiência do
os esquemas, os indivíduos se ofereceram para terapeuta aumentam. Em workshops avançados,
participar de demonstrações conduzidas pelo é instrutivo comparar os resultados de escolhas
instrutor acerca de métodos de mudança de esque­ terapêuticas diferentes, referentes às mesmas
mas, frente ao restante do grupo. Participantes do situações dos clientes.
workshop então praticaram estes mesmos métodos
individualmente e em duplas, com uma discussão
acerca de pontos de aprendizado e de falha. Muitos
Supervisão em terapia cognitiva
terapeutas comentaram que uma experiência pes­
soal intensiva dos métodos ensinados proporcionou Supervisão em terapia cognitiva é paralela à
uma experiência de aprendizado mais rica do que própria terapia. Supervisor e supervisando esta­
a proporcionada através unicamente de palestras belecem uma lista de problemas de supervisão,
e demonstrações. estabelecem metas, colaborativamente conceituam

265
Fronteiras da Terapia Cognitiva

obstáculos à realização destas metas e formulam caso, o uso do relacionamento cliente-terapeuta,


estratégias para superar estes problemas. Du­ reações do terapeuta ou processos de supervisão.
rante cada sessão de supervisão, uma agenda é A supervisão é conduzida tanto no formatos
estabelecida, novas habilidades são ensinadas, individual como no grupai. O(s) supervisionado(s)
descobertas guiadas são empregadas, e a tarefa estabelece(m) uma agenda para determinar quanto
de casa é estabelecida. Os principais métodos de tempo será gasto, incluindo a escolha de modelos
ensino descritos acima são frequentemente utiliza­ e o foco da supervisão. Em supervisão de grupo, é
dos, dentre os quais demonstrações clínicas, role melhor se todos os membros do grupo participarem
plays, instrução didática, questionamento socrático, de todas as sessões, embora um ou dois membros
experimentos comportamentais e uso frequente de possam receber a maior parte do tempo de super­
conceituação de caso. visão em qualquer sessão de supervisão. Uma das
vantagens de supervisão em grupo é a de que os
Modelos de supervisão membros do grupo ajudam a supervisionar uns
A supervisão pode incluir uma variedade de aos outros. Dessa forma, terapeutas aprendendo
métodos, tais como discussão de caso, observação terapia cognitiva têm a oportunidade de refletir
com vídeo/áudio/ao vivo, demonstrações de role sobre os princípios que eles estão aprendendo e
play e coterapia. A supervisão pode enfatizar o discutir a sua aplicação com colegas.
foco no domínio, pelos alunos, dos métodos da
terapia cognitiva, na conceituação de caso, no
relacionamento cliente-terapeuta, nas reações dos
terapeutas ou nos próprios processos de supervisão
Diretrizes para supervisão
(quando o supervisor deseja que a atividade de Embora existam muitas opções de supervi­
supervisão melhore habilidades e processos de são, alguns princípios podem guiar as escolhas
supervisão). Enquanto a maior parte da supervisão do supervisor dentre essas opções: (1) reforçar
inclui uma variedade de métodos e enfoques, a os pontos fortes de supervisandos; (2) escolher
grade de supervisão na Tabela 13.1 proporciona modos e enfoques que ajudem a desenvolver o
um resumo gráfico de opções de supervisão para próximo estágio de competência; (3) construir
propósitos de discussão. habilidades de conceituações para que os su­
Como a Tabela 13.1 indica, dentro de cada foco pervisandos aprendam a ajudar a si próprios;
da supervisão, o aprendizado pode ser alcançado (4) quando dificuldades ocorrem, utilizar um
através de qualquer dos modos de supervisão. Por guia de supervisão para identificar o problema;
exemplo, um terapeuta participando de uma super­ e (5) prestar atenção ao que não é discutido em
visão para aprender métodos de terapia cognitiva supervisão. Estes princípios são ilustrados com
para o tratamento do transtorno de pânico, podería exemplos dos modelos de supervisão resumidos
aprender tais métodos através de discussões de um na Tabela 13.1.
caso particular, observação por parte do supervisor
de sessões de tratamento, role plays em super­ Fortalecer os pontos fortes dos supervisandos
visão, ou envolvimento de um coterapeuta para Já que a descoberta guiada é central para a te­
o próprio tratamento, tanto o supervisor quanto rapia cognitiva, a supervisão emprega este mesmo
outro colega. Similarmente, qualquer método de processo. Os pontos fortes de um supervisando
supervisão pode fazer com que o aprendizado oferecem um bom começo para a descoberta
avance com relação a qualquer foco de super­ guiada. Por exemplo, se um supervisando tem um
visão. Por exemplo, demonstrações de role play bom conhecimento de métodos da terapia cogni­
em supervisão podem enfatizar o aprendizado de tiva, porém habilidades fracas de conceituação, o
métodos da terapia cognitiva, a conceituação de supervisor pode pedir ao supervisando que realize

266
Desenvolvendo competências do terapeuta cognitivo: modelos de ensino e supervisão

um role play de uma situação clínica problema Escolher modos e enfoques para
(utilizando, portanto, um de seus pontos fortes).
desenvolver o próximo estágio
Esse role play podería ser seguido por perguntas
sobre como estas intervenções geralmente proce­ de competência
dem (ainda focalizando o método e o processo Como o modelo anterior sugere, a supervisão
de terapia cognitiva, que é um de seus pontos começa segundo modos que enfatizam os pon­
fortes) e como as dificuldades ocorrem com esse tos fortes dos supervisandos, para então mudar
cliente espccificamcnte. Então podería ser pedido para modos e enfoques que desenvolverão novas
ao supervisando que avaliasse quais crenças do competências. Qualquer modo de supervisão pode
cliente ou processos interpessoais podem estar ajudar a desenvolver novas competências. Entre­
impedindo o progresso (para começar a construir tanto, é recomendado que cada relacionamento de
as habilidades de conceituação de caso). supervisão inclua observação em vídeo, áudio ou
Em contraste, outro supervisando pode ter ao vivo de sessões, pois um sumário verbal das
boas habilidades de conceituação de caso, porém sessões pode descrever, na melhor das hipóteses,
um pobre conhecimento acerca dos métodos da somente elementos da sessão dentro de seu grau
terapia cognitiva. Este supervisando pode se atual de compreensão e atenção. Observação de
beneficiar de um enfoque inicial na conceituação sessões alerta o supervisor às necessidades de
de caso, dentro de um modo de discussão de supervisão que o aluno pode ainda não reconhecer.
caso. O supervisor podería oferecer a instrução Os vários enfoques na Tabela 13.1 também
didática, a respeito dos métodos da terapia ou são utilizados para melhorar a competência do
eliciar idéias do supervisando, fazendo pergun­ terapeuta. Para terapeutas iniciantes, o tempo de
tas sobre como a conceituação do caso pode se supervisão é geralmente gasto em esforços para
ajustar à teoria cognitiva e à abordagem. Essas dominar métodos da terapia cognitiva, processos
discussões seriam seguidas por prática através de clínicos e habilidades de conceituação de caso.
role plays, talvez com o supervisor modelando Terapeutas intermediários continuam a trabalhar
inicialmente os métodos que o supervisando nestas áreas com uma atenção adicional devotada
necessita aprender. ao relacionamento cliente-terapeuta. Terapeutas

267
Fronteiras da Terapia Cognitiva

avançados fazem perguntas avançadas nestas três TERAPEUTA: Eu me sinto da mesma forma que
áreas e adicionalmente se beneficiam da supervisão me sentia quando minha mãe esperava pelo meu
focada no terapeuta e até mesmo a supervisão pai chegar em casa. Ele era um policial e ela
focada na supervisão. sempre estava preocupada com ele. Ela ficava
Supervisões focadas no terapeuta envolvem a ansiosa e me queria ao lado dela. Eu queria ir
identificação de emoções e crenças do terapeuta brincar, mas eu sentia que deveria ficar porque
ativadas durante a sessão de terapia. Enquanto ela estava assustada. Mas estar com ela me fazia
este foco da supervisão pode ser instrutivo aos sentir-me ansioso.
terapeutas de todos os graus de habilidade, é par­ SUPERVISOR: Neste cenário com sua mãe, quais
ticularmente útil para terapeutas mais avançados
eram os esquemas sobre si mesmo?
aprender sobre processos de esquema em terapia
TERAPEUTA: Eu sou responsável.
cognitiva. A próxima vinheta ilustra como este
enfoque de supervisão pode ser explorado com SUPERVISOR: Pelo mundo?
um terapeuta avançado: TERAPEUTA: Suponho que sim, que “coisas
imprevisíveis acontecem”.
TERAPEUTA: Eu estou realmente lutando em SUPERVISOR: Pela sua mãe?
meu trabalho com o Andy.
TERAPEUTA: Eu não tenho certeza... eu acho...
SUPERVISOR: O que é uma luta para você? ela precisa de mim.
TERAPEUTA: No final da sessão, ele nunca quer SUPERVISOR: E se você não estivesse lá?
deixar o meu consultório. Diferentemente do que
TERAPEUTA: Ela se desesperaria.
faço com outros clientes, acabo permitindo que
ele fique mais tempo, em vez de delimitar clara­ SUPERVISOR: E se isto acontecesse?
mente o tempo. TERAPEUTA: Eu ficaria sozinho.
SUPERVISOR: Que enfoque você gostaria de SUPERVISOR: Que sentimentos você teve quando
estar trabalhando nesta supervisão: revisão das você disse isso?
estratégias para terminar na hora, conceituação TERAPEUTA: Assustado.
de caso, olhar para a sua relação com o Andy ou
SUPERVISOR: Então, você se vê como respon­
focar nas suas próprias reações que podem estar
sável e em risco de ficar sozinho se você não for
desempenhando um papel?
apoiador à sua mãe. Também, coisas imprevisíveis
TERAPEUTA: Eu sei o que fazer e acho que tenho
acontecem e outros se desesperarão se tais coisas
uma conceituação de caso muito boa. Eu gostaria
acontecerem. Isto está correto?
de entender minhas próprias reações melhor porque
elas me surpreendem; eu não sei exatamente o que TERAPEUTA: Um pouco. É até mesmo uma
está acontecendo. crença mais profunda que “se eu ficar perto, eu
SUPERVISOR: Certo. Vamos imaginar que é o posso impedir coisas ruins de acontecerem”. Eu
final da sessão de Andy e ele está indicando que sei que isso não é lógico, mas acho que acreditava
não que ir embora. Imagine vividamente e veja nisso quando criança.
se você consegue capturar seus pensamentos e SUPERVISOR: Você acha que estas reações e
sentimentos. crenças podem estar relacionadas de alguma forma
TERAPEUTA: (.Imagina em silêncio por alguns ao seu dilema terapêutico com Andy?
minutos). Eu me sinto assustado. Eu quero poder TERAPEUTA: Sim. Ele tem alguns momentos
ajudá-lo. de silêncio apreensivos como tinha a minha
SUPERVISOR: Algumas imagens ou memórias mãe. Sinto-me muito próximo a ele e quero que
vêm à sua mente? ele se sinta seguro. Ele realmente tem algumas

268
Desenvolvendo competências do terapeuta cognitivo: modelos de ensino e supervisão

dificuldades ocorrendo na vida dele agora, e eu utilizada para estimular habilidades analíticas nos
acho que gostaria de poder protegê-lo delas. supervisandos, conforme os estágios delineados
SUPERVISOR: E você acha que o Andy se de­ por Padesky (1993b):
sesperaria se confrontado com essas dificuldades?
TERAPEUTA: Eu não tenho certeza. 1. Iniciar com questões informativas tais como
“Como eu posso ajudá-lo hoje?”; “Como
SUPERVISOR: Você acha que gastando tempo
você priorizaria suas preocupações?”; “Que
extra com ele é protetor de uma forma positiva?
forma ou enfoque de supervisão você acha
TERAPEUTA: Humm. Eu não sei. Tudo que
que seria mais útil?”; “O que está ou não
eu sei é que parece arriscado naquele momento
acontecendo na terapia que leva às suas
terminar a sessão.
perguntas?”; “O que você está fazendo que
SUPERVISOR: Você acredita que haja alguma ajuda?”; “Em que momento suas interven­
forma de ajudar o Andy sem responder de forma ções se desestruturam?”; “Você tem alguma
reflexiva de acordo com seus esquemas de infância? ideia de qual seria o problema?”. Essas ques­
TERAPEUTA: Eu sei que é uma pergunta simples. tões exigem que o supervisionando enfoque
Mas eu realmente não posso pensar em nada, e defina uma área de problema, e encoraja a
então eu concordo que os meus esquemas estão participação ativa no processo de supervisão.
interferindo. Quais idéias você tem? Elas ainda ajudam a educar o supervisando
acerca de áreas de análise que podem ser
Nesse exemplo, o terapeuta tem conhecimento importantes de serem consideradas. Além
suficiente de esquemas de modo que é capaz de disso, elas podem eliciar a informação neces­
identificar seus próprios esquemas quando lhe é sária para resolver a dificuldade.
pedido. Até mesmo com este conhecimento, o
2. Ouvir atentamente ao que o supervisando
supervisor precisa fazer perguntas para ajudar o
diz ou não diz. Preste atenção à forma como
supervisando a identificar crenças chave ligadas
o supervisando descreve o problema. Que
a respostas emocionais. Note que há um limite
afeto está presente? O supervisando está
tênue entre uma supervisão focada no terapeuta e
perplexo, envergonhado ou ansioso? Rea­
terapia em si. Uma forma de o supervisor manter o
ções emocionais fortes podem ser indícios
foco da supervisão é perguntar como esses esque­
de que as crenças do terapeuta são ativadas
mas particulares e esse evento desenvolvimental
na situação clínica ou em supervisão, e
em particular estão relacionados ao problema
precisam ser abordadas. Ouvir para avaliar
terapêutico em discussão. Na supervisão, reações
o nível de compreensão do problema pelo
emocionais, esquemas e história de desenvolvi­
supervisando e os termos através dos quais
mento do terapeuta são utilizados para fundamentar
ele ou ela o está formulando. Por exemplo,
a compreensão dos dilemas que confrontam o
ele ou ela está descrevendo o problema
terapeuta na condução da terapia; estas questões
como sendo uma baixa motivação do cliente
não devem ser exploradas sem esse intuito.
quando os dados sugerem que o cliente tem
um déficit em certas habilidades?
Construir habilidades de conceituação
Uma habilidade para conceituar as dificuldades 3. Realizar resumos frequentes e pedir ao
do cliente e da terapia é crítica para o desenvol­ supervisando que faça o mesmo. Resumos
vimento da competência do terapeuta. Portanto, a proporcionam uma oportunidade para
supervisão objetiva o desenvolvimento de habilida­ mutuamente testar a sua compreensão do
des para conceituação, ao invés de simplesmente que está sendo discutido ou sendo feito em
resolver problemas. A descoberta guiada pode ser role play. É importante proporcionar tempo

269
Fronteiras da Terapia Cognitiva

em supervisão para que o feedback seja desvantagens de conceituações e planos de


processado. Tanto o supervisor quanto o tratamento cognitivos ou alternativos.
supervisando devem anotar conclusões ou 3. O terapeuta possui conhecimento e habilidade
hipóteses úteis para referência futura. Con­
suficientes para corretamente implementar o
ceda tempo ao supervisando para resumir o
tratamento em terapia cognitiva? Em caso
que lhe foi útil ou não. Em troca, o supervisor de resposta negativa, auxilie o terapeuta a
pode dar feedback sobre quais as questões
adquirir estas habilidades e conhecimento.
criticas de aprendizado que emergiram
durante a sessão de supervisão. 4. A reação terapêutica está correspondendo
a padrões esperados? Em caso de resposta
4. Finalmente, fazer perguntas analíticas e negativa, formule hipóteses sobre o porquê
sintetizadas para estimular as habilidades da reação do cliente ser diferente daquela
de conceituação do supervisando. Perguntas esperada. Considere as crenças dos clientes,
sintetizadas básicas incluem “Como você deficiências de habilidades, reações emocio­
acha que esta conceituação pode se aplicar ao nais, sequências interpessoais, circunstân­
problema que você teve na última sessão?” cias de vida e história de desenvolvimento.
“Então o que você podería fazer na próxima Também considerar os fatores do item 5
sessão?” “Se isto não tiver o resultado dese­ abaixo.
jado, quais outras opções você tem? Como
você prevê que isto afetará o relacionamento 5. O que na conceituação do cliente/relação
terapêutico?” Pode ser pedido aos terapeutas em terapia/reação do terapeuta pode estar
que estes registrem no papel seu modelo interferindo com o sucesso? Incluir hipóteses
conceituai, crenças relacionadas, afeto, sobre o terapeuta (crenças, deficiências de
comportamentos e situações. habilidades, reações emocionais, padrões
interpessoais, circunstâncias de vida, histó­
ria de desenvolvimento), o relacionamento
Use um mapa para localizar problemas
em terapia (por exemplo, é positivo e cola-
Supervisão é em sua maior parte preenchida
borativo?), a conceituação cognitiva (por
por problemas a serem solucionados. O supervisor
exemplo, alguma coisa está faltando ou
deve avaliar que tipo de problema existe antes
está imprecisa?) e o plano de tratamento
de escolher uma estratégia para abordá-lo. Uma
(por exemplo, há abordagens adicionais que
árvore de decisão de cinco fases pode ser útil.
podem ajudar?).
Uma resposta negativa para qualquer das quatro
primeiras perguntas indica que a supervisão deve
Prestar atenção ao que não é discutido
iniciar a partir daquele nível. A quinta pergunta
Embora seja importante abordar as perguntas e
procura por fontes mais sutis de dificuldade: 1
preocupações do supervisando, é também crucial
prestar atenção ao que não é discutido em super­
1. Há um modelo cognitivo para compreender
visão. O processo de supervisão deve incluir uma
e tratar este problema do cliente? Em caso
revisão periódica de todos os casos do terapeuta.
de resposta negativa, é necessário construir
Caso contrário, alguns casos particularmente
um modelo cognitivo de conceituação e
problemáticos podem receber toda a assistência
tratamento.
da supervisão, em detrimento dos outros. Alguns
2. O modelo cognitivo de conceituação e supervisandos hesitarão em discutir os casos nos
tratamento está sendo seguido? Em caso quais eles se sentem particularmente ineptos.
de resposta negativa, explore as razões Outros podem negligenciar a menção a casos
para não segui-lo. Discuta as vantagens e bem-sucedidos, desta forma levando o supervisor

270
Desenvolvendo competências do terapeuta cognitivo: modelos de ensino e supervisão

a se equivocar com relação à avaliação de áreas de impedindo a supervisão. Por exemplo, embora
competência. Além disso, dentro das discussões de seja ideal ter um relacionamento de supervisão
caso, é importante notar que informações podem colaborativo, alguns supervisores e supervisandos
estar faltando. adotam um tom mais avaliativo ou preconceituoso,
Por exemplo, um supervisando procurou ajuda que pode impactar negativamente a exploração cria­
com relação a uma cliente que frequentemente tiva e a revelação de experiências de aprendizado
deixava de realizar suas tarefas de casa. O super­ em terapia cognitiva por parte do supervisando.
visando conceituou a cliente como uma mulher
extremamente dependente, que não queria assumir
responsabilidades. Embora o supervisando tenha Terapia cognitiva para terapeutas
apresentado detalhadamente suas hipóteses sobre
Um processo final que melhora a competência
o porquê esta cliente não estava realizando suas
de terapeutas cognitivos é participar de terapia
tarefas de casa, o supervisor notou que não havia
cognitiva como um cliente. Para compreender
nenhuma menção acerca de se esta cliente era
o processo da terapia por inteiro, não há forma
responsável em outras áreas de sua vida. Quando
melhor do que utilizar os métodos de terapia
perguntado ao terapeuta, este mencionou que
cognitiva em si mesmos. A maioria dos terapeutas
a cliente tinha dois empregos. Uma discussão
cognitivos usa terapia cognitiva às vezes em suas
adicional revelou que o terapeuta era crítico com
próprias vidas. Como descrito acima, programas
relação a esta cliente, pois ela havia dado uma
de treinamento e supervisão frequentemente em­
criança para adoção 20 anos antes. O terapeuta
pregam métodos de terapia cognitiva para resolver
concluiu deste evento que a cliente era “incapaz
problemas e melhorar o aprendizado. É também
de assumir responsabilidades”.
útil que terapeutas cognitivos procurem terapia
A supervisão ajudou este terapeuta a ver que sua cognitiva, quando em necessidade de psicoterapia.
atitude em relação à cliente era sutilmente precon­ Terapeutas, como a maioria das pessoas, fre­
ceituosa e, portanto, prejudicial ao relacionamento quentemente começam uma terapia em uma época
terapêutico. O supervisor ajudou o terapeuta a de­ de crise. A terapia cognitiva iniciada durante uma
senvolver uma compreensão melhor para a decisão crise pode ser estendida para incluir identificação e
da cliente de aos 17 anos de idade dar o seu bebê exploração de esquemas capazes de manter padrões
para adoção. O terapeuta percebeu que não estava de problemas. Outros procuram terapia com o
levando em consideração a idade de sua cliente e intuito de uma automelhora em geral. Novamente,
as circunstâncias vigentes à época em que a decisão a terapia enfocada cm esquemas c de grande valia
foi tomada a respeito da criança. Uma vez que as para terapeutas desejando compreender padrões e
reações do terapeuta foram analisadas, foi capaz fazer mudanças.
de ver sua cliente como uma adulta responsável.
Em regiões ou países somente com alguns
Essa mudança de perspectiva permitiu ao terapeuta terapeutas cognitivos, pode ser difícil identificar
estar aberto para outras conceituações a respeito da um terapeuta cognitivo que não seja também um
não execução das tarefas de casa pela cliente. O amigo ou colega. Alguns terapeutas, nestas cir­
terapeuta discutiu o problema com a cliente com cunstâncias, escolhem um terapeuta com alguma
uma genuína curiosidade e não com preconceito, distância geográfica e intercalam sessões de te­
e esse impasse na terapia foi resolvido. rapia ao vivo com sessões por telefone. Outros
Se a supervisão parecer reduzida ou dema­ terapeutas formam duplas ou grupos menores para
siadamente estreita em enfoque, supervisor e coterapia entre colegas. Terapeutas sem acesso
supervisionando podem explorar suas reações e a outros terapeutas cognitivos podem conduzir
crenças emocionais, para descobrir o que está uma autoterapia estruturada, com o auxílio de

271
Fronteiras da Terapia Cognitiva

manuais, seguindo os procedimentos descritos do terapeuta. Uma vez que o campo da terapia
em Greenberger e Padesky (1995) e Padesky com cognitiva é dedicado à pesquisa empírica, tera­
Greenberger (1995). peutas cognitivos precisam sempre melhorar sua
competência baseada em novos desenvolvimentos.
A pesquisa acerca dos méritos relativos de diferen­
tes métodos de ensino está ainda em fase inicial.
Resumo e conclusão
As diretrizes proporcionadas aqui têm a intenção
Embora a terapia cognitiva tenha modelos con­ de servirem como um trampolim para este tipo de
ceituais e protocolos de tratamento bem definidos, pesquisa e para desenvolvimentos adicionais nas
desenvolver terapeutas competentes não é uma áreas de treinamento e supervisão.
tarefa simples. À medida que a terapia cognitiva
se toma mais específica e sofisticada, os terapeu­
tas têm mais o que aprender a fim de alcançar
Agradecimentos
competência. Felizmente, os mesmos processos
e métodos que caracterizam a terapia podem ser Desejo agradecer aos participantes do II Camp
usados para ensinar e supervisionar terapeutas. Cognitive Therapy, realizado em Dana Point, Cali­
Instrutores de terapia cognitiva utilizam os fórnia, de 7-11 de Março de 1994, que auxiliaram
princípios de colaboração, descoberta guiada, a delinear a grade de supervisão na Tabela 13.1.
estrutura e investigação empírica para assegurar Discussões ao longo desse workshop com duração
a participação ativa de estudantes em programas de uma semana esclareceram muitas das idéias con­
de aprendizado. Supervisores reforçam os pontos tidas na seção de supervisão deste capítulo. Como
fortes dos terapeutas, escolhem métodos de su­ cocriadora de todos os programas de treinamento
pervisão que ajudam a desenvolver a competência que já ofereci desde 1983, as visões criativas de
do terapeuta e enfatizam habilidades de concei- Kathleen Mooney estão contidas através de todo
tuação para promover ainda mais o aprendizado este capítulo.

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48-51. Young, J., & Beck, A. T. (1980). Cogntive therapy scale:
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Vallis, T. M., Shaw, B. F., & Dobson, K. S. (1986). The
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Journal of Consulting and Clinical Psychology, 54,
381-385. Young, J., Shaw, B. F., Beck, A. T., & Budenz, D.
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Wright, J. H., & Davis, D. (1994). The therapeutic Unpublished manuscript, University of Pennsylvania,
relationship in cognitive-behavioral therapy: Patient Philadelphia.

275
Capítulo 14

A TERAPIA COGNITIVA NO TRATAMENTO E NA


PREVENÇÃO DA DEPRESSÃO

Steven D. Hollon
Robert J. DeRubeis
Mark D. Evans

as várias décadas decorridas desde que que a terapia cognitiva não é tão eficaz quanto

N foi inicialmente introduzida, a terapia


cognitiva para a depressão ganhou ampla
aceitação na comunidade clínica. Na maioria dos
casos, essa aceitação parece ser justificada. A tera­
se acreditava inicialmente.
Apesar de sua visibilidade, o estudo do NIMH
não é impecável (Jacobson & Hollon, 1996a,
1996b). Nesse capítulo, argumentamos que a
pia cognitiva, tipicamente, tem-se desempenhado terapia cognitiva é pelo menos tão eficaz quanto
pelo menos tão bem quanto as intervenções alter­ a farmacoterapia na redução de sintomas agudos
nativas, incluindo a farmacoterapia, em termos de em amostras de pacientes de ambulatório e mais
redução de sintomas agudos (Dobson, 1989), e há capaz de reduzir os riscos subsequentes. Focamos
indicações de que ela pode ter um efeito duradouro primariamente em um estudo controlado que
não encontrado com outras abordagens (Hollon, conduzimos com colegas na Universidade de
Shelton & Loosen, 1991). Minnesota e dois locais adicionais de pesquisa
Apesar disso, nem todos os estudos a têm clínica participantes, a fim de ilustrar esses pontos
apoiado. Em particular, no National Institute of e extrair os contrastes entre as descobertas desse
Mental Health Treatment of Depression Collabora­ e de outros estudos similares versus aquelas do
tive Research Program (NIMH TDCRP, Programa NIMH TDCRP.
Colaborativo de Pesquisa sobre o Tratamento de
Depressão do Instituto Nacional de Saúde Mental;
Elkin et al., 1989), a terapia cognitiva não foi
0 projeto de terapia cognitivo-
mais eficaz do que uma pílula inerte de placebo,
e um tanto menos eficaz do que a farmacoterapia farmacológica de Minnesota
sozinha, entre pacientes com depressões mais se­
veras. Além do mais, houve somente indicações Visão geral e introdução
mínimas de qualquer efeito preventivo (Shea No final dos anos 70, Rush e colegas pu­
et al., 1992). Uma vez que esse foi um estudo blicaram um estudo que sugeriu que a terapia
particularmente visível, essas descobertas foram cognitiva era superior à farmacoterapia com
amplamente interpretadas como sugestivas de imipramina no tratamento da depressão aguda
Fronteiras da Terapia Cognitiva

(Rush, Beck, Kovacs & Hollon, 1977). Naquele avaliação pós-tratamento (os pacientes alocados à
estudo, pacientes depressivos de ambulatório, terapia cognitiva deveríam ter terminado a terapia
tratados com até 20 sessões de terapia cognitiva neste ponto), essa estratégia provavelmente levou
durante um período de 12 semanas mostraram a uma confusão entre a resposta aguda e a recaída
uma maior redução dos sintomas e uma menor subsequente. Conforme mostrado na Figura 14.1,
probabilidade de abandonar o tratamento do que as diferenças favorecendo a terapia cognitiva foram
pacientes comparáveis tratados com farmacote- mais pronunciadas na 10a semana (imediatamente
rapia usando imipramina. Além do mais, houve antes do início da retirada da medicação) do que
indicações (nem todas significativas) de um efeito no pós-tratamento (12a semana).
preventivo em seguida ao término do tratamento, O projeto de Minnesota foi concebido como
durante um acompanhamento subsequente de 1 um esforço para replicar e ampliar as descobertas
ano (Kovacs, Rush, Beck & Hollon, 1981). do estudo de Rush e colegas (Rush et al, 1977),
Apesar desse estudo ter gerado considerável com uma ênfase particular na correção ou modifi­
entusiasmo pela terapia cognitiva, ele foi falho cm cação dos aspectos problemáticos daquele estudo
vários aspectos. O fato de ter sido conduzido no anterior. Primeiramente, o estudo foi conduzido
local no qual a terapia cognitiva foi desenvolvida em dois locais (o Centro Médico St. Paul-Ramsey
pode ter criado uma forma sutil de viés favore­ e a Clínica de Saúde Mental do Condado de
cendo a condição psicossocial. Além disso, nem os Ramsey), que não tinham afiliação anterior com
pacientes nem os avaliadores clínicos eram cegos a terapia cognitiva, mas que tinham uma história
à condição do tratamento. Finalmente, e mais de participação em pesquisa farmacológica pa­
criticamente, os níveis de dosagem da droga eram trocinada nacionalmente (Prien et al, 1984). Em
marginais pelos padrões correntes, e a retirada da segundo lugar, todas as avaliações e reavaliações
medicação começou 2 semanas antes do fim do foram conduzidas por clínicos independentes,
tratamento ativo. Embora isso tenha sido feito para não envolvidos no tratamento dos pacientes que
garantir que os pacientes tratados farmacologica- eles estavam entrevistando. Além disso, todas as
mente estivessem livres da droga no momento da entrevistas foram gravadas em vídeo e qualquer

Figura 14.1 - Resultados do tratamento em Rush et al, (1977); pontuação semanal por grupo.

278
A terapia cognitiva no tratamento e na prevenção da depressão

quebra inadvertida do caráter cego do método do consistem tipicamente de pacotes complexos de


estudo era retirada na edição. Essas fitas editadas componentes; com suficiente atenção para questões
foram, então, avaliadas por um grupo adicional de medida, esses componentes podem ser descritos
de avaliadores e seus julgamentos foram compa­ e diferenciados uns dos outros. Nosso grupo está
rados àqueles dos entrevistadores originais, para envolvido há longo tempo no desenvolvimento de
garantir que as quebras ocasionais do caráter cego métodos para avaliar os componentes da terapia
do método não levassem a um viés nas avaliações e desenvolveu sistemas para diferenciar a terapia
de mudança diferencial do sintoma. Finalmente, cognitiva de intervenções alternativas, com base
os farmacoterapeutas foram encorajados a ser em avaliações da sessão real de tratamento (De-
agressivos em suas estratégias de dosagem (alguns Rubeis, Hollon, Evans & Bemis, 1982; Hollon,
pacientes tomaram dosagens de até 450 mg/dia de Evans, Elkin & Lowery, 1984). Ao aplicarmos
imipramina), os níveis de medicação no plasma essas e outras medidas dos componentes do tra­
foram monitorados para assegurar o cumprimento tamento a amostras de terapia, esperávamos tanto
do protocolo e verificar a absorção, e os níveis de descrever quanto diferenciar a terapia cognitiva da
dosagem total continuaram até o final do período farmacoterapia para a depressão.
de tratamento agudo (12 semanas). Se um tratamento é eficaz, alguns de seus com­
Também estávamos interessados em testar as ponentes devem ser causais e ativos na produção
teorias sobre como a terapia funcionava. A pes­ daquele resultado. Esses componentes causais e
quisa de resultados é particularmente significativa ativos poderíam ser específicos às respectivas
quando abordada de uma maneira que permite que abordagens (por exemplo, a terapia cognitiva
as inferências sejam testadas com relação a quais poderia produzir mudança através de ensinar
aspectos do tratamento são realmente eficazes e os pacientes a reconhecer e testar suas crenças
que mecanismos são mobilizados no paciente para disfuncionais, ao passo que a farmacoterapia
produzir aquele efeito. Como retratado na Figura poderia produzir mudança provocando alterações
14.2, as respectivas condições do tratamento (que na sinapse), ou eles poderíam ser não específicos
em conjunto constituem a variável independente) e compartilhados por cada abordagem (isto é, os

Figura 14.2 - Modelo do processo de resultado do tratamento. Adaptado por Hollon et al. (1990, p. 118).
Direitos autorais de 1990 de Plenum Publishing Corp. Adaptado com permissão.

279
Fronteiras da Terapia Cognitiva

pacientes poderíam melhorar porque eles confiam servem como diáteses preexistentes, que levam à
no terapeuta e adquirem um renovado senso de produção de pensamentos automáticos negativos
otimismo relativo à mudança). Planejamos avaliar específicos e expectativas negativas (por exemplo,
tanto os componentes específicos quanto os não “Eu sou um perdedor”, “Nada do que eu faço dá
específicos do tratamento e relacionar cada um certo”) que deprimem o humor e minam a motiva­
deles ao resultado final, em um esforço para de­ ção para o enfrentamento ativo sob condições de
terminar se a terapia cognitiva funcionava através estresse. Conforme demonstrado na Figura 14.3,
dos processos especificados pela teoria (Beck, raciocinamos que a desconfirmação das expecta­
Rush, Shaw & Emery, 1979). tivas negativas mais centrais deveria representar
Os mecanismos representam aqueles aspectos um papel central na melhora do sofrimento agudo,
do paciente que precisam ser mudados pelo tra­ ao passo que mudanças nas predisposições mais
tamento para produzir alteração nos resultados periféricas deveríam ser mais importantes para a
de interesse. A teoria cognitiva sugere que as redução do risco subsequente (Hollon & Garber,
pessoas se tomam depressivas, em parte, porque 1980). Esse modelo previu e é consistente com
elas possuem esquemas cognitivos negativos que a mais recente teoria de desesperança para a de­
são ativados sob condições de estresse (Beck, pressão (Ambramson, Metalsky & Alloy, 1989).
1963, 1976). Esses esquemas consistem tanto de A atenção aos processos da terapia (tanto com
pressuposições subjacentes (conteúdo) quanto relação aos componentes do tratamento quanto aos
de tendências disfuncionais no processamento mecanismos de mudança internos ao paciente) não
da informação (processo). Essas predisposições somente enriquece o que pode ser aprendido do

Figura 14.3 -Cogniçãoe mudança na terapia cognitiva. Adaptado de Hollon etal. (1990, p. 123). Direitos
autorais 1990 de Plenum Publishing Corp. Adaptado com permissão.

280
A terapia cognitiva no tratamento e na prevenção da depressão

estudo de resultado típico, mas também fornece continuaram com a medicação durante o primeiro
o mais poderoso contexto para testar as teorias ano do follow-up de 2 anos, uma vez que tinha
de mudança. É sempre difícil testar teorias de sido mostrado que a continuidade da medicação
intervenção, mas o processo de inferência pode é superior à retirada da medicação na supressão
ser tomado menos ambíguo se a mudança puder de recaída subsequente (Prien & Kupfer, 1986).
ser atribuída ao tratamento. Conforme veremos, A condição de tratamento combinado foi incluída
nosso projeto não foi adequado para testar teorias para determinar se combinar duas intervenções
de intervenção no que diz respeito à redução do presumivelmente ativas melhorava a eficácia sobre
sofrimento agudo (isso é algo que esperamos tratar cada uma isoladamente; tal estratégia já estava
em um estudo futuro), mas ele permitiu realizar começando a ganhar uma ampla aceitação clínica,
testes de teorias de mediação da prevenção de a despeito da falta de dados de apoio.
recaída.
No momento em que o projeto foi desenhado,
não pensamos que precisaríamos incluir uma pílula
inerte de placebo. Essa foi uma decisão que mais
Projeto do estudo tarde viemos a lamentar. Ponderamos que, uma vez
que a terapia cognitiva tinha provado ser superior
O nosso objetivo global no projeto de Minnesota
à farmacoterapia no estudo anterior de Rush e
foi conduzir um estudo metodologicamente rigo­
colaboradores (Rush et al.9 1977), poderiamos
roso de uma forma clinicamente representativa. Os
antecipar as diferenças entre as duas modalidades
pacientes foram escolhidos entre aquelas pessoas
individuais que facilitariam a interpretação de
que solicitaram tratamento para depressão em uma
quaisquer descobertas com relação ao tratamento
entre duas unidades de tratamento de pacientes
combinado. Ainda não estávamos cientes de que
ambulatoriais em St. Paul, Minnesota. Prováveis
uma importante porção das diferenças observa­
pacientes eram encaminhados ao projeto por
das em Rush et al. (1977), favorecendo a terapia
coordenadores responsáveis pelo encaminhamento
cognitiva, era atribuível à retirada prematura da
nas respectivas agências. Todos os pacientes eram
medicação na condição farmacoterápica. Em todos
filtrados por um avaliador clínico (tipicamente um
os aspectos, incluir uma condição de pílula de
psiquiatra selecionado de uma das unidades partici­
placebo em nosso projeto inicial teria fortalecido
pantes). Os pacientes entre 18 e 65 anos, inclusive,
o estudo e as inferências que poderiamos ter
que atingiam o critério de depressão maior e não
extraído dele.
sofriam de esquizofrenia ou transtorno bipolar, e
não faziam, no momento, abuso de substância, eram Os pacientes que atingiram todos os critérios
randomicamente encaminhados a uma entre quatro de inclusão e exclusão foram aleatoriamente
condições: (1) terapia cognitiva, (2) farmacoterapia encaminhados para tratamento. Os pacientes enca­
com imipramina (sem continuação), (3) farmaco­ minhados à terapia cognitiva foram vistos por um
terapia com imipramina (com continuação), ou (4) máximo dc 20 sessões de 50 minutos durante um
combinação de terapia cognitiva e farmacoterapia. período de 12 semanas; os pacientes encaminha­
Com as exceções mencionadas, as duas primeiras dos à farmacoterapia foram vistos semanalmente
condições replicaram, essencialmente, as condições por cerca de 30 minutos, durante o mesmo inter­
do estudo de Rush e colaboradores (Rush et ai, valo de 12 semanas. Os pacientes encaminhados
1977). A condição de continuação da medicação ao tratamento combinado trabalharam com um
foi incluída para fornecer um padrão contra o qual terapeuta cognitivo e um farmacoterapeuta dis­
se pudesse comparar a terapia cognitiva anterior tintos. Isso introduziu uma perturbação relativa à
durante o pós-tratamento e o follow-up. As pessoas quantidade de contato profissional fornecido, mas
que responderam ao tratamento naquela condição foi considerado representativo do modo como a

281
Fronteiras da Terapia Cognitiva

maioria das pessoas recebe tratamento combinado a terapia cognitiva isolada versus o componente
em settings clínicos reais. cognitivo do tratamento combinado.
A terapia foi realizada por equipes profissionais Os farmacoterapcutas eram quatro psiquiatras
nas duas unidades participantes. Os terapeutas do sexo masculino devidamente credenciados. Uma
cognitivos eram quatro psicoterapeutas experientes vez que todos tinham experiência prévia em estudos
(8-20 anos de experiência); um era um psicólogo controlados de drogas, não foi fornecido qualquer
com doutorado, e os dois outros homens e uma treinamento formal antes do início do projeto. Os
mulher eram assistentes sociais clínicos creden­ farmacoterapeutas reuniam-se periodicamente, sob
ciados. Nenhum deles tinha extensa experiência a supervisão do diretor médico do projeto. A me­
anterior com terapia cognitiva; o treinamento foi dicação usada foi cloreto de imipramina, fornecida
fornecido pelos autores durante um período de em dosagens diárias flexíveis, tipicamente tomadas
14 meses. O treinamento incluiu apresentações ao deitar. O protocolo exigia doses médias diárias
didáticas, dramatizações, e intensa supervisão entre 200 e 300 mg/dia, com monitoramento dos
de casos de treinamento. Sessões contínuas de níveis de imipramina/desipramina no plasma. Os
supervisão em grupo de 90 minutos foram for­ níveis de dosagem eram aumentados para quaisquer
necidas durante o estudo, duas vezes por semana pacientes com um nível de imipramina/desipramina
durante os dois terços iniciais do projeto e uma no plasma abaixo de 180 ng/ml; vários pacientes
vez por semana daí em diante. Nosso sentimento tiveram suas dosagens aumentadas acima de 300
é de que a supervisão contínua é necessária em mg/dia (até o máximo de 450 mg/dia). As dosa­
um projeto desse tipo; terapeutas experientes têm gens máximas diárias foram em média 232 mg/
particularmente uma probabilidade de reverterem dia, sem diferenças entre os pacientes tratados
para as suas abordagens anteriores ao lidarem somente com medicação versus aqueles tratados
com pacientes difíceis. No estudo do NIMH, foi na condição combinada. Os níveis de imipramina/
fornecido um mínimo de supervisão contínua, e as desipramina tiveram média acima de 300 ng/ml,
diferenças em eficácia foram evidentes em todos tanto na 6a quanto na 12a semanas, para os pa­
os locais (Elkin et al., 1989). cientes nas condições de medicação; os pacientes
No estudo de Minnesota, sessões de terapia alocados à terapia cognitiva isolada tinham níveis
selecionadas foram avaliadas por supervisores de de plasma zero; esses valores sugerem que os níveis
treinamento, tanto através da Cognitive Therapy de dosagem foram razoáveis e apropriados e que
Scale (CTS, Escala de Terapia Cognitiva; Young a farmacoterapia foi conduzida adequadamente.
& Beck, 1980) como da Minnesota Therapy Três pacientes do tratamento combinado des-
Rating Scale (MTRS, Escala de Avaliação de continuaram a medicação devido a efeitos co­
Terapia de Minnesota; DeRubeis et al., 1982). laterais; eles foram considerados sujeitos que
Essas avaliações foram usadas para fornecer completaram o estudo, desde que eles completa­
feedback para os terapeutas de forma contínua. ram a terapia cognitiva. Um quarto paciente foi
Avaliações subsequentes foram feitas por juizes fortemente irregular no atendimento às sessões de
independentes, cegos às condições do tratamento terapia cognitiva, mas foi considerado um caso
e ao terapeuta, usando a Collaborative Study completo porque ele completou a farmacoterapia.
Psychotherapy Rating Scale (CSPRS, Escala de Embora a manutenção desses sujeitos, que comple­
Avaliação de Psicoterapia do Estudo Colaborativo; taram o estudo parcialmente, seja um tanto quanto
Hollon et al., 1984) e foram utilizadas para forne­ controverso, nossa percepção é de que uma das
cer avaliações de adesão ao tratamento. Todos os vantagens do tratamento combinado é que ele au­
conjuntos de avaliações mostraram que a terapia menta a probabilidade de que cada paciente venha
cognitiva podia ser claramente diferenciada da a receber um curso completo de atendimento de
farmacoterapia, e que não havia diferenças entre pelo menos um tipo de tratamento.

282
A terapia cognitiva no tratamento e na prevenção da depressão

As duas condições de medicação isolada foram Dos 107 pacientes inicialmente encaminhados
idênticas durante as 12 primeiras semanas de trata­ para tratamento, 43 (40%) não completaram 12
mento. Uma retirada de medicação em 2 semanas semanas de tratamento ativo. Embora não hou­
foi iniciada imediatamente após a reavaliação de vesse diferenças nas taxas globais de atrito, os
pós-tratamento, para todos os que responderam pacientes tinham maior probabilidade de recusar
ao tratamento nas condições de medicação sem a terapia cognitiva isolada (porque eles queriam
continuação e terapia combinada. Os pacientes medicamentos) e maior probabilidade de abandonar
na condição de continuação da medicação conti­ a farmacoterapia (por causa dos problemas com
nuaram a tomar as medicações do estudo durante efeitos colaterais). Nove pacientes foram retirados
o primeiro ano do follow-up de 2 anos; não foi do tratamento pelo diretor médico do projeto devido
permitido que os níveis de dosagem caíssem abaixo a complicações, todos, com exceção de um, que
da metade da dosagem máxima durante a fase de estavam alocados às condições experimentais de
tratamento agudo. As medicações foram retiradas medicação. Incluídos entre os pacientes “retirados”,
ao final de 1 ano de medicação continuada, em estavam dois que morreram cm consequência de
consonância com a mesma programação usada para tentativas de suicídio envolvendo a medicação
as outras condições de medicação. Os pacientes do estudo. No total, esses padrões sugerem que
que receberam terapia cognitiva (isolada ou em não houve um viés particular em favor da terapia
combinação) descontinuaram o tratamento antes cognitiva por parte dos pacientes e que as medi­
da reavaliação de pós-tratamento após 12 semanas. cações tinham maior probabilidade de trazer à
tona reações problemáticas, que impossibilitaram
Características da amostra e resposta ao a continuação ou que ameaçaram a segurança dos
tratamento agudo pacientes.
Uma descrição completa da amostra e da res­ Afigura 14.4. descreve a mudança ao longo do
posta ao tratamento agudo é fornecida em outro tempo nos níveis de depressão entre os sujeitos
trabalho (Hollon, DeRubeis, Evans et al., 1992). que completaram o tratamento na avaliação com
Em resumo, a amostra final consistia de 107 pa­ a Hamilton Rating Scale for Depression (HRSD,
cientes e era predominantemente feminina (80%), Escala de Avaliação de Depressão de Hamilton;
branca (91 %), e de meia-idade. 26% eram solteiros, Hamilton, 1960), aplicada por clínicos. Todas
32% eram casados ou viviam com parceiros, e as condições de tratamento mostraram reduções
42% eram separados, divorciados, ou viúvos. 62% massivas e clinicamente significativas nos sintomas
da amostra tinham um emprego fora de casa. A agudos durante o tratamento, com a maior parte
amostra como um todo era caracterizada por um da mudança ocorrendo durante as primeiras 6
nível moderado de educação e foi extraída pre­ semanas (os escores para os dois grupos tratados
dominantemente das camadas socioeconômicas de somente com drogas estão agrupados, uma vez
classe média e classe média baixa. 64% da amostra que foram tratados identicamente durante a fase
atingiu os critérios para depressão recorrente, e aguda do tratamento). Houve alguma indicação de
24% para “depressão dupla”. 64% da amostra resposta superior entre os pacientes alocados para
atendeu aos critérios diagnósticos de pesquisa o tratamento combinado, mas essas diferenças não
(RDC) para a endogenicidade; 33% tinha história foram significativas e eram ao menos parcialmente
de hospitalização prévia e 39% tinha cometido atribuíveis a uma tendência dos não respondentes
pelo menos uma tentativa de suicídio. No total, a a mais provavelmente desistirem daquela condição
amostra podería ser caracterizada como moderada (Hollon, DeRubeis, Evans et al, 1992). Os padrões
para severamente depressiva e representativa dos de resposta no HRSD foram essencialmente repli­
tipos de pacientes depressivos encontrados em cados em várias outras medidas de depressão, de
settings clínicos de pacientes ambulatoriais. autorrelato ou avaliadas por clínicos. Conforme

283
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Figura 14.4 - Alteração na depressão por condição entre os finalizadores do tratamento (HRSD). De Hollon,
DeRubeis, Evans et al (1992, p. 778). Direitos Autorais da American Medical Association. Reimpresso
com permissão.

demonstrado, a amostra como um todo era ao ser visto, não houve evidência de que pacientes
menos moderadamente depressiva no início, com de alta severidade tiveram melhor resultado com
o paciente típico progredindo para o extremo final a farmacoterapia do que obtiveram na terapia
do intervalo normal ao final do tratamento. Cerca cognitiva. Também conduzimos análises adicio­
de metade dos pacientes que concluíram o trata­ nais, baseadas em definições de severidade ainda
mento em qualquer das duas modalidades simples mais restritivas (nossa amostra era um tanto mais
evidenciaram uma resposta completa, contra cerca severamente depressiva do que aquela estudada
dc três quartos dos que completaram o estudo na na pesquisa do NIMH) c outras medidas dc
condição combinada. depressão e ajustamento geral; nenhuma delas
No total, essas descobertas sugerem que as forneceu qualquer indicação de resposta superior
duas modalidades simples foram comparavel- à farmacoterapia entre pacientes de alta severidade
mente eficazes para o paciente depressivo típico (ver Hollon, DeRubeis, Evans, et al., 1992, para
de ambulatório. Mas poder-se-ia perguntar se a um relatório mais extenso). Assim, não houve
farmacoterapia foi superior à terapia cognitiva indicação em nosso estudo de Minnesota de que a
entre os pacientes mais severamente deprimidos, terapia cognitiva seja, em qualquer aspecto, menos
conforme foi sugerido pelo estudo do NIMH eficaz do que a farmacoterapia entre pacientes de
(Elkin et al., 1989). A Figura 14.5 mostra que ambulatório mais severamente depressivos.
este não foi o caso. Os pacientes eram definidos No geral, suspeitamos que a fraca demonstra­
como sendo de alta severidade se pontuavam 20 ção da terapia cognitiva entre os pacientes mais
ou mais no HRSD quando admitidos, o mesmo severamente depressivos no estudo do NIMH foi
critério aplicado no estudo do NIMH. Como pode uma anomalia que não vai se replicar (Jacobson &

284
A terapia cognitiva no tratamento e na prevenção da depressão

Figura 14.5 - Pós-tratamento da depressão por condição entre os finalizadores do tratamento com alta
severidade (Hamilton Rating Scale For Depression [HRSD]). De Hollon, DeRubeis, Evans et al. (1992,
p. 779). Direitos autorais da American Medical Association. Reimpresso com permissão.

Hollon, 1996a). Nenhum dos outros estudos com­ durante o estudo em si na pesquisa do NIMH.
parando a terapia cognitiva com a farmacoterapia Dada a natureza dos respectivos locais (Oklahoma
em amostras clínicas jamais reportaram resposta tinha uma extensa história com a terapia cogni­
diferencial como uma função da severidade (Black­ tiva anterior à participação no estudo do NIMH,
burn, Bishop, Glen, Whalley & Christie, 1981; enquanto os outros dois locais não tinham), nos
Murphy, Simons, Wetzel & Lustman, 1984; Rush preocupamos que a terapia cognitiva não tenha
et al., 1977). Além disso, as descobertas no estudo sido adequadamente operacionalizada em todos
do NIMH não eram sequer robustas entre os locais. os três locais e que isso tenha sido mais prejudi­
No estudo do NIMH, as diferenças favorecendo cial aos pacientes mais severamente depressivos
a farmacoterapia sobre a terapia cognitiva entre (Jacobson & Hollon, 1996b). O fato de que as
os pacientes mais severamente depressivos foram diferenças entre droga e placebo foram robustas
evidentes somente em um dos três locais; em um nos dois locais com número suficiente de pacientes
segundo local, a terapia cognitiva desempenhou- severamente depressivos, torna improvável que
-se pelo menos tão bem quanto a farmacoterapia tenha havido diferenças importantes na natureza
com tais pacientes e havia muito poucos pacientes das populações de pacientes. Embora o estudo
severamente depressivos no terceiro local para do NIMH seja o maior e, em vários aspectos, o
sustentar análises separadas (Elkin et al., 1989). mais bem controlado dos estudos comparativos
Um padrão similar de diferenças entre os locais existentes, é importante reconhecer que o desem­
foi evidente para a psicoterapia interpessoal. penho relativamente inferior da terapia cognitiva
Conforme descrito anteriormente, foi fornecida entre os pacientes mais severamente depressivos
somente uma supervisão mínima, em base contínua, foi restrito a um único local e pode ter refletido

285
Fronteiras da Terapia Cognitiva

uma inadequada operacionalização da abordagem de Beck (BDI; Beck, Ward, Mendelson, Mock &
(Jacobson & Hollon, 1996b). Esperamos ansiosa­ Erbaugh, 1961), eram considerados como tendo
mente a publicação dos resultados completos do recaído; todos os que puderam ser reentrevistados
estudo do NIMH, particularmente com respeito à também mostraram elevações de 12 ou mais no
relação entre local de condução do estudo e resul­ HRSD (Evans et al., 1992).
tados e à apresentação dos escores nas avaliações Conforme mostrado na Figura 14.6, os pacientes
de competência por local e terapeuta, tanto para tratados até a remissão com a terapia cognitiva
a fase de treinamento como para o estudo em si. (isolada ou em combinação) tinham menor proba­
bilidade de recaída após o término do tratamento
Prevenção de recaída do que os pacientes retirados das medicações. Os
Todos os pacientes no projeto de Minnesota pacientes que continuaram com as medicações do
foram acompanhados durante um follow-up sub­ estudo também foram protegidos contra a recaída.
sequente de 2 anos pós-tratamento. Com exceção A terapia cognitiva anterior foi, pelo menos, tão
dos pacientes alocados à condição de continuação eficaz quanto a continuação da medicação na
da medicação, os pacientes em todas as outras prevenção de recaída subsequente; as diferenças
condições que mostraram pelo menos uma res­ entre a continuação da medicação versus a retirada
posta parcial foram retirados do tratamento no da medicação mantinham um paralelo próximo
início daquele período (depois de 12 semanas de àquelas relatadas na literatura sobre a continuação
tratamento ativo). Os pacientes na condição de (Prien & Kupfer, 1986). É improvável que a alta
continuação da medicação foram mantidos com as taxa de recaída apresentada pelos pacientes sem
medicações do estudo no primeiro ano do follow-up continuação de medicação fosse simplesmente um
de 2 anos, e então retirados das medicações. Para artefato da retirada da medicação, uma vez que
os pacientes que não apresentaram resposta ao tra­ ela foi retirada exatamente no mesmo momento
tamento inicial, foi fornecido qualquer tratamento de acordo com exatamente a mesma programa­
que fosse clinicamente indicado; tipicamente, a ção dos pacientes em tratamento combinado,
terapia cognitiva foi adicionada para os que não como também dos pacientes com continuação da
responderam à farmacoterapia isolada, e as drogas medicação no final do primeiro ano de acompa­
foram adicionadas para os que não responderam nhamento. Em nenhuma dessas duas circunstâncias
à terapia cognitiva isolada. As medicações foram os pacientes que foram retirados das medicações
trocadas para pacientes no tratamento combinado. evidenciaram um “recuo”. Devido ao fato de que
A todos os que responderam ao tratamento o retomo prematuro ao tratamento pode confundir
foi solicitado que evitassem procurar tratamento os resultados dos acompanhamentos naturalistas,
adicional durante o follow-up, na ausência de uma também consideramos o efeito de incorporar o
recaída clínica. Foi solicitado que os pacientes tratamento adicional na definição de recaída, o que
retomassem à clínica a cada 6 meses durante o somente aumentou as diferenças a favor da terapia
follow-up para uma entrevista clínica. Além disso, cognitiva anterior sobre a retirada da medicação
todos os pacientes eram contatados mensalmente (ver Evans et al., 1992, para um relatório mais
por telefone e era-lhes solicitado que preenchessem completo). Essas descobertas sugerem fortemente
uma medida de autorrelato da depressão; qualquer que a terapia cognitiva reduz o risco de recaída
paciente que mostrasse um aumento nos sintomas após o término do tratamento e que ela é pelo
da depressão ou que relatasse considerar um retomo menos tão eficaz nesse aspecto quanto manter o
ao tratamento era trazido de volta à clínica dentro de paciente sob medicação.
7 dias para uma entrevista adicional. Os pacientes Além disso, essas descobertas são consistentes
que evidenciavam escores de 16 ou mais por duas com aquelas de outros estudos naturalistas refe­
semanas consecutivas no Inventário de Depressão rentes ao desenvolvimento subsequente ao término

286
A terapia cognitiva no tratamento e na prevenção da depressão

Meses em Acompanhamento

Figura 14.6 - Recaída após tratamento com sucesso. De Evans et al. (1992, p. 805). Direitos Autorais de
1992 da American Medical Association. Reimpresso com permissão.

do tratamento, em comparações similares entre de interesse examinar as taxas de recaída como


a terapia cognitiva e a farmacoterapia (Black­ uma função do local do tratamento; se a terapia
burn, Eunson & Bishop, 1986; Kovacs et al., cognitiva foi inadequadamente implementada em
1981; Simons, Murphy, Levine & Wetzel, 1986). Pittsburgh (e possivelmente em Washington), en­
Apesar das diferenças nas definições de resposta tão seria esperada uma vantagem para a terapia
e recaída, os pacientes tratados até a remissão cognitiva em Oklahoma, aproximando-se ao que
com a terapia cognitiva têm mantido tipicamente foi encontrado em outros estudos.
cerca da metade da probabilidade de recaída após No total, os achados dos estudos de acompanha­
o término do tratamento do que os pacientes mento naturalistas sugerem que a terapia cognitiva
tratados farmacologicamente até a remissão. A tem um efeito duradouro que sobrevive ao término
única exceção foi novamente o estudo do NIMH; do tratamento. Embora nenhum farmacoterapeuta
embora os pacientes tratados até a remissão com competente atualmente retiraria as medicações tão
terapia cognitiva tivessem menor probabilidade de rapidamente após uma resposta inicial, as compa­
recaída do que os pacientes tratados até a remissão rações da terapia cognitiva com as condições de
farmacologicamente, as magnitudes da diferença medicação sem continuação demonstraram que
não foram tão grandes como em outros estudos, a terapia cognitiva anterior tem a capacidade de
e as diferenças não foram tão significantes (Shea reduzir o risco subsequente. Além do mais, essa
et al., 1992). Com relação à resposta aguda, seria capacidade preventiva parece ser pelo menos

287
Fronteiras da Terapia Cognitiva

tão eficaz quanto a continuação das medicações, decompostos em fatores teoricamente específicos
semelhante ao padrão atual de tratamento. Uma e fatores gerais não específicos, corresponderam
vez que nem todos os pacientes podem ou devem àqueles do MTRS e mais adiante indicaram que
permanecer sob medicação indefinidamente, desco­ o nível geral da terapia cognitiva oferecida foi
brir um efeito profilático para a terapia cognitiva adequado. Assim, avaliações das sessões de te­
é potencialmente muito estimulante. Embora essas rapia indicaram que a terapia cognitiva poderia
descobertas não sejam conclusivas, elas sugerem ser diferenciada da farmacoterapia com base nos
uma vantagem potencial para a terapia cognitiva, comportamentos reais do terapeuta e que esses
que merece exploração em estudos subsequentes. comportamentos eram amplamente consistentes
com o que teria sido esperado em cada modalidade.
Ingredientes ativos da terapia cognitiva Em uma amostra separada, DeRubeis e Feeley
A teoria cognitiva sugere que a terapia cogni­ (1990) mostraram que níveis de comportamento
tiva funciona, ajudando os pacientes a aprender a teoricamente especificados no início da terapia
testar sistematicamente suas crenças e a modificar previram a alteração subsequente na depressão; a
suas tendências ao processamento disfuncional de qualidade do relacionamento interpessoal era mais
informações (Beck, 1964,1970; Beck et al9 1979). uma consequência do que uma causa de mudança
Se for esse o caso, então os comportamentos do na depressão. Em um estudo ainda não publicado,
terapeuta especificados pela teoria deveríam tanto eles essencialmente replicaram este padrão de
ser mais elevados na terapia cognitiva em relação descobertas em vídeos do projeto de Minnesota,
às outras abordagens, quanto mais altamente corre­ usando um segundo conjunto de avaliadores não
lacionados com a mudança subsequente do que os envolvidos no treinamento dos terapeutas do estudo
aspectos mais gerais e não específicos do processo e um sistema mais avançado de avaliação de vídeos
da terapia. Conforme observado anteriormente, desenvolvido para o estudo do NIMH (CSPRS;
subconjuntos aleatórios de sessões de terapia, tanto Hollon et al, 1984). Essas descobertas sugerem
da terapia cognitiva como da farmacoterapia, foram que são os aspectos teoricamente específicos da
avaliados por juizes independentes usando várias terapia cognitiva que carregam o peso da mudança
medidas do processo de tratamento. nessa abordagem.
A Figura 14.7 demonstra os escores para as
sessões tanto de terapia cognitiva quanto de far­ Mediação de resposta e a prevenção
macoterapia no MTRS (DeRubeis et al, 1982) e de recaída
no CTS (Young & Beck, 1980). O MTRS consiste A teoria cognitiva prevê ainda que a terapia
de quatro fatores, incluindo dimensões que repre­ cognitiva produz mudança na depressão, alterando
sentam comportamentos do terapeuta específicos a cognição (Bcck, 1963, 1976; Beck et al, 1979).
da terapia cognitiva, aspectos interpessoais não Entretanto, conforme discutido anteriormente, os
específicos do relacionamento terapêutico, diretivi- diferentes aspectos da cognição provavelmente
dade do terapeuta, e comportamentos do terapeuta representam diferentes papéis na cadeia causai
específicos da psicoterapia interpessoal. Como que leva à depressão, com as predisposições
pode ser visto, os terapeutas cognitivos engajaram- cognitivas mais periféricas e estáveis (também
-se em estratégias cognitivo-comportamentais mais conhecidas como cognições “de profundidade”)
específicas e forneceram relacionamentos interpes­ interagindo com eventos de vida negativos para
soais não específicos mais apoiadores do que os produzir mudanças mais centrais e transientes nas
farmacoterapeutas. Ambos os tipos de terapeutas expectativas e autopercepções (também conhecidas
foram diretivos e nenhum deles engajou-se em como cognições “superficiais”) que levam ao iní­
estratégias específicas da psicoterapia interpes­ cio da depressão (Abramson et al, 1989; Hollon
soal. Os escores no CTS, que também podem ser & Garber, 1980). Mais adiante, desenvolvemos a

288
A terapia cognitiva no tratamento e na prevenção da depressão

Figura 14.7 - Componentes da mudança na terapia cognitiva e farmacoterapia. CD C, Cognitivo-Com-


portamental; PTCF, Projeto Terapia Cognitiva-Farmacoterapia; CTS, Escala de Terapia Cognitiva; DIR,
diretividade do terapeuta; TPI, comportamentos do terapeuta específicos da psicoterapia interpessoal; IS,
aspectos interpessoais não específicos do relacionamento terapêutico; MTRS, Escala de Avaliação de Tera­
pia de Minnesota. Adaptado de Hollon et al. (1990, p. 119). Direitos autorais 1990 de Plenum Publishing
Corp. Adaptado com permissão.

hipótese que, uma vez que uma pessoa estivesse uma medida de reflexões negativas específicas.
depressiva, era o processo de desconfirmação Também incluímos duas medidas das cognições
das expectativas negativas e dos pensamentos “profundas”, a Dysfuncional Attitude Scale (DAS;
automáticos autorreferentes que era crítico para o Weissman & Beck, 1978), uma medida de atitudes
alívio do sofrimento (tratamento), ao passo que a subjacentes que se acredita estarem assentadas
modificação das atitudes disfuncionais subjacentes próximas ao centro do esquema depressotípico, e
e das tendências do processamento da informação o Questionário de Estilos de Atribuição (ASQ; Se-
mais periféricas deveríam ser mais centrais para a ligman, Abramson, Semmel & von Baeyer, 1979),
redução do risco subsequente (prevenção) (Hollon uma medida da tendência a estabelecer atribuições
& Garber, 1980). internas, globais e permanentes (por exemplo,
Incluímos então duas medidas de cognições culpar o self) para os eventos negativos da vida.
“superficiais”, a Escala de Desesperança (HS; Beck, Todos os pacientes completaram ambos os con­
Weissman, Lester & Trexler, 1974), uma medida juntos de medidas no início, no meio do tratamento
de expectativas gerais, e o Automatic Thoughts (6 semanas) e no pós-tratamento (12 semanas).
Questionnaire (ATQ; Hollon & Kendall, 1980), Previmos que as mudanças nas expectativas e nos

289
Fronteiras da Terapia Cognitiva

pensamentos automáticos estariam mais altamente O que se necessita é de um estudo que avalie
correlacionadas com a mudança subsequente na tanto as expectativas quanto a depressão, repetida­
depressão na terapia cognitiva do que na farma- mente ao longo do tempo, e que inclua um mínimo
coterapia, enquanto as mudanças nas atitudes de controle do tratamento, além da separação das
disfuncionais e no estilo de atribuição mediariam o condições da terapia cognitiva e da farmacoterapia.
efeito de prevenção de recaída da terapia cognitiva. Tal projeto permitiría a aplicação de estratégias
Conforme mostrado na Figura 14.8, essas previsões sofisticadas de modelagem causai sensíveis à ordem
foram ao menos parcialmente confirmadas em temporal dos efeitos (Baron & Kenny, 1986). Nossa
relação à resposta aguda; as mudanças nas expec­ decisão de não incluir um mínimo de controle
tativas (conforme medidas pela HS) foram mais do tratamento no estudo de Minnesota foi tanto
altamente correlacionadas com a mudança subse­ um problema para a averiguação da intervenção
quente na depressão na terapia cognitiva do que como também para a interpretação dos efeitos do
na farmacoterapia. Essa descoberta é consistente tratamento; porquanto ambas as condições de tra­
com aquela observada por Rush e colaboradores tamento foram comparativamente eficazes, houve
em sua pesquisa anterior (Rush, Kovacs, Beck, relativamente pequena variação no resultado a ser
Weissenburger & Hollon, 1981). O mesmo padrão previsto (e tal variação, conforme disponibilizada,
também se sustentou para as duas medidas de foi provavelmente mais proximamente relacionada
cognições “profundas” (a DAS e o ASQ), mas não a diferenças preexistentes na capacidade de resposta
para a medida de pensamentos automáticos (ATQ), do que a fatores relacionados ao tratamento).
que se comportou mais como uma consequência Todavia, nossas descobertas foram consisten­
dependente do estado da mudança na depressão tes com a noção de que a mudança na cognição
do que como um mecanismo. (especialmente as expectativas) media a mudança
Conforme mostrado na Figura 14.9, a farmaco­ em depressão na terapia cognitiva, mas não na
terapia produziu tanta mudança nas expectativas farmacoterapia. Entretanto, elas também sugerem
quanto a terapia cognitiva; foi somente no padrão que a mudança nas expectativas não é um mediador
de mudança temporal que as diferenças entre suficiente de mudança; ao contrário, uma vez que
a terapia cognitiva e a farmacoterapia foram o tipo de tratamento atenuava a relação entre a
evidentes. Como observamos em outra parte, a mudança nas expectativas e a subsequente mudança
não especificidade (em relação ao construto de na depressão, deve haver algum outro processo
interesse) não exclui a mediação (Hollon, De- (ou processos) que interaja com a mudança na
Rubeis & Evans, 1987). É bem possível que a cognição para produzir mudança na depressão na
terapia cognitiva funcione através da mudança terapia cognitiva. Em outro trabalho, especulamos
cognitiva para produzir alterações na depressão que este processo “perdido” pode ser a exposição a
e, no entanto, produza uma mudança maior no experiências corretivas de aprendizagem fornecidas
pensamento do que a farmacoterapia, já que as pela terapia cognitiva (DeRubeis et al., 1990).
mudanças na depressão, seja lá como produzidas, Sc nosso projeto não foi totalmente adequado
também têm influência na cognição. Uma vez que para testar as teorias de intervenção com relação
a farmacoterapia foi tão eficaz quanto a terapia à redução do sofrimento agudo (tratamento),
cognitiva na produção de mudanças na depressão, ele esteve mais próximo do ideal com relação à
e já que é sabido que os níveis de desesperança identificação dos mecanismos por trás do efeito
sobem e descem com os níveis da depressão, é preventivo da terapia cognitiva. Enquanto as
bem possível que as mudanças nas expectativas duas modalidades simples produziram reduções
tenham levado a mudanças na terapia cognitiva, comparáveis nos sintomas durante o tratamento
enquanto as mudanças na depressão tenham levado ativo, a terapia cognitiva esteve associada a uma
a mudanças nas expectativas na farmacoterapia. redução bem maior no risco subsequente, após o

290
A terapia cognitiva no tratamento e na prevenção da depressão

Figura 14.8 - Previsão da última mudança na depressão a partir da mudança cognitiva inicial para cada
grupo de tratamento. ASQ, Questionário de Estilos de Atribuição; ATQ, Automatic Thoughts Question­
naire', TC, Terapia Cognitiva; DAS, Dysfunctional Attitude Scale; HS, Escala de Desesperança; ATC,
antidepressivos tricíclicos.

Figura 14.9 - Mudanças na desesperança como uma função do tratamento diferencial.

291
Fronteiras da Terapia Cognitiva

término do tratamento, do que a farmacoterapia. esperado se os terapeutas lidassem primeiro com


Isso significou que a condição de medicação sem a desconfirmação dos pensamentos automáticos
continuação podería ser usada como um controle e expectativas específicas nos estágios iniciais da
para a terapia cognitiva anterior com o propósito terapia e se dedicassem às crenças mais genéricas
de modelar a intervenção. Também significou que e às tendências no processamento de informações,
qualquer mediador expresso teria que mostrar es­ somente à medida que o tratamento progredisse.
pecificidade de mudança, já que havia agora um De acordo com Baron e Kenny (1986), as
“efeito” do tratamento a ser explicado. Nenhuma seguintes condições precisam ser atendidas se a
das duas medidas das cognições “superficiais” (a mudança na cognição pode ser considerada como
HS ou o ATQ) atendeu a esse requisito. Conforme mediadora do efeito de prevenção de recaída na
mostrado na Figura 14.10, o ASQ o atendeu (como terapia cognitiva. Primeiro, a terapia cognitiva
a DAS, em menor extensão), pelo menos quando deve produzir uma maior redução no risco do que
as análises foram restritas a pacientes que respon­ a farmacoterapia. Conforme descrito anteriormente,
deram às respectivas intervenções. Também é de essa condição foi atingida (ver Evans et al., 1992).
interesse que a maior parte da mudança nos estilos Em segundo lugar, a terapia cognitiva deve produzir
de atribuição ocorreu durante a última porção da maior mudança na cognição do que o tratamento
terapia, bem depois da maior parte da mudança na alternativo; como foi observado, esse foi o caso
depressão. Esse não é de forma alguma o padrão para as mensurações das cognições “profundas”
observado para as mudanças na desesperança (o ASQ e, em menor extensão, a DAS), mas não
(ou pensamentos automáticos) representados na as mensurações da cognição “superficial” (De-
Figura 14.9, a qual mostrou um padrão similar Rubeis et ai, 1990). Terceiro, as mudanças na
àquele representado para a síndrome de depressão variável cognitiva devem covariar com a redução
(ver Figura 14.3), mas exatamente o que seria no risco, mesmo quando o “tratamento” é mantido

Figura 14.10 - Mudanças no estilo dc atribuição como uma função do tratamento diferencial.

292
A terapia cognitiva no tratamento e na prevenção da depressão

constante (em essência, a recaída deve ser reduzida do sofrimento agudo está mais proximamente li­
simultaneamente no mediador cognitivo expresso gada à desconfirmação das expectativas negativas
e no tipo de tratamento). Conforme relatado em que se posicionam “rio abaixo” na cadeia causai,
outro trabalho, essa condição também foi alcan­ enquanto a redução do risco subsequente está
çada, mas somente em relação ao ASQ e somente mais proximamente associada à modificação das
quando a condição do tratamento foi substituída predisposições subjacentes estáveis.
pela qualidade da execução da terapia cognitiva
(Hollon, Evans & DeRubeis, 1990). Essa última
descoberta é consistente com a noção de que a
Direções para pesquisas futuras
terapia cognitiva funciona focando em mudar as
cognições, uma vez que as medidas de compor­ Embora essas descobertas sejam intrigantes,
tamentos específicos do terapeuta mostraram ser elas claramente têm necessidade de replicação e
mais “poderosas” do que a simples categorização extensão. Por exemplo, apesar de acharmos que
com relação ao tipo de tratamento. Mudanças na os dados existentes são mais consistentes com a
DAS foram consistentes com a noção de mediação, noção de que a terapia cognitiva é pelo menos
mas não significativas. tão efetiva quanto a farmacoterapia na redução
Desse modo, apesar do pequeno tamanho das do sofrimento agudo, temos um problema no fato
amostras, houve indicações de que as mudanças de que a terapia cognitiva produziu resultados
nos estilos de atribuição (e em menor extensão, inexpressivos no estudo do NIMH, o mais am­
nas atitudes disfuncionais) mediaram o efeito bicioso e melhor estudo controlado na literatura.
preventivo de recaída da terapia cognitiva. Essas Apesar de acharmos que a terapia cognitiva foi
descobertas são apenas sugestivas e claramente inadequadamente implementada em alguns locais
requerem uma replicação, mas elas foram previstas naquele estudo, levando-nos a descontar a suges­
a priori (Hollon & Garber, 1980) e são consistentes tão de que ela podería ser menos eficaz do que a
com um corpo crescente de evidências de que os farmacoterapia para os pacientes mais severamente
diferentes aspectos da cognição representam papéis depressivos, a questão podería, em última análise,
diferentes no início e na cura da depressão (ver ser resolvida em bases empíricas. O que se precisa
Hollon, 1992). Por exemplo, dados não publicados é de um estudo que compare a terapia cognitiva
sugerem que a depressão secundária à síndrome adequadamente executada a uma farmacoterapia
de Cushing está associada a elevações clínicas nas clinicamente representativa no contexto de con­
cognições “superficiais” tais como as expectativas trole por uma pílula de placebo; a demonstração
negativas e os pensamentos automáticos, mas a de um efeito “verdadeiro” da droga tomaria mais
níveis relativamente normais de cognições “pro­ interpretável qualquer falta de diferenças entre a
fundas”, particularmente os estilos de atribuição. terapia cognitiva e a farmacoterapia.
Similarmente, um trabalho em desenvolvimento Esse é exatamente o desenho que pretendemos
de Alloy e Abramson sugere que os estilos de executar em um projeto colaborativo entre nossos
atribuição e as atitudes disfuncionais representam dois locais. Nesse estudo, terapeutas cognitivos
um papel pré-disposicional no início da depressão, da Universidade da Pensilvânia seriam trazidos
interagindo com eventos negativos da vida para do Centro de Terapia Cognitiva, assegurando uma
produzir incrementos na desesperança que, então, experiência real com essa abordagem, ao passo que
levam à depressão subsequente. Embora o caso terapeutas cognitivos da Universidade Vanderbilt
esteja longe de ser provado, os dados existentes seriam treinados de novo naquele local, nos per­
são consistentes com a noção de que a terapia mitindo avaliar a possibilidade de generalização
cognitiva funciona devido à produção de mudança do treinamento. Os farmacoterapeutas seriam
nas cognições. Além disso, parece que a redução trazidos das clínicas de farmacologia operadas

293
Fronteiras da Terapia Cognitiva

pelos Departamentos de Psiquiatria em cada local, serão novamente incluídas e relacionadas tanto
assegurando que sejam experientes e investidos com as medidas dos componentes específicos e não
naquela modalidade. Os pacientes seriam esco­ específicos do tratamento como com a subsequente
lhidos entre pessoas procurando tratamento nas alteração do sintoma. A inclusão de controles com
clínicas de farmacologia (ou os Departamentos de um tratamento mínimo de pílula placebo, tanto na
Psiquiatria maiores), aumentando a probabilidade fase do tratamento ativo como na fase de continua­
de que a amostra selecionada seja representativa ção, permitirá a aplicação de sofisticadas estratégias
de pacientes procurando tratamento para depres­ de modelagem causai para testar a mediação com
são. Planejamos prestar cuidadosa atenção ao relação tanto à resposta quanto à prevenção de
nível inicial de severidade. Embora não estejamos recaída. Além disso, planejamos avaliar não so­
esperando ver uma resposta diferencial para a mente as mudanças nas predisposições cognitivas
terapia cognitiva versus a farmacoterapia como existentes, mas também a aquisição de habilidades
uma função da severidade, esperamos que as de enfrentamento (Barber & DeRubeis, 1992) para
diferenças entre a droga versus o placebo sejam determinar se a terapia cognitiva funciona através
limitadas aos pacientes mais severamente depres­ da reversão de defeitos existentes (acomodação)
sivos, como foi encontrado no estudo do NIMH ou da melhora das habilidades de enfrentamento
(Elkin et al., 1989). (compensação) (ver Barber & DeRubeis, 1989).
Esse mesmo estudo também tentaria replicar e Por mais entusiasmados que estejamos pela
estender a descoberta de que a terapia cognitiva possibilidade de que a terapia cognitiva possa ter
evita a recaída após o término do tratamento. um efeito duradouro, reconhecemos que os acom­
Metade dos respondentes à farmacoterapia isolada panhamentos naturalistas nos quais essa alegação é
seriam retirados do tratamento e passados à pílula baseada são particularmente suscetíveis aos efeitos
de placebo ao final do tratamento ativo, ao passo desnorteadores da retenção diferencial. No estudo
que a outra metade continuaria com a medicação de resultado controlado típico, somente cerca de
do estudo. Estudos anteriores desse tipo, incluindo 70% de todos os pacientes inicialmente encaminha­
a nossa própria pesquisa de Minnesota, tipicamente dos realmente completam o tratamento, e somente
não têm retirado os pacientes da medicação ativa cerca de 70% dos que completam mostram uma
em um estilo duplo-cego; apesar de acharmos resposta suficiente para justificar o encerramento
que seja improvável, é possível que o efeito do tratamento. Isso significa que apenas cerca de
profilático aparente da terapia cognitiva seja um metade dos pacientes inicialmente selecionados
artefato das expectativas do paciente. Se a terapia randomicamente para tratamento podem realmente
cognitiva anterior puder reduzir a taxa de recaída fornecer dados relevantes para a questão se o
relativa àquela mostrada por pacientes retirados tratamento de sucesso reduz o risco subsequente.
do tratamento e passados à pílula de placebo em Com atrito tão massivo, é possível que diferenças
um estilo duplo-cego, será difícil desprezar seu preexistentes no risco possam ser mal interpretadas
efeito profilático. como um efeito de prevenção; isto é, se pacientes
Finalmente, nesse mesmo estudo, esperamos de alto risco têm maior probabilidade de sair da
replicar e estender as descobertas anteriores de (ou falhar em responder à) terapia cognitiva do que
que a terapia cognitiva funciona através de com­ à farmacoterapia, então o grupo de respondentes
ponentes teoricamente especificados para produzir finalizadores que entram no acompanhamento
mudanças nos mecanismos cognitivos que mediam provenientes da terapia cognitiva poderíam estar
os seus efeitos na depressão, tanto com relação à em um risco consideravelmente menor de recaída
redução do sofrimento agudo quanto à prevenção do que o grupo de respondentes finalizadores
de recaída subsequente. As medidas tanto das que entram no acompanhamento provenientes da
cognições “superficiais” como das “profundas” farmacoterapia.

294
A terapia cognitiva no tratamento e na prevenção da depressão

A possibilidade de que o tratamento agudo diferenças irrelevantes entre os tratamentos deveria


possa operar como um “crivo diferencial” para minimizar o risco de sistematicamente desigualar
sistematicamente minar a escolha randômica inicial as condições de tratamento. Isso significa que é
não requer um projeto de pesquisa fraco por parte preferível operacionalizar a terapia cognitiva na
dos investigadores; ele é simplesmente um fato da forma de um tratamento combinado sempre que
vida que é a consequência inevitável da natureza a questão de interesse envolva a redução de risco
da questão levantada (não encontramos qualquer subsequente, uma vez que os pacientes tratados
evidência de retenção diferencial em nosso estudo com tratamento combinado diferem dos pacientes
de Minnesota, mas não podemos ter certeza de que tratados com a farmacoterapia isolada somente
não desprezamos alguma confusão importante). com relação à presença da terapia cognitiva, não
Além do mais, não há muito que possa ser feito à ausência da farmacoterapia. Essa é a estratégia
sobre isso, além de minimizar o atrito e maximizar que planejamos seguir em um segundo estudo
a resposta. Lavori (1992) recomendou a inclusão projetado para determinar se o efeito preventivo da
de todos os pacientes inicialmente encaminhados terapia cognitiva se estende à prevenção da rccidiva
para tratamento nas análises subsequentes, mas após a recuperação do episódio expoente. Apesar
isso é simplesmente fugir da dificuldade, uma de estarmos bastante animados pelas indicações
vez que não está claro como tais pacientes podem de que a terapia cognitiva pode reduzir o risco
ser codificados para fins de análises (dificilmente de recaída, reconhecemos que há um crescente
parece apropriado assumir que um paciente que consenso de que a recaída, o retomo dos sinto­
deixa de completar ou responder ao tratamento mas associados ao episódio tratado, precisa ser
deveria ser contado como tendo recaído). distinguida da recidiva, o início de um episódio
Uma possível estratégia é virar a lógica de resul­ totalmente novo (Frank et al., 1991). A maioria
tado convencional de ponta-cabeça e fornecer a das ocasiões de retomo do sintoma diferencial,
todos os que abandonarem e não responderem evidente nos estudos de acompanhamento natu­
às suas respectivas modalidades específicas um ralistas que sugerem um efeito profilático para a
segundo tratamento comum. O estudo de resulta­ terapia cognitiva, ocorreu nos primeiros seis meses
do de tratamento típico usa a randomização para que se seguiram à remissão inicial, bem dentro
maximizar a probabilidade de que as confusões do período de risco para a recaída ao invés da
potenciais sejam comparavelmente distribuídas recidiva. Se a terapia cognitiva prevenisse somente
entre os grupos. Uma vez que a retenção diferen­ a recaída e não a recidiva, isso seria de pequena
cial, se ocorrer, deveria segregar diferencialmcnte importância clinicamente, uma vez que a prática
os pacientes de alto risco versus os pacientes farmacológica atual tem seguido na direção de
de baixo risco dentro dos que abandonarem/não medicar os pacientes por um período de até um
responderem versus os conjuntos de respondentes ano após a remissão inicial. Para determinar se o
que terminarem o estudo, fornecer um segundo efeito profilático da terapia cognitiva se estende à
tratamento comum a todos os pacientes que dei­ prevenção da recidiva, será necessário proteger os
xem de completar ou de responder ao seu primeiro pacientes trazidos à remissão farmacologicamente
tratamento deveria maximizar a chance de des­ com uma extensão do período de continuação
mascarar a geração de um viés sistemático. Essa da medicação, pelo menos até que eles tenham
é exatamente a estratégia que planejamos seguir passado o período de risco de recaída.
no estudo já descrito. Esse é exatamente o estudo que esperamos
Em segundo lugar, uma vez que o risco de realizar como o segundo de dois projetos co-
retenção diferencial é maior quando as condições laborativos sequenciais. Planejamos alocar os
do tratamento são muito dessemelhantes, qual­ pacientes de forma randômica para a farmacote­
quer coisa que possa ser feita para minimizar as rapia ou para o tratamento combinado e tratá-los

295
Fronteiras da Terapia Cognitiva

até o ponto de recuperação total (i. e., até que cognitivas que presumivelmente contribuem para
eles estejam livres dos sintomas por pelo menos o risco.
6 meses consecutivos). Nesse ponto, todos os pa­
cientes recuperados serão retirados do tratamento
e acompanhados durante um período subsequente Resumo e conclusões
de acompanhamento de 3 anos. Se a terapia cog­
nitiva for realmcnte profilática (como esperamos Embora longe de serem conclusivas, as desco­
que seja), ela deveria estar associada a uma taxa bertas existentes sugerem que a terapia cognitiva
menor de recidiva do que a observada nos pacien­ é tão eficaz quanto a farmacoterapia na redução
tes que foram previamente tratados somente com do sofrimento agudo, e que ela é mais capaz de
farmacoterapia. Como em nossos outros estudos, reduzir o risco subsequente, pelo menos quando é
executada de uma forma adequada. A maioria dos
planejamos monitorar cuidadosamente a quali­
estudos na literatura é consistente com essas inter­
dade da execução do tratamento e a mudança na
pretações. Somente o estudo do NIMH permanece
cognição, e relacionar cada uma com a resposta
como uma parte separada do corpo principal, e
inicial e a recidiva subsequente.
questões podem ser levantadas sobre a adequação
Finalmente, estamos atualmente envolvidos no emprego da terapia cognitiva naquele estudo.
em um teste de prevenção primária envolvendo a Essas mesmas questões destacam a importância
terapia cognitiva sob a direção dc Martin Seligman de se manter um controle de qualidade sobre a
na Universidade da Pensilvânia. Esse projeto en­ implementação do tratamento; quando a terapia
volve a identificação de estudantes universitários cognitiva é adequadamente implementada, ela
eutímicos com risco de depressão devido a estilos parece desempenhar-se bastante bem. Além disso,
de atribuição elevados, fornecendo à metade um há indicações de que a terapia cognitiva funciona
rápido workshop no qual eles são ensinados so­ através da mudança nas crenças e de tendências
bre as ferramentas básicas da terapia cognitiva, e no processamento de informação, e que diferentes
então acompanhando a amostra completa durante aspectos da cognição representam diferentes papéis
um intervalo subsequente de 3 anos (ver Hollon, no processo de mudança. Isso está de acordo com
DeRubeis & Seligman, 1992, para uma discussão o previsto pela teoria, aumentando assim nossa
mais ampla). Como nos outros estudos, planeja­ confiança em nossa compreensão dessa abordagem.
mos avaliar os mecanismos cognitivos expressos Está claro que a terapia cognitiva emergiu
durante o tratamento e testá-los quanto ao seu como uma abordagem de destaque para o trata­
status em relação à mediação. Prevemos que a mento da depressão. Além do mais, as evidências
terapia cognitiva irá evitar o início da depressão de sua eficácia têm crescido no contexto de um
nessa amostra de risco e que ela o fará através corpo de pesquisa que apoia a validade da teoria
da produção de mudança no estilo de atribuição. cognitiva mais ampla da depressão. O sucesso da
Embora seja ainda muito cedo para dizer se a te­ terapia e os insights sobre a natureza e as causas
rapia cognitiva está tendo os efeitos previstos com da depressão, fornecidos por ela, levantam-se como
relação ao início subsequente, as descobertas até um testamento a Aaron T. Beck, seu fundador e
agora sugerem que ela pode reduzir as inclinações principal teórico.

296
A terapia cognitiva no tratamento e na prevenção da depressão

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299
Capítulo 15

Transtorno do pânico: da teoria à terapia

David M. Clark

os anos 60 e início dos anos 70, avanços contribuído. Além disso, suspeita-se que parte de

N substanciais na eficácia dos tratamentos


psicológicos para uma série de transtornos
emocionais foram alcançados por terapeutas com-
portamentais, que tinham como foco a aplicação
sua influência também resulte do fato de que ele
não apenas gerou ideias originais sobre o papel da
cognição nos transtornos emocionais, mas em seu
trabalho sobre a depressão, ele também delineou
sistemática de princípios de condicionamento. uma abordagem geral à pesquisa em psicoterapia,
Entretanto, em meados dos anos 70, as limitações que parece particularmente bem adequada à iden­
de uma abordagem exclusivamente compor- tificação de procedimentos terapêuticos eficazes
tamental à terapia tornavam-se cada vez mais e a persuadir a comunidade acadêmica e clínica
evidentes. Clínicos e pesquisadores interessados a utilizá-los. Esse capítulo resume sucintamente
em aumentar ainda mais a eficácia de tratamen­ a abordagem e então esboça a forma como tem
tos de curto prazo começaram a explorar o valor sido utilizada para compreender e tratar uma outra
da incorporação de procedimentos e modelos condição: o transtorno do pânico.
cognitivos à terapia comportamental. Diversos
autores, incluindo Albert Bandura, Albert Ellis,
Richard Lazarus, Michael Mahoney e Donald
A abordagem beckiana à pesquisa em
Meichenbaum, fizeram importantes contribuições
para a “revolução cognitiva” resultante, mas o
psicoterapia
autor que provavelmente causou o maior impacto A abordagem que Beck e colaboradores (Beck,
sobre a teoria e o tratamento clínico foi Aaron T. Rush, Shaw & Emery, 1979) adotaram na depressão
Bcck. Por que? Essa pergunta raramente tem uma inclui cinco elementos principais:
resposta simples. Vários fatores provavelmente
foram envolvidos. Seu charme, seu entusiasmo
1. A especificação de um modelo clínico
inesgotável, sua habilidade de identificar e enco­
simples que situa a cognição no centro do
rajar jovens e promissores pesquisadores, seu foco
transtorno. O termo “modelo clínico” é
inicial na depressão ao invés da ansiedade e sua
utilizado aqui para denotar um modelo no
tendência a ignorar ao invés de lutar contra seus
qual os principais processos são expressos
críticos devem, provavelmente, em conjunto, ter
Fronteiras da Terapia Cognitiva

em linguagem cotidiana, ao invés dos termos manual de terapia cognitiva para o trata­
mais precisos e técnicos que caracterizam mento da depressão até que o resultado de
diversos modelos em psicologia cogni­ um estudo importante (Rush, Beck, Kovacs
tiva (ver Teasdale, 1988). A vantagem de & Hollon, 1977), demonstrando a eficácia
tal modelo é a facilidade com a qual ele da abordagem tivesse sido publicado (ver
sugere procedimentos clínicos específicos. Hollon & Beck, 1994, para uma revisão
A desvantagem é que pode ser mais difícil recente).
testá-lo, porque nem sempre fica claro como
operacionalizar termos-chave, de modo a
permitir que sejam precisamente medidos e Ataques de pânico e transtorno do
manipulados.
pânico
2. Investigações experimentais do modelo.
A característica essencial do transtorno do
O primeiro livro de Beck sobre depressão
pânico é a ocorrência de ataques de pânico. O
(Beck, 1967) continha um conjunto impres­
DSM-IV {Diagnostic and Statistical Manual of
sionante de descobertas correlacionais e
Mental Disorders, 4a edição; American Psychiatric
experimentais que apoiavam seu modelo.
Association, 1994) define uma crise de pânico
Sua vanguarda, ao submeter a teoria à
como um período de intenso medo e desconforto,
investigação empírica, encorajou outros (por
com início súbito, associado a no mínimo quatro
exemplo, Hammen, 1988; Teasdale, 1983)
sintomas, que incluem falta de ar, palpitações,
a fazer o mesmo, produzindo um conjunto
tontura, tremores, sensação de sufocamento,
substancial de investigações experimentais.
náusea, desrealização, dor no peito e parestesias.
3. Um relato detalhado dos fatores que impe­ Assim definidos, os ataques de pânico ocasionais
dem a mudança cognitiva na ausência de são comuns em todos os transtornos de ansiedade
tratamento. Na depressão, os principais fato­ (Barlow etal., 1985). O diagnóstico do transtorno
res enfatizados por Beck et al. (1979) foram do pânico, entretanto, é reservado a um subgrupo
o afastamento das atividades diárias, erros de indivíduos que experimentam ataques de pânico
lógicos e pressuposições disfuncionais que recorrentes, dentre os quais, pelo menos alguns
influíam no processamento da informação. surgem inesperadamente. Isto quer dizer que os
ataques nem sempre são desencadeados pela en­
4. Procedimentos de tratamento cuidado­ trada em situações fóbicas ou pela expectativa de
samente escolhidos que visavam espe- fazê-lo. Indivíduos diagnosticados como portadores
cificamente os fatores que impediam a do transtorno do pânico com agorafobia podem
mudança cognitiva. Aí estavam incluídos identificar certas situações nas quais acreditam que
o planejamento de atividades, que dariam há maior probabilidade de ocorrência das crises, ou
aos pacientes uma sensação de controle ou que seriam especialmente catastróficas, e tendem
prazer, e o treinamento na identificação e a evitar tais situações. Indivíduos diagnosticados
verificação de pensamentos automáticos como portadores do transtorno do pânico sem
negativos, erros lógicos e pressuposições agorafobia tendem a não conseguir identificar tais
disfuncionais. situações e não demonstram qualquer evitação
5. Estudos controlados para avaliar a eficácia situacional flagrante.
da terapia. Estes são, naturalmente, cru­ A natureza aparentemente inesperada de algu­
ciais para a aceitação e aplicação geral de mas crises de pânico leva muitos pesquisadores
um novo tratamento. Beck e colaboradores voltados à biologia a sugerir que o transtorno
sabiamente adiaram a publicação de seu do pânico podería ser melhor entendido como

302
Transtorno do pânico: da teoria à terapia

um transtorno neuroquímico. Entretanto, vários sensações como muito mais perigosas do que
investigadores (Beck, Emery & Greenberg, 1985; realmente são e, em particular, a interpretação
Clark, 1986, 1988; Ehlers & Margraf, 1989; Mar- das sensações como indicativas de um desastre
graf, Ehlers & Roth, 1986; Salkovkis, 1988) têm físico ou mental iminente - por exemplo, per­
argumentado que o transtorno do pânico é melhor ceber uma leve sensação de falta de ar como
compreendido em termos cognitivos. evidência de uma iminente parada respiratória
c consequente morte, perceber palpitações como
evidência de um ataque cardíaco iminente, per­
A teoria cognitiva do transtorno do ceber uma sensação pulsante na fronte como
evidência de uma hemorragia cerebral, ou per­
pânico
ceber uma sensação trêmula como evidencia de
A teoria cognitiva do pânico afirma que: uma iminente perda de controle e insanidade.
(Clark, 1988, p. 149)
Os indivíduos que experimentam ataques de
pânico recorrentes o fazem porque têm uma A sequência sugerida de eventos que ocorrem
tendência relativamente resistente a interpretar nos ataques de pânico é demonstrada na Figura
certas sensações físicas de modo catastrófico. 15.1. Tanto estímulos externos (como uma loja
As sensações que são mal-interpretadas são de departamentos para um agorafóbico) quanto
principalmente aquelas envolvidas nas respos­ estímulos internos (sensações físicas, pensamentos,
tas normais de ansiedade (palpitações, falta de imagens) podem provocar ataques de pânico. A
ar, tontura, parestesias), mas também incluem sequência que culmina num ataque começa com
algumas outras sensações. A má interpreta­ a interpretação dos estímulos como um sinal de
ção catastrófica envolve a percepção dessas perigo iminente. Essa interpretação produz um

Figura 15.1 - A sequência sugerida de eventos numa crise de pânico. De Clark (1986, p. 463), Direitos
Autorais de 1986 de Pergamon Press. Reimpresso com permissão.

303
Fronteiras da Terapia Cognitiva

estado de apreensão que é associado a uma ampla mudanças autonômicas percebidas. Entretanto, a
série de sensações físicas. Se essas sensações pro­ teoria cognitiva presume que os indivíduos so­
duzidas pela ansiedade são interpretadas de forma mente vêm a desenvolver a condição mais rara de
catastrófica (insanidade iminente, morte, perda de repetidos ataques de pânico e transtorno do pânico
controle etc.), ocorre um aumento adicional na (aproximadamente 3%-5% da população em geral;
apreensão, produzindo mais sensações físicas e Wittchen & Essau, 1991) caso eles desenvolvam
levando a um círculo vicioso que culmina num uma tendência a interpretar esses eventos autonômi­
ataque de pânico. A teoria cognitiva trata tanto cos percebidos de modo catastrófico. Tal tendência
dos ataques de pânico que são precedidos por alta podería ser uma consequência de experiências de
ansiedade quanto dos que não o são e, ao contrá­ aprendizagem que antecederam o primeiro ataque
rio, surgem inesperadamente. Argumenta-se que (por exemplo, a observação de seus pais numa crise
para ambos os tipos de ataque, o evento crítico de pânico ou a modelagem de um comportamento
é a má interpretação de certas sensações físicas. relacionado à doença; Ehlers, 1993), ou podería
Nos ataques precedidos por ansiedade elevada, as surgir como uma consequência da forma como
sensações geralmente são uma consequência da o paciente, os médicos e os outros significativos
ansiedade precedente, que, por sua vez, é devida respondem ao primeiro ataque.
à expectativa de um ataque ou algum outro evento
gerador de ansiedade não relacionado ao pânico.
Nos ataques não precedidos por ansiedade elevada,
Investigações experimentais do
as sensações mal-interpretadas são inicialmente
causadas por um estado emocional diferente modelo cognitivo
(raiva, agitação, repulsa) ou por eventos inócuos, A teoria cognitiva do pânico pode, em princípio,
tais como se exercitar (falta de ar, palpitações), tratar dos principais sinais clínicos do transtorno
beber café em excesso (palpitações) ou levantar- do pânico (Clark, 1986). Entretanto, isso não sig­
-se rapidamente após estar sentado (tonteira). nifica necessariamente que a teoria esteja correta.
Nesses ataques, os pacientes frequentemente não A fim de avaliar a teoria, é necessário submeter
conseguem distinguir entre as sensações físicas suas previsões à investigação adequada. Clark
desencadeadoras e o pânico subsequente, e então (1986, 1988) esboçou quatro previsões centrais
percebem o ataque como não tendo uma causa e que podem ser derivadas da teoria.
surgindo inesperadamente.
Ao aplicar a teoria cognitiva a pacientes indi­ 1. Os pacientes de pânico têm maior tendência
viduais, é geralmente útil fazer a distinção entre a interpretar sensações físicas de modo
o primeiro ataque de pânico e o desenvolvimento catastrófico do que os indivíduos que não
subsequente de ataques repetidos e do transtorno experimentam ataques de pânico.
do pânico. Pesquisas em comunidades (Brown
2. Os procedimentos que ativam as más inter­
& Cash, 1990; Margraf & Ehlers, 1988; Norton,
pretações catastróficas das sensações físicas
Dorward & Cox, 1986; Wilson et al.9 1991)
produzirão um aumento da ansiedade e
indicam que aproximadamente 7%-28% da popu­
pânico nos pacientes com transtorno do
lação normal experimentará uma crise de pânico
pânico.
ocasional inesperada. É improvável que haja uma
única explicação para esses eventos autonômicos 3. Os ataques de pânico podem ser evitados
relativamente comuns, mas ocasionais. Eventos reduzindo-se a tendência dos pacientes
estressores de vida, mudanças hormonais, doença, a interpretar sensações físicas de modo
cafeína, drogas e uma variedade de condições catastrófico.
médicas transitórias poderíam produzir ocasionais

304
Transtorno do pânico: da teoria à terapia

4. A manutenção da melhora após o final de “estímulos internos” consistiam de descrições de


qualquer tratamento (seja psicológico ou sensações físicas previstas pela teoria cognitiva
farmacológico) dependerá da mudança cog­ como mais prováveis de serem mal-interpretadas
nitiva ter ocorrido durante o curso da terapia. por pacientes de pânico (“Você observa seu coração
batendo rápida e fortemente. Por que?”) Os “es­
A primeira previsão diz respeito ao estabele­ tímulos externos” consistiam de eventos externos
cimento de que os pacientes com transtorno do potencialmente ameaçadores (“Você acorda com
pânico pensam da forma determinada pela teoria. um sobressalto no meio da noite, achando que
Entretanto, demonstrar que os pacientes pensam ouviu um barulho, mas tudo está quieto. O que
conforme determinado pela teoria não estabelece, você acha que o acordou?”).
por si só, que o pensamento desempenha um papel Solicitou-se aos sujeitos que escrevessem a
causai na produção dos ataques. Logicamente, primeira explicação que viesse à mente para cada
o pensamento negativo poderia ser apenas um evento. Após escreverem sua resposta à pergunta
epifenômeno. Para ilustrar esse aspecto, conside­ aberta, os sujeitos viravam a página e classificavam
remos a epilepsia. Ataques epilépticos são uma em ordem três explicações quanto à probabilidade
experiência alarmante. Após terem sofrido um das mesmas virem à sua mente numa situação se­
ataque, muitos epilépticos desenvolvem um con­ melhante. Uma explicação era negativa e as outras
junto característico de pensamentos assustadores duas eram neutras ou positivas. A análise tanto
sobre os ataques. Entretanto, ninguém afirmaria que das respostas abertas quanto dos dados ordenados
esses pensamentos têm um papel causai primário indicou que os pacientes de agorafobia com pânico
na epilepsia. Ao contrário, os ataques epilépticos apresentavam maior probabilidade de interpretar
são o resultado de atividade neural que ocorre tanto os estímulos internos quanto os externos de
espontaneamente. Alguns teóricos biológicos fa­ forma negativa do que o grupo controle.
riam afirmações semelhantes sobre as cognições Num estudo subsequente, Harvey, Richards,
que acompanham os ataques de pânico. Para Dziadosz e Swindell (1983) aplicaram o questio­
reduzir o argumento do epifenômeno, deve-se ir nário de McNally e Foa (1987) a pacientes com
além das observações correlacionais e manipular transtorno de pânico, fobia social e sujeitos controle
a causa putativa. A segunda e terceira previsões não pacientes, conforme o DSM-III-R (American
dizem respeito ao estabelecimento da causalidade Psychiatric Association, 1987). A comparação
manipulando-se as más interpretações das sensa­ entre os pacientes com transtorno de pânico e os
ções físicas e verificando se essas manipulações sujeitos controle não pacientes repetiu a descoberta
têm os efeitos previstos na ocorrência do pânico. de McNally e Foa de uma significativa diferença
A quarta previsão refere-se ao tema clinicamente tanto para eventos internos quanto externos. A
importante da recaída seguinte ao tratamento. comparação entre os pacientes com transtorno
do pânico com fobia social revelou evidências de
Previsão 1 uma anormalidade cognitiva mais específica. Em
O primeiro teste direto da previsão 1 foi relatado particular, os pacientes com transtorno do pânico
por McNally e Foa (1987). Uma versão modificada tinham uma tendência significativamente maior
de um questionário originalmente desenvolvido a escolher interpretações negativas para eventos
por Butler e Mathews (1983) foi utilizada a fim internos do que os fóbicos sociais, mas os dois
de comparar pacientes de agorafobia com pânico grupos de pacientes não apresentaram diferença
segundo o DSM-III a sujeitos controle não pa­ na tendência a escolher uma interpretação negativa
cientes, em função do quanto eles interpretavam para eventos externos. Esse padrão de resultados
eventos ambíguos de uma forma negativa. Foram sugere que os transtornos de ansiedade podem ter
incluídas duas categorias de eventos ambíguos. Os um efeito geral na interpretação de ameaças e,

305
Fronteiras da Terapia Cognitiva

além disso, que o transtorno do pânico está asso­ auditivo indicando um repentino aumento no bati­
ciado a uma tendência especificamente acentuada mento cardíaco. Como os pacientes são propensos
a interpretar eventos internos de modo negativo. a interpretar mal as mudanças cardíacas, previa-se
Clark, Salkovskis, Õst et ai (1996) replica­ que os pacientes de pânico apresentariam um au­
ram e estenderam os achados de Harvery et ai. mento maior na ansiedade durante o falso feedback,
O Questionário de Interpretações foi modificado e foi isso o que aconteceu. Comparados com os
a fim dc excluir respostas de ansiedade (“Estou controles normais, os pacientes com transtorno
tendo um ataque de pânico”) das interpretações de pânico mostraram aumentos significativamente
fornecidas pelo experimentador e foram incluídas maiores na ansiedade autorrelatada, na frequência
classificações de crenças. Consistentemente com a cardíaca, condutividade dérmica e pressão arterial.
previsão 1, os pacientes com transtorno do pânico Clark et ai (1988), utilizaram-se de uma
apresentaram maior probabilidade de interpretar outra manipulação cognitiva para ativar más in­
sensações autonômicas ambíguas como sinais terpretações catastróficas e obtiveram resultados
de um desastre mental ou físico imediatamente essencialmente semelhantes àqueles relatados por
iminente, e apresentaram maior probabilidade de Ehlers et ai (1988). Foi solicitado a pacientes de
acreditar nessas interpretações do que outros pa­ pânico e controles normais que lessem em voz
cientes com transtorno de ansiedade (fobia social alta uma série de pares de palavras. Em condições
e transtorno de ansiedade generalizada) e do que críticas, os pares de palavras consistiam de várias
os não pacientes. Além disso, a probabilidade combinações de sensações físicas e catástrofes
de interpretar sensações autonômicas ambíguas (por exemplo: palpitações - morte, falta de ar -
como sinais de desastre imediatamente iminente sufocamento, formigamento - derrame, tonteira
era reduzida com tratamento bem-sucedido, e o - desmaio, aperto no peito - ataque cardíaco,
grau de mudança nas interpretações podia ser irrealidade - loucura).
discriminado entre tratamentos que variavam em Como essas combinações representam o tipo de
seu impacto sobre o pânico1. pensamentos que os pacientes de pânico tendem
a ter e acreditar durante os ataques, era previsto
Previsão 2 que os pacientes de pânico apresentariam maiores
Ehlers, Margraf, Roth, Taylor e Birbaumer aumentos na ansiedade e pânico enquanto lessem
(1988) utilizaram uma tarefa de feedback falso os pares de palavras. Isso foi o que de fato acon­
do ritmo cardíaco para testar a previsão de que as teceu. Foi solicitado a pacientes com transtorno
condições que provavelmente ativam interpretações do pânico, pacientes recuperados do transtorno do
catastróficas de sensações físicas dos pacientes pânico (tratados com terapia cognitiva) e controles
conduzem à ansiedade aumentada nos pacientes normais que classificassem sua ansiedade antes e
de pânico. Durante o curso de um experimento em depois de ler os cartões e também que avaliassem
laboratório, pacientes com transtorno de pânico se sentiram um aumento em qualquer dos doze
e controles normais receberam falso feedback sintomas de pânico citados no DSM-III (American

1 Contrariamente aos resultados positivos obtidos por McNally e Foa (1987), Harvey et al. (1993) e Clark et al. (1996), Ahmad, Wardle e
Hayward (1992), não conseguiram encontrar evidências a favor de uma tendência aumentada à má-interpretação de sensações físicas em pacientes
com pânico e agorafobia. Ahmad et al. (1992) utilizaram seu próprio Health Knowledge Questionnaire para avaliar as previsões dos indivíduos
sobre a doença cm relação aos sintomas que poderíam ser sentidos durante episódios dc ansiedade. As respostas dos pacientes agorafóbicos não
diferiram daquelas dos não pacientes controle. A inspeção dos itens de Ahmad et al. revela uma explicação óbvia para esse resultado negativo.
A teoria cognitiva especifica que os ataques dc pânico resultam da tendência dos pacientes a interpretar seus próprios sintomas como sinais dc
que estão prestes a morrer, enlouquecer, perder o controle e assim por diante. Entretanto, nenhum dos itens de Ahmad et al. era autorreferente.
Diferentemente do Interpretations Questionnaire, o Health Knowledge Questionnaire não perguntava aos pacientes sobre suas interpretações de
seus próprios sintomas. Ao invés disso, ele os perguntava sobre suas interpretações dos sintomas de outra pessoa, um aspecto não relevante para
a teoria cognitiva do transtorno do pânico.

306
Transtorno do pânico: da teoria à terapia

Psychiatric Association, 1980). Com base nessa mais detalhada, na qual todas as sensações possíveis
informação, foi determinado que dez em cada doze foram descritas e atribuídas aos efeitos do gás.
(83%) pacientes de pânico, mas nenhum paciente Uma verificação da manipulação confirmou que
recuperado ou controle normal, tiveram um ataque o grupo que recebeu explicações detalhadas teve
de pânico enquanto liam os cartões. cognições menos catastróficas durante a inalação
do que o grupo que não recebeu qualquer expli­
Previsão 3 cação. Conforme previsto pela teoria cognitiva, o
Vários estudos testaram a previsão de que a re­ grupo que recebeu explicações detalhadas também
dução da tendência dos pacientes à má interpretação relatou pânico significativamente menor do que o
das sensações físicas evitaria ataques de pânico. grupo sem explicações.
Pesquisas iniciais sobre o pânico estabeleceram que
Sanderson et al (1989) estudou a inalação de
uma série de agentes farmacológicos (lactato de
dióxido de carbono. Antes de receber uma inalação
sódio, dióxido de carbono, isoproterenol, cafeína)
de 20 minutos de 5% de dióxido de carbono no ar,
podem, com segurança, induzir a um estado que é
foi mostrado um disco a pacientes com transtorno
percebido como semelhante aos ataques de pânico
do pânico e lhes foi dito que o ato de girar esse
naturais em pacientes com transtorno do pânico,
disco diminuiría o fluxo de dióxido de carbono
mas raramente o fazem em pacientes sem pânico
caso uma luz próxima estivesse acesa, mas não
ou controles normais. Teóricos da linha biológica
em caso contrário. Na verdade, o disco não tinha
interpretaram essas descobertas como evidências
qualquer efeito no fluxo de dióxido de carbono.
de que o pânico pode ser diretamente induzido
Durante a infusão, a luz se acendeu para a metade
por mudanças bioquímicas e que o transtorno do
dos pacientes (grupo com ilusão de controle), mas
pânico é devido a um distúrbio neuroquímico. Ao
não foi acesa para os sujeitos restantes (grupo sem
contrário, teóricos cognitivos argumentam que
ilusão de controle). Conforme previsto, os pacien­
esses agentes farmacológicos não têm um efeito
tes do grupo com ilusão de controle apresentaram
direto de indução ao pânico, mas, ao invés disso,
uma probabilidade significativamente menor de
induzem ao pânico porque os pacientes fazem uma
má interpretação das sensações físicas induzidas entrar em pânico, mesmo não tendo usado o disco
farmacologicamente. A fim de testar a previsão 3 e tendo recebido tanto dióxido de carbono quanto
e para distinguir entre as explicações cognitivas o grupo sem ilusão de controle.
e biológicas para as induções farmacológicas ao Clark, Salkovskis, Anastasiades, Middleton e
pânico, Rapee, Mattick e Murrell (1986); San­ Gelder (1996) estudaram infusões de lactato de
derson, Rapee e Barlow (1989); Clark (1993); sódio. Pacientes com transtorno do pânico foram
e Clark, Salkovskis, Anastasiades et al. (1996) aleatoriamente distribuídos em dois grupos de
investigaram se manipulações puramente cogniti­ instrução pré-infusão (experimental ou controle).
vas poderíam ou não bloquear o pânico induzido As instruções ao grupo experimental foram
farmacologicamente. planejadas de modo a evitar que os pacientes
Rapee et al. (1986) utilizaram uma manipulação interpretassem mal as sensações induzidas pelo
instrucional pré-inalação para influenciar a inter­ lactato. Em consonância com a teoria cognitiva,
pretação dos pacientes das sensações induzidas os autorrelatos dos pacientes, o monitoramento
por uma única inalação de 50% de dióxido de fisiológico e os julgamentos de um assessor cego
carbono e 50% de oxigênio. Metade dos pacientes indicaram que os pacientes que receberam as
com transtorno do pânico foi designada a uma instruções do grupo experimental apresentaram
condição de nenhuma explicação, na qual foram uma probabilidade significativamente menor de
fornecidas informações mínimas sobre o proce­ sofrer episódios de pânico do que os pacientes aos
dimento. A outra metade recebeu uma explicação quais foram dadas as instruções do grupo controle,

307
Fronteiras da Terapia Cognitiva

embora a quantidade de lactato infundida tenha manutenção das crenças distorcidas de tais pa­
sido a mesma em ambos os grupos. cientes. Primeiramente, porque os pacientes têm
medo de certas sensações, eles podem tomar-se
Previsão 4 hipervigilantes e sondar seu corpo repetidamente
Clark et al. (1994) testaram a previsão 4 exa­ em busca de sinais de perigo. Esse foco interno
minando dados de final de tratamento e de acompa­ de atenção lhes permitiria observar sensações das
nhamento posterior em seus estudos de tratamentos quais muitas outras pessoas não estariam cientes.
psicológicos (terapia cognitiva ou relaxamento Uma vez observadas, essas sensações poderíam ser
aplicado) e farmacológico (imipramina) para o tomadas como evidências adicionais da presença
transtorno do pânico. Duas análises forneceram de algum transtorno físico ou mental grave. Em
apoio à previsão 4. Primeiramente, quando os segundo lugar, vários tipos de comportamentos
dados de todos os pacientes foram examinados, de evitação tendem a impedir que os pacientes
a má interpretação das sensações físicas ao final desconfirmem suas crenças negativas. Isso pode­
do tratamento era uma significativa preditora de ría ser verdadeiro não apenas para pacientes com
pânico/ansiedade durante o acompanhamento evitação fóbica acentuada (transtorno do pânico
posterior, e essa relação permanecia significativa com agorafobia), mas também para aqueles sem
quando o pânico/ansiedade ao final do tratamento essa evitação situacional flagrante (transtorno do
eram parcialmcnte eliminados. Em segundo lugar, pânico sem agorafobia). Como Salkovskis (1988,
entre os pacientes livres do pânico ao final do tra­ 1991) ressaltou, tais pacientes frequentemente se
tamento, houve uma significativa correlação entre envolvem em formas sutis de evitação (comporta­
má interpretação das sensações físicas ao final do mentos de segurança) que poderíam manter suas
tratamento e recaída subsequente. crenças negativas. Por exemplo, uma paciente
preocupada com a ideia de estar sofrendo de uma
doença cardíaca pode evitar fazer exercícios, e
Fatores que impedem a mudança descansar sempre que observa uma palpitação.
Ela pode então acreditar que essa evitação tenha
cognitiva na ausência de tratamento
impedido que ela sofresse um ataque cardíaco
Se os ataques de pânico ocorrem porque os fatal. Entretanto, como ela não tem qualquer
pacientes têm crenças distorcidas sobre certas sen­ doença cardíaca, a evitação mais provavelmente
sações físicas, devemos perguntar: o que mantém terá apenas mantido sua preocupação somática.
esse estilo de pensamento negativo? Conforme Ehlers e colaboradores relataram uma série de
Seligman (1988) salientou, na ausência de trata­ estudos que fornecem suporte ao papel da intero-
mento, muitos pacientes de pânico persistem na cepção na manutenção do transtorno do pânico. Em
manutenção de crenças distorcidas sobre sensações um estudo (Ehlers & Breuer, 1992, Experimento 2),
físicas, apesar de diversas evidências aparente­ os sujeitos receberam uma tarefa de percepção de
mente contrárias a tais crenças. Por exemplo, um ritmo cardíaco na qual eles tinham que contar seus
paciente preocupado com a possibilidade de estar batimentos cardíacos silenciosamente sem medir
tendo um ataque cardíaco durante uma crise de sua pulsação. Em consonância com a hipótese de
pânico pode persistir nessa crença, apesar de ter que o transtorno do pânico é caracterizado por
tido centenas de ataques nos quais ele não morreu, uma percepção aumentada das sensações físicas,
e várias visitas a emergências, durante as quais os pacientes com transtorno do pânico foram mais
lhe foi assegurado que seu coração era normal. exatos na percepção de seus batimentos cardíacos
Teóricos cognitivos (Clark, 1988; Ehlers & do que aqueles com baixa frequência de episódios
Margraf, 1989; Salkovskis, 1988) sugerem que de pânico, fóbicos simples ou controles normais.
pelo menos dois processos estão envolvidos na Num estudo subsequente (Ehlers, 1995), um

308
Transtorno do pânico: da teoria à terapia

modelo longitudinal foi utilizado para determinar de segurança ou os abandonavam. Conforme pre­
se a percepção cardíaca aumentada contribui ou visto, a condição de abandonar os comportamentos
não para a persistência do transtorno do pânico. de segurança levou a uma diminuição significati­
Pacientes com histórico de transtorno do pânico, vamente maior das crenças negativas e produziu
mas que se encontravam em remissão quando uma melhora significativamente maior da ansiedade
testados no laboratório, foram acompanhados um em um teste de comportamento subsequente.
ano mais tarde e questionados se haviam sofrido ou
não outros ataques de pânico durante o período de
acompanhamento. Conforme previsto, os pacientes
Procedimentos de tratamento
que relataram uma recorrência de seus ataques de
pânico haviam demonstrado uma percepção dos
especializados
batimentos cardíacos significativamente melhor A teoria cognitiva sugere que seria possível
durante o teste de laboratório inicial do que os tratar ataques de pânico que ocorrem naturalmente
pacientes que não sofreram recorrências. ajudando os pacientes a identificar e modificar suas
Salkovskis, Clark e Gelder (1996) forneceram más interpretações de sensações físicas. Vários pa­
evidências de que pacientes de pânico envolvem- cotes de tratamento cognitivo-comportamental que
-se em comportamentos de segurança do tipo que tentam alcançar esses objetivos foram planejados,
podería manter suas crenças negativas. Pacientes dentre os quais os mais proeminentes são o Oxford-
com transtorno do pânico responderam ao Ago­ -based Cognitive Therapy Package, desenvolvido
raphobic Cognitions Questionnaire (Chambless, por Clark, Salkovskis, Beck e colaboradores (Clark,
Caputo, Bright & Gallagher, 1984), que avalia 1989; Salkovskis & Clark, 1991) e o intimamente
os pensamentos vivenciados durante um ataque relacionado, mas independentemente originado,
de pânico, e ao Behaviors Questionnaire, que Albany-based Panic Control Treatment (PCT),
avalia seu comportamento durante uma crise de projetado por Barlow e colaboradores (Barlow &
pânico. Análises correlacionais revelaram uma Cemy, 1988; Barlow & Craske, 1989).
série de conexões significativas entre as cognições O Cognitive Therapy Package usa uma ampla
e o comportamento. Por exemplo, pacientes que variedade de procedimentos cognitivos e comporta-
relataram ter pensado que poderíam estar sofrendo mentais para ajudar os pacientes a mudar suas más
um ataque cardíaco repousaram e respiraram mais interpretações das sensações físicas e modificar os
lentamente durante uma crise de pânico; pacientes processos que tendem a manter as interpretações
que pensaram que estavam prestes a desmaiar errôneas. As técnicas cognitivas incluem o uso
apoiaram-se em objetos sólidos; e pacientes que da revisão de um ataque de pânico recente para
pensaram que poderíam estar enlouquecendo obter o modelo do círculo vicioso, identificando e
fizeram esforços extremos para controlar seus desafiando as evidências dos pacientes para suas
pensamentos. más interpretações, substituindo-as por interpreta­
Para determinar se esses comportamentos ções mais realistas e reestruturando imagens. Os
de segurança impedem a não confirmação das procedimentos comportamentais incluem a indução
crenças negativas de pacientes de pânico sobre de sensações temidas (através da hiperventilação,
as sensações físicas, é necessário manipular expe­ da leitura de pares de palavras que representem
rimentalmente os comportamentos de segurança. as sensações temidas e catástrofes, ou da atenção
Salkovskis (1995) relatou recentemente resultados focada no corpo), a fim de demonstrar a verdadeira
preliminares de um estudo no qual pacientes com causa dos sintomas do pânico, e o abandono de
transtornos do pânico e agorafobia tinham períodos comportamentos de segurança (tais como se agar­
equivalentes de exposição a uma situação temida rar a objetos sólidos ao sentir-se tonto) e entrar
enquanto mantinham seus comportamentos usuais em situações temidas, de modo a permitir que os

309
Fronteiras da Terapia Cognitiva

pacientes desconfirmem suas previsões negativas de segurança do paciente e perguntou-lhe de que


sobre as consequências de seus sintomas. forma o ato de distrair-se e tomar paracetamol
A forma pela qual esses diversos procedimentos poderíam impedir um ataque cardíaco. Ponderando,
são interligados em terapia é ilustrada pelo exemplo o paciente concordou que nenhum dos dois pro­
de caso a seguir. O paciente era um homem de 40 cedimentos provavelmente impediría um ataque
anos, que vinha sofrendo de transtorno do pânico cardíaco real, mas que ambos eram bons meios de
há um ano e meio e atualmente estava tendo apro­ distraí-lo de seus pensamentos negativos e que essa
ximadamente três ataques de pânico por semana. podería ser a razão pela qual eles pareciam ajudar
Seus principais pensamentos durante os ataques durante um ataque. O paciente foi então encorajado
(com graduação de crença) eram: “Vou ter um a respirar do modo que ele normalmente respirava
ataque cardíaco (100%)”, “Vou ter um derrame durante um ataque de pânico. Para sua surpresa,
(100%)”, “Estou prestes a morrer (100%)”, “Vou ele descobriu que a respiração profunda que ele
desmaiar (50%)”, e “Vou enlouquecer (40%)”. As fazia para controlar seus sintomas, na verdade
principais sensações temidas eram palpitações, produzia tontura e aceleração do coração.
uma sensação de aperto e peso no peito, visão Um gráfico da demonstração dc Ehlcrs e Brcucr
embaçada, garganta seca, tontura, formigamento (1992) da percepção cardíaca aumentada em pa­
nos dedos, falta de ar e sensações de irrealidade. Os
cientes com transtorno do pânico foi então utilizado
comportamentos de segurança utilizados durante
para mostrar que outro dos seus comportamentos
os ataques de pânico incluíam o monitoramento
de segurança (monitorar seu coração) estava pro­
do coração (para verificar se estava batendo rápido
vavelmente causando alguns dos sintomas que ele
demais ou devagar demais), tentar distrair-se, tomar
tomava como evidência de sua doença cardíaca.
paracetamol, fazer respirações profundas e sair da
Nesse estágio, a crença do paciente de que durante
situação. As principais atividades evitadas pelo
uma crise de pânico ele podería estar sofrendo um
medo de ter um ataque de pânico eram o sexo e
ataque cardíaco havia caído de 100% para 60%.
o exercício físico.
Ficou acordado que uma das coisas principais
O tratamento foi realizado em duas sessões
que mantinham a crença era a acentuada evita-
como parte de uma série experimental que in­
ção de exercícios físicos por parte do paciente
vestigava formas de oferecer tratamento breve. A
e os comportamentos de segurança nos quais se
primeira sessão durou 4 horas (com um intervalo)
envolvia durante um ataque. Ambos o impediam
e a segunda teve a duração de 1 hora. A sessão 1
de descobrir se uma sensação de falta de ar e dor
começou com o paciente e o terapeuta revendo um
no peito o levariam de fato a um ataque cardíaco.
ataque de pânico recente e obtendo o modelo do
círculo vicioso (ver Figura 15.2). O pensamento Em vista disso, foi decidido que a coisa mais útil
mais proeminente durante o ataque de pânico foi a ser feita em seguida seria usar o exercício para
“Meu coração vai parar e vou morrer”. A noção produzir sensações cardíacas acentuadas e então
de duas possibilidades alternativas foi então intro­ não se envolver cm quaisquer comportamentos dc
duzida. A primeira possibilidade, que o paciente segurança. O terapeuta e o paciente então alter­
apoiava, era a de que havia algo seriamente errado naram a corrida em velocidade e a mais lenta em
com seu coração e que ele genuinamente corria um campo de futebol local. No início do exercício,
o risco de morrer durante um ataque de pânico. o paciente tinha uma crença de 50% de que ele
A possibilidade alternativa era que o problema teria um ataque cardíaco. Da metade em diante,
estava em sua crença de que estava tendo um quando ele já estava muito sem fôlego, a crença
ataque cardíaco. A fim de iniciar o processo de havia caído para 35%. Próximo do final, depois
determinação de qual dessas idéias era correta, o de ter conseguido abandonar todos os seus com­
terapeuta concentrou o foco nos comportamentos portamentos de segurança, a crença caiu para 5%.

310
Transtorno do pânico: da teoria à terapia

Figura 15.2 - Um ataque de pânico específico.

A seguir, o terapeuta e o paciente voltaram ao com o terapeuta explicando que é necessária uma
consultório e resumiram as evidências a favor e queda de pressão arterial, e que a pressão arterial
contra as crenças alternativas (ver Tabela 15.1) e aumenta durante um ataque de pânico. A infor­
consolidaram o modelo cognitivo revendo uma mação final reduziu a crença de que ele poderia
série de ataques de pânico “inesperados”, iden­ desmaiar durante um ataque de pânico para 0%.
tificando o desencadeador da leve sensação que
O dever de casa envolvia ouvir uma fita de
invariavelmente dava início a esses ataques e
áudio da sessão de terapia e fazer anotações, um
então derivando um círculo vicioso genérico que
programa de exercícios diários e instruções sobre
abrangia todos os ataques do paciente (ver Figura
como modificar seu comportamento caso ele tivesse
15.3). Finalmente, a evidência remanescente para o
algum outro episódio de dor no peito, tontura e
pensamento “Vou desmaiar num ataque de pânico”
foi revista. O paciente jamais havia desmaiado sentimentos de irrealidade. Para demonstrar que
durante um ataque e sua principal evidência de que isso não era perigoso, ele deveria evitar contro­
isso poderia acontecer era a tontura que ele sentia lar sua respiração, não se distrair e permanecer
nos ataques. O exercício anterior, envolvendo a na situação. Ele mencionou que frequentemente
reprodução do modo como ele respirava durante ouvia seu coração batendo em seu ouvido quando
um ataque, havia demonstrado que seu padrão estava deitado na cama. Como ele tomava esse
respiratório era parcialmente responsável pela fato como evidência de anormalidade cardíaca,
tontura. A fisiologia do desmaio foi então discutida, ele foi instruído a perguntar à sua esposa se ela

311
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Tabela 15.1 - Evidências para as duas explicações alternativas


“Há algo seriamente errado com o meu coração.” “0 meu problema é a minha crença de que há
algo de errado com meu coração.”
1. “Às vezes ouço meu coração palpitando, até mesmo 1. “Acho que vou morrer num ataque de pânico
no meu ouvido, mas devido aos meus medos, eu me e esse pensamento me deixa ansioso, produ­
concentro em meu corpo, e isso faz com que eu observe zindo muito mais sensações e formando um
esse fato. Quando eu o observo, fico ansioso, e isso o círculo vicioso.”
toma mais alto porque meus batimentos cardíacos são
maiores.”
2. “Sinto tensão no peito e nas costelas durante todo o 2. “A distração às vezes ajuda. Isso faz sentido
dia, mas pacientes cardíacos não a sentem. Eles têm dor se o problema está em meus pensamentos. Não
no peito (geralmente uma compressão e mais localizada) faz sentido se o problema é um ataque car­
durante os ataques cardíacos. É tensão muscular devida díaco. 0 mesmo argumento aplica-se a fugir da
ao estresse no trabalho. Ela é suave após uma boa noite situação. Isso não impediria um ataque car­
de sono e mais leve nos finais de semana. É pior após díaco, mas faz que me sinta mais confortável e
um dia estressante no trabalho.” enfraquece os pensamentos negativos.”
3. “Ocasionalmente eu sinto formigamento em meus 3. “Eu sinto os sintomas mais frequentemente
dedos, mas isso é um sintoma comum da ansiedade. no final do dia, quando eu já os espero e tenho
Respirar fimdo - que eu faço quando acho que há algo tempo de prolongar-me neles.”
errado - também causa formigamento.”
4. “Provei a mim mesmo que não há nada de
errado com meu coração por meio de exercí­
cios vigorosos. Tudo o que acontece é que meu
coração bate mais rápido e bombeia mais forte,
conforme deveria fazer a fim de suprir meus
músculos com a energia de que eles precisam.”

já havia escutado seu próprio coração em situação da sessão foi dedicada à identificação das evi­
semelhante. dências remanescentes do paciente a favor de sua
A segunda sessão de tratamento foi realizada preocupação cardíaca. Ele salientou que tinha uma
três semanas depois. Durante o período inter­ tendência a observar um aperto no peito quando
mediário, o paciente não havia tido um ataque estava pronto para deitar-se ou durante um mo­
totalmente desenvolvido, mas havia sofrido um mento sossegado após muito estresse no trabalho
pequeno número de ataques com sintomas limi­ (telefones tocando, compromissos etc.). Ele tendia
tados, que ele utilizou como oportunidades de a ver isso como evidência de que poderia haver
abandonar os comportamentos de segurança e algo de errado com seu coração porque mesmo
testar as consequências das sensações. Sua crença as atividades que envolviam um esforço cardíaco
de que poderia ter um ataque cardíaco durante reduzido eram associadas à dor no peito. Entretanto,
uma crise de pânico havia caído para 10% e seu o questionamento do terapeuta o ajudou a ver
escore total de crença numa versão modificada do que o fato de sua dor raramente ocorrer durante
Agoraphobic Cognitions Questionnaire também foi o exercício físico ou eventos estressores, mas,
de 10%. A tarefa de perguntar à sua esposa sobre ao contrário, ocorrer em momentos sossegados,
suas sensações havia ajudado, já que ela relatou quando ele podia dirigir o foco para seu corpo,
que frequentemente percebia seu coração quando era inconsistente com uma anormalidade cardíaca,
estava deitada quieta na cama. A parte principal mas encaixava-se com a ideia de que o estresse

312
Transtorno do pânico: da teoria à terapia

Figura 15.3 - Um modelo genérico do ataque de pânico do paciente.

no trabalho tomava muito da parte superior de submetidos à terapia de apoio, indicando que a
seu corpo tensa, mas ele só percebia isso quando eficácia da terapia cognitiva não é completamente
era capaz de repousar e concentrar o foco em atribuível a fatores terapêuticos não específicos.
seu corpo. Após essa discussão, sua crença de Além disso, os ganhos obtidos no tratamento foram
que poderia ter um ataque cardíaco durante um mantidos no acompanhamento de um ano.
episódio de pânico caiu para 0% e ele não teve Clark et al. (1994) compararam a terapia
mais outros ataques. cognitiva com um tratamento psicológico ativo
alternativo e com uma intervenção farmacológica.
Pacientes com transtorno de pânico foram alea­
Estudos controlados de avaliação da toriamente encaminhados à terapia cognitiva, ao
relaxamento aplicado, à imipramina (média de 233
eficácia da terapia cognitiva
mg/dia) ou a uma espera de 3 meses seguida dc
Cinco estudos investigaram a terapia cognitiva alocação para tratamento. Durante o tratamento, os
completa para o transtorno do pânico. Beck et al. pacientes tiveram até 12 sessões nos primeiros três
(1992) distribuíram pacientes de pânico entre doze meses e até 3 sessões de reforço nos três meses
semanas de terapia cognitiva ou oito semanas de seguintes. A imipramina foi gradualmente retirada
terapia de apoio. Quando avaliados em momentos após 6 meses. Todos os tratamentos incluíam tare­
comparáveis (4 e 8 semanas), os pacientes sub­ fas de casa envolvendo autoexposição a situações
metidos à terapia cognitiva haviam apresentado temidas. As comparações com a lista de espera
uma melhora significativamente superior àqueles mostraram que todos os três tratamentos foram

313
Fronteiras da Terapia Cognitiva

eficazes. As comparações entre os tratamentos 13 de 15 (87%) na terapia cognitiva versus 8 de


mostraram que, após três meses, a terapia cognitiva 17 (47%) no relaxamento aplicado. Em ambos os
foi superior tanto ao relaxamento aplicado quanto à tratamentos, os ganhos obtidos durante a terapia
imipramina. Entre 3 c 6 meses, os pacientes tratados foram mantidos no acompanhamento após um ano.
com imipramina continuaram a melhorar, enquanto Amtz e van den Hout (1996) recentemente
aqueles que haviam recebido terapia cognitiva ou relataram uma avaliação independente da terapia
relaxamento aplicado mostraram pouca mudança. cognitiva e do relaxamento aplicado. Seu grupo não
Como consequência, após seis meses, a terapia estava envolvido no desenvolvimento de qualquer
cognitiva não mostrou resultados diferentes da dos dois tratamentos. Os terapeutas receberam, de
imipramina e ambas foram superiores ao relaxa­ Clark e Salkovskis, treinamento de especialista
mento aplicado. A imipramina foi gradualmente em terapia cognitiva e, de Õst, treinamento de
retirada após a avaliação de seis meses. Entre especialista em relaxamento aplicado. As avalia­
6 e 15 meses, 40% dos pacientes tratados com
ções foram realizadas antes do tratamento, após
imipramina sofreram recaída, comparados com
o tratamento e em acompanhamentos de um mês
apenas 5% dos pacientes submetidos à terapia
e seis meses. Uma proporção significativamente
cognitiva. Após 15 meses, a terapia cognitiva foi
maior de pacientes de terapia cognitiva alcançou
novamente superior tanto ao relaxamento aplicado
o status de livrar-se do pânico ao final do trata­
quanto à imipramina.
mento e essa diferença foi mantida em ambos os
Õst, o criador do relaxamento aplicado, tam­ acompanhamentos.
bém comparou a terapia cognitiva ao relaxamento
Finalmente, Margraf e Schneider (1991) con­
aplicado (Õst e Westling, 1995). Foram feitas
duziram uma análise de componentes da terapia
avaliações pré-tratamento, pós-tratamento e um
cognitiva. O tratamento cognitivo completo (que
acompanhamento após um ano. As compara­
combina procedimentos cognitivos e comporta-
ções entre o pré-tratamento e o pós-tratamento
mentais) foi comparado com uma intervenção que
indicaram que tanto a terapia cognitiva quanto
envolvia apenas procedimentos cognitivos e com
o relaxamento aplicado estavam associados a
uma intervenção que envolvia exposição situacio-
melhoras substanciais na frequência do pânico, no
nal e interoceptiva sem reestruturação cognitiva
sofrimento e incapacidade relacionados ao pânico
explícita. A comparação com um grupo controle em
e na ansiedade generalizada. No relato inicial
lista de espera indicou que todos os três tratamentos
(Õst & Westling, 1995), não houve diferenças
foram altamente eficazes. A maioria das medidas
significativas entre os tratamentos. Entretanto, L.
não mostrou diferenças significativas, embora o
G. Õst (comunicação pessoal, Setembro de 1995)
tratamento combinado tenha sido superior à ex­
salientou que todos os quatro casos de treina­
mento inicial do terapeuta em terapia cognitiva posição numa análise da intenção de tratar-se do
foram incluídos. Apenas 1 dos 4 (25%) casos de percentual de pacientes que se livraram do pânico.
treinamento ficou livre do pânico, mas 13 de 15 Em todos os três grupos, os ganhos terapêuticos
(87%) casos subsequentes de terapia cognitiva permaneceram totalmente mantidos no acompa­
livraram-se do pânico e alcançaram um estado nhamento de um ano. A mudança nas cognições
final altamente funcional no fim do tratamento. relacionadas ao pânico foi um preditor significativo
Quando os dados foram reanalisados excluindo de melhora imediata nos três tratamentos, sugerindo
os 4 casos de treinamento em terapia cognitiva, que tanto os procedimentos cognitivos quanto os
houve uma significativa diferença entre a terapia comportamentais têm seus efeitos no mecanismo
cognitiva e o relaxamento aplicado em termos comum da mudança cognitiva.
de percentagem de pacientes que alcançaram um A Tabela 15.2 resume os cinco estudos revistos
estado final altamente funcional no pós-tratamento: acima. Em cada estudo, os terapeutas receberam

314
Transtorno do pânico: da teoria à terapia

algum treinamento do grupo de Oxford. Conside­ o mesmo padrão de resultados. Um estudo (Clark
rados em conjunto, os cinco estudos indicam que a et al., 1994) comparou a terapia cognitiva com a
terapia cognitiva conduzida adequadamente é um imipramina em dose adequada. A terapia cognitiva
tratamento altamente eficaz para o transtorno do foi superior à imipramina no início do tratamento
pânico, com as análises de intenção de tratar-se e novamente no acompanhamento de um ano.
indicando que 74% a 94% dos pacientes livraram- Finalmente, o tratamento parece ajustar-se bem
-se do pânico e que esses ganhos foram mantidos a vários locais, já que os resultados obtidos com
no acompanhamento. Também está claro que os a terapia cognitiva são notavelmente consistentes
efeitos do tratamento não são inteiramente devidos em cinco países (Inglaterra, Alemanha, Holanda,
a fatores terapêuticos não específicos, visto que três Suécia e Estados Unidos).
estudos (Beck et ai, 1992; Clark ef ai, 1994;Amtz Os excelentes resultados obtidos com o pacote
& van den Hout, 1996) concluíram que a terapia completo da terapia cognitiva têm encorajado os
cognitiva foi superior a um tratamento psicológico pesquisadores a investigar se seria possível obter
alternativo igualmente confiável, e a reanálise de resultados semelhantes com uma forma mais
um quarto estudo (Õst & Westling, 1995) sugere breve do tratamento. Se for o caso, mais pacientes

Tabela 15.2 - Estudos Controlados de terapia cognitiva (completa) para o transtorno do pânico

315
Fronteiras da Terapia Cognitiva

poderíam potencialmente beneficiar-se dela. Os Os pacientes com transtorno do pânico foram


estudos de tratamento completo, descritos acima, aleatoriamente encaminhados à terapia cognitiva
tiveram um total de 12 a 16 sessões. O primeiro breve, terapia cognitiva completa ou a uma lista
grupo a relatar uma avaliação de uma versão mais de espera. Tanto a terapia cognitiva breve quanto a
breve foi Black, Wesner, Bowers e Gabei (1993). completa foram superiores à ausência de tratamento
Esses pesquisadores desenvolveram sua própria e não houve diferença entre as duas. Além disso,
versão breve de terapia cognitiva (8 sessões), a melhora substancial observada com ambos os
que incluía procedimentos psicológicos adicionais tratamentos foi tão grande quanto aquela obtida no
especificamente projetados pelos pesquisadores estudo anterior do grupo de Oxford (Clark et al,
(W. Bowers, comunicação pessoal, 13 de Julho 1994), que utilizou os mesmos critérios de seleção.
de 1993). Cinco estudos investigaram a eficácia do
O grupo de Oxford não teve qualquer en­ PCTNT de Barlow e colaboradores e determinaram
volvimento no treinamento do terapeuta ou na que ele também é um tratamento altamente eficaz
modificação do conteúdo do tratamento. Os para o transtorno do pânico. Barlow, Craske, Cemy
pacientes com transtorno do pânico foram distri­ e Klosko (1989) compararam o PCT com outro
buídos aleatoriamente para terapia cognitiva breve, tratamento cognitivo, com relaxamento muscular
fluvoxamina ou medicação placebo. As principais progressivo e com uma lista de espera controle.
avaliações foram realizadas pré-tratamento e 8 Ambos os tratamentos cognitivos foram consis­
semanas mais tarde. Não foi relatado qualquer tentemente superiores à lista de espera e foram
acompanhamento. A resposta à fluvoxamina foi su­ mais eficazes do que o relaxamento na redução da
perior à terapia cognitiva breve em várias medidas frequência do pânico. Klosko, Barlow, Tassinari e
numa análise dos que completaram o tratamento. Cemy (1990) compararam o PCT com alprazolam,
Entretanto, o índice extraordinariamente alto de placebo e uma lista de espera controle. O PCT foi
abandono (40%2 para a terapia cognitiva breve superior ao alprazolam3, ao placebo e à lista de
comparados com 0% a 5% nos estudos de terapia espera. Os percentuais dc pacientes que ficaram
cognitiva completa revistos acima) sugere que livres do pânico com alprazolam e com placebo
as modificações dos pesquisadores interferiram foram semelhantes ao Cross-National Collabo­
seriamente na aceitação do tratamento. rative Panic Study (1992), mas o alprazolam não
Clark, Salkovskis, Hackmann, Wells e Gelder foi significativamente diferente do placebo, talvez
(1995) relataram recentemente uma tentativa mais devido ao tamanho muito pequeno da amostra
bem-sucedida de produzir uma versão breve de nesta última condição.
terapia cognitiva. O número total de sessões foi Shear, Pilkonis, Cloitre e Leon (1994) compa­
reduzido para sete projetando-se uma série de raram o PCT com um tratamento não prescritivo
módulos de autoestudo abrangendo os principais especialmente desenvolvido. O PCT pareceu ser
estágios da terapia. Os pacientes liam os módulos ligeiramente menos bem-sucedido do que nos 2
dc autoestudo c faziam a tarefa de casa descrita estudos anteriores c não se diferenciou signifi­
nos módulos antes de discutir uma área com seu cativamente do tratamento não prescritivo. Na
terapeuta. Dessa forma, o terapeuta podia dedi­ discussão do estudo, Shear et al (1994) salientam
car mais atenção a mal-entendidos e problemas. que o PCT pode não ter sido administrado da forma

O índice de abandono relatado aqui é ligeiramente superior (40% vs. 36%) àquele fornecido no trabalho original, que contém um erro tipográfico
(D. W. Black, comunicação pessoal, 5 de Outubro de 1994).
No trabalho original, os autores não relataram que a Terapia Cognitiva Pura foi superior ao alprazolam; entretanto, numa correção subsequente
(Barlow & Brown, 1995), eles ressaltam que um número significativamente maior dc pacientes alcançou o status dc “livres do pânico” com a Terapia
Cognitiva Pura do que com alprazolam.

316
Transtorno do pânico: da teoria à terapia

mais favorável, já que os índices de adesão dos observaram foi uma sensação física, seguida de
terapeutas foram mais baixos do que os esperados. um aumento da ansiedade, e então um pensamento
Uma outra explicação possível para a ausência de catastrófico sobre algum mal físico ou mental imi­
diferença entre os tratamentos seria uma confusão nente a si próprios. Wolpe e Rowan parecem crer
de projeto. As três primeiras sessões do tratamento que essa sequência de eventos é inconsistente com
não prescritivo foram idênticas às do PCT e podem a teoria cognitiva, talvez porque eles acreditem
ter sido responsáveis por grande parte da discre­ que a cognição chave deveria vir primeiro. Ao
pância do resultado comum. Infelizmente, não é contrário, o trabalho de 1986 deixou claro que
possível avaliar essa sugestão, uma vez que os uma sensação física só pode ser mal interpretada
pesquisadores não realizaram uma avaliação após se for experimentada. Por essa razão, a teoria prevê
a terceira sessão. que uma sensação física seria uma das primeiras
Finalmente, Craske, Maidenberg e Brystritsky coisas percebidas num ataque. A observação de que
(1995) investigaram uma versão breve (4 sessões) a ansiedade começa a aumentar antes da ocorrên­
de PCT. Os pacientes com transtorno do pânico cia do pensamento catastrófico chave também é
foram randomicamente distribuídos para 4 sessões consistente com o modelo. Na verdade, o círculo
de PCT ou 4 sessões de terapia de apoio não dire­ vicioso no trabalho original (Clark, 1986, Fig.
tiva. O PCT breve foi mais eficaz do que a terapia 1, p. 463) mostra exatamente essa sequência. Os
de apoio não diretiva na redução do pânico e do exemplos específicos do círculo vicioso fornecidos
medo fóbico, sugerindo que o mesmo tem um acima (Figuras 15.2 e 15.3) deixam claro por que
efeito específico. Entretanto, o índice geral dos isso ocorre.
que se livraram do pânico ao final do tratamento
(53%) foi relativamente baixo, sugerindo que Uma teoria do condicionamento do
vários pacientes teriam se beneficiado com mais transtorno de pânico
sessões de tratamento. Wolpe e Rowan (1988) mostram que muitos
indivíduos sofrem um ataque de pânico ocasional,
mas não evoluem para o transtorno do pânico
totalmente desenvolvido. Eles argumentam que
Críticas à teoria cognitiva os ataques ocasionais têm uma multiplicidade de
A exposição da teoria cognitiva do pânico de causas tanto físicas quanto psicológicas, mas que
1986 (Clark, 1986) atraiu atenção considerável, um indivíduo só desenvolve ataques recorrentes (e
sendo listada pelo Institute for Scientific Infor­ daí o transtorno do pânico) se ele é condicionado
mation como o segundo artigo de psicologia ao primeiro ataque. Particularmente, eles propõem
mais citado no mundo no período de 1986 a 1990 que, para esses indivíduos, os leves estímulos
(Garfield, 1992). Seria estranho que uma teoria que físicos iniciais que antecedem o ataque tomam-
atraiu tanta atenção não tivesse atraído também -se estímulos condicionados, sendo o ataque em
alguma crítica. Nessa seção, relaciono e espero si o estímulo não condicionado. Por exemplo,
refutar as críticas, por mais convincentes que sejam. uma paciente que posteriormente desenvolva
pânico e agorafobia pode entrar numa loja e sen­
A sequência de eventos num ataque de pânico tir muito calor e tontura, a ponto de pensar que
Wolpe e Rowan (1988) relataram os resulta­ pode estar desmaiando e sentar-se para evitar um
dos de uma entrevista que cobria a sequência de desfalecimento. Antes desse pico de sintomas,
eventos percebida durante um ataque de pânico. ela provavelmente teria observado sintomas mais
Não são informadas quais as perguntas feitas aos brandos, digamos, uma ligeira tontura e aceleração
dez pacientes com transtorno do pânico, mas eles do coração. Na explicação de Wolpe e Rowan,
geralmente relataram que a primeira coisa que esses sintomas iniciais tornam-se o estímulo

317
Fronteiras da Terapia Cognitiva

condicionado (EC), sendo os sintomas finais, que Davey, 1987). Em terceiro lugar, os experimentos
são interpretados pela paciente como um colapso de Rapee et al. (1986), Sanderson et al. (1989)
ou quase um, o estímulo não condicionado (ENC). e Clark, Salkovskis, Anastasiades et al. (1996),
McNally (1994) ressaltou que essa explicação é discutidos acima, demonstram claramente que o
problemática, uma vez que o condicionamento pânico pode ser reduzido pela informação apenas.
refere-se às relações entre estímulos distintos, mas
nessa explicação, as sensações físicas ligadas a um Pânicos não cognitivos?
episódio de pânico parecem ser EC, resposta con­ Rachman, Levitt e Lopatka (1987) solicitaram
dicionada (RC), ENC e resposta não condicionada a um grupo de 20 pacientes com transtorno do
(RNC), e não fica claro como você decide qual é pânico que preenchessem três a cinco testes de
qual. Esse é um problema sério. Entretanto, ele comportamento. Ao completar cada teste, eles
pode não ter importância porque eu gostaria de preenchiam a lista de verificação de sintomas de
sugerir que, mesmo se a explicação de Wolpe e pânico do DSM-III-R e uma lista de verificação
Rowan pudesse ser considerada válida em termos de cognições relacionadas ao pânico. Quatorze
de condicionamento, ela não é uma alternativa para pacientes relataram pelo menos um “episódio de
a explicação cognitiva. Wolpe e Rowan argumen­ pânico ou quase um” e dois desses não endossaram
tam que sua explicação é diferente porque o que qualquer dos pensamentos na lista de verificação
é aprendido é diferente, e que o aprendizado, por de cognições quando pensavam sobre o pânico
ser baseado no condicionamento, é impermeável depois do evento. Foi sugerido que essas omissões
às intervenções cognitivas puras. no relato indicam que a teoria cognitiva pode não
Eu sugeriría que eles estão equivocados em se aplicar a todos os pacientes com transtorno do
ambas as avaliações. Primeiramente, embora as pânico, ou, pelo menos, não a todos os seus ata­
explicações tradicionais do condicionamento clás­ ques. Enquanto essa é uma interpretação possível
sico enfatizassem a importância da contiguidade dos dados, não acredito que seja um argumento
temporal entre o EC e o ENC, as explicações mo­ esmagador. Primeiramente, a lista de verificação
dernas (Davey, 1987; Rescorla, 1988) indicam que omitia dois pensamentos catastróficos chave: “Vou
o condicionamento principalmente só acontece se o morrer” e “Vou enlouquecer”. Em segundo lugar,
EC diz ao sujeito algo de novo sobre a ocorrência outras análises indicaram que os pânicos não
do ENC. Isso leva à visão de que o que é aprendido cognitivos eram mais brandos do que os pânicos
durante o condicionamento é uma contingência da cognitivos, no sentido de que eram acompanha­
fórmula, se o EC ocorrer, então o ENC irá ocorrer dos por menos sintomas físicos. De fato, como
(com uma dada probabilidade). Se aplicarmos isso as “quase ocorrências” também parecem ter sido
à paciente-exemplo acima, deduzimos que o que a incluídas como crises de pânico, não está claro que
paciente teria aprendido se ela estivesse condicio­ qualquer dos pânicos não cognitivos tenha sido
nada à la Wolpe e Rowan seria “uma leve sensação um ataque totalmente desenvolvido. Em terceiro
de tontura e coração acelerado significa que eu lugar, a lista de verificação era preenchida após o
corro o risco de desfalecer”. Isso é, naturalmente, evento, e é possível que os pacientes simplesmente
um exemplo de uma má interpretação catastrófica tenham esquecido alguns de seus pensamentos.
de sensações físicas. Em segundo lugar, se consi­ Isso não seria surpresa, especialmente porque os
derarmos essa interpretação como o resultado de episódios relevantes eram relativamente leves e,
condicionamento, não há razão para supor que daí, a teoria cognitiva suporia que os pensamentos
ela seria impermeável à intervenção cognitiva. eram passageiros e não crenças fortes.
Existem hoje vários exemplos da modificação da Embora os dados de Rachman et al. (1987)
força da RC através do fornecimento de informa­ não sejam uma evidência esmagadora da existên­
ção ou outras manobras “não associativas” (ver cia de pacientes com pânico cujos ataques não

318
Transtorno do pânico: da teoria à terapia

são baseados na má interpretação de sensações nosso ambiente interno em busca de eventos


físicas, dever-se-ia especificar como alguém significantes. Se esse for o caso, então um indi­
reconhecería tais indivíduos caso eles realmente víduo que está preocupado com seu coração pode
existam. Seria necessário fornecer a quaisquer ter um ataque de pânico desencadeado por uma
candidatos as medidas bem definidas de cognições palpitação que seja detectada e mal interpretada
de pânico e mostrar que elas são negativas para durante o sono. Ele então acordaria num estado
todos eles. Isso ajudaria a contornar o problema de pânico.
do erro de medição associado aos índices indi­
viduais. Medidas de autorrelato bem validadas Mellman e Uhde (1989) e Hauri, Friedman e
incluem o Agoraphobic Cognitions Questionnaire Ravaris (1989) registraram um total de 14 pânicos
(Chambless et al., 1984) e o Body Sensations noturnos no laboratório do sono. Nenhum deles
Interpretation Questionnaire (Clark, Salkovskis, estava associado ao sono do movimento ocular
Õst, et al., 1996). Clark (1988, p. 76) ressaltou rápido (REM), indicando que os pacientes não
que, em alguns pacientes que sofreram ataques estavam sonhando. Esse aspecto também foi visto
repetidos, as “más interpretações catastróficas po­ por Klein e Klein (1989) como contrário à expli­
dem ser tão rápidas e automáticas que os pacientes cação cognitiva. Entretanto, ele é, na verdade, o
podem nem sempre estar cientes das mesmas”. padrão de resultados que se podería esperar com
Dada essa possibilidade, poder-se-ia recomendar base na teoria cognitiva. Isso é porque os pacien­
que o pesquisador também considerasse a utili­ tes só farão uma má interpretação das sensações
zação de algumas tarefas preparatórias (Clark et físicas se eles não tiverem à disposição, naquele
al., 1988; Cloitre, Shear, Cancienne & Zeitlin, momento, uma explicação alternativa muito forte
1994), que têm se mostrado úteis na distinção para as sensações. Um sonho frequentemente
entre pacientes com pânico e controles. fornecería tal explicação. Por exemplo, “Meu
coração está disparado porque estou sendo per­
Pânico noturno seguido por um tigre na Trafalgar Square”. O
Alguns pacientes que sofrem frequentes ata­ ponto de que os pacientes só interpretam mal as
ques de pânico durante o dia também relatam sensações físicas se eles não têm à disposição
serem despertados, aparentemente no meio de um uma explicação alternativa na qual eles possam
ataque de pânico. Klein e Klein (1989, p. 186) acreditar também explica a observação clínica
argumentam que a existência de pânico noturno comum que os pacientes com pânico geralmente
é inconsistente com a teoria cognitiva. Entretanto, não entram em pânico em situações genuinamente
um ano antes, Clark (1988, p. 75) dedicou-se a estressoras, como uma entrevista de emprego (ver
esse tema explicitamente e explicou como a teoria Clark, 1988, p. 78)4.
cognitiva lida com tais ataques. Citando-o:
Ataques com sintomas limitados
Estudos do sono (Oswald, 1966) têm mostrado Klein e Klein5 (1989, pp. 185-186) equivoca­
que nós monitoramos o mundo externo em busca damente inferem que a teoria cognitiva sugere
de sons pessoalmente significantes enquanto que todos os ataques deveríam ser totalmente
dormimos c tendemos a ter nosso sono pertur­ desenvolvidos. Seu argumento parece ser baseado
bado ou sermos acordados por esses sons. Parece na pressuposição que pensamentos negativos
razoável supor que nós também monitoramos sempre serão mantidos com completa convicção.

4 Craske e Freed (1995) relataram recentemente um estudo que parece fornecer suporte experimental para uma explicação cognitiva para o
pânico noturno.

Klein e Klein (1989) esboçam várias outras críticas não reproduzidas aqui, uma vez que já foram refutadas por McNally (1994).

319
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Entretanto, os pensamentos negativos não são Resumo e conclusões


diferentes de outros pensamentos; em momentos
diferentes e contextos diferentes, acredita-se neles Durante os últimos 15 anos, a abordagem de
com graus de convicção amplamente diferentes, Beck à psicopatologia tem sido aplicada à com­
e pode ser fácil ou extraordinariamente difícil preensão e ao tratamento do transtorno de pânico.
descartá-los. Ataques com sintomas limitados Um modelo cognitivo do transtorno de pânico,
ocorrem em contextos onde quaisquer interpre­ consistente com os principais sinais clínicos
tações errôneas de sensações físicas que sejam desta condição, foi desenvolvido. Investigações
experimentais têm apoiado o papel proposto das
desencadeadas têm uma credibilidade apenas
interpretações distorcidas das sensações físicas na
modesta e são fáceis de descartar. Um grande
produção de ataques de pânico e têm fornecido
número de variáveis, algumas das quais biológicas
apoio aos dois processos principais considerados
(ver Clark, 1988, p. 85), influencia a credibilidade
mantenedores de tais interpretações na ausência
e facilidade de descarte6.
de tratamento. Uma forma especializada de te­
Embora seja um ponto óbvio para a maioria rapia cognitiva foi desenvolvida com o objetivo
dos teóricos cognitivos, talvez valha a pena men­ de modificar as más interpretações das sensações
cionar que a teoria cognitiva do pânico, como físicas por parte dos pacientes. Estudos controlados
quase todas as teorias cognitivas dc transtornos indicam que essa forma especializada de terapia
emocionais, está preocupada com o significado cognitiva é um tratamento específico e altamente
idiossincrático. Isso quer dizer que uma interpre­ eficaz para o transtorno do pânico.
tação catastrófica de uma sensação física somente
produzirá um ataque de pânico se aquele indiví­
duo vê o resultado previsto como pessoalmente
Agradecimentos
catastrófico. Por exemplo, uma pessoa idosa que
esteja seriamente incapacitada após sofrer muitos David M. Clark é um Wellcome Trust Principal
derrames e que considera a perspectiva da morte Research Fellow. A pesquisa descrita neste capítulo
bem-vinda, provavelmente não entrará em pânico foi patrocinada por doações do Medicai Research
em resposta a uma dor no peito, à falta de ar e ao Council do Reino Unido, do Wellcome Trust e da
pensamento: “Estou tendo um ataque cardíaco.” North Atlantic Treaty Organization.

Embora seja um ponto óbvio para a maioria dos teóricos cognitivos, talvez valha a pena mencionar que a teoria cognitiva do pânico, como
quase todas as teorias cognitivas de transtornos emocionais, está preocupada com o significado idiossincrático. Isso quer dizer que uma interpre­
tação catastrófica de uma sensação física somente produzirá um ataque de pânico se aquele indivíduo vê o resultado previsto como pessoalmente
catastrófico. Por exemplo, uma pessoa idosa que esteja seriamente incapacitada após sofrer muitos derrames e que considera a perspectiva da morte
bem-vinda, provavelmente não entrará em pânico em resposta a uma dor no peito, falta de ar e o pensamento: “Estou tendo um ataque cardíaco”.

320
Transtorno do pânico: da teoria à terapia

Beck, A. T., Sokol, L., Clark, D. A., Berchick, B., &


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323
Capítulo 16

Abordagens cognitivas para a psicopatologia


E O TRATAMENTO DE FOBIA SOCIAL

Dianne L. Chambless
Debra A. Hope

fobia social é caracterizada pelo desejo Renneberg & Goldstein, no prelo; Schneier, John­

A de desempenhar bem em situações que


envolvam a interação com outros ou a
observação por outros, combinado ao medo de
fracassar e obter, como consequência, vergonha,
son, Homig, Liebowitz & Weissman, 1992). O
transtorno comórbido mais comum é o transtorno
de personalidade evitativo (por exemplo, Feske et
al, no prelo). De fato, a sobreposição entre a fobia
rejeição ou uma avaliação negativa. Sob este rótulo social generalizada e a personalidade evitativa é
geral, há subtipos significativos. O Diagnostic and tão grande que uma série de autores questionam
Statistical Manual of Mental Disorders, terceira se podem ser significativamente distinguidas entre
edição, revisado (DSM-III-R; Associação Psiquiá­ si e sugerem que a personalidade evitativa nada
trica Americana, 1987) reconhece dois: fobia social mais é do que o ponto extremo da fobia social
específica, que se refere a medo de uma situação generalizada (por exemplo, Herbert, Hope & Bel-
fóbica discreta, tal como falar ou comer em público, lack, 1992). Em linhas gerais, esta pesquisa indica
e fobia social generalizada, o medo da maioria das que os fóbicos sociais com personalidade evitativa
interações sociais. Estes subtipos não constituem têm a mais grave ansiedade social e são os mais
distinções obscuras. Um corpo crescente de pes­ propensos a ser depressivos (por exemplo, Tran
quisas (por exemplo, Heimberg, Hope, Dodge & & Chambless, 1995); há também alguma evidência
Becker, 1990) indica que pessoas com fobia social de que o resultado de seu tratamento será menos
generalizada são mais afetadas gravemente por favorável (por exemplo, Feske et al., no prelo;
seus transtornos, têm maior probabilidade de se mas veja Brown et al, 1995; Hope, Herbert &
tomar depressivas e têm um resultado terapêutico White, 1995).
limitado (por exemplo, Brown, Heimberg & Juster, Fobia social é um transtorno prevalente. As
1995; Chambless, Glass & Tran, 1993). estimativas do Epidemiologic Catchment Area
Fobia social, especialmente o tipo generalizado, Study (uma amostra aleatória de quatro cidades
frequentemente é complicada pela presença de dos Estados Unidos) indicam que 2,4% da popula­
transtornos comórbidos do Eixo I, mais habitual­ ção dos Estados Unidos se enquadra nos critérios
mente outros transtornos de ansiedade e distimia, diagnósticos em algum momento em suas vidas,
mas também alcoolismo (Feske, Perry, Chambless, embora poucos recebam tratamento (Schneier et al,
Fronteiras da Terapia Cognitiva

1992). Fobia social desenvolve-se prematuramente. uma alta excitação autonômica. Paradoxalmente,
Muitos relatam problemas ao longo de todas as estas reações aumentam a probabilidade de que o
suas vidas, enquanto para outros o início destes desempenho dessa pessoa de fato seja inadequado,
problemas ocorre ainda na adolescência (Schneier criando, assim, um círculo vicioso. Por último,
et ai, 1992). Levando-se em consideração a an­ essas pessoas podem evitar situações sociais para
gústia severa e as deficiências associadas à fobia minimizar a probabilidade de serem avaliadas ou
social (veja Turner & Beidel, 1989), especialmente rejeitadas, assim privando-se da oportunidade de
na forma generalizada, é surpreendente que pes­ testar a validade de suas crenças. O quanto este
quisas acerca deste transtorno de ansiedade tenham modelo corresponde a pesquisas atuais acerca da
florescido apenas mais recentemente. psicopatologia da fobia social? O restante desta
No restante deste capítulo, iremos revisar a seção será dedicado a pesquisas que abordam
literatura disponível a respeito da psicopatologia esta questão.
cognitiva da fobia social e seu tratamento pela Testes da teoria cognitiva para a fobia social
terapia cognitivo-comportamental. Ansiedade foram conduzidos, utilizando uma série de abor­
social é prevalente entre pacientes portadores de dagens metodológicas. Pesquisadores examinaram
variedade de transtornos psiquiátricos além da o conteúdo dos pensamentos de fóbicos sociais,
fobia social (por exemplo, esquizofrenia). Para bem como seus processos cognitivos.
certificar-se de que os estudos incluídos em nossa Presume-se que os resultados de pesquisas em
revisão abrangeríam apenas a própria fobia social, processos (por exemplo, atenção, memória) reflitam
limitamos nosso escopo àquelas investigações que a operação dos esquemas, estruturas cognitivas
utilizaram os critérios de DSM-III ou DSM-III-R, que, segundo hipóteses, direcionam e organizam
para diagnosticar a fobia social, além daquelas em estes processos.
que, pela descrição da amostra, parecia claro que
os critérios de DSM teriam sido preenchidos caso Conteúdo dos pensamentos
estes tivessem sido utilizados.
Autoafirmações e estimativas de probabilidade
Estudos acerca do conteúdo das cognições
de fóbicos sociais consistentemente demonstram
Teoria cognitiva da fobia social a orientação negativa de sua forma de pensar e
Beck e Emery (1985) propõem que a raiz da de sua percepção distorcida de si. Por exemplo,
fobia social está no medo de ter suas inadequa­ utilizando-se uma versão modificada do Social
ções expostas na frente de outros, o medo de ser Interaction Self-Statement Test (SISST, Teste de
humilhado. Alertas a perigo, pessoas socialmente AutoAfirmações em Interações Sociais; Glass,
fóbicas são hipersensíveis à possibilidade de serem Merluzzi, Biever, & Larsen, 1982), Dodge, Hope,
julgadas e, portanto, formam uma estrutura cogni­ Heimberg e Becker (1988) pediram a 28 fóbicos
tiva alerta à rejeição. Seu senso de vulnerabilidade sociais que avaliassem a frequência com que eles
é ainda aumentado por dúvidas de que tenham haviam tido pensamentos positivos e negativos so­
habilidades suficientes para ganhar a aprovação bre interações sociais com o sexo oposto. Sujeitos
de outros, por regras rígidas que constroem acerca que reportaram uma taxa mais alta de pensamentos
de comportamento social e por exageros com negativos eram mais gravemente fóbicos, com base
relação às consequências de fracassos. Beck e em medidas de autorrelato e na avaliação do nível
Emery sugerem que ao se sentirem vulneráveis de severidade por clínicos.
à ameaça de fracasso na frente de avaliadores, Administrando-se o SISST após role plays e
pessoas fóbicas sociais podem paralisar ou emu­ coletando-se pensamentos específicos para aquelas
decer (uma ação inibidora reflexa) ou experienciar interações (o método padrão para esta escala),

326
Abordagens cognitivas para a psicopatologia e o tratamento de fobia social

Turner, Beidel e Larkin (1986) descobriram que que eles mesmos acreditam ser padrões aceitáveis
tanto os fóbicos sociais quanto os sujeitos não de comportamento.
clínicos socialmente ansiosos, relataram uma taxa Hcimbcrg, Bruch, Hope c Dombcck (1990)
mais elevada de pensamento negativo e uma taxa estudaram os pensamentos de 49 fóbicos sociais
mais baixa de pensamento positivo após interações no contexto da teoria de States of Mind (SOM) de
sociais e após um discurso, do que o fizeram os Schwartz e Garamoni (1989). De acordo com a
sujeitos sem ansiedade social. teoria de SOM, o pensamento saudável é demons­
Stopa e Clark (1993) solicitaram a 12 fóbicos trado pela proporção de Pensamentos Positivos/
sociais que se envolvessem em uma conversa com Pensamentos Positivos + Negativos que igualam
um entrevistador e após imaginassem diversas a 0,618 (variação 0,56 a 0,68). Schwartz e Gara­
interações. Depois de cada interação real ou ima­ moni sugerem que pensar de forma exclusivamente
ginada, foram solicitados a relatar os pensamentos positiva não é realista e que pensar de forma
predominantemente negativa é disfuncional. Ao
que tiveram durante as interações, ou a “pensar
categorizarem os pensamentos escritos de fóbicos
em voz alta”. Estes pensamentos foram mais tarde
sociais após um teste de desafio comportamental
categorizados por juizes. Além disso, os sujeitos
individualizado (por exemplo, uma conversa com
completaram um questionário de pensamentos
um entrevistador ou um discurso breve), Heimberg,
acerca de situações sociais e endossaram aqueles
Bruch et al. (1990) encontraram uma proporção
que correspondiam aos seus pensamentos mais
média de SOM de 0,28, a qual Schwartz e Garamoni
comuns, bem como informaram o grau segundo
consideram extremamente negativa. Chambless et
o qual eles acreditavam nestes pensamentos.
al (1993) reportaram uma razão média menos ne­
Respostas de fóbicos sociais foram comparadas
gativa de 0,50, derivada do SISST, um questionário
às de 12 clientes com outros transtornos de an­
de autorrelato de pensamentos preenchidos por
siedade e 12 sujeitos não clínicos. Fóbicos sociais
53 fóbicos sociais após cada um de três desafios
relataram mais pensamentos negativos durante o comportamentais padronizados. De acordo com
período de “pensar em voz alta” e no questionário Schwartz e Garamoni, este resultado representa
de pensamentos do que os sujeitos de controle. um diálogo interno de conflito, caracterizado por
Além disso, eles indicaram que acreditavam nestes indecisão e dúvida, e típico de pessoas levemente
pensamentos mais do que os sujeitos não clínicos. ansiosas. Essa categorização se opõe à natureza
Surpreendentemente, os pensamentos dos fóbicos clínica da amostra, mas pode resultar do cálculo
sociais, após a conversa com o entrevistador, médio de SOMs em diversas situações, nem todas
eram caracterizados por um foco na autoavalia- as quais podem ser particularmente pertinentes a
ção negativa, enquanto esperaríamos, a primeira um determinado cliente. Ao contrário, Heimberg
vista, que seus pensamentos focalizariam mais a et al. coletaram seus dados após desafios indivi­
avaliação negativa pelo entrevistador. Esta desco­ dualmente projetados.
berta é consistente com a pesquisa de Strauman Finalmente, Lucock e Salkovskis (1988) de­
(1989), que determinou que os fóbicos sociais, monstraram que fóbicos sociais não só têm
em comparação àqueles com transtorno depres­ pensamentos negativos acerca das interações que
sivo maior, eram caracterizados particularmente acabaram de ocorrer, mas eles também possuem
por uma discrepância entre a forma pela qual se expectativas negativas acerca do futuro. Em
percebiam e a forma que achavam que deveríam comparação aos controles não clínicos, 12 fóbi­
ser, o que Strauman denomina de discrepância cos sociais, aos quais foi dado um questionário
entre “fato/dever”. Assim, em interações sociais, a respeito da probabilidade subjetiva de eventos
os pensamentos de fóbicos sociais podem ser do­ positivos e negativos, avaliaram os eventos nega­
minados por seu fracasso percebido em alcançar o tivos de natureza social, mas não outros eventos

327
Fronteiras da Terapia Cognitiva

negativos, como sendo os eventos mais prováveis avaliaram outros sujeitos após estes discursarem.
de ocorrer, e os positivos de todos os tipos, como Tanto os fóbicos sociais quanto os observadores
sendo os menos prováveis. avaliaram os fóbicos de forma mais negativa do
que o fizeram os sujeitos não clínicos com relação
Autopercepções a comportamentos específicos relativos a discursos
A pesquisa relatada até o momento indica que (por exemplo, voz clara). As avaliações globais
a forma de pensar de fóbicos sociais é altamente (por exemplo, falar bem de forma geral) revela­
negativa, o que é consistente com a teoria cognitiva. ram um padrão diferente. Aqui os observadores
Mas não demonstra, entretanto, que seu pensamento fizeram avaliações equivalentes dos dois grupos,
é distorcido, o que requer que seja não apenas porém, fóbicos sociais se avaliaram de forma mais
negativo, mas também errôneo. Se os fóbicos rigorosa do que o fizeram os sujeitos não clínicos.
sociais são tão ineptos quanto pensam que são, Em geral, esses dados sugerem que fóbicos
então suas percepções seriam angustiantes, porém sociais estão parcialmente certos. Em uma si­
exatas. Diversos estudos abordam esta questão; os tuação altamente ansiogênica, seu desempenho é
resultados são contraditórios. Tran e Chambless inferior se comparado a pessoas sem ansiedade
(1995) fizeram 44 fóbicos sociais (27 com fobia social. Se isto é de fato um déficit em habilidade
social generalizada) participarem de role plays de ou se reflete os efeitos da ansiedade, não pode
interação social com um entrevistador e fazerem ser determinado por estes dados. Por outro lado,
um breve discurso. Tanto os clientes quanto os esses resultados também indicam que os fóbicos
observadores avaliaram as habilidades dos clien­ sociais são excessivamente pessimistas no que se
tes após cada role play. Após as conversações, refere ao seu próprio desempenho, pois avaliam
os clientes eram significativamente mais críticos a si mesmos até mesmo mais negativamente do
a respeito de seus desempenhos do que o eram que o fazem os outros. Interessantemente, Rapee
os observadores, independentemente do subtipo. e Lim (1992) descobriram que fóbicos sociais não
Nenhuma diferença foi observada nas avaliações eram generalizadamente críticos; sua tendência
do discurso. Estes dados fornecem algum subsídio crítica excessivamente rigorosa era reservada a
para a noção de que fóbicos sociais são desne­ si próprios, não se estendendo às suas avaliações
cessariamente rigorosos consigo mesmos, mas é sobre o desempenho dos outros.
possível que as pessoas em geral sejam mais críticas
a respeito de seus próprios desempenhos do que Processos cognitivos
são os observadores. Os dois estudos restantes a Dados baseados em questionários de autorrelato
serem revisados abordam esta questão. estão sujeitos à crítica de que as respostas dos
Stopa c Clark (1993) fizeram tanto os sujeitos clientes podem scr tendenciosas. Por exemplo,
quanto os observadores avaliarem o desempenho relatos de clientes com altos níveis de pensamen­
dos sujeitos durante uma conversa com um en­ tos negativos em situações sociais podem refletir
trevistador. Os observadores avaliaram os fóbicos nada mais do que suas tentativas de explicar aos
sociais mais negativamente do que os controles examinadores, clínicos, ou a si mesmos a razão
ansiosos e não clínicos, porém, os fóbicos sociais pela qual são ansiosos. Além disso, aspectos
avaliaram a si próprios ainda mais negativamente importantes de operações esquemáticas não são
do que o fizeram os observadores. Esta discrepân­ acessíveis à introspecção ou ao autorrelato. Em con­
cia foi significativamente maior do que aquela formidade, é importante acrescentar à riqueza dos
observada com os controles. Rapee e Lim (1992) dados obtidos através do autorrelato, informações
pediram aos fóbicos sociais e controles não clínicos coletadas através de outros paradigmas. Pesquisas
que fizessem um breve discurso público. Eles se au- a respeito de processos cognitivos fornecem esta
toavaliaram após seus próprios discursos e também perspectiva adicional.

328
Abordagens cognitivas para a psicopatologia e o tratamento de fobia social

Uma vez que são construtos hipotéticos, es­ seus esquemas, dessa forma distraindo o sujeito
quemas não são observáveis. Pesquisadores que da tarefa de nomear as cores. Assim, essa tarefa
examinam operações cognitivas tentam estabelecer pode ser interpretada como um análogo experi­
indiretamente que fóbicos sociais têm um esquema mental da vigilância contínua relativa a ameaças
de ameaça social, emprestando a metodologia la­ sociais que, de acordo com Beck e Emery (1985),
boratorial de psicólogos cognitivos experimentais. é característica dos fóbicos sociais.
Eles examinam processos, tais como a atenção As respostas de Stroop foram examinadas
e a memória que, de acordo com hipóteses, são em três amostras de clientes socialmente fóbi­
afetadas por operações esquemáticas. cos. Hope, Rapee, Heimberg e Dombeck (1990)
compararam respostas de 16 pessoas com fobia
Tempo de reação social e 15 com transtorno de pânico. Conforme
Um dos paradigmas mais comuns, atualmente hipotetizado, pessoas com fobia social demoraram
empregados em pesquisas sobre transtornos de mais para nomear as cores de palavras associadas
ansiedade, refere-se à modificação do Stroop ao fracasso social (por exemplo, idiota, fracasso)
color-naming task (tarefa de nomeação de cores do que de palavras neutras. O grupo de controle
de Stroop). A tarefa original de Stroop requer para pânico não o fez (embora eles tenham rea­
que os sujeitos rotulem em voz alta as cores das gido de forma mais lenta a palavras de ameaça
palavras apresentadas a eles, enquanto ignoram relacionadas ao pânico). Os clientes fóbicos sociais
as próprias palavras. Isso é um tanto complicado, não responderam mais lentamente às palavras re­
porque as palavras referem-se a nomes de cores, e lacionadas aos esquemas de pânico (por exemplo,
não à cor da tinta utilizada para essa palavra em insano, mortal). Esses dados sugerem que, para
particular. Assim, por exemplo, é exigido que o pessoas com fobia social, o emprego da atenção
sujeito diga “vermelho” (a cor da palavra), quando é dirigido por preocupações muito específicas
lhe é apresentada a palavra azul, escrita em tinta relacionadas à avaliação negativa e inadequa­
vermelha. Essa tarefa prova de forma confiável que ção, e não por preocupações ansiosas em geral.
é mais difícil citar a cor da tinta do que nomear Além disso, eles apoiam a tese geral de Beck e
a cor escrita por uma fileira de letras do mesmo Emery (1985) de que os pacientes ansiosos com
tamanho, pois o tempo de reação em prover a diferentes transtornos são guiados por esquemas
resposta correta é mais lento. Modificada para diferentes e previsíveis. Estas descobertas básicas
pesquisas em ansiedade, a tarefa envolve nomear foram replicadas no mesmo laboratório por Mattia,
as cores de palavras que representam supostamente Heimberg e por Hope (1993), que compararam as
o esquema de ansiedade do sujeito (por exemplo, respostas de 28 fóbicos sociais à ameaça social,
humilhação para um fóbico social). O tempo de ameaça de pânico e palavras de controle neutras
reação do sujeito a palavras relevantes aos seus às respostas de 47 voluntários não clínicos. Mais
esquemas é então comparado ao tempo de reação uma vez, fóbicos sociais destacaram-se pelo seu
a um conjunto de palavras neutras, combinadas em tempo de reação, especialmente lento, às palavras
comprimento e frequência, e de uso comum no de ameaça social. Finalmente, McNeil et al. (1995)
idioma, ou a um conjunto de palavras de ameaça demonstraram que clientes com diferentes subtipos
irrelevantes para seus esquemas (por exemplo, de fobia social podem ser distinguidos por suas
palavras extraídas das preocupações de um outro reações às palavras de ameaça de Stroop. Aqueles
grupo ansioso). O tempo mais lento de reação foi com fobia social generalizada responderam mais
interpretado como sendo evidência dos efeitos di­ às palavras de ameaça social em geral do que
recionados por esquemas sobre a percepção, pois clientes somente com fobia de falar em público.
pesquisadores raciocinam que os recursos de aten­ Os grupos de subtipos eram equivalentes em suas
ção são atraídos pelas palavras congruentes com respostas às palavras de ameaça relacionadas a

329
Fronteiras da Terapia Cognitiva

falar em público e às relacionadas à avaliação após a outra pode criar uma reação ansiosa e
social negativa, destacando a importância da inibitória em clientes fóbicos. Recorde que Beck
avaliação negativa antecipada na psicopatologia e Emery (1985) propõem que a imobilização em
da fobia social. resposta a estímulos sociais, especialmente aqueles
Com base em dados derivados de um paradigma em que há a possibilidade de avaliação negativa
diferente de tempo de reação, Cloitre, Heimberg, ou vergonha, é característica de fóbicos sociais.
Holt e Liebowitz (1992) ofereceram outra ex­ Asmundson e Stein (1994) apontam que a difi­
plicação para os dados de tempo de reação, que culdade em interpretar os dados de Stroop advém
podem também ser estendidos às descobertas das da confusão entre os paradigmas de medição de
pesquisas de Stroop. Estes autores apresentaram a atenção e tempo de reação. Fóbicos sociais res­
fóbicos sociais duas tarefas que requeriam respos­ pondem mais lentamente a estímulos de ameaça
tas a listas de palavras - ameaça social, positivas social porque sua atenção é atraída à, ou mantida
(por exemplo, encantado) e neutras. Na primeira pela, ameaça, ou porque sua habilidade de res­
tarefa, os clientes tomaram decisões lexicais em ponder é perturbada por sua reação à ameaça?
resposta a cada palavra (por exemplo, isto é uma Um paradigma de laboratório formulado por Ma­
palavra?). Na segunda tarefa, realizaram decisões cLeod, Mathews e Tata (1986) para pesquisas em
semânticas (Isto é uma palavra referente a senti­ transtorno de ansiedade generalizado e aplicado
mento?). Acredita-se que a última tarefa necessita por Asmundson e Stein à fobia social permite
de um processamento cognitivo mais profundo. que esses dois processos sejam separados. Nesse
Em ambos os casos a variável dependente foi o procedimento, os clientes ficam atentos a um ponto
tempo de reação. Além disso, em ambos os casos na tela do computador e respondem pressionando
fóbicos sociais, porém não sujeitos de controle uma tecla quando o veem. O ponto aparece em
normais, responderam mais lentamente a palavras seguida à apresentação de várias palavras, algu­
de ameaça social do que a palavras positivas ou mas das quais são palavras de ameaça. Assim, a
neutras. Cloitre et ai (1992) sugerem que estes indicação à qual os clientes respondem é neutra.
dados podem refletir a reação de imobilização por Asmundson e Stein demonstraram que, quando
parte de sujeitos fóbicos em resposta a estímulos o ponto aparecia em uma posição que havia sido
de ameaça, tendo como resultado uma queda em ocupada por uma palavra de ameaça social ime­
desempenho nas tarefas em que o critério é a diatamente antes, os clientes socialmente fóbicos
rapidez. Essa interpretação pode também ser es­ responderam ao ponto mais rapidamente do que
tendida aos dados de Stroop. A reação mais lenta se uma palavra neutra ou uma palavra de ameaça
de fóbicos sociais em nomear palavras de ameaça de pânico estivesse nessa mesma região da tela
social pode não refletir uma atenção maior àquelas de computador. Os sujeitos de controle normais
palavras, mas sim uma reação de imobilização não demonstraram tais tendências. Nesse caso, o
em resposta a estímulos de ameaça. Tal resposta tempo de reação dos fóbicos sociais foi facilitado
é tida como a mais provável para a abordagem por estímulos de ameaça social. Com base nesses
ao teste de Stroop, utilizado em pesquisas até o resultados, pode-se rejeitar a possibilidade de que
momento. Tanto Mattia et ai (1993) quanto Hope a imobilização em resposta à ameaça explica a
et ai (1990) apresentaram palavras de ameaça resposta diferencial, tomando altamente prová­
social em blocos de palavras similares, ao invés vel que a maior atenção ao estímulo de ameaça
de mostrá-las individualmente e intercaladas com explique a maior resposta por parte dos fóbicos
palavras neutras1. Ler palavras de ameaça uma sociais. Como com a pesquisa de Stroop, o efeito

1Sc McNeil et. al. (1995) seguiram o mesmo procedimento é difícil de discernir a partir do seu relato, embora seja claro que eles usaram listas
de palavras, ao invés de palavras individuais, na tela do computador.

330
Abordagens cognitivas para a psicopatologia e o tratamento de fobia social

da atenção foi observado somente para palavras às palavras de ameaça de pânico, palavras neutras
de ameaça sociais e não para palavras de ameaça e palavras positivas. Em nenhum dos estudos,
de pânico (físicas), indicando a especificidade os fóbicos sociais demonstraram um viés maior
das respostas. de memória implícita ou explícita com relação
a palavras de ameaça social do que os controles
Memória não clínicos.
Pesquisas com pacientes em depressão têm con­ Stopa e Clark (1993) conduziram um último
sistentemente demonstrado que pessoas depressivas estudo de memória com a amostra descrita ante­
têm uma memória melhor para eventos negativos riormente. Eles hipotetizaram que fóbicos sociais
(Dalgleish & Watt, 1990). Estudos em memória iriam ser distraídos por seu diálogo interno negativo
estão sendo atualmente conduzidos também com durante uma conversa com um entrevistador e,
pacientes ansiosos, e os resultados iniciais indi­ portanto, teriam dificuldades em lembrar a conversa
cam que pacientes de pânico têm uma memória em si, assim como peças vestidas pelo entrevistador
melhor para palavras de ameaça de pânico (por e objetos e sons na sala onde a conversa havia
exemplo, Becker, Rinck & Margraf, 1994). Dados ocorrido. Apesar de os fóbicos sociais terem de
relacionados a efeitos de memória para a fobia fato relatado que tiveram mais pensamentos ne­
social estão apenas começando a surgir. gativos durante a conversa, não houve nenhuma
Em dois estudos que comparam as respostas de evidência de que esses pensamentos houvessem
33 fóbicos sociais e 21 sujeitos não clínicos, Rapee, interferido com suas lembranças sobre o evento.
McCallum, Melville, Ravenscroft e Rodney (1994)
testaram se os fóbicos sociais demonstravam ter Implicações do tratamento
uma memória melhor para eventos negativos. Em O autorrelato e os dados de laboratório dispo­
um estudo, foi pedido aos sujeitos que relacionas­ níveis apoiam a hipótese de que fóbicos sociais
sem memórias provocadas por estímulos sociais pensam de forma negativa a respeito de si mesmos
versus neutros. Fóbicos sociais não foram capazes em situações de interação social. Eles antecipam o
de recordar mais eventos negativos do que sujeitos fracasso social, percebem seu desempenho social
não clínicos. No segundo estudo, fóbicos sociais de forma negativa, e podem estar preocupados
falharam em demonstrar uma memória melhor para com a autoavaliação em situações de interação
pseudo-feedback negativo após um discurso imagi­ social. Eles são hiperalertas a estímulos relativos
nário. Os resultados do segundo estudo podem ser a fracasso social e rejeição e muito provavelmente
desafiados com base em sua validade externa (o paralisarão em resposta a tais estímulos. Entretanto,
feedback relacionado a um discurso imaginário é não há evidências até o momento que indiquem
um estímulo potente o suficiente para provocar uma uma maior probabilidade de que eles se lembrem
resposta diferencial?). Entretanto, as descobertas de estímulos ou experiências ameaçadoras em
relacionadas ao estudo de memória autobiográfica comparação a uma pessoa comum, uma vez que
desafiam a noção comum em terapia cognitiva com estes tenham passado.
fóbicos sociais, que coloca que eles têm um filtro Aplicar essas descobertas à prática clínica deve
mental, através do qual eles descartam experiências ser feito de forma muito tentativa; porém, essas
positivas e retêm as negativas em suas memórias. descobertas podem indicar que a terapia cognitiva
Dois estudos adicionais com amostras separadas focalizaria, de forma mais útil, as percepções
de fóbicos sociais versus controles não clínicos, iniciais e autoavaliações de fóbicos sociais em
Rapee et al. (1994) examinaram se fóbicos so­ situações de interação social, bem como a pro­
ciais demonstrariam uma memória melhor para o babilidade de que eles focalizariam os estímulos
tipo de palavras de ameaça social, utilizadas nas mais ameaçadores numa situação social. Os dados
experiências de tempo de reação, se comparadas também sugerem que os clínicos devem manter

331
Fronteiras da Terapia Cognitiva

em mente que fóbicos sociais estão relativamente como treinamento de habilidades sociais ou ex­
corretos quando acreditam que não tiveram um posição. Sob a rubrica geral da TCC, diversas
bom desempenho na frente de outros, talvez em variedades têm sido testadas, mais notavelmente
parte porque eles paralisam em resposta a ameaças o Self-Instructional Training (SIT, Treinamento
sociais, reação esta que eles provavelmente notarão. Autoinstrutivo; Meichenbaum, 1975), Rational
Isto toma a fobia social um tanto quanto diferente Emotive Therapy (RET, Terapia Racional Emotiva;
de, por exemplo, um transtorno de pânico. Está Ellis, 1962), Anxiety Management Training (AMT,
claro que, após um ataque de pânico, a previsão Treinamento em Gerenciamento de Ansiedade;
do cliente de que este iria morrer está incorreta. Suinn & Richardson, 1971), e a terapia cognitiva
O homem socialmente fóbico que acredita que seu de Beck e Emery (1985), desenvolvida especial­
par em um encontro amoroso o achou ansioso e mente para fobia social por Heimberg e colegas
procurando por palavras pode de fato estar certo, (Heimberg, 1991; Heimberg & Becker, 1984).
mesmo que ele tenha exagerado quanto à extensão Nesta seção, iremos examinar dados de eficácia
do problema e quanto à avaliação negativa feita para a TCC bem como as descobertas que apontam
por seu par. os possíveis mecanismos de mudança.

Eficácia de TCC
No nível mais básico, precisamos saber se TCC
Tratamento cognitivo-comportamental
funciona melhor do que nenhum tratamento ou,
Pesquisas em tratamento cognitivo-comporta­ melhor ainda, de uma perspectiva metodológica,
mental (TCC) em fobia social estão florescendo. se é mais eficaz do que um placebo. Para abordar
Utilizamos o termo TCC ao invés de terapia cog­ essa questão, revisaremos uma série de estudos
nitiva porque, com rara exceção, os tratamentos individuais e também apresentaremos na Tabela
cognitivos testados para fobia social têm incluído 16.1 os resultados de um sumário descritivo meta-
componentes comportamentais sistemáticos, tais -analítico de 12 investigações publicadas e 2 não

332
Abordagens cognitivas para a psicopatologia e o tratamento de fobia social

publicadas em TCC. Como o tamanho do efeito, al., 1990; Hope, 1989; Jeremalm, Jansson & Õst,
calculamos o delta de Smith e Glass (1977). Para 1986; Mattick, Peters & Clarke, 1989; Scholing
incluir o maior número possível de estudos, nós & Emmelkamp, 1993a, 1993b).
utilizamos o tamanho de efeito bruto no pré-teste Os tratamentos incluídos na Tabela 16.1 tive­
e pós-teste, de acordo com a seguinte fórmula: ram a duração de 5 a 16 sessões. Na maioria dos
(.Mpré-teste - Mpós-íesíe)/SDpré-tesíe. Este re­ estudos, o tratamento foi oferecido em grupos. Em
sumo inclui, necessariamente, somente aqueles três estudos, os investigadores utilizaram sessões
estudos para os quais os autores fornecem médias individuais (Butler et al., 1984; Jerremalm et al.,
e desvios padrão em seus relatos. As variáveis para 1986; Scholing & Emmelkamp, 1993a), enquanto
esta análise foram o questionário principal ou as em outros dois os clientes foram tratados ou em
avaliações feitas por avaliadores da fobia social formato individual ou de grupo (Scholing & Em­
para um determinado estudo; se houvesse mais de melkamp, 1993b; Stravynski, Marks &Yule, 1982).
um, estes eram combinados de modo a produzir Frequentemente se pressupõe que o tratamento
um tamanho do efeito para cada estudo. O tamanho em grupo é mais eficaz para fobia social devido à
do efeito resumido é ponderado de acordo com o facilidade de se conduzir exposição e treinamento
tamanho da amostra. No caso dos dados de follow- de habilidades sociais neste formato. Somente
-up (Tabela 16.2), dois tamanhos de efeito foram Scholing e Emmelkamp (1993b) e Lucas e Telch
discrepantes do restante, e não foram incluídos (1993) relataram testes aleatórios de comparação
na média ponderada dos tamanhos do efeito. Na entre TCC individual e em grupo. Nestes estudos,
Figura 16.1, apresentamos a média ponderada os tratamentos foram igualmente eficazes. Esta
do tamanho do efeito para um subconjunto de é claramente uma questão de significado prático
8 estudos, nos quais um grupo de controle (lista considerável, e mais dados abordando este ponto
de espera, placebo, ou psicotcrapia dc apoio) foi seriam úteis.
incluído, juntamente com uma média ponderada Confirmando a eficácia de TCC para fobia
do tamanho do efeito para os grupos de controle social, os tamanhos do efeito para mudança em
(Butler, Cullington, Munby, Amies & Gelder, medidas de fobia social, medo de avaliação nega­
1984; Clark & Agras, 1991; Heimberg, Dodge et tiva e cognições disfuncionais são todos grandes

333
Fronteiras da Terapia Cognitiva

no pós-teste e ainda maiores no follow up. Os avaliações comportamentais de fobia social. Dentre
tamanhos do efeito na Figura 16.1, mostrando os respondentes cognitivos, aqueles no grupo SIT
a diferença média entre os efeitos de TCC e também relataram mais mudanças em ansiedade
as condições de controle (placebo, educação e em teste de comportamento. Butler et al. (1984)
apoio, e lista de espera), claramente demonstram compararam os efeitos de sete sessões de exposição
a superioridade de TCC em relação às situações mais AMT aos sujeitos em lista de espera. Os 15
de controle. clientes tratados estavam claramente melhores do
que os clientes em lista de espera com base em
Comparações com nenhum tratamento medidas de fobia social, satisfação com uma série
Quatro estudos controlados abordaram a eficácia de contatos sociais em suas vidas e ansiedade em
de TCC versus a linha de base ou um grupo de con­ teste de comportamento. Finalmente, Hope (1989)
trole sem nenhum tratamento2. Stravynski (1983) comparou os efeitos de 12 semanas em uma lista
conduziu uma investigação, com um desenho de de espera ao grupo de TCC de Heimberg (1991).
linhas de base múltiplas em diversos settings, Os clientes que receberam TCC melhoraram mais
acerca dos benefícios de exposição, treinamento na maioria das medidas de fobia social do que os
de habilidades sociais, e modificação cognitiva de sujeitos da lista de espera, que demonstraram uma
um homem socialmente fóbico, que havia vomitado mudança mínima entre os momentos de avaliação.
em situações ansiogênicas. Em geral, a ansiedade Em três estudos, TCC foi comparada a condi­
do paciente em uma determinada situação fóbica ções psicológicas ou de placebo. Heimberg, Dodge
caiu quando, e somente quando, aquela situação et al. (1990) examinaram os efeitos de 12 sessões
em particular foi alvo de tratamento, significando de TCC em grupo versus uma quantidade igual de
que o tratamento, ao invés do passar do tempo, foi terapia educacional de apoio em grupo. O grupo
o agente responsável pela mudança. A ansiedade de terapia educacional de apoio serviu de controle
do paciente e o comportamento de vomitar foram para os efeitos de atenção, contato em grupo,
aliviados pelo tratamento, e ele manteve essa me­ educação acerca de fobia social e expectativas,
lhora no follow-up após 2 anos. Jerremalm et al. e, dessa forma, constituíram uma base rigorosa
(1986) compararam 10 a 12 sessões de SIT mais para efeito de comparação. Os sujeitos avaliaram
exposição como tarefa de casa a um grupo de o tratamento de controle como igual à TCC em
controles em lista de espera. Os sujeitos foram di­ termos de credibilidade, e demonstraram a mesma
vididos em respondentes3 fisiológicos e cognitivos. probabilidade de concluir o grupo educacional
Independentcmente da classificação, os clientes que de apoio quanto os sujeitos em TCC. Tanto no
receberam SIT melhoraram mais do que os clientes pós-teste quanto no follow-up após 6 meses, ava­
em lista de espera, com base em questionários e liadores independentes avaliaram os clientes em

Heimberg, Becker, Goldfinger e Vermilyea (1975) conduziram seu estudo de acordo com um desenho entre sujeitos de linha de base múltipla.
Infelizmente, devido ao fato de que as linhas de base de seus sujeitos estavam frequentemente descendendo ou instáveis, antes dos clientes ini­
ciarem o tratamento, faz-se difícil atribuir melhoras claramente ao tratamento, em oposição aos efeitos de medidas repetidas. Em conformidade,
incluímos os seus dados de pré-teste/pós-teste na metanálise em forma de um estudo não controlado, mas não consideramos o seu trabalho nesta
seção. Além disso, não discutimos as comparações das listas de espera relatadas por Mattick et al. (1989) e por Scholing e Emmelkamp (1993a,
1993b) embora seus dados estejam incluídos na Figura 16.1. Na sua análise estatística, estes autores combinaram vários grupos de tratamento,
apenas um dos quais era TCC para comparação com o grupo de lista de espera.
3 Neste estudo, como em alguns outros, os clientes foram categorizados conforme o seu tipo de reação de medo, tipicamente em resposta a uma
exposição ao estímulo temido, por exemplo, a encenação de uma interação social. Os sujeitos que mostraram uma resposta acentuada de batimento
cardíaco, mas pouca evidencia dc pensamento negativo, foram rotulados dc respondentes fisiológicos, enquanto aqueles com pouco aumento dc
batimentos cardíacos, mas com uma taxa alta de pensamentos negativos, foram rotulados de respondentes cognitivos. Outras categorizações são
possíveis. Por exemplo, em um estudo a ser descrito abaixo, Mersch, Emmelkamp, Boegels e van der Sleem (1989) compararam respondentes
cognitivos a respondentes comportamentais, com os últimos demonstrando habilidades sociais relativamcntc pobres cm oito encenações breves
de interações sociais.

334
Abordagens cognitivas para a psicopatologia e o tratamento de fobia social

TCC como melhores do que os clientes do grupo que aceitaram participar. Para ambos os grupos do
de controle. No pós-teste, os avaliadores classi­ tratamento, os clientes mais dispostos a participar
ficaram 75% do grupo de TCC versus 40% do tendiam a ter sido respondentes ao tratamento no
grupo educacional de apoio como tendo melhorado pós-teste, provavelmente inflando dessa forma as
significativamente. Na sessão de follow-up, clientes taxas de melhora no follow-up. Novamente ava­
em TCC também relataram menos ansiedade no liadores independentes classificaram clientes em
teste comportamental. Não houve diferenças nas TCC como menos socialmente fóbicos, e também
avaliações pelos observadores na ansiedade do teste como menos prejudicados por suas fobias do que
comportamental em nenhum dos momentos, assim o grupo de clientes de controle. Dos clientes em
como não houve diferenças observadas nas análises TCC, 89% melhoraram significativamente, do
dos questionários de autorrelato. Esta última des­ ponto de vista clínico, versus 44% do grupo de
coberta é difícil de ser interpretada, pois os autores controle. Além disso, o grupo em TCC obteve
seguiram uma estratégia de análise de dados que escores inferiores em duas das quatro medidas de
provavelmente foi infeliz. Eles combinaram dados autorrelato de fobia social e foram classificados
obtidos nos questionários, independentemente do como menos ansiosos e mais habilidosos no teste
construto medido, em uma análise de variância comportamental por juizes, apesar de não por si
multivariada. Diferenças reais podem tomar-se mesmos. No geral, o conjunto de estudos baseados
obscuras com tal abordagem, por exemplo, se um na abordagem de Heimberg (1991) indica que
tratamento foi melhor em medidas de fobia social, TCC é mais eficaz do que uma condição rigorosa
mas não em medidas como depressão. de controle em medidas críticas de fobia social,
Em um breve relatório recente, Lucas e Telch e que os resultados podem ser bem mantidos até
(1993) forneceram uma replicação do estudo de o follow-up de 5 anos.
Heimberg et al. (1990), no qual eles utilizaram Clark e Agras (1991) relataram o resultado de
o mesmo manual de tratamento. Clientes que um tratamento para uma amostra incomum nesta
foram tratados com TCC em grupo tinham uma literatura: todos os pacientes eram músicos com
maior probabilidade de preencher critérios para ansiedade de performance e se submeteram a um
uma mudança confiável (veja Jacobson & Truax, tratamento de breve duração. Pacientes foram
1991), com base no Social Phobia and Anxiety aleatoriamente submetidos a cinco sessões de TCC
Inventory (Inventário de Fobia Social e Ansie­ em grupo + placebo, buspirone tranquilizante,
dade) do que clientes no grupo de controle de TCC + buspirone, ou placebo somente. No pós-
terapia educacional de apoio. Testes de medidas -teste, os sujeitos tratados com TCC + placebo4
de resultado contínuo são obscurecidos por uma estavam melhores do que os tratados somente
estratégia multivariada similar àquela utilizada por com placebo, com base nas avaliações de juizes
Heimberg et al. (1990). O grupo de TCC tendia a sobre a qualidade de um teste comportamental
demonstrar uma mudança maior nas medidas de de desempenho musical, mas não com base nos
teste comportamental, mas não no grupo hetero­ dados de questionários ou nos dados de um teste
gêneo de medidas de autorrelato. comportamental de autorrelato. No follow-up
Em 1993 Heimberg, Salzman, Holt e Blendall após 1 mês, uma medida foi aplicada, o Perso­
publicaram dados de um follow-up de 5 anos para nal Report of Confidence as a Performer (PRCP,
um subconjunto de 19 pessoas, advindas do grupo Relato Pessoal de Confiança como Artista). O
original de clientes, que puderam ser localizadas e grupo de TCC + placebo foi superior ao grupo

4 Estritamente falando, TCC mais placebo não ó o mesmo que TCC. Como foi convincentemente discutido por Hollon e DeRubeis (1981), por
várias razões TCC mais placebo pode ser menos efetiva do que TCC somente.

335
Fronteiras da Terapia Cognitiva

de placebo somente nesse momento. Os autores grupos, inclusive os do somente buspirone e os


especularam que, considerando o programa muito do buspirone + TCC. Entretanto, os clientes dos
breve de tratamento, os sujeitos necessitavam de grupos de drogas haviam sido retirados da medica­
tempo para incorporar o que haviam aprendido e ção na época do estudo. Estes dados indicam que
as mudanças que haviam ocorrido, antes que estas tratamento breve de TCC + placebo tem efeitos
se manifestassem nas medidas de autorrelato, tais mais duradouros do que tratamento farmacoterá-
como o PRCP. Esta explicação encaixa-se ao padrão pico breve.
de dados do PRCP, porém, o exame das médias Um estudo mais extensivo, comparando o tra­
das demais medidas sugere que o baixo poder tamento farmacológico à TCC, foi conduzido por
estatístico que os autores tinham para comparação Gelemter et al (1991). Estes autores ofereceram 12
(sete sujeitos por célula) desempenhou um papel sessões de TCC em grupo, utilizando o manual de
na falta de diferenças entre os grupos, uma vez Heimberg e Becker (1984). Os sujeitos do grupo de
que o grupo de TCC + placebo consistentemente drogas receberam ou fenelzina MAOI {monoamine
desempenhou melhor do que o grupo de placebo oxidase inhibitor) ou benzodiazepínico alprazolam
somente. de alta potência. Todos os grupos receberam tarefas
Em resumo, os tamanhos substanciais do de casa semanais de exposição a situações fóbicas.
efeito nas Tabelas 16.1 e 16.2, e os resultados O poder estatístico foi melhorado em relação ao
de investigações controladas (veja Figura 16.1), estudo de Clark e Agras (1991), apesar de ainda
indicam que a TCC é um tratamento eficaz para baixo para comparação entre tratamentos ativos
fobia social e que seu impacto é mais significativo (14 a 17 por célula). Após 12 semanas, pacien­
do que o placebo ou outras terapias de apoio. tes receberam um pós-teste, foram retirados de
Embora importante, essas descobertas não nos qualquer medicação, e foram vistos novamente
dizem se TCC é tão eficaz ou mais eficaz do que em follow-up 2 meses depois. Não houve efeitos
outros tratamentos ativos. Voltamo-nos para esta significativos entre grupos no pós-teste ou follow
questão cm seguida. up nas medidas dc fobia social.
Como esta revisão demonstra, comparações
Comparações com outros tratamentos de TCC à farmacoterapia são muito limitadas.
Nesta seção examinaremos 12 estudos contro­ Concluímos que TCC parece ser tão eficaz quanto
lados nos quais a TCC foi comparada a uma outra intervenções farmacológicas, porém, muito mais
forma de tratamento ativo. Devido à escassez de pesquisa é necessária para se obter uma resposta
dados acerca de tratamentos psicossociais não definitiva.
comportamentais para fobia social, esta revisão
estará limitada a intervenções farmacológicas e Exposição
diversas intervenções comportamentais. TCC tem sido extensivamente comparada à
exposição sem modificação cognitiva, com resulta­
Farmacoterapia dos contraditórios. Em um dos primeiros estudos,
O desenho do estudo de Clark e Agras (1991) Biran, Augusto e Wilson (1981) examinaram os
com ansiedade de performance musical foi des­ resultados de apenas três casos, dois dos quais
crito acima e seus problemas de baixo poder foram tratados com reestruturação cognitiva (cinco
foram ressaltados. Não houve nenhuma diferença sessões) seguida de exposição (cinco sessões),
significativa entre sujeitos tratados com TCC + enquanto o terceiro sujeito de controle recebeu
placebo e os tratados com buspirone no pós-teste, apenas exposição. Todos tinham um medo severo
e o buspirone não acrescentou à eficácia da TCC. de escrever na frente de outros. Mudanças no teste
No follow-up, os resultados do grupo de TCC + comportamental de evitação ocorreu quando, e
placebo foram superiores aos de todos os outros somente quando, os clientes receberam exposição.

336
Abordagens cognitivas para a psicopatologia e o tratamento de fobia social

Reestruturação cognitiva sem exposição, durante em um nível estatisticamente maior, do que a de


ou entre sessões, não levou a nenhuma mudança. 9% no grupo de somente exposição. Um grupo
Mudanças no medo foram inconsistentes e, por­ de TCC em particular foi prejudicado por um
tanto, difíceis de serem interpretadas. membro inusitadamente hostil, que eventualmente
Gelemter et al.( 1991) incluiu um quarto grupo, foi removido do grupo, uma rara ocorrência em
além dos três descritos na seção de farmacoterapia. nossa experiência.
Este grupo recebeu pílulas de placebo, porém, Mattick et al. (1989) comparou o grupo de
assim como as outras condições nesse estudo, foi TCC breve (seis sessões) com o grupo de expo­
solicitado a executar tarefas de casa semanais de sição. O pós-teste foi seguido de outra avaliação
exposição. Placebo mais tarefa de casa de exposição 3 meses depois. Os autores compararam a média
foi tão eficaz quanto a TCC e a farmacoterapia. do pós-teste e os dados de follow-up entre os dois
Esses resultados podem confirmar o poder da grupos. Houve pouca evidência de uma mudança
tarefa de casa de exposição (talvez combinada a diferencial estatisticamente significativa. Entre­
expectativas de uma performance melhor e uma tanto, note que o poder estatístico foi baixo demais
ansiedade menor devido ao placebo), mas uma para detectar qualquer efeito que não fosse grande
explicação alternativa deve ser excluída antes. (n = 10 ou 11 por grupo), e que o grupo de TCC
Gelemter et al. conduziram sessões padrões de consistentemente mudou mais, se não significati­
2 horas de TCC, mas incluíram 10 pacientes por vamente mais, que o grupo de exposição somente.
grupo. Em nossa experiência com esse mesmo
Scholing e Emmelkamp (1993a, 1993b) relata­
manual de tratamento, isto é quase o dobro de
ram os resultados de dois testes em que compararam
pacientes que podem ser tratados de forma ade­
RET mais instruções de tarefas de casa de exposi­
quada em uma sessão de duas horas.
ção (eles o rotulam como “tratamento integrado”)
Vários outros grupos de investigadores obti­
à exposição somente. No primeiro estudo (1993a),
veram resultados consistentes com Gelemter et
sujeitos tinham medos específicos como tremer,
al. (1991), apesar de terem conduzido testes mais
enrubescer ou suar na frente de outros. Exposição
adequados de TCC. Hope (1989) também utilizou
e TCC foram comparadas após 8 sessões (clientes
o manual de tratamento de 12 sessões de Heim-
de TCC realizaram ao final um total de 16 sessões
berg (1991). Sujeitos com apenas exposição (n =
de tratamento. Os dados nas tabelas refletem mu­
11) realizaram um role play em grupo e também
danças ocorridas ao longo das 16 sessões). Clientes
discutiram o material da condição educacional
no segundo estudo (1993b) tinham fobia social
de apoio do estudo de Heimberg, Dodge et al.
generalizada. Comparações neste estudo foram
(1990), a fim de preencher o tempo que os sujei­
feitas após 16 sessões de tratamento. Não houve,
tos em TCC (n = 18) gastavam em reestruturação
em nenhum dos estudos, qualquer tendência a
cognitiva. Embora os resultados tenham variado
sugerir que TCC houvesse sido mais eficaz do
de acordo com a medida, no geral, o grupo de
que somente a exposição, a despeito de no caso
exposição somente melhorou mais que o grupo
do estudo com fobia social generalizada, haver
de TCC em medidas importantes de fobia social.
Embora o tratamento tenha sido supervisionado um tamanho razoável da amostra e o oferecimento
por Heimberg, Hope notou que o resultado da de mais sessões de TCC do que era típico nos
TCC foi inferior neste estudo àquele típico de estudos anteriores.
outros sujeitos no centro de Heimberg. Hope Ao contrário dos estudos descritos no parágrafo
sugeriu que o processo de grupo pode ter sido anterior, em duas investigações TCC provou ser
prejudicado nos grupos de TCC. Esses grupos mais eficaz do que somente exposição. Em um
tinham uma taxa de desistência maior (28%) do segundo estudo, Mattick e colegas (Mattick &
que o habitual. Essa taxa era maior, apesar de não Peters, 1988) mais uma vez compararam seis

337
Fronteiras da Terapia Cognitiva

sessões de TCC a seis sessões de exposição so­ medidas de autorrelato e de avaliação por um
mente, mas com um tamanho de amostra mais assessor eram comparáveis; em nenhum caso a
generoso (n = 51). Clientes de TCC melhoraram SST mais modificação cognitiva foi mais eficaz
mais, com base em medidas de autorrelato, e nas do que somente SST. Apesar do poder estatístico
medidas comportamentais de fobia. As diferenças deste experimento haver sido baixo, o padrão
ficaram cspccialmcnte aparentes no follow-up dc 3 dos resultados não sugere que o tratamento em
meses, devido a uma melhora contínua no grupo de questão teria sido mais bem-sucedido com uma
TCC e pequenas perdas no grupo de exposição. A amostra maior. Entretanto, exame das médias para
probabilidade de clientes com exposição somente questionários padronizados indica que esta amostra
(47%) solicitarem tratamento adicional no follow- de pacientes pode ter sido incomum para fóbicos
-up foi o dobro do que clientes de TCC (24%). sociais. Pacientes iniciaram o tratamento abaixo
Butler et al. (1984) examinou os efeitos de AMT da média da amostra normal (15, 47, Watson &
(distração, relaxamento, e autodiálogo racional) Friend, 1969) de acordo com a escala de Fear of
mais tarefa de casa de exposição, comparando-os Negative Evaluation Scale (FNE, Escala de Mcdo
com os efeitos de tarefas de casa de exposição de Avaliação Negativa) e relativamente próximos
mais placebo psicológico para 30 clientes. Após à média da amostra normal (9,11, Watson &
sete sessões, o grupo de AMT foi superior ao Friend, 1969) de acordo com a escala de Social
grupo de exposição somente em algumas, mas Avoidance and Distress Scale (SAD, Escala de
não na maioria, das medidas de fobia social. Evitação Social e Angústia). Tanto a média dos
Entretanto, no follow-up dc 6 meses, o grupo dc escores do FNE quanto do SAD foram substan­
AMT havia melhorado mais que o grupo de ex­ cialmente inferiores àquelas de outros estudos com
posição somente, em quatro das seis medidas de fobia social generalizada (por exemplo, a média
resultados. Além disso, no ano após tratamento, para a escala SAD de 0 a 28 foi de 10,3-11,1 no
40% do grupo de exposição somente solicitou estudo de Stravynski et al [1982] versus 21,5 da
tratamento adicional versus nenhum sujeito do amostra de Chambless et al [1993]; a média para
grupo de AMT. Interpretação dos dados de Butler a escala de FNE de 0 a 30 foi de 12,6-13,3 versus
et al. para os nossos propósitos atuais não está 25,1). Devido à falta de entrevistas diagnosticas
clara. Apesar do pacote de AMT definitivamente estruturadas com critérios estabelecidos claros
ter melhorado a eficácia do tratamento, trata-se e de evidências da confiabilidade da avaliação
de um conjunto de procedimentos heterogêneos e diagnostica deste estudo, estes dados levantam
não temos como saber se o autodiálogo racional, algumas questões acerca da natureza possivelmente
ou algum outro procedimento (por exemplo, rela­ incomum desta amostra.
xamento), foi o responsável pelo poder aumentado No último estudo a ser discutido, Jerremalm
do tratamento. et al (1986) compararam os efeitos de SIT com
relaxamento aplicado a 20 clientes fóbicos sociais,
Outras terapias comportamentais classificados como respondentes cognitivos ou
Stravynski et al (1982) comparou os efeitos fisiológicos. Clientes receberam 10 a 12 sessões
de social skills training (SST - treinamento em de tratamento. Os clientes de SIT foram instruídos
habilidades sociais), individualmente e em grupo, a realizar tarefas de casa de exposição; clientes de
aos de SST mais procedimentos de modificação relaxamento aplicado participaram de role plays
cognitiva similares à RET. Os sujeitos eram 22 durante várias sessões, mas aparentemente não
fóbicos sociais generalizados, com um trans­ lhes foi designada nenhuma tarefa de exposição.
torno dc personalidade evitativa que receberam Tanto para os respondentes cognitivos quanto
um tratamento de 12 sessões com duração de para os fisiológicos, provou-se que SIT era mais
90 minutos cada uma. Resultados obtidos das eficaz do que o relaxamento aplicado com base

338
Abordagens cognitivas para a psicopatologia e o tratamento de fobia social

na medida do questionário principal de fobia so­ de autorrelato. Os benefícios dos tratamentos foram
cial, embora não no teste comportamental. Esses comparados em ambas as condições pós-teste e no
dados podem sugerir que TCC é mais eficaz do follow-up. Análises adicionais dos subgrupos foram
que uma abordagem cognitiva menos explícita. conduzidas, a fim de determinar se os sujeitos que
Entretanto, essa conclusão não pode ser claramente reagiram ao tratamento cognitivo responderíam
tirada, uma vez que a quantidade de exposição foi melhor a RET e aqueles que responderíam ao
confundida com o tratamento. Devido aos fatos tratamento comportamental a SST. Provou-se que
da exposição em si ser um tratamento eficaz e do esse não era o caso.
grupo de SIT ter recebido instruções de tarefas de O par de estudos conduzidos por Scholing e
casa de exposição, quando o grupo de relaxamento Emmelkamp (1993a, 1993b) foi apresentado na
aparentemente não recebeu, não podemos excluir seção anterior. O desenho desses estudos permite
a hipótese de que SIT tenha sido superior devido a comparação de RET sem tarefa de casa de
às instruções de exposição. exposição ou sem role plays em sessão, com a
aplicação combinada de RET e tarefas de casa
Terapia cognitiva sem exposição de exposição, e com a tarefa de casa exposição
Notamos anteriormente que a maioria dos somente, após 8 sessões, embora não após o total
pesquisadores testou os efeitos da terapia cognitivo- de 16 sessões que os clientes de fato receberam
-comportamental aplicada à fobia social. Nesta (clientes na condição de RET somente receberam
seção, revisaremos alguns poucos estudos, nos exposição após 8 sessões). Somente RET mostrou-
quais a terapia cognitiva, sem elementos comporta- -se tão eficaz quanto as outras duas condições.
mentais (por exemplo, exposição), foi examinada.
O estudo conduzido por Mattick et al. (1989)
Empregando um tratamento breve e em grupo também foi introduzido na seção anterior. Rele­
(6 sessões), Emmelkamp, Mersch, Vissia e van vante para essa questão foi a inclusão de um terceiro
der Kelm (1985) compararam os efeitos de RET, grupo nessa pesquisa: seis sessões de reestruturação
SIT e exposição in vivo. As duas condições de cognitiva em grupo com instruções antiexposição.
terapia cognitiva não receberam nem exposição Esta condição foi incluída devido a razões teóricas;
auxiliada pelo terapeuta nem instruções para a obviamente, terapeutas cognitivo-comportamentais
tarefa de casa de exposição in vivo. Ao todo, os raramente alertam seus clientes contra entrarem em
tratamentos cognitivos foram tão eficazes quanto situações fóbicas. Os clientes foram instruídos a
exposição no pós-teste ou em sessão de follow-up adiar exposição deliberada até que eles houvessem
após 1 mês. Estes resultados foram replicados em mudado seus pensamentos negativos. Não é de
diversos outros estudos pelo grupo de pesquisa de surpreender que, quando confrontados com um
Emmelkamp. teste de evitação comportamental, no pós-teste
Mersch, Emmelkamp, Bogels e van der Sleen e no follow-up (os dados desses dois momentos
(1989) compararam RET a SST. Neste estudo, 37 foram combinados para análise), os clientes no
clientes receberam SST ou RET. Em nenhum dos grupo de terapia cognitiva com antiexposição
grupos, clientes foram instruídos a conduzir tarefas comportaram-se com mais medo do que aqueles
de casa de exposição. Ao contrário do estudo de no grupo de TCC. Entretanto, como um todo, este
Stravynski et al. (1982), neste caso os clientes, na grupo saiu-se tão bem quanto os clientes tratados
condição de terapia cognitiva, não participaram somente com exposição e com TCC.
de role plays durante as sessões ou receberam
qualquer outra SST. Naturalmente, clientes em Resumo
SST realizaram extensivamente role plays durante Em geral, os estudos revisados claramente
as sessões de tratamento. Foram coletados dados indicam que TCC é um tratamento eficaz para
comportamentais e também através de avaliações fobia social, mas que não seja mais benéfico do

339
Fronteiras da Terapia Cognitiva

que outros tratamentos comportamentais. Embora Entretanto, algumas conclusões gerais podem ser
ocasionalmente pesquisadores demonstrem de fato propostas. O exame da magnitude dos efeitos não
que TCC é superior a outras formas de tratamento, controlados nas Tabelas 16.1 e 16.2 indica que a
a maioria não o faz. Não se pode atribuir a ne­ TCC tem um impacto muito substancial sobre as
nhum fator óbvio os resultados variáveis entre medidas de cognições e os dados para os estudos
as investigações. Frequentemente, investigações controlados, apresentados na Figura 16.1, demons­
podem ser prejudicadas devido ao poder estatístico tram que este resultado é maior do que para as
insuficiente para comparações entre tratamentos ati­ condições de controle.
vos ou tratamentos que podem ter sido demasiado
breves para ser adequados para o oferecimento Estudos usando medidas de pensamento
de TCC. Não obstante, análises dos padrões dos racional
dados não sugerem que o poder estatístico baixo Nos estudos anteriores de resultados em fobia
ou a duração insuficiente do tratamento foram social, os investigadores frequentemente usaram o
consistentemente responsáveis pelos resultados Irrational Beliefs Test (IBT, Teste de Crenças Irra­
estatísticos nulos. cionais; Jones, 1969) ou o FNE (Watson & Friend,
Embora pareça que a terapia cognitiva não 1969) como medidas de cognição. Entretanto, o
contribui para a eficácia da terapia comportamental, FNE é melhor considerado como uma medida de
tampouco a terapia comportamental, na forma de um componente específico de ansiedade social e
exposição, contribui para os benefícios da terapia não uma medida de cognição por si só. A carac­
cognitiva. De acordo com os resultados de quatro terização do IBT como uma medida de cognição
investigações que abordaram esta questão, pelo também foi criticada devido ao fato de que ele
menos nos tratamentos breves (de seis a oito ses­ não discrimina adequadamente dentre ansiedade
sões), a reestruturação cognitiva, sem instruções e cognições (exemplo, Smith & Zurawski, 1983).
explícitas de exposição, é tão eficaz quanto a tera­ De qualquer forma, este teste certamente não foi
pia cognitiva + exposição e a exposição somente. concebido para medir cognições de fóbicos so­
Dadas as dificuldades em se conduzir tratamentos ciais em qualquer sentido específico. Com estas
de exposição in vivo em casos de fobia social (veja limitações em mente, revisamos os estudos nos
Butler, 1985), estes dados são significativos do quais o IBT ou o Rational Behavior Inventory
ponto de vista prático, particularmente se forem (Shorkey & Whiteman, 1977), semelhante àquele,
replicados em estudo de maior duração, no qual o foram usados nesta seção. Dados sobre o FNE
tratamento seja prolongado até que uma resposta foram considerados em relação aos resultados de
clínica mais satisfatória seja obtida. Até que isto fobia social.
ocorra, encorajaríamos clínicos a pelo menos in­ No primeiro estudo a usar o IBT, Hcimbcrg,
cluírem instruções explícitas de tarefas de casa de Becker, Goldfinger e Vermilyea (1985) não re­
exposição em seus planos de tratamento. lataram nenhuma mudança significativa como
resultado do tratamento para os clientes no seu
Efeitos da TCC em variáveis cognitivas estudo; entretanto, o tamanho da amostra (n = 7)
Na revisão acima, nós focalizamos os efeitos era muito pequeno. Mattick e colegas (Mattick &
da TCC sobre medidas de fobia social. Dado seu Peters, 1988; Mattick et al.9 1989) compararam
foco explícito na mudança de cognições, poderia-se os efeitos de exposição somente versus exposição
esperar que a TCC afetasse de forma diferencial mais reestruturação cognitiva sobre esta medida.
as medidas de pensamento fóbico. É este o caso? Nenhum dos estudos relatou resultados superiores
A reposta a esta questão se toma difícil devido para a condição combinada. Mattick et al. (1989)
à pouca atenção dada a resultados de avaliação também incluíram um grupo de reestruturação cog­
cognitiva de fobia social em muitos estudos. nitiva pura, o qual não recebeu nenhuma instrução

340
Abordagens cognitivas para a psicopatologia e o tratamento de fobia social

de exposição durante ou entre as sessões. Esse Questionários de autoavaliação de


grupo melhorou mais, no IBT, durante o inter­ ansiedade social
valo de follow-up de 3 meses do que os clientes Jerremalm et al. (1986) desenvolveram um
tratados com exposição. Esses resultados podem Thought Index (índice de Pensamento) de pensa­
sugerir que um grupo de clientes recebendo terapia mentos positivos e negativos, para ser usado após
cognitiva mais intensa foi mais capaz de continuar uma tarefa de interação comportamental. Esse foi
a desafiar as suas crenças irracionais durante o empregado nesse estudo e também no estudo de
período de follow-up. Entretanto, devido ao fato Mersch et al. (1989). Jerrelmalm et al. (1986)
de que Mattick et al. não apresentaram dados para relataram que os clientes tratados com SIT me­
demonstrar que os grupos de tratamento eram lhoraram significativamente mais do que aqueles
equivalentes, no pós-teste, com relação a essa ou em lista de espera. Entre os clientes classificados
outras variáveis (os dados analisados foram as como respondentes cognitivos, os clientes em SIT
médias nas avaliações de pós-teste e follow-up), também melhoraram mais do que aqueles que
é igualmente possível que o grupo de terapia receberam treinamento de relaxamento aplicado.
cognitiva pura tenha ficado atrás dos outros no Em contraste Mersch et al. (1989) não notaram
pós-teste e meramente os alcançaram durante o nenhuma mudança com RET maior do que com
período de follow-up. SST no pós-teste ou follow-up, para os respon­
dentes cognitivos ou fisiológicos. Infelizmente, os
Resultados comparáveis a esses obtidos no
resultados destes estudos são relativamente tênues,
estudo de Mattick e Peters (1988) foram rela­
devido ao fato de que os índices de pensamentos
tados em dois estudos adicionais. Stravynski et
demonstraram ter uma confiabilidade de teste/
al. (1982) descobriu que a modificação cognitiva
reteste muito baixa. Dados psicométricos estão
não adicionava nada aos do SST sobre o IBT; e
faltando para o Questionário de Autoavaliação, uma
Mersch et al. (1989) descobriu que a RET não medida usada por Clark e Agras (1991) para avaliar
era nem um pouco mais benéfica em provocar os pensamentos positivos e negativos relacionados
mudança efetiva no Rational Behavior Inventory ao desempenho musical. Resumidamente descrito,
(Inventário de Comportamento Racional) do que este questionário parece haver sido desenvolvido
o SST sem modificação cognitiva. Entretanto, especificamente para essa investigação e refletir
entre o pós-teste e follow-up após seis semanas, um relato geral de padrões de pensamento e não
os clientes classificados por Mersch et al. como um relato vinculado especificamente a ocasiões de
respondentes ao tratamento cognitivo melhoraram avaliação comportamental. Mudança no pós-teste,
mais neste inventário quando haviam recebido baseada nessa medida, não foi superior nos grupos
RET, novamente sugerindo que TCC pode demons­ que receberam TCC breve + placebo versus um
trar seus maiores efeitos sobre a cognição após a tranquilizante somente. Dados de follow-up não
conclusão do tratamento formal. Essa interpretação foram coletados.
é fundamentada com base em resultados relatos Nos quatro estudos, os investigadores usaram
por Emmelkamp, Mersch, Vission e van der Helm medidas confiáveis e validadas de cognições de
(1985) com relação ao IBT. Quando estes autores ansiedade social. Estas incluíram o SISST e uma
compraram os efeitos do SIT e da RET conside­ medida holandesa, o Social Cognition Inventory
rados juntos versus exposição in vivo, eles não (Inventário de Cognição Social; van Kamp &
descobriram nenhuma superioridade para a TCC Klip, 1981, in Scholing & Emmelkamp, 1993a,
no pós-teste. Contudo, após 1 mês, sem nenhum 1993b). A primeira escala deve ser completada
tratamento adicional, os clientes tratados com tendo como base uma interação anterior específica,
TCC foram superiores aos clientes tratados com mas, no caso do estudo de Heimberg, Dodge et
exposição com relação a esta variável. al. (1990), foi alterado para ser uma medida mais

341
Fronteiras da Terapia Cognitiva

geral de pensamento de ansiedade social, mais restritiva e menos indutiva do que os instrumentos
semelhante ao Social Cognition Inventory. Em em forma de questionário. Os dados obtidos através
um estudo de tratamento não controlado, Cham- dos dois diferentes métodos podem gerar padrões
bless et al. (1993) relataram resultados para 50 diferentes de resultados (Glass & Amkoff, 1993).
fóbicos sociais, que receberam 10-11 sessões de Comparando-se os efeitos de TCC em grupo de
TCC em grupo segundo Heimberg (Heimberg, Heimberg à lista de espera e à exposição somente,
1991). As cognições foram medidas através do Hope (1989) relatou que, no pós-teste, os sujeitos
SISST após cada um dos testes comportamentais de TCC haviam mudado mais em cognições do
e analisadas conforme a proporção de States of que os sujeitos na lista de espera e os clientes com
Mind (SOM, Estados Mentais. Como um todo, os exposição somente, mas as diferenças não foram
clientes mudaram de um diálogo interno de conflito estatisticamente significantes. Na sua comparação
(0,50) para um diálogo positivo (0,60), proposto de TCC em grupo com terapia de apoio educa­
por Schwartz e Garamoni (1989) como o padrão cional, Heimberg, Dodge et. al. (1990) também
mais saudável de pensamento. No follow-up, após não encontraram nenhuma diferença no pós-teste
6 meses, o SOM (0,56) permaneceu no nível do relativa à magnitude de mudança na medida de
diálogo positivo. Embora estes resultados apoiem listagem de pensamento. Entretanto, no follow-up
a hipótese de que TCC conduz a mudança no após 6 meses os clientes em TCC relataram pensa­
SISST, esta mudança pode não ser exclusiva da mentos menos negativos e mais positivos do que
TCC. Heimberg, Dodge et al. (1990) encontraram os clientes do grupo de controle. Novamente, as
mudanças equivalentes cm sua versão modificada diferenças a favor de TCC foram mais aparentes
do SISST, tanto na condição de controle do grupo no follow-up do que imediatamente após o trata­
de apoio educacional como no grupo de TCC. mento. Em uma análise destes dados, de acordo
Igualmente, Gelemter et ai (1991) demonstraram com o modelo de SOM, Bruch, Heimberg e Hope
que a exposição, tanto combinada a placebo como (1991) relataram que os clientes tratados com
a medicação ativa, era tão eficaz quanto a TCC TCC haviam mudado do nível de diálogo interno
em grupo de Heimberg em alterar as cognições de conflito, no pós-teste, para o nível de diálogo
relatadas através do SISST após um teste compor- positivo no follow-up. Em contraste, os clientes na
tamental. Resultados comparáveis foram obtidos condição de apoio educacional foram similarmente
com testes usando Social Cognition Investory, que caracterizados no pós-teste, mas, no período de
é mais geral. Em dois estudos, Scholing e Emmel- follow-up, haviam piorado e relataram um índice
kamp (1993a, 1993b) não descobriram nenhuma médio no SOM no nível do monólogo negativo.
superioridade para RET em relação à exposição Independentemente do grupo de tratamento ao qual
somente, após 8 ou 16 sessões de tratamento ou eram alocados, os clientes que foram classifica­
no follow-up após 3 meses. dos, por um avaliador independente, como tendo
melhorado no follow-up, apresentaram um SOM
Listagem de pensamentos mais positivo do que os clientes que não haviam
Em duas amostras, os investigadores usaram melhorado. Como seria previsto, o escore médio
listagem de pensamento como a sua medida de no SOM, para os clientes que haviam melhorado,
resultado cognitivo. Subsequentemente a uma apresentou-se na faixa de diálogo positivo, refle­
tarefa ou discurso de interação comportamental, é tindo um padrão de pensamento saudável conforme
solicitado aos clientes que listem os pensamentos o modelo Schwartz e Garamoni (1989).
que tiveram durante o teste comportamental e estes
dados são posteriormente categorizados por juizes. Outras medidas
Esse procedimento, que tem uma validade consi­ Somente dois estudos forneceram dados além
derável, permite uma medida de cognição menos dos autorrelatos de pensamentos. Em um estudo

342
Abordagens cognitivas para a psicopatologia e o tratamento de fobia social

não controlado com uma pequena amostra, Lucock tratamentos, em geral este não parece ser o caso5.
e Salkovskis (1988) demonstraram que fóbicos Quando TCC se mostrou superior em efetuar
sociais que haviam sido submetidos a oito sessões mudança cognitiva, isto tipicamente ocorreu nos
de TCC em grupo apresentaram reduções nas suas estudos em que a TCC se mostrou como o trata­
estimativas exageradas sobre a probabilidade de mento mais efetivo para sintomas de fobia social
ocorrência de eventos sociais negativos. Mattia et em geral. Em conformidade com esses dados, não
al. (1993) relataram a única análise de mudança podemos excluir a possibilidade de que uma maior
após tratamento, com base em uma medida apli­ mudança cognitiva nesses estudos foi consequência
cada em laboratório, de atividade esquemática de uma melhora nos sintomas ao invés de conduzir
relativa à fobia social. Estes autores avaliaram a ela (para uma discussão adicional sobre essas
mudança no teste Stroop de palavras de resposta questões, veja Chambless & Gilles, 1993). As
à ameaça social, para 29 fóbicos sociais tratados diferenças a favor de TCC, quando foram encon­
com fenelzine MAOI, placebo, ou TCC em grupo tradas, tinham maior probabilidade de ocorrer no
segundo Heimberg (1991). Os clientes foram clas­ follow-up do que imediatamente após o tratamento,
sificados como respondentes ou não respondentes enfatizando a importância da coleta de dados no
no pós-teste por avaliadores independentes. Em follow-up, algo que nem todos os investigadores
comparação aos não respondentes, os respondentes têm feito. As razões pelas quais a TCC é superior
ao tratamento mostraram uma resposta reduzida em um estudo ocasional, mas não em outros, não
no teste de interferência de Stroop, no pós-teste. se fazem imediatamente aparentes.
Os resultados não foram decompostos separada­
mente para o grupo de TCC. Semelhantemente
aos resultados relatados por Bruch et al (1991),
Aplicação clínica: um estudo de caso
estes dados indicam que a mudança cognitiva está
associada à melhora após o tratamento. Sherri era uma mulher solteira de 37 anos que
tinha trabalhado em uma função administrativa
Resumo para o mesmo empregador desde sua graduação
No geral, o padrão de resultados acima descritos universitária 15 anos antes de buscar tratamento.
indica que melhora em aspectos cognitivos na fobia Sherri buscou tratamento devido à ansiedade
social deve ser esperada com o uso de TCC, e que que ela experienciava em situações sociais. Es­
os clientes que mostram maior mudança cognitiva pecialmente em situações envolvendo pessoas
mostrarão também uma melhora nos sintomas de estranhas ou parceiros. Embora ela recordasse ser
fobia social. Se a relação entre mudança cogni­ relativamente tímida durante toda sua vida, Sherri
tiva e resultado do tratamento é causai conforme localizava o início da sua ansiedade ao redor de 9
propõe a teoria cognitiva ou correlacionai não ou 10 anos de idade, quando ela acreditava que a
pode ser determinada com base nos dados até o ansiedade havia piorado significativamente.
presente. Infelizmente, os pesquisadores em fobia Sua ansiedade era caracterizada por suor, náu­
social ainda terão que aplicar modelos analíticos sea, leve despersonalização e leve tremor. Ela
de dados que permitam aproximações aos testes temia não saber como agir apropriadamente em
(veja Baron & Kenny, 1986). situações sociais e que os outros pensariam de
Embora pareça plausível que a TCC condu­ forma negativa sobre ela se dissesse a coisa errada
ziría à maior mudança cognitiva do que outros ou, de alguma forma, não parecesse “correta”. Ela

Note que tal hipótese não decorre necessariamente da teoria cognitiva. Ao invés disso, a teoria cognitiva preveria que é crucial para a mudança
de cognições mal-adaptativas, mas que várias intervenções (até a farmacoterapia) poderíam ser usadas para atingir esta meta (Beck, comunicação
pessoal, 5 de outubro de 1994).

343
Fronteiras da Terapia Cognitiva

relatava sentir-se muito insegura porque acreditava construir uma hierarquia de medo e evitação, e
estar obesa, embora seu peso parecesse estar dentro para se familiarizar com os procedimentos básicos
de um limite normal. Ela também temia que suas de TCCG. Uma vez que o grupo iniciava os seus
roupas fossem antiquadas e que não sabia como encontros, as duas primeiras sessões eram basica­
escolher roupas elegantes. A vida social de Sherri mente didáticas. Após uma discussão de regras e
era limitada a algumas atividades sociais ocasionais uma apresentação detalhada do modelo dc TCC,
com alguns colegas de trabalho, com os quais o restante da sessão 1 e o total da sessão 2 eram
ela se sentia particularmente confortável, quase devotados a uma série de exercícios para ensinar
sempre a convite deles. Além de sua ansiedade habilidades básicas de reestruturação cognitiva.
social, Sherri relatava uma história de episódios Ao final da segunda sessão, os clientes deveríam
recorrentes de depressão leve, secundários ao seu desenvolver habilidades básicas para perceber e
isolamento social causado pela ansiedade. Sherri reportar seus pensamentos automáticos, identifi­
foi entrevistada usando o Anxiety Disorders In­ car distorções cognitivas em seus pensamentos
terview Schedule - Revised (ADIS-R, Programa automáticos, usar questionamento para desafiar
de Entrevista de Transtorno de Ansiedade Revi­ os pensamentos automáticos e desenvolver uma
sada; DiNardo & Barlow, 1988), e recebeu um resposta racional que resumisse esses desafios a
diagnóstico primário de fobia social, do tipo gene­ fim de combater o pensamento automático quando
ralizado. Ela não preencheu critério para nenhum ele ocorresse. Da terceira à décima primeira sessão
outro critério dos Eixos I ou II do DSM-IV. Na de TCCG, as sessões eram devotadas a exposições
avaliação de interferência em funcionamento, em sequenciais, através dc role play, a situações
uma escala de 0 a 4, incluída no ADIS-R, Sherri temidas, sendo que os procedimentos cognitivos
atribui-se um escore de 4, indicando que acreditava eram inteiramente integrados ao exercício de ex­
que a sua fobia social era gravemente debilitante. posição, como será visto mais adiante. A sessão
O entrevistador que aplicou o ADIS-R avaliou a 12 consistia de exercícios finais para consolidar os
severidade de sua fobia social como altamente ganhos, conforme terminava o tratamento formal,
perturbadora e debilitante, mas não como severa além de um evento social.
e incapacitante.
As sessões iniciais de Sherri de TCCG
Terapia cognitivo-comportamental em grupo Sherri recebeu tratamento em troca de sua
Sherri foi tratada de acordo com os proce­ participação em um estudo de psicopatologia em
dimentos delineados no manual de tratamento andamento. Sherri era uma de um grupo dos sete
de Heimberg (1991) para terapia cognitivo- fóbicos sociais, liderados por uma equipe de tera­
-comportamental em grupo (TCCG) para fobia peutas de ambos os sexos. Durante as duas sessões
social. A TCCG consiste de três componentes didáticas iniciais de TCCG, Sherri aparentava
primários - reestruturação cognitiva, exposição aceitar prontamente o modelo cognitivo e com­
simulada a situações temidas no contexto da te­ preender as habilidades básicas de reestruturação
rapia de grupo e tarefas de casa de exposição in cognitiva. Entretanto, ela fez apenas tentativas
vivo. Os grupos de TCCG se reúnem por duas a modestas de automonitoração de seus pensamen­
duas horas e meia, semanalmente, por 12 semanas. tos automáticos entre as sessões, a despeito do
Explicações detalhadas sobre os procedimentos de encorajamento de seu terapeuta para que o fizesse.
TCCG estão disponíveis em Heimberg (1991) e Na terceira sessão, dois outros membros do grupo
Hope e Heimberg (1993), mas serão brevemente completaram suas primeiras exposições terapêuti­
revisadas abaixo. cas cm sessão. Sherri falava frequentemente para
Antes de iniciar tratamento, os membros do auxiliar a reestruturação cognitiva dos demais
grupo se reúnem com um dos terapeutas para membros do grupo, oferecendo feedback útil e

344
Abordagens cognitivas para a psicopatologia e o tratamento de fobia social

apoiador após as exposições. Estava programado nos benefícios pessoais do trabalho ao invés de
para Sherri que sua primeira exposição ocorrería seus pensamentos inseguros sobre sua aparência
na sessão 4, mas ela esteve ausente nesta sessão atual. A resposta racional foi escrita em um quadro
devido a uma doença. para lembrar Sherri de usá-la como ajuda para
controlar sua ansiedade durante a exposição.
Sessão 5
Devido ao fato de que qualquer encontro com
A primeira exposição terapêutica de Sherri alguém enquanto Sherri entregava os livros de
ocorreu na quinta sessão e envolveu um trabalho cupons seria muito breve, os terapeutas usaram
de meio-período que ela tinha recentemente aceito os procedimentos delineados por Hope (1993) e
para entregar livros de cupons de porta em porta. Heimberg (1993) para dramatizar exposições em
Ela aceitou o trabalho por duas razões principais: situações breves. Esta técnica envolve ocorrências
ela necessitava do dinheiro extra e imaginou
repetidas da situação breve. No caso de Sherri, cada
que o trabalho iria lhe dar uma oportunidade de
membro do grupo e um dos terapeutas se posi­
exercitar-se regularmente, porque a atividade re­
cionaram pela sala de atendimento, como se fosse
queria caminhadas extensas. Estava programado
uma série de pessoas trabalhando em seus jardins.
que ela faria suas primeiras entregas na semana
A exposição de Sherri consistia em abordar cada
seguinte, mas estava muito ansiosa temendo que
uma destas pessoas e entregar um livro de cupom
ela podería ser vista e possivelmente ter que con­
com uma breve explicação do que se tratava. Às
versar com pessoas que estivessem trabalhando
vezes a pessoa a envolvia numa breve conversa.
em seus jardins.
Outras vezes a pessoa simplesmente agradecia
Como a entrevista diagnostica e sessões ante­ e ia embora. À medida que ela terminava com
riores em grupo haviam indicado, Sherri estava cada pessoa, simplesmente se dirigia ao próximo
extremamente insegura sobre sua aparência e indivíduo como se ela houvesse caminhado à
constantemente monitorava o que ela pensava casa seguinte. Os terapeutas ajudavam Sherri em
aparentar para os outros. Portanto, nesta situação, estabelecer uma meta comportamental, de pelo
o pensamento automático primário de Sherri foi menos dizer “olá” a cada pessoa.
“Eles pensarão que eu pareço ‘boba’ (desajeitada
Como é habitual em TCCG, foi solicitado a
e não sofisticada)”. O grupo a ajudou a identificar
Sherri, aproximadamente uma vez por minuto,
a distorção cognitiva neste pensamento automá­
através de toda a exposição, a fornecer avalia­
tico como leitura mental (acreditar que outros
ções de ansiedade com base na Subjective Units
formaram uma opinião negativa, a despeito de
of Disconfort Scale (SUID, Escala Subjetiva de
pouca ou nenhuma evidência de que eles o tenham
feito) (Bums, 1980; Persons, 1989). Através de Unidades de Desconforto), em uma escala de 0 a
questionamento socrático e com assistência do 100, com os números mais altos indicando maior
grupo, Sherri foi capaz de ver que não ela não ansiedade. A cada avaliação pelo SUID, ela tam­
tinha nenhuma ideia a respeito do que as pessoas bém repetia em voz alta sua resposta racional. No
que encontraria pudessem pensar a seu respeito curso dos 5 minutos do role play, Sherri abordou
e, devido ao fato de que era improvável que ela nove pessoas, obtendo as seguintes avaliações no
tornasse a vê-los, a opinião que eles teriam a SUID: 20, 35, 40, 30, 30, 25.
respeito dela era relativamente sem importância. No questionamento que se seguiu à exposição,
Ela desenvolveu a seguinte resposta racional para dois pontos principais tomaram-se claros. Primeiro,
usar durante a exposição: “Isso não é um concurso Sherri vinha se preocupando a respeito de iniciar as
de beleza e eu estou primariamente fazendo isso entregas há vários dias, mas a situação provocava
para ficar fisicamente em forma”. Esta resposta muito menos ansiedade do que ela havia previsto,
racional encorajou Sherri a focalizar sua atenção uma vez que começou o role play de exposição.

345
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Embora Sherri não tivesse sido capaz de relatá-lo de oportunidades para oferecer, como voluntária,
no momento em que os terapeutas exploraram os algumas horas por mês. Sherri deveria encontrar
pensamentos automáticos, antes da exposição, mais quatro estratégias ou lugares para conhecer
vinha pensando que os encontros com as pessoas pessoas.
em seus jardins iriam requerer longas conversas. Sherri trabalhou diligentemente em sua tarefa
Rapidamente tomou-se aparente durante o role de casa da sessão 6 e trouxe uma lista de possíveis
play que o clima e os livros de cupons eram dois formas de conhecer novas pessoas mais longa
tópicos óbvios de conversação, e que poucas pes­ do que havia sido solicitado. Ela ficou surpresa
soas estariam interessadas em continuar a conversa com o fato de que suas circunstâncias financei­
além desse ponto. Segundo, Sherri aprendeu a partir ras limitadas eram menos problemáticas do que
da exposição que os encontros eram relativamente acreditava. Sua lista incluía participar de grupos
anônimos, semelhantes a dezenas de outras breves de adultos solteiros em uma igreja local, que ela
interações que as pessoas têm semanalmente com havia visitado muitos anos antes, fazer um curso
entregadores e vendedores. Não apenas as pessoas de baixo custo em artes e artesanato na faculdade
raramente pensam sobre a pessoa com quem eles comunitária local, e iniciar um trabalho de meio-
estão conversando, mas também eles muito pro­ -período diferente, que lhe permitiría conhecer
vavelmente nem se lembram da conversa algumas pessoas ao invés de seu trabalho de entrega, que
horas mais tarde. Sherri concluiu afirmando que a envolvia trabalhar sozinha. Sherri decidiu explorar
exposição havia sido útil e que ela estava muito primeiro o grupo de adultos solteiros.
menos preocupada a respeito do início das entregas
na semana seguinte. Sessão 7
Sua tarefa de casa na sessão 5 envolvia com­ Sherri completou sua segunda exposição na
pletar os exercícios de reestruturação cognitiva sessão 7. Ela relatou ao grupo que havia sido
sozinha antes de iniciar as entregas, e dizer “olá” convidada para uma festa de inauguração da nova
a pelo menos duas pessoas enquanto fazia as casa de um colega de trabalho no fim de semana
entregas. Ela completou com sucesso esta tarefa seguinte. Embora algumas vezes aceitasse este
com apenas níveis leves de ansiedade. tipo de convite, ela habitualmente passava a festa
inteira com um pequeno grupo de pessoas que
Sessão 6 conhecia bem do trabalho. Devido ao fato de que
Sherri não participou de uma exposição na sua meta terapêutica primária envolvia reduzir seu
sessão 6, mas ela ajudou na reestruturação cog­ medo de situações de namoro, Sherri concordou
nitiva de outros membros do grupo. A sua nova em fazer uma exposição sobre ter uma conversa
tarefa dc cãs abordava o problema da sua rede com um homem estranho na festa de inauguração
social limitada e o fato de que não incluía qual­ da nova casa. Antes da exposição, Sherri relatou
quer pessoa fora do seu círculo de trabalho. Os os seguintes pensamentos automáticos: “Nós não
terapeutas discutiram com ela a importância de teremos muito sobre o que falar”, “Ele pensará que
expandir sua rede social. Sherri acreditou que isto eu não sou atraente”, “Ele pode ser um idiota” e
seria difícil, contudo, em vista de seus recursos “Ele pensará que minhas roupas são estranhas”.
financeiros limitados. Isto resultou em uma tarefa Devido ao fato de que sua insegurança sobre
de casa destinada a explorar opções econômicas sua aparência era um tema recorrente para Sherri
para conhecer novas pessoas. O grupo a auxiliou e representava uma das principais razões pela qual
na tarefa sugerindo dois primeiros itens para a ela evitava situações sociais, os terapeutas focali­
sua lista - (1) verificar no jornal eventos culturais zaram a reestruturação cognitiva do pensamento
gratuitos nos quais ela pudesse estar interessada e automático, “Ele pensará que eu não sou atraente”.
(2) ligar para um serviço de voluntários a respeito Com a ajuda do grupo, os erros cognitivos típicos

346
Abordagens cognitivas para a psicopatologia e o tratamento de fobia social

de leitura mental e pensamento dicotômico (Sherri causariam uma impressão positiva na maioria das
achava que tinha que ser deslumbrante para ser pessoas. Para tarefa de casa, Sherri concordou em
considerada atraente) (Bums, 1980; Persons, 1989) participar da festa para a nova casa e iniciar uma
foram identificados como as distorções cognitivas conversa com pelo menos um homem que ela ainda
no pensamento automático. Os terapeutas e outros não conhecia. Um cumprimento e um comentário
membros do grupo ajudaram Sherri a ver que ela adicional seriam o mínimo suficiente. Na semana
provavelmente não saberia se ele a havia achado seguinte ela relatou que havia completado a tarefa
atraente. Além disso, nem ela ainda sabia se estaria com sucesso em nível moderado de ansiedade e
interessada nele. Então a melhor estratégia era ter que a conversa havia durado 2-3 minutos.
uma conversa a fim de conhecê-lo, porque, até
No estágio intermediário do tratamento, os
então, não havia nenhuma maneira de saber se um
clientes em TCCG recebem uma segunda tarefa
ou outro estaria interessado em ter algum contato
contínua para completar uma pequena exposição
no futuro. Sherri desenvolveu a resposta racional:
in vivo diariamente como uma forma de tomar
“estou aqui para me divertir e conhecer pessoas,
mais rotineiro o enfrentamento de seus medos.
não para impressioná-lo”, para contrabalançar o
Para Sherri, esta tarefa envolveu cumprimentar
seu pensamento automático original. O coterapeuta
diariamente uma pessoa com a qual ela normal­
masculino serviu como o parceiro no role play de
mente não falaria. Durante a primeira semana, ela
exposição porque os demais membros masculinos
falou com alguém em apenas 3 dias. A exploração
do grupo tinham, eles mesmos, medos severos
pelos terapeutas da execução pobre por Sherri da
relativos a namoro, eram jovens demais para que
Sherri os visse como parceiros em potencial. A sua tarefa diária está descrita abaixo.
meta comportamental de Sherri para a exposição
Sessão 8
era descobrir duas coisas a respeito de seu par­
ceiro, na conversa. O role play foi montado a fim Não estava programada para Sherri uma ex­
de que o terapeuta se posicionasse de um lado posição em sessão durante a sessão 8. Ela atuou
da sala como se ele estivesse andando por uma como um membro em role play para a exposição
festa. Sherri o abordou e iniciou uma conversa de de outro membro do grupo. Enquanto negociava
6 minutos. Sherri relatou ansiedade muito baixa uma tarefa para a semana seguinte, Sherri repor­
durante a exposição (SU1D = 10, 20, 20, 15, 15, tou que havia sido convidada para acompanhar
10, 10) e exibiu habilidades sociais excelentes. várias colegas de trabalho que estavam planejando
sair para dançar. Sherri algumas vezes havia as
No questionamento após a exposição, Sherri
novamente afirmou que a sua expectativa a respeito acompanhado em ocasiões prévias, mas sempre
da conversa era pior do que a conversa efetivamente recusava qualquer convite para dançar, devido à
havia sido, conforme ocorrera na exposição anterior sua insegurança a respeito de sua aparência. Ela
durante a sessão 5. Entretanto, ela também tentou concordou em acompanhar suas colegas e dançar
descontar a experiência afirmando que havia sido pelo menos uma vez se fosse convidada. Os tera­
fácil conversar com o coterapeuta, especialmente peutas lembraram-na da importância de completar
porque ela havia sentido que já o conhecia. Os os exercícios de reestruturação cognitiva por si
terapeutas redirecionaram seu foco para a meta só antes do evento. Na semana seguinte, Sherri
comportamental de aprender duas coisas sobre ele relatou que havia completado a tarefa a despeito
e o fato de que ela havia sido capaz de enumerar de uma alta ansiedade. Ela havia utilizado uma
oito coisas que ela havia aprendido. Os membros versão modificada da resposta racional da sessão
do grupo elogiaram suas habilidades excelentes de 7 (“Eu estou aqui para me divertir e não para
conversação e destacaram que o seu senso de hu­ impressionar ninguém”) para ajudá-la a controlar
mor e estilo interpessoal agradável provavelmente sua ansiedade. Entretanto, ela relatou que havia

347
Fronteiras da Terapia Cognitiva

continuado a pensar sobre as pessoas olhando-a e nas situações reais do que havia antecipado
fazendo comentários negativos sobre sua aparência. anteriormente.
Antes de repetir a tarefa diária de cumprimen­ A ansiedade subjetiva de Sherri foi moderada­
tar as pessoas com as quais ela normalmente não mente alta no início da conversação (SUID = 65),
falaria, os terapeutas tentaram determinar porque mas havia se reduzido ao longo dos próximos 5
ela a havia executado cm apenas 3 dos 7 dias da minutos (50, 45, 40, 40, 40). Ela ultrapassou a
semana anterior. Os terapeutas foram incapazes de sua meta comportamental de fazer duas pergun­
descobrir qualquer obstáculo que impedia a execu­ tas, fazendo na verdade quatro perguntas ao seu
ção da tarefa diariamente, então eles simplesmente parceiro de conversação. Uma vez mais o grupo
reenfatizaram a importância de tentativas diárias e deu um feedback positivo extenso sobre suas
Sherri concordou em tentar novamente. Na sessão excelentes habilidades de conversação. O grupo
seguinte, Sherri reportou que havia falado com concordou com o parceiro do role play em que a
alguém em 6 dias, mas que não havia encontrado conversa havia parecido realista e típica do que
uma oportunidade para fazê-lo em um dos dias do aconteceria em um setting semelhante. Durante
final de semana. Como é frequentemente relatado o questionamento, Sherri perguntou ao parceiro
por membros do grupo que têm que completar no role play se ela parecia “bem”. Dado o fato
tarefas semelhantes, Sherri expressou surpresa a de que o parceiro no role play não estava infor­
respeito de quanto receptivas as pessoas haviam mado sobre suas preocupações a respeito de sua
sido aos seus cumprimentos e que, em uma ocasião, aparência, sua surpresa genuína de que ela teria de
havia desenvolvido uma breve conversa. fazer tal pergunta forneceu evidência convincente
de que estava exageradamente preocupada com a
Sessão 9 sua aparência.
Para a sua terceira exposição em sessão, os Como tarefa de casa, os terapeutas buscaram
terapeutas decidiram encenar uma situação seme­ uma que permitiría a Sherri continuar a receber
lhante à exposição da sessão 7, mas a utilizar um evidências de que a imagem negativa que ela tinha
novo parceiro de role play que Sherri não conhe­ a respeito de sua aparência física era infundada.
cia a fim de tomar a situação mais realista. Um Sherri não tinha qualquer evento social programado
assistente de pesquisa que era aproximadamente para a semana seguinte e não tinha certeza de que
da idade de Sherri foi recrutado para encenar um algumas de suas colegas de trabalho estariam dis­
homem em uma boate que iniciava uma conversa poníveis para ir a qualquer lugar onde poderíam
com Sherri antes de convidá-la a dançar. O pen­ dançar. Consequentemente, os terapeutas explora­
samento automático primário de Sherri foi “Eu ram outras situações possíveis que evocariam os
ficarei tão insegura que não serei capaz dc falar pensamentos de Sherri a respeito de sua aparência.
com ele”. Isso foi classificado como previsão do Sherri indicou que corria como atividade física
futuro (tratar uma possibilidade futura como se várias vezes por semana e que normalmente o
fosse um fato estabelecido) e desqualificação do fazia após escurecer ou em algum lugar onde havia
positivo (desconsiderar sucessos anteriores como poucas pessoas, porque ela ficava ansiosa a respeito
as inúmeras vezes em que havia demonstrado de ser vista por outros. Sherri concordou em correr
excelentes habilidades de conversação, mesmo em sua vizinhança à luz do dia. Uma vez mais os
quando experienciando significativa ansiedade) terapeutas enfatizaram a importância de desafiar os
(Bums, 1980; Persons, 1989). Com a ajuda do seus pensamentos automáticos antes de sair para
grupo, Sherri foi capaz de reconhecer que era correr usando os procedimentos aprendidos no
improvável que seria incapaz de falar qualquer grupo. Na semana subsequente, Sherri relatou que
coisa. Além disso, o grupo destacou que ela havia ficava menos ansiosa a cada vez que ela saía e que
experienciado consistentemente menos ansiedade estava começando a acreditar que provavelmente

348
Abordagens cognitivas para a psicopatologia e o tratamento de fobia social

não parecia “gorda demais ou idiota”, porque a processar cognitivamente informação positiva a
as pessoas que a viam pareciam prestar atenção respeito de si próprios, que provavelmente seria
apenas de passagem. Sherri também relatou que inconsistente com o autoesquema negativo com
continuava a ter sucesso naquela semana com a o qual eles haviam começado no grupo. Terceiro,
tarefa diária de cumprimentar as pessoas. dado que os membros do grupo levavam folhas
de papel para casa consigo, eles tinham evidência
Sessão 10 poderosa para desafiar autoavaliações negativas
Não estava programado para Sherri uma que podiam emergir na reestruturação cognitiva
exposição em sessão interna, durante a décima futura que continuariam fazendo sozinhos.
sessão. Como tarefa de casa, ela concordou em Sherri recebeu numerosos elogios sobre seu
continuar correndo à luz do dia e em continuar a estilo interpessoal e sobre sua coragem em con­
cumprimentar as pessoas diariamente. Ela havia frontar os seus medos, bem como a apreciação por
participado do grupo de adultos solteiros na igreja coisas que ela havia dito que tinham sido úteis
algumas vezes e estava pensando em participar
a um outro membro do grupo. Como frequente­
de um evento social que iria ocorrer com aquele mente ocorre com esse exercício, dois membros
grupo. Ela concordou em fazer as ligações apro­ do grupo aproveitaram a oportunidade para elogiar
priadas para obter os detalhes sobre o passeio de
um aspecto da sua aparência física, sabendo que
forma que pudesse participar dele naquele mês. Ela
tais afirmações seriam particularmente importantes
completou com sucesso todas as três atribuições.
para Sherri.
O restante da sessão 12 foi devotado a discutir
Sessão 11 e 12
como consolidar e avançar os ganhos terapêuti­
Sherri saiu da cidade inesperadamente e perdeu
cos, seguido por um momento social com bolo e
a sessão 11. Embora tivesse participado de apenas
refrigerantes para permitir aos membros do grupo
três exposições em sessão, ela havia feito um
progresso substancial em direção às suas metas que se despedissem.
terapêuticas. Portanto, os terapeutas decidiram que
Avaliação da eficácia do tratamento
Sherri participaria de um exercício cm grupo que
fosse relevante para todos os membros ao invés Em seguida à última sessão de TCCG, os
de completar uma outra exposição individual na membros do grupo habitualmente se encontravam
última sessão do grupo. O exercício envolveu que com um dos coterapeutas para uma discussão final
os membros do grupo se alternassem elogiando uns sobre o progresso no grupo e consideração sobre
aos outros, enquanto a pessoa recebendo o elogio a necessidade de prolongar o tratamento. Shcrri
o escrevería em quadro usando a primeira pessoa. prontamente concordou com os terapeutas que um
A pessoa recebendo o elogio deveria agradecer ao tratamento adicional não era necessário, embora
outro sem desqualificar o elogio. Por exemplo, um ela necessitasse continuar trabalhando por si pró­
membro do grupo disse que ela pensava que Sherri pria. Quando solicitada a avaliar em uma escala
genuinamente se importava com outras pessoas. de 0 a 4 quanto a fobia social interferia com o
Sherri escreveu “eu genuinamente me importo seu funcionamento, Sherri deu-se um escore de 1,
com os outros” no quadro. Este exercício serviu indicando uma angústia leve, mas absolutamente
a três objetivos. Primeiro, como parte do processo não incapacitante.
de desvinculação do grupo, proporcionava aos Note que, antes do tratamento, Sherri havia
seus membros uma oportunidade de expressar sua se avaliado dando-se um escore de 4 na mesma
apreciação pela ajuda que eles haviam recebido escala. Sherri reportou aos terapeutas que ela
dos demais membros. Segundo, escrever os elogios acreditava que seus medos sociais haviam se re­
na primeira pessoa forçava os membros do grupo duzido consideravelmente ao longo do curso de

349
Fronteiras da Terapia Cognitiva

terapia. Ela falou longamente a respeito de como ou ao terapeuta na ocasião em que a avaliação pós-
a redução de sua insegurança sobre sua aparên­ -tratamento foi efetuada. O exame das avaliações
cia havia melhorado sua vida no dia a dia. Por revelou reduções significativas em todas as três
exemplo, ela apreciava ser capaz de sair de casa escalas, através dos seus seis itens. Entretanto,
para atividades como compras de supermercado algumas situações particularmente difíceis, como o
sem uma preocupação excessiva com seu cabelo, primeiro encontro de namoro e participar de uma
roupas e maquiagem. Seu maior conforto nas in­ grande festa com pessoas estranhas, continuavam
terações diárias com os colegas de trabalho tomou a gerar um medo significativo. Duas das três situa­
seu trabalho menos estressante, possibilitando-lhe ções que demonstraram a mudança mais dramática
envolver-se em uma maior variedade de tarefas e foram aquelas abordadas diretamente através de
levando outros funcionários a vê-la como mais exposições de role play e in vivo - conversas com
amigável e mais aberta. Na verdade, várias pessoas parceiros em potencial e com outros estranhos. É
que desconheciam o fato de que ela havia estado notável que a terceira situação na qual medo e
em tratamento comentaram com Sherri que ela evitação se reduziram substancialmente, ir a um
parecia “diferente”. Como será visto abaixo, este novo cabeleireiro, nunca foi discutida no grupo.
autorrelato subjetivo é confirmado através de sua Essa situação é com frequência particularmente
melhora em medidas mais objetivas, embora a difícil para fóbicos sociais como a Sherri, os
melhora nestas últimas seja surpreendentemente quais são excessivamente inseguros a respeito de
menos dramática. sua aparência física. A melhora nesta situação se
Uma versão abreviada da hierarquia de medo reflete em generalização a outras situações, bem
e evitação de Sherri aparece na Tabela 16.3. Cada como em mudanças prováveis em suas crenças
item na hierarquia foi avaliado conforme três esca­ básicas disfimeionais sobre o caráter supostamente
las de 0 a 100 - medo, evitação comportamental e inaceitável de sua aparência física.
medo de avaliação negativa por outros. A hierarquia A segunda medida objetiva disponível para
foi completada e as avaliações iniciais foram feitas avaliar o sucesso do tratamento de Sherri referc-
antes da primeira sessão. Avaliações pós-tratamento -se aos escores, obtidos sessão a sessão, no Brief
foram obtidas nas sessões de follow-up com um Fear of Negative Evaluation Scale (BFNE, Breve
dos terapeutas após a sessão 12. As avaliações Escala do Medo de Avaliação Negativa; Leary,
pré-tratamento não foram disponibilizadas à Sherri 1983). O BFNE é uma versão de 12 itens da

350
Abordagens cognitivas para a psicopatologia e o tratamento de fobia social

Figura 16.2 - Contagens de sessão por sessão da Escala Breve de Medo de Avaliação Negativa para Sherri.

escala FNE Watson e Friend (1969) discutida Conclusão


antcriormcntc neste capítulo. O BFNE utiliza um
formato de resposta de 5 pontos com os possíveis Nossa compreensão da fobia social aumentou
escores variando de 12 a 60. Para o objetivo de consideravelmente desde que foi reconhecida pela
uma avaliação contínua em TCCG, as instruções primeira vez ofícialmente em 1980 (DSM-III,
foram modificadas para se solicitar aos clientes que Associação Psiquiátrica Americana, 1980). As
autoavaliações negativas e os processos distorcidos
fizessem avaliações baseadas na semana anterior,
de atenção, previstos pelo modelo cognitivo fobia
em vez de avaliar como eles se sentem em geral.
social de Beck e Emery (1985), foram substan­
Conforme demonstrado na Figura 16.2, o escore
ciados por pesquisas. Uma literatura crescente
de Sherri no BFNE foi 49 no início do tratamento
claramente demonstra que TCC é um tratamento
permanecendo relativamente estável até a sessão
eficaz para fobia social, levando a redução em
8, quando diminuiu significativamente. A conta­
ansiedade social e evitação, em medo de avaliação
gem de MBAN de Sherri era 49 no começo do
negativa e em medidas cognitivas de laboratório e
tratamento e permaneceu razoavelmente estável até autorrelatos. A despeito de argumentos de que as
a sessão 8, quando diminuiu significativamente. fortes características cognitivas da fobia social a
O escore final de Sherri no BFNE, uma semana toma especialmente adequada para TCC (Butler,
após o tratamento e durante a entrevista clínica 1985), a TCC raramente mostrou-se mais eficaz
pós-tratamento, foi 28. A mudança no BFNE é do que outros tratamentos ativos. Tais diferenças
particularmente encorajadora, porque pesquisas tendem mais a emergir durante o follow-up. Por
anteriores sugerem que a melhora no BFNE origi­ outro lado, a TCC claramente se mostrou não
nal está associada a resultado terapêutico positivo menos eficaz do que outras terapias benéficas e
em longo prazo para fóbicos pessoais (Mattick & pode ser mais prontamente aplicada à fobia social
Peters, 1988; Mattick et ai, 1989). do que a exposição (veja Butler, 1985).

351
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Relativamente poucos pesquisadores têm não ser a única forma e nem a forma superior de
empregado medidas confiáveis e válidas para a efetuar aquela mudança (veja Bandura, Adams &
avaliação cognitiva. Entretanto, os dados indicam Beyer, 1977). Além disso, maior atenção necessita
que a mudança em medidas cognitivas está rela­ ser devotada ao aumento nos benefícios que os
cionada à melhora com o tratamento. Encorajamos clientes recebem da TCC. Embora a TCC seja
pesquisadores nesta área a prestarem maior atenção eficaz, um número substancial de clientes falhou
à avaliação cognitiva e particularmente a inclui- em atingir níveis normais de funcionamento após
rem medidas empíricas de cognição em adição a o tratamento (veja Chambless et al., 1993; Lucas
medidas de autorrelato. Medidas de laboratório & Telch, 1993).
tendem menos a ser distorcidas por uma possível
demanda percebida de relatar pensamentos racio­
nais após tratamento. Tal demanda experimental
Agradecimento
pode ser especialmente influente para clientes em
TCC, devido à ênfase particular na redução do Desejamos agradecer a Marty Guiless por sua
pensamento negativo através de todo o tratamento assistência com o resumo meta-analítico, Gillian
com esta abordagem. Butler e James Herbert por fornecer dados para a
A pesquisa contínua sobre a mudança cogni­ meta-análise, e Aaron T. Beck por seus valiosos
tiva em fobia social é importante, considerando comentários. Este capítulo foi preparado enquanto
as amplas evidências a favor da importância de a Dra. Chambles atuava como professora visitante
fatores cognitivos na psicopatologia deste trans­ no Centro para Pesquisa em Psicoterapia na Uni­
torno. Pode muito bem ser o caso que mudança versidade da Pensilvânia. Ela reconhece o apoio
em cognição é crítica para a melhora terapêutica, do Centro com gratidão.
embora a TCC como atualmente praticada pode

352
Abordagens cognitivas para a psicopatologia e o tratamento de fobia social

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356
Capítulo 17

O STATUS ATUAL DOS MODELOS


COGNITIVO-COMPORTAMENTAIS DE ANOREXIA
NERVOSA E DE BULIMIA NERVOSA

Kelly M. Vitousek

s modelos para bulimia nervosa (Fair- indicado para pacientes anoréxicos, enquanto 85%

O bum, 1981) e anorexia nervosa (Gamer


& Bemis, 1982), baseados nos insights
de Beck sobre psicopatologia e terapia, foram
propostos independentemente e quase simultanea­
a 94% concordaram com referência a bulimicos
(Herzog, Keller, Strober, Yeh & Pai, 1992). Estes
níveis aparentemente equivalentes de aceitação não
refletem o status empírico das duas aplicações: a
mente. Estes observadores certamente não foram terapia cognitivo-comportamental para a bulimia
os primeiros a comentar sobre a proeminência das nervosa tem acumulado extensivo apoio através de
crenças distorcidas nos transtornos alimentares (por experiências de tratamento controladas, enquanto
exemplo, Bruch, 1973, 1978; Crisp & Fransella, a eficácia da abordagem correspondente para
1972; Russell, 1979; Selvini-Palazzoli, 1971; anorexia nervosa ainda tem que ser estabelecida.
Ushakov, 1971), mas eles apresentaram a primeira Ambas as abordagens também têm exercido
análise sistemática cognitivo-comportamental da efeitos importantes na direção tomada pela pesquisa
psicopatologia anoréxica e bulímica, e descreve­ sobre a psicopatologia dos transtornos alimentares.
ram programas de tratamento completos derivados A ênfase cognitivo-comportamental dominante
desses relatos. tem influenciado sucessivas revisões do critério
Nos 15 anos que se passaram desde que os diagnóstico para bulimia nervosa (American
modelos foram detalhados, ambos tiveram uma Psychiatric Associaton, 1987) e para anorexia
influência abrangente na prática clínica, no campo nervosa (American Psychiatric Association, 1994),
dos transtornos alimentares. Pesquisas com psi­ e está fortemente representada nos mecanismos
cólogos e médicos participantes de conferências de avaliação mais amplamente usados (Z.Cooper
internacionais sobre transtornos alimentares em & Fairbum, 1987; Gamer, Olmsted & Polivy,
1988 e 1990, indicaram que entre 88% e 92% dos 1983). Mais recentemente, os modelos geraram
respondentes consideravam o tratamento cognitivo- uma série de estudos de pesquisa básica sobre
-comportamental, tanto sozinho ou em combinação o processamento de informação nos transtornos
com tratamento psicodinâmico, como sendo alimentares (Vitousek & Hollon, 1990).
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Status dos modelos teóricos Muitas das variáveis de iniciação e manuten­


ção, identificadas nesses modelos causais mul-
Reduzido à sua essência, o modelo cogni- tidimensionais, não são, em nenhum sentido,
tivo-comportamental propõe que os sintomas distintivamente “cognitivo-comportamentais”, já
anoréxicos e bulímicos são mantidos por um que seriam endossadas por virtualmente todas as
conjunto característico de idéias supervaloriza- explicações contemporâneas da etiologia dessas
das sobre as implicações pessoais da forma e do condições. As características mais distintivas das
peso corporal. Essas atitudes têm suas origens na teorias cognitivo-comportamentais são suas ên­
interação de características individuais estáveis fase no status das crenças e valores sobre o peso
(como perfeccionismo, ascetismo e dificuldades como os elementos psicopatológicos centrais e
na regulação do afeto) com ideais socioculturais primários, e na influência automática (e funcional)
para a aparência feminina. Uma vez formadas, as do processamento de informação tendencioso nas
crenças influenciam os indivíduos que as mantêm, percepções, pensamentos, afeto e comportamento
levando-os a se engajar em comportamentos dos indivíduos afetados. Os teóricos cognitivos
estereotipados de alimentação e de eliminação, devem assumir a responsabilidade de examinar se
a ser responsivos a contingências excêntricas de esses postulados específicos fazem uma contribui­
reforço, a processar informações de acordo com ção adicional à compreensão, previsão e resolução
vieses cognitivos previsíveis e, eventualmente, a dos fenômenos de transtornos alimentares.
ser afetados por sequelas fisiológicas que também Os modelos cognitivo-comportamentais ten­
servem para manter crenças e comportamentos deram a enfatizar a sólida correspondência entre
disfuncionais. os sistemas de crenças de anoréxicos e bulímicos
Uma explicação detalhada dos elementos hi­ (Fairburn & Gamer, 1988), sugerindo que os pa­
potéticos e das suas interações está muito além drões de sintomas superficialmente diferentes que
do escopo deste capítulo. O modelo cognitivo esses pacientes manifestam são todos relacionados
abrangente de anorexia nervosa é apresentado em a uma excessiva confiança no peso e na forma
Gamer e Bemis (1982, 1985) e Gamer (1986a); como a base para uma autoavaliação. A presun­
as teorias cognitivo-comportamentais de bulimia ção de uniformidade na psicopatologia central é
nervosa são discutidas em Fairburn, Cooper e apoiada pela forte semelhança entre esses grupos
Cooper (1986), Gamer (1986b), e Wilson (1989). nos inventários de atitudes, e é consistente com a
Para considerações extensivas sobre componentes observação que sujeitos individuais frequentemente
específicos, direcionamos o leitor a Vitousek e qualificam-se para ambos os diagnósticos, seja
Ewald (1983) sobre as variáveis individuais; a simultânea ou sucessivamente (Vankerreucken &
Gamer, Garfinkel e Olmsted (1983) e Stice (1994) Pierloot, 1983). É possível que os sintomas que
sobre influências socioculturais; a Casper e Davis demarcam os limites entre esses grupos, incluindo
(1977) sobre estressores precipitadores; a Slade a obtenção de um status de peso abaixo do normal
(1982) e Bemis (1983) sobre reforço positivo e e a presença ou ausência de episódios de comer
negativo; a Vitousek e Ewald (1993) e Vitousek e compulsivo, resultem de variáveis independentes
Orimoto (1993) sobre as bases funcionais para o que não são relacionadas com o grupo comum de
comportamento alimentar transtornado; a Vitousek crenças relativas ao peso, tais como a intolerância
e Hollon (1990) sobre o processamento esque- biológica para a fome e o deslocamento abaixo
mático; e a Gamer, Rockert, Olmsted, Johnson do peso convencional.
e Coscina (1985), Kaplan e Garfmkel (1993), Altemativamente, pode ser que diferenças entre
Lacssle, Schwciger e Pirkc (1998), e Wilson (1991) os subtipos de transtornos alimentares também
sobre os efeitos físicos e psicológicos da dieta, da estejam representadas no nível dos esquemas
purgação e da semi-inanição. cognitivos sobre peso. Por exemplo, Vitousek

358
0 status atual dos modelos cognitivo-comportamentais de anorexia nervosa e de bulimia nervosa

e Hollon (1990) especulam que os anoréxicos Os modelos cognitivos de anorexia nervosa e bu­
podem ser distinguidos por uma preferência pela limia nervosa devem ser apoiados por evidências
simplicidade, a convicção e um estilo cognitivo de que indivíduos com esses transtornos mantêm
de “resoluções de Ano Novo”. Indivíduos com crenças distintas nos domínios do peso, forma e
essas características podem ser particularmente alimento, e são particularmente propensos a erros
propensos a acolher com prazer a cmcrgcncia e de raciocínio nesses domínios de conteúdo.
a eventual dominância de estruturas cognitivas Tanto os inventários atitudinais quanto as
monolíticas sobre o peso, exatamente por causa de programações de entrevista confirmam que os
suas potentes propriedades esquemáticas - o seu sujeitos clínicos diferem dos controles normais
poder de reduzir ambiguidade, facilitar julgamentos (e, tipicamente dos controles obesos, moderados,
e previsões, e fornecer um conjunto inclusivo de e sob dieta) no impulso apresentado para magreza
premissas das quais regras específicas podem ser e preocupação com a forma e peso corporal (por
deduzidas. Os bulímicos podem ser primariamente exemplo, Z. Cooper & Fairbum, 1987; Gamer,
responsivos às contingências sociais percebidas Olmsted & Polivy, 1983). O instrumento mais
para a magreza e obesidade, enquanto os anoréxi­ sensível para avaliar a complexa psicopatologia
cos constroem redes associativas mais complexas, específica da anorexia e da bulimia nervosa é um
ligando o status de peso a um conjunto mais amplo programa de entrevista semiestruturado, o Eating
de estados intrinsecamente reforçadores (Vitousek, Disorder Examination, que gera perfis individuais
Orimoto & Ewald, 1995). A maior heterogenei- em cinco elementos-chave: Bulimia, Moderação,
dade nas variáveis de background, características Preocupação Alimentar, Preocupação com a Forma
de personalidade e ajustamento geral associados e Preocupação com o Peso (Z. Cooper, Cooper
à bulimia nervosa também pode corresponder a & Fairbum, 1989; Z. Cooper & Fairbum, 1987;
uma maior diversidade nos motivos e funções dos Fairbum & Cooper, 1993; Rosen, Vara, Wendt &
comportamentos alimentares transtornados dentro Leitenberg, 1990; Wilson & Smith, 1989).
desse subgrupo (Vitousek & Manke, 1994). Os inventários de autorrelato também verifica­
ram que os anoréxicos e bulímicos adotam idéias
Avaliação de autorrelatos e crenças irracionais características sobre as propriedades
Farta evidência indica que os sujeitos com mágicas do alimento e as implicações do peso
preocupações sobre alimentação e peso diferem corporal. No modelo cognitivo inicial da anorexia
de outros na tendência de endossar itens nas me­ nervosa, Gamer e Bemis (1982) observaram que,
didas de crenças irracionais, estilos de atribuição após o início do sintoma, uma multidão de crenças
depressogênicos e erros de processamento (por derivadas emerge da premissa anoréxica básica
exemplo, Frfemouw & Heyneman, 1983; Goe­ sobre a importância da magreza: por exemplo, que
bel, Spalthoff, Schulze & Florin, 1989; Poulakis o autocontrole em diversas áreas é um pressuposto
& Werthein, 1993; Ruderman, 1986; Schlesier- no controle da alimentação e peso; que pequenos
-Carter, Hamilton, O’Neil, Lydiard & Malcolm, aumentos no peso irão progredir inexoravelmente
1989; Steiger, Fraenkel & Leichner, 1989; Steiger, para a obesidade; que o açúcar ingerido será
Goldstein, Mongrain & Van de Feen, 1990; Strauss instantaneamente convertido em gordura arma­
& Ryan, 1988). Entretanto, devido às taxas de zenada; que o vômito e a diarréia induzida por
comorbidade extremamente altas entre os transtor­ laxantes purificam o corpo. Descobriu-se que
nos alimentares e os transtornos depressivo e de os inventários de autorrelato compostos de itens
ansiedade, esses dados fazem muito pouco além de similares, diferenciam os bulímicos e anoréxicos
reconfirmar as observações mais básicas dc Bcck dos controles normais (por exemplo, Clark, Feld­
sobre o relacionamento entre a psicopatologia e os man & Channon, 1989; Dritschel, Williams &
estilos de pensamentos distorcidos (Beck, 1976). Cooper, 1991; Franko & Zuroff, 1992; Goldberg

359
Fronteiras da Terapia Cognitiva

et al., 1980; Mizes, 1990; Mizes & Klesges, 1989; episódios de comer compulsivo. Outros temas
Phelan, 1987; Scanlon, Ollendick & Bayer, 1986; comuns incluíram autocondenação, perplexidade
Shulman, Kinder, Gleghom, Powers & Prange, na perda de controle, e resoluções de “ser bom”
1986; Thompson, Berg & Shatford, 1987). Alguns amanhã. O estudo automonitorado conduzido por
demonstraram adicionalmente que decrescem Lingswiler e colegas (1989) também descobriu
durante o tratamento, prognosticam a resposta ao que cognições dicotômicas eram relatadas antes
tratamento, e correlacionam-se com outros índices dos episódios de alimentação, tanto pelos sujeitos
da sintomatologia dos transtornos alimentares (para bulímicos quanto pelos comedores compulsivos.
uma revisão, ver Mizes & Christiano, 1995). Usando uma metodologia diferente, Zotter e
Numerosas investigações têm sido realizadas Crowther (1991) obtiveram poucos exemplos de
para examinar os relacionamentos entre eventos pensamento dicotômico, mas descobriram que
diários, fome, emoção e cognição através do ciclo os bulímicos tinham maior probabilidade do que
comer compulsivo-purgação na bulimia nervosa. os controles normais ou submetidos a dietas, de
Na maioria desses estudos, os sujeitos foram registrarem negativamente cognições acentuadas
orientados para automonitorarem as variáveis e distorcidas sobre alimento e peso.
objetivadas em ambientes naturalistas, ou durante Apesar de tentativas recentes para avaliar
a ocorrência, em intervalos fixos de tempo, ou em o conteúdo cognitivo na anorexia e na bulimia
resposta a sinais de um “dispositivo de paging99 nervosa serem encorajadoras, o progresso tem
(P. Cooper & Bowskill, 1986; Davis, Freeman & sido dificultado pelo fracasso em abordar várias
Solyom, 1985; Davis, Freeman & Gamer, 1988; questões metodológicas e conceituais críticas. O
Elmore & de Castro, 1990; Johnson & Larson, autorrelato pode ser particularmente vulnerável ao
1982; Lingswiler, Crowther & Stevens, 1987, viés e à distorção com essa população por várias
1989; Rebert, Stanton & Schwarz, 1991; Schlundt, razões (Vitousek, Daly & Heiser, 1991). Uma vez
Johnson & Jarrell, 1985 ;Zotter& Crowther, 1991). que os anoréxicos estão tipicamente envolvidos
Alguns coletaram respostas durante as sessões de no resguardo de sua sintomatologia egossintônica,
alimentação em laboratório (Chiodo & Latimer, eles podem falsificar informações deliberadamente
1986; Kaye, Gwirstsman, George, Weiss & Jimer- como parte de uma postura defensiva; parado­
son, 1986; Williamson, Kelley, Davis, Ruggiero xalmente, uma tendência para a supcrobediência
& Veitia, 1985). Outros estudos solicitaram aos também pode influenciar os anoréxicos a se adap­
sujeitos que caracterizassem seus episódios bulí- tarem aos vieses dos terapeutas ou pesquisadores,
micos retrospectivamente (J. Cooper et al., 1988; sutilmente comunicados. Finalmcnte, a capacidade
Hsu, 1990; Steinberg, Tobin & Johnson, 1990). de narrar com precisão sua experiência particular
Tais investigações confirmaram que os estados pode ser ainda mais limitada pelos efeitos da ina­
de humor negativos tendem a preceder o ciclo nição os quais podem contribuir para a redução da
comer compulsivo-purgação; alguns relatam capacidade de abstração e a um empobrecimento
um decréscimo da ansiedade e/ou da raiva, mas geral do conteúdo do pensamento.
tipicamente não da depressão após a conclusão Outro problema refere-se à inadequada con-
do episódio. Lamentavelmente, a maioria desses ceituação das questões teóricas na maior parte
estudos enfatizou as avaliações emocionais; poucos das pesquisas de avaliação cognitiva dentro desse
coletaram ou analisaram essa fonte potencial­ domínio. As medidas de autorrelato são tipica­
mente rica de dados de autorrelato em formas mente compilações heterogêneas dos tipos idéias
afirmativas. No estudo do questionário de Hsu peculiares que os clientes anoréxicos e bulímicos
(1990), os bulímicos indicaram que autorrelatos verbalizam na psicoterapia; raramente são inventá­
dicotômicos, tais como “Já que eu fiz isso, eu bem rios projetados para testar hipóteses sobre aspectos
que podia continuar”, frequentemente precederam específicos do modelo cognitivo. Ao invés de usar

360
0 status atual dos modelos cognitivo-comportamentais de anorexia nervosa e de bulimia nervosa

essa abordagem generalista para graduar o desen­ do construto de peso; (3) a intrusão de conteúdo
volvimento, ela provaria ser mais informativa se relacionado ao peso em situações não relacionadas
derivasse itens a partir de um modelo organizado ou ambíguas; (4) a posse de estruturas de conhe­
que especificasse as percepções, as avaliações, as cimento diferenciado em domínios relacionados;
atribuições e as expectativas teoricamente cruciais (5) uma memória aumentada para as informações
para a manutenção dessas síndromes (Vitousek & consistentes com o esquema; (6) a habilidade de
Orimoto, 1993). recuperar evidência comportamcntal relevante ao
Finalmente deveria ser observado que a ava­ esquema; (7) o grau de confiança nos julgamentos
liação dos autorrelatos sobre alimentação e peso e previsões sobre alimento e peso; (8) a relevância
tem limitações pronunciadas como uma forma de específica das preocupações com o peso para o
testar o modelo cognitivo abrangente. Nenhuma indivíduo; (9) o nível de envolvimento cognitivo e
controvérsia cerca a proposição de que o conteúdo afetivo nos eventos relacionados com o peso; e (10)
do pensamento dos sujeitos que se preocupam com a resistência a informações contraesquemáticas.
a alimentação e o peso é distinguível do conteúdo Em vista do destaque aos construtos cognitivos
do pensamento dos sujeitos que são indiferentes nas teorias dominantes de anorexia e bulimia ner­
a tais assuntos (Visousek & Hollon, 1990). Em vosa, surpreendentemente pouca pesquisa tem sido
última análise, entretanto, nós precisamos aprender feita sobre a natureza e a operação dos esquemas
não simplesmente o que os nossos clientes pensam específicos do domínio (M.Cooper & Fairbum,
sobre, mas o que faz com que eles formulem suas 1992a; Mahamedi & Heatherton, 1993; Mizes &
idéias errôneas, como tais crenças afetam sua Christiano, 1995; Vitousek & Hollon, 1990). Um
experiência do mundo, e por que eles se tomam
acentuado aumento na atividade nos últimos anos
extraordinariamente resistentes aos esforços para
gerou alguns dados a favor de 5 das 10 hipóteses
persuadi-los a pensar em qualquer outra coisa.
descritas acima, e vários outros estudos sobre o
processamento da informação estão atualmente
Avaliação do processamento esquemático
sendo desenvolvidos ou sob revisão.
Os paradigmas do processamento cognitivo
oferecem vantagens distintas no estudo dos trans­ O parâmetro mais amplamente pesquisado é a
tornos alimentares. Uma vez que eles geralmente velocidade de processamento do conteúdo relevante
empregam estratégias de teste que os sujeitos do transtorno, estudado quase que exclusivamente
são incapazes de decodificar e usam variáveis através de adaptações do paradigma de Stroop
dependentes que são difíceis de falsificar, eles (Stroop, 1935). Presumivelmente por causa de
podem minimizar ou eliminar a dcpcndcncia do sua considerável popularidade no campo da psi-
autorrelato. Eles também podem auxiliar os in­ copatologia cognitiva geral, a técnica de Stroop
vestigadores a irem além do conteúdo cognitivo tem sido amplamente disseminada - e talvez
para explorarem os processos através dos quais as prematuramente aceita - como uma medida da
crenças se desenvolvem, proliferam e tomam-se interferência no processamento da informação
autônomas. causada pelo conflito ou pela ansiedade baseados
Vitousek e Hollon (1990) esboçaram 10 estra­ no esquema.
tégias gerais para a investigação do processamento Os estímulos relevantes ao transtorno usados
da informação nos transtornos alimentares. Eles nessas investigações têm variado; a maioria
sugeriram que os indivíduos com essas condições emprega tanto listas de palavras relacionadas
podem diferir dos outros dos seguintes modos: (1) com alimento e peso quanto listas de palavras
a facilidade e velocidade com que os estímulos relacionadas com a forma, às vezes segregadas
relacionados ao alimento e ao peso são proces­ em cartões separados e às vezes misturadas para
sados; (2) a elaboração do significado em tomo formar um único arranjo. Os cartões de conflito

361
Fronteiras da Terapia Cognitiva

referentes ao alimento têm incluído itens como aos estímulos ameaçadores - talvez que as estru­
“chocolate” e “bolo”; tipicamente, os estímulos são turas mais elaboradas do medo associadas com as
combinados pelas características grafomorfemicas preocupações focais requerem maior capacidade de
e pela frequência do uso da palavra com palavras processamento cognitivo, e, portanto, competem
neutras (“catálogo”, “conversa”) que aparecem em com os recursos cognitivos disponíveis para nomear
um cartão-controle correspondente. Os cartões de as cores (Foa, Feske, Murdock, Kozak & McCarthy,
objetivo relativos a peso e forma incluem itens 1991). Tem sido esperado que este efeito pudesse
tais como “flácido” e “gordo”, os quais são em­ também se mostrar útil para vários propósitos
parelhados com palavras neutras listadas em um clínicos e de pesquisa. Uma vez que as diferenças
cartão-controle separado. absolutas entre os grupos patológico e de controle
Quase todos os estudos publicados relataram parecem ser bastante modestas e a sobreposição
que sujeitos anoréxicos e/ou bulímicos (e às vezes nas distribuições considerável, é improvável que
sujeitos controlados ou sob dieta) manifestam o teste tenha utilidade diagnostica (Ben-Tovim et
tempo de resposta atrasado, quando solicitados a al., 1989); entretanto, ele seria valioso como um
nomear as cores das tintas de conjuntos de palavras índice do grau de preocupação com alimento/peso
relacionadas com alimento e/ou peso, em relação que não é dependente do autorrelato. Há algumas
a sujeitos normais e em relação às suas próprias evidências que indicam que as rupturas no proces­
respostas, quando estímulos neutros foram apre­ samento desaparecem com a recuperação clínica
sentados (Ben-Tovim, Walker, Fok & Yap, 1989; (Ben-Tovim et al., 1989; M. Cooper & Fairbum,
Ben-Tovim & Walker, 1991; Channon, Hemsley 1994), embora a técnica não pareça fornecer um
& de Silva, 1988; M.Cooper, Anastasiades & meio de examinar os mecanismos de tratamento,
Fairburn, 1992; M. Cooper & Fairbum, 1992b; uma vez que modalidades alternativas não produ­
M. Cooper & Fairbum, 1993; Fairbum, Cooper, zem efeitos diferenciais nos tempos de Stroop no
Cooper, McKenna & Anastasiades, 1991; Green, pós-teste (M.Cooper & Fairbum, 1994).
McKenna & de Silva, 1994; Long, Hinton & Infelizmente, não está claro que essa aplicação
Gillespie, 1994; Mahamedi & Heartherton, 1993; da tarefa de Stroop possa produzir as respostas
Perpina, Hemsley, Treasure & de Silva, 1993; Wil­ teóricas ou clínicas que os pesquisadores anteci­
son, 1989). Os resultados parecem ser mais fortes param que ela produziría (Huon, 1995; Mizes &
para os estímulos relacionados ao alimento quando Christiano, 1995; Vitousek & Ewald, 1993;Vitou-
esses podem ser examinados separadamente, com sek & Orimoto, 1993). Nenhum dos estudos com
resultados mais ambíguos obtidos para os anoréxi­ amostras clínicas relatados até esta data excluiu a
cos quando são apresentadas palavras relacionadas possibilidade de que a fome ou privação crônica
com peso (Ben-Tovim et al., 1989; Channon et sejam a explicação mais parcimoniosa para as rup­
al.9 1988; Green et al.9 1994; Perpina et al.9 1993). turas observadas no processamento, que, conforme
Nem a familiaridade com o procedimento (Walker, observado acima, são mais pronunciadas para
Ben-Tovim, Jones & Bachok, 1992), nem as va­ estímulos relacionados com o alimento. Channon
riações na ordem de apresentação dos cartões (M. e Hayward (1990) confirmaram que sujeitos nor­
Cooper et al., 1992) parecem afetar a magnitude mais também apresentam tempo de processamento
da interferência; entretanto, pode ocorrer a fami­ atrasado quando o Stroop de alimento é aplicado
liarização com alguns estímulos objetivos dentro depois de um período de jejum de 24 horas. Lavy
do curso de uma sessão de avaliação (Green et e van den Hout (1993) também relataram um viés
al., 1994; Green & Rogers, 1993). da atenção para estímulos de alimento em sujeitos
A explicação teoricamente preferida desse efeito normais sob jejum relativos a alguns, mas não para
seria que sujeitos com transtorno de alimentação todos os conjuntos de controle de estímulo. Os
estão manifestando um viés de atenção direcionado pesquisadores desenvolveram a hipótese de que a

362
0 status atual dos modelos cognitivo-comportamentais de anorexia nervosa e de bulimia nervosa

apresentação computadorizada de itens simples em Dados contraditórios sobre a interferência com


sua pesquisa minimizou os efeitos das reflexões e sem a pré-carga dietética de sujeitos controlados
relacionadas com o alimento, o que poderia ter foram relatados em outras investigações. Vários
explicado o efeito de ruptura mais forte no formato estudos não conseguiram mostrar os efeitos de
de cartão utilizado por Channon e Hayward (1990) interferência para os estímulos de alimento (Long
e a maioria dos outros pesquisadores nessa área. et al., 1994; Mahamedi & Heatherton, 1993; Ogden
Green e Rogers (1993) encontraram efeitos de & Greville, 1993) ou estímulos de forma (Long et
interferência tanto nos conjuntos de estímulo de al, 1994; Mahamedi & Heatherton, 1993; Ogden
alimento quanto nos de forma para os comedores & Greville, 1993; Overduin et ai, 1995) para su­
controlados e as pessoas sob dieta (os comedores jeitos altamente controlados na ausência de uma
controlados são identificados dentro de amostras pré-carga dietética. Na realidade, em duas dessas
normais, com base em escores de corte ou numa investigações, os sujeitos controlados mostraram
divisão mediana de medidas de restrição da dieta, latências diminuídas para estímulos de alimento e/
desenvolvidas por Herman e Mack, 1975; Stunkart ou forma em relação aos estímulos-controle (Long
e Messick, 1985; e Van Strien, Frijters, Bergers et ai, 1994; Mahamed & Heartherton, 1993). Em
& Defares, 1986). Overduim, Jansen e Louwerse um par de estudos, tanto os sujeitos controlados
(1995) relataram que sujeitos controlados regis­ quanto os compulsivos que tinham consumido
traram latências mais longas para os estímulos de um milk-shake mostraram mais interferência
alimento, mas não para os de forma em relação para palavras de forma, com efeito especialmente
às palavras de controle. M. Cooper e Fairburn pronunciado na amostra dos controlados; nenhum
(1992b) detectaram interferência num arranjo dos dois mostrou interferência para estímulos
misto de pessoas sob dieta com uma história de de alimento (Mahamedi & Heartherton, 1993).
sintomas de transtornos alimentares, mas não de Usando um procedimento de Stroop diferente
pessoas normais sob dieta. com estímulos similares, Ogden e Greville (1993)
encontraram interferência tanto para palavras de
Outra investigação relevante foi descrita por
alimento quanto de forma, para sujeitos contro­
Schmidt e Telch (1991) usando uma amostra de
lados aos quais tinha sido dada uma pré-carga de
comedores controlados. Esses sujeitos produziram
alta caloria. Overduim et al.,( 1995) encontraram
tempo de resposta mais lento para os estímulos
interferência de alimento, mas não interferência
de alimento e forma corporal quando comparados
de forma para os sujeitos controlados que tives­
com comedores compulsivos; entretanto, o uso de
sem ou não recebido um pequeno “petisco” como
uma pré-carga dietética produziu efeitos opostos
pré-carga; os sujeitos compulsivos mostraram in­
às hipóteses. Havia sido previsto que o consumo
terferência para os estímulos de alimento somente
de milk-shake por sujeitos controlados resultaria
depois de receber a pré-carga.
em um atraso ainda maior no processamento de­
vido ao aumento da ênfase nas preocupações de Os resultados de alguns desses estudos sugerem
alimento e peso. Na realidade, houve uma tendên­ que nos transtornos alimentares a tarefa de Stroop
cia para uma interferência reduzida tanto para os pode realmente estar avaliando as preocupações
sujeitos controlados quanto para os compulsivos evidenciadas com estados semelhantes ao invés de,
que receberam uma pré-carga. Os pesquisadores ou em adição a, vieses de atenção mais estáveis,
concluíram que o consumo de alimento pode ter assim como as preocupações temporárias sobre
reduzido os tempos de resposta a palavras sobre saúde evocadas pela iminente perspectiva de uma
alimento por aliviar a fome, observando que “a cirurgia podem produzir padrões de resposta Stroop
partir de uma perspectiva evolucionária, faz sentido similares aos obtidos com amostras de transtorno
que os indivíduos saciados gastem menos do seu de ansiedade (Cook, Jones, & Johnston, 1989).
tempo de atenção com os estímulos dietéticos”.

363
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Conforme a pesquisa de Stroop sobre comedores separar os vieses de atenção automáticos de re­
controlados sugere, também não está claro se os flexões pós-atencionais e para permitir a detecção
efeitos de interferência de alimento ou peso medem de efeitos de habituação refinados (Green et al.,
qualquer tipo de psicopatologia básica específica 1994; Green & Rogers, 1993; Lavy & van den
dos transtornos alimentares clínicos. Conforme Hout, 1993; Overduin et ai, 1995). A capacidade
observado acima, a interferência de alimento e/ de apresentar estímulos individualmente também
ou forma é encontrada em algumas pesquisas toma possível usar estratégias iniciais para avaliar
que usaram sujeitos subclinicamente sintomáticos se os construtos como a realização e a virtude são
ou comedores controlados sem pré-carga (Green ligados dentro de estruturas cognitivas organizadas
& Rogers, 1993; Overduin et ai, 1995; Pcrpina às preocupações de peso e forma, conforme hipo-
et al, 1993; Schimidt & Telch, 1991; Wilson, tetizado nos modelos cognitivo-comportamentais
1989). Sujeitos-controle normais não selecionados (Orimoto, 1996). A menos que as pesquisas futuras
apresentam latências mais longas para as palavras sejam cuidadosamente projetadas para examinar
objetivadas do que para as palavras-controle em as hipóteses específicas sobre os mecanismos sub­
alguns estudos, mesmo quando a discrepância jacentes ao efeito de ruptura, é questionável se o
é significativamente menor do que a registrada paradigma de Stroop contribuirá substancialmente
para sujeitos clínicos. Em vista da supremacia da para a compreensão da psicopatologia do transtorno
preocupação com o peso na sociedade contempo­ alimentar (Huon, 1995; Vitousek & Hollon, 1990).
rânea, Green e Rogers (1993) alertam que pode Outro paradigma do processamento tem sido
existir um “viés de atenção com relação a assuntos usado para examinar se estímulos de domínio
relacionados com alimentação e forma corporal relevantes interferem com a facilidade e veloci­
entre, provavelmente, uma substancial proporção dade com que os sujeitos realocam a atenção para
da população feminina sem transtornos alimen­ conjuntos de respostas não dominantes durante o
tares” (p. 517). Um estudo que avaliou amostras curso de tarefas simples (Newman et al, 1993).
cruzadas com idades entre 9 a 14 anos sugeriu Comparados aos sujeitos normais, os bulímicos
que para as meninas a interferência de estímulos responderam mais lentamente aos estímulos re­
de alimento começa aos 11 anos e para estímulos levantes à tarefa apresentados perifericamente
corporais começa aos 14, enquanto permaneceu quando esses se seguiam a palavras relacionadas
ausente para os meninos durante esses períodos com o corpo, tais como “balança” ou “figura”
de desenvolvimento (Green & McKenna, 1993). (ou palavras emocionais tais como “triste” ou
Algumas das inconsistências nos dados de trans­ “ansioso”) do que quando eles apareciam depois
tornos alimentares de Stroop podem ser atribuíveis de palavras neutras; efeitos intermediários foram
a variações técnicas nos materiais, procedimentos obtidos dos controles sintomáticos normais. Os
e análises (Huon, 1995). Vários estudos apresen­ autores sugeriram que os estímulos motivacio-
taram os cartões em uma ordem fixa, permitindo nalmente significativos perturbaram a capacidade
a possibilidade de efeitos de prática ou de fadiga. dos sujeitos de controlarem o processamento,
Somente alguns grupos de pesquisa montaram os estendendo a latência das mudanças para fora de
estímulos de controle de uma categoria semântica um conjunto de respostas dominantes para um
comum de modo a equiparar as áreas de conteúdo material localizado centralmente.
simples a partir das quais os estímulos objetivados O segundo parâmetro listado por Vitousek e
são selecionados (Green & McKenna, 1993; Green Hollon (1990) para o exame dos autoesquemas
et al., 1994; Green & Rogers, 1993; Lavy & van relacionados ao peso, a elaboração do significado
den Hout, 1993; Overduin et al., 1995). Vários é particularmente crucial para modelos cognitivos
utilizaram a tecnologia computacional que pode dos transtornos alimentares. As teorias de Gamer
permitir a apresentação de estímulos simples para e Bemis para a anorexia nervosa e a de Fairbum

364
0 status atual dos modelos cognitivo-comportamentais de anorexia nervosa e de bulimia nervosa

para a bulimia nervosa, afirmam que indivíduos modelos cognitivos identificam como causalmente
com transtorno alimentar anexam conotações ricas relacionadas com a anorexia e a bulimia, quanto
e extremadas para os eventos de ganho e perda os erros cognitivos que hipoteticamente mantêm
de peso e para os estados de gordura e magreza. essas pressuposições do jeito que estão.
Embora nenhuma pesquisa publicada tenha descrito O parâmetro de intrusividade do conteúdo da
o uso da técnica de gradação multidimensional alimentação e do peso em situações não rela­
recomendada por Vitousek e Hollon (1990) para cionadas ou ambíguas foi examinado através de
essa população, vários estudos empregaram uma questionários de autorrelato e paradigmas experi­
técnica psicométrica relacionada, o teste da grade mentais. O Body Shape Questionnaire (P. Cooper,
do repertório, para examinar os construtos pessoais Taylor, Cooper & Fairbum, 1987), o Feelings of
de pacientes anoréxicos (Button, 1983; Crisp & Fatness Questionnaire (Roth & Armstrong, 1993),
Fansella, 1972; Fransella & Button, 1983;Fransella e as subescalas do Eating Disorder Examination
& Crisp, 1979; Mottram, 1985). As descobertas (Z. Cooper & Fairbum, 1987), todos incluem itens
coletivas dessas investigações sugerem que os
que medem a projeção das preocupações com a
anoréxicos estão predispostos a organizar suas
alimentação e o peso em uma grande amplitude
percepções em tomo de um sistema monolítico
de situações, e foram considerados capazes de
relacionado ao peso, a vincular um amplo espectro
diferenciar anoréxicos, bulímicos e/ou sujeitos
de significados ao peso, e interpretar a si mesmos
preocupados com o peso dos sujeitos normais de
e aos outros de formas extremadas.
controle.
Um estudo recente confirmou essas conclusões
Schotte, McNally e Turner (1990) usaram um
com grandes amostras de sujeitos anoréxicos,
paradigma de audição dicótico para examinar a
bulímicos, controlados e compulsivos (Botow,
atenção tendenciosa para pistas de peso. Os sujeitos
Beumont & Toyuz, 1993). Os sujeitos forneceram
bulímicos detectaram a palavra objetivada “gordo”
construtos referentes a situações alimentares e ele­
mais frequentemente do que o material neutro
mentos próprios e de outros, os quais foram então
quando eles foram apresentados no canal fora de
usados para formar duas grades de repertório padro­
uso. Adicionalmente, houve uma tendência dos
nizadas, completadas por amostras separadas. Os
bulímicos a exibirem maior reatividade fisiológica
indivíduos com transtornos alimentares aplicaram
para pistas relacionadas ao peso.
conceitos de peso extremos, voltados para as regras,
para descrever situações alimentares, e expandiram Jackman, Williamson, Netemeyer e Anderson
esses construtos amplamente para situações para as (1995) compararam a interpretação de sentenças
quais a maioria dos sujeitos-controle considerava ambíguas relacionadas ao corpo por atletas femini­
não aplicável. Ambos os grupos de pacientes se nas com alta e baixa preocupação com o peso. Por
caracterizaram em termos exageradamente nega­ exemplo, uma sentença dizia: “Após exercitar-se
tivos. Os anoréxicos, que já tinham atingido um por duas horas em uma academia você dá uma
status de baixo peso, expressaram ambivalência rápida olhada no formato de seus quadris ao passar
sobre o relacionamento entre peso e autoestima, na frente de um espelho.” Todos os sujeitos foram
enquanto os bulímicos associavam magreza com orientados para interpretarem as sentenças como
uma grande quantidade de autoatributos positivos. se referindo a eles próprios. Em uma tarefa de
Butow e colegas (1993) concluíram que “essas memória de reconhecimento, os sujeitos preocu­
descobertas apoiam a alegação de Gamer e Bemis pados com o peso lembraram das sentenças como
(1982) de que o pensamento constringido, preto contendo conotações de gordura (“você tem uma
no branco, é um problema fundamental em trans­ rápida visão de seus quadris grandes”), enquanto
tornos alimentares” (p. 326), sinalizando que os o grupo de comparação lembrou das frases como
pacientes exibiam tanto as pressuposições que os relacionadas à magreza (“você tem uma rápida

365
Fronteiras da Terapia Cognitiva

visão de seus quadris afinados”). Não foram encon­ os controles, e alguns reconheceram uma evitação
tradas diferenças entre os grupos na interpretação intencional de respostas sobre alimentação ou peso.
de sentenças ambíguas que se referiam à saúde ou A natureza da experiência havia sido dissimulada
ao desempenho atlético. dc todos os sujeitos através de uma falsa lógica e
Jackman e colegas (1995) concluíram que os algumas tarefas para desviar a atenção, mas parece
indivíduos preocupados com o peso manifestam possível que os anoréxicos e os bulímicos foram
um viés interpretativo que é específico aos estímu­ “avisados” pela pressuposição lógica de que eles
los relacionados ao peso. Deveria ser observado, haviam sido incluídos no estudo por causa de seu
entretanto, que embora os grupos não apresen­ status sintomático. Para avaliar essa possibilidade,
tem diferença significativa no índice de massa um grupo-controle adicional foi preparado antes da
corpórea (IMC), a amostra preocupada com o sessão experimental com o conhecimento de que o
peso era levemente mais pesada (IMC = 23,21) estudo dizia respeito a transtornos alimentares. Es­
do que o grupo não preocupado (IMC = 21,86). ses sujeitos normais produziram respostas similares
Essa discrepância correspondería a uma diferen­ às dos sujeitos clínicos e como os sujeitos clínicos
ça de aproximadamente 4,5 quilos de peso para mais frequentemente perceberam o propósito da
uma altura de 1,62 metro. Uma vez que foi dito investigação. Parece que este paradigma avalia a
aos sujeitos para imaginarem a si próprios em influência de pistas contextuais ao invés de (ou
cada situação, é possível que aqueles no grupo em adição a) diferenças mais estáveis e significa­
preocupado com o peso estivessem manifestando tivas no processamento da informação - e fornece
sua própria reação mais provável (e talvez a de uma narrativa acauteladora sobre a delicadeza das
outros, em uma sociedade que define padrões de tarefas de avaliação cognitiva teoricamente não
peso rigorosos para as mulheres) para proporções transparentes.
objetivamente um tanto mais volumosas dos corpos O parâmetro de memória para a informação
que eles estariam vendo num espelho, ao invés de consistente com o esquema foi avaliado em uma
mostrar um viés no processamento. investigação usando sujeitos obesos, controlados e
Vitousek, Ewald, Yim e Manke (1995) adap­ compulsivos juntamente com uma pequena amos­
taram um paradigma de estímulos ambíguos de tra (N = 6) de pacientes anoréxicos (King, Polivy
pesquisa com sujeitos clinicamente ansiosos (Ma­ Herman, 1991). Foi fornecida aos sujeitos uma
thews, Richards & Eysenck, 1989) para examinar descrição de uma mulher fictícia em uma redação
a hipótese de que indivíduos com transtornos contendo afirmações descritivas sobre seu compor­
alimentares manifestariam uma atenção diferencial tamento ou características em cada uma de quatro
com respeito aos significados de homófonos e ho- categorias: peso, alimentação/alimento, idade e cos-
mógrafos que fossem relacionados à psicopatologia tura/moda. Depois de uma tarefa de preenchimento,
específica. Conforme previsto, os anoréxicos e os pediu-se aos sujeitos para reproduzirem o texto
bulímicos tinham maior probabilidade do que os tão completamente quanto possível. Os sujeitos
sujeitos-controle normais ou subclínicos para pres­ controlados lembraram mais itens das categorias
tar atenção aos significados de alimento e peso de combinadas de peso e alimento do que os sujeitos
homófonos (palavras que têm a mesma pronúncia, compulsivos. Uma comparação separada entre os
mas têm múltiplos significados e formas de serem sujeitos obesos e anoréxicos mostrou que ambos
escritas, tal como “wheight/wait”) e homógrafos os grupos lembraram significativamente mais de
(palavras que têm uma única forma de ser escrita, itens de peso e alimento do que itens de outras
mas têm múltiplos significados, tais como “pound99 categorias, mas não se diferenciaram. Enquanto a
ou “light”). Em questionários de testes posteriores, base contextual não parece ter sido um fator que
entretanto, os sujeitos clínicos relataram maior influenciou as diferenças obtidas entre os comedo­
consciência do propósito oculto do estudo do que res controlados e os compulsivos, não está claro

366
0 status atual dos modelos cognitivo-comportamentais de anorexia nervosa e de bulimia nervosa

se ela contribuiu para o efeito nos sujeitos obesos para medir os efeitos em tais variáveis como a
e anoréxicos, e os tamanhos de amostra pequenos mudança do humor e a susceptibilidade à indução
e desiguais impediram análises comparativas mais de emoção negativa.
informativas. Parccc que a memória seletiva para Um estudo que podería ser classificado sob a
informação consistente com o esquema, conforme categoria de pesquisa de autorrelato ou a inves­
medida por esse paradigma experimental, não foi tigação do processamento cognitivo, envolveu a
uma característica distintiva da psicopatologia de coleta de pensamentos de anoréxicos, bulímicos,
sujeitos com transtornos alimentares clínicos. pessoas normais que fazem dieta, pessoas que
O envolvimento cognitivo e afetivo nos do­ fazem dieta sintomaticamente e pessoas que não
mínios relacionados com a alimentação e o peso fazem dieta durante e após uma breve exposição
tem sido examinado através de várias técnicas. a três situações comportamentais (M. Cooper &
Relacionamentos bidirecionais hipotéticos entre Fairbum, 1992a). Os sujeitos foram orientados para
os estados emocionais e a percepção do peso “pensar alto” durante a autopesagem, enquanto
ou o comportamento alimentar (Streigel-Moore, estivessem de pé em frente de um espelho de
McAvay & Rocim, 1986; Vitousek & Hollon, corpo inteiro, e enquanto consumiam um doce de
1990) têm sido avaliados em vários estudos de chocolate. Após cada um desses procedimentos,
indução de humor, principalmente usando sujei­ eles também completaram uma lista de verificação
tos controlados ao invés de sujeitos clinicamente de pensamentos. Os grupos não diferiram quanto
transtornados. Um estudo não conseguiu detectar à quantidade total de pensamentos expressa refe­
uma preocupação aumentada com o corpo em rentes aos temas de alimento, peso e forma (um
sujeitos controlados em seguida a uma exposição resultado não surpreendente considerando-se o foco
a uma experiência de fracasso (Eldredge, Wilson implícito em cada situação de teste), mas foram
& Whaley, 1990); entretanto, em outra pesquisa claramente discrimináveis na valência emocional
usando uma amostra normal, a indução de humor das cognições relatadas. Os pensamentos relativos
negativo levou a uma maior superestimação do à alimentação, ao peso e à forma dos anoréxicos
tamanho corporal e maior insatisfação com o corpo, e dos bulímicos foram significativamente mais
com o efeito mais pronunciado para os sujeitos negativos do que os dos controles normais, com os
com mais altos níveis iniciais de preocupação com dois grupos de dieta intermediando. Os anoréxicos
a forma (Taylor & Cooper, 1992). Dois estudos também diferiram significativamente dos que fazem
determinaram que os sujeitos controlados, mas dieta quanto à frequência dos pensamentos nega­
não os compulsivos, consumiam mais alimento tivos sobre alimentação, enquanto os bulímicos
enquanto assistiam a um filme de horror, ou em tinham maior probabilidade do que os que faziam
menor extensão, a uma comédia do que enquanto dieta de relatar pensamentos negativos sobre o
assistiam a um relato de viagem (Cools, Schotte & peso e a aparência. A observação que a lista de
McNally, 1992; Schotte, Cools & McNally, 1990). verificação dos pensamentos produziu resultados
O estudo de indução exclusivo que incluiu sujeitos similares, mas não significativamente, diferenciou
clínicos relatou que os bulímicos nos quais tinha as pessoas clínicas e sintomáticas que faziam dieta,
sido induzido um humor negativo, mostraram mais sugeriu que o procedimento de pensar alto foi mais
desaceleração do batimento cardíaco quando viam sensível à psicopatologia básica, talvez por causa
slides de alimentos proibidos, um efeito que não da sua coincidência temporal com as situações
foi obtido com controles controlados (Laberg, Wil­ focais e talvez por que ele exigiu a produção em
son, Eldredge & Nordby, 1991). Até o momento vez do endosso dos autorrelatos.
não há estudos publicados que tenham tentado o M. Cooper e Fairbum (1992a) concluíram de
procedimento clinicamente mais perigoso de for­ suas descobertas que os teóricos cognitivos podem
necer falso feedback sobre as mudanças de peso ter sido incorretos na pressuposição de que as

367
Fronteiras da Terapia Cognitiva

preocupações de peso são igualmente proeminentes considerada como fundamentada em idéias supe-
e similarmente representadas em populações ano- ravaliadas sobre o peso e as suas implicações para
réxicas e bulímicas. Eles especularam que a ênfase o indivíduo. Conforme observado anteriormente,
aparentemente apropriada nas preocupações dc os autoesquemas relacionados com o peso podem
peso e forma na terapia cognitivo-comportamental não ser idênticos nesses transtornos complexamente
para a bulimia nervosa poderia explicar a eficácia relacionados; entretanto, discrepâncias na saliência
demonstrada dessa abordagem, enquanto um redi- de pistas de alimento ou níveis de satisfação com
recionamento do foco na direção das preocupações o status atual do peso provavelmente não são os
com a alimentação poderia ser necessário para a melhores indicadores de quaisquer diferenças
obtenção de sucesso equivalente no tratamento da fundamentais que de fato existam.
anorexia nervosa.
Entretanto, conforme será discutido em uma
seção subsequente, é mais preciso descrever a Status dos modelos de tratamento
terapia cognitiva para anorexia nervosa como não
estudada do que sem sucesso; além do mais, não Os princípios da terapia cognitivo-compor­
está claro que uma reformulação da teoria ou da tamental para a anorexia nervosa e a bulimia
terapia cognitiva para a condição seja garantida nervosa são derivados da abordagem delineada
com base nos resultados de Cooper e Fairbum. Pa­ por Beck e seus colaboradores (Beck, Rush, Shaw,
rece provável que diferenças na satisfação relativa & Emery, 1979); entretanto, as estratégias cogni­
dos anoréxicos e bulímicos com seu peso corporal tivas convencionais foram adaptadas para tratar
atual (que é, por definição, subnormal na anorexia das características específicas desses transtornos.
e tipicamente médio ou um pouco acima da média Para a anorexia nervosa, essas características in­
na bulimia) explicam a relativa negatividade de cluem a natureza egossintônica dos sintomas e a
suas reações ao verem suas imagens no espelho e proeminência dos déficits no autoconceito; para
ao medirem seus pesos. Diferenças na tendência ambos os transtornos, elas incluem as crenças
de evitar “alimentos proibidos” completamente (no idiossincráticas relacionadas ao peso e alimento
caso da anorexia nervosa restritiva) ou consumi-los e a interação entre fatores físicos e psicológicos.
frequentemente, ainda que desordenadamente (no Algumas dessas características distintivas são
caso da bulimia), podem explicar a intensidade brevemente revisadas abaixo; para uma descrição
das reações dos sujeitos para com a situação de mais extensa da terapia cognitiva para a anorexia
alimentação experimental. Assim como os efeitos nervosa, o leitor interessado é direcionado a Gamer
mais fortes para estímulos de alimento na pesquisa (1986a); Gamer e Bemis (1982,1985); Pike, Loeb
de Stroop com os anoréxicos podem refletir a in­ e Vitousek (1996); e Vitousek e Ewald (1993),
fluência da fome ao invés de características mais enquanto aplicações para bulimia nervosa são
específicas e essenciais do transtorno, esses dados detalhadas em Fairbum (1985); Fairbum e Cooper
do pensar em voz alta podem estar revelando al­ (1989); Fairbum, Marcus e Wilson (1993); Gamer
gumas das consequências secundárias dos padrões (1986b); Hsu, Santhouse e Chesler (1991); e Pike
anoréxicos e bulímicos em vez de esclarecer os et al. (1996).
elementos cognitivos principais que os sustentam. Uma vez que os anoréxicos são tipicamente
As crenças distorcidas sobre alimento são certa­ clientes relutantes, resistentes ao tratamento no
mente conspícuas entre as preocupações que os sentido fundamental de que eles preferiríam não
terapeutas cognitivos devem (e o fazem) abordar participar do mesmo de forma alguma, considerá­
no tratamento dos clientes anoréxicos, mas eles não vel atenção deve ser focada na sua adesão como
estão igualados com a psicopatologia básica - que, participantes ativos durante a fase crucial inicial do
no caso tanto da anorexia quanto da bulimia, é tratamento. Gamer e Bemis (1982, 1985) sugerem

368
0 status atual dos modelos cognitivo-comportamentais de anorexia nervosa e de bulimia nervosa

que o princípio orientador do empirismo colabora- cientista poderia usá-la... (O paciente e o terapeuta)
tivo toma a abordagem cognitivo-comportamental deveríam ser verdadeiros colaboradores na busca
particularmente adequada para essa população por fatores desconhecidos” (Bruch, 1973, p. 338).
desconfiada e resistente. Os clientes não são Tal descrição é reconhecida como uma ex­
induzidos a reconhecerem a irracionalidade dos traordinária caracterização apropriada da terapia
valores acalentados, mas são solicitados a unirem- cognitiva de Beck - uma correspondência que é
-se ao terapeuta para olhar mais de perto para os partieularmente notável em vista das pronunciadas
meios que eles escolheram para garanti-los e o diferenças na orientação teórica. Infelizmente,
espectro total das consequências resultantes. O Bruch não desenvolveu mais sobre como os
estabelecimento de um relacionamento terapêutico terapeutas poderíam realmente implementar a
forte, de amparo, é visto como essencial para o estratégia geral que ela propôs. Beck, entretanto,
sucesso dessa empreitada, uma vez que sua qua­ havia detalhado uma rica variedade de técnicas
lidade influencia profundamente a disposição do específicas derivadas do mesmo princípio orien­
cliente para confrontar a apavorante perspectiva tador do empirismo colaborativo. Gamer e Bemis
de ganhar peso. (1982, 1985) sustentam que várias dessas são
Garner e Bemis (1982, 1985; Bemis, 1988) rapidamente traduzíveis para a população com
observaram que a conveniência desse estilo tera­ transtornos alimentares, com algumas improvi­
pêutico para anorexia nervosa foi reconhecida bem sações para os problemas singulares que esses
antes do seu próprio endosso aos princípios de pacientes apresentam.
Beck - por uma médica que assumiu um modelo Uma parcela substancial das primeiras sessões
etiológico muito diferente. A influente autora psi- de terapia cognitiva pode ser dedicada a ajudar o
codinâmica Hilde Bruch (1973,1978) afirmou que cliente anoréxico a desenvolver uma lista completa
formas tradicionais de terapia eram “singularmente tanto dos “prós” quanto dos “contras” de seu
ineficazes”, “inúteis mesmo quando corretas”, e transtorno alimentar, descritos em seus próprios
talvez “danosas, mesmo fatais” quando aplicadas termos1 (Vitousek & Orimoto, 1993). O terapeuta
à anorexia nervosa. Ela indicou que ela própria reconhece explicitamente que a perda de peso
se encontrava arquitetando uma nova abordagem confere alguns benefícios significativos percebidos
para tratamento a partir da necessidade clínica, (geralmente incluindo um sentimento de auto­
que ela descreveu nos seguintes termos: “(Com os controle, pureza e realização) que será perdido,
pacientes anoréxicos) a psicoterapia é um processo e enfatiza que a terapia não será bem-sucedida se
durante o qual pressuposições e atitudes errôneas o cliente não for, em essência, compensado por
são reconhecidas, definidas e desafiadas de modo essas perdas. Ao mesmo tempo, o terapeuta começa
que possam ser abandonadas” (Bruch, 1978, p. a articular um tema que será recorrente durante
143) . Ela afirmou que “é importante avançar va­ todo o tratamento: que muitas das desvantagens
garosamente e usar pequenos eventos ou episódios confessadas do transtorno (tais como a depressão,
concretos para ilustrar certas pressuposições fal­ a irritabilidade c a preocupação com o alimento)
sas ou deduções ilógicas... usando relativamente são inextricavelmente ligadas à dieta restritiva e
pequenos eventos à medida que eles surgem” (p. peso abaixo do ideal, e a cliente não tem poder
144) . Ela descreveu esse “tratamento de descoberta de eliminá-las seletivamente enquanto mantém
de fatos” como “o uso construtivo da ignorância, os benefícios que ela associa à obtenção de seu
usando a palavra ignorância da forma que um ideal de magreza. A ênfase funcional inerente

1 Já que a grande maioria dos anoréxicos e bulímicos é feminina, os pronomes femininos são usados através de todo o capítulo para referir-se a
indivíduos com esses transtornos.

369
Fronteiras da Terapia Cognitiva

ao exercício reflete uma das características mais sobre alimento, peso e forma. Essas incluem o
distintivas da terapia cognitiva para a anorexia fornecimento de material psicoeducacional sobre
nervosa. os efeitos de fazer dieta, da inanição e das táticas
Tanto para a anorexia nervosa quanto para a purgativas; a avaliação dos pensamentos automáti­
bulimia nervosa, a normalização da alimentação cos e dos erros de processamento de informações
e do peso é vista como um pré-requisito para a em registros de pensamentos disfuncionais; as
condução da psicoterapia eficaz, bem como para análises de pistas e cadeias que apoiam o ciclo
um eventual resultado de sucesso. Clientes que comer compulsivamente-purgar; estratégias de
estão famintos ou engajados em comportamento enfrentamento e autocontrole para situações de
alimentar caótico são incapazes de participar com­ alto risco; exercícios in vivo; teste de hipóteses
pletamente do processo terapêutico; dessa forma, prospectivas; desafio das bases das pressões socio-
os esforços para melhorar o status nutricional e culturais sobre peso e forma; e desenvolvimento de
de peso são uma parte integral da agenda clínica padrões alternativos para autoavaliação e autorre-
forço. Técnicas de prevenção de recaídas ajustadas
desde o início do tratamento.
às vulnerabilidades desses clientes são praticadas
Um amplo automonitoramento da ingestão de
antes do término do tratamento (Fairbum, Marcus
alimento e da emoção e da cognição associadas
& Wilson, 1993; Orimoto & Vitousek, 1992).
é usado para identificar prccipitantcs do comer
O curso usual da terapia cognitivo-comporta-
compulsivo e das regras dietéticas idiossincráticas
mental para a bulimia nervosa é de 10-20 sessões
c, cm estágios posteriores da terapia, serve como
durante um período de 3 a 6 meses. A duração
base para análises mais elaboradas das crenças dis-
recomendada da terapia para a anorexia nervosa
funcionais. Inicialmente os clientes são encorajados
é consideravelmente mais longa - geralmente 1-2
a comerem de uma forma “mecânica”, de acordo
anos de sessões semanais, com tratamento mais
com a orientação prescrita quanto à composição,
intensivo nos primeiros meses. Essa longa dura­
quantidade e intervalos de refeições, ao invés de
ção é necessária cm parte para acomodar a maior
tentarem interpretar os sinais de fome e saciedade
resistência de clientes anoréxicos ao processo de
que se tomaram confusos pelos seus sistemas de
mudança, bem como para alcançar a restauração
crenças e padrões de ingestão desorganizados ou
de peso na fase inicial da intervenção. Além disso,
restritivos. Os “alimentos proibidos” que têm sido
a terapia cognitivo-comportamental para a bulimia
evitados por causa dos medos de provocarem um
nervosa é tipicamente restrita à sintomatologia
ganho de peso ou precipitarem episódios de comer
focal das preocupações com a alimentação e
compulsivo são reintroduzidos na dieta diária. As­
com o peso; os últimos estágios do tratamento da
sim como a geração de sensações físicas indicativas anorexia nervosa mudam a ênfase para problemas
de pânico servem como base para a reestruturação
gerais tais como o perfeccionismo e as preocu­
das más interpretações catastróficas no tratamento pações interpessoais, fazendo uso mais extensivo
cognitivo do transtorno de pânico (Clark, 1986), das técnicas de reestruturação cognitiva para a
a exposição às experiências de se alimentar dife­ modificação de crenças de mais alta ordem. Não
rentemente e pesar mais fornece um rico material está claro se estas disparidades na profundidade
para as intervenções cognitivo-comportamentais e amplitude recomendadas da terapia cognitivo-
nos transtornos alimentares. -comportamental abordam distinções fundamentais
Os manuais de tratamento acima mencionados entre os dois transtornos ou simplesmente refletem
descrevem um amplo espectro de técnicas cogni­ as pequenas diferenças das orientações teóricas dos
tivas e comportamentais que podem ser usadas especialistas que desenvolveram as abordagens
com vistas à modificação das crenças distorcidas respectivas.

370
0 status atual dos modelos cognitivo-comportamentais de anorexia nervosa e de bulimia nervosa

Descobertas empíricas para Além do mais, o primeiro estágio é atrativamente


anorexia nervosa direto e específico; as questões que precisam ser
Embora o método cognitivo-comportamental abordadas subsequentemente são heterogêneas, e
pareça ser razoavelmente usado de forma ampla no os pesquisadores-clínicos parecem ter mais difi­
tratamento da anorexia nervosa, não há evidência culdade de formular as tarefas terapêuticas para as
clara da sua eficácia. Uma vez que a abordagem fases intermediária e final da intervenção.
foi descrita em detalhes há mais de doze anos Talvez mais uma razão deveria ser adicionada a
(Gamer & Bcmis, 1982), a persistente falta de partir da perspectiva de uma anoréxica recuperada
dados é cada vez mais embaraçosa para uma mo­ que estava aparentemente bem versada no estado
dalidade com um compromisso declarado com o da pesquisa referente a seu transtorno: “É difícil
empirismo - mas ela é, pelo menos, nada singular não adquirir a impressão da literatura sobre a
para o campo. Surpreendentemente, somente cinco anorexia nervosa de que a terapia individual tem
estudos controlados de psicoterapia de qualquer sido desvalorizada porque (entre outras razões)
tipo foram relatados para anorexia nervosa, com os psicoterapeutas não gostam dos anoréxicos e
resultados geralmente inexpressivos. Pesquisas os anoréxicos não gostam dos psicoterapeutas”
com medicamentos também têm sido raras, e em (MacLeod, 1982, p. 122).
sua maior parte desapontadoras (Walsh, 1991).
Alguns estudos de casos sistemáticos da terapia
Todos os comentadores concordam que a fase
cognitivo-comportamental para a anorexia nervosa
inicial de restauração de peso do tratamento, que
têm sido relatados (P. Cooper & Fairbum, 1984;
geralmente ocorre no hospital, é vital, mas em
Gamer, 1988; Peveler & Fairbum, 1989). O único
alguns sentidos trivial; todos concordam que o
estudo controlado publicado até hoje gerou evidên­
desafio terapêutico real vem durante a prolongada
cia ambígua sobre a eficácia relativa da abordagem
segunda fase, tipicamente de terapia individual ou
familiar em uma base de pacientes ambulatoriais. (Channon, de Silva, Hemsley & Perkins, 1989).
Mesmo assim, enquanto a primeira tem sido ex­ Nessa investigação, as condições da terapia com-
tensivamente estudada (Bemis, 1987), a última portamental e cognitivo-comportamental foram
permanece quase não examinada. comparadas com uma célula de tratamento comum
não específico. Depois de 6 meses de tratamento
Várias razões podem ser adiantadas para
ativo e acompanhamento de 6 e 12 meses, todos
explicar esta curiosa brecha na literatura, a qual
os grupos haviam melhorado significativamente;
contrasta vivamente com o estado da pesquisa
poucas diferenças foram obtidas entre as condições.
em bulimia nervosa. A anorexia nervosa é uma
Nenhum grupo pode ser considerado clinicamente
condição mais rara, e o expediente comum de
recuperado ao final do período de estudo. A mo­
reunir amostras de bulímicos através de convite
dalidade cognitiva pareceu mais aceitável para os
não está disponível para o especialista em anore­
clientes e foi associada a taxas mais altas de adesão,
xia, uma vez que a maioria dos anoréxicos evita
tratamento. O trajeto mais longo recomendado da uma descoberta que os autores observaram ser de
terapia tanto aumenta a probabilidade de desgaste algum interesse em vista da notória dificuldade de
do sujeito (o que irá mais adiante reduzir o tamanho engajar os anoréxicos no tratamento.
da amostra e invalidar a randomização) quanto Infelizmente, vários problemas metodológicos
coloca os pesquisadores numa posição reforçada tomam difícil extrair conclusões claras do experi­
pela frequência de publicação numa programação mento de Channon e colegas (1989). O tamanho
de gratificação disfuncionalmente demorada. A fase da amostra foi pequeno (oito por célula); como
da “crise” de restauração do peso em curto prazo a disponibilidade do sujeito é um problema pre­
também parece perturbar a atenção da pesquisa visível com esta população, teria sido preferível
do longo período de terapia que deve se seguir. aumentar o poder reduzindo a comparação para

371
Fronteiras da Terapia Cognitiva

duas em vez de três modalidades alternativas. Descobertas empíricas para a


O número limitado de sujeitos também levou a bulimia nervosa
algumas desigualdades aparentes na composição O estado de conhecimento referente à eficácia
da célula, embora diferenças significativas no da terapia cognitivo-comportamental para a bulimia
pré-tratamento não pudessem ser detectadas com nervosa está dramaticamente mais avançado, e a
este tamanho de amostra; por exemplo, 12% dos evidência favorecendo a abordagem é cada vez
sujeitos tratados comportamentalmente versus 50% mais atrativa. Mais de 15 experimentos compa­
dos sujeitos tratados cognitivamente tinham sido rativos foram relatados; em cada caso, a condição
hospitalizados previamente, e a idade média do cognitivo-comportamental provou ser igual ou
início foi 21 e 16 anos respectivamente. A duração superior a cada modalidade com a qual ela foi
do tratamento foi limitada (18 sessões seguidas comparada (para revisões, ver Abbott & Mitchell,
por 6 sessões de reforço) e foi acentuadamente 1993; Agras, 1993; Cox& Merkel, 1989; Craighead
discrepante da recomendada por Gamer e Bemis & Agras, 1991; Fairbum, 1988a; Fairbum, Agras
(1982,1985). As médias nas medidas dependentes & Wilson, 1992; Fairbum & Hay, 1992; Freeman
foram fornecidas somente para o ponto de avalia­ & Munro, 1988; Gamer, 1987; Gamer, Fairbum
ção do pré-teste; no pós-teste e acompanhamento, & Davis, 1987; Hollon & Beck, 1994; Laessle,
somente diferenças significativas foram relatadas, Zoettl & Pirke, 1987; Mitchell, Raymond & Spec-
das quais houve, sem surpresa, muito poucas devido ker, 1993; Rosen, 1987; Wilson, 1993; Wilson &
ao baixo poder de análise. O primeiro autor serviu Fairbum, 1993).
como o único terapeuta para ambas as condições Apesar da considerável variabilidade entre
comportamental e cognitiva e o único avaliador os estudos, o método tipicamente produz uma
do status clínico. redução de 80% na frequência do comer compul­
Finalmente, enquanto os pesquisadores anuncia­ sivo e purgação, com aproximadamente metade
vam que a condição cognitiva estava padronizada dos clientes tratados relatando a eliminação de
segundo as recomendações de Gamer e Bemis, não episódios bulímicos. Os estudos mais recentes e
está claro o quanto proximamente ela seguiu os cuidadosamente projetados obtiveram decréscimos
procedimentos especificados. Parece que o foco na frequência do comer compulsivo de 93% para
primário do tratamento cognitivo-comportamental 73%, com a frequência de vômito reduzida de 94%
foi a identificação e o desafio das crenças irracionais para 77%; entre 51% e 71% dos sujeitos estão
específicas sobre alimento e peso. Ao discutir o fra­ livres de episódios de comer compulsivo ao final
casso dessa condição para demonstrar o benefício do tratamento, e 36%-56% não mais induzem o
incrementai sobre o tratamento comportamental, vômito (Wilson & Fairbum, 1993). Embora muitos
Chanon e colegas (1989) sugeriram que no futuro estudos publicados incluam dados limitados de
seria “mais apropriado focar na importância relativa acompanhamento, aqueles que examinaram os su­
da magreza como um objetivo de vida em relação jeitos de 1 a 6 anos após a intervenção geralmente
a outros objetivos... ao invés de tentar modificar encontram excelente manutenção dos ganhos do
as cognições individuais” (p. 534). Uma vez que tratamento. À vista dessas descobertas impressio­
o primeiro aspecto é precisamente o que Gamer e nantes, vários revisores concluíram que a terapia
Bemis defenderam tanto no terreno prático quanto cognitivo-comportamental deve ser considerada o
no teórico, é surpreendente que esse componente tratamento de escolha atual para a bulimia nervosa
crucial da terapia cognitiva para a anorexia nervosa (Craighead & Agras, 1991; Fairbum, 1988a; Wilson
tenha sido, aparentemente, omitido de um teste da & Fairbum, 1993).
utilidade do método. O estudo de tratamento mais sofisticado na
literatura foi descrito em uma série de relatos por

372
0 status atual dos modelos cognitivo-comportamentais de anorexia nervosa e de bulimia nervosa

Fairbum e seus colegas (Fairbum, Jones et al., modalidade, mas contribui para a impressão
1991; Fairbum, Jones, Peveler, Hope & O’Connor, de que esse subgrupo despojado de técnicas é
1993; Fairburn, Peveler, Jones, Hope & Doll, marcadamente menos eficaz do que o tratamento
1993). Um grupo total de 75 sujeitos foi distri­ cognitivo-comportamental padrão. Em contraste,
buído randomicamente para receber 19 sessões os sujeitos tratados com a terapia interpessoal
de terapia comportamental, terapia cognitivo- continuaram a melhorar após o término, e após 12
-comportamental, ou psicoterapia interpessoal. A meses alcançaram o nível da condição cognitivo-
comparação entre as terapias comportamental e -comportamental em todos os índices de resultados.
cognitivo-comportamental representou um estudo A descoberta que o tratamento cognitivo-com­
demolidor projetado para examinar a eficácia de portamental superou a intervenção comportamental
técnicas como o automonitoramento, o controle do é consistente com os mecanismos de mudança
estímulo e planejamento dietético isolado da aten­ postulados no modelo cognitivo-comportamental
ção para com atitudes relacionadas com alimento, dominante; entretanto, a eficácia não prevista da
peso e forma. A condição de terapia interpessoal terapia interpessoal durante o acompanhamento
foi incluída para comparar a influência de um levanta questões importantes para as explicações
tratamento não específico cuja eficácia tem sido teóricas da bulimia nervosa. Uma vez que a tera­
documentada com uma população psiquiátrica pia interpessoal não tratou diretamente de temas
diferente (depressão unipolar) a uma modalidade relacionados à alimentação ou peso, através de
estabelecida especificamente talhada para os sinto­ que mecanismos ela gerou seus efeitos benéfi­
mas de bulimia nervosa. Conforme implementada cos nos sintomas focais desse transtorno? Além
pelo estudo de Fairbum, Jones e colegas, a terapia disso, como uma modalidade à qual falta qualquer
interpessoal não incluiu qualquer foco direto em ênfase na prevenção de recaída mostrou ser tão
atitudes relacionadas a peso e forma e não tentou bem-sucedida na manutenção - na verdade, na
mudar o comportamento alimentar. melhora - dos ganhos terapêuticos? Fairbum e
Todos os três tratamentos foram igualmente colegas especularam que a diminuição do com­
eficazes na redução de episódios de comer com- portamento bulímico alcançado através da terapia
pulsivamente e no alívio de sintomas de sofrimento interpessoal pode ter sido mediada através dos
psiquiátrico geral; entretanto, a terapia cognitivo- efeitos na autoavaliação negativa. Eles observa­
-comportamental pareceu superior em alguns ram que “os pacientes que respondem parecem
índices. O pacote completo de tratamento teve efei­ desenvolver um sentido aumentado de autovalor
tos significativamente maiores nas preocupações e competência e, como resultado, sua tendência
em relação ao peso e forma do que a intervenção a avaliar a si mesmos principalmente em termos
comportamental simplificada. Comparada com a de seu peso, diminui na intensidade” (Fairbum,
terapia interpessoal, ela novamente provou ser 1988a, p. 641). Formulou-se a hipótese de que
mais eficaz na modificação das preocupações com as melhoras no comportamento alimentar suce­
peso e produziu reduções maiores na frequência deram essas mudanças básicas no autoconceito.
de vômitos. Os padrões temporais de melhora em vários
Dados coletados após um período de follow-up domínios de funcionamento através das células
fechado de 1 ano revelaram algumas tendências cognitivo-comportamental e interpessoal apoiaram
surpreendentes (Fairburn, Jones et ai, 1993). a pressuposição de que esses tratamentos operavam
Os sujeitos na condição comportamental tinham através de diferentes mecanismos mediadores, e
um desempenho tão fraco que aproximadamente foram inconsistentes com a hipótese alternativa
a metade tinha desistido ou havia sido retirado de que a bulimia nervosa responde a qualquer
do estudo. A alta taxa de atrito impossibilitou intervenção psicológica digna de crédito (Fairbum,
uma análise formal da eficácia relativa dessa Jones et al., 1993).

373
Fronteiras da Terapia Cognitiva

A avaliação de resultado mais extensa da terapia Se os resultados dos estudos comparativos


cognitivo-comportamental para bulimia nervosa em psicoterapia sugerem que a abordagem cog­
foi recentemente relatada por Fairbum et al., nitivo-comportamental pode ser equivalente ou
(1995). Esse follow-up de 3 a 11 anos combinou ligeiramente superior às outras psicoterapias de
sujeitos que participaram do estudo descrito acima breve, ela parece consistentemente mais eficaz do
com sujeitos que haviam sido aleatoriamente que os regimes farmacológicos atuais para a buli­
distribuídos num estudo anterior para a terapia mia nervosa. A maioria dos revisores endossaria a
cognitivo-comportamental ou psicoterapia focal conclusão de Mitchell, Raymond e Specker (1993)
(Fairbum, Kirk, 0‘Connor & Cooper, 1986). Os que “os resultados de estudos de drogas são ao
pesquisadores entrevistaram 89 dos 99 sujeitos mesmo tempo encorajadores e um tanto desanima-
que participaram dos dois estudos, após um pe­ dores” (p. 236), na medida cm que a confiabilidade
ríodo médio de quase 6 anos. Aqueles que haviam dos antidepressivos produzem mais melhora do
recebido terapia focal durante o primeiro estudo que placebos, mas estão associados a altas taxas
foram agrupados com aqueles que rcccbcram de atrito, sintomatologia residual e recaída (Fair­
terapia interpessoal durante o segundo, por causa bum & Hay, 1992; Mitchell & de Zwaan, 1993;
da semelhança entre as abordagens e da falta de
Walsh, 1991). A terapia cognitivo-comportamental
diferenças perceptíveis no resultado.
provou ser superior a condições de medicação em
No geral, as conclusões dessa avaliação de dois estudos de tratamento comparativos, com a
follow-up de longo prazo mantiveram o padrão combinação de ambas as modalidades produzindo
evidente na avaliação de 1 ano pós-tratamento. somente benefícios incrementais modestos em
Os ganhos obtidos pelos pacientes anteriores alguns índices de resultado (Agras, et al., 1992;
que haviam participado da terapia cognitivo- Mitchell et al., 1990).
-comportamental ou interpessoal foram largamente
Vários revisores sugeriram que drogas anti-
mantidos e foram substancialmente equivalentes,
depressivas e terapia cognitivo-comportamental
ao passo que aqueles que haviam recebido terapia
podem manifestar seus efeitos no comportamento
comportamental pioraram ainda mais. Um nú­
bulímico através de mecanismos diretamente
mero significativamente maior daqueles pacientes
opostos (Craighead & Agras, 1991; Fairbum et
na condição comportamental (86%) atingiu os
al., 1992; Wilson, 1993). A medicação pode faci­
critérios para alguma forma de transtorno ali­
mentar (tipicamente Transtorno Alimentar sem litar a limitação dietética suprimindo o apetite, ao
Outra Especificação), comparados àqueles nas passo que as técnicas cognitivas buscam diminuir
condições cognitivo-comportamental (37%) ou a restrição, encorajando os sujeitos a consumir
interpessoal (28%), e um número menor estava refeições regulares e amplas e a reintroduzir em
livre de episódios bulímicos. Somente alguns suas dietas alimentos evitados. Os estudos têm
índices diferenciaram os sujeitos nas outras duas confirmado que sujeitos tratados com imipramina
condições entre si. Uma percentagem signifi­ continuam a restringir sua ingestão calórica após a
cativamente maior (74%) daqueles que haviam intervenção, ao passo que aqueles que participam
participado da terapia cognitivo-comportamental da terapia cognitivo-comportamental aumentam
obteve pontuações globais no item Eating Disorder significativamente o consumo de calorias não mais
Examination dentro de um desvio padrão da média purgadas (Rossiter, Agras & Losch, 1988; Rossi-
para mulheres jovens, comparada a 55% daqueles ter, Agras, Losch & Telch, 1988). Essa diferença
na célula interpessoal e 33% daqueles na célula pode explicar a melhor manutenção dos ganhos
comportamental. Não houve diferenças na propor­ terapêuticos que se seguem à terapia cognitivo-
ção de sujeitos que haviam procurado tratamento -comportamental, uma vez que a alimentação
psicológico adicional após o encerramento. limitada é geralmente citada como uma variável

374
0 status atual dos modelos cognitivo-comportamentais de anorexia nervosa e de bulimia nervosa

causai importante no desenvolvimento e manu­ cognitivo-comportamental não é nem necessário


tenção de sintomas bulímicos. para todos os pacientes - alguns dos quais res­
Aplicações recentes do tratamento cognitivo- pondem a intervenções mais breves e de melhor
-comportamental a sujeitos que atendem os critérios custo-benefício nem suficiente para a substancial
diagnósticos do DSM-IV para o transtorno do minoria que experimenta a sintomatologia bulímica
comer compulsivo (American Psychiatric Asso­ não resolvida (Fairbum & Hay, 1992; Wilson &
ciation, 1994) sugerem que ele produz taxas mais Fairbum, 1993).
baixas de melhora e taxas mais altas de recaídas Diferentes grupos de pesquisadores experimen­
nessa população, ao passo que se compara favo­ taram versões condensadas do pacote de tratamento
ravelmente com sujeitos na condição de lista de padrão de Fairbum, com resultados mistos e incon­
espera e similarmente com a terapia interpessoal clusivos. Duas séries não controladas obtiveram
(Telch, Agras, Rossiter, Wilíley & Kenardy, 1990; índices de remissão substancialmente inferiores
Wilfley et al., 1993). Um estudo descobriu que o àqueles relatados pelo programa completo com
tratamento cognitivo-comportamental foi superior 8-10 sessões de terapia individual (Fahy & Russel,
a um programa de perda de peso na redução da 1993) ou de grupo (Blouin et al., 1994). Num
frequência do comer compulsivo após um período estudo comparativo, uma versão reduzida adminis­
de 3 meses; entretanto, depois que o programa trada num formato de grupo teve fraco desempenho
de perda de peso foi continuado para todos os comparada aos resultados típicos (e comparativa­
sujeitos por 6 meses adicionais (suplementado mente a uma condição de terapia comportamental)
pela desipramina para alguns), houve apenas uma (Wolf & Crowther, 1992); em outro, oito sessões
tendência não significativa de que uma maior por­ individuais geraram índices mais característicos de
centagem de sujeitos anteriormente tratados com remissão de sintomas (e suplantaram as condições
terapia cognitivo-comportamental tivessem elimi­ de terapia comportamental e placebo de atenção)
nado os episódios de comer compulsivo (Agras (Thackwray, Smith, Bodfish & Meyers, 1993).
et al1994). Entre todos os grupos os índices Manuais de autoajuda descrevendo a abordagem
de abstinência foram baixos e as perdas de peso cognitivo-comportamental produziram índices de
modestas. A natureza aparentemente refratária do redução de sintomas e de remissão que se apro­
comportamento de comer compulsivo alimentar nos ximaram àqueles de programas administrados por
indivíduos com excesso de peso é consistente com clínicos em uma série não controlada (RCooper,
a descoberta de que os índices de vulnerabilidade Coker & Fleming, 1994), mas foram associados a
à obesidade (incluindo variabilidade de peso, ín­ resultados menos impressionantes em uma segunda
dice de massa corpórea, obesidade pré-mórbida, (Schmidt, Tiller & Treasure, 1993).
e obesidade familiar) às vezes preveem um fraco Uma vez que nenhum desses estudos designou
resultado na bulimia nervosa (Fairburn et al., clientes aleatoriamente selecionados do mesmo
1995; Gamer, 1987). grupo de sujeitos para as versões do tratamento cog­
Com a eficácia da terapia cognitivo-comporta­ nitivo-comportamental completas ou condensadas,
mental para a bulimia nervosa estabelecida como é impossível interpretar as descobertas conflitantes
pelo menos comparável às melhores alternativas evidentes entre eles. A única comparação siste­
disponíveis, os pesquisadores estão começando mática das diferentes intensidades de tratamento
a investigar questões mais estreitamente focadas examinou uma variante algo idiossincrática da
sobre a sua forma e duração ideais, adequação aos terapia cognitiva (Mitchell, Pyle et al.9 1993).
diferentes subgrupos de pacientes e mecanismos Ela concluiu que um grupo de terapia cognitivo-
de ação. Fairbum (1988b) alertou contra a cris­ -comportamental semanal foi menos eficaz do que
talização prematura do programa de tratamento um grupo no formato cognitivo-comportamental
que ele criou. Ele observa que o curso padrão mais intensivo (ou qualquer de duas intervenções

375
Fronteiras da Terapia Cognitiva

orientadas à abstinência); entretanto, a generali­ em um único programa podem ser conceitua­


zação dessa descoberta é questionável em vista das. Se o fundamento lógico ou as estratégias
da fraca resposta dos sujeitos àquilo que deveria da terapia interpessoal são considerados in­
representar o “caso típico” da programação de ses­ consistentes com uma ênfase na modificação
sões para o tratamento cognitivo-comportamental. de comportamentos e crenças específicos, uma
Os investigadores ainda não isolaram os fatores abordagem cognitivo-comportamental pode ser
de previsão de resultado específicos, de modo completamente consoante com a exploração de
que poderíam permitir aos terapeutas associar padrões de relacionamento e a facilitação de
os clientes aos programas dos quais eles mais mudanças básicas no autoconceito. Embora a
provavelmente se beneficiariam. Os diferentes própria adaptação eficaz de Fairbum dos prin­
cursos de resposta temporal à terapia cognitivo- cípios cognitivo-comportamentais para bulimia
-comportamental e interpessoal no estudo de nervosa seja restrita à sintomatologia focal, as
Fairbum, Jones et al. (1993) certamente sugerem especificações da terapia cognitiva para outros
que esses tratamentos funcionam através de me­ transtornos - incluindo depressão e anorexia
canismos separados; entretanto, não está claro se nervosa - estendem-se caracteristicamente a um
eles são seletivamente eficazes com diferentes espectro mais amplo de conteúdo, particularmente
subgrupos de pacientes ou facilitam a melhora nas fases finais do tratamento. Uma vez que o
através de meios alternativos no mesmo conjunto estilo e a ênfase distintos da abordagem cognitiva
de respondentes ao tratamento. No primeiro caso, permanecem durante o curso do tratamento, não
pode-se esperar que uma proporção maior de se pode assumir que funcione através dos mesmos
mecanismos que a terapia interpessoal, mesmo
sujeitos se beneficiasse se essas duas estratégias
quando abordando problemas similares - ou que
eficazes fossem combinadas. Mesmo se o segundo
seja mais, menos, ou igualmente poderosa em
caso fosse correto, é possível que uma mistura das
resolvê-los. Entretanto, não há uma razão clara
táticas “diretas” e “indiretas” que eles empregam
para evitar experimentar uma variante da tera­
pudesse apoiar uma remissão de sintomas mais
pia cognitivo-comportamental de espectro mais
completa ou durável em clientes que obtêm alguma
amplo que enfoque sequencialmente em um self
melhora de qualquer um deles.
específico do transtorno e mais generalizado e
Fairbum (1994) argumenta que as modalidades
assuntos interpessoais, em vista da evidência que
são incompatíveis; ao invés de tentar associá-las
as modalidades que têm por meta separadamente
em sessões de terapia, ele está examinando os
cada um desses assuntos tão eficazes no tratamento
efeitos da terapia interpessoal, suplementada com
da bulimia nervosa.
um manual de autoajuda que descreve as estra­
tégias cognitivo-comportamentais. Essa variante
pode ser vantajosa por várias razões técnicas, mas
a premissa na qual ela se baseia não parece clara Conclusão
nem clínica nem teoricamente. Se os clientes são Um progresso substancial foi obtido durante
capazes dc reconciliar abordagens conflitantes os últimos 15 anos no exame da validade e utili­
por si mesmos quando as mesmas são entregues dade dos modelos cognitivo-comportamentais dos
em formatos separados, não fica aparente por transtornos alimentares. Apesar da prevalência da
que deveria ser mais difícil para eles fazê-lo com preocupação com peso e dieta na população fe­
assistência terapêutica. minina em geral, várias investigações confirmam
Formas alternativas de incorporar os com­ que anoréxicos e bulímicos são distinguíveis dos
ponentes ativos presumidos tanto da terapia que estão “insatisfeitos, mas estão bem”, relati­
interpessoal quanto da cognitivo-comportamental vamente a conteúdo, intensidade e valência de

376
0 status atual dos modelos cognitivo-comportamentais de anorexia nervosa e de bulimia nervosa

suas crenças sobre peso, forma e alimento. As através de técnicas mais respeitavelmente “cientí­
técnicas para reunir dados de autorrelato estão se ficas” é atraente. Os resultados da pesquisa sobre
tomando gradualmente mais sofisticadas, fazendo processamento cognitivo às vezes são aceitos
uso de entrevistas semiestruturadas e estratégias como índices não contaminados da psicopatologia
de avaliação criativas para obter melhor acesso às fundamental, inacessíveis através de meios mais
sutilezas da cognição distorcida nesses sujeitos. prosaicos. Explicações alternativas, que atribuem
Os dados sobre processamento de informação as mesmas descobertas a aspectos secundários ou
nos transtornos alimentares têm-se acumulado a superficiais da sintomatologia, não são consisten­
uma taxa acelerada durante os últimos 5 anos. temente acolhidas.
Embora a mudança em ênfase, da psicopatologia Os dados obtidos até hoje sugerem que estra­
descritiva para a experimental, seja bem-vinda, não tégias experimentais mais refinadas podem even­
está claro se tal pesquisa já contribuiu significati­ tualmente clarificar o papel da atenção e memória
vamente até o momento para nosso entendimento enviesadas na manutenção da anorexia nervosa
de assuntos básicos na anorexia e bulimia. Os e da bulimia nervosa. É provável que talvez a
resultados iniciais geralmente apoiam as hipó­ hipótese mais distintiva da teoria cognitiva para
teses delineadas por Vitousek e Hollon (1990); os transtornos alimentares prove ser a mais difícil
entretanto, as investigações têm sido limitadas em para operacionalizar: que os esquemas dominantes
seu escopo e às vezes são técnica e teoricamente sobre o peso não somente manifestam efeitos au­
não sofisticadas. A maioria dos estudos confia tomáticos no processamento da informação, mas
em uma técnica única para examinar um parâ­ também prestam uma função valorizada pelos
metro de processamento de informação, isto é, a
indivíduos, que têm uma necessidade urgente de
velocidade de resposta em tarefas que envolvem
suas propriedades simplificadoras e organizadoras.
estímulos relevantes ao domínio. A afinidade dos
A terapia cognitivo-comportamental está soli­
investigadores com o paradigma de Stroop pode
ter mais a ver com a sua familiaridade e facilidade damente estabelecida como o tratamento atual de
de administração do que com quaisquer pressu­ escolha para a bulimia nervosa. A questão mais
posições sobre sua relevância como uma medida interessante para a próxima geração de pesquisa
dos construtos chave do modelo cognitivo. Os diz respeito à identificação dos mecanismos
resultados têm sido inconsistentes, particularmente terapêuticos, através dos quais essa modalidade
com referência aos grupos essenciais de compara­ e as outras formas eficazes de terapia operam
ção formados por sujeitos impedidos do acesso ao (Wilson & Fairbum, 1993). Eventualmente, tal
alimento, em dieta ou temporariamente privados conhecimento pode permitir aos clínicos ajustar
de alimento. Além do mais, não fica aparente se os clientes aos tratamentos dos quais eles têm
as estratégias aplicadas até hoje podem cumprir maior probabilidade de se beneficiar e permitir
sua promessa de contornar a distorção inerente a que os pesquisadores desenvolvam programas de
medidas de autorrelato, através da apresentação de intervenção com sucesso ainda maior, através da
tarefas não transparentes, que são invulneráveis à combinação dos componentes ativos de diferentes
censura ou à manipulação pelos sujeitos. modalidades.
O campo também necessita ter cautela em Atualmente, o tratamento cognitivo-comporta­
relação a uma inclinação à má interpretação dos mental para anorexia nervosa pode ser defendido
dados coletados nesse nível (Vitousek & Hollon, somente com referência à atração de seu modelo
1990). Para os pesquisadores clínicos frustrados teórico e terapêutico abrangentes, às impressões
com a falibilidade de evidências obtidas através clínicas de sua aplicabilidade, ou, por extrapolação,
de autorrelato, nas quais eles precisam ordina­ aos dados sobre a eficácia de uma abordagem re­
riamente confiar, a perspectiva de coletar dados lacionada com um transtorno semelhante. Nenhum

377
Fronteiras da Terapia Cognitiva

desses terrenos é estimulante; entretanto, na falta Agradecimentos


de um forte suporte empírico para qualquer abor­
dagem alternativa psicológica ou farmacológica, Partes desse capítulo apareceram anteriormente
eles são suficientes para justificar a inclusão dessa em Vitousek e Orimoto (1993). Direitos autorais
modalidade nos três experimentos comparativos de 1993 da Academic Press, Inc. Adaptado com
atualmente em curso. permissão. O nome anterior da autora é Kelly
M. Bemis.

378
0 status atual dos modelos cognitivo-comportamentais de anorexia nervosa e de bulimia nervosa

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387
Capítulo 18

Conceituando o componente cognitivo da


excitação sexual: implicações para a pesquisa

E O TRATAMENTO DA SEXUALIDADE

Tracy Sbroco
David H. Barlow

experiência da excitação sexual possui cada transtorno. De maneira similar, a etiologia e

A uma interação complexa entre os proces­


sos cognitivo, afetivo, comportamental e
fisiológico. As mudanças psicológicas tangíveis
observadas durante a excitação sexual (por exem­
os mecanismos de manutenção de tais dificuldades
são mais compreensíveis. Em particular, a reversão
para mecanismos de processamento mais primi­
tivos (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1979, p. 14),
plo, intumescência) fornecem uma oportunidade ativados pela interação pessoa-ambiente é inserida
singular para examinar os mecanismos cognitivos e no contexto. Além disso, a terapia cognitiva para
afetivos que a estariam mediando. Como é evidente, disfunções sexuais fornece a base para abordar o
a partir da verificação da tabela de conteúdo deste conteúdo cognitivo e o estilo de processamento
livro, os conceitos cognitivos têm-se tomado mo­ do indivíduo. Igualmente importante, o desen­
delos proeminentes de emoção e comportamento. volvimento da terapia cognitiva, particularmente
A teoria cognitiva, inicialmente desenvolvida na área de casais e terapia conjugal (Epsteis &
por Beck para explicar e tratar a depressão (Beck, Baucom, 1989, Cap. 25), tem aplicabilidade direta
1963, 1964, 1967), forma agora um fundamento no tratamento de disfunções sexuais.
teórico e empírico para o desenvolvimento, ma­ Desde o início da terapia cognitiva, há 30 anos,
nutenção e tratamento de diversos transtornos muitas coisas aconteceram. A velocidade do de­
dos Eixos I e II e de problemas interpessoais. O senvolvimento do modelo nos levou a olhar para
emprego da teoria cognitiva, como fundamento trás e reformular nosso modelo de disfunção sexual
para a psicopatologia descritiva das disfunções (Barlow, 1986,1988). As estruturas e os processos
sexuais, é particularmente valioso porque a com­ cognitivos recebem um foco crescente neste mo­
preensão do funcionamento sexual deve levar em delo revisado de disfunção sexual. Em particular,
consideração a realidade idiossincrática do indiví­ a compreensão da etiologia e da manutenção das
duo e a realidade social do funcionamento sexual. disfunções sexuais requer o exame de quatro áreas
Neste contexto, semelhantemente às tendências críticas: a vulnerabilidade esquemática, o déficit
sistemáticas observadas em outros transtornos de habilidades, a expectativa de resultado negativo
psiquiátricos (Beck & Weishaar, 1989, Cap. 1), e a desvinculação e afastamento. Resumidamente,
vemos a vulnerabilidade cognitiva específica para estes construtos estão relacionados da seguinte
Fronteiras da Terapia Cognitiva

forma: estruturas cognitivas, que ligam visões de si na premissa de que a ansiedade inibe a excitação
mesmos a crenças não realistas sobre desempenho sexual e que, portanto, a eliminação da ansiedade
sexual, formam o ponto central da psicopatolo- toma-se a meta do tratamento. Masters e Johnson
gia da disfunção sexual. Este autoesquema pode (1970) revolucionaram o campo da terapia sexual
contribuir para déficits de habilidades e para o com a publicação de Human Sexual Inadequacy
desenvolvimento de expectativas de resultado (Inadequação Sexual Humana). Eles também pos­
negativas para a regulação comportamental na tularam que a ansiedade teria um papel central no
situação sexual. Como previsto pelas teorias de desenvolvimento e na manutenção da disfunção
autorregulação, a expectativa de resultados nega­ sexual, afirmando que a ansiedade e o medo se
tivos pode desencadear a desvinculação da (tanto projetam como as bases etiológicas. Eles também
manifesta quanto encoberta) (cf. Carver & Scheier, elucidaram a ansiedade, descrevendo-a através
1988). Na seção seguinte, descrevemos os cinco do processo de “espectador”, segundo o qual os
domínios distintos de respostas eróticas funcionais indivíduos se distanciam da experiência sexual
e disfuncionais. Em seguida, discutimos o alcance como se eles fossem observadores externos. E de
de nosso modelo, através da aplicação da teoria forma importante, eles apresentaram sexo como
de autorregulação (Barlow, 1986, 1988). Por fim, uma habilidade a ser aprendida. Kaplan (1977),
recomendamos a condução de futuras pesquisas, de maneira similar, descreveu a ansiedade como
sobre conteúdo e processamento esquemático no a raiz das disfunções sexuais e ampliou a abran­
funcionamento sexual, focalizando funcionamento gência dos domínios da ansiedade para incluir as
sexual masculino. Essa é nossa área de especia­ características das demandas do parceiro.
lidade e, talvez infelizmente, é representada por Os tratamentos baseados nestas conceituações,
um corpo maior de literatura. não surpreendentemente, focalizaram a redução
da ansiedade no contexto sexual. O método de
Masters e Johnson envolve “focalização sensorial”
A relação entre excitação sexual e e “proibição do coito”, a fim dc evitar tentativas
adicionais de ato sexual carregadas de ansiedade.
ansiedade
Durante este processo, a excitação ocorre através
Durante a segunda metade deste século, a da massagem corporal não genital. Quando as
ansiedade tem sido proclamada como a causa ereções ocorrem espontaneamente, o casal avança
da perda da excitação sexual. Isto representa um progressivamente ao ato sexual; assim, esta técnica
enorme avanço sobre a conceituação vitoriana da se parece com as técnicas de dessensibilização
disfunção sexual, vista como um resultado da “de- sistemática in vivo. Tais abordagens de tratamento,
generação moral”, ou ainda sobre a visão freudiana baseadas na redução da ansiedade, tiveram sucesso
da disfunção sexual vista como a representação moderado e aparentemente cerca de 50%-70% dos
do desenvolvimento psicossexual atrasado (Lo- pacientes mostraram alguma melhora imediata
Piccolo, 1992). Os primeiros comportamentalistas (Cranston-Cuebas & Barlow, 1990). Os tratamen­
supuseram que a ansiedade seria a maior causa tos psicológicos mudaram um pouco na década
de disfunção sexual, porque a ansiedade inibia passada. Juntamente com o desenvolvimento de
reciprocamente a excitação sexual (e. g., Wolpe, abordagens cognitivo-comportamentais, houve um
1958). Concomitante com o desenvolvimento foco crescente nas cognições, como fatores etioló-
das terapias comportamentais, o tratamento de gicos e de manutenção das disfunções sexuais, bem
transtornos sexuais tomou-se diretivo e focado como das questões mais gerais de relacionamento
na redução da ansiedade. Wolpe (1958) reco­ (LoPiccolo, 1992; Pryde, 1989). Infelizmente,
mendou o uso da dessensibilização sistemática continua a existir uma escassez de pesquisa sobre
no tratamento das disfunções sexuais, com base resultado de tratamento utilizando estas inovações,

390
Conceituando o componente cognitivo da excitação sexual: implicações para a pesquisa e o tratamento da sexualidade

bem como pesquisa básica de psicopatologia sobre pela excitação fisiológica associada à ansiedade,
a natureza das disfunções sexuais. como responsável pela disfunção sexual (veja
A persistência da crença de que a ansiedade Figura 18.1).
inibe a excitação sexual continua, apesar de a A natureza desta interferência cognitiva nos
pesquisa, durante a década passada, sugerir que a indivíduos sexualmente disfuncionais parece
ansiedade não necessariamente a inibe. De fato, o girar amplamente em tomo da focalização ou
efeito da ansiedade na excitação sexual depende preocupação com um contexto “irrelevante à
largamente de como a ansiedade é definida. Isto é, tarefa”. Mais especificamente, hipotetizamos que
a ansiedade é um sistema de resposta tripla com os disfuncionais não focalizam nos sinais eróticos.
componentes cognitivos, afetivos e fisiológicos, Particularmente, os disfuncionais focalizam no ma­
que podem ser avaliados e manipulados (Barlow, terial não erótico, possivelmente em pensamentos
1988). Nosso modelo de disfunção sexual (Barlow, relacionados ao desempenho ou não relacionados
1986) postula a interferência cognitiva, abastecida a sexo. Esse foco de atenção não erótico toma-se

Figura 18.1 - Modelo de desempenho funcional e disfuncional. De Barlow (1986). Copyright 1986 pela
Associação Psicológica Americana. Reimpresso sob permissão.

391
Fronteiras da Terapia Cognitiva

então aumentado pelos aspectos fisiológicos da a fim de tratar de questões de etiologia e manu­
excitação. Isto é, a excitação funciona no sentido tenção de disfunção, segundo um modelo refinado
de focalizar a atenção na informação da tarefa de disfunção sexual.
irrelevante, tendo por resultado uma posterior
deterioração no desempenho sexual. Paralelamente A ansiedade facilita a excitação
a esse processo, o foco de indivíduos sexualmente Diversos estudos recentes foram cm direção
funcionais em sinais eróticos é intensificado pelo contraria à noção que aponta a ansiedade como
estreitamento do foco de atenção até um certo o mecanismo causai na disfunção sexual (e. g.,
ponto. Consequentemente, a excitação geralmente Bancroft, 1970; Ramsey, 1943; Sarrel & Masters,
facilita o desempenho de sujeitos funcionais. 1982). Esses estudos incluíram estímulos não se­
Esta conceituação é baseada na observação de xuais associados à resposta erétil e à performance
cinco diferenças fundamentais de resposta entre sexual sob a ameaça de dano físico. Além disso,
sujeitos funcionais e disfuncionais. Estas diferen­ a própria natureza das parafilias vai à direção
ças foram demonstradas em uma série de estudos contraria à premissa de que a ansiedade inibe a
que examinaram a interação entre ansiedade e excitação sexual, considerando que a excitação
excitação sexual, que resultou nas seguintes obser­ sexual entre alguns parafílicos - tais como os
vações: (1) a indução experimental da ansiedade exibicionistas - é frequentemente associada à
frequentemente facilita a resposta sexual para ameaça de ser apanhado (Beck & Barlow, 1984).
indivíduos que ainda não estão experienciando Em um dos primeiros estudos que investigaram
dificuldades sexuais. E a excitação elevada, até a ansiedade e a excitação sexual em laboratório,
um certo ponto, amplia a resposta típica, de tal Hoon, Wincze e Hoon (1977) examinaram a exci­
forma que homens funcionais experienciam um tação sexual em resposta a conteúdo erótico, com
aumento da excitação, enquanto homens disfun­ pré e pós-exposição a trechos de filmes neutros
cionais experienciam uma redução na excitação; ou nocivos (acidente de automóvel). Inicialmente,
(2) o relato subjetivo da excitação é acurado ou mulheres sexualmente funcionais viram uma se­
superestimado entre os funcionais, e subestimado quência de 2 minutos de filme. Imediatamente após,
entre os disfuncionais; (3) distrações dos sinais os sujeitos viram um filme erótico. A excitação
eróticos diminuem a excitação em funcionais e, sexual, avaliada com “pletismógrafo” vaginal, foi
em disfuncionais, ou não têm efeito ou aumentam significativamente maior naquelas mulheres que
levemente a excitação; (4) a exigência de desem­ foram pré-expostas a filmes nocivos geradores de
penho facilita a resposta em homens funcionais e ansiedade em oposição a filmes neutros. É inte­
inibe a resposta em homens disfuncionais; e (5) ressante notar que, quando a ordem dos tipos de
indivíduos disfuncionais evidenciam afeto negativo filme foi invertida, de maneira que os sujeitos viam
mais elevado quando pré e pós-expostos a con­ primeiro os filmes eróticos, a excitação sexual foi
teúdos eróticos. Portanto, parece, com base nestes mais baixa, seguida de fragmentos de produção
resultados, que os estados de afetivos e processos de ansiedade. Esses resultados foram replicados
cognitivos específicos têm efeitos consistentes em homens (Wolchik et al., 1980).
sobre a resposta sexual. Atualmente ainda não é Na época do estudo original de Hoon et al.
claro se estas diferenças básicas são a causa ou a (1977), estes resultados foram tomados como
consequência da disfunção. Primeiro, revisaremos evidências contra o argumento de Wolpe (1958) de
pesquisas que apoiam a sequência da disfunção. que a ansiedade e excitação sexual são mutuamente
Em seguida, revisaremos pesquisas que apoiam inibitórias. Entretanto, Wolpe (1978) argumentou
a identificação destas descobertas diferenciadas, que o paradigma de exposição à ansiedade foi um
e aplicaremos então a teoria comportamental de teste insuficiente da teoria de inibição recíproca, de­
autorregulação de Carver e Scheier (1986, 1988), vido à dependência do paradigma na permanência

392
Conceituando o componente cognitivo da excitação sexual: implicações para a pesquisa e o tratamento da sexualidade

dos efeitos da exposição nociva. Em resposta é usada para induzir a ansiedade. Sujeitos na
a esta argumentação, uma série subsequente de condição de ameaça de choque contingente eram
estudos por diferentes pesquisadores tentou simul­ avisados que havia 60% de chance de receberem
taneamente induzir ansiedade e excitação sexual. um choque se eles não alcançassem o nível médio
Lange, Wincze, Zwiek, Feldman e Hughes (1981) de ereção alcançado por sujeitos anteriores. Na
operacionalizaram a ansiedade como uma excitação condição de ameaça não contingente, os sujeitos
do sistema simpático, simultaneamente induzindo eram avisados de que as chances de levar um cho­
a ansiedade e a excitação sexual através da utili­ que continuavam 60%; entretanto, a possibilidade
zação de injeções de hidroclorido de epineffina. do choque não estava relacionada ao seu nível de
Em um estudo cego simples, os sujeitos recebe­ ereção ou a qualquer outra resposta. Os resultados
ram injeções de solução salina ou de hidroclorido indicaram que na condição de ameaça de choque
de epinefrina, antes de assistir a filmes eróticos. não contingente, aumentou a excitação sexual com­
Nenhuma diferença na resposta sexual foi notada parada à condição sem choque, uma descoberta que
entre os grupos de placebo ou de epinefrina, for­ confirmou os resultados de pesquisas anteriores.
necendo, portanto, apoio adicional à noção de que Entretanto, até a condição de demanda (ameaça de
a ativação simpática não inibe necessariamente a choque contingente) aumentou a resposta sexual
excitação sexual na presença de cenas eróticas. e, de fato, esta condição produziu os níveis gerais
Uma série de estudos em nosso laboratório apoia mais altos de intumescência (veja Figura 18.2).
esses resultados. Barlow, Sakheim e Beck (1983) Estes resultados foram parcialmente replicados,
empregaram um desenho experimental de medidas com a adição de homens disfuncionais, por J. G.
repetidas, usando duas condições de ameaça por Beck, Barlow, Sakheim e Abrahamson (1987). Os
choque e uma condição sem choque, com homens homens funcionais evidenciaram maior intumes­
funcionais. Neste paradigma, a ameaça de choque cência na condição de choque não contingente.

Figura 18.2 - Significa a mudança na circunferência do pênis a cada intervalo de 15 segundos durante as
três condições: nenhuma ameaça de choque; ameaça de choque não contingente e ameaça de choque con­
tingente. De Barlow, Sakheim e Beck (1983) Copyright 1983 pela Associação de Psicologia Americana.
Reimpresso com permissão.

393
Fronteiras da Terapia Cognitiva

No entanto, a excitação, na condição de choque Enquanto os funcionais prontamente relataram as


contingente, não foi elevada acima da excitação estratégias cognitivas que haviam empregado, os
padrão. Infelizmente, com apenas oito sujeitos por disfuncionais demonstraram pouca consciência de
grupo, este estudo pode não ter tido poder estatís­ que eles tinham sido bem-sucedidos e nem con­
tico suficiente para avaliar adequadamente estas seguiram relatar as estratégias que haviam usado.
diferenças, caso elas existissem. Por outro lado, Similarmente, os disfuncionais frequentemente
os disfuncionais mostraram significativamente relatam o nível de ereção como inferior do que
menos intumescência em ambas as condições de realmente foi (Abrahamson, Barlow, Sakheim,
choque, em comparação à condição de controle. Beck & Athanasiu, 1985b; Bruce Cemy, & Barlow,
Toma-se óbvio, no exame dos métodos usados 1986; Sakheim, 1984) e de excitação subjetiva
para operacionalizar o construto de ansiedade, que (Sakheim, Barlow, Abrahamson & Beck, 1987;
uma definição concisa de ansiedade é imperativa (J. Morokoff & Heiman, 1980).
G. Beck & Barlow, 1984). Os resultados discutidos A operacionalização do conceito de demanda
até aqui sugerem que o componente fisiológico da de desempenho também é importante. Este termo
ansiedade está associado a um aumento ou nenhum se refere aos aspectos cognitivos da ansiedade, sob
decréscimo na excitação sexual para funcionais condições nas quais os indivíduos acreditam que
e um decréscimo na resposta para disfuncionais. são desafiados a alcançar algum padrão. Várias
metodologias são usadas para operacionalizar este
Controle de desempenho e demanda conceito, direta e indiretamente. Por exemplo,
de desempenho a ameaça de choque contingente descrita ante­
Manipulações da demanda de desempenho nos riormente representa uma manipulação direta da
experimentos de excitação sexual são similares demanda de desempenho, enquanto a observação
às instruções para melhorar a resposta erétil em do feedback do próprio genital (Sakheim et al.,
experimentos com controle voluntário da excitação 1984), discutida subsequentemente, representa
sexual (Cranston-Cuebas & Barlow, 1990). Um uma manipulação menos direta. Diversos estudos
exame da capacidade de controlar voluntariamente tentaram manipular a demanda de desempenho.
a resposta erétil sugere que os funcionais podem Em dois estudos recentes (Farkas, Sine & Evans,
aumentar voluntariamente sua resposta erétil diante 1979; Lang et ai, 1981) com homens funcionais,
de tema erótico ou fantasiar quando instruídos não foram encontradas diferenças entre instruções
a fazê-lo (Bancroft & Mathews, 1971; Laws & de alta demanda e baixa ou nenhuma demanda. Os
Rubin, 1969). Outros (e. g., Henson & Rubin, homens disfuncionais, entretanto, demonstraram
1971; Mavissakalian, Blanchard, Abel & Barlow, um padrão diferente quando as instruções dadas
1975) também demonstraram inibição voluntária foram de alta demanda versus baixa demanda (Hei­
da resposta erétil. Mahoney e Strassberg (1991) man & Rowland, 1983). Isto é, os disfuncionais
estudaram a habilidade de homens funcionais demonstraram níveis mais baixos de intumescência
para controlar sua excitação em experimentos durante a condição de alta demanda relativa à
que avaliaram a habilidade dos sujeitos de fingir baixa demanda.
preferências de estímulos excitatórios. Seus re­ Em uma tentativa de expandir estes resultados,
sultados fornecem sustentação para a habilidade através da manipulação do foco atencional além
de sujeitos funcionais de controlar sua excitação da demanda do desempenho, J. G. Beck, Barlow
e, de forma importante, notem que esta resposta e Sakheim (1983) examinaram os efeitos intera­
depende da atenção a estímulos experimentais. tivos da atenção autofocalizada contra a atenção
Os disfuncionais, também, mostram-se capazes focalizada no parceiro, através de três níveis de
de suprimir suas ereções na presença de conteúdo excitação do parceiro (alta, baixa, e ambígua). Sob
erótico (J. G. Beck, Barlow & Sakheim, 1982). condições de alta excitação do parceiro, os homens

394
Conceituando o componente cognitivo da excitação sexual: implicações para a pesquisa e o tratamento da sexualidade

funcionais demonstraram uma maior resposta na rotuladas de formas variadas, tais como “demanda
condição de atenção focalizada no parceiro, em de desempenho”, “medo de inadequação”, “pre­
comparação à condição de atenção autofocalizada. sença de espectador” e outras, são todas formas
Inversamente, os homens disfuncionais demons­ de atividade cognitiva “específicas a situações”,
traram baixo nível de intumescência na condição “irrelevantes à tarefa”, que impedem os sujeitos
de alta excitação do parceiro, com instruções para disfuncionais de processamento, relevante à ta­
focalizar atenção no parceiro versus instruções refa, de estímulos, no contexto sexual. De forma
para atenção autofocalizada. Abrahamson, Barlow, similar, este processo representa a desvinculação,
Beck, Sakheim e Kelly (1985) reaplicaram este pelos disfuncionais, do foco erótico. Transferimos
estudo. Resultados de J. G. Beck et al. (1983) e agora nossa atenção aos estudos que manipulam
uma replicação por Abrahamson, Barlow, Beck et diretamente a distração no contexto de conteúdos
al. (1985) indicaram que os funcionais e os dis­ eróticos.
funcionais reagiram diferentemente à pressão para
responder sexualmente, quando em presença da alta Distração e excitação sexual
excitação do parceiro. Além disso, os funcionais re­ Geer e Fuhr (1976) foram um dos primeiros
lataram esta experiência como excitantes, enquanto grupos a conduzir exames empíricos dos efeitos
os disfuncionais as consideraram não excitantes. da distração sobre a excitação sexual, usando um
Apesar de o conteúdo do pensamento não ser dire­ paradigma de audição dicotômica. À medida que
tamente tratado nestes estudos, os resultados de um os sujeitos aumentaram sua atenção nas tarefas
estudo recente, examinando a lista de pensamentos de distração, a atenção remanescente disponível
em resposta a conteúdo erótico (Bach, Sbrocco, para focar na passagem erótica diminuía e um
Weisberg, Weiner & Barlow, 1993), sugerem que correspondente decréscimo ocorria na excitação
os disfuncionais experimentam mais pensamentos sexual. Esses achados vêm sendo replicados,
internos negativos em resposta a conteúdo erótico. usando modalidades dc estímulos diferentes (Far-
Não é difícil compreender porque os disfuncionais kas et al., 1979). Assim, estes estudos sugerem
não seriam excitados simultaneamente em vista de que as tarefas cognitivas competitivas resultam em
um significativo decréscimo na excitação sexual
autoafirmações negativas e deprecatórias durante
fisiológica. Abrahamson, Barlow, Sakheim et al
as condições de demanda de desempenho sexual.
(1985) relataram dados de estudo que indicaram
Sakheim, Barlow, Beck e Abrahamson (1984)
que distrações podem afetar diferentemente a
fornecem apoio adicional à noção de que foco
excitação sexual de homens funcionais e disfun­
dirigido e demanda de desempenho interagem.
cionais. Replicando resultados anteriores, relativos
Os homens funcionais assistiram a três níveis de
a um decréscimo em intumescência em sujeitos
filmes eróticos, enquanto seus genitais estavam ou funcionais, os autores não encontraram um efeito
cobertos ou descobertos. Os genitais descobertos correspondente nos sujeitos disfuncionais. De fato,
durante o filme ligeiramente excitante diminuíram os disfuncionais mostraram aumento não signifi­
a resposta erétil, mas facilitaram a intumescência cativo na intumescência. Os autores especularam
frente a estímulo altamente excitante. Os autores que, apesar dos funcionais serem desviados dos
sugerem que o foco atencional nos genitais exci­ sinais eróticos pela distração, a atenção de sujeitos
tados fornece sinais eróticos adicionais, enquanto disfuncionais podia já estar focada em pensamentos
o foco na resposta genital limitada pode levar a não eróticos (por exemplo, preocupações com o
preocupações acerca do desempenho. desempenho). Dessa forma, a tarefa de distração
Baseado nas reações diferenciais entre fun­ transferiu a atenção dos disfuncionais de um fator
cionais e disfuncionais, em resposta a demandas de distração para outro, não resultando em nenhuma
de desempenho, concluiu-se que preocupações mudança visível na intumescência.

395
Fronteiras da Terapia Cognitiva

J. G. Beck et al. (1987) avaliou a interação feedback genital ao vivo, a partir de uma câmera
entre a excitação autonômica e a interferência de vídeo focalizada em seus genitais. Durante
cognitiva. Eles apresentaram a homens funcionais este feedback, a demanda de desempenho era
quatro condições de choque contingente e usaram manipulada, através da solicitação aos sujeitos de
uma tarefa de reconhecimento de sentença após, a que avaliassem seu nível de ereção e se sua intu­
fim de examinar o foco atencional. Os resultados mescência era suficiente para o coito. Os homens
revelaram que a ameaça de choque diminuiu a funcionais mostraram níveis significativamente
resposta erétil, sob as condições de meia tolerân­ maiores de intumescência sob o feedback genital,
cia e tolerância. Mas os níveis de intumescência em comparação às condições de distração neutra e
voltaram ao normal sob a condição de ameaça à de controle. Entretanto, os homens disfuncionais
dupla tolerância, para um nível próximo à condi­ demonstraram níveis significativamente menores
ção de nenhum choque. Inversamente, a atenção de intumescência com o fator de distração sexual. A
na tarefa de completar sentenças replicou esta consideração do fator de distração sexual também
resposta. Isto é, quanto melhor os resultados dos como um fator de demanda de desempenho com­
sujeitos na tarefa de reconhecimento de sentença, plicou a interpretação deste estudo. Inicialmente,
piores foram suas respostas de excitação sexual. os disfuncionais podem ter desempenhado mais
Em um estudo projetado para examinar o efeito pobremente, porque eles tiveram expectativas
da ansiedade sem um fator de distração, Jones, negativas relativas a suas capacidades de alcançar
Bruce e Barlow (1986) usaram este paradigma uma ereção ou porque não processaram os sinais
com funcionais e disfuncionais, excetuando a tarefa e efetivamente desistiram da situação (ou ambos).
de finalização de sentenças. Homens sexualmente Porém, este estudo é um tanto confuso, porque os
funcionais demonstraram crescentes níveis de disfuncionais viram menos sinais eróticos. Isto é,
excitação, à medida que a intensidade da ameaça indivíduos funcionais não apenas experimentaram
de choque crescia até o nível de tolerância má­ maior intumescência, eles viram maior intumescên­
xima, de onde decrescia. Realmente, os funcionais cia comparados aos disfuncionais. Simplesmente,
mostraram maior excitação na condição de metade os sinais eróticos dos disfuncionais foram menos
da tolerância, enquanto a excitação nas outras excitantes. Ainda, este estudo sugere que distração
condições pareceu similar (sem choque, tolerância neutra interfere com funcionais e disfuncionais de
máxima, tolerância dupla) sugerindo assim que a uma maneira similar.
ansiedade é facilitadora apenas em certos níveis. No exame da distração, a etiologia deste fenô­
Os disfuncionais, por outro lado, demonstraram meno é de grande importância. Até recentemente
menor resposta na condição de metade da tole­ não estava claro se a distração duplicava o processo
rância, comparados com as outras condições. É de distração “natural” dos disfuncionais ou se o
curioso que quando os funcionais estão fazendo processo natural de descrença continuava e assim
o seu melhor, os disfuncionais estão no seu pior. não era afetado pela tarefa. O exame da tarefa de
Abrahamson, Barlow e Abrahmson (1989) desempenho em um estudo recente sugere que,
relataram respostas diferenciais similares para dife­ quando o sujeito desempenha igualmente bem ou
rentes tipos de distração. Sujeitos foram distraídos dirige igual atenção (medida com base no tempo de
por um fator de distração neutro (não sexual) e reação e resposta correta) a uma tarefa de distração,
um fator de distração de desempenho sexual, en­ a intumescência não difere entre grupos funcionais
quanto assistiam a uma cena erótica. Na condição e disfuncionais (Weisberg, Weiner et al., 1994).
de distração neutra, os sujeitos julgaram a largura E a intumescência é menor do que seria esperado
e o comprimento de uma linha, em comparação para o desempenho funcional. Portanto, este dado
a uma linha padrão, vista anteriormente. Para sugere que, quando os sujeitos atenderam igual­
os fatores de distração sexual, os sujeitos viram mente a uma tarefa de distração, o desempenho

396
Conceituando o componente cognitivo da excitação sexual: implicações para a pesquisa e o tratamento da sexualidade

funcional se igualou ao desempenho disfuncional, na intumescência foi observada. É interessante


enquanto o desempenho funcional caiu. A fim de notar que a intumescência, durante o filme
examinar a atenção de forma menos interferente, erótico, foi previsível para o afeto pós-erótico,
estudos futuros deveríam examinar a memória independentemente do afeto pré-erótico. Assim,
para filmes e tarefas, para explicar adicionalmente o estado afetivo dos indivíduos estava de acordo
os processos atencionais e as diferenças entre os com a resposta fisiológica corrente (ou um outro
sujeitos funcionais e disfuncionais. E hipotetizado aspecto desta experiência). Frequentemente, ou­
que, sem a manipulação da distração, a memória tras investigações têm incluído medidas afetivas
para o conteúdo erótico seria melhor para os de autorrelato, em uma variedade de paradigmas
funcionais comparados aos disfuncionais. Além de laboratório, como variáveis dependentes. Em
disso, observando o contexto no qual se espera ambas as fases de pré e pós-exposição a conteúdo
que a memória do sujeito disfuncional seja melhor erótico, há evidência de disforia mais elevada
do que a memória do sujeito funcional, fornecerá entre os disfuncionais (e. g., Abrahamson, Barlow
pistas sobre o foco de atenção dos funcionais. Sakheim e outros, 1985; Abrahamson e outros,
Construtos rotulados, de forma variada, como 1989; Beck & Barlow, 1986a, 1986b; Heiman &
demanda de desempenho, medo de inadequação, Rowland, 1983).
de ser o próprio “espectador”, e assim por diante, Em resumo, os resultados de diversos estudos
são todas formas de atividade cognitiva específica fornecem apoio para as cinco áreas nas quais a
a situações e relevantes à tarefa, que distraem os resposta de homens sexualmente funcionais e
indivíduos disfuncionais do processamento rele­ disfuncionais difere. Descritivamente, estes fatores
vante do estímulo no contexto sexual. Além disso, são relacionados expressivamente em um modelo
enquanto estas atividades parecem estar associadas de disfunção sexual (Barlow, 1986), mostrado na
ao desempenho do disfuncional, podería ser mais Figura 18.1. Uma característica chave deste modelo
proveitoso examinar por que os disfuncionais não é a proposição de que, na realidade, é a interfe­
focalizam nos temas eróticos. rência cognitiva, isto é, um processo de distração,
que constitui o mecanismo de ação através do qual
Afeto e excitação sexual muitas experiências atuam para inibir a resposta
Até o momento, poucos estudos examinaram sexual. Esse processo, quando combinado à ex­
a influência do afeto (à exceção da “ansiedade”) citação autonômica aumentada, conduz à inibição
na resposta sexual. De nosso conhecimento, além da excitação sexual por um efeito facilitado de
do estudo de Wolchik (Wolchik e outros, 1980) distração. Assim, não é a excitação autonômica
descrito recentemente, apenas dois estudos exa­ sozinha que inibe a excitação. Como tal, este
minaram a influência da manipulação do afeto na modelo compartilha diversas semelhanças com os
excitação sexual. Mitchell e outros (1992) estuda­ modelos atuais de ansiedades sociais e relativas
ram homens disfuncionais, com uma manipulação a outros campos de avaliação, que enfatizam o
de afeto positivo versus negativo operacionalizado papel da interferência cognitiva no desempenho
na forma de música. Os sujeitos demonstraram disfuncional. Voltamos agora para tal modelo, um
maior intumescência na condição de afeto positivo modelo de autorregulação, para compreender como
versus negativo ou neutro. Meisler e Carey (1991) e por que estas diferenças podem existir.
usaram indução de humor depressivo e sentimento
de ativação do humor positivo antes de um filme
erótico. Eles relataram uma tendência à resposta
Regulação cognitiva de excitação sexual
subjetiva reduzida inicialmente, um tempo mais
longo até a máxima excitação após a indução de Compreender o processo com o auxílio das
humor depressivo. Entretanto, nenhuma diferença teorias autorreguladoras fornece especificidade

397
Fronteiras da Terapia Cognitiva

crescente a respeito da construção e mecanismos Uma pressuposição deste modelo de funcio­


de ação, hipotetizada no modelo de disfunção namento sexual é que o comportamento sexual,
sexual apresentado na Figura 18.1. Além disso, como todo comportamento humano, é regulado
esse refinamento pode facilitar a conceituação da por um sistema de controle de feedback (veja
etiologia e do desenvolvimento da psicopatologia. Carver & Scheier, 1981, 1986, 1988). O processo
Na seção seguinte, esboçamos essa conceituação, de regulação comportamental envolve pessoas,
focalizando quatro áreas chaves: vulnerabilidade usando pontos de referência para o comportamento
esquemática, déficit de habilidade, expectativas subsequente. Pontos de referência consistem
de resultado e “desvinculação”. Uma descrição de objetivos pessoais, padrões e intenção, que
esquemática da estrutura adotada por Carver e atuam tanto em curto quanto em longo prazo.
Scheier (1988) pode ser encontrada na Figura 18.3. Estes objetivos e resultados desejados podem

Figura 18.3 - Um modelo autorregulador de excitação sexual. O modelo descreve uma conceitualização
integrada de mecanismos responsáveis pelo desempenho funcional e disfuncional. De Carver e Scheier
(1988). Copyright 1988 por Harwood Academic Publishers, adaptado com permissão.

398
Conceituando o componente cognitivo da excitação sexual: implicações para a pesquisa e o tratamento da sexualidade

ser conceituados como conteúdo esquemático. À ajudar a explicar a persistência da disfunção erétil
medida que as pessoas se engajam em tarefas, no contexto da autorregulação. Grande volume
elas monitoram e dirigem atenção às suas próprias de evidências de outras áreas da psicopatologia
ações com respeito aos seus padrões (Carver & indicam que as tendências no processamento de
Scheier, 1988). Quando necessário, elas ajustam informação são relacionadas à manutenção de
o seu comportamento, conforme os objetivos e transtornos depressivos e de ansiedade.
resultados desejados. Esse ajuste comportamental Os autoesquemas sexuais, que incluem padrões,
é básico para a autorregulação e opera através expectativas e autoimplicações para o comporta­
do controle de feedback. Geralmente, o processo mento sexual, são, com frequência, irrealistas e
de regulação comportamental pode ser operado imprecisos. Por exemplo, não é comum para o
facilmente. Durante a atividade sexual, conflitos homem acreditar que pode ter ejaculações múltiplas
podem surgir, devido a distúrbios contextuais sequenciais. Bem como, este conjunto de crenças e
ou ambientais (e. g., parceiro desinteressado), e estes padrões são expostos a apenas poucas novas
valores referenciais concorrentes. Por exemplo, informações acuradas e realistas. Portanto, existe
um homem com dificuldade em obter uma ereção frequentemente pouca acomodação e assimilação
pode experimentar ansiedade, porque ele acredita de novas informações acuradas nesses esquemas.
que o seu parceiro ficará bravo e desapontado. A A conceituação de que as crenças dos indivíduos
ansiedade crescente funciona como um sinal de sobre sexo são superiores em dirigir seu compor­
alerta para induzir ajustes comportamentais. tamento é similar a de John Gagnon (Gagnon,
Acreditamos que a maioria dos indivíduos 1990; Gagnon, Rosen & Leiblum, 1982; Gagnon
pode ajustar seu comportamento (por exemplo, & Simon, 1987), descrevendo a perspectiva usada
mudar a posição para aumentar a estimulação). para explicar o comportamento sexual em seu
Quer dizer, nós operamos sob a premissa de que contexto cultural. Essa perspectiva enfatiza que,
a maioria dos indivíduos experimenta graus varia­ apesar do funcionamento fisiológico similar, existe
dos de discrepância entre sua excitação desejada com frequência pouca similaridade no significado
e a excitação experimentada. E a maioria dos do comportamento sexual em culturas diferentes.
indivíduos faz ajustes apropriados. Vários fatores A ideia de que as crenças sobre o sexo dirigem
podem interferir com o ajuste de discrepância e, o comportamento é particularmente importante
portanto, têm implicações para a compreensão das para se examinar a etiologia das disfunções se­
disfunções sexuais. Esses fatores incluem conteúdo xuais (Lavender, 1985). Esquemas não acurados
esquemático, déficit de habilidade, expectativas ou distorcidos podem funcionar como um fator de
de resultado negativo e desligamento ou fuga. vulnerabilidade para o desenvolvimento de uma
Os dois primeiros fatores podem ser considerados disfunção sexual. Isso inclui as autoimplicações de
variáveis primárias, enquanto os dois últimos são uma inabilidade para a regulação. Tais implicações
fatores secundários. Cada um é explicado abaixo, podem aumentar a ansiedade e ainda prejudicar a
fazendo referência à literatura empírica. regulação. Por exemplo, imagine um homem que
carrega a seguinte crença: “Um homem de verdade
Conteúdo esquemático pode ter uma ereção a toda hora e em todo lugar.”
A presente discussão sobre esquemas será A consequência de não alcançar este objetivo pode
guiada através de duas hipóteses. Primeiro, indiví­ ser vista de maneira catastrófica. Tal discrepância
duos sexualmente disfuncionais desenvolvem uma entre o comportamento e a expectativa pode ser
estrutura cognitiva organizada (esquemas) sobre a percebida como extremamente ameaçadora e pode
sexualidade, com implicações para o self que in­ levar ao prejuízo da regulação. Em adição, esse
fluencia seus pensamentos, afeto e comportamento. processo prejudica a resolução de problemas,
Segundo, a operação destes autoesquemas pode porque existe pouco espaço, em relação à rigidez

399
Fronteiras da Terapia Cognitiva

do esquema, para lidar com a dificuldade, “porque & Barlow, 1987; Sbrocco, Weiner & Barlow,
isso não deveria acontecer”. 1992). Além de reagir mais negativamente aos
É importante notar que indivíduos funcionais sinais eróticos, os disfuncionais parecem endossar
são igualmente inclinados a endossar as visões informações não acuradas sobre sexo. Baker e de
normativamente distorcidas sobre o seu funciona­ Silva (1989) investigaram o relacionamento entre
mento sexual. Os termos “impotente” e “rígido” crença nos mitos descrito por Zilbergeld (1978) e
proporcionam evidência para a associação entre disfunção sexual entre os homens. Homens com
dificuldades sexuais e qualidades negativas. Entre­ disfunções mostram um grau significativamente
tanto, postulamos que o significado da disfunção maior de crenças e mitos sobre sexo (Baker &
também será único para indivíduos disfuncio- de Silva, 1989).
nais quando comparados aos outros. Quer dizer,
enquanto o conteúdo mais superficial é quase Déficit de habilidade
universalmente endossado, a intensidade e a rele­ Déficits de habilidade comportamental são
vância pessoal do esquema relacionadas ao sexo misturados com a noção de que disfuncionais
pode distinguir os disfuncionais de seus colegas. podem ter crenças e atitudes sobre sexo que os
Um lembrete importante é examinar a especifici­ predispõem a dificuldades para se tomarem excita­
dade cultural, e do grupo, de tais esquemas. Por dos. Em particular, ajustes de discrepância podem
exemplo, nós podemos saber alguma coisa sobre ser difíceis, devido a déficits de habilidades. Isto
as visões de sexo dos adultos mais velhos dos anos pode ser falta de experiência ou prática, ou, como
70, mesmo assim existe uma boa possibilidade descrito acima, pode ser o resultado direto dos es­
de que os adultos mais velhos nos anos 90 terão quemas sexuais (erotofobia), que alimentam certos
pontos de vista diferentes. comportamentos por serem “tabus”. Por exemplo,
Embora pouco tenha sido escrito diretamente leve em consideração um cenário comum de uma
sobre a visão que os sujeitos disfuncionais têm mulher que é não orgástica durante o coito. Se
de si mesmos, numerosas considerações clínicas ela se recusa a engajar-se na autoestimulação ou
sugerem que homens com disfunção erétil se receber a estimulação do parceiro, porque não
veem como “menos homens” (e. g., Zilbergeld, é “certo ” e ela “deveria” ser capaz de ter um
1992). Até mesmo o termo “impotência” sugere orgasmo da “maneira certa” (coito), é provável
a visão da sociedade de que o homem sem uma que sua disfunção permaneça. Aqui, suas crenças
ereção não é um “homem de verdade”. Além dos sobre comportamento sexual a impedem de tentar
dados anedotais e clínicos, Byme e colaboradores comportamentos que provavelmente a ajudariam
demonstraram que erotofobia é associada com a tomar-se orgástica.
dificuldades sexuais tardias (Byrne & schulte, O autorrelato, como discutido cm relação à
1990). Erotofobia - erotofilia refere-se “à dis­ erotofobia, sugere que os disfuncionais endossam
posição em responder a sinais sexuais ao longo um repertório comportamental limitado. Essa
de uma dimensão negativa - positiva de afeto e limitação pode ser conceituada tanto como uma
de avaliação” (Fisher, Byme, White & Kelley, habilidade quanto como um déficit de conheci­
1988, p. 123). Erotofobia é um conjunto cog­ mento. Tal déficit faria os disfuncionais menos
nitivo, presumidamente aprendido na infância, hábeis no ajuste de discrepância. Uma pesquisa
caracterizado pela associação entre certos sinais e de grande interesse indica que esta disposição é
comportamentos eróticos, com um afeto negativo associada a déficits em respostas comportamentais
(por exemplo, culpa). Da mesma forma, a pesquisa sexo-específicas, que incluem aprendizado sobre
cross-sectional do nosso laboratório sugere que sexo em um ambiente acadêmico e o uso efetivo
os disfuncionais são mais erotofóbicos que suas de contraceptivo (Allgier, 1983; Gerrard & Reis,
contrapartes funcionais (Jones, Carpenter, Bruce 1989; Goldfarb, Gerrard, Gibbons & Plank, 1988;

400
Conceituando o componente cognitivo da excitação sexual: implicações para a pesquisa e o tratamento da sexualidade

Fisher, Byme & White, 1983; Byme, 1990). Esta acordo com a demanda para aumentar sua intumes-
evidência sustenta a possibilidade, discutida acima, cência, eles também estavam menos cientes deste
de que os indivíduos erotofóbicos têm o risco de processo e em geral foram incapazes de descrever
desenvolver uma disfunção, porque seu esquema as estratégias que usaram para fazer estes ajustes
cognitivo não permite a acomodação e a assimi­ (J. G. Beck et al, 1982).
lação de novas informações, nem fornece a eles A pergunta que permanece é se a ausência
um repertório dc respostas comportamcntais para de habilidades representaria um déficit de habi­
aumentar a excitação. lidades que precipitaria uma disfunção, ou se a
Kelly e Strassberg (1990) descobriram que ausência de habilidades refletiría o resultado da
mulheres anorgásticas, além de relatarem atitudes própria disfunção sexual. Até certo ponto, isso
mais negativas em relação à masturbação, maior parece particularmente improvável, considerando
culpa sexual e maior confirmação de mitos sobre sua ligação com o construto disposicional da
sexo, especificamente relataram desconforto em erotofobia. Mesmo assim, esse fenômeno pode
se comunicar com seus parceiros sobre atividades resultar da desvinculação da tarefa, aspecto que
sexuais que poderíam aumentar sua excitação ou será discutido abaixo. Não obstante, essa questão
levar ao orgasmo, tal como a estimulação direta requer um exame prospectivo.
durante o coito. Poucas pesquisas como estas
foram diretamente estendidas aos disfuncionais. Expectativas de resultados negativos
Todavia, o foco da terapia sexual envolve ajudar Um terceiro fator que contribui para uma dis­
função sexual é a expectativa de resultado negativo
os clientes a modificar suas crenças sobre sexo e
a respeito do ajuste da discrepância. Os indivíduos
ensinar comportamentos que facilitem a excitação
incapazes de ajustar com sucesso seu compor­
e que indiretamente apoiem a noção de que os
tamento começarão a prenunciar a falha. Como
disfuncionais têm deficits dc habilidade.
descrito acima, a inabilidade de ajustar com sucesso
Uma avaliação mais formal de comportamen­ ou regular o comportamento pode ser o resultado
tos autoprescritos para funcionais e disfuncionais de diversos fatores. De acordo com a teoria de
ainda necessita ser examinada. Similarmente, seria regulação comportamental, as expectativas de
importante continuar a determinar a utilidade resultado negativo, sem levar em consideração
preditiva desta diferença da mesma maneira que sua fonte, promovem a desvinculação da tarefa
Byme e Schulte (1990). Isto é, se sabemos que os (cf., Carver & Scheier, 1988). Consequentemen­
indivíduos erotofóbicos se engajam em certos tipos te, a expectativa da falha toma-se suficiente para
de comportamentos com menos frequência (uma manter a disfunção. Assim, é importante ver o
diátese), nós podemos mostrar que eles têm um desenvolvimento de uma disfunção como um
risco para desenvolver uma disfunção? E, podemos processo, em que uma parte chave do processo
usar tal informação para prever o resultado do é o desenvolvimento de expectativas negativas a
tratamento? Por exemplo, aprender que sexo oral respeito da habilidade de um indivíduo para mediar
é perigoso ou proibido pode fazer um indivíduo a excitação, a fim de alcançar as necessidades e
vulnerável desenvolver uma disfunção sexual c, os objetivos do indivíduo. Isto provavelmente se
ainda, os indivíduos que possuem visão menos desenvolve após tentativas malsucedidas de mediar
rígida sobre os comportamentos prescritos em a excitação.
terapia sexual poderíam se sair melhor. Os resultados recentes do nosso laboratório
Diferenças em habilidades foram observadas sugerem que os disfuncionais, comparados a
em laboratório. Como revisado previamente, a evi­ suas contrapartes funcionais, relataram uma lista
dência de laboratório sugere que enquanto homens de pensamentos internos mais negativos, em
disfuncionais puderam ajustar sua excitação de resposta a conteúdo erótico (Bach et al, 1993).

401
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Esses pensamentos podiam ser conceituados como indivíduos disfuncionais aumenta as chances de
indicadores de expectativas de resultado negativo, um indivíduo prenunciar a falha, porque têm uma
conforme os pensamentos representaram o relato do pressão adicional das demandas externas, enquanto
sujeito de previsões associadas de falha ou medo os indivíduos funcionais não prenunciam a falha
autorrelevantes. Além disso, nenhuma diferença - e não têm nenhuma razão para isto.
foi encontrada entre o número dos pensamentos Interessantemente, um estudo recente, usando
positivos endossados pelos grupos. um paradigma de má atribuição, fornece forte evi­
A conceituação de expectativas de resultados dência de que a manipulação de expectativas pode
negativos pode ser relevante, dentro do contexto afetar extremamente a resposta sexual (Cranston-
de diversos paradigmas existentes, incluindo aque­ -Cuebas, Barlow, Mitchell & Athanasiou, 1993).
les que criam tais demandas tanto explicitamente Em um design intrassujeitos, homens funcionais
como implicitamente e aqueles que medem o foco e disfuncionais viram filmes eróticos, seguidos
atencional e, por isso, poderíam tomar tais expec­ pela ingestão de cada uma de três pílulas pla­
tativas salientes. Também, os estudos previamente cebo. Foi oferecida aos sujeitos uma substância
revistos sugerem que os homens disfuncionais inerte, enquanto eram informados de que isso
respondem mal aos paradigmas de laboratório, aumentaria, reduziría ou não afetaria sua ereção.
incluindo os de “preocupação com desempenho”. Surpreendentemente, como mostrado na Figura
Presumidamente, a demanda por desempenho em 18.4, indivíduos funcionais exibiram uma resposta

Figura 18.4 - Média de mudança na circunferência peniana nos sujeitos (funcionais e disfuncionais) ao
longo das três condições (placebo, aumento, redução). De Cranston-Cuebas, Barlow, Mitchell e Athasinou
(1993). Copyright 1993 pela Associação Americana. Reimpresso por permissão.

402
Conceituando o componente cognitivo da excitação sexual: implicações para a pesquisa e o tratamento da sexualidade

placebo reversa, respondendo com intumescência distorcido e assim achariam que a intumescência
aumentada frente à condição de manipulação de reduzida seria uma coisa “ruim”. Na condição de
redução (veja Figura 18.7). A intumescência na aumento, por outro lado, observa-se um conjunto
condição manipulação de redução foi maior do muito diferente de circunstâncias para o indivíduo
que a resposta obtida nas condições de aumento funcional. Existe menos “ameaça” em responder
ou de controle (não afetaria), para as quais não à discrepância, porque nenhuma discrepância é
houve diferenças. Indivíduos disfuncionais, entre­ esperada - foi dito a eles que ficariam excitados
tanto, responderam com um efeito placebo direto, e eles sempre ficam excitados.
exibindo intumescência diminuída frente à condi­ Aplicando o mesmo tipo de raciocínio para
ção de diminuição. Intumescência não diferiu nas o desempenho de indivíduos disfuncionais, a
condições de aumento e de controle. A excitação pílula de redução provavelmente amplia os seus
durante a condição de redução foi mais baixa que processos de resposta típicos, caracterizado por
a intumescência nas condições de aumento e de um importante aumento nas expectativas de
controle. Interessantemente, apesar das diferenças resultados negativos e uma confiança reduzida
na intumescência, não houve nenhuma diferença na habilidade para o desempenho. A pílula de
na excitação subjetiva, através das três condições, redução não desafiaria os disfuncionais como fez
para ambos os funcionais e disfuncionais. Além com os funcionais. Particularmente, esta condição
disso, a maioria dos sujeitos (70% dos funcionais, representaria a confirmação de seu status quo, que
60% dos disfuncionais) acreditou que as pílulas é, suas expectativas negativas. Portanto, eles têm
“ativas” não tiveram efeito em sua resposta erétil. poucas razões até mesmo para tentar responder.
Os funcionais acreditaram que as pílulas de au­ De fato, eles podem não estar engajados de forma
mento e redução tiveram 8% e 13.5% de controle, alguma na tarefa. Uma manipulação aumentada
respectivamente, sobre suas respostas de intumes­ somente aumentaria a intumescência se os indiví­
cência. Os sujeitos disfuncionais relataram 9% de duos disfuncionais mudassem suas expectativas de
controle para aumento e 24% de controle para a resultado, de tal forma que eles acreditassem que
redução. Os resultados desse estudo ilustram duas esta mudança ocorrería e que tinham habilidade
etapas importantes na regulação comportamental: para ajustar a excitação.
monitoração da discrepância e expectativas de Um assunto interessante é se mudando expec­
resultado. Aplicando um modelo autorregulador a tativas de resultado seria suficiente para quebrar
estes resultados, parece que os funcionais procura­ o ciclo de feedback negativo. É fácil imaginar
riam apenas reduzir a discrepância na condição de somente melhoras temporárias se habilidades
redução. Isto é, a eles foi fornecido essencialmente e cognições principais não são tratadas. Esse
o feedback de que não seriam excitados o suficiente fenômeno representa provavelmente a “cura”
e eles então usaram suas habilidades para reduzir temporária, algumas vezes experimentada por
a probabilidade desta discrepância antecipada. É indivíduos no início do tratamento. Em resumo,
aqui que eles notam ou têm sua atenção focalizada os indivíduos disfuncionais têm pouca confiança
no potencial para uma discrepância. Em resposta a na sua habilidade em tomarem-se excitados. Não
essa “ameaça” ou desafio, eles regulam seus com­ é improvável prenunciar a falha para qualquer
portamentos, isto é, aumentam a intumescência. atividade se você não estiver fazendo progresso.
Os funcionais têm as habilidades, expectativas
positivas do resultado e confiança na mudança do Evitação: desvinculação manifesta
efeito. É importante notar que esse engajamento ou encoberta
nos ajustes de discrepância depende da noção dc O quarto fator, caracterizando a disfunção da
que a maioria dos homens na cultura dos Estados excitação sexual, é a desvinculação da tarefa.
Unidos tem um esquema sexual um tanto quanto Dois aspectos da desvinculação são importantes

403
Fronteiras da Terapia Cognitiva

para compreender a etiologia e a manutenção das manifesto como a desvinculação da tarefa, exa­
disfimções sexuais. Primeiramente, os resultados minamos o autorrelato retrospectivo dos sujeitos
da desvinculação para a inabilidade em regular o sobre parar de tentar obter uma ereção, ou seja,
comportamento, que consequentemente pode ser desistiram quando eles perderam a ereção durante
caracterizado como um fator secundário. Isto é, o comportamento sexual do parceiro. Noventa
não é um fator preliminar ou de vulnerabilidade por cento dos homens que procuram ajuda para
como um esquema erotofóbico. Em segundo, a disfunção erétil relataram que eles desistiram.
desvinculação contribui também para a manuten­ Interessantemente, os homens foram distribuídos
ção do problema. em grupos relativamente iguais em relação à sua
A desvinculação da tarefa é uma resposta natural resposta relatada de desistência. Aproximadamente
para os indivíduos que duvidam da sua habili­ metade cessou o comportamento sexual completa­
dade de esperar e de lidar com a falha (Carver & mente, enquanto os outros relataram focalizar no
Scheier, 1988). A probabilidade da desvinculação prazer do seu parceiro até o clímax. Entretanto,
aumenta na presença da excitação fisiológica, que não há dados disponíveis sobre a resposta dos
aumenta a importância das cognições negativas. funcionais frente à dificuldade. Note-se que os
Para indivíduos que estão em uma situação se­ resultados preliminares para um estudo, no qual
xual, a retirada comportamental imediata pode homens funcionais e disfuncionais foram solicita­
se manifestar como “desistência”, após perderem dos a fantasiar sobre uma situação sexual bem ou
uma ereção e eventualmente com a redução na mal-sucedida, fornecem evidência indireta desta
frequência do comportamento sexual. evitação (Weisberg, Sbrocco & Barlow, 1994).
Na situação sexual, a desvinculação compor­ Desse modo, todos os homens disfuncionais
tamental não é sempre possível, devido a coisas recusaram-se a participar na fantasia malsucedida,
tais como confinamentos sociais e objetivos hierár­ enquanto nenhum dos funcionais se opôs. De fato,
quicos, que tomam a desvinculação “catastrófica” os funcionais tomaram-se igualmente excitados
(veja Carver & Scheier, 1985). Consequentemente, nas fantasias incorporando a dificuldade erétil. A
o desligamento pode ser expresso de forma en­ implicação é que os disfuncionais evitam engajar-
coberta, através de autodistração e pensamento -se em um comportamento para o qual eles não
desvinculado da tarefa. Além disso, a desvincu­ tenham “nenhuma chance” e tenham expectativas
lação encoberta pode ser difícil de manter, devido negativas. De fato, um componente preliminar de
aos sinais contextuais que estimulam o engaja­ tratamento para disfunção erétil é ensinar homens
mento na tarefa. O reengajamento desencadeia a a perder sua ereção e consegui-la novamente (e.
reexperiência do ciclo de ansiedade, expectativas g., Zilbergeld, 1992).
de resultado negativo, dúvida e desvinculação. Os dados do nosso laboratório sugerem que
Este ciclo, descrito por Carver e Scheier (1988) os indivíduos disfuncionais tentam o ato sexual
como ruminação autodeprecatória, é similar ao com menor frequência, e são controlados pela
construto do autofoco, usado por outros teóricos disponibilidade do parceiro. Além disso, um relato
(Sarason, 1975; Wine, 1982). Retornaremos a de estudo retrospectivo sugere que a frequência
uma conceituação de autofoco na literatura sobre antes do desenvolvimento da disfunção é similar
sexo após uma revisão de dados empíricos sobre à frequência do funcional. Enquanto isto pode
a desvinculação. parecer com uma afirmação óbvia, é importante
Segundo nosso conhecimento, o afastamento fornecer a evidência empírica do comportamento
e evitação manifestos receberam pouca atenção que a teoria de regulação comportamental conceitua
na literatura. Operacionalizando o afastamento como afastamento e evitação.

404
Conceituando o componente cognitivo da excitação sexual: implicações para a pesquisa e o tratamento da sexualidade

Atenção autofocada, distração e tarefa ou orientação para a tarefa, o engajamento


intermediário da tarefa focalizado no ajuste da
engajamento na tarefa
discrepância e o engajamento sustentado ou des­
A maior parte das evidências empíricas a res­ ligamento (veja Figura 18.5).
peito do foco de atenção sugere os mecanismos O engajamento de tarefa funcional começa com
esboçados no modelo, mas atualmente não é su­ atenção ao erótico seguido pelo ajuste de discrepân­
ficiente para concluir com alguma certeza o que cia e atenção sustentada ao erótico e engajamento
está ocorrendo na “caixa-preta”. Em essência, um de tarefa. Os indivíduos disfuncionais, entretanto,
modelo integrado de excitação sexual e disfunção fazem um trajeto diferente. Há uma razão para
sexual ilustra três estágios ou processos para exa­ acreditar que disfuncionais, pelo menos por um
minar o foco atencional. Estes estágios, ilustrados momento, focam no estímulo erótico. Entretanto,
na Figura 18.8, incluem: o engajamento inicial na sua inabilidade (ou inabilidade percebida) para

Figura 18.5 - Um modelo de disfunção social: implicações para examinar os processos atencionais.

405
Fronteiras da Terapia Cognitiva

regular os resultados da excitação em pensamento etiológicos e de manutenção para este processo


fora da tarefa e eventualmente retirada, observável começando com ajuste de discrepância. Ambas as
ou encoberta. Nós hipotetizamos, a fim de com­ tentativas funcionais e disfuncionais se ajustam ao
preender o foco atencional, que os pesquisadores comportamento. Entretanto, devido a uma gama
devem definir o estágio que estão examinando. de razões, o resultado para o indivíduo disfuncio­
Além do estágio do engajamento e status funcional, nal é a inabilidade de regular o comportamento.
a cronicidade da disfunção ou a sua gravidade, pode Este processo pode ser descrito em termos do
influenciar este processo. Suspeitamos, que quanto engajamento na tarefa. Assim, parece importante
mais experiência de fracasso os indivíduos têm, considerar a definição de engajamento na tarefa
menos eles tentam regular e, consequentemente, como atenção ao tema erótico. Desligamento na
gastam pouco tempo nos estágios iniciais. Em seu tarefa é caracterizado tanto pelo processo de se
extremo, isto se reflete na evitação completa do tomar desengajado como pelo conteúdo da ativi­
sexo. A conceituação da excitação sexual como dade cognitiva (sendo autofocada em afirmações
um processo possui implicações que funciona­ autodeprccatórias ou pensamentos não relacionados
riam para refinar nossas definições em termos da a sexo).
pesquisa de sexualidade, incluindo os construtos Na nossa visão, a diferença entre facilitação e
de distração e autofoco. O que segue é uma ten­ disfunção não depende da presença ou ausência
tativa de esclarecer o uso destes termos e, mais de autofoco por si, mas da diferença nos proces­
importante, definir os fenômenos que se propõem sos que acontecem com uma pessoa. O indivíduo
a caracterizar através do recurso aos aspectos de com expectativas favoráveis permanece “funcio­
autorregulação de nosso modelo. nalmente” engajado na tarefa, até quando está
altamente ansioso e altamente autofocado. Como
Definindo o autofoco resultado, a fenomenologia desta pessoa pode ser
Como Carver e Scheir (1988) e outros aponta­ conceituada como um foco na tarefa em vez de
ram, o termo “autofoco” pode ser potencialmente autofoco. Ainda, por um panorama autorregula-
mal compreendido e deve ser cuidadosamente dor, o autofoco está implícito nas tarefas de foco
operacionalizado. Autofoco está envolvido de al­ (Carver, Blaney & Scheeir & Carver, 1983). Quer
guma forma com o engajamento na tarefa funcional dizer, a fim de monitorar o comportamento no
ou disfuncional. Portanto, é importante definir desempenho da tarefa, um indivíduo deve focar
autofoco incorporando uma definição mais geral em si próprio. Para pessoas cujo desempenho é
(Ingram, 1990) e definir entendendo o construto, a deteriorante, o autofoco está em diferentes aspectos
medida que tem sido utilizada na área da pesquisa do self A atenção desta pessoa está focada nos
sobre sexo. déficits percebidos, nas dúvidas proeminentes e
Geralmente, o autofoco no contexto da pes­ nas maiores ramificações possíveis de incapacidade
quisa sobre sexo refere-se ao processo pelo qual de prosseguir diante do seu objetivo. De muitas
um indivíduo cuida da informação que origina de maneiras, esta conceituação é paralela àquela usada
dentro e se relaciona ao self. Isso é definido como em pesquisas de teste de ansiedade sugerindo que
um processo e como seu conteúdo. O conteúdo a facilitação ocorre para indivíduos se as suas
é hipotetizado para abranger o afeto negativo expectativas são favoráveis (Carver, Peterson,
e as autoafirmações negativas ou preocupações Follansbee & Scheier, 1983; Rich & Woovler,
relacionadas ao desempenho e especialmente o 1992). Quer dizer, sujeitos prestes a fazer o teste
afeto positivo e o foco erotofílico. O processo são todos igualmente excitáveis do ponto de vista
refere-se ao mecanismo pelo qual o foco se toma fisiológico. Entretanto, somente aqueles com dú­
autodeprecatório, particularmente a erotofilia. Re­ vidas executam pobremente (assumindo que eles
gulação comportamental proporciona mecanismos sabem o material, com certeza). Em resumo, na

406
Conceituando o componente cognitivo da excitação sexual: implicações para a pesquisa e o tratamento da sexualidade

literatura sobre sexo o autofoco foi frequentemente engajamento disfuncional na tarefa é o resultado
usado como um construto de “um ou o outro” no destes processos.
qual os disfuncionais foram conceituados como Assim, a distração na literatura existente pode
autofocados nas preocupações com desempenho, ser sinônimo tanto de engajamento ineficaz à ta­
em relação ao custo dos sinais eróticos. Pode ser refa quanto do desligamento dela. O engajamento
útil caracterizar a natureza do autofoco definindo ineficaz refere-se ao processo de regulação com­
não apenas a valência afetiva e a intensidade, mas portamental pelo qual os indivíduos focalizam
o contexto do foco como engajamento na tarefa inicialmente em sinais eróticos, na tentativa em
ou seu desligamento. Nesta ideia, descrita acima, ajustar seu comportamento, em encontrar expec­
ambos os grupos podem tentar engajamento na tativas de resultado negativas e assim por diante.
tarefa. Os focos funcionais em sinais eróticos e Esse processo pode representar o que é tipicamente
os focos disfuncionais fora da tarefa, depois de referido como um foco de preocupações com o de­
tentarem engajar e regular seus comportamentos. sempenho. O termo “distração” é usado geralmente
para indicar que a atenção está desviada do tema
Definindo distração erótico. Nós devemos ter cuidado para examinar a
O termo “distração” foi usado na literatura etiologia deste fenômeno ao invés de atribuir tudo
de sexo para descrever vários fenômenos. Em à distração. Enquanto essa diferença na definição
uma revisão anterior, distração também foi usada é sutil, destaca os mecanismos etiológicos. Simi­
como uma variável dependente em paradigmas de larmente, a distração pode ser uma classificação
laboratório examinando excitação sexual. Geral­ para o desligamento. Não há dúvida de que o foco
mente, distração se refere ao processo atencional, de atenção fora do tema erótico interfere com a
divergindo para fora do foco atencional “correto” excitação sexual. A chave disso é o processo pelo
(isto é, sugestões eróticas). Os mecanismos de qual os indivíduos exibem este desligamento.
ação a respeito do desempenho disfuncional Assim, pode ser mais útil definir o desligamento
têm focalizado na atenção autofocada crescente como o foco para fora da tarefa. A distração pode
de forma que as preocupações relacionadas ao consequentemente ser um processo ou um produto
desempenho tomaram-se proeminentes. Este pro­ deste foco disfuncional particularmente definido
cesso conceituou a “distração” e, às vezes, esta como um procedimento operacional preliminar.
definição implica que distração é deliberada ou Os paradigmas da distração descritos previa­
intencional. Similarmente, num primeiro momento, mente são importantes, pois fornecem as bases para
esta definição sugere que se nós pudermos impe­ a análoga disfimção social. Nós temos evidências
dir a distração, o resultado seria o desempenho mostrando que a distração afeta diferencialmente a
funcional. Os indivíduos disfuncionais podem excitação sexual em indivíduos disfuncionais que
parecer distraídos em quatro pontos ou durante não revelaram mudanças ou melhora suave quando
quatro processos: no engajamento inicial da tarefa, distraídos. Homens funcionais experimentaram
no ajuste da discrepância, no desligamento e no uma diminuição de intumescência inversamente
reengajamento despertado por pistas situacionais. proporcional ao nível de uma tarefa de distração.
Assim, os indicadores de distração podem incluir Isto é, quanto maior distração possui a tarefa,
as preocupações com o autodesempenho durante menor será a excitação. Presumidamente, isso
o engajamento na tarefa inicial, os pensamentos ocorre como resultado das limitações no sistema
fora da tarefa, durante o desligamento, ou ru­ de processamento de informação (por exemplo, o
minação da tarefa durante o reengajamento. A efeito do “congestionamento”). À medida que a
regulação comportamental sugere que enquanto as distração aumenta, a atenção erótica diminui. Os
preocupações com o desempenho provavelmente disfuncionais, entretanto, não são afetados pela
distraem indivíduos de um foco erótico, este distração, durante a exposição ao tema erótico

407
Fronteiras da Terapia Cognitiva

no laboratório (Abrahamson, Barlow, Sakheim disso, pouco tem sido operacionalizar a excitação
et al, 1985). fisiológica (apesar da intumescência) se por meios
É importante enfatizar que enquanto a distra­ psicofisiológicos ou pelo relato de sintomas físicos.
ção imita o processamento disfuncional sexual, Durante a década passada a pesquisa funcionou
isto não implica em causalidade para a distração para diferenciar a resposta sexual dos indivíduos
per se, como o mecanismo primário da ação. Os sexualmente funcionais e disfuncionais. Agora
estudos que manipulam a distração sugerem que os é o momento para ampliar estas descobertas
sujeitos funcionais que são distraídos parecem com focalizando nos mecanismos etiológicos e de ma­
os disfuncionais. Parece importante enfatizar que nutenção. A etiologia das desordens da excitação
o disfuncional pode focalizar em sinais eróticos; sexual de homens e mulheres surge da aplicação
entretanto, o processamento destes sinais não é de modelos autorreguladores em contraste com
a excitação. Há pouca dúvida de que a distração modelos descritivos de disfunção sexual. Crenças
interfere com o processamento de sinais eróticos não realistas e/ou mal adaptadas sobre o compor­
e de que as preocupações sobre desempenho (etc.) tamento sexual e uma definição pessoal de self
funcionariam para atrair a atenção de uma pessoa baseada nestas crenças funciona como uma diátese
na direção oposta a elas. Entretanto, estes pontos das desordens sexuais. Há evidência convergente
são secundários à autorregulação ineficaz. O as­ frente à existência e operação de autoesquemas na
sunto chave é como caracterizar o processamento disfunção sexual. Entretanto, informação adicional
de sinais incluindo mecanismos etiológicos e de é necessária. Tratados para documentar a existência
manutenção. Pode ser mais útil conceitualizar pro­ do esquema (Vitousek & Hollon, 1991) sugerem
cessos de disfuncionais de engajamento na tarefa a construção de evidências de uma variedade de
como ineficaz e/ou como desligamento ao invés indicadores “sugestivos, porém não suficientes”.
de distraído, destacando desse modo mecanismos Os métodos e as análises derivadas da ciência cog­
da ação. Bem como uma definição de conteúdo nitiva deveríam demonstrar ser mais informativo
deste engajamento ou desligamento é igualmente no estudo de operações e processos cognitivos
importante. em disfunção sexual. Por exemplo, vale a pena
explorar se a informação negativa sobre sexo
está mais elaboradamente codificada e recuperada
prontamente por indivíduos disfuncionais versus
Sumários e direções futuras funcionais. Além disto, a inclusão de estudos
Em geral, pesquisadores do sexo precisam da indução de efeito disfórico e positivo devem
melhorar a metodologia básica, examinar os adicionalmente elucidar a resposta diferencial
mecanismos de manutenção/etiológicos e exami­ dos funcionais e disfuncionais. Esses tipos de
narem empiricamente componentes do tratamento questões devem ser conceitualizadas no contexto
e seus resultados. As melhorias na metodologia do estágio de processamento ou regulação sendo
básica incluiríam melhor operacionalização das examinados. Cognições, afeto e comportamento
construções tais como a ansiedade e a distração, a com disfuncionais em estágios mais recentes do
incorporação de medidas de validade e talvez, mais início talvez reflitam as preocupações crescentes
importante, um foco no status de engajamento na com o desempenho, os movimentos para aumentar
tarefa. Muitos estudos não operacionalizaram ade­ a excitação, o afeto negativo moderado e similar
quadamente os afetos. Além disso, os estudos em aos funcionais, de certa forma um foco erótico.
geral examinaram um afeto em exclusão de outros Entretanto, o exame da informação processada em
afetos ou dimensões afetivas. Consequentemente, a um estágio tardio, tais como um desligamento,
maioria das descobertas a respeito do afeto existe pode apresentar um quadro muito diferente.
sem validade convergente ou divergente. Além

408
Conceituando o componente cognitivo da excitação sexual: implicações para a pesquisa e o tratamento da sexualidade

O próximo passo seria demonstrar experi­ sejam tratadas. Esse exemplo ilustra a importância
mentalmente o processo pelo qual os esquemas dos indicadores múltiplos de resultado. Enquanto
negativos influenciam o comportamento em situa­ existirem técnicas de terapia sexual, provavelmente
ções sexuais. Aqui nós esperaríamos redução na vários, se não todos os fatores mencionados acima
resolução de problemas. Quer dizer, faltaria aos sobre a avaliação sistemática de componentes do
disfuncionais a habilidade de descrever como eles tratamento - tanto a eficácia quanto os mecanismos
poderíam aumentar a excitação quando estivessem de ação - são necessários.
experimentando reduções. Homens disfuncionais Um modelo funciona heuristicamente para
podem ajustar seu nível de excitação sob certas conceituar componentes de tratamento e identificar
condições, e ainda serem incapazes de relatar variáveis de resultados importantes do tratamento.
como eles realizaram tal ajuste. Por outro lado, De maneira similar, um modelo nos possibilita
homens funcionais relatam prontamente seus meios
conceituar paradigmas de laboratório, projetado
de ação. O pobre desenvolvimento de habilidade
para manipular o experimento de funções dentro
e de resolução de problemas necessários para
do laboratório, e assim produzir respostas disfun-
ajustar a excitação leva os indivíduos à falha e
cionais. Os paradigmas de distração mostraram que
ao desenvolvimento de expectativas de resultado
a retirada ou a desatenção para os sinais eróticos
negativo. Outra hipótese é que o autorrelato da
prejudicam o desempenho. Em especial, manipu­
excitação percebida difere, dependendo do estágio
lando se a informação e a provisão de feedbacks
de processamento do indivíduo. De forma similar,
falsos pode ser útil em induzir expectativas ne­
essa diferença de habilidade deveria ser observada
gativas para os funcionais, embora seja provável
em populações não clínicas entre aquelas mais
que tais manipulações precisam ser repetidamente
altas na dimensão de erotofobia.
usadas numa sessão de laboratório para mimeti-
Como descrito anteriormente, o tratamento zar o mesmo tipo de experiência. Bem como as
surgiu a partir de uma crença na qual a redução da mudanças durante o período de tratamento podem
ansiedade seria a chave. Baseado na conceituação ser observadas com os indivíduos disfuncionais.
apresentada, poderiamos argumentar que não são o
Em resumo, é importante prosseguir em várias
relaxamento ou as técnicas de foco sensorial (pelo
áreas. Seguindo do modelo que nós apresentamos,
menos globalmente) que seriam os mais efetivos.
recomendamos pesquisas sobre o conteúdo dos
Em vez disso, são as estratégias que (1) influem
esquemas, o processamento esquemático, os dé-
diretamente nas crenças sobre sexo, o esquema
ficits de habilidade e os padrões de engajamento
sexual original, (2) constroem habilidades, (3)
e retirada. Como em qualquer área da psicopato-
influenciam as expectativas de resultado negativo
e (4) encorajam o engajamento, apesar da difi­ logia, a informação no curso de uma desordem é
culdade ou de “imperfeições”. Portanto, terapia imperativa, não somente para o tratamento, mas
sexual é uma maneira de lidar amplamente com por fim para a prevenção. Na área das disfunções
um indivíduo e suas crenças sexuais. Sem mudar sexuais temos pouca compreensão a cerca das
tais crenças básicas é difícil de proceder. Por bases empíricas ou dos mecanismos de ação de
exemplo, seria sem sentido simplesmente encorajar várias modalidades de tratamento.
um indivíduo que falhou repetidamente continuar Um objetivo primário na área da pesquisa de
a tentar “não importando com que”. Similarmente, sexualidade é adicionalmente desenvolver um mo­
um indivíduo em tratamento pode não perder mais delo baseado empiricamente de disfunção sexual
sua ereção e ainda assim manter estável a crença e, fazendo isso, fornecer uma base empírica para
de que é catastrófico perdê-la. Esse indivíduo avaliar estratégias de tratamento atuais e assim
seria visto como estando “em risco” de recaída, modificar/desenvolver novas técnicas se for neces­
a menos que as cognições catastróficas básicas sário. Terapia cognitiva fornece uma base teórica

409
Fronteiras da Terapia Cognitiva

firme da qual retiramos tanto técnicas de pesquisa Agradecimentos


quanto de tratamento. Técnicas de terapia de casais
são obviamente relevantes, bem como os métodos As opiniões ou afirmativas contidas neste texto
individuais. A complexidade do comportamento são as particulares dos autores e não devem ser
sexual em nossa cultura faz o foco cognitivo ger­ entendidas como oficiais ou como refletindo a vi­
minar para a área da sexualidade humana. Podemos são do Departamento de Defesa ou do Uniformed
nos considerar atualmente afortunados por termos Services University of the Health Sciences.
as ferramentas que permitem estreitarmos o nosso
foco e com isto oferecermos ajuda.

410
Conceituando o componente cognitivo da excitação sexual: implicações para a pesquisa e o tratamento da sexualidade

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Tennen, H., Hall, J. A., & Affleck, G. (1995). Rigor, rigor Watson (Eds.). Anxiety and depression: Distintive and
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415
Capítulo 19

Quando coisas ruins acontecem com


pessoas racionais: terapia cognitiva em

CIRCUNSTÂNCIAS ADVERSAS DE VIDA

Stirling Moorey

O paradoxo do sofrimento emocional Apesar do tormento experimentado, como


resultado dessas idéias autodegradantes, os
ma das maiores contribuições de Beck pacientes não são facilmente influenciados por

U para o campo da psicopatologia foi o


reconhecimento de que o “transtorno de
pensamento” não é restrito à psicose: os pacientes
com transtornos neuróticos apresentam distorções
evidências objetivas ou pela demonstração lógica
da irracionalidade dessas idéias. Além do mais,
eles geralmente praticam ações que parecem
aumentar seu sofrimento. O homem rico veste-
características nos seus padrões de pensamento -se com farrapos e humilha-se publicamente
(Beck, 1963). Em transtornos difusos de humor, pedindo dinheiro para seu próprio sustento e
tais como a depressão e a ansiedade generali­ de sua família. Um clérigo com uma reputação
zada, esses padrões de pensamento distorcido são impecável tenta se enforcar porque “Eu sou o
predominantes e envolvem erros sistemáticos no maior pecador do mundo”. Um cientista, cujo
processamento da informação disponível no mundo trabalho tenha sido confirmado por diversos
externo. O ambiente objetivo de uma pessoa com pesquisadores independentes, “confessa” publi­
um transtorno emocional é geralmente muito menos camente que suas descobertas eram um embuste.
adverso do que lhe parece. Beck descreve muito
bem o paradoxo da depressão cm seu texto dc 1967: Essa discrepância entre a realidade externa e
a realidade interna da pessoa deprimida resulta
Existe... um contraste espantoso entre a imagem de um consistente viés no processamento da in­
que a pessoa depressiva tem de si mesma e os formação. Na depressão, há uma visão negativa
fatos objetivos. Um homem rico queixa-se de abrangente de si mesmo, do mundo e do futuro:
não ter os recursos financeiros para alimentar a bem conhecida tríade cognitiva (Beck, 1967).
seus filhos. Uma beldade amplamente reconhe­ Na ansiedade generalizada, existe um viés se­
cida implora por uma cirurgia plástica devido melhante na interpretação do mundo, mas, nesse
à sua crença de que é feia. Um médico ilustre caso, o sujeito vê a si mesmo como vulnerável,
censura a si mesmo “por ser estúpido”. o mundo como perigoso e o futuro como impre­
visível (Blackburn & Davidson, 1990). Na teoria
Fronteiras da Terapia Cognitiva

de Beck, os transtornos de humor que persistem parte de um processo natural de sofrimento. As


em diversas situações são mantidos pelo aparato situações adversas de vida propõem, portanto,
cognitivo, impedindo que evidências desconfir- dois problemas para a terapia cognitiva padrão:
madoras tomem-se disponíveis para a pessoa em
sofrimento, devido às distorções das informações 1. Como a terapia cognitiva lida com pensa­
recebidas. Em outros transtornos emocionais, tais mentos negativos realistas? Existem talvez
como o pânico ou a hipocondria, o modelo cog­ momentos nos quais a vida é realmente tão
nitivo é ligeiramente diferente. Algumas crenças dura com alguém que poderiamos falar sobre
predispõem à ansiedade episódica observada nesses a ansiedade ou a depressão como sendo uma
transtornos. Pacientes que sofrem de crises de resposta “racional” a uma situação devas­
pânico podem geralmente ter crenças de que os tadora? E se for assim, podemos realmente
sintomas físicos são indicativos de uma catástrofe esperar fornecer ajuda através do uso de uma
iminente (por exemplo: palpitações são um sinal terapia que se baseia na premissa de que o
de um ataque do coração). Nesse caso, as crenças
pensamento ansioso e depressivo é ilógico?
disfuncionais levam à má interpretação de sintomas
físicos específicos, ao invés da tendência geral de 2. Como a terapia cognitiva lida com o processo
pensar sobre o mundo de uma forma distorcida. de ajustamento? Os modelos cognitivos de
depressão e ansiedade são, essencialmente,
Neste capítulo, estarei principalmente abor­
modelos de estados contínuos, mas as rea­
dando a depressão e a ansiedade generalizada.
O modelo de Beck aplica-se bem aos pacientes ções das pessoas à perda e ao trauma são
descritos acima, para os quais há um enorme geralmente parte de um processo de ajusta­
abismo entre as suas circunstâncias objetivas e a mento em andamento. A terapia cognitiva
sua experiência subjetiva, mas o que acontece se pode enfrentar o desafio dos transtornos de
a situação de vida da pessoa é verdadeiramente ajustamento?
estressante? Perder seu emprego em uma idade na
qual você tem pouca possibilidade de arrumar nova Neste capítulo, abordarei esses dois problemas,
colocação, enfrentar a morte de um ente querido, com referência especial às pessoas que sofrem de
ou desenvolver uma doença grave como o câncer, câncer, e discutirei sobre até que ponto a terapia
provavelmente geram pensamentos negativos rea­ cognitiva pode ser aplicada ao sofrimento emocio­
listas. Esses pensamentos podem ser representações nal vivenciado por esse grupo de pacientes. Espero
corretas de uma situação depressiva. Sabemos que mostrar que a teoria e a terapia de Beck têm, de
eventos estressantes na vida podem desencadear fato, muito a oferecer aos pacientes que enfrentam
a depressão (Brown, Harris & Copeland, 1977) dificuldades reais na vida, e que trabalhar com
e que o estresse contínuo, como os comentários eles pode ser tanto desafiador quanto gratificante.
críticos de um cônjuge, pode aumentar o risco de
recaída (Hooley, Orley & Teasdale, 1986).
Um teste da solidez da terapia cognitiva de Transtornos emocionais em pacientes
Beck é a amplitude de sua contribuição para a com câncer
depressão associada a circunstâncias negativas
de vida. Os pensamentos negativos verbalizados A morbidade psiquiátrica associada ao cân­
por esses pacientes podem refletir uma avaliação cer está bem documentada atualmente. Estudos
precisa das circunstâncias que os cercam. Mesmo realizados na América do Norte com pacientes
que esses pensamentos sejam distorcidos, poderia­ ambulatoriais e internados com vários tipos de
mos argumentar que eles são frequentemente parte câncer mostraram que 34-44% (Farber, Weinerman
de uma sequência natural de reações ao estresse, & Kuypers, 1984; Derogatis et al., 1983) atendem

418
Quando coisas ruins acontecem com pessoas racionais: terapia cognitiva em circunstâncias adversas de vida

aos critérios do DSM-III-R para transtornos psi­ o sofrimento emocional. Apesar dos desenvolvi­
quiátricos (sendo o transtorno de ajustamento o mentos de cuidados paliativos e do movimento
diagnóstico mais comum, seguido por ansiedade antimanicomial terem tomado a fase terminal da
e depressão). Apesar dos recentes avanços, mui­ doença mais suportável, ainda há uma morbidade
tos tipos de câncer ainda têm alta mortalidade psicológica importante.
e, embora a percepção pública tenha mudado, o
câncer ainda é visto como um diagnóstico aterra­
dor. Grande parte do sofrimento psicológico está
Realismo depressivo
associada ao medo da morte. Mesmo aqueles que
recebem um bom prognóstico deparam-se com A extensão do sofrimento emocional em pa­
um futuro incerto e a possibilidade de recidiva. cientes com câncer é, portanto, bem comprovada,
A maioria dos pacientes atravessa um período de mas podería esse sofrimento ser em grande parte
torpor e choque imediatamente após o diagnóstico, realista e racional? Tradicionalmente, os terapeu­
seguido por diversas reações emocionais, incluindo tas cognitivos têm afirmado que uma depressão
raiva, depressão e medo. Reações similares de racional não existe: tristeza não é depressão.
ajustamento ocorrem a cada novo estágio da Bums (1979), por exemplo, diferencia entre os
doença - início do tratamento, recidiva, e doença dois estados da seguinte forma: “Tristeza é uma
terminal. Parece que a maior parte da morbidade emoção normal, criada por percepções realistas
psicológica ocorre próxima a esses momentos de que descrevem um evento negativo envolvendo
crise. Silberfarb e Greer (1982) relataram que a perda ou decepção de uma forma não distorcida.
recidiva está associada a mais perturbações psi­ Depressão é uma doença que sempre resulta de
cológicas do que o diagnóstico. Não é somente pensamentos que são distorcidos de alguma forma”
a ameaça à sobrevivência que é estressante. Os (p. 205). Por exemplo, após o falecimento de um
tratamentos usados no câncer podem produzir ente querido, poderiamos pensar: “Eu a(o) perdí
efeitos colaterais que provocam muito sofrimento: a e vou sentir saudades do companheirismo e do
mastectomia está associada a dificuldades relativas amor que compartilhávamos”. Essa avaliação
à imagem corporal, baixa autoestima e problemas correta levaria a sentimentos de tristeza e perda.
sexuais que podem persistir por até dois anos após Se pensarmos: “Jamais serei feliz novamente.
a cirurgia (Maguire et al., 1978; Morris, Greer & Não é justo”, a avaliação inclui distorções como
White, 1977). A quimioterapia também produz a supergeneralização, a inferência arbitrária, e
uma morbidade psicológica substancial (Maguire, fazer exigências não realistas do mundo. Essa
Tait, Brooke & Selwood, 1980). Os pacientes interpretação levará à depressão.
enfrentam a perspectiva de meses de tratamento, Ao adotar essa posição, a terapia cognitiva está
que podem deixá-los indispostos devido a náu­ sendo fiel às suas raízes na filosofia estoica. Epic­
seas recorrentes, perda de cabelo e fadiga. As tetus (1983) aborda o tema da doença e da morte:
mulheres que perceberam que seus esforços de
enfrentamento eram ineficazes contra os efeitos A doença interfere no corpo, não no direito de
colaterais vivenciaram um sofrimento maior. A escolha do indivíduo, a menos que este direito
radioterapia, apesar de causar fadiga e desânimo, de escolha assim o deseje. A deficiência física
não parece causar tanta perturbação psiquiátrica interfere com o membro, não com o direito de
quanto a cirurgia ou a quimioterapia (Wallace, escolha do indivíduo. Diga isso a cada coisa que
Priestman, Dunn & Priestman, 1993). acontecer com você, já que você descobrirá que
No câncer avançado, os sintomas físicos da ela interfere com alguma outra coisa, não com
doença em si tomam-se importantes. Dor, imo­ você. (p. 327)
bilidade, náusea, e falta de ar contribuem para

419
Fronteiras da Terapia Cognitiva

O que angustia as pessoas não são as coisas em em pressionar ou não um botão, e como feedback,
si, mas os seus julgamentos sobre as coisas. Por receber ou não uma luz verde. Pediu-se aos sujeitos
exemplo, a morte não é algo terrível (ou então, que estimassem o grau de contingência entre a
ela teria parecido terrível a Sócrates), mas, ao tarefa c o resultado, isto é, quão frequentemente a
contrário, o julgamento sobre a morte ser terrível luz se acendeu em resposta ao ato de pressionar o
- isso é o que é terrível, (p. 326) botão. A contingência real foi manipulada experi­
mentalmente. Todos os sujeitos foram precisos nos
Em oposição direta a essa visão de que a graus de contingência de 25%, 50% e 75%, mas
depressão provém de julgamentos distorcidos, quando não havia relação entre os dois eventos,
mesmo diante da doença e da morte, existe a ideia os depressivos foram mais acurados. No entanto,
de que, na verdade, o depressivo tem uma visão isso ocorreu em circunstâncias muito especiais e
mais acurada da realidade do que o restante de nós os sujeitos não eram clinicamente depressivos. Va­
(Alloy & Abramson, 1979). Essa ideia também tem zquez (1987) demonstrou que, se a resposta fosse
uma linhagem ilustre. Freud fez uma referência um sinal mostrando uma afirmação autorreferente
indireta à autoimagem aparentemente realista do negativa, como “Meus problemas são insolúveis”,
depressivo em Mourning and Melancholia (Luto e a ocorrência real fosse 0%, os estudantes de­
e Melancolia) (Freud, 1917-1984). Com relação pressivos já não eram os mais precisos, mas eles
à tendência da pessoa depressiva a fazer comen­ o eram se o sinal mostrasse uma afirmação não
tários severamente críticos sobre si mesma, Freud autorreferente, como “Os problemas dos seres
(1917-1984, p. 255) destacou: humanos nunca serão resolvidos”. Outros estudos
com pacientes psiquiátricos depressivos mostraram
É que ele meramente tem os olhos mais aguçados que os depressivos tendem a subestimar o reforço
para a verdade do que as outras pessoas que não positivo. Considerando os estudos em conjunto,
são melancólicas. Quando em sua autocrítica não há muita evidência sugerindo que pacientes
intensa ele descreve a si próprio como insigni­ clinicamente depressivos realmente veem o mundo
ficante, egoísta, desonesto, sem independência... de forma mais precisa do que o restante de nós.
pode ser, até onde sabemos, que ele tenha che­ Concluindo, parece haver evidência de que a
gado muito perto da compreensão de si próprio; maioria de nós apresenta um leve viés positivo
nós apenas nos indagamos por que um homem na forma como vemos o mundo. Com a redução
tem que ficar doente para que ele possa ter acesso do humor, esse viés muda, e quanto mais baixo o
à verdade dessa forma. humor, maior a probabilidade de haver distorções
negativas de informação. Os pacientes clinicamente
Essas observações são consistentes com o depressivos têm uma visão distorcida, não realista
comentário melancólico de Freud de que “muito do mundo. É, portanto, concebível, que pacientes
será ganho se você conseguir transformar sua com doenças graves como o câncer demonstrem
desgraça histérica em infelicidade comum” (citado cognições distorcidas quando eles se tomam de­
cm Daintith & Isaacs, 1989). pressivos. Ainda não foram conduzidos estudos
O conceito de realismo depressivo é a teoria comparando os fatores cognitivos na depressão
de Beck vista ao contrário. O restante de nós é de pacientes com e sem doenças físicas. Parece,
que está vendo o mundo de uma forma distorcida, portanto, haver espaço para intervenções que iden­
colocando um brilho positivo no sofrimento. Al­ tifiquem as distorções no pensamento de pessoas
loy e Abramson (1979) relataram uma série de em situações adversas na vida, para ajudá-las a
experimentos nos quais eles compararam estu­ avaliar a situação com maior precisão e, dessa
dantes universitários depressivos e controles não forma, aumentar sua capacidade de resolução de
depressivos durante uma tarefa. A tarefa consistia problemas.

420
Quando coisas ruins acontecem com pessoas racionais: terapia cognitiva em circunstâncias adversas de vida

0 processo de ajustamento experimentados sentimentos intensos. Ao mesmo


tempo em que a natureza exata do processo de
As avaliações de indivíduos sobre os eventos ajustamento é tema de debate, há uma concordân­
negativos de vida não são estáticas. A maioria das cia geral dc que alguma forma dc processamento
pessoas reconhece que, em resposta a uma grande do significado cognitivo e emocional dos eventos
mudança nas circunstâncias de vida de um indi­ adversos de vida é necessária, e que isso leva
víduo, tem que haver um período de ajustamento, tempo. Os psicanalistas referem-se a isso como
durante o qual ocorre uma série de interpretações “elaboração” (Sandler, Dare & Holder, 1970),
cognitivas e respostas emocionais. Kübler-Ross enquanto autores com orientação mais cognitiva
(1970) foi um dos primeiros a descrever os estágios referem-se a isso como “processamento emocional”
de ajustamento a doenças terminais. Barraclough (Rachman, 1980). Horowitz sugere que um evento
(1994) resume a progressão do paciente com câncer importante na vida desafia nossa visão do mundo
através de vários estágios emocionais: e que, para lidarmos com isso, precisamos reajus­
tar nossos modelos dc funcionamento internos ou
1. Choque, torpor, ou descrença ao saber a ver­ “esquemas”, de modo a nos acomodarmos a essa
dade pela primeira vez; a má notícia parece nova informação. Quanto mais dramático o evento
demais para scr assimilada. Esse pode ser na vida - como um luto ou uma ameaça à vida -
chamado o estágio de negação, e geralmente maior a discrepância entre a nova informação e os
não dura mais do que alguns dias. esquemas existentes, e maior a tarefa de assimilar
a nova informação.
2. Sofrimento agudo à medida que a realidade
total se revela; ansiedade, raiva, tentativa de O modelo cognitivo de transtorno emocional
barganhar e protesto, geralmente durando de Beck foi desenvolvido tendo em mente estados
várias semanas. emocionais estáveis, tais como a ansiedade e a de­
pressão clínicas. Ele descreve os padrões cognitivos
3. Depressão e desespero, que também podem
fixos observados nesses transtornos. O modelo
durar várias semanas.
básico contém, naturalmente, uma interação entre
4. Ajustamento e aceitação gradual, geralmente os esquemas cognitivos subjacentes e eventos
levando vários meses. adversos de vida. As pressuposições subjacentes
sobre si mesmo e sobre o mundo desenvolvem-se
Tem havido uma tendência por parte de al­ durante a infância como resultado de experiências
guns autores a consolidar esses estágios, mas, formadoras. Na vida adulta, as pressuposições são
clinicamente, está claro que os pacientes não se geralmente latentes ou têm leve valência até que
amoldam a um padrão definido. Alguns demons­ ocorra um evento crítico na vida - um evento
tram aceitação desde o início, enquanto outros traumático com um significado idiossincrático.
podem mostrar reações tardias, somente demons­ Classicamente, a depressão é desencadeada por
trando sofrimento bem após o diagnóstico inicial. uma situação de perda. Nesse modelo, pouca
Já outros pacientes apresentam a negação através atenção é dada ao processo de mudança na au-
de todo o período de sua doença (Greer, 1992). A toimagem. O modelo anteriormente empregado
evidência empírica para a teoria dos estágios não é do self como sendo competente, merecedor de
grande (Silver & Wortman, 1991). Outros autores ser amado e valioso, é simplesmente substituído
conceituaram o processo de ajustamento de forma por outro modelo do self tido como incompetente,
diferente. Horowitz (1986) postula duas fases não merecedor de ser amado e sem valor. Essa
oscilantes: uma de emoções “supermoduladas”, mudança de estado pode, de fato, ser vista como
na qual a evitação e a negação são manifestadas, uma supressão do processo de assimilação da nova
e outra de emoções “submoduladas”, na qual são informação proveniente do evento crítico de vida.

421
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Uma vez que as pressuposições são rígidas, abso­ evento de vida significativo. Para se diagnosticar
lutas e globais, a flexibilidade não está disponível o transtorno de ajustamento, deve-se julgar que
para permitir um processamento emocional em o indivíduo está atravessando um processo que
pacientes que desenvolvem depressão maior ou eventualmente levará a um ajustamento adaptativo.
ansiedade generalizada. Isso é como olhar para uma bola de cristal. Uma
Estudos de pessoas em situações difíceis de vida parte desses pacientes irá desenvolver um trans­
têm mostrado que alta proporção do sofrimento torno depressivo maior, distimia ou transtorno de
emocional vivenciado é parte de um processo de ansiedade generalizada.
ajustamento. Em pacientes com câncer, vários estu­ Evidentemente, se um processo de ajustamento
dos usando os critérios do DSM-IV mostraram um estiver em andamento, a terapia cognitiva formal
nível de morbidade psicológica em tomo de 50%. pode ser inapropriada. Como Freud (1917-1984,
Um diagnóstico psiquiátrico formal, geralmente de p. 252) destacou em Mourning and Melancholia
ansiedade ou de depressão, está presente em 20% (Luto e Melancolia), o luto envolve “afastamentos
dos pacientes com câncer, enquanto 30% recebem graves da atitude normal em relação à vida”, mas
um diagnóstico de transtorno de ajustamento. A nós não pensaríamos em rotulá-lo como patológico
Tabela 19.1 mostra os critérios do DSM-IV para ou “tratá-lo”. Um relacionamento acolhedor, no
o transtorno de ajustamento. qual o paciente seja auxiliado a manifestar seus
O relacionamento entre o transtorno de ajusta­ sentimentos, será provavelmente suficiente para
mento e diagnósticos, tais como o transtorno de facilitar o ajustamento. Entretanto, existem duas
ansiedade generalizada e o transtorno de depres­ áreas nas quais as técnicas cognitivas podem
são maior, ainda não foi esclarecido. A distinção ainda ser úteis ao ajustamento. Primeiramente, o
é parcialmente referente ao tempo e também à pensamento excessivamente distorcido pode causar
severidade. Mas é possível aplicar um diagnóstico um sofrimento desnecessário (por exemplo, culpa
de transtorno de ajustamento se todos os critérios inapropriada) e pode ser legitimamente abordado.
para um outro diagnóstico não forem preenchidos Em segundo lugar, as crenças disfuncionais podem
e o paciente estiver sofrendo em resposta a um influenciar o processo de ajustamento, e, assim,

422
Quando coisas ruins acontecem com pessoas racionais: terapia cognitiva em circunstâncias adversas de vida

impedir o seu progresso. Williams et al. (1995) Terapia cognitiva para a ansiedade
sugeriram que as crenças relacionadas à expressão
e a depressão “realistas”: algumas
emocional podem estar associadas ao desenvolvi­
mento do transtorno de estresse pós-traumático, sugestões clínicas
após a ocorrência de um trauma importante. A Sra. A era uma mulher de 50 anos, enca­
Há alguma evidência de que a terapia cognitiva minhada para o tratamento de uma depressão
pode contribuir um pouco mais do que uma simples secundária ao seu câncer. Ela havia sofrido de
terapia de apoio para pacientes com reações dc ajus­ polimialgia reumática por 20 anos. Nos últimos
tamento. Numa recente pesquisa de pacientes com anos, o quadro havia piorado e ela estava se tor­
câncer, que apresentavam reações de ajustamento nando cada vez mais limitada em suas atividades
e que foram encaminhados à terapia, distribuímos físicas. Ela parou de trabalhar porque, se exe­
os sujeitos aleatoriamente a 8 semanas de terapia cutasse qualquer tarefa que exigisse um esforço
psicológica adjuvante (APT; Moorey & Greer, moderado, sofria fortes dores. No ano anterior,
1989), ou para aconselhamento não diretivo. As descobriu que tinha um câncer de mama, que
mudanças ocorridas nas avaliações aplicadas no foi tratado com sua extirpação e radioterapia.
início da pesquisa e após 8 semanas demonstra­ Depois desse episódio, ela se tomou depres­
ram diferenças importantes entre os tratamentos. siva, mas sc recusava a admiti-lo. Ela não tinha
A terapia psicológica adjuvante produziu mais nenhum prazer na vida, achava difícil tomar
mudanças do que o aconselhamento no espírito decisões, não conseguia se concentrar e tinha
de luta, na desesperança, na ansiedade e em uma distúrbios no sono e no apetite. Ela era muito
medida de enffentamento do câncer. A mudança autocrítica e encarava sua inabilidade de fazer o
entre a linha de base e a avaliação após 4 meses que costumava fazer antes como um fracasso. Na
mostraram que estes efeitos haviam persistido verdade, ela via a si própria como um fracasso
com relação a espírito de luta, à ansiedade e ao total. Embora tenha chegado a aceitar que estava
Cancer Coping Questionnaire, mas não em relação depressiva, ela ainda pensava que deveria fazer
à desesperança. as coisas que as outras pessoas estavam fazendo,
apesar de sua doença física e mental.
Um exame da proporção de pacientes que
preenchiam os critérios de seleção após 8 semanas
A interpretação inicial desta mulher sobre sua
e após 4 meses revelou que a maioria dos pacientes
situação foi precisa:
(100% em terapia psicológica adjuvante e 82% em
aconselhamento) atingiu índices maiores do que
“Devido à minha deficiência, eu não posso fazer
8 em ansiedade no início. No grupo em terapia
as coisas que costumava fazer.”
psicológica adjuvante, esses números caíram para
48% após 8 semanas e 29% após 4 meses. No
De acordo com o modelo cognitivo, seria de se
grupo de aconselhamento, as mudanças foram
esperar que isso induzisse sentimentos de tris­
consideravelmente menores: 68% após 8 semanas,
teza. Mas, então, ela se impôs exigências sobre
e 71% após 4 meses ainda atendiam aos critérios como ela deveria estar agindo:
de inclusão para ansiedade.
A área de ajustamento ainda não foi completa­ “Eu deveria estar fazendo mais para cuidar da
mente coberta pela teoria cognitiva de Beck e é uma casa e do meu marido”.
área fértil para pesquisa. Na próxima seção, farei
considerações sobre como as técnicas cognitivas Então ela supergeneralizava a partir disso, fa­
podem ser aplicadas aos transtornos emocionais zendo previsões negativas e globais sobre o futuro
“racionais” e aos transtornos de ajustamento. e sua habilidade de enfrentamento:

423
Fronteiras da Terapia Cognitiva

“Eu não consigo enfrentar”. sentimentos, ela poderia ter sido capaz de trabalhar
a tristeza e a perda sem que isso se transformasse
“Eu sou um fracasso”. em depressão. O que vem a seguir são algumas
sugestões práticas de como aplicar as técnicas cog­
Quanto mais ela olhava ao redor, mais encon­ nitivas e comportamentais em situações nas quais
trava evidências para as suas deficiências, que os pensamentos automáticos negativos parecem
formavam seu estado depressivo. Essa paciente, inicialmente realistas e a resposta de depressão
durante os anos de convivência com sua doença, ou de ansiedade, uma resposta racional. Apesar de
tinha desenvolvido a crença de que ela deveria ter sido derivado, em sua maior parte, do trabalho
sempre enfrentar e nunca mostrar qualquer fra­ com pacientes com câncer e seus familiares, esse
queza, e, além disso, que se ela expressasse seus esquema é igualmente aplicável ao luto, a outras
sentimentos negativos ou buscasse apoio nos outros perdas e a alguns estados pós-traumáticos.
ela seria um fardo e um fracasso. O estresse do
câncer, juntamente com uma deterioração de sua Reconhecendo e facilitando o processo de
mobilidade física, a fez sentir-se naturalmente ajustamento
triste, mas sua pressuposição significava que: (1) O terapeuta deveria, em primeiro lugar, de­
ela não podia expressar essa tristeza para ninguém; finir se o sofrimento emocional do paciente é
(2) ela percebia seu sofrimento e incapacidade parte de um processo de ajustamento. Em caso
como sinais de fracasso. positivo, pode não ser apropriado intervir com a
A terapia consistiu de uma combinação de terapia cognitiva formal. Em settings de triagem,
medicação antidepressiva e terapia cognitiva. O os pacientes podem, às vezes, ser encaminhados
terapeuta explicou o quanto dc seu pensamento fora simplesmente porque estão passando por um sofri­
distorcido por sua doença depressiva. Foram-lhe mento emocional ou estão manifestando choro ou
prescritas tarefas comportamentais, que a enco­ raiva. Essas reações podem ser reações passageiras
rajavam a fazer as coisas que ela ainda era capaz a más notícias, ou efeitos colaterais do tratamento
de fazer, mas das quais havia desistido por causa ou de outras mudanças de circunstâncias. A sinto­
de sua depressão. Ela aprendeu a reconhecer suas matologia nesses casos pode ser tão séria quanto
frequentes afirmações referentes ao que “deveria” uma doença depressiva ou um estado de ansiedade,
fazer, e, gradualmente, aprendeu a desafiá-las mas o distúrbio afetivo é parte da tarefa contínua
com pensamentos mais construtivos. Ao invés de de aprender a lidar com o recente evento de vida.
desafiar os pensamentos realistas sobre a perda, Uma intervenção cognitivo-comportamental não
o terapeuta na realidade a encorajou a expressar é necessária a uma reação de ajustamento desse
esses pensamentos e sentimentos e a ajudou a tipo, porque o que parece ser um humor muito
distinguir entre essa tristeza realista e a depressão. baixo em um dia, pode estar elevado no dia se­
Esse caso demonstra como uma resposta aparen­ guinte. Por exemplo, um paciente com câncer pode
temente “racional” para uma situação negativa na sentir uma forte ansiedade antecipatória antes de
vida pode ainda ser tratável pela terapia cognitiva, um check-up, mas assim que os resultados das
se for dada atenção a qual pensamento distorcido investigações mostram que a pessoa está livre da
pode estar presente. Ele também demonstra o papel doença, a ansiedade desaparece.
das crenças no bloqueio do processo normal de Num estudo que avaliou a eficácia de uma
ajustamento. Nesse caso, a crença da paciente de intervenção cognitivo-comportamental no câncer,
que ela sempre deveria lutar e que demonstrar os pacientes foram selecionados utilizando-se uma
sofrimento era um sinal de fraqueza impedia que medida de autorrelato para avaliar a ansiedade e a
ela reconhecesse a realidade da perda gradual de depressão {Hospital Anxiety and Depression Scale;
sua mobilidade. Se tivesse podido expressar seus Zigmond & Snaith, 1983), dentro de um período de

424
Quando coisas ruins acontecem com pessoas racionais: terapia cognitiva em circunstâncias adversas de vida

3 meses após o diagnóstico ou a primeira recidiva. do processo (causando o sofrimento crônico).


Setenta e oito por cento alcançaram escores dentro Williams, Hodgkinson, Josephs e Yule (1995)
da amplitude clínica para ansiedade na avaliação sugeriram que a crença de que é uma fraqueza
inicial, mas após rcccbcrcm terapia ( 1 - 2 sema­ ou é inaceitável demonstrar sentimentos intensos
nas mais tarde) esse índice havia caído para 47% pode impedir o processamento emocional que se
(Greer et al.9 1992). Avaliações cruzadas podem, segue a um trauma e predispor a um transtorno
portanto, incluir um alto percentual de pacientes, de estresse pós-traumático.
cujo sofrimento irá ceder espontaneamente em A senhora A acreditava que não deveria sobre­
curto prazo. Nem sempre é possível prever quais carregar ninguém com seus problemas e insistiu
pacientes continuarão a apresentar problemas com em tentar enfrentá-los sozinha. Isso a impediu
o ajustamento, sendo, portanto, difícil saber quando de compartilhar seus pensamentos e sentimentos
intervir e quando deixar a natureza seguir seu curso. com seu marido, o que podería ter permitido tanto
O tempo decorrido desde a situação adversa de um sofrimento adequado frente à sua perda de
vida é, obviamente, um fator a ser considerado. A independência e atividade, quanto encorajado os
evidência de mudanças nas emoções - por exem­ testes de realidade de suas cognições distorcidas
plo, de depressão para raiva - pode indicar que o sobre ser uma pessoa inútil. Algumas evidências
processo de ajustamento ainda está acontecendo. sugerem que os pacientes com câncer têm maior
Um terceiro fator a ser considerado é o grau de probabilidade de suprimir as emoções negativas
distorção na avaliação feita pelo paciente sobre (Greer & Morris, 1975) e, então, é possível que a
a situação. Nesses casos, medidas simples, não facilitação da expressão emocional possa ter um
diretivas e de apoio podem ser suficientes. Na importante papel em qualquer intervenção psico­
realidade, introduzir uma abordagem focada no lógica com esse grupo de pacientes (Moorey &
problema muito cedo podería, em tese, interromper Greer, 1989). As pressuposições básicas referen­
o processamento emocional. tes à conveniência ou segurança de expressar as
Os problemas psicológicos, vivenciados por emoções parecem estar relacionadas ao sofrimento
alguns pacientes como resposta a um evento de tardio ou reprimido relativo à perda, ou ao proces­
vida crítico, parecem fazer muito sentido se en­ samento incompleto do trauma. Se considerarmos o
tendidos como o resultado de uma interrupção do sofrimento crônico, um outro conjunto de crenças
processo de ajustamento àquele acontecimento de está envolvido, relacionados à aceitação da perda
vida. Isso se aplica, particularmente, a traumas ou e a dar andamento à reconstrução da própria vida.
perdas, que podem destruir o equilíbrio da vida Os dois exemplos de casos a seguir ilustram como
de um indivíduo. Murray-Parkes (1965) dividiu as as crenças podem prender uma pessoa a um estado
reações anormais de sofrimento em duas categorias: de sofrimento crônico.
sofrimento reprimido e sofrimento crônico não
resolvido. A partir de uma perspectiva cognitiva, A mãe da senhora B havia falecido de um câncer
é interessante perguntar quais poderíam ser os de mama há 9 anos. Durante todo esse tempo,
fatores que predispõem a essas reações anormais a Senhora B nunca havia realmente aceitado a
de sofrimento e aos estados análogos de proces­ morte de sua mãe. Ela pensava frequentemente
samento incompleto observados no transtorno de sobre o quanto sentia a sua falta, e havia se
estresse pós-traumático. É possível que determi­ tomado marcadamente fóbica com relação a
nadas pressuposições básicas possam influenciar qualquer coisa relativa a câncer ou doença.
o processo de aprender a lidar com o trauma, Ela não podia assistir a nenhum programa de
seja impedindo a expressão emocional necessária televisão relacionado a hospitais ou medicina.
para envolver-se no processamento (provocando Ela tinha crises de choro desencadeadas por
o sofrimento reprimido) ou evitando a finalização indícios relacionados a doenças e tinha muito

425
Fronteiras da Terapia Cognitiva

medo de que ela própria desenvolvesse câncer. forma diferente, que permite que elas sejam
Parecia que sempre tinha sido muito próxima de superadas.
sua mãe e, sendo a mais jovem da família, era
de alguma forma protegida. A mãe foi tratada O segundo caso ilustrativo também se refere ao
do câncer de mama com sucesso, mas após um tema da culpa pela perda de um ente querido, mas
período de vários anos sem a doença, desenvol­ desta vez é uma forma de culpa do sobrevivente,
veu metástases no cérebro e faleceu. Nos últimos associada à crença de que criar uma nova vida
dias antes de sua morte, a paciente foi mantida para si é, de certa forma, ser desleal para com a
distante do leito da mãe, porque a família achava pessoa que se foi.
que ela não seria capaz de enfrentar a situação.
Consequentemente, ela nunca completou seu A senhora C era uma professora com 40 anos de
sofrimento: ainda era perturbada por imagens idade, cujo marido havia falecido de leucemia
negativas intrusivas de sua mãe com aparência um ano antes. Enquanto ele estava doente, ela
fraca e doente, e não conseguia acessar lembran­ descobriu um nódulo no seio, identificado como
ças positivas e felizes dela. maligno. Ela teve que enfrentar o diagnóstico
À medida que o terapeuta explorava as crenças e o tratamento enquanto se preparava para a
da paciente sobre a morte da mãe, tomou-se claro morte do seu marido. Alguns meses depois,
que a Senhora B culpava-se pela morte. No ano ela se tomou clinicamente depressiva. Achava
anterior, elas tinham estado num piquenique e que não tinha sido realmente capaz de lidar
a filha acidentalmente atingiu a cabeça de sua com sua própria doença, porque havia estado
mãe ao fechar o porta-malas do carro. Ela estava muito ocupada enfrentando a doença de seu
convencida de que a pancada havia causado a marido. Agora ela sentia seu humor baixo, sem
recidiva do câncer e sua culpa a impediu de motivação e incapaz de obter qualquer prazer
compartilhar seus pensamentos com qualquer da vida. Quando, como uma intervenção para
outra pessoa. Esse mito de que uma pancada ajudar a motivá-la a envolver-se com a terapia,
pode causar o desenvolvimento de um câncer o terapeuta perguntou se seu marido gostaria de
não é tão raro e existe até mesmo em outras vê-la tão triste, ela afirmou que ele gostaria! Ela
culturas. Compartilhar sua culpa secreta e testar acreditava que ele genuinamente não iria querer
a realidade de sua atribuição com informações que ela aproveitasse a vida sem ele. Acabou
adequadas fornecidas pelo terapeuta permitiu surgindo que ele era um pouco mais velho do
que ela visse que sua crença era equivocada. que ela e havia tentado guiá-la e controlá-la.
Ela imediatamente sentiu uma enorme sensação Quando estava morrendo, ele havia lhe pedido
de alívio e debulhou-se em lágrimas, dizendo: que nunca se casasse novamente. Agora ela tinha
“Eu me sinto melhor por saber que não a matei, a crença de que, se reconstruísse sua vida sem
mas eu também me sinto muito triste, porque ele e conseguisse ser feliz, estaria sendo desleal.
agora tenho realmente que dizer adeus a ela”. Essa ideia de que a felicidade é igual à desleal­
Em seguida realizou com sucesso exposições dade não é incomum nas pessoas enlutadas. A
autodirigidas a memórias negativas, conforme terapia para essa paciente envolveu o exame das
usado no luto dirigido (Mawson, Marks, Ramm motivações de seu marido para tentar controlar a
& Stem, 1981) e em poucas semanas conseguiu sua vida após a própria morte e o entendimento
completar o processo de sofrimento que havia de como isso poderia ser derivado da sua própria
estado incompleto por tanto tempo. Esse é um vulnerabilidade e da sua forma de lutar com a
exemplo dramático de como a correção de uma morte iminente. Também foi necessário desafiar
crença equivocada pode ser a chave que abre a o mito cultural de se honrar as promessas feitas
porta para vivenciar emoções dolorosas de uma no leito de morte. Ao longo de oito sessões, a

426
Quando coisas ruins acontecem com pessoas racionais: terapia cognitiva em circunstâncias adversas de vida

paciente foi capaz de reconhecer algumas das raiva pode ser dirigida à família, aos médicos e
qualidades menos desejáveis de seu marido e às enfermeiras, ou a Deus. Enquanto em alguns
a expressar raiva perante sua atitude controla­ casos ajudar os pacientes a expressar a raiva pode
dora em relação a ela. Foi com uma mistura de scr terapêutico, cm outros casos é necessário o
rebelião e liberação da culpa que ela finalmente desafio direto das inferências distorcidas (Moorey
acendeu uma fogueira no jardim - ele nunca & Greer, 1989).
havia permitido que ela fizesse isso enquanto Uma das distorções mais comumente encon­
ele estava vivo. tradas é a supergeneralização. A sensação de
desamparo e desesperança, sentida como uma
Esses dois casos ilustram como o sofrimento consequência direta de uma doença séria, perda
mórbido, uma condição visível que requer apoio, de um ente querido, ou de algum outro desastre,
empatia e expressão catártica das emoções, pode pode às vezes se generalizar para o todo da vida.
ainda beneficiar-se da abordagem cognitiva Bec- Ao invés de avaliar realisticamente uma perda
kiana. Crenças disfuncionais podem tanto reprimir que é séria, mas, não obstante, apenas parte da
como prolongar as reações de ajustamento, e o própria vida, para o indivíduo parece que tudo está
reconhecimento c a revisão dessas crenças pode perdido. Essa reação em pacientes com câncer foi
permitir que o processo de ajustamento comece denominada de um estilo de ajustamento de “de-
ou avance. samparo/desesperança” (Moorey & Greer, 1989).
Por exemplo, pacientes submetidos à radioterapia
Identificando e desafiando as cognições podem concluir que, uma vez que estão cansados
Naturalmente, o cerne de qualquer terapia que demais para fazer as coisas agora, eles nunca vão
utilize a abordagem de Beck com pacientes que es­ recuperar sua energia; uma vez que sua incapaci­
tejam enfrentando circunstâncias adversas de vida dade física os impede de desfrutar suas atividades
estará na identificação de pensamentos automáticos usuais, não há nada que eles possam desfrutar. A
negativos e na sua reestruturação. Dar nomes aos supergeneralização pode estar combinada com o
erros cognitivos, corrigir pensamentos equivocados pensamento tudo ou nada; por exemplo, “A menos
através da descoberta guiada em sessão, e desafiar que eu possa fazer tudo o que eu fazia, não há
as cognições através do uso de diário de pensa­ sentido em fazer coisa alguma”. Isso impedirá
mentos e de experimentos comportamentais, são então que os pacientes investiguem novas formas
todas intervenções tão aplicáveis a pacientes com de obter prazer ou sucesso, que possam ser me­
problemas sérios na vida real quanto a quaisquer nos cansativas do que atividades anteriores. Os
outros pacientes. O terapeuta deve estar pronto detalhes de como as técnicas da terapia cognitiva
para explorar aquilo que, na superfície, parece ser padrão podem ser aplicadas a pacientes com cân­
um sofrimento compreensível e perguntar o que cer podem ser encontrados em Moorey e Greer
poderia estar distorcido nas percepções do paciente (1989). Ao utilizar essas técnicas com pacientes
sobre a sua situação. A culpa e a autocensura são em dificuldades reais, é importante enfatizar o
reações que já foram discutidas e são em geral papel da empatia. Os pacientes precisam sentir
muito rapidamente tratadas com o uso das técnicas que você entende porque eles estão tão atormen­
cognitivas. A busca do significado diante de eventos tados e que eles têm o direito de ver as coisas da
negativos produz um solo fértil para a germinação forma como as veem. Muitos terão ouvido várias
de atribuições causais negativas. Alguém ou alguma pessoas lhes dizendo para lutar e recompor-se. A
coisa deve ser culpado. Dessa forma, o paciente ênfase de Beck na natureza colaborativa da terapia
pode fazer uma atribuição interna e censurar a si cognitiva oferece o meio ideal para trabalhar com
mesmo, induzindo culpa, ou fazer uma atribuição esses pacientes. As abordagens psicodinâmicas
externa e culpar os outros. No caso do câncer, a podem fazer com que os pacientes sintam que

427
Fronteiras da Terapia Cognitiva

a terapia é distante e fria, quando eles querem o Identificando o significado pessoal das cognições
contato humano em um momento de grande ne­ negativas “realistas”
cessidade. O aconselhamento não diretivo, que é A abordagem radical para esses pensamentos
amplamente utilizado com estes tipos de reações negativos adota uma das máximas fundamentais
de ajustamento, permite que o paciente se sinta de Beck: “Não faça suposições.” Muito frequente­
compreendido e então legitimado, mas pode não scr mente, nossa própria resposta empática (solidária)
suficiente para ajudá-lo a desenvolver estratégias às pessoas que estão atravessando circunstâncias
de enffentamento. Outras abordagens cognitivas, terríveis significa supormos que sabemos o que elas
que são mais confrontativas, tais como a terapia querem dizer. Considere, por exemplo, a questão
racional emotiva, podem levar os pacientes a da morte. Se alguém experimenta pensamentos
sentir-se incomodados. O empirismo colaborativo frequentes, dolorosamente intrusivos sobre sua
de Beck permite empatia suficiente para que os morte iminente, somos inclinados a sentir pena
pacientes se sintam compreendidos, juntamente dele e entendemos que seu sofrimento psicoló­
com uma participação conjunta na resolução dos gico é perfeitamente natural. Mas o que os está
problemas. angustiando? Para cada um, a morte terá um sig­
nificado especial. Para uma pessoa pode ser a dor
Explorando pensamentos negativos “realistas” e o sofrimento implícitos, para outra o desamparo
Embora não seja fácil de executar, não é difícil prolongado; um homem solteiro pode ter medo de
perceber como as técnicas da terapia cognitiva morrer sozinho; uma jovem mãe pode temer as
padrão podem ser aplicadas às cognições que consequências de sua morte para seus filhos. Sua
mostram erros de pensamento característicos (ver resposta emocional como terapeuta ao sofrimento
a Tabela 19.2). Mas e quando os pensamentos psíquico do paciente que está morrendo pode ter
negativos são interpretações realistas das situações mais a ver com sua própria atitude perante a morte
nas quais as pessoas se encontram? Os pensamen­ do que com uma compreensão exata do paciente.
tos de preocupação que um paciente de câncer A natureza idiossincrática de nossa resposta
tem geralmente referem-se a uma possibilidade a fenômenos universais é bem evidenciada por
realista de morte; uma pessoa enlutada, que pensa pacientes hipocondríacos. O significado pessoal
continuamente que ninguém jamais será capaz de da doença e da morte pode ser muito específico
substituir a pessoa amada, está correta; um pa­ e às vezes até mesmo bizarro. Geralmente ele
ciente com transtorno de estresse pós-traumático terá alguma origem na experiência passada dos
pode avaliar com melhor precisão o risco de ser pacientes, que influenciou a forma como eles cons­
atacado em certas partes da cidade do que nós. tróem o mundo. Por exemplo, um paciente com
O que a terapia cognitiva de Beck pode oferecer ansiedade crônica relacionada à saúde, apesar de
para esses tipos de pensamentos? De fato, eles ter uma variedade de sintomas físicos flutuantes,
podem ser os pensamentos automáticos negativos sempre temia que fossem sinais de câncer. Quando
mais frequentemente relatados por esses pacientes solicitado a fazer associações à ideia do câncer,
e obscurecer os pensamentos mais obviamente ele tinha uma imagem de si mesmo sozinho em
distorcidos. Creio que há uma solução pragmá­ uma cama de hospital “desligado e desconectado”.
tica e uma solução radical para lidar com eles. Aos 4 anos de idade ele havia sido cuidado por
A solução pragmática é aceitar os pensamentos uma vizinha ao lado, por um curto período de
e ajudar o paciente a desenvolver estratégias de tempo, enquanto sua mãe estava no hospital dando
enfrentamento apropriadas. A solução radical é à luz. Ele desenvolveu uma infecção no ouvido
procurar o significado mais profundo por trás dos que ficou sem tratamento até que sua mãe voltasse
pensamentos automáticos negativos, para buscar para casa. Por causa disso, teve de ser internado
mais distorções cognitivas. em um hospital por várias semanas. Ele descrevia

428
Quando coisas ruins acontecem com pessoas racionais: terapia cognitiva em circunstâncias adversas de vida

que “envergonhava” a si mesmo, gritando todas as nessas circunstâncias, mas em alguns pacientes
vezes que sua mãe ia embora após visitá-lo. Inicial­ eles não parecem ser parte de um processo de
mente, o terapeuta pensou que essas experiências sofrimento antecipatório e podem estar associados
tinham levado a um medo objetivo de abandono, a um sofrimento extremo. Nesse caso, procurar o
mas um questionamento mais aprofundado reve­ significado pessoal da morte pode ser muito útil. A
lou que, para esse paciente, o câncer era sempre preocupação, nessas circunstâncias, não é diferente
incurável e, portanto, significava que alteraria sua da preocupação em quaisquer outras. Borkovec
vida radical e irrevogavelmente. Para ele, uma vez (Borkovcc & Inz, 1990) sugeriu que a preocupa­
que você se tomasse um paciente com câncer, seria ção no transtorno de ansiedade generalizada pode
inevitavelmente uma pessoa diferente e esse era ser uma evitação de imagens mentais aversivas.
seu medo mais profundo - perder sua identidade Em alguns pacientes em fase terminal, a preocu­
e tomar-se desconcctado. pação sobre coisas aparentemente triviais pode
Por não fazer suposições, o terapeuta conseguiu ter a função de ajudar a evitar imagens dolorosas
tocar no significado pessoal da situação negativa. sobre a morte em si. O medo e as reflexões sobre
No mínimo, isto promove uma empatia correta a morte podem, em si mesmos, conter distorções.
e auxilia na aliança terapêutica. Geralmente faz As experiências passadas de morte podem induzir
mais do que isso. O significado subjacente pode medos de que ela será dolorosa ou lenta; embora
estar distorcido e pode ser potencialmente desa­ isso possa às vezes ocorrer, o cuidado paliativo
fiado pelas técnicas da terapia cognitiva padrão. moderno significa que a dor pode ser eficazmente
Em outros casos, o significado subjacente pode controlada e que o processo da morte não tem
indicar um problema real que pode ser abordado. que ser terrível (Cassidy, 1991). Identificar esses
Finalmente, revelar o significado subjacente, medos e fornecer uma educação básica sobre o
embora doloroso, pode facilitar mais adiante o controle da dor pode reduzir significativamente
processo de ajustamento. Para ilustrar esses três a ansiedade. Esse medo também é tratável pela
resultados, vou considerar reflexões sobre a morte resolução de problemas: o paciente pode ser co­
em pacientes com câncer terminal. locado em contato com a equipe responsável pelo
Em um nível, as imagens ou pensamentos in- cuidado paliativo e as preocupações específicas
trusivos sobre a morte são perfeitamente naturais podem ser discutidas abertamente. O paciente

429
Fronteiras da Terapia Cognitiva

pode ser encorajado a fazer perguntas diretamente negativos. Embora os pensamentos possam ser
à equipe relacionadas com os medos. corretos, eles não são necessariamente úteis. Tanto
Uma vez que os aspectos relativos à morte e as preocupações sobre o que poderia acontecer
que causam o sofrimento sejam identificados, eles no futuro quanto as reflexões sobre uma perda
são geralmente tratáveis com algum tipo de inter­ no passado impedem que você viva no presente.
venção de resolução de problemas. Por exemplo, Os pensamentos automáticos negativos realistas
se um paciente não teve contato com um parente podem, às vezes, promover a solução de proble­
por muitos anos após uma briga na família, pode mas ou ser parte de um processo de ajustamento,
existir um sentimento de morrer deixando assuntos mas se eles parecem destruir a vida da pessoa e
mal resolvidos - o restabelecimento do contato têm uma qualidade repetitiva, reflexiva, eles são,
e mesmo uma reconciliação dá ao paciente um na verdade, disfuncionais. Analisar as vantagens
sentimento de conclusão. Essas estratégias de e as desvantagens do pensamento negativo pode
solução de problemas dão ao paciente à beira da mostrar-se um exercício útil, enquanto o questio­
morte um sentimento de que ele ainda está dando namento socrático pode ser usado para dirigir os
uma contribuição. Ações simples como fazer pacientes para os efeitos de suas reflexões sobre
um testamento podem induzir uma sensação de sua capacidade de desfrutar as áreas da vida às
autoeficácia. quais têm acesso e o efeito nos relacionamentos
com a família e com os amigos. Duas opções
Um dos encontros mais penosos para qualquer
podem ser colocadas para o paciente. Por exem­
pessoa que esteja trabalhando com pacientes de
plo, um paciente com uma doença terminal tem a
câncer é com uma jovem mãe com doença terminal.
opção de ficar refletindo sobre a inevitabilidade da
Para ela, o significado da morte normalmente terá
morte, ou viver intensamente a vida que ainda lhe
implicações para a sua família. Pensamentos como
resta. Aaron T. Beck (comunicação pessoal, 1986)
“eles não serão capazes de aguentar sem mim”
colocou isso de forma sucinta: “Você não pode
podem ser desafiados usando técnicas cognitivas.
controlar sua morte, mas você pode controlar sua
À medida que o significado da morte é eluci­ vida”. Registrar os pensamentos negativos pode
dado, ele inevitavelmente provoca fortes reações ajudar a estabelecer exatamente quanto tempo é
emocionais. Isso pode tomar-se parte do processo dedicado ao pensamento não construtivo e quanto
de sofrimento antecipatório pela própria morte. tempo está disponível para um envolvimento
construtivo com a vida.
Soluções pragmáticas para contornar Uma vez que os pacientes sejam capazes de
pensamentos automáticos negativos ver como isso desperdiça o tempo que lhes é
Pode não ser sempre adequado trabalhar da disponível, eles geralmente tomam-se dispostos
forma descrita acima e, mesmo que esta abordagem a identificar formas de como usar técnicas de
mais radical seja adotada, haverá momentos nos distração para reduzir o pensamento negativo. As
quais os pacientes desejarão continuar com sua técnicas usadas vão depender do paciente. Algumas
vida, em vez de pensar sobre sua situação nega­ vezes, programar um tempo para a preocupação ou
tiva. Nesse caso, uma abordagem mais pragmática para o sofrimento pode ser útil. Isso não somente
baseada na teoria cognitiva de Beck é possível. tem o efeito de liberar tempo para atividades mais
Aqui, ao invés de desafiar os pensamentos auto­ construtivas, mas também pode tomar o tempo
máticos negativos, são desenvolvidas estratégias gasto em pensamentos negativos mais produtivo em
para distraí-los desses pensamentos e indiretamente termos de solução de problemas ou do sofrimento
desafiar algumas de suas implicações. efetivo. A programação de atividades pode ser
O primeiro passo requer que os pacientes uma ferramenta eficaz no auxílio à distração, para
aceitem a natureza disfuncional dos pensamentos aumentar a autoeficácia e a sensação de controle

430
Quando coisas ruins acontecem com pessoas racionais: terapia cognitiva em circunstâncias adversas de vida

pessoal. Ela também pode ajudar a reverter o Conclusão


círculo de desamparo.
O reconhecimento de que os transtornos
Muitos pacientes, ao descobrir que são in­
emocionais demonstram erros de pensamento ca­
capazes de realizar tarefas que anteriormente
racterísticos é uma das maiores contribuições de
consideravam fáceis, desistem de tudo. Eles
Beck para a psiquiatria e, a partir dessa observa­
generalizam sua falta de controle em uma área
ção, um conjunto eficaz de intervenções clínicas
de sua vida para todos os aspectos de sua vida.
foi desenvolvido. A terapia cognitiva claramente
Esse processo pode ser revertido: encontrar uma
apresenta sua máxima eficácia e transparência ao
área da vida que possa ser controlada gera uma
lidar com pessoas que têm circunstâncias externas
sensação mais geral de controle. Assim, é pos­
objetivamente favoráveis. Aqui é possível fazer
sível que encontrar pequenas atividades que dão
uso de uma grande quantidade de evidências con­
ao paciente uma sensação de domínio induza
trárias a partir do ambiente do paciente. A terapia
um sentimento de controle sobre a doença. As
cognitiva não é tão direta quando o paciente tem
atividades que dão ao paciente o sentimento dc
um meio ambiente objetivamente negativo. Isso
que ele ainda está vivo e contribuindo podem ser
é, em alguns aspectos, análogo ao desafio apre­
particularmente úteis.
sentado pelos transtornos de personalidade, nos
Por exemplo, um paciente com síndrome can­ quais o recurso comum às experiências passadas
cerígena havia passado 15 anos lutando contra de validação ou períodos de grande autoestima
recidivas da doença através de várias operações. não estão abertos ao terapeuta. Curiosamente, a
A cada vez, ele tinha uma rápida recuperação abordagem clínica apresentada aqui tem também
e retomava ao seu velho eu logo que possível. algumas semelhanças em seu uso com as estra­
Quando a recuperação de sua mais recente cirurgia tégias mais focadas na emoção: nos transtornos
demorou mais tempo, ele se tomou inicialmente de personalidade, essas técnicas promovem uma
frustrado e então depressivo. Ele pensou que reestruturação esquemática no processamento
se não pudesse estar bem-disposto e enfrentar emocional dos transtornos de ajustamento. Mais
sem qualquer auxílio dos outros, seria um inútil. trabalho é necessário para entender o papel dos
Acreditava que sua família ficaria melhor sem ele, fatores cognitivos no processo de ajustamento, e o
porque se achava inútil e um fardo para todos. O modo pelo qual a terapia cognitiva padrão podería
terapeuta incentivou o paciente a envolver-se em ser modificada para facilitar o ajustamento.
algumas atividades simples que poderíam ser úteis Apesar dessas modificações, a terapia aqui
para sua família e, ao mesmo tempo, pediu-lhe descrita permanece fundamentada no modelo cog­
que testasse sua crença perguntando-lhes se eles nitivo. Ainda é possível aplicar a terapia cognitiva
realmente sentiam que seria melhor se ele mor­ de Beck a pacientes que, à primeira vista, têm
resse. A resposta foi uma demonstração de afeto pensamentos automáticos realisticamente negati­
aberta e muito comovente de seus filhos adultos, vos. É um tributo ao insight clínico e teórico de
que eles não tinham sido capazes de demonstrar Beck que o modelo cognitivo seja suficientemente
anteriormente. Isso o convenceu de que ele era amplo para permitir a abordagem de reações de
valorizado e necessário e levou a uma significativa depressão e ansiedade em situações verdadeira­
melhora em seu humor. mente negativas.

431
Fronteiras da Terapia Cognitiva

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433
Capítulo 20

Tratamento dos transtornos por uso de


SUBSTÂNCIAS COM A TERAPIA COGNITIVA! LIÇÕES
APRENDIDAS E IMPLICAÇÕES PARA O FUTURO

Bruce S. Liese
Robert A. Franz

or muitos anos, temos utilizado a terapia estarrecedor. Estudos epidemiológicos recentes de

P cognitiva para indivíduos com transtornos


por uso de substâncias e desenvolvido um
modelo para compreensão e tratamento desses
transtornos 1 (Beck, Wright, Newman & Liese,
grande escala estimaram que entre 17% e 26% dos
americanos têm abusado ou sido dependentes de
substâncias psicoativas durante sua vida (Anthony
& Helzer, 1991; Kessler et al.9 1994). Dados esses
1993; Liese, 1993, 1994a, 1994b; Liese & Beck, altos índices de prevalência, tratamentos eficazes
no prelo; Liese & Chiauzzi, 1995; Wright, Beck, são certamente necessários. Infelizmente, os psi-
Newman & Liese, 1992). Nosso trabalho nos en­ coterapeutas (incluindo os terapeutas cognitivos)
sinou muitas lições sobre a terapia cognitiva e o tradicionalmente não têm percebido a si mesmos
abuso de substâncias. Neste capítulo discutimos como fornecedores adequados ou capazes de servi­
essas lições e esboçamos nossa teoria e tratamento ços de tratamento para dependência. Inversamente,
do abuso de substâncias. Esperamos que nosso os especialistas em dependência tradicionalmente
trabalho leve a estratégias de tratamento mais não têm visto a terapia cognitiva como o tratamento
eficazes e à validação empírica de nosso modelo. ideal para o abuso de substâncias.
O desenvolvimento de tratamentos psicológicos Esse capítulo será dividido em 4 seções: ante­
para os transtornos por uso de substâncias é uma cedentes, conceituação, tratamento e implicações
tarefa importante. Durante um período recente de para o futuro. Na seção dos antecedentes, descre­
1 ano, 3,4 milhões de americanos buscaram trata­ veremos os avanços nas áreas de dependência em
mento ambulatorial para os transtornos por uso de terapia cognitiva nas últimas décadas. Na seção
substâncias e outros 437.000 foram admitidos em conceituação, discutiremos o papel dos processos
instalações de tratamento para pacientes internos cognitivos (esquemas, crenças básicas, pensamen­
(Narrow, Regier, Rae, Manderscheid & Locke, tos automáticos e distorções cognitivas) no abuso
1993). Enquanto o número de indivíduos que de de substâncias. Na seção de tratamento, discuti­
fato buscaram tratamento para os transtornos por remos como temos aplicado à terapia cognitiva
uso de substâncias é grande, o número potencial para ajudar os pacientes com transtornos por uso
de indivíduos adicionais que poderíam se benefi­ de substâncias. Finalmente, ofereceremos suges­
ciar dos serviços de tratamento por dependência é tões (isto é, “lições aprendidas”) com relação às
Fronteiras da Terapia Cognitiva

aplicações futuras da terapia cognitiva ao abuso as perspectivas nos comportamentos de dependên­


de substâncias. cia. De acordo com o seu modelo, os indivíduos que
abusam de substâncias podem ser caracterizados
como estando em um de 5 estágios de mudança:
pré-contemplação, contemplação, preparação, ação
Antecedentes
ou manutenção. Cada um desses estágios é carac­
O tratamento de indivíduos com transtornos terizado por certos pensamentos e crenças. Os que
por uso de substâncias é extremamente desafiador. estão no estágio de pré-contemplação negam ter
Apesar de esforços sinceros para controlar seu uso problemas relacionados ao abuso de substâncias:
de substâncias, muitos indivíduos persistem em “Eu não preciso fazer mudanças”. Aqueles na
comportamentos de dependência autodestrutivos. fase de contemplação consideram que podem ter
Uma revisão frequentemente citada (Hunt, Barnett tais problemas: “Eu poderia me beneficiar com
& Branch, 1971) relatou que entre 70% e 80% das a mudança”. Aqueles no estágio de preparação
pessoas que tentaram abandonar o uso de álcool, estão formulando estratégias para a mudança: “É
heroína ou nicotina recaíram dentro de 1 ano de o momento de fazer alguma coisa diferente”. Os
tratamento. Aproximadamente dois terços recaíram indivíduos no estágio de ação modificaram seus
dentro de 3 meses seguintes ao tratamento. Uma comportamentos há no mínimo por 24 horas: “Eu
revisão mais recente de 68 estudos de resultado estou fazendo alguma coisa boa por mim mesmo”.
de tratamento de alcoolismo (Riley, Sobell, Leo, Aqueles no estágio de manutenção tiveram sucesso
Sobell & Klajner, 1987) descobriu que apenas 34% em manter a mudança por pelo menos 6 meses: “Eu
de uma amostra total de 14.546 foram capazes de não sou mais um alcoólatra, fumante ou usuário
abster-se ou engajar-se em padrões não prejudiciais de drogas”. Prochaska, DiClemente e Norcross
após o tratamento. O tratamento bem-sucedido de explicam que as intervenções são mais eficazes
longo prazo dos transtornos por uso de substâncias quando elas combinam a prontidão do indivíduo
permanece uma proposta incerta. com a mudança.
Miller e seus colegas (Miller, 1993; Miller
A psicologia das adições & Rollnick, 1991) estenderam o trabalho de
A teoria e a pesquisa recentes desenvolveram Prochaska, DiClemente e Norcross, propondo
significativamente a psicologia das adições. Esse estratégias para a entrevista motivacional. No
trabalho forneceu aos clínicos idéias estimulantes seu importante texto, Miller e Rollnick (1991)
para o desenvolvimento de novas estratégias de desafiam a crença amplamcnte mantida de que
tratamento. Por exemplo, em seu modelo, Marlatt todos os dependentes estão “em negação”. Em vez
e seus colegas (por exemplo Brownell, Marlatt, disso, eles propuseram que indivíduos dependentes
Lichtenstein & Wilson, 1986; Daley & Marlatt, são ambivalentes sobre o seu uso de drogas. De
1992; Marlatt & Gordon, 1985,1989) identificaram acordo com Miller e Rollnick, a compreensão de
importantes determinantes de recaída cognitivos e que indivíduos dependentes são “ambivalentes”
comportamentais (por exemplo situações de alto ao invés de rotulá-los como estando “em nega­
risco, estratégias de enfrentamento ineficazes). O ção” contribui para um ambiente de tratamento
seu trabalho inspirou muitos outros a desenvolver colaborativo melhor.
estratégias inovadoras de prevenção de recaída. Um recente desenvolvimento no campo de
Prochaska, DiClemente & Norcross desen­ adições nos Estados Unidos foi a introdução de
volveram um modelo de mudança transteórico redução de danos (Des Jarlais, 1995; Marlatt,
(Prochaska & DiClemente, 1986; Prochaska, Di Larimer, Baer & Quigley, 1993; Marlatt & Tapert,
Clemente & Norcross, 1992; Prochaska, Norcross 1993). Os proponentes de redução de danos veem
& DiClemente, 1994) que impactou profiindamente o uso de substâncias dentro de um continuum do

436
Tratamento dos transtornos por uso de substâncias com a terapia cognitiva: lições aprendidas e implicações para o futuro

não prejudicial ao prejudicial. Ao invés de fornecer características de personalidade e socioeconômi-


um conjunto específico de técnicas, a redução de cas. A quarta edição do Diagnostic and Statistical
danos oferece um paradigma para orientar a po­ Manual of Mental Disorders (DSM-IV, American
lítica pública e o tratamento dos transtornos por Psychiatric Association, 1994) relaciona onze
uso de substâncias. Os terapeutas que adotam as classes de substâncias associadas com transtornos
filosofias de redução dc danos veem até mesmo de intoxicação, abstinência, abuso e dependência
os pequenos passos para a redução de danos como (ver Tabela 20.1). Cada uma dessas substâncias
melhores do que nenhum passo. A redução de danos produz mudanças psicológicas, fisiológicas e com-
é compatível com a terapia cognitiva, porque am­ portamentais singulares no usuário. Além disso,
bas colocam forte ênfase na colaboração, empatia, muitas dessas substâncias podem induzir sintomas
respeito, reconhecimento das diferenças individuais psiquiátricos temporários ou permanentes como:
e atenção às crenças pessoais. Com o seu foco no ansiedade, depressão, delírios, alucinações, danos
estabelecimento de metas individualizadas, é mais cognitivos, insônia e fadiga durante as fases da
um avanço importante no desenvolvimento de intoxicação ou abstinência.
tratamentos colaborativos do abuso de substâncias. Os problemas específicos de um indivíduo
A psicologia das adições é complicada por primeiramente dependente de nicotina são pro­
vários fatores: os indivíduos com transtornos por vavelmente bastante diferentes daqueles de uma
uso de substâncias formam um grupo heterogêneo, pessoa dependente de opiáceos, embora ambos os
eles tendem a estar simultaneamente envolvidos indivíduos sejam dependentes de substâncias. Uma
no uso de substâncias múltiplas e eles tendem a pessoa que faz uso abusivo de cocaína pode ser
ter problemas psicológicos e psiquiátricos coexis- um jovem pobre do centro da cidade ou um rico
tentes. Esses fatores são discutidos nos parágrafos executivo. Uma pessoa dependente de álcool pode
a seguir. ser um líder comunitário altamente notável ou uma
Contrariamente aos estereótipos, os indivíduos dona de casa anônima. Uma pessoa que faz uso
com transtornos por uso de substâncias formam abusivo de anfetaminas pode ser um criminoso
um grupo diverso. Eles diferem nas substâncias de rua ou um professor universitário. Qualquer
que usam, em seus padrões de uso e nas suas pessoa sob a combinação das circunstâncias e

437
Fronteiras da Terapia Cognitiva

oportunidades “certas” tem o potencial de desen­ (Anthony & Helzer, 1991; Helzer, Burnam &
volver problemas por uso de substâncias. McEvoy, 1991). A associação entre os transtor­
Muitos indivíduos com transtornos por uso de nos por uso de substâncias e os transtornos do
substâncias usam substâncias psicoativas múltiplas. humor não foi pronunciada, mas as pessoas com
Por exemplo, estudos epidemiológicos descobri­ transtornos por uso de substâncias ainda tinham
ram que 19% dos alcoolistas homens (vs. 7% dos uma probabilidade de duas a três vezes maior que
não alcoolistas homens) e 31% dos alcoolistas o público em geral de ser diagnosticadas com
mulheres (vs. 5% dos não alcoolistas mulheres) distimia ou depressão maior (Anthony & Helzer,
ou abusam ou dependem de uma outra droga ou 1991; Helzer & Pryzbeck, 1988). Em geral, apro­
mais (Helzer & Pryzbeck, 1988). Estudos baseados ximadamente 37% das pessoas com transtornos por
em universidades descobriram que os estudantes uso de substâncias têm transtornos coexistentes
que se apresentam a um centro de aconselhamento do Eixo I, enquanto aproximadamente 29% das
para ajuda com o abuso ou dependência de álcool pessoas com transtornos psiquiátricos têm pro­
blemas coexistentes com drogas e álcool (Regier
têm uma probabilidade significativamente maior
et ai, 1990). Assim como no uso de múltiplas
de usar nicotina e cannabis do que estudantes sem
substâncias, a psicopatologia é mais prevalente
esses problemas (Ross & Tisdall, 1994).
nos indivíduos que usam substâncias ilícitas. Por
O uso de múltiplas substâncias ocorre mais
exemplo, os transtornos psiquiátricos são muito
provavelmente em indivíduos que usam substân­
mais prevalentes em pessoas com transtornos por
cias ilícitas (vs. legais). As pessoas que fazem uso de cocaína e barbitúricos do que em pessoas
uso abusivo de THC, anfetaminas e cocaína têm com transtornos por uso de álcool ou cannabis.
índices de prevalência de alcoolismo de 36%, 62%
Apesar da alta incidência do uso de múlti­
e 84%, respectivamente (Helzer & Pryzbeck, 1988).
plas substâncias e comorbidade psiquiátrica, a
Em geral, aproximadamente a metade de todas
maioria dos indivíduos com transtornos por uso
as pessoas que fazem uso abusivo ou são depen­
de substâncias têm uma única droga de escolha
dentes de drogas ilícitas também abusam ou são
e não têm transtornos psiquiátricos coexistentes.
dependentes de álcool (Anthony & Helzer, 1991).
Vemos muitas dessas pessoas em nossa prática,
Uma forte associação entre dependência de incluindo indivíduos cuja única dependência é à
nicotina e outras transtornos de dependência tam­ nicotina. Também temos trabalhado com vários
bém foi bem estabelecida (Bien & Burge, 1990; indivíduos viciados, sem problemas psiquiátricos,
Henningfield, Clayton & Pollin, 1990; Istvan & e que usam apenas álcool, remédios prescritos,
Matarazzo, 1984). Entre 75% e 100% dos indi­ maconha, cocaína e outras drogas ilícitas.
víduos recebendo tratamento para dependência
Os indivíduos com transtornos por uso de subs­
química usam tabaco (Bobo, 1989; Kozlowski,
tâncias podem se tomar envolvidos em complexos
Jelinek & Pope, 1986; Stark & Campbell, 1993).
problemas sociais, econômicos, legais e de saúde
Tnfelizmente a dependência da nicotina tende a relacionados ao seu uso de substâncias. Eles po­
ser negligenciada em programas de dependência dem enfrentar a desintegração de relacionamentos
química (Bobo & Gilchrist, 1983; Goldsmith & íntimos, perda de emprego, prisão e doenças sé­
Knapp, 1993; Sobell, 1994). rias como resultado do seu uso problemático de
Os transtornos por uso de substâncias comu- substâncias. Quando os indivíduos usam drogas
mente coexistem com transtornos psiquiátricos. ilícitas, as consequências potenciais tornam-se
Um estudo recente de larga escala descobriu que ainda mais sérias, uma vez que eles se envolvem
o abuso e a dependência de álcool e drogas es­ em comportamentos ilegais em busca das drogas.
tavam altamente associados com o transtorno da Por exemplo, um dos nossos pacientes recente­
personalidade antissocial, a mania e a esquizofrenia mente usou US$ 1.000,00 em crack nas 12 horas

438
Tratamento dos transtornos por uso de substâncias com a terapia cognitiva: lições aprendidas e implicações para o futuro

imediatamente anteriores à sua sessão de terapia. de personalidade (Beck, Freeman & Associates,
Bastante incoerente durante sua consulta, esse 1990), a terapia cognitiva tem sido aplicada ao
paciente revelou que havia roubado dinheiro para tratamento de transtornos substancialmente mais
pagar por esse consumo compulsivo. Para compli­ crônicos e complexos (por exemplo, Wright, Thase,
car ainda mais, sua vida estava em perigo, porque Beck & Ludgate, 1993). Dada a natureza crônica
ele havia roubado o dinheiro de um traficante de e difusa dos transtornos por uso de substâncias
drogas, conhecido por vingar-se de seus inimigos. e sua alta associação com a psicopatologia, foi
Abuso de substâncias é atualmente uma preocu­ apenas uma questão de tempo até que a terapia
pação política, econômica e social importante nos cognitiva fosse aplicada ao tratamento do abuso
EUA. Apesar da crescente conscientização sobre os e dependência de substâncias.
riscos de saúde associados ao uso de substâncias
e apesar dos bilhões de dólares gastos na “guerra
contra as drogas”, muitas pessoas continuam a A conceituação cognitiva do abuso de
fumar, beber e fazer uso abusivo de drogas ilícitas
substâncias
a um custo alarmante para si mesmas e para a
sociedade. Muitas dessas pessoas eventualmente A terapia cognitiva é baseada numa abrangente
tentam abster-se das drogas, mas, infelizmente, teoria de personalidade, que enfatiza a importância
muitas fracassam e melhores estratégias de trata­ de crenças e processos de pensamento na me­
mento são certamente necessárias. diação de comportamentos, emoções e respostas
fisiológicas. A importância da conceituação cog­
Terapia cognitiva nitiva de caso nunca será exagerada: de modo a
Nos últimos trinta anos, a Terapia Cognitiva realizar terapia cognitiva, deve-se pensar como
passou por mudanças e desenvolvimentos im­ um terapeuta cognitivo. Se construída cuidadosa
portantes. Na sua formulação inicial do modelo e precisamente, a conceituação de caso permite
cognitivo, Beck (1961, 1964) estava primaria­ ao terapeuta desenvolver uma compreensão com­
mente interessado na compreensão e tratamento pleta da complexidade do indivíduo que abusa de
da depressão. Ele descreveu a depressão como substâncias psicoativas. A conceituação de caso
resultado de crenças negativas difusas sobre si fornece tanto uma estrutura para a compreensão
mesmo, o mundo e o futuro (a tríade cognitiva). dos problemas do paciente quanto uma base para o
Essas crenças negativas eram vistas como in- desenvolvimento de uma estratégia de tratamento
fluenciadoras do modo como pessoas depressivas apropriado. As técnicas mais eficazes podem ser
captavam e processavam informações. Erros cog­ de pouco valor se aplicadas ao indivíduo errado
nitivos sistemáticos, baseados no processamento ou no momento errado. Nesta seção, primeiro
falho das informações, ajudavam a manter estas descreveremos o modelo cognitivo básico do abuso
crenças negativas e consequentemente a depressão. de substâncias. Então a seguir apresentaremos o
Beck, Rush, Shaw e Emery (1979) desenvolve­ modelo cognitivo desenvolvimental do abuso de
ram uma terapia, utilizando técnicas cognitivas substâncias, explicando como os problemas de uso
e comportamentais, através das quais as pessoas de substâncias provavelmente se desenvolvem.
deprimidas eram capazes de identificar, avaliar
objetivamente e modificar suas crenças negativas, 0 modelo cognitivo básico do abuso de
consequentemente aliviando a depressão. Beck e substâncias
seus colegas eventualmente adaptaram a terapia Desenvolvemos o modelo cognitivo básico de
cognitiva para a ansiedade (Beck & Emery com abuso de substâncias durante vários anos, com
Greenberg, 1985) e outros problemas psiquiátricos. base em nossas observações e discussões clíni­
Desde a publicação de um texto sobre transtorno cas com milhares de pacientes dependentes. Na

439
Fronteiras da Terapia Cognitiva

tradição usual da terapia cognitiva, começamos em nossos algoritmos, convocamos vários espe­
fazendo aos pacientes perguntas como: “Quais cialistas no campo das adições para examinar
são seus pensamentos automáticos, quando você minuciosamente o nosso modelo e proporcionar
usa álcool/drogas?”, “Que crenças básicas o mo­ feedback, levando a revisões adicionais. O modelo
tivam a usar álcool/drogas?” e “O que passa por cognitivo básico resultante, referente ao abuso de
sua mente quando você continua a usar, apesar substâncias, é apresentado na Figura 20.1.
das consequências devastadoras de seu uso de
álcool/drogas?” Estímulos ativadores
Com o tempo, as repostas a essas perguntas Dc acordo com o modelo cognitivo básico do
forneceram a base para nossa teoria. Levantamos abuso de substâncias, os indivíduos têm maior
a hipótese da existência de processos cognitivos probabilidade de se envolver em comportamentos
específicos relativos ao uso de substâncias (crenças de dependência após uma exposição a certos estí­
antecipatórias, crenças voltadas para o alívio e mulos ativadores. Os estímulos ativadores são dicas
crenças permissivas). Desenvolvemos e revisamos e elicitadores idiossincráticos. Marlatt e Gordon
vários algoritmos que pareciam representar os pa­ (1985) estavam entre os primeiros a reconhecer
drões cognitivos, comportamentais e emocionais a importância dos estímulos ativadores. Na ver­
de pacientes com adições. Após ganhar confiança dade, eles cunham o termo sinônimo “situação

Figura 20.1 - Modelo cognitivo básico do abuso de substâncias.

440
Tratamento dos transtornos por uso de substâncias com a terapia cognitiva: lições aprendidas e implicações para o futuro

de alto risco”, definida como “qualquer situação e externo parecem mais significativos para os
que produz uma ameaça ao sentido de controle nossos pacientes.
do indivíduo e aumenta o risco de recaída poten­ É extremamente importante compreender que as
cial” (p. 37). No modelo cognitivo é hipotetizado substâncias psicoativas fornecem regulação ime­
que os estímulos particulares são definidos como diata dos estados de humor. Por exemplo, o álcool e
ativadores quando eles desencadeiam crenças e bcnzodiazcpínicos fomcccm efeitos antiansiolíticos
pensamentos automáticos básicos relacionados a imediatos; a cocaína, as anfetaminas, a nicotina
drogas, levando às necessidades e desejos. Nada e a cafeína, proporcionam um estímulo imediato;
é inerentemente arriscado com relação a qualquer e quase todas as drogas podem ser usadas como
estímulo ativador em particular; um estímulo ativa- agentes contra o tédio. A maioria dos indivíduos
dor para um indivíduo pode ser inócuo para outro. viciados em drogas é dependente de seus efeitos
Em nosso modelo distinguimos entre estímulos reguladores de humor. Embora os indivíduos
internos e externos. Essa distinção é útil, porque possam identificar suas situações de alto risco
facilita a identificação de situações que colocam como externas (a disponibilidade de cigarros), sua
os indivíduos cm risco para o uso de drogas. meta final no uso de drogas é regular ou modificar
Estímulos internos são dicas que ocorrem dentro seus estados internos de humor (tédio, ansiedade,
do indivíduo, ao passo que estímulos externos são raiva, tensão, frustração, depressão). Enquanto a
dicas que ocorrem fora do indivíduo. Exemplos maioria de nossos pacientes dependentes relata
de dicas internas comuns são emoções (por exem­ usar drogas para eliminar estados de humor desa­
plo, ansiedade, depressão, tédio, raiva, frustração, gradáveis, muitos explicam que também usam as
drogas quando se sentem bem. Estes indivíduos
solidão) e sensações físicas (por exemplo, dor,
“comemoram” com drogas, porque acreditam que
fome, fadiga, sintomas de abstinência). Exemplos
podem transformar bom humor em ótimo humor
de dicas externas comuns são conflitos interpes­
usando as drogas. Uma característica importante
soais, disponibilidade de substâncias preferidas
da terapia cognitiva, e que a toma partieularmente
e a realização de tarefas (quando as drogas são
adequada para o tratamento do abuso de subs­
usadas para comemorar).
tâncias, é que proporciona estratégias cognitivas
Baseados em seu estudo de 311 episódios de alternativas para a regulação de humor.
recaída, Marlett e seus colegas (Cummings, Gor­
don & Marlatt, 1980) dividiram as situações de Crenças ativadas
recaída em duas amplas categorias: determinantes De acordo com o modelo cognitivo para o
interpessoais e determinantes intrapessoais. Dentro abuso de substâncias, a diferença mais importante
destas duas categorias eles descobriram que três entre indivíduos dependentes c não dependentes
tipos de estímulos eram fatores mais precisos de é o modo como eles pensam. Supõe-se que dicas
previsão de recaída: estados emocionais negativos internas e externas ativam dois tipos de crenças
(35% das recaída na sua amostra), pressão social básicas relacionadas às drogas - crenças anteci-
(20% das recaídas) e conflito interpessoal (16% patórias e voltadas para o alívio - que levam a
das recaídas). Assim, 35% das recaídas eram pensamentos automáticos, necessidades e desejos.
atribuíveis àquilo que denominamos dicas internas Crenças antecipatórias envolvem previsões de
(estados emocionais negativos) e aproximadamente gratificação, eficácia aumentada e sociabilidade
o mesmo número de recaídas era atribuível àquilo ampliada após o uso de substâncias. Alguns exem­
que denominamos dicas externas (pressão social e plos incluem: “Uma cerveja bem gelada realmente
conflito interpessoal). Preferimos usar os termos cairia bem”, “Poderei agitar a noite toda, se co­
“interno” e “externo” em vez de “intrapessoal” meçar com algumas carreiras de coca” e “Tudo
e “interpessoal”, porque os conceitos de interno é mais divertido quando estou alto”. À medida

441
Fronteiras da Terapia Cognitiva

que as pessoas se tomam dependentes de drogas, Necessidades e desejos


elas desenvolvem crenças voltadas para o alívio, As necessidades e desejos são manifestados
envolvendo a expectativa de alívio de estados como sensações físicas, muito parecidas com fome
físicos c emocionais desagradáveis. Exemplos de e sede. Pacientes relataram que eles se sentem
crenças orientadas para o alívio incluem: “Beber/ como se estivessem “morrendo por um barato”,
fumar me relaxa” ou “Vou ficar realmente irritado “sedento por uma bebida” ou “morrendo por um
se não beber/fumar”. Tipicamente, pessoas com cigarro” quando eles experimentam necessidades
adições têm crenças tanto antecipatórias quanto e desejos particularmente fortes. A distinção entre
voltadas para o alívio, embora qualquer das duas necessidades e desejos é sutil e consideramos os
possa ser mais proeminente para certos indivíduos. dois termos sinônimos.
Mais uma vez é importante enfatizar o papel da Indivíduos variam na extensão em que eles
regulação de humor no uso e abuso de substâncias. experimentam necessidades e desejos. Sua força
Os indivíduos viciados em drogas tendem a manter aumenta durante a abstinência de drogas, já que
fortes crenças sobre a capacidade das drogas de os indivíduos continuam a pensar sobre o uso
regular seus humores. Eles corretamente acreditam das substâncias enquanto, ao mesmo momento,
que algumas drogas aliviarão seu tédio, algumas não se entregam ao uso da substância. Muitos
drogas os ajudarão a relaxar e outras drogas pro­ indivíduos, inicialmente abstendo-se de drogas,
porcionarão uma explosão imediata de energia ou experimentam desejos severos, porque eles ficam
ruminando a respeito do uso das drogas enquanto
farão com que se sintam poderosos.
resistem aos desejos de fazê-lo. Por outro lado,
os indivíduos que se entregam livremente ao uso
Pensamentos automáticos
de droga raramente experimentam fortes desejos,
A ativação de crenças básicas relacionadas às
porque eles usam as drogas antes que o seu nível
drogas desencadeia pensamentos automáticos -
de desejo tenha uma oportunidade de elevar-se.
processos cognitivos breves e espontâneos (isto
é, idéias ou imagens) derivados das crenças dos
Crenças facilitadoras
indivíduos relacionadas às substâncias. Tipica­
O termo “crenças facilitadoras” é sinônimo
mente, os pensamentos automáticos são versões
de “permissivas”. Crenças facilitadoras caracte-
abreviadas das crenças básicas correspondentes.
risticamente envolvem temas de merecimento,
Por exemplo, se um indivíduo acredita “Eu vou
minimização das consequências e justificativa.
ter uma crise de nicotina se não fumar”, o pensa­
Elas também envolvem tipicamente distorções
mento automático associado podería ser “Fume!” cognitivas, que permitem ao usuário ignorar os
Semelhantemente, se um indivíduo acredita que efeitos negativos do uso de substâncias. Exemplos
“Eu não consigo me divertir ao menos que beba”, de crenças facilitadoras incluem “Eu mereço uma
o pensamento automático associado podería ser bebida” (merecimento); “Apenas um barato não
“Relaxe!” ou “Vá em frente!” Conforme mencio­ vai me fazer mal” (minimização das consequên­
nado anteriormente, os pensamentos automáticos cias); e “A vida é uma droga, então não faz mal
também podem tomar a forma de imagens mentais. se eu fumar” (justificativa). Os indivíduos que
Exemplos de imagens mentais incluem acender tentam mudar o comportamento de dependência
o primeiro cigarro do dia, dar uma profunda podem ter crenças facilitadoras como “Só mais
tragada em um baseado, abrir uma cerveja bem um” ou “No final eu vou largar”. Tais crenças
gelada ou sentir o calor percorrendo após uma podem minar a habilidade do indivíduo de tolerar
injeção intravenosa de heroína. A ocorrência de necessidades e desejos. Na verdade, resistir a uma
pensamentos automáticos leva a necessidades necessidade é uma função da força relativa da
ou desejo. necessidade, por um lado, e da força da crença

442
Tratamento dos transtornos por uso de substâncias com a terapia cognitiva: lições aprendidas e implicações para o futuro

facilitadora, por outro. Os indivíduos com fortes de comportamentos “coincidentes” que levam a
crenças facilitadoras (“Ninguém jamais morreu situações de alto risco.
por fumar apenas um cigarro!”) têm probabili­
dade de usar drogas após leves necessidades. Ao Uso continuado ou recaída
contrário, indivíduos com crenças facilitadoras Após a implementação de uma estratégia ins­
fracas ou experimentais (“Talvez eu possa fumar trumental, os indivíduos têm uma probabilidade
só um”) podem suportar necessidades mais fortes. de usar suas drogas de escolha. Os lapsos podem
Em suma, quanto mais forte a crença facilitadora, variar em severidade desde uma simples tragada em
maior a probabilidade de que a pessoa se entregue um cigarro até um episódio compulsivo completo.
às necessidades e desejos. Qualquer uso de substância pode tomar-se um estí­
mulo ativador para o uso continuado da substância.
Foco nas estratégias instrumentais Os lapsos podem desencadear estados emocionais
Desenvolver um plano de ação é essencial para negativos (depressão relacionada à própria incapa­
a aquisição de drogas. Depois que os indivíduos se cidade de abster-se), conflito interpessoal (brigar
permitem o uso, sua atenção volta-se para a busca com o cônjuge por causa de um lapso) e a pressão
das drogas. As estratégias instrumentais variam social para o uso (contato renovado com velhos
amplamente, dependendo da substância usada e da “parceiros de copo”). Conforme discutido anterior­
pessoa que a usa. Por exemplo, se uma pessoa é mente, esses estados podem colocar os usuários
viciada em nicotina, a estratégia instrumental para em risco para recaídas completas, à medida que
obter a droga é simples: “Uma ida à loja”, “Filar eles ficam presos em círculos viciosos de uso e
um cigarro” ou “Eu posso ter alguns restos de autorrecriminação. Além disso, tais episódios
cigarro velhos (mas fumáveis) no cinzeiro”. Em podem confirmar crenças básicas, como “Eu não
contraste, as estratégias instrumentais para obter consigo parar de usar”, e podem contribuir para
drogas ilícitas podem ser difíceis, complicadas e o desenvolvimento de novas crenças permissivas,
arriscadas. A pessoa que tenta conseguir cocaína, como “eu usei um pouco, então bem que eu po­
por exemplo, pode enfrentar a ameaça de prisão dia continuar usando”. Tal pensamento “tudo ou
e dano físico. nada” é facilitado por mitos e clichês como “Uma
Embora muitos indivíduos que são dependentes bebida, um bêbado” e “Eu caí do trem elétrico” (e
(especialmente a substâncias legais como álcool provavelmente não posso me levantar).
e nicotina) vejam o seu uso de substâncias ba­ Por essas razões, nós apoiamos a abstinência
seado em planos simples de ação, a maioria tem total como uma meta de tratamento para os indi­
estratégias elaboradas para adquirir suas drogas víduos dependentes de substâncias psicoativas. Os
de escolha. Um paciente descreveu o uso de certa pacientes que alcançam a abstinência com sucesso
loja de conveniência para comprar gasolina. Essa têm probabilidade de desenvolver novas crenças
loja era localizada bem fora do seu caminho para de controle tais como “Eu posso sobreviver sem
casa. Durante um questionamento cuidadoso ela o uso”. Quando os pacientes não conseguem
admitiu que essa loja de conveniência vendia permanecer abstinentes com sucesso, entretanto,
pacotes de cigarro com desconto. Se por um apoiamos a redução de danos como uma meta, na
lado a estratégia instrumental dc curto prazo da qual o uso de substância é visto como um con­
paciente para fumar era conseguir um cigarro, a tinuum (isto é, um processo de redução “passo a
sua estratégia instrumental em longo prazo envol­ passo” ao invés de um fenômeno tudo ou nada).
via estocar cigarros comprados na loja onde ela Os benefícios de uma filosofia de redução de dano
“coincidentemente” comprava gasolina. Marlatt podem ser ilustrados por uma de nossas pacien­
e Gordon (1985) cunharam o termo “decisões tes, que era uma usuária frequente de maconha.
aparentemente irrelevantes” para descrever cadeias Após um breve período de tratamento essa mulher

443
Fronteiras da Terapia Cognitiva

relatou um controle sobre o seu uso de maconha, Criamos a hipótese de que as crenças relacionadas
exceto nos horários entre colocar as crianças para às drogas são formadas e mantidas através da
dormir e ir para a cama. Ao invés de insistirmos interação entre os esquemas, as crenças básicas e
na abstinência completa como uma meta de trata­ as experiências críticas de vida com as substâncias
mento (o que provavelmente teria resultado no seu psicoativas. É importante observar que os conteú­
abandono do tratamento), reforçamos o progresso dos dos esquemas e das crenças básicas não são
positivo que ela havia feito. Simultaneamente a inicialmente relacionados às drogas. Ao invés disso,
ajudamos a compreender que o seu uso noturno os esquemas e as crenças básicas dos indivíduos
da maconha era um esforço para reduzir seus sobre si mesmos, seus mundos pessoais, outros
sintomas de depressão. No final, ensinamos a indivíduos e seus futuros afetam suas atitudes com
essa paciente estratégias cognitivas alternativas relação às drogas, o álcool e outras substâncias
de redução da depressão para substituir o hábito que causam dependência. Assim, os esquemas e
de fumar maconha, o qual estava na verdade con­
as crenças básicas determinam a vulnerabilidade
tribuindo para a sua depressão. No passado essa
aos problemas relativos ao uso de substâncias.
mesma mulher havia abandonado programas de
tratamento voltados para a abstinência por causa
Experiências iniciais da vida
da sua rigorosa condução.
De acordo com o modelo de desenvolvimento
cognitivo, as experiências significativas iniciais da
0 modelo cognitivo de desenvolvimento do abuso
vida causam impressões duradouras nos indivíduos
de substâncias
e resultam no desenvolvimento de esquemas,
As adições são processos extremamente com­
crenças básicas e crenças condicionais. Enquanto
plexos, caracterizados por crenças profundamente
experiências iniciais de vida podem incluir inci­
mantidas, persistentes e disfuncionais. Com o
dentes isolados, são as circunstâncias familiares,
passar do tempo, temos ficado impressionados
sociais, culturais e financeiras contínuas que se
com a quantidade e a complexidade das crenças
associadas aos comportamentos de dependência. tomam centrais para a formação de esquemas e
Aprendemos que os esquemas disfimcionais e as crenças básicas. No modelo de desenvolvimento,
crenças básicas são fundamentais para os trans­ assume-se que as experiências negativas iniciais
tornos de dependência. Também nos tomamos da vida levam a esquemas e crenças que tomam
conscientes de numerosas crenças idiossincráticas os indivíduos vulneráveis ao desenvolvimento de
relacionadas às drogas, incluindo crenças anteci- problemas do uso de substâncias. Exemplos de
patórias, voltadas ao alívio e facilitadoras. Para experiências negativas iniciais de vida incluem
o tratamento de pacientes que abusam de drogas, pais que são modelos problemáticos do uso de
tornamo-nos necessariamente interessados no substâncias, ambientes nos quais as drogas ou o
desenvolvimento dessas crenças problemáticas. álcool são predominantes e a ausência de validação
Desde a formulação original do nosso modelo por parte de outros significativos. Inversamente, as
(Beck et al., 1993), desenvolvemos a hipótese experiências positivas iniciais da vida hipotetica­
de um modelo de desenvolvimento do abuso de mente levam a esquemas e crenças que contribuem
substâncias (Figura 20.2). Esse modelo atribui uma para uma resiliência contra os problemas por uso
importante ênfase aos processos de aprendizagem, de substâncias. Exemplos de experiências positivas
ao invés de meramente focar em episódios agudos no início da vida incluem pais que modelam o
do uso de substâncias. O modelo de desenvolvi­ uso responsável de substâncias, relacionamentos
mento cobre as experiências iniciais da vida e o pessoais seguros, apoio familiar e validação por
desenvolvimento de esquemas e crenças básicas. parte de outros significativos.

444
Tratamento dos transtornos por uso de substâncias com a terapia cognitiva: lições aprendidas e implicações para o futuro

Figura 20.2 - Modelo cognitivo de desenvolvimento do abuso de substâncias.

Desenvolvimento de esquemas, crenças básicas e adequação envolvem crenças sobre competência,


crenças condicionais sucesso e autonomia. Conforme acima mencionado,
Os esquemas podem ser caracterizados em dois as experiências negativas da vida contribuem para
domínios principais: não ser digno de ser amado o desenvolvimento de esquemas disfimcionais e
e adequação. Os esquemas de não ser digno de das crenças básicas, que tornam os indivíduos
ser amado envolvem crenças básicas sobre vín­ vulneráveis ao abuso de substâncias. Exemplos
culo, próprio valor e intimidade. Os esquemas de de crenças básicas disfimcionais incluem: “Minha

445
Fronteiras da Terapia Cognitiva

situação nunca vai melhorar”, “Eu não tenho valor”, adulta. A decisão de envolver-se com o uso prema­
“Eu não suporto sentimentos dolorosos”, e “Erros turo de drogas é provavelmente influenciada pelos
ou problemas são intoleráveis”. esquemas, crenças básicas e crenças condicionais
No desenvolvimento inicial, as crenças básicas dos indivíduos. Por exemplo, as pessoas jovens que
dos indivíduos não são relacionadas às drogas. se sentem particularmente inseguras ou não dignas
Entretanto, quando os indivíduos começam a usar de serem amadas podem tomar-se vulneráveis à
as drogas como estratégias compensatórias (para pressão dos colegas para se envolverem no uso
enfrentar os problemas), eles desenvolvem crenças de substâncias. Esses indivíduos podem receber
relacionadas às drogas que se tomam associadas uma validação instantânea dos colegas por usar
às crenças básicas disfuncionais. Por exemplo, drogas. Ao invés de correr o risco de passar a
“Eu não suporto ficar entediado” transforma-se em vergonha de recusar, eles provavelmente cederão
“Ficar alto é uma ótima maneira para evitar ficar às pressões de usar drogas.
entediado”. Com o passar do tempo as crenças Os indivíduos ligados a crenças perfeccionistas
tomam-se mais profundamente arraigadas e mais podem ser vulneráveis ao uso de drogas de “poder”,
facilmente ativadas. Ao contrário, as experiências tais como cafeína, nicotina, cocaína e anfetaminas
positivas da vida contribuem para o desenvolvi­ que aparentemente melhoram sua capacidade de
mento de crenças básicas adaptativas: “Meu futuro atuar por mais tempo e com mais intensidade.
é promissor”, “Eu tenho valor” e “Sentimentos do­ As pessoas que acreditam que os sentimentos
lorosos são fortalecedores”. Acredita-se que essas dolorosos ou situações difíceis são incontroláveis
crenças reduzem a vulnerabilidade dos indivíduos provavelmente usarão substâncias ansiolíticas,
ao abuso de substâncias. entorpecedoras, tais como álcool, maconha ou
No início da vida os indivíduos também desen­ barbitúricos. Ao experimentar e engajar-se com
volvem crenças condicionais poderosas, que tomam o uso continuado de substâncias, os indivíduos
a forma de “Se ..., então ....”, onde o primeiro adicionalmente reforçam seus esquemas disfun­
espaço em branco representa uma condição e o cionais, mantendo assim o círculo vicioso do uso
segundo representa uma consequência. Exemplos problemático de drogas.
de crenças condicionais relacionadas ao abuso de
substâncias incluem: “Se usar drogas, então serei Desenvolvimento de crenças relacionadas

popular”, “Se beber bebidas alcoólicas caras, se­ às drogas

rei respeitado” e “Se fumar cigarros, serei parte As crenças específicas relacionadas às drogas
da turma”. As crenças condicionais podem ser são desenvolvidas e mantidas pelo uso continuado
também expressas negativamente: “Se não usar de drogas. Para a maioria dos indivíduos com
drogas, serei visto como um estranho” e “Se não transtornos por uso de substâncias, o uso inicial
fumar cigarros, meus amigos vão pensar que sou proporciona uma experiência positiva, que se toma
um inútil”. Tais crenças condicionais tomam os cronicamente buscada. As experiências positivas
indivíduos particularmcnte vulneráveis às influên­ de uso de substâncias resultam em, e reforçam,
cias sociais e à sedução das drogas. crenças antecipatórias (ocorrendo no início da his­
tória da maioria dos transtornos de dependência),
A experimentação e a exposição aos incluindo: “As drogas e o álcool me fazem sentir
comportamentos aditivos ótimo!”, “Meus amigos e eu nos divertimos mais
O desenvolvimento de problemas por uso de quando usamos!” e “Eu vou conhecer pessoas
substâncias exige exposição e experimentação com legais se usar drogas”. Com o uso continuado,
as drogas. A maioria dos indivíduos começa a ex­ crenças voltadas ao alívio podem desenvolver-
perimentar drogas (especialmente nicotina, álcool -se, incluindo: “Preciso de drogas para relaxar”
e maconha) durante a juventude e início da idade e “Eu terei uma crise de nicotina se não fumar

446
Tratamento dos transtornos por uso de substâncias com a terapia cognitiva: lições aprendidas e implicações para o futuro

um cigarro”. Os indivíduos com transtornos por Tabela 20.2 relaciona cada componente da terapia
uso de substâncias também desenvolvem crenças cognitiva aos problemas associados aos transtornos
facilitadoras que lhes dá permissão de uso. Essas por abuso de substâncias (Liese, 1994b).
incluem: “Eu trabalhei o dia todo e mereço uma
bebida”, “Eu estou me sentindo realmente péssimo, A relação terapêutica colaborativa
então tudo bem dessa vez” e “Apenas mais um, A relação terapêutica fomccc a base para todos
então eu paro”. os outros aspectos do tratamento de abuso de
substâncias. Uma relação genuína, aberta, respei­
Uso continuado tosa e colaborativa entre o terapeuta e o paciente
Com o uso continuado, as crenças relaciona­ aumenta a probabilidade do paciente permanecer
das às drogas se tomam mais difusas, destacadas engajado no tratamento. Naturalmente, tal relação
e acessíveis. A medida que são ativadas por um é essencial para toda a psicoterapia. Entretanto, o
número sempre crescente de estímulos, essas estabelecimento ativo de uma relação terapêutica
crenças tomam-se crescentemente automáticas e positiva é especialmente importante no tratamento
disponíveis. Os indivíduos viciados acabam presos de abuso de substâncias.
em círculos viciosos de uso de drogas e reforço Muitos indivíduos com transtornos por abuso
das crenças que aumentam suas adições. dc substâncias experimentam vergonha c alie­
nação relacionadas ao seu uso de substâncias;
atualmente mesmo os fumantes de cigarros são
0 tratamento de transtornos por uso de castigados por sua dependência. Como resultado,
as pessoas com transtornos por uso de substâncias
substâncias
têm probabilidade de se sentirem envergonhadas
Existem cinco componentes essenciais na de procurar ajuda para suas adições e podem achar
terapia cognitiva do abuso de substâncias: o relacio­ difícil confiar nos clínicos que tentam ajudá-las.
namento terapêutico colaborativo, a conceituação Os efeitos do estigma e da vergonha podem le­
cognitiva do caso, estrutura, socialização e técnicas var a distorções significativas e ao não relato de
cognitivo-comportamentais. Cada um deles será comportamentos e pensamentos relacionados à
discutido em detalhes nesta seção. dependência, o que pode em última análise minar
Indivíduos com dependências podem ter uma o processo de tratamento.
variedade de preocupações pessoais, incluindo Alguns indivíduos com transtornos por abuso
problemas de relacionamento interpessoal, psicopa- de substâncias não acreditam que os não usuários
tologia complexa, estilos de vida instáveis, insight podem significantemente relacionar-se com eles.
pobre e déficits nas habilidades de enffentamento. A Esses indivíduos têm uma probabilidade de ver os

447
Fronteiras da Terapia Cognitiva

terapeutas como ingênuos e sua desconfiança pode alguns pacientes nos pediram para atestar a sua
ser refletida em indicações sutis. Por exemplo, abstinência de drogas ou frequência nos encontros
numa sessão recente uma de nossas pacientes de­ dos Alcoólicos Anônimos (AA), apesar do fato de
pendente de álcool perguntou à sua terapeuta “Você que nós não podíamos validar suas solicitações.
está em recuperação?” A terapeuta (desejando Em vários casos descobrimos que esses pacientes
ser honesta com a paciente) respondeu “Não”. A falsificaram essas e outras declarações. Quando
paciente respondeu “Então você provavelmente tais atos de desonestidade ocorrem, é essencial
aprenderá mais comigo do que eu com você”. A que o terapeuta explore as visões, pensamentos,
terapeuta ficou inicialmente perplexa com sua res­ crenças e atitudes dos pacientes sobre o terapeuta
posta, mas rapidamente recuperou sua compostura e a terapia.
e explorou o significado da resposta da paciente. Entre as barreiras mais significativas para a
Ao fazê-lo, ela descobriu que a paciente havia sido colaboração, estão pensamentos e crenças ne­
regularmente criticada por membros da família pelo gativos dos próprios terapeutas sobre pacientes
seu hábito de beber. Como resultado, ela tomou-se dependentes. Os terapeutas que não identificam e
defensiva ao discutir sua dependência com qualquer desafiam as suas próprias crenças negativas têm
pessoa. A terapeuta gentilmente levou a paciente uma probabilidade de experimentar sentimentos
a compreender que ela não respondería como os negativos contraproducentes em relação aos seus
membros da família da paciente. Terapeutas que pacientes. Mesmo terapeutas “iluminados” oca­
são atenciosos e responsivos a comentários sutis sionalmente encontram-se tendo crenças negativas
têm maior probabilidade de ganhar a confiança e sobre seus pacientes dependentes. Uma relação de
a colaboração do paciente. algumas destas crenças encontra-se abaixo (com
Os processos psicoterápicos gerais de empatia, as distorções cognitivas correspondentes entre
respeito e consideração positiva incondicional parênteses):
todos contribuem para um ambiente terapêutico
colaborativo. Além disso, várias intervenções “Dependentes de drogas são todos iguais!”
específicas da terapia cognitiva aumentam a (supergeneral ização)
colaboração, incluindo a solicitação de itens de “Lapsos e recaídas são catastróficos!” (pensa­
agenda do paciente, a “verificação” explícita de mento tudo ou nada)
hipóteses clínicas com o paciente e a obtenção “Esse cara é um dependente típico!” (rotulação)
de feedback do paciente com relação às reações “Após a desintoxicação, eles todos recaem nova­
à terapia. Quando os terapeutas utilizam essas mente!” (adivinhação)
intervenções eficazmente, os pacientes têm menor “Esse paciente pensa que eu sou idiota!” (leitura
probabilidade de se sentirem ameaçados e maior de pensamento)
probabilidade de participar abertamente na tera­ “Isso parece uma perda de tempo!” (raciocínio
pia. Por exemplo, as solicitações regulares dos emocional)
terapeutas do feedback dos pacientes (questionar
sobre as respostas dos pacientes à terapia) podem É importante que os terapeutas reconheçam os
ajudar a reduzir dúvidas e suspeitas, demonstrando comportamentos do paciente que provavelmente
a disposição dos terapeutas de ouvir abertamente. desencadeiam suas próprias crenças negativas. Tais
À medida que os pacientes começam a confiar comportamentos incluem, mas não se limitam a
em seus terapeutas, alguns tentam incluir os tera­ ausências nas sessões, uso de substâncias, deso­
peutas no papel de “facilitadores”. Em vez de agir nestidade, itens superficiais de agenda, defesa e
colaborativamente (honestamente), esses pacien­ falta de preocupação aparente com o uso de subs­
tes podem tentar tirar vantagem da preocupação tâncias. Quando esses comportamentos ocorrem,
genuína dos terapeutas com eles. Por exemplo, os terapeutas são encorajados a refletirem com

448
Tratamento dos transtornos por uso de substâncias com a terapia cognitiva: lições aprendidas e implicações para o futuro

os pacientes direta e objetivamente: “Você quase pode tratar da história, do desenvolvimento e da


parece orgulhoso de sua compulsão recente, em penetração do problema por uso de substâncias
vez de ter remorso”. Quando os pacientes são do paciente e crenças disfuncionais relacionadas.
receptivos a tais intervenções, os terapeutas são Os dados para a conceituação do caso podem ser
encorajados a discutir as crenças subjacentes que utilmente divididos em seis categorias: informação
levam aos comportamentos dos pacientes. Quando do contexto, problemas apresentados, diagnósticos
pacientes respondem defensivamente às observa­ psiquiátricos, perfil de desenvolvimento, perfil
ções dos terapeutas, os terapeutas são encorajados cognitivo e integração.
a responder de forma empática, explorando as
crenças subjacentes à defesa (“Você está me cha­ Informação sobre o contexto
mando de mentiroso!”). Ao coletar informações sobre o contexto, algu­
Dada a alta probabilidade de lapsos e outros mas perguntas úteis incluem as seguintes:
comportamentos problemáticos, é útil para os
terapeutas esperar que se sintam ocasionalmente • Conte-me sobre a sua história; qualquer
decepcionados com alguns pacientes dependen­ coisa que você considere muito importante
tes. Em resposta, os terapeutas são encorajados a (sua idade, educação, situação profissional)
cuidadosamente identificar, avaliar e modificar os
• Qual é sua situação de vida atual e rede de
pensamentos contraproducentes. A lista a seguir
apoio social (Você mora sozinho ou com
inclui alguns pensamentos adaptativos que podem
outro usuário de substâncias; ou você não
proporcionar aos terapeutas alívio de seus próprios
tem onde morar?)
sofrimentos:
• Quais são as drogas populares/predominan-
“Meu paciente está lutando para superar sua tes no seu ambiente?
dependência”
“Meu paciente sente-se ambivalente sobre o Infelizmente, informações pregressas são às
abandono imediato das drogas” vezes coletadas no início da terapia e então ig­
“A recaída do meu paciente não é um reflexo de noradas durante o curso do tratamento. É ideal
mim mesmo” coletar dados referentes à história brevemente no
“Quando os pacientes são desonestos é provável início do tratamento e então coletar informações
que eles estejam envergonhados da verdade” mais profundas à medida que for relevante a itens
“Uma recaída não é o fim do mundo” específicos da agenda. Por exemplo, na primeira
“Nós podemos realmente aprender alguma coisa sessão um terapeuta podería fazer algumas das
desta recaída” perguntas acima. Em uma sessão subsequente, o
paciente podería apresentar um problema conju­
A conceituação cognitiva de caso gal como um item da agenda. Podería então ser
Como discutido anteriormente, a conceituação apropriado para o terapeuta coletar dados sobre o
do caso fornece uma estrutura essencial para a com­ casamento do paciente, o papel que as drogas têm
preensão dos pacientes e para o desenvolvimento desempenhado no problema conjugal e o papel
e implementação de estratégias apropriadas de que os problemas conjugais têm desempenhado
tratamento. Uma conceituação de caso abrangente no uso de drogas.
integra informações sobre o desenvolvimento ini­
cial do paciente, problemas de vida atuais, situações Problemas apresentados e
de estímulo, esquemas, crenças, pensamentos auto­ funcionamento atual
máticos, emoções e comportamentos disfuncionais. A avaliação dos problemas apresentados e o
Reunindo e integrando essa informação, o terapeuta funcionamento atual envolvem a compreensão das

449
Fronteiras da Terapia Cognitiva

dificuldades atuais do paciente e a adaptação ao • Que problemas emocionais ou preocupações


uso de substâncias. Perguntas úteis podem incluir: você tem experimentado?
• Como as drogas poderíam ajudá-lo ou contri­
• Que drogas você usa atualmente? buir para as suas preocupações emocionais?
• Qual o seu padrão atual de uso?
Anteriormente, neste capítulo, foi explicado que
• Quais são os efeitos do seu uso de drogas?
indivíduos com transtornos por uso dc substâncias
• Que problemas crônicos você tem como tendem a ter problemas psiquiátricos coexistentes.
resultado do uso de drogas (problemas Durante essa parte da conceituação de caso, os
relacionados ao trabalho, dificuldades de terapeutas são encorajados a avaliar o funciona­
relacionamentos)? mento psiquiátrico geral. Quando se descobre que
o paciente tem um transtorno coexistente, a terapia
• Há alguma crise atual ou pendente na sua
cognitiva pode ser ajustada para tratar dos outros
vida como resultado do seu uso de drogas
(perda de emprego, separação conjugal, sintomas psiquiátricos.
divórcio, ideação suicida, problemas de Em alguns pacientes, os transtornos psiquiá­
saúde)? tricos coexistentes (depressão, ansiedade, mania)
podem não ficar aparentes até que os pacientes
Alguns problemas serão apresentados pelos se abstcnham do álcool c drogas por várias se­
pacientes no início da terapia. Entretanto, os manas ou meses. Os sintomas desses transtornos
pacientes tipicamente admitirão problemas adi­ subjacentes tomam os pacientes potencialmente
cionais em sessões subsequentes à medida que vulneráveis ao futuro de drogas e consequente­
sua confiança no terapeuta aumente. A estrutura mente esses transtornos deveríam ser avaliados e
da terapia (revista posteriormente) fornece um tratados logo que possível no tratamento. Como
meio de organizar os problemas apresentados e um exemplo de caso, uma paciente viciada em
funcionamento atual dos pacientes. cocaína recentemente apresentou-se a um de nossos
terapeutas com uma fala exaltada, irritabilidade,
Diagnósticos psiquiátricos crises de choro, alterações do sono, pensamentos
Na terapia cognitiva do abuso de substâncias rápidos e emoções instáveis. Ela se absteve da
é extremamente importante formular diagnósti­ cocaína (validado através do exame de urina) por
cos psiquiátricos, focando em síndromes clínicas vários meses. Essa paciente continuava a relatar
(transtornos de humor, ansiedade, pensamento) e fortes necessidades e desejos por cocaína até que
transtornos de personalidade (transtornos antis- tivesse sido tratada com sucesso, com psicoterapia
social e de borderline). Problemas psiquiátricos e farmacoterapia, para o transtorno bipolar.
coexistentes têm importantes implicações para o
desenvolvimento de planos para tratamento tera­ Perfil de desenvolvimento
pêutico, uma vez que o uso de substâncias pode O perfil de desenvolvimento consiste numa
funcionar como automedicação para problemas história abrangente do paciente, incluindo infor­
psiquiátricos. Perguntas úteis a serem abordadas mação dos seguintes domínios: familiar, social,
incluem: educacional, médico, psiquiátrico e vocacional.
Quando os dados para o perfil de desenvolvimento
• Qual a sua droga de escolha (incluindo álcool são coletados cuidadosamente, os terapeutas e os
e nicotina)? pacientes têm a probabilidade de obter insights im­
portantes sobre o desenvolvimento dos problemas
• Que outras drogas você usa (incluindo álcool relacionados às drogas. Questões úteis no perfil
e nicotina)? de desenvolvimento incluem:

450
Tratamento dos transtornos por uso de substâncias com a terapia cognitiva: lições aprendidas e implicações para o futuro

• Quem em sua família tem usado drogas • Quais são as suas crenças sobre o seu uso de
(incluindo álcool e nicotina) e como eles drogas?
usaram as drogas (algum problema asso­
• Como você se permite o uso de drogas? Em
ciado com uso de substâncias)?
outras palavras, como você convence a si
• Quantos anos você tinha quando usou drogas mesmo que está tudo bem?
pela primeira vez?
• Que crenças você tem sobre você mesmo,
• Quando as drogas tomaram-se problemáticas outras pessoas ou o mundo que contribuem
para você? para o seu uso de drogas? Por exemplo, você
• Como os seus problemas com drogas se pensa: “Ah, eu vou viver até os cem anos,
desenvolveram? independentemente do que eu faça”?

• Você alguma vez morou com alguém que • Quais são as consequências negativas e posi­
tivesse problemas emocionais? tivas do seu uso de substâncias? Em outras
palavras, quais são os efeitos desejados e
• Que outros eventos ou traumas significativos
indesejados do uso de drogas?
ocorreram na sua vida que poderíam ser
relevantes?
A maioria dos terapeutas descobre que a síntese
do perfil cognitivo é facilitada pelo uso de uma
Conforme discutido anteriormente, as pessoas
representação visual do modelo cognitivo com
com transtornos por uso de substâncias tipica­
espaços em branco disponíveis para relacionar
mente têm experiências de desenvolvimento que
as predispõem ao abuso de substâncias. À medida os desencadeadores, as crenças, os pensamentos
que essas experiências são reveladas e refletidas e os comportamentos idiossincráticos dos pacien­
para os pacientes, eles começam a reconceituar tes relacionados às drogas (ver Figura 20.3). Os
o seu uso de substância. Por exemplo, em vez de terapeutas são incentivados a usar repetidamente o
pensar “Eu preciso usar drogas para me divertir” modelo cognitivo para avaliar vários episódios de
eles aprendem a pensar “Eu uso drogas para me uso com várias drogas em diversos momentos na
divertir por que é isso que outros fizeram na minha terapia, ao invés de usar o modelo somente uma ou
família e comunidade”. duas vezes durante o período de tratamento. Mesmo
quando o paciente tenha se mantido abstêmio, o
Perfil cognitivo modelo pode ser usado para a compreensão do
O perfil cognitivo descreve os processos de uso de drogas no passado e evitar seu uso futuro.
pensamento associados ao uso de drogas. O perfil
cognitivo consiste de informações sobre os estímu­ Integração de perfis cognitivos e de
los ativadores do indivíduo, crenças relacionadas desenvolvimento
às drogas, pensamentos automáticos e crenças O componente final da conceituação dc caso
facilitadoras. Além disso, o perfil cognitivo inclui é crítico. Ele envolve a formulação de hipóteses
informações sobre as crenças e esquemas básicos sobre o desenvolvimento e a manutenção dos pro­
dos pacientes. Questões úteis para o perfil cogni­ blemas dos pacientes, especialmente com relação
tivo incluem: ao abuso de substâncias. Essas hipóteses envolvem
os relacionamentos entre as experiências de vida,
• Quais são as suas situações de alto risco para as vulnerabilidades cognitivas e as estratégias com­
o uso de substâncias? Em outras palavras, pensatórias que levam aos padrões problemáticos
quando você tem maior probabilidade de por uso de substâncias. A integração de perfis
usar drogas? cognitivos e de desenvolvimento leva à elaboração

451
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Figura 20.3 - Planilha do modelo cognitivo (preenchida com o paciente).

de estratégias de tratamento apropriadas. Questões resumo e feedback do paciente. Alguns indivíduos


úteis para a integração incluem: com problemas por uso de substâncias levam
vidas altamente instáveis e caóticas. Podem ter
• Como o uso de drogas serve como uma problemas de saúde, dificuldade de relacionamento
estratégia de enfrentamento para você? íntimo, problemas financeiros e problemas legais
relacionados ao uso de substâncias. Em vista desses
• Quão motivado você está para mudar os seus
múltiplos problemas os pacientes podem achar
comportamentos de dependência?
extremamente difícil focar em um problema de
• Como o seu uso de substâncias e a sua cada vez. A estrutura da terapia cognitiva facilita a
autoestima causam impacto um no outro? definição sistemática e a resolução dos problemas.
• Quais estratégias de tratamento serão mais Os elementos de uma sessão de terapia cognitiva
eficazes para você? são discutidos nas seções seguintes.

• Quais são suas barreiras potenciais para Definição da agenda


mudar? O primeiro passo em uma sessão de terapia cog­
nitiva é a definição da agenda, quando o terapeuta
Se os perfis cognitivos e de desenvolvimento pergunta: “O que você quer incluir na agenda?” A
forem reunidos cuidadosamente e sintetizados com definição da agenda deve resultar em uma relação
precisão, o processo de tratamento será significa­ finita de tópicos em tomo dos quais gira o resto
tivamente facilitado. da sessão. Sem uma agenda, a discussão prova­
velmente irá vaguear para tópicos improdutivos e
Estrutura detalhes irrelevantes. A definição de uma agenda
A estrutura é essencial para a terapia cognitiva encoraja o paciente a assumir um papel ativo e
de abuso de substâncias. A estrutura de uma sessão colaborativo no processo terapêutico e contribui
de terapia cognitiva consiste de oito elementos: para um sentido de responsabilidade e controle
(1) definição da agenda, (2) verificação do humor, durante as sessões de terapia. A definição de uma
(3) ponte com as sessões anteriores, (4) discussão agenda pode também ser o primeiro passo para
dos itens atuais da agenda, (5) descoberta dirigida, ensinar os pacientes a identificarem e priorizarem
(6) resumos periódicos, (7) tarefas de casa e (8) seus problemas e metas.

452
Tratamento dos transtornos por uso de substâncias com a terapia cognitiva: lições aprendidas e implicações para o futuro

É importante prestar atenção às dificuldades e negativos podem ser importantes estímulos


dos pacientes na definição da agenda. Por exem­ ativadores para o uso de substâncias. Para com­
plo, os pacientes frequentemente respondem às plicar ainda mais, o uso contínuo de drogas leva
solicitações dos terapeutas para o fornecimento de a problemas crônicos de humor. Depressão, tédio,
itens da agenda com afirmações como: “Eu não ansiedade e raiva são particularmente relevantes
pensei muito sobre isso” e “Qualquer coisa que aos episódios de uso de substâncias. Portanto, é
você achar que seja importante”. Tais respostas importante avaliar os estados de humor do paciente
proporcionam uma excelente oportunidade para no início de cada sessão. A verificação do humor
os terapeutas promoverem a colaboração, encora­ pode ser realizada simplesmente perguntando
jando os pacientes a gerarem seus próprios itens. “Como está o seu humor hoje?” Se ficar determi­
Uma persistente falta de habilidade para definir nado que o humor de um paciente está negativo
uma agenda pode indicar outros problemas: pouca ou problemático, o humor do paciente é colocado
motivação, ansiedade, depressão, dependência ou na agenda para discussão.
falta de engajamento na terapia. Os pacientes que É comum que as pessoas com dependência
regularmente demoram em definir a agenda devem tenham dificuldades de identificar seus humores.
ser encorajados a focar nesse tópico como uma Descrições vagas tais como “oi” ou “normal”
questão terapêutica. Em tais casos, o terapeuta são fornecidas frequentemente. Essas respostas
podería afirmar: “É difícil para você criar os itens oferecem uma excelente oportunidade para en­
da agenda; vamos colocar isto na agenda e tentar sinar aos pacientes como reconhecer o humor. A
entender por que é tão difícil.” habilidade de reconhecer e rotular os estados de
Os pacientes frequentemente relacionam itens humor é o primeiro passo do gerenciamento do
na agenda que parecem não ser relacionados com o humor na terapia cognitiva. Quando os pacientes
uso de substância (“Eu ganhei US$1.000 na loteria têm dificuldades crônicas de rotularem os seus
na semana passada”). Entretanto, um terapeuta sentimentos, os terapeutas são incentivados a
esperto pode relacionar a maioria dos assuntos lhes fornecer uma lista de emoções da qual eles
com o uso potencial dc substâncias. Por exemplo, possam fazer suas escolhas. É importante atentar
problemas de relacionamento, tédio, dificuldades para os sentimentos dos pacientes de desespero e
financeiras, solidão, depressão, ansiedade, falta de desesperança. O humor depressivo pode levar a um
um local para morar, e até mesmo recentes sucessos aumento do risco de suicídio, especialmente em
(ganhar na loteria) podem todos contribuir para o pacientes com problemas por uso de substâncias.
uso de substâncias.
Durante a definição da agenda, é extremamente Ponte com as sessões anteriores
importante indagar sobre as compulsões, desejos Depois dc chccar o humor do paciente é im­
e uso de substâncias, e sobre situações de alto portante fazer uma ponte (i. e., revisar os pontos
risco que estão por vir. Os pacientes deveríam importantes) com as sessões anteriores. Fazer uma
ser ensinados ou “socializados” para regularmente ponte fornece continuidade e ajuda a assegurar que
colocarem esses itens na agenda. Quando esses assuntos terapêuticos importantes não sejam es­
itens não são colocados na agenda pelo paciente, é quecidos ou negligenciados. Há várias maneiras de
essencial que eles sejam levantados pelo terapeuta fazer uma ponte entre sessões de terapia cognitiva.
logo no início da sessão. Uma estratégia é simplesmente pedir ao paciente
para refletir sobre o que foi importante nas sessões
Verificação do humor anteriores. Outra estratégia é o terapeuta revisar
Conforme discutido anteriormente, as drogas brevemente os assuntos importantes. Revisar a
proporcionam fontes poderosas de regulação do tarefa de casa (discutida baixo) também é uma
humor. Assim, vários estados de humor positivos maneira eficaz de fazer uma ponte entre as sessões.

453
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Ao fazer a ponte com a última sessão, o te­ esquemas, as crenças, os pensamentos automáticos,
rapeuta deve perguntar como o paciente usou o as emoções e os comportamentos. Ao invés de as­
modelo cognitivo de abuso de substâncias desde sumir respostas corretas, a descoberta guiada é feita
a sessão anterior. A revisão do modelo oferece para estimular o autoconhecimento e o pensamento
uma excelente oportunidade, tanto para o terapeuta independente dos pacientes. Na descoberta guiada
quanto para o paciente, de refinar a conceituação o terapeuta deveria explorar hipóteses específicas
de caso. O terapeuta, durante a ponte, pode testar desenvolvidas durante a conceituação cognitiva
qual o grau de retenção dos ensinamentos ante­ do caso. O processo de questionamento deve ser
riores. Os assuntos mencionados durante a ponte apoiador, diretivo e empático. Em particular, os
também podem ser colocados na agenda para uma terapeutas devem encorajar os pacientes a explorar
extensão da discussão. Conforme mencionado suas crenças e os seus pensamentos automáticos
anteriormente, os pacientes com transtornos por relacionados às drogas, refletir sobre os erros cog­
uso de substâncias podem levar vidas caóticas. nitivos relacionados, e gerar meios alternativos de
Fazer a ponte ajuda os pacientes a focarem nos pensar como resposta aos estímulos ativadores. A
assuntos importantes. maioria dos pacientes prefere a descoberta guiada
ao sermão, “bronca” ou confronto. De fato, muitos
Discussão dos itens atuais da agenda dos nossos pacientes descreveram que ficavam frus­
É importante estabelecer a prioridade dos itens trados com programas tradicionais de tratamento
da agenda antes de discuti-los. Com somente de dependência, que utilizam principalmente tais
um número limitado de minutos em uma sessão técnicas coercivas.
de terapia, os pacientes serão melhor atendidos
discutindo em primeiro lugar os itens mais im­ Resumos periódicos
portantes da agenda. Considera-se que esses são Os resumos periódicos representam um papel
os relevantes ao uso problemático dc substâncias, importante na terapia cognitiva. Definidos como
incluindo as compulsões, os desejos, as situações as revisões dos terapeutas de assuntos e temas
de alto risco que estão se aproximando. Deve ser centrais, os resumos periódicos permitem aos te­
dada prioridade máxima aos itens relacionados rapeutas testarem hipóteses. Ao mesmo momento,
às drogas, uma vez que eles estão diretamente os resumos periódicos proporcionam aos pacien­
relacionados ao uso potencial futuro. tes um feedback objetivo sobre si mesmos. Eles
É importante permanecer focado em um item também ajudam aos terapeutas e aos pacientes a
da agenda por vez. Terapeutas e pacientes têm permanecerem focados nos itens da agenda. Por
igualmente uma tendência a desviar do tópico exemplo, um terapeuta pode fornecer o seguinte
atual, mudando de um assunto para outro. A fim resumo periódico a “John” que se sente particular­
de manter o foco é recomendado que o terapeuta mente deprimido e solitário depois de 3 semanas
regularmente resuma os itens da agenda e os de abstinência de cocaína:
assuntos atuais. Isso também deveria facilitar um “John, você se manteve abstinente por 3 sema­
sentido de direção ao paciente e a produtividade nas. Você esperava ver mais melhoras na sua vida
nas sessões. até agora e você está desapontado com o processo
de recuperação. Você explicou que tem estado
Descoberta guiada isolado nas últimas 3 semanas e, portanto, não
A descoberta guiada é básica para uma trans­ recebeu nenhum apoio emocional. À medida que
missão eficaz da terapia cognitiva. Na descoberta você se toma mais entediado, sozinho e deprimido,
guiada, os terapeutas perguntam aos pacientes as drogas parecem cada vez mais convidativas.
questões abertas, projetadas para avaliar e exa­ Às vezes você disse para você mesmo que você
minar objetivamente os relacionamentos entre os estaria melhor se estivesse usando drogas. Isso está

454
Tratamento dos transtornos por uso de substâncias com a terapia cognitiva: lições aprendidas e implicações para o futuro

correto? (O paciente responde afirmativamente.) da terapia de forma que as dificuldades potenciais


Então eu entendo que você estaria tendo mais sejam identificadas e sejam planejadas estratégias
compulsões e desejos”. alternativas.
O resumo periódico deve ser seguido de Os pacientes parecem mais comprometidos com
perguntas adicionais, intervenções cognitivo- as tarefas de casa quando eles compreendem a sua
-comportamentais específicas ou tarefas de casa. função em suas vidas. Assim, é importante que o
No exemplo acima, as questões defollow-up deve­ terapeuta explique a lógica de cada tarefa de casa
ríam focar nas razões de John para se isolar. Uma atribuída. A tarefa de casa deve ser formulada em
intervenção cognitivo-comportamental específica conjunto, para que os pacientes sintam um senso de
podería ser o preenchimento de um registro diário controle e responsabilidade para com as mesmas.
de pensamento (RDP) para tratar do sofrimento E, finalmente, é importante que os terapeutas res­
emocional associado com o isolamento de John. saltem a importância da tarefa de casa, revendo-a
E, finalmente, a tarefa de casa podería envolver em cada sessão.
frequentar reuniões dos AA durante a próxima
semana e completar os RDP diariamente. Feedback na sessão de terapia
Os resumos periódicos devem ser feitos pelo É importante que os terapeutas regularmente
menos três vezes por sessão de terapia cognitiva. verifiquem as percepções do paciente sobre a
O primeiro resumo periódico deve ocorrer depois terapia solicitando explicitamente um feedback
que a agenda foi definida, um segundo aproxima­ e considerando as pistas não verbais importan­
damente no meio da sessão e o terceiro resumo tes. Questões como “O que isso significa para
periódico deveria ocorrer próximo ao final da você?” e “Por que você acha que eu lhe fiz aquela
sessão. pergunta?” podem esclarecer uma dificuldade
potencial na comunicação durante as sessões de
Tarefas de casa terapia cognitiva. O feedback deveria também ser
A tarefa de casa é uma característica essencial obtido no fechamento das sessões referindo-se ao
da terapia cognitiva, proporcionando aos pacientes que foi aprendido, como os pacientes sentem-se
oportunidades para praticarem novas habilidades, nas sessões e como pacientes sentem-se sobre o
testar crenças disfuncionais e coletar informações progresso da terapia em geral.
entre as sessões. As tarefas de casa deveríam ser Um momento excelente para obter feedback
relacionadas aos assuntos discutidos na sessão é imediatamente depois que o paciente fornece
atual com vistas a construir sobre o progresso uma dica não verbal evidente (franzir as sobran­
feito na sessão. Novamente, a tarefa de casa será celhas, um suspiro, desviar o olhar, bocejar). É
mais apropriadamente atribuída em sequência aos especialmente importante prestar atenção às mu­
resumos periódicos, quando o terapeuta e o paciente danças nas expressões faciais, que provavelmente
podem focar em meios para continuar e reforçar o refletirão mudanças afetivas. Por exemplo, se um
progresso. As tarefas de casa podem consistir de paciente sorri, o terapeuta pode perguntar, “Você
técnicas cognitivas ou comportamentais padrões acabou de sorrir. O que se passou na sua mente
(RDPs, análises de vantagens e desvantagens, nesse momento?” As respostas a essas questões
experimentos comportamentais, programação de podem fornecer ao terapeuta informações valiosas
atividades) e elas podem relacionar-se especifi­ dos sentimentos e do entendimento do paciente
camente com o desenvolvimento de estilos de sobre a sessão. Assim como os resumos perió­
vida sem drogas (frequentar as reuniões dos AA, dicos, o feedback deveria ser trazido à tona pelo
falar com um padrinho dos AA ou dedicar tempo menos três vezes por sessão, mesmo quando as
a amigos que não usam drogas). É importante sessões parecem ser produtivas. Quando os pa­
atribuir e começar a tarefa de casa logo no início cientes respondem aos pedidos de feedback com

455
Fronteiras da Terapia Cognitiva

generalizações, ambivalência ou respostas ambí­ me divertir”. Na fase ativa do uso de drogas, as


guas, questões de follow-up são particularmente crenças de controle não são fortes o suficiente
importantes. para predominarem sobre as crenças relacionadas
às drogas. Assim, as técnicas cognitivas são proje­
Instruindo pacientes sobre o modelo cognitivo tadas para enfraquecerem as crenças relacionadas
Ao aplicar a terapia cognitiva aos comportamen­ às drogas e amplificar crenças de controle. A mais
tos de dependência, pressupõe-se que os indivíduos básica técnica cognitiva é a descoberta dirigida.
tenham aprendido a pensar de certas formas que os Uma vez que ela é fundamental para todas as
tomam vulneráveis ao uso de substâncias. Assim, técnicas da terapia cognitiva, a descoberta diri­
um componente importante da terapia cognitiva é gida foi discutida anteriormente nesse capítulo.
a “instrução” (isto é, ensino) dos pacientes sobre No restante dessa seção, serão descritas algumas
o desenvolvimento de pensamentos e crenças técnicas específicas da terapia cognitiva.
“controle” que inibam o uso de drogas. Talvez a
estratégia mais importante para instruir os pacientes Identificação de crenças relacionadas às
seja reproduzir o modelo cognitivo (ver Figuras drogas e crenças de controle
20.1 - 20.3) e ensinar aos pacientes como cada Uma técnica de terapia cognitiva básica é
quadro se relaciona ao seu uso de drogas. Então, ensinar aos pacientes o uso do modelo de terapia
como tarefa de casa, pode-se pedir que memo­ cognitiva para identificar e modificar as crenças
rizem os conceitos apresentados nos quadros e e comportamentos relacionados às drogas. Como
apliquem cada conceito às suas próprias situações mencionado anteriormente, fomece-se aos pacien­
e adições. Um erro comum cometido no processo tes planilhas que descrevem o modelo cognitivo
de instrução do paciente é começar a ensinar o básico, com espaços para serem listados os estí­
modelo cognitivo antes de ter uma substancial mulos ativadores, as crenças, os pensamentos e
conccituação do paciente. Quando os terapeutas as ações específicos (ver Figura 20.3). Auxilia-sc
ensinam prematuramente aos pacientes o modelo os pacientes a completarem a planilha, especi­
cognitivo, estes têm dificuldades em relacionar os ficando seus próprios estímulos ativadores, as
conceitos com suas próprias vidas. crenças relacionadas às drogas e os pensamentos
automáticos. Depois que cada quadro é comple­
Técnicas cognitivo-comportamentais tado e os pacientes têm uma maior compreensão
Literalmente, centenas de técnicas cognitivas do seu uso de substâncias, eles são ensinados a
e comportamentais podem ser consideradas “tera­ usarem o mesmo formulário para a identificação
pia cognitiva” (ver McMullin, 1986). Na terapia das crenças de controle, dos pensamentos e dos
cognitiva de abuso de substâncias, um objetivo comportamentos (ver o formulário completo na
principal no uso das técnicas é minar as crenças Figura 20.4).
relacionadas às drogas e substituí-las por crenças Os terapeutas são fortemente encorajados a
de controle. trabalharem colaborativamente com os pacientes
A maioria dos indivíduos que abusam de para desenvolverem pensamentos e crenças de
substâncias é ambivalente sobre o seu uso de subs­ controle que sejam precisos e úteis ao máximo.
tâncias. Isso é, eles possuem crenças de controle Alguns pacientes carregam as planilhas comple­
que se contrapõem às suas crenças relacionadas tadas para ajudá-los a lembrar dos pensamentos
às drogas. Essas crenças de controle reduzem a e crenças de controle.
probabilidade de uso de substâncias. Exemplos
de crenças de controle incluem: “O fumo e a Análise das vantagens e desvantagens
bebida estão me matando”, “Eu preciso parar de A análise das vantagens-desvantagens (V-D) é
usar drogas!” e “Eu não preciso de drogas para outra técnica útil na terapia cognitiva de abuso de

456
Tratamento dos transtornos por uso de substâncias com a terapia cognitiva: lições aprendidas e implicações para o futuro

Figura 20.4 - Modelo cognitivo de controle (preenchido com paciente).

substâncias. Os pacientes com transtornos por uso O exemplo a seguir ilustra a análise V-D de
de substâncias tipicamente focam nos benefícios de um paciente discutindo a potencial abstinência
usá-las, enquanto minimizam suas consequências de álcool (a matriz completa é apresentada na
negativas. A análise V-D guia o paciente através da Figura 20.5):
avaliação das consequências positivas e negativas TERAPEUTA: Então você não tem certeza se
do uso de substâncias. Às vezes a análise V-D você quer mesmo parar de beber bebidas alcoólicas.
resulta na mudança do paciente para a abstinência.
PACIENTE: Eu acho que não.
Outras vezes essa técnica simplesmente ajuda os
TERAPEUTA: Vamos dar uma olhada nas
terapeutas e os pacientes a entenderem o apelo
vantagens e desvantagens potenciais do seu hábito
contínuo dos comportamentos de dependência.
de beber. Eu vou desenhar essa figura para que
A análise V-D começa com uma matriz de
possamos manter um registro dos seus pensamentos
quatro células em branco, desenhada pelo tera­
(desenha a matriz). No eixo horizontal nós escreve­
peuta. Usando a descoberta dirigida, auxilia-se o
mos “continuar a beber” e “abstinência” e no eixo
paciente a listar as vantagens e as desvantagens de
vertical escrevemos “vantagens” e “desvantagens”.
usar e não usar drogas nas células adequadas da
PACIENTE: Uh-huh.
matriz. A análise V-D, quando feita corretamente,
proporciona uma visão objetiva e precisa do uso TERAPEUTA: Bem, quais são as vantagens
de substâncias pelo paciente, que pode ser então de não beber?
examinada de forma objetiva e racional pelo te­ PACIENTE: Não tenho ressaca.
rapeuta e pelo paciente.

457
Fronteiras da Terapia Cognitiva

TERAPEUTA: Mais alguma outra coisa que PACIENTE: Eu acho que sim. Vamos ver. É o
você consegue pensar? que eu faço quando estou à toa com meus amigos.
PACIENTE: Eu posso não faltar tanto ao TERAPEUTA: Mais alguma vantagem?
trabalho. PACIENTVE: Me ajuda a dormir mais facilmente.
TERAPEUTA: Alguma coisa mais? TERAPEUTA: O que mais?
PACIENTE: Eu vou tirar a minha esposa e o (A discussão continua até que todas as células
meu chefe do meu pé. estejam preenchidas)
TERAPEUTA: O que mais?
PACIENTE: Eu poderei guardar algum dinheiro. É importante notar que a análise V-D tem vá­
rios objetivos, o mais óbvio dos quais é ajudar os
TERAPEUTA: O que mais?
pacientes a reconhecer que seu uso de drogas tem
PACIENTE: Eu vou ficar fora da cadeia se eu
consequências negativas. Entretanto, outro objetivo
não beber e dirigir.
frequentemente negligenciado é ajudar os pacientes
TERAPEUTA: Você pode pensar em mais e os terapeutas a identificar as vantagens do uso,
alguma coisa? a fim de descobrir outras estratégias alternativas
PACIENTE: Acho que será bom para a minha para alcançar os mesmos benefícios.
saúde.
TERAPEUTA: O que mais? Técnica das três questões
A técnica das três questões é outro método que
PACIENTE: Eu não posso pensar em mais nada.
usa a descoberta guiada para examinar os processos
TERAPEUTA: Ok. Agora quais são as vanta­
de pensamentos disfúncionais do paciente. Nessa
gens de beber?
técnica, os terapeutas perguntam aos pacientes
PACIENTE: Nenhuma, eu acho. uma série de três questões relacionadas com as
TERAPEUTA: Deve haver algumas vantagens crenças e os pensamentos referentes às drogas.
ou você não beberia, certo?

458
Tratamento dos transtornos por uso de substâncias com a terapia cognitiva: lições aprendidas e implicações para o futuro

1. Qual é a evidência da sua crença? Na primeira coluna, os pacientes descrevem as


situações que os colocam em alto risco de uso de
2. De que outra forma você pode interpretar a
substâncias. Na coluna seguinte, os pensamentos
situação?
automáticos associados são listados e classificados
3. Se a interpretação alternativa é verdadeira, (de 0% a 100%) de acordo com quanto eles acre­
quais são as implicações? ditam nos mesmos. Então, as emoções associadas
com a situação são listadas e classificadas pela
Por exemplo, uma paciente que estava usando sua intensidade (novamente de 0% a 100%). A
maconha mantinha a seguinte crença: “Eu não seguir os pacientes listam as possíveis respostas
consigo relaxar sem um baseado.” Usamos a téc­ racionais e classificam as suas crenças naquelas
nica das três questões para examinar sua crença: respostas. Finalmente, os pacientes reclassificam
suas crenças nos pensamentos automáticos lis­
1. Qual é a evidência para essa crença? “Eu tados anteriormente e especificam e classificam
nunca fui capaz de voltar para casa à noite a mudança resultante em suas emoções. O RDP
e relaxar sem fumar um baseado. Eu devo é especialmente útil para ensinar os pacientes a
precisar fumar para relaxar ou eu não faria regularem seus humores sem as drogas.
tanto isso, certo?” Uma vez que alguns pacientes inicialmente
têm dificuldade em formular respostas racionais,
2. De que outra forma você pode interpre­
as questões abertas a seguir podem ser úteis para
tar a situação? “Bem, eu acho que nunca
gerar tais respostas (Beck et al., 1993, p. 144):
realmente tentei ficar sem maconha. Talvez
seja apenas um hábito. Na verdade, eu tive
algumas noites quando eu não pude achar 1. Que evidências concretas e factuais confir­
nenhum baseado e eu fiquei bem”. mam ou desconfirmam seus pensamentos e
crenças automáticos?
3. Se a interpretação alternativa é verdadeira,
quais são as implicações? “Eu acho que se 2. Há outras maneiras pelas quais você podería
é apenas um hábito e eu consegui passar ver esta situação? Há alguma coisa boa que
algumas noites sem a maconha, então eu não esteja sendo vista aqui?
realmente não preciso dela. Eu acho que 3. Qual é a pior coisa que podería acontecer?
posso relaxar sem um cigarro de maconha, Qual é a melhor coisa? Qual é a mais pro­
eu apenas nunca tento com frequência vável, realisticamente falando?
suficiente”.
4. Que ação construtiva você pode adotar para
lidar com a situação?
Como com métodos anteriormente discutidos,
essa técnica deveria ajudar os pacientes a avaliar 5. Quais são os prós e contras de mudar a
mais realista e objetivamente suas crenças sobre maneira pela qual você vê essa situação?
eles próprios e seu uso de drogas. 6. Que conselho você daria para o seu melhor
amigo nessa situação?
Registro diário de pensamento
O RDP ajuda os pacientes a analisar, objetiva­ No início, os RDP’s são completados nas ses­
mente, os pensamentos automáticos e sentimentos sões de terapia. Entretanto, quando os pacientes
que potencialmente levam ao uso de drogas. O são capazes de efetivamente completá-los sozi­
RDP consiste de cinco colunas para listar e des­ nhos, os RDP’s são atribuídos como tarefa de
crever as situações, as emoções, os pensamentos casa para serem revisados nas sessões posteriores.
automáticos, as respostas racionais e os resultados. Usados efetivamente, os RDP’s são ferramentas

459
Fronteiras da Terapia Cognitiva

poderosas para ajudar os pacientes a verem o colaborativamente para estabelecer tais habilida­
relacionamento entre seus pensamentos, emoções des. A dramatização, um importante componente
e comportamentos. do treinamento das habilidades de comunicação,
Em adição às técnicas cognitivas descritas permite que os pacientes adquiram e pratiquem
acima, certas técnicas comportamentais são ex­ novas habilidades em um ambiente seguro.
tremamente úteis para ajudar os pacientes tanto a
evitar quanto a enfrentar os estímulos ativadores Terapia cognitiva e os Programas de 12 Passos
externos e internos. Duas técnicas comportamentais A terapia cognitiva é um esforço altamente in-
particularmente eficazes são a programação de tegrativo e colaborativo. Como tal, todo esforço é
atividades semanais e o treinamento de habilidades feito para facilitar a integração da terapia cognitiva
de comunicação. com outros serviços disponíveis para o tratamento
da dcpendcncia, incluindo programas dc 12 passos
Programação de atividades semanais (tais como os AA e Narcóticos Anônimos [NA].
Na programação de atividades semanais, Já que alguns leitores podem não ter total conhe­
fomece-se aos pacientes calendários nos quais eles cimento sobre os programas de 12 passos, eles
registram suas atividades hora a hora por uma se­ serão brevemente discutidos aqui).
mana (como tarefa de casa). Os terapeutas ajudam Os A A, NA e outros programas de 12 passos,
os pacientes a examinarem os calendários preen­ são grupos de ajuda mútua com uma exigência
chidos para situações típicas de alto risco e baixo para a filiação: o desejo de se abster de álcool e
risco. Essa avaliação inicial é usada para planejar drogas. Os programas de doze passos foram assim
as atividades futuras de forma que as situações de denominados porque os membros são encorajados
alto risco sejam minimizadas e as situações de a seguirem 12 passos para a recuperação.
baixo risco sejam maximizadas. Programações de
Além de seguirem os 12 passos, os membros são
atividade de follow-up são utilizadas para avaliar
encorajados a participar regularmente de reuniões,
o sucesso dos pacientes na implementação das
dar apoio a outros membros, buscar ajuda quando
mudanças dc programação propostas. O sucesso
uma recaída está iminente, e estudar o texto bá­
no planejamento e implementação de atividades
sico dos AA (O livro Alcoólicos Anônimos - The
livres de substâncias contribui para a satisfação e
Big Book; Alcoholics Anonymous World Services,
autoeficácia do paciente e promove o desenvolvi­
1976). A dimensão espiritual (não necessariamente
mento de crenças de controle e comportamentos
religiosa) é considerada um aspecto chave da
adaptativos.
recuperação; os membros são encorajados a iden­
tificarem um poder mais alto. Eles também são
Treinamento das habilidades de comunicação
Ensinar aos pacientes a se comunicar eficaz­ encorajados a obterem um maior conhecimento
mente é uma técnica comportamental importante. de si mesmos e de seus relacionamentos com os
Conforme mencionado anteriormente, um estudo outros. Os programas de doze passos não pedem
de 311 episódios de recaída descobriu que 36% contribuição dos membros, promovem religiões,
foram devidos a determinantes interpessoais: 20% fornecem serviços sociais, aceitam dinheiro ou
estavam relacionados à pressão social, e 16% re­ propaganda, oferecem psicoterapia, se envolvem
lacionados a conflitos interpessoais (Cummings, em pesquisa ou oferecem atendimento. Como
Marlatt & Gordon, 1980). Muitos desses episódios resultado, é difícil quantificar os efeitos dos pro­
poderíam não ter ocorrido se os indivíduos tives­ gramas de 12 passos.
sem as habilidades (por exemplo, assertividade) Certos slogans e temas de programas de 12
para resolver problemas interpessoais. Na terapia passos têm relevância para a terapia cognitiva. Por
cognitiva, os pacientes e os terapeutas trabalham exemplo, a Oração da Serenidade, que é central à

460
Tratamento dos transtornos por uso de substâncias com a terapia cognitiva: lições aprendidas e implicações para o futuro

tradição dos 12 passos, parece refletir a essência estudar periódicos profissionais, livros (por exem­
da Terapia Cognitiva: plo, Beck et al., 1993; Marlatt & Gordon, 1985;
Dê-me a serenidade para aceitar as coisas que Miller & Rollnick, 1991; Prochaska et ai, 1994;
eu não posso mudar, Sobell & Sobell, 1993) e livros de auto ajuda (por
exemplo, Alcoholics Anonymous World Sevices,
A coragem para mudar as coisas que eu posso,
1976; Burton, 1986; Daley, 1991; Dorsman, 1991;
E a sabedoria para reconhecer a diferença.
Ellis & Velten, 1992; Gorski, 1989; Miller &
Os terapeutas cognitivos que tratam de pacientes Munoz, 1976; Mooney, Eisenberg & Eisenberg,
com dependência, são fortemente incentivados a 1992; Trimpey, 1989). Outra estratégia essencial é
aprender sobre os programas de 12 passos. Uma ouvir cuidadosamente os pacientes que lutam com
estratégia para fazer isso é discutir os programas as adições (incluindo os fumantes de cigarros).
de 12 passos com os pacientes que já tenham se
Lição 2: Comunicar-se e colaborar com
beneficiado dos mesmos. Outra estratégia é ler
outras pessoas envolvidas com o tratamento
material já publicado pelos programas de 12 passos
de adições. Numerosos recursos de tratamento
(The Big Book).
estão disponíveis para indivíduos dependentes,
incluindo internação, tratamento ambulatorial e
programas de autoajuda. A maioria do pessoal
Dez lições aprendidas e implicações envolvido nesses programas pode ser um recurso
para o futuro valioso para os terapeutas cognitivos trabalhando
com pacientes dependentes. Infelizmente, muitos
Nos últimos anos aprendemos numerosas lições dos psicoterapeutas subestimam o valor potencial
sobre a terapia cognitiva do abuso de substâncias. desses indivíduos. Os terapeutas cognitivos são
Nessa seção revisaremos 10 dessas lições. Nossos fortemente incentivados a se comunicarem e co­
objetivos são o de encorajar os terapeutas cogni­ laborarem com essas pessoas sempre que possível.
tivos a trabalhar eficazmente com os pacientes Lição 3: Aborde o importante papel das dro­
dependentes e compartilhar o que aprendemos. gas na regulação do humor. Os indivíduos com
Lição 1: Tornar-se conhecedor das drogas dependência, como todos os outros seres huma­
psicoativas, comportamentos de dependência e nos, encontram uma ampla gama de estados de
modalidades tradicionais de tratamento. Ao iniciar humor: raiva, felicidade, tédio, alegria, vazio,
o tratamento de pacientes dependentes, a maioria tristeza, solidão, desespero, ansiedade. As drogas
dos terapeutas cognitivos são ingênuos sobre as fornecem métodos poderosos para regular esses
drogas e a “cultura das drogas”. Por exemplo, humores e os pacientes dependentes tomam-se
eles podem não perceber os poderosos efeitos habituados aos efeitos reguladores de humor ime­
fisiológicos da cocaína, maconha, álcool, nicotina diatos das drogas. Mesmo a nicotina, segundos
e outros agentes psicoativos. Eles podem não estar após a inalação, pode ter um profundo efeito nos
conscientes do contexto sociocultural “sedutor”, humores dos indivíduos. É importante ajudar os
dentro do qual o uso das drogas acontece. Além indivíduos com dependência a entenderem que seu
do mais, eles podem não estar familiarizados com uso das drogas reflete suas tentativas de regularem
as modalidades de tratamento predominantes (in­ mesmo os “bons” humores (para transformá-los
ternação e programas de 12 passos). em “grandes” humores). Logicamente, em vista
Ao tratar pacientes dependentes é importante da função de regulação de humor das drogas, é
aprender tanto quanto possível sobre as drogas essencial que os terapeutas ajudem os pacientes a
psicoativas, comportamentos de dependência e desenvolverem estratégias alternativas (cognitivas)
modalidades tradicionais de tratamento de dro­ para regularem os estados de humor.
gas. Uma excelente estratégia de aprendizagem é

461
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Lição 4: Conceitue e trate psicopatologias terapêutico são inevitáveis no tratamento de in­


coexistentes. Conforme discutido no início desse divíduos com problemas de drogas. As crenças
capítulo, os transtornos psiquiátricos agudos e relacionadas às drogas e os comportamentos disfim-
crônicos (por exemplo, depressão, ansiedade, cionais dos pacientes irão provavelmente disparar
transtorno de personalidade antissocial) tendem o sofrimento dos terapeutas. Esse sofrimento, por
a coexistir com comportamentos de dependência. sua vez, provavelmente irá disparar a desconfiança
f

E cxtrcmamcntc importante para os terapeutas dos pacientes em seus terapeutas. Infelizmente,


cognitivos reconhecer, diagnosticar e tratar da vários desses problemas não são percebidos.
psicopatologia que coexista com o abuso de A menos que os problemas de relacionamento
substâncias. Especificamente, os terapeutas são terapêutico sejam resolvidos eles provavelmente
incentivados a conceituar os pacientes cuidadosa irão atrapalhar a terapia (resultando num término
e precisamente, e devem urgentemente aplicar as prematuro).
técnicas psicológicas apropriadas para tratar dos Os terapeutas precisam reconhecer e discutir os
sintomas psiquiátricos. Novamente, uma vantagem problemas dc relacionamento terapêutico. Especi­
significativa de tratar os pacientes dependentes ficamente eles são incentivados a prestar atenção
com a terapia cognitiva é que a terapia cognitiva às suas próprias emoções (por exemplo, tédio,
tem-se mostrado eficaz no tratamento de transtor­ raiva, confusão, frustração) e aos pensamentos
nos psiquiátricos que coexistem com as adições. associados. Eles são incentivados a compartilhar as
Lição 5: Explore o desenvolvimento dos preocupações sobre o relacionamento terapêutico
problemas dos pacientes que usam drogas. O com os pacientes e obter o feedback dos pacientes
contexto histórico no qual as adições dos pacien­ sobre o processo terapêutico de forma regular. E
tes se desenvolveram é importante. Numerosos o mais importante, os terapeutas são incentivados
fatores podem contribuir para os transtornos dc a manter atitudes colaborativas e empáticas à me­
dependência (por exemplo, crescer com pais que dida que eles conduzem a terapia cognitiva com
eram dependentes). Um exame cuidadoso do de­ pacientes dependentes.
senvolvimento e manutenção dos pacientes com Lição 7: Confronte os pacientes apropriada
problemas de drogas é geralmente negligenciado e eficazmente. Os indivíduos dependentes podem
pelos clínicos, ou, no extremo oposto, focado em possuir numerosos pensamentos e comportamentos
detalhes excessivos. disfuncionais e de autoderrota (evitação, negação,
É essencial que os terapeutas cognitivos con­ fuga, agressão). Alguns clínicos relutam em abordar
ceituem o desenvolvimento das adições de seus ou confrontá-los porque eles acreditam que “não é
pacientes. Ao fazer isso, eles podem ajudar os legal” agir assim. Esses clínicos pensam: “Eu não
pacientes a desenvolverem novas conceituações quero fazer meu paciente sentir-se mal”.
do seu uso de drogas. Por exemplo, vários indiví­ A confrontação é uma arte. Ao tratar pacientes
duos dependentes inicialmente acreditam “Eu uso com transtornos de dependência é essencial iden­
drogas somente para me divertir. Eu não tenho um tificar e conceituar as estratégias de enfrentamento
problema rcalmcntc sério”. Ao focar nas histórias disfuncionais dos pacientes e revelá-las a eles.
de álcool e drogas de seus pais, esses mesmos Além disso, é importante antecipar as reações
indivíduos podem começar a ver seu próprio uso dos pacientes a tais intervenções e responder
das drogas como disfuncional. Além do mais, eles apropriadamente (ouvir cuidadosamente e manter
podem começar a ver como desenvolveram seu uma mente aberta quando os pacientes discordarem
próprio problema com as drogas. das confrontações dos terapeutas).
Lição 6: Aborde os problemas de relaciona­ Lição 8: Permaneça focado nas sessões. Os
mento terapêutico. Os problemas de relacionamento indivíduos com adições severas tendem a viver

462
Tratamento dos transtornos por uso de substâncias com a terapia cognitiva: lições aprendidas e implicações para o futuro

vidas desorganizadas e caóticas. Assim, algumas estratégias de mudança (uma vez que as estratégias
sessões psicoterapêuticas podem se tomar desfo­ de mudanças deveríam ser guiadas por uma con-
cadas e desorganizadas. Quando isso ocorre, as ceituação precisa do caso). E o mais importante,
sessões podem se tornar difusas e tanto o terapeuta quando uma técnica específica não funcionar para
quanto o paciente podem se sentir incompletos. um paciente em particular, ou quando um paciente
Para ajudar os pacientes que têm suas vidas não termina uma tarefa de casa, é importante que
desorganizadas, é importante fornecer alguma o terapeuta esforce-se para entender o problema do
estrutura na psicoterapia. Todos os ingredientes da paciente com a técnica ou com a tarefa de casa.
estrutura da terapia cognitiva são potencialmente Lição 10: Não desista de pacientes dependentes.
terapêuticos e diagnosticamente úteis. As sessões Em todo esse capítulo enfatizamos a natureza difícil
de terapia cognitiva deveríam ser conduzidas pela da terapia cognitiva do abuso de substâncias. Na
agenda (focada naquilo em que o paciente se prática descobrimos que a maioria dos terapeu­
sente motivado a fazer) e os terapeutas deveríam tas, às vezes, tomam-se sobrecarregados com a
regularmente verificar até a que ponto os itens da extensão e profundidade dos problemas dos seus
agenda são abordados com sucesso. pacientes dependentes. Mas também aprendemos
Lição 9: Use as técnicas da terapia cognitiva a esperar surpresas positivas; as pessoas com
apropriada e parcimoniosamente. Em vários adições geralmente têm fortes desejos subjacentes
encontros psicoterápicos há uma conspiração de superar sua dependência.
silenciosa, na qual os terapeutas e pacientes procu­ Isto nos traz, talvez, a mais importante de todas
ram por soluções rápidas e fáceis para problemas as lições: não desista de pacientes com depen­
complexos. Os pacientes podem estar procurando dência! Ao trabalhar com pacientes dependentes,
panaceias enquanto os clínicos podem estar pro­ mesmo que mudanças cognitivas ou comporta-
curando por “balas de prata”. Quando isso ocorre, mentais aparentes não sejam evidentes durante o
ambos foram enganados pelo brilho das técnicas curso da terapia, os pacientes provavelmente irão
aparentemente simples e eficazes. Infelizmente, eventualmente se beneficiar das lições que eles
as técnicas orientadas à mudança podem ter uma aprenderam na terapia cognitiva.
precedência inapropriada sobre as técnicas orien­
tadas ao insight.
Os terapeutas são incentivados a evitarem a Nota
“tecnolatria”, ou a veneração das técnicas (Ma­
honey, 1991). Alternativamente, os terapeutas A 4a edição do Diagnostic and Statistical
devem urgentemente aplicar as técnicas somente Manual of Mental Disorders (DSM-1V; American
na medida em que elas são apropriadas para os Psychiatric Association, 1994) classifica o abuso e
problemas dos pacientes e sua prontidão para a dependência de substâncias como transtornos por
mudança. É importante entender que uma concei- uso de substâncias. Neste capítulo usamos esses ter­
tuação precisa do caso tem precedência sobre as mos e o termo “dependência” intercambiavelmente.

463
Fronteiras da Terapia Cognitiva

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466
Capítulo 21

Transtornos emocionais na juventude

Philip C. Kendall
Melissa J. Warman

ecentemente, teorias cognitivas têm sido depressão. Além disso, sua distinção entre depres­

R fundamentais para os profissionais de


saúde mental em seus esforços para
entender, tratar e avançar nosso conhecimento
acerca dos transtornos afetivos. Claramente, uma
são como um humor, um sintoma e uma síndrome
permitiram o avanço em procedimentos de avalia­
ção e em pesquisas investigativas; e sua hipótese
de especificidade de conteúdo tem ajudado na
das mais produtivas teorias é aquela apresentada compreensão de similaridades e diferenças entre
por Aaron T. Beck (por exemplo, Beck, 1976). jovens ansiosos e depressivos. A proposição por
Nesse sentido, a terapia cognitiva para depressão Beck de estratégias e procedimentos de tratamento
de Beck (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1979) se especificáveis para a cura do humor depressivo tem
tomou uma das abordagens de tratamento mais tido um impacto significante, enquanto a utilidade
bem-validadas e difundidas. De particular interesse do tratamento baseado em manuais, permitindo
para a nossa compreensão, Beck não só modelou maior transportabilidade, tem sido outra grande
o estudo e tratamento da psicopatologia adulta, contribuição, que tem influenciado considerações
mas também teve uma profunda influência sobre metodológicas em estudos subsequentes com
a pesquisa em psicopatologia infantil, além da crianças. Áreas em que são necessárias futuras
pesquisas também destacam a contribuição de
prática e avaliação da terapia infantil.
longo alcance de Beck, em nossas tentativas de
A finalidade deste capítulo é ilustrar o impacto melhor entender e tratar jovens emocionalmente
da teoria de Beck sobre a pesquisa em psicopa­ perturbados. Esperamos que o presente capítulo
tologia infantil e sobre a prática e avaliação da expresse nosso reconhecimento e apreciação por
psicoterapia infantil. Seus trabalhos marcantes sua profunda influência em nosso campo de estudo.
estimularam a pergunta crítica sobre se depressão
ocorre ou não na juventude, e abriram a porta para
outras pesquisas investigativas teóricas, tais como
A natureza da depressão e da
a distinção entre distorção cognitiva e deficiência
ansiedade na juventude
cognitiva (Kendall, 1985) na psicoterapia e psico­
patologia infantis. A teoria de Beck resultou em Beck (por exemplo, 1967,1976; Beck e outros,
muitos esforços para avaliar, investigar e tratar a 1979) colocou o processamento cognitivo bem
Fronteiras da Terapia Cognitiva

no centro da arena da pesquisa clínica. Sua teo­ a forma de erros cognitivos, tais como super-
ria cognitiva afirma que diferenças no conteúdo generalização, inferência arbitrária, abstração
cognitivo determinam e mantêm a psicopatolo- seletiva, magnificação-minimização, pensamento
gia (Beck, 1976) e que, além disso, influências dicotômico e personalização (Beck, 1967; Beck
sistemáticas são introduzidas no processamento e outros, 1979). Na presença da psicopatologia,
da informação. É esse sistema falho de proces­ os erros podem persistir mesmo quando houver
samento de informação que está associado aos evidência contrária. A teoria cognitiva afirma que
sintomas afetivo, comportamental, motivacional cada transtorno tem um perfil cognitivo específico,
e fisiológico na depressão e na ansiedade (Clark, evidenciado através de esquemas disfuncionais,
Beck, & Brown, 1989). pensamentos automáticos e interpretações distor­
Em seguida a Beck, Ingram e Kendall (Ken­ cidas (Beck, 1976).
dall, 1985, 1991; Ingram & Kendall, 1986, 1987; A teoria cognitiva e as pesquisas subsequentes
Kendall & Ingram, 1987, 1989) desenvolveram o abordaram as distorções cognitivas no proces­
modelo teórico de processamento de informação, samento de informação, associadas à angústia
que direciona a abordagem. Eles descrevem a emocional. Ao mesmo tempo, pesquisadores es­
cognição como dividida em quatro elementos: tudaram deficiências cognitivas em crianças com
(1) estruturas cognitivas, (2) conteúdo cognitivo transtornos de déficit de atenção. A semelhança
(proposições), (3) operações cognitivas e (4) pro­ do tópico, bem como as diferenças nos tipos de
dutos cognitivos. Estruturas cognitivas podem ser erros cognitivos de processamento de informação,
consideradas como a forma pela qual a informação levou a uma série de estudos que examinaram as
é organizada e representada na memória e é baseada distorções cognitivas versus as deficiências cog­
nas experiências do indivíduo no mundo. Depois nitivas em psicopatologia infantil.
de repetidas experiências em um determinado con­
texto, uma pessoa antecipa a experiência, e isso se Distorção cognitiva versus
representa nas estruturas cognitivas. A combinação deficiência cognitiva
entre conteúdo e estruturas cognitivas forma o que Com a disfunção cognitiva como um foco
Beck (1967) denominou de esquemas cognitivos, importante de pesquisa e terapia, é crítico reco­
o foco de pesquisas cm transtornos depressivos. nhecer que nem todas as disfunções cognitivas
Este esquema cria um quadro de referência, no são iguais, e que uma compreensão da natureza
qual cada indivíduo desenvolve sua visão única de da disfunção em transtornos específicos tem im­
si mesmo, dos outros, do ambiente e do mundo. plicações importantes para o tratamento. Teoria
Este processo afeta o que um indivíduo percebe, e pesquisa (por exemplo, Kendall, 1985, 1991,
recorda e prioriza como importante. É através de 1993) têm apoiado uma distinção importante em
esquemas que um indivíduo interpreta o mundo e psicopatologia infantil entre deficiências cognitivas
deriva dele o significado correspondente. e distorções cognitivas.
Esquemas, de acordo com Clark e outros Deficiências cognitivas descrevem uma falta ou
(1989), proporcionam um sistema econômico uma quantidade insuficiente de atividade cognitiva
de processamento da informação. Informações em situações nas quais tal atividade mental seria útil
consistentes com os esquemas existentes são para a adaptação da criança. A falta de resolução
codificadas, enquanto as inconsistentes são de problemas, planejamento e tomada de perspec­
desconsideradas (Greenberg, Vasquez, & Alloy, tiva podem ser manifestadas como o resultado de
1988). Entretanto, quando a psicopatologia está atividade cognitiva insuficiente e também como a
presente, a teoria propõe que os esquemas que falta de mediação verbal e autocontrole (Fuhrman
são ativados são disfuncionais e resultam em & Kendall, 1986). Em comparação, distorção cog­
um viés sistemático no processamento, que toma nitiva não é um resultado da falta de atividade de

468
Transtornos emocionais na juventude

processamento, mas é uma consequência de um enquanto a autoavaliação negativa é também uma


processo de pensamento ativo, porém impreciso. distorção comum evidente em crianças depressi­
Em outras palavras, o processamento cognitivo vas. Pesquisas sobre características cognitivas de
está ocorrendo, mas o pensamento está de algum crianças e adolescentes depressivos descobriram
modo distorcido (Kendall & MacDonald, 1993). distorções em atribuições, autoavaliação e percep­
Kendall e MacDonald (1993) postularam que ções de eventos passados e presentes.
há vários fatores importantes de processamento Distorções cognitivas foram demonstradas
de informação, sociais e cognitivos, que devem como sendo características de diferentes popula­
ser considerados, e que a diferenciação entre defi­ ções de crianças depressivas, inclusive em amostras
ciências cognitivas e distorções cognitivas é uma de pacientes ambulatoriais, não clínicos e inter­
das diretrizes mais úteis quando se trabalha com nados. Kaslow, Rehm, Pollack e Siegel (1988)
crianças. Eles hipotetizaram que essa distinção relataram que crianças clinicamente depressivas
poderia ser unida à distinção comportamental entre possuíam mais atribuições depressogênicas do que
transtornos subcontrolados (externos) e transtornos crianças clinicamente não depressivas ou crianças
supercontrolados (internos) (Achenbach, 1966). não clínicas. Leitenbcrg, Yost e Carrol-Wilson
Por exemplo, o transtorno de déficit de atenção/ (1986), em um esforço para medir em crianças
hiperatividade, um transtorno caracterizado por os quatro tipos de erros cognitivos apresentados
problemas subcontrolados, externos e de ação, no modelo de Beck para adultos (ou seja, catas-
envolve deficiências como uma falta de autocon­ trofização, supergeneralização, personalização ou
trole intemamente mediado e uma falha em utilizar abstração seletiva), desenvolveram o Children's
habilidades de mediação. A psicopatologia que Negative Cognitive Error Questionaire (CNCEQ).
envolve problemas de supercontrole e de intema-
Em sua maioria, crianças oriundas de uma amostra
lização, tais como depressão e ansiedade, podem
normal não apresentavam nenhum dos quatro erros,
ser conceituados como uma interpretação errônea
enquanto crianças depressivas de acordo com o
de demandas do ambiente cm paralelo a autoava-
Children s Depression Inventory (CDI; Kovacs,
liações negativas. Um estudo mais detalhado de
1981) apresentavam cada um dos quatro erros com
pesquisas relacionadas é proveitoso.
uma frequência relativamente maior.

Depressão Outros pesquisadores (Kaslow, Rehm & Sie­


A depressão em crianças é um transtorno grave gel, 1984; McGee, Anderson, Williams & Silva,
que necessita de atenção clínica (Cantwell, 1985; 1986) também relataram distorções cognitivas em
Kovacs, 1985). Central à teoria de Beck (1967, populações nãoclínicas de crianças, cujos resulta­
1976) é a idcia dc que indivíduos depressivos dos em uma medida de depressão de autorrelato
são caracterizados por uma tendência de distor­ eram elevados. Em ambos os estudos, crianças que
cer informação para que esta corresponda à sua reportaram sobre si mesmas uma sintomatologia
visão mais negativa de si, do mundo e do futuro depressiva, avaliaram seu desempenho no CDI
(Garber, Quiggle & Shanley, 1990). Esta relação de forma mais negativa do que crianças que não
hipotética tem recebido apoio empírico. Há também haviam relatado sintomatologia negativa acerca de
evidências para apoiar a tese de que disfunções si mesmas. No estudo de McGee et. al. (1986),
cognitivas encontradas em crianças depressivas o Wechsler Intelligence Scale for Children - Re­
são distorções similares àquelas encontradas em vised (WISC-R; Wechsler, 1974) foi utilizado
adultos depressivos (Kovacs & Beck, 1977). como uma medida objetiva de habilidades, e as
Modelos cognitivos de depressão adulta reforçam crianças depressivas não obtiveram desempenhos
a influência de autopercepções negativas para o significativamente inferiores. Os resultados eram
início e a continuação de depressão em adultos, consistentes com a noção de que uma relação existe

469
Fronteiras da Terapia Cognitiva

entre sintomatologia depressiva e distorções em e, mais especificamente, determinar se a depressão


percepção sobre si. infantil era associada à distorção cognitiva ou
A relação entre distorção e depressão cognitiva à deficiência cognitiva, Kendall, Stark e Adam
tem sido relatada também em estudos com amos­ (1990) projetaram um estudo com crianças de
tras de pacientes infantis internados (por exemplo, terceira a sexta série, que foram diagnosticadas
Haley, Fine, Marriage, Moretti & Freeman, 1985). como sendo depressivas de acordo com o Sche­
Haley e outros (1985) utilizaram o Cognitive Bias dule for Affective Disorders and Schizophrenia for
Questionaire for Children (CBQC; Haley et al., School-Age Children (K-SADS; Puig-Antich &
1985), que foi desenvolvido de acordo com a visão Ryan, 1986) e o Children's Depression Inventory
de Beck (1967) de que indivíduos depressivos (CDI; Kovacs, 1981). As crianças depressivas,
interpretam o mundo através de distorções cogni­ com suas hipóteses tendenciosas acerca de seu
tivas, como uma visão negativa de si. O resultado autoconceito, de fato se avaliaram a si mesmas de
forma significativamente mais negativa do que seus
indicou que crianças depressivas demonstravam
colegas não depressivos o fizeram. Suas autoava­
esta distorção em suas autoavaliações, enquanto
liações eram então comparadas pelo professor da
crianças não depressivas não demonstravam essa
classe, para examinar se as crianças depressivas
tendência.
estavam de fato com deficiências de habilidades
Crianças depressivas internadas, em um estudo ou na verdade distorcendo suas autoavaliações. As
de Asarnow e Bates (1988), também exibiram avaliações cegas dos professores não demonstraram
distorções cognitivas em suas autoavaliações. nenhuma diferença significativa entre as avaliações
Os jovens depressivos reportaram percepções de de crianças depressivas e não depressivas - uma
inferioridade no que se refere aos seus autocon- descoberta que fundamenta a noção de que as
ceito, desempenho escolar, habilidades atléticas e visões cognitivas das crianças depressivas eram
aparência física. Segundo medidas de QI, compe­ distorcidas em relação às suas habilidades. Nessa
tência e status social, as crianças depressivas não mesma época, não havia nenhuma evidência de
eram menos competentes do que seus colegas não deficiências em tarefas de resolução de problemas.
depressivos. Os resultados indicaram que crianças depressivas
Fuhrman e Kendall (1986) investigaram a demonstram distorções em cognição, mas não
relação entre tempo cognitivo e uma variedade demonstram uma deficiência cognitiva quando
de problemas comportamentais e emocionais comparadas a crianças não depressivas. De uma
em crianças. O Matching Familiar Figures Test forma geral, estas descobertas apoiam a noção de
(MFFT; Kagan, 1966) foi utilizado para operacio- que a distorção cognitiva, mas não as deficiências
nalizar deficiências cognitivas e foi aplicado em cognitivas (Kendall, 1985), é que caracterizam
150 crianças entre as idades de 6 e 11. Seus pais a natureza do transtorno cognitivo na depressão
completaram o Child Behavior Checklist (CBCL; infantil.
Achenbach, 1978; Achenbach & Edelbrock, 1979). Resumindo, os processos cognitivos envolvidos
Fuhrman e Kendall (1986) encontraram uma re­ na depressão infantil indicam dificuldades que
lação significativa entre deficiências cognitivas e tomam a forma de distorções em vez de deficiên­
hiperatividade, mas não encontraram uma relação cias no processamento. Pelas diferentes amostras,
significativa entre tempo cognitivo e depressão em foi demonstrado que suas autoavaliações, seus
crianças. Esses resultados sugerem que a perturba­ desempenhos e seus autoconceitos são inferiores
ção cognitiva atribuída a jovens depressivos não a de seus colegas não depressivos, e também
era decorrente de deficiências em processamento. inferiores a de um avaliador objetivo, tal como
Para se analisar mais profiindamente a natureza um professor.
da perturbação cognitiva em crianças depressivas

470
Transtornos emocionais na juventude

Ansiedade para se compreender melhor o processo cognitivo


As teorias cognitivas têm influenciado não que ocorre quando crianças com transtornos de
somente o estudo da depressão, mas também ansiedade são expostas a situações ou tarefas
pesquisas referentes à ansiedade em crianças. potencialmente angustiantes. As crianças diag­
Entretanto, o papel da disfunção cognitiva na an­ nosticadas com transtornos de ansiedade tendem
siedade infantil não tem sido tão extensivamente a distorcer, focalizar a autoavaliação, e perceber
pesquisado. Beck (1976) apresentou sua inter­ ameaças aumentadas no ambiente, como sugerem
pretação quanto aos transtornos de ansiedade em suas conversas consigo mesmas?
adultos; ele concluiu que a ansiedade leva adultos
a interpretar de forma errônea sinais internos e Investigações adicionais sobre depressão em

ambientais, de forma que resulte em um aumento crianças

de suas ansiedades. Adultos ansiosos também ten­ Uma vez ultrapassado o questionamento sobre
dem a ter uma visão tendenciosa do grau de perigo se depressão ocorre ou não na juventude, tem
apresentado por uma dada situação e acerca de suas havido muitos esforços para aumentar o nosso
próprias vulnerabilidades (Beck & Emery, 1985). grau de compreensão acerca dos transtornos de
humor em jovens. Por exemplo, diferenças têm
A teoria de Beck tem formado e guiado pesquisas
sido encontradas em relação à depressão em crian­
com crianças também. Por exemplo, um modelo
ças, adolescentes e adultos, mas ao contrário dos
sugere que o processamento cognitivo de crianças
adultos, estudos de crianças em fase pré-puberdade
ansiosas é caracterizado por distorções cognitivas,
não têm demonstrado diferenças consistentes,
que envolvem preocupações irrealistas a respeito
relativas a gênero, no que se refere à ocorrência
de sua própria avaliação, avaliação realizada por
de depressão maior (Carlson & Cantwell, 1979;
outros, e a probabilidade de consequências nega­
Kashani, Cantwell, Shekim, & Reid, 1982). Algu­
tivas (Kendall e outros, 1992a).
mas diferenças têm sido encontradas entre meninos
A maior parte da literatura existente a res­ e meninas depressivos, que não foram vistas em
peito de fatores cognitivos na ansiedade infantil adultos. Por exemplo, associações entre depressão
tem focalizado amostras não clínicas de crianças e características tais como baixa popularidade e
com medos específicos, em oposição a crianças queixas somáticas parecem ser mais frequentes e
diagnosticadas com um transtorno de ansiedade. mais consistentes entre as meninas do que entre
Zatz e Chassim (1983) descobriram que crianças os meninos (Jacobsen, Lahey & Strauss, 1983;
ansiosas em situações de teste têm percepções Kazdin, Sherrick, Esveldt-Dawson & Rancurello,
distorcidas de suas próprias habilidades, uma vez 1985).
que não diferem significativamente em termos de
Outras pesquisas sobre depressão cm crianças
habilidades das crianças não ansiosas, segundo (Kovacs, 1983), por exemplo, demonstraram que
medidas objetivas de desempenho. Prins (1985)
depois do humor disfórico, a reclusão social dis-
avaliou o processamento cognitivo em crianças a tinguia crianças depressivas das não depressivas,
partir de uma amostra não clínica, diante de uma porém a reclusão social não é um critério essencial
situação dental provocadora de ansiedade. Crianças no DSM-III-R (American Psychiatric Association,
com alta ansiedade ao dentista tinham um discurso 1987) ou DSM-IV (American Psychiatric Asso­
a respeito de si mesmas mais negativo que o de ciation, 1994), indicando assim a necessidade
crianças com preocupações menores. de investigações adicionais. Ao mesmo tempo,
São raros os estudos que investigam a disfunção muitas semelhanças entre depressão em adultos e
cognitiva em crianças diagnosticadas com transtor­ em crianças têm sido encontradas, em termos de
nos de ansiedade, indicando a necessidade de se atribuições cognitivas tais como estilos de atribui­
pesquisar mais nesta área. Estudos são necessários ção, forma de controle, desesperança e distorção

471
Fronteiras da Terapia Cognitiva

cognitiva (Haley e outros, 1985; Kaslow e outros, um aspecto de uma síndrome depressiva ou um
1984; Kendall e outros, 1990). transtorno depressivo. Sintomas depressivos po­
Mesmo a avaliação, segundo medidas de au- dem ser fugazes ou ligados a eventos específicos,
torrelato, da depressão tem avançado largamente, mas em outros casos eles podem ser parte de um
devido às contribuições marcantes de Beck. Como transtorno.
em adultos, uma das técnicas mais comuns de O termo “depressão” pode também se referir
avaliação tem sido o uso de autorrelatos. Eles a uma síndrome clínica, que engloba mais do que
são críticos, porque os sintomas essenciais da apenas um humor triste ou disfórico, mas mudanças
depressão envolvem autopercepções juntamente em áreas psicomotoras, cognitivas e emocionais
com avaliações subjetivas de sentimentos pessoais. (Kendall, Cantwell, & Kazdin, 1989). Geralmente
Com relação aos jovens, a medida mais o termo “síndrome” é usado para indicar um
largamente utilizada e pesquisada é o Children conjunto de sintomas que com certeza ocorrem
Depression Inventory (CDI, Kovacs,1981) - uma concomitantemente (Carlson & Cantwell, 1981).
adaptação do Beck Depression Inventory (BDI; Ao mesmo tempo, a depressão pode significar
Beck, Ward, Mendelson, Mock, & Erbaugh, 1961) um transtorno no qual a síndrome depressiva está
utilizado em adultos. Os 27 itens do CDI exploram presente junto com algum grau de dano funcional
sinais de depressão cognitivos, afetivos e compor- em áreas importantes da vida e com uma dura­
tamentais. Revisões das medidas de depressão em ção especificada que excede um curso transitório
jovens (por exemplo, Kendall, Cantwell & Kazdin, (Kendall e outros, 1989).
1989) rotineiramente identificam o CDI como Como resultado, o uso do termo “depressão”
sendo a medida mais frequentemente utilizada e tem importantes implicações, uma vez que pode
estudada. ser um sintoma tal como estar triste, uma síndrome
que seria uma congregação de sinais e sintomas
Distinções entre depressão como um humor, um que se juntam, ou uma categoria nosológica que
sintoma e uma síndrome seria estabelecida conforme procedimentos de
A síndrome da depressão em crianças não é diagnóstico cuidadosos. Para que a depressão
um fenômeno transitório, que ocorre somente seja uma categoria nosológica, outras categorias
em épocas de desenvolvimento apropriadas. Ao diagnosticas potenciais precisam ser avaliadas e
contrário, a depressão é um transtorno real que excluídas, caso não se enquadrem nos critérios
requer atenção clínica. Mesmo que os episódios correspondentes.
remitam, eles geralmcntc duram mais do que A teoria de Beck estimulou pesquisas em
anteriormente se acreditava, e tendem a ocorrer depressão, resultando na aceitação de uma dis­
novamente (Kovacs e outros, 1984). Além disto, tinção entre os conceitos de depressão como um
a depressão pode levar a interferências graves sintoma, uma síndrome e um transtorno. Um maior
com o desenvolvimento normal (Puig-Antich e desenvolvimento veio com o reconhecimento da
outros, 1985). necessidade de critérios específicos, que se iniciou
Beck trouxe à luz as distinções conceituais entre com adultos e tem sido estendido mais e mais a
a depressão como humor, sintoma ou síndrome. crianças e adolescentes. Tem havido tentativas de
Uma vez que a depressão é um termo largamente se desenvolver conjuntos de critérios específicos
usado, existe muita ambiguidade no seu uso. A para diagnósticos de depressão em crianças (Cant­
palavra “depressão”, quando usada como um well, 1983) e importantes questões estão sendo
sintoma individual, pode indicar um humor triste, levantadas, tais como se há ou não a necessidade
infelicidade ou sentir-se mal. Essa compreensão de critérios de diagnóstico diferentes para síndro-
da depressão indica um humor disfórico, apenas mes depressivas em diferentes idades (Kendall e

472
Transtornos emocionais na juventude

outros 1989). Estudos multivariados de sintomas dos diagnósticos. Como resultado, as distinções
em crianças sugerem que pode haver diferenças entre os termos “depressão”, “depressão como
de desenvolvimento, e que sintomas depressivos uma síndrome”, “disforia”, e “transtorno depres­
podem ser organizados diferentemente, baseados sivo maior” são facilmente perdidas (Tennen e
em idade e sexo (Achenbach & Edelbrock, 1983). outros, 1995). Portanto, a metodologia que en­
globa a avaliação, através de métodos múltiplos,
Sugestões metodológicas à luz da tanto para a depressão como síndrome quanto
distinção de Beck para a depressão nosológica, oferece afirmações
Kendall, Hollon, Beck, Hammem e Ingram diagnosticas com maior credibilidade (Kendall e
(1987) forneceram guias para estudos, que se ba­ outros, 1987). Estudos com crianças depressivas
seiam somente em instrumentos de autorrelato, para serão beneficiados com a aplicação de entrevis­
definir grupos experimentais de sujeitos “depressi­ tas de diagnóstico estruturadas para determinar a
vos”. Foi sugerido que participantes adultos fossem presença de transtornos.
avaliados em dois diferentes momentos, uma vez Outra consideração metodológica importante,
quando selecionados inicialmente, e outra justa­ que esclarece a distinção entre depressão como
mente antes do experimento. Esse procedimento um sintoma, síndrome ou categoria nosológica, é
aborda a questão da estabilidade, além do quadro o uso de escores de corte na formação de grupos.
real do participante, imediatamente antes de sua Este processo é complicado pelo fato de que os
participação. Além disso, testes múltiplos reduzem escores de corte variam entre os estudos, tomando
a probabilidade de se admitir alguém ao grupo difícil a comparação de resultados (Tennen e outros
“depressivo” baseado em uma flutuação transitória 1995). Kendall e outros (1987) discutem a respeito
de humor (Kendall & Flannery-Schroeder, 1995). de escores de corte consistentes em estudos de
Embora a maioria dos inventários de depressão te­ depressão infantil.
nham um grau relativamente alto de confiabilidade
no que se refere ao teste e reteste, uma quantidade A diferenciação entre ansiedade e depressão
significativamente alta de participantes muda de Segundo Beck (1976), o modelo cognitivo de
classificação quando retestada, mesmo poucos dias psicopatologia descreve cada condição em termos
após a avaliação inicial (Hatzenbuehler, Parpal de seu conteúdo cognitivo específico. A teoria
& Matthews, 1983). Em um trabalho na mesma mostra que as cognições são influentes no estabe­
área, Tennen, Hall, e Affleck (1995) e Kendall e lecimento e na manutenção dos transtornos, e que
Flannery-Schroeder (1995) argumentam contra o diferentes perturbações têm diferentes temas ou
uso de instrumentos de autorrelato em sua forma conteúdos cognitivos. Essa conccituação tomou-se
curta ou resumida, pois a admissão de sujeitos a conhecida como a hipótese de especificidade de
grupos experimentais é sabidamente menos con­ conteúdo e tem sido foco de muitas pesquisas com
fiável desta forma do que com a forma completa adultos (Beck, Brown, Steer, Eidelson & Riskind,
do instrumento de medida. Embora a literatura 1987; Beck, Riskind, Brown & Steer, 1988; Clark
a respeito de depressão infantil seja bem menos e outros, 1989; Greenberg & Beck, 1989; Hollon,
desenvolvida do que a de adultos, as questões Kendall & Lumry, 1986; Ingram, Kendall, Smith,
pertinentes às avaliações através de autorrelato Donnel & Ronan, 1987; Ronan, Kendall & Rowe,
são contudo relevantes. 1994).
Segundo Kendall e Flannery-Schroeder (1995), De acordo com o modelo cognitivo, pessoas
a falha no uso de uma entrevista estruturada em que sofrem de depressão e ansiedade têm dife­
pesquisa, que compare grupos que diferem em rentes cognições sobre si, seus mundos e seus
status de diagnóstico, poderia negativamente futuros. O Cognition Checklist (CCL; Beck e
afetar a sensibilidade, especificidade e validade outros, 1987), desenvolvido para medir a frequência

473
Fronteiras da Terapia Cognitiva

de pensamentos automáticos, inclui cognições rela­ (Negative Affectivity Self-Statement Questionaire;


cionadas ao perigo, característica dos transtornos de NASSQ) para medir o autodiscurso ansioso e/ou
ansiedade (Beck & Emery, 1985), juntamente com depressivo de crianças de 7 a 15 anos de idade. Em
cognições relacionadas à depressão. Beck e outros geral, houve apoio para a hipótese de especificidade
(1987) descobriram que pacientes que tinham re­ de conteúdo, proposta para adultos por Beck. Na
cebido um diagnóstico de depressão, baseado nos amostra de 7 a 10 anos de idade, os sujeitos com
critérios DSM-III, relatavam graus superiores de depressão somente, mas não os com ansiedade
cognições referentes a perdas, enquanto aqueles somente, obtiveram escores significantemente
pacientes com um diagnóstico para transtorno de mais altos nos itens específicos de depressão do
ansiedade endossavam mais cognições relacionadas que os controles. Semelhantemente, para as idades
a ameaças. Esses resultados endossam a hipótese entre 11 e 15 anos, as autoafirmações referentes
de especificidade de conteúdo, que propõe que à depressão diferenciavam entre sujeitos somente
os conteúdos representativos da ansiedade e da depressivos e sujeitos de controle, mas não entre
depressão podem ser distinguidos. Além disto, sujeitos somente ansiosos e controles. Além disso,
de acordo com Kendall e Chansky (1991), o os itens específicos à ansiedade discriminavam
conteúdo cognitivo pode ser útil na diferenciação entre sujeitos somente ansiosos, mas não entre
de transtornos infantis: o imaginário e os pensa­ sujeitos somente depressivos e controles. Estas
mentos automáticos dos jovens depressivos estão descobertas são consistentes com relatos de
relacionados a temas como autodepreciação, perda pesquisas anteriores, que utilizaram amostras de
e atitudes negativas acerca do passado e do futuro, adultos, e que demonstraram uma especificidade
enquanto os temas relacionados a transtornos de para separar entre cognição depressiva e cogni-
ansiedade estão relacionados a perigo, ameaça e ção ansiosa (Greenberg & Beck, 1989; Ingram e
antecipação exagerada de dano (Beck e outros, outros, 1987).
1987). Stark, Humphrey, Laurent, Livingston e Ch­
Dc acordo com Watson e Kendall (1989), há ristopher (1993) estudaram ansiedade e depressão
diferenças importantes entre ansiedade e depressão, em jovens, e usaram uma avaliação multimodal
quando são consideradas as emoções e os processos (Kendall e outros, 1987), que começou com um
de avaliação. Como resultado destas diferenças, questionário e então continuou com uma entrevista
crianças depressivas estão inclinadas a ignorar a semiestruturada. Stark e outros (1993) relataram
informação positiva e a processar informações que percepções negativas acerca de si, o mundo e
negativas referentes a si. Além disso, as avaliações o futuro diferenciavam entre crianças depressivas
feitas de eventos que são pessoalmente relevantes e ansiosas, concluindo que a descoberta fornece
são geralmente negativas, globais e absolutas. apoio à noção de que os dois transtornos podem
Kendall e Ingram (1987, 1989) sugeriram que o ser distinguidos por processos cognitivos especí­
efeito depressivo parece estar mais fortemente ficos. Os pesquisadores também relataram perfis
associado a cognições acerca de referências a si, comportamentais e familiares que diferenciaram
definitivas, e cognições orientadas ao passado de os dois grupos.
tristezas, falhas e perdas. A criança ansiosa, dife­ Jolly e Dykman (1994), em um estudo que
rentemente, processa seletivamente a informação contrastou o conteúdo cognitivo e as cognições
que envolve ataque ou perigo e faz avaliações que de 162 adolescentes internados, descobriram que
envolvem incertezas e antecipações. autorrelatos de sintomas depressivos eram sig­
Poucos estudos existem que examinaram distor­ nificativamente previstos, tanto pelas cognições
ções cognitivas em amostras clínicas de crianças depressivas específicas quanto pelas cognições
ansiosas. Em um relatório, Ronan e outros (1994) gerais, enquanto cognições específicas de ansie­
descreveram o desenvolvimento de um questionário dade não previam significativamente os sintomas

474
Transtornos emocionais na juventude

depressivos. Sintomas de ansiedade autorrelatados há evidências de que crianças podem e de fato


foram significativamente previstos por cognições desenvolvem várias formas de transtornos de­
específicas de ansiedade e cognições gerais, mas pressivos (por exemplo, Kovacs e outros, 1984),
não foram previstos por cognições específicas da mas também tem havido esforços para investigar
depressão. Esses resultados novamente apoiam a eficácia de diferentes métodos de tratamento.
a hipótese de especificidade de conteúdo (Beck, Em geral, está crescendo o interesse no
1976), neste exemplo, entre adolescentes. tratamento de transtornos infantis, envolvendo
De uma forma geral, o modelo cognitivo de distorções cognitivas. No passado, muita aten­
depressão (Beck, 1967, 1976) tem contado com ção foi focalizada no tratamento de problemas
apoio empírico, não somente pela especificidade de extemalização, tais como aqueles evidentes em
conteúdo de estímulos relevantes na depressão, mas transtornos de déficit de atenção/hiperatividade
também por sua consistência com relação ao self, (Barkey, 1990) e comportamento impulsivo (Ken­
ao mundo e ao futuro. Uma vez que a depressão e dall & Braswell, 1993). Para estas condições, a
a ansiedade têm sido relacionadas em estudos de meta era tipicamente inibir o comportamento e
psicopatologia, estudos que examinaram somente treinar o uso do processamento cognitivo - a fim
um dos transtornos confundiram as duas condições, de introduzir os pensamentos entre o estímulo e
tanto com relação aos sujeitos quanto com relação a resposta. Diferentemente dos tratamentos para
a instrumentos de medida. Todavia, estudos que transtornos de extemalização, a meta do tratamento
examinaram ambas, a depressão e a ansiedade, com crianças depressivas ou ansiosas é identificar
demonstraram diferenças de processamento entre o processamento distorcido, auxiliar na modifi­
adultos e crianças depressivos e ansiosos (Beck cação do pensamento distorcido e ensinar novas
e outros, 1987; Beck, Riskind, Brown & Sher­
estratégias de enffentamento (Kendall, Kortlander,
rod, 1986; Greenberg & Beck, 1989; Hammen
Chansky, & Brady, 1992).
& Zupan, 1984; Jolly & Dykman, 1994; Stark e
É crítico entender o efeito da depressão con­
outros, 1993).
tinuada e não tratada sobre a autoconfiança e o
Embora as pesquisas indiquem que os estados
funcionamento social da criança. A infância é
depressivos e ansiosos são correlacionados e podem
uma época vital para o desenvolvimento de visões
compartilhar algumas características em comum, o
pessoais (ou esquemas) acerca de si, o mundo
fato de que a correlação não é perfeita sugere que
e o futuro. Beck sugeriu que são estas crenças
existem mecanismos únicos para cada transtorno
negativas que aumentam a probabilidade de epi­
e, portanto, existem importantes diferenças. Além
sódios de depressão posteriores, e mesmo que o
disto, estabelecer estas diferenças tem implicações
episódio remita, estas visões distorcidas persistirão
teóricas, metodológicas, empíricas, avaliativas e
e resultarão em atitudes inflexíveis e um estilo de
de tratamento (Kendall & Ingram, 1989). A fim de
enffetamento mal-adaptativo. Como consequência,
entender as diferenças e semelhanças cognitivas
as crianças provavelmente serão incapazes de testar
potenciais, a depressão e a ansiedade devem ser
explicações alternativas e acharão difícil atribuir
examinadas de forma a não confundi-las, separando
cada estado no mesmo estudo para melhor auxiliar a causas cxtcmas quando de fato for apropriado
a criança em sofrimento. agir dessa forma. Está claro que intervenções pre­
coces podem alterar o prognóstico e resultar em
0 tratamento da disforia emocional benefícios substanciais para o funcionamento da
em jovens criança potencialmente depressiva (Thase, 1990).
Novamente é interessante notar que foi Beck Beck e outros (1979) descreveram a meta da
quem facilitou a investigação sobre se a depressão terapia cognitiva como sendo o alívio da angústia,
ocorre ou não na juventude. Atualmente, não só que é atingida através do foco nas interpretações

475
Fronteiras da Terapia Cognitiva

errôneas e inflexíveis, no comportamento derrotista O processo de terapia começa com o auto-


e nas atitudes mal-adaptativas. Contudo, Beck monitoramento dos pensamentos automáticos, a
leva em consideração tanto a ciência quanto a fim de compreender a conexão entre cognição,
emoção, e escreve que o terapeuta também deve emoção e comportamento. Este processo é seguido
compreender a tristeza intensa do paciente e deve pela consideração de evidências a favor e contra
encorajar a expressão destes sentimentos, à medida as cognições “distorcidas”, com o objetivo de
que ele identifique as cognições disfuncionais. substituí-las por alternativas mais realísticas. Ou­
Ele também vê a necessidade de detalhar como tras estratégias de tratamento incluem habilidades
as emoções se relacionam ao processo cognitivo e de autocontrole que envolvem recompensar mais
como a terapia cognitiva na realidade usa muitas e punir menos, automonitoramento de eventos
técnicas emocionais, à medida que tenta relacionar que poderíam refutar o pensamento distorcido,
a emoção com a modificação das cognições. Isto autoavaliação e treinamento de assertividade. Es­
ocorre especialmente no caso de intervenções pecificamente com crianças, outros componentes
terapêuticas em depressão, desde que correlações incluem o desenvolvimento de habilidades sociais
devem ser feitas entre emoções negativas e crenças mais adaptativas e percepções menos distorcidas
e suposições existentes, a fim de que o tratamento (Stark, Rouse, & Livingston, 1991). A intervenção
seja eficaz. Os clientes devem saber que eles po­ ensina a jovens, com padrões de processamento
dem ser eles mesmos, o que significa experimentar distorcido, a identificar suas cognições disfun­
qualquer emoção que eles podem necessitar sentir, cionais e modificá-las ou substituí-las por outras
sem o risco de serem invalidados ou aconselhados mais adaptativas através de um processo de teste
a ter pensamentos felizes. O cliente de nenhuma empírico e de análise lógica (Kendall e outros,
forma é encorajado a esconder seus sentimentos, 1992b; Rush, Beck. Kovacs & Hollon, 1977), para
enquanto o terapeuta o encoraja a explorar atitudes determinar as evidências a favor e contra a cogni­
subjacentes. ção distorcida. Os esforços terapêuticos requerem
Moldada pelo modelo cognitivo dc depressão, que o conteúdo do processamento distorcido seja
a terapia cognitiva usa um conjunto de métodos identificado e que sejam proporcionadas oportuni­
terapêuticos gerais, individualmente adequados dades, em forma de tarefas comportamentais, para
ao problema específico da criança, no contexto testar e modificar estas distorções, em paralelo
de seu quadro de depressão. A terapia cognitiva ao ensino de habilidades racionais e de um novo
é ativa (baseada em “empirismo colaborativo”; estilo de enfrentamento.
Beck e outros, 1979; Hollon & Beck, 1979), É interessante notar que Beck estabeleceu a
estruturada, de tempo limitado e baseada no base de trabalho para intervenções com crianças
fato de que as ações e emoções individuais são depressivas. Sua contribuição é aparente nos tra­
reguladas pelo modo com que ele ou ela percebe tamentos empregados por Stark (1990) e Reynolds
e processa o mundo. A cognição atual é baseada (Reynolds & Coats, 1986). Stark (1990) expan­
em esquemas (atitudes que são economicamente diu os princípios de Beck para ajudar crianças
desenvolvidas a partir de experiências passadas), depressivas. Segundo Stark (1990), as técnicas
e embora frequentemente tomem o processamento cognitivas, de autocontrole e comportamentais são
diário mais eficiente, se forem mal-adaptativas, as necessárias para o tratamento efetivo da depressão
pressuposições associadas podem resultar em um na juventude. Os procedimentos cognitivos incluem
pensar patológico. Portanto, as técnicas de terapia resolução de problemas, reestruturação cognitiva e
cognitiva são projetadas com o objetivo de enu­ modelagem. Automonitoramento e autoavaliação
merar e testar os conceitos errôneos específicos constituem algumas das técnicas de autocontrole,
ao contexto atual. enquanto as habilidades comportamentais englo­
bam treinamento de assertividade, habilidades

476
Transtornos emocionais na juventude

sociais e exercícios de relaxamento. A exposição problemas. Uma intervenção benéfica focaliza


é também um componente crítico do tratamento, a a criação de experiências comportamentais em
fim de permitir que o domínio de novas habilidades combinação com um envolvimento emocional,
se generalize para além do contexto terapêutico. enquanto, ao mesmo tempo, atende às atividades
Outro interessante paralelo entre a abordagem cognitivas da criança. O trabalho com crianças
de Beck com adultos e o tratamento da depressão frequentemente envolve o terapeuta e criança
em jovens oferecido por Stark (1990), é a ênfase compartilhando experiências importantes, enquanto
na emoção. Ambos os tratamentos focalizam a o terapeuta orienta as atribuições do jovem sobre
importância do relacionamento terapêutico que se comportamentos passados, em paralelo às suas
apoia em calor humano, confiança, comunicação expectativas de comportamento futuro. O jovem,
aberta, e um entendimento empático da tristeza portanto (conforme Beck, 1967,1976), é formado
da criança. Intervenções direcionadas ao afeto para desenvolver uma estrutura cognitiva para
têm recebido atenção crescente na terapia cogni­ eventos futuros, que incorpora habilidades adap-
tiva para crianças. Jovens são ensinados a rotular tativas e cognições adequadas, que se combinam
sentimentos, reconhecendo que eles existem num para produzir o funcionamento adaptativo.
contínuo, e são encorajados a identificar estas emo­
ções dentro de si próprios. As técnicas cognitivas Tratamento com manual
começam com a reestruturação dos pensamentos A teoria cognitiva tem permanecido focada em
automáticos para examinar temas que emergem métodos científicos como meio de avaliar a eficácia
e que são indicativos de cognição disfuncional. do tratamento. A pesquisa tem focado em estudos
Com o tempo, a criança ganha habilidade para a altamente controlados, com grupos de controle
identificação e modificação de seus pensamentos adequados e com follow-ups de longa duração.
e afetos. Beck estava entre os primeiros a desenvolver
A reestruturação cognitiva com crianças é ba­ um tratamento baseado em manual - uma tarefa
seada na abordagem de Beck (1979) que envolve uma vez pensada ser impossível, mas essencial
quatro estratégias: (1) “Qual a evidência?”; (2) para avaliações controladas. O manual (Manual
“Quais são as formas alternativas de olhar essa de Tratamento; Beck, Rush & Kovacs, 1975,
situação?”; (3) “Que tal se...?”; (4) tarefas compor- citado em Beck et ai, 1979) permitiu e facilitou
tamentais para testar estruturas subjacentes (Stark, a transportabilidade do tratamento de um setting
1990). A meta da terapia cognitiva com crianças para outro. De modo similar, Stark e associados
é a modificação de suas estruturas cognitivas, desenvolveram um manual de tratamento para
especialmente as estruturas centrais ou nucleares, jovens depressivos (v. Stark & Kendall, 1996), e
as quais então alteram o modo pelo qual a criança prepararam um livro prático para ser utilizado por
deriva significado do mundo (Stark, 1990). estes jovens, à medida que eles progridem através
O modelo cognitivo comportamental representa do tratamento (Stark e outros, 1996).
a consideração de vários aspectos do ambiente da O desenvolvimento de manuais de tratamento
criança, integrando tanto aspectos internos quanto facilitou o desenvolvimento e amplo uso das in­
externos. As crianças e os adolescentes estão tervenções cognitivas. A pesquisa demonstrou que
no processo de desenvolver modos de ver seus a terapia cognitiva pode ser um tratamento eficaz
próprios mundos. Consequentemente, a terapia de curta duração para pacientes ambulatoriais
cognitivo-comportamental ajuda a desencorajar depressivos. Além disso, uma vez que a terapia
a manutenção de esquemas disfuncionais, com o cognitiva baseada em manual é uma modalidade
objetivo de construir um novo esquema, através de tratamento breve, ela se faz disponível para
do qual a criança possa identificar e solucionar uma população mais ampla de crianças e adultos.

477
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Pesquisa de resultados experimentais de autocontrole, resolução compor­


Pesquisas disponíveis validam o uso de am­ tamental de problemas ou lista de espera. Na fase
bas as terapias cognitiva e comportamental para pós-tratamento e no follow-up após 8 semanas,
pacientes ambulatoriais adultos com depressão as condições de autocontrole e resolução com­
unipolar (v. Capítulos 4, 6, 12, 14 neste volume). portamental de problemas produziram reduções
Não obstante, apenas um punhado de estudos foi significativas antes em depressão nas crianças
reportado sobre os efeitos pós-tratamento da teoria moderadamente depressivas, usando autorrelato
cognitivo-comportamental integral com crianças e entrevistas clínicas, em comparação com as
depressivas, apesar do fato de que níveis clini­ pessoas da lista de espera. Foi salientado por estes
camente significativos de depressão parecem ter pesquisadores que crianças teriam sido ajudadas por
manifestações similares às encontradas em adultos uma intervenção cognitiva em paralelo, desde que
(Kovacs & Beck, 1977). algumas crianças apresentaram um estilo negativo
de processamento de informação.
Reynolds e Coats compararam uma intervenção
cognitivo-comportamental e uma intervenção com Lewinsohn, Clarke, Hops e Andrews (1990)
avaliaram a eficácia de uma intervenção cognitivo-
relaxamento, com uma condição de controle de
-comportamental em grupo para adolescentes
lista de espera. Trinta adolescentes moderadamente
depressivos com ou sem a participação dos pais.
depressivos foram aleatoriamente designados às
Além disso, eles desejavam avaliar a estabilidade
três condições. Em ambas as modalidades de in­
dos ganhos após 24 meses. Cinquenta e nove
tervenção, os pacientes se encontraram duas vezes
estudantes de nível médio, com idades entre 14 a
semanais durante 5 semanas. Tanto as intervenções
18 anos, que preencheram o critério do DSM-III
cognitivo-comportamentais quanto as intervenções
para depressão, foram aleatoriamente designados
de treinamento em relaxamento, em comparação
a uma de três condições. Uma condição envolvia
à condição de controle, produziram reduções
ensinar habilidades de relaxamento tanto aos pais
significativas nos sintomas de depressão, segundo
quanto aos adolescentes, controle de pensamentos
autorrelatos e avaliações clínicas. Estes efeitos do
depressivos e a melhora em habilidades sociais e
tratamento foram mantidos em um follow-up de
de comunicação; outro grupo envolvia somente
cinco semanas, em paralelo a reduções na ansie­
os pais; e o grupo final consistia de uma lista de
dade e melhora no autoconceito acadêmico. Não
espera. Os resultados indicaram que os sujeitos
obstante, é importante notar que os pacientes não tratados comparados com os sujeitos do grupo de
haviam sido formalmente diagnosticados através lista de espera melhoraram significativamente nas
de uma entrevista diagnostica estruturada, o que medidas de depressão e a melhora foi mantida até
limita a avaliação de outras psicopatologias con­ 2 anos após o fim do tratamento. Não obstante,
comitantes, bem como da duração do transtorno a ausência da condição de controle não permite
depressivo. O pequeno tamanho da amostra pode a possibilidade de excluir a possibilidade de que
haver impedido a determinação de diferenças entre os resultados eram devidos, em parte, a outras
os tratamentos ativos, caso tais diferenças tenham influências.
de fato existido. Finalmente, não ficou claro que
A mais clara evidência para os efeitos especí­
fatores específicos são críticos para o tratamento ficos de um tratamento cognitivo-comportamental
da depressão, portanto, futuras pesquisas devem emergiu de um estudo relatado por Stark e outros
determinar os elementos essenciais para o sucesso (1991) com 24 crianças depressivas, de 4a a 7a séries
de uma intervenção terapêutica. escolares, alocadas à terapia cognitivo-comporta­
Stark, Reynolds e Kaslow (1987) designaram mental ou a aconselhamento tradicional. Ambas
29 crianças, de moderadamente a severamente as intervenções duraram de 24 a 26 semanas, du­
depressivas (de 9-12 anos de idade), as condições rante 3,5 meses, e foram conduzidas em pequenos

478
Transtornos emocionais na juventude

grupos. O tratamento cognitivo-comportamental ofereça vantagens, há problemas potenciais na


era uma intervenção mais ampla do que em interpretação dessas informações. Alguns estudos
estudos anteriores e incluiu autocontrole, habi­ (Forehand, Lautenschlager, Faus & Graziano,
lidades sociais e componentes de reestruturação 1986; Griest, Wells & Forehand, 1979) mostra­
cognitiva. No pós-tratamento, a terapia cognitivo- ram que as percepções maternais de ajustamento
-comportamental produziu maiores melhorias na e funcionamento da criança estão relacionadas à
depressão e redução nas cognições depressivas psicopatologia materna, sugerindo que os dados
do que o aconselhamento tradicional. Entretanto, fornecidos pelos pais não podem ser vistos como
os efeitos de longa duração da terapia cognitivo- tão somente uma reflexão do estado da criança
-comportamental não foram ainda documentados, (Kendall e outros, 1989).
desde que os ganhos do tratamento não foram O papel crítico da família na vida da criança
mantidos no follow-up de 7 meses. é evidente. Entretanto, a pesquisa abordando a
Embora estes estudos controlados forneçam psicopatologia da criança, em termos de uma in­
um início encorajador nesta área de pesquisa, há teração entre fatores familiares e o funcionamento
limitações (por exemplo, confiança nas medidas cognitivo da criança, está longe de completar-se.
de autorrelato). É evidente que mais pesquisas são Exatamente o que contribui para a vulnerabilidade
necessárias, com maior número de condições de na criança não está claro e necessita investigação.
comparação, maior uso de casos clínicos, e follow- Alguns estudos têm sido conduzidos nesta área
-ups de longa duração. Como é aparente a partir dos (por exemplo, Stark e outros, 1991) e sugerem
dados com adultos depressivos, uma contribuição que a cognição e o comportamento disfuncionais
importante da terapia cognitivo-comportamental manifestados por crianças depressivas são fre­
pode ser seu potencial de prevenir a recaída (v. quentemente produzidos e mantidos por padrões
Capítulo 14, neste volume). estabelecidos na família. Stark e outros (1991)
enfatizam a necessidade de envolver a família da
Um olhar na família criança no tratamento, dessa forma permitindo
É frequentemente questionada, mas raramente à família construir novas regras e modos de co­
investigada, a possibilidade de que o funcionamento municação, que poderíam ajudar a modificar o
da família tenha uma influência importante na psi- processamento cognitivo depressivo e o comporta­
copatologia da criança. À medida que a influência mento interpessoal da criança. Pesquisas adicionais
da família no ajustamento e nos transtornos da são necessárias para separar o pensamento mal-
criança recebe maior atenção, é importante manter -adaptativo da criança dos padrões disfuncionais
em mente que estas crianças provavelmente terão familiares, que frequentemente mantém o sistema
o pai ou a mãe depressivos (Gotlib & Hammen, mal-adaptativo.
1992). Segundo Billings e Moos (1983), famílias Ao longo destas linhas, Hammen, Burge e
com pais depressivos são geralmente menos ex­ Adrian (1991), num estudo de 92 crianças uni-
pressivas e coesas, colocam menor importância no polares, bipolarcs, com transtornos orgânicos, e
desenvolvimento de independência, e tendem a ter com mães normais, encontraram uma associação
mais conflitos. Esta realidade pode piorar a sinto­ temporal significativa entre os diagnósticos da mãe
matologia encontrada na criança que vem desses e da criança, e descobriram que a maioria das crian­
lares. À luz desta possibilidade, seria útil avaliar ças que experimentaram um episódio depressivo
e abordar o funcionamento familiar, de modo a maior, o fez em íntima proximidade à depressão
possibilitar uma intervenção mais abrangente para materna. Jaenicke e outros (1987) relataram que
as crianças. Além disto, os pais são frequentemente as crianças de mães depressivas tinham autoestima
utilizados como fonte de informação para avaliar mais baixas, menos autoesquemas positivos e
a depressão na criança. Embora isso claramente um estilo mais negativo de atribuição, do que as

479
Fronteiras da Terapia Cognitiva

crianças com mães não depressivas e com mães Forehand, McCombs e Brody (1987) revisa­
com doenças orgânicas. Jaenick e outros (1987) ram 34 estudos sobre a relação entre o estado
sugeriram que fatores maternais podem contribuir depressivo dos pais e quatro tipos de problemas
para a vulnerabilidade, através da qual emerge o de comportamento de crianças, utilizando três
autoesquema depressivo. amostras: pais depressivos, crianças clinicamente
Stark, Humphrey, Crook e Lewis (1990, citado referidas por outros profissionais, e pais e crianças
cm Stark, 1990) examinaram a percepção de mães sem problemas. Os resultados indicaram que em
com as percepções de suas crianças que estavam 55% das medidas havia uma relação negativa entre
depressivas, ansiosas ou normais, conforme diag­ o estado depressivo dos pais e o funcionamento
nosticados com base no K-SADS (Puig-Antich & da criança; e isso ocorreu mais frequentemente
Ryan, 1986). As crianças também completaram o em pais clinicamente depressivos. Estudos como
Self-Report Measure of Family Functioning (SR- esses indicam a necessidade de maior quantidade
MFF, Medida de Autorrelato de Funcionamento de pesquisa dentro da família, bem como pesquisas
Familiar; Stark e outros, 1990). Os resultados que considerem os fatores que colocam as crianças
indicaram a presença de perturbações significativas em risco ou as protejam dos estados depressivos
percebidas no ambiente familiar de crianças com dos pais.
depressão ou ansiedade, e a maior disfunção foi Finalmente, pesquisas e tratamentos subsequen­
encontrada em famílias que tinham uma criança tes devem ser expandidos, a fim de envolver a
depressiva. Portanto, a interação familiar, uma família, desde que o pensamento depressogênico
vez mais, pode estar implicada no funcionamento e as ações da criança podem ser mantidos pela
da criança. As crianças depressivas relataram os interação familiar. Com um foco na família, a
níveis mais altos de conflito manifesto, e, como terapia cognitiva podería ser efetivamente apli­
consequência, é necessário determinar onde a cada aos pais (por exemplo, Howard & Kendall,
fonte de conflito está, bem como sua direção, de 1996, no prelo) e podería ser expandida para
modo a obter uma melhor compreensão de como abranger finalidades preventivas, de modo a tra­
intervir em nível da família (Stark, 1990). Além tar as famílias em risco. Não está fora do âmbito
disso, conforme destacado por Stark, se o conflito das possibilidades considerar uma aplicação mais
dos pais é abordado com a criança, a mensagem ampla dos princípios cognitivos à modificação dos
pode ser de rejeição, e isso podería acarretar uma transtornos depressivos, como uma parte valiosa
visão negativa de si mesma. do treinamento de pais.

480
Transtornos emocionais na juventude

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485
Epílogo

Terapia cognitiva e Aaron T. Beck

Paul M. Salkovskis

á uma gama de teorias cognitivas de alguns de seus comentários; troquei e-mails com

H psicopatologia, cada das quais contribuiu


para uma abordagem denominada terapia
cognitiva ou terapia cognitivo-comportamental. A
contribuição de Aaron T. Beck se destaca; quando
o autor, e considerei a possibilidade de escrever
eu mesmo algo sobre o tópico. E então percebi
“ele conseguiu fazê-lo de novo!” Aos 75 anos, ele
ainda está expandindo as fronteiras, não apenas
aqueles envolvidos no tratamento psicológico se da terapia cognitiva, mas da compreensão, e ele
referem à terapia cognitiva, eles quase que inva­ está contagiando outros com o seu entusiasmo.
riavelmente têm em mente a terapia cognitiva de
Beck. Isto é realmente justificado? Afinal, não
importa o quão prodigiosa seja sua capacidade
0 background de Aaron T. Beck
para a criatividade teórica e clínica (e prodigiosa
ela é), ele não podería ter criado tudo o que esta Maijorie Weishaar escreveu o “guia definitivo
incluído neste livro. Todavia, nenhum dos autores sobre a vida e as contribuições de Aaron T. Beck”
deste livro discordaria da noção de que estão tra­ (Weishaar, 1993). Nesse livro, ela descreveu sua
balhando em desenvolvimentos que se originaram infância, que esteve longe de ser tranquila. O
a partir da abordagem de Beck, e em muitos casos que é notável é que ele teve que se confrontar
isto envolve um relacionamento contínuo com o com a adversidade, em diferentes formas, e por
próprio Beck. Por exemplo, poucas semanas antes vezes sofreu consequências psicológicas negati­
de escrever este epílogo, eu recebi uma carta de vas como resultado. É significativo que ele não
Beck, comentando sobre um artigo que ele havia apenas superou estas dificuldades, mas as utili­
lido em um jornal recente. Ele estava respondendo zou como estímulo para aumentar seus esforços.
ao escritor e solicitando comentários a mim e a Parece provável que alguns de seus brilhantes
outras três pessoas da área. O artigo havia captu­ insights clínicos e teóricos também provieram de
rado sua imaginação, e ele havia notado algumas suas experiências pessoais de tristeza, ansiedade,
de suas implicações e então desejava discuti-las. sentimentos de abandono e de sua compreensão
Vi-me instigado e provocado por seus comentários; sobre (e enfrentamento de) medo de ferimentos
concordei com a maioria deles, mas discordei de com sangue, medo de sufocamento, fobia de túnel,
Fronteiras da Terapia Cognitiva

medo de falar em público e ansiedade associada áreas de psicopatologia e tratamento de depressão,


à saúde. suicídio, transtornos de ansiedade, transtornos de
Alguns fatos básicos: Aaron Tcmkin Bcck nas­ pânico, alcoolismo, abuso de drogas, e transtor­
ceu em 18 de julho de 1921 em Providence, Rhode nos de personalidade. Atualmente seu trabalho é
Island. Seus pais se conheceram nos EUA, mas amparado por uma bolsa de pesquisa de 10 anos
eram originais da Ucrânia. Ainda que sua educação do National Institute of Mental Health, dos Esta­
inicial tenha sido interrompida por uma doença que dos Unidos. Conhecido e considerado em todo o
envolvia risco de vida, ele superou rapidamente mundo, figura ou figurou em numerosos corpos
este problema e concluiu sua educação básica um e painéis editoriais. Ele foi formalmente home­
ano à frente de seu grupo de colegas. Na Hope nageado por muitas organizações e instituições
High School, ele editou o jornal da escola. Na acadêmicas, incluindo a Brown University, a Ame­
Brown University, ele se especializou em inglês rican Psychopathological Association, a American
e em ciências políticas. Foi editor associado do Psychiatric Association, a American Psychological
Brown Daily Herald e recebeu um número de Association, o Royal College of Psychiatrists, o
honrarias e prêmios, incluindo o Phi Beta Kappa, Albert Einstein College of Medicine, o New York
o Francis Wayland Scholarship, o Bennet Essay Academy of Medicine, a Harvard University, e a
Award e o prêmio Gaston por oratória. Após a American Association of Suicidology (para citar
graduação magna cum laude em 1942, ele foi apenas alguns!). Esses prêmios apenas refletem
para o Yale Medical School para começar sua suas realizações. Sua real contribuição, porém,
carreira em medicina. Ele fez um estágio, seguido é ainda maior e reside no impacto da teoria e da
de uma residência em patologia no Rhode Island terapia cognitivas sobre as pessoas que sofrem de
Hospital. Embora interessado em psiquiatria como angústia psicológica e sobre aquelas que podem,
sujeito, ele foi atraído pela precisão da neurologia, em resultado do trabalho de Beck, oferecer-lhes
uma qualidade que percebeu estar completamente ajuda e esperança legítimas.
ausente na psiquiatria. No entanto, durante sua
residência em neurologia, ele se viu intrigado
por alguns dos recentes avanços, à medida que As origens da terapia cognitiva
realizou a parte obrigatória de sua residência
na área da Psiquiatria. Ele decidiu permanecer As origens da terapia cognitiva podem ser en­
na psiquiatria, como um fellow no Austin Riggs contradas na combinação entre o próprio Beck e
Center em Stockbridge, Massachusetts, onde ele sua teoria - estes são fatores separados, mas que
ganhou substancial experiência na condução de interagem entre si. Assim como a teoria de Freud,
psicoterapia de longo prazo. Durante esse período a de Beck começou como uma hipótese geral
de sua vida, ele se casou com Phyllis Whitman; sobre as ligações entre o ambiente, a pessoa, e
eles têm hoje quatro filhos e oito netos. suas emoções e motivações. Ele explorou maneiras
Durante a guerra da Coréia foi voluntário no através das quais o equilíbrio entre eles, e dentro
Hospital Militar de Valley Forge, onde foi chefe dele, fatores poderia ser perturbado e resultar em
assistente em neuropsiquiatria. Ele obteve sua problemas e transtornos emocionais. Mas como
certificação em psiquiatria em 1953, e tomou- ele chegou à teoria cognitiva?
-se um professor de psiquiatria na University of Sua carreira em psiquiatria começou com a
Pennsylvania Medical School em 1954, onde seu psicanálise. Ele foi atraído pela psicanálise porque
trabalho de pesquisa começou intensivamente. Ele ela lhe ofereceu uma maneira de ver toda a gama
lá permaneceu desde então; atualmente é Professor de experiências e problemas humanos. Entretanto,
Universitário Emérito de Psiquiatria. Desde 1959, ocasionalmente, ele queria contestar a autoridade
dirigiu investigações de pesquisas, financiadas, nas da psicanálise. Sugeriu a seus colegas que algumas

488
Terapia cognitiva e Aaron T. Beck

das formulações psicanalíticas iam longe demais; vigília, das pessoas que tinham esses sonhos. Ele
a resposta deles foi que o problema residia em sua descreveu isto da seguinte forma:
resistência a essas idéias e não na teoria em si.
Aceitou que isso podería ser possível pensando Quando os outros estudos falharam, voltei aos
“talvez minha mente seja realmente cega para meus estudos sobre os sonhos e pensei “talvez
isso”. Subsequentemente, pareceu-lhe ser esse haja uma explicação mais simples, e esta é
o caso; sua resistência para a abordagem psica- de que a pessoa se vê como um perdedor no
nalítica foi largamente desfeita por sua própria sonho porque ela habitualmente se vê como um
análise; nessa fase, se tomou quase evangélico e perdedor”. Visto que eu estava fazendo terapia
começou a conduzir pesquisa sobre a teoria psi- nessa mesma época, tomou-se claro para mim,
canalítica da depressão. Assumiu essa pesquisa, conforme me aprofundei no assunto, que os
porque ele queria falar àqueles que estavam fora da temas dos sonhos eram consistentes com os
psicanálise e necessitavam ser persuadidos de seu temas da vigília. Pareceu-me que uma noção
valor científico. Em particular, estava procurando mais simples sobre os sonhos era de que eles
influenciar aqueles que trabalhavam na psicologia simplesmente incorporavam o autoconceito da
experimental. pessoa. Bem, se é apenas uma questão de auto­
Sua posição teórica (que agora conhecemos conceito da pessoa, não necessitamos invocar a
como a teoria original por trás da terapia cognitiva) noção de que os sonhos eram motivados. Sonhos
foi desenvolvida como uma consequência direta poderíam ser simplesmente um reflexo do pensar
dessa pesquisa. Utilizou a análise de sonhos para da pessoa. Se tirarmos dos sonhos a motivação
validar a noção de que a depressão emergia de uma e a satisfação do desejo, isto destrói todo o
hostilidade retroflexa (autodirecionada), surgindo modelo motivacional da psicanálise. Eu comecei
a partir da satisfação do desejo; as pessoas depri­ a olhar a totalidade do modelo motivacional, e
midas realmente desejavam se autodegradar, e o suas manifestações sobre os comportamentos,
conteúdo negativo do sonho refletia a realização os atos falhos, e assim por diante. Pareceu-me
do desejo. Os resultados desses estudos foram, que o modelo motivacional não se sustentou.
de forma geral, consistentes com a hipótese Uma vez que ele caiu, e que eu inseri o modelo
psicanalítica que ele estava seguindo. Em um es­ cognitivo, não vi mais nenhuma necessidade do
tudo subsequente, avaliou o impacto do fracasso restante da superestrutura do pensamento psica-
e do sucesso em uma tarefa experimental sobre nalítico (Aaron T. Beck, comunicação pessoal,
a autoestima. Esperava que as pessoas deprimi­ novembro, 1992).
das reagissem negativamente ao sucesso. O que
descobriu foi que o sucesso era seguido de um Finalizando sua pesquisa sobre depressão, Beck
aumento na autoestima e melhora no desempenho descreve haver experienciado sentimentos intensos
em tarefas subsequentes; além disso, os pacientes de desorientação e angústia. Suas pressuposi­
deprimidos mostraram este efeito positivo com ções básicas sobre a natureza do funcionamento
maior frequência que os sujeitos não deprimidos. psicológico haviam sido violadas, restando-lhe
Pareceu-lhe que seus resultados experimentais a opção de abandonar e negligenciar os dados
indicavam que os pacientes deprimidos não que­ discrepantes, ou radicalmente repensar sua visão
riam fracassar. Ao contrário, o que eles faziam era acerca da psicologia das emoções e dos transtor­
ajustar sua visão de si próprios para adequá-las a nos emocionais.
experiência de fracasso. Ao invés de chegar aos É característico de Beck sua escolha pela última
resultados que esperava, sua pesquisa indicou opção. Ele sofreu isolamento, hostilidade e rejeição
que as idéias expressas nos sonhos refletiam as como resultado de sua decisão em afastar-se tão
preocupações cotidianas, e durante o estado de radicalmente da ortodoxia psicanalítica. Esse fato

489
Fronteiras da Terapia Cognitiva

diz algo sobre a força de sua visão, sendo que ele Clark (comunicação pessoal, 1995) se refere ao
perseverou de tal forma que poderia quase ser des­ “interesse de Tim pelos pesquisadores e terapeutas
crita como disíuncional - até que se considere o jovens. Eu penso que existem muitos pesquisa­
resultado, em termos da influência de seu trabalho dores como eu que têm uma grande dívida para
na pesquisa, teoria e prática clínicas. com Tim, pelas oportunidades e encorajamento
A história das origens da terapia cognitiva, que ele demonstrou no desenvolvimento de nos­
estabelece temas que se refletem na abordagem sas carreiras”. John Rush (comunicação pessoal,
cognitivo-comportamental de hoje: a interação 1995) descreveu-se como em seu quarto ano de
entre teoria e pesquisa, a flexibilidade e respon- residência e seu contentamento em que “Tim
sividade, tanto com relação aos indivíduos quanto não apenas concordou em oferecer supervisão
aos resultados da pesquisa, e acima de tudo, a semanalmente, mas também me aconselhar a
importância da compreensão do significado emo­ respeito de decisões sobre minha carreira. Ele
cional de eventos e situações, do ponto de vista estava motivado a trabalhar comigo”. Rush con­
do indivíduo que os experiencia. Ocasionalmente, tinua, citando alguns dos conselhos que Beck
utilizei vídeos de Beck conduzindo terapia como ofereceu: “Eu havia sido solicitado a considerar
forma de apresentar clínicos experientes à prática a posição de Residente Chefe. O conselho de
da terapia cognitiva. Frequentemente eles comen­ Tim foi requerer a posição sem o título. Ele
tam que “ele não está fazendo terapia cognitiva” disse ‘Títulos não trazem vantagens, mas criam
ou “ele está apenas dizendo ao paciente que ele muito trabalho, o que por si não é particularmente
compreende”. Apenas! Esta é uma das grandes criativo. E melhor não ter nenhum título e ter
forças da terapia cognitiva. Em seu coração a oportunidade para fazer a pesquisa que você
está a compreensão, mas há muito, muito mais. pensa ser importante do que ter todos os títulos
Reflete um enquadre que permite ao terapeuta do mundo.’” Deve haver aí alguma pista sobre a
compreender, oferecer ajuda, e capacitar a quem razão pela qual ele está interessado nas pessoas
sofre assumir controle sobre sua vida. É difícil que estejam fazendo coisas, ao invés de pessoas
aplicá-la bem, mas é possível aprender. definidas pelo próprio status.
Christine Padesky (comunicação pessoal, 1995)
refere-se à sua franqueza e disposição para receber
feedback dela quando ela ainda era uma clínica
0 criador da terapia cognitiva
iniciante na UCLA {University of California at
Aaron T. Beck pode ter sido profissionalmente Los Angeles). Em uma sessão de instrução, ele
isolado quando ele começou a desenvolver a havia trazido um videotape no qual conduzia
terapia cognitiva, mas esta situação não foi de terapia cognitiva com uma mulher deprimida.
forma alguma permanente. Durante as últimas “Conforme eu assistia esta ilustração da terapia,
três décadas, ele acumulou uma multidão de fiquei muito desapontada. Na entrevista, ele não
estudantes, colaboradores, colegas de trabalho e ajudou a cliente a classificar seus pensamentos
amigos. Este livro contém capítulos de uma pe­ automáticos, a iniciar um registro de pensamentos
quena amostra daqueles que foram influenciados automáticos, e nem mesmo a preencher um quadro
tanto por seu trabalho quanto por ele como pessoa. de atividades. Meu pensamento automático foi
Vários colaboradores deste livro comentaram em ‘este homem desenvolveu uma terapia tão bri­
suas reminiscências pessoais que Beck sempre lhante e, contudo, ele não a pratica muito bem’.”
ofereceu tempo, consideração, e total atenção Como resultado desta avaliação, Padesky sentiu-
a clínicos e pesquisadores iniciantes, algumas -se capaz de fazer um role-play como terapeuta,
vezes para a mortificação daqueles que se ima­ pensando “Certamente eu posso fazer ao menos
ginavam mais dignos de sua atenção. David A. tão bem quanto ele no videotape”. Este fato deu

490
Terapia cognitiva e Aaron T. Beck

início a uma amizade e colaboração que continua 0 impacto de Beck e da terapia


até os dias de hoje. Cinco anos após a sessão de
cognitiva
instrução, Padesky atuava como coinstrutora de
workshops sobre terapia cognitiva com Beck. Na David Goldberg, professor de psiquiatria no
noite anterior a um workshop em Houston, Beck Institute of Psychiatry, Londres, sugeriu que Beck
se propôs a mostrar um video no próximo dia, “tem a mesma relação com a psicanálise que
após o qual Chris comentaria sobre como sua Gorbachev tem com o comunismo. Justamente
intervenção era compatível com os princípios da como Gorbachev terminou com o comunismo
terapia cognitiva que eles estavam ensinando. sem derramamento de sangue (...) prometendo
Percebendo que seria o mesmo video, ela se que tudo o que ele estava tentando fazer era
preocupou e tentou planejar alguma coisa positiva reformá-lo, assim também Tim Beck desfechou
para dizer sobre o vídeo no dia seguinte. Quando um golpe profundamente subversivo na psicanálise,
o vídeo começou, Chris ficou impressionada. O enquanto nos assegurava de que tudo o que ele
mesmo videotape agora parecia ser uma brilhante estava tentando fazer era expandir as fronteiras
ilustração de terapia cognitiva. Foi fácil para ela da psicoterapia” (comunicação pessoal, 1995).
ver como o questionamento calmo e habilidoso de Goldberg sugeriu que Beck tem tido uma influência
Beck levou o paciente a uma conceituação clara dc particularmente profunda na psiquiatria inglesa, e
seus problemas e gentilmente guiou-a a descobrir tem algumas idéias sobre as razões para isso. “O
caminhos que ela poderia tomar para resolver britânico pragmático gosta da terapia cognitiva não
seus próprios problemas de depressão. Padesky apenas porque eles concordam com suas premissas
percebeu que, como uma terapeuta novata, ela teóricas, mas porque ela funciona. O fato é que a
pensava sobre a terapia cognitiva simplesmente teoria é razoavelmente concisa - e tem um bônus
como uma coleção de técnicas e procedimentos, adicional de não ser brutalmente improvável - foi
sem a qual ela anteriormente havia sido incapaz útil, mas de forma alguma decisivo.” Jean Cottraux
de reconhecer a terapia. Com maior experiência, apontou para a influência de Beck na psiquiatria
ela percebeu a maneira através da qual a con­ francesa, Michael Linden na psicologia alemã, e
ceituação e a descoberta guiada formam a pedra assim por diante. A influência de Beck se tomou
fundamental da terapia cognitiva, e notou que global.
Beck valorizava a apropriação, pelo cliente, da Ainda mais notável, esta influência é tanto
descoberta, ao invés de recorrer a intervenções teórica quanto pessoal. A correspondência que eu
terapêuticas dramáticas, que fazem o terapeuta recebi dos colaboradores deste livro mostra que
parecer esperto. quase todos se referem a Beck como mentor e à
Em 1990, Kathleen Mooney (comunicação sua abertura. Vários citaram a escuta atenta por
pessoal, 1995) perguntou a Beck qual era sua ex­ Beck de suas idéias, fazendo anotações, depois
pectativa e visão para o futuro da terapia cognitiva. dando feedback de suas idéias de uma maneira
Sua resposta foi “Eu espero que em 10 anos ela refinada e inspirada. Esta habilidade para escutar
não mais exista como uma escola de terapia”. Ele adequadamente e extrair o significado do que
esperava que “o que nós chamamos de terapia cog­ está exposto é, com certeza, a marca da terapia
nitiva (conceituação e planejamento de intervenção cognitiva. Qualquer pessoa que tenha visto uma
baseados em pesquisa, colaboração, e descoberta sessão de tratamento conduzida por Beck observa
guiada) será considerado como o básico de toda sua mesma atitude com o paciente; sua determi­
boa terapia, assim como os princípios de Carl nação e foco são combinados a um forte senso
Rogers de calor, empatia e consideração genuína de que ele não está apenas ouvindo, mas está
pelos pacientes foram adotados como o básico compreendendo. Suas intervenções deixam claro
necessário para todas as relações terapêuticas”. que ele compreende.

491
Fronteiras da Terapia Cognitiva

Realizações de Beck1 diretamente as técnicas e teorias específicas des­


critas aqui (embora em muitos casos ele fez ou ao
David Goldberg destacou que a carreira de menos contribuiu significativamente para elas). O
Beck mudou radicalmente quando ele alcançou ponto crucial é que, sem Beck, uma abordagem
os 50 anos. “Suas publicações, que ficavam em
cognitiva científica não teria sido desenvolvida. O
torno de um modesto 1,7 artigos por ano por
nível de desenvolvimento da teoria e da terapia
volta dos anos 60, floresceram para uma média
cognitivas é sem precedentes. O tratamento cog­
de 10 artigos por ano, e ele tem mantido essa
nitivo foi desenvolvido e validado para a gama
incrível produtividade desde então. Vinte e nove
publicações antes dos 50 anos, mais 300 depois. total de problemas psicológicos. A aceitabilidade
Não há sinais de qualquer diminuição em sua in­ da abordagem cognitiva, tanto para os pacientes
crível criatividade. Entre 1986 e 1991 (anos que quanto para os terapeutas, está relacionada não
elevaram Tim à idade de 70 anos), ele produziu apenas à sua fundamentação científica, mas tam­
os seis artigos mais frequentemente citados na bém para a humanidade básica que sustenta tanto
literatura psicológica.” Uma grande parte de sua a teoria quanto a prática. Tim, estes são apenas
real contribuição pode ser encontrada aqui neste alguns dos seus feitos. Eu e os colaboradores deste
livro. Não que ele necessariamente desenvolveu livro saudamos você e sua visão.

1 Wcishaar, M. E. (1993). Aaron I Beck. London: Sage.

492
Terapia cognitiva e Aaron T. Beck

Referências bibliográficas Beck, A. T., Rush, A. J., Shaw, B. F., & Emery, G. (1979).
Cognitive Therapy of depression. New York: Guilford
Weishaar, M. E. (1993). Aaron I Beck. London: Sage. Press (Also published Sussex, England, by Wiley, 1980).

Beck, A. T., & Emery, G., with Greenberger, R. L. (1985).


• Beck publicou mais de 350 livros. Os seus 11 livros são:
Anxiety disorders and phobias: A cognitive perspective.
New York: Basic Books.
Beck, A. T. (1967). The diagnosis and management of
depression. Philadelphia: University of Pennsylvania
Press. Beck, A. T. (1988). Love is never enough. New York:
Harper and Row.
Beck, A. T. (1967). Depression: Clinical, experimental,
and theoretical aspects. New York: Harper and Row. Beck, A. T., Freeman, A., & Associates. (1990).
Cognitive therapy of personality disorders. New York:
Beck, A. T. (1967). Depression: Causes and treatment. Guilford Press.
Philadelphia: University of Pennsylvania Press.
Wright, J. H., Thase, M. E., Beck, A. T., & Ludgatc, J.
Beck, A. T., Resnick, H. L. P., & Lettieri, D. J. (Eds.) W. (Eds.) (1993). Cognitive therapy with inpatients: The
(1974). The Prediction of Suicide. Bowie, M. D: Charles cognitive milieu. New York: Guilford Press.
Press.
Beck, A. T., Wright, F. D., Newman, C. F., & Liese, B.
Beck, A. T. (1976). Cognitive therapy and emotional S. (1993). Cognitive therapy of substance abuse. New
disorders. New York: International Universities Press. York: Guilford Press.

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Sobre o Editor

Paul M. Salkovskis, PhD, é um Senior Research Fellow em Ciência


Biomédica Básica do fundo Wellcome Trust, na Inglaterra. Até 2001 foi
membro do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Oxford.
Atualmente é Professor de Psicologia Clínica e Ciências Aplicadas e
Diretor Clínico no Departamento de Psicologia do Institute of Psychiatry
da Universidade de Londres. Tem-se dedicado ao longo dos últimos 15
anos a pesquisar e validar a aplicação da terapia cognitiva aos transtornos
de ansiedade, em especial, pânico, agorafobia, transtorno obsessivo-
-compulsivo e hipocondria. Salkovskis tem contribuído decisivamente
para o desenvolvimento da Terapia Cognitiva, sendo autor de mais de
120 artigos e publicações. Possui, atualmente, seis livros publicados na
área, dentre os quais Cognitive Therapy for Panic and Hypochondria­
sis. Suas obras estão traduzidas e publicadas em vários idiomas, dentre eles russo, japonês, português,
espanhol, francês, alemão e búlgaro. Em setembro de 1996, em publicação da AABT - Association for
Advancement of Behavior Therapy, foi reconhecido como um dos cinquenta maiores pesquisadores da
área no mundo.

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