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ISSN 1982-3541

Campinas-SP
2009, Vol. XI, nº 1, 132-153

O que se faz e o que se diz: auto-


uto-relatos
emitidos por terapeutas comportamentais

What’s to do and what’s to say:


Self-
Self-reports emitted by behavior therapists

Wilton de Oliveira 1
Vera Lúcia Adami Raposo do Amaral 2
Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Resumo

A presente pesquisa teve o objetivo de verificar as relações entre os auto-relatos emitidos por três
terapeutas comportamentais (com tempo de experiência distinto) sobre seus próprios
comportamentos na interação com seus clientes e os respectivos comportamentos que de fato
ocorreram. Nove sessões foram filmadas e transcritas integralmente. Selecionaram-se episódios em
que os terapeutas emitiram comportamentos, dos quais foram formuladas questões para coletar os
auto-relatos. Sete dias após a sessão aplicou-se o questionário; apenas na terceira sessão os
terapeutas assistiram à filmagem antes da entrevista. As categorias de análise tiveram como base o
operante verbal tato. A Terapeuta a: apresentou os índices mais elevados de distorções nos auto-
relatos, sendo seguida pela Terapeuta b: ambas apresentaram freqüências de desempenhos
instáveis; a Terapeuta c: apresentou os menores índices de distorções e o desempenho mais estável
e foi à única que afirmou não se lembrar do que fez na sessão. Os resultados corroboram a teoria
analítico-comportamental: auto-relatos sobre o passado tendem a ser imprecisos.
Palavras-chave: Auto-relato, Terapia comportamental, Teoria analítico-comportamental.

Abstract

The present study had the objective of verifying the relationships among the self-reports produced
by three behavior therapists (with differing length of professional experience) about their own
behavior when interacting with their patients and the respective behavior that in fact occurred.
Nine sessions were filmed and transcribed in full. Seven days after the session, a questionnaire was
handed out; only in the third session did the therapists attend the filming before the interview. The
basis for the categories of analysis was the verbal operant known as tact. Therapist a presented the
highest indices of distortion in the self-reports, followed by Therapist b: both presented
frequencies of unstable performances; Therapist c presented the lowest indices of distortion and
the most steady performance, and was the only one that stated that he did not remember what

1
Instituto de Terapia e Estudo do Comportamento Humano, Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Mestre em Filosofia, núcleo de
concentração em Ética, pela PUC-Campinas; Doutor em Psicologia como Profissão e Ciência pela PUC-Campinas. E-mail:
itechcampinas@yahoo.com.br.
2
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Hospital de Cirurgia Plástica Crânio Facial – Sobrapar. Professora do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia, PUC-Campinas.

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O que se faz e o que se diz: auto-relatos emitidos por terapeutas comportamentais

occurred during the session. The results corroborate the behavioral analysis theory: Self-reports
about past events tend to be imprecise.
Key-words: Self-report, Behavior therapy, Behavioral analysis theory.

Introdução resultante é através do estímulo: uma


dada resposta ‘específica’, uma dada
Para os objetivos do presente propriedade do estímulo” (p. 83).
trabalho faz-se necessário debruçar-se
sobre o operante verbal denominado tato. Para Skinner (1957), o tato é o
operante verbal mais importante, pois na
“Um tato pode ser definido como um medida em que estabelece uma relação de
operante verbal no qual uma resposta correspondência com o mundo externo ou
de uma dada forma é evocada (ou pelo interno do falante, possibilita que o
menos fortalecida) por um objeto ou ouvinte obtenha informações sobre esses
um evento particular ou por uma mundos e, desse modo, reaja de forma
propriedade de um objeto ou evento.”
mais discriminativa a eles. É por esse
(Skinner, [1957] 1992, pp. 81-82).
motivo que as comunidades verbais se
Desse modo o tato não envolve engajam em estabelecer repertório de tato
qualquer processo comportamental novo: nos falantes, pois suas emissões
“é apenas um nome para o controle do beneficiam os ouvintes.
estímulo que entra no comportamento O modo como se dará a
verbal” (Catania, [1988] 1999, p. 260). correspondência entre classes de
Assim, classes de eventos antecedentes, respostas verbais e classes de eventos
um objeto ou evento particular ou antecedentes dependerá da maneira como
propriedades destes, estabelecem a comunidade verbal reforçou as
controle sobre uma dada classe de respostas verbais na presença dos eventos
respostas verbais, que produzem como antecedentes. Um aspecto fundamental,
conseqüências reforço condicionado por exemplo, diz respeito à acessibilidade
generalizado ou um conjunto de que o sujeito e a comunidade têm dos
reforçadores condicionados generalizados eventos antecedentes; quanto mais tais
(Matos, 1991; De Rose, 1997; Catania, eventos forem acessíveis, maior será a
1999; Sério, Andery, Gioia & Micheletto, probabilidade de se estabelecer
2002). correspondência acurada.
Segundo Skinner (1957), pode-se As variáveis de controle de
construir um tato, “reforçando a resposta estímulos afetam a precisão do controle
tão consistentemente quanto possível em exercido pelas propriedades dos
presença de um estímulo com muitos estímulos, especialmente quando se trata
reforçadores diferentes ou com um de propriedades complexas ou sutis. A
reforçador generalizado. O controle precisão do controle dependerá, nesse

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caso, do grau de acesso do sujeito ao extendido quando responde ao todo como


estímulo discriminativo, do grau de uma parte, ou a uma parte como ao todo:
acesso da comunidade verbal aos A metáfora a símile e a sinédoque
estímulos quando o repertório está sendo correspondem a esses casos (ex: diante
estabelecido, e dos procedimentos de um trecho musical executado por
utilizados pela comunidade verbal para violinos referir-se ao desempenho das
estabelecer e manter o repertório cordas, diante do contorno de um olho
(DeRose, 1997, pp. 152-153). dizer olho, diante de um veleiro
deslocando-se com facilidade dizer
Segundo Catania ([1988] 1999), em
que corta as águas, etc. (Matos, 1991,
discriminações envolvendo compor- p.337).
tamento não verbal diz-se que uma
resposta se generalizou se a resposta Assim, quando faz-se referência ao
mantida durante um estímulo ocorrer desempenho das cordas, emite-se um tato
quando um novo estímulo for sobre um aspecto presente no violino:
apresentado. Uma generalização análoga cordas. No entanto, esse aspecto
pode ocorrer com classes de respostas generaliza-se (no sentido que passa a
verbais para novas classes de estímulos, representar o todo) para o todo: trecho
tal generalização ocorre no fenômeno musical executado por violinos. Seria um
denominado como tato extendido. No tato tato distorcido, se diante do trecho
extendido, as classes de estímulos não musical executado por violinos emitir-se
exercem controle ponto-a-ponto, desse a verbalização: desempenho dos sopros.
modo, o controle de estímulos pode não Na medida em que nenhum aspecto do
ser tão preciso. Sobre o tato extendido, violino está vinculado ao soprar, poderia-
Skinner (1957) escreveu: se dizer que esse tato é distorcido. Porém,
diante de um trecho musical executado
por flautas alguém dizer, o desempenho
(...) um repertório verbal não é como uma
lista de passageiros em um navio ou avião, dos sopros, poderia-se dizer que se trata
em que um nome corresponde a uma de um tato extendido, pois o som das
pessoa, sem omitir qualquer uma ou sem flautas ocorre sob a emissão do
que algum nome apareça duas vezes. O comportamento de soprar. Ainda,
controle de estímulos não pode ser tão segundo Matos (1991), os procedimentos
preciso assim. Se uma resposta é de aquisição de tatos extendidos têm
reforçada em uma dada ocasião ou classe relação com os procedimentos de
de ocasiões, qualquer aspecto dessa aquisição de conceitos e, nesse sentido,
ocasião, ou comum a essa classe parece
com a formação de classes de
adquirir alguma medida de controle. Um
equivalência.
estímulo novo que possua alguns desses
aspectos pode evocar uma resposta (p. 91). Em relação aos termos auto-
onhecimento ou autoconsciência,
Portanto, um tato continua sendo tato entende-se as descrições que o sujeito faz
mesmo quando a classe de respostas verbais sobre o próprio comportamento,
não está sob controle exato das classes de manifesto ou encoberto: o que fez ou
estímulos. Portanto, o tato é considerado sentiu no passado, está fazendo ou sentiu

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no presente, ou tenderá a fazer ou sentir de reforçamento estabelecidas por


no futuro (Skinner, 1974; Tourinho, comunidades verbais:
1995). Portanto, o autoconhecimento Sob que contingências verbais de
refere-se à emissão de tatos sobre o reforçamento, por exemplo, podemos
próprio comportamento: observar o nosso eu e relatar o que
estamos fazendo? (...) As pessoas são
Estamos tratando aqui de tatos auto- solicitadas a falar sobre o que estão
descritivos – comportamento verbal fazendo ou porque estão fazendo e, ao
controlado por outros responderem, podem tanto falar a si
comportamentos do falante, passado, próprios como a outrem (Skinner,
presente, ou futuro. Os estímulos [1989] 1991, p. 46).
podem ser ou não privados. O
Deve-se salientar ainda o fato de
comportamento verbal auto-descritivo
que no autoconhecimento estão
é de interesse por muitas razões.
envolvidos dois comportamentos con-
Somente através da aquisição de tal
comportamento o falante pode tornar- trolados por contingências diferentes, a
se “consciente” do que está fazendo ou saber, o comportamento de relatar
dizendo, e por quê (Skinner, [1957] (operante verbal) e o comportamento
1992, p. 139). relatado (operante verbal ou não verbal).
O grau de autoconhecimento está
Nesse sentido, o termo tato auto- vinculado à acurácia na corres-pondência
descritivo designa a emissão de relatos do entre esses compotamentos.
falante sob controle de seu próprio Podem ocorrer distorções no
comportamento (privado ou público) controle de estímulos sobre o tato, sendo
passado, presente, ou futuro. Tal controle que as mais importantes estão
pode ser de ordem não verbal ou verbal, relacionadas aos efeitos das
de modo que o os tatos auto-descritivos conseqüências proporcionadas pelos
podem estar sob controle do agir ou do ouvintes: o controle de estímulos pode ser
falar, ocorrido no passado do falante. distorcido por certas conseqüências
Por outro lado, para a emissão de especiais, proporcionadas por um ouvinte
tatos auto-descritivos se faz necessário o em particular ou por ouvintes em geral
desenvolvimento de uma classe de sob determinadas circunstâncias.
comportamentos de auto-observação. (Skinner, [1957] 1992, p. 147).
Para que uma pessoa possa relatar o que Um efeito importante das
faz, primeiramente ela deve observar o conseqüências sobre o tato ocorre quando
que faz, nesse sentido, a classe de o reforço é contingente a determinados
comportamentos de auto-observação é aspectos da resposta verbal, e não a
considerada compor-tamento precorrente correspondência com a classe de
aos tatos sobre o próprio comportamento estímulos discriminativos. Assim, a
(Skinner, 1989; de Rose, 1997). Tanto o verbalização pode variar até tornar-se
repertório de auto-observação como os exagerada ou deixar de apresentar
tatos sobre o próprio comportamento são qualquer traço de correspondência com a
adquiridos e mantidos por contingências classe de estímulos discriminativos, como

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no caso da mentira. Ou seja, o parte de um crime para conseguir a


comportamento de mentir pode estar liberdade (p.150).
mais sob controle das conseqüências Foi ressaltado anteriormente que
produzidas nos falantes do que sob os tatos auto-descritivos podem se referir
controle dos antecedentes que ele ao comportamento passado, presente e
supostamente estaria fazendo referência. futuro do falante. O presente trabalho se
Outro aspecto importante que interessa especificamente sobre relatos
produz distorções no tato ocorre quando referentes a comportamentos emitidos
as ações do ouvinte têm propriedades por falantes no passado, portanto, por
reforçadoras importantes para o falante. tatos auto-descritivos de comportamentos
Nesse sentido determinadas ações do verbais e não verbais que foram emitidos
ouvinte se constituem como reforço não no passado. Uma forma profícua de
generalizado para o falante, e se tornam análise desse fenômeno envolve reflexões
contingentes a verbalizações com sobre o comportamento de lembrar.
determinado conteúdo; quando, por O comportamento de lembrar é
exemplo, o ouvinte através de expressões construído socialmente. A comunidade
faciais distintas reforça relatos verbais estabelece ocasião para a classe de
específicos nos falantes. respostas de lembrar, a classe de res-
As contingências com função posta é assim emitida e a comunidade,
coercitiva podem também produzir por conseguinte, conseqüência. Se a
distorções no tato. Skinner (1957) comunidade teve acesso ao acon-
descreveu: tecimento ou comportamento passado a
ser lembrado, poderá reforçar de forma
“A liberação de um estímulo aversivo
discriminada classes de respostas mais
como forma de reforçamento
generalizado é usada frequentemente acuradas sobre tais comportamentos ou
em medida especial para produzir um eventos. Diante disso, o que pode-se
comportamento verbal dotado de dizer sobre a precisão do lembrar?
dadas propriedades. Uma confissão é Segundo Skinner ([1957] 1992):
frequentemente obtida quando uma
estimulação aversiva, ou uma O relato sobre acontecimentos do
estimulação aversiva condicionada em nosso passado nunca é muito preciso
forma de ameaça, é imposta até que ou completo. Muita coisa depende
seja emitida uma dada resposta. A dos estímulos correntes que suscitam
objeção a esse procedimento (por tais respostas. Ao evocar uma
exemplo, em legislações esclarecidas resposta ‘a um acontecimento
ou em projetos governamentais) é passado’ nós usualmente
precisamente porque ele tende a proporcionamos uma informação
distorcer o controle de estímulos: a adicional. O que foi que lhe mostrei
liberação é usualmente contingente a ontem quando você estava sentado
uma resposta independente de sua aqui? Eu o segurei em minha mão,
correspondência com “os fatos”. O dessa forma. Esses estímulos
falante pode exagerar uma confissão, adicionais são para identificar o
inventar alguma, ou confessar apenas acontecimento a ser descrito ou

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distinguido de outros acontecimentos disse ontem. Mais ainda: ele é capaz


que ocorreram ontem (p.143). de descrever um comportamento
encoberto anterior: Eu estava a ponto
Nesse sentido, parte do
de dizer a ele o que penso dele
comportamento de lembrar está
(Skinner, 1957, p. 143).
vinculada a classes de estímulos
discriminativos que exerce a função de Recordar o que disse é emitir tatos
evocar o tato sobre eventos passados. auto-descritivos sobre o que foi falado
Tais classes de estímulos podem ontem. A presente pesquisa vai trabalhar
aumentar a probabilidade de que o tato particularmente com esse aspecto do
sobre eventos passados seja emitido. lembrar. Ou seja, o que os terapeutas
Portanto, o comportamento de lembrar relatam hoje sobre o que falaram ontem.
pode ser entendido como: “Uma resposta Como a terapia é verbal em sua maior
a estímulos correntes, incluindo parte, o lembrar investigado aqui tratará
acontecimentos no interior do próprio em sua quase totalidade com o lembrar
falante, gerados pela pergunta em sobre o que os terapeutas disseram ontem
combinação com uma história de para seus clientes.
condicionamento anterior” (Skinner,
Por fim, o presente trabalho tem o
[1957] 1992, p 143).
objetivo de verificar as relações entre os
O comportamento de lembrar, relatos verbais emitidos por terapeutas
desse modo, envolve os seguintes comportamentais sobre seus compor-
aspectos: classes de estímulos atuais tamentos nas interações com seus clientes
(verbais ou não verbais) e história e os respectivos comportamentos que de
anterior de relações com o ambiente fato ocorreram nas interações com os
(aspecto a ser lembrado). Sem esquecer clientes. Mais especificamente, tem como
que a historia de relações com o objetivo: 1. Selecionar episódios de
ambiente anterior deve ser interação verbal entre terapeuta e cliente
acompanhada de comportamentos que ocorreram na seguinte condição:
precorrentes de observação dos eventos a Episódios em que os terapeutas emitiram
serem lembrados. comportamentos verbais e não verbais
O comportamento de lembrar (consequenciar, investigar, aconselhar,
sobre o próprio comportamento é um esclarecer) na interação com
dos aspectos que envolve o lembrar em comportamentos (verbais e não verbais)
geral: dos clientes durante sessões de terapia
analítico-comportamental. 2. Categorizar
Entre os fatos que um homem é
os auto-relatos dos terapeutas
capaz de descrever após certo tempo,
comportamentais sobre os compor-
particularmente após perguntas, está
seu próprio comportamento. tamentos que emitiram na interação com
Obviamente, muitos desses seus clientes em quatro possibilidades:
comportamentos são verbais. Ele é tatos auto-descritivos / tatos auto-
capaz de recordar de forma descritivos distorcidos / tatos auto-
razoavelmente precisa, não apenas o descritivos parcialmente distorcidos /
que fez ontem, como também o que tatos auto-descritivos outros. 3. Obter a

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freqüência das categorias na seqüência pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética
fazer-dizer e ou dizer-dizer dos terapeutas da Puc-Campinas.
comportamentais pesquisados.

Material e Ambiente
Método
Foi utilizada uma filmadora de
Participantes Mini DV da marca JVC (25 X Optical
Zoom) com tripé, para registro integral
Participaram do presente estudo: 1.
das sessões. O ambiente de coleta de
Quatro terapeutas comportamentais. Um
dados das sessões de atendimento
forneceu dados para o treino dos juízes e
terapêutico foi à sala de atendimento do
o teste da adequacidade das categorias de
próprio profissional em seu consultório
análise. Três foram sujeitos da pesquisa.
particular. Por sua vez, foi utilizado o
Cada um com tempo de experiência
mesmo local para aplicação, posterior,
distinto em Terapia Comportamental: Ta
dos questionários.
(seis meses), Tb (cinco anos), Tc (oito
anos). 2. Dez clientes com idade igual ou Os questionários aplicados nos
superior a dezoito anos. Um dos clientes terapeutas continham descrições de
foi atendido uma sessão pelo terapeuta situações observadas nas filmagens das
que forneceu os dados para o treino dos interações terapeuta-cliente, mais preci-
juízes. Nove foram atendidos pelos samente, dos episódios de interação em
terapeutas sujeitos da pesquisa. Cada que o terapeuta emitiu comportamento
terapeuta atendeu uma sessão três verbal e ou não-verbal. Tais descrições
clientes, independente do momento contemplaram: comportamentos do tera-
terapêutico em que se encontravam peuta e comportamentos do cliente que
(início, meio ou fim do processo). 3. Um antecederam o comportamento alvo do
entrevistador responsável em aplicar terapeuta e, em seguida, uma pergunta
questionário preparado previamente pelo formulada do seguinte modo: Nesse
pesquisador. 4. Dois juízes independentes momento o que você fez ou falou para o
para categorizar os dados com mais de cliente? Esses questionários contiveram o
cinco anos de experiência em terapia número de questões que foram correlatas
comportamental, e com conhecimentos ao número de episódios de interação
comprovados na abordagem analítico- verbal e ou não-verbal selecionados pelo
comportamental; e 4. O próprio pesquisador durante a sessão terapêutica.
pesquisador, que participou ativamente
de todos os momentos da pesquisa e
Procedimentos
serviu como terceiro juiz para que a
comissão de juízes fosse composta por um O processo de coleta de dados se
número ímpar, em caso de necessidade de iniciou com a filmagem da sessão na
desempate. Terapeutas, clientes, juízes e íntegra. Terminada a sessão iniciou-se a
entrevistador foram informados sobre a etapa de elaboração do questionário. Em
pesquisa e confirmaram seus consen- seguida, o pesquisador transcreveu a
timentos por escrito. O projeto desta sessão na íntegra. A partir da transcrição,

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selecionou os episódios de interação de momento em que o terapeuta emitiu o


interesse para a pesquisa, ou seja, comportamento (selecionado) sobre o
episódios em que o terapeuta emitiu comportamento do cliente. Momento
comportamentos verbais e ou não verbais esse, omitido, e a questão continuava
na relação com seus clientes. Terminado através da pergunta: Nesse momento o
isso, o terapeuta comparou os episódios que você fez ou falou para o
selecionados através da transcrição com a cliente? O objetivo fundamental da
observação do trecho correspondente na questão foi de fornecer classes de
filmagem para, assim, observar se a coleta estímulos antecedentes que pudessem
do episódio através da transcrição estava aumentar a probabilidade de exercer
contemplando todos os detalhes função discriminativa para classes de
relevantes para a análise. respostas do terapeuta no momento da
Iniciou-se, por conseguinte, o entrevista.
processo de elaboração do questionário. A A aplicação do questionário
partir do trecho selecionado em que ocorreu sete dias após a entrevista (de
constava um dos comportamentos modo que seguiu a estrutura típica de um
(consequenciar ou investigar ou processo terapêutico: o encontro entre
aconselhar ou esclarecer ou explicar) terapeuta e cliente geralmente ocorrer
emitidos pelo terapeuta diante de seu seguindo espaços de sete dias entre um
cliente, buscou-se na transcrição literal da encontro e outro). Assim sempre foi pré-
sessão as interações antecedentes entre agendada com o entrevistador e com o
terapeuta e cliente: verbalizações do terapeuta a data e a hora da entrevista.
terapeuta e do cliente anteriores ao Nesse sentido, o questionário foi entregue
comportamento alvo do terapeuta. O ao entrevistador que, por sua vez, aplicou-
recorte para se estabelecer os o no terapeuta.
antecedentes tinha como critério o
Para a entrevista utilizou-se um
instante que se iniciava o assunto que
gravador de áudio. Em uma sala privada,
culminava com o comportamento o entrevistador leu cada questão
selecionado. Desse modo, a questão se pausadamente. O sujeito podia pedir para
iniciava da seguinte forma: Em um
repetir a pergunta se não entendesse. Por
dado momento da sessão o cliente
sua vez, o entrevistador esperava o tempo
falou, ou poderia ser: Em um dado necessário, requisitado pelo sujeito, para
momento da sessão você falou. Em
responder a questão. Na medida em que o
outras palavras, o recorte inicial da sujeito respondia, passava-se para a
questão poderia ter início com uma questão subseqüente, até a finalização
verbalização do cliente ou do terapeuta. A daquele bloco de questões referente a
questão tinha continuidade seguindo um uma sessão de terapia.
encadeamento que contemplava a suposta
seqüência: você (o terapeuta), por As duas primeiras sessões de cada
conseguinte, disse isso, em seguida terapeuta investigado seguiram o padrão
o terapeuta disse aquilo e assim descrito anteriormente, ou seja: aplicar-se
por diante, até culminar com o o roteiro de entrevista após uma semana

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da sessão investigada. A terceira sessão de que fizeram ou falaram para o cliente


cada terapeuta, sendo esta com o terceiro durante a sessão) em relação aos
cliente, seguiu uma alteração no episódios transcritos que indicavam o que
procedimento, a saber: imediatamente os sujeitos realmente falaram ou fizeram
antes de responder ao questionário, o durante a sessão. Esse treino foi realizado
terapeuta assistiu a filmagem da sessão pelos três juízes independentes. Assim,
em que o questionário foi elaborado; e um terapeuta foi especificamente
somente em seguida, o questionário foi convidado para fornecer os dados. Todo o
aplicado. Para tal, o pesquisador forneceu procedimento descrito anteriormente foi
para o entrevistador um computador com seguido para a coleta dos dados, de modo
a filmagem da sessão, a ser vista, já que foi elaborado um protocolo de
gravada. Assim, bastava o entrevistador avaliação específico para o treino. Por
apertar a tecla de enter do teclado do conseguinte, os juízes se reuniram,
computador para que a sessão aparecesse categorizaram, discutiram cada avaliação
no visor. e estabeleceram um padrão para se
Foi elaborado, por conseguinte, o avaliar cada auto-relato: 1. As perguntas,
protocolo de avaliação. Tal protocolo e não apenas as respostas ao questionário
continha: 1- Questão, aplicada no sujeito, com o respectivo episódio transcrito da
sobre o que fez ou falou para o cliente sessão, também deveriam ser lidas pelos
durante a sessão; 2- Resposta verbal do juízes. Pois, assim, facilitaria o
sujeito sobre o que fez ou falou para o entendimento da resposta e do episódio
cliente durante a sessão; 3- Trecho literal transcrito; 2. Cada tema tratado no auto-
retirado da transcrição da sessão (e, relato deveria ser transcrito e numerado
posteriormente observada diretamente da pelo juiz abaixo da folha do protocolo,
filmagem para contemplar eventuais assim como cada tema tratado no trecho
detalhes relevantes que poderiam estar recortado da sessão (O que o terapeuta
sendo omitidos) sobre o que de fato o realmente fez ou falou durante a sessão)
terapeuta fez ou falou para o cliente também deveria ser transcrito e
durante o episódio investigado. numerado abaixo; 3. O juiz deveria
comparar se havia alguma corres-
Através da montagem do protocolo pondência ou similaridade entre os temas
de avaliação pode-se observar através de e, assim, escolher a categoria mais
leituras sucessivas a comparação entre os adequada para aquele episódio; 4. Após
itens 1 e 2. Diante de tais leitu- categorizado o episódio, o juiz deveria
ras,vislumbrou-se a possibilidade de se reler a pergunta e o trecho novamente
utilizar os operantes verbais descritos por para constatar se a categoria escolhida era
Skinner ([1957] 1992) como categorias de a mais adequada para discriminar aquele
análise, mais especificamente, o operante episódio especificamente.
verbal tato. Análises dos dados
Os juízes passaram por um Após o pesquisador completar o
treinamento para categorizar as classes de preenchimento de todos os aspectos
respostas verbais dos sujeitos (sobre o envolvidos nos protocolos de avaliação de

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O que se faz e o que se diz: auto-relatos emitidos por terapeutas comportamentais

todas as sessões, o pesquisador e os dois pode corresponder ao todo sem precisar


juízes selecionados deram início ao especificar cada aspecto envolvido no
procedimento de categorização. Os itens assunto ou tema. Porém, omitiu ou
do protocolo de análise mais importantes acrescentou tatos que não correspondem
para a categorização foram: Resposta às descrições de comportamentos verbais
(emitida pelo sujeito diante da pergunta e ou não verbais emitidos durante a
do questionário) – Transcrição da sessão com o cliente. 4. Tatos auto-
atuação observada na sessão. O descritivos outros (TAO) – O sujeito
processo de avaliação feita pelos juízes não emitiu auto-relato sobre
seguiu as categorias definidas durante o comportamentos verbais e ou não verbais
processo de coleta de dados e descritas a emitidos durante a sessão; emitiu,
seguir: 1. Tatos auto-descritivos (TA) entretanto, auto-relatos sobre outros
– O sujeito emitiu auto-relatos que eventos, principalmente sobre
correspondem às descrições de comportamentos encobertos, por
comportamentos verbais e ou não verbais exemplo, dizer que não se lembra do que
emitidas durante a sessão com o cliente. A fez ou falou na sessão.
correspondência não precisa ser ponto-a-
Foram realizados cálculos para
ponto. Desse modo, são considerados os
determinação do índice de concordância
tatos auto-descritivos extendidos: o relato
da categorização entre os juízes, de modo
pode corresponder a uma parte de um
que o pesquisador será o terceiro juiz, de
determinado assunto ou tema tratado na
forma a compor uma banca de número
sessão e não necessariamente ao todo, ou
impar, e assim possibilitar desempate em
pode corresponder ao todo sem precisar
caso de conflito nas respostas dos juízes.
especificar cada aspecto envolvido no
Se ocorressem discordâncias entre os três
assunto ou tema. 2. Tatos auto-
juízes o episódio avaliado seria excluído
descritivos distorcidos (TAD) – O
do trabalho. Para o cálculo, foi avaliado
sujeito emitiu auto-relatos que não
um total 88 auto-relatos em que ao
correspondem às descrições de
menos dois juízes concordaram. Tendo
comportamentos verbais e ou não verbais
em vista a discordância de um dos juízes:
emitidas durante a sessão com o cliente.
ocorreram um total de 24 discordâncias,
3. Tatos auto-descritivos
obtendo-se 27,27%, como porcentagem
parcialmente distorcidos (TAPD) –
total de discordâncias. Por outro lado,
O sujeito emitiu auto-relatos que
tem-se um total de 64 auto-relatos em
correspondem às descrições de
que os três juízes concordaram em suas
comportamentos verbais e ou não verbais
avaliações, atingindo um índice total de
emitidas durante a sessão com o cliente. A
fidedignidade de 72,73%. O critério
correspondência não precisa ser ponto-a-
utilizado para que a medida de
ponto. Desse modo, são considerados os
fidedignidade da avaliação dos juízes
tatos auto-descritivos extendidos: o relato
sobre os auto-relatos fosse considerada
pode corresponder a uma parte de um
válida, foi ter atingido pelo menos 70%
determinado assunto ou tema tratado na
de concordância, tendo em vista todas as
sessão e não necessariamente ao todo, ou
categorizações. Como o índice total de

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fidedignidade foi de 72,73%, os emitiram menos de 50% de tatos auto-


resultados obtidos foram considerados descritivos, ou seja, menos da metade do
satisfatórios. que dizem tem correspondência. A maior
incidência de TA para o Terapeuta a foi de

Resultados e Discussão 40%, para o terapeuta b foi de 44,4%, para


o terapeuta c foi de 30%. Se, por outro lado,
A categorização das verbalizações colocar-se em foco o menor desempenho de
realizou-se com o objetivo fundamental emissão de TA para os três terapeutas os
de verificar as relações entre o que os dados saltam aos olhos ainda mais: do
terapeutas comportamentais fizeram
terapeuta a foi de 20%, do terapeuta b foi
(verbalmente e não verbalmente) na
de 10 % e do terapeuta c foi de 22,2%.
relação com seus clientes e o que
disseram que fizeram após a sessão. Observar que após uma dada sessão de
terapia, os terapeutas estabelecem 20%,
As freqüências apresentadas a
10% e 22,2% de auto-relatos que
seguir (dos oitenta e oito auto-relatos)
correspondem a aquilo que fizeram ou no
equivalem à categorização para as quais
máximo 44% do que fizeram, emerge uma
houve consenso por pelo menos dois
primeira pergunta: Por que isso ocorreu? As
juízes que participaram das catego-
perguntas elaboradas com função
rizações. Um primeiro ponto a ser discriminativa no questionário para suscitar
ressaltado, ao se observar a Figura 1, as respostas do terapeuta não foram
está no fato de que todos os terapeutas adequadas?

100%

80%

60% 56%
50% 50% 50%
40% 40% 44%
40% 40% 40%
40% 40% 33%
30% 30% 30% 30% 22% 30%20%
22% 20%
20% 20% 20% 20% 20% 11%
20% 10% 11% 10%
0% 0% 0% 0% 0% 0%
0%
Ta - S1 Ta - S2 Ta - S3 Tb - S1 Tb - S2 Tb - S3 Tc - S1 Tc - S2 Tc - S3

TA TAD TAPD TAO

Figura 1. Freqüência relativa (%) dos auto-relatos dos terapeutas, segundo categorização dos juízes, em cada uma das três sessões de
atendimento de cada terapeuta.

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O que se faz e o que se diz: auto-relatos emitidos por terapeutas comportamentais

Na presente investigação pesqui- estabelecer variáveis antecedentes


sador construiu o questionário com base específicas, o relato sobre eventos
no que de fato ocorreu na sessão, de passados não alcançará um grau de
modo que descreveu uma série de classes precisão muito alto.
de estímulos antecedentes (o que o
Outra pergunta que imedia-
terapeuta fez e o que o cliente fez) que
tamente emerge da discussão anterior é:
poderiam exercer função discriminativa,
Por que os auto-relatos sobre eventos
mas os resultados mostram um índice
passados (no caso da presente pesquisa o
muito baixo de auto-relatos que indicam
próprio comportamento do falante) são
tal função. Pode-se inferir, portanto, que
imprecisos? Ou de modo mais
em uma condição em que as classes de
relacionado a presente pesquisa: Por que
estímulos com possível função
os auto-relatos dos terapeutas
discriminativa forem mais precárias do
investigados apresentaram uma
que às presentes nesta pesquisa, por
freqüência tão baixa de precisão, ou seja,
exemplo o caso da supervisão de
de tatos auto-descritivos? As pesquisas
terapeutas baseadas apenas nos relatos
que investigaram correspondência em
desses terapeutas, o índice de tatos auto-
contexto controlado (por exemplo:
descritivos tenderá ser mais baixo ainda.
Rogers-Warren e Baer, 1967; Whitman,
O mais interessante, ao buscar Scibak, Butler, Richter & Jonhson, 1982;
ainda responder o porquê desses dados, é Ribeiro, 1989; Sadi, 2002; Perguer,
que a teoria concorda com eles. Um 2002) foram claras: ocorrerá aumento da
exemplo encontra-se na afirmação precisão do relato ou do auto-relato se
seguinte: “O relato sobre acontecimentos ocorrer treino de correspondência
do nosso passado nunca é muito preciso anterior. Tal treino implica na seguinte
ou completo” (Skinner, 1957, p.178). contingência: a comunidade ter acesso ao
Skinner continua tal afirmação evento relatado, o sujeito emitir o relato,
escrevendo que muito da precisão do e a comunidade reforçar apenas os
relato depende dos estímulos correntes, relatos que corresponderem ao evento
no caso, como foi discutido relatado e não reforçarem aos que não
anteriormente, das classes de estímulos corresponderem. Outra pergunta pode
antecedentes com função discriminativa ser feita no momento: o ensino atual de
para, assim, aumentar a probabilidade da terapeutas inclui algo análogo ao treino
precisão. No entanto, mesmo o presente de correspondência para estabelecer
trabalho, que busca e tem controle em auto-relatos mais acurados? A resposta
estabelecer antecedentes precisos e na maioria das vezes será: não há
detalhados, os resultados demonstram a nenhum procedimento para instalar
imprecisão do auto-relato. Por sua vez, repertórios de auto-relatos mais acurados
Skinner foi claro ao afirmar que o relato nos terapeutas. E, pode-se afirmar aqui:
sobre acontecimentos passados nunca é os terapeutas investigados no presente
muito preciso. O termo nunca estudo não são exceção à regra, ou seja,
pronunciado por Skinner implica no não foram expostos em sua formação a
seguinte aspecto: mesmo ao se nada semelhante ao treino de

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correspondência. Sendo assim, seus auto- tamentos dos estudantes de modo que
relatos apresentaram a freqüência possibilitem o desenvolvimento de
relativa de TA descritos anteriormente. comportamentos de auto-observação?
Outro aspecto que poderia explicar Assim, os comportamentos dos sujeitos
os resultados obtidos, diz respeito a da presente pesquisa são produtos das
outras contingências necessárias para contingências presentes na formação, e se
ocorrência de tatos auto-descritivos. essa formação não estabeleceu con-
Skinner ([1989] 1991) e De Rose (1997) tingências para a construção de com-
especificam que para a emissão de auto- portamentos auto-observação, poder-se-á
relatos acurados faz-se necessário a inferir que tal fato exerce influência na
presença de comportamentos precor- baixa incidência de tatos auto-descritivos
rentes, a saber, comportamentos de auto- encontrada no presente trabalho. Em
observação. Isso implica no fato de que se outras palavras, a baixa emissão de tatos
esses comportamentos estiveram auto-descritivos, evidenciada no desem-
presentes enquanto o sujeito está inte- penho de todos os terapeutas, pode ter
ragindo com o ambiente, então influência de um suposto déficit de
aumentará a probabilidade de emissão de repertório de comportamentos de auto-
tatos auto-descritivos quando tal sujeito observação dos terapeutas investigados;
for solicitado. Skinner ([1989] 1991) 2. As contingências que constituem o
afirma, ainda, que as pessoas desen- processo terapêutico em si: O compor-
volvem repertórios de compor-tamento tamento de observar do terapeuta pode
de auto-observação se forem expostas a ficar mais sob controle dos compor-
comunidades que questionam sobre: o tamentos emitidos pelo cliente do que
que fizeram, o que estão fazendo e o que dos comportamentos emitidos pelo
vão fazer. Caso contrário, não próprio terapeuta. Simplesmente pelo
desenvolverão repertórios de auto- fato de que eles provavelmente devem ser
observação e, assim, diminuir-se-á a mais consequenciados pelos clientes:
probabilidade de emissão de tatos auto- terapeutas que indicam para os clientes
descritivos. que lembram do que eles disseram no
Portanto, duas possibilidades de passado, de modo que emitem tatos sobre
explicação dos dados presentes na esses eventos, têm maior probabilidade
Figura 1 se abrem nesse momento: 1. Os de serem reforçados por esses clientes.
terapeutas não foram expostos ou foram Por outro lado, terapeutas que indicam
pouco expostos a comunidades que não se lembrar do que os clientes
questionaram sobre seus compor- disseram no passado, e emitem tatos
tamentos passados. Mais uma vez deve- distorcidos sobre esses eventos passados,
se voltar para a formação dos terapeutas. têm maior probabilidade de serem
Os métodos de ensino presentes na punidos por seus clientes. Abre-se,
formação de psicólogos ou mais portanto, uma possibilidade de
especificamente na formação de tera- investigação empírica: uma pesquisa que
peutas dão ênfase a diálogos diretos ou compare a freqüência dos relatos de
questionamentos, sobre os compor- terapeutas sobre os comportamentos

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O que se faz e o que se diz: auto-relatos emitidos por terapeutas comportamentais

passados do cliente e a freqüência dos relativa de TAPD da primeira para a


relatos desses terapeutas sobre os seus segunda sessão, aumento que equivaleu
próprios comportamentos passados. ao dobro da primeira sessão. Por outro
Um outro aspecto deve ser lado, ocorreu uma queda abrupta da
discutido nesse momento. O fato de que a freqüência relativa da segunda para a
terceira sessão envolveu um terceira sessão, queda na qual a
delineamento distinto da primeira e da freqüência relativa de TAPD caiu para a
segunda: o terapeuta assistiu a filmagem metade do que foi emitido na segunda
da sessão e logo em seguida respondeu ao sessão. Em relação ao terapeuta b
questionário. Assim, pode-se observar pode-se observar aumento significativo
alterações significativas nos tatos auto- da freqüência relativa de TAPD da
descritivos dos três terapeutas obtidos na primeira para a segunda sessão, aumento
terceira sessão tendo em vista as duas próximo ao dobro do que foi emitido de
sessões anteriores? Ao se comparar a TAPD na primeira sessão. Da segunda
primeira sessão com a terceira percebe-se para a terceira sessão pode-se observar
que ocorreu um decréscimo de TA de 10% aumento de 10% da freqüência relativa de
no terapeuta a, de 24,4% no terapeuta TAPD. Se for comparada a primeira com
b e nenhuma variação no terapeuta c. a terceira sessão tem-se um aumento de
Se os terapeutas, com acesso a filmagem, 27,8% na freqüência relativa de TAPD.
foram expostos a uma maior quantidade Ao se observar o desempenho do
de classes de estímulos discriminativos terapeuta c da primeira para a segunda
para responder aos questionários da sessão, pode-se visualizar um aumento de
terceira sessão, por que a freqüência 35,6% na emissão de TAPD e de 20% ao
relativa decaiu tanto da primeira para a se comparar a primeira com a terceira
terceira, principalmente nos terapeutas 1 sessão. Por outro lado, ocorreu uma
e 2? Ainda não se tem dados suficientes queda de 15,6% da segunda para a
para se responder a tal questão. Por outro terceira sessão. Exceto o terapeuta b que
lado, tendo em vista a segunda e a apresentou aumento significativo na
terceira sessão, pode-se observar terceira sessão tendo em vista as outras
aumento significativo da freqüência duas, e o terapeuta c que apresentou
relativa de tatos auto-descritivos nos três aumento da primeira para a segunda
terapeutas: Terapeuta a de 10%, sessão, não se pode afirmar qualquer
terapeuta b de 10%, terapeuta c de influência da mudança de procedimento
7,8 %. Ao enfocar essa variação, poderia ocorrida na terceira sessão dos três
se supor que o assistir a filmagem antes terapeutas. Por outro lado, não há
da sessão tem alguma relevância. Porém, evidências disponíveis para explicar o
a comparação do desempenho da porquê do baixo nível da freqüência
primeira com a terceira sessão não relativa de TAPD em todas as primeiras
permite muita ênfase em tal suposição. sessões.

Ao retomar a análise da Figura 1 Ao se observar o desempenho dos


pode-se observar que o terapeuta a teve três terapeutas em conjunto verifica-se
um aumento abrupto da freqüência que os menores desempenhos

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encontrados estão no terapeuta a (sessão distorcidos encontrada no desempenho


1 e 2 de 20% cada) e no terapeuta c do terapeuta c, em comparação com os
(sessão 1 de 20%) sendo acompanhada outros terapeutas, deve-se ao fato de que
com uma diferença pouco significativa ele é o único que emite a categoria
pelo menor desempenho do terapeuta b. denominada Tatos Auto-descritivos
Em seguida, pode-se observar o maior outros (TAO), ou seja, ele é o único que
desempenho do terapeuta a (de 40% na diz não lembrar ou não saber o que fez
sessão 2) sendo acompanhado do ou falou na sessão. A emissão dessa
segundo maior desempenho do terapeuta categoria implica em diminuição da
b e do terapeuta c, 40% em ambos, sessão incidência de tatos auto-descritivos
2 e 3 respectivamente. Por fim, o maior distorcidos.
freqüência relativa de TAPD encontrada,
tendo em vista os três terapeutas, foi do De qualquer forma, a alta
terapeuta c de 55,6% sendo seguido pelo incidência de tatos auto-descritivos
terapeuta b de 50%. A comparação entre distorcidos vem confirmar as reflexões
os desempenhos, sugere que os elaboradas anteriormente sobre as falhas
terapeutas b e c estão muito próximos, no existentes no ensino de terapeutas, ou
entanto alcançam resultados superiores seja, se a formação não contempla a
ao terapeuta a. necessidade de algo similar ao treino de
correspondência às distorções existentes
Pode-se observar na Figura 1 a
nos auto-relatos desses terapeutas
freqüência relativa da presença de Tatos
tendem a alcançar altos índices. Pode-se
Auto-descritivos Distorcidos (TAD)
ver, por exemplo, os 50% de tatos auto-
emitidos pelos três terapeutas em cada
descritivos distorcidos ocorridos na
sessão. O terapeuta a emitiu 40% de
sessão 3 do terapeuta a e na sessão 2 do
TAD na sessão 1, emitiu 40% na sessão 2
terapeuta b. Esses dados equivalem a
e 50% na sessão 3. O terapeuta b emitiu
dizer que metade do que tais terapeutas
33,3% de TAD na sessão 1, emitiu 50% na
falaram sobre essas sessões foram auto-
sessão 2 e 30% na sessão 3. O terapeuta
relatos sem correspondência alguma com
c emitiu 30 % de TAD na sessão 1, emitiu
o que foi feito. Equivale também a
11,1% na sessão 2 e 20% na sessão 3.
afirmar (e agora podemos somar as
Pode-se observar com clareza que freqüências de TAD com as freqüência de
o terapeuta a emitiu a maior TAO do desempenho do terapeuta c), de
quantidade de tatos distorcidos, tendo acordo com a teoria, que os terapeutas
em vista os três terapeutas, sendo que emitem TAD não estão conscientes
superado apenas pela segunda sessão do sobre o que fizeram ou disseram para
terapeuta b. Por sua vez, os menores seus clientes na sessão. Pode-se dizer
índices de tatos auto-descritivos ainda que não lembram do que fizeram
distorcidos são observados no ou falaram para seus clientes, por não
desempenho do terapeuta c, seu maior terem sido expostos a comunidades que
índice equivale ao menor do terapeuta refinassem o comportamento de lembrar
b. Pode-se afirmar que parte da menor através de treino discriminativo (Catania,
incidência de tatos auto-descritivos [1988] 1999) ou treino de

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O que se faz e o que se diz: auto-relatos emitidos por terapeutas comportamentais

correspondência entre fazer-dizer e ou ou tem consciência. O que o supervisor


dizer-dizer (Rogers-Warren e Baer, 1967; faz diante de tal relato? Emite
Risley e Hart, 1968; Israel e O’Leary, observações, questões, análises e regras;
1973; Ribeiro, 1989; Whitman, Scibak, reforça, não reforça ou pune algumas
Butler, Richter & Jonhson, 1982), e que o classes de comportamento e não outras e
fato de não existir comunidade que tenha assim por diante. Com base em que o
acesso ao que fizeram, pode ocorrer que supervisor faz tudo isso? Com base no
não tenham condições jamais de adquirir que o terapeuta relatou sobre o que
consciência sobre o que fizeram ou ocorreu na sessão: o que o cliente fez ou
disseram (Skinner 1945). A falou, o que o próprio terapeuta fez ou
impossibilidade de descrever exatamente falou.
o que falaram para seus clientes no
passado (estarem inconscientes de, ou de Assim, o procedimento presente
lembrarem de) pode ocorrer ainda pela no ensino de terapeutas é análogo a o que
não emissão de comportamentos se convencionou denominar nas
precorrentes de auto-observação, de pesquisas sobre relações entre
modo que assim os terapeutas não comportamento verbal não-verbal de
ficaram sob controle das classes de Treino de Reforçamento do Conteúdo do
respostas verbais e não verbais que foram Relato: etapa da pesquisa, na qual o
emitidas na relação com o cliente; classes experimentador libera reforços diante da
de respostas essas, evidenciadas nos emissão de qualquer relato sobre um
episódios recortados diretamente da dado comportamento alvo que ocorreu
sessão. durante a sessão experimental. Qual
Pode-se, ainda, perguntar: mas relato está sendo reforçado nesse
por que tantos tatos auto-descritivos procedimento? Qualquer relato: seja um
distorcidos emitidos pelos terapeutas? relato que corresponda a o que ocorreu
Faz-se importante, mais uma vez, na sessão (tato) ou a o que foi feito pelo
retomar os procedimentos usualmente falante (tato auto-descritivo), ou seja um
utilizados no ensino de terapeutas. O relato que não corresponda a o que
aluno ou supervisionando faz a sessão de ocorreu na sessão (tato distorcido) ou a o
terapia com seu cliente. Durante a sessão que foi feito pelo falante (tato auto-
alguns terapeutas anotam (grande parte descritivo distorcido). No ensino de
não tem o costume de anotar) eventos terapeutas o procedimento utilizado
que ocorreram na sessão (geralmente segue o mesmo delineamento: o
falas do cliente ou comentários em terapeuta reforçará qualquer relato
relação a comportamentos emitidos pelo emitido pelo aluno, pois supervionará
cliente. Raramente faz anotações sobre o com base nesse relato ou auto-relato.
que fez ou falou). A partir dessas Qual o resultado da etapa de Treino de
anotações, ou de nenhuma anotação, o Reforçamento do Conteúdo observado
terapeuta descreve o que fez, através da nas pesquisas: ausência de alteração da
escrita ou diretamente para o professor freqüência de correspondência dos
durante a supervisão, daquilo que lembra relatos ou auto-relatos sobre o que

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ocorreu ou o que foi feito, de modo que Algumas explicações sobre a


essa etapa foi sempre utilizada como categoria TAO têm importância nesse
linha de base para o estudo de momento. Essa categoria foi elaborada
correspondência nessas pesquisas. Por para dar conta dos auto-relatos nos quais
outro lado, o que deve se obter como os sujeitos não emitiram auto-relatos
resultado, tendo em vista os relatos e sobre o que fizeram na sessão. Por outro
auto-relatos emitidos pelos alunos, após lado, observou-se nesses casos que os
passar por supervisão? Provavelmente, sujeitos emitiam um auto-relato, mas não
assim como se passou nas pesquisas sobre o que fizeram na sessão.
citadas, tenderá não ocorrer aumento da Geralmente esses auto-relatos assumiam
freqüência de tatos ou de tatos auto- as seguintes formas: Eu não lembro ou
descritivos. E, por sua vez, a emissão de eu não sei. Tais auto-relatos, por sinal,
tatos distorcidos e ou tatos auto- indicam ser tatos auto-descritivos sobre
descritivos distorcidos deverá eventos privados e, nesse sentido,
permanecer com incidência elevada ou revelam que as classes de estímulos
cada vez mais elevada, posto que esses antecedentes presentes na sessão e
comportamentos continuem a ser presentes nas questões proferidas pelo
reforçados. Os sujeitos estudados, mais entrevistador não exerceram controle
uma vez, não são exceção à regra: tiveram discriminativo sobre o auto-relato do
história de exposição a essas condições de sujeito. Como se vê, o termo Tatos Auto-
ensino de terapeutas como a maioria dos descritivos Outros (TAO), mostrou-se útil
psicólogos. Talvez a condição descrita para a presente pesquisa, pois: 1. Serviu
anteriormente seja uma contingência que para categorizar auto-relatos em que o
explique a alta freqüência de tatos auto- terapeuta não emitiu verbalizações sobre
descritivos distorcidos encontrada na o que fez ou falou para o cliente na
Figura 1. sessão; 2. Permitiu, desse modo,
discriminar os casos em que o sujeito
Um outro ponto a ser ressaltado admitiu não se lembrar (tato auto-
tem relação com a influência das classes descritivo sobre comportamento
de estímulos conseqüentes sobre o auto- encoberto) do que fez na relação com o
relato. Influências, que por sua vez, cliente.
produzem distorções.
Por que em nenhum do auto-
Em relação à freqüência relativa relatos proferidos pelos terapeutas a e
da categoria tatos auto-descritivos outros b sobre as três sessões consta qualquer
(TAO) pode-se observar na Figura 1 que indicação que eles não lembravam do que
não houve ocorrência de emissão, fizeram? Alguém poderia responder: por
observado tanto no desempenho do que eles lembravam. Então a resposta
terapeuta a quanto no desempenho do para esse alguém poderia conter outra
terapeuta b nas três sessões analisadas. pergunta: mas, se eles sabiam ou
Por outro lado, o terapeuta c emitiu lembravam porque emitiram tantos tatos
20% de TAO na sessão 1, emitiu 11,1% na auto-descritivos distorcidos? Será que
sessão 2 e 10% na sessão 3. achavam que sabiam mas não sabiam, ou

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O que se faz e o que se diz: auto-relatos emitidos por terapeutas comportamentais

que lembravam mas não lembravam? Se constrói-se um tato auto-descritivo


esse for o caso, uma interpretação distorcido.
analítico-comportamental poderia assu- Os estudos de Critchfield & Perone
mir o seguinte aspecto: as classes de (1990, 1993) indicaram a tendência dos
estímulos antecedentes contidas nas sujeitos em dizer que acertaram mesmo
questões exerceram função discrimi- quando erraram, ou a tendência em
nativa para outras classes de respostas evitar (Critchfield,1996) afirmações que
geralmente verbais de outros episódios indicassem que haviam errado ao
em que o terapeuta atuou sobre o cliente executarem uma dada atividade, mesmo
na sessão. Todavia, afirmar que isso quando de fato haviam errado. Os
ocorreu em todos os casos indicaria uma estudos de Ribeiro (1989) e de Baer &
regularidade contundente desse fenô- Detrich (1990) indicaram a tendência em
meno, e isso não teria nenhum problema distorcer auto-relatos na medida em que
em si. esses estabeleciam controle sobre classes
de estímulos conseqüentes. Tais estudos
Uma resposta plausível para a demonstraram que quando a emissão do
questão do porquê os terapeutas a e b não auto-relato distorcido implica em
falaram que não sabiam ou que não aumento da probabilidade de esquiva de
lembravam o que fizeram (de modo que reforçadores sociais negativos ou no
emitiram uma maior quantidade de tatos aumento da presença de reforçadores
auto-descritivos distorcidos do que o sociais positivos, então ocorre aumento
terapeuta c, que especificou não lembrar) da freqüência de distorções no auto-
emerge na medida em que se aborda as relato.
influências que o auto-relato sofre de Desses estudos e das reflexões
classes de estímulos conseqüentes. Nesse teóricas, pode-se inferir que os terapeutas
momento faz-se necessário retomar a 1 e 2 do presente estudo emitiram alta
teoria. Skinner ([1957] 1992, p.147) freqüência de tatos distorcidos e nenhum
escreveu que o tato pode ser distorcido auto-relato que indicassem que não
por certas conseqüências especiais, lembravam do que fizeram na sessão
proporcionadas por um ouvinte em devido a classes de estímulos
particular ou por ouvintes em geral sob conseqüentes. Assim, falar que não
determinadas circunstâncias. Desse lembrava, implicaria em admitir uma
modo, o efeito importante das conse- suposta falha: Como não saber o que eu
qüências sobre o tato ocorre quando o fiz na sessão com meu cliente? Ao dizer
reforço é contingente a determinados que não sei, estarei admitindo uma
aspectos da resposta verbal, e não a suposta incompetência aos olhos alheios.
correspondência com a classe de estí- Nesse sentido, afirmar não lembrar teria
mulos discriminativos: a verbalização a função de aumento da probabilidade de
pode variar até tornar-se exagerada ou incidência de reforçadores negativos
deixar de apresentar qualquer traço de sociais, e a emissão de tatos auto-
correspondência com a classe de descritivos distorcidos teria a função de
estímulos discriminativos. Desse modo, esquiva desses reforçadores; a mesma

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função dos auto-relatos distorcidos do supervisor ou passa a relatar o que


emitidos pelos sujeitos estudados por vem sendo reforçado na supervisão.
Critchfield & Perone (1990/ 1993) e Como o procedimento de ensino da
(Critchfield,1996) retomados supervisão é análogo ao treino de
anteriormente. Assim, tal qual a reforçamento do conteúdo e não ao
interpretação que Ribeiro (1989) fez dos treino de correspondência, a tendência
auto-relatos distorcidos emitidos pelos encontrada no auto-relato do aluno
sujeitos que estudou, faz-se também aqui provavelmente será de ficar mais sob
uma interpretação, embora de forma controle das conseqüências produzidas
mais inferencial, devido ao menor nível no ouvinte, do que sob controle das
de controle do presente trabalho, a saber: classes de estímulos discriminativos
provavelmente parte dos tatos auto- presentes na relação com o cliente. Por
descritivos distorcidos emitidos pelos fim, se os auto-relatos apresentaram uma
terapeutas estão sob controle das freqüência tão alta de tatos auto-
conseqüências que produzem, portanto, descritivos distorcidos no presente
são tatos com função de mando, ou seja, trabalho, onde o pesquisador não tem
apresentam a forma de tato, mas estão uma história comportamental de
mais sob controle de classe de estímulos reforçamento tão intensa com os sujeitos
conseqüentes do que de classes de investigados, pode-se inferir que em uma
estímulos antecedentes. história mais próxima e mais freqüente
Uma outra reflexão se faz (por sinal, história de treino de
necessária, ainda sobre o ensino de reforçamento do conteúdo) as distorções
terapeutas, nesse momento. Fez-se do tato tenderão a ser ainda maiores. De
anteriormente a analogia entre o treino qualquer forma se abre uma
de reforçamento do conteúdo do relato e possibilidade de investigação.
o procedimento que envolve a supervisão Como consta no tópico método, do
de terapeutas. Pode-se inferir que o valor presente trabalho, nas duas primeiras
reforçador de um supervisor para os sessões de cada terapeuta o delineamento
alunos seja relativamente alto, e também seguiu o seguinte encadeamento: a) As
pode-se inferir que o supervisor libera sessões foram filmadas, b) transcritas na
mais reforçadores para determinadas íntegra, c) foram selecionados episódios
classes de respostas emitidas pelo aluno em que os terapeutas emitiram
do que para outras; e que ao longo do comportamentos (consequenciaram,
tempo o supervisor tende a fornecer cada aconselharam, esclareceram, investi-
vez mais classes de estímulos que passam garam) diante de seus clientes, d)
a exercer função discriminativa para o elaboradas questões a partir dos
aluno sobre como buscar mais episódios selecionados, e) sete dias
reforçadores na relação. É como se o depois foram aplicados os questionários
aluno soubesse cada vez mais o que e nos terapeutas. A terceira sessão
como o supervisor quer que ele se implicou uma mudança no delineamento:
comporte. Desse modo, o aluno ou passa antes de responder o questionário, o
a atuar na sessão segundo as indicações terapeuta assistiu a filmagem, da sessão

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O que se faz e o que se diz: auto-relatos emitidos por terapeutas comportamentais

investigada, na integra; e somente após maior índice de TAPD na segunda sessão


assistir a sessão respondeu ao do terapeuta c ao se comparar com a
questionário. terceira sessão de ambos). No entanto,
Ao se observar o conjunto dos tais dados podem sugerir que o tempo de
dados demonstrados nas figuras experiência dos terapeutas b e c (cinco e
anteriores, tendo como foco o oito anos respectivamente) comparado ao
desempenho dos três terapeutas na tempo de experiência do terapeuta c (seis
terceira sessão, percebe-se indicadores de meses) seja um aspecto relevante a ser
aumento de desempenho dos terapeutas levado em conta. Diante dessas
b e c (aumento de TA, TAPD, e diferenças entre histórias compor-
diminuição de TAD, principalmente no tamentais (maior exposição do próprio
terapeuta b, e TAO, principalmente no desempenho em contingências produ-
terapeuta c) e queda de desempenho no toras de ansiedade) pode-se inferir que a
terapeuta a (diminuição de TA, TAPD, e clara queda do desempenho do terapeuta
aumento de TAD). Deve ser salientado a, possa ter relações com um possível
que a queda de desempenho do aumento da função aversiva do
Terapeuta a é mais evidente do que o delineamento da sessão 3. De modo que,
aumento de desempenho dos terapeutas após ver o filme, uma suposta obrigação
a e b. Ao contrário do terapeuta a, o em emitir as respostas “corretas” pode ter
desempenho dos terapeutas b e c gerado respondentes, por exemplo de
demonstra variações importantes (por ansiedade, que implicam em aumento
exemplo, o maior índice de TA na das dificuldades para emissão dos auto-
primeira sessão do terapeuta b, e no relatos, e assim afetado tal desempenho.

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Recebido em: 4/5/2008


Aceito para publicação em: 5/2/2009

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