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Campinas-SP
2009, Vol. XI, nº 1, 132-153
Wilton de Oliveira 1
Vera Lúcia Adami Raposo do Amaral 2
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Resumo
A presente pesquisa teve o objetivo de verificar as relações entre os auto-relatos emitidos por três
terapeutas comportamentais (com tempo de experiência distinto) sobre seus próprios
comportamentos na interação com seus clientes e os respectivos comportamentos que de fato
ocorreram. Nove sessões foram filmadas e transcritas integralmente. Selecionaram-se episódios em
que os terapeutas emitiram comportamentos, dos quais foram formuladas questões para coletar os
auto-relatos. Sete dias após a sessão aplicou-se o questionário; apenas na terceira sessão os
terapeutas assistiram à filmagem antes da entrevista. As categorias de análise tiveram como base o
operante verbal tato. A Terapeuta a: apresentou os índices mais elevados de distorções nos auto-
relatos, sendo seguida pela Terapeuta b: ambas apresentaram freqüências de desempenhos
instáveis; a Terapeuta c: apresentou os menores índices de distorções e o desempenho mais estável
e foi à única que afirmou não se lembrar do que fez na sessão. Os resultados corroboram a teoria
analítico-comportamental: auto-relatos sobre o passado tendem a ser imprecisos.
Palavras-chave: Auto-relato, Terapia comportamental, Teoria analítico-comportamental.
Abstract
The present study had the objective of verifying the relationships among the self-reports produced
by three behavior therapists (with differing length of professional experience) about their own
behavior when interacting with their patients and the respective behavior that in fact occurred.
Nine sessions were filmed and transcribed in full. Seven days after the session, a questionnaire was
handed out; only in the third session did the therapists attend the filming before the interview. The
basis for the categories of analysis was the verbal operant known as tact. Therapist a presented the
highest indices of distortion in the self-reports, followed by Therapist b: both presented
frequencies of unstable performances; Therapist c presented the lowest indices of distortion and
the most steady performance, and was the only one that stated that he did not remember what
1
Instituto de Terapia e Estudo do Comportamento Humano, Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Mestre em Filosofia, núcleo de
concentração em Ética, pela PUC-Campinas; Doutor em Psicologia como Profissão e Ciência pela PUC-Campinas. E-mail:
itechcampinas@yahoo.com.br.
2
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Hospital de Cirurgia Plástica Crânio Facial – Sobrapar. Professora do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia, PUC-Campinas.
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O que se faz e o que se diz: auto-relatos emitidos por terapeutas comportamentais
occurred during the session. The results corroborate the behavioral analysis theory: Self-reports
about past events tend to be imprecise.
Key-words: Self-report, Behavior therapy, Behavioral analysis theory.
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freqüência das categorias na seqüência pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética
fazer-dizer e ou dizer-dizer dos terapeutas da Puc-Campinas.
comportamentais pesquisados.
Material e Ambiente
Método
Foi utilizada uma filmadora de
Participantes Mini DV da marca JVC (25 X Optical
Zoom) com tripé, para registro integral
Participaram do presente estudo: 1.
das sessões. O ambiente de coleta de
Quatro terapeutas comportamentais. Um
dados das sessões de atendimento
forneceu dados para o treino dos juízes e
terapêutico foi à sala de atendimento do
o teste da adequacidade das categorias de
próprio profissional em seu consultório
análise. Três foram sujeitos da pesquisa.
particular. Por sua vez, foi utilizado o
Cada um com tempo de experiência
mesmo local para aplicação, posterior,
distinto em Terapia Comportamental: Ta
dos questionários.
(seis meses), Tb (cinco anos), Tc (oito
anos). 2. Dez clientes com idade igual ou Os questionários aplicados nos
superior a dezoito anos. Um dos clientes terapeutas continham descrições de
foi atendido uma sessão pelo terapeuta situações observadas nas filmagens das
que forneceu os dados para o treino dos interações terapeuta-cliente, mais preci-
juízes. Nove foram atendidos pelos samente, dos episódios de interação em
terapeutas sujeitos da pesquisa. Cada que o terapeuta emitiu comportamento
terapeuta atendeu uma sessão três verbal e ou não-verbal. Tais descrições
clientes, independente do momento contemplaram: comportamentos do tera-
terapêutico em que se encontravam peuta e comportamentos do cliente que
(início, meio ou fim do processo). 3. Um antecederam o comportamento alvo do
entrevistador responsável em aplicar terapeuta e, em seguida, uma pergunta
questionário preparado previamente pelo formulada do seguinte modo: Nesse
pesquisador. 4. Dois juízes independentes momento o que você fez ou falou para o
para categorizar os dados com mais de cliente? Esses questionários contiveram o
cinco anos de experiência em terapia número de questões que foram correlatas
comportamental, e com conhecimentos ao número de episódios de interação
comprovados na abordagem analítico- verbal e ou não-verbal selecionados pelo
comportamental; e 4. O próprio pesquisador durante a sessão terapêutica.
pesquisador, que participou ativamente
de todos os momentos da pesquisa e
Procedimentos
serviu como terceiro juiz para que a
comissão de juízes fosse composta por um O processo de coleta de dados se
número ímpar, em caso de necessidade de iniciou com a filmagem da sessão na
desempate. Terapeutas, clientes, juízes e íntegra. Terminada a sessão iniciou-se a
entrevistador foram informados sobre a etapa de elaboração do questionário. Em
pesquisa e confirmaram seus consen- seguida, o pesquisador transcreveu a
timentos por escrito. O projeto desta sessão na íntegra. A partir da transcrição,
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100%
80%
60% 56%
50% 50% 50%
40% 40% 44%
40% 40% 40%
40% 40% 33%
30% 30% 30% 30% 22% 30%20%
22% 20%
20% 20% 20% 20% 20% 11%
20% 10% 11% 10%
0% 0% 0% 0% 0% 0%
0%
Ta - S1 Ta - S2 Ta - S3 Tb - S1 Tb - S2 Tb - S3 Tc - S1 Tc - S2 Tc - S3
Figura 1. Freqüência relativa (%) dos auto-relatos dos terapeutas, segundo categorização dos juízes, em cada uma das três sessões de
atendimento de cada terapeuta.
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correspondência. Sendo assim, seus auto- tamentos dos estudantes de modo que
relatos apresentaram a freqüência possibilitem o desenvolvimento de
relativa de TA descritos anteriormente. comportamentos de auto-observação?
Outro aspecto que poderia explicar Assim, os comportamentos dos sujeitos
os resultados obtidos, diz respeito a da presente pesquisa são produtos das
outras contingências necessárias para contingências presentes na formação, e se
ocorrência de tatos auto-descritivos. essa formação não estabeleceu con-
Skinner ([1989] 1991) e De Rose (1997) tingências para a construção de com-
especificam que para a emissão de auto- portamentos auto-observação, poder-se-á
relatos acurados faz-se necessário a inferir que tal fato exerce influência na
presença de comportamentos precor- baixa incidência de tatos auto-descritivos
rentes, a saber, comportamentos de auto- encontrada no presente trabalho. Em
observação. Isso implica no fato de que se outras palavras, a baixa emissão de tatos
esses comportamentos estiveram auto-descritivos, evidenciada no desem-
presentes enquanto o sujeito está inte- penho de todos os terapeutas, pode ter
ragindo com o ambiente, então influência de um suposto déficit de
aumentará a probabilidade de emissão de repertório de comportamentos de auto-
tatos auto-descritivos quando tal sujeito observação dos terapeutas investigados;
for solicitado. Skinner ([1989] 1991) 2. As contingências que constituem o
afirma, ainda, que as pessoas desen- processo terapêutico em si: O compor-
volvem repertórios de compor-tamento tamento de observar do terapeuta pode
de auto-observação se forem expostas a ficar mais sob controle dos compor-
comunidades que questionam sobre: o tamentos emitidos pelo cliente do que
que fizeram, o que estão fazendo e o que dos comportamentos emitidos pelo
vão fazer. Caso contrário, não próprio terapeuta. Simplesmente pelo
desenvolverão repertórios de auto- fato de que eles provavelmente devem ser
observação e, assim, diminuir-se-á a mais consequenciados pelos clientes:
probabilidade de emissão de tatos auto- terapeutas que indicam para os clientes
descritivos. que lembram do que eles disseram no
Portanto, duas possibilidades de passado, de modo que emitem tatos sobre
explicação dos dados presentes na esses eventos, têm maior probabilidade
Figura 1 se abrem nesse momento: 1. Os de serem reforçados por esses clientes.
terapeutas não foram expostos ou foram Por outro lado, terapeutas que indicam
pouco expostos a comunidades que não se lembrar do que os clientes
questionaram sobre seus compor- disseram no passado, e emitem tatos
tamentos passados. Mais uma vez deve- distorcidos sobre esses eventos passados,
se voltar para a formação dos terapeutas. têm maior probabilidade de serem
Os métodos de ensino presentes na punidos por seus clientes. Abre-se,
formação de psicólogos ou mais portanto, uma possibilidade de
especificamente na formação de tera- investigação empírica: uma pesquisa que
peutas dão ênfase a diálogos diretos ou compare a freqüência dos relatos de
questionamentos, sobre os compor- terapeutas sobre os comportamentos
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Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Experimental,
Pontifícia Universidade Católica. São Paulo-SP.
Skinner, B. F. (1992). Verbal behavior. Acton, Mass., Copley Publishing Group. (Trabalho
original publicado em 1957)
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