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1. Introdução
"Uma abordagem flexível, baseada nos sóli-
dos princípios gerais da pSicodinâmlca e
ajustável à grande variedade daqueles que
dela necessitam é. " uma eXigênCia premen-
te de nossos dias."
(Franz Alexander, 1965)
2. Enfoque hist6rlco
A psicoterapia breve desenvolveu-se a partir do conhecimento forne-
cido pela psicanálise e, aos poucos, vem impondo-se no cenário tera-
pêutico do campo da saúde mental, devido à flagrante insuficiência
dos métodos tradicionais em atenderem as amplas necessidades de as-
sistência da comunidade e da faixa da população menos favorecida
economicamente e não instruída. As contribuições psicanalíticas à psi-
coterapia breve são óbvias, mas ela não deve ser considerada uma
psicanálise abreviada. As suas características peculiares configuram-
lhe uma estrutura própria, que a distingue da psicanálise e da psico-
terapia psicanalítica prolo~gada.
A psicanâlise, originalmente, embora utilizada por Freud com o
objetivo terapêutico, servia à dupla finalidade da terapia e da inves-
tigação. Ao mesmo tempo que Freud procurava um meio de tratar as
pessoas doentes, ele coletava dados para organizar e ampliar a sua
teoria da personalidade. De modo que os interesses de pesquisa de
Freud influíram necessariamente na sua técnica terapêutica. O tra-
tamento psicanalítico é a fonte primária do conhecimento psicológico,
e tem sido considerado por autoridades do assunto como melhor ade-
quado para a pesquisa.
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Durante muito tempo a grande maioria dos' psicanalistas usaram
o mesmo clás~;ico procedimento para todos os seus pacientes, aceitan-
do aqueles pacientes que pareciam adequados e aconselhando outros
a não se submeterem à psicanálise. Assim, os pacientes eram selecio-
nados para se ajustarem à técnica (Alexander e French, 1965). Porém,
argumenta Alexander (1961) que a enorme variedade de pacientes
faz com que sejam necessárias variações na abordagem terapêutica.
... Segundo ele, isso é o que acontece em todos os campos da medicina e
logicamente seria de se esperar que uma tal flexibilidade de aborda-
gem também fosse adotada no campo da psicanálise.
Na época em que o conhecimento da patogenia e patologia dos
transtornos neuróticos era pouco desenvolvido justificava-se, e mes-
mo era -inevitável, que os casos clínicos fossem estudados in extenso,
e, conseqüentemente, durante longo tempo, pois que o paciente era
ao mesmo tempo um objeto de terapia e um sujeito de investigação.
Uma vez que a principal preocupação nas primeiras fases da psicaná-
lise era aumentar o conhecimento básico, aceitava-se o uso quase uni-
versal, ou $ej a, para todos os pacientes, da mesma técnica clássica.
Entretanto, enfatiza Alexander (1965), é chegado o momento de se
utilizar o cabedal de conhecimento acumulado de maneiras diferentes,
a fim de que não apenas oS pacientes adequados à técnica original,
mas todos os neuroticamente perturbadOs e necessitados de ajuda pos-
sam ser beneficiados com o conhecimento existente. Essa extensão da
ajuda psicanalítica a uma grande variedade de pacientes é conside-
rada como sendo um movimento novo no campo da psicoterapia. Além
disso a falta de correlação entre a duração e intensidade do trata-
mento ~ os. resultados terapêuticos é reconhecida pela maioria dos
psicanalistas atuais, de um modo explícito ou implícito, e constitui,
inclusive, uma fonte de insatisfação para eles, pois que impossibilita
a predição dos resultados terapêuticos. Isso foi assinalado e estudado
por Alexander e French (1965), do Instituto Psicanalítico de Chicago.
Segundo esses autores a insatisfação com a falta de correlação entre
o êxito terapêutico e a duração e intensidade do tratamento têm le-
vado os psicanalistas a reagirem de dois modos distintos. Alguns sen-
tem-se mobilizados a realizar experimentos, na esperança de detectar
os fatores responsáveis pelo êxito terapêutico, enquanto outros assu-
mem uma. espécie de defesa, uma crença quase supersticiosa de que
os resultados terapêuticos rápidos não podem. ser autênticos, mas
que, sim, são devidos à sugestão e à "fuga para a saúde". Há os que
alegam que os resultados terapêuticos rápidos não podem significar
modificações profundas e abrangentes na estrutura dinâmica da per-
sonalidade, pois que isso só pode ser alcançado após anos de trata-
mento, enquanto outros atribuem a falta de êxito terapêutico, após
uma terapia prolongada, à "resistência" do paciente, a qual, estão
convencidos, poderá .ser superada com a continuação prolongada do
tratamento. '
Alexander e French (1965) verificaram, através de larga experiên-
. cia clínica, .que podiam aplicar os mesmos princípios psicodinâmicos
da psicanálise em abordagens mais flexíveis e mais breves. Eles tra-
balhavam com as mesmas teorias e técnicas, com o mesmo instru-
mental, embora tentando refiná-lo, a fim de ajustá-lo a finalidades
p"coterapj(& breve 95
terapêuticas específicas em uma fOl1lla mais eficiente e mais rápida.
Concluíram que podiam questionar certos dogmas psicanaUticos como:
a) o fato de a profundidade da terapia ser necessariamente propor-
cional à duração do tratamento e freqüência das sessões;
b) a afirmação de que os resultados terapêuticos obtidos após· um
número relativamente pequeno de sessões são necessariamente super-
ficiais e temporários, enquanto os resultados terapêuticos obtidos me-
diante um tratamento prolongado são necessariamente mais estáveis
e profundos; .
c) a alegação de que a prolongação do tratamento é necessária para
se superar a resistência do paciente; pois isso conduzirá, finalmente,
aos resultados almejados.
Segundo eles, atualmente, com o progresso realizado no conheci-
mento da patogenia e patologia dos transtornos neuróticos, generali-
zações e princípios da psicanálise, comprovados pela experiência, per-
mitem o desenvolvimento de técnicas psicoterapêuticas mais flexíveis
e mais econômicas, adequadas à natureza individual dos diferentes
pacientes neuróticos. Assim, colocam que, considerando-se que os prin-
cípios da psicanálise podem ser utilizados em muitos tipos de psicote-
rapia, a eleição do método a ser utilizado em cada caso particular
deverá ser determinada pela natureza do problema terapêutico: "O
método psicanalítico tradicional de sessões diárias, através de meses
ou anos, é somente um dos procedimentos técnicos possíveis, e não
necessariamente o mais econômico, o mais penetrante ou o mais efi-
ciente em todos os casos" (Alexander e French, 196'5). Observaram
que, mesmo nos graves casos crônicos de psiconeuroses e transtornos ,-
de caráter, a terapia resultará mais eficiente se o procedimento for
adaptado às necessidades individuais de cada paciente e às diferentes
fases do tratamento.
A questão de se repensar as bases ideológicas da psicoterapia, as-
sim como de se dinamizar. o processo psicoterapêutico, tem sido abor-
dada e discutida por muitos outros psicoterapeutas. Surge, assim,
atualmente, o campo das psicoterapiascomo um campo que pode-se
enriquece1' com o surgimento de novos enfoques técnicos, voltado para
novas aberturas e experiências, fértil para o desenvolvimento da cria-
tividade, e não como "um ancoradouro de sistemas 'concluídos" (Fio-
rini, 1976).
Atualmente destaca-se a possibilidade de serem desenvolvidaspsi-
coterapias individuais que atendam mais prontamente a demanda
sempre crescente de tratamento psicoterápico, quer em abordagens de
clínica privada, quer, e principalmente, em situações institucionais. A
possibilidade e a necessidade de se repensaras técnicas de psicotera-
pia existentes se fazem presentes, a fim de que haja uma melhor
utilização e emprego das mesmas_no campo da saúde' mental, 'POis que
há de se pensar também nas necessidades de atendimento psicológico
dos indivíduos que, por razões várias, não se podem subméter a uma
psicanálise ou psicoterapia dinâmica a longo prazo, devido a proble-
mas monetários, de tempo ou de trabalho. Em resposta a problemas
práticos, criados principalmente para as instituições de assistência
psiquiátrica, muitos psicoterapeutas têm sido, assim, mobilizados a
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reexaminar os métodos tradicionais de psicoterapia buscando novas
técnicas. Psicoterapias breves, ou de tempo e objetivos limitados têm,
pois, sido instrumentadas em resposta a essas situações.
A atual onda de interesse manifestado pela psicoterapia breve,
principalmente por autores norte-americanos, ingleses e argentinos,
faz com que se tenha a impressão de que ela é um desenvolvimento
recente no campo da psicoterapia, mas de fato ela não o é. Na ver-
dade eles estão recapitulando e desenvolvendo o que já era conhecido
desde há muitos anos. Algumas psicoterapias realizadas pelo próprio
Freud são consideradas formas de psicoterapia breve, e Malan (1975)
nos lembra que a' psicanálise originalmente era um procedlmeuto bre-
ve que foi-se estendendo devido à crescente passividade dQ terapeuta
e crescente interesse pela reeonstrução genética do passado do paciente.
"Os primeiros analistas parecem ter possuído o segredo da psicotera-'
pia breve e, com a crescente experiência, tê-la perdido" (Malan, 1975).
Ferenczi e Rank, discípulos de Freud, também fiZQram experiên-
cias com métodos breves (Malan, 1975), e há tfabalhos cientificos
sobre psicoterapia breve que datam de há mais de 80 anos. Ao próprio
gênio de Freud e à sua agudeza de percepção não escaparam as limi-
tações da psicariálise clássica para um atendimento amplo da popula-
ção. Em 1918, no quinto Congresso Psicanalítico Internacional, em
Budapeste, ele deu ênfase aos métodos "ativos".
Freud (1918) previu a possibilidade de a técnica psicanalítica
clássica não ser adequada às futuras demandas colocadas pelos pro-
blemas de saúde mental, e previu futuros desenvolvimentos na técni-
ca psicanalítica e a futura instrumentação de métodos ativos em psi-
•
coterapia, a fim de se beneficiar um maior número de pacientes ne-
cessitados de ajuda psicológica. Segundo ele, a doença mental ameaça
a saúde da população tanto quanto a tuberculose e, portanto, requer
atenções por parte dos órgãos do governo responsáveis pela saúde pú-
blica, não podendo ser deixada nas mãos de alguns poucos profissio-
nais, mas devendo, sim ser cuidada pelo Estado, a fim de que seja
possível abranger a população e~ ampla escala. Desse modo, ele an-
tecipou, previu e propÔS as necessidades de atendimento comunitário,
sugerindo a adaptação da técnica psicanalítica para um atendimento
abrangente da comunidade. Segundo ele, no fundo, os analistas se
veriam obrigados a fundir o "puro ouro da análise" com o "cobre"
dos outros métodos, a fim de ser possivel estender a ajuda psicotera-
pêutica a um número mais amplo de pacientes. Advertiu, então, que
no futuro os t>sicoterapeutas defrontar-se-iam com a tarefa de adaptar
a técnica psicanalítica às novas condições de um atendimento' mais
abrangente da população, lembrando-os porém que, qualquer que fos-
se a forma que essa "psicoterapia para o povo" pudesse assumir, os
seus ingredientes mais eficientes e mais importantes seriam os prove-
nientes da psicanálise estrita, ou seja, essa psicoterapia deveria fun-
damentar-se nos conceitos psicanalíticos.
Abstract
In recent years; for pragmatic reasons, short-term psychotherapy has
been progressively gaining scope in the mental heal.th field. Due to
the impossibility of meeting the ever-increasing demand for psychol-
ogical care through classical psychoanalysis, it seems to be the feasi-
ble psychotherapeutic technique to offer psychological treatment on
a largescale. Although psychoanalysis represents the fundamental
scientific basis of short-term psychotherapy, the latter presents its
own particular characteristics and differs from the former in its ,me-
.. thodology, goals, , theoretical and, technical frameworth. The short-
term technique is not an abridged psychoanalysis, and neither does
it, stand in opposition to classical psychoanalysis nor to long-term
analytic therapy. It presents itself as a psychotherapeutic alternative,
which should be considered as a precise indication emerging from the
diagnosis of a sick personality, taken within its particular existential
reallty and its own socio-economic and cultural framework. Short-
term psychotherapy has a growing social significance because it ena-
bles many people to benefitfrompsychological care, when utilized
with knowledge, tact and experience. Consequently, the present work
tries to point out the potentiality of its careful. and planned utiliza-
, tion, by skUled and experienced psychotherapists, within the Brazi-
lian C,ommunity Mental Health Services, and to present it as the
treatment of choice to be implemented in the mental health clinics
for the community.
Referências blbHográflcas
Alexander, F. Conclusões e perspectiva Ileral. In: & FrenCh, T. Tera-
pêutica pBÍcanalítica. Buenos Aires, Paldós, 1965.
. "Current views on psYchoterapy (1953>. In: .. The Scope 01
psyc1l.0analyst8 - Selected papers 01 F. Alexander. New York, Baste, Books, 1961.
- - - , EI Principio de la flexib1l1dad. In: ' & French, T. Terapéu-
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