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COMO CITAR ESTE MATERIAL

SARDINHA, A. Terapia Cognitiva Sexual: teoria e prática.


1. ed. Rio de Janeiro, 2018. E-book. ISBN: 978-85-924268-
1-1. Disponível em: < >. Acesso em: dia/mês/ano.

EDIÇÃO DE TEXTO
Mariana Rocha e Catarina Chagas

Este e-book é um trabalho autoral de produção independente.


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Para os meus pais, Claudio e Denise. Por tudo.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 6
SOBRE A AUTORA 10

Fundamentos da terapia cognitiva sexual 13


PRINCÍPIOS BÁSICOS DA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL 14
DA TERAPIA SEXUAL À TERAPIA COGNITIVA SEXUAL 26
PROCESSOS PSICOLÓGICOS NA QUEIXA SEXUAL 35
PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS E SEXUALIDADE 39
PROCESSOS EMOCIONAIS NA QUEIXA SEXUAL 47
O CICLO DA FALHA SEXUAL 53
ESTRUTURAS COGNITIVAS NA QUEIXA SEXUAL 58

Avaliação e conceitualização de caso clínico 69


HISTÓRIA CLÍNICA E HISTÓRIA DO PROBLEMA 70
CRENÇAS E VALORES FAMILIARES, MORAIS E RELIGIOSOS 78
AUTOESQUEMA SEXUAL 85
SEXUALIDADE NORMAL: MITOS SEXUAIS 91
SEXUALIDADE DA PARCERIA E HISTÓRIA SEXUAL DO CASAL 103
ESTRUTURAS INTERMEDIÁRIAS DE PENSAMENTO: 111

Principais estratégias de intervenção em terapia cognitiva sexual 116


PSICOEDUCAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO DE CRENÇAS 117
MITOS RELACIONADOS À SEXUALIDADE 125
VALORIZAÇÃO DA INTIMIDADE E DO PRAZER 141
ASSERTIVIDADE SEXUAL 147
COMUNICAÇÃO E AJUSTAMENTO DO CASAL:
NEGOCIANDO DESEJOS E PREFERÊNCIAS 156
ESTILOS DE VIDA SEXUALMENTE DESTRUTIVOS 165
MUDANÇAS NO COMPORTAMENTO SEXUAL DO CASAL 170
EROTIZAÇÃO DO CASAL 177
REGULAÇÃO DAS EMOÇÕES NEGATIVAS NA SITUAÇÃO SEXUAL 183
DESAFIOS DA PRÁTICA CLÍNICA EM SEXUALIDADE 189

REFERÊNCIAS 197
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

APRESENTAÇÃO

A Terapia Cognitiva Sexual é um tipo de psicoterapia da


abordagem cognitivo-comportamental, especialmente de-
senvolvida para tratar as dificuldades relacionadas à se-
xualidade, reunindo os elementos centrais das Terapias
Cognitivo Comportamentais com as mais recentes evidên-
cias científicas no campo da sexualidade. Muitas técnicas
da Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) podem ser
aplicadas às questões sexuais. Entretanto, trabalhar com se-
xualidade dentro do modelo cognitivo requer uma série de
habilidades específicas do terapeuta. Assim, a Terapia Cog-
nitiva Sexual alia as intervenções clínicas cientificamente
comprovadas das TCCs a um entendimento profundo das
questões da sexualidade humana.

Aline Sardinha 6
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

A Terapia Cognitiva Sexual entende que crenças distorcidas


a respeito de sexo, bem como a forma como o indivíduo in-
terpreta as situações sexuais, tem impacto direto na manei-
ra como a pessoa se sente, em como o organismo se prepara
para a relação e também no comportamento sexual. Na Te-
rapia Cognitiva Sexual, as pessoas vão tomando consciência
sobre suas crenças e padrões distorcidos e aprendendo como
modificá-los na prática, rumo a uma vida sexual satisfatória.
Ao longo da terapia, o paciente vai experimentando novas
formas de agir, ganhando controle sobre os pensamentos
que distraem a atenção na hora do sexo, aprendendo a se
comunicar com o parceiro e a entender melhor as próprias
necessidades e as do outro. É um processo de terapia breve
com técnicas especificamente desenvolvidas para esse fim.

Desde que nós apresentamos a Terapia Cognitiva Sexual,


em 2015, a receptividade dos alunos, colegas e profissionais
de diversas áreas foi muito positiva. De lá para cá, já forma-
mos muitos alunos em cursos presenciais no Rio de Janeiro
e fui convidada para dar palestras, cursos e workshops em
diferentes partes do Brasil. Entretanto, chegou um momen-
to, em que eu percebi que a demanda pela Terapia Cogni-
tiva Sexual era maior do que a minha capacidade de estar
presente em todos esses lugares. Foi quando surgiu a ideia
de criar este livro e também o Curso Online de Terapia Cog-
nitiva Sexual. Espero que, na medida em que este conteúdo
vai estar disponível online, possamos fazer chegar informa-
Aline Sardinha 7
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

ção de qualidade sobre sexualidade de norte a sul do Brasil.

Neste livro, você vai ter um apanhado geral de todos os


principais elementos que compõe os fundamentos, a con-
ceitualização de caso e a intervenção em Terapia Cognitiva
Sexual. Além disso, a cada aula, são propostos temas para
aprofundamento do conhecimento necessário ao profissio-
nal que trabalha com sexualidade, com sugestão de fontes
seguras e confiáveis, selecionadas pessoalmente por mim
para direcionar o seu aprendizado.

Ainda, um diferencial deste material é que ele não visa só


transmitir um monte de informações. Na minha experiên-
cia como professora e supervisora, descobri que meus alunos
tinham muitas dificuldades em lidar com a sexualidade das
pessoas. Por isso, nas próximas páginas, eu vou guiar você
por uma série de reflexões sobre a prática e a própria forma-
ção profissional, com perguntas e exercícios práticos, que vão
te permitir compreender melhor de onde vem as suas dificul-
dades na abordagem da sexualidade e como superá-las.

Este livro não constitui um curso completo de capacitação


profissional. Como professora e psicóloga, sei da importância
da prática supervisionada na formação do terapeuta. Entre-
tanto, a ideia deste livro é fazer chegar informação de quali-
dade aos profissionais ainda carentes de direcionamento no
manejo das questões relacionadas à sexualidade na psicote-

Aline Sardinha 8
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

rapia. A proposta é que este curso seja um ponto de partida.

Se, após estudar o material aqui disponível, você decidir que


quer aprofundar seus conhecimentos em sexualidade para
poder atender pacientes com queixa sexual, sugiro que o
próximo passo seja fazer a formação avançada, através do
Curso Online de Terapia Cognitiva Sexual. Além disso, na
medida em que for estabelecendo sua prática, busque su-
pervisão especializada ou participe dos nossos fóruns ex-
clusivos com outros colegas também formados em Terapia
Cognitiva Sexual para poder trocar informações e experi-
ências, tirar dúvidas e poder, aos poucos, ir aprimorando a
qualidade do serviço que você oferece.

Aline Sardinha 9
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

SOBRE A AUTORA

Aline Sardinha é psicóloga graduada pela Universidade do


Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Terapeuta Cognitivo
Comportamental certificada pela Federação Brasileira de
Terapias Cognitivas. É professora do Programa de Pós-Gra-
duação em Terapia Cognitivo Comportamental da Univer-
sidade Salgado de Oliveira (Universo, RJ) e atua também
em clínica particular como psicoterapeuta e supervisora.
Tem doutorado e mestrado em Saúde Mental pelo Labo-
ratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria
da UFRJ (IPUB/UFRJ) e especialização em psicoterapia de
família e casal (PUC-Rio). Tem experiência e interesse nas
áreas de Terapia Cognitivo-Comportamental, sexualidade e
terapia de casal. É ex-presidente da Associação de Terapias

Aline Sardinha 10
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Cognitivas do Rio de Janeiro (ATC-Rio, www.atc-rio.org.


br, 2014-2016), e membro da Diretoria da Federação Brasi-
leira de Terapias Cognitivas (FBTC, gestões 2011-atual). É
membro do Grupo de Trabalho Pesquisa básica e aplicada
em uma perspectiva Cognitivo-Comportamental da Asso-
ciação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicolo-
gia (ANPEPP). Foi coordenadora e supervisora clínica do
Curso de Extensão de Qualificação e Treinamento Profis-
sional em Terapia Cognitivo Comportamental do Instituto
de Psiquiatria da UFRJ (IPUB). Já ministrou aulas em cur-
sos de pós-graduação, preparatórios para concursos, atua-
lização e extensão e e também palestras e workshops em
diversas partes do Brasil. Em 2007, foi pesquisadora visitan-
te no Center for Evolutionary Psychology, na University of
Califórnia, Santa Barbara (UCSB) na Califórnia, EUA. e na
Equipe de Neuropsicologia do Montreal Neurological Ins-
titute (McGill), em Montreal, Canadá. Em 2011 foi profes-
sora de Psicopatologia, Psicofarmacologia e Neurociência e
Comportamento do curso de graduação em Psicologia do
Uni-IBMR/Laureate. Em 2012, completou a formação em
Coaching pelo Centre for Coaching, Middlesex University,
Londres – Inglaterra. É autora do site Pílulas de Bem Es-
tar, de divulgação de conhecimento científico sobe psico-
logia, saúde e bem estar voltado para o público leigo (www.
pilulasdebemestar.com.br). Possui diversos capítulos de li-
vro e artigos publicados em revistas científicas brasileiras
e estrangeiras indexadas, outros trabalhos já aceitos para
Aline Sardinha 11
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

publicação, além de pesquisas apresentadas em congressos


nacionais e internacionais. Pelo ISI tem um índice-H de 5 e
69 citações e pelo SCOPUS 26 artigos, índice-H de 8 e 158
citações recebidas. É autora do livro Terapia Cognitiva Se-
xual: uma proposta integrativa na psicoterapia da sexuali-
dade (2017), do Baralho da Sexualidade: conversando sobre
sexo com adolescentes e adultos (2017) e do ebook Como
Abordar a Queixa Sexual? Um guia para psicólogos, educa-
dores e profissionais de saúde (2018).

Aline Sardinha é autora da Terapia Cognitiva Sexual, uma


psicoterapia de abordagem cognitivista e contextual especi-
ficamente voltada para o tratamento das questões sexuais.
Desde que a Terapia Cognitiva Sexual foi apresentada, inú-
meros alunos – entre psicólogos e outros profissionais de
saúde – já foram formados em cursos presenciais na abor-
dagem ou são supervisionados diretamente pela Dra. Aline.
Agora, a formação em Terapia Cognitiva Sexual será possí-
vel também na modalidade à distância, através do recém-
-lançado Curso Online de Terapia Cognitiva Sexual.

Para saber mais ou entrar em contato, acesse o site:


www.alinesardinha.com

Aline Sardinha 12
FUNDAMENTOS DA
TERAPIA COGNITIVA
SEXUAL
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 01

PRINCÍPIOS BÁSICOS DA TERAPIA


COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

As terapias cognitivo-comportamentais (TCCs) são um con-


junto de práticas terapêuticas que diferem entre si com relação
às práticas metodológicas, mas compartilham pressupostos em
comum. Tais terapias têm como base quatro pilares: o compor-
tamentalismo ou behaviorismo, o cognitivismo, as abordagens
contextuais e as pesquisas empíricas.

No século passado, o movimento behaviorista serviu como


base teórica para as TCCs. Pesquisadores desse movimen-
to buscavam entender o que influenciava as respostas dos
indivíduos às situações em determinados ambientes, além
de avaliar como os ambientes poderiam ser manipulados
de modo a condicionar essas respostas. Vários estudos so-
bre comportamento animal ficaram famosos nessa época,

Aline Sardinha 14
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

como os de Burrhus Skinner e Ivan Pavlov.

Os pesquisadores behavioristas se propunham a estudar o


que é observável, utilizando o sujeito com um objeto da ci-
ência. Esse entendimento da psicologia como ciência é ain-
da muito importante para as terapias cognitivo-comporta-
mentais, incluindo a terapia cognitiva sexual, que tem como
base uma abordagem baseada em evidências. Porém, vale
notar que, durante o desenvolvimento do behaviorismo, es-
sas evidências consistiam em como uma pessoa reagia a um
estímulo – na época, ainda não era possível medir o que
ocorria no sistema nervoso no intervalo entre estímulo e
resposta, ou seja, como o cérebro processa a informação, o
que só foi possível a partir da década de 1950, com o adven-
to da psicologia cognitiva.

Além do behaviorismo, os primeiros estudos na área do


cognitivismo também foram muito importantes para o de-
senvolvimento das TCCs. Afinal, o processo de reação a
estímulos envolve não apenas a questão comportamental
associativa, mas também memória, atenção, tomada de de-
cisão, pensamento, linguagem e diversos processos cogni-
tivos.

Nas TCCs, a intervenção caminha sempre junto às desco-


bertas da ciência. Trocando em miúdos, os tratamentos
consistem na aplicação clínica de descobertas científicas.

Aline Sardinha 15
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Um exemplo de como isso ocorre é a conduta do psiquiatra


estadunidense Aaron Beck. Ele observou que todos os seus
pacientes deprimidos tinham conclusões semelhantes sobre
o mundo e um olhar pessimista e distorcido sobre a vida.
Percebeu, então, que a maneira como eles atribuíam signifi-
cado às situações influenciava a forma como reagiam a um
estímulo, e esse padrão poderia ser utilizado para definir
que psicoterapia deveria ser aplicada naquele caso. A partir
disso, Beck propôs a terapia cognitiva. Diversas pesquisas
científicas sobre o tema surgiram nessa época, o que permi-
tiu que a terapia cognitiva fosse embasada e respaldada por
dados empíricos. Hoje, evidências mostram que os princí-
pios das terapias cognitivas se aplicam a uma série de outros
transtornos além da depressão, como ansiedade, transtor-
nos alimentares e sexuais.

As TCCs levam em consideração, ainda, as abordagens


contextuais, que têm como enfoque a emoção. Ainda que
o cognitivismo tenha representado uma inovação para o
tratamento psicológico, na prática, terapeutas e pacientes
se deparavam com uma lacuna: a dificuldade em modificar
os processos emocionais. Apesar de a terapia cognitivista
permitir que o paciente entendesse o que sente e a necessi-
dade de pensar de outra forma, ela ainda não apresentava
soluções para mudar, de modo efetivo, a emoção que um
estímulo provocava nos pacientes.

Aline Sardinha 16
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Como exemplo, pensemos em pessoas que têm medo de


avião. A maior parte delas sabe que as chances de um avião
cair são muito pequenas, mas isso não é suficiente para que
um paciente com fobia de voar embarque no avião com
tranquilidade. Os pesquisadores perceberam, portanto, que
a terapia cognitiva precisar ser aliada a outras estratégias
psicoterápicas.

No início do desenvolvimento das terapias cognitivas, pou-


co se sabia sobre como o processamento das emoções in-
fluenciava o processamento cognitivo. Isso passou a ser pos-
sível no final do século passado, principalmente na década
de 1980, graças a estudos de neuroimagem que permitiram
aos pesquisadores fazer imagens do cérebro de pacientes
enquanto eles realizavam determinada tarefa. Como resul-
tado, novos modelos de funcionamento da emoção foram
incorporados à terapia cognitivo-comportamental, trazen-
do respostas às limitações existentes até então.

Entendeu-se, enfim, que a maneira com o indivíduo pensa


influencia a forma como ele se sente, e que seu estado fisio-
lógico também influencia a tomada de decisão. Além disso,
a maneira como a ativação emocional acontece influencia
a forma como o indivíduo olha para uma situação. Essas
interações são dinâmicas e recíprocas, e é importante que
o terapeuta as entenda para que possa aplicar o tratamento
por diferentes vias de atuação, não se atendo somente a pro-

Aline Sardinha 17
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

cessos cognitivos ou a processos comportamentais.

Outra contribuição fundamental dos estudos de neuroima-


gem foi mostrar que determinadas partes do cérebro, espe-
cialmente no córtex pré-frontal, regulam o chamado cére-
bro emocional, a região do cérebro que processa a emoção.
Esse processamento da emoção tem uma ativação “tudo ou
nada” e é modulado pelo córtex pré-frontal por meio das
funções cognitivas superiores. Assim, é possível detectar
como as pessoas podem modular a emoção a partir de suas
funções cognitivas.

Como já dissemos anteriormente, as pesquisas empíricas


são de grande importância para as terapias cognitivas. Nas
últimas décadas, cientistas trabalharam para estruturar as
intervenções terapêuticas propostas e, utilizando como ob-
jetos de estudo grandes grupos de pessoas, comparar sua
eficácia a outras psicoterapias e até a medicamentos. Os
resultados desses trabalhos embasaram, então, as formas
de atuação das TCCs, incluindo a terapia cognitiva sexual.
Alguns princípios básicos das terapias cognitivo-comporta-
mentais amplamente validados pelas pesquisas na área, são
o modelo cognitivo, a abordagem colaborativa, o método
socrático e o aspecto psicoeducativo, que apresentaremos
a seguir.

Aline Sardinha 18
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

■ MODELO COGNITIVO

Segundo Aaron Beck, a maneira como o sujeito encara as


situações influencia a maneira como ele se sente e também
as ativações fisiológicas do seu corpo. Nesse contexto, o
modo de encarar uma situação e os significados atribuídos
a ela mudam de sujeito para sujeito. O processo cognitivo é
a ponta do iceberg e tem, em sua base, uma série de estru-
turas cognitivas que se desenvolvem ao longo da vida do
indivíduo – crenças sobre si mesmo, sobre como o mundo
funciona, sobre o que esperar do outro etc.

Cada uma dessas crenças é gerada por vivências particula-


res e, por sua vez, orienta as vivências seguintes. Como o
indivíduo entra nas diferentes situações com essa carga de
experiências, suas vivências anteriores influenciam a ma-
neira como ele vai se sentir em cada situação e as projeções
que fará sobre ela. Em muitos casos, essas crenças são tão
rígidas que farão com que os pacientes encarem as situações
de maneira distorcida – o terapeuta cognitivo-comporta-
mental tem que saber olhar para cada caso e entender que
terapias podem ser aplicadas em cada situação específica,
adaptando as práticas terapêuticas ao paciente em questão.

Aline Sardinha 19
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Figura 1.1: Modelo cognitivo.

■ ABORDAGEM COLABORATIVA

A terapia cognitivo-comportamental enxerga o paciente


como agente ativo no tratamento. Na prática, isso significa
que paciente e terapeuta colaboram na busca de soluções
para cada problema. A TCC está orientada para o estabele-
cimento de metas e para a obtenção de resultados. Isso é con-
versado com o paciente, e esse acordo permanece como pano
de fundo ao longo de todo o tratamento e orienta o que será
discutido em cada sessão e o que o paciente praticará em casa.

Aline Sardinha 20
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

O objetivo da abordagem colaborativa é permitir que, no


futuro, o próprio paciente consiga aplicar, de forma inde-
pendente, as soluções por ele e para ele pensadas, o que en-
curta a terapia e diminui o índice de recaída.

■ MÉTODO SOCRÁTICO

Proposta, como o nome diz, por Sócrates, cujo intuito era


pensar filosoficamente, essa prática, no consultório, con-
siste em levantar questões que levem o indivíduo a refletir
melhor sobre a situação que enfrenta. O questionamen-
to socrático é um dos procedimentos mais utilizados nas
TCCs para auxiliar o paciente a realizar descobertas sobre a
estrutura do seu pensamento, flexibilizá-lo e mudar crenças
rígidas sobre si mesmo, os outros e o ambiente. Por isso, di-
zemos que as frases do terapeuta cognitivo-comportamen-
tal não terminam em exclamações ou pontos finais, mas em
interrogações ou reticências. O objetivo do terapeuta é fa-
cilitar o processo de pensamento, e não interpretar ou fazer
pontuações diretivas.

Alguns exemplos de perguntas socráticas são: O que você


quer dizer com isso? Dê-me um exemplo disso que você
está me dizendo? Explique-me isso de outra maneira? O
que faz você ter certeza disso? Há alguma outra explicação
que você poderia pensar para eu entender isso que você está
me dizendo? Quando você fala isso, o que parece estar por

Aline Sardinha 21
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

trás dessa afirmação? O que levou você a dizer isso? Caso


isso seja verdade, qual a parte mais difícil disso? O que mais
lhe incomoda nessa história?

■ ASPECTO PSICOEDUCATIVO

Durante a TCC, o terapeuta auxilia o cliente numa busca


ativa de conhecimentos, tanto sobre o seu problema quan-
to sobre como funciona a terapia e o seu próprio modo de
funcionar diante da dificuldade experimentada. A ideia é
que o paciente se torne cada vez mais autônomo no enten-
dimento do transtorno de que sofre. Essa prática deve ser
sempre individualizada e o terapeuta precisa avaliar qual é
a melhor forma de ajudar o paciente a se apropriar daquele
conhecimento.

Aline Sardinha 22
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

● SAIBA MAIS
Para aprofundar seus conhecimentos nos aspectos funda-
mentais da terapia cognitivo-comportamental, sugerimos
a leitura da obra clássica desta abordagem, atualmente em
sua segunda edição:

BECK, J. S.. Terapia Cognitiva-Comportamental: Teoria e


prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. 413 p.

Para aprofundar seus conhecimentos sobre as diferentes


vertentes das TCCs, sua evolução histórica e possibilidades
de articulação teórico-prática, uma leitura interessante é:

MELO, W. V.; SARDINHA, A.; LEVITAN, M.. O


desenvolvimento das Terapias Cognitivo Comportamentais e
a Terceira Onda. In: NEUFELD, C. B.; FALCONE, E. M. O.;
RANGÉ, B. (Ed.). Procognitiva: Programa de atualização em
Terapia Cognitivo Comportamental. Porto Alegre: Artmed/
Panamericana, 2014. p. 9-44.

Vídeo em que o criador da terapia cognitiva, Aaron Beck, ex-


plica seus fundamentos básicos (com legendas em português):
https://www.youtube.com/watch?v=3CWBVou4VC0

Aline Sardinha 23
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Vídeo em que Beck explica o modelo cognitivo aplicado a


diferentes transtornos (com legendas em português):
https://www.youtube.com/watch?v=xkU7w86NMYQ

REFLEXÕES PARA A FORMAÇÃO DO TERAPEUTA

Se você não é psicólogo ou é psicoterapeuta, mas trabalha


com outras abordagens teóricas, como você se sente em re-
lação a incorporar os quatro princípios acima na sua prática
clínica? Que desafios você imagina que encontrará, consi-
derando a maneira como você costuma atuar? É possível
estabelecer alguma articulação teórico-prática entre esses
princípios e as teorias que normalmente embasam o seu
trabalho?

✓⃞■ VOCÊ SABIA?

As terapias cognitivo-comportamentais são comumente


conhecidas como TCC. Entretanto, o que muita gente não
sabe é que, na verdade, a maneira mais correta de se refe-
rir a elas é TCCs, no plural, uma vez que abrigam diversas
abordagens terapêuticas. Cada uma delas tem característi-
cas específicas e é mais ou menos validada para ser utilizada

Aline Sardinha 24
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

em diferentes situações clínicas. O que elas têm em comum


é partirem dos mesmos pressupostos teóricos, de forma que
podem ser articuladas entre si, compondo uma intervenção
psicoterápica coerente e que pode ser moldada de acordo
com a necessidade de cada paciente, usando as técnicas e te-
orias que se mostraram mais consistentemente eficazes para
determinada queixa.

Figura 1.2: Teorias que compõem a


abordagem cognitivo-comportamental

Aline Sardinha 25
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 2

DA TERAPIA SEXUAL À TERAPIA


COGNITIVA SEXUAL – UM POUCO
DE HISTÓRIA

Ao longo da história da humanidade, o entendimento do


que é normal ou não na sexualidade passou por diversas
mudanças. No passado, a sexualidade sofria um grande
controle social e religioso, sendo encarada como pecado e
utilizada apenas para a reprodução. Crenças relacionadas às
religiões judaico-cristãs, como a ideia do “pecado original”,
faziam com que a sociedade inibisse a expressão da sexualidade.

Esse cenário começou a mudar a partir do século 19. Um


dos marcos desse novo contexto foi o livro Psycopathia
sexualis, do psiquiatra alemão Richard von Krafft-Ebing
(1886), que descrevia comportamentos humanos conside-
rados perversões sexuais e também aqueles considerados
parte da sexualidade normal. A obra foi uma das primeiras
Aline Sardinha 26
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

tentativas de debater a sexualidade. O austríaco Sigmund


Freud também abordou a sexualidade em seu trabalho, tra-
zendo temas como a libido e colocando a sexualidade no
centro do psiquismo humano. Ao longo do século passado,
vários outros estudos surgiram e a sexualidade passou a ser
tratada como tema científico, ocupando um lugar em que a
medicina e a ciência podem atuar.

Na década de 1940, após a Primeira Guerra Mundial e no


começo da Segunda, o avanço tecnológico permitiu que as
pesquisas sobre sexualidade se desenvolvessem ainda mais.
Um dos estudos importantes dessa época é o Relatório Kin-
sey, em que biólogo Alfred Kinsey e colaboradores (1954)
descrevem os comportamentos sexuais mais frequentes na
espécie humana. A equipe entrevistou milhares de pessoas
e estruturou um panorama sobre a normalidade sexual. Por
meio de análises estatísticas simples, o relatório apresentou
dados como a porcentagem de pessoas que se masturbam,
quantas têm atração pelo sexo oposto e quantas fazem sexo
fora do casamento. Além disso, nessa mesma época, pes-
quisadores começaram a investir em estudos anatômicos,
fazendo surgir a proposta do ponto G.

Os anos 1960 foram marcados pelos estudos de William


Masters e Virginia Johnson (1966). Eles contribuíram mui-
to para a ciência com o modelo de fases do ciclo sexual e
propostas que embasaram a terapia sexual aplicada na épo-

Aline Sardinha 27
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

ca, como a ideia de que a ansiedade atrapalha a sexualidade


por ser um antagonista do contexto que favorece a relação
sexual. Além disso, Masters e Johnson também sugeriram a
ideia de papel do espectador, que ocorre quando, na tenta-
tiva de monitorar sua resposta sexual, o sujeito se sente tão
ansioso que acaba inibindo essa resposta.

A mesma época marcou o início de muitos movimentos so-


ciais que influenciaram a expressão da sexualidade, como o
movimento gay e o movimento feminista. Com o advento
da pílula anticoncepcional, homens e mulheres viram faci-
litada a opção de ter relação sexual sem o fantasma de uma
gravidez indesejada – entretanto, a pílula também diminuiu
o uso de preservativos e, mais tarde, o surgimento da epi-
demia de Aids trouxe a ideia de que o sexo promíscuo pode
levar à morte, ao que a sociedade respondeu tornando-se
menos liberal do que era nos anos 1960.

Há um livro emblemático na história da sexualidade cha-


mado Relatório Hite, produzido pela sexóloga Shere Hite
(1979), feminista atuante, cujo estudo qualitativo incluiu
milhares de mulheres que falaram sobre suas vivências se-
xuais. Assim como relatado por Masters e Johnson, Hite
concluiu que o orgasmo feminino se dá por meio do clitóris.

Na década de 1970, o movimento homossexual ganhou


força e fez com que a homossexualidade fosse retirada do

Aline Sardinha 28
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais


(DSM, na sigla em inglês), deixando de ser tratada como
doença. Essa época também foi marcada pela liberação do
divórcio, que era proibido até então. Em 1978, o psicólogo
Joseph LoPiccolo, considerado o primeiro o primeiro cog-
nitivista da sexualidade, propõe que a ansiedade que leva ao
transtorno sexual pode ser decorrente de uma ignorância
sobre como a sexualidade funciona (LOPICCOLO; LOPIC-
COLO, 1978). Portanto, se o indivíduo não sabe o que espe-
rar em termos de resposta sexual normal, pode ser que isso
influencie seu comportamento, deixando-o ansioso.

Na década de 1980, o desejo sexual já entrou no DSM-3


como entidade nosológica. Assim, não ter desejo passou
a ser uma condição tratável. Além disso, as primeiras dro-
gas para o tratamento da disfunção começaram a aparecer
nessa época, como a papaverina, droga injetável utilizada
contra a disfunção erétil – mais tarde, nos anos 1990, ela
seria eclipsada pelo Viagra, vantajosos por seu formato em
comprimido. Mais recentemente, a indústria tem trabalha-
do também em busca de uma pílula que estimule o desejo
feminino. Uma droga – a flibanserina – já foi liberada nos
Estados Unidos, mas os testes clínicos mostram que essa pí-
lula ainda tem baixas taxas de sucesso e um perfil bastante
desfavorável de efeitos colaterais.

Aline Sardinha 29
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

LINHA DO TEMPO DA SEXUALIDADE

Figura 2.1: Linha do tempo da sexualidade

Podemos identificar, portanto, diferentes sexologias ao lon-


go da história, desde considerar pervertida qualquer prá-
tica sexual que não tivesse objetivo reprodutivo – como o
sexo anal, oral ou a masturbação – até a preocupação com
a performance sexual, mais comum nos dias atuais, passan-
do pela descoberta do ciclo de funcionamento da respos-
ta sexual, pela dicotomia entre função e disfunção sexual
e pela busca de terapia sexual como ferramenta para corri-
gir o funcionamento sexual dos pacientes. Recentemente,
são dignos de nota também o surgimento de psicofármacos

Aline Sardinha 30
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

voltados à melhoria do desempenho sexual e a defesa de


minorias, como nos movimentos homossexual, feminista e
transexual.

Paralelamente, vale destacar diferenças básicas entre a te-


rapia sexual usada no século 20 e a terapia cognitiva se-
xual contemporânea. A primeira prioriza o tratamento da
ansiedade, pois considera que ela é a responsável por gerar
disfunção – o tratamento passa, portanto, por técnicas de
dessensibilização que visam modificar como o casal inte-
rage, desviando o foco para as sensações prazerosas e evi-
tando situações que geram ansiedade, de modo que o sexo,
aos poucos, torne-se mais prazeroso do que ansiogênico.
Recentemente, vem sendo colocada em prática uma nova
abordagem da terapia sexual, a que é incorporada uma in-
tervenção cognitiva. Mesmo assim, por ser uma proposta
muito recente, ainda temos poucos estudos que comprovem
sua eficácia.

Já a terapia cognitiva sexual tem como foco as crenças e os


processos cognitivos disfuncionais. Suas estratégias buscam
a reestruturação cognitiva e a regulação da emoção, utili-
zando todo o arsenal de ferramentas das TCCs.

Aline Sardinha 31
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

TERAPIA SEXUAL (séc. XX) TERAPIA COGNITIVA SEXUAL


• Foco no tratamento: ansiedade. • Foco do tratamento: crenças e proces-
• Papel de espectador: ansiedade é a sos cognitivos disfuncionais.
principal causa das disfunções sexuais. • Estratégias principais: reestruturação
• Estratégias principais: dessensibiliza- cognitiva em três níveis e regulação
ção sistemática e foco sensorial. emocional.
• Técnicas comportamentais específicas. • Mudança do comportamente ocorre
• Aspectos cognitivos associados aos a partir da mudança cognitiva e da
comportamentais de forma insipiente; menor reatividade emocional.
• Maior necessidade de incluir o parceiro. • Menor depeência do parceiro.
• Baixos índices de eficácia x placebo. • Foco na relação interpessoal com o parceiro.
• Baseada em pressupostos teóricos
empiricamente validados.

Figura 2.2: Principais diferenças entre a terapia sexual e a terapia cognitiva sexual.

A terapia cognitiva sexual foi desenvolvida com base na li-


teratura científica, cujos conhecimentos foram incorpora-
dos à prática terapêutica. Nessa abordagem, a mudança do
comportamento sexual não é direcionada pelo terapeuta,
mas ocorre a partir de mudanças cognitivas, considerando,
por exemplo, a maneira como o indivíduo encara as situa-
ções, como responde emocionalmente a elas e como decide
se comportar. Assim, o sujeito passa a ter menor dependên-
cia do parceiro e do ambiente, já que o terapeuta trabalha
com aspectos intrapsíquicos.

Aline Sardinha 32
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Figura 2.3: Base teórica da terapia cognitiva sexual.

● SAIBA MAIS
Para aprofundar seus conhecimentos acerca dos fundamen-
tos da terapia sexual e do caminho percorrido pela ciência
até as evidências que embasam a proposta da terapia cogni-
tiva sexual, passando pelos diferentes modelos cognitivistas
da sexualidade, sugerimos a leitura de:

CARVALHO, A. C.; SARDINHA, A.. Da Terapia Sexual


à Terapia Cognitiva Sexual. In: CARVALHO, A. C.;
SARDINHA, A.. Terapia cognitiva sexual: Uma proposta
integrativa na psicoterapia da sexualidade. Rio de Janeiro
Cognitiva, 2017. Cap. 2. 240p.
Aline Sardinha 33
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

REFLEXÕES PARA A FORMAÇÃO DO TERAPEUTA

Como vimos nesta aula, ao longo do tempo, não apenas as


pessoas tiveram sua vivência sexual influenciada por questões
socioculturais, mas também a própria ciência da sexologia
foi moldada, do ponto de vista das suas teorias, objetivos
de pesquisa e técnicas, dentro do mesmo paradigma em
que estavam inseridos seus pacientes. Considerando isso,
o que você consegue identificar como sendo as pressões
socioculturais que influenciam a sua prática como psicólogo
ou profissional de saúde, ao receber uma queixa sexual?
Que assuntos estão “na moda” dos estudos em sexualidade
atualmente? Como isso se relaciona com o se entendimento
da queixa sexual e das possibilidades terapêuticas?

Aline Sardinha 34
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 3

PROCESSOS PSICOLÓGICOS NA
QUEIXA SEXUAL

Até agora, discutimos como a terapia cognitiva sexual inova


ao propor que o centro da intervenção sejam os aspectos
cognitivos em diferentes níveis. Nesta aula, veremos como
esses aspectos permeiam a psicologia da queixa sexual e por
que precisam ser alvo de intervenção. A terapia cognitiva
sexual propõe que a queixa sexual seja encarada na forma
de uma pirâmide, como mostra a figura:

Figura 3.1: A pirâmide da queixa sexual.

Aline Sardinha 35
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

No topo, encontramos aspectos mais superficiais, como os


pensamentos automáticos, as emoções, a fisiologia da ativa-
ção sexual, a atenção e outras questões ligadas ao processo
cognitivo. No entanto, essa pirâmide se sustenta numa série
de outras estruturas cognitivas que precisam ser modifica-
das para que a intervenção seja eficaz. É muito importante
entender que a intervenção cognitiva ocorre em vários ní-
veis – no nível do pensamento, da emoção, da ativação fi-
siológica, mas também no nível intermediário da pirâmide,
que inclui os mitos e crenças já relatados pela literatura.

O desconhecimento do funcionamento sexual normal in-


fluencia a resposta sexual. Porém, não basta reestruturar
essas crenças: é preciso, também, interferir em como o
paciente orienta seus pensamentos e emoções na situação
sexual. Por exemplo, se o sujeito acredita que é função do
homem gerar prazer para a mulher, como isso direciona
sua atenção durante a relação sexual? Ele pode optar por
observar as respostas da parceira ou aprimorar técnicas uti-
lizadas na hora do sexo. Mas não adianta dizer ao paciente
que ele deve tirar o foco dessa crença sem fazê-lo entender
como ela pode estar orientando a relação. É importante que
o paciente seja instruído a refletir sobre como suas cren-
ças direcionam todo o processamento cognitivo emocional
durante o sexo e como as emoções negativas também são
direcionadas por essas crenças.

Aline Sardinha 36
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Neste ponto, a subjetividade e a vivência sexual encontram


aspectos sociais e culturais apreendidos pelo sujeito. As es-
tratégias comportamentais são forjadas nessas estruturas
intermediárias de pensamento, e o trabalho com as cren-
ças subjacentes é, portanto, um elemento muito importante
para a terapia cognitiva sexual. Não estamos falando apenas
de crenças centrais: basta um sujeito achar, por exemplo,
que precisa ter relação sexual para manter um casamento
– essa crença acessória, digamos assim, vai mudar seu com-
portamento e atenção. Entram aí também as expectativas
sobre performance, quando o paciente acredita que precisa
ter determinada resposta sexual, e a a antecipação de conse-
quências, quando o paciente já espera respostas sexuais ne-
gativas antes mesmo da relação. A terapia cognitiva sexual
permite que o psicólogo direcione o olhar do paciente para
esses aspectos cognitivos intermediários.

Na base da pirâmide, estão os elementos centrais: as cren-


ças que o indivíduo tem dele mesmo como um ser sexual.
Isso envolve, por exemplo, o fato de o paciente se ver como
alguém sexualmente atraente e competente, seus valores
morais e éticos, o que ele espera que aconteça na relação
sexual, o que ele espera do outro durante o sexo, conceitos
familiares e religiosos, entre outros valores que embasam a
leitura que o indivíduo faz da situação.

Aline Sardinha 37
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

● SAIBA MAIS
Para aprimorar seus conhecimentos sobre os processos psi-
cológicos na queixa sexual, sugerimos a leitura de:

SARDINHA, A.. Terapia Cognitiva Sexual: O papel dos


processos cognitivos na abordagem a queixa sexual. In:
GORAYEB, R.; MIYAZAKI, M. R.; TEODORO, M. (Org.).
PROPSICO Programa de Atualização em Psicologia Clínica
e da Saúde: Ciclo 1. Porto Alegre: Artmed Panamericana (sistema
de Educação Continuada A Distância), 2017. p. 127-159.

REFLEXÕES PARA A FORMAÇÃO DO TERAPEUTA

Como um exercício de autoconhecimento, reserve alguns


minutos para pensar sobre a construção da sua própria se-
xualidade. A partir disso, tente esboçar, de acordo com o
modelo proposto nesta aula, os elementos que compõem a
sua pirâmide cognitiva sexual. Este exercício é importante
no sentido de promover autoconhecimento e ajudar-nos a
compreender a que informações precisamos estar atentos
no relato dos nossos pacientes. Depois que você tiver sua
pirâmide pronta, tente pensar como essa construção psico-
lógica da sua própria sexualidade ajuda ou atrapalha o seu
trabalho na abordagem das queixas sexuais de outras pessoas.

Aline Sardinha 38
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 4

PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS E
SEXUALIDADE

Nesta aula, vamos falar sobre o papel dos pensamentos au-


tomáticos, as evidências que a literatura traz sobre o tema
e como eles são trabalhados na terapia cognitiva sexual.
Pensamentos automáticos são a camada mais superficial
de processamento cognitivo. Durante uma conversa, por
exemplo, todo indivíduo pensa enquanto fala, mesmo que
não preste atenção a esses pensamentos – são ideias e julga-
mentos sobre o que está ouvindo naquele momento, além
de memórias e outros pensamentos que passam pela sua
cabeça. Chamamos esses conteúdos de automáticos porque
ocorrem de modo involuntário e influenciam as emoções e
tomadas de decisões.

Por serem automáticos e rápidos, esses pensamentos são


Aline Sardinha 39
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

pouco rebuscados e dificilmente seriam considerados a me-


lhor avaliação que alguém pode fazer de uma situação. Po-
rém, os pensamentos automáticos são a avaliação de melhor
custo-benefício – isto é, por proporcionarem uma avaliação
rápida, ainda que rudimentar, esses pensamentos permitem
uma reação imediata, enquanto entendimentos mais com-
plexos exigem maior gasto de energia e tempo para avaliar e
julgar cada situação. Assim, o nível mais básico de cognição,
esse nível automático de que falamos aqui, é o que permite
rapidez e fluidez nas ações no dia a dia.

Vale notar que nosso cérebro atribui significados às coisas


a partir dos pensamentos automáticos. Eles podem ocorrer
na forma de palavras, imagens e ideias pouco organizadas,
orientando a emoção e o comportamento. Isso ocorre em
todas as situações, inclusive durante o sexo.

É importante saber também que, ao encarar uma mesma


situação, cada pessoa tem um tipo de pensamento automá-
tico. Isso acontece porque o que determina os pensamen-
tos automáticos são as outras estruturas cognitivas: a forma
com que o sujeito olha o mundo, suas crenças centrais, as
regras por meio das quais ele organiza essas crenças e seu
comportamento, entre outros aspectos já discutidos na aula
anterior.

Na prática, a rapidez do pensamento automático deixa es-

Aline Sardinha 40
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

paço para que ocorram distorções cognitivas e para que o


sujeito possa, por exemplo, agir de modo mais impulsivo
ou olhar determinada situação de forma negativa ou catas-
trófica. E, claro, quando alguém interpreta uma situação
de forma diferente da realidade, essa distorção pode gerar
transtorno.

A aplicação desse conceito na situação sexual é estudada


pelo grupo liderado pelo português Pedro Nobre, da Uni-
versidade do Porto (NOBRE; GOUVEIA, 2008). De acordo
com esses pesquisadores, pacientes com distorções sexuais
costumam ter pensamentos não relacionados à situação se-
xual durante a relação. Alguns conteúdos de pensamento
automático são frequentes nesses pacientes.

Um deles é a autoconsciência, quando o paciente, durante o


sexo, reflete sobre sua performance sexual, sobre a aparên-
cia de seu corpo e outros pensamentos que têm a ver com a
situação sexual, mas sem conteúdo erótico. Assim, enquan-
to o cérebro processa essa informação, dificilmente a fisio-
logia responde no sentido de facilitar a resposta sexual.

Outro domínio de pensamento comum nesses pacientes é


o de antecipação do fracasso: muitos pensam que não estão
funcionando sexualmente, que não chegarão ao orgasmo,
que perderão a ereção, que o parceiro percebe essa ansie-
dade etc. Há também pensamentos de abuso, como quan-

Aline Sardinha 41
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

do o sujeito pensa que o parceiro não se importa com ele


e que pensa apenas no próprio prazer. Alguns têm, ainda,
pensamento de tédio – geralmente, quando não atingem o
orgasmo, esperam que a relação acabe logo – ou de culpa-
bilização – quando pensam que a resposta sexual não chega
por culpa do parceiro. w

Autoconsciência "Eu não estou excitado(a)"


Fracasso "Não está funcionando!"
Inadequação "O que há de errado comigo?"
Abuso "Ele(a) não se importa. Só pensa em se satisfazer"
"Como vamos manter um relacionamento sem
Ansiedade
sexo para sempre?"
Tédio "Falta muito para acabar?"
"Ele(a) não sabe como me excitar" / "Eu não o(a)
Culpabilização
desejo porque ele(a) está gordo(a)"
Ansiedade
"Será que ele(a) vai querer hoje?"
antecipatória

Figura 4.1: Exemplos de pensamentos automáticos comuns em pacientes com queixa


sexual.

É também muito comum que, mesmo antes de iniciar a rela-


ção sexual, o paciente já tenha esses pensamentos, gerando
ansiedade. Todo esse conteúdo processado tem a ver com
a maneira como o paciente vê o sexo e gera emoções que
Aline Sardinha 42
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

não são relacionadas ao sexo, ou seja, não têm a ver com a


erotização e a excitação. Quando esse ciclo de insatisfação
se instala, o paciente tem um espiral de emoções negativas,
o que é acompanhado por baixa resposta fisiológica no que
chamamos de ciclo da falha sexual. Por essa razão, não bas-
ta, para o terapeuta, focar na resposta fisiológica sem olhar
para como os pensamentos são processados pelo paciente.

Mesmo que o psicólogo use a estratégia da terapia sexual,


que procura modificar o ambiente para tentar deixar o su-
jeito envolvido e focado nas sensações, nada vai adiantar se
o padrão de atribuição de significado não for trabalhado.
É fundamental que o paciente mude a atribuição de signi-
ficado ao longo do tempo, e isso tem a ver com mudança
de crença: o sujeito precisa ser preparado para olhar para
a situação sexual de outra maneira. Em resumo, não basta
mudar o contexto, propondo, por exemplo, uma nova práti-
ca sexual, sem mudar o que o indivíduo pensa sobre o sexo.

Nesse contexto, o psicólogo trabalha com uma consagrada


técnica da terapia cognitiva que é o registro de pensamen-
tos. Esse exercício, porém, não deve incluir apenas os pen-
samentos do paciente, mas também a relação entre eles e a
resposta sexual, além da relação entre pensamento e com-
portamento.

Aline Sardinha 43
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Figura 4.2: Registro de pensamentos na situação sexual.

A literatura mostra que, quando o sujeito processa o con-


teúdo cognitivo desconfortável, a consequência comporta-
mental normalmente passa por uma tomada de decisão no
sentido da desistência e não do enfrentamento (BARLOW,
1986). Muitas vezes, o sujeito processa a situação sexual de
forma distorcida e isso gera emoções negativas que o levam
à desistência. É muito importante, então, trabalhar não só
os pensamentos automáticos, mas toda a relação entre o
pensamento e a estratégia de enfrentamento, o que ocorre
não apenas no nível mais superficial da cognição, mas tam-
bém nos níveis intermediários.

Aline Sardinha 44
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

O registro de pensamentos é feito no consultório junto com


o paciente, quando o terapeuta identifica as situações rela-
tadas pelo indivíduo e pergunta sobre as decisões tomadas
nessas situações. Outro elemento importante para incluir
no registro de pensamentos são as consequências: é preciso
que o paciente perceba como suas tomadas de decisão tra-
zem consequências para o relacionamento – essa percepção
facilita a intervenção cognitiva num nível mais profundo.
É preciso ter um olhar cognitivo para que sejam geradas
situações que levem o paciente a tomar decisões diferentes,
gerando consequências diferentes.

A terapia cognitiva sexual propõe, ainda, o registro de pen-


samento do casal. A ideia é que o sujeito perceba a circula-
ridade do processo: ele não está sozinho na relação sexu-
al, por isso, seu comportamento gera uma situação sexual
nova para o parceiro, que interpretará aquela relação de
uma forma determinada, interferindo, por exemplo, em sua
resposta sexual. Quando o terapeuta lida com um casal, há
um ambiente muito rico para se trabalhar com o registro
de pensamento, já que o comportamento de um sujeito tem
como consequência, muitas vezes, o comportamento do ou-
tro. É possível perguntar ao paciente, por exemplo, como
ele acredita que o parceiro se sente, como reage a certos
comportamentos etc. Porém, ainda que o terapeuta atenda
apenas um paciente, é possível trabalhar com o registro de
pensamento relacional, inferindo a reação do parceiro por
Aline Sardinha 45
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

meio dos relatos do paciente. As ferramentas utilizadas para


trabalhar com o registro de pensamento são muito simples:
bastam uma folha de papel e duas canetas diferentes, que
permitam identificar o que é o conteúdo de um parceiro e o
que é o conteúdo do outro.

Esta é uma maneira simples de tentar entender o jogo se-


xual próprio daquele casal, com a consciência de que a
maneira como um dos dois se comporta influencia o com-
portamento do outro. Se o terapeuta quiser influenciar essa
dinâmica, é preciso trabalhar o entendimento sobre como
esses comportamentos derivam de atribuições de signifi-
cados que acontecem dinamicamente o tempo inteiro. A
abordagem cognitiva mostra que não adianta só fazer a mu-
dança comportamental. É igualmente importante deixar o
paciente confiante sobre como as mudanças de atribuição
de significado podem mudar o comportamento dele e de
seu parceiro.

Aline Sardinha 46
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 5

PROCESSOS EMOCIONAIS NA
QUEIXA SEXUAL

Desde os estudos de Masters & Johnson (1970) e até recen-


temente, as emoções e, principalmente, a ansiedade eram
consideradas um dos principais focos da terapia. Acredita-
va-se que, por ter pensamentos que desviavam sua atenção
do conteúdo erótico, o paciente tornava-se ansioso, impe-
dindo a resposta sexual. Na época, a ansiedade era tratada
pelas técnicas de dessensibilização sistemática, com o intui-
to de modificar as contingências para que o indivíduo expe-
rimentasse mais relaxamento e prazer.

Porém, hoje sabemos que a hipótese de que a ansiedade é


necessariamente antagonista da resposta sexual não encon-
tra respaldo na literatura científica. Em muitas situações,
isso é verdadeiro. Entretanto, há situações em que a ansie-
Aline Sardinha 47
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

dade pode ser, inclusive, um facilitador da resposta sexual:


alguns casais se sentem excitados, por exemplo, em situa-
ções que envolvem adrenalina, como o sexo em locais pú-
blicos.

Além disso, a ansiedade não é a única emoção a incomodar


o paciente com transtorno sexual. Outros sentimentos ne-
gativos podem surgir, como o tédio, a tristeza, a vergonha e
o constrangimento – esses últimos geralmente estão ligados
aos pensamentos de inadequação. Muitos estudos recentes
amparam, ainda, a ideia de que o humor deprimido é um
dos principais elementos causadores da resposta sexual de-
ficitária – se o sujeito não se sente confortável, dificilmente
terá resposta sexual satisfatória. Outro problema frequente
são os pensamentos de culpa, quando o paciente acredita
que a prática sexual é pecado ou pode trazer consequência
negativa – numa relação extraconjugal, por exemplo.

Figura 5.1: Evolução do entendimento do papel das emoções na disfunção sexual.

Ora, se a ansiedade não é o único foco do tratamento, logo,


as técnicas de dessensibilização não são as únicas a serem

Aline Sardinha 48
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

utilizadas. A literatura respalda o uso de outras estratégias,


como mindfulness, por exemplo, para mulheres com bai-
xo desejo sexual e dor sexual (BROTTO, 2011; BROTTO;
BASSON; LURIA, 2008; VILARINHO, 2014). Os dados,
embora preliminares, são metodologicamente consistentes
e mostram que estratégias de regulação da emoção podem
ser úteis para tratar disfunções sexuais, tanto femininas
quanto masculinas.

Estar “mindful”, ou seja, com atenção plena na situação vi-


vida, contraria muitas vezes o que o paciente acredita que
deveria acontecer. É comum que as pessoas pensem que a
emoção deve simplesmente ir embora, no entanto, é pos-
sível que se relacionar com elas de outra forma, ainda que
estejam ali. As terapias mindfulness tentam estabelecer um
novo relacionamento entre o sujeito e suas emoções: o pa-
ciente experimenta a emoção e busca outra forma de tomar
decisões a partir dela, não fugindo do que sente, mas orien-
tando seu comportamento no sentido do que efetivamente
valoriza naquela situação.

Curiosamente, essa valorização não necessariamente tem a


ver com a relação sexual. O sujeito pode, por exemplo, va-
lorizar o casamento com o parceiro e querer buscar modifi-
car o comportamento sexual para ter prazer naquela relação
e gerar prazer para o outro. O paciente precisa aprender a
reestruturar esse pensamento antes de lidar com a situa-

Aline Sardinha 49
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

ção sexual e não no momento dela. Se ele estiver engajado


mentalmente em reestruturar pensamentos durante a rela-
ção sexual, a terapia não faz sentido, já que o indivíduo não
terá foco no estímulo erótico. A ideia é que o sujeito consi-
ga perceber os pensamentos distorcidos e estabelecer com
esse desconforto uma relação diferente, em que ele não seja
obrigado a se livrar da emoção ou desistir da situação sexu-
al, mas possa enfrentá-la com outra perspectiva, colocando
foco nas situações que ele valoriza e no comportamento que
gostaria de ter.

Quanto mais o indivíduo compreender a natureza das emo-


ções, melhor compreenderá sua disfunção sexual e mais
confortável se sentirá para usar as ferramentas que apren-
deu na terapia. Além disso, a terapia previne que o sujeito
tenha metacognições distorcidas sobre suas emoções – ou
seja, pensar e tentar interpretar o transtorno em um nível
que o deixe ainda mais desconfortável na situação sexual.

Aline Sardinha 50
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

PAPEL DO ESPECTADOR

Este é um conceito clássico na terapia da sexualidade e


embasa muitas das teorias e técnicas propostas na terapia
sexual. De acordo com essa hipótese, na situação sexual, o
paciente tenderá a focalizar sua própria resposta fisiológica/
sexual, em detrimento dos estímulos eróticos do ambien-
te. Dessa forma, atuaria como um espectador de si mesmo,
desligando-se dos estímulos que favorecem a resposta sexu-
al e passando a responder com ansiedade frente à percepção
da própria resposta sexual insuficiente.

● SAIBA MAIS
Para aprofundar seus conhecimentos sobre a relação entre
depressão e disfunção sexual, sugerimos a leitura de:

ABDO, C.. Da depressão à disfunção sexual e vice-versa.


São Paulo Segmento Farma, 2010. 135 p.

A estratégia originalmente proposta pela terapia sexual para


lidar com a hipótese do papel do espectador é o foco senso-
rial. Para saber mais sobre esta técnica, leia:

INSTITUTO PAULISTA DE SEXUALIDADE. Focalização


Sensorial. In: Aprimorando a saúde sexual: manual de téc-

Aline Sardinha 51
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

nicas de terapia sexual. 2 ed. São Paulo: Summus, 2001. Cap. 7.

Para saber mais sobre o conceito de mindfulness e a atenção


plena, uma boa referência é:

WILLIAMS, M.; PENMAN, D.. Atenção plena – Mindful-


ness: Como encontrar a paz em um mundo frenético. Rio de
Janeiro: Sextante, 2015. 208 p.

Para se aprofundar no conhecimento das abordagens mo-


dernas dentro das terapias cognitivo-comportamentais de
regulação da emoção, consulte:

LEAHY, R. L.; TIRCH, D.; NAPOLITANO, L. A.. Regulação


Emocional em Psicoterapia: Um guia para o terapeuta cog-
nitivo-comportamental. Porto Alegre Artmed, 2013. 332 p.

Aline Sardinha 52
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 6

O CICLO DA FALHA SEXUAL

O ciclo da falha sexual organiza de forma didática tudo que


relatamos nas aulas até agora, tanto para o terapeuta quanto
para o paciente.

Figura 6.1: Ciclo da falha sexual.

Aline Sardinha 53
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Este ciclo pode ser descrito a partir de qualquer etapa. Va-


mos começar, por exemplo, com a antecipação do fracasso.

O indivíduo que já tem um transtorno sexual costuma an-


tecipar o fracasso antes mesmo de começar a relação sexual
– isso vale para pacientes com dor sexual, pacientes que não
conseguem ter ereção, pacientes que não atingem o orgas-
mo e muitos outros. Ora, se antes do sexo o indivíduo já
inicia a fase de emoções negativas, de vergonha, constrangi-
mento, tristeza ou frustração, as chances de responder com
excitação ou desejo são baixas. Logo, por já estar antecipan-
do que não haverá resposta sexual apropriada, sua atenção
fica voltada à hipervigilância, ou seja, ao monitoramento de
como ele se sentirá e se comportará.

Às vezes, a emoção negativa surge antes de a resposta sexual


falhar e vira objeto de hipervigilância, levando a atribuições
negativas e impactando a resposta fisiológica. Essa hipervi-
giliância pode ocorrer também em relação à reação do par-
ceiro: estudos dos anos 1980 mostram que estar na presen-
ça do parceiro excitado pode ser excitante para indivíduos
sem disfunção sexual, mas pode ser objeto de desconforto
para pacientes com disfunção. Além disso, a consciência
que o paciente tem dos pensamentos e reações que surgem
na situação pode levantar a atenção dele em relação a esses
aspectos – no início, ficar consciente do transtorno pode
ser desafiador e aumentar a autovigilância. É importante,

Aline Sardinha 54
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

então, mostrar ao paciente que isso faz parte do processo.

Frequentemente, a hipervigilância leva ao desligamento do


estímulo sexual, com consequências como dor, perda da
ereção, afastamento do componente erótico etc. Não é pos-
sível impedir a hipervigilância, mas é possível percebê-la e
utilizar estratégias para deslocar o foco dos pensamentos e
emoções na direção do estímulo sexual.

Quando acontece uma falha, uma explosão de emoções ne-


gativas toma o paciente, incluindo humor deprimido, vergo-
nha, frustração, culpa e ansiedade. Isso se dá em decorrên-
cia de diversos pensamentos automáticos que permearam
o período anterior e durante a relação. Assim, são geradas
memórias emocionais que permanecem e, na próxima rela-
ção sexual, essas memórias podem retornar, disparando um
novo ciclo de falha sexual.

O paciente precisa entender que essas emoções fazem com


que ele entre na relação carregando todo esse peso emo-
cional, que pode ser, por meio da terapia, modificado em
médio e longo prazo. Após a explosão de emoções duran-
te o ciclo de falha sexual, o paciente entra no processo de
antecipação de consequências, como pensar na reação do
parceiro diante da falha sexual, por exemplo.

O ciclo da falha sexual sistematiza tudo o que foi conversa-


do e é uma ferramenta terapêutica que ajuda a mostrar para
Aline Sardinha 55
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

o paciente como tudo isso acontece e em que pontos pode


haver intervenção.

● SAIBA MAIS
Para entender melhor o ciclo da falha sexual, leia:

SARDINHA, A.; CARVALHO, A. C.. Terapia Cognitiva


Sexual. In: NEUFELD, C. B.; FALCONE, E. M. D. O.;
RANGÉ, B. P. (Ed.). Procognitiva: Programa de Atualização
em Terapias Cognitivo-Comportamentais: Ciclo 3. Porto
Alegre: Artmed Panamericana, 2016. p. 9-39.

REFLEXÕES PARA A FORMAÇÃO DO TERAPEUTA

O ciclo da falha sexual é um modelo genérico proposto pela


terapia cognitiva sexual para auxiliar a conceitualização
transversal ou descritiva da falha sexual. Ele pode ser usa-
do tanto pelo terapeuta, para melhor compreender a queixa
apresentada, quanto como estratégia de intervenção, para
auxiliar a psicoeducação do paciente sobre o seu próprio
funcionamento, aumentando o engajamento e reforçando

Aline Sardinha 56
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

sua postura ativa no tratamento. Tente, como exercício,


conceitualizar a queixa de seus pacientes com dificuldades
sexuais dentro deste modelo. Verifique como isso impacta o
seu entendimento do fenômeno relatado por eles.

Aline Sardinha 57
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 7

ESTRUTURAS COGNITIVAS NA
QUEIXA SEXUAL

Quando o terapeuta inicia a coleta da história do pacien-


te, é importante considerar que, mais do que os dados em
si, é preciso valorizar a interpretação que o sujeito fez dos
dados – ou seja, as lições aprendidas a partir das vivências
por ele relatadas. Como o que ele viveu atuou para formar
as crenças que hoje vigoram e participam do ciclo de falha
sexual? Como essas crenças moldam as estratégias compor-
tamentais? Nesse contexto, a coleta de casos tem como base
três pilares: os dados da realidade, o impacto nas crenças e
como essas crenças moldam o comportamento do sujeito.

Aline Sardinha 58
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Exemplo: História sexual individual

• Fatos
PRIMEIROS CONTATOS SEXUAIS
• Lições aprendidas (crenças)
(conversas, masturbação etc)
• Estratégias comportamentais moldadas

ATIVIDADES SEXUAIS SOZINHO • Fatos


(fantasias, masturbação, material • Lições aprendidas (crenças)
erótico etc) • Estratégias comportamentais moldadas

• Fatos
PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS
• Lições aprendidas (crenças)
SEXUAIS
• Estratégias comportamentais moldadas

EXPERIÊNCIAS SEXUAIS • Fatos


RELEVANTES (pelo menos uma • Lições aprendidas (crenças)
envolvendo disfunção) • Estratégias comportamentais moldadas

Figura 7.1: Elementos importantes para a anamnese.

Na questão da sexualidade, muitas as pessoas não têm me-


mórias muito precisas ou não se sentem confortáveis para
relatar o que foi vivido. No entanto, o dado em si faz me-
nos sentido do que a interpretação que o indivíduo fez das
vivências e, além disso, a entrevista não deve ser descon-
fortável para o paciente. Assim, o terapeuta deve perguntar
claramente o que ele absorveu com suas vivências.

Aline Sardinha 59
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Vejamos, por exemplo, o caso do abuso ou assédio sexual.


Muitas mulheres já sofreram assédio, mas nem todas desen-
volverão disfunção sexual em decorrência disso. Por isso, é
preciso compreender como as que sofrem com os transtor-
nos interpretaram o fato. Os dados sobre o caso de abuso
em si nem sempre são fidedignos, por conta da memória
traumática, mas é fundamental entender como isso influen-
ciou o olhar da mulher sobre ela mesma, sobre o sexo e so-
bre seu relacionamento com as pessoas, e como a experiên-
cia moldou seu repertório sexual atual.

Também é importante para o terapeuta considerar os pri-


meiros contatos sexuais do paciente. Esses contatos nem
sempre se referem às primeiras relações sexuais, mas ao co-
nhecimento do próprio corpo, ao acesso a informações e
imagens sobre o sexo – hoje facilmente acessadas online.
O terapeuta deve observar como isso tudo molda o imagi-
nário do indivíduo sobre o que é sexo prazeroso, tendo em
conta um conceito amplo de entendimento do comporta-
mento sexual, que vai além do coito.

Por exemplo, é relevante perguntar como o paciente se sen-


tiu nas primeiras situações em que não estava com um par-
ceiro, como na masturbação e nos sonhos eróticos. Essas ex-
periências fazem parte do desenvolvimento da sexualidade
e da própria subjetividade, e esse desenvolvimento começa
muito cedo, mesmo que os pais ou a escola tentem evitar – é

Aline Sardinha 60
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

possível, por outro lado, tentar apoiar esse processo, dentro


do que aquela faixa etária tem capacidade de compreender.
Quanto mais natural for esse desenvolvimento, mais prová-
vel é que aquele indivíduo tenha crenças positivas em rela-
ção à sua sexualidade.

Entretanto, mesmo nos dias de hoje, a maior parte dos pais


não se sente confortável e não fala sobre sexualidade com os
filhos. A maioria deles não cogita falar sobre a própria ex-
periência sexual, ainda que fale sobre vivências com relação
à sua carreira, à família e a outros aspectos. Mas a educação
do indivíduo envolve também a sexualidade, querendo a
sociedade ou não.

Além de ajudar o paciente a compreender que as primeiras


vivências sexuais ocorrem, muitas vezes, ainda na infância,
é necessário estimulá-lo a relatar tanto vivências de falhas
quanto de sucesso. Caso em algum momento o sexo tenha
sido uma boa experiência, é preciso identificar quando a fa-
lha ou disfunção começou.

O modelo da terapia cognitiva sexual propõe que, no início


da conceituação de caso, algumas situações típicas sejam
registradas: a situação sexual com o parceiro, a situação de
falha, a situação de autoestimulação e, se possível, o rela-
to de outras parcerias. No trabalho com um casal, não ne-
cessariamente vale a pena trazer detalhes de vivências com

Aline Sardinha 61
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

outros parceiros. No entanto, é preciso questionar, com o


cuidado de não causar desconforto para o casal, como era
a sexualidade de cada um dos dois antes daquela parceria,
de modo a identificar se a queixa ocorre apenas no contexto
daquela parceria ou também em outros contextos.

Figura 7.2:Registro de Pensamentos em Terapia Cognitiva Sexual

Aline Sardinha 62
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

A partir dos significados que terapeuta e cliente extraem


das vivências ao longo do desenvolvimento da sexualidade,
será possível, aos poucos, identificar os elementos centrais
do pensamento do indivíduo a respeito do tema. Dentro da
lógica das TCCs, uma ferramenta proposta para a terapia
cognitiva sexual é a tríade cognitiva sexual, formada por
três pilares centrais: o autoesquema sexual, as crenças sobre
a sexualidade do parceiro e as crenças sobre a sexualidade normal.

Figura 7.3: Tríade cognitiva sexual.

Aline Sardinha 63
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

O autoesquema sexual inclui como o indivíduo se vê sexu-


almente, se ele se entende como desejável, atraente, bom
amante, capaz de viver a sexualidade plenamente etc. Um
sujeito pode ter crenças positivas sobre si mesmo na carrei-
ra e em outros aspectos, mas se considerar inadequado do
ponto de vista sexual. Por isso, é importante alinhar a con-
ceituação cognitiva sexual à a conceituação cognitiva geral.
Alguns aspectos são muito particulares da sexualidade e só
são verdadeiros nesse contexto.

Já as crenças sobre a sexualidade do parceiro se referem a


como o sujeito acredita que o parceiro se vê sexualmente,
o que deseja do parceiro, quais são suas preferências etc. Às
vezes, isso é claramente discutido pelo casal, mas, outras
vezes, é apenas inferido pelo sujeito. Uma crença de que o
parceiro é sexualmente exigente, por exemplo, aumenta as
chances de o sujeito se sentir desconfortável caso haja uma falha.

Por fim, entram as crenças sobre o que é a sexualidade nor-


mal. A sociedade tem elementos normativos sobre o sexo,
considerando o que é certo ou errado, normal ou anormal.
O fácil acesso à pornografia, por exemplo, é um dado im-
portante que é processado pelos indivíduos e influencia a
maneira como a sexualidade normal deve acontecer. O
mesmo ocorre em famílias onde não se discute a sexualida-
de ou pessoas que sofrem influência religiosa neste aspecto.
Recentemente, a questão da performance também é social-

Aline Sardinha 64
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

mente muito valorizada, fazendo com que mais pacientes


busquem tratamento para as questões sexuais.

As crenças que compõem a tríade cognitiva sexual do pa-


ciente formam a estrutura mais central de processamento
da informação, representando as crenças sexuais centrais.
Delas, deriva o conjunto de crenças intermediárias e estra-
tégias comportamentais do indivíduo, influenciando sua inter-
pretação da situação sexual e seus pensamentos automáticos.

As estruturas intermediárias são mais facilmente acessadas


na conversa com o paciente do que as estruturas centrais,
porque elas estão, no dia a dia, influenciando o comporta-
mento. Essas estruturas são constituídas de regras e supo-
sições condicionais que orientam a tomada de decisão em
relação ao comportamento sexual. Muitas vezes, são essas
estruturas que se apresentam de forma rudimentar como
pensamento automático, mas também costumam ser fa-
cilmente acessadas pela dupla terapeuta-cliente a partir de
técnicas cognitivas, como a seta descendente e o questiona-
mento socrático.

A conceituação cognitiva sexual é o ponto de partida para


o trabalho na terapia cognitiva sexual. Ainda que seja o pri-
meiro passo, ela é dinâmica e está presente em todo o pro-
cesso, e deve ser construída empiricamente com o paciente
ou com o casal. O paciente pensará junto com o terapeuta

Aline Sardinha 65
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

sobre como modificar o processo que leva ao transtorno.


Nas próximas aulas, detalharemos o passo a passo da cons-
trução da conceitualização cognitiva sexual e como utili-
zá-la como um guia para delinear as intervenções a serem
realizadas.

Figura 7.4: Elementos intermediários e centrais e sua relação com a queixa sexual.

Aline Sardinha 66
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

REFLEXÕES PARA A FORMAÇÃO DO TERAPEUTA

Utilizando o exercício que propomos sobre conceitualizar o


caso dos seus pacientes com queixa sexual dentro do mode-
lo explicativo do ciclo da falha sexual, vamos agora ampliar
o entendimento desta conceitualização longitudinalmente,
pensando nos diferentes níveis de pensamentos que emba-
sam os fenômenos que você colocou no ciclo da falha sexu-
al. Que regras, mitos ou suposições originam os comporta-
mentos e direcionam as atitudes disfuncionais presentes no
ciclo da falha sexual do seu paciente? Como essas estruturas
intermediárias se relacionam com a maneira como o indiví-
duo pensa a sexualidade de forma mais ampla, ou seja, sua
tríade cognitiva sexual?

MATERIAL PARA USAR COM SEUS PACIENTES

Você conhece o baralho da sexualidade? Essa ferramenta foi


criado pela psicóloga Aline Sardinha para o trabalho com
as questões sexuais e é composta por um kit de três bara-
lhos que podem ser usados criativamente pelo terapeuta de
acordo com a demanda que se apresente. Um desses bara-
lhos, chamado de "Mitos sexuais", pode ser utilizado na psi-
coeducação das crenças distorcidas sobre sexualidade que
Aline Sardinha 67
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

se encontram na base das disfunções e dificuldades sexuais.


Além disso, os mitos ali listados podem servir de base para
desvendar e reestruturar os elementos relacionados ao que
seria a sexualidade normal. Para saber mais sobre essa fer-
ramenta, veja o vídeo abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=SoWZs42Rt44

Para ter acesso ao primeiro capítulo do manual e comprar o


Baralho da Sexualidade, acesse:

https://www.sinopsyseditora.com.br/livros/baralho-da-sexuali-
dade-conversando-sobre-sexo-com-adolescentes-e-adultos-895

● SAIBA MAIS
Para saber mais sobre conceitualização cognitiva:

NEUFELD, C. B.; CAVENAGE, C. C.. Conceitualização cognitiva


de caso: uma proposta de sistematização a partir da prática
clínica e da formação de terapeutas cognitivo-comportamentais.
Rev. bras.ter. cogn., Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 3-36, dez. 2010.
Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1808-56872010000200002&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em 02 jan. 2018.

Aline Sardinha 68
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

AVALIAÇÃO E
CONCEITUALIZAÇÃO
DE CASO CLÍNICO

Aline Sardinha 69
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 8

HISTÓRIA CLÍNICA E HISTÓRIA DO


PROBLEMA

A conceituação cognitiva sexual é feita a partir da avaliação


de caso. Ao buscar a história clínica do paciente, o terapeuta
precisa entender como aconteceu o desenvolvimento sexual
do sujeito. Quando a terapia é feita em casal, é importante
considerar que muitas pessoas têm dificuldade em compar-
tilhar com o terapeuta informações íntimas sobre sua sexu-
alidade quando estão na presença do parceiro, no entanto,
o psicólogo precisa dessas informações para estruturar a in-
tervenção. Por isso, entrevistas individuais podem facilitar
a coleta da história clínica. Vale notar que a sexualidade do
parceiro é importante para o tratamento do paciente mes-
mo quando o parceiro não tem disfunção sexual.

Além disso, é importante saber como cada parte do casal


Aline Sardinha 70
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

aprendeu a lidar com sexo, considerando não apenas as


primeiras relações sexuais com outras pessoas, mas suas
vivências sexuais de forma geral – incluindo os primeiros
contatos com o sexo, a educação sexual, a masturbação etc.
– e as crenças que ele construiu a partir dessas vivências.
As possibilidades de expressão da sexualidade ao longo da
vida e durante a relação com o parceiro atual também di-
zem muito sobre o paciente. O sujeito tinha liberdade de
falar sobre sexo durante seu desenvolvimento? Tinha acesso
a informações sobre sexo? Consegue falar sobre o tema com
o parceiro? Procura esse parceiro para ter relação ou espera
ser procurado? São perguntas importantes para compor o
relato clínico.

O relato também deve considerar questões relacionadas a


experiências sexuais que foram bem-sucedidas anterior-
mente em outras parcerias. Numa entrevista individual, por
exemplo, um dos parceiros pode dizer que o transtorno se-
xual não aparecia em outros relacionamentos. Mesmo que
isso não pareça real ou não faça sentido para o terapeuta, é
importante registrar esse relato, pois ele descreve uma vi-
vência do paciente.

O registro da história clínica auxilia o terapeuta a saber o


que o paciente pensa sobre relacionamentos de modo ge-
ral e conhecer suas crenças a respeito da conjugalidade nos
diferentes momentos do ciclo vital, ou seja, como deve ser

Aline Sardinha 71
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

a dinâmica de relacionamento de casais jovens, de casais


com filhos, ou de casais no envelhecimento. As vivências do
indivíduo moldam o que ele pensa sobre relacionamentos,
seja com base na relação de seus pais, seja com base nos
seus relacionamentos anteriores. É importante, sempre, que
o paciente entenda que a maneira como ele vê a sexualidade
influencia e sofre influência da forma como ele olha para
sua relação amorosa.

Essa avaliação inicial do paciente é tão importante que não


precisa ter um tempo definido: pode ser feita durante uma
ou mais sessões, de acordo com a necessidade. Há ferra-
mentas que podem ser usadas no processo de investigação,
como o registro de pensamento de situação sexual, que des-
creve a vida sexual cotidiana do casal. A literatura também
afirma que é importante tomar nota da relação do indivíduo
com a autoimagem corporal. Isto é bem descrito em relação
às mulheres: a maneira como elas se veem influencia mui-
to seu comportamento sexual, devido à pressão social que
valoriza a forma física (WOERTMAN; VAN DER BRINK,
2012). A mesma situação tem acometido cada vez mais os
homens, que deixam de se achar atraentes por estarem in-
satisfeitos com sua autoimagem corporal. Embora não haja
ainda muitos estudos publicados sobre o tema, na prática
clínica observamos que pacientes com transtornos alimen-
tares ou transtornos de autoimagem corporal podem ter sua
sexualidade alterada.
Aline Sardinha 72
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

HISTÓRIA CLÍNICA INDIVIDUAL:


O QUE INVESTIGAR

• Como o paciente aprendeu a fazer sexo?;

• Crenças que o paciente construiu a partir das suas


vivências e experiências sexuais e sua relação com os
padrões comportamentais atuais;

• Possibilidades de expressão da sexualidade;

• Experiências de sucesso e insucesso e significados


atribuídos;

• Crenças sobre relacionamentos sexuais e amorosos;

• Comportamentos sexuais pregressos e atuais;

• Relação com corpo e autoimagem corporal (pregres-


sa e atual), crenças e estratégias;

• Recursos utilizados.

Aline Sardinha 73
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Após essa conversa inicial sobre a vivência sexual do pacien-


te, o terapeuta precisa investigar a história do transtorno se-
xual. Como o problema começou? Quando o paciente per-
cebeu que tinha um problema e que iniciativas tomou para
solucioná-lo? Como a queixa sexual modificou suas crenças
sobre sexualidade? Todas essas leituras permitem compre-
ender melhor a história do transtorno e ajudam o terapeu-
ta a entender qual é o seu lugar no tratamento e como ele
pode ajudar o paciente ou o casal. O psicólogo pode, ainda,
registrar situações sexuais de sucesso por meio da psicolo-
gia positiva: o casal relata momentos em que a relação sexual
funcionou bem e, a partir disso, o terapeuta encontra poten-
cialidades do casal que podem ser exploradas para melhorar
a relação, em vez de tentar criar novos recursos.

Neste momento, aspectos clínicos também precisam ser re-


gistrados. Envelhecimento, menopausa, estresse, cirurgias,
amamentação, medicamentos e diversas outras questões
podem influenciar a sexualidade. A troca com o médico
que atende o paciente permite que o terapeuta compreenda
melhor a história do sujeito e seu prognóstico – por isso,
o trabalho multidisciplinar entre diferentes profissionais da
saúde é importante.

Aline Sardinha 74
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

HISTÓRIA DO PROBLEMA:
O QUE INVESTIGAR

• Início do problema;

• Estratégias (tratamentos anteriores, estratégias com-


portamentais, acomodações na dinâmica do casal);

• Impacto no relacionamento;

• Situações sexuais de sucesso;

• Situações sexuais de fracasso.

Outros temas relevantes são a história do casal – se vivem


juntos e há quanto tempo, que assuntos costumam gerar
conflito etc. Nem sempre os problemas de relacionamento
são a causa do transtorno sexual, mas questões de parce-
ria podem influenciar a sexualidade. O formulário abaixo é
uma forma padronizada de direcionar o trabalho do terapeu-
ta na orientação e entrevista de avaliação sexual do paciente.

Aline Sardinha 75
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Figura 8.1: Avaliação de caso em terapia cognitiva sexual.

● SAIBA MAIS
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a defi-
nição de saúde sexual é: “Um estado de bem estar físico,
emocional, mental e social em relação à sexualidade. Não
se refere somente à ausência de doenças, disfunções ou en-
fermidades. Saúde sexual requer uma abordagem positive e
respeitosa da sexualidade, incluindo a possibilidade de ter
experiências sexuais prazerosas e seguras” (tradução livre).

Aline Sardinha 76
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

O documento sobre saúde sexual, de 2006, pode ser encon-


trado para download na íntegra, no endereço: http://www.
who.int/reproductivehealth/publications/sexual_health/defining_
sexual_health.pdf

MATERIAL PARA USAR COM SEUS PACIENTES

Texto da Dra. Aline Sardinha no site Pílulas de Bem Estar:


“Educação sexual”

http://www.pilulasdebemestar.com.br/site/sexualidade_detail.as-
p?cod_blog=91

Aline Sardinha 77
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 9

CRENÇAS E VALORES FAMILIARES,


MORAIS E RELIGIOSOS

Nesta aula, abordaremos como o terapeuta investiga cren-


ças e valores do paciente durante a avaliação. Este tema deve
ser tratado com delicadeza e gentileza, de modo a favorecer
o vínculo terapêutico. É muito importante que o paciente
se sinta confortável durante a terapia para falar sobre suas
crenças, já que elas terão grande influência na sua sexuali-
dade. As perguntas precisam ser direcionadas para que o
terapeuta entenda qual é a percepção do indivíduo sobre
a sexualidade de seus pais e familiares, qual é o papel da
sexualidade no relacionamento dessa pessoa, como foram
suas primeiras descobertas sexuais na infância e na ado-
lescência, quais são os valores e regras expressos pela sua
família, entre outros aspectos. Algumas crenças acerca da

Aline Sardinha 78
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

sexualidade são definidas durante a criação do paciente


pelos pais e acabam se desenvolvendo como regras difíceis
de serem modificadas – por isso, o terapeuta deve ser gen-
til no processo de compreensão das crenças e vivências do
paciente. É interessante notar, também, que muitas vezes o
paciente apresenta crenças sem expressá-las com clareza –
são percepções sobre a sexualidade que o paciente tem ou
teve durante a vida, sem que ninguém dissesse a ele como
funcionam.

Os papéis de gênero que fazem parte das crenças do pacien-


te também precisam ser investigados. Vale observar, por
exemplo, se houve diferenças na criação do paciente e de
seus irmãos, caso sejam de gêneros diferentes. Durante o
desenvolvimento, a criança pode perceber como as diferen-
ças de gênero são encaradas por seus familiares e, na idade
adulta, confrontar isso com o modo como vê os diferentes
gêneros e a sexualidade. O próprio ato de o paciente refletir
sobre essas questões para responder as perguntas do tera-
peuta marca o início da intervenção cognitiva.

Para pacientes casados, é fundamental entender a percep-


ção deles sobre o casamento e qual é o papel da sexualidade
nesses relacionamentos. Já existem estudos sobre o tema: a
psiquiatra Carmita Abdo (2004) fez uma pesquisa sobre a
vida sexual do brasileiro e descobriu que a maior parte das
pessoas acredita que a satisfação sexual é muito importante

Aline Sardinha 79
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

para o vínculo conjugal. Além disso, é preciso identificar


como o paciente vê a sexualidade e como ele acredita ser a
percepção do parceiro sobre o sexo.

Após investigar a história do paciente, o terapeuta pode aju-


dá-lo a refletir sobre como suas vivências se relacionam com
as experiências sexuais atuais. Não é preciso tentar inferir
isso pela história do paciente, basta perguntá-lo de forma
direta como ele acha que suas experiências no passado in-
fluenciam sua sexualidade hoje. Isso resulta no empirismo
colaborativo, um dos alicerces da terapia cognitivo-com-
portamental, que permite que o paciente tenha uma postu-
ra ativa em seu tratamento. O objetivo é que o terapeuta e o
paciente reflitam juntos.

Os valores sociais, morais e religiosos são aspectos igual-


mente importantes para reflexão. Entender, por exemplo, se
o paciente cresceu num ambiente religioso e como a sexua-
lidade é tratada por essa religião ajuda a compreender se o
paciente aplica essas crenças ao seu relacionamento atual. O
dado de que o paciente cresceu num ambiente sem religião
ou sem a ideia de pecado também é muito importante para
entender como se dá a relação do paciente com a sexualida-
de. Conceitos como honra, culpa e moral devem ser abor-
dados durante a investigação.

Além da religião, a escola influencia o paciente quanto a

Aline Sardinha 80
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

aspectos da sexualidade, como o papel de gênero. O que a


escola ensina sobre atividades voltadas a meninas ou a me-
ninos? O paciente ainda carrega essas crenças? Por fim, a
família, é claro, também tem grande influência sobre a se-
xualidade do indivíduo. É importante compreender o pa-
pel de aspectos como o divórcio, a possibilidade de ter sexo
antes do casamento e diversas pressões geradas por valores
familiares.

CRENÇAS E VALORES FAMILIARES:


O QUE INVESTIGAR

• Percepções da sexualidade dos pais e familiares;

• Conversas e descobertas sexuais na infância e ado-


lescência;

• Valores, crenças e regras expressos e velados;

• Papéis sexuais e de gênero;

• Modelos de conjugalidade;

• Crenças geradas a partir da vivência de todas essas


questões.

Aline Sardinha 81
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CRENÇAS E VALORES SOCIAIS, MORAIS E


RELIGIOSOS: O QUE INVESTIGAR

• Identificação de crenças e seu impacto na sexualidade;

• Culpa, pecado, honra, moral;

• Papéis sociais e de gênero;

• Identificação das pressões reais do grupo social.

O terapeuta deve estar atento ao fato de que a discussão ge-


rada pela investigação não tem enfoque no conteúdo. Não
interessa se o que o paciente acredita ou viveu é certo ou
errado na visão do terapeuta. Efetivamente, o importante
é fazer uma discussão funcional e entender como o histó-
rico do indivíduo moldou seu repertório sexual e influen-
cia os transtornos que enfrenta hoje. A terapia almeja que
o paciente entenda a relação entre suas vivências e sua se-
xualidade, permitindo que ele tome decisões informadas,
por exemplo, mudando suas crenças ou encontrando uma
maneira de viver com elas sem que causem problemas. O

Aline Sardinha 82
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

intuito não trocar a crença do paciente pela crença do tera-


peuta, mas estabelecer uma relação funcional entre o que o
paciente acredita e a manifestação atual da sua sexualidade.

REFLEXÕES PARA A FORMAÇÃO DO TERAPEUTA

Assim como nossos pacientes, ao longo da nossa forma-


ção como indivíduos, também nós, profissionais, estivemos
imersos em ambientes familiares, religiosos e sociocultu-
rais. O exercício que propomos agora é tentar listar e com-
preender as influências que se fizeram presentes ao longo
da construção da nossa própria sexualidade e como isso se
relaciona com a maneira como esta se manifesta atualmen-
te. Para que possamos, futuramente, trabalhar com cren-
ças sexuais de alto valor emocional para nossos pacientes,
precisamos compreender as nossas crenças e valores sobre
sexualidade, de modo a poder perceber a influência deles
sobre a nossa possibilidade de fazer intervenções terapêu-
ticas focadas na relação funcional, sem cair na armadilha
de discutir o conteúdo dessas crenças, no sentido de certo
ou errado. É fundamental ter especial atenção para aquelas
crenças do paciente que contrariam valores com alta valên-
cia emocional para o terapeuta.

Aline Sardinha 83
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

MATERIAL PARA USAR COM SEUS PACIENTES

Um dos Baralhos da Sexualidade, “Desvendando a sexu-


alidade”, traz cartas que permitem abordar as crenças das
pessoas acerca da sexualidade de forma leve e descontraída.
Essa ferramenta pode ser usada tanto no contexto da psi-
coterapia ou da terapia cognitiva sexual quanto em outros
contextos em que se precise fazer emergir as crenças subja-
centes ao comportamento sexual, como na educação sexual
ou mesmo em settings de saúde em que se precise orientar
mudanças no comportamento sexual. Para saber mais sobre
o baralho, acesse: https://www.sinopsyseditora.com.br/livros/
baralho-da-sexualidade-conversando-sobre-sexo-com-adoles-
centes-e-adultos-895

Neste vídeo, acesse algumas instruções básicas sobre como


utilizar os baralhos:
https://youtu.be/SoWZs42Rt44

Aline Sardinha 84
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 10

AUTOESQUEMA SEXUAL

Autoesquema sexual é a maneira com o indivíduo se vê se-


xualmente, algo semelhante ao que seriam as crenças sexu-
ais centrais do sujeito. Esse conceito foi proposto na década
de 1990 (ANDERSEN; CYRANOWSKI, 1994; 1999), mas,
desde então, tem sido pouco estudado de forma sistemática.
A ideia de incluí-lo na terapia cognitiva sexual é uma for-
ma de testar a hipótese de que a maneira como o paciente
enxerga sua sexualidade influencia a maneira como ele se
comporta e percebe suas relações sexuais. Estamos falando
de algo diferente das crenças centrais que o indivíduo tem
sobre ele mesmo, pois o autoesquema sexual tem enfoque
específico na sexualidade do paciente.

Para compreender o autoesquema sexual de um paciente,


Aline Sardinha 85
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

o terapeuta pode perguntar diretamente a ele como se vê


sexualmente. Essa, porém, é uma pergunta muito ampla e
pode ser que o paciente tenha dificuldade de respondê-la.
Mas há ferramentas que ajudam o psicólogo a direcionar
a investigação. Um exemplo é questionar sobre gênero: a
que gênero o paciente acredita que pertence e o que isso
quer dizer do ponto de vista sexual, por que gênero se sente
atraído etc.

Outra possibilidade é solicitar que o paciente descreva o


que, para ele, é uma experiência sexual satisfatória ou per-
feita – isso revela muito sobre as experiências anteriores do
paciente e como sua sexualidade foi construída. Nem sem-
pre a visão de sexo perfeito do paciente é compatível com
o que a sociedade espera. Um paciente pode, por exemplo,
acreditar no sexo romântico, mas perceber que essa não é a
visão da maioria das pessoas, o que pode gerar um senso de
inadequação. Ou, ainda, pode ter a percepção de que sexo
perfeito significa uma coisa para ele e outra, diferente, para
o seu parceiro.

Trabalhamos com a hipótese de que o autoesquema sexual


é o filtro através do qual o paciente lê as situações sexuais
que experimenta. Dados da literatura mostram que sujeitos
sexualmente disfuncionais ativam autoesquemas negativos
nas situações sexuais, da mesma maneira que acontece com
crenças distorcidas em paciente com transtornos psicológi-

Aline Sardinha 86
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

cos de forma geral. Diante de uma falha sexual, o paciente


que já tem um autoesquema sexual negativo se tornará mui-
to mais vulnerável a desenvolver um transtorno sexual.

Um dos primeiros modelos cognitivistas sexuais propostos


valorizava como as crenças sexuais rígidas tornavam o pa-
ciente vulnerável diante da falha sexual. O objetivo da tera-
pia é desenvolver um autoesquema sexual mais saudável e
flexível, baseado em fatos reais, e não em dados inferidos do
que seria certo ou errado.

AUTOESQUEMA SEXUAL SEGUNDO ANDERSEN


E CYRANOWSKI (1994)

• Compreende generalizações cognitivas relativas a aspec-


tos sexuais do eu e ideias de si próprio como ser sexual;

• É desenvolvido com base em experiências de vida;

• Determina a forma como o indivíduo interpreta as


situações sexuais e como responde a elas.

OBS: Sujeitos sexualmente disfuncionais ativam autoesque-


mas negativos quando experimentam insucesso sexual, in-
terpretando negativamente e magnificando o insucesso.

Aline Sardinha 87
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

● SAIBA MAIS
Um dos primeiros modelos cognitivo-comportamentais
propostos para disfunções sexuais (BAKER, 1993) enfati-
za o papel das crenças sobre o “eu sexual” em comparação
com o “sexo ideal”. Segundo esse modelo, as crenças seriam
um filtro através do qual o indivíduo leria suas experiências
sexuais – as discrepâncias entre o ideal e o real fariam o in-
divíduo considerar que houve uma falha sexual, iniciando o
ciclo da disfunção.

QUATRO ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DAS


DISFUNÇÕES SEXUAIS (BAKER, 1993)

EXPERIÊNCIA
CRENÇAS DISFUNCIONAIS:
DE VIDA PRÉVIAS:
Aprendidas. Atuam como fator
Modelos, fontes de informação
de vulnerabilidade.
experiências seuais.

PENSAMENTOS
AUTOMÁTICOS NEGATIVOS: INCIDENTES CRÍTICOS:
Relacionados com Situações percebidas como
desempenho e sua fracasso sexxual.
consequências.

Figura 10.1: Elementos fundamentais do modelo cognitivo-comportamental de Baker

sobre disfunções sexuais.

Aline Sardinha 88
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

REFLEXÕES PARA A FORMAÇÃO DO TERAPEUTA

Seguindo a lógica de que o psicólogo precisa conhecer as


próprias crenças acerca da sexualidade, chega o momen-
to de prepararmos um esboço do que seria nosso próprio
autoesquema sexual. Separe alguns minutos, pegue papel e
caneta e faça, a si mesmo, as perguntas que recomendamos
que você faça com seus pacientes. Depois, tente construir
um pequeno texto intitulado “Quem sou eu sexualmente?”.

MATERIAL PARA USAR COM SEUS PACIENTES

Um dos Baralhos da Sexualidade, “Desvendando a sexuali-


dade”, traz cartas que permitem abordar as crenças que com-
põem o autoesquema sexual. Estas trazem perguntas como
os exemplos abaixo e muitas outras. Para saber mais, acesse:
https://www.sinopsyseditora.com.br/livros/baralho-da-sexuali-
dade-conversando-sobre-sexo-com-adolescentes-e-adultos-895

Aline Sardinha 89
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Texto da Dra. Aline Sardinha no seu site Pílulas de Bem


Estar: “Identidade sexual”: http://www.pilulasdebemestar.com.
br/site/sexualidade_detail.asp?cod_blog=75

Aline Sardinha 90
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 11

SEXUALIDADE NORMAL:
MITOS SEXUAIS

Os modelos cognitivistas da sexualidade de forma geral


mencionam a comparação que o indivíduo faz do próprio
desempenho sexual com as representações que este foi
construindo ao longo da vida sobre o que seria a sexualida-
de normal. Nesse sentido, as crenças individuais sobre o que
é a sexualidade normal são um aspecto extremamente im-
portante não apenas para conceitualizarmos a tríade cogni-
tiva sexual, mas também na intervenção, como falaremos
mais adiante.

Essas crenças são formadas ao longo do desenvolvimento,


normalmente influenciada por diferentes fontes. Nos pri-
meiros anos de vida de um indivíduo, as principais fontes
de informação sobre sexualidade são a família e outras ins-
Aline Sardinha 91
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

tituições normativas como a religião, por exemplo. Como


falaremos mais tarde, o aprendizado ocorre não apenas
através das regras expressamente declaradas sobre o que é
certo ou errado do ponto de vista do comportamento sexu-
al, mas também do que é observado pela criança em relação
à conduta dos pais e das pessoas de referência nesse sentido.
Dessa maneira, tais crenças comumente apresentam uma
grande valência emocional associada, exigindo do terapeu-
ta habilidades específicas ao questioná-las.

Na medida em que a pessoa é exposta a outros agentes in-


fluenciadores, como os pares ou a escola, estes também pas-
sam a contribuir para a visão que está sendo construída do
que seria normal na sexualidade. Ao longo da adolescência
ou da pré-adolescência, a maior parte do aprendizado cos-
tuma acontecer com os pares. Além disso, a influência das
mídias é crescente e, com o maior acesso dos jovens à in-
ternet, exerce cada vez mais influência sobre esse elemento
das crenças sexuais. Assim, da maneira como a educação
sexual ocorre, é mais provável que um jovem vá buscar in-
formações ou tirar dúvidas sobre sexo na internet do que
perguntando para os pais, os professores ou mesmo o grupo
de amigos.

Aline Sardinha 92
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

● SAIBA MAIS
Artigo interessante sobre como o maior acesso à porno-
grafia se transformou em uma das maiores influências na
formação de crenças sobre a sexualidade (acesso pago, em
inglês):

SUN, Chyng et al. Pornography and the Male Sexual Script:


An Analysis of Consumption and Sexual Relations. Archi-
ves Of Sexual Behavior, [s.l.], v. 45, n. 4, p.983-994, 3 dez.
2014. Springer Nature. http://dx.doi.org/10.1007/s10508-
014-0391-2.

Documentário Hot Girls Wanted (2015, dirigido por Jill


Bauer e Ronna Gradus), sobre o papel da mulher na por-
nografia e como isso influencia as crenças sobre gênero e
sexualidade.

É possível identificar teorias sobre o comportamento e o


funcionamento sexual humano desde as civilizações antigas
até os dias atuais, passando por textos religiosos, médicos,
filosóficos, acadêmicos, científicos e literários. Muitas quei-
xas sexuais decorrem da falta ou distorção de informações
acerca do funcionamento sexual normal. Em homens e mu-
lheres, a presença de crenças distorcidas sobre sexualidade

Aline Sardinha 93
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

constituiria um fator de vulnerabilidade para o desenvol-


vimento de disfunções sexuais, na medida em que a com-
paração entre a percepção que o indivíduo tem do próprio
desempenho e suas crenças sexuais distorcidas produziriam
um senso de fracasso e inadequação sexual, ativando esque-
mas negativos acerca da própria sexualidade.

A discrepância percebida entre o próprio desempenho


(monitorado constantemente pelo indivíduo) e os padrões
referenciais baseados nos mitos sexuais faz com que o pa-
ciente entenda a situação como uma falha sexual. Portanto,
na medida em que atuam como estruturas cognitivas inter-
mediárias, os mitos sexuais são o filtro através do qual o
indivíduo interpreta a sua performance sexual. Além disso,
os sujeitos sexualmente disfuncionais não conseguem ajus-
tar a resposta sexual adequadamente de modo a resolver a
discrepância, em função de seus esquemas sexuais rígidos,
do déficit de habilidades sexuais, da expectativa de fracasso
e da atitude de evitação/desistência.

Ao longo da história, os papéis sexuais sempre tiveram um


código de conduta rígido e bem definido. Apesar de este
corolário de regras ir se alterando com o tempo e da aparen-
te liberdade que temos hoje, nossos pacientes ainda estão
sujeitos a demandas e expectativas relacionadas ao papel
sexual de cada gênero que continuam igualmente exigentes.
Historicamente, os homens tiveram maior liberdade sexual

Aline Sardinha 94
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

do que as mulheres. No entanto, essa liberdade sempre veio


acompanhada de responsabilidades. A sociedade sempre
permitiu, por exemplo, que os homens expressassem seu
desejo por relação sexual quando quisessem. No entanto,
hoje, a sociedade criou uma expectativa de que o desejo sexu-
al esteja sempre presente nos homens. Um homem que recu-
sa o convite para uma relação sexual acaba sendo mal visto.

Atualmente, a ideia de performance sexual é muito presen-


te. Exige-se que os homens estejam sempre prontos, com
desejo, ereção e controle ejaculatório, o que não condiz com
a realidade fisiológica. Espera-se que o homem, indepen-
dentemente de como se sente, sempre responda a um esti-
mulo erótico com ereção, no entanto, para que a resposta
sexual se dê, as condições emocional e fisiológica devem ser
de conforto, e toda a pressão pela resposta sexual e perfor-
mance traz, na verdade, um desconforto. Além disso, obser-
va-se um aumento da valorização do prazer feminino, sen-
do esse associado a uma habilidade masculina – em outras
palavras, se uma mulher não tem um orgasmo, associa-se
isso a uma incapacidade ou fracasso da parceria, que “não
sabe como dar prazer”. A mulher, ainda que tenha mais li-
berdade para expressar seu desejo, continua sendo colocada
num lugar passivo, alguém cujas necessidades sexuais de-
vem ser supridas pelo outro – o que coloca sobre o homem
as responsabilidades pelas fases do ciclo sexual tanto da
mulher quanto dele mesmo.
Aline Sardinha 95
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

A maior liberdade sexual feminina também veio com uma


série de atribuições. Espera-se, por exemplo, que as mu-
lheres sintam desejo e obrigatoriamente tenham orgasmo
numa relação. Uma mulher sem orgasmo passa a se sentir
inadequada e, muitas vezes, procura os serviços de saúde
e a psicologia. Mesmo reconhecendo que a busca por aju-
da profissional é importante, é preciso entender a motivação
que leva essa mulher ao consultório, já que algumas mulheres
buscam melhorar a própria performance sexual apenas para
manter uma relação ou para não frustrar a parceria, o que
pode não ser o suficiente para favorecer a resposta sexual.

Outro aspecto curioso é que, principalmente em casais


mais jovens, espera-se que a mulher expresse com clareza
seu desejo sexual para a parceria. No entanto, nem sempre
a mulher aprende sobre os próprios mecanismos de prazer.
Se, por um lado, os meninos, ainda na juventude, são esti-
mulados a descobrir seu corpo por meio da masturbação,
as meninas geralmente são julgadas negativamente caso o
façam. Poucas mulheres se sentem à vontade para expres-
sar seu desejo, enquanto, para os homens, isso é estimulado
desde cedo. O resultado é que, ainda que o parceiro espere
que a mulher fale sobre suas preferências, é preciso consi-
derar que as mulheres nem sempre sabem o que as leva ao
orgasmo ou mesmo o que motiva seu desejo.

Com o aumento da liberdade sexual feminina, gostar de

Aline Sardinha 96
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

sexo, para as mulheres, deixou de ser algo proibido para


depois passar a ser um direito e, mais recentemente, uma
obrigação. Hoje, é exigido que elas gostem de sexo e tenham
desejo. Uma mulher que não gosta de fazer sexo com fre-
quência passa a ser vista como uma mulher que precisa de
ajuda por não ter uma resposta sexual adequada. Obvia-
mente, é preciso valorizar e buscar a necessidade de prazer
dessa mulher, mas sem deixar de considerar o estigma que
ela carrega no contexto social atual.

As meninas jovens também estão passando por uma mu-


dança: precisam ter relação sexual antes do casamento. Esse
padrão, que era iminentemente masculino, traz uma nova
pressão social para a mulher, pois se exige dela uma expe-
riência sexual. Embora a possibilidade do sexo antes do ca-
samento seja sinal de liberdade para muitas meninas, para
outras o fato de terem 20 anos e não terem ainda iniciado a
vida sexual as torna vulneráveis, levando a uma relação que
ocorre não a partir do desejo, mas por pressão social.

Portanto, hoje a sociedade migra, na questão sexual, de um


padrão proibitivo para um padrão permissivo, mas que com
ele traz atribuições e pressões tanto para o homem quanto
para a mulher. Isso leva ao aparecimento de mais pacien-
tes buscando o serviço de saúde para obter medicamentos e
tratamentos que estimulem a resposta sexual. Atualmente,
vemos uma grande procura por soluções terapêuticas para

Aline Sardinha 97
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

melhorar a libido feminina, assim como os homens buscam o ser-


viço de saúde para obter medicamentos que favoreçam a ereção.

Outro fator importante que atua como elemento interme-


diário na estrutura cognitiva dos pacientes são os mitos se-
xuais. Conhecer os mitos sexuais é fundamental para que
o terapeuta possa identificar que aspectos da sexualidade
serão mais relevantes em suas intervenções psicoeduca-
tivas e de reestruturação cognitiva. Os mitos sexuais vêm
sendo discutidos desde a década de 1980 e constituem um
dos conceitos mais bem trabalhados na abordagem cogni-
tiva da sexualidade. No entanto, para trabalhar esses mitos
na intervenção, é preciso identificá-los ao longo da fala do
paciente. Nessa aula, listamos alguns mitos comuns, mas
diversos outros podem surgir durante a investigação no
consultório. Essas crenças devem ser discutidas a partir da
psicoeducação para reestruturação dos mitos e do que o su-
jeito acredita como sexualidade normal.

Aline Sardinha 98
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

PRINCIPAIS MITOS SEXUAIS


• O homem deve satisfazer sua parceira
• A mulher demora mais que o homem para atingir o orgasmo
• Se o homem ejaculou, é porque sentiu prazer
• Para conseguir aumentar o tempo de penetração an-
tes da ejaculação, é importante se masturbar antes ou
se distrair durante a relação sexual
• A ejaculação marca o final da relação sexual
• O orgasmo vaginal é muito mais prazeroso para a mulher
• Sexo só é bom quando os parceiros têm orgasmos
• O homem deve ter controle sobre a sua ejaculação
• Se o homem tem desejo pela mulher, ele vai apresen-
tar ereção
• Sexo sem penetração não é sexo de verdade
• Masturbação significa que a parceria não é suficiente
• Ter fantasias sexuais significa que não estou satisfeito
com o meu parceiro
• A perda da ereção durante o ato sexual é sinal de
estou com problemas
• Se os parceiros se amam, saberão como satisfazer um
ao outro
• Se não tenho desejo, é sinal que não amo mais
• A masturbação não é saudável
• É errado ter fantasias sexuais por outro que não
seja o meu parceiro ou envolvendo situações que não
ocorrem com o meu parceiro
• Se não tenho desejo, devo evitar as situações sexuais
Aline Sardinha 99
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

para não passar vergonha


• Se transar eu com o meu parceiro sem desejo, estarei
me comportando como uma prostituta.
• Se estou com desejo, o meu corpo deve dar sinais
prontamente
• Pessoas mais velhas não tem desejo sexual
• As mulheres normais têm orgasmo sempre que fazem amor
• Todas as mulheres podem ter orgasmos múltiplos
• A gestação e o parto reduzem o desejo e a capacidade
de resposta feminina aos estímulos sexuais
• A vida sexual da mulher acaba com a menopausa
• Os orgasmos vaginais são mais femininos e maduros
do que os clitorianos
• Mulheres não ficam excitadas com estímulos eróti-
cos/pornografia
• Mulheres que não atingem o orgasmo com a pene-
tração têm problemas
• A contracepção é responsabilidade da mulher
• A mulher demora mais que o homem para atingir o
orgasmo
• Sexo só pode ser feito com amor
• Os fluidos sexuais são sujos/nojentos
• O sexo só é prazeroso para o homem se tiver pene-
tração vigorosa
• É normal a mulher sentir dor no início da vida sexual
• Sexo normal é penetração do pênis na vagina

Aline Sardinha 100


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

MATERIAL PARA USAR COM SEUS PACIENTES

Um dos Baralhos da Sexualidade é especialmente voltado


para o trabalho com os mitos sexuais. Nele, o profissional
encontrará cartas trazendo os principais mitos sexuais re-
lacionados às queixas e disfunções sexuais mais comuns.
Essa ferramenta pode ser usada criativamente, de acordo
com as demandas do setting da intervenção, atendendo à
necessidade de se debater os mitos de forma mais próxi-
ma, descontraída e aplicada, fugindo ao aspecto didático
horizontal que marca a educação sexual tradicional. Para
saber mais acesse: https://www.sinopsyseditora.com.br/livros/
baralho-da-sexualidade-conversando-sobre-sexo-com-adoles-
centes-e-adultos-895

O livro Mulheres Querem Sexo, Homens Sempre Têm Dor


de Cabeça: destruindo os mitos sobre sexo e relacionamen-
tos amorosos, de Christian Thiel (editora Cultrix, 2017),
pode ser uma leitura interessante para os pacientes.

Texto da Dra. Aline Sardinha em seu site Pílulas de Bem


Estar: “Homem que é homem”:

http://www.pilulasdebemestar.com.br/site/sexualidade_detail.as-
p?cod_blog=77

Aline Sardinha 101


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

REFLEXÕES PARA A FORMAÇÃO DO TERAPEUTA

Em uma escala de 0 a 10, o quanto você, profissional, acre-


dita em cada um dos mitos que mencionamos? Como isso
influencia a sua própria vivência da sexualidade? Caso você
acredite fortemente em algum desses mitos, sugerimos que
aprofunde seu estudo neste tópico e fique especialmente
atento para o aparecimento desta ideia na fala dos seus pa-
cientes – isso porque, ao compartilharmos das crenças dos
nossos pacientes, de uma forma geral, é mais provável que
deixemos passar despercebidas essas crenças, dificultando
nossa compreensão efetiva do problema.

Aline Sardinha 102


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 12

SEXUALIDADE DA PARCERIA E
HISTÓRIA SEXUAL DO CASAL

Para o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos


Mentais (DSM), elaborado pela Associação Americana de
Psiquiatria e referência para o tema no mundo inteiro, um
paciente não deve ser diagnosticado com disfunção sexu-
al caso o casal tenha problemas no relacionamento. Porém,
quase todo casal possui algum tipo de divergência, o que
tornaria esse diagnóstico uma raridade. Na prática dos con-
sultórios, por outro lado, vemos que muitas pessoas experi-
mentam disfunção sexual e problemas de relacionamento, e
os terapeutas carecem de orientação clara sobre como atuar
nesses casos.

Para os terapeutas cognitivos sexuais, mesmo em tratamen-


tos individuais, é fundamental conhecer a história da par-
Aline Sardinha 103
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

ceria e como a sexualidade se construiu naquele contexto,


por exemplo, nas primeiras experiências sexuais do casal.
Cada parceiro carrega uma bagagem com crenças e mitos
e, quando o casal se encontra pela primeira vez, geralmente
não há uma conversa sobre as preferências de cada um, mas,
com o tempo, o casal estabelece uma dinâmica relacional
que é específica daquela parceria. Muitas vezes a disfunção
aparece nesse contexto específico, isto é, somente na relação
daquele casal, e não nos relacionamentos que cada parte do
casal teve com parceiros anteriores. A história do casal, en-
tão, é essencial para que psicólogo identifique que aspectos
do jogo sexual daquela parceria precisam ser trabalhados.

HISTÓRIA SEXUAL DO CASAL:


O QUE INVESTIGAR

• Primeiras experiências sexuais do casal;

• Crenças que os membros do casal construíram a


partir das suas vivências e experiências sexuais prévias
e sua relação com os padrões comportamentais atuais;

• Possibilidades de expressão da sexualidade no casal;

Aline Sardinha 104


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

• Experiências de sucesso e insucesso sexual, significa-


dos e consequências para a dinâmica do casal;

• Comportamentos sexuais pregressos e atuais do ca-


sal;

• Rotina, filhos, estressores e conflitos;

• Recursos utilizados;

• Acomodações ao problema: padrões sexuais, hábi-


tos, jogos sexuais.

O terapeuta precisa entender que crenças foram constru-


ídas nessa parceria e como elas moldaram as estratégias
comportamentais que formam o repertório sexual do ca-
sal. As crenças que o sujeito tem da sexualidade do parcei-
ro surgem por tentativa e erro – geralmente, os casais não
conversam sobre o que preferem na situação sexual. É im-
portante mostrar ao paciente, então, que crenças inferidas
podem não corresponder à realidade. A comunicação efe-
tiva permite que o sujeito descubra o parceiro com base em
evidências reais, mas há desafios a vencer para colocar isso
em prática.

Alguns casais acreditam que não devem falar sobre sexo ou

Aline Sardinha 105


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

que não precisam pedir ao parceiro que tenha determina-


do comportamento. Isso gera um repertório sexual rígido
e pouco comunicativo. Muitas vezes, o comportamento se-
xual do casal não atende às demandas de um dos parcei-
ros, ficando discrepante de seu script sexual – conjunto de
preferências sexuais, como definido por Gagnon e Simon
(1973) –, o que influencia a resposta e o nível de satisfação
desse indivíduo. A questão é ainda mais complicada para ca-
sais com pouca experiência sexual, quando um ou os dois
parceiros não tem seu script sexual bem definido. Em todo
caso, o terapeuta precisa buscar entender se o comportamen-
to sexual do casal atende às necessidades dos dois parceiros.

Em relações que já duram muito tempo, alguns casais têm


dificuldade de mudar os hábitos sexuais que vêm sendo pra-
ticados naquela parceria. Quando isso acontece, o terapeu-
ta deve mostrar que as mudanças permitem que a parceria
possa se adaptar às diferentes necessidades, tanto pessoais
quanto conjunturais, das diversas etapas da história daquele
casal, potencializando as chances de que a parceria sobrevi-
va com satisfação no longo prazo. Nesse sentido, também, o
terapeuta pode auxiliar o casal a perceber que a redução do
desejo – uma queixa comum em parcerias de longa data –
não precisa ser considerada natural, e pode ser influenciada
por meio da terapia.

Outra investigação importante que o psicólogo deve con-

Aline Sardinha 106


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

duzir na apuração da história do casal está relacionada aos


significados que cada indivíduo dá às experiências de in-
sucesso sexual. Como, muitas vezes, a comunicação entre
os membros do casal não se dá de forma eficiente, esses
significados podem não condizer com a realidade, geran-
do respostas comportamentais baseadas em interpretações
distorcidas. O terapeuta pode direcionar a investigação
questionando como cada parceiro se sentiu durante aquela
experiência de insucesso e que atitude tomou para modifi-
car aquela situação – na maioria dos casos, as pessoas pro-
curam estratégias para solucionar o problema, mas, por não
compartilharem essas estratégias com o parceiro, podem
não obter o resultado desejado; o terapeuta deve mostrar
para o paciente que, muitas vezes, a estratégia não funciona
por pura falta de comunicação.

A investigação da história do casal também deve considerar


o cotidiano das pessoas. A organização da rotina profissio-
nal do casal e a divisão do trabalho doméstico, por exem-
plo, são aspectos que podem influenciar a situação sexual.
O estresse (mesmo nos tempos de lazer) e a pressão cons-
tante pelo sucesso em todas as áreas da vida fazem com que
muitas pessoas não consigam encontrar o conforto neces-
sário para ter relação e resposta sexuais satisfatórias. Nes-
se contexto, um desafio para os terapeutas é trabalhar com
o casal a necessidade de estabelecer uma rotina em que o
sexo é prioridade para superar a disfunção. Principalmente
Aline Sardinha 107
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

em casais com filhos, o psicólogo também deve abordar a


necessidade de uma rede de apoio (creche, babá, familia-
res etc.) que permita ao casal ter momentos de privacidade
para trabalhar a questão sexual.

Por fim, a investigação inicial do processo terapêutico deve


incluir as acomodações feitas pelo casal a partir dos pro-
blemas sexuais. Casais com disfunção tendem a mudar seu
comportamento e dinâmica relacional em função do apa-
recimento do problema e dos significados atribuídos a ele.
Por isso, deve-se perguntar claramente que inciativas o ca-
sal tomou após o problema surgir, de modo a gerar uma re-
flexão que permitirá pensar de forma colaborativa que no-
vos significados o problema trouxe para a vida do casal. Os
mecanismos de acomodação, geralmente, aparecem como
fatores de manutenção do problema, já que, caso essas es-
tratégias tivessem sido bem-sucedidas, o casal não procura-
ria o terapeuta. Assim, conhecer essas acomodações auxilia
na busca pela solução.

Embora alguns casais sintam-se desconfortáveis ao conver-


sar sobre sexo com o psicólogo, a terapia permite encontrar
formas de contornar esse desconforto, relacionadas, prin-
cipalmente, à mudança nas crenças sobre conversar sobre
sexo. Na medida em que os resultados são colhidos, o tra-
balho de reestruturação cognitiva acontece – logo, a inves-
tigação é concomitante ao processo terapêutico.

Aline Sardinha 108


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

● SAIBA MAIS
Para entender mais sobre o conceito de script sexual, suge-
rimos a leitura de:

KIMMEL, M. (ed.). The Sexual Self: The Social Construc-


tion of Sexual Scripts: Vanderbilt, 2007.

Para reflexões teóricas e dicas práticas sobre como con-


duzir as entrevistas de avaliação sobre a história do casal,
vale a pena aprofundar seus conhecimentos nos capítulos 5
(“Conceitualização de caso em Terapia Cognitiva Sexual”)
e 8 (“O casal com queixa sexual”) do livro que apresenta a
terapia cognitiva sexual:

CARVALHO, A.C.; SARDINHA, A.. Terapia Cognitiva Se-


xual: uma proposta integrativa na psicoterapia da sexuali-
dade. Rio de Janeiro: Cognitiva, 2017.

REFLEXÕES PARA A FORMAÇÃO DO TERAPEUTA

O início da terapia cognitiva sexual, como vimos, pode cau-


sar desconforto para o casal, que muitas vezes não está acos-
tumado a falar de sua intimidade com terceiros. Porém, vale
notar também que o próprio terapeuta pode se sentir des-
confortável. Caso isso ocorra, é essencial poder falar desse
Aline Sardinha 109
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

sentimento com o casal, bem como discutir essa dificuldade


em supervisão, de modo a poder atuar no sentido de colher
as informações necessárias para, futuramente, propor inter-
venções na intimidade dos casais.

MATERIAL PARA USAR COM SEUS PACIENTES

Texto da Dra. Aline Sardinha, em sua coluna no site Superela:


https://superela.com/falar-de-sexo-sem-discutir-a-relacao

Aline Sardinha 110


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 13

ESTRUTURAS INTERMEDIÁRIAS
DE PENSAMENTO: REGRAS,
ESTRATÉGIAS COMPORTAMENTAIS
E REPERTÓRIO SEXUAL

Nesta aula, discutiremos como as estruturas intermediárias


de pensamento influenciam a escolha do repertório sexual
e como abordar o paciente durante a avaliação para saber
como seu repertório sexual se estrutura. A partir da tríade
cognitiva sexual – autoesquema sexual, sexualidade normal
e sexualidade da parceria –, o paciente constrói estrutu-
ras intermediárias de pensamento – suposições, condições
e regras que orientam o comportamento, formando o re-
pertório sexual do sujeito. Ao analisar essas estruturas, o
terapeuta busca compreender que pensamentos e crenças
subjacentes estão na origem da queixa sexual e dos compor-
tamentos que a mantêm.

Vamos pensar de forma lúdica: o repertório sexual é análo-


Aline Sardinha 111
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

go à dança de acasalamento dos animais. Algumas pergun-


tas que podem guiar a compreensão dessa dinâmica são, por
exemplo, qual dos dois parceiros dá início à relação sexual?
Como o outro parceiro responde? Quais são os rituais de
conquista e sedução? Cada uma dessas questões é impor-
tante para compreender o repertório e a rotina sexual do
casal. Em casais que estão juntos há mais tempo, é interes-
sante entender também que comportamentos eles tinham
no início da relação e o que mudou ao longo do tempo.

Em todo caso, o terapeuta deve abordar a rotina do encon-


tro sexual. É muito comum que os casais tenham uma “co-
reografia de sexo”, na qual as carícias já ocorrem em uma
determinada ordem automática. Essa rotina pode ser preju-
dicial para a resposta sexual e o paciente precisa entender a
necessidade de manter estratégias de sedução. Outro aspec-
to importante é entender o papel de cada parceiro e por que
a dinâmica ocorre de determinada forma. Já na avaliação
é possível não apenas identificar certos comportamentos,
mas ajudar o paciente a refletir sobre a razão pela qual eles
ocorrem. O casal ou o paciente também precisa identificar
o que promove a excitação. Cada casal descreverá isso com
maior ou menor facilidade, mas o fato de trazer a pergunta
já normaliza a necessidade de identificar o que excita o pa-
ciente ou a parceria.

Outra reflexão a ser feita é acerca das “preliminares” – um

Aline Sardinha 112


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

termo que foge ao ideal, pois acreditamos que o sexo não


se resume à penetração e essas carícias preliminares já fa-
zem parte da situação sexual. De qualquer forma, o tera-
peuta pode perguntar se o casal faz preliminares e como
elas funcionam. Isso é importante porque o momento em
que se começa as preliminares pode gerar ansiedade para
um homem com dificuldade de ereção ou uma mulher com
queixa de dor, por exemplo.

Além disso, é importante que o casal descreva o que ocor-


re durante a relação, incluindo o tipo de carícia que é feito
e o que desperta a excitação. Alguns casais, por exemplo,
tentam realizar mais de uma carícia ao mesmo tempo e
nem sempre isso funciona, pois pode dificultar o foco. O
terapeuta pode, já preparando o terreno para a intervenção,
levar o paciente a refletir sobre novas possibilidades no re-
lacionamento. O que poderia ser feito para aumentar a ex-
citação? No caso da terapia de casal, o terapeuta pode pedir
que os pacientes escrevam o que gostam e o que os excita no
sexo. Não necessariamente o terapeuta precisa ler o que está
escrito, mas só o fato de descrever o que gosta sexualmente
leva o paciente à reflexão.

A abordagem sobre o pós-sexo também é importante para


compreender a dinâmica do casal. Em que momento o sexo
termina? Como vimos, há vários mitos em torno dessa
questão – “a relação termina quando o homem ejacula”, “a

Aline Sardinha 113


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

relação termina quando a mulher atinge o orgasmo” etc. –,


todos eles prejudiciais. O terapeuta precisa ir além desses
mitos e investigar o comportamento do casal após o sexo,
assim como a percepção dessas práticas pelas duas partes
do casal. Alguns indivíduos gostam de conversar durante
o pós-sexo, outros preferem dormir, e esses comportamen-
tos dizem muito sobre as expectativas de cada parceiro. A
abordagem desse tema permite que o casal reflita sobre seu
comportamento e que o terapeuta acesse as estruturas cog-
nitivas adjacentes, podendo até sugerir mudanças que tra-
gam melhorias para a vida sexual daquela parceria.

O modelo a seguir traz a conceituação cognitiva de caso,


resumindo todas as informações que devem ser colhidas ao
longo da avaliação. Iniciamos com a tríade cognitiva sexu-
al (sexualidade normal, autoesquema sexual e sexualidade
da parceria), seguindo para as estruturas intermediárias de
pensamento, que são divididas em “vida sexual em geral”
e “questões específicas do relacionamento atual”. Depois,
identificamos as estratégias comportamentais que ocorrem
durante o sexo, tanto para a vida sexual em geral do sujei-
to quanto para o relacionamento atual. Todo esse processo
gera, por fim, as consequências.

Esse modelo simples orienta o terapeuta e pode ser usado


como mecanismo de intervenção ao fim da avaliação, para
mostrar ao paciente o que será feito e de que maneira a for-

Aline Sardinha 114


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

ma como o casal desenha seu repertório sexual se relaciona


com a queixa. É nesse momento de devolução que ocorre
o vínculo terapêutico do profissional com o paciente ou o
casal. Após a conceituação, o terapeuta pode estruturar o
tratamento que será oferecido ao paciente, o que será me-
lhor discutido nas aulas a seguir.

Figura 13.1: Diagrama de conceitualização cognitiva sexual.

Aline Sardinha 115


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

PRINCIPAIS
ESTRATÉGIAS DE
INTERVENÇÃO EM
TERAPIA COGNITIVA
SEXUAL

Aline Sardinha 116


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 14

PSICOEDUCAÇÃO E
REESTRUTURAÇÃO DE CRENÇAS

A psicoeducação vem sendo apontada na literatura como


um fator muito importante para o tratamento de diversos
transtornos. O terapeuta cognitivo-comportamental traba-
lha com o paciente não apenas a educação sobre o modelo
cognitivo – ou seja, como o pensamento influencia o com-
portamento –, mas também realiza psicoeducações especí-
ficas para cada queixa, considerando a literatura disponível
sobre o transtorno em questão. A psicoeducação reestrutu-
ra crenças e metacognições negativas que foram desenvol-
vidas e fizeram o paciente se sentir inadequado ou fora da
normalidade. Às vezes, um olhar sobre a própria dificulda-
de alimenta um sistema de crenças distorcido pela falta de
educação sexual adequada.

Aline Sardinha 117


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Na década de 1980, quando a sexualidade começou a ser


abordada sob um ponto de vista cognitivista, uma das pri-
meiras hipóteses levantadas foi a de que a ansiedade seria a
causa das disfunções sexuais. Essa ansiedade decorreria de
uma ignorância: o fato de o paciente não saber como a se-
xualidade funciona. Ainda hoje, a educação sexual é muito
precária em nossa sociedade, sendo comum que as pessoas
aprendam por tentativa e erro e não discutam suas interpre-
tações nem com o próprio parceiro. As informações obtidas,
geralmente, são entregues por veículos que não têm como
objetivo educar, como a mídia ou a indústria pornográfica.
Por isso, uma parte importante do tratamento dos transtor-
nos sexuais é educar o paciente, compartilhando com ele de
forma clara e direta informações sobre a sexualidade.

Considerando a intervenção em sexualidade, a psicoeduca-


ção, por si só, já gera benefícios para o indivíduo. Em vários
casos, basta trabalhar informações e a própria pessoa con-
segue reestruturar suas crenças, resolvendo o problema. Po-
rém, o terapeuta deve saber que a psicoeducação não precisa
funcionar como uma aula, mas pode ser feita na medida em
que a necessidade de esclarecer conceitos ou modificar pres-
supostos distorcidos surja durante a avaliação do paciente.

O terapeuta ocupa um lugar de especialista, e o que ele diz


vem revestido de autoridade. Porém, é interessante valori-
zar uma postura ativa do paciente, ao invés de uma atitude

Aline Sardinha 118


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

passiva de quem apenas recebe informação. Em outras pala-


vras, a psicoeducação deve ser baseada em evidências, mas
conduzida de maneira socrática, como a terapia cognitiva
preconiza, fomentando que o próprio paciente busque in-
formações e respostas para suas dúvidas.

O consultório do terapeuta sexual pode conter textos sim-


ples e didáticos, pranchas com informações e ilustrações
sobre anatomia, e também um computador para que os pa-
cientes possam fazer uma pesquisa guiada pelo próprio te-
rapeuta, que mostrará as fontes seguras de informação. Nas
TCCs, o enfoque é a descoberta guiada: o terapeuta nada
mais é do que um especialista que vai orientar o paciente
ou o casal na identificação de informações e crenças possi-
velmente distorcidas que atuam sobre o transtorno sexual.
Para isso, o psicólogo deve estar sempre bem informado e
atualizado, evitando, assim, passar informações errôneas
que contribuam para manter o transtorno.

NÍVEIS DE INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA


EM SEXUALIDADE

Figura 14.1: Níveis de intervenção psicológica em sexualidade.

Aline Sardinha 119


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

O discurso do paciente permite que o terapeuta identifique


pontos que precisam ser alvo da psicoeducação. É impor-
tante que o psicólogo reestruture a crença do indivíduo
considerando a razão de essa crença existir. Por exemplo,
se uma mulher se sente incomodada pelo fato de o marido
consumir pornografia, não basta o terapeuta dizer que isso
é normal e que muitos homens consomem pornografia –
a paciente provavelmente já sabe disso, mas precisa refletir
sobre o motivo, a razão pela qual isso a incomoda. É im-
portante questionar como essa ideia se construiu, o que sua
opinião sobre a pornografia quer dizer e quais são as reper-
cussões comportamentais e emocionais disso. O lugar do te-
rapeuta é mostrar a relação funcional entre como o indivíduo
pensa, como ele se sente e como sua sexualidade se manifesta.

A psicoeducação precisa ser feita dentro do modelo cognitivo.


Nesse contexto, o paciente será sempre um agente ativo e suas
crenças devem ser modificadas com base em evidências.

Aline Sardinha 120


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

PSICOEDUCAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO
DE CRENÇAS

• Orientações diretas, fornecimento de informações,


reassegurar e confirmar informações;

• Método socrático;

• Validação da experiência do cliente;

• Técnicas contextuais para crenças de alta valência


emocional que demoram a ser modificadas.

Figura 14.2: Relação entre a psicoeducação e as intervenções cognitivas.

Em um nível mais profundo de cognições, nas estruturas


intermediárias de pensamento, vale a pena trabalhar com
os pressupostos (“se... então”, “quando...eu”, etc) discutidos
nas aulas anteriores. É possível pedir que o paciente faça
o exercício de preencher frases com uma estrutura como
“quando... eu” – por exemplo, “quando meu parceiro faz de-
terminada carícia, eu me sinto de determinada forma”. Isso

Aline Sardinha 121


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

permite estabelecer relações entre um comportamento e o


que ocorre em seguida.

Outra estrutura interessante é “devo fazer... porque senão...”,


que mostra como o sujeito atua com o intuito de evitar des-
conforto. Essa fórmula é muito importante para mostrar a
estrutura intermediária que determina a estratégia compor-
tamental para evitar desconforto – um exemplo de frase po-
deria ser “é melhor eu tomar o Viagra, senão minha esposa
vai achar que não sinto desejo por ela”.

Tais exercícios permitem que o terapeuta conheça as estru-


turas intermediárias de pensamento e os comportamentos
delas resultam, compondo o repertório sexual, que pode ser
relacionado com a disfunção sexual identificada. Dessa for-
ma, o trabalho da psicoeducação permite modificar as cren-
ças intermediarias, o que possivelmente terá um impacto
nas crenças centrais da tríade cognitiva sexual.

Aline Sardinha 122


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Figura 14.3: Como trabalhar crenças intermediárias em sexualidade.

Na próxima aula, discutiremos como intervir nos mitos re-


lacionados à sexualidade. Esses mitos são socialmente com-
partilhados e, muitas vezes, os próprios terapeutas acreditam
neles, o que aumenta o desafio. Crenças distorcidas influen-
ciam a forma como o indivíduo enxerga a sua sexualidade e a
do parceiro, além de sua ideia de sexualidade normal.

Aline Sardinha 123


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

MATERIAL PARA USAR COM SEUS PACIENTES

Um dos Baralhos da Sexualidade, “Desvendando a sexua-


lidade”, traz cartas que nos permitem acessar as estruturas
intermediárias de pensamento por meio de frases a serem
completadas pelo paciente ou pelo casal, conforme o exem-
plo citado nesta aula. Para saber mais, acesse: https://www.
sinopsyseditora.com.br/livros/baralho-da-sexualidade-conversan-
do-sobre-sexo-com-adolescentes-e-adultos-895

Os capítulos 3 (“Sexualidade masculina”) e 4 (“Sexualidade


feminina”) do já mencionado livro sobre terapia cognitiva
sexual foram pensados para dar ao terapeuta conhecimen-
tos básicos sobre estes aspectos e fornecer linguagem e fi-
guras que podem ser úteis na psicoeducação em diferentes
contextos.

CARVALHO, A.C.; SARDINHA, A.. Terapia Cognitiva Se-


xual: uma proposta integrativa na psicoterapia da sexuali-
dade. Rio de Janeiro: Cognitiva, 2017.

Para o trabalho de psicoeducação sobre temas gerais rela-


cionados à sexualidade com crianças, sugerimos o livro:

LOPES, C. Soltando os grilos. Belo Horizonte. 2015. 144p.

Aline Sardinha 124


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 15

MITOS RELACIONADOS À
SEXUALIDADE

Na década de 1980, quando se começou a pensar em in-


tervenções que considerassem os aspectos cognitivos da
sexualidade, propôs-se que algumas crenças errôneas de-
veriam ser modificadas. Nesse momento, surgiu a ideia de
que a ignorância levaria à ansiedade e, por consequência,
ao distúrbio sexual. Com isso, teóricos começaram a elen-
car mitos que os pacientes traziam e que são socialmente
compartilhados, se relacionando com dificuldades sexuais.
De lá para cá, outros mitos surgiram, alguns mais contem-
porâneos e outros já estão na sociedade há mais tempo. O
objetivo dessa aula é discutir alguns desses mitos de modo a
ajudar o profissional a reestruturá-los junto com o paciente.

Aline Sardinha 125


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

■ O HOMEM DEVE SEMPRE SATISFAZER SUA


PARCEIRA

Um dos mitos é a ideia de que o homem deve dar prazer à


mulher, o que faz com que as mulheres ocupem um papel
passivo em sua sexualidade. Isso leva os homens a se senti-
rem pressionados a refinar sua capacidade sexual e impede
que as mulheres sejam ativas no processo de se conhecerem
melhor para melhorar sua resposta sexual. Nesse sentido,
uma mulher que conhece bem seu corpo e busca orientar o
parceiro sobre o que gera prazer para ela acaba sendo mal
vista, já que a sociedade acredita que o homem é o respon-
sável pela satisfação da mulher. Esse mito está por traz de
diversas situações, com quando as mulheres fingem o or-
gasmo, quando tem dificuldade me atingir prazer, do fato
de os homens es sentirem responsáveis em aprender a fazer
sexo oral sem estarem confortáveis para ouvir um retorno
negativo da mulher, entre outros aspectos que prejudicam
a sexualidade. Esse mito pressiona homens e mulheres. Por
um lado, eles se sentem pressionados a ter determinado tipo
de performance. Por outro, elas podem ser influenciadas a
assumirem posição de passividade e exigência em relação
ao parceiro – pois esperam que eles gerem prazer para elas.
Em qualquer caso, essa crença pode gerar sensações de ina-
dequação e frustração.

Aline Sardinha 126


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

■ AS MULHERES DEMORAM MAIS A SENTIR


EXCITAÇÃO E ATINGIR O ORGASMO

Outra ideia difundida, inclusive por profissionais da saú-


de, é que a mulher demora a atingir o orgasmo. Fisiologi-
camente, isso não é verdadeiro, ainda que estatisticamente
seja verdadeiro. Isso ocorre não pela fisiologia feminina,
mas pela forma como as pessoas fazem sexo. Se ao longo
do desenvolvimento as mulheres tivessem liberdade para
conhecer melhor seu corpo e soubessem que seu órgão de
maior prazer é o clitóris, seria muito fácil orientar o parcei-
ro para que ela atingisse o orgasmo na mesma medida que
o parceiro. Porém, geralmente, a maioria das pessoas faz sexo
de forma que o clitóris é estimulado apenas indiretamente.
Esta crença não se ampara em nenhum fator fisiológico, mas
tem a ver com a maneira como os estímulos feitos à mulher
são muito mais indiretos do que os provocados no homem.

■ O HOMEM, AO EJACULAR, NECESSARIAMENTE


SENTE PRAZER

A ideia de que o homem sente prazer ao ejacular é um mito


que dificulta a vida de pacientes com ejaculação precoce.
A mulher acaba por considerar que o homem é egoísta por
ejacular prematuramente, já que ele chega ao prazer antes

Aline Sardinha 127


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

da parceira. A ejaculação pode resultar numa descarga pra-


zerosa, mas, para homens com ejaculação prematura, esse
momento é de tensão e frustração. Além disso, eles têm
pouca experiência com o prazer da penetração antes de eja-
cular e perder a ereção. Esses homens acabam sendo vistos
como egoístas que se importam apenas com o próprio pra-
zer, mas, na verdade, muitas vezes a ejaculação prematura
aparece porque o homem está excessivamente preocupado
em manter a ereção para suprir a demanda da parceria.

■ O HOMEM DEVE SE MASTURBAR ANTES DA


RELAÇÃO PARA MANTER A EREÇÃO POR MAIS
TEMPO

Para homens mais velhos, a masturbação antes da relação


sexual pode, de fato, ser funcional. Porém, para os jovens
não faz diferença, já que eles podem ter diversas ejaculações
e ereções seguidas. O mito de que o homem deve se dessen-
sibilizar para manter a ereção é contrário ao que se espera
da sexualidade, que é sentir prazer. Na verdade, do que o
sujeito precisa é conhecer o próprio corpo e direcionar a
relação de forma que promova um estimulo erótico compa-
tível com a necessidade do casal.

Aline Sardinha 128


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

■ A EJACULAÇÃO MARCA O MOMENTO FINAL


DA RELAÇÃO SEXUAL

Assim como, para muitos, o coito marca o início da rela-


ção sexual, a ejaculação marca o fim. Isso é especialmente
verdadeiro para as relações heterossexuais. Esse mito atinge
também as mulheres que não conseguem atingir o orgasmo:
para elas, quando o parceiro ejacula, a relação é finalizada.
Logo, quando percebem que o homem está perto a ejacular,
essas mulheres desistem da relação sexual em vez de sugerir
um estímulo diferente para que elas também atinjam o or-
gasmo. Quanto mais flexibilidade o casal tiver com relação
ao funcionamento das próprias necessidades, mais os dois
vivenciarão as etapas do ciclo sexual sem se preocupar com
o tempo de duração da relação sexual.

■ MULHERES PRECISAM TER ORGASMO VAGINAL

Para a maior parte das mulheres, do ponto de vista fisiológi-


co, o orgasmo vaginal não é o ponto alto do prazer. Há ou-
tras possibilidades que são recursos de prazer, com o sexo
oral, que também podem gerar prazer para a mulher e não
dependem da penetração. Como o sexo com penetração é
essencial para a reprodução, as outras modalidades acabam
não sendo consideradas como sexo verdadeiro. A hiperva-

Aline Sardinha 129


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

lorização da penetração deve ser modificada, já que pacien-


tes que por algum motivo não podem realizar penetração
– como um paciente com lesão medular, por exemplo, que
não tem mais ereção – não precisam tornar-se inativos se-
xualmente.

■ SEXO SÓ É BOM QUANDO AMBOS OS


PARCEIROS ATINGEM O ORGASMO

Obviamente, o orgasmo é um momento intenso de prazer


e é importante que o direito de que ambos os parceiros te-
nham orgasmo seja discutido com o casal. Entretanto, acre-
ditar que a relação se dá apenas com o objetivo de atingir o
orgasmo faz com que o sujeito foque apenas no final, per-
dendo a beleza do caminho. O orgasmo é apenas uma con-
sequência de um processo que deve envolver o prazer em
todas as suas etapas. Ele é um benefício, não uma obrigação.

■ O HOMEM DEVE TER TOTAL CONTROLE DE


SUA EJACULAÇÃO

Acredita-se que um homem maduro consiga controlar a


ejaculação a despeito do que a parceira esteja fazendo. É
claro que, conforme o sujeito se conhece melhor, fica mais

Aline Sardinha 130


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

fácil redirecionar a relação sexual para que seja satisfatória,


mas a ideia de que ele deve saber controlar a ejaculação não
faz sentido. O controle ejaculatório não é fisiológico, mas
comportamental. Por isso, embora o homem seja capaz de
direcionar a relação para que ela não atinja um nível de es-
tímulo em que não consiga evitar o processo ejaculatório,
não se deve esperar que ele tenha a obrigatoriedade de con-
trolar a ejaculação o tempo todo.

■ SE O HOMEM TEM DESEJO POR UMA MULHER,


ELE NECESSARIAMENTE TERÁ EREÇÃO COM ELA

Desejo e excitação são fenômenos e fases diferentes do ciclo


sexual. A ereção é condicionada a uma série de aspectos,
principalmente fisiológicos, e ocorre (ou não) de forma in-
dependente do desejo. Dizer que o homem só tem desejo
quando ocorre ereção seria o mesmo que dizer que a mu-
lher só sente desejo quando tem rubor facial – isso pode
ocorrer quando ela tem desejo, mas não é obrigatório. Mui-
tas pessoas acreditam que o homem deve ficar excitado ape-
nas com o estímulo visual da mulher que ele ama e deseja.
No entanto, a ereção não é resultado do vínculo afetivo, mas
sim um fenômeno fisiológico. As pessoas também acabam
acreditando que o homem passa a ter menos ereção por não
ter mais o componente da novidade – por vezes, um casal

Aline Sardinha 131


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

está junto há muito tempo e acredita que a ereção não ocor-


rerá com a mesma frequência. No entanto, a ereção pode
estar funcionando de maneira saudável e não significa que
não haja mais sentimento entre aquele casal.

■ MASTURBAR-SE OU TER FANTASIAS SEXUAIS


NÃO NECESSARIAMENTE RELACIONADAS
À VIVÊNCIA SEXUAL DEMONSTRAM
INSUFICIÊNCIA DA PARCERIA

Fantasias não estão sujeitas a certo e errado e não são im-


pedidas pelos sentimentos que o sujeito tem pelo parceiro.
É muito importante trabalhar isso com o paciente, porque
muitos casais vivem com mágoas profundas por acredita-
rem que masturbação, fantasias sexuais ou busca por estí-
mulos eróticos como pornografia resultam da insuficiência
da parceria. Na verdade, são simplesmente outras referên-
cias sexuais, normais e importantes para a manutenção do
erotismo e da resposta sexual em longo prazo.

■ UM CASAL QUE SE AMA SABE SE SATISFAZER

Isso é comum em parceiros que façam sexo pela primeira


vez juntos, sem nenhuma experiência prévia. O sentimento

Aline Sardinha 132


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

e o sexo podem ter uma relação – o conforto emocional pro-


vocado pelo vínculo facilita a excitação, por exemplo – mas
o amor não pode ser suficiente para dar conta da resposta
sexual. Além disso, o contrário também é considerado: se
a mulher não tem orgasmo, ela não ama o parceiro, o que
não tem nenhum embasamento científico. Assim, muitas
pessoas evitam a relação sexual por acreditar que uma falha
pode fazer o parceiro acreditar que o vínculo está prejudi-
cado. Porém, essa é a pior estratégia, já que não se colocar
em situações sexuais vai provocar a manutenção do proble-
ma. Este mito deixa claro que a disfunção sexual esbarra em
questões também sentimentais, muito importantes para o
relacionamento conjugal. Na verdade, aprender a satisfazer
o outro tem a ver com comunicação, com repertório sexual
flexível, com assertividade sexual e uma série de habilida-
des que podem ser desenvolvidas na terapia. Mas o amor, é
claro, pode estar presente mesmo em casais que não saibam
como satisfazer um ao outro. Isso é muito comum em gru-
pos religiosos, em que casais com pouca vivência sexual e
que acreditam que o sentimento que eles têm será suficiente
para que atinjam o prazer. Esses casais acabam vivendo com
uma frustração e senso de inadequação muito grandes.

Aline Sardinha 133


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

■ QUEM NÃO SENTE DESEJO DEVE EVITAR


RELAÇÕES SEXUAIS PARA NÃO PASSAR
VERGONHA

Esta postura gera um distanciamento não só erótico, sen-


sorial e físico, mas também afetivo de suas parcerias. O dis-
tanciamento contribui para a manutenção da falta de dese-
jo, já que o sujeito não terá vivências que podem despertar
o desejo. O ideal é, justamente, que o paciente se exponha
mais ao desejo, aumentando as trocas de carícias eróticas e
a possibilidade de sentir desejo.

■ ENTRAR NUMA RELAÇÃO SEM DESEJO


SIGNIFICA SER USADO PELO OUTRO

Este mito atinge principalmente as mulheres, que se sentem


ofendidas ao dar início a uma relação sexual sem desejo.
Mas o desejo pode surgir mesmo após o início da relação
sexual, tornando-se prazeroso para ambas partes. Caso o
indivíduo inicie a relação sem desejo e permaneça pensan-
do na ausência desse desejo, a chance de resposta sexual é
mais baixa. Muitas mulheres que não experimentam o de-
sejo espontâneo e se engajam em uma relação sexual se sen-
tem usadas e criam uma interpretação distorcida da situa-
ção, dificultando o aparecimento do desejo e da excitação

Aline Sardinha 134


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

e fazendo com que evitem ainda mais a situação sexual da


próxima vez. Por isso, é muito importante perguntar ao pa-
ciente como ele se sente ao ceder a uma relação sexual sem
desejo. Se expor a uma relação sem desejo não é ruim, mas
sentir-se ofendido por isso leva à manutenção da falta de
desejo.

■ A RESPONSABILIDADE SOBRE A
CONTRACEPÇÃO É EXCLUSIVAMENTE FEMININA

Muitas vezes, a falta de um método contraceptivo adequado


a ambos passa a ser um entrave na relação, o que pode levar
à frustração e à falha sexual. Acreditar que a contracepção é
responsabilidade da mulher é um mito comum. Muitos ho-
mens são resistentes ao uso do preservativo e acreditam que
a contracepção é responsabilidade exclusiva da mulher, que
acaba por ter que decidir o método sem compartilhar com
o parceiro, e acaba por usar a pílula, que interfere no seu de-
sejo. A contracepção faz parte da dinâmica sexual do casal e
deve ser discutida pelos dois. Essa preocupação interfere na
resposta sexual para ambos, já que o homem pode também
ficar preocupado se a mulher faz uso da pílula e pensa nisso
enquanto se prepara para a ejaculação. Tudo isso causa an-
siedade e pode levar à falha sexual.

Aline Sardinha 135


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

■ FLUIDOS SEXUAIS SÃO SUJOS

Esta crença limita o repertório sexual do casal, trazendo


desconforto para práticas que podem ser prazerosas e po-
tentes elementos de excitação, como o sexo oral.

■ O HOMEM SÓ SENTE PRAZER COM UMA


PENETRAÇÃO VIGOROSA

Diversas mulheres aceitam uma relação com dor por acre-


ditar que o parceiro só atingirá o orgasmo mediante pene-
tração vigorosa. É possível que muitos homens só estejam
condicionados a esse tipo de vivência, principalmente com
os estereótipos que se vê em materiais de pornografia, que
não tem como finalidade de proporcionar educação sexual,
mas acaba sendo a única referência de muitos homens, já
que não conversam sobre sexo com pais, não aprendem na
escola nem por meio de profissionais de saúde. Isso pode
provocar dor na mulher e levar o homem a ejacular prema-
turamente, afetando a relação sexual. Além disso, isso acaba
limitando o repertório sexual dos parceiros, fazendo com
que deixem de experimentar outras formas de penetração
que podem, sim, gerar prazer para o homem.

Aline Sardinha 136


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

■ É NORMAL A MULHER SENTIR DOR NAS


PRIMEIRAS RELAÇÕES SEXUAIS

Estatisticamente, a maior parte das mulheres experimenta


dor nas primeiras relações, mas fisiologicamente isso não
faz nenhum sentido. Este mito surge por conta de como as
mulheres iniciam suas relações sexuais: normalmente, pou-
co confortáveis e experimentando práticas que não aumen-
tam o prazer e a excitação dela. Se a mulher sente dor, é
preciso mudar o comportamento e não insistir acreditando
que a dor é normal. Muitas mulheres que têm dor contra-
em os músculos na relação seguinte e podem adquirir uma
disfunção sexual.

■ SE MASTURBAR OU GOSTAR DE CONSUMIR


CONTEÚDO ERÓTICO É SINAL DE QUE ALGO
ESTÁ ERRADO

Outro mito importante é a crença de que a masturbação ou


o consumo de pornografia são resultados de falta de prazer
na parceria. As fantasias, masturbação e pornografia são ex-
ternas ao sexo do casal e ganham um tom de ameaça porque
as pessoas acreditam que se esses elementos estão ali é por-
que o sexo do casal não é suficiente. É importante identifi-
car isso no discurso do paciente e mostrar que essa crença

Aline Sardinha 137


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

é um mito. Além disso, não necessariamente a fantasia ou


o que o sujeito vê na pornografia é algo que ele gostaria de
introduzir na sua vida sexual – muitas vezes, é apenas um
estímulo que o excita e não influencia em nada em sua rela-
ção com a parceira ou o parceiro.

■ PESSOAS MAIS VELHAS NÃO TÊM DESEJO


SEXUAL

Isso vem caindo em descrédito para os homens com o ad-


vento do Viagra, permitindo que a sexualidade se mantenha
na terceira idade. No entanto, a exigência é de que a sexua-
lidade seja mantida na terceira idade da mesma forma que
ocorria na juventude: a mulher precisa manter o mesmo
corpo e o homem precisa manter a mesma performance.

■ A GESTAÇÃO, O PARTO E A AMAMENTAÇÃO


ACABAM COM A VIDA SEXUAL DO CASAL OU DA
MULHER

Existem flutuações hormonais nessa fase que podem in-


fluenciar o desejo, mas o mesmo ocorre com mulheres que
tomam pílula anticoncepcional e isso não se tornou um
mito. Mitos relacionados ao parto normal, como a ideia

Aline Sardinha 138


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

de que a vagina vai se tornar larga e o sexo vai ficar ruim,


atrapalham a vida sexual de casais com filhos. Mudanças na
rotina como a falta de sono devido a amamentação pode
também interferir na vida sexual, mas adaptações no reper-
tório sexual de quem teve filhos podem ser feitas para po-
tencializar a reposta sexual.

■ AS MULHERES PODEM E DEVEM TER


ORGASMOS MÚLTIPLOS

É perfeitamente possível, mas exige treinamento e não


ocorre em todas as situações com todas as mulheres e me-
diante todos os parceiros. Os orgasmos múltiplos exigem
uma postura ativa da mulher, não sendo responsabilidade
do homem.

MATERIAL PARA USAR COM SEUS PACIENTES

Um dos Baralhos da Sexualidade é especialmente voltado


para o trabalho com os mitos sexuais. Nele, o profissional
encontrará cartas trazendo os principais mitos sexuais rela-
cionados às queixas e disfunções sexuais mais comuns. Esta

Aline Sardinha 139


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

ferramenta pode ser usada criativamente, de acordo com as


demandas do setting da intervenção, atendendo à necessi-
dade de se debater estes mitos de forma mais próxima, des-
contraída e aplicada, fugindo ao aspecto didático horizontal
que marca a educação sexual tradicional. Para saber mais:
https://www.sinopsyseditora.com.br/livros/baralho-da-sexuali-
dade-conversando-sobre-sexo-com-adolescentes-e-adultos-895

Outra maneira de trabalhar os mitos sexuais é fornecer uma


lista de mitos, como a que encontramos no box acima, e
pedir que as pessoas marquem em uma escala analógica de
0-10, o quanto acreditam nessa ideia, sendo que 0 significa
que não acredita nisso nem um pouco e 10 significa que
credita muito nisso.

Por exemplo:

“Sexo normal é penetração do pênis na vagina”

0 ..............................................................................10

Aline Sardinha 140


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 16

VALORIZAÇÃO DA INTIMIDADE
E DO PRAZER

Nesta aula, discutiremos como trabalhar com os pacientes


para que eles migrem de uma lógica de desempenho para
uma lógica de prazer. Ao longo do tempo, o sexo passou a
ser associado a performance e desempenho sexual. No en-
tanto, ser um bom amante ou uma boa amante tem a ver
com o que se considera pela sociedade como um bom de-
sempenho sexual. Em gerações passadas, esse conceito era
diferente e o que era esperado dos homens e das mulheres
também era diferente.

Hoje, a ideia é de que o homem deve ser carinhoso e sen-


sível, que apresente uma ereção sempre que solicitado, que
faça carícias efetivas, que realize uma penetração que dure
o tempo suficiente para que os dois tenham prazer e ejacu-
Aline Sardinha 141
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

le, esperando-se, dependendo da faixa etária, que ele repita


isso várias vezes na mesma noite. Das mulheres, espera-se
que elas desejem sexo e estejam sempre receptivas, gostan-
do de diversas práticas sexuais, que não sintam dor e que se
excitem, chegando ao orgasmo e permitindo que o homem
se sinta reassegurado da sua posição de bom amante. A mu-
lher com orgasmos múltiplos também é muito valorizada.

Em resumo, esse é o ideal pós-moderno do que seria um


bom desempenho sexual. É exatamente isso que os casais
chegam ao consultório desejando! Casais com uma vida
sexual diferente dessa lógica acabam se enxergando como
disfuncionais, e o terapeuta deve buscar entender como eles
veem a sexualidade para identificar se realmente existe uma
disfunção ou se a inadequação se dá por conta da ideia de
performance disseminada na atualidade.

Com essa visão de desempenho, o sexo passou a ser visto


como uma tarefa e não como um momento de prazer e rela-
xamento. Se, anteriormente, essa pressão por performance
era sentida basicamente pelos homens, hoje o imaginário
popular sobre o sexo mudou, e as mulheres também preci-
sam ter bom desempenho, desejo e orgasmo, o que gera an-
siedade. É preciso desmistificar o desempenho como prin-
cipal objetivo da relação e transpor esse objetivo para uma
lógica de prazer e intimidade.

Aline Sardinha 142


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Figura 16.1: Mudança de perspectiva sobre o objetivo do sexo.

As técnicas focadas na regulação da emoção utilizadas na


terapia cognitiva, como a estratégia de mindfulness, podem
ser importantes nesse processo. O objetivo é mostrar ao pa-
ciente como ele pode estar por inteiro na situação sexual,
experimentando as sensações que ela provoca sem maio-
res expectativas, vivenciando as sensações corporais, os es-
tímulos sensoriais e as reações do outro, sem comparar o
que está sendo vivenciado com o padrão de como as coisas
deveriam acontecer.

A constante preocupação com a performance é reflexo de


muitos fantasmas humanos: as pessoas acreditam que a re-
lação sexual pouco satisfatória resultará na perda do amor
e no julgamento por parte do parceiro. O medo dessa con-
sequência fará com que o sujeito passe a buscar estratégias,
formando um repertório sexual desenhado para ter um
bom desempenho e não para obter prazer. Nesse contexto,
entram, por exemplo, o uso de brinquedos ou produtos para
prolongar a ereção, incluindo o uso de medicamentos como
o Viagra por homens que não possuem disfunção erétil,
Aline Sardinha 143
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

mas que se sentem pressionados a ter um bom desempenho


sexual. Como resultado, a necessidade de desempenho sa-
tisfatório subverte o objetivo de prazer que o sexo envolve.

Durante a terapia, é preciso mostrar ao casal que o meio do


caminho é o que importa, e não necessariamente o orgasmo
final. Tampouco tem grande importância a quantidade de
vezes que um casal faz sexo, se esse sexo não é resultado da
vontade dos dois, e sim da necessidade de alta performance.
A possibilidade de fazer menos sexo e substituí-lo por ou-
tras atividades mostra a existência de intimidade e vínculo,
o que dá à parceria a possibilidade de negar o sexo sem se
sentir julgado pelo outro. Poucos casais conseguem esse ní-
vel de intimidade.

As crenças com relação ao sexo precisam ser trabalhadas e


modificadas para que essa intimidade se crie. Técnicas com-
portamentais podem ser aplicadas, mas somente depois que
o casal já passou pela reestruturação cognitiva dessas cren-
ças. O terapeuta deve, primeiro, levantar a discussão sobre
as crenças e reestruturar os pensamentos automáticos que
podem surgir durante a relação, pois só assim será possível
aplicar técnicas comportamentais sem que as crenças inter-
rompam a intervenção.

Quando o paciente vê a situação como situação de desem-


penho, fica difícil ter foco o suficiente para se concentrar

Aline Sardinha 144


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

apenas no prazer e não na performance. Além disso, um


sistema de crenças com mais flexibilidade, ou seja, maior
reestruturação das crenças, gera menor ansiedade.

É aceitável que o homem queira, por exemplo, ter maior


controle da ereção. A questão importante é que isso ocor-
ra numa lógica de buscar e dar prazer, e não porque isso é
exigido dele socialmente. Além disso, é importante que o
sujeito entenda que, caso ele não consiga manter essa ereção
por um tempo longo ou caso não atinja o prazer, isso não é
necessariamente um problema. O casal pode se comunicar
para encontrar estratégias que levem ao prazer. A ideia é
estabelecer uma nova relação com o sexo, o próprio prazer e
o prazer do outro, seja num casamento estável ou num vín-
culo passageiro. Na próxima aula, discutiremos o conceito
de assertividade sexual e como ele é trabalhado na terapia.

MATERIAL PARA USAR COM SEUS PACIENTES

Texto da Dra. Aline Sardinha no site Pílulas de Bem estar:


"O Novo manual do sexo": http://www.pilulasdebemestar.com.
br/site/sexualidade_detail.asp?cod_blog=20

Aline Sardinha 145


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

REFLEXÕES PARA A FORMAÇÃO DO TERAPEUTA

Qual o papel das crenças que dizem que o objetivo do sexo


é performance, e não prazer, no ciclo da falha sexual que
apresentamos anteriormente? Considerando seus pacien-
tes, tente fazer o exercício de estabelecer esta relação para
cada uma das queixas apresentadas.

Aline Sardinha 146


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 17

ASSERTIVIDADE SEXUAL

Na aula anterior, falamos sobre a mudança de postura dos


indivíduos em relação à sexualidade, considerando a mu-
dança da lógica da performance para uma lógica de prazer
e intimidade. Assim, pegamos emprestado da psicologia o
conceito de assertividade para utilizá-lo na terapia cogniti-
va sexual, de modo a gerar um repertório sexual que tenha
mais a ver com o que efetivamente gera prazer e não com o
que se acredita ser o esperado. A mudança cognitiva é o que
gera a mudança comportamental.

Assertividade é a capacidade de expressar o desejo de forma


geral. Ela possui diferentes componentes: primeiro, o sujei-
to precisa conhecer seus desejos; depois, valorizar esses de-
sejos como genuínos; e, por fim, conseguir comunicar esses
Aline Sardinha 147
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

desejos. Muitos estudos nas TCCs têm enfoque em asserti-


vidade, pois trata-se de um elemento importante nas rela-
ções pessoais: quanto mais assertivo é um sujeito, mais fácil
será mostrar para o outro as razões de seu comportamento.

Um estudo realizado com 100 casais descreveu a impor-


tância das habilidades sociais de um parceiro na satisfação
conjugal do outro (SARDINHA; FALCONE; FERREIRA,
2009). De acordo com a pesquisa, a expressão de desejos,
necessidades e sentimentos é importante para a satisfação
conjugal, pois, quanto mais o sujeito sabe do que o outro
precisa, melhor ele se sente.

Esse resultado é interessante porque, muitas vezes, as pes-


soas pensam o contrário: acreditam que, se disserem que
gostariam de fazer algo diferente do que o outro sujeito faz,
estariam ofendendo o parceiro. No entanto, nesses casos,
a alternativa à assertividade pode ser a passividade ou a
agressividade – por isso, a assertividade melhora a quali-
dade das relações. A ideia de ter desejos permanentemente
negligenciados não é viável, e isso é refletido negativamente
na relação onde as duas partes não conseguem comunicar
uma à outra suas preferências. Um indivíduo que não fala
sobre seus desejos e necessidades pode ter atitudes que nem
ele mesmo entende, tornando-se, por vezes, agressivo.

A assertividade tem a ver com expressar-se sem ferir as ne-

Aline Sardinha 148


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

cessidades do outro. Combinada à empatia, a assertividade


potencializa os resultados das relações interpessoais. Valo-
rizar suas necessidades da mesma forma que se valoriza as
do outro, por meio de uma verbalização empática, auxilia
na negociação, não somente na relação sexual, mas em to-
das as relações. Para a sexualidade, o uso da assertividade
permite que o casal crie um script sexual que verdadeira-
mente atenda às necessidades dos parceiros.

VERBALIZAÇÃO EMPÁTICA

A verbalização empática consiste em fazer uma afirmação


que demonstre um entendimento genuíno do impacto do
próprio comportamento ou de uma situação na outra pes-
soa. De acordo com Falcone, Gil e Ferreira (2007), “A fun-
ção da verbalização empática é fazer com que a outra pes-
soa se sinta compreendida, além de ajudar a explorar suas
preocupações de modo mais completo. Essa verbalização,
quando aparece junto com uma verbalização assertiva de
exposição das próprias necessidades, tende a fazer com que
esta seja melhor ouvida e recebida pelo interlocutor. A ideia
implícita é que a necessidade de ambos os membros daque-
la comunicação está sendo levada em conta, o que tende a
melhorar a qualidade da relação e evitar ressentimentos.
Aline Sardinha 149
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

A fórmula: verbalização empática + expressão de sentimen-


tos/necessidade + pedido tende a ser bastante eficaz.

Exemplo: Eu sei que você gosta muito de fazer sexo no final do


dia, entretanto, às vezes eu me sinto muito cansada neste horá-
rio. Será que poderíamos ver como funciona transar de manhã?

A assertividade sexual tem a ver com conseguir iniciar ou


recusar uma relação, com a habilidade de negociar práticas
e comportamentos sexuais etc. Ela vem sendo pesquisada
em diversos contextos da sexualidade – no nosso curso, te-
mos enfoque no uso da assertividade na disfunção, mas ela
pode ser usada, por exemplo, para evitar abuso sexual. Se
um indivíduo se sente confortável em expressar seus dese-
jos, saberá se está sendo abusado sexualmente e entenderá
que o abuso não é culpa sua, já que não era seu desejo. A
assertividade também protege as pessoas de comportamen-
tos sexuais de risco. Ao negociar o uso da camisinha de for-
ma assertiva, a chance de contrair uma doença sexualmente
transmissível é muito menor.

Aline Sardinha 150


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

6 FUNÇÕES DA ASSERTIVIDADE SEXUAL

• Entendimento profundo das próprias necessidades e


das necessidades do parceiro;

• Valorização genuína dessas necessidades;

• Modificação das crenças que mantêm o comporta-


mento sexual não orientado à satisfação;

• Criação de comportamentos que gerem prazer para ambos;

• Negociação e solução de problemas;

• Redução da vulnerabilidade.

Na cultura brasileira, a assertividade ainda é mal vista em


vários ambientes, mesmo fora da questão sexual. Na ques-
tão do papel de gênero, por exemplo, mulheres assertivas
podem ser julgadas num ambiente de trabalho, pois esse
comportamento é mais associado ao gênero masculino. No
entanto, quando unida à empatia, a assertividade torna-se
funcional.

Especificamente no funcionamento sexual, a assertividade


Aline Sardinha 151
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

permite que o sujeito peça determinadas coisas de que pre-


cisa, dê retorno ao parceiro sobre o sucesso ou insucesso
de uma estimulação etc. Os casais vão, aos poucos, encon-
trando jeitos efetivos de fazer essas comunicações de forma
adequada ao contexto e sistema de valores em que vivem.

No entanto, para ser assertivo, o sujeito precisa compreen-


der suas próprias necessidades e não acreditar que precisa
se adequar ao que é socialmente esperado da sua sexuali-
dade. Por exemplo, um homem que gosta de vestir lingerie
feminina para se excitar, mas acredita que isso é fora do pa-
drão e que a parceira vai abandoná-lo ou julgá-lo, não con-
segue se posicionar e explicar seus desejos devido a crenças
distorcidas sobre a sexualidade. Logo, não basta treinar a
assertividade, mas é preciso trabalhar também as crenças e
julgamentos sobre sexualidade trazidos pelo paciente.

Aline Sardinha 152


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CRENÇAS QUE FAVORECEM


A ASSERTIVIDADE SEXUAL

• É legítimo que eu comunique ao meu parceiro ou par-


ceira as minhas preferências e necessidades sexuais.

• As minhas necessidades sexuais são legítimas e ok.

• Eu posso comunicar ao meu parceiro as minhas prefe-


rências sem que ele ou ela se sinta criticado(a) se eu tam-
bém expressar que eu valorizo as necessidades dele(a).

À medida que o sujeito fica mais assertivo, ele se torna me-


nos vulnerável e ansioso, saindo da situação de avaliação
de performance e partindo para uma situação de prazer
e relaxamento. É importante mostrar para os casais que o
conceito de assertividade sexual é específico – uma pessoa
assertiva em várias situações, como no trabalho ou no re-
lacionamento com os amigos, pode ter dificuldade em ser
assertiva na situação sexual, devido a crenças que não per-
mitem expressar seu comportamento sexual.

Por não saberem se expressar, muitas vezes as pessoas op-


tam por utilizar uma linguagem infantil, colocando tudo no

Aline Sardinha 153


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

diminutivo, ou utilizam linguagem chula, por vezes inspira-


das em filmes de pornografia. Não há problemas em fazer
uso dessas linguagens, mas é importante saber se isso excita
o sujeito e seu parceiro, ou se é apenas uma forma de redu-
zir o desconforto ao falar sobre seus desejos.

Um caminho plausível para resolver esse problema é que,


na situação sexual, a assertividade não precisa ser feita ver-
balmente: é possível encontrar maneiras mais eróticas ou
adaptadas às práticas que o casal já utiliza. A assertividade
é trabalhada em três níveis: cognitivo, intermediário (por
meio do qual as crenças permitem a expressão do desejo) e
comportamental. Na próxima aula, falaremos sobre a habi-
lidade de comunicação e negociação das preferências e ha-
bilidades sexuais.

● SAIBA MAIS
Já citamos o livro a seguir, sobre terapia cognitiva sexual. O
capítulo 6 (“Intervenções cognitivas e treino de assertivida-
de sexual”) complementa bem o conteúdo desta aula:

CARVALHO, A.C.; SARDINHA, A.. Terapia Cognitiva


Sexual: uma proposta integrativa na psicoterapia da
sexualidade. Rio de Janeiro: Cognitiva, 2017.

Aline Sardinha 154


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

MATERIAL PARA USAR COM SEUS PACIENTES

Dicas simples para apresentar o conceito e iniciar o treina-


mento de um comportamento mais assertivo de forma geral
estão disponíveis no site WikiHow: https://pt.wikihow.com/
Ser-Assertivo

Um bom livro para o público não especializado é:

EMMONS, M. L.; ALBERTI, R.. Como se tornar mais


confiante e assertivo: aprenda a defender suas ideias com
tranquilidade e segurança. Rio de Janeiro Sextante, 2008.

Um dos Baralhos da Sexualidade foi criado pensando exa-


tamente no treino de assertividade sexual: “Conversando
sobre sexo”. Saiba como usar em:
https://www.youtube.com/watch?v=SoWZs42Rt44

Aline Sardinha 155


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 18

COMUNICAÇÃO E AJUSTAMENTO
DO CASAL: NEGOCIANDO DESEJOS
E PREFERÊNCIAS

Ao longo do curso, temos falado sobre a necessidade de va-


lidar e construir uma nova perspectiva sobre a sexualidade
e como isso influencia a comunicação sexual nos casais. A
literatura mostra que uma boa comunicação com o parceiro
é um elemento protetor da relação e várias teorias sistêmi-
cas e comportamentais mostram como essa comunicação
é fundamental para a satisfação com o relacionamento. No
entanto, nem sempre a comunicação (num sentido mais
amplo) se traduz em efetividade na comunicação sexual.

Frequentemente casais comunicativos, empáticos, íntimos


e hábeis na resolução de problemas têm dificuldade de apli-
car essas habilidades na situação sexual, ou acreditam que
não é necessário fazê-lo. Para muitas pessoas, é fácil ouvir
Aline Sardinha 156
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

do parceiro que não fez alguma tarefa doméstica da manei-


ra esperada, mas é difícil ouvir que não conduziu o sexo de
maneira prazerosa. Isso ocorre porque, socialmente, as pessoas
são levadas a acreditar que devem sempre saber as necessida-
des sexuais do outro, mesmo que não tenham sido explicitadas.

A comunicação sexual tem uma dinâmica específica. Por


isso, não adianta trabalhar técnicas e estratégias comunica-
cionais fora da cama e achar que isso vai se transpor para a
situação sexual. Para que os casais possam conversar sobre
sexo, sobre sua própria sexualidade e propor soluções, tudo
dentro de uma lógica de respeito, parceria e generosidade
com as necessidades de ambos, é preciso desenvolver novas
habilidades. A ideia é se comunicar para ter uma intimi-
dade física e também emocional, o que beneficia uma boa
resposta sexual.

Nesse processo, cabe ao terapeuta ajudar o casal na iden-


tificação de crenças e mitos que tornam a comunicação de
aspectos sexuais desconfortável. Por isso, a maneira como
as pessoas conseguem lidar com a sexualidade é trabalha-
da desde a primeira sessão de terapia, quando o psicólogo
começa a modelar uma forma de olhar para a sexualidade e
falar sobre ela fora da ideia do tabu. Esse trabalho tem como
objetivo colocar a sexualidade como um assunto possível de
ser tratado pelo casal.

Aline Sardinha 157


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Um aspecto importante para a terapia cognitiva sexual é a


ideia de ajustamento sexual. Esse conceito vem da ideia de
ajustamento conjugal (SPANIER, 1976), uma propriedade
dinâmica dos relacionamentos que trata do nível de concor-
dância dos parceiros em relação a diversos aspectos da vida
em comum, como a maneira de gerir o dinheiro e criar os
filhos – esse equilíbrio, vale notar, pode variar entre os as-
pectos e ao longo do ciclo de vida do casal. Quanto maior o
ajustamento, menor a necessidade de negociação. Trocando
em miúdos, se o casal concorda sobre um aspecto, a neces-
sidade de comunicação é menor, porém, quando há diver-
gências, é preciso negociar.

Para alguns casais, o ajustamento sexual é grande e a ne-


cessidade de negociar é muito pequena. Mas é improvável
que isso se mantenha ao longo do tempo – provavelmen-
te, com o avançar da relação, ajustes precisarão ser feitos.
O ajustamento sexual determina o quanto o casal precisa
negociar com relação aos aspectos sexuais: quanto maior a
necessidade de negociar, maior o desafio da comunicação.
Cabe ao terapeuta desmistificar as crenças e simplificar as
negociações.

Aline Sardinha 158


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

O AJUSTAMENTO SEXUAL…

• é uma propriedade do relacionamento.

• ocorre de maneira contínua.

• é dinâmico, ou seja, pode se alterar ao longo do tempo.

• influencia significativamente a satisfação e reduz a


necessidade de negociação.

• denota consenso em temas importantes na vida se-


xual: práticas, posições, horário, frequência etc.

Ao trabalhar a comunicação sexual, o terapeuta trata desde


características e processos cognitivos até aspectos mais es-
pecíficos do comportamento, como de que forma o sujeito
faz o convite sexual para o parceiro. Alguns falam de for-
ma clara, outros iniciam com uma carícia e outros utilizam
uma roupa mais sensual. De que forma isso será feito não é
o mais importante. O mais relevante é saber se esse convite
é comunicado de modo eficaz, sendo a mensagem enten-
dida pelo outro. A comunicação pode ser não verbal, mas
precisa atingir o parceiro como um convite sexual.

Aline Sardinha 159


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

O sujeito pode ser assertivo em relação às suas necessida-


des de forma erótica para ele e para o parceiro ou parceira.
Ao mesmo tempo, a linguagem que ele usa (verbal ou não)
precisa ser adequada os valores do casal e ao que deixa os
dois confortáveis. Para que a comunicação se estabeleça, é
fundamental que cada um saiba colocar com clareza suas
preferências e que o casal confira com frequência se as men-
sagens estão sendo passadas de forma clara para a parceria.
Comunicação é via de mão dupla.

Uma ferramenta que pode ser utilizada na terapia para esti-


mular a comunicação do casal é o Baralho da Sexualidade,
do qual já falamos anteriormente e que traz diferentes car-
tas com partes do corpo, práticas sexuais e outras questões
relacionadas ao sexo que estimulam as pessoas a falar sobre
suas preferências de forma lúdica, promovendo uma comu-
nicação mais confortável para o casal. O objetivo é, desde o
início, simplificar a comunicação.

Se as pessoas falassem sobre suas preferências sexuais como


negociam as preferências ao pedir pizza, a vida seria mais
fácil – é o que diz o pesquisador americano Al Vernachio
sobre as negociações sexuais. Ele nota que um casal, ao pe-
dir uma pizza, decide o tamanho e os sabores juntos e com
facilidade, e que as negociações das preferências sexuais de-
veriam ser feitas com a mesma tranquilidade e parceria. É
preciso, por exemplo, não achar que divergências nas prefe-

Aline Sardinha 160


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

rências sexuais significam que o relacionamento está amea-


çado – se um parceiro prefere pizza de queijo e o outro, de
calabresa, isso não causa nenhum problema efetivo, basta
negociar.

Muitas pessoas acreditam que ter gostos diferentes deter-


mina que o relacionamento não terá futuro, mas o desajuste
sexual e a necessidade de negociar preferências devem ser
desmistificados. O terapeuta pode guiar o casal nesse pro-
cesso, orientando-o a refletir sobre suas preferências e sobre
a melhor forma de comunicá-las.

Como será feito o convite para o sexo? Como o casal negocia


se haverá ou não preliminares? Como um parceiro indica ao
outro que quer mudar de posição? Cabe ao terapeuta inter-
mediar e questionar se o outro entende o convite, os sinais
para ter ou não preliminares e para mudar de posição. E como
um parceiro pode dizer ao outro que não quer fazer sexo na-
quele momento? O terapeuta também pode intermediar essa
situação, identificando como o sujeito comunica a recusa do
convite sexual e como o outro interpreta essa recusa.

Em resumo, o psicólogo precisa trabalhar como os pacientes


negociam suas preferências em diferentes aspectos da vida
sexual, incluindo a frequência com que farão sexo, a duração
da relação sexual, as posições possíveis e as práticas desejadas,
sempre considerando as necessidades e crenças de cada um.

Aline Sardinha 161


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

COMO COMPATIBILIZAR DESEJOS?

• Frequência

• Práticas sexuais

• Posições

• Duração

• Momento do dia

• Interferências

• Contracepção e sexo seguro

Na próxima aula, falaremos sobre como usar a comunica-


ção para solucionar problemas do dia a dia que interferem
na rotina sexual.

Aline Sardinha 162


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

● SAIBA MAIS
Versão da escala de ajustamento conjugal em português:

http://repositorio.ispa.pt/bitstream/10400.12/1853/1/AP%20
2008%2026%284%29%20625-638.pdf

Sobre a relação entre satisfação conjugal e ajustamento con-


jugal, leia o artigo:

SCORSOLINI-COMIN, F.; SANTOS, M. A.. Ajustamento


diádico e satisfação conjugal: correlações entre os domínios
de duas escalas de avaliação da conjugalidade. Psicol. Reflex.
Crit., Porto Alegre , v. 24, n. 3, p. 467-475, 2011. http://
dx.doi.org/10.1590/S0102-79722011000300007

Ted Talks com Al Vernacchio: “O sexo precisa de uma nova


metáfora”:

https://www.ted.com/talks/al_vernacchio_sex_needs_a_new_
metaphor_here_s_one

(Dica: selecionar as legendas em português)

Aline Sardinha 163


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

MATERIAL PARA USAR COM SEUS PACIENTES

Texto da Dra. Aline Sardinha no site Superela: “Falar de


sexo sem discutir a relação”:

https://superela.com/falar-de-sexo-sem-discutir-a-relacao

Uma forma de trabalhar as crenças que atrapalham a comu-


nicação na esfera sexual é o registro de pensamentos rela-
cional, como mostra a figura:

Aline Sardinha 164


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 19

ESTILOS DE VIDA SEXUALMENTE


DESTRUTIVOS

O estresse do cotidiano é um dos maiores vilões do desejo


e da resposta sexual. Logo, a vida sexual melhora quando
o casal tira férias. No entanto, isso não é suficiente para a
maior parte dos casais, que, por vezes, se questionam por
que não conseguem ter, no contexto doméstico, o mesmo
prazer que sentem nas ocasiões especiais.

É fato que o contexto doméstico traz muitos entraves para


o desejo. Se pensarmos no desejo como motivação e enten-
dermos que ele é disparado por vias dopaminérgicas que
são estimuladas por novidades e desafios, é possível com-
preender que a rotina repetitiva do contexto doméstico de-
sestimule o desejo. Assim, se o sujeito não atua ativamen-
te para manutenção do desejo, as chances de as condições
Aline Sardinha 165
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

que favorecem seu aparecimento deixarem de acontecer em


casa são grandes. Existe o mito de que o sexo após o casa-
mento se torna ruim, mas isso, apesar de comum, não é na-
tural – o casal pode atuar na manutenção da relação sexual
com desejo. Quando um casal entende que não é preciso
ser refém da rotina e que as duas partes podem ser ativas na
manutenção do desejo, ganha poder sobre sua sexualidade.

Um casal no início do relacionamento geralmente não mora


junto e, quando os dois vão se encontrar, passam o dia es-
perando por aquele momento, trazendo uma antecipação
mental que já alimenta o desejo. Antes de se encontrar, eles
se preparam e, durante o encontro, fazem uma atividade
prazerosa – um jantar ou um passeio, por exemplo. Nesse
momento, eles se conectam e podem começar a se encami-
nhar para uma situação sexual. O desejo já surge com mais
intensidade, na medida em que se inicia o jogo erõtico. A
novidade está presente e o casal geralmente está focado na
situação com o outro, sem trazer elementos desagradáveis.
Essa lógica tende a se perder com o tempo, por causa de
crenças socialmente compartilhadas, mas também de con-
junturas de fato.

O mesmo casal que experimentou desejo e excitação no iní-


cio da relação pode, dez anos depois, ter filhos pequenos e
uma dura rotina de trabalho. Assim, os dois chegam à noite
cansados, ainda com a responsabilidade de cuidar da casa

Aline Sardinha 166


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

e das crianças. Nesse contexto, muitas vezes não há pista


sexual: um não se arruma para o outro, não antecipa a situ-
ação sexual e não há surgimento do desejo...

No cuidado da casa e dos filhos, os parceiros estão juntos


num momento de solução de problemas, mas não de desejo.
Embora essa parceria não sexual seja importante, a carga
erótica precisa estar presente em algum lugar – do contrá-
rio, não haverá resposta sexual. É preciso, portanto, que o
casal retorne à antecipação de antes: durante o dia, um par-
ceiro precisa pensar no encontro com o outro ao chegar em
casa, estimulando o surgimento do desejo. O casal precisa
organizar uma logística que permita isso, seja por uma rede
de apoio para cuidar dos filhos, seja por mudanças no am-
biente doméstico. Os parceiros devem estar ativos na cons-
trução do momento de erotismo e encontrar momentos na
rotina que possam facilitar isso.

Além da rotina cansativa e do estresse do dia a dia, outras


questões fazem com que as pessoas não priorizem a sexua-
lidade e o desejo. Por exemplo, algumas pessoas acreditam
que, no final de semana, devem ser priorizadas atividades
como visitar a família, ficar com os filhos, se exercitar, sair
com os amigos etc. – o sexo fica lá no final da lista. Para que
essas pessoas priorizem o sexo e o momento de estar com
o parceiro, é necessário modificar a crença de que as ou-
tras coisas são mais importantes. Mais uma vez, não adianta

Aline Sardinha 167


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

partir para soluções comportamentais de criar espaço na


rotina sem modificar antes as crenças que fazem com que
os parceiros deixem de priorizar o sexo.

Na próxima aula, falaremos sobre como o terapeuta pode


propor mudanças no repertório sexual do casal.

MATERIAL PARA USAR COM SEUS PACIENTES

Texto da Dra. Aline Sardinha no site Pílulas de bem estar:


“O ladrão do desejo”: http://www.pilulasdebemestar.com.br/
site/sexualidade_detail.asp?cod_blog=5

● SAIBA MAIS
Artigo de revisão sobre desejo e familiaridade:

MORTON, H.; GORZALKA, B. B.. Role of Partner Novelty


in Sexual Functioning: A Review. Journal Of Sex & Marital
Therapy, [s.l.], v. 41, n. 6, p.593-609, 28 out. 2014. Informa UK
Limited. http://dx.doi.org/10.1080/0092623x.2014.958788.

Aline Sardinha 168


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Ted Talk com Esther Perel: “Desejo nos relacionamentos de


longo prazo”

https://www.ted.com/talks/esther_perel_the_secret_to_desire_
in_a_long_term_relationship/transcript

Livros para aprofundar seus estudos sobre o tema:

PEREL, E.. Sexo no cativeiro: driblando as armadilhas do


casamento. São Paulo Ponto de Leitura, 2010

FISHER, H. Por que amamos: a natureza e a química do


amor romântico. Rio de Janeiro Record, 2006.

Aline Sardinha 169


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 20

MUDANÇAS NO COMPORTAMENTO
SEXUAL DO CASAL

Quando o terapeuta lida com um casal com disfunção sexu-


al, é preciso propor modificações na situação sexual para fa-
vorecer a resposta sexual. Muitas técnicas comportamentais
já foram propostas nesse sentido e o terapeuta pode utili-
zá-las. No entanto, para gerar mudanças comportamentais,
será necessário gerar condições cognitivas, situacionais e
emocionais que favoreçam a mudança de comportamento.
O comportamento é expresso considerando o que é possível
num determinado contexto, situação e sistema de crenças.

Como vimos anteriormente, quando falamos dos diferentes


níveis de intervenção, os casais são diferentes e precisarão
de diferentes níveis de ajuda terapêutica. Para alguns, a psi-
coeducação já será suficiente para gerar mudanças de com-
Aline Sardinha 170
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

portamento. Já outros podem precisar de sugestões específi-


cas, como mudanças no repertório sexual. Em alguns casos,
o casal precisa da psicoterapia para modificar as crenças
sexuais. Assim, o terapeuta, em muitos momentos, preci-
sará sugerir mudanças e novos comportamentos. Porém, o
que permitirá que isso aconteça é um contexto situacional
e emocional favorável ao reforço do comportamento, por
meio do aparecimento do prazer, da conexão entre os par-
ceiros e da intimidade.

O repertório sexual é cognitivamente mediado. Um primei-


ro ponto da intervenção é modificar as crenças rígidas para
modificar um repertório sexual rígido.

Figura 20.1: relação entre crenças, repertório comportamental e queixa sexual.

Com isso, é possível propor mudanças situacionais, traba-


lhando, por exemplo, a receptividade do sujeito à proposta

Aline Sardinha 171


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

do parceiro. Em muitos momentos, o terapeuta precisará


trabalhar com habilidades sexuais específicas que as pesso-
as nunca desenvolveram – por exemplo, uma mulher que
nunca chegou ao orgasmo sozinha pode ter dificuldades em
chegar ao orgasmo com o parceiro, e isso precisa ser tra-
balhado. Há diversas técnicas para trabalhar as habilidades
sexuais necessárias para a resposta sexual próxima do que o
paciente gostaria. É função do terapeuta conhecer aspectos
como métodos contraceptivos e posições que favorecem es-
timulações específicas, para que possa fazer essa prescrição
comportamental, que faz parte do tratamento.

A ideia não é, no entanto, gerar uma nova norma, mas pro-


por de modo socrático novas atividades para o casal. O pró-
prio casal precisa construir um repertório que faça sentido
para a relação. O papel do terapeuta é trazer condições que
promovam a independência e a flexibilidade desse repertó-
rio. Para isso, é preciso desmistificar a ideia de tentativa e
erro, já que tentar uma nova atividade pode ser estranho no
início e é preciso considerar, mais do que o resultado final
(orgasmo ou não, por exemplo), que sensações essa ativida-
de provocou, como os parceiros comunicaram um ao outro
essas sensações etc. A ideia é ampliar e flexibilizar o reper-
tório sexual dos casais.

Essa flexibilização vai ganhar importância diferente em cada


etapa da vida. É mais fácil ter uma boa vida sexual quando

Aline Sardinha 172


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

se é jovem, mas isso pode se modificar ao longo dos anos.


Por isso, é preciso adquirir a possibilidade de modificar o
próprio comportamento sexual ao longo do tempo. Em um
relacionamento em que o casal entende que essa flexibiliza-
ção é necessária, será mais fácil se adaptar às mudanças por
ela trazidas.

Muitos casais têm uma coreografia sexual, constituída por


certa ordem de ações automatizadas que são executadas sem
muito controle de intencionalidade, mais ou menos como
acontece com um motorista experiente ao dirigir – ele já
não reflete sobre o movimento das mãos e dos pés, nem so-
bre as olhadelas que dá no retrovisor. De forma semelhante,
o casal que tem uma coreografia muito bem estabelecida
acaba por não focar muito no que está fazendo, e isso faz
com que a carga erótica diminua muito. É importante con-
versar com o casal para entender a necessidade de modifi-
car essa rotina, promovendo a flexibilidade do repertório
sexual. Na próxima aula, discutiremos como potencializar a
carga erótica dos casais.

Aline Sardinha 173


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

MATERIAL PARA USAR COM SEUS PACIENTES

Para tornar leve o trabalho com os detalhes do repertório


sexual dos casais, podemos perguntar aos nossos pacientes
como ocorre a “dança do acasalamento” deles:

ANTES

• Como são os rituais de conquista e sedução no casal?


• Qual a rotina do encontro sexual?
• Qual o papel de cada um? Por que vocês fazem
dessa forma?
• O que excita cada um?
• Vamos tentar novas possibilidades?

DURANTE

• Qual a coreografia do sexo de vocês?


• Turnos
• Preliminares
• Quem toma a iniciativa do início da penetração?
Qual o parâmetro?
• Quais as posições/movimentos sexuais utilizados?
• Por que vocês fazem dessa forma?
• Vamos tentar fazer algo diferente?

Aline Sardinha 174


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DEPOIS

• Como é o pós-sexo?
• Sensações físicas
• Expectativas e significados
• Sono
• Hábitos
• Por que vocês fazem dessa forma?
• Vamos tentar fazer algo diferente?

Texto sobre desejo e erotismo:

http://azmina.com.br/2015/10/frigida-nao-responsiva-2/

● SAIBA MAIS
Para conhecer mais sobre as técnicas comportamentais, vale
a leitura deste manual organizado pelo Instituto Paulista de
Sexualidade, onde se pode encontrar cada técnica descrita
detalhadamente:

INSTITUTO PAULISTA DE SEXUALIDADE (Org.).


Aprimorando a saúde sexual: Manual de técnicas em
Terapia Sexual (2. ed.). São Paulo: Summus, 2001.

Aline Sardinha 175


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

REFLEXÕES PARA A FORMAÇÃO DO TERAPEUTA

Ao entrarmos em uma banca de jornal ou em sites da inter-


net voltados para a sexualidade, encontraremos rapidamente
uma série de sugestões sobre como melhorar a vida e a per-
formance sexual ou como “apimentar a relação”. Além disso,
são inúmeras as possibilidades de objetos atualmente dispo-
níveis no mercado de sex shops com esse mesmo objetivo. Se,
por um lado, é importante que o terapeuta esteja familiariza-
do com esse mercado, de modo a poder orientar os pacientes
caso eles tragam essas informações, por outro, a prescrição de
mudança comportamental que ocorre na psicoterapia precisa
considerar uma série de fatores que vão além da prescrição
do uso de uma ou outra técnica, habilidade ou apetrecho se-
xual. Considerando o que foi colocado neste curso até ago-
ra, elabore uma lista de cuidados que você precisará ter, ou
elementos que será necessário avaliar, antes de prescrever
mudanças no repertório sexual dos seus pacientes. Traga sua
lista para discussão nos nossos grupos interativos.

Aline Sardinha 176


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CAPÍTULO 21

EROTIZAÇÃO DO CASAL

Já vimos que a criação de condições cognitivas relacionais e


a mudança de perspectiva são necessárias para que os par-
ceiros possam gerar uma situação mais erótica, promoven-
do a resposta sexual. O trabalho da erotização consiste em
compreender as preferências do sujeito, considerando que
pensamentos e componentes eróticos são, para ele, associa-
dos ao sexo – entram aí as fantasias sexuais. O paciente não
precisa necessariamente falar delas na terapia ou, ainda, di-
vidi-las com o parceiro, mas pode usá-las na relação.

Ao falarmos de erotização, a ideia é aumentar a troca erótica


do casal, que ocorre em nível comportamental, ou seja, no
nível do que os dois efetivamente fazem durante a relação
em seu repertório sexual. O terapeuta precisa auxiliar pa-
Aline Sardinha 177
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

ciente ou o casal a criar um clima de intimidade para con-


seguir discutir suas fantasias fora do consultório, de forma
mais aberta do que fazem com o psicólogo. Um bom come-
ço é não cair na ideia anedótica de fantasias de enfermeira
ou dança do ventre – essas podem ser fantasias reais, mas
não são as únicas possibilidades, e o terapeuta deve deixar
isso muito claro aos pacientes.

Outro aspecto importante da erotização é que ela não pre-


cisa – ou não deve – estar restrita ao momento da relação
sexual. Retomando a ideia do casal que acaba de se conhe-
cer, é comum que o indivíduo passe o dia antecipando o
momento em que se encontrará com o parceiro, o que o
torna mais preparado para a situação sexual quando ela, de
fato, acontece. Esse comportamento pode ser resgatado em
fases mais avançadas do relacionamento, incluindo o par-
ceiro em fantasias que vão aparecendo ao longo do dia.

O terapeuta deve guiar o paciente na busca de elementos


que podem ser adicionados à fantasia sexual. Em casais
mais velhos, por exemplo, a forma física pode já não ser
a mesma da juventude, mas isso não é o mais importante.
Outros aspectos, como o cheiro do parceiro, atitudes e falas
podem compor a fantasia. Elementos eróticos externos po-
dem ser adicionados, como filmes, imagens e outras fanta-
sias que não envolvem o parceiro.

Aline Sardinha 178


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

Esse exercício mental é mais natural no início da relação,


mas pode ser recuperado ao longo do tempo e ser feito com
frequência – algumas vezes por dia, por exemplo. Assim,
a fantasia pode constituir uma ferramenta a ser usada du-
rante a relação sexual para promover a excitação, e também
fora das situações sexuais. Conforme os casais ganham ha-
bilidade de comunicação, cada parceiro pode usar a fanta-
sia não apenas para se sentir excitado, mas dividi-la com
o outro para estimulá-lo também, numa forma de trazer o
componente erótico de volta para a relação. Para que isso
seja possível, é necessário ter um ambiente de intimidade
sexual e emocional.

A comunicação é importante porque as fantasias preci-


sam ser, de alguma forma, combinadas entre os membros
do casal. Se, por exemplo, uma mulher sai do consultório,
compra uma roupa sensual e espera chegar em casa e ter
uma relação sexual sem comunicar ao marido essa expecta-
tiva, pode não ter a resposta que espera. A surpresa erótica
funciona bem para casais que estão cheios de componentes
eróticos e para quem a negativa do parceiro é bem tolerada,
mas aqueles em situação de disfunção precisam se comuni-
car para que a erotização tenha um impacto positivo.

Promover a erotização por si só, sem comunicação, não re-


solve o problema. O clima deve ser sempre de colaboração
para criar um ambiente de intimidade e flexibilidade, sem

Aline Sardinha 179


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

crenças rígidas. Na terapia, o papel do profissional não é


revolucionar a vida sexual de ninguém, mas ajudar a cons-
truir o alicerce de uma nova perspectiva que facilite a possi-
bilidade de erotização dentro do sistema de crenças e valo-
res daquela parceria.

REFLEXÕES PARA A FORMAÇÃO DO TERAPEUTA

Promover a carga erótica é um desafio do ponto de vista da


relação terapêutica porque o profissional entra na intimida-
de do casal. Esse é um lugar em que o terapeuta precisa se
sentir confortável e ser cuidadoso para que seu posiciona-
mento não gere um desconforto para os pacientes. É fun-
damental saber que o papel do psicólogo não é discutir a
questão da erotização como um dos membros do casal faria
– ainda que o sujeito exponha suas fantasias e estímulos eró-
ticos, o terapeuta não deve se misturar a essa exposição de
modo pessoal, limitando-se a uma postura de ajuda, apoio e
acolhimento de modo profissional. Isso requer muito estu-
do e prática, além da discussão com colegas e supervisores.
O terapeuta também deve refletir sobre como a intervenção
tem impacto nele mesmo e como ele impacta a vida do ca-
sal. É importante discutir isso na aula de erotização porque
esse é o momento da intervenção em que o terapeuta costu-
ma se sentir mais desconfortável. Pessoalmente, quais você

Aline Sardinha 180


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

acredita que serão seus principais desafios em trabalhar a


erotização dos seus pacientes? Reflita sobre isso e traga para
discutir nos nossos grupos interativos!

● SAIBA MAIS
Ao contrário do que diz o senso comum, fantasias sexuais
não envolvem necessariamente histórias complexas envol-
vendo cenários, roupas ou mesmo práticas sexuais muito
fora do repertório sexual original daquele paciente ou da-
quela parceria. A fantasia sexual nada mais é do que um
conteúdo cognitivo que é percebido como erótico. Ela pode
ser uma ideia, um pensamento, uma imagem ou mesmo
uma pequena história. Ao compreendermos que a fantasia
sexual pode ser algo simples, fica muito mais fácil inserir
isso no cotidiano dos casais, quebrando parte do tabu sobre
o termo fantasia sexual, que costuma vir carregado de sig-
nificados ameaçadores para a parceria.

Aline Sardinha 181


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

MATERIAL PARA USAR COM SEUS PACIENTES

Um dos Baralhos da Sexualidade, “Conversando sobre sexo”,


traz cartas temáticas com palavras que se referem a partes
do corpo, objetos e aspectos do repertório sexual. O terapeu-
ta pode utilizar essas cartas para que os pacientes ou o casal
falem daquele assunto ou formem frases contendo aquela
palavra, descrevendo o que ocorre em suas relações ou algo
que gostariam que ocorresse. Além disso, nesse baralho, há
três cartas – proposta, tabu e coringa – que podem ser apro-
veitadas para inserir conteúdos ainda não conversados pelo
casal, mas que são importantes para uma das partes, ou que
as cartas não contemplam. Já o baralho “Desvendando a se-
xualidade” traz cartas com perguntas como “O sexo perfeito
para mim é?”, ou “O sexo perfeito para o meu parceiro é?”, ou,
ainda, “me excita”, “eu gosto, “eu não gosto” etc. Você pensou
ou testou outros usos para os Baralhos da Sexualidade? Com-
partilhe nas nossas ferramentas interativas!

Aline Sardinha 182


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 22

REGULAÇÃO DAS EMOÇÕES


NEGATIVAS NA SITUAÇÃO SEXUAL

Diferentemente de outras situações terapêuticas, na terapia


relacionada à sexualidade, o psicólogo não consegue acom-
panhar o paciente na situação que gera a queixa. Logo, o su-
jeito precisa adquirir habilidades que permitam manejar de
maneira autônoma as dificuldades e experiências negativas
que possam surgir durante o sexo.

Desde os primeiros estudos em sexualidade, sabe-se que a


ansiedade e as emoções negativas durante a situação sexual
precisam ser trabalhadas. No início, o foco era apenas na
ansiedade, mas, atualmente, sabemos que muitas outras
emoções podem ocorrer, diminuindo ou prejudicando a
resposta sexual e gerando comportamentos de insegurança,
evitativos, de vigilância, de desistência e tantos outros abor-
Aline Sardinha 183
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

dados no ciclo da falha sexual.

Dentro das novas perspectivas em terapia cognitivo-com-


portamental, há estratégias que permitem trabalhar a situ-
ação sexual de modo a favorecer a regulação emocional. O
foco não é impedir que a emoção apareça, mas aprender a
regulá-la quando aparece. É possível experimentar a emo-
ção e estabelecer com ela uma relação diferente, que evite a
entrada no ciclo da falha sexual. O paciente precisa, portan-
to, aprender a dar à emoção novos significados.

Além disso, o terapeuta precisa considerar que nem sem-


pre irá lidar com um casal em relacionamento estável. Um
paciente pode participar de uma terapia individual e lidar
com diferentes parceiros que nem sempre estão dispostos
a participar da terapia. Logo, é preciso ajudar o paciente a
ser cada vez mais assertivo sexualmente e flexibilizar seu
repertório sexual. O paciente precisa ter a possibilidade de
controlar a emoção independentemente do ambiente ou do
parceiro que está com ele, tornando-se, assim, menos vul-
nerável.

Para o casal, esse processo é mais fácil, pois o terapeuta pode


atuar sobre os dois parceiros e, aos poucos, utilizar estraté-
gias que permitam a regulação da emoção durante o jogo
sexual. Seja na terapia individual ou em casal, o paciente
precisa ganhar consciência sobre suas emoções e sobre os

Aline Sardinha 184


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

comportamentos que resultam delas. A resposta compor-


tamental à emoção muitas vezes é automática e, a partir do
momento em que o sujeito entende que pode ser mais ativo
e menos refém dos automatismos, o controle emocional é
facilitado.

A ideia é mostrar que fugir do desconforto – ou seja, da


emoção – não é a melhor escolha. A emoção precisa ser re-
conhecida para ser regulada e permitir uma postura ativa
do sujeito. Essa perspectiva pode ser atingida por treina-
mento, seja na situação sexual ou em outras vivências. Isso
pode causar estranhamento para o paciente no início, pois
ele chega ao consultório esperando livrar-se da falha sexual
e das emoções, e não enfrentá-las. Porém, quando a falha
sexual é interpretada como um fracasso, o indivíduo pode
desenvolver uma disfunção sexual. Já se o sujeito descobre
uma maneira de lidar com a falha sexual buscando uma
nova solução comportamental, as emoções negativas que
surgem com ela tendem a ser reguladas.

Quanto mais consciente o indivíduo for de suas emoções e


quanto menos julgamento ele fizer dele mesmo e do parcei-
ro, mais fácil será lidar com as emoções e tentar desviar o
foco para a situação sexual. Regular a emoção é uma habi-
lidade, e existem muitas ferramentas terapêuticas que po-
dem ser usadas para desenvolvê-la. Esse processo é gradual
e exige treinamento, mas a base é mostrar ao paciente que

Aline Sardinha 185


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

ele pode ter uma postura mais assertiva quanto ao que sen-
te e sua sexualidade. O objetivo comportamental é que ele
consiga manter comportamentos que favoreçam o prazer e
a resposta sexual.

Em termos terapêuticos, o paciente será exposto à situação


de ansiedade. Ele não será dessensibilizado para que a an-
siedade desapareça, mas será exposto ao desconforto gra-
dualmente conforme vai aprendendo a enfrentar as emo-
ções. É possível trabalhar, por exemplo, com mecanismos
de segurança: se o paciente tem disfunção erétil e está acos-
tumado a utilizar medicação para enfrentar o problema, o
terapeuta pode, aos poucos, colocar esse remédio no lugar
de acessório e não como foco principal do tratamento, prin-
cipalmente se a disfunção erétil tiver origem psicogênica e
não física. O paciente começa, então, a entender que o re-
médio é apenas um mecanismo de segurança que será usa-
do somente quando necessário. Muda, assim, sua postura
frente à falha sexual.

Aline Sardinha 186


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

5 FORMAS DE MANEJAR AS EMOÇÕES


NEGATIVAS DURANTE O SEXO

• Tarefas graduais: parceria cooperativa ou uso de mecanis-


mos de segurança. Orientação para nunca pressionar além
do ponto acordado. Limitação do coito se necessário.

• Atenção à emergência de emoções negativas – ir até onde


o indivíduo se mantenha relaxado e possa sentir prazer ou
tolerar o desconforto emocional.

• Observar, identificar, nomear e aceitar a ocorrência das


manifestações relacionadas às emoções negativas.

• Manter comportamentos que favoreçam a excitação, o


prazer e a intimidade.

• Direcionar o comportamento no sentido da excitação se-


xual e não da evitação do desconforto.

Aline Sardinha 187


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

● SAIBA MAIS
A perspectiva do trabalho com as emoções proposta na te-
rapia cognitiva sexual deriva dos estudos mais recentes em
TCCs que apontam para a eficácia de abordagens conside-
radas por alguns autores como a “terceira onda” das TCCs.
Essas abordagens têm como foco não a modificação do con-
teúdo do pensamento, mas o estabelecimento de uma rela-
ção diferente com os próprios processos emocionais, cog-
nitivos e fisiológicos, evitando responder a estes de forma
automática. Uma referência interessante para complemen-
tar seus estudos é o livro:

LEAHY, R. L.; TIRCH, D.; NAPOLITANO, L. A.. Regulação


Emocional em Psicoterapia: Um Guia para o Terapeuta
Cognitivo-Comportamental. Porto Alegre Artmed, 2013.

Aline Sardinha 188


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

CAPÍTULO 23

DESAFIOS DA PRÁTICA CLÍNICA EM


SEXUALIDADE

A prática clínica em sexualidade requer um manejo teórico


importante e uma atuação informada, exigindo que o tera-
peuta esteja atualizado em relação às novidades que apare-
cem no mercado da sexualidade e a tudo que acontece em
termos sociais, bem como atento a outros transtornos que
podem estar associados às disfunções sexuais, como a de-
pressão. Além disso, exige um treinamento específico e um
conforto para abordar questões relacionadas à sexualidade.
Poucos terapeutas têm treinamento para falar sobre o tema,
ainda que ele seja abordado por diversos pacientes durante
a terapia.

Aline Sardinha 189


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

■ FALAR SOBRE SEXO

Geralmente, as primeiras dificuldades aparecem no mo-


mento de abordar a sexualidade. Muitos pacientes têm di-
ficuldade de relatar a queixa sexual e podem levar muito
tempo para conseguir descrever o problema. Outros criam
uma imagem idealizada do terapeuta – por exemplo, uma
mulher que busca uma psicóloga também mulher porque
acredita que as duas compartilharão da mesma visão sobre
sexualidade –, o que pode gerar confusão, porque, na reali-
dade, a visão que o profissional tem sobre a sexualidade não
tem lugar na intervenção.

■ LINGUAGEM ADEQUADA

De uma forma geral, a linguagem usada pelo terapeuta não


pode ser muito distante da linguagem do paciente – isto é,
não deve ser muito acadêmica. Ainda assim, a linguagem
da terapia não é uma linguagem de mesa de bar ou a mesma
que o terapeuta usa com seu parceiro. É possível utilizar a
mesma linguagem que o paciente, caso o terapeuta se sinta
confortável.

Aline Sardinha 190


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

■ O CONSULTÓRIO

O ambiente do consultório precisa transmitir a ideia de aco-


lhimento e segurança. O paciente fará projeções sobre o lu-
gar e, objetivamente, o terapeuta não pode permitir que o
indivíduo o inclua nas fantasias sexuais. Não há uma receita
rígida, mas o terapeuta deve estar atento aos significados
atribuídos à sua fala e ao ambiente, já que a sexualidade é
um tema cheio de significados.

■ O LUGAR DO TERAPEUTA

Durante o atendimento, o terapeuta deve ser capaz de con-


trolar as próprias emoções. Se ele ficar vermelho toda vez
que falar de sexo, por exemplo, isso vai atrapalhar a relação
com o paciente, prejudicando a terapia. O psicólogo preci-
sa, portanto, estar aberto para regular suas emoções, mes-
mo quando o paciente relatar algo constrangedor. Na tera-
pia sexual, são feitos relatos muito íntimos, e o profissional
precisa se controlar e ter muita ética e sigilo para lidar com
esses temas.

Em suma, ao longo do tratamento, o psicólogo precisa es-


tar alerta para que consiga se manter no lugar de terapeuta.
Todo psicólogo recebe esse treinamento durante sua for-
mação, mas colocá-lo em prática, especialmente na terapia
Aline Sardinha 191
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

sexual, requer muita autoconsciência, supervisão e emba-


samento teórico. Frequentemente, terapeutas iniciantes po-
dem realizar intervenções sem saber explicar no que elas
são baseadas – nesses casos, a intervenção é fundamentada
numa visão pessoal do caso, o que é incorreto, pois as TCCs
estão sempre ligadas ao embasamento teórico.

■ ESTOU PREPARADO PARA ATENDER PACIEN-


TES COM QUEIXA SEXUAL?

A terapia sexual abrange, naturalmente, muitas questões


pessoais do terapeuta. Um psicólogo que não tenha facili-
dade para conversar sobre sexo fora de seu papel profissio-
nal possivelmente terá dificuldade em discutir o tema com
seus pacientes. Nesse caso, talvez a melhor escolha seja en-
caminhar os pacientes para um profissional especializado
ou pedir supervisão de alguém que trabalhe com queixas
sexuais. O terapeuta deve estar sempre consciente acerca de
seu lugar de desconforto, no nível pessoal e profissional.

■ TERAPIA SEXUAL E IMAGINÁRIO POPULAR

Outro desafio é que, ao lidar com a queixa sexual, o psicólo-


go fica muito a mercê da visão que a sociedade tem do tera-

Aline Sardinha 192


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

peuta sexual. Um profissional jovem que tem uma posição


de terapeuta sexual pode ser visto como uma pessoa que
sabe tudo sobre sexo. É importante entender esse lugar em
que a sociedade coloca o terapeuta e refletir se é esse o lu-
gar onde se gostaria de estar, pois o psicólogo vai lidar com
as consequências desse papel que assume no imaginário
popular. É comum que o parceiro do paciente queira, por
exemplo, ir ao consultório para conhecer o terapeuta, ver se
ele é atraente ou se influencia o paciente de forma negativa.

■ TERAPIA INDIVIDUAL OU TERAPIA DE CASAL?

A queixa sexual é iminentemente relacional e, às vezes, a


terapia precisa ser transformada em terapia de casal. Nem
sempre esse cônjuge aceita ser incluído logo no início, mas
o terapeuta pode tentar conversar com ao longo da terapia.
Há, com o cônjuge, uma relação terapêutica que difere da
relação com o paciente, e o terapeuta precisa considerar a
questão do sigilo, já que o cônjuge pode compartilhar falas
que ele não gostaria que o parceiro soubesse. Muitas vezes é
importante conversar com os parceiros separadamente para
entender a sexualidade de cada um e ter os dados necessá-
rios para a investigação.

Essa interação com os parceiros deve ser bem construída,


para que a intervenção seja ética e tenha embasamento teó-
Aline Sardinha 193
Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

rico. No processo de treinamento, é importante ter a super-


visão de outros profissionais que auxiliem nesse direciona-
mento da terapia.

■ DIFICULDADES DE RELACIONAMENTO COM


OS PACIENTES

Alguns pacientes têm dificuldades na relação interpessoal


e vão transpor essas questões para a relação terapêutica. É
preciso entender o sentido daquele comportamento dentro
da estrutura cognitiva do paciente e sempre observar o lu-
gar que o terapeuta ocupa nessa relação. Se o terapeuta per-
ceber que está ocupando um lugar que não é o de terapeuta,
ele precisa buscar uma supervisão.

■ RESPEITO ÀS CRENÇAS DOS PACIENTES

Na terapia sexual, questões muito íntimas são trabalhadas:


convicções religiosas, sexualidade do parceiro, vivências se-
xuais familiares e outros aspectos pessoais e de valores de-
vem ser tratados com respeito. O conjunto de valores do
paciente deve ser validado e acolhido, de forma a mostrar
a relação funcional entre as crenças e sua sexualidade. Não
se deve desqualificar ou criticar as crenças, pois elas são im-

Aline Sardinha 194


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

portantes para o paciente. A ideia é colocar o sujeito numa


posição ativa para decidir como irá lidar com a dificuldade
gerada por aquilo em que acredita, mas com uma postura
generosa e respeitosa, permitindo um ambiente de parceria,
tranquilidade e conforto.

REFLEXÕES PARA A FORMAÇÃO DO TERAPEUTA

Construir o lugar de terapeuta sexual não é um caminho fá-


cil. Este curso é um primeiro passo para se informar sobre o
tema, mas a prática em sexualidade exige um caminho pes-
soal e profissional. Mesmo que o terapeuta ainda não se sin-
ta plenamente confortável para lidar com a terapia sexual, a
ideia de conhecer as questões aqui debatidas já é suficiente
para que ele não faça intervenções prejudiciais que possam
gerar mais problemas, endossando mitos que reforçam as
queixas sexuais. Esse curso não tem o objetivo de formar ou
certificar ninguém, mas é um ponto de partida para estudar
e trocar informações sobre o tema.

Aline Sardinha 195


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

● SAIBA MAIS
Para um maior embasamento teórico e prático sobre como
abordar a parceria na terapia cognitiva sexual, sugerimos a
leitura do capítulo 8 (“O casal com queixa sexual”) do livro
já citado anteriormente:

CARVALHO, A.C.; SARDINHA, A.. Terapia Cognitiva


Sexual: uma proposta integrativa na psicoterapia da
sexualidade. Rio de Janeiro: Cognitiva, 2017.

Aline Sardinha 196


Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e Prática

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Aline Sardinha 200

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