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dossiê
Aspectos neurobiológicos
da PERDA
O luto pode ser concebido
como um mecanismo
inerente à psique humana,
porém com uma influência
neurobiológica intensa
em relação às sinapses
neuroquímicas que provocam
diversas alterações
comportamentais
Por Marta Relvas
O
luto é uma emoção vi- O humano tinha do cérebro e da mente humana. Usa-
vida e sentida pelo hu- mos 100% de sua capacidade e temos
mano quando ele perde
uma caixa craniana muitas possibilidades de estrutura-
alguém por meio da pequena com ção de funções ainda mais comple-
morte ou quando ocorre uma ruptura xas que são construídas mediante as
que o distancia, na perda do emprego, mandíbulas grandes necessidades socioculturais. O luto
do seu pertencimento local, algo que para alimentação crua. pode ser considerado um sentimento
tenha significado afetivo, apego para apreendido e assimilado ao longo do
sua vida. Pode se manisfestar por Após a descoberta processo da vida humana.
um profundo sentimento de tristeza do fogo, passou a ter O processo de luto apresenta
ou compaixão, provocando um sen- diferenças quando a morte é algo
timento de carência, a qual se revela uma caixa craniana que já se espera, como em casos
de mínima ou grande intensidade, de maior e a mandíbula de doença crônica grave, ou a que
natureza positiva ou negativa. decorre de tragédias, como as que
É importante perceber que o luto menor, o que permitiu se abateram recentemente sobre o
não se restringe apenas à presença o desenvolvimento país. A possibilidade de se despedir
da morte. Ele também está presente da pessoa amada gera menos des-
em toda privação, nas rupturas da inteligência conforto do que quando a partida
matrimoniais, nos rompimentos é de uma hora para a outra. A bus-
com amigos, na mudança para outro tona aspectos funcionais orgânicos e ca rápida por apoio profi ssional em
país. Assim, este sentimento pode ser psíquicos da memória que nos provo- situações como essas é importante
concebido, na verdade, como um me- cam a dor física e emocional, sendo o para se evitar o desenvolvimento do
canismo inerente à psique humana, cérebro o órgão biológico responsável transtorno do estresse pós-traumá-
porém com uma influência neurobio- por estas reações acontecerem, espe- tico, um distúrbio de ansiedade que
lógica intensa em relação às sinapses cificamente na área cerebral denomi- pode dificultar ou até impedir o re-
neuroquímicas que provocam diver- nada giro do cíngulo. torno às atividades habituais.
sas alterações comportamentais. Vi- Na natureza não há nada tão A princípio, o humano tinha uma
ver o luto ou experimentá-lo é trazer à complexo quanto o funcionamento caixa craniana pequena com mandí-
bulas grandes para alimentação crua.
Depois da descoberta do fogo, passou
O luto surge a ter uma caixa craniana com encéfa-
quando a pessoa lo maior e a mandíbula menor, o que
perde alguém
pela morte, ou
permitiu maior desenvolvimento da
quando ocorre inteligência. Nessa fase, o homem li-
uma ruptura berou as mãos do movimento da mar-
que o distancia, cha e começou a utilizar ferramentas
na perda de de trabalho para transformar a natu-
algo que tenha
significado
reza. Diante deste aspecto, o humano
afetivo torna-se capaz de não mais relacionar
suas perspectivas de sobrevivência
com a alimentação, mas à funcionali-
dade de pensar mais, pois as questões
nutricionais, a princípio, estavam
vencidas para a continuidade da es-
pécie. O humano começa a utilizar-
-se do processo cognitivo com maior
propriedade e tempo, despertando
para sua existência.
O córtex cerebral aumentou de
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Transformação
D essa forma, afi rmamos que um
cérebro que sofreu alguma al-
teração tem todas as condições de se
transformar por meio dos processos
de neuroplasticidade, seja pelo de-
senvolvimento cognitivo, emocional,
motor ou social. E a emoção ganha O luto não se restringe à presença da morte, mas está presente em toda privação, nas rupturas
um notável destaque na evolução matrimoniais, nos rompimentos com amigos
humana, como uma habilidade a ser
entendida e interpretada, por meio O humano passou luto precisa ser compartilhado com
de uma atitude resiliente, diante de alguém e este compartilhamento se
situações consideradas difíceis para a não mais relacionar dá por meio da fala ou da observação
que o humano possa ressignificá-las. suas perspectivas não verbal.
É necessário compreender como
de sobrevivência o luto atua na ativação neurobioló-
com a alimentação, gica das amígdalas cerebrais e como
provoca uma experiência emocional.
mas à funcionalidade As amígdalas são estruturas que for-
necem componentes básicos, mis-
de pensar mais, pois turados na memória de trabalho a
as questões representações sensoriais de curto
prazo e a memórias de longo prazo
nutricionais, a princípio, ativadas por essas representações
estavam vencidas sensoriais, produzindo, então, uma
experiência emocional.
Estudo para a continuidade De acordo com Ledoux (1998),
O luto é um sentimento que vem sen-
do muito estudado pela neurociência,
da espécie as amígdalas cerebrais têm projeções
pois influencia diretamente as amíg- em muitas áreas corticais. Sendo que
dalas cerebrais, que são estruturas O luto pode ser vivenciado em as projeções das amígdalas para o cór-
do sistema límbico ou sistema de cinco fases: negação, raiva, nego- tex são consideradas mais frequentes
recompensa, tendo como fisiologia ciação, depressão e aceitação. Im- do que as projeções do córtex para a
desencadear as emoções, o medo, portante entender que nem todas as amígdala. Além de se projetar de vol-
sobre o córtex cerebral que pensa pessoas vivem esse período de forma ta às regiões sensoriais corticais de
e que é conhecido neurobiologica- linear. Algumas começam pela raiva, onde recebe informações, as amígda-
mente como a área responsável pelos por exemplo, ou por outra etapa. O las também se projetam para algumas
processos cognitivos superiores.
fundamental é buscar ajuda de um áreas de processamento sensorial
profissional, de preferência da saúde das quais não recebem informações.
mental. Entende-se que a família e Como resultado, uma vez ativadas, as
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E
mbora a morte seja a úni-
ca certeza da humanidade,
lidar com ela é um grande
desafio. Nossa relutância
em falar sobre a morte é frequente-
mente interpretada como uma evi-
dência de que estamos com medo, e,
por isso, reprimimos os pensamen-
tos sobre ela: aprendemos a negá-la
e nos sentimos aterrorizados. Isso
se deve ao fato de a ligarmos direta-
mente com a perda.
Alguns estudos recentes apon-
taram que nós nos sentimos mais
preocupados com a possibilidade
de perdermos um ente querido do
que com nossa própria morte. Em
Rodrigo Fonseca é doutorando em Neuromarketing pela Flórida Christian geral, o processo do falecimento, a
University, comunicador social graduado pela USP e presidente da
Sociedade Brasileira de Inteligência Emocional. É autor dos livros ausência, a dor e a solidão causam
Emoções – a Inteligência Emocional na Prática, 21 Chaves para a Realização uma angústia maior do que o fim da
Pessoal e Inteligência Emocional para Pais, além de idealizador da primeira vida em si.
formação de inteligência emocional do Brasil e da Sbie Academy.
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Por isso, diante de uma perda cativa. Ademais, em uma visão mais
significativa, desenrola-se um pro- analítica, o luto nada mais é do que
cesso necessário e fundamental a perda de um elo significativo en-
para que o vazio deixado, com o tre uma pessoa e a fonte desse sen-
tempo, possa voltar a ser preenchi- timento. Portanto, é um fenômeno
do. Esse processo é denominado de natural e constante durante todo o
luto e consiste numa adaptação à desenvolvimento humano.
perda e à ausência. A ideia de luto não se limita ape-
O luto vem do latim lucto, e tem nas à morte, mas ao enfrentamento
Emoções
como sua definição o conjunto de das sucessivas perdas reais e sim-
Ao passar por essa situação, é im-
reações diante de uma perda signifi- bólicas durante o desenvolvimen- portante viver cada fase do luto e
to humano. Desse modo, pode ser encarar todos as emoções que fa-
Diante de uma vivenciado através de perdas que zem parte desse processo. Resistir
perpassam pela dimensão física e
perda significativa, psíquica, como os elos significati-
ou pular etapas podem fazer com
que o sofrimento seja prolongado,
desenrola-se um vos com aspectos pessoais, profis- gere traumas emocionais e doenças.
sionais, sociais e familiares do ser Por esse motivo, é importante vi-
processo necessário humano. O luto está relacionado à venciar o luto, entregar-se à dor e
para que o vazio dificuldade de lidar com mudanças colocar a tristeza para fora… literal-
mente, “abrir a torneira da alma”!
drásticas, e isso se deve principal-
deixado, com o mente por conta de um dos maiores
tempo, possa voltar conf litos emocionais atuais: a de-
pendência emocional!
a ser preenchido. O que define a dependência
Esse processo emocional não é o desejo em si, mas
sim a incapacidade de renunciar a
consiste numa determinado elo ou vínculo. Quan- fato de não sermos realistas e acei-
adaptação à perda to sofrimento não é causado pelo tarmos as coisas como são?
Mesmo sabendo que nada dura
para sempre, existe uma grande relu-
tância em assentir que a pessoa par-
tiu. É uma contradição entre a razão e
a emoção, já que nossa mente diz para
aceitarmos a ausência, mas nosso co-
ração não se permite conformar.
Isso ocorre porque tanto a pre-
sença quanto a ausência de uma
pessoa querida provocam reações
em áreas onde temos pouco con-
trole: existem alguns processos fi-
siológicos envolvidos e alterações
químicas que excedem o que po-
demos entender e gerenciar. Isso é
o que explica a chamada “teoria do
processo oponente”.
A teoria do processo oponen-
te foi desenvolvida por Solomon1 e
Corbit 2 , em 1974. De acordo com
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isso é neutralizando as emoções. mentado de uma maneira muito processo oponente ocorra, e que,
Para conseguir isso, ele realiza uma desagradável: com tristeza, irrita- diante da intensa emoção negativa,
operação recorrente: quando surge bilidade e todas as emoções envol- surja um “estímulo corretivo” para
uma emoção intensa, que nos tira a vidas em um luto. alcançar novamente o equilíbrio.
estabilidade usual, a resposta é dar Cada emoção corresponde a Mais do que uma fase, o luto
lugar à emoção oposta ou a um estí- um processo fisiológico no corpo é um sofrimento útil que permite
mulo emocional corretivo. e a mudanças químicas no cérebro. olhar para a frente. A dor da perda
A ausência de alguém amado não é não deve impossibilitar a pessoa de
Força apenas um vazio emocional, porque continuar a viver e prosseguir com
inicial desaparece e fica apenas o quando alguém querido morre num acidente você se identifica e tem a
“estímulo corretivo” que, por sua chance de perceber que a vida tem muito mais valor.
vez, se intensifica. Esse é experi-