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Compreensão da Psicologia para o luto

dossiê

Aspectos neurobiológicos
da PERDA
O luto pode ser concebido
como um mecanismo
inerente à psique humana,
porém com uma influência
neurobiológica intensa
em relação às sinapses
neuroquímicas que provocam
diversas alterações
comportamentais
Por Marta Relvas

Marta Relvas é doutora


e mestre em Psicanálise.
Possui Title in Education
Neurosciences
and childhood and
adolescence learning
of Erasmus+ University
– Europe – Portugal.
É membro efetiva da
Sociedade Brasileira
de Neurociência e
Comportamento. Autora
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de livros e DVDs sobre


Neurociência e Educação
pela Editora Wak

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dd oo s s i ê

O
  luto  é uma emoção vi- O humano tinha do cérebro e da mente humana. Usa-
vida e sentida pelo hu- mos 100% de sua capacidade e temos
mano quando ele perde
uma caixa craniana muitas possibilidades de estrutura-
alguém por meio da pequena com ção de funções ainda mais comple-
morte ou quando ocorre uma ruptura xas que são construídas mediante as
que o distancia, na perda do emprego, mandíbulas grandes necessidades socioculturais. O luto
do seu pertencimento local, algo que para alimentação crua. pode ser considerado um sentimento
tenha significado afetivo, apego para apreendido e assimilado ao longo do
sua vida. Pode se manisfestar por Após a descoberta processo da vida humana.
um profundo sentimento de tristeza do fogo, passou a ter O processo de luto apresenta
ou compaixão, provocando um sen- diferenças quando a morte é algo
timento de carência, a qual se revela uma caixa craniana que já se espera, como em casos
de mínima ou grande intensidade, de maior e a mandíbula de doença crônica grave, ou a que
natureza positiva ou negativa. decorre de tragédias, como as que
É importante perceber que o luto menor, o que permitiu se abateram recentemente sobre o
não se restringe apenas à presença o desenvolvimento país. A possibilidade de se despedir
da morte. Ele também está presente da pessoa amada gera menos des-
em toda privação, nas rupturas da inteligência conforto do que quando a partida
matrimoniais, nos rompimentos é de uma hora para a outra. A bus-
com amigos, na mudança para outro tona aspectos funcionais orgânicos e ca rápida por apoio profi ssional em
país. Assim, este sentimento pode ser psíquicos da memória que nos provo- situações como essas é importante
concebido, na verdade, como um me- cam a dor física e emocional, sendo o para se evitar o desenvolvimento do
canismo inerente à psique humana, cérebro o órgão biológico responsável transtorno do estresse pós-traumá-
porém com uma influência neurobio- por estas reações acontecerem, espe- tico, um distúrbio de ansiedade que
lógica intensa em relação às sinapses cificamente na área cerebral denomi- pode dificultar ou até impedir o re-
neuroquímicas que provocam diver- nada giro do cíngulo. torno às atividades habituais.
sas alterações comportamentais. Vi- Na natureza não há nada tão A princípio, o humano tinha uma
ver o luto ou experimentá-lo é trazer à complexo quanto o funcionamento caixa craniana pequena com mandí-
bulas grandes para alimentação crua.
Depois da descoberta do fogo, passou
O luto surge a ter uma caixa craniana com encéfa-
quando a pessoa lo maior e a mandíbula menor, o que
perde alguém
pela morte, ou
permitiu maior desenvolvimento da
quando ocorre inteligência. Nessa fase, o homem li-
uma ruptura berou as mãos do movimento da mar-
que o distancia, cha e começou a utilizar ferramentas
na perda de de trabalho para transformar a natu-
algo que tenha
significado
reza. Diante deste aspecto, o humano
afetivo torna-se capaz de não mais relacionar
suas perspectivas de sobrevivência
com a alimentação, mas à funcionali-
dade de pensar mais, pois as questões
nutricionais, a princípio, estavam
vencidas para a continuidade da es-
pécie. O humano começa a utilizar-
-se do processo cognitivo com maior
propriedade e tempo, despertando
para sua existência.
O córtex cerebral aumentou de
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volume e, com ele, a possibilidade de


processamento de informações por

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Compreensão da Psicologia para o luto
meio do pensamento e da lingua-
gem. A socialização se tornou uma
necessidade, bem como o desenvol-
vimento de habilidades de convivên-
cia e organização sociais. Em outras
palavras, cada um de nós tem um
cérebro de acordo com a sua cultura
e com os desafios cognitivos que nos
são colocados.

Transformação
D essa forma, afi rmamos que um
cérebro que sofreu alguma al-
teração tem todas as condições de se
transformar por meio dos processos
de neuroplasticidade, seja pelo de-
senvolvimento cognitivo, emocional,
motor ou social. E a emoção ganha O luto não se restringe à presença da morte, mas está presente em toda privação, nas rupturas
um notável destaque na evolução matrimoniais, nos rompimentos com amigos
humana, como uma habilidade a ser
entendida e interpretada, por meio O humano passou luto precisa ser compartilhado com
de uma atitude resiliente, diante de alguém e este compartilhamento se
situações consideradas difíceis para a não mais relacionar dá por meio da fala ou da observação
que o humano possa ressignificá-las. suas perspectivas não verbal.
É necessário compreender como
de sobrevivência o luto atua na ativação neurobioló-
com a alimentação, gica das amígdalas cerebrais e como
provoca uma experiência emocional.
mas à funcionalidade As amígdalas são estruturas que for-
necem componentes básicos, mis-
de pensar mais, pois turados na memória de trabalho a
as questões representações sensoriais de curto
prazo e a memórias de longo prazo
nutricionais, a princípio, ativadas por essas representações
estavam vencidas sensoriais, produzindo, então, uma
experiência emocional.
Estudo para a continuidade De acordo com Ledoux (1998),
O luto é um sentimento que vem sen-
do muito estudado pela neurociência,
da espécie as amígdalas cerebrais têm projeções
pois influencia diretamente as amíg- em muitas áreas corticais. Sendo que
dalas cerebrais, que são estruturas O luto pode ser vivenciado em as projeções das amígdalas para o cór-
do sistema límbico ou sistema de cinco fases: negação, raiva, nego- tex são consideradas mais frequentes
recompensa, tendo como fisiologia ciação, depressão e aceitação. Im- do que as projeções do córtex para a
desencadear as emoções, o medo, portante entender que nem todas as amígdala. Além de se projetar de vol-
sobre o córtex cerebral que pensa pessoas vivem esse período de forma ta às regiões sensoriais corticais de
e que é conhecido neurobiologica- linear. Algumas começam pela raiva, onde recebe informações, as amígda-
mente como a área responsável pelos por exemplo, ou por outra etapa. O las também se projetam para algumas
processos cognitivos superiores.
fundamental é buscar ajuda de um áreas de processamento sensorial
profissional, de preferência da saúde das quais não recebem informações.
mental. Entende-se que a família e Como resultado, uma vez ativadas, as
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os amigos exercem uma fundamen- amígdalas são capazes de influenciar


tal importância nesse apoio, pois o as áreas corticais responsáveis pelo

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percepção consciente da atividade


das amígdalas seja realizada de di-
versas maneiras.
Em suma, conexões que partem
das amígdalas para o córtex permitem
que as redes de defesa influam sobre a
atenção, a percepção e a memória nas
situações em que nos defrontamos
com o perigo. Ao mesmo tempo, en-
tretanto, esses tipos de conexão po-
deriam ser inadequados como expli-
cação completa para a “sensação” de
Viver o luto ou diferença de um episódio emocional,
experimentá-lo é
trazer à tona aspectos
de uma percepção, lembrança ou pen-
funcionais orgânicos e samento, em comparação com um
psíquicos da memória, episódio não emocional.
que nos provocam a Essas conexões oferecem à me-
dor física e emocional mória de trabalho informações sobre
o caráter positivo ou negativo de algu-
ma coisa, mas são insuficientes para a
produção de sentimentos oriundos da
processamento dos estímulos que a qual pode ter uma participação es- percepção de que algo bom ou ruim
estão ativando. O que pode ser mui- pecial nas memórias de trabalho no está presente. Para isso, necessitamos
to importante no direcionamento da que se refere a recompensas e puni- de outras conexões também. Além
atenção para estímulos emocional- ções. Por meio dessas conexões com das influências diretas que as amíg-
mente relevantes, mantendo a memó- estruturas especializadas de curto dalas exercem sobre o córtex há uma
ria de objeto de curto prazo focada no prazo, com as redes de memória de série de canais indiretos por meio dos
estímulo ao qual as amígdalas estão longo prazo e as do lobo frontal as quais os efeitos da ativação das amíg-
atribuindo um significado. amígdalas podem influenciar o con- dalas podem se fazer sentir no pro-
As amígdalas também estabele- teúdo das informações da memória cessamento cortical. Um conjunto
cem um conjunto impressionante de de trabalho. Há muita redundância importante dessas conexões é aquele
conexões com as redes de memória nesse sistema, possibilitando que a que envolve os sistemas de excitação
de longo prazo, que envolvem o sis- do cérebro.
tema do hipocampo e áreas do cór- A socialização
tex que interagem com o hipocampo Fragilidade
se tornou uma
na armazenagem dessas informações
de longo prazo. Essas vias podem
contribuir para a ativação de me-
necessidade, S egundo Ledoux, o conteúdo da
informação produzido pelos sis-
temas de excitação é frágil. O córtex
mórias de longo prazo significativas bem como o é incapaz de discernir que o perigo
em suas implicações emocionais de (em oposição a algum outro estado
estímulos imediatamente presentes.
desenvolvimento emocional) existe a partir do padrão
Embora as amígdalas tenham cone- de habilidades de mensagens neurais que recebe de
xões relativamente escassas com o sistemas de excitação. Esses sistemas
córtex pré-frontal lateral, seus elos
de convivência e simplesmente dizem que alguma
com o córtex cingulado anterior são organização sociais. coisa importante está acontecendo.
bastante fortes, um dos outros e são A combinação de excitação cortical
“parceiros” no circuito executivo da
Em outras palavras, inespecífica e informação específica
memória no lobo frontal. As amígda- cada um de nós tem produzida pelas projeções diretas da
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

las estabelecem, igualmente, cone- amígdala para o córtex possibilita o


xões com o córtex orbital, outra peça
um cérebro de acordo estabelecimento de uma memória de
importante na memória de trabalho, com a sua cultura trabalho que alerta para a presença

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Compreensão da Psicologia para o luto
Um cérebro que PARA SABER MAIS
sofreu alguma
alteração tem todas SENTIMENTO DE EMPATIA
as condições de se AO LONGO DA VIDA
transformar por meio
dos processos de N ão nascemos com sentimento da empa-
tia, aprendemos a desenvolvê-lo e a po-
tencializá-lo. Biologicamente, os neurônios
neuroplasticidade, seja espelho são células que se desenvolvem na
pelo desenvolvimento organização do processo da neurulação, que
é uma etapa do desenvolvimento do embrião
cognitivo, emocional, humano, ainda dentro do útero materno. A ci-
ência vem nos norteando que, a princípio, são estas
motor ou social estruturas microscópicas que nos habilitam para a capa-
de algo importante envolvendo o cidade e possibilidade de construir atitudes empáticas da compaixão, do
sistema cerebral do medo. Dedu- amor ao próximo, além de estarem diretamente ligadas às aprendizagens
ções cognitivas e processos de de- cognitiva, motora e social. Por isso, torna-se fundamental estudar estas
cisão controlados pelo executivo na células, para compreender como a neurofisiologia pode contribuir para o
memória de trabalho concentram- entendimento sobre o desenvolvimento das habilidades socioemocionais
-se ativamente na situação emocio- e, assim, contribuir para que se respeitem os limites e a dor do outro no
nalmente excitante, na tentativa de momento em que esteja vivendo o luto.
descobrir o que está acontecendo e
o que deve ser feito. Todas as demais
informações que concorrem pela portamentos específicos da espécie bem como uma série de peptídeos na
atenção da memória de trabalho são (imobilização, fuga, luta, expressões corrente sanguínea).
bloqueadas. E para uma experiência faciais, luto, tristeza, euforia), reações O que acontece em nosso cérebro
emocional completa deve-se consi- do sistema nervoso autônomo (alte- que nos faz sentir medo, raiva, amor,
derar o feedback corporal. rações na pressão sanguínea e nos ba- irritação e alegria? Ledoux (1998),
A ativação das amígdalas produz a timentos cardíacos, piloereção, suor) professor do Centro de Ciência Neu-
estimulação automática de redes res- e reações hormonais (liberação de rológica da Universidade de Nova
ponsáveis pelo controle da expressão hormônios do estresse, como a adre- York, apresenta, em sua obra O Cé-
de uma variedade de reações: com- nalina e os esteroides suprarrenais, rebro Emocional, uma pesquisa pio-
neira sobre a natureza e a origem das
emoções, e como os contextos emo-
cionais levam o humano a construir
expectativas, apegos, sentimentos de
pertencimento, pois o humano é o
único animal no planeta a reconhecer
seus processos de fi nitude, perdas,
que muitas vezes são necessárias,
para executar determinadas tomadas
de decisões.
Ainda em Ledoux, observa-se
que o estudo das emoções a partir da
compreensão do funcionamento do
cérebro permite um conhecimento
O processo de luto apresenta diferenças quando
que vai além daquele proporcionado
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

a morte é algo que já se espera ou decorre de


uma tragédia, como as que se abateram sobre o somente por meio da experimentação
país em Brumadinho, por exemplo psicológica, em especial sobre o papel
das amígdalas cerebrais, estruturas

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A emoção ganha destaque na evolução


humana, como uma habilidade a ser entendida e
interpretada, por meio de uma atitude resiliente,
diante de situações consideradas difíceis,
para que o humano possa ressignificá-las
fundamental na interpretação dos fa- motor e a nossa capacidade de “espe-
tos nas situações emocionalmente vi- lhamento” nos permitem comparti-
Respostas vidas, na imitação entre os humanos, lhar uma esfera comum de ação com
O sistema nervoso autônomo e as na compaixão e na possibilidade de os outros.
reações hormonais podem ser con- se colocar no lugar do outro intencio- Os neurônios espelho mudaram
siderados respostas viscerais, rea- nalmente, na empatia. o modo como vemos o cérebro e a nós
ções dos órgãos internos e glândulas Os neurônios espelho foram des- mesmos, e sua descoberta tem sido
(as vísceras). Quando essas reações
cobertos por acaso pela equipe do considerada um dos achados mais
viscerais e comportamentais se ex-
pressam, criam sinais corporais que
neurocientista Giacomo Rizzolatt i, importantes sobre a evolução do cé-
retornam ao cérebro e são conside- da Universidade de Parma, na Itália. rebro humano. Se a tarefa exige com-
rados fundamentais para que ocorra o A princípio, foram encontrados em preensão da ação observada, então as
sistema de alerta físico e emocional. uma determinada espécie de macaco. áreas motoras que codificam a ação
A pesquisa realizada estava relacio- são ativadas. Isso indica que há uma
nada ao uso de eletrodos na cabeça conexão no sistema nervoso entre
para verificar quantas vezes o animal percepção e ação, e que a percepção
realizava uma determinada atividade. seria uma simulação interna da ação.
Cada vez que o macaco cumpria uma
tarefa, como apanhar uvas-passas Questionamento
fundamentais do sistema emocional
nas reações de medo, do luto, da fuga,
da raiva – e também as investigações
com os dedos, por exemplo, os neu-
rônios no córtex pré-motor, nos lobos
frontais, disparavam. Mais tarde, exa-
U m questionamento importante
que vem sendo discutido é o
que os neurônios espelho têm a ver
sobre o modo como muitas emoções mes de neuroimagem mostraram que com os processos empáticos, com a
atuam como parte de um complexo nós temos neurônios espelho muito compaixão, com os relacionamentos
sistema neurológico desenvolvido mais sofisticados e flexíveis que os sociais, por conseguinte, com a ca-
para nos tornar aptos à sobrevivência, dos macacos. Nosso conhecimento pacidade de se colocar no lugar do
e como que esses processos cerebrais
emocionais podem também nos tra-
zer desordens psicológicas, como an-
siedade, fobias e ataques de pânico.
De acordo com Davidson (2013),
os correlatos cerebrais das emoções
negativas não ocorrem apenas no
tronco cerebral ou no sistema lím-
bico, e sim no córtex pré-frontal. O
cérebro humano exerce funções su-
periores, sendo organizado por uma
citoarquitetura de células especia-
lizadas, denominadas “neurônios
espelho”. Estes exercem uma função
A família exerce fundamental
importância, pois o luto precisa ser
compartilhado, o que se dá por meio da
fala ou da observação não verbal

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outro? Por exemplo: se vemos uma
pessoa chorar por algum motivo, os
neurônios espelho nos permitem
lembrar das situações em que cho-
ramos e simular a afl ição dela. Senti-
mos empatia por ela, sentimos o que
a pessoa está sentindo. A capacidade
de simular a perspectiva do outro
estaria na base de nossa compreen-
são das emoções do outro, de nossos
sentimentos empáticos.
Dependendo da intensidade do
luto, em relação ao tempo vivido,
muitas vezes, pode-se “suspeitar”
de um estado depressivo. Por isso é
necessário acompanhar o indivíduo
em suas necessidades emocionais
e intencionais. No sistema nervoso
do indivíduo em luto existe uma al-
teração na produção de dois neuro- O humano é o único animal a reconhecer seus processos de finitude, perdas, que muitas vezes são
transmissores, a noradrenalina e a necessárias, para executar determinadas decisões
serotonina – uma dupla de impor-
tantes mensageiros químicos entre Acontecimentos catastróficos na pelo ambiente em que se vive. Mas um
os neurônios. vida humana, como as tragédias, po- luto que se estende por vários meses
Qualquer alteração na quantida- dem trazer alterações psiconeurofisio- denuncia que algo errado está se pas-
de de uma dessas substâncias já é sufi- lógicas no cérebro e na mente, desenca- sando com o organismo, a sensação
ciente para abalar a dosagem da outra. deando disfunções comportamentais. de perda pode ser um fator ambiental
O desequilíbrio entre os dois neuro- É normal que alguém se sinta infeliz que precipita disfunções orgânicas.
transmissores atinge principalmente depois de romper um namoro, casa- Os médicos tentam bloquear o avanço
as áreas cerebrais relacionadas à me- mento, perder o emprego ou quando do problema com uso de medicamen-
mória, à motivação, à capacidade de morre um parente. Por algum tempo tos, rotulados como antidepressivos.
atenção e de planejamento, tornando a pessoa fica em um estado que po- Porém, o apoio terapêutico, clínico,
o indivíduo melancólico, triste. demos chamar de depressão reativa, o amor, a compaixão, a empatia e a
aquela detonada pelo momento ou fé são elementos fundamentamentais
para o acompanhamento desse in-
O luto pode ser divíduo, com o objetivo de resgatá-
vivenciado em cinco -lo para a vida integradora das inte-
rações sociais. Precisamos exercer
fases: negação, raiva, mais a empatia e a amorosidade entre
negociação, depressão os humanos!

e aceitação. Importante REFERÊNCIAS

entender que nem DAVIDSON, R. The Emotional Life of


Your Brain: How Its Unique Patterns
todas as pessoas Affect the Way You Think, Feel, and
Live-And How You Can Change Them.
vivem esse período de New York: Best Seller, 2013.

forma linear. Algumas LEDOUX, J. O Cérebro Emocional. São


IMAGENS: SHUTTERSTOCK

Paulo: Editora Objetiva, 1998.


começam pela raiva, RELVAS, P. M. Cérebro: Contextos,
Nuances e Possibilidades. Rio de Janeiro:
por exemplo Editora Wak, 2019.

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Compreensão da Psicologia para o luto
Superação de
TRAGÉDIAS
É preciso aceitar o vazio em torno
do processo de luto, e, por isso,
a inteligência emocional é um fator
determinante para que a pessoa encontre
força para passar pela perda e recomeçar
Por Rodrigo Fonseca

E
mbora a morte seja a úni-
ca certeza da humanidade,
lidar com ela é um grande
desafio. Nossa relutância
em falar sobre a morte é frequente-
mente interpretada como uma evi-
dência de que estamos com medo, e,
por isso, reprimimos os pensamen-
tos sobre ela: aprendemos a negá-la
e nos sentimos aterrorizados. Isso
se deve ao fato de a ligarmos direta-
mente com a perda.
Alguns estudos recentes apon-
taram que nós nos sentimos mais
preocupados com a possibilidade
de perdermos um ente querido do
que com nossa própria morte. Em
Rodrigo Fonseca é doutorando em Neuromarketing pela Flórida Christian geral, o processo do falecimento, a
University, comunicador social graduado pela USP e presidente da
Sociedade Brasileira de Inteligência Emocional. É autor dos livros ausência, a dor e a solidão causam
Emoções – a Inteligência Emocional na Prática, 21 Chaves para a Realização uma angústia maior do que o fim da
Pessoal e Inteligência Emocional para Pais, além de idealizador da primeira vida em si.
formação de inteligência emocional do Brasil e da Sbie Academy.
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Por isso, diante de uma perda cativa. Ademais, em uma visão mais
significativa, desenrola-se um pro- analítica, o luto nada mais é do que
cesso necessário e fundamental a perda de um elo significativo en-
para que o vazio deixado, com o tre uma pessoa e a fonte desse sen-
tempo, possa voltar a ser preenchi- timento. Portanto, é um fenômeno
do. Esse processo é denominado de natural e constante durante todo o
luto e consiste numa adaptação à desenvolvimento humano.
perda e à ausência. A ideia de luto não se limita ape-
O luto vem do latim lucto, e tem nas à morte, mas ao enfrentamento
Emoções
como sua definição o conjunto de das sucessivas perdas reais e sim-
Ao passar por essa situação, é im-
reações diante de uma perda signifi- bólicas durante o desenvolvimen- portante viver cada fase do luto e
to humano. Desse modo, pode ser encarar todos as emoções que fa-
Diante de uma vivenciado através de perdas que zem parte desse processo. Resistir
perpassam pela dimensão física e
perda significativa, psíquica, como os elos significati-
ou pular etapas podem fazer com
que o sofrimento seja prolongado,
desenrola-se um vos com aspectos pessoais, profis- gere traumas emocionais e doenças.
sionais, sociais e familiares do ser Por esse motivo, é importante vi-
processo necessário humano. O luto está relacionado à venciar o luto, entregar-se à dor e
para que o vazio dificuldade de lidar com mudanças colocar a tristeza para fora… literal-
mente, “abrir a torneira da alma”!
drásticas, e isso se deve principal-
deixado, com o mente por conta de um dos maiores
tempo, possa voltar conf litos emocionais atuais: a de-
pendência emocional!
a ser preenchido. O que define a dependência
Esse processo emocional não é o desejo em si, mas
sim a incapacidade de renunciar a
consiste numa determinado elo ou vínculo. Quan- fato de não sermos realistas e acei-
adaptação à perda to sofrimento não é causado pelo tarmos as coisas como são?
Mesmo sabendo que nada dura
para sempre, existe uma grande relu-
tância em assentir que a pessoa par-
tiu. É uma contradição entre a razão e
a emoção, já que nossa mente diz para
aceitarmos a ausência, mas nosso co-
ração não se permite conformar.
Isso ocorre porque tanto a pre-
sença quanto a ausência de uma
pessoa querida provocam reações
em áreas onde temos pouco con-
trole: existem alguns processos fi-
siológicos envolvidos e alterações
químicas que excedem o que po-
demos entender e gerenciar. Isso é
o que explica a chamada “teoria do
processo oponente”.
A teoria do processo oponen-
te foi desenvolvida por Solomon1 e
Corbit 2 , em 1974. De acordo com
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

essa tese, nosso cérebro tende sem-


A relutância em falar sobre a morte é frequentemente interpretada como uma evidência de que pre a buscar o equilíbrio emocional,
estamos com medo, embora seja a única certeza da vida e o caminho que escolhe para fazer

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Compreensão da Psicologia para o luto
O luto vem do
latim lucto e tem
como sua definição
o conjunto de
reações diante de
perda significativa.
Em uma visão mais
analítica, o luto é
a perda de um elo
significativo entre
uma pessoa e a fonte
Aceitar que uma pessoa partiu é um desafio, pois há uma contradição entre a razão e a emoção: a desse sentimento
mente diz para aceitar, mas o coração não se permite

isso é neutralizando as emoções. mentado de uma maneira muito processo oponente ocorra, e que,
Para conseguir isso, ele realiza uma desagradável: com tristeza, irrita- diante da intensa emoção negativa,
operação recorrente: quando surge bilidade e todas as emoções envol- surja um “estímulo corretivo” para
uma emoção intensa, que nos tira a vidas em um luto. alcançar novamente o equilíbrio.
estabilidade usual, a resposta é dar Cada emoção corresponde a Mais do que uma fase, o luto
lugar à emoção oposta ou a um estí- um processo fisiológico no corpo é um sofrimento útil que permite
mulo emocional corretivo. e a mudanças químicas no cérebro. olhar para a frente. A dor da perda
A ausência de alguém amado não é não deve impossibilitar a pessoa de
Força apenas um vazio emocional, porque continuar a viver e prosseguir com

O estímulo de resposta é fraco no


início, mas aos poucos vai ga-
nhando força. A partir desses princí-
há muita oxitocina, dopamina e se-
rotonina que as pessoas amadas ge-
ram. Quando não estão lá, o corpo
suas experiências. Pode ser muito
doloroso aceitar a situação e apren-
der a conviver com a ausência e com
pios é possível explicar, em parte, o sofre uma desordem que, em prin- a saudade, e, nesse sentido, ter ma-
que acontece no processo do vício e cípio, não pode ser equilibrada. É turidade e independência emocio-
o que acontece no cérebro após uma necessário tempo para que um novo nal é fundamental para superar a
perda. A emoção inicial é muito in-
tensa – não tem oposição e, por isso,
atinge um nível máximo. É o que
acontece, por exemplo, quando nos
apaixonamos. No entanto, pouco a
 PARA SABER MAIS
pouco, o estímulo oposto aparece, OS PRINCIPAIS TABUS DA SOCIEDADE
D
embora no início não seja percebido. os vários tabus que marcam a história da nossa sociedade, a sexua-
Gradualmente, vai ganhando força lidade e a morte parecem ter sempre ocupado os primeiros lugares.
para neutralizar essa emoção inicial. Falar da morte recorda-nos a efemeridade da nossa própria vida, e todos
No entanto, se ocorre uma os esforços são feitos no sentido de tentar contrariar o incontornável fato
ausência, seja porque essa pessoa da mortalidade. Os momentos de luto são importantes para a revisão de
se afasta ou porque morre, ocorre certas posturas diante da vida. Se você vinha num processo de conduta
uma descompensação. O estímulo de risco, achava que podia ir numa festa, beber muito e continuar dirigindo,
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

inicial desaparece e fica apenas o quando alguém querido morre num acidente você se identifica e tem a
“estímulo corretivo” que, por sua chance de perceber que a vida tem muito mais valor.
vez, se intensifica. Esse é experi-

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gústia e podendo levar a distúrbios


O cérebro tende sempre
a buscar o equilíbrio
psicossomáticos”.
emocional, e o caminho que
escolhe para fazer isso é Luto coletivo
tentar neutralizar as emoções
O estado de choque inicial é des-
concertante e o impacto emo-
cional causado em todos é enorme.
Tragédias com grande número de
mortes trazem muito sofrimento
às pessoas de forma geral porque
existe uma identificação com os fa-
miliares das vítimas e, dessa forma,
sofrem como se também fossem ví-
timas. Num luto coletivo todos se
emocionam e sentem a dor no cora-
ção. É também um momento de re-
viver as perdas pessoais, extravasar
O luto está relacionado à dificuldade de lidar com emoções abafadas anteriormente.
Nós tomamos emprestado um pou-
mudanças drásticas, e isso se deve principalmente co desse luto para chorar as nossas
por conta de um dos maiores conflitos próprias dores.
Por isso, é extremamente im-
emocionais atuais: a dependência emocional! portante falar sobre o luto e enfren-
tar os fantasmas do ocorrido. É fun-
perda de um ente querido e conti- damental aprender a conviver com
nuar a viver. a ausência e a saudade para seguir
O luto decorrente de mortes em frente.
provocadas por tragédias é intensi- Elisabeth Kluber–Ross 3 , ao
ficado pela forma abrupta e violenta estudar como as pessoas lidavam
com que ocorreram, e, por isso mes- com perdas pessoais catastróficas
mo, exigem maior atenção. Especia- – desde a morte de um ente queri-
listas alertam que o processo pode do até um divórcio –, percebeu que
afetar as dimensões física, psíquica, existem cinco estágios comuns que
emocional, comportamental, social a maior parte das pessoas passa, e
e espiritual. Como bem colocado Sofrimento com base nisso criou o modelo de
pela psicóloga especialista em luto, Viver o luto de forma saudável é Kluber-Ross, ou, como também
Nazaré Jacobucci, “o processo de sofrer – e seria estranho se não hou- ficou conhecido, as cinco fases do
luto apresenta diferenças quando a vesse sofrimento. Só o tempo pode luto. A intensidade das etapas varia
amenizar a dor da perda, mas é im-
morte é algo que já se espera, como de acordo com o grau de afetivida-
portante ressaltar que o luto é um
em casos de doença crônica grave, de entre a pessoa e o ente querido
processo individual, e que cada um
ou decorre de uma tragédia, como elabora a dor de maneira diferente.
e, principalmente, com o nível de
as que se abateram recentemente Não existe um tempo exato para vi- inteligência emocional de cada um.
sobre o país. Quando temos a possi- venciar cada uma das fases, e elas Isso porque as fases não são lineares
bilidade de nos despedir de alguém variam de acordo com cada pessoa e, portanto, a pessoa pode voltar a
que amamos, nos sentimos mais e seu nível de inteligência emocio- uma fase anterior a qualquer mo-
confortados. Mas quando a morte nal. Compreender isso é importante mento. As cinco fases do luto são:
surge de forma abrupta, o estado de para que a dor de uma pessoa e de NEGAÇÃO - Esse momento é mar-
choque inicial é desconcertante. Os outra não seja comparada. cado pela dificuldade em acreditar
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

questionamentos também podem que o fato realmente aconteceu.


permanecer por um período ainda A dor é intensa e existe uma gran-
maior, sendo mais um fator de an- de dificuldade para lidar com a

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Compreensão da Psicologia para o luto
perspectiva de um futuro sem a pes-
soa. Por isso, é um mecanismo de
PARA SABER MAIS
defesa, consciente ou inconsciente,
que nos faz não acreditar que cer- OS EFEITOS DA PERDA
ta situação é realmente verdade.
R AIVA - Ao perceber que o fato
realmente aconteceu e não existe E m termos cerebrais, a ausência de um ente querido tem efeitos semelhan-
tes aos da síndrome de abstinência, experimentados por aqueles que são
viciados em alguma substância. Em ambos os casos, há um estímulo inicial e
nada que possa ser feito a respeito,
é comum sentir uma revolta mui- um “estímulo corretivo”. No caso das emoções, o estímulo inicial é o próprio
afeto: há apego, necessidade dessa pessoa e alegria ao vê-la. Nos casais,
to grande. Nesse período, a pessoa
especialmente, esse estímulo emocional inicial é muito intenso. Ao mesmo
percebe que não é possível reverter
tempo, aparece o estímulo oposto. É por isso que ao longo do tempo a inten-
a situação, e a tendência é que a difi-
sidade do começo dá lugar a uma certa “neutralidade” nas emoções.
culdade em se conformar seja cana-
lizada em raiva. O estágio de raiva
pode se manifestar de diversas for-
mas. Uma pessoa lidando com uma
decepção emocional pode sentir
raiva dela mesma, da pessoa que se
foi ou mesmo da vida ou da entida-
de maior na qual acredita.
NEGOCIAÇÃO - A fase de nego-
ciação é quase que um implorar e
barganhar para que a tragédia ou
mudança não seja tão drástica. É
uma tentativa de fugir do aconte-
cimento, de buscar alguma forma
de ele ser menos doloroso. Nessa
fase a pessoa tenta aliviar a dor e
começa a fazer algumas pondera-
ções, imaginando possíveis solu-
ções e fazendo “acordos” internos. angústia, medo, até um vazio. É ACEITAÇÃO - Durante essa fase
Essa negociação acontece dentro uma etapa dura, mas ao menos sim- a pessoa consegue ter uma visão
da própria pessoa e, muitas vezes, boliza que a pessoa caiu em si e que mais realista e passa a aceitar o
é voltada para questões religiosas. está começando a aceitar a realida- fato. O desespero em relação à per-
DEPR ESSÃO - O estágio de de- de, mesmo que ainda de forma não da dá lugar a uma maior serenida-
pressão tende a acontecer quando saudável. Geralmente é a fase mais de, e a pessoa começa a enfrentar
a pessoa realmente percebe que a longa do processo e é caracterizada a saudade com mais consciência. É
tragédia aconteceu, não sendo uma por um sofrimento intenso. Além só a partir da aceitação que a pes-
ilusão ou algo negociável, e reage disso, é comum que a pessoa pas- soa consegue ter o impulso para
com um “choque” emocional. A for- se por um período de isolamento e reagir e trazer mudanças positivas
ma de reagir depende muito de cada apresente uma grande necessidade para a sua vida.
caso, mas é comum sentir tristeza, de introspecção. Entender esses cinco estágios
do luto nos ajuda a ter maior cons-
ciência do que estamos passando
O que define a dependência emocional não ao enfrentar uma adversidade como
essa, nos traz lucidez e força para
é o desejo, mas sim a incapacidade de enfrentar as dificuldades. Saber o
renunciar a determinado elo. Quanto sofrimento que se passa não fará um estágio de-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

saparecer, mas pode ajudar a lidar


não é causado pelo fato de não sermos de uma forma mais natural e menos
realistas e aceitarmos as coisas como são? dolorosa com ele.

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dossiê

PARA SABER MAIS O estado de


choque inicial é
CÉREBRO EMOCIONAL É MAIS desconcertante.
RÁPIDO QUE O RACIONAL Tragédias com
R acionalmente, ninguém escolheria ser ansioso, depressivo, explosivo, ma-
chucar alguém que ama ou não saber lidar com as próprias emoções para
superar um momento difícil como a perda de um ente querido — mas a maioria
grande número
de mortes trazem
das pessoas faz isso constantemente. Se essas reações não são escolhidas, por
que as pessoas não têm
muito sofrimento
controle sobre elas? De às pessoas de forma
modo geral, isso acontece
porque o cérebro emo-
geral porque existe
cional é muito mais rápido uma identificação
que o cérebro racional.
Enquanto as emoções le-
com os familiares
vam o ser humano à ação, das vítimas
sua razão continua apenas
pensando e analisando. ba encontrando justificativas para
permanecer na dor, sem se esforçar
para dar a volta por cima.
Armadilhas Quando não temos consciência É preciso aprender a viver sem a

A lgumas armadilhas emocio-


nais nos impedem de seguir
em frente em um momento de per-
desse processo e não sabemos como
lidar com as emoções, podemos
nos perder e ficar paralisados em
presença da pessoa e isso exige que
sejam feitas algumas adaptações
para enfrentar as mudanças. Para
da. Não se permitir expressar suas alguma delas. Algumas pessoas di- se acostumar com a ausência, é
dores, por exemplo, por acreditar recionam toda sua atenção e ener- importante mudar alguns hábitos
que é necessário fingir que está gia para a dor, deixando de fazer as ou lugares e enfrentar o medo que
tudo bem, é uma bomba-relógio: coisas que gostam. Com o tempo, essas modificações podem causar.
inevitavelmente, as emoções ex- a tendência é que elas percam todo Seguir em frente e continuar viven-
plodem em outras pessoas ou im- o prazer, se tornando depressivas. do é fundamental para superar a
plodem em doenças. Quem se sente vítima da perda aca- saudade de forma saudável. Mesmo
O sentimento de culpa é outra
barreira, já que, ao perder alguém
que amamos, automaticamente
pensamos nas coisas que deixamos
de dizer e fazer a ela. É comum ter
a sensação de que falhamos em de-
terminados momentos e que come-
temos erros com a pessoa que foi
embora. Lembre-se de que as rela-
ções humanas não são perfeitas e
as falhas sempre estarão presentes.
É preciso saber se perdoar, focando
O luto decorrente de mortes
em tudo de bom e positivo que foi provocadas por tragédias
feito ou vivido com a pessoa que se é intensificado pela forma
foi, para alcançar a superação. abrupta e violenta com que
O medo dessa nova realidade ocorreram e, por isso, exige
maior atenção
pode ser paralisante, mas viver to-
das as fases do luto é fundamental.

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Compreensão da Psicologia para o luto
convivendo com a dor, encontre
Em uma das fases do
maneiras para ser feliz com distra-
luto, a pessoa percebe
ções, como, por exemplo, conviven- que não é possível
do com pessoas queridas, traçando reverter a situação,
novos planos e indo em busca dos e a tendência é que
seus sonhos. Com o tempo a inten- a dificuldade em se
conformar vire raiva
sidade das emoções diminuirá, mas
é preciso investir nesse processo
dando um novo passo a cada dia.
Cuidar das próprias emoções é
muito importante durante o luto,
pois permite que a pessoa encontre
coragem e força para recomeçar. A
inteligência emocional é uma soma
de habilidades que tornam as pes-
soas capazes de administrar as pe-
quenas e grandes adversidades que
a vida impõe, de modo a perceber e
aceitar suas emoções, direcionan-
do-as para obter melhores resulta-
dos e relacionamentos.
O segredo para se tornar uma Num luto coletivo todos se emocionam e
pessoa emocionalmente inteligente
é desenvolver seu autoconhecimen- sentem a dor no coração. É também um
to. Ou seja, conhecer a sua história momento de reviver as perdas pessoais. Nós
de vida – não a partir do seu aspecto
racional e adulto, mas, sim, se permi- tomamos emprestado um pouco desse luto
tir aceitar e descobrir o que foi vivi- para chorar as nossas próprias dores
do e interpretado pela sua emoção de
criança – é o pilar base para adquirir dade. Porém, o que determina o an- da ausência. A inteligência emocio-
um controle maior em todos os tipos damento desse processo é a capaci- nal promove a resiliência necessária
de situações da vida cotidiana, já que dade que cada um tem de lidar com para atravessar essa jornada de dor
todas as nossas emoções e compor- suas emoções para enfrentar a dor e aceitação.
tamentos são fruto da forma como
um dia “interpretamos” as nossas REFERÊNCIAS
experiências vividas durante nossa A mente é maravilhosa. Como o cérebro reage diante da ausência de um ente querido?, 2017.
gestação e primeira infância. Disponível em:<https://amenteemaravilhosa.com.br/cerebro-diante-da-ausencia-de-um-ente-
A inteligência emocional é fun- querido/>
damental na superação de tragédias BIANCARELLI, Aureliano. Luto coletivo permite tristeza sem censura, 2001. Disponível em:
como as de Brumadinho e Mariana, <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0803200113.htm>
porque permite que o ser humano BLOWER, Ana Paula. Morte abrupta e violenta provocada por tragédias agrava o luto, 2019.
pare para olhar para as próprias Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/morte-abrupta-violenta-provocada-
por-tragedias-agrava-luto-23440743>
emoções e estilo de vida, para to-
mar decisões importantes em rela- JONG, Jonathan. Why contemplating death changes how you think, 2016. Disponível em: <http://
www.bbc.com/future/story/20160208-why-contemplating-death-changes-how-you-think>
ção à maneira como vinha vivendo
MELO, Ana Rita. Processo de luto: o inevitável percurso face a inevitabilidade da morte, 2004.
e usando seu tempo. No decorrer Disponível em: <https://www.integra.pt/textos/luto.pdf>
deste artigo, o luto foi caracterizado
PICCIOTTO, Gabriela. Os 5 estágios da aceitação de mudanças drásticas, 2016. Disponível em:
como um processo não linear e não <http://thesunjar.com/os-5-estagios-da-aceitacao-de-mudancas-drasticas/>
temporal, que varia de acordo com SOCIEDADE BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA EMOCIONAL, Redação. Como lidar com o luto resultante
a fase emocional em que a pessoa se de tragédias como no crime ambiental de Brumadinho?, 2019. Disponível em www.sbie.com.br/
encontra e sua consequente intensi- como-lidar-com-o-luto-resultante-de-tragedias-como-no-crime-ambiental-de-brumadinho

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