Você está na página 1de 399

ANÁLISE

COMPORTAMENTAL
CLÍNICA
A532 Análise comportamental clínica [recurso eletrônico] : aspectos
teóricos e estudos de caso / Ana Karina C. R. de-Farias &
colaboradores. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2010.

Editado também como livro impresso em 2010. ISBN 978-


85-363-2167-7

1. Psicologia do comportamento. I. de-Farias, Ana Karina C. R. CDU


159.9.019.4

Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges CRB-10/1922


Ana Karina C. R. de-Farias
e colaboradores

ANÁLISE
COMPORTAMENTAL
CLÍNICA
aspectos teóricos e estudos de caso
2010
© Artmed Editora S.A., 2010

Capa: Heybro Design

Preparação de original: Marcos Vinícius Martim da Silva

Leitura fi nal: Rafael Padilha Ferreira

Editora sênior - Saúde mental: Mônica Ballejo Canto

Editora responsável por esta obra: Carla Rosa Araujo

Editoração eletrônica: Techbooks

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à


ARTMED® EDITORA S.A.
Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana
90040-340 Porto Alegre RS
Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070

É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob


quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia,
distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora.

SÃO PAULO
Av. Angélica, 1091 - Higienópolis
01227-100 São Paulo SP
Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333

SAC 0800 703-3444


IMPRESSO NO BRASIL PRINTED
IN BRAZIL

A Marcílio Flávio Rangel de Farias (in memoriam),


um exemplo de educador e de modificador de
“práticas culturais”, por seu trabalho no Instituto
Dom Barreto e na Casa do Menor (atual Casa
Dom Barreto), em Teresina, Piauí.
Autores

Ana Karina Curado Rangel de-Farias


Doutoranda em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília (UnB).
Mestre em Processos Comportamentais pela Universidade de Brasília (UnB).
Professora do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Professora do Instituto
Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC). Professora da Faculdade Senac
(Brasília). Psicóloga Clínica (Brasília).

Alceu Martins Filho


Graduado em pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Alessandra Rocha de Albuquerque


Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Professora da
Universidade Católica de Brasília (UCB). Professora do Instituto Brasiliense de Análise
do Comportamento (IBAC).

Alysson B. M. Assunção
Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Graduado em Psicologia pela Universidade
Católica de Goiás (UCG). Psicólogo do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em
Catalão (GO).

Andréa Dutra
Pós-graduada em Terapia Comportamental pela Universidade Católica de Goiás (UCG).
Professora do Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC). Psicóloga
Clínica (Brasília).

André Amaral Bravin


Mestre em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília (UnB).
Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Graduado em Psicologia pela Universidade
Católica de Brasília (UCB). Professor da Universidade Federal de Goiás (UFG),
Campus de Jataí. Professor do Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento
(IBAC).

Carlos Augusto de Medeiros


Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Professor do Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB). Professor do Instituto Brasiliense de Análise do
Comportamento (IBAC).
viii Autores
Caroline Cunha da Silva
Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Psicóloga Clínica (Brasília).

Cristiano Coelho
Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Professor da Universidade
Católica de Goiás.

Denise Lettieri Moraes


Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Professora do Instituto Brasiliense de Análise do
Comportamento (IBAC). Psicóloga Clínica e Responsável Técnica da Atitude Clínica
Psicológica e Multidisciplinar (Brasília).

Gabriela Inácio Ferreira Nobre


Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Aluna do Curso de Especialização em Terapia
Analítico-comportamental Infantil do Instituto Brasiliense de Análise do
Comportamento (IBAC). Psicóloga Clínica (Goiânia).

Geison Isidro-Marinho
Mestre em Processos Comportamentais pela Universidade de Brasília (UnB). Professor
do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Professor do Instituto São Paulo de
Análise do Comportamento (INSPAC). Psicólogo Clínico (Brasília).

Gustavo Tozzi Martins


Mestrando em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília (UnB).
Aluno do Curso de Especialização em Análise Clínica do Comportamento do Instituto
Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC). Consultor da Super Infância –
Psicologia Infantil (Brasília). Psicólogo Clínico (Brasília).

Hellen Ormond Abreu-Motta


Graduada em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás (UCG). Psicóloga da
Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás. Aluna do Curso de
Especialização em Gestão de Pessoas na Faculdade de Tecnologia Equipe Darwin de
Brasília. Psicóloga Clínica (Goiânia).

João Vicente de Sousa Marçal


Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Diretor e Professor do
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC). Professor do Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB). Psicólogo Clínico (Brasília).

Luc M. A. Vandenberghe
Doutor em Psicologia pela Université de Liège (Bélgica). Professor da Universidade
Católica de Goiás (UCG). Psicólogo Clínico (Goiânia).
Autores ix
Luciana Freire Torres
Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Graduada em Psicologia pela Universidade
Católica de Goiás (UCG). Psicóloga Clínica (Goiânia).

Michela Rodrigues Ribeiro


Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Professora da
Universidade Católica de Goiás (UCG). Professora do Instituto Brasiliense de Análise
do Comportamento (IBAC). Psicóloga Clínica (Goiânia).

Mônica Rocha Müller


Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista em
Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de Análise do
Comportamento (IBAC). Psicóloga Clínica, Especialista em Medicina do Sono
(Brasília).

Nathalie Nunes Freire Alves


Graduada pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Aluna do Curso de
Especialização em Análise Clínica do Comportamento do Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC).

Paula Carvalho Natalino


Doutoranda em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília (UnB).
Mestre em Processos Comportamentais pela Universidade de Brasília (UnB).
Professora do Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC). Professora
da Faculdade Projeção (?) (Brasília). Psicóloga Clínica (Brasília).

Regiane de Souza Quinteiro


Mestre em Processos Comportamentais pela Universidade de Brasília (UnB).
Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Psicóloga Clínica.

Regiane Oliveira Fugioka


Graduada em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás (UCG). Psicóloga Clínica
(Goiânia).

Suelem Araújo Ruas


Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Graduada em Psicologia pela Universidade
Católica de Brasília (UCB). Psicóloga Clínica (Brasília).

Vanessa de Fátima Nery


Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Especialista em Gestão de Pessoas pela
Universidade de Brasília (UnB). Psicóloga Organizacional das Centrais Elétricas do
Norte do Brasil (Eletronorte). Psicóloga Clínica (Brasília).
Sumário

Agradecimentos 13
Prefácio 15

Parte I
Aspectos teórico-conceituais
1. Por que “análise comportamental clínica”? Uma
introdução ao livro 19
Ana Karina C. R. de-Farias

2. Behaviorismo radical e prática clínica 30 João Vicente


de Sousa Marçal

3. Habilidades terapêuticas: é possível treiná-las?


49
Hellen Ormond Abreu-Motta
Ana Karina C. R. de-Farias
Cristiano Coelho

4. Relação terapêutica sob a perspectiva analítico-


comportamental 66
Nathalie Nunes Freire Alves
Geison Isidro-Marinho

5. Comportamento governado por regras na clínica


comportamental: algumas considerações 95
Carlos Augusto de Medeiros

6. Autocontrole na perspectiva da análise do


comportamento 112
Vanessa de Fátima Nery
Ana Karina C. R. de-Farias

7. Análise comportamental do transtorno de


ansiedade generalizada (TAG): implicações para
avaliação e tratamento 130
André Amaral Bravin
Ana Karina C. R. de-Farias

8. Atendimento domiciliar a pacientes autistas e


quadros assemelhados 153
Gustavo Tozzi Martins
12 Sumário

Parte II
Estudos de caso
9. Caso clínico: formulação comportamental 171
Denise Lettieri Moraes

10. Um estudo de caso em terapia analítico-comportamental:


construção do diagnóstico a partir do relato verbal e da descrição
da diversidade de estratégias interventivas 179
Suelem Araújo Ruas
Alessandra Rocha de Albuquerque
Paula Carvalho Natalino

11. Esquiva experiencial na relação terapêutica 201 Andréa Dutra

12. Rupturas no relacionamento terapêutico: uma releitura analítico-


funcional 215
Alysson B. M. Assunção
Luc M. A. Vandenberghe

13. Comportamento governado por regras: um estudo de caso 231


Caroline Cunha da Silva
Ana Karina C. R. de-Farias

14. Relação terapêutica em um caso de fobia social 252


Luciana Freire Torres
Ana Karina C. R. de-Farias

15. Fuga e esquiva em um caso de ansiedade 263


Regiane Oliveira Fugioka
Ana Karina C. R. de-Farias

16. “Prefiro não comer a começar e não parar!”: um estudo de caso de


bulimia nervosa 273
Gabriela Inácio Ferreira Nobre
Ana Karina C. R. de-Farias
Michela Rodrigues Ribeiro

17. Disfunções sexuais e repertório comportamental: um estudo de caso


sobre ejaculação precoce 295
Alceu Martins Filho
Ana Karina C. R. de-Farias

18. Intervenções comportamentais em uma paciente com insônia crônica


311 Mônica Rocha Müller

19. O medo de morte na infância: um estudo de caso 321


Regiane de Souza Quinteiro

Apêndice geral 334


Índice 339

Agradecimentos

A algumas das pessoas que participaram, em maior ou menor grau, dos trabalhos
que culminaram neste livro: Alessandra da S. Souza, Arthur Tadeu Curado,
Cyntia S. Dias, Elenice S. Hanna, Goiandira Curado, Helioenai Araújo, Hya Dias, João
Ricardo Siqueira, José Rangel, José Roberto M. Pinto, Josele Abreu-Rodrigues,
Luciana de Lima, Luciana Verneque, Ludimilla O. Souza, Márcio B. Moreira, Maria
Eliana Lustosa, Rachel Nunes da Cunha, Ruth do P. Cabral, Regina M. Bernardes e
Vivian de Paula Figueiredo.
Em especial, aos clientes que nos “emprestaram” parte de sua história, assim como
muito conhecimento acerca do comportamento humano.

Ana Karina C. R. de-Farias


Prefácio

A publicação de livros sobre Análise Comportamental Clínica tem crescido muito


na última década. A história da Análise do Comportamento no Brasil
demonstra a capacidade que nós, analistas do comportamento, temos demonstrado na
condução e na organização de atividades acadêmicas, clínicas e sociais, determinando
o crescimento da produção literária de alto nível. Contudo, não são muitos os livros
que tratam de aspectos teóricos, contextualizados com estudos de casos, de forma tão
bem-feita como este. Este livro representa uma boa amostra da produção da nossa área
de conhecimento, sobretudo pela qualidade dos textos e pelo cuidado com o qual os
autores tratam de tópicos fundamentais do processo terapêutico, tais como: relação
terapeuta-cliente, habilidades terapêuticas, autocontrole, comunicação, aspectos
filosóficos e culturais, entre outros. Com certeza, vai possibilitar ao público
especializado, tanto profissionais quanto estudantes, um acesso à maneira como um
terapeuta comportamental atua na clínica, com exemplos de casos muito pertinentes e
contextualizados.
Que nossa classe continue dando exemplos de organização, fazendo acontecer!
Boa leitura.

Prof. Gilberto Godoy


Centro Universitário de Brasília
(UniCEUB)
Instituto Brasiliense de Análise do
Comportamento (IBAC)
Parte I

Aspectos
teórico-conceituais
Capítulo 1

Por que “Análise


Comportamental Clínica”?
1
Uma introdução ao Livro
Ana Karina C. R. de-Farias

Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,


Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.
E ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconsequente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua, Como
de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se
acorda,
De haver melhor em mim do que eu.
Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.
Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
E que mais vale ser criança que querer compreender o mundo –
A impressão de pão com manteiga e brinquedos,
De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
De uma boa vontade para com a vida encostada de testa à janela,
Num ver chover com som lá fora
E não as lágrimas mortas de custar a engolir.
Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
O emissário sem carta nem credenciais,
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
A quem tinem as campainhas da cabeça
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.
Sou eu mesmo, a charada sincopada
Que ninguém da roda decifra nos serões de província.
Sou eu mesmo, que remédio!...
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)
06/08/19312
Análise Comportamental Clínica 21

1
A autora agradece a Alessandra da S. Souza pelos comentários na primeira versão deste capítulo.
2
Consulta realizada no dia 22 de julho de 2008, no site http://www.jornaldepoesia.jor.br/facam39.html.

P oderíamos discorrer um capítulo inteiro


sobre os versos acima. Vontade não me
falta! Talvez me falte coragem e “talento
Cabe a nós, terapeutas, identificar os fatores
históricos e atuais responsáveis pelas
“falhas” de nosso cliente, as consequências
literário”. De qualquer modo, este não é o dessas falhas, os potenciais reforçadores para
momento para uma verdadeira análise diversos comportamentos já existentes no
funcional ou conceitual desses versos. A repertório de tal indivíduo, assim como a
poesia foi escolhida por ilustrar, mesmo que necessidade de desenvolver novos
não tão claramente em alguns momentos, comportamentos, complementando esse
fatores como a complexidade do “Eu” (ou repertório. Diante de queixas diferenciadas, o
self) e a multideterminação do presente livro busca, de forma
comportamento (p.ex., “tal qual resultei de despretensiosa, ilustrar alguns
tudo”, grifos adicionados). comportamentos emitidos por analistas
Os trechos “a impressão (...) de haver clínicos do comportamento.
melhor em mim do que eu” e “haver falhado O termo “Análise Comportamental
tudo” poderiam sair da boca de diversos Clínica” foi escolhido sem pressupor ligação
indivíduos que nos procuram em com alguma “corrente” da Terapia
consultórios de Psicologia, em busca desse Comportamental.2 Visou-se apenas chamar a
“melhor”, de minimizar a culpa e/ou dor por atenção para o fato de que, aqui, serão
haver “falhado”, de rever ou descobrir essa apresentados conceitos e casos clínicos
criança que é feliz com coisas simples (como tratados de um ponto de vista funcional, com
ver e ouvir a chuva) e não sofre diante da análises sistêmicas (ou molares). O objetivo
complexidade da vida. Em outras palavras, dos capítulos não consiste em dar “receitas”
buscar conforto e autoconhecimento são de como intervir em casos clínicos nem
processos básicos na clínica. “Sou eu, que apresentar técnicas específicas para
remédio!” revela muito do que poderíamos transtornos específicos. Como um todo, o
reconhecer não só como esse livro tem por intuito fazer com que o leitor
autoconhecimento, mas também como busque responder a algumas questões, tais
aceitação do que se é (ou melhor, do que se como:
está).
(1) Que vantagens a visão
Apesar da beleza desses versos, vale a externalista/interacionista tem em
pena ressaltar que, em nossa opinião, a
relação a uma visão internalista?
prática clínica não pode resumir-se ao
(2) Como um analista do comportamento
autoconhecimento e à aceitação. Ela deve
poderia beneficiar-se de um diagnóstico
envolver, também, um comprometimento
tradicional para um determinado caso?
com a mudança, uma ação mais efetiva de
Que limitações existiriam nesse
nossos clientes no meio do qual emergem
seus reforçadores (tais como o “pão com
podem ser buscadas em Hayes, Strosahl, Bunting,
manteiga”, o “sossego”, e a “boa vontade”).1 Twohig e Wilson (2004) e Hayes, Strosahl e Wilson
(1999). O capítulo de Dutra, neste livro, também
1 A ACT, sigla em inglês para Terapia de Aceitação e consiste em uma boa referência sobre o tema.
Compromisso, defende a importância da aceitação dos 2 Portanto, os termos “Análise Comportamental
problemas (pensamentos, sentimentos e atos públicos) e Clínica” e “Terapia Comportamental” serão utilizados
do compromisso com a mudança. Maiores informações como sinônimos neste capítulo.
22 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

diagnóstico tradicional? principalmente para a relação que se


(3) Que outros dados deveriam ser estabelece entre o cliente e o terapeuta. O
coletados com um cliente específico? cliente é tido como produto e produtor das
(4) Que tipo de questões são prioritárias em contingências às quais está expos-
casos semelhantes? to (ou, melhor, nas quais age), o que lhe
(5) Que outras estratégias de intervenção imputa um papel ativo na terapia. Outro fator
poderiam/deveriam ser utilizadas? é a importância da história de vida do cliente,
(6) Como análises moleculares (ou pois é por meio dessa análise que se pode
microanálises) de comportamentos avaliar sua atuação nas contingências atuais,
específicos podem nos ajudar a formular que controlam (influenciam, determinam) a
análises molares como as apresentadas probabilidade do comportamento. O que há
por este(s) autor(es)? de comum entre os que se denominam, hoje,
“terapeutas comportamentais” é um
(7) Outras análises seriam possíveis?
compromisso com a avaliação, com a
(8) O que deveria ser levado em conta no intervenção e com os conceitos que devem
prosseguimento da intervenção descrita apoiar-se em algum tipo de análise científica
neste capítulo? Qual seria o momento da bastante cuidadosa. Seu objetivo primordial
alta? é ensinar o cliente a realizar análises
(9) Como deveríamos proceder no funcionais (estabelecer relações entre o que
seguimento do caso (ou follow-up)? sente, o que pensa e o que faz publicamente
com o que ocorre no ambiente antecedente e
ANÁLISE COMPORTAMENTAL consequente). A realização dessas análises
funcionais (autoconhecimento) consiste em
CLÍNICA aprender que o seu comportamento tem uma
função, e que há contingências que
Muito da confusão teórica em Análise favorecem a instalação e a manutenção do
Comportamental Clínica, que repercute no mesmo, envolvendo sua história passada, seu
mau entendimento sobre seus objetivos e comportamento atual e a relação terapêutica
seus métodos, vem do fato de que a (Franks, 1999; Kohlenberg e Tsai,
expressão “Terapia Comportamental” foi
1991/2001; Nobre, 2005; Rangé, 1995).
acoplada por diferentes vertentes
O terapeuta busca, em conjunto com o
behavioristas e em múltiplos contextos.
cliente, responder à questão: “por que aquele
indivíduo se comporta daquela maneira,
Para alguns autores, as expressões “Terapia naquelas circunstâncias, e por que esse
Comportamental” e “Modificação do comportamento se mantém?”. O trabalho
Comportamento” (aplicação de técnicas consistirá, portanto, em formular hipóteses,
específicas para transtornos/sintomas controlar mudanças em variáveis ambientais
específicos) são sinônimas, o que prejudica o – denominadas variáveis independentes
entendimento de que a prática atual dos (VIs) – e observar seu efeitos nas variáveis
analistas do comportamento consiste em ambientais – denominadas variáveis
muito mais do que a mera aplicação de dependentes (VDs) –, reformular hipóteses,
técnicas. relacionar variáveis a queixas trazidas pelo
Hoje em dia, a Análise Comportamental cliente, criar metodologia de mudança e
Clínica utiliza-se de diversos procedimentos avaliar constantemente o caso (comparando
terapêuticos, mas com a atenção voltada com a Linha de Base, ou seja, com o
Análise Comportamental Clínica 23

comportamento observado no momento em passadas e atuais do indivíduo com o


que o cliente procurou a terapia)3. ambiente, e não em eventos internos/
Para a realização desse trabalho, torna-se privados. Isso não implica dizer que os
necessária uma definição operacional das analistas do comportamento ignoram a
queixas e das demandas (o que envolve relevância do estudo científico e da
responder a perguntas, tais como: que intervenção terapêutica sobre tais eventos
respostas ocorrem? Onde? Como? Quais são (Abreu-Rodrigues e Sanabio, 2001; Banaco,
suas topografias/formas? Com que 1999; Matos, 2001a; Moreira, 2007;
frequência? Com que intensidade? Quando Tourinho, 1997, 1999, 2001a, 2001b, 2006;
começaram a ocorrer? Quando são mais Skinner, 1953/1998, 1974/1982, 1989/2003).
frequentes, hoje em dia? Como os outros Toda essa complexidade na análise dos
reagem a esse comportamento?), assim como comportamentos requer, dentre outras coisas,
um constante intercâmbio com outras áreas conhecimento teórico acerca da metodologia
do conhecimento (p.ex., Neurologia, científica, do impacto do comportamento do
Psiquiatria, Sociologia, Biologia, Nutrição, terapeuta sobre o comportamento do cliente
Endocrinologia). Além disso, um bom e vice-versa,4 das técnicas terapêuticas e,
terapeuta procura analisar tanto principalmente, da exposição direta do
comportamentos públicos quanto terapeuta às contingências clínicas (Banaco,
comportamentos privados (aqueles aos quais 1993; Cavalcante e Tourinho, 1998; Delitti,
somente o próprio indivíduo que se comporta 2001. Ver Capítulo 3). No entanto, é
tem acesso direto) e a interação que possa “importante ressaltar que as dificuldades
existir entre eles. apontadas referem-se somente à organização
Aqui está uma questão de grande da multiplicidade de dados que fazem parte
interesse para diferenciar Análise das relações funcionais. Não são dificuldades
Comportamental Clínica (ou, como é mais com a base teórica do behaviorismo,
conhecida, Terapia Comportamental) de fornecida por Skinner” (Meyer, 2001, p. 33).
Terapia Cognitiva ou de Terapia Cognitivo- É com essa visão de Clínica ou de Terapia
comportamental. Na visão behaviorista Comportamental que os capítulos deste livro
radical (baseada em Skinner), crenças, foram escritos.
expectativas, regras, propósitos, intenções,
sonhos, alucinações, delírios e outros eventos
O LIVRO
tidos como cognitivos ou mentais não são
Não é objetivo deste livro ser um Manual de
negligenciados como no Behaviorismo
Terapia Comportamental – e muito menos de
Metodológico (de Watson), mas também não
Terapia Cognitivo-Comportamental
são considerados de natureza diferente
(exemplos desses manuais poderão ser
(abstrata e simbólica) em relação aos eventos
encontrados nas referências dos capítulos
públicos. Esses eventos passam a ser tratados
seguintes). Desse modo, na segunda parte do
como eventos comportamentais e/ou
livro, não serão abordados transtornos
ambientais (aqueles que podem vir a ter
específicos, e sim sugestões de análises
funções de estímulo, ou seja, podem vir a
funcionais de casos clínicos. Essas análises,
fazer parte do controle de outras respostas do
em sua grande maioria, trataram o indivíduo
indivíduo). Em outras palavras, para os
analistas do comportamento, as causas 4 Estes impactos poderiam ser, considerando-se as
devem ser buscadas em todas as interações devidas diferenças teórico-conceituais, comparados aos
conceitos psicanalíticos de transferência e
3 O Capítulo 2 deste livro, aprofunda essa discussão. contratransferência.
24 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

como um todo, e não os comportamentos- 2003; Matos, 2001b; Pinheiro, 2003; Silva,
problema ou “sintomas” trazidos como 2003; Skinner, 1974/1982; Weber, 2002. O
queixas iniciais. Os capítulos, portanto, Capítulo 14, também aborda rapidamente
visam permitir que profissionais, professores esse tema).
e alunos possam levantar e discutir outras A partir de minha experiência em sala de
possíveis análises.5 aula, corroborada por afirmações de vários
A preocupação em ressaltar a outros professores da área, os alunos de
complexidade dos fenômenos graduação em Psicologia chegam às
comportamentais, a possibilidade de disciplinas ministradas por analistas do
diferentes tipos de análise de cada caso e o comportamento com diversos preconceitos.
respeito à individualidade de nossos clientes Infelizmente, nossa prática não tem sido
decorre das errôneas críticas, ainda tão suficiente para fazer com que, nessas
presentes, à Análise do Comportamento. disciplinas, os alunos realmente
Dentre elas, podem-se destacar as afirmações compreendam a filosofia behaviorista e a
de que o Behaviorismo Radical (filosofia da prática analítico-comportamental.6 Dessa
ciência na qual a Análise do Comportamento constatação,7 surgiu o interesse pela
se baseia) é mecanicista, ignora a publicação deste livro. O maior propósito é
consciência e os sentimentos, reduz o apresentar a Análise do Comportamento
homem a um ser autômato, não tenta como uma visão que objetiva entender o
explicar os “processos cognitivos” (ou “organismo como um todo”, em sua
“processos mentais superiores”) nem as interação passada e atual com um ambiente
intenções e propósitos, negligencia a complexo. Por sua vez, esse ambiente só
unicidade/subjetividade e consiste em uma pode ser entendido em relação ao organismo
Psicologia estímulo-resposta (Skinner, que nele opera; portanto, a Análise do
1974/1982). Comportamento exige uma análise
Diversos trabalhos podem ser apontados bidirecional. A descrição de casos clínicos
para que o leitor interessado busque essas pode consistir em uma forma de apresentar
críticas e as possíveis respostas a elas. os conceitos analítico-comportamentais de
Dentre as possíveis explicações para críticas maneira mais interessante aos alunos,
não pertinentes, pode-se apontar o fato de o diminuindo as críticas de que a Análise do
Behaviorismo Metodológico (fundado por Comportamento só é capaz de lidar com
Watson) ter sido o precursor do queixas específicas ou, pior, com os ratinhos
Behaviorismo Radical (de Skinner); sua de laboratório (Ruas, 2007).
terminologia específica; a preocupação O real entendimento dos casos aqui
constante por parte dos analistas do discutidos só será possível àqueles que
comportamento com a experimentação e com tenham claras as definições operacionais
o controle de variáveis, assim como sua dos termos utilizados por analistas do
esquiva de suposições/afirmações que não comportamento.
estejam baseadas numa cuidadosa análise
científica dos comportamentos (Barros, Apropriamo-nos, então, da fala de um

5 Pesquisadores e clínicos de outras instituições foram 6 Deve-se ressaltar que estou me referindo apenas à
convidados a contribuir com suas análises. Infelizmente, compreensão, e não à aceitação ou defesa desta filosofia
muitos não puderam neste momento. Espera-se que e prática.
outras obras como esse livro sejam produzidas, a fim de 7 Ver Moreira (2004) para uma discussão acerca do
fortalecer nossa área. ensino de Análise do Comportamento.
Análise Comportamental Clínica 25

famoso psicólogo cognitivista referente a seu capítulo introdutório de grande relevância


próprio livro: para os primeiros contatos com a prática
analíticocomportamental. O autor procurou
Para o aluno ter aproveitamento com a abordar esses fenômenos de forma clara e
leitura do livro, ele deve possuir simples, a fim de dirimir possíveis dúvidas
consideráveis habilidades de linguagem, ou preconceitos relacionados à área. Além
e deve também ter ricas representações disso, propõe, ao final de seu texto, análises
de conhecimento que sejam relevantes funcionais de casos clínicos, como exercícios
para o material do livro. Pode haver um a serem realizados por iniciantes na área.
elemento de resolução de problemas nas Em seguida, Abreu-Motta, de-Farias e
tentativas do aluno de relacionar o que Coelho discutem algumas habilidades gerais
está no livro com as informações necessárias à formação de um bom terapeuta
possivelmente conflitantes que ele analítico-comportamental. Os autores
aprendeu em outros locais. (Eysenck, preocuparam-se em discutir a relevância da
2007, p. 36) relação terapêutica para o bom andamento do
Desse modo, professores que desejem processo, assim como em apontar o papel da
utilizar algum dos capítulos para debate em supervisão clínica sobre o desenvolvimento
sala de aula deverão oferecer subsídios para de habilidades terapêuticas. Vale ressaltar
que os alunos entendam os princípios básicos que a relevância da relação terapêutica é
envolvidos na discussão do(s) capítulo(s). também diretamente abordada nos Capítulos
Ressalto tal necessidade, apesar de as 4 (Alves e IsidroMarinho), 11 (Dutra), 12
definições dos termos estarem contidas em (Assunção e Vandenberghe), 14 (Torres e de-
cada um dos capítulos deste livro, tendo em Farias) e 15 (Fugioka e de-Farias), o que
vista o preconceito acima mencionado. Um demonstra a grande preocupação da Análise
aluno que tenha dificuldades com a Comportamental Clínica “atual” com esse
terminologia e/ou que chega à disciplina com tema.
a visão de que analistas do comportamento Alves e Isidro-Marinho, no Capítulo 4,
são meros “engenheiros” ou “modificadores apresentam os conceitos de reforçamento
comportamentais”, provavelmente, pouco diferencial, controle aversivo,
aproveitará a discussão que os capítulos comportamentos governados por regras e
podem gerar. Como sugestões de textos a autoconhecimento. São discutidos possíveis
serem utilizados como básicos ou efeitos indesejáveis de procedimentos da
complementares, pode-se citar Baum Psicoterapia Analítica Funcional
(1994/1999), Carrara (1998), Catania (interpretações e controle aversivo) –
(1998/1999), Chiesa (1994/2006), Moreira e discussão que não é muito frequente – sobre
Medeiros (2007), Skinner (1953/1998, o comportamento do cliente e são sugeridas
1974/1982, 1989/2003). algumas alternativas.
Os próximos sete capítulos deste livro No Capítulo 5, Medeiros discute o uso
referem-se a temas teórico-conceituais de regras (conselhos, sugestões, instruções e
(apresentação de definições ou princípios ordens) como forma de intervenção na
básicos para a Análise Comportamental clínica. O autor aponta, sucintamente, prós e
Clínica). No Capítulo 2, Marçal apresenta contras desse uso, apresentando alguns
princípios filosóficos que influenciaram o exemplos de breves diálogos entre terapeuta
Behaviorismo Radical, assim como suas e cliente. Nesses diálogos, fica clara a
implicações clínicas. Nesse sentido, é um possibilidade de fazer com que o próprio
26 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

cliente interprete seus comportamentos e outros.


formule suas regras, evitando, desse modo, Na segunda parte do livro, são
dependência do terapeuta ou resistência à apresentados Estudos de Casos Clínicos. No
terapia. Nesse sentido, o autor defende que o Capítulo 9, Moraes discute a relevância da
uso de regras, por parte do terapeuta, deve elaboração do que se denomina Formulação
ocorrer apenas em condições especiais. Comportamental (um meio de “diagnosticar”
Em seguida, Nery e de-Farias funcionalmente casos clínicos), e ilustra com
contrapõem a definição tradicional (senso- um caso no qual o cliente referia-se à sua
comum) de autocontrole à definição infelicidade e às dificuldades assertivas.
comportamental. As autoras defendem a Todos os demais capítulos apresentarão
ideia de que uma visão externalista ou exemplos de formulações comportamentais.8
interacionista, como a da Análise do Ruas, Albuquerque e Natalino (Capítulo
Comportamento, permite maiores previsão e 10) apresentam um estudo de caso no qual se
controle dos comportamentos por parte dos fez necessário o treino de correspondência
clientes, o que torna os estudos entre comportamentos verbais e não verbais.
experimentais de autocontrole, assim como a As autoras definem o conceito de
busca por variáveis ambientais, correspondência verbal-não-verbal, que é
imprescindíveis para a prática clínica. fundamental para as mais diferentes queixas
Bravin e de-Farias (Capítulo 7) apontam clínicas. Apresentam também, brevemente,
os critérios diagnósticos tradicionais para os os conceitos de autocontrole e de
Transtornos de Ansiedade, com ênfase no autoconhecimento, e discutem algumas
Transtorno de Ansiedade Generalizada, e diferenças entre o diagnóstico tradicional e a
discutem a necessidade de levantamento da formulação analítico-comportamental.
história individual do cliente para um No Capítulo 11, Dutra utiliza um caso
tratamento adequado. Em outras palavras, os clínico para ressaltar a relevância da relação
autores defendem que um bom tratamento terapêutica na Terapia Comportamental,
não pode se basear exclusivamente em um apresentando conceitos básicos da
diagnóstico tradicional e no uso de fármacos. Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) e da
O capítulo é também indicado para discutir Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT).
as diferenças entre comportamentos A autora discute a esquiva experencial (ou
respondentes e operantes, assim como suas emocional), tema que vem recebendo cada
possíveis interações. vez mais atenção de terapeutas
No último capítulo desta primeira parte, comportamentais. O capítulo seguinte, de
Martins discute o já famoso “Método ABA” Assunção e Vandenberghe, também discute o
para o tratamento de autismo e transtornos papel da relação terapêutica, com ênfase nas
assemelhados. O autor apresenta dados rupturas que podem ocorrer nessa relação, e
empíricos da Análise Comportamental no quanto uma relação terapêutica genuína e
Aplicada, assim como os fatores históricos e autêntica pode ser a base para a melhora
atuais que contribuem para o tratamento clínica do indivíduo em terapia. Os autores
domiciliar. Por fim, levanta importantes apresentam um breve histórico da Terapia
questões referentes à atuação do psicólogo
8 Apresentar modelos de formulação comportamental
nesta nova e complexa realidade, envolvendo
mostra-se de extrema importância, tendo em vista que,
acompanhamento de todas as etapas da para que o aluno possa “fazer uma entrevista inicial
intervenção, treino de pais e/ou de adequada, precisa estar preparado para fazer uma
estagiários, utilização de manuais, dentre avaliação comportamental completa” (Silvares e
Gongora, 1998, p. 39).
Análise Comportamental Clínica 27

Comportamental, bastante elucidativo para Martins Filho e de-Farias discutem


explicar os avanços nessa área de brevemente um caso clínico de ejaculação
conhecimento e para discutir as críticas que precoce, apresentando a definição desse
são erroneamente dirigidas à Terapia “transtorno sexual”. Fica clara a limitação de
Comportamental atual. um atendimento que se refere apenas ao
Silva e de-Farias definem, no Capítulo indivíduo que demonstra o “comportamento-
13, o conceito de comportamento governado problema”, sem a participação de seu
por regras, tão relevante para o entendimento parceiro e/ou de análises mais completas de
dos mais diferentes tipos de comportamentos toda a vida (passada e atual) do cliente. Em
humanos, em diferentes contextos. As outras palavras, a multideterminação do
autoras apresentam um estudo de caso no comportamento tido como “disfuncional”
qual a discussão de regras e autorregras refere-se a eventos passados e atuais,
mostrou-se decisiva para mudanças públicos e privados, assim como às
comportamentais no cliente. consequências ambientais (no caso, as
Os Capítulos 14 e 15 apresentam estudos respostas da esposa) produzidas pelas
de caso de transtornos de ansiedade, mudanças no comportamento-alvo da
discutindo o papel da relação terapêutica terapia.
para os avanços comportamentais dos No Capítulo 18, Müller descreve um
clientes atendidos. Torres e de-Farias tratamento breve, focado em um distúrbio de
apresentam um caso diagnosticado como sono (insônia). Apesar de os terapeutas
fobia social, no qual a evocação de comportamentais não mais defenderem
comportamentos relevantes na própria terapias focais, direcionadas ao(s)
situação terapêutica mostrou-se suficiente sintoma(s), este capítulo deixa clara a
para a observação de algumas mudanças eficácia de técnicas comportamentais e pode
comportamentais. Por sua vez, Fugioka e demonstrar que essas técnicas, aliadas a uma
deFarias enfatizam o papel do reforçamento visão mais ampla do indivíduo, consistem
negativo (fuga-esquiva) na manutenção de em importantes ferramentas para a
um repertório de baixa assertividade e de intervenção clínica comportamental.
exposição às contingências sociais e, em Por fim, Quinteiro descreve um estudo
decorrência disso, a alta ocorrência de de caso infantil, no qual a criança
respostas tidas como ansiedade. Mais uma demonstrava medo de morte após ter perdido
vez, a relação terapêutica mostrou-se como um irmão. A autora apresenta consequências
pano de fundo para o desenvolvimento de reforçadoras para as respostas de medo e de
um repertório comportamental capaz de ansiedade emitidas pela criança e enfatiza o
ensinar o cliente a produzir reforçadores papel de um tratamento mais global, que
positivos no seu meio social (natural). envolve toda a família, para o alcance dos
Nobre, de-Farias e Ribeiro apresentam, objetivos terapêuticos.
no Capítulo 16, os critérios diagnósticos do Deve-se destacar que todos os casos
transtorno alimentar denominado Bulimia apresentados no presente livro respeitaram as
Nervosa. Com um estudo de caso, as autoras normas éticas para publicações em
discutem a multideterminação dos Psicologia. As identidades dos clientes foram
comportamentos observados, assim como a mantidas em sigilo e informações que
necessidade de análises funcionais mais poderiam identificá-los foram retiradas ou
completas/globais dos indivíduos que camufladas (p.ex., idade, sexo, profissão,
demonstram os sintomas em questão. local de nascimento e de moradia, estado
28 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

civil, número de irmãos e de filhos, período com ele convivem.


em que foi atendido). Além disso, os clientes
assinaram contratos terapêuticos, os quais
REFERÊNCIAS
incluíam cláusulas que permitiam a
Abreu-Rodrigues, J. & Sanabio, E. T. (2001).
discussão do caso (em supervisão clínica) e a Eventos privados em uma psicologia
divulgação dos mesmos em meios externalista: Causa, efeito ou nenhuma das
científicos.9 A apresentação desses casos só alternativas? Em H. J. Guilhardi, M. B. B. P.
se torna possível com a prática da Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.),
sistematização dos prontuários clínicos, ou Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 7.
Expondo a variabilidade (pp. 206-216). Santo
seja, pesquisas clínicas e apresentações/
André: ESETec.
discussões de casos dependem do
Banaco, R. A. (1993). O impacto do atendimento
comportamento do terapeuta de manter em sobre a pessoa do terapeuta. Temas em
dia os registros das sessões realizadas com Psicologia, 2, 71-79.
seus clientes. Banaco, R. A. (1999). O acesso a eventos encobertos
Uma última informação faz-se relevante. na prática clínica: um fim ou um meio? Revista
Analistas clínicos do comportamento estão, Brasileira de Terapia Comportamental e
cada vez mais, evitando utilizar termos como Cognitiva, I, 135-142.
“disfuncionais”, “desadaptativos” ou Barros, L. da C. (2003). O Behaviorismo ignora a
consciência, os sentimentos e os estados
“disruptivos”.10 Isso porque, para a Análise
mentais, não atribuindo qualquer papel ao Eu
Comportamental, um comportamento só ou a consciência do Eu. Em N. Costa
existe porque foi selecionado pelo ambiente (Org.), Até onde o que você sabe sobre o
ao qual o indivíduo foi e é exposto. Tal Behaviorismo é verdadeiro? Respondendo às
pressuposto tem, ao menos, três implicações principais críticas direcionadas ao
diretas: (i) não se pode julgar a priori um Behaviorismo Radical de Skinner (pp. 15-17).
Santo André: ESETec.
comportamento como sendo normal ou
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o
anormal/doentio/patológico, tendo em vista Behaviorismo: Ciência, comportamento e
que ele foi modelado e está sendo mantido cultura (M. T. A. Silva, M. A. Matos, G. Y.
pelas relações com o ambiente; (ii) não se Tomanari
pode simplesmente eliminar um & E. Z. Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artmed.
comportamento do repertório do indivíduo, Carrara, K. (1998). Behaviorismo Radical:
pois isso geraria o que se denomina Crítica e metacrítica. Marília: Unesp Marília
publicações; São Paulo: FAPESP.
substituição de sintomas e (iii) a ênfase
Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem:
terapêutica deve estar na implementação de
Comportamento, linguagem e cognição (A.
repertórios comportamentais, a fim de Schmidt, D. das G. de Souza, F. C. Capovilla,
diminuir a probabilidade do J. C. C. de Rose, M. de J. D. dos Reis, A. A.
“comportamento-problema” e aumentar a da Costa, L. M. de C. M. Machado &
probabilidade de comportamentos que A. Gadotti, trads.) Porto Alegre: Artmed.
tenham a mesma função (produzam a mesma Cavalcante, S. N. & Tourinho, E. Z. (1998).
classe de consequências) e que não tragam Classificação e diagnóstico na clínica: Pos-
sibilidades de um modelo analítico-
sofrimento ao indivíduo e/ou àqueles que
comportamental. Psicologia: Teoria e Pesquisa,
9 Maiores informações sobre ética em Psicologia podem 14, 139-147.
ser obtidas no site do Conselho Federal de Psicologia, Chiesa, M. (1994/2006). Behaviorismo radical: A
assim como nos textos de Kohlenberg e Tsai filosofia e a ciência (C. E. Cameschi, trad.).
(1991/2001) e de Lipp (1998). Brasília: IBAC Editora & Editora Celeiro.
10 Por isso, todas as vezes em que esses termos Delitti, M. (2001). Análise funcional: O
aparecerem neste livro, serão apresentados entre aspas.
Análise Comportamental Clínica 29

comportamento do cliente como foco da análise ESETec.


funcional. Em M. Delitti (Org.), Sobre Meyer, S. B. (2001). O conceito da análise funcional.
Comportamento e Cognição: Vol. 2. A prática Em M. Delitti (Org.), Sobre Comportamento e
da Análise do Comportamento e da Terapia Cognição: Vol 2. A prática da Análise do
Cognitivo-Comportamental (pp. 35-42). Santo Comportamento e da Terapia Cognitivo-
André: ESETec. Comportamental (pp. 29-34). Santo André:
Eysenck, M. W. (2007). Manual de Psicologia ESETec.
Cognitiva. Porto Alegre: Artmed. Moreira, M. B. (2004). “Em casa de ferreiro, espeto
Franks, C. M. (1999). Origens, história recente, de pau”: O ensino da Análise Experimental do
questões atuais e estados futuros da terapia Comportamento. Revista Brasileira de Terapia
comportamental: Uma revisão conceitual. Em Comportamental e Cognitiva, VI, 73-80.
V. E. Caballo (Org.), Manual de técnicas de Moreira, M. B. (2007). Curtindo a vida adoidado:
terapia e modificação do comportamento (pp. Personalidade e causalidade no behaviorismo
3-22). São Paulo: Santos. radical. Em A. K. C. R. de-Farias & M. R.
Hayes, S. C., Strosahl, K. D., Bunting, K., Twohig, Ribeiro (Orgs.), Skinner vai ao cinema (pp. 11-
M. P. & Wilson, K. G. (2004). What is 29). Santo André: ESETec.
Acceptance and Commitment Therapy? In S. C. Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Princípios
Hayes & K. D. Strosahl (Eds.), A practical básicos de Análise do Comportamento. Porto
guide to Acceptance and Commitment Therapy Alegre: Artmed.
(pp. 1-30). New York: Guilford Press. Nobre, G. I. F. (2005). “Prefiro não comer, a
Hayes, S. C., Strosahl, K. & Wilson, K. G. começar e não parar!” Estudo de um Caso
(1999). Acceptance and commitment therapy: Clínico de Bulimia Nervosa. Monografia de
An experiential approach to behavior change. Conclusão de Especialização em Análise
Nova York: Guilford Press. Comportamental Clínica, não publicada,
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001). Instituto Brasiliense de Análise do
Psicoterapia Analítica Funcional: Criando Comportamento, Brasília, DF.
relações terapêuticas e curativas (F. Conte, M. Pinheiro, N. P. (2003). O Behaviorismo apresenta o
Delitti, M. Z. da S. Brandão, P. R. Derdyk, R. comportamento simplesmente como um
R. conjunto de respostas a estímulos, descrevendo
Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R. a pessoa como um autômato, um robô, um
Starling, trads.). Santo André: ESETec. fantoche ou uma máquina. Em N. Costa (Org.),
Lipp, M. N. (1998). Ética e psicologia Até onde o que você sabe sobre o Behaviorismo
comportamental. Em B. Rangé (Org.), é verdadeiro? Respondendo às principais
Psicoterapia comportamental e cognitiva. críticas direcionadas ao Behaviorismo Radical
Pesquisa, prática e problemas (pp. 109-118). de Skinner (pp. 23-26). Santo André: ESETec.
Campinas: Editorial Psy. Rangé, B. (1995). Psicoterapia comportamental. Em
Matos, M. A. (2001a). Introspecção: Método ou B. Rangé (Org.), Psicoterapia comportamental
objeto de estudo para a análise do e cognitiva: Pesquisa, prática, aplicações e
comportamento. Em R. A. Banaco (Org.), problemas (pp. 16-38). Campinas: Editorial Psy
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 1. II.
Aspectos teóricos, metodológicos e de Ruas, S. A. (2007). Um estudo de caso em Terapia
formação em análise do comportamento e Comportamental: Construção do diagnóstico a
terapia cognitivista (pp. 185-195). Santo partir do relato verbal e descrição da
André: ESETec. diversidade de estratégias interventivas.
Matos, M. A. (2001b). O Behaviorismo Monografia de Conclusão de Graduação em
Metodológico e suas relações com o Psicologia, não publicada, Universidade
Mentalismo e o Behaviorismo Radical. Em R. Católica de Brasília, Brasília, DF.
A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento e Silva, I. F. S. (2003). O Behaviorismo só se
Cognição: interessa pelos princípios gerais e por isso
Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de negligencia a unicidade do individual? Em N.
formação em análise do comportamento e Costa (Org.), Até onde o que você sabe sobre o
terapia cognitivista (pp. 57-69). Santo André: Behaviorismo é verdadeiro? Respondendo às
30 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

principais críticas direcionadas ao


Behaviorismo Radical de Skinner (pp. 57-59).
Santo André: ESETec.
Silvares, E. F. M. & Gongorra, M. A. N. (1998).
Psicologia Clínica Comportamental: A
inserção da entrevista com adultos e crianças.
São Paulo: EDICON.
Skinner, B. F. (1953/1998). Ciência e
comportamento humano (J. C. Todorov & R.
Azzi, trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1974/1982). Sobre o Behaviorismo
(M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo: Cultrix.
Skinner, B. F. (1989/2003). Questões recentes na
análise comportamental (A. L. Neri, trad.).
Campinas: Papirus.
Tourinho, E. Z. (1997). Evento privado: função e
limites do conceito. Psicologia: Teoria e
Pesquisa, 13, 203-209.
Tourinho, E. Z. (1999). Eventos privados: o que,
como e porque estudar. Em R. R. Kerbauy & R.
C. Wielenska (Orgs.), Sobre Comportamento e
Cognição: Vol. 4. Psicologia Comportamental e
Cognitiva: da reflexão teórica à diversidade de
aplicação (pp. 13-25). Santo André: ESETec.
Tourinho, E. Z. (2001a). Privacidade,
comportamento e o conceito de ambiente
interno. Em R. A. Banaco (Org.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 1. Aspectos
teóricos, metodológicos e de formação em
análise do comportamento e terapia
cognitivista (pp. 213-225). Santo André:
ESETec.
Tourinho, E. Z. (2001b). O conceito de
comportamento encoberto no Behaviorismo
Radical de B. F. Skinner. Em R. A. Banaco
(Org.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de
formação em análise do comportamento e
terapia cognitivista (pp. 261-265). Santo
André: ESETec.
Tourinho, E. Z. (2006). O autoconhecimento na
Psicologia Comportamental de B. F. Skinner.
Santo André: ESETec.
Weber, L. N. D. (2002). Conceitos e pré-conceitos
sobre o Behaviorismo. Psicologia Argumento,
20, 29-38.
Capítulo 2

Behaviorismo Radical e Prática Clínica


João Vicente de Sousa Marçal variáveis dependentes, ou VDs13).
Nesses modelos iniciais de
intervenção, os eventos privados (p.

A relação entre Behaviorismo


Radical e
Comportamental teve iní-
Terapia
ex., pensamentos e sentimentos) não
eram levados em consideração14.
Inicialmente, o emprego das
cio na década de 1950 com as técnicas comportamentais não
primeiras aplicações dos princípios incluía os chamados YAVIS, sigla
operantes, estudados em laboratório em inglês para young, attractive,
desde a década de 1930, na verbal, intelligent and social person
modificação de comportamentos (pessoas jovens, atrativas, verbais,
considerados inadequados inteligentes e sociais), que
(Micheletto, 2001). Baseadas em apresentariam demandas de
princípios como modelagem, tratamento em um ambiente verbal
reforçamento diferencial, extinção não institucionalizado, como aquele
ou mesmo punição, e sob o rótulo de que se tem em um consultório
Modificação do Comportamento, as particular. Contudo, a extensão
técnicas eram empregadas em dessas técnicas aos ambientes
ambientes artificialmente verbais contribuiu para o
construídos, normalmente em desenvolvimento, nos anos de 1960
instituições psiquiátricas. O público- e 1970, de modelos terapêuticos de
alvo era constituído por pessoas base cognitiva ou comportamental-
diagnosticadas com retardo mental, cognitiva, como uma forma de
esquizofrenia, autismo e transtornos compensar a não atenção dada, pelas
psicóticos em geral (Vandenberghe, técnicas de modificação do
2001; Wong, 2006)11. As estratégias comportamento à influência que os
envolviam a manipulação de sentimentos e os pensamentos
variáveis independentes poderiam ter na compreensão e no
(ambientais), as chamadas VIs12, no tratamento dos comportamentos
sentido de aumentar ou reduzir a
frequência de comportamentos-alvo,
13 Variáveis dependentes (VDs) – São as
também chamados variáveis controladas sobre as quais agem as
comportamentosproblema (as VIs. Em Psicologia, as VDs sempre
correspondem a comportamentos. Busca-se
11 Justamente um público que estava à identificar mudanças regulares na(s) VD(s) a
margem nessas instituições (Wong, 2006). partir de alterações produzidas na(s) VI(s).
12 Variáveis independentes (VIs) – Em um 14 Isso sempre foi frequente em intervenções
estudo controlado, como num experimento, feitas em instituições. Uma das justificativas
as VIs são aquelas variáveis manipuladas é o comprometimento das funções verbais das
pelo experimentador, enquanto são mantidas pessoas que são o público-alvo dessas
constantes as demais variáveis, no intuito de intervenções, algo que geralmente não ocorre
observar os seus efeitos sobre a variável em pessoas que frequentam consultórios
estudada, a VD. particulares.
32 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

humanos (Vandenberghe, 2001).15 específicos, tem alcance temporário,


Embora o termo Terapia não lida com emoções e
Comportamental16 já fosse utilizado sentimentos, trata o indivíduo como
em consultórios nesse período, eram um ser passivo diante do mundo,
raras as propostas clínicas tendo apresenta um raciocínio linear e
como suporte filosófico o mecânico, etc. (Ver Skinner,
Behaviorismo Radical (Ferster, 1974/1993, sobre críticas comuns e
1973). equivocadas feitas ao Behaviorismo
Radical.)
Com o avanço nas pesquisas sobre O presente capítulo tem como
o comportamento verbal e uma objetivo apresentar alguns
melhor compreensão das funções fundamentos básicos do
comportamentais presentes na Behaviorismo Radical e relacioná-
relação terapêutica, o modelo los com a prática clínica. Como é
behaviorista radical passou a ser um texto introdutório, não há aqui a
mais utilizado como base teórica no pretensão de uma análise
desenvolvimento de estratégias aprofundada de princípios e de
clínicas. conceitos relacionados ao tema, quer
seja da parte conceitual e filosófica,
quer de análises clínicas. No
No entanto, o processo histórico
entanto, busca-se desfazer algumas
da Terapia Comportamental, sua
confusões e alguns
vasta aplicação, os diversos modelos
desconhecimentos comuns sobre a
de Behaviorismo que surgiram desde
Análise Comportamental Clínica,
Watson e, principalmente, um
assim como apresentar algumas
grande desconhecimento sobre o
proposições fundamentais para a
Behaviorismo Radical favoreceram
caracterização
o surgimento de várias concepções
enganosas do que vem a ser a da abordagem.
Terapia Analíticocomportamental. BEHAVIORISMO RADICAL E
Dentre essas concepções, PRÁTICA CLÍNICA
encontram-se a ideia de que é uma O Behaviorismo Radical surgiu com
terapia superficial, não trabalha o as propostas de B. F. Skinner para a
indivíduo como um todo, é compreensão do comportamento
direcionada apenas a problemas humano a partir de uma metodologia
científica de investigação (Skinner,
15 Ressalta-se, porém, que isso ocorreu não 1945/1988, 1953/2000, 1974/1993).
pelo fato de o Behaviorismo Radical não As bases conceituais do
considerar os eventos privados como
Behaviorismo Radical foram
importantes para o estudo do comportamento
humano, mas porque os procedimentos apresentadas inicialmente por
usados por modificadores do comportamento Skinner em um congresso sobre a
(muitos dos quais não eram psicólogos) não influência do operacionismo em
lidavam diretamente com eles. Psicologia, que originou o artigo de
16 O termo Terapia Comportamental foi
1945, intitulado “The Operational
inicialmente introduzido por Skinner e
Lindsley (1954), mas foi popularizado por
Analysis of Psychological Terms”,
Eysenck (Wolpe, 1981) e Wolpe (Rimm e ou “A Análise Operacional de
Masters, 1983). Termos Psicológicos” (Skinner,
Análise Comportamental Clínica 33

1945/1988; Tourinho, 1987). Sua 1994).


proposta é behaviorista por
considerar o comportamento como
Não há uma distinção entre físico e
seu objeto de estudo e por ter o
metafísico no ser humano, pois este
método científico como sua forma
é considerado como tendo apenas
de produzir conhecimento. O termo
uma natureza material. Skinner,
Radical vem de raiz (parte não
assim, afasta a metafísica18 do saber
diretamente observável em uma
científico e acaba com o dualismo
planta17) e serve para distingui-lo de
mente-corpo, um problema
outros modelos behavioristas que
conceitual herdado da Filosofia e
não consideravam os eventos
comumente encontrado nos diversos
privados (parte não diretamente
seguimentos da Psicologia (Chiesa,
observável do comportamento
1994; Marx e Hillix, 1997; Matos,
humano) como objeto de estudo da
2001). Tanto o comportamento
Psicologia.
público quanto o comportamento
A extensa obra de Skinner
privado ocorrem na mesma
causou e ainda causa um grande
dimensão natural (Skinner,
impacto nos meios acadêmicos, nos
1945/1988, 1974/1993). A distinção
científicos e em diversos segmentos
entre ambos refere-se apenas ao fato
de nossa cultura (Carrara, 1998;
de que os comportamentos privados
Richelle, 1993). Um desses impactos
(p. ex., pensar, sentir, imaginar,
está na Psicologia Clínica, baseada
sonhar, fantasiar, raciocinar, etc.) só
nos princípios derivados da ciência
podem ser acessados diretamente
por ele proposta, na Análise
pelo próprio indivíduo. As mesmas
Experimental do Comportamento e
leis que descrevem as relações
na filosofia da qual ela é derivada, o
funcionais de comportamentos
Behaviorismo Radical.
públicos se aplicam aos
Para melhor compreender como
comportamentos privados. Entidades
um trabalho clínico seria orientado
metafísicas armazenadoras de
por esses princípios, serão
“conteúdos” como memória,
apresentadas a seguir algumas
cognição, mente e aparelho psíquico
características básicas do
tornam-se desnecessárias dentro do
Behaviorismo Radical e suas
seu modelo explicativo. A lógica
relações com a prática clínica.
refere-se à seguinte questão: como
VISÃO MONISTA E algo que não ocupa lugar no tempo e
MATERIALISTA no espaço pode ficar dentro do
indivíduo, armazenar experiências
Para o Behaviorismo Radical, o ser ou conteúdos e, ainda, comandar as
humano faz parte do mundo ações humanas? Quem se comporta
natural, assim como todos os é o organismo e não a mente ou a
elementos da natureza e, desse cognição. E o organismo é
modo, interage no ambiente, ao biológico, faz parte do mundo
invés de sobre o ambiente, sendo natural.
parte interativa deste (Chiesa,
18 Metafísico: o que vai além do físico, além
do natural, como, por exemplo, a mente e a
17 Analogia feita pelo autor. consciência enquanto entidades.
34 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Implicações clínicas próximo a 100ºC, e uma erosão


Na clínica analítico- surge porque chuvas ocorreram
comportamental, não há espaço para sistematicamente em um terreno
buscas de aspectos não físicos a fim árido. Falar em determinismo
de compreender o que um indivíduo significa explicar o presente a partir
está passando. O sofrimento de uma do passado e, sendo assim, o futuro
pessoa, sua forma de agir e seus não pode ser utilizado para explicar
comportamentos em geral não são o presente. Dessa concepção sobre o
determinados, mediados, mundo natural, surge um outro
armazenados ou controlados por raciocínio: se a natureza é
algo que escape ao mundo físico. Os determinada, e se o ser humano é
comportamentos privados, ou a parte integrante dela, então ele
subjetividade, também não se também deve ser interpretado a
encontram em outra dimensão e nem partir de uma visão determinista.
servem de acesso a esta. O Nesse sentido, uma doença decorre
comportamento é uma relação entre da ação anterior de bactérias ou
eventos naturais, ou seja, entre o vírus, a fecundação é proveniente do
organismo e o ambiente (Matos, contato do óvulo com o
2001). De acordo com Skinner espermatozoide, a saúde é afetada
(1974/1993), o organismo não diretamente pela alimentação, etc. O
armazena experiências, é modificado determinismo é mais facilmente
por elas. Dessa forma, o terapeuta aceito em relação ao restante da
vai considerar a pessoa como uma natureza do que em relação ao ser
unidade biológica que vem humano e isso se torna muito mais
interagindo com o ambiente desde a evidente quando o assunto é
sua existência. Isso não implica comportamento. Surgem então as
deixar de lado algum aspecto da seguintes questões: o determinismo
“natureza” humana, pois esse também se aplica ao comportamento
aspecto que estaria “fora” da análise humano? Em caso afirmativo, todas
simplesmente não existe! A questão as ações humanas seriam
não é de remoção de eventos determinadas? O determinismo
privados, mas de não inclusão de caracteriza o ser humano como um
construtos hipotéticos mediacionais robô?19
e metafísicos. A visão determinista está
presente em várias abordagens na
Psicologia e em áreas afins, muito
O COMPORTAMENTO É embora apresentem diferenças
DETERMINADO quanto à forma como o
O determinismo é característico das determinismo é interpretado (Chiesa,
ciências naturais. A asserção básica é 1994). Freud, Russell e Skinner
a de que, na natureza, um evento não
19 É comum a confusão entre determinado e
ocorre ao acaso, mas em decorrência pré-determinado. O primeiro relaciona um
de um ou mais fenômenos evento presente a um ou mais eventos
anteriores. Por exemplo, a água passados. O segundo sinaliza que,
entra em ebulição porque a sua independente do que venha a ocorrer, tal
temperatura atingiu um nível fenômeno vai ser como foi anteriormente
determinado (ou programado).
Análise Comportamental Clínica 35

estão entre os inúmeros teóricos que argumento baseia-se no raciocínio


consideram a ação humana como de que esse tipo de comportamento
sendo determinada (Moxley, 1997). estaria sendo guiado pelo futuro.
Nessa linha de raciocínio, pode-se Entretanto, de acordo com a posição
afirmar que sentimentos, determinista, assim como o
pensamentos, ideias, imaginações, comportamento de escolha, também
escolhas, percepções, intenções, a intenção e as expectativas existem
atitudes, etc., não ocorrem ao acaso, a partir de experiências passadas.
mas foram determinados por eventos
passados. De acordo com o
Implicações clínicas
Behaviorismo Radical, quem
O modelo clínico analítico-
determina é o ambiente, a partir da
comportamental, assim como outros
interação que o organismo humano
modelos, segue algumas etapas
tem com ele: na história da espécie,
básicas a partir das queixas iniciais
na história do próprio indivíduo e na
do cliente. Inicialmente, é necessário
história das práticas culturais
compreender os fenômenos
(Skinner, 1981). Visões contrárias ao
comportamentais relacionados à(s)
determinismo, como no caso do
queixa(s). Por exemplo, se alguém
Humanismo (Marx e Hillix, 1997),
descreve estar num quadro
argumentam que algumas ações
depressivo ou relata ter sido
humanas são aleatórias, livres de
diagnosticado com Depressão, deve-
influências, ou melhor, que o
se logo investigar quais
homem seria livre para decidir, para
comportamentos (p.ex., sentimentos,
escolher e para determinar o seu
ações públicas e pensamentos)
futuro. Essa visão é largamente
caracterizam esse; quadro, em quais
aceita – e enfatizada – dentro da
contextos ocorrem ou são mais
cultura ocidental e de outras
frequentes, quando começaram a
culturas. No entanto, isso leva a um
ocorrer, quais suas características,
grande equívoco interpretativo,
etc. A busca por essas informações
frequentemente observado nos
está dentro de um raciocínio
cursos de graduação em Psicologia e
determinista básico na clínica: esses
em áreas afins, que aqui é corrigido:
comportamentos não ocorreram ao
a visão determinista, como a
acaso.
apresentada pelo Behaviorismo
Radical, não afirma que o ser
humano não escolhe, decide ou Na terapia analítico-
determina o seu futuro, mas sim que comportamental, é pertinente falar
estes (escolhas e tomadas de aos clientes que não existem
decisão) também são comportamentos feios ou bonitos,
comportamentos a serem explicados, bons ou maus, certos ou errados. 20
pois não acontecem ao acaso. Uma Existem os comportamentos, o
porquê de eles ocorrerem, o que os
outra posição contrária ao
mantêm e quais seus efeitos.
determinismo surge em decorrência
da análise do comportamento
intencional, característico dos seres 20
humanos (Chiesa, 1994). O Sugestão
do autor.
36 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Por sinal, são esses efeitos sobre eficazes. Dessa forma, não faz
si e sobre os outros que servirão de sentido uma pessoa fazer terapia por
parâmetros para o indivíduo meses ou anos e não ter a menor
estabelecer juízos de valor sobre noção sobre por que se comporta da
seus comportamentos. Nesse forma como tem se comportado
sentido, todas as ações, as ideias e os (incluindo emoções e sentimentos).
sentimentos que o cliente apresenta Isso, infelizmente, não é incomum.
são coerentes, pertinentes com o que Todo comportamento é determinado,
ele viveu e está vivendo. Um mesmo que por vezes não estejam
sentimento pode ser desagradável, claras quais variáveis o
mas não é incoerente. O determinaram.
comportamento pode não estar
sendo “funcional” para produzir ou
afastar diversos reforçadores ou
O COMPORTAMENTO COMO
estímulos aversivos importantes, INTERAÇÃO ORGANISMO-
mas, certamente, não se estabeleceu AMBIENTE
“do nada”. Essa postura terapêutica A definição de comportamento no
contribui bastante para uma boa Behaviorismo Radical difere de
formação de vínculo entre terapeuta outras visões na Psicologia, no
e cliente, aumentando as senso-comum e até em outras
possibilidades de o cliente se formas de Behaviorismo. No
autodescrever21 de forma mais primeiro, o comportamento é aquilo
confiável, com maior que o organismo faz,
correspondência verbal/não verbal22, independentemente de ser público
mesmo que às vezes seja difícil ou privado (Catania, 1979). As
relatar aspectos de si que sejam demais posições, incluindo o
considerados reprováveis ou Behaviorismo Metodológico de
desagradáveis. 23
Watson, referem-se ao
A investigação dos comportamento como ações
determinantes dos comportamentos públicas, passíveis de observação
clínicos relevantes do cliente direta (Matos, 2001). Para Skinner
caracteriza-se como uma tarefa fun- (1945/1988), os fatores
tradicionalmente conhecidos como
damental na clínica. O entendimento mentais (pensar, sentir, raciocinar,
dessas variáveis possibilita imaginar, fantasiar, etc.) também são
direcionamentos terapêuticos mais comportamentos. Essa consideração
enfraquece a concepção dualista,
21 Na Análise do Comportamento, a internalista e mecânica de
autodescrição não se refere apenas ao que o
cliente faz (seus comportamentos), mas causalidade tipo mente →
também em quais contextos ocorre o comportamento-observável, pois se
comportamento e quais efeitos produz. os “eventos mentais” também são
22 Para maior compreensão do tema
“correspondência verbal/não verbal na
comportamentos, eles devem ser
clínica”, sugere-se o texto de explicados como tal, a partir de suas
23 Costumo passar aos meus alunos, relações com o ambiente.
supervisionandos e de especialização clínica,
que a terapia desperta no cliente “a dor da
lucidez”.
Análise Comportamental Clínica 37

O Behaviorismo Radical define comportamento como interação


organismoambiente (Matos, 2001; Todorov, 1989; Tourinho, 1987). Essas
interações são descritas por meio de relações de contingências, 24 que são
relações de dependência

Beckert (2004).
entre eventos ou, mais Uma pessoa pode ficar “liberando
especificamente, em Psicologia, sentimentos” durante anos num
entre comportamentos e eventos consultório e sua “fonte” nunca se
ambientais. O comportamento é esgotar! Isso porque as
também um fenômeno histórico, não contingências que os estão eliciando
é algo que possa ser isolado, ainda continuam presentes em sua
guardado. Não é matéria em si, mas vida. Se o comportamento é um
uma relação entre eventos naturais. fenômeno histórico, o clínico
Como dito anteriormente, segundo behaviorista radical procura
Skinner (1974/1993), o organismo entender em quais condições ocorreu
não armazena experiências, é e não onde ou como ele estaria
modificado por elas. Cabe então ao armazenado. O mais importante é
cientista registrar a ocorrência do identificar quais variáveis são
comportamento e observar sob quais responsáveis por esses sentimentos e
condições ocorre ou é modificado. o que seria necessário fazer para
A definição de comportamento modificá-las.
como interação desfaz a ideia de um Sendo o comportamento uma
organismo passivo em relação ao relação bidirecional entre organismo
ambiente, como frequentemente e ambiente, ressalta-se que a forma
apontam algumas críticas. Conforme como o organismo afeta o mundo é
afirmou Skinner (1957/1978), “os por meio das ações, ou melhor, do
homens agem sobre o mundo, comportamento operante. A terapia
modificam-no e por sua vez são analítico-comportamental é voltada
modificados pelas consequências de para a ação do cliente sobre a sua
suas ações” (p. 15). vida, ou seja, sobre as contingências.
São as ações que modificam o
mundo! Seja mudando o contexto
Implicações clínicas
em que está inserido, seja buscando
A compreensão de como um cliente
contextos mais favoráveis, o
se comporta é feita por meio de um
indivíduo é ativo. Por mais intensos
raciocínio interacionista. Por
que sejam nossos sentimentos, eles
exemplo, um clínico de orientação
não afetam o ambiente diretamente.
analítico-comportamental não tenta
Mesmo os pensamentos, apesar da
“liberar” os sentimentos da pessoa,
sua natureza verbal operante, não
“colocá-los para fora”. “Liberar”
mudam as nossas experiências
sentimentos nada mais seria do que
diretamente; é necessário ações
comportar-se, ou seja, apresentar
públicas para isso. O pensar pode
comportamentos públicos na
entrar no controle direto de ações
presença de sentimentos específicos.
24 No sentido técnico, contingência ressalta como sendo a probabilidade de um evento que pode
ser afetada ou causada por outros eventos (Catania, 1979).
38 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

públicas, mas não afeta o mundo pela “Psicologia estímulo-resposta”,


como estas últimas afetam. Podemos pela ideia da justaposição ou da
pensar em alguma coisa e fazermos contiguidade. O segundo baseia-se
outra incompatível; podemos agir de nas relações funcionais, não lineares,
forma antagônica ao que sentimos, entre comportamento e ambiente.
mas, em ambos os casos, só as ações
afetarão o mundo diretamente. A Entender o comportamento-no-
terapia voltada para a ação incentiva contexto caracteriza-se como uma
as pessoas a buscar contingências análise molar (ampla), em
que vão lhes trazer benefícios, contrapartida a uma análise
mesmo que inicialmente possam molecular (restrita, parcial).
eliciar sentimentos ou pensamentos Segundo Hayes, Strosahl, Bunting,
desagradáveis. O modelo terapêutico Twohig e Wilson (2004), o
da ACT (sigla em inglês para contextualismo funcional vê os
Terapia de Aceitação e eventos comportamentais como a
Compromisso), por exemplo, tem interação entre o organismo como
desenvolvido estratégias nesse um todo e um contexto que é
sentido (Hayes, Strosahl e Wilson, definido tanto historicamente
1999. Ver os capítulos de Dutra e (história de aprendizagem) quanto
também de Ruas, Albuquerque e situacionalmente (antecedentes e
Natalino, neste livro). consequentes atuais, regras).25 O
Segundo Chiesa (1994), as contexto é o conjunto de condições
pessoas estão acostumadas a ver o em que o comportamento ocorre
resultado e não o processo. E o (Carrara e Gonzáles, 1996). Tire o
comportamento do contexto e ele
processo é histórico. A investigação
fica sem sentido.
histórica das contingências desfaz a
necessidade de buscar alguma
entidade ou “essência” dentro do Observe que os princípios da
organismo como geradora da ação. Análise do Comportamento
descrevem relações, com definições
envolvendo funções de estímulo e de
VISÃO CONTEXTUALISTA
resposta. Por exemplo, operante não
O contextualismo, derivado das
é a resposta em si, mas um tipo de
ideias de Pepper (1942, citado por
relação entre resposta, condições em
Carrara, 2001), tem sido relacionado
que ocorre e consequências que
ao Behaviorismo Radical (Carrara,
produz. As funções de um estímulo
2001 e 2004; Hayes, Hayes e Reese,
são definidas pelo efeito que têm
1988). De acordo com Carrara
sobre a resposta, seja o estímulo
(2001), enquanto o mecanicismo
anterior ou posterior a ela. Um
está associado a uma máquina em
mesmo estímulo pode ter várias
movimento, o contextualismo refere-
funções, dependendo da relação
se ao comportamento-no-contexto.
analisada (Skinner, 1953/2000).
O primeiro estaria mais vinculado às
propostas iniciais do Behaviorismo, 25 Regras são definidas como estímulos
como o Behaviorismo verbais que descrevem/especificam uma
Metodológico, muito caracterizado contingência (Baum, 1994/1999; Catania,
1979). Ver Capítulo 13.
Análise Comportamental Clínica 39

Segundo Carrara (2001, p. 239), “a probabilidade de reforçamento


ideia de relações funcionais é cara e (negativo) para comportamentos de
imprescindível ao contextualismo, fuga e de esquiva da filha. A fala da
que, por sua vez, a maximiza para mãe pode ter funções reforçadoras
incluir todas26 (o que, no limite, é ou punitivas quando, consequente a
impossível) as variáveis que, em uma ação da filha, aumenta ou
menor ou maior escala, afetam o diminui a probabilidade de
comportamento”. Dessa forma, a ocorrência dessa ação. Se uma
compreensão de um comportamento pessoa relata e/ou apresenta atitudes
só será possível identificando as de esquiva social na clínica,
relações atuais e passadas entre caracterizando-se como “tímida”, o
resposta e ambiente, conforme terapeuta irá ajudá-la a identificar
afirmou Carrara (2001, p. 240), não em quais situações esses
apelando “a influências isoladas de comportamentos são mais prováveis,
partes do organismo envolvidas na quais suas funções, quais condições
ação (glândulas, braços, cérebro ou, históricas favoreceram suas
mesmo, mente)”. aquisições e quais contextos os
mantêm. Tal análise também
favorecerá uma mudança contextual.
Implicações clínicas
“Será que tenho que deixar de ser
Um terapeuta comportamental não
duro com as pessoas sempre?”,
está interessado na ação em si, mas
pergunta o cliente. Não. Apenas em
nas condições em que ela ocorre,
situações em que as consequências
seus antecedentes e consequentes,
de se comportar assim, em curto ou
sua história de reforçamento/punição
longo prazo, motivem a mudança.
e os efeitos destes sobre a ação. O
Entender um transtorno
autoconhecimento decorrente desse
comportamental, por exemplo, não é
processo é muito mais amplo do que
apenas identificar os
simplesmente identificar
comportamentos que o caracterizam,
características pessoais. Queixas
mas, sim, saber a quais
iguais podem ter funções diferentes
contingências estariam relacionados.
e revelar histórias de
Isso se opõe à ideia de geração
condicionamentos diferentes. Por
interna do comportamento, pois,
exemplo, a presença da mãe de uma
dependendo do contexto, ele
cliente chamada Ana pode ter
ocorrerá de forma diferente (ver
funções eliciadoras27 quando a sua
também Ryle, 1949/1963).
presença ou sua proximidade elicia
medo em Ana; e função
discriminativa28, quando sinaliza VISÃO EXTERNALISTA
É frequente ouvir pessoas, incluindo
26 Grifo original. alguns psicólogos de outras
27 Relacionadas ao comportamento reflexo ou abordagens, afirmarem
respondente. categoricamente que “o que
28 Relacionadas ao comportamento operante. importa” é o que tem “dentro” de
Essas definições podem ser melhor
entendidas em outros capítulos do presente
um indivíduo, numa alusão à
livro, assim como em Baum (1994/1999),
Catania (1979), Skinner (1953/2000), dentre outros.
40 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

subjetividade, a sentimentos, etc. Radical, associando-a ao modelo


Um behaviorista radical, no entanto, mecânico de causalidade. Enfatizar
vai discordar dessa afirmação e dizer o papel do ambiente na
que o que importa não é o que “tem determinação do comportamento
dentro” da pessoa, mas o que humano não implica afirmar que o
determina o que “tem dentro”. É o organismo apenas reage
ambiente que determina o passivamente ao mundo, tal como
comportamento, seja ele privado ou um ser autômato. Muito pelo
não. Por ambiente, entende-se o que contrário, o modelo skinneriano
é externo ao comportamento a ser deve ser caracterizado como
analisado. Isso quer dizer que a interacionista, com influências
concepção externalista skinneriana mútuas entre comportamento e
não exclui o mundo dentro de da ambiente.
pele, apenas não lhe atribui status Pode-se observar também que,
causal e nem uma dimensão na obra de Skinner, o externalismo
metafísica (Skinner, 1953/2000). O está dentro do caráter pragmático de
mito da caixa preta de Skinner, o sua concepção. A proposta de
qual atribui ao seu Behaviorismo a transformar o mundo é uma
ideia de organismo vazio, é mais característica presente em sua obra,
uma das interpretações enganosas como pode ser observado na
sobre a sua teoria (ver afirmação: “se queremos que a
CarvalhoNeto, 1999). A posição espécie sobreviva, é o mundo que
skinneriana vai de encontro às fizemos que devemos mudar”
concepções tradicionais que (Skinner, 1989, p. 70).
entendem o comportamento como
sendo originado internamente no
Implicações clínicas
organismo, seja por algo físico (p.
Ao buscar interpretações do porquê
ex., bases neurológicas) ou não
de alguém sentir, pensar ou agir de
físico (p. ex., entidades mentais,
determinada maneira, ou mesmo
como inconsciente, memória,
apresentar somatizações19, o analista
cognição, etc.). Eventos privados,
do comportamento não terá como
como o pensamento, podem entrar
referência os eventos internos, sejam
no controle de comportamentos
eles físicos ou não (p. ex., mente,
públicos; no entanto, sua origem é
pulsão, energia, crença, sinapses,
pública, está na história de relações
etc.). Não é a angústia que faz
do organismo com o ambiente
alguém deixar um relacionamento
(Abreu-Rodrigues e Sanabio, 2001).
amoroso nem a personalidade leva
Como apontado anteriormente, as
alguém a ser impulsivo; a obsessão
contingências ambientais são as
não decorre meramente de alterações
variáveis independentes, enquanto
neurológicas; a depressão não vem
os comportamentos são as variáveis
de processos mentais e nem os
dependentes.
transtornos comportamentais se
Há uma confusão comum no
originam de crenças distorcidas. São
que diz respeito ao que vem a ser a
as contingências ambientais os
concepção externalista de
determinantes dentro de um
causalidade no Behaviorismo
Análise Comportamental Clínica 41

processo histórico. Na formação de um clínico


analíticocomportamental, portanto, é
É comum em nossa prática clínica fundamental o desenvolvimento da
encontrarmos clientes que capacidade de identificar as
desconhecem o porquê dos seus variáveis independentes dos
comportamentos29, mas, à medida comportamentos clinicamente
que as contingências vão sendo relevantes, bem como a capacidade
identificadas30, eles tendem a de ajudar o cliente a fazer o mesmo.
compreendê-las e a concordar com É necessário treino em um
o raciocínio31, mesmo que este lhes raciocínio externalista, pois sabemos
seja novo. que não apenas o cliente, mas
também o terapeuta vêm de uma
longa experiência em uma
Por exemplo, um cliente aprende
que sua forma de agir não é comunidade verbal mentalista. Por
exemplo, imagine um cliente
determinada pela sua baixa
autoestima, mas que os comporta- relatando um problema conjugal,
reconhecendo agir de forma
impulsiva e com agressividade. Uma
mentos que caracterizam o análise mais precisa descreverá
considerado como baixa autoestima32 quais comportamentos
são decorrentes, talvez, de uma caracterizariam os conceitos de
história de poucos reforços sociais impulsividade e agressividade.
(p. ex., rejeições, desvalorização por Outras informações também
pessoas significativas tais como os precisariam ser levantadas: saber em
pais, etc.). quais condições ocorrem com mais
frequência, desde quando ocorrem,
29 Em alguns casos, mesmo após anos de uma etc. O cliente pode então rela-
ou mais psicoterapias!
30 A identificação das contingências na
prática clíni-
31 É raro um cliente não entender ou não
concordar com o raciocínio baseado na
análise de contingências. Entretanto, é
provável que alguns, se entrassem para um
curso de graduação em Psicologia e tivessem
acesso às concepções filosóficas do
Behaviorismo Radical, discordassem de
algumas delas. Esse paradoxo advém de um
longo treino de raciocínio e de visão de
homem e mundo dentro de uma comunidade
verbal internalista, na qual sempre estivemos
inseridos.
32 As características do cliente analisadas na
sessão devem ser baseadas na interpretação
deste sobre quais comportamentos
exemplificam-nas. Por exemplo, se o cliente
relata ser tímido, deve-se investigar quais
ações levam-no a considerar-se assim. Se é o
terapeuta quem aponta uma provável
característica, ela deve ser confirmada pelo
cliente, como, por exemplo, quando o
terapeuta pergunta “você acha que é
impulsivo nas suas relações afetivas?”.
42 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

19
ser: a) foi pouco contrariado ao
As somatizações, também conhecidas como
longo da vida; b) as coisas em casa
psicossomatizações, são alterações orgânicas
produzidas por respostas emocionais intensas eram sempre conforme sua vontade;
ou frequentes eliciadas por eventos c) seu comportamento foi muito
ambientais específicos (para saber um pouco reforçado e pouco punido quando se
mais sobre o assunto, sugere-se Millenson, tornava agressivo em relações
1967/1975).
próximas; etc.
tar que essas “atitudes” estão lhe Uma observação importante é
sendo que as VIs são fundamentais não
prejudiciais e que haveria interesse apenas para explicar a aquisição dos
em mudança. Antes de estabelecer comportamentos. Elas são
quaisquer estratégias ou alternativas necessárias para explicar a sua
nesse sentido, o clínico deveria manutenção, servem de parâmetros
saber o que determina suas para avaliar a motivação para
ocorrências. Vejamos as seguintes mudanças e são também os próprios
opções: a) fica nervoso; b) sente um instrumentos de mudança (Marçal,
ca normalmente não ocorre em linguagem técnica; é comum o terapeuta usar
termos do cotidiano na comunicação com o seu cliente.

forte “impulso”; c) era agressivo 2005, 2006a). Se os ambientes, ao


quando criança; d) tem longo da vida de uma pessoa, foram
personalidade agressiva; e/ou estão sendo determinantes para
e) tem “pavio curto” e f) tem os seus sentimentos, seus
natureza impulsiva. Qual dessas pensamentos e suas “atitudes”
alternativas seria um exemplo de atuais, são as mudanças no
variável independente, segundo o ambiente, então, que vão
modelo externalista? Acertou quem proporcionar modificações nesses
afirmou que nenhuma delas é. Na comportamentos. Pode-se brincar
realidade, todas descrevem VDs, ou dizendo que as contingências são as
seja, são comportamentos a ser verdadeiras terapeutas! A terapia
explicados. É necessário saber por analítico-comportamental é voltada
que ele fica nervoso, sente um forte para a ação sobre o mundo. São os
“impulso” e era agressivo quando efeitos dessa ação que interessam, os
criança. A “personalidade efeitos de mudanças nas
agressiva”, o “pavio curto” e a contingências em que a pessoa vive.
“natureza impulsiva” são rótulos VISÃO SELECIONISTA
classificatórios para esses padrões Selecionismo é um termo originário
comportamentais que, por sua vez, da teoria evolucionista da Seleção
também precisam ser explicados. Natural, proposta por Charles
Essas informações, embora possam Darwin e Alfred Wallace para
contribuir de alguma forma, não explicar a origem das espécies
esclarecem o porquê dos (Desmond e Moore, 1995). Na
comportamentos. As VIs seriam Seleção Natural, membros de uma
encontradas nas relações entre esses espécie com características mais
comportamentos e o ambiente. adaptativas ao ambiente em que
Alguns exemplos de VIs poderiam vivem têm mais chances de
Análise Comportamental Clínica 43

sobreviver e de passar suas anos, em que mudanças ambientais


características aos seus selecionaram características (p. ex.,
descendentes. Por exemplo, imagine morfológicas, fisiológicas,
um grupo de felinos da mesma comportamentais) mais apropriadas
espécie vivendo na mesma época e à sobrevivência. Isso promoveu
no mesmo espaço geográfico. Com diferenças entre espécies que, num
certeza, haverá diferenças passado distante, tiveram os mesmos
individuais no grupo no que diz ancestrais.
respeito a aspectos anatômicos, Segundo Skinner (1974/1993), a
fisiológicos, etc., como, por teoria da Seleção Natural demorou a
exemplo, o tamanho do pelo. Agora surgir em função de um raciocínio
vamos supor que a região em que pouco comum ao tradicionalmente
vivem tais felinos passasse por uma conhecido:
significativa redução na temperatura
atmosférica ao longo dos anos e A teoria da seleção natural de
assim permanecesse por milhares ou Darwin surgiu tardiamente na
milhões de anos. Quais os efeitos história do pensamento. Teria
dessa ação ambiental sobre esses sido retardada porque se opunha
felinos? O que aconteceria é que à verdade revelada, porque era
aqueles com pelo maior, mesmo que um assunto inteiramente novo
por milímetros de diferença, teriam na história da ciência, porque
mais condições de se adaptarem ao era característica apenas dos
clima frio, sobreviverem e passarem seres vivos ou porque tratava de
suas características aos seus propósitos e de causas finais
descendentes que, por sua vez, sem postular um ato de criação?
também estariam sujeitos à mesma Creio que não. Darwin
ação ambiental. O ciclo se repetiria simplesmente descobriu o papel
ao longo de anos, décadas, milênios. da seleção, um tipo de
Os de pelo maior sempre levariam causalidade muito diferente dos
vantagens na competição por mecanismos de ciência daquele
sobrevivência em relação aos de tempo. (p. 35)
pelo menor. Isso poderia não fazer No raciocínio selecionista, “um
diferença em algumas décadas, mas evento tem a sua probabilidade
após milhares ou milhões de anos, futura de ocorrência afetada por um
essa espécie poderia ter se evento que ocorre posterior a ele,
“transformado” em uma outra com invertendo o tradicional raciocínio
pelos muito maiores,33 do tamanho mecanicista de contiguidade”
mais favorável à sobrevivência. Na (Marçal, 2006b, p. 1). Segundo
seleção natural, cada espécie é o Donahoe (2003), isso difere do
resultado de um processo que teleológico, já que não é o futuro
envolve milhares ou milhões de que traz o presente para si, mas o
passado e que empurra o presente
33 O mesmo acontecendo em relação à em direção ao futuro.
quantidade de tecido adiposo, aos hábitos
Skinner (1966 e 1981) amplia o
alimentares e a outros aspectos que
favoreceriam a sobrevivência em
modelo selecionista ao estendê-lo
temperaturas mais baixas. para a esfera ontogenética e cultural.
44 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Dessa forma, não é só na origem das ocorrência do comportamento em


espécies (filogênese) que a seleção si, nem no modo como ocorre, mas
atua, também na história de vida do no porquê de sua ocorrência.
indivíduo (ontogênese) e nas
práticas de uma cultura (Skinner,
O clínico emprega o raciocínio
1953/2000; Todorov e de-Farias,
selecionista na compreensão de
2008). Na ontogênese, os
como os comportamentos dos
comportamentos emitidos pelo
clientes foram adquiridos e estão
organismo são selecionados ou não
sendo mantidos. Independente da
pelas suas consequências, ou seja, o
influência de variáveis biológicas,
reforçamento fortalece a
nem sempre claras ou demonstradas
probabilidade de ocorrência de uma
empiricamente, a atenção está
classe de resposta que o produziu,
voltada para os processos de seleção
enquanto a punição a enfraquece. O
comportamental.
ambiente exerce um papel
Vamos supor um caso clínico
determinante em qualquer forma de
em que uma pessoa chega ao
seleção, que ocorre a partir de um
consultório com um diagnóstico de
substrato variável. Sem variação não
transtorno obsessivo-compulsivo
há seleção!
(TOC). Após identificar os
Segundo Baum (1994/1999),
comportamentos que caracterizam o
assim como a teoria da Seleção
quadro de TOC e os contextos
Natural substituiu a explicação da
históricos e/ou atuais a ele
origem das espécies baseada num
relacionados, o clínico buscará
Deus Criador, a Teoria do Reforço
identificar quais são as variáveis de
substituiu a explicação do
controle atuais, tais como
comportamento humano baseada
contingências de reforçamento,
numa mente criadora. Para o autor,
estímulos aversivos condicionados,
isso ocorre porque as explicações
controle aversivo sobre
substituídas são inaceitáveis do
comportamentos alternativos, etc. A
ponto de vista científico, obstruindo
identificação de variáveis
o avanço do conhecimento.
mantenedoras, no entanto, não
O modelo selecionista não explica como os comportamentos
recorre a exclusivas condições foram adquiridos, tornando
genéticas como determinantes do necessário identificar contingências
comportamento e nem a um históricas que selecionaram esses e
raciocínio mecânico ou linear, como outros padrões comportamentais do
quando se afirma que suas atitudes cliente.34 Há maior interesse nas
são determinadas pela sua funções desses comportamentos do
personalidade, self, consciência ou que nas suas topografias (formas).
alguma força interior. Conforme já foi dito, pessoas podem
apresentar padrões comportamentais
Implicações clínicas semelhantes, mas com funções

O principal interesse do clínico 34 Para entender um pouco sobre a relação


behaviorista radical não está na entre história de vida e identificação de
padrões comportamentais na prática clínica,
ver Marçal (2005, 2006a e 2007).
Análise Comportamental Clínica 45

diferentes, identificadas a partir de passaram, estaríamos nos


diferentes contingências de comportando de forma semelhante.
aquisição e de manutenção. Essa postura é um forte aliado do
terapeuta na formação de vínculo
conselho terapêutico como “comporte-secom o cliente. No entanto, a
ao fracasso. Torna-se, então, importantevalidação
para a pessoanãoentender
implicaporaceitação
que se comporta assim e
por que é difícil mudar, favorecendo o engajamento
passiva dasemcondições
situações de mudanças.
atuais! A A ideia de que
se vai aprender a agir de outras formas podeteoriaserdamais adequada
Seleção nessas
Natural circunstâncias.
indica que
uma espécie foi preparada para viver
em ambientes semelhantes aos que
viveu no passado, não há garantias
de adaptabilidade a novos e
porventura diferentes ambientes
(Skinner, 1990). Na ontogênese,
ocorre o mesmo. Uma das principais
fontes do sofrimento humano são as
mudanças ambientais pelas quais
Por mais que um padrão uma pessoa passa ao longo da vida.
comportamental esteja trazendo Formas efetivas de se comportar em
problemas a alguém, por mais que contextos anteriores podem não ser
esse alguém esteja insatisfeito com apropriadas a novos contextos, por
sua forma de agir, tal vezes muito semelhantes, e podem
comportamento foi reforçado no passar a produzir pouco ou nenhum
passado em um ou mais contextos. reforçamento, ou, ainda, produzir
Foi funcional ao remover, evitar ou consequências aversivas. A
atenuar eventos aversivos ou ao dificuldade se acentua quando esses
produzir eventos reforçadores novos contextos tornam-se
positivos.35 Essa análise contribui predominantes e envolvem
para validar os sentimentos e os reforçadores poderosos. Habituado a
comportamentos atuais, tornando-os um padrão comportamental, o
coerentes com as experiências que a indivíduo se depara com uma
pessoa vem tendo ao longo da vida. situação que exige variação e isso
Muitas vezes, dizemos aos nossos pode ser muito difícil, pois um outro
clientes que se tivéssemos passado modo de se comportar não foi
pelas mesmas situações que eles conforme os mandamentos sociais
da cultura em que viveu. Carinho,
afeto, respeito, privilégios,
35 Evento aversivo ou reforçador negativo é
aquele que reduz a probabilidade de consideração e tantos outros
ocorrência do comportamento que o produziu reforçadores sociais foram
ou antecedeu (punição positiva) e também fartamente adquiridos em função da
aumenta a probabilidade de ocorrência do
comportamento que o adiou, atenuou ou sua forma de ser. Regras a respeito
removeu (reforçamento negativo). Um de si (autoimagem) foram formadas
reforçador positivo é um evento que aumenta a partir dessas experiências e
a probabilidade de ocorrência do
comportamento que o produziu (reforçamento também passaram a controlar seus
positivo) e também reduz a probabilidade de comportamentos (p. ex., “isto não é
ocorrência do comportamento que o removeu para alguém como eu”, “tal atitude
(punição negativa).
46 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

não combina comigo”, “Lúcia é que favoreçam a emissão dos


meiga... um amor”). No entanto, comportamentos desejados.36
quando Lúcia se torna adulta, A variação é um elemento
depara-se com as seguintes básico para haver seleção (Skinner,
situações: os filhos desafiam-na e 1981). Pouca variabilidade entre os
passam a desobedecê-la, pois ela membros da espécie diminui a
tem dificuldade em ser “dura” com probabilidade de esta sobreviver a
eles; o mesmo acontece em relação à mudanças ambientais. Do mesmo
empregada que trabalha em sua modo, padrões restritos e
casa; no trabalho, assumiu um cargo estereotipados de comportamentos
de chefia, com melhor remuneração, dificultam a adaptabilidade a um
mas que exige atitudes de rigidez mundo em constante mudança. Um
com os funcionários. Esses dos principais objetivos da prática
contextos exigem de Lúcia um clínica é produzir variabilidade
repertório comportamental que foi comportamental, aumentar o leque
pouco fortalecido (selecionado) em de possibilidades para conseguir
suas experiências de vida: contrapor reforçamento em ambientes variados
ou contrariar as pessoas, ser rígida (Marçal e Natalino, 2007). No
com elas, impor limites. entanto, por que mudar às vezes é
Provavelmente, a sua postura tão difícil? Por que alguns clientes
também tenha contribuido para que não se engajam nas situações
pessoas próximas, como pais, terapêuticas sinalizadas nas sessões?
familiares e, depois, colegas, tenham Seria válido aquele ditado popular
agido dessa forma por ela, como na Psicologia em que se afirma que
numa espécie de proteção. Talvez “para mudar, é necessário querer
seu comportamento tenha sido mudar”? Para o analista do
punido quando agiu de forma comportamento, é fundamental
diferente, ouvindo coisas como: avaliar as contingências que levam
“Essa não é a Lúcia que alguém a querer mudar, ou seja,
conhecemos!” ou “O que é isso, mais importante do que querer ou
Lúcia! Você fazendo isso!”. Dessa não mudar, é o que leva alguém a
forma, esses repertórios não foram querer ou não mudar.
efetivamente modelados. Isso leva a O modelo selecionista é muito
uma condição de grande sofrimento, eficaz na avaliação motivacional
de angústia, de sensação de para mudanças. Muitas vezes,
impotência. Simplesmente pedir respostas que trazem consequências
que Lúcia se imponha diante das aversivas, também levam a
pessoas pode ser o mesmo que pedir
a alguém, que mal sabe dar uma 36 A experiência clínica ensinou-me a usar
cambalhota, para dar um “salto termos como experimentar, treinar, aprender,
mortal”! A compreensão de como praticar, exercitar, quando se trata de
motivar o cliente a emitir comportamentos
suas características foram
funcionalmente necessários, mas que não
adquiridas, de como tais situações se fazem parte do seu repertório
tornaram aversivas ou reforçadoras comportamental, isto é, que não foram
positivas, poderá ajudá-la a se aprendidos. A ideia de simplesmente “fazê-
engajar gradativamente em situações lo” pode gerar enorme frustração diante da
inevitável dificuldade que ele encontrará.
Análise Comportamental Clínica 47

reforçadores poderosos. Por o Behaviorismo Radical, (b) de


exemplo, uma postura agressiva pressupostos derivados dos
pode trazer reações sociais primórdios do Behaviorismo e (c) de
desagradáveis, mas também uma associação à terapia
admiração e respeito; um comportamental baseada na
comportamento pode ser punido exclusiva aplicação de técnicas, algo
com frequência em um contexto, comum38 em situações aplicadas,
mas não em outro; ser calado pode como em instituições de saúde (o
estar trazendo problemas numa capítulo de de-Farias, neste livro,
relação conjugal, mas ser útil no aborda brevemente este tópico).
trabalho ao favorecer a
produtividade e evitar intrigas.
I
Muitas vezes, também, a mudança n
implica engajar-se em situações com f
e
elevado custo de resposta e de l
ganhos em um prazo muito longo. i
z
m
e
Para uma pessoa, deixar de ser n
dependente pode representar t
e
muito esforço e um tempo ,
demasiado grande para obter os
reforçadores almejados. m
u
i
t
A avaliação motivacional a
s
oferece ótimos parâmetros para
terapeuta e cliente estabelecerem d
e
metas terapêuticas e estratégias para s
consegui-las, evitando que a terapia t
a
“fique patinando”, sem sair do lugar. s

c
O ALCANCE DA ANÁLISE DO o
n
COMPORTAMENTO NA ÁREA c
e
CLÍNICA p
Existem muitas concepções ç
õ
enganosas do que vem a ser Análise e
Comportamental Clínica ou Terapia s
Analítico-Comportamental. A maior s
parte dessas interpretações é ã
o
decorrente de (a) um forte
desconhecimento37 do que vem a ser l
a
r
3 -
73 38 E
73 nec
73 ess
73 ári
73 o.
48 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Independentemente desse processo, 1991/2001; Hayes et al., 1999). Para


são observadas duas características uma boa formação clínica, é
comuns entre os clínicos necessário um bom embasamento
behavioristas radicais: a paixão pela filosófico e teórico-conceitual, além
teoria e a segurança no seu de uma prática supervisionada. No
referencial teórico. Não se observa entanto, é importante ressaltar que o
entre os clínicos de orientação Behaviorismo privilegia o método
behaviorista radical a necessidade de como produção de conhecimento; tal
utilizar um outro modelo como afirmou Skinner (1950), ao
psicológico de interpretação ou enfatizar que quem quiser as
tratamento, seja qual for o respostas sobre as coisas, não deve ir
comportamento em questão, atrás dele, pois elas estão na
incluindo os distúrbios graves como
padrões psicóticos e outros.
Interferências em aspectos
orgânicos, como por meio de
medicamentos, podem ser bem-
vindas em alguns casos, da mesma
forma que técnicas clínicas
provenientes de outras abordagens
psicológicas. Contudo, não há a
necessidade de interpretações
baseadas em modelos não derivados
de um estudo controlado e
sistematizado, como o decorrente da
Análise Experimental do
Comportamento.
As perspectivas clínicas
behavioristas radicais são sempre
positivas. Cada vez mais pesquisas
fornecem conhecimento e dão
sustentação às estratégias de
intervenção (Kerbauy, 1999). No
Brasil, é cada vez maior o número
de centros de formação para clínicos
que desejam se especializar nessa
abordagem, assim como o número
de publicações relacionadas à área.39
O mesmo acontece fora do país,
onde novos modelos clínicos têm
surgido baseados nesse referencial
teórico (p. ex., Kohlenberg e Tsai,

39 Vasto material é encontrado nas coleções


“Ciência do Comportamento: Conhecer e
avançar”, “Sobre Comportamento e
Cognição” e no periódico “Revista Brasileira
de Terapia Comportamental e Cognitiva”.
Análise Comportamental Clínica 49

natureza. Ela é que deve ser investigada.


gamente difundidas entre aos alunos de graduação em Psicologia por professores de outras
abordagens também por um grande desconhecimento sobre a Análise do Comportamento.

EXERCÍCIO contextos, não o são em outros (não


produzem reforçamento ou produzem
Identificando variáveis punição). A seguir, alguns exemplos
independentes na prática de comportamentos que poderiam
clínica40 caracterizar o perfeccionismo:

Na Análise do Comportamento, • Faz muito bem feito tudo


traduzimos alguns termos: que pega para fazer;
Causa: mudança em uma variável • Refaz várias vezes o mesmo
independente; trabalho até ficar sem erros;
Efeito: mudança em uma variável • Não para de fazer algo
dependente; enquanto não estiver “bem
Relação causa-efeito: relação feito”;
funcional. • Fica remoendo ou
lamentando quando algo
As VIs são eventos ambientais.
não saiu bem feito como
Conforme afirmou Skinner (1981), “as
queria;
causas do comportamento (VIs) são as
condições externas das quais o
comportamento é função”. Identificar • Atenção está sob controle do
VIs na prática clínica é uma tarefa que não está bom.
básica e fundamental para o psicólogo
A) Aquisição – Assinale, entre os
em todas as etapas da terapia.
exemplos abaixo, quais poderiam ser
Executá-la adequadamente evita que
considerados VIs históricas para a
o terapeuta desvie sua atenção para
aquisição (ou para a manutenção ao
variáveis não relevantes no controle
longo dos anos) desse padrão
dos comportamentos do seu cliente e
comportamental:
reduza a eficácia da terapia. Este
exercício ajudará você a aprender a ( ) Muito acostumada a fazer
identificar essas variáveis. As VIs aqui tudo bem feito.
abordadas referem-se àquelas ( ) Tirava as melhores notas da
responsáveis (a) pela aquisição e pela escola.
manutenção de comportamentos ou ( ) Sempre gostou de ser a
padrões comportamentais do cliente, melhor em tudo.
(b) pela motivação para a mudança e ( ) Pais muito exigentes
(c) pelas mudanças necessárias para quanto ao desempenho.
se alcançar as metas terapêuticas. ( ) Estudou em colégios exigentes.
I – O perfeccionismo é um padrão ( ) Preferia atividades que
comportamental encontrado com exigiam muito. ( )
relativa frequência entre os clientes. Premiada por elevado
Apesar dos comportamentos que o desempenho.
caracterizam serem funcionais ( ) Valorizada pelos pais apenas
(produzirem reforçamento) em muitos em função do desempenho.
( ) Sempre sentiu necessidade de
40 O gabarito dos exercícios está disponível
ao final do livro. fazer bem feito.
50 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

( ) Ambiente familiar ( ) Tem grande prestígio entre os


competitivo e comparativo. colegas de profissão: estes
( ) Muito autoexigente. esperam muito dela.
B) Manutenção – Assinale, ( ) Quer continuar sendo assim.
dentre os exemplos abaixo, VIs atuais ( ) Mãe reforça-a
que contribuiriam para uma pessoa diferencialmente pelo
manter o padrão comportamental de desempenho.
perfeccionismo: C) Motivação para a mudança
( ) É proprietária e gerencia uma – Assinale quais dos exemplos abaixo
empresa que sofre grande seriam determinantes (VIs) para
concorrência. motivar mudanças em relação ao
( ) Pensa que só aquele que faz perfeccionismo:
bem feito é quem progride ( ) Não quer ser tão perfeccionista.
na vida. ( ) Apresenta somatizações graves
( ) Incomoda-se quando vê algo relacionadas ao
mal feito. perfeccionismo.
( ) Marido, a quem ama, está se afastando dela.
( ) Acha que está precisando relaxar.
Análise Comportamental Clínica 51

(
) Não está obtendo reforçadores também era acomodado.
relacionados ao lazer. ( ) Tinha preguiça de fazer as coisas
( ) Perde oportunidades (reforçadores) quando criança.
valiosas por só querer coisas perfeitas. ( ) É ( ) Seu irmão, três anos mais velho,
determinada, consegue o que quer. fazia e resolvia quase tudo para ele
D) Recursos terapêuticos – Identifique quais (cliente).
dos recursos ou estratégias terapêuticas ( ) Mãe facilitadora.
exemplificados abaixo corresponderiam a VIs ( ) Foi pouco exigido na vida.
responsáveis por mudanças: ( ) Era quieto desde criança.
( ) Seu signo revela uma pessoa
( ) Precisa aprender a relaxar. acomodada.
( ) Mudar o pensamento: “nem tudo na ( ) Nunca teve força de vontade.
vida é perfeito”.
( ) Acesso a muitos reforçadores sem muito
( ) Estar em situações reforçadoras que não esforço.
tenham demandas por desempenho.
( ) Insucesso ao tentar fazer algumas coisas
( ) Vivenciar contextos reforçadores em que por si.
haja boa probabilidade de ocorrerem
( ) Sempre foi inseguro.
imperfeições sem consequências
( ) Tinha baixa autoestima.
punitivas.
( ) Não se cobrar tanto. B) Manutenção – Assinale, dentre os
exemplos abaixo, VIs atuais que contribuiriam
II – O comodismo e a falta de iniciativa
para manter o padrão comportamental:
também são padrões comportamentais
frequentes que trazem problemas na vida de ( ) Não tem energia dentro de si.
alguns clientes. Assim como no perfeccionismo, ( ) Regra: “se pudesse, passava o dia com as
os comportamentos que caracterizam esses garotas”.
padrões foram ou são funcionais em muitos ( ) Recebe boa mesada dos avós.
contextos e não foram ou não são em outros. A ( ) Acha que é preguiçoso.
seguir, alguns exemplos de comportamentos ( ) Não há contingências aversivas na vida
que poderiam caracterizar o comodismo e a que leva atualmente.
falta de iniciativa: ( ) Acha que não deve ser diferente.
• Espera as coisas acontecerem na vida; ( ) Família reforça sua capacidade
• Age apenas quando solicitado ou persuasiva para ter o que quer.
mesmo obrigado; C) Motivação para a mudança – Assinale
• Raramente inicia um novo projeto; quais dos itens abaixo seriam determinantes
• Tende a permanecer em condições (VIs) para motivar mudanças:
aversivas, mostrando passividade;
( ) Acha que está na hora de mudar sua
• Sente-se inseguro ou sem vontade postura.
para iniciar algo novo. ( ) Mãe deixou de facilitar sua vida.
A) Aquisição – Assinale, entre os exemplos ( ) Está perdendo reforçadores importantes
abaixo, quais poderiam ser VIs históricas para a (punição negativa) por não tomar
aquisição (ou para a manutenção ao longo dos iniciativa para adquiri-los.
anos) desse padrão comportamental: ( ) Concorda com o irmão quando este diz
que ele está acomodado.
( ) Avô, com quem nunca teve contato,
( ) Sente que está mais corajoso.
52 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

(
( ) Namorada, que amava, terminou com comportamento não é
ele, pois achava que ele não imediatamente reforçado.
progrediria na vida.
A) Aquisição – Assinale, dentre os exemplos
( ) Passou a morar só, em outra cidade,
abaixo, quais poderiam ser VIs históricas para a
onde mal conhece as pessoas. ( ) Quer ser
aquisição (ou para a manutenção ao longo dos
igual ao irmão.
anos) desse padrão comportamental:
D) Recursos terapêuticos – Identifique quais ( ) História de acesso fácil e frequente a
dos recursos terapêuticos abaixo reforçadores importantes, sem
corresponderiam a VIs responsáveis por precisar ser persistente.
mudanças:
( ) É impulsivo desde criança.
) Terapeuta encerra a sessão no horário
( ) Nunca foi paciente para esperar.
inicialmente previsto, mesmo o
( ) Teve vários empregados à disposição
cliente chegando 40 minutos atrasado
quando criança. ( ) Era hiperativo.
e sem uma justificativa adequada.
( ) Suas exigências eram frequentemente
( ) Vivenciar contextos reforçadores em que
reforçadas pelos adultos.
haja contingência específica para a
( ) Poucas frustrações nas relações
produtividade.
sociais próximas.
( ) Identificar o lado bom de ter
( ) Sempre foi parecido com o pai nos
iniciativa, ser produtivo.
comportamentos.
( ) Aprender a se virar.
( ) Ter mais força de vontade. B) Manutenção – Assinale, dentre os exemplos
( ) Estar em situações em que as coisas abaixo, VIs atuais que contribuiriam para
dependam de si. manter o padrão comportamental:
( ) Inserir-se ou manter-se em ambientes ( ) No trabalho, tem muito poder e
exigentes, que punam o comodismo, comanda várias pessoas dispostas a
mas que também disponibilizem atendê-lo prontamente.
reforçadores importantes. ( ) Há pressão no trabalho por
III – A impulsividade e o imediatismo também resultados imediatos.
são padrões comportamentais frequentemente ( ) Tem TDAH (Transtorno do Déficit de
identificados em clientes. Os comportamentos Atenção e Hiperatividade).
que os caracterizam foram ou são funcionais ( ) Fica irritado com a lentidão dos
em muitos contextos, e não foram ou não são outros.
em outros. A seguir, alguns exemplos de ( ) Explosivo quando contrariado.
comportamentos que poderiam caracterizar a ( ) É ansioso.
impulsividade e o imediatismo: ( ) Não se “dá mal” quando age de forma
considerada impulsiva.
• Fala coisas sem pensar e depois se
arrepende; C) Motivação para a mudança – Assinale quais
• Não consegue esperar por algo, tem dos exemplos abaixo seriam determinantes
que ser agora; (VIs) para motivar (ou não) mudanças nesse
padrão comportamental:
• Pouca persistência, pouco
autocontrole; ( ) Brigou duas vezes na rua após gritar com
• Baixa tolerância à frustração; outros. Foi bem-sucedido.
• Desiste das atividades em que seu ( ) As coisas na vida continuam como na
infância: muito poder.
Análise Comportamental Clínica 53

(
( ) Namora uma pessoa que lhe é Carrara, K. (1998). Behaviorismo Radical: Crítica
submissa. e metacrítica. Marília: Unesp Marília
publicações; São Paulo: FAPESP.
( ) Considera-se explosivo, gostaria de
Carrara, K. (2001). Implicações do Contextualismo
mudar.
pepperiano no Behaviorismo Radical: Alcance e
( ) Dois amigos, dos quais gostava muito, limitações. Em H. J. Guilhardi, M.
afastaram-se dele. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz, M. C. Scoz & C.
( ) Reconhece que suas atitudes são, às Amorim (Orgs.), Sobre Comportamento e
vezes, inadequadas. Cognição: Vol. 8. Expondo a variabilidade
( ) Tem sentido vontade de mudar. (pp. 205-212). Santo André: ESETec.
Carrara, K. (2004). Causalidade, relações funcionais
D) Recursos terapêuticos – Identifique quais e contextualismo: algumas indagações a partir
dos recursos terapêuticos exemplificados do behaviorismo radical. Interações, 9, 29-54.
abaixo corresponderiam a VIs responsáveis por Carrara, K. & Gonzáles, M. H. (1996).
mudanças: Contextualismo e mecanicismo: implicações
conceituais para uma análise do
( ) Estar em ambientes reforçadores, mas
Comportamento. Didática, 31, 199-217.
que lhes confiram pouco poder.
Catania, A. C. (1979). Learning. New Jersey:
( ) Atividades em que o acesso ao Prentice Hall.
reforçador dependa da persistência. Carvalho Neto, M. B. (1999). Fisiologia &
) Acreditar que pode mudar. Behaviorismo Radical: Considerações sobre a
( ) Estabelecer etapas para uma caixa preta. Em R. R. Kerbaury & R. C.
mudança gradativa. Wielenska (Orgs.), Sobre Comportamento e
( ) Terapeuta não atende prontamente à Cognição: Vol. 4. Psicologia comportamental e
cognitiva: da reflexão teórica à diversidade na
sua solicitação para mudança de
aplicação (pp. 262-271). Santo André: ESETec.
horário (cliente não gosta muito do
Chiesa, M. (1994). Radical Behaviorism: The
horário em que está). philosophy and the science. Boston: Authors
( ) Aprender a relaxar e se controlar. Cooperative.
Desmond, A. & Moore, J. (1995). Darwin: a vida
de um evolucionista atormentado. São Paulo:
REFERÊNCIAS Geração Editorial.
Abreu-Rodrigues, J. & Sanabio, E. T. (2001).
Donahoe, J. W. (2003). Selecionism. Em K.
Eventos privados em uma psicologia
A. Lattal & P. N. Chase (Orgs.), Behavior
externalista: Causa, efeito ou nenhuma das
theory and philosophy (pp. 103-128). New
alternativas? Em H. J. Guilhardi, M. B. B. P.
York: Kluwer academic/Plenum Publishers.
Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.),
Ferster, C.B. (1973). A functional analysis of
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 7.
depression. American Psychologist, 28, 857-70.
Expondo a variabilidade (pp. 206-216). Santo
André: ESETec. Hayes, S. C., Hayes, L. J. & Reese, H. W. (1988).
Finding the philosophical core. Journal of the
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o
Experimental Analysis of Behavior, 50, 97-111.
Behaviorismo: Ciência, comportamento e
cultura (M. T. A. Silva, G. Y. Tomanari & E. E. Hayes, S. C., Strosahl, K. D., Bunting, K., Twohig,
Z. Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artmed. M. P. & Wilson, K. G. (2004). What is
Acceptance and Commitment Therapy? In S. C.
Beckert, M. E. (2001). A partir da queixa, o que
Hayes & K. D. Strosahl (Eds.), A practical
fazer? Correspondência verbal/não verbal: um
guide to Acceptance and Commitment Therapy
desafio para o terapeuta. Em H. J. Guilhardi, M.
(pp. 1-30). New York: Guilford Press.
B. B. Madi, P. P Queiroz, M. C. Scoz & C.
Amorim (Orgs.), Sobre Comportamento e Hayes, S. C., Strosahl, K. & Wilson, K. G.
Cognição: Vol. 7. Expondo a variabilidade (pp. (1999). Acceptance and commitment therapy:
186-194). Santo André: ESETec. An experiential approach to behavior change.
54 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

(
Nova York: Guilford Press.
Kerbauy, R. R. (1999) Pesquisa em terapia
comportamental: Problemas e soluções. Em R.
R. Kerbauy & R. C. Wielenska (Orgs.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 4. Psicologia
Comportamental e Cognitiva: da reflexão
teórica à diversidade na aplicação (pp. 61-68).
Santo André: ARBytes.
Lindsley, O. R. & Skinner, B. F. (1954). A
method for the experimental analysis of the
behavior of psychotic patients. American
Psychologist, 9, 419-420.
Marçal, J. V. S. (2005). Estabelecendo objetivos na
prática clínica: Quais caminhos seguir?
Revista Brasileira de Terapia
Comportamental e Cognitiva, 7, 231-246.
Marçal, J. V. S. (2006a). Refazendo a história de
vida: quando as contingências passadas
55 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

sinalizam a forma de intervenção clínica atual. Hutchinson & CO. LTD.


Em H. J. Guilhardi & N. C. de Aguirre (Orgs.), Skinner, B. F. (1945/1988). The operational analysis
Sobre Comportamento e Cognição: Vol 15. of psychological terms. In A. C. Catania & S.
Expondo a variabilidade (pp. 258273). Santo Harnad (Eds.), The Selection of behavior. The
André: ESETec. operant behaviorism of B. F. Skinner:
Marçal, J. V. S. (2006b). Introdução gradativa versus Comments and consequences (pp. 150-164).
introdução completa de uma contingência de New York: Cambridge University Press.
variação operante em crianças. Tese de Skinner, B. F. (1953/2000). Ciência e
doutorado não publicada, Universidade de Comportamento Humano (J. C. Todorov & R.
Brasília, Brasília, DF, Brasil. Azzi, trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Marçal, J. V. S. & Natalino, P. C. (2007). Skinner, B. F. (1957/1978). O Comportamento Verbal
Variabilidade comportamental e (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo: Cultrix,
adaptabilidade: da Pesquisa à Análise EDUSP.
Comportamental Clínica. Em H. J. Guilhardi & Skinner, B. F. (1966). The phylogeny and ontogeny
N. C. de Aguirre (Orgs), Sobre of behavior. Science, 153, 1205-13.
Comportamento e Cognição: Vol. 18. Expondo Skinner, B. F. (1974/1993). Sobre o Behaviorismo
a variabilidade (pp. 7185). Santo André. (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo: Cultrix.
ESETec.
Skinner, B.F. (1981). Selection by consequences.
Marx, H. M. & Hillix, A. W. (1997). Sistemas e Science, 213, 501-04.
Teorias em Psicologia (A. Cabral, trad.). São
Skinner, B. F. (1989). Recent issues in the analysis of
Paulo: Editora Cultrix.
behavior. Columbus, O. H.: Merrill.
Matos, M. A. (2001). Com o quê o behaviorista
Skinner, B. F. (1990). Can psychology be a science of
radical trabalha? Em R. A. Banaco (Org.). Sobre
mind? American Psychologist, 45, 1206-1210.
Comportamento e Cognição: Vol. 1. Aspectos
teóricos, metodológicos e de formação em Todorov, J. C. (1989). A Psicologia como estudo das
Análise do Comportamento e Terapia interações. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 5,
Cognitivista (pp. 49-56). Santo André: ESETec. 347-356.
Micheletto, N. (1997). Bases Filosóficas do Todorov, J. C. & de-Farias, A. K. C. R. (2008).
Behaviorismo Radical. Em R. A. Banaco (Org.). Desenvolvimento e modificação de práticas
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 1. culturais. Em J. C. M. Martinelli, M. A. A.
Aspectos teóricos, metodológicos e de formação Chequer & M. A. C. L. Damázio (Orgs.),
em Análise do Comportamento e Terapia Ciência do Comportamento: Conhecer e
Cognitivista (pp. 29-44). Santo André: ESETec. Avançar (Vol. 7). Santo André: ESETec.
Micheletto, N. (2001). A história da prática do Tourinho, E. Z. (1987). Sobre o Surgimento do
analista do comportamento: Esboço de uma Behaviorismo Radical de Skinner. Psicologia,
trajetória. Em H. J. Guilhardi, M. B. B. P. 13, 1-11.
Madi, P. P. Queiroz, M. C. Scoz & C. Vandenberghe, L. (2001). As principais correntes
Amorim (Orgs.), Sobre Comportamento e dentro da Terapia Comportamental – Uma
Cognição: Vol. 8. Expondo a variabilidade taxonomia. Em H. J. Guilhardi, M. B. B. Madi,
(pp. 152-167). Santo André: ESETec. P. P. Queiroz, M. C. Scoz & C. Amorim (Orgs.),
Millenson, J. R. (1967/1975). Princípios de Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 7.
Análise do Comportamento (A. A. Souza e D. Expondo a Variabilidade (pp. 154-161). Santo
Rezende, trads.). Brasília: Coordenada. André: ESETec.
Moxley, R. A. (1997). Skinner: From Wolpe, J. (1981). Prática da Terapia
determinism to random variation. Behavior Comportamental (W. G. Clark Jr., trad.). São
and Philosophy, 25, 3-28. Paulo: brasiliense.
Richelle, M. N. (1993). B. F. Skinner: A Reappraisal. Wong, S. E. (2006). Behavior analysis of psychotic
Hillsdale, N. J.: Lawrence Erlbaum Associates, disorders: scientific dead end or casualty of the
Publishers. mental health political economy?
Rimm, D. C. & Masters, J. C. (1983). Terapia Behavior and Social Issues, 15, 152-177.
Comportamental. São Paulo: Manole.
Ryle, G. (1949/1963). The concept of mind. London,
56 Ana Karina C. R. de-Farias

M Capítulo 3 direcional,
valorizando
apenas as
técnicas para
Habilidades Terapêuticas o tratamento
uitas são as críticas ao Behaviorismo, de patologias específicas. Seus terapeutas
demonstrando, muitas vezes, passaram a ser designados com expressões
uma confusão entre Behaviorismo do tipo “engenheiros comportamentais” ou
Metodológico e Behaviorismo Radical. O “máquinas de reforçamento social”
Behaviorismo veio para se contrapor ao (Barcellos e Haydu, 1998; Conte e Brandão,
mentalismo e à introspecção. Foi Watson, em 1999; Edelstein e Yoman, 2002; Follette e
1913, com seu Manifesto Behaviorista, quem Callaghan, 1995, citado por Silveira e
despertou grande interesse no estudo do Kerbauy, 2000; Rangé, 1998), tendo como
comportamento, negando a possibilidade de fundamental tarefa a modificação de
investigação científica dos eventos privados comportamento (Wilson e Evans, 1977,
(ou encobertos). Skinner, por sua vez, faz citado por Silveira e Kerbauy, 2000).
uma reinterpretação desses eventos, No entanto, foi verificado que apenas o
propondo uma nova metodologia de estudo uso de “técnicas certas para o problema
(Matos, 2001; Sant’Anna, 2003; Skinner, certo” não era o suficiente para se obter êxito
1974/1993, 1989/1991). na terapia (Franks, 2002). Começouse, então,
Este último passou a considerar os a hipotetizar as variáveis que pudessem estar
eventos privados como sendo de fundamental ligadas à relação estabelecida entre terapeuta
importância para a realização de análises e cliente (Gavino, 2002; Keijsers, Hoogduin
funcionais, nomeando sua filosofia de e Shaap, 1994, citado por Meyer, 2001;
Behaviorismo Radical. Ao contrário de Otero, 1998).
explicar o comportamento por meio de O termo “relação” tem como significado:
entidades abstratas, como ocorre nas teorias conexão, afinidade, entendimento ou laços
psicológicas tradicionais, o Behaviorismo entre pessoas, grupos, nações. E o termo
Radical propõe explicar o comportamento “terapêutico” significa arte ou ciência de
humano por meio de relações organismo- curar (Sacconi, 1996). Assim, a relação
ambiente (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001; terapêutica diz respeito tanto ao terapeuta
Skinner, 1953/1989, 1974/1993, 1989/1991). quanto ao cliente, havendo uma
Essa nova explicação de interação conexão/interação entre os dois (Beitman,
organismo-ambiente propiciou o 1989, citado por Rangé, 1998).
desenvolvimento de técnicas de modificação
comportamental que produziam rápidas 1
O presente trabalho é parte da monografia de conclusão
alterações nos problemas apresentados pelos do curso de graduação em Psicologia, na Universidade
clientes. A terapia comportamental era, nesse Católica de Goiás, defendida pela primeira autora, sob
momento, vista de maneira uni- orientação dos demais autores.

1 A relação terapêutica, além de se configurar


como ajuda ao cliente nas atividades da
É Possível Treiná-las? psicoterapia, é, de maneira geral, como
qualquer outra relação humana. Ela é uma
Hellen Ormond Abreu-Motta
conexão entre terapeuta e cliente que tem
Ana Karina C. R. de-Farias
como principal característica o fato de ser
Cristiano Coelho uma relação amigável na qual, o terapeuta
constitui-se em uma “audiência não 1998).
punitiva” (Frank, 1961, citado por Gavino, A relação terapêutica é recíproca. A
2002; Frieswyk, Allen, Colson, Coyne, comprovação da importância dessa relação
Gabbard, Horwitz e Newsom, 1986, citado no sucesso da terapia trouxe consigo a
por Edelstein e Yoman, 2002; Rangé, 1998; necessidade de se compreender outra variável
Skinner, 1953/1989; Zaro, Barach, Nedelman durante a sessão: os sentimentos e as
e Dreiblatt, 1977/1980). Atualmente, a emoções do terapeuta (Abreu e Shinohara,
maioria dos psicoterapeutas considera a 1998; Banaco, 1993; Banaco, Zamignani e
relação terapêutica como determinante para Kovac, 1997; Beutler e Garfield 1997, citado
o êxito do processo psicoterapêutico, por Silveira e Kerbauy, 2000; Otero, 1998;
devendo ser estabelecido um clima de Shinohara, 2000). Cabe ao terapeuta,
confiança. Pode-se considerar que a relação portanto, dirigir sua atenção aos sentimentos
terapêutica é um instrumento terapêutico
do cliente, assim como aos seus próprios
em si mesmo (Cardoso, 1985; Delliti, 2002;
comportamentos, privados ou não (Delliti e
Kanfer e Phillips, 1970/1975; Kohlenberg e
Meyer, 1998; Meyer e Turkart, 1987;
Tsai, 1991/2001).
Wielenska, 1989; Zaro et al., 1977/1980).
Banaco (1993), Zaro e colaboradores
Quanto mais solidificada a relação (1977/1980), afirmam que os sentimentos do
terapeuta-cliente, mais chance de sucesso o terapeuta ajudarão a entender as
processo terapêutico terá (Eckert, Abeles e contingências estabelecidas durante a relação
Graham, 1998, citado por Silveira, 2003; terapêutica. Brandão (2000) revela que não é
Falcone, Guillardi, Ingberman, Kerbauy e agradável nem fácil deixar as emoções
Rangé, 1998; Luciano e Herruzo, 1992, emergirem durante as sessões, podendo tal
citado por Wielenska e Kerbauy, 2003; emergência ser evitada pelas duas partes
Meyer, 2001; Shinohara, 2000; Kohlenberg e (terapeuta e cliente). No entanto, os
Tsai, 1991/2001). Pesquisas demonstraram sentimentos e as emoções do terapeuta são
que a aliança terapêutica é desenvolvida por importantes estímulos discriminativos para a
volta da terceira ou da quarta sessão, sendo compreensão das contingências evocadas ou
essa aliança preditora do resultado da terapia, estabelecidas, durante a sessão, na relação
independentemente da orientação teórica ou terapêutica. Em outras palavras, os
da gravidade do problema (p. ex., sentimentos dão pistas do que foi aprendido
Digiuseppe, Linscott e Jilton, 1996, citado no passado e as possíveis formas de
por Silveira, 2003). comportamento no presente (Skinner,
Segundo Bordin (1979, citado por 1953/1989).
Silveira, 2003), a aliança terapêutica é Além do uso de técnicas e de uma boa
constituída de três elementos – o vínculo relação terapêutica, o terapeuta deve
terapêutico, o ajuste na percepção que apresentar em seu repertório certas
terapeuta e cliente têm das tarefas da terapia habilidades terapêuticas como aquelas
e a concordância de ambos quanto aos propostas por Carl Rogers (1957, citado por
objetivos do tratamento. Aqui, no Brasil, Gavino, 2002), Cordioli (1998), Meyer e
apenas recentemente pesquisadores e clínicos Vermes (2001), Peterson e Bry (1980, ci-
da área comportamental interessaram-se pelo
estudo e pela publicação sobre a relação
terapêutica (Silveira, 2003). Apesar disso,
muitas pesquisas comprovaram a importância
do estudo desse tema (Banaco, 1993; Rangé,
58 Ana Karina C. R. de-Farias

tado por Campos, 1998) e Strupp (1982, ao fato de que o terapeuta, como uma
citado por Gavino, 2002), dentre as quais, “pessoa comum”, também teve uma história
empatia, autenticidade e aceitação podem ser de reforçamento e punição, e seus efeitos
destacadas. Outros autores ressaltam que o constituem uma característica relevante no
terapeuta deve ter habilidades para instruir o processo psicoterapêutico (Banaco, 1993;
cliente, ouvir, observar, estar seguro de si, ser Kohlenberg e Tsai, 1991/2001; Rangé, 1998).
diretivo, ser disponível, usar de forma Nesse sentido, o supervisor poderá, em
criteriosa o humor e ser criativo (p. ex., algumas ocasiões, verificar que “o aluno (...)
Rangé, 1995; Seligman, 1998, citado por saiu da sessão, além de bastante ansioso,
Meyer, 2001; Silvares e Gongora, 1998). frustrado por não ter conseguido captar o
Banaco e Zamignani (1999) declaram cliente e deixou escapar várias chances de
que o terapeuta deve saber praticar tais fazer intervenções ou as fez em momentos
habilidades, além de escutar com atenção o absolutamente inadequados” (Banaco, 1993,
que o cliente está dizendo. O terapeuta ainda p. 71-72).
deverá possuir uma boa formação conceitual Deve-se ressaltar que tal situação não
da abordagem que escolheu seguir. Se for depende apenas do aluno, mas também da
comportamental, deverá compreender com instituição e do quadro curricular no qual o
clareza conceitos como aprendizagem estágio ocorre (Campos, 1989; Castanheira,
clássica e operante; saber identificar as 2003; Kubo e Botomé, 2003; Marinho e
técnicas e usá-las e, fundamentalmente, Silveira, 2004; Silvares e Gongora, 1998;
analisar funcionalmente todo o processo Zaro et al., 1977/1980). Muitas vezes, os
terapêutico (ver também Kohlenberg e Tsai, alunos passam da teoria para a prática sem
1991/2001). haver um treino suficiente, e a falta de
Todas essas habilidades muitas vezes não experiência controla respostas de medo e de
são diretamente treinadas durante a ansiedade. As grades institucionais e
graduação, deixando o terapeuta iniciante curriculares precisam de mudanças que
com “inseguranças” e “medos”, pois, ao incluam disciplinas práticas responsáveis
chegar ao estágio, depara-se pela primeira proporcionar uma alteração na forma de
vez com o papel de terapeuta e deverá ensino-aprendizagem. Os terapeutas
comportar-se como tal (Castanheira, 2003; iniciantes deveriam ter treino de habilidades
Zaro et al., 1977/1980). Os alunos de profissionais antes de realizarem os
Psicologia são obrigados a assumir papéis atendimentos clínicos (Campos, 1998;
contraditórios e ambíguos, concomitantes à Castanheira, 2003; Falcone et al., 1998;
supervisão – terapeuta, estudante, cliente, Rangé, 1998; Zaro et al., 1977/1980). De
supervisionando e colega – o que acaba, por acordo com Shoock e colaboradores (1995),
fim, gerando mais ansiedade (Olk e Silvares e Gongora (1998), os terapeutas que
Friedlander, 1992, citado por Campos, 1998). recebem treinamento oferecem maior ajuda a
A fim de treinar o terapeuta iniciante no seus clientes do que terapeutas não treinados.
desenvolvimento das habilidades necessárias Somado a isso, Gonçalves (1994) afirma que
para o sucesso psicoterapêutico, o supervisor deveria haver um aumento na carga horária
deverá evocar seus comportamentos privados dos estágios, proporcionando, assim, um
(sentimentos, pensamentos, emoções), ou maior contato entre o aluno e a prática.
seja, aqueles que não são observados Guilhardi (1987), Silvares (1997) e Ulian
diretamente pelo supervisor durante as (2002) entendem que a experiência clínica
supervisões (Castanheira, 2003). Isso se deve antes da atuação é de fundamental
Análise Comportamental Clínica 59

importância e que isso pode ser oferecido ao etc.), antes e após as sessões realizadas com
aluno desde muito cedo, dando a ele a seus clientes.
chance de se integrar em uma equipe de MÉTODO
estudantes de vários níveis. O aluno pode
Participantes
participar de sessões de supervisão ou
Responderam a um questionário 78 alunos
aprender por meio da observação de vídeos
do curso de Psicologia da Universidade
em que estudantes mais graduados possam
Católica de Goiás, de ambos os sexos e
servir de modelos.
idades entres 17 e 50 anos. Desses alunos, 30
Além disso, é de fundamental
cursavam as disciplinas de Pré-Estágio (8º
importância que os modelos estudados
período), 25 estavam no Estágio I (9º
estejam adequados à realidade: ao se estudar,
período) e 23, no Estágio II (10º período). O
os modelos e os exemplos são geralmente
critério de inclusão para os participantes era
elitizados; quando se chega à prática de
de que estivessem cursando ou pretendendo
estágio, o que encontramos é uma população
cursar o estágio na área clínica,
carente. Como consequência, tem-se a
independentemente da abordagem escolhida.
impressão de que o que aprendeu não
Além disso, uma terapeuta em
funciona, tendo que abandonar o modelo
treinamento (estagiária), em Análise
aprendido e procurar outro, ao invés de
Comportamental, da Universidade Católica
aperfeiçoar o que aprendeu durante a
de Goiás, sexo feminino, casada, 31 anos,
graduação (Guilhardi, 1998). Em suma, é de
três filhos, registrou em um diário seus
fundamental importância para uma adequada
eventos privados relacionados a duas
formação do psicoterapeuta a interação entre
clientes. As clientes atendidas foram MV
informações teóricas, prática em atendimento
(nome fictício), 29 anos, sexo feminino, duas
e supervisão (Ulian, 2002).
filhas, divorciada; e EY (nome fictício), 28
Diante do relatado acima, torna-se
anos, sexo feminino, dois filhos, divorciada.
relevante a observação das necessidades
De modo geral, as principais queixas das
apresentadas pelos terapeutas iniciantes.
clientes foram: baixa autoestima, diminuída
Diversas questões sobre aliança terapêutica
habilidade social, dificuldade em discriminar
têm sido apresentadas. No entanto, o tema é
seus próprios sentimentos, falta de confiança
bastante complexo e, por isso, exige uma
e depressão. Afirmavam que a origem de
maior investigação (Meyer, 2004). O
seus problemas residia no outro, ou seja,
objetivo deste trabalho foi chamar a atenção
naqueles com quem conviviam, e não
para as possíveis dúvidas e dificuldades dos
conseguiam relatar a necessidade de
terapeutas iniciantes e para a necessidade de
transformações em si mesmas.
treinar, no decorrer da graduação, as
habilidades terapêuticas. Para tanto, foi
aplicado um questionário que levantava as Ambiente e material
habilidades existentes e inexistentes nos Utilizou-se um questionário com 28
terapeutas iniciantes em três momentos questões, sendo 25 destas, parte de uma
diferentes: Pré-Estágio, Estágio I e Estágio escala Lickert com a variação de 1 a 4, que
II. Foi também analisado um diário escrito foi aplicado nos alunos da UCG, referente a
por uma estagiária em Análise habilidades necessárias a um bom terapeuta,
Comportamental, no qual ela anotava assim como às principais dificuldades
diariamente as ocorrências de seus eventos encontradas no início da profissão (ver
privados (ansiedade, medo, expectativas, Anexo 1). Com relação às sessões, foram
60 Ana Karina C. R. de-Farias

realizadas em consultórios padronizados do biblioterapia, com finalidade pedagógica e


Centro de Estudos, Pesquisa e Prática também distrativa.
Psicológica (CEPSI) da Universidade As sessões com as clientes foram
Católica de Goiás (UCG). A terapeuta registradas pela estagiária em um caderno de
utilizou um caderno como diário, no qual diário. Nesse caderno, eram anotados
eram registrados dados importantes para a também os pensamentos e os sentimentos da
elaboração do estudo, ou seja, seus estagiária. As anotações eram realizadas
comportamentos privados antes e após as antes e depois das sessões de cada uma das
sessões e situações representativas das clientes. Tal procedimento teve como
contingências observadas no dia a dia das principal objetivo a análise dos
clientes. comportamentos da terapeuta, relacionando-
os ao andamento das sessões, e de como
esses eventos poderiam influenciar e ser
Procedimento
influenciados pela relação terapêutica.
Aplicação do questionário
Foi aplicado um questionário, elaborado pela
estagiária, com o auxílio de uma colega e de RESULTADOS Análise das respostas
seus supervisores (Abreu, deFarias, Cabral e ao questionário
Coelho, 2005). Após autorização por parte do Foram analisados 25 itens do questionário.
coordenador da clínica-escola (CEPSI) para As questões com menor índice de
a aplicação do questionário, a estagiária concordância para todos os grupos referiam-
pediu permissão à professora que ministrava se ao fato de o aprendizado de uma teoria e o
a disciplina “Ética e Preparação para ensino oferecido pela universidade durante a
Estágio” para a aplicação do questionário ao graduação serem suficientes para que o aluno
final da aula. A aplicação do questionário se torne um bom terapeuta. Além disso, as
para os alunos matriculados em Estágios I e respostas dos diferentes níveis de estágio
II ocorreu no início de uma reunião marcada divergiram quanto à maior responsabilidade
pela coordenação do CEPSI, para discutir de técnicas ou da relação terapêutica sobre as
assuntos da clínica-escola. Os alunos mudanças comportamentais dos clientes
responderam individualmente em, (questões 4, 8 e 9). A maior concordância
aproximadamente, 10 minutos. para os grupos foi encontrada nas questões
Sessões Terapêuticas e Registros 15, 17 e 20 (que se referiam à influência da
As sessões eram realizadas duas vezes relação terapêutica sobre a terapia, à
por semana, com a duração de 50 minutos necessidade de terapia para o terapeuta e ao
cada. As sessões iniciais tiveram o objetivo fato de terem procurado outras fontes de
de avaliar queixas trazidas pelas clientes e conhecimento além das aulas).
coletar dados. Nas demais sessões, foram Na maioria das questões, as diferenças
realizadas (i) análises funcionais dos entre os grupos não foram significativas (a >
comportamentos das clientes, com o objetivo 0,05). No entanto, observa-se um aumento
de obter informações acerca da instalação e estatisticamente significativo entre os alunos
da manutenção de seus comportamentos; (ii) dos três grupos na concordância com as
reforçamento diferencial do comportamento questões 1 (sobre estar preparado para
verbal das clientes, com o objetivo de exercer as funções de psicólogo), 3 (sentir-se
desenvolver análises funcionais; (iii) ensaio tranquilo antes do primeiro atendimento), 5
comportamental, com o objetivo de treinar (treino de habilidades terapêuticas durante a
comportamentos mais assertivos e (iv)
Análise Comportamental Clínica 61

graduação) e 15 (que há diferenças entre as razão de sentimentos positivos foi


análises de terapeutas iniciantes e as de declinando, dando lugar a alguns sentimentos
terapeutas experientes). negativos e, após, os sentimentos positivos e
Em suma, os alunos de pré-estágio negativos adquiriram a mesma proporção, ou
julgaram-se menos preparados para exercer a seja, igualaram-se.
profissão de psicólogo clínico, enquanto
consideraram, em maior proporção do que os
alunos formandos, que a relação terapêutica
influencia no sucesso da terapia e que há
diferenças entre as análises clínicas
realizadas por terapeutas iniciantes e
experientes.

ANÁLISE DOS REGISTROS EM DIÁRIO


A partir dos registros dos diários, foram
quantificados, a cada sessão, os sentimentos
positivos e negativos da estagiária em
relação a si mesma, em relação às clientes e
em relação às sessões. Esses dados foram
analisados para as sessões iniciais (15),
intermediárias (11-15) e finais (20-25 para
EY, e 34-39 para MV). Foi calculada, para
cada sessão desse conjunto, a razão
acumulada de sentimentos positivos
(frequência acumulada de sentimentos
positivos dividida pela frequência acumulada
de sentimentos negativos) separadamente em
relação a si mesma, à cliente e à sessão. Os
dados são apresentados nas Figuras 1 e 2.
Observa-se que houve uma correlação
nos sentimentos dos três tipos de relatos, isto
é, relatos positivos das clientes ocorriam
geralmente junto a relatos positivos sobre si
e sobre a sessão. Os primeiros atendimentos
com a cliente EY foram marcados por alguns
relatos de sentimentos negativos. Logo em
seguida, ainda nas sessões iniciais, a
estagiária demonstrava ter adquirido mais
“segurança” (“saber como agir”) e confiança
por ter recebido um treino anterior, visto que
essa cliente era a quarta pessoa que estava
atendendo. Dessa forma, foram mais
frequentes sentimentos positivos em relação
às sessões, a si mesma e à cliente. Porém,
como pode ser observado na Figura 3.1, a
62 Ana Karina C. R. de-Farias

Pode-se notar que, nas sessões terapêuticas para estabelecer uma eficiente
intermediárias, houve uma acentuada relação terapêutica.
diminuição dos sentimentos positivos e uma A estagiária discriminou mais
manutenção dos sentimentos negativos em sentimentos negativos do que sentimentos
relação à sessão, a si mesma e à clien- positivos, tais como: “dó” pelo fato de a
te. Nesse conjunto de sessões, observa-se cliente haver encontrado inúmeras
uma mesma razão de sentimentos positivos e oportunidades de mudança e não ter
negativos. conseguido; desmotivação, pois a cliente não
Razão sentimentos positivos/negativos

fazia as
tarefas e
4 sessões
EY sempre
3,5 apresentava
3 justificativas;
2,5 falta de
interesse, o
2
que impedia
1,5 a terapeuta
1 de emitir
1 3 5 7 9 1 1 1 1 1 2 23 25
0,5
1 3 5 7 9 1
si mesma
cliente

0 Sessões

Figura 3.1 Razão acumulada de sentimentos positivos da


terapeuta (frequência acumulada de sentimentos positivos
dividida pela frequência acumulada de sentimentos negativos)
em relação a si mesma, à cliente e à sessão, para a cliente EY.
A cliente, muitas vezes, evocava na comportamentos criativos durante a sessão.
estagiária sentimentos como raiva, por emitir No entanto, com discussões em supervisão,
comportamentos como falta de interesse e surgiram comportamentos considerados
“deboches”. Por sua vez, a estagiária positivos, como não sentirse mais culpada
começou a se sentir desmotivada, com falta pela ausência de mudanças na terapia, já que
de interesse em buscar novas estratégias de a cliente estava se mostrando resistente, ou
intervenção, com falta de criatividade, com seja, a terapeuta compreendeu que a
sentimento de culpa por não achar-se responsabilidade na resolução dos problemas
competente, ou seja, por não ter habilidades envolvia a própria cliente.
Análise Comportamental Clínica 63

Nas sessões finais, a razão de disso, manifestar sentimentos como empatia,


sentimentos positivos permaneceu igual ao autenticidade e compreensão, o que acarretou
longo das cinco sessões no que diz respeito um aumento de sentimentos positivos com
às sessões e à cliente, enquanto observou-se essa cliente.
uma leve tendência crescente nos Quanto às sessões finais, há uma total
sentimentos positivos frente aos negativos extinção dos sentimentos negativos,
com relação a si mesma. acentuada e única presença dos sentimentos
Nas sessões inicias em relação à cliente positivos, cuja razão aumenta da 34a para a
MV (Figura 3.2), observou-se uma maior 38a sessão, chegando a um total de quatro
presença de sentimentos negativos no que diz vezes mais sentimentos positivos na última
respeito às sessões, a si mesma e à cliente. sessão. Essas sessões foram marcadas por
Porém, notou-se um aumento nos relatos de grande “sentimento de gratificação” por
sentimentos positivos em relação aos possibilitarem à estagiária ajudar a cliente a
negativos da primeira à quinta sessão. Nas ter comportamentos mais adaptativos, ter
sessões intermediárias, há uma notável mais atenção por preocupar-se com a
mudança que aponta uma menor proporção manutenção dos novos comportamentos
de sentimentos negativos com relação a si adquiridos, cuidado em saber se a cliente
mesma em comparação com as sessões estava bem ou não, saudade por ter
iniciais, resultando na instalação de desenvolvido um bom vínculo terapêutico e
sentimentos positivos. A razão acumulada de ter que se separar da cliente.
sentimentos positivos em relação às sessões
aumentou da primeira para a última sessão
DISCUSSÃO Aplicação do
intermediária, enquanto as demais razões se
mantiveram estáveis. questionário
As sessões intermediárias com a cliente De forma geral, verificou-se que os alunos de
MV foram caracterizadas por um processo de pré-estágio julgaram-se menos preparados
construção com a formação de vínculo para exercer a profissão de psicólogo clínico,
terapêutico. Por volta da 14a sessão, a enquanto consideraram, em maior proporção
estagiária expôs para a cliente alguns de seus que os alunos formandos, que a relação
sentimentos: “estou percebendo e sentindo terapêutica influencia no sucesso da terapia e
que as sessões estão ‘chatas’ e repetitivas, o que há diferenças entre as análises clínicas
que você acha disso?”. Conseguiu, a partir realizadas por terapeutas iniciantes e as
realizadas
por
terapeutas
experientes.
Tal
análise vem
corroborar
as
declarações
de Guilhardi
(1987) e
Silvares
(1997),

Figura 3.2 Razão acumulada de sentimentos positivos da


terapeuta (frequência acumulada de sentimentos positivos
dividida pela frequência acumulada de sentimentos negativos)
em relação a si mesma, à cliente e à sessão, para a cliente MV.
64 Ana Karina C. R. de-Farias

segundo as quais a experiência clínica antes sinalizado também mais cedo.


da atuação é de fundamental importância. As questões de baixo índice de
Esses autores afirmam, também, a concordância entre os três grupos referiam-se
necessidade de que isso seja oferecido ao ao fato de o aprendizado de uma teoria e o
aluno desde muito cedo, dando a ele a que a universidade oferece durante a
chance de se integrar em uma equipe de graduação serem suficientes para formar um
estudantes de vários níveis. Se isso bom terapeuta; também referiam-se à maior
ocorresse, os estudantes de pré-estágio responsabilidade de técnicas ou da relação
poderiam sentir-se mais capazes para exercer terapêutica sobre as mudanças
a profissão de psicólogo clínico e também comportamentais dos clientes. A maior
mais tranquilos antes do primeiro contato concordância para os grupos foi encontrada
com o cliente, podendo oferecer um melhor no que se referia à influência da relação
atendimento no que diz respeito à atuação terapêutica sobre a terapia, à necessidade de
profissional. terapia para o terapeuta e ao fato de os
Os três grupos também concordaram alunos terem procurado outras fontes de
sobre a influência da relação terapêutica no conhecimento além das aulas.
sucesso da terapia e na necessidade de treino Se, por um lado, o curto período entre os
em habilidades terapêuticas. Pode-se, assim, estágios explica a pouca diferença; por outro,
considerar que há concordância sobre a os baixos índices de concordâncias sobre o
relação terapêutica ser um instrumento que é necessário para se tornar um bom
terapêutico em si mesmo (Cardoso, 1985; terapeuta indicam uma necessidade de
Delliti, 2002; Kanfer e Phillips, 1970/1975; discutir possibilidades e de se estabelecer
Kohlenberg e Tsai, 1991/2001). Para haver o repertórios que permitam uma atuação mais
treino em habilidades terapêuticas, seria efetiva do terapeuta iniciante.
necessário que as grades institucionais e
curriculares mudassem e incluíssem
Quanto a si mesma, às sessões
disciplinas práticas, que proporcionariam
uma alteração na forma de ensino- e às clientes
aprendizagem (Campos, 1998; Castanheira, As primeiras sessões foram marcadas por
2003; Falcone et al., 1998; Rangé, 1998; comportamentos privados negativos, tais
Zaro et al., 1977/1980) e, dessa forma, como situações “conflitantes” nas quais a
possibilitariam um melhor desempenho aluna não tinha segurança quanto ao agir
profissional. como estagiária, “frustrantes” por não
Verifica-se, também, concordância no conseguir desempenhar tarefas previamente
que diz respeito à ideia de que há diferenças elaboradas, de grande medo por deparar-se
entre análises clínicas realizadas por com situações novas como os problemas de
terapeutas iniciantes e experientes. Os cada cliente e ansiedade relacionada a
terapeutas iniciantes deveriam ter treino de conseguir ou não desempenhar o papel de
habilidades profissionais antes de realizarem estagiária de forma eficiente e funcional.
os atendimentos clínicos (Campos, 1998; Deparar-se, pela primeira vez, com o papel
Castanheira, 2003; Falcone et al., 1998; de estagiária eliciou respostas de ansiedade
Rangé, 1998; Zaro et al., 1977/1980). Dessa de grande magnitude, apesar de os
forma, adquiririam experiências relacionadas supervisores terem esclarecido aspectos a
a habilidades terapêuticas mais precocemente serem priorizados nas primeiras sessões.
e, assim, o sucesso terapêutico poderia ser Deve-se ressaltar que a estagiária em questão
Análise Comportamental Clínica 65

teve a oportunidade de ser ouvinte de quarta cliente a ser atendida pela estagiária,
supervisão durante um semestre (2º de 2004), que já havia adquirido um repertório para
quando pôde aprender, por modelação e guiar as sessões iniciais a partir dessa prática
regras por parte da supervisora e das colegas, inicial.
como atender aos clientes e sobre aspectos Em relação às sessões intermediárias, as
importantes a serem destacados na clínica. supervisões e a exposição às contingências
Considera-se tal oportunidade de grande foram de fundamental importância para que
importância para que os comportamentos os sentimentos descritos acima diminuíssem
como medo, frustração e ansiedade em frequência e em intensidade, e assim,
diminuíssem sua intensidade/ frequência já habilidades terapêuticas antes não
ao longo das primeiras sessões de observadas foram emergindo. Habilidades
atendimento. como compreensão, empatia, autenticidade e
Na noite anterior ao primeiro criatividade que eram evocadas e treinadas
atendimento, a estagiária mal conseguiu durante as supervisões começaram a ser
dormir, pensando em como seria. Havia observadas. A estagiária procurou priorizar a
planejado um roteiro com tópicos que não relação terapêutica, mas surgiram algumas
poderia deixar de informar à cliente, tais dúvidas, tais como: “o terapeuta poderá
como dia, horário, duração da sessões e compartilhar de um ‘riso’ de ‘alguma coisa’
regras do CEPSI. Tudo o que havia planejado engraçada trazida pelo cliente ou deve
não ocorreu, pois a cliente chorou e falou manter uma postura mais séria?”, dúvidas
durante toda a sessão. A estagiária saiu da estas discutidas no grupo de supervisão.
sessão bastante frustrada, pois não havia A estagiária observou e expôs aos
conseguido cumprir o planejado. Então, supervisores que, quando os clientes estavam
pensava: “será que conseguirei ajudar a desmotivados ou desinteressados, ou seja,
cliente? E se ela me perguntar “tal coisa”, o quando apresentavam baixa adesão ao
que e como devo responder?”. Esses eventos processo, ela também ficava desmotivada,
privados controlaram respostas de medo, de com baixo interesse nos estudos, sem
ansiedade e de frustração na estagiária (como criatividade e com as seguintes dúvidas:
apontado por Banaco, 1993). “pode um terapeuta se comportar de tal
Essas questões ficaram claras nas maneira? Isso é correto? O terapeuta deve ou
primeiras sessões com a cliente MV, não expor tal fato para o cliente?”; “pode o
marcadas por ansiedade relacionada ao fato terapeuta sair da sessão com raiva do cliente
de não conseguir ajudar a cliente, de achar por este evocar alguns aspectos da história de
que não sabia nada da teoria, de temer estar reforçamento ou punição do próprio
na área errada (clínica), bem como temer terapeuta? O terapeuta deve estar em
determinadas perguntas que a cliente poderia terapia?”. Durante as supervisões, tais
fazer. Além disso, a estagiária experenciou dúvidas foram sendo sanadas e a estagiária,
frustrações por não ter conseguido fazer adquirindo segurança e habilidades antes não
perguntas na hora oportuna, por ter ignorado observadas.
relatos importantes e, até mesmo, pelas faltas Nas sessões finais, a estagiária, por ter
dos clientes à sessão. sido submetida a reuniões nas quais seus
Por outro lado, as sessões iniciais com a supervisores faziam intervenções e
cliente EY foram inicialmente positivas. Esse observações precisas e eficazes, conseguiu
desenvolvimento inicial das sessões deve-se, adquirir novos comportamentos privados:
primordialmente, ao fato de que essa era a segurança quanto à sua escolha de atuação;
66 Ana Karina C. R. de-Farias

gratificação por ter conseguido auxiliar Educação. Elas preveem o desenvolvimento,


clientes a adquirirem comportamentos mais desde o início do curso, de habilidades
adaptativos e autenticidade quanto à sua básicas necessárias ao exercício da profissão.
maneira de ser. Contudo, em relação à EY, Há que se observar que, de acordo com a
com quem a terapeuta iniciou o atendimento literatura, juntamente às habilidades
com confiança, à medida que a terapia se fundamentais à prática clínica, é
desenvolvia e suas técnicas não estavam imprescindível o desenvolvimento de uma
sendo efetivas na promoção da melhora da relação terapêutica sólida, a qual está
cliente, a terapeuta se descrevia desmotivada diretamente relacionada a uma maior chance
consigo mesma. de sucesso do processo terapêutico (Falcone
et al., 1998; Kohlenberg e Tsai, 1991/2001;
Meyer, 2001; Shinohara, 2003).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pesquisas demonstraram que a aliança
O objetivo deste trabalho foi o de chamar a
terapêutica é desenvolvida por volta da
atenção para possíveis dúvidas e dificuldades
terceira ou da quarta sessão, sendo preditora
dos terapeutas iniciantes e para a necessidade
do resultado da terapia, não dependendo da
de treinar, no decorrer da graduação, as
orientação teórica ou da gravidade do
habilidades terapêuticas. De forma geral, os
problema (p. ex., Digiuseppe, Linscott e
dados do questionário, bem como os dados
Jilton, 1996, citado por Silveira, 2003). No
dos registros das sessões, dão suporte ao
presente trabalho, o sucesso da terapia com
papel fundamental da relação terapêutica e
uma das clientes (MV) desenvolveu-se a
do desenvolvimento das habilidades
partir da 14a sessão, momento no qual foi
necessárias para o terapeuta iniciante antes
possível a observação de uma relação
do início dos atendimentos.
terapêutica baseada na confiança e na
Ao se obter maior concordância nos
empatia. Por outro lado, com a cliente EY
questionários no que se referiu à influência
não se desenvolveu uma aliança terapêutica
da relação terapêutica sobre a terapia, à
sólida. Assim, o uso das mesmas habilidades
necessidade de terapia para o terapeuta e à
desenvolvidas pela terapeuta e que foram
procura de outras fontes de conhecimento
eficazes para desenvolver um repertório mais
além das aulas, esses dados enfatizam a
funcional com MV, cliente com a qual se
necessidade de mudanças nos currículos. As
desenvolveu uma relação sólida, esbarraram
grades curriculares necessitam de disciplinas
na resistência e no afastamento afetivo de
práticas que proporcionem uma mudança na
EY.
forma de ensino-aprendizagem. Os
Ressalta-se que a relação terapêutica
terapeutas iniciantes deveriam ter treino de
deve ser recíproca e, como dito
habilidades profissionais antes de realizarem
anteriormente, é necessário compreender os
os atendimentos clínicos, já que terapeutas
sentimentos e as emoções do terapeuta
que são anteriormente treinados oferecem
(Abreu e Shinohara, 1998; Banaco, 1993;
maior ajuda a seus clientes do que os
Banaco et al., 1997; Beutler e Garfield 1997,
terapeutas não treinados (Campos, 1998;
citado por Silveira e Kerbauy, 2000; Otero,
Castanheira, 2003; Falcone et al., 1998;
1998; Shinohara, 2000). Como apontado por
Rangé, 1998; Shoock et al., 1995; Zaro et al.,
Kohlenberg e Tsai (1991/2001), se o cliente
1977/1980).
evoca emoções negativas na sessão, é muito
Mudanças nesse sentido estão propostas
provável que seu comportamento evoque
nas novas diretrizes para o curso de
sentimentos semelhantes no seu dia a dia.
Psicologia, de acordo com o Ministério da
Análise Comportamental Clínica 67

Contudo, à medida que a queixa é de outro psicoterapia comportamental. Em B. Rangé


indivíduo e não do cliente – que não (Org.), Psicoterapia Comportamental
reconhece sua demanda – ele não apresenta e Cognitiva: Pesquisa, prática, aplicações e
problemas (pp. 74-82). Campinas: Editora Psy.
disposição para mudar e, assim, desenvolver
Brandão, M. Z. S. (2000). Os sentimentos na
uma relação afetiva positiva com o terapeuta, interação terapeuta-cliente como recurso para
dificultando que este também desenvolva análise clínica. Em R. R. Kerbauy (Org.), Sobre
essa afetividade. Comportamento e Cognição: Vol. 5. Psicologia
Por fim, comportamental e cognitiva. Conceitos,
pesquisa e aplicação, a ênfase no ensinar, na
(...) muitas vezes é exigido do terapeuta emoção e no questionamento clínico (pp. 217-
que ele seja uma pessoa isenta de 223). Santo André: ESETec.
sentimentos e preconceitos em relação Campos, L. F. L. (1989). Supervisão Clínica: Um
instrumento de avaliação do desempenho
aos clientes, aberta a qualquer problema
clínico. Dissertação de Mestrado não
que se lhe apresente. Afinal, ele deve publicada, Pontifícia Universidade Católica de
“entender” tudo em todos os significados Campinas, Campinas.
que a palavra “entender” tem na língua Campos, L. F. L. (1998). Supervisão em terapia
portuguesa. cognitivo-comportamental. Em B. Rangé
Mas ele também é uma pessoa que (Org.), Psicoterapia Comportamental e
tem sua história de reforçamento e, se Cognitiva: Pesquisa, prática, aplicações e
problemas (pp. 357-364). Campinas: Editorial
quisermos analisar funcionalmente seu
Psy.
desempenho profissional, devemos
Campos, L. F. L. (1998). Formação, supervisão e
também levar em conta seus sentimentos treinamento em psicologia clínica. São Paulo:
e pensamentos (Banaco, 1993, p. 79). EPU.
Cardoso, E. R. G. (1985). A formação profissional
do psicoterapeuta. São Paulo: Summus.
REFERÊNCIAS Castanheira, S. S. (2003). O primeiro cliente a gente
Abreu, C. N. & Shinohara, H. (1998). Cognitivismo nunca esquece. Em S. Z. M. Brandão, S. C. F.
e Construtivismo: Uma fértil interface. Em R. Conte, S. F. Brandão, K. Y. Ingberman, B. C.
F. Ferreira & C. N. Abreu (Orgs.), Moura, M. V Silva & M. S. Oliane (Orgs.),
Psicoterapia e Construtivismo (pp. 65-81). Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 11. A
Porto Alegre: Artmed. história e os avanços, a seleção por
Banaco, R. A. (1993). O impacto do atendimento consequências em ação (pp. 357-366). Santo
sobre a pessoa do terapeuta. Temas em André: ESETec.
Psicologia, 2, 71-79. Conte, F. C. S. & Brandão, M. Z. S. (1999).
Banaco, R. A. & Zamignani, D. R. (1999). Uma Psicoterapia Analítico-Funcional: A relação
proposta de análise da modelagem de terapêutica e a Análise Comportamental Clínica.
repertório clínico. Trabalho apresentado no Em R. R. Kerbauy & R. C. Wielenska (Orgs.),
Simpósio: Metodologia para a análise da Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 4.
interação terapêutica, VI Latini Dies. Rio de Psicologia comportamental e Cognitiva: da
Janeiro. reflexão teórica à diversidade da aplicação (pp.
Banaco, R. A., Zamignani, D. R. & Kovac, R. (1997). 133-147). Santo André: ESETec.
O estudo de eventos privados através de relatos Cordioli, A. V. (1998). Como atuam as psicoterapias.
verbais de terapeutas. Em R. A. Banaco (Org.), Em A. V. Cordioli (Org.), Psicoterapias:
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 1. Abordagens atuais (pp. 35-45). Porto Alegre:
Aspectos teóricos, metodológicos e de formação Artmed.
em análise do comportamento e terapia Delliti, M. (2002). Estratégias auxiliares em terapia
cognitivista (pp. 277-283). Santo André: comportamental. Em S. Z. M. Brandão, S. C. F.
ESETec. Conte, S. F. Brandão, K. Y. Ingberman, B. C.
Barcellos, A. B. & Haydu, V. B. (1998). História da Moura, M. V Silva & M. S. Oliane (Orgs.),
68 Ana Karina C. R. de-Farias

Sobre Comportamento e Cognição: Cognição: Vol. 7. Expondo a variabilidade (pp.


Vol. 11. A história e os avanços, a seleção 423-443). Santo André: ESETec.
por consequências em ação (pp. 204-209). Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001).
Santo André: ESETec. Psicoterapia Analítica Funcional: Criando
Delliti, M. & Meyer, S. B. (1998). O uso dos relações terapêuticas e curativas (F. Conte, M.
encobertos na prática da terapia Delitti,
comportamental. Em B. Rangé (Org.), M. Z. da S. Brandão, P. R. Derdyk, R. R.
Psicoterapia Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R.
Comportamental e Cognitiva de Transtornos Starling, trads.). Santo André: ESETec.
Psiquiátricos (pp. 269-274). Campinas: Psy. Kubo, O. M. & Botomé, S. P. (2003). A
Edelstein, B. A. & Yoman, J. (2002). A entrevista transformação do conhecimento em
comportamental. Em V. E. Caballo (Org.), comportamentos profissionais na formação do
Manual de Técnicas de Terapia e Modificação psicólogo: as possibilidades nas diretrizes
do Comportamento (pp. 663-683). São Paulo: curriculares.
Santos. Em M. Z. Brandão, F. C. S. Conte, F. S.
Falcone, O. M. E., Guillardi, J. H., Ingberman, K. Y., Brandão, Y. K. Ingberman, C. B. Moura, V.
Kerbauy, R. R. & Rangé, B. (1998). Ensino, M. Silva & S. M. Oliane (Orgs.), Sobre
treinamento e formação em psicoterapia Comportamento e Cognição: Vol. 11. A
comportamental e cognitiva. Em B. Rangé história e os avanços, a seleção por
(Org.), Psicoterapia Comportamental e consequências em ação (pp. 483-496). Santo
Cognitiva: Pesquisa, prática, aplicações e André: ESETec.
problemas (pp. 331-351). Campinas: Editorial Marinho, M. L. & Silveira, J. M. (2004). Habilidades
Psy. de psicoterapeuta comportamental infantil para
Franks, C. M. (2002). Origens, história recente, o desenvolvimento de repertório socialmente
questões atuais e estados futuros da terapia hábil em crianças: Ensino e pesquisa. Em M. Z.
comportamental: Uma revisão conceitual. Em Brandão, F. C. S. Conte, F. S. Brandão, Y. K.
V. E. Caballo (Org.), Manual de Técnicas de Ingberman, V. M. Silva & S. M. Oliane (Orgs.),
Terapia e Modificação do Comportamento (pp. Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 13.
3-22). São Paulo: Santos. Contingências e Metacontingências: Contextos
Gavino, A. (2002). As variáveis do processo Sócio-verbais e o Comportamento do Terapeuta
terapêutico. Em V. E. Caballo (Org.), Manual (pp. 402-410). Santo André: ESETec.
de Técnicas de Terapia e Modificação do Matos, M. A. (2001). O Behaviorismo
Comportamento (pp. 131-143). São Paulo: Metodológico e suas relações com o
Santos. Mentalismo e o Behaviorismo Radical. Em R.
Gonçalves, C. L. C. (1994). Formação e Estágio A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento e
Acadêmico. Psicologia Escolar no Brasil: Cognição:
Análise Curricular. Dissertação de Mestrado, Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, formação em análise do comportamento e
Campinas. terapia cognitivista (pp. 50-57). Santo André:
ESETec.
Guilhardi, H. J. (1987). A formação do terapeuta
comportamental. Que formação? Em H. Meyer, S. (2001). A relação terapeuta-cliente é o
W. Lettner & B. Rangé (Orgs.), Manual de principal meio de intervenção terapêutica? Em
Psicoterapia Comportamental (pp. 313-320). H. J. Guillardi (Org.), Sobre Comportamento e
São Paulo: Manole. Cognição: Vol. 8. Expondo a variabilidade (pp.
95-97). Santo André: ESETec.
Kanfer, F. H. & Phillips, J. S. (1970/1975). Os
Princípios da Aprendizagem na Terapia Meyer, S. B. (2004). Metodologia de pesquisa da
Comportamental (T. P. de L. Mettel, trad. sup.). interação terapêutica. Em M. Z. Brandão, F. C.
São Paulo: EPU. S. Conte, F. S.Brandão, Y. K. Ingberman, V. M.
Silva & S. M. Oliane (Orgs.), Sobre
Kerbauy, R. R. (2001). O repertório do terapeuta sob
Comportamento e Cognição: Vol. 13.
ótica do supervisor e da prática clínica. Em H. J.
Contingências e Metacontingências: Contextos
Guilhardi (Org.), Sobre Comportamento e
Sócio-verbais e o Comportamento do Terapeuta
Análise Comportamental Clínica 69

(pp. 355-362). Santo André: ESETec. Psicologia comportamental e cognitiva:


Meyer, V. & Turkat, I. D. (1987). Análise Conceitos, pesquisa e aplicação, a ênfase no
Comportamental de Casos Clínicos. Em H. W. ensinar, na emoção e no questionamento clínico
Lettner & Rangé (Orgs.), Manual de (pp. 442-447). Santo André:ESETec.
Psicoterapia Comportamental (pp. 110-115). Silvares, E. F. M. & Gongorra, M. A. N. (1998).
São Paulo: Manole. Psicologia Clínica Comportamental: A
Meyer, S. B. & Vermes, J. S. (2001). Relação inserção da entrevista com adultos e crianças.
terapêutica. Em B. Rangé (Org.), Psicoterapias São Paulo: EDICON.
Cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a Silveira, J. M. & Kerbauy, R. R. (2000). A interação
psiquiatria (pp. 101-110). Porto Alegre: Artmed. terapeuta-cliente: uma investigação com base na
Otero, V. R. L. (1998). Psicoterapia pessoal na queixa clínica. Em R. R. Kerbauy (Org.), Sobre
psicoterapia comportamental. Em B. Rangé Comportamento e Cognição: Vol. 5. Conceitos,
(Org.), Psicoterapia Comportamental e pesquisa e aplicações, a ênfase no ensinar, na
Cognitiva: Pesquisa, prática, aplicações e emoção e no questionamento clínico (pp. 209-
problemas (pp. 353-355). Campinas: Editorial 216). Santo André: ESETec.
Psy II. Silveira, J. M. (2003). Pesquisa da relação
Rangé, B. (1998). Relação Terapêutica. Em B. Rangé terapêutica em Psicologia Clínica
(Org.), Psicoterapia Comportamental e Comportamental. Em C. E. Costa, J. C. Luzia &
Cognitiva de Transtornos Psiquiátricos (pp. 43- H. H. N. Sant’Anna (Orgs.), Primeiros Passos
64). Campinas: Psy. em
Sacconi, L. A. (1996). Minidicionário Sacconi da Análise do Comportamento e Cognição (pp.
Língua Portuguesa. São Paulo: Atual. 139-148). Santo André: ESETec.
Sant’Anna, H. H. N. (2003). Os estados subjetivos Skinner, B. F. (1953/1989). Ciência e
no Behaviorismo Radical. Em E. C. Costa, J. C. Comportamento Humano (J. C. Todorov & R.
Luzia & H. H. N. Sant’Anna (Orgs.), Primeiros Azzi, trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Passos em Análise do comportamento e Skinner, B. F. (1974/1993). Sobre o Behaviorismo
cognição (pp. 65-74). Santo André: ESETec. (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo: Cultrix.
Shinohara, H. (2000). Relação terapêutica: o que Skinner, B. F. (1989/1991). Questões Recentes na
sabemos sobre ela? Em R. R. Kerbauy (Org.), Análise Comportamental (A. L. Neri, trad.). São
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 5. Paulo: Papirus.
Psicologia comportamental e cognitiva: Ulian, A. L. (2002). Reflexões sobre uma
Conceitos, pesquisa e aplicação, a ênfase no experiência relativa à formação de dois
ensinar, na emoção e no questionamento clínico terapeutas comportamentais. Revista
(pp. 218-224). Santo André: ESETec. Brasileira de Terapia Comportamental e
Shook, G., Hartsfield, F. & Hemigway, M. (1995). Cognitiva, 4, 91-104.
Conteúdo essencial no treinamento de analistas Wielenska, R. C. (1989). A investigação de alguns
do comportamento. Boletim da ABMPC, 14, aspectos da relação terapeuta-cliente em

QUESTIONÁRIO – PARTE I

( ) Pré-estágio ( ) Estágio I ( ) Estágio II

Abril 1998, tradução de R. C. Wielenska (artigo sessões de supervisão. Dissertação de mestrado


originalmente publicado na Revista The não publicada, Instituto de Psicologia da
Behavior Analyst, 18, 83-91). Universidade de São Paulo, São Paulo.
Silvares, E. F. M. (1997). Dificuldades, na graduação Wielenska, R. C. & Kerbauy, R. R. (2003). Adesão e
e pós-graduação, com a prática clínica mudança de comportamento: Análise das
comportamental. Em R. R. Kerbauy (Org.), interações verbais terapeuta-cliente nas sessões
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 5. iniciais. Em M. Z. Brandão, F. C. S. Conte, F. S.
70 Ana Karina C. R. de-Farias

Brandão, Y. K. Ingberman, C. B. Moura, V. M.


Silva & S. M. Oliane (Orgs.), Sobre Abordagem: ____________ Período: _________ Ano e Ingresso
Comportamento e Cognição: Vol. 11. A história
Idade: ____________ Sexo: ___________
e os avanços, a seleção por consequências em
ação (pp. 130-169). Santo André: ESETec. Pretende, após a formatura, continuar envolvido em atividades ac
Zamignani, D. R. (2000). O caso clínico e a pessoa tipo:
do terapeuta: Desafios a serem enfrentados. Em
( ) Curso de Formação ( ) Especialização ( ) Mestrado ( ) Doutora
R. R. Kerbauy (Org.), Sobre Comportamento e
Cognição: Vol. 5. Psicologia comportamental e Durante o curso de Graduação, participou de congressos na área
Cognitiva: da reflexão teórica à diversidade da quais?
aplicação (pp. 229237). Santo André: ESETec.
____________________________________________________
Zaro, J. S., Barach, R., Nedelman, D. J. & Dreiblatt,
I. S. (1977/1980). Introdução à prática ____________________________________________________
psicoterapêutica (L. R. Marzagão, trad.). São
Paulo: EPU. Sobre a escolha da abordagem teórica (Marque apenas uma das o
supervisor).
O presente trabalho objetivas. Suas
é parte de um artigo respostas deverão (1) sempre gostou da abordagem escolhida
a ser escrito por uma referir-se ao seu (2) passou a gostar da abordagem no final do curso
estagiária dessa ponto de vista em (3) escolheu apenas para conhecer
universidade. Tem relação às suas (4) falta de opções
por objetivo levantar dificuldades (reais
Na sua opinião, existe defasagem entre o conhecimento adquirido
algumas ou ainda
características de imaginárias). que será exigido enquanto (psico)terapeuta? _________ Se sim, q
terapeutas iniciantes, Sua participação problema(s)? _________________________________________
ou seja, não há o é voluntária e o ____________________________________________________
intuito de avaliar a sigilo de sua ____________________________________________________
universidade ou uma identidade será ____________________________________________________
abordagem teórica mantido. Obrigada
específica. A pela sua ____________________________________________________
primeira parte do contribuição em
questionário envolve participar desta Para o desenvolvimento de um bom (psico)terapeuta, pode-se cit
duas perguntas pesquisa. Por favor, Coloque as seguintes habilidades em ordem de prioridade: habili
subjetivas. A seja o mais sincero e (filosóficas/teóricas), habilidades interpessoais (sociais) e habilid
segunda parte criterioso possível ____________________________________________________
refere-se a questões em suas respostas. ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

QUESTIONÁRIO – PARTE II
(Deve-se ressaltar que o termo terapia está sendo
usado como sinônimo de psicoterapia. Portanto, o
termo terapeuta é sinônimo de psicoterapeuta.)
Responda às seguintes questões marcando um X de
acordo com a escala abaixo.
(1) Discordo totalmente
Análise Comportamental Clínica 71

(2) Discordo em parte Determinados clientes podem se dar melhor com


(3) Concordo em parte certos tipos de 1 2 3 4
(4) Concordo totalmente terapeutas.
Estar no mesmo nível cultural do cliente ajuda o
Discordo terapeuta a de- 1 2 3 4
Eu me considero devidamente preparado para senvolver um bom trabalho.
exercer a função 1 2 3 4 A interação terapeuta-cliente influencia no
de psicólogo clínico. processo terapêutico.
Eu me considero devidamente preparado para 2
exercer qualquer 1 2 3 4 4
função atribuída a psicólogos. É possível que o supervisor ensine seus estagiários
Antes da realização dos atendimentos, senti-me (ou a desenvol- verem, eles próprios,
me sinto) 1 2 3 4 habilidades sociais necessárias à relação
tranquilo. terapêutica.
O aprendizado da teoria é suficiente para 1 2 3 4
desempenhar com efi- 1 2 3
4 ciência a profissão.
A grade curricular ofereceu disciplinas para treino
direto das ha- 1 2 3 4
É imprescindível que um terapeuta faça terapia (submeta-se a um
bilidades terapêuticas.
processo terapêutico).
Características pessoais (de personalidade) do
Ocorrem diferenças entre terapeutas iniciantes e terapeutas experi
terapeuta influen- 1 2 3 4
formação do vínculo terapêutico.
ciam no sucesso terapêutico.
Há diferenças nas habilidades exigidas de um Durante a Graduação, procurei fontes de conhecimento além daqu
terapeuta infantil 1 2 3 4 diretamente sugeridas pelos professores.
em relação a um terapeuta de adultos. Existe diferença nas análises e nas intervenções realizadas por ter
O que a universidade oferece é suficiente para experientes e nas realizadas por iniciantes.
exercer a profissão. Os sentimentos e as emoções do terapeuta influenciam o processo
2 terapêutico.
4
Quando o terapeuta faz mais autorrevelações, o cliente também o
Mudanças em terapia ocorrem mais por aplicação
de técnicas ou 1 2 3 4
seguimento de regras do que devido à relação Não há possibilidade de as intervenções realizadas por um terapeu
terapêutica. serem neutras.

A experiência do terapeuta é fator crucial para o Os casos clínicos estudados durante a Graduação são adequados à
bom andamen- 1 2 3 4 nossa realidade social.
to da terapia.
Para alguns tipos de problemas, algumas
abordagens terapêuti- 1 2 3
4 cas são mais bem-sucedidas que as outras.
Um terapeuta pode ser melhor para certos tipos de
clientes.
2
4
Capítulo 4

Relação Terapêutica Sob a Perspectiva


Analítico-Comportamental
Nathalie Nunes Freire behaviorista radical, Kohlenberg e
Alves Geison Isidro- Tsai, ao longo da década de 1980,
Marinho começam a utilizar a relação
terapêutica como instrumento de
mudança clínica. Suas asserções

H istoricamente,
empreendimentos de cunho
comportamental na clínica
os também buscam apoio em postulados
psicodinâmicos. Dessa forma, surge
a FAP – Psicoterapia Analítica
relegaram a relação terapêutica a um Funcional (do inglês, Functional
segundo plano. Ferster (1972) é o Analytic Psychotherapy) –, que tem
primeiro autor de origem analítico- grande aceitação entre os
comportamental a chamar a atenção psicoterapeutas analítico-
para importância da relação comportamentais na atualidade.
terapêutica como instrumento de O presente trabalho pretende
mudança. Por outro lado, realizar um exame mais minucioso
contribuições de teorias como as da relação terapêutica como um todo,
humanistas são inegáveis quando se além de avaliar a proposta de
fala em relação terapêutica. Ainda, as intervenção clínica da FAP, suas
abordagens psicodinâmicas também aplicabilidades e fragilidades,
trataram da importância do tema sob baseado nas premissas do
o rótulo de relação de transferência e Behaviorismo Radical e nos
contratransferência. conceitos da Análise do
A despeito das distinções Comportamento Humano.
teóricas e epistemológicas das Para abordar o tema, o presente
abordagens em questão, um ponto trabalho discute, inicialmente, a
que parece comum a todas elas é a importância da utilização da relação
ênfase dada às dificuldades de terapêutica como instrumento de
interação social de muitos clientes. mudança na clínica
Dessa forma, consideram a analíticocomportamental.
possibilidade da emergência dessas Posteriormente, trata da importância
dificuldades dentro do consultório, do uso do conceito de reforçamento
sendo a relação terapêutica utilizada diferencial dentro do contexto
para reelaborar e aperfeiçoar as clínico, além de ressaltar a
formas de interação empregadas problemática do uso do controle
pelos clientes em seu convívio aversivo na prática clínica. E, por
social, principalmente com as fim, elucida algumas regras de
pessoas significativas. intervenção psicoterapêuticas da
Baseados nas ideias de Ferster e FAP, sugerindo alternativas
em consonância com a filosofia complementares de intervenção.
Análise Comportamental Clínica 73

A INFLUÊNCIA DOS avaliassem apenas o


BEHAVIORISMOS comportamento objetivamente ou
publicamente observável.
O termo Behaviorismo está
relacionado a várias modalidades de
posturas filosóficas que partem da Dessa forma, os behavioristas
mesma ideia central de que há a admitiam a causalidade de eventos
possibilidade de se realizar uma mentais, mas não aceitavam estudá-
ciência do comportamento (Baum, los, já que não existiam métodos
1994/1999). Não se pode falar em empíricos que permitissem a
uma Psicologia behaviorista, mas em observação direta de tais fenômenos
um conjunto de abordagens (Baum, 1994/1999; Chiesa,
behavioristas, que se diferenciam, 1994/2006; Tourinho, 2003).
principalmente, em termos de Em sua proposta de criar uma
princípios e métodos de pesquisa ciência geral do comportamento,
(Tourinho, 2003). Watson recriminou o
Ao longo da história da antropocentrismo42, o
Psicologia, várias tentativas de antropomorfismo43, além do uso de
desenvolver métodos com um grau termos relacionados à consciência e à
de controle experimental semelhante mente.44 Para Watson, os
ao das ciências naturais foram comportamentos não passavam de
propostas com o objetivo de reações aos eventos ambientais
transformá-la em uma verdadeira antecedentes e deveriam ser
ciência. John B. Watson, fundador do analisados segundo o paradigma
Behaviorismo, acreditava que a respondente (estímulo-resposta)
Psicologia, por estar baseada em uma proposto inicialmente por Ivan
ciência investigativa dos fenômenos Pavlov (Baum, 1994/1999).
subjetivos da consciência na primeira A iniciativa de aproximar a
metade do séc. XX, era responsável Psicologia de uma ciência
pela utilização de métodos pouco experimental e a ênfase dada ao
confiáveis e por especulações sem comportamento como objeto de
fundamento ou inúteis (Baum, estudo influenciaram B. F. Skinner
1994/1999; Chiesa, 1994/2006). na criação de uma nova postura
filosófica que ficou conhecida como
O Bahaviorismo Watsoniano ou Behaviorismo Radical (Baum,
Metodológico, como mais tarde
42 Para Watson, se a Psicologia deveria ser
ficou conhecido, foi influenciado uma ciência geral do comportamento, deveria
por preceitos do Positivismo então compreender o ser humano e todas as
Lógico.41 De acordo com tal outras espécies, partindo do princípio que o
influência, a Psicologia deveria ser humano é apenas mais uma espécie a ser
afastar-se de métodos subjetivos de investigada (Baum, 1994/1999).
introspecção e analogia que 43 Analogias entre homens e animais (Baum,
investigassem os fenômenos da 1994/ 1999).
consciência, adotando métodos que 44 “... nunca usar os termos consciência,
estados mentais, mente, conteúdo verificável
41 Para um enunciado ser considerado introspectivamente, imagens e coisas
verdadeiro, deve-se comprová-lo por parecidas” (Watson, 1913, citado por Baum,
observação consensual (Baum, 1994/1999). 1994/1999, p. 28).
74 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

1994/1999). E a ciência do os reflexos incondicionados (ou


comportamento embasada pelo inatos). A ontogênese permite que
Behaviorismo Radical foi concebida alguns repertórios novos e
e rotulada por Skinner como Análise adaptativos no ambiente do
do Comportamento (Baum, indivíduo sejam produzidos e
1994/1999; Castanheira, 2002). reproduzidos. E, por fim, a seleção
O Behaviorismo Radical difere cultural permite, por meio da
do Behaviorismo Metodológico linguagem, a aquisição de novos
principalmente por buscar na relação padrões comportamentais sem a
homem x ambiente45 além de uma necessidade de o indivíduo se expor
descrição para comportamentos às contingências que produziram o
publicamente partilhados, comportamento de falar (Tourinho,
explicações para suas experiências 2003).
subjetivas (Tourinho, 2003). De acordo com Tourinho (2003),
Os behavioristas radicais é interessante notar que todo o
empregam o conceito de comportamento humano é
comportamento de um modo aparentemente imprevisível. Isso
complementar aos behavioristas ocorre devido, principalmente, à
metodológicos. De acordo com unicidade da história de cada
Tourinho (2003), os comportamentos indivíduo e às diversas influências de
complexos deixam de ser inúmeras variáveis em seu ambiente
considerados meras reações ao meio, físico e social. Não obstante, o autor
descritas pelo paradigma afirma que, para a Análise do
respondente, e passam a ser vistos Comportamento, se variáveis
como um conjunto de relações, do relevantes na instalação e/ou
indivíduo com o ambiente, descrito manutenção de um determinado
pelo paradigma operante. Nessas comportamento ou padrão
relações, as consequências comportamental forem identificadas
desempenham um papel seletivo que e certas alterações em aspectos do
pode enfraquecer ou fortalecer ambiente de o indivíduo forem
padrões de respostas, e as condições promovidas, formas de
antecedentes adquirem funções comportamento poderão ser
discriminativas ou estabelecedoras alteradas.
(Tourinho, 2003).
Para o Behaviorismo Radical, o
A PSICOTERAPIA
comportamento humano é
multideterminado pelas seleções ANALÍTICOCOMPORTAMENTA
filogenética, ontogenética e cultural. L (PAC)
A filogênese seleciona características A Psicoterapia Analítico-
genéticas, anatômicas, fisiológicas e Comportamental (PAC) é a aplicação
da abordagem da Análise do
45 A palavra ambiente em Análise do
Comportamento à psicoterapia
Comportamento refere-se não somente ao
ambiente físico, ou seja, aos aspectos materiais, (Castanheira, 2002). A PAC parte da
mas também às interações sociais (indivíduos necessidade das pessoas de melhorar
com outras pessoas), interações dos indivíduos suas vidas, em lidar de forma bem-
com eles mesmos e à história de vida única de sucedida com o controle coercitivo e
cada indivíduo (Moreira e Medeiros, 2007).
Análise Comportamental Clínica 75

em libertar-se daquilo que mais lhes não da natureza do


incomoda ou prejudica. As principais comportamento.
metas dos psicoterapeutas analítico- Assim, o comportamento
comportamentais são: buscar uma normal pode ser descrito
compreensão adequada das pelo mesmo conjunto de leis
dificuldades do cliente, propor que o comportamento
estratégias e realizar uma anormal.
intervenção cuidadosa baseada na e) Trata o comportamento por ele
análise funcional do comportamento mesmo, e não como sintoma de
(Castanheira, 2002). Além disso, um conteúdo mental subjacente.
segundo Skinner (1953/1994), os O comportamento é definido
psicoterapeutas analítico- como uma relação entre o
comportamentais têm também como organismo e o ambiente, seja esse
objetivo levar o cliente à auto- público ou privado. A pesquisa
observação e ao autoconhecimento, profunda (radical) do
oferecendo uma melhor qualidade de psicoterapeuta analítico-
vida e uma independência maior para comportamental não se dá nas
a resolução de problemas futuros. profundezas da mente, e sim, nas
Dentre as influências do profundezas da relação do
Behaviorismo Radical na PAC, comportamento com o ambiente
encontram-se: atual e histórico.
f) Mesmo levando em consideração
a) A rejeição do modelo médico, o
qual presume uma causa a história de estabelecimento dos
padrões comportamentais de
patológica mental e sintomas
comportamentais. relevância clínica, a intervenção
é centrada nas contingências
b) A utilização de uma abordagem
atuais mantenedoras de tais
ideográfica em contraposição à
padrões.
nomotética. Ou seja, defende que
g) A intervenção na PAC não se dá
cada padrão comportamental
possui determinantes individuais na tentativa de se modificar as
causas mentais, uma vez que
particulares. Em outras palavras,
sublinha a asserção de que cada estas não existem, e sim, se dá no
nível da modificação das
caso é um caso, opondo-se a
generalizações com base em variáveis ambientais responsáveis
pelos comportamentos de
psicodiagnóstico e em
intervenções tecnicistas. relevância clínica (Medeiros,
2002).
c) Ênfase na origem aprendida dos
padrões comportamentais de Segundo Rangé (1995), um
relevância clínica, sem procedimento fundamental da PAC é
desconsiderar a genética e a a análise funcional do
cultura. comportamento. Esse é um
d) Negação da distinção entre com- empreendimento que objetiva
portamento normal e anormal. identificar relações funcionais entre
Para a PAC, a distinção entre a o comportamento (variável
normalidade e a anormalidade é dependente) e seus determinantes
meramente de ordem social, e ambientais (variáveis independentes)
76 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

atuais e históricos. Qualquer mútuo. Um exemplo de relação entre


intervenção analítico- indivíduos é aquela que ocorre em
comportamental deve partir de uma um contexto clínico. Daí o nome,
análise funcional, uma vez que as relação terapêutica, que é composta,
relações funcionais entre o geralmente, pela díade terapeuta e
comportamento e os seus cliente. Ao contrário de relações
determinantes são subjetivas. triviais, a relação terapêutica possui
Em outras palavras, é inútil um caráter de ajuda; dessa forma, o
classificar alguém como portador de terapeuta, dotado de conhecimentos e
transtorno obsessivo-compulsivo, de habilidades técnicas, procura criar
por exemplo, e aplicar uma técnica condições para que o cliente consiga
padronizada. As intervenções ultrapassar os obstáculos que vem
analítico-comportamentais partem enfrentando (Kohlenberg e Tsai,
do princípio básico de que cada 1991/2001; Skinner, 1953/1994).
pessoa demanda uma análise Beitman (1989, citado por
funcional individualizada para os Rangé, 1998) afirma que uma
seus comportamentos e uma relação terapêutica ocorre quando
atuação terapêutica personalizada são consideradas as qualidades
diante dos mesmos. pessoais de um terapeuta, de um
cliente e a interação entre os dois em
É de fundamental importância um dado contexto clínico. É a partir
considerar a unicidade da história de da análise da interação entre
vida de cada indivíduo e sua forma terapeuta e cliente que se pode
única de agir no mundo ou de entender a função dos
comportar-se. A intervenção comportamentos diante das
terapêutica deve ser norteada pela contingências governadoras da
unicidade de cada comportamento terapia e que operam ao longo da
emitido pelo cliente, por suas história comportamental dos dois
diferentes variáveis controladoras e, (Velasco e Cirino, 2002).
inclusive, levando-se em Segundo Velasco e Cirino
consideração os comportamentos (2002), torna-se necessário fazer uma
(públicos e privados) do próprio diferenciação entre relação
terapeuta. Nesse sentido, emerge a terapêutica e processo psicoterápico.
necessidade de avaliar o conceito de Pode-se considerar que a relação
Relação Terapêutica como um dos terapêutica, dentre outras variáveis,
principais instrumentos de mudança compõe um processo terapêutico e é
utilizado na clínica analítico- modificada constantemente devido às
comportamental. Tal conceito e suas peculiaridades, à história passada dos
implicações serão discutidos a seguir. indivíduos e ao surgimento de novas
contingências a partir da interação
entre estes. Os autores ainda afirmam
A RELAÇÃO TERAPÊUTICA que a qualidade da relação
Baum (1994/1999) define uma terapêutica estabelecida entre
relação como um conjunto de terapeuta e cliente determinará a
interações regulares entre indivíduos. qualidade das análises do terapeuta e
Essas interações preveem reforço a eficiência do processo para ambos
Análise Comportamental Clínica 77

(Kohlenberg e Tsai, 1991/2001; abandona o seu papel como pessoa,


Velasco e Cirino, 2002). assumindo artificialmente o papel de
A terapia centrada na pessoa, alguém da vida do cliente. Em outras
elaborada por Carl Rogers (1957, palavras, no ensaio comportamental,
citado por Rangé, 1995) e as são reeditadas relações do cliente
abordagens psicodinâmicas, sob o com outras pessoas, ao invés de se
rótulo de relação de transferência e utilizar a própria relação terapêutica
contratransferência (Laplanche e como instrumento de mudança.
Pontallis, 1982), trataram Quanto à Modificação do
extensivamente sobre a importância Comportamento, a relação terapeuta-
da relação terapêutica e suas cliente praticamente não existia,
influências ao processo de sendo as contingências sociais
psicoterapia. No entanto, nas programadas pelo analista do
primeiras iniciativas influenciadas comportamento aplicadas pelo staff
pela filosofia do Behaviorismo das instituições de internação. Nesse
Radical, tal tema praticamente não contexto, o terapeuta era um mero
existia ou não merecia tanto destaque programador de contingências, sendo
como possível instrumento de essas aplicadas por enfermeiras,
mudança clínica comportamental prestadoras de cuidados (care-
(Medeiros, 2002; Rangé, 1995; takers), faxineiras e carcereiros com
Velasco e Cirino, 2002). o uso de reforçadores arbitrários
As duas vertentes iniciais de (tokens) na maioria dos casos.
psicoterapia de caráter Ferster é o primeiro autor de
comportamental, a saber, a Terapia origem analítica-comportamental a
Comportamental e a Modificação do chamar a atenção para importância
Comportamento, deram ênfase a da relação terapêutica como
procedimentos e técnicas instrumento de mudança (Ferster,
empiricamente validados (Barcellos 1972; Ferster, Culbertson e Boren,
e Raydu, 2005). Com relação à 1968/1977), o que ocorreu,
Terapia Comportamental, as técnicas provavelmente, pela sua leitura
eram empregadas primordialmente extensa em Psicanálise.
no sentido de reverter histórias de Ferster (1972) defendia ser
condicionamento respondente. A provável a ocorrência de
relação terapeuta-cliente se dava generalizações de estímulos
exclusivamente no sentido de operantes e respondentes de padrões
viabilizar o emprego da técnica comportamentais do cliente para
indicada para o caso. Entretanto, o dentro do contexto clínico. Ou seja,
Treino de Habilidades Sociais, comportamentos-alvo46 originados
empregado principalmente em casos fora da terapia tenderiam a ocorrer
de fobia social e de baixa na relação do cliente com o
assertividade, tinha o objetivo de terapeuta. Assim, o terapeuta poderia
aperfeiçoar os recursos relacionais utilizar as suas próprias reações para
do cliente (Caballo, 1996; Otero, modelar os comportamentos do
2004). Contudo, as intervenções se
davam primordialmente por ensaio 46 Comportamentos-alvo tratam-se daqueles
comportamental, em que o terapeuta cuja intervenção terapêutica objetiva aumentar
ou diminuir de frequência.
78 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

cliente. Entretanto, para fazê-lo, objetos de análise (Velasco e Cirino,


Ferster defendeu o uso de 2002).
reforçadores naturais, ou seja, O foco da análise passa a ser a
aqueles que decorrem da relação relação construída por meio da
direta do comportamento com as interação terapeuta-cliente, e não
contingências não programadas de apenas o comportamento deste. A
reforçamento (Moreira e Medeiros, importância da análise dos
2007). Os reforçadores arbitrários, comportamentos do terapeuta e do
aqueles impostos artificialmente pelo cliente se dá devido ao fato de os
agente controlador (Baum, comportamentos abertos e
1994/1999), são apontados por encobertos de ambos ocorrerem em
Ferster como menos eficazes no função das respectivas histórias
controle do comportamento. comportamentais, além de estarem
Segundo Ferster (1972), os sob controle das diversas variáveis
reforçadores arbitrários: 1) quebram que emergem durante a sessão
a relação sutil de controle entre o (Velasco e Cirino, 2002).
comportamento e a consequência; 2) A FAP defende as ideias de
corrompem a relação de contingência Ferster de que os comportamentos-
– o que dificulta a passagem do alvo do cliente ocorrerão durante a
controle final do comportamento terapia e que a relação terapêutica
para os reforçadores naturais; 3) deverá ser utilizada para modificá-
podem gerar a contenda de forças, los. Entretanto, Kohlenberg e Tsai
em que o controlado pode tentar (1991/2001) assumem uma postura
contracontrolar o comportamento do mais extremista que a de Ferster, ao
controlador e 4) dificultam a defenderem que a intervenção se dá
generalização para o ambiente fora exclusivamente pela relação
do contexto da intervenção, uma vez terapêutica.
que as pessoas fora da terapia não A FAP introduz o conceito de
proverão reforçadores arbitrários. comportamentos clinicamente
relevantes, ou CRBs (do inglês,
As antigas concepções realistas, nas Clinically Relevant Behaviors),
quais o terapeuta era apenas definindo-os como os
responsável por aplicar técnicas, comportamentos-alvo que ocorrem
distanciando-se da realidade para durante a sessão. Kohlenberg e Tsai
analisá-la, perderam força para o (1991/2001) sugerem três tipos de
referencial pragmático adotado por CRBs, classificando-os como CRBs
analistas clínicos do 1, 2 e 3.
comportamento, como Kohlenberg CRBs 1 são os comportamentos
e Tsai, a partir dos anos de 1980. cuja intervenção clínica objetiva
reduzir a frequência. São respostas
De acordo com a influência que não têm funcionado no ambiente
dessa tradição filosófica, o homem do cliente (punidas ou não
passa a ser parte daquilo que reforçadas) ou funcionado apenas
observa; em outras palavras, tanto o parcialmente (reforçadas muito
comportamento do terapeuta como o raramente, ou reforçadas em curto
comportamento do cliente serão prazo, porém punidas em longo
Análise Comportamental Clínica 79

prazo). Como exemplo, o cliente que Quando, por exemplo, o cliente


se vangloria acerca de seus bens emite um mando direto ao terapeuta
materiais para ser reforçado com a ao pedir que o mesmo lhe dê um
admiração do terapeuta, da mesma desconto no valor da sessão ou
forma que o faz com as pessoas do quando um cliente que tem muita
seu convívio social. Mesmo dificuldade em dizer não para os
produzindo reforçadores em curto outros, diz não para o terapeuta
prazo de seus amigos (admiração, quando este tenta remarcar a sessão
elogios, etc.), essa resposta pode para um horário custoso para o
representar uma punição em longo cliente.
prazo e provocar a perda de Por fim, os CRBs 3 são as
reforçadores, como o distanciamento repostas verbais dos clientes sob
gradativo das pessoas do seu controle discriminativo do seu
convívio. comportamento e das suas variáveis
Outro CRB 1 comum que pode controladoras. Em outras palavras,
ser observado tanto no dia-a-dia são as explicações oferecidas pelo
como na clínica ocorre quando as cliente ao seu próprio
pessoas emitem mandos disfarçados47 comportamento. Os CRBs 3 são
para receberem elogios ou algum desejáveis na medida em que se
tipo de ajuda, não conseguindo espera que o cliente consiga por si só
emitir mandos diretos (por exemplo, realizar as análises funcionais de
pedir diretamente o que precisam). O seus comportamentos e dos
uso desse tipo de resposta verbal comportamentos das pessoas com
manipulativa pode reduzir a quem convive. Em termos
probabilidade de o pedido ser comportamentais, tais respostas são
atendido e, assim, provocar descritas com o termo
sofrimento ou sentimentos de autoconhecimento (Skinner,
rejeição ou pouco acolhimento em 1953/1994).
função de mal-entendidos e da falta O mais interessante com relação
de compreensão na comunicação. ao autoconhecimento é que ele pode
Dessa forma, o cliente que pleiteia não ocorrer. Não é necessário que o
um desconto no valor das sessões organismo discrimine as variáveis
pode não solicitá-lo diretamente ao controladoras do seu comportamento
terapeuta, mas sugerir (mando para se comportar. Desse modo, o
disfarçado) que a sessão está cara e termo “inconsciente” pode ser
que muitos conhecidos pagam menos utilizado de forma adjetiva para
por serviços semelhantes. descrever a maior parte dos
Os CRBs 2 são os progressos do comportamentos – seu uso como
cliente, ou seja, aqueles substantivo que designa uma
comportamentos cuja frequência instância psíquica causadora de
deve aumentar com a terapia. comportamentos não é aceito
(Skinner, 1953/1994).
47 Trata-se de uma resposta verbal com Um exemplo de aquisição de
topografia de tato e função de mando, ou seja, CRB 3 ocorre quando um cliente,
sob o controle de um reforço específico e não com uma história de emissão
do estímulo discriminativo não verbal frequente de mandos disfarçados,
(Medeiros, 2002; Skinner, 1957/1978).
80 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

comenta com o terapeuta, por comportamentos que devem ter sua


exemplo, que as pessoas que se frequência aumentada, submetendo,
irritavam com sua pouca dessa forma, outros comportamentos
assertividade estão mais solícitas e (aqueles cuja frequência deva ser
compreensivas desde que o cliente diminuída) à extinção. A maior
passou a pedir, ao invés de solicitar vantagem de tal procedimento é a
indiretamente alguma coisa. Assim, o probabilidade de criar e manter
cliente afirma sentir-se menos comportamentos que ainda não
rejeitado porque seu comportamento surgiram no repertório do sujeito e,
de pedir passou a ser frequentemente ainda, enfraquecer comportamentos
reforçado pela audiência, inclusive indesejáveis sem a utilização da
do terapeuta. punição (Millenson, 1967/1976;
De acordo com Medeiros e Moreira e Medeiros, 2007). Trata-se
Rocha (2004), o autoconhecimento da forma mais básica de
(na taxonomia de Kohlenberg e Tsai, aprendizagem, sendo encontrado até
1991/2001, a emissão de CRBs 3) é mesmo quando se aprende por
muito importante para a prática modelação (Baldwin e Baldwin,
clínica. Ao conseguir verbalizar as 1989; Millenson, 1967/1976) e por
variáveis determinantes de seus regras48 (Baum, 1994/1999; Skinner,
comportamentos, o cliente encontrar- 1969/1984).
se-á em uma posição vantajosa de
prevê-los e controlá-los. Ao Segundo Millenson (1967/1976),
manipular tais variáveis quando o procedimento de
controladoras dos comportamentos, o diferenciar os comportamentos
cliente pode conseguir modificá-los. ocorre de forma progressiva,
O autoconhecimento favorece a gradual e conduz o
independência do cliente em relação comportamento-alvo a uma
ao terapeuta. O cliente pode analisar topografia final previamente
funcionalmente novos contextos desejada, pode-se afirmar que
pelos quais está passando e se ocorre um processo de aproximação
adaptar mais rapidamente às sucessiva do comportamento final,
mudanças nas contingências, sem consistindo no procedimento de
necessitar da figura do terapeuta para modelagem do comportamento.
guiá-lo (Medeiros e Rocha, 2004;
Skinner, 1953/1994). A modelagem é um
procedimento poderoso para produzir
O USO DO REFORÇAMENTO novos comportamentos. O
aparecimento deles é o resultado de
DIFERENCIAL NA RELAÇÃO
uma história de diferenciação
TERAPÊUTICA progressiva de comportamentos
Segundo Millenson (1967/1976), antecedentes, remotos e com alguma
todo o comportamento reforçado é semelhança aos comportamentos-
fortalecido, ou seja, tem sua alvo.
frequência aumentada. O
reforçamento diferencial consiste em 48 As regras são estímulos discriminativos
reforçar exclusivamente aqueles verbais que descrevem contingências de
reforço (Baum, 1994/1999).
Análise Comportamental Clínica 81

Um exemplo de reforçamento etc.); pode tomar iniciativas de


diferencial ocorre quando se tenta conversas; pode começar a reclamar
vários caminhos para se chegar a um de tudo e de todos na presença dos
endereço em um bairro seus familiares; pode brigar com eles
desconhecido. Ir por alguns por qualquer motivo; pode
caminhos específicos será reforçado desenvolver uma fobia de dirigir,
ao se chegar ao destino; porém, as obrigando-os a levá-la para os
idas pelos caminhos que não lugares desejados; ou, até mesmo,
resultam no destino programado pode passar a sentir fortes
entrarão, consequentemente, em enxaquecas e reclamar
extinção. Após algumas tentativas, a constantemente das mesmas. Todas
pessoa trafegará apenas pelos essas respostas têm a mesma função:
caminhos nos quais seu a de produzir a companhia e a
comportamento foi reforçado. É atenção de seus familiares.
importante notar que ir por mais de Mesmo possuindo a mesma
um caminho será reforçado; pode-se função (produzir atenção e
dizer, então, que ir por determinado companhia), os comportamentos
caminho é uma topografia49 de emitidos pela dona de casa
resposta diferente. Logo, um produzirão diferentes consequências
comportamento operante não se em curto e em longo prazo. Com
define por uma topografia e sim pela exceção dos dois primeiros casos
sua função, ou seja, pelas suas (chamá-los para sair e tomar
consequências (Millenson, iniciativa das conversas), os demais
1967/1976). comportamentos podem produzir
Aplicando-se ao contexto punidores de curto e de longo prazo.
clínico, as pessoas podem emitir Esses comportamentos, por não
respostas de topografias diferentes deixarem claro que são formas para
que possuem a mesma função. Por obter atenção (muitas vezes não são
exemplo, uma dona de casa, que claros nem mesmo para a própria
passa grande parte do seu dia sozinha dona de casa51), não serão associados
enquanto seus filhos e marido à rejeição ou a outras consequências
cuidam dos seus afazeres diários, aversivas caso não sejam reforçados
pode obter a atenção50 dos mesmos e, dessa forma, não desprenderão a
de várias formas. Ela pode passar a merecida atenção de quem os emite
convidá-los para sair (ir ao cinema, (da dona de casa) no momento de sua
ao teatro, a bares, aos restaurantes, emissão.
Segundo Kohlenberg e Tsai
49 É o formato da resposta. Trata-se do aspecto (1991/ 2001), tal fato poderia ser
estrutural do comportamento operante. explicado porque apesar de
50 A atenção aqui surge como um reforçador experiências conscientes, como, por
condicionado generalizado. Reforçador
condicionado porque sua função reforçadora é 51 Neste caso, é possível falar em
aprendida; e generalizado porque sinaliza que determinantes inconscientes do
outros comportamentos diferentes serão comportamento. Skinner (1953/1994 e
reforçados (Ferster et al., 1968/1977). Outros 1974/2000) e Medeiros e Rocha (2004)
exemplos de reforçadores condicionados discutem o controle inconsciente do
generalizados são o dinheiro, o respeito e a comportamento e comentam sua relevância
admiração. clínica.
82 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

exemplo, as experiências de taxonomia da FAP, de CRBs 1. Ao


satisfação, estarem frequentemente mesmo tempo, caso a dona de casa
associadas a contingências de do exemplo comece a falar com o
reforçamento positivo, pode-se terapeuta sobre cinema, teatro, livros,
afirmar que as mesmas não são etc. (mesmo que não pareça terapia),
necessariamente partes da tais comportamentos poderiam ser
modelagem e do processo de classificados como CRBs 2. Nesse
fortalecimento do comportamento caso, caberia a aplicação do
(geralmente, esses comportamentos procedimento de reforçamento
são fortalecidos sem que se tome diferencial desses comportamentos a
consciência). Ao mesmo tempo, as fim de aumentar a frequência dos
experiências conscientes têm papel comportamentos desejáveis
importante, porém diferente daquele (iniciativas de conversas, outros
do comportamento diretamente assuntos que não reclamações) e
modelado por contingências. “No diminuir a frequência dos
entanto, o fato de a experiência comportamentos indesejáveis
consciente ser mais diretamente (reclamações, queixas, brigas, fobia
sentida do que os efeitos de dirigir).
inconscientes do reforçamento, pode Durante o processo terapêutico,
facilmente levar à falta de atenção quando a cliente começasse a se
sobre estes últimos” (Kohlenberg e queixar, o terapeuta poderia colocar
Tsai, 1991/2001, p. 115). Por mais esse comportamento em extinção;
surpreendente que pareça, convites logo, a atenção que a cliente
diretos para sair e as iniciativas de provavelmente estava acostumada a
conversas representam mais risco de receber em seu convívio social não
rejeição por parte dos familiares do lhe seria fornecida pelo terapeuta.
que os demais comportamentos de Quando a cliente passasse a falar
queixa. Mesmo tendo uma sobre outros assuntos, o terapeuta lhe
probabilidade maior de serem daria atenção com reforçamento
atendidos, quando não o são, fica natural52 de comportamento de
evidente a rejeição. Isso não ocorre ouvinte. O terapeuta ensinaria a sua
com as outras formas disfarçadas de cliente, com o uso do reforçamento
obter atenção. Portanto, a frequência diferencial, que falar de outros
dos convites para sair e das assuntos pode ser reforçado fora da
iniciativas para conversas, em terapia, proporcionando o surgimento
relação aos demais comportamentos e a discussão de temas interessantes
de queixa, provavelmente será mais e a produção de novos
baixa. conhecimentos. Ao passo que as
De acordo com Ferster (1972),
com Ferster e colaboradores 52 É um tipo de reforçador eficaz no ambiente
(1968/1977) e com Kohlenberg e natural do indivíduo, pois se inicia com um
repertório que já ocorre e não com uma forma
Tsai (1991/2001), é provável que
arbitrária de desempenho que é modelada e
respostas como queixar-se de tudo e determinada pelo terapeuta. Tal reforçamento
de todos e brigar por qualquer pode estimular uma série de novos
motivo ocorram também na sessão comportamentos, sem necessitar da
de terapia. Tratam-se, segundo a intervenção de terceiros (Ferster et al.,
1968/1977).
Análise Comportamental Clínica 83

respostas queixosas de frequência efeito aversivo de provocar


elevada podem produzir diversas desinteresse e descrédito em seus
consequências aversivas, como, por familiares e fazer com que estes não
exemplo, produzir nos ouvintes queiram ficar em sua companhia. A
respostas de tédio, descrédito e cliente pode chegar à conclusão de
desinteresse ou, até mesmo, a própria que deve ser muito desagradável
perda da companhia destes em curto conviver com pessoas que só
ou longo prazo, o que representaria reclamam ou brigam com as outras o
uma punição negativa. tempo todo: “pessoas como eu!”. O
Se a dona de casa conseguisse, terapeuta, a fim de reforçar essa
no decorrer do processo terapêutico, pertinente autoanálise de sua cliente,
sinalizar e avaliar as consequências promoverá o reforçamento positivo
de seus comportamentos acima concordando com sua cliente
descritos, ou seja, conhecer as (dizendo simplesmente “concordo
variáveis que controlam os seus com você”) e fortalecendo novas
comportamentos, emitiria um CRB análises semelhantes no futuro. Além
3. Em outras palavras, a dona de casa disso, se a fala da cliente se tratar de
se tornaria consciente da função de um mando disfarçado, o fato de o
seus comportamentos, aumentando terapeuta concordar com a mesma
assim a probabilidade de se pode corresponder a fornecer um
autogovernar em circunstâncias reforço genérico e não específico.
semelhantes e de ser mais assertiva Em outras palavras, o terapeuta
no futuro (p. ex., emitir mandos reforçaria a função de tato,
diretos), sem precisar lançar mão de extinguindo, assim, a função de
reclamações ou queixas para mando disfarçado.
conseguir atenção de seus familiares. Além de evocar os CRBs 2 e 3
Skinner (1953/1994) descreve por meio do reforçamento diferencial
formas utilizadas pela própria pessoa e dos passos de aproximações
para controlar o seu comportamento. sucessivas, o terapeuta pode servir de
Ele define tais formas de respostas modelo para que o cliente tente
controladoras. Dessa forma, assim modificar o seu próprio
que a cliente identifica as variáveis comportamento, por meio da
que controlam o seu comportamento, observação dos comportamentos do
ela pode passar emitir respostas terapeuta. Novos comportamentos
controladoras que alterariam a sua podem começar a surgir por
probabilidade de ocorrência. generalização53, já que o cliente é
Como exemplo, quando a cliente sempre reforçado pelo terapeuta
consegue perceber que seu terapeuta quando demonstra ter desenvolvido
se mostra menos interessado quando novas habilidades (novos CRBs 2 e
ela reclama de constantes dores de
cabeça e, de forma contrária, se 53 É também conhecida como indução ou
transferência de resposta. Ocorre quando há o
mostra interessado quando o assunto
reforçamento de algum comportamento
é relacionado a cultura, lazer ou específico e, em consequência, sua frequência
viagens, a cliente pode discriminar é aumentada, bem como a frequência de
que suas reclamações, queixas e outros comportamentos semelhantes que não
brigas provavelmente têm o mesmo foram necessariamente reforçados no passado
(Catania, 1998/1999; Skinner, 1953/1994).
84 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

3). parentes para sair serão reforçados.


Caso seus comportamentos desejados
Segundo Kohlenberg e Tsai estivessem em esquema de
(1991/2001), a terapia não será reforçamento contínuo, os episódios
bem-sucedida se o cliente de não reforçamento poderiam
demonstrar melhoras ou a resultar na diminuição da sua
aquisição de novas habilidades frequência e no aumento na
apenas no ambiente terapêutico e variabilidade comportamental, o que
não conseguir generalizar esse novo resultaria na volta da emissão dos
repertório para sua vida cotidiana. CRBs 1 (p. ex., queixar-se e
vitimizar-se).
Além disso, o cliente precisa
Além do reforço promovido pelo
discriminar que seus
terapeuta na tentativa de manter e
comportamentos seriam passíveis de
fortalecer os CRBs 2 e 3 de seu
reforçamento, mesmo que não o
cliente, suas novas habilidades
sejam a todo o momento. Nesse caso,
deverão ocorrer fora do contexto
o reforço provido pelo terapeuta é
clínico aumentando, a probabilidade
fundamental, uma vez que
de serem positivamente reforçadas
estabelecerá a função reforçadora
pela atenção de seus familiares e
condicionada da observação do
negativamente reforçadas por evitar
comportamento. Como a emissão do
o tédio e outros comportamentos
comportamento precede o seu
aversivos dos mesmos.
reforço, quando o indivíduo está
O terapeuta, na medida em que o
atento ao comportamento emitido,
cliente começa a emitir as respostas
pode ocorrer um emparelhamento
desejadas, pode exigir padrões cada
entre a observação do
vez mais aprimorados (modelagem),
comportamento e a apresentação do
ou mesmo, tornar o reforço menos
reforço. Dessa forma, a mera
frequente (aumento do tamanho do
observação de comportamentos que
esquema de reforçamento). O reforço
foram reforçados no passado adquire
contínuo é necessário para a
função reforçadora.
aquisição do comportamento, porém,
Um exemplo comum é o do
para a manutenção, o reforçamento
aluno de ensino médio que consegue
intermitente é o ideal (Moreira e
resolver problemas de matemática
Medeiros, 2007). Assim, para que os
sozinho. Quando ele possui o
comportamentos desejados se
gabarito e confere as suas respostas,
mantenham e se tornem resistentes
só de vê-las corretas, mantém-se
ao não reforçamento, é necessário
resolvendo os problemas, mesmo que
que passem por um reforçamento
não tenha ninguém para reforçá-lo. É
intermitente. Fora da terapia, os
o mesmo caso do indivíduo que se
comportamentos desejados não serão
sente bem por ceder o seu lugar no
reforçados continuamente e, a
ônibus a uma senhora de idade ou
despeito disso, precisam continuar a
por ajudá-la a atravessar a rua. Como
ocorrer. Voltando ao exemplo
seus comportamentos caridosos
anterior da dona da casa, nem sempre
possivelmente foram reforçados no
os comportamentos de puxar
passado, principalmente pelos pais, a
conversas ou de convidar seus
Análise Comportamental Clínica 85

observação desses comportamentos terapeuta, as funções aversivas


no futuro consiste em reforçadores condicionadas desses
condicionados. Da mesma forma, comportamentos entram em processo
como a observação dos de extinção. Então, observar-se deixa
comportamentos desejados do cliente de produzir punidores
precede o reforço apresentado pelo condicionados, aumentando assim a
terapeuta, esta acaba adquirindo probabilidade de respostas de
funções reforçadoras condicionadas. autoconhecimento.
Os reforçadores condicionados Caso o cliente emita respostas de
podem ser cotidianamente chamados autoanálise que seriam passíveis de
de orgulho ou de sentimento de punição, as quais, entretanto, são
dignidade pessoal. Skinner reforçadas com a concordância do
(1953/1994) analisa tal fenômeno terapeuta, novas respostas de auto-
sob o título de “fazer a coisa certa”. observação se tornam prováveis.
Além disso, a observação de Novamente, o ponto fundamental
comportamentos que foram punidos para a emissão de CRBs 3 é a
no passado também possui funções audiência não punitiva e o reforço
aversivas condicionadas. A mera natural de comportamento de
observação do próprio ouvinte. Por sua vez, uma
comportamento produz punidores intervenção que utilize de punição,
condicionados, nesse caso, além dos efeitos colaterais
cotidianamente chamados de indesejados discutidos a seguir, pode
vergonha ou culpa. Às vezes, ao empobrecer as respostas de
imaginar comportamentos que foram autoconhecimento.
punidos no passado, as pessoas ficam Segundo Kohlenberg e Tsai
vermelhas mesmo sem terem seus (1991/ 2001), outra forma de
comportamentos punidos na hora. produzir CRBs 3 é por meio do uso
Novamente, a observação de um da interpretação. A FAP considera o
comportamento punido gera pensamento como um
punidores condicionados. Skinner comportamento que pode, ou não,
(1953/1994) utiliza esse conceito influenciar comportamentos
para descrever a falta do repertório subsequentes e deve ser avaliado,
de autoconhecimento geralmente interpretado e até mesmo
relacionado aos mecanismos de argumentado logicamente por meio
defesa propostos pela Psicanálise do “uso de apelações para a
(Medeiros e Rocha, 2004). racionalidade”54 quando possível pelo
No caso dos punidores terapeuta. Assim, o terapeuta lançaria
condicionados associados a um mão de interpretações e de
comportamento que fora punido no argumentos lógicos para modificar o
passado, a principal estratégia de comportamento de seu cliente.
atuação na clínica é a audiência não
54 “Apenas uma pequena parte de um
punitiva. Na medida em que o cliente conjunto maior de interações terapêuticas que
relata comportamentos ou irão ajudar a desenvolver um novo conjunto
probabilidades de respostas que de experiências e comportamentos do cliente e
seriam passíveis de punição na produzir uma mudança favorável nas crenças a
sociedade e não é punido pelo eles associadas” (Kohlenberg e Tsai,
1991/2001, p. 136).
86 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Cabe destacar que o uso de das expectativas e das exigências do


interpretações pode não ser bem controlador é seguido da retirada de
sucedido. O cliente pode entender diversas recompensas, até mesmo de
que as interpretações são imposições recompensas que já haviam sido
e, além disso, caso o terapeuta não ganhas.
consiga discriminar adequadamente A maioria das pessoas está
o tipo de interpretação que deve acostumada a controlar umas às
fornecer ao seu cliente, tal outras, conscientemente ou não, por
intervenção pode funcionar como meio desse tipo de controle e, ao
uma punição ao comportamento mesmo tempo, tendem naturalmente
verbal do mesmo. O cliente que a manter comportamentos de evitar
recebe de seu terapeuta uma ou fugir de tais estímulos aversivos
interpretação inadequada e, em ou coercitivos (Sidman, 1989/1995).
muitos casos, quaisquer tipos de Cabe aqui uma discussão acerca
interpretação, pode apenas modificar da maneira de como o conceito de
seu comportamento de concordar ou estímulo aversivo pode ser
não com tal intervenção e, no entendido. Tal conceito é relacional e
entanto, continuar com o seu funcional, depende da relação entre
conjunto de regras e padrões os eventos e das diferentes
comportamentais inalterados. Dessa consequências produzidas, ou seja,
forma, as consequências aversivas da um evento aversivo para algumas
punição utilizada no contexto clínico pessoas pode ser um reforçador
podem superar seus efeitos benéficos poderoso para outras. Diz respeito,
ou imediatos. Tais efeitos, ou especificamente, à capacidade de
subprodutos, serão discutidos provocar a redução da frequência do
adiante. comportamento que ele produz,
enquanto punidor positivo ou
negativo. Ou ainda, aumentar a
O CONTROLE AVERSIVO NO
frequência de comportamentos para
CONTEXTO TERAPÊUTICO evitá-lo, como reforçador negativo
Segundo Millenson (1967/1976), (Moreira e Medeiros, 2007). Skinner
Sidman (1989/1995) e Moreira e (1953/1994) define o conceito ao
Medeiros (2007), tanto as punições afirmar que “um estímulo é aversivo
positivas e negativas, quanto o apenas quando sua remoção for
reforçamento negativo, são os tipos reforçadora” (Skinner, 1953/1994, p.
de consequências que controlam 170).
aversivamente, ou coercitivamente, o Apesar de provocarem efeitos
comportamento dos indivíduos. rápidos e opostos nas frequências dos
De acordo com Sidman comportamentos, ou seja, suprimir a
(1989/1995), o controle coercitivo frequência de algumas respostas
também diz respeito à maneira pela indesejadas (do ponto de vista de
qual as pessoas utilizam a punição e quem controla) e aumentar
a ameaça de punição para que os eficientemente a probabilidade da
outros ajam de acordo com a vontade emissão de comportamentos que
das mesmas. Explícita ou evitam estímulos aversivos, essas
implicitamente, o não atendimento consequências podem gerar uma
Análise Comportamental Clínica 87

série de efeitos colaterais55 contracontrole58 como as formas mais


prejudiciais ao processo terapêutico. usuais e indesejáveis dos
subprodutos do controle aversivo.
No contexto clínico, a audiência De acordo com Moreira e
punitiva pode representar uma das Medeiros (2007), o comportamento
formas de controle aversivo de fuga é reforçado negativamente
promovidas, inadequadamente, por remover um estímulo aversivo do
pelo terapeuta. Tal forma de ambiente, e o comportamento de
controle pode dificultar a mudança esquiva permite evitar ou atrasar o
terapêutica ou prejudicar as contato com um determinado
relações ao provocar a emissão de estímulo aversivo, ou seja, o
comportamentos de fuga e esquiva, estímulo aversivo ainda não está
subprodutos indesejáveis do presente no ambiente. Os
controle coercitivo no contexto comportamentos de fuga e esquiva
terapêutico. provocam a retirada ou o atraso dos
estímulos aversivos no ambiente e
Os comportamentos de fuga e são aprendidos e mantidos por
esquiva podem ocorrer em um nível reforço negativo desde muito cedo. A
consciente ou inconsciente, mas criança que chora e demonstra sentir
ambos têm o efeito semelhante de um forte desconforto em função de
retirar ou evitar o contato com algum tipo de doença (estímulos
estímulos aversivos. Como exemplo aversivos como dor de dente,
de tais comportamentos, Skinner infecções estomacais ou dor de
(1953/1994), Medeiros (2002) e ouvido) pode receber do ambiente a
Moreira e Medeiros (2007) citam a retirada desses estímulos e, assim,
eliciação de respostas emocionais56, a provavelmente, os comportamentos
supressão de outros comportamentos de chorar ou expressar a sensação de
além do punido, a emissão de dor serão fortalecidos por
respostas incompatíveis57 e o uso do reforçadores negativos.
Como exemplo, quando a mãe
55 Termo que se refere frequentemente a
consequências não pretendidas, pouco
medica a criança com um analgésico
importantes ou improváveis em função de uso e acaba com sua dor de dente ou de
de medicamentos. Tal como no caso das ouvido, o estímulo aversivo de dor é
drogas, a punição gera consequências ou retirado ou atenuado. A retirada de
efeitos secundários, muitas vezes maiores que estímulos aversivos do ambiente
os esperados efeitos principais (Sidman,
1989/1995).
aumenta a probabilidade de a criança
56 Sudorese, tremores, taquicardia, choro, boca
seca, náusea, etc. incompatível impossibilita que o indivíduo
57 Após a punição de algum comportamento, discrimine se a contingência de punição ainda
os indivíduos podem passar a emitir uma estará ou não presente, fazendo-o, muitas
resposta que torna improvável a repetição do vezes, perder importantes oportunidades por
comportamento punido. Essa resposta é estar fugindo de possíveis punições (Moreira e
negativamente reforçada por diminuir a Medeiros, 2007).
probabilidade de o comportamento punido 58 O contracontrole ocorre quando o
voltar a ocorrer e, consequentemente, de o indivíduo controlado emite uma resposta que
indivíduo voltar a ter contato com a punição impede que o agente controlador mantenha o
do passado. Ao impedir que o indivíduo se controle sobre o seu comportamento (Moreira
exponha à contingência novamente, a resposta e Medeiros, 2007).
88 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

emitir no futuro comportamentos tal comportamento ser prejudicial à


semelhantes aos de chorar e sua saúde e à saúde dos outros, pode
demonstrar dor (para sua mãe) como deixar de falar quando emite tais
uma forma de fugir de tais estímulos. comportamentos para evitar as
Da mesma forma, a mãe que permite críticas do terapeuta.
que seu filho deixe de ir à escola Pode-se afirmar que a história de
porque o mesmo está doente, pode punição suprime não apenas o relato
ensiná-lo que ter dor ou demonstrar do cliente acerca de seu
estar com dor (comportamento de comportamento, como também
mentir) evita entrar em contato prejudica seu repertório de auto-
(comportamento de esquiva) com observação. Segundo Skinner
outro estímulo aversivo, neste caso, (1953/1994), a auto-observação pode
ir à escola (p. ex., ir à escola é ser considerada como um repertório
aversivo para algumas crianças, socialmente construído e contextos
principalmente em dia de prova). coercitivos dificultam a aquisição de
Aplicando-se o exemplo acima tal habilidade.
ao contexto clínico, uma cliente pode O cliente, cujo comportamento é
aprender que seu choro tem o poder punido, pode aprender também
de evitar alguns assuntos aversivos outras estratégias para evitar as
se o terapeuta trocar de assunto todas críticas de seu terapeuta, além de
as vezes que a mesma chorar. Em omitir certos relatos. Ele pode
outras palavras, um dado assunto aprender a manipular seu
qualquer funciona como um comportamento verbal e a emitir
reforçador negativo e o choro como mandos disfarçados e tatos
um comportamento de fuga. Assim, distorcidos; em outras palavras, pode
quando o terapeuta perguntar algo aprender a enganar o terapeuta,
que a cliente não queira falar, esta conscientemente ou não. Como já
responderá com o comportamento de discutido, os mandos disfarçados
chorar, evitando comentar sobre o apresentam topografias de tatos, mas
assunto aversivo e sendo reforçada são controlados por um reforço
negativamente a emitir específico. Ou seja, um cliente pode
comportamentos semelhantes aos de apenas fazer um comentário a
chorar no futuro. respeito de qualquer assunto e pode
O outro efeito do controle ser entendido como se estivesse
coercitivo na terapia seria a solicitando algo, como realmente o
supressão do comportamento verbal está. Já os tatos distorcidos são
do cliente. Tal controle tende a comportamentos verbais que não
reduzir a frequência de respostas estão sob o controle preciso do SD59
verbais de qualquer natureza, não verbal, e sim pelo reforço
gerando um repertório deficiente de generalizado do ouvinte. Podem ser
descrição de eventos no ambiente e entendidos como mentiras reforçadas
do próprio comportamento. Por negativamente por evitar estímulos
exemplo, um cliente que, ao relatar
que sua vida sexual é permeada por 59 SD (sigla para estímulo discriminativo)
promiscuidade e falta de proteção consiste no contexto que sinaliza uma maior
sexual, é punido pelo terapeuta por probabilidade do comportamento operante ser
reforçado caso ocorra (Baum, 1994/1999).
Análise Comportamental Clínica 89

aversivos (Medeiros, 2002). verbal se dá por meio do uso de


Outro exemplo de manipulação intraverbais no lugar de tatos. O uso
do comportamento verbal na clínica de tal artifício ocorre quando o
se dá por meio do uso da cliente está sob o controle do que
racionalização (Medeiros, 2002, normalmente se diz em uma situação
2004). Segundo Skinner e não do SD não verbal (Medeiros,
(1953/1994), tal manipulação ocorre 2002). No caso do cliente promíscuo
quando uma pessoa modifica seu anteriormente citado, o contexto da
relato ao perceber que o tato de terapia exige uma resposta clara se o
variáveis que controlam um cliente passou a usar camisinha após
determinado comportamento produz a última conversa que o terapeuta
estímulos aversivos condicionados, o teve com ele ou não. O cliente, para
que a leva a relatar causas evitar a repreensão do terapeuta,
socialmente aceitas para seu emite uma resposta semelhante à
terapeuta. usada por aqueles que defendem o
Pode-se citar como exemplo a uso da camisinha como forma mais
cliente que afirma ter ligado para o segura de proteção sexual e afirma:
ex-namorado que, por sua vez, já tem “Então, acho que posso transar com
uma nova namorada, apenas para quantas pessoas eu quiser, desde que
perguntar a ele se sua atual namorada me proteja; protegendo, dessa forma,
estará em um determinado lugar, pois aos outros. Afinal, os outros não
ela não quer correr o risco de podem ser prejudicados por minha
encontrar com a mesma. A mulher irresponsabilidade. As pessoas não
abandonada prefere saber os horários merecem isso, merecem?”. Esse
e os dias da semana dos intraverbal pode ser emitido porque é
compromissos da atual namorada socialmente aceito (o terapeuta
pelo próprio ex-namorado, mesmo representa o reforço social), mas não
sabendo que pode obter essa mesma porque de fato o comportamento
informação de inúmeras outras mais responsável do cliente está
formas que independem de entrar em acontecendo.
contato com ele, ou, simplesmente, Torna-se contraditório ou
não obter essa informação e agir controverso falar de controle
naturalmente frente à presença da aversivo dentro do ambiente de
nova namorada. O terapeuta e as psicoterapia. De acordo com várias
demais pessoas com quem convive, teorias, principalmente a Humanista
possivelmente, na avaliação da com enfoque rogeriano, o espaço
cliente, puniriam o seu psicoterapêutico pode facilitar ou
comportamento de relatar que ligou direcionar o indivíduo a desenvolver
para o ex se a mesma afirmasse que todas as suas capacidades de manter
apenas ligou para ouvir a voz dele ou ou melhorar o seu organismo
para saber se o namoro dele já havia (Rogers, 1961/1975). Segundo o
terminado, o que acarretaria uma autor, tais capacidades são inatas; no
possível chance de reatar o antigo entanto, o grau de desenvolvimento e
namoro. crescimento em busca da maturidade,
Outro exemplo semelhante de do ajustamento social, da saúde, da
manipulação do comportamento independência e da autonomia,
90 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

dependem das condições oferecidas habilidade de auto-observação já


pelo ambiente. “Quando somos mencionada anteriormente e
capazes de liberar o indivíduo da definida por Skinner (1953/1994).
situação de defesa, de maneira a
torná-lo aberto a uma ampla margem
Truax (1966, citado por
das suas próprias necessidades, bem
Kohlenberg e Tsai, 1991/2001)
como a uma ampla margem das
afirma que a Terapia Centrada na
solicitações ambientais e sociais,
Pessoa, de Rogers, reproduz um
pode-se confiar que as suas reações
padrão de reforçamento, já que o
serão positivas, em direção ao
terapeuta reage diferencialmente a
progresso, e construtivas. Não é
determinadas classes de respostas
necessário perguntar-se quem o
dos seus clientes.
socializará, porque uma das suas
Ainda segundo Kohlenberg e Tsai, a
necessidades mais profundas é a de
terapia rogeriana, apesar de bastante
afiliação de comunicação com os
diferente da abordagem da FAP,
outros. À medida que ele se torna
funciona como um “método indireto
mais completamente autêntico, ele se
de fortalecer a ocorrência de
tornará mais realisticamente
contingências naturalmente
socializado. Não necessitamos
reforçadoras” (Kohlenberg e Tsai,
perguntar quem controlará seus
1991/2001, p. 35). Para esses
impulsos agressivos, pois, à medida
autores, o terapeuta rogeriano emite
que ele se torna mais aberto a todos
comportamentos que naturalmente
os seus impulsos, sua necessidade de
funcionam como punidores dos
ser querido pelos outros e a sua
CRBs 1 e reforçadores dos CRBs 2 e
tendência a dar afeto será tão forte
3.
quanto seus impulsos para atacar”.
Segundo Sidman (1989/1995), o
(Rogers,
terapeuta não é capaz de eximir-se
1961/1975, p. 194)
das leis e dos princípios básicos da
Análise do Comportamento. Caso
Segundo Rogers (1961/1975), a lance mão de algum tipo de resposta
terapia deve proporcionar um de punição em algum momento no
contexto de relações humanas contexto da psicoterapia, sendo
favoráveis, desprovidas de ameaças reforçado pelo cliente, ocorrerá o
e de restrições que possam aumento da probabilidade de o
dificultar ou até mesmo impedir a terapeuta emitir novamente respostas
emergência de atributos pessoais
punitivas semelhantes no futuro.
autênticos, livres de manipulações e
Esse fato pode estar relacionado à
defesas conscientes e inconscientes
dificuldade de avaliar se um
e de um conceito relativo à sua
terapeuta faz uso da punição em
própria maneira de ser e ao seu
função da ausência de alternativas
próprio eu. Em outras palavras, a
terapia deve ser livre do controle
mais eficientes ou eficazes ou porque
coercitivo e, consequentemente, de foi reforçado no passado, passando,
seus efeitos colaterais, podendo dessa maneira, a usar esse tipo de
proporcionar aquisições dos CRBs 2 controle como uma forma mais fácil
e 3, além do surgimento da e rápida de manejar o
comportamento de seu cliente.
Análise Comportamental Clínica 91

Aprendem-se facilmente as punitiva no contexto terapêutico a


ocasiões que geram ou suspendem fim de se minimizar todos os
contingências de reforçamento ou subprodutos ou efeitos colaterais do
punição no ambiente físico ou social. controle coercitivo anteriormente já
Se o ambiente sinaliza a citados. Segundo o autor, os
disponibilidade de um reforçador estímulos aversivos contingentes às
específico, é provável que o verbalizações do cliente,
indivíduo aja a fim de obtê-lo; se independente do conteúdo e da
sinaliza punição, é provável que não topografia de seu relato, são formas
ocorra a resposta que a causaria. Da de prejudicar o progresso terapêutico
mesma forma, em situações nas e, muitas vezes, reproduzir a mesma
quais contingências de punição são função (coercitiva) das pessoas do
suspensas, aumenta-se a convívio social do mesmo
probabilidade de o indivíduo (Medeiros, 2002). Em outras
comportar-se (Sidman, 1989/1995). palavras, ao exercer papéis
De acordo com Ferster (1972) e semelhantes aos das pessoas que
60

Kohlenberg e Tsai (1991/2001), o convivem com o cliente em seu dia a


controle coercitivo determina os dia, o terapeuta pode propiciar um
padrões verbais dos indivíduos, e os ambiente aversivo semelhante ao
padrões “disfuncionais” tenderão a ambiente que seu cliente reclama em
ocorrer também durante a terapia. Os terapia, mantendo assim os seus
efeitos da coerção sobre o repertório padrões de interação social
verbal influenciam o processo malsucedidos.
terapêutico, e a terapia deverá Cabe destacar aqui alguns
representar uma oportunidade para a exemplos citados por Medeiros
modelagem desse repertório. No (2002) de audiência punitiva que o
entanto, como extensamente já terapeuta pode, por descuido ou não,
discutido por Freud, Skinner e reproduzir em terapia, prejudicando
Sidman, o controle aversivo do assim a relação terapêutica:
comportamento dificilmente será
1) Usar uma linguagem mais
abandonado, podendo contribuir para
complexa do que a linguagem de
o surgimento e para a manutenção de
seu cliente. Quando o terapeuta
grande parte das demandas em
utiliza uma linguagem rebuscada
terapia.
ou repleta de termos técnicos
Apesar da dificuldade de abrir
para se comunicar com uma
mão do uso do controle coercitivo
audiência leiga ou com
nas relações, a Análise do
adolescentes e crianças, pode não
Comportamento já produziu diversas
ser entendido ou ser considerado
alternativas efetivas ao uso da
punição por meio de incontestáveis 60 Pessoas rotuladas (na linguagem comum),
demonstrações, dentro e fora de por exemplo, como “críticas”, “mandonas”,
“castradoras” ou que “sabem tudo”. Na
laboratórios, de como, por exemplo,
verdade, esses rótulos ou papéis nada mais são
usar efetivamente o reforçamento do que meras palavras que resumem uma série
positivo (Sidman, 1989/1995). de comportamentos emitidos pelas pessoas
Medeiros (2002) enfatiza a significativas do convívio do cliente e que
importância da audiência não desempenham uma função coercitiva para o
mesmo.
92 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

aversivo (p. ex., comportamentos de alguma punição


de desqualificar o seu trabalho ou arbitrária. Em outras
duvidar de sua competência palavras, pode estar sob o
profissional podem surgir por controle de reforçamentos
parte de sua audiência). Além negativos arbitrários. O
disso, o terapeuta pode ser terapeuta, ao emitir regras
enquadrado pelo cliente como em excesso, pode sinalizar a
mais uma figura de autoridade. apresentação do reforço
Essas figuras geralmente são negativo arbitrário ao
punitivas, e o cliente pode reagir cliente, caso este não siga as
ao terapeuta como se este fosse regras emitidas por ele.
puni-lo também. 3) Emitir reforçamentos arbitrários
2) Emitir regras em excesso. Ao em excesso. Como já discutido
emitir alguma regra, o terapeuta anteriormente, Fester (1972)
deve considerar algumas aponta os reforçadores arbitrários
hipóteses importantes. Seu como menos eficazes no controle
cliente pode seguir a regra ou do comportamento e
não, pode seguir e ter seu responsáveis por uma série de
comportamento punido ou seguir consequências aversivas.
e ser reforçado, mentir e dizer
Outro ponto que merece ser
que a seguiu, ou ainda, mentir e
destacado diz respeito à escolha do
dizer que não a seguiu para ver a
terapeuta quanto aos
reação do terapeuta, por
comportamentos que precisam ser
exemplo. Na melhor das
analisados e modificados durante a
hipóteses, se o comportamento
terapia. O julgamento do terapeuta
do cliente de seguir a regra do
sobre os CRBs do seu cliente pode
terapeuta for reforçado
estar vinculado aos seus valores
socialmente, algumas
pessoais, o que certamente não pode
consequências prejudiciais
ser considerado terapêutico. Além
também podem ocorrer, tais
disso, é interessante notar que
como o cliente se tornar
comportamentos que o terapeuta
dependente das regras
julga fazerem parte, de acordo com a
emitidas pelo terapeuta e
taxonomia da FAP, dos CRBs 1,
apresentar dificuldades de
podem, na verdade, se apresentar
emitir autorregras e de se
como CRBs 2 e, para o seu cliente,
adaptar às mudanças nas
funcionar muito bem como respostas
contingências em vigor.
adaptativas em seu ambiente. Em
Segundo Medeiros outras palavras, o terapeuta pode
(2002), o cliente que cometer um erro de julgamento ao
manipula seu avaliar uma topografia de respostas
comportamento verbal, por como CRBs 1 ou 2 quando não leva
exemplo, mentindo, quando em consideração as funções dos
afirma que seguiu comportamentos emitidos pelo seu
determinada regra emitida cliente.
pelo terapeuta e não a seguiu
Como exemplo, um cliente que
de fato, pode estar fugindo
frequentemente recebe visitas
Análise Comportamental Clínica 93

inesperadas de seus familiares e por evitar situações aversivas que


mente para eles fingindo que vai dificilmente seriam evitadas com a
passar mal se não se recolher e emissão do comportamento de falar a
repousar (p. ex., passar mal significa verdade.
vomitar, e quem passa mal
usualmente não costuma limpar seu A situação oposta também pode
próprio vômito). A mentira pode ocorrer. O terapeuta pode realizar
fazer com que suas visitas análises funcionais equivocadas de
inconvenientes deixem a sua casa e CRBs 2 e reforçar erradamente
permitam que o cliente volte aos seus comportamentos prejudiciais ou
afazeres normais do dia a dia. “disfuncionais” do seu cliente.
Analisando funcionalmente esse Tomando como exemplo o
comportamento de mentir, pode-se comportamento de mentir, se o
observar que as visitas são aversivas cliente mente frequentemente para
para o cliente, ou seja, fazer com que conseguir o que quer e não consegue
elas saiam de sua casa é um emitir outro padrão de resposta que
reforçador negativo (retira as não o de manipular seu
contingências aversivas) para o comportamento verbal, o terapeuta
comportamento de mentir. Por outro não pode considerar que o simples
lado, se o cliente fala que está fato de seu cliente atingir seus
ocupado quando seus familiares objetivos por meio de mentiras deva
chegam sem avisar e pede, de uma ser entendido como comportamento
forma delicada, para que se retirem, adaptativo.
no mínimo o cliente passaria por Como já discutido anteriormente,
grosseiro. Porém, ao mentir, o a análise funcional deve ser realizada
comportamento do cliente também é de uma forma bastante cuidadosa,
reforçado positivamente por afagos e levandose em consideração toda a
preocupação por parte de seus história do indivíduo e todo o seu
familiares, não é rotulado como contexto atual a fim de oferecer ao
grosso e, em longo prazo, pode fazer cliente a melhor forma possível de
com que seus parentes pensem duas agir no meio (Castanheira, 2002;
vezes antes de aparecer em sua casa Rangé, 1995; Skinner, 1953/1994).
sem avisar; provavelmente ligarão De preferência, por meio da emissão
para saber se ele passa bem antes de de tato e mandos puros (Medeiros,
visitá-lo no futuro. 2002).
Se o terapeuta avalia, segundo
seus valores pessoais, que mentir é
CRB 1 em qualquer situação e
INTERVENÇÃO
propõe ao seu cliente que fale A proposta da FAP de Kohlenberg e
sempre a verdade (emissão de regra), Tsai (1991/2001) refere-se ao
o terapeuta pode prejudicar seu desenvolvimento de uma
cliente na relação com seus psicoterapia que, aliada aos
familiares e, além disso, prejudicá-lo princípios do Behaviorismo Radical,
em outros contextos que exijam a consiga manejar comportamentos
habilidade de discriminar quando “disfuncionais” por meio de uma
uma mentira pode ser reforçadora relação terapêutica “genuína,
94 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

envolvente, sensível e cuidadosa” de sua própria história de vida) e da


(Kohlenberg e Tsai, 1991/2001, p. 2). relação estabelecida entre os dois
Para tanto, os autores sugerem cinco (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001).
regras norteadoras que permitiriam, Na relação terapêutica ideal, “o
principalmente, observar, evocar e cliente aprende a se envolver em um
consequenciar os CRBs de forma a relacionamento real. O terapeuta que
resultar em “efeitos reforçadores ama e se envolve plenamente com
para o terapeuta” (Kohlenberg e Tsai, um cliente cria um ambiente
1991/2001, p. 27). Cabe avaliar aqui, terapêutico que evoca CRBs 1
de forma crítica, as regras sugeridas. correspondentes” (Kohlenberg e
Tsai, 1991/2001, p. 31). Nesse
sentido, é interessante notar que a
A primeira regra
palavra “amor” não é definida pelos
Segundo Kohlenberg e Tsai
autores. Não se sabe exatamente o
(1991/2001), a primeira regra sugere
que os autores querem dizer quando
ao terapeuta prestar atenção aos
falam sobre tal sentimento ou se é
CRBs do cliente. Quanto maior a
apenas uma palavra que resume um
habilidade do terapeuta de identificar
conjunto de vários comportamentos
os CRBs, maior a intensidade das
semelhantes. Skinner (1948/1972)
reações emocionais de ambos e
afirma que amar nada mais é do que
melhores os resultados da
prover reforçamento positivo: “O
psicoterapia. Por outro lado, a
que é o amor se não outro nome para
inabilidade do terapeuta pode
reforçamento positivo?” (Skinner,
comprometer o progresso,
1948/1972, p. 282). Greben (1981,
possivelmente devido a atitudes não
citado por Kohlenberg e Tsai,
terapêuticas de reforçar, punir ou
1991/2001) afirma que a psicoterapia
colocar em extinção
é uma “jornada de amor” e que tal
equivocadamente alguns
expressão é semelhante a trabalho
comportamentos.
duro e honesto a partir do encontro
de duas pessoas.
A segunda regra Dessa forma, algumas questões
A segunda regra, evocar CRBs, pode poderiam ser levantadas: amar
também ser avaliada em termos poderia ser entendido como reforçar
comparativos como a primeira, ou “duramente” e “honestamente”
seja, quanto maior a qualidade da CRBs 2 e punir CRBs 1 depois de
relação terapêutica estabelecida, evocá-los? Ao puni-los, a relação de
maior a probabilidade de o terapeuta amor também estaria presente (pelo
evocar CRBs 1 e propiciar o menos do ponto de vista do cliente)?
desenvolvimento de CRBs 2. No O terapeuta não correria o risco de
entanto, o grau de eficiência em emparelhar estímulos reforçadores
evocar CRBs também depende com emissão de punidores que
diretamente da história de vida e das passariam a ter seus efeitos
características de cada cliente, além minimizados? Como exemplo da
da escolha de atuação do terapeuta minimização do efeito da punição, o
(que, por sua vez, não está rato, no laboratório, pode aprender
desvinculada de suas características e que, ao apertar a barra, sempre
Análise Comportamental Clínica 95

receberá uma gota de água e, depois sugerem sete comportamentos que o


de um tempo, passa a receber a água terapeuta pode utilizar na clínica para
juntamente a um choque. reforçar os CRBs 2 de seus clientes
Impressionantemente, o rato (terceira regra da FAP), mesmo que
continuará a apertar a barra e a corra o risco de prover reforços
receber o choque, mesmo já na arbitrários. São elas:
ausência da água (Skinner, Primeiro, reforçar uma classe
1953/1994). Da mesma forma, se o ampla de respostas nos clientes. Ao
terapeuta deixa claro para o cliente reforçar determinados padrões
que a relação entre os dois deve ser comportamentais que se apresentam,
de amor e, no entanto, pune alguns no decorrer da terapia, como
comportamentos do mesmo, o cliente progressos do cliente, em detrimento
pode aprender em terapia a de comportamentos específicos
relacionar-se com seu ambiente isolados, pode-se aumentar a
social de forma a aceitar as punições probabilidade de esses padrões virem
na esperança de ganhar reforçadores a ser generalizados no futuro
ou, em outras palavras, ser amado? (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001).
Além disso, quando ocorre uma Na realidade, o terapeuta pode
punição, e, consequentemente, reforçar respostas específicas que
ocorre algum efeito colateral ou podem vir a se constituir em uma
subproduto da mesma, o terapeuta classe, mas não há como se reforçar
não entraria em um círculo vicioso de uma vez uma classe inteira de
de punir CRBs 1 e, depois, punir os respostas. Como exemplo, um cliente
subprodutos da punição que se que demonstra ter sido “certinho”,
tornam eles próprios novos CRBs 1? comedido e estar sempre sob forte
controle dos padrões impostos pela
sociedade, relata durante o processo
A terceira regra: duas
terapêutico ter experimentado
abordagens de atuação maconha, ou ainda, fala um palavrão
Reforçar os CRBs 2 é a terceira para descrever algum evento
regra. Os autores citam Fester (1972) aversivo que lhe aconteceu,
quanto à preferência pelo uso dos demonstrando um menor controle às
reforçadores naturais e apresentam normas de adequação socialmente
dois tipos de abordagens que o impostas. Mesmo que as topografias
terapeuta pode lançar mão para específicas pareçam CRBs 1, esses
promovê-los em terapia. Ao utilizar a comportamentos fazem parte de uma
primeira delas, a direta, o terapeuta classe ampla de respostas de tentar
corre um risco maior de produzir romper o controle social, ou seja,
reforçadores arbitrários do que possuem função de CRBs 2. Em
utilizando a indireta ou a segunda outras palavras, apesar de esses
descrita por Kohlenberg e Tsai comportamentos, em outros
(1991/2001). contextos, poderem ser considerados
como CRBs 1, o terapeuta deve
As abordagens diretas e suas avaliar a função dos mesmos – e não
implicações a topografia – e entendê-los como
Kohlenberg e Tsai (1991/2001) CRBs 2 ou mudanças significativas
96 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

em seu antigo padrão próximo de você agora” (Kohlenberg


comportamental. e Tsai, 1991/2001, p. 35) para
Em segundo lugar, demonstrar um sentimento de
compatibilizar as expectativas do proximidade com o cliente que, por
terapeuta com os repertórios atuais sua vez, reclama de não conseguir
dos clientes. Ou seja, prestar atenção desenvolver intimidade com as
às mudanças que ocorrem nos CRBs pessoas e de ter poucos amigos. No
dos clientes sem estabelecer entanto, tal sugestão pode apresentar
expectativas extremamente elevadas alguns problemas. Os tatos dos
quanto à rapidez ou à qualidade do próprios sentimentos, utilizados
processo. Os autores sugerem o uso como forma de consequenciar os
do conceito de modelagem a fim de CRBs do cliente, podem se constituir
discriminar e consequenciar em reforçadores, mas também como
gradualmente os CRBs. No caso de punidores arbitrários. A frase acima
um cliente tímido (que apresenta ou frases do tipo “sinto-me
comportamentos que poderiam ser prestigiado quando você é sincero
enquadrados em um padrão de comigo ao fazer pedidos
timidez), o mesmo pode apresentar diretamente” podem levar o cliente a
uma mudança discreta, mas pensar que o terapeuta está
significativa, se, no decorrer da mentindo, que está tentando forçá-lo
terapia, falar que acha algumas a sentir-se próximo também, ou
pessoas agressivas ou abusivas ainda, que está querendo insinuar
demais quando as compara com ele que o cliente não é sincero. A
próprio. O terapeuta, se muito afoito, despeito de os autores defenderem o
pode tentar induzir o cliente a uso de reforçadores naturais, tais
descobrir que, na verdade, ele é que é verbalizações não acompanham
agressivo ou abusivo de menos. No naturalmente esses comportamentos,
entanto, se levar em consideração constituindo-se em reforçadores ou
essa segunda sugestão de abordagem punidores arbitrários.
direta, pode reforçar naturalmente a A quarta estratégia seria estar
análise do cliente falando apenas: ciente que o relacionamento entre
“concordo com você” ou “você tem terapeuta e cliente existe para
razão de pensar assim” e deixar um benefício de último. Os autores citam
espaço aberto para que o cliente o conceito de reforçamento
possa falar mais sobre esse assunto diferencial afirmando que o terapeuta
que certamente o incomoda. deve naturalmente punir CRBs 1 e
Em seguida, amplificar os reforçar CRBs 2 como forma de agir
sentimentos dos terapeutas para controlado pelo que é melhor para o
torná-los mais salientes. Isso cliente. Ainda quanto a essa quarta
significa descrever verbalmente ao recomendação de abordagem direta,
cliente alguns eventos privados ou os autores afirmam que “na medida
sentimentos do terapeuta que, de em que na relação terapêutica há um
outra forma, não poderiam ser desequilíbrio de poder, é
entendidos como reforçadores. Os especialmente importante obedecer a
autores exemplificam com a frase essa diretriz” (Kohlenberg e Tsai,
“eu me sinto particularmente 1991/2001, p. 35). Em outras
Análise Comportamental Clínica 97

palavras, na relação terapêutica respostas a ser fortalecida. Assim, os


existe uma diferença hierárquica que autores não utilizam o conceito como
deve ser mantida para que o originalmente formulado. Além
terapeuta evite abusar de ou ferir disso, o uso da punição não é
seus clientes. recomendado como forma de
Os autores exemplificam tal redução da frequência de
asserção citando um exemplo de comportamentos indesejados por
clientes que se envolvem todos os motivos já descritos acima.
sexualmente com seus terapeutas. A quinta recomendação refere-se
Segundo Peck (1978, citado por a, quando usar reforçadores
Kohlenberg e Tsai, 1991/2001), o arbitrários, usá-los somente por um
terapeuta só deve, após uma tempo limitado, como forma de
cuidadosa avaliação, envolver-se transição, até que os reforçadores
sexualmente com o seu cliente se for naturais assumam o controle. Os
em benefício deste, mesmo sendo autores afirmam que essa atitude
muito difícil a ocorrência de um caso requer cautela e um aviso prévio ao
parecido em terapia. Tal cliente para explicar porque esse tipo
recomendação também é bastante de intervenção será utilizado. A
problemática. A principal questão expectativa dos autores é de que,
aqui é saber até que ponto o com o tempo, o reforçamento
terapeuta tem o direito de saber o que arbitrário possa ser retirado à medida
é melhor para o cliente. E, se for que novos padrões comportamentais
melhor para o cliente envolver-se ou determinados contextos sejam,
sexualmente, por exemplo, em que por si só, naturalmente reforçadores.
medida tal envolvimento é melhor O problema nessa sugestão é se, de
para o terapeuta? Ou ainda, esse fato fato, o uso dos reforçadores
não comprometeria a relação arbitrários continuará a exercer o
terapêutica e os princípios éticos controle sobre o comportamento do
associados à mesma? Quanto à cliente e dificultará o surgimento de
diferença hierárquica, talvez mais do novos padrões quando, por exemplo,
que manter a assimetria da relação, a retirada dos mesmos se configurar,
fosse importante estabelecer um na verdade, como uma punição
vínculo mais efetivo com o cliente, negativa aos novos comportamentos
considerando-o como audiência e do cliente, o que não justificaria o
não representando um papel punitivo seu uso inicial e muito menos sua
semelhante aos papéis das pessoas retirada emparelhada aos novos
aversivas do seu convívio cotidiano. comportamentos adquiridos.
Outro ponto que chama atenção Em sexto lugar, estaria evitar a
é a extensão do uso do conceito de punição. Para os autores, tal
reforçamento diferencial realizada consequência deve ser utilizada caso
pelos autores. Como originalmente os demais procedimentos se mostrem
descrito, tal conceito, tanto como ineficazes, levando-se em
processo de aprendizagem natural, consideração o nível de tolerância de
como procedimento sistemático, não seu cliente aos estímulos aversivos.
envolve a punição dos Além disso, os autores incentivam o
comportamentos fora da classe de uso da punição, com moderação,
98 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

quando o terapeuta pretende alguns assuntos importantes de sua


bloquear respostas de fuga ou vida ao terapeuta.
esquiva. Ao sinalizar para o cliente a
ocorrência desses comportamentos
Por fim, ser “você mesmo, na
(de fuga e esquiva), assim que os
medida do possível, considerando as
mesmos ocorram, o terapeuta deve
restrições impostas pelo
continuar a apresentar o SD que
relacionamento terapêutico”
originalmente os evocou e fazer com
(Kohlenberg e Tsai, 1991/2001, p.
que o cliente entenda (por meio de
38). Com isso, os autores sugerem
interpretação) a função de tais
reagir espontaneamente, ou seja,
comportamentos. Na tentativa de
demonstrar algumas reações
trabalhá-los junto ao cliente, os
espontâneas e privadas, de forma a
autores sugerem questionamentos
reforçar os comportamentos do
privados como “o que esta resposta
cliente, levando-se em consideração
consegue evitar?” e, depois,
o repertório do cliente, o que é
interpretações públicas: “Vou lhe
melhor para ele, e qual o repertório a
perguntar novamente sobre o
ser desenvolvido se está pretendendo
relaxamento porque você não
com tal atuação reforçadora. Da
respondeu. Faço isso porque acho
mesma forma, tais demonstrações
que sua ausência de resposta é como
espontâneas dos sentimentos do
quando sua esposa lhe pergunta
terapeuta podem se apresentar como
sobre o seu dia e vocês terminam
punidores arbitrários pelos motivos
com sentimentos de irritação. Esta
apresentados nas sugestões
talvez seja uma oportunidade para
anteriores.
fazermos algo sobre o problema”
(Kohlenberg e Tsai, 1991/2001, p.
As abordagens indiretas e suas
38).
implicações
Questionamentos a respeito da
Nas abordagens indiretas,
função dos comportamentos são
Kohlenberg e Tsai (1991/2001)
extremamente relevantes e devem
sugerem aos terapeutas que,
fazer parte do repertório do
primeiramente, ampliem a percepção
terapeuta. No entanto, esses
do que é reforçar. Os padrões
comportamentos devem ser
comportamentais dos clientes podem
reforçados quando são feitos
mudar em ritmos variados e de
originalmente pelo cliente, não
formas distintas. Dessa forma, o
devendo ser forçados ou induzidos
terapeuta, segundo os autores, deve
pelas interpretações do terapeuta.
estar atento a essas mudanças e ao
A indução pode dificultar o
progresso clínico dos clientes para
surgimento de novos CRBs 3 e
melhor reforçar os CRBs 2. Essa
tornar o cliente dependente das
sugestão é semelhante à primeira
asserções do terapeuta, como já
discutido anteriormente. Além
sugestão das abordagens diretas e
disso, tais interpretações podem extremamente importante durante o
funcionar como um punidor processo terapêutico.
arbitrário e gerar resistência ao Em segundo lugar, devem avaliar
punir comportamentos de relatar o impacto das interações
Análise Comportamental Clínica 99

terapêuticas. A ideia dessa sugestão é do seu repertório, sendo estabelecido


a de que os terapeutas possam pela sua história de reforçamento
progredir em suas intervenções por fora do seu curso de graduação.
meio de observações avaliativas de E, por fim, selecionem clientes
terceiros ou deles mesmos aos seus apropriados à FAP. Tais clientes são
próprios atendimentos, sendo estes aqueles cujos problemas ocorram
gravados ou filmados. durante a terapia e que sejam
A terceira recomendação é de afetados pelas reações do terapeuta.
que pratiquem boas ações a fim de Essa sugestão parece bastante
propiciar benefícios para as pessoas discriminatória ou, no mínimo,
em geral. A proposta é que o difícil de seguir. Nos dias atuais, com
terapeuta se comporte com o único tanta falta de emprego e dificuldades
objetivo de beneficiar os outros, financeiras, torna-se difícil recusar
mesmo sem ser reforçado. A hipótese clientes que supostamente não se
dos autores é a de que, com tal adaptam às regras da FAP. Mais
comportamento, o terapeuta possa reforçador, tanto para o cliente, como
aumentar sua habilidade de prover para o terapeuta, seria que este
reforçadores naturais em terapia, adaptasse seus métodos de
aumentando assim a qualidade da intervenção a cada cliente de acordo
mesma. Tal sugestão, muito com o progresso psicoterápico. Os
interessante para o bem comum, terapeutas só devem dispensar seus
parece ter uma relação apenas clientes e encaminhá-los se
tangencial com o processo realmente não conseguirem atendê-
terapêutico. Assim, ela parece los, por eliciarem sentimentos
dispensável. Entretanto, caso se aversivos no terapeuta ou, ainda, por
deseje mantê-la, outras sugestões não dominarem, os terapeutas, o tipo
semelhantes devem ser incluídas, de abordagem necessária para
como: ir ao cinema e ao teatro, ouvir atender a determinadas demandas
diversos programas de rádio, ler específicas. Cabe ressaltar, ainda,
jornais, revistas femininas e que a FAP constitui apenas um
masculinas, assistir a novelas, ler modelo psicoterápico, não
contos eróticos, viajar, ler livros de compreendendo a diversidade de
literatura entre outros. Tais modelos possíveis fundamentados no
comportamentos podem não prover Behaviorismo Radical (p. ex.,
nenhum tipo de reforçador ao Terapia de Aceitação e
terapeuta, mas irá informá-lo sobre Compromisso, Hayes e Hayes,
os interesses específicos de cada 1999).
cliente e podem auxiliá-lo em sua
comunicação com o mesmo.
A quarta regra
É interessante notar que ser
A quarta regra de intervenção
reforçado pelo bem do próximo já
proposta pela FAP é observar os
controla a classe de respostas de ser
efeitos no cliente dos
um psicoterapeuta. Dessa forma, o
comportamentos potencialmente
“fazer o bem, pelo bem” não
reforçadores providos pelo terapeuta.
precisaria ser um exercício do
Essa regra está baseada no
terapeuta, e sim, uma parte integrante
pressuposto da Análise do
100 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Comportamento de que os efeitos das na análise do presente trabalho,


consequências dos comportamentos apresentam problemas. Sendo assim,
alteram a sua probabilidade de são sugeridas, a seguir, alternativas
ocorrência. No entanto, cabe para se intervir nos comportamentos
salientar que a palavra “observar” clinicamente relevantes. Essas
utilizada pelos autores extrapola a alternativas, por sua vez, tentam
mera coleta de informações e refere- minimizar as fragilidades das regras
se a devolver a análise funcional da FAP discutidas anteriormente.
feita pelo terapeuta sobre os
comportamentos do cliente, o que
O uso do reforçamento
acarretaria uso de interpretações ou,
simplesmente, o seguimento da diferencial: reforçar CRBs 2 e
quinta regra. 3 e colocar em extinção os
CRBs 1
A quinta regra O reforçamento diferencial,
A última regra proposta pela FAP conforme apresentado extensamente
sugere que o terapeuta forneça acima, pode se constituir numa
interpretações de variáveis que forma eficaz de criar condições para
afetam o comportamento do seu que os CRBs 2 e 3 ocorram de modo
cliente. Com essa sugestão, os a enfraquecer os CRBs 1 sem a
autores pretendem que novas regras necessidade do uso do controle
mais efetivas sejam produzidas e que aversivo. O terapeuta, ciente disso,
se aumente o contato com as pode atuar na tentativa de fortalecer
variáveis que controlam os CRBs do repertórios desejados por meio do
cliente. Os autores esperam que “as reforço natural do comportamento de
razões que fornecemos aos nossos seu cliente e, consequentemente,
clientes os auxiliem em seus evitar o surgimento de subprodutos
problemas da vida diária” do controle aversivo ao optar pela
(Kohlenberg e Tsai, 1991/2001, p. extinção dos comportamentos
42). No entanto, os autores concluem indesejados em detrimento do uso da
que tal intervenção, dependendo da punição.
história de vida do cliente e da razão Cabe notar que, mais importante do
fornecida pelo terapeuta, pode, além que colocar em extinção os
de não surtir efeitos, se tornar uma comportamentos indesejados, é
obstáculo para o cliente. Apesar de utilizar o reforço natural de forma
não serem claros quanto a esses generosa imediatamente quando os
comportamentos desejados
efeitos negativos do uso da
ocorrem.
interpretação, essa simples asserção
de que as interpretações podem
atrapalhar o processo já deveria ser Os reforços providos pelo
levada mais em consideração do que terapeuta devem ser frequentes e de
a escolha de não usá-la. grande magnitude, a fim de aumentar
A despeito da pertinência da a probabilidade de os
taxonomia apresentada por comportamentos desejados voltarem
Kohlenberg e Tsai (1991/2001) a ocorrer no futuro.
acerca dos CRBs, as regras da FAP, Os reforçadores naturais são
Análise Comportamental Clínica 101

singelos e não exuberantes. É de forma espontânea e,


comum os terapeutas os preferencialmente, quando o cliente
considerarem insuficientes, partindo tocar no assunto e se sentir seguro
para o uso dos reforçamentos para falar sobre as consequências de
arbitrários. Entretanto, não se deve seus novos comportamentos mais
desconsiderar o efeito dos habilidosos (o que provavelmente
reforçadores naturais sobre o deve ocorrer com o progresso da
comportamento. Um mero “concordo psicoterapia). O terapeuta deve
com você”, um “me conte então reforçar as explicações que o cliente
como foi a peça de teatro que você emite quando forem, de fato,
foi!” ou mudar de assunto quando o pertinentes e facilitar o surgimento
cliente pede de forma assertiva, já de auto-observações utilizando
pode ser extremamente reforçador perguntas abertas que envolvem as
para ele. No entanto, deve-se notar circunstâncias em que os
que, no dia a dia, os comportamentos comportamentos ocorrem e as suas
adquiridos em terapia não serão consequências em curto e em longo
continuamente reforçados pelo prazo.
ambiente do cliente. Dessa forma, Geralmente, muitos CRBs 3, ou
depois de estabelecidas novas explicações dadas pelos clientes aos
habilidades, o terapeuta pode utilizar seus comportamentos, fazem parte de
o reforçamento intermitente para que um repertório repleto de
a terapia pareça com o ambiente do racionalizações, descrições pobres e
cliente e se aumente a probabilidade incompletas, intraverbalizações ou
de futuras generalizações ao prepará- explicações mentalistas (Medeiros e
lo para as situações de não Rocha, 2004). Essas explicações não
reforçamento comuns em seu devem ser reforçadas e sim,
ambiente, como já discutido. colocadas em extinção para que
Quanto ao surgimento de novas novas explicações que de fato
habilidades no cliente, o terapeuta correspondem aos reais
também pode servir de modelo para controladores dos comportamentos
o comportamento do cliente ao emitir possam surgir.
respostas socialmente habilidosas Como exemplo de atuação na
que podem ser reproduzidas. Logo tentativa de extinguir tais CRBs 3
após a emissão de tais respostas, o equivocados, o terapeuta pode se
terapeuta, mais uma vez, deve utilizar da noção de significado pelo
reforçá-las. Caso essas respostas não uso e, assim, clarificar alguns
ocorram, como no caso de respostas conceitos que fazem menção aos
de CRB 3, não devem ser induzidas eventos privados, às psicopatologias
ou estimuladas pelo terapeuta por e aos traços de personalidade dos
meio de, por exemplo, interpretações clientes, ao mostrar que não são
ou perguntas fechadas. causas do comportamento e, sim, as
Em outras palavras, a discussão das variáveis ambientais. Em outras
novas habilidades adquiridas pelo palavras, apenas as explicações que
cliente pode ser importante na descrevem as reais variáveis
aquisição dos comportamentos de controladoras do comportamento do
auto-observação, mas deve ocorrer cliente devem ser consideradas como
102 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

auto-observações, ou CRBs 3, e extremamente cuidadosa, adaptada a


serem reforçados, aumentando-se cada cliente e objetivar a
assim a probabilidade de o cliente categorização e diferenciação de
compreender que tais variáveis todos os comportamentos relevantes
podem ser observadas e manipuladas apresentados.
ou, até mesmo, automanipuladas, No caso específico de os CRBs
levando-o a comportar-se de forma não ocorrerem durante o processo, o
mais bem-sucedida no seu ambiente. terapeuta não deve desistir e
Além do uso do reforço, também encaminhar os seus clientes. Ele
é importante que o terapeuta utilize a pode lançar mão de alguns artifícios
extinção para que os evocativos, tomando apenas o
comportamentos indesejados, ou cuidado de não fazê-lo de forma
auto-observações equivocadas, aversiva. Como exemplo, quando
possam deixar de ser emitidos e algumas perguntas geram respostas
possibilite a variabilidade indesejadas na terapia, como as
comportamental, aumentando a respostas de esquiva de temas
probabilidade de os comportamentos controversos. A discussão desses
desejados ou as análises funcionais temas, mesmo que não relacionados
adequadas ocorrerem no futuro. à terapia, pode ocorrer de uma forma
O vínculo estabelecido entre indireta e menos intrusiva como, por
terapeuta e cliente durante o processo exemplo, com o uso de metáforas
terapêutico é também de suma relacionadas ao repertório de cada
importância no sentido de minimizar cliente em particular. A linguagem
os efeitos aversivos providos por metafórica pode ser uma alternativa
uma eventual punição que possa vir a para o cliente conseguir emitir suas
ocorrer por descuido ou despreparo próprias análises funcionais sobre os
do terapeuta. Nesse sentido, o comportamentos de terceiros e sobre
terapeuta deve atuar de forma a os seus próprios comportamentos e,
estabelecer um vínculo efetivo com o gradativamente, o terapeuta pode
seu cliente, possibilitando um começar a inseri-lo como agente do
ambiente confortável e acolhedor próprio comportamento relacionando
para que o cliente possa dizer o que às metáforas utilizadas (Medeiros,
quiser e como quiser sem sentir-se 2002).
ameaçado por ser sincero.
É importante considerar que O ambiente terapêutico deve ser
apenas uma boa interação ou um um espaço que possibilite ao cliente
bom vínculo estabelecido entre desenvolver novas habilidades e
terapeuta e cliente pode ser aprender a se relacionar melhor
insuficiente para a ocorrência de com os outros e com ele mesmo.
comportamentos relevantes na
clínica. A forma de intervenção
A formação e o profissionalismo
escolhida pelo terapeuta deve levar
do terapeuta são de fundamental
em consideração a história de vida,
importância no tratamento de seus
as características individuais e as
clientes. Produzir mudanças
expectativas de cada cliente. A
profundas nos comportamentos dos
atuação deve ser diferenciada,
Análise Comportamental Clínica 103

clientes não é tarefa fácil, mas pode da extinção, da utilização de


ser extremamente reforçadora caso interpretações ou regras em
seja bem realizada. detrimento de perguntas abertas e,
além disso, muitas vezes da falta de
habilidade do próprio terapeuta em
CONSIDERAÇÕES FINAIS
avaliar e classificar adequadamente
É inegável a contribuição dos
os CRBs em termos funcionais,
conceitos da Análise do
preconizando a avaliação simplista
Comportamento na atuação clínica.
das topografias das respostas.
Tais conceitos conseguem abranger e
Também foi questionada a
descrever atualmente uma gama de
utilização arbitrária de alguns termos
respostas e de padrões
que fazem referência ao senso-
comportamentais relevantes que
comum ou às abordagens
podem ser controlados ou
psicodinâmicas e não são definidos
manipulados de forma adequada,
adequadamente (ou
tanto pelo terapeuta, como,
operacionalmente) segundo os
posteriormente, pelo próprio cliente,
conceitos analítico-comportamentais
durante a evolução do processo da
aqui neste trabalho propostos. Como
psicoterapia e consequente aquisição
exemplo, discutiu-se a respeito da
e manutenção de novas habilidades
distorção realizada pela FAP da
aprendidas.
utilização do conceito de
A FAP, uma das abordagens da
reforçamento diferencial, da
Análise do Comportamento na
extensão do conceito de observação
clínica, mostrou-se fundamental
(entendido como interpretação dos
quanto à substituição da importância
CRBs) e do uso de palavras que
delegada às antigas práticas de
apenas resumem uma série de
modificação do comportamento, à
comportamentos, com topografias e
medida que propõe considerar a
funções semelhantes, como a palavra
importância das variáveis existentes
“amor” ou “relacionamento real” e
no processo terapêutico e utilizá-las
que não foram devidamente
para provocar mudanças
analisadas pelos autores enquanto
significativas nos padrões
conceitos a serem sugeridos.
“disfuncionais” de seus clientes.
Foi sugerido um resgate às ideias
No entanto, como demonstrado,
de Fester quanto ao uso do
a FAP apresenta algumas sugestões
reforçamento natural de forma mais
ou regras problemáticas que podem
generosa e imediata, da audiência
dificultar ou, até mesmo, inviabilizar
não punitiva e do reforçamento
o processo psicoterapêutico,
diferencial. Além disso, quanto ao
dependendo de como forem
uso de regras ou interpretações,
entendidas e aplicadas pelo
discutiuse a necessidade de o
psicoterapeuta. Tais sugestões
terapeuta apenas reelaborar as regras
problemáticas decorrem
e levar o cliente a reformulá-las ou
principalmente do uso do
criar novas regras por meio de
reforçamento arbitrário em
perguntas abertas, em detrimento das
detrimento do reforçamento natural,
perguntas fechadas ou interpretações.
do uso da punição em detrimento do
Concluiu-se que cabe ao
reforçamento diferencial ou apenas
104 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

terapeuta ter o maior número de em Psicologia, como as humanistas,


informações possíveis a respeito das por exemplo. Afinal, tais
técnicas de atuação analítico- comparações podem enriquecer as
comportamentais, das ideias e discussões entre essas diferentes
propostas de diversos autores da teorias e suscitar a discussão de
área, até mesmo para criticá-los, temas e técnicas, comuns ou não a
além de muita resistência à ambas, bastante relevantes no auxílio
frustração para lidar com a unicidade a essa profissão que é, no mínimo,
e a variabilidade das dificuldades desafiadora.
apresentadas por cada novo cliente,
sem necessitar lançar mão da
REFERÊNCIAS
utilização de técnicas como punição,
Baldwin, J. D. & Baldwin, J. I. (1989).
interpretação ou reforço arbitrário. Behavior principles in everyday life.
A relação terapêutica pode sim New Jersey: Prentice Hall.
ser utilizada como instrumento de Barcellos, A. B. & Raydu, V. B. (2005). A
mudança, mas o terapeuta deve estar história da psicoterapia
ciente da sua relevância como parte comportamental. Em B. P. Rangé
integrante da mesma, e ainda, da (Org.), Psicoterapia comportamental e
cognitiva (Vol. I, pp. 43-52). São
importância de sua formação, tanto
Paulo: Editorial Psy.
acadêmica como cultural e pessoal.
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o
Da mesma maneira que o terapeuta Behaviorismo: Ciência,
pode (e deve) ajudar seus clientes a comportamento e cultura (M. T. A.
desenvolver novas habilidades e Silva, G. Y. Tomanari & E. E. Z.
aprender a atuar de forma mais Tourinho, trads.). Porto Alegre:
efetiva no mundo, pode também Artmed.
apresentar inadequadamente práticas Caballo, V. E. (1996). Treino de
habilidades sociais. Em V. E. Caballo
pouco terapêuticas que podem (Org.), Manual de Técnicas, Terapia
prejudicar ou inviabilizar o processo e Modificação do Comportamento
psicoterápico. (pp. 360-399). São Paulo: Santos.
A Psicoterapia Analítica Castanheira, S. S. (2002). Intervenção
Comportamental é um modelo de comportamental na clínica. Em A. M.
intervenção que permite ao terapeuta S. Teixeira, A. M. Lé Sénéchal-
Machado, N. M. S. Castro & S. D.
uma reflexão e uma avaliação a
Cirino (Orgs.), Ciência do
respeito da eficácia de sua prática comportamento: conhecer e avançar:
clínica. Isso viabiliza a autocorreção, Vol. II (pp. 88-95). Santo André:
por parte do terapeuta, de seus ESETec.
comportamentos durante o processo Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem:
psicoterápico, avaliando as Comportamento, linguagem e
estratégias utilizadas e os efeitos cognição (A.
Schmidt, D. G. de Souza, F. C.
obtidos com as mesmas.
Capovila,
Torna-se relevante o J. C. C. de Rose, M. de J. D. Reis, A.
desenvolvimento de propostas A. da
comparativas mais extensas entre as Costa, L. M. de C. M. Machado & A.
técnicas e os princípios Gadotti, trads.). Porto Alegre: Artmed.
analíticocomportamentais de atuação Chiesa, M. (1994/2006). Behaviorismo
terapêutica e diferentes abordagens Radical: a filosofia e a ciência (C.
Análise Comportamental Clínica 105

A. Cameschi, trad.). Brasília: IBAC Comportamental: Práticas Clínicas


Editora, Ed. Celeiro. (pp. 205-214). São Paulo: Rocca.
Ferster, C. B. (1972). An experimental Rangé, B. P. (1995). Relação terapêutica.
analysis of clinical phenomena. Em B. P. Rangé (Org.), Psicoterapia
The Psychological Record, 22, 1- comportamental e cognitiva (Vol. II,
16. pp. 20-45). São Paulo: Editorial Psy.
Ferster, C. B., Culbertson, S. & Boren, M. Rogers, C. R. (1961/1975). Tornar-se
C. P. pessoa. São Paulo: Martins Fontes.
(1968/1977). Princípios do Sidman, M. (1989/1995). A coerção e suas
comportamento (M. I. Rocha e Silva, implicações (M. A. Andery & T. M.
M. A. C. Rodrigues & M. B. L. Sério, trads.). Campinas: Editorial
Pardo, trads.). São Paulo: Edusp. PSY.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001). Skinner, B. F. (1948/1972). Walden II: Uma
Psicoterapia Analítica Funcional: sociedade do futuro (R. Moreno & N.
Criando relações terapêuticas e R. Saraiva, trads.). São Paulo: Herder
curativas (F. Conte, M. Delitti, M. Z. Skinner, B. F. (1969/1984). Contingências
da S. Brandão, P. R. Derdyk, R. R. de reforço (R. Moreno, trad.). São
Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Paulo: Abril Cultural.
Banaco, R. Starling, trads.). Santo Skinner, B. F. (1953/1994). Ciência e
André: ESETec. comportamento humano (J. C.
Laplanche, J. & Pontallis, J. B. (1982). Todorov & R. Azzy, trads.). São
Vocabulário de Psicanálise (P. Paulo: Martins Fontes.
Tamen, trad.). São Paulo: Martins Skinner, B. F. (1957/1978). O
Fontes Comportamento Verbal (M. da P.
Medeiros, C. A. & Rocha, G. M. (2004). Villalobos, trad.). São Paulo: Cultrix,
Racionalização: um breve diálogo EDUSP.
entre a psicanálise e a análise do Skinner, B. F. (1974/2000). Sobre o
comportamento. Em M. behaviorismo (M. da P. Villalobos,
Z. Brandrão, F. C. S Conte, F. S. trad.). São Paulo: Cultrix.
Brandão, Y. Tourinho, E. Z. (2003). A produção de
K. Ingberman, C. B. Moura, V. M. conhecimento em Psicologia: A análise
Silva & S. M. Oliane (Orgs.), Sobre do comportamento. Psicologia
Comportamento e Cognição: Vol. 13.
Ciência e Profissão, 23, 30-41.
Contingências e metacontingências:
Velasco, G. & Cirino, S. D. (2002). A
Contextos socioverbais e o
relação terapêutica como foco de
comportamento do terapeuta (pp. 27-
análise. Em A. M. S. Teixeira, A. M.
38). Santo André: ESETec.
Lé Sénéchal-Machado, N. M. S.
Medeiros, C. A. (2002). Comportamento
Castro & S. D. Cirino (Orgs.), Ciência
verbal na clínica. Revista Brasileira de
do comportamento: conhecer e
Terapia Comportamental e Cognitiva,
avançar (Vol. II, pp. 27-35). Santo
2, 105-118.
André: ESETec.
Millenson, J. R. (1967/1976). Princípios de
análise do comportamento (A. A.
Souza & D. Rezende, trads.). Brasília:
Coordenada.
Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007).
Princípios Básicos de Análise do
Comportamento. Porto Alegre:
Artmed.
Otero, V. R. L. (2004). Ensaio
comportamental. Em C. N. de Abreu
& H. J. Guilhardi (Orgs.), Terapia
Comportamental e Cognitivo-
Capítulo 5

Comportamento Governado Por


Regras na Clínica
Comportamental Algumas
Considerações
O s manuais de Psicologia e
de Psicoterapia sustentam
que fazer terapia não é dar
pretendem apenas ser ouvidas.
Uma evidência disso é a baixa
incidência do seguimento de
conselhos, sugestões, ordens ou conselhos, sugestões, instruções
instruções. Zaro e colaboradores ou ordens. Seguir a opinião dos
(1977/1980), em seu manual outros depende de se ela é
introdutório a aprendizes de compatível ou não com aquilo
clínica, sugerem: que a pessoa já faria. Por
exemplo, se uma pessoa está
Se o terapeuta está prestes a abandonar um estágio
constantemente preocupado profissionalizante
em ‘trabalhar para valer’ malremunerado, dificilmente
mais do que o cliente, poderá seguirá os conselhos para
na verdade comprometer o permanecer nele. EntreCarlos
projeto, não dando ao cliente
Augusto de Medeiros
a oportunidade de
desenvolver habilidades que
lhe permitam lidar com tanto, caso o conselho seja o de
situações e tomar decisões na largá-lo, a tendência de segui-lo
vida. Esta abordagem por será muito maior. Um detalhe
parte do terapeuta pode ainda importante nesse exemplo é o
manter padrões de fato de que concordar ou não
dependência na interação que com o conselho também não é
são problemáticos para os tão importante. A pessoa que
clientes nos seus recebe o conselho muitas vezes
relacionamentos sociais na concorda com ele. Mesmo assim,
vida cotidiana (p. 4). tende a fazer o que já estaria
propensa a fazer, mesmo que
No dia a dia, por outro lado,
contrarie o conselho com o qual
pessoas frequentemente dizem o
concordara.
que fazer umas às outras. É
Com base nisso, o uso de
comum a crença de que saber
ouvir é saber dar conselhos. Na conselhos, instruções, sugestões
e ordens como forma de
maioria das vezes, as pessoas,
quando pedem conselhos, intervenção na clínica
psicológica não parece indicado.
Análise Comportamental Clínica 107

Ao mesmo tempo, algumas aconselha um amigo (recém


questões levantadas acima rejeitado pela namorada) a sair
precisam de resposta, por mais, a conhecer novas pessoas e
exemplo: o que faz uma pessoa a passar mais tempo com os
pedir um conselho? O que faz amigos, está, na terminologia da
uma pessoa dar um conselho? O Análise do Comportamento,
que faz uma pessoa seguir um fornecendo regras. Em outras
conselho? O que faz uma pessoa palavras, sinaliza que se ele
pedir um conselho, concordar emitir tais comportamentos,
com ele e não segui-lo? Quais provavelmente conseguirá
seriam as alternativas para fazer superar a rejeição. Em termos
com que as pessoas mudem seus bem simples, regras são emitidas
cursos de ação? Tais questões, quando se diz a uma pessoa o
por dizerem respeito ao que fazer e quais as
comportamento, devem ser consequências dessas ações.
respondidas pela Psicologia A aprendizagem das relações
como ciência e profissão. de contingências pode ocorrer
A Análise do por regras ou por exposição
Comportamento, abordagem direta. Por exemplo, é possível
psicológica fundada por Skinner aprender a usar um programa de
e sistematizada em seu livro computador fazendo um curso ou
Ciência e comportamento explorando-o. No curso, são
humano, de 1953, tenta oferecer fornecidas regras que
respostas para essas e outras especificam que determinados
questões em Psicologia, a partir comandos produzem
das relações do organismo com o consequências específicas. Essas
ambiente (Tourinho, 2003). Em relações entre comandos e
Análise do Comportamento, consequências podem ser
conselhos, instruções, sugestões aprendidas por tentativas e erros,
e ordens são tratadas como no caso, por exposição direta às
regras61 (Baum, 1994/1999). De contingências. Skinner (1988)
acordo com Skinner resume as diferenças desses dois
(1969/1984), regras são tipos de aprendizagem, sugerindo
estímulos discriminativos verbais que a aprendizagem por regras é
que descrevem ou especificam mais rápida e produz menos
uma contingência. Contingências contato com estímulos aversivos.
são relações do tipo “se... Ao mesmo tempo, para Baum
então...”. Elas descrevem as (1994/1999), comportamentos
relações entre o comportamento e mais habilidosos como cantar,
as suas consequências: se um por exemplo, não podem ser
dado comportamento ocorre, aprendidos sem o contato sutil
então uma dada consequência é com as consequências da emissão
provável. Quando alguém de cada som. De acordo com
Catania (1998/1999): “devemos,
61 Ver o capítulo de Silva e de-Farias nesses casos, aprender fazendo;
para obter mais referências acerca de as instruções não conseguem
comportamento governado por regras.
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

substituir as sutilezas de um quadro provavelmente gera uma


contato direto com as confusão entre os terapeutas
contingências” (p. 277). Outra menos experientes, os quais
diferença discutida por Catania é procuram desesperadamente
a de que o comportamento conhecer as formas mais bem
aprendido por exposição direta é sucedidas de atuação (para maior
mais sensível às mudanças nas discussão acerca da
contingências que o aprendido aprendizagem de terapeutas
por regras: “por vezes, nossas iniciantes, ver o capítulo de
suposições se interpõem na Abreu-Motta, de-Farias e
situação de tal forma que fazem Coelho, neste livro).
nosso comportamento tornar-se Com base nisso, o presente
insensível a algumas capítulo aborda o uso de regras
contingências que, de outra na clínica como forma de
forma, poderiam modelar e intervenção. Em absoluto se
manter o comportamento em pretende esgotar a questão ou
questão” (p. 278). Desse modo, gerar um manual que deva ser
caso a relação entre o utilizado por todos de forma
comportamento e as incontestável. Trata-se apenas de
consequências se modifique, o um levantamento de questões
comportamento instruído levará relativas ao uso de regras e os
mais tempo para se adaptar a essa possíveis resultados de seus usos
nova condição. Voltando ao como forma de intervenção (ver
exemplo anterior, caso surja uma também o capítulo de Alves e
nova versão do programa que Isidro-Marinho, neste livro). Tal
exija comandos diferentes, as discussão tende a deixar mais
pessoas que aprenderam por claro para aprendizes algumas
regras levarão mais tempo para consequências de suas ações e,
aprender a operá-la – a não ser também, levar à reflexão
que recebam novas regras – do terapeutas mais experientes
que aquelas que aprenderam por acerca de suas práticas.
exposição.
Nas publicações em clínica
REGRAS: USAR OU NÃO
comportamental, é possível
observar que o uso de regras é USAR? EIS A QUESTÃO
recomendado como forma de Ao verificar os diferentes
intervenção; recomendado em posicionamentos descritos acerca
algumas situações; recomendado de se utilizar ou não as regras
em último caso ou não é como forma de intervenção
recomendado em hipótese clínica, o presente trabalho
alguma. Tais posições sustenta que elas somente devem
discrepantes com relação ao uso ser utilizadas em situações muito
de regras também ocorrem específicas. A rigor, a tese do
quando se observam orientações capítulo é a de que regras não
de estágio em clínica de devam ser utilizadas a menos que
diferentes supervisores. Esse existam justificativas claras da
Análise Comportamental Clínica 109

sua necessidade. Essa tese se Por meio de outros


baseia em dados empíricos questionamentos, o terapeuta
advindos da área de pesquisa em formulou a hipótese de que
comportamento governado por Paulo apresenta tais
regras nos contextos básico e pensamentos em momentos
aplicado. Os tópicos que se ociosos.
seguem são a argumentação em
O terapeuta de Paulo traçou
favor dessa tese. Os argumentos
como objetivo aumentar a
serão divididos em duas
frequência de atividades que
categorias: (1) quando as regras
entrem em competição com seus
são seguidas e (2) quando as
pensamentos obsessivos. Para
regras não são seguidas.
tanto, optou pelo uso da seguinte
regra:
Quando as regras são
Terapeuta (T): Percebo que
seguidas seus pensamentos obsessivos
ocorrem mais
Mesmo quando os clientes frequentemente quando você
seguem as regras propostas está ocioso. Logo, ocupar
pelo terapeuta, efeitos seu tempo com atividades
indesejáveis podem surgir. estimulantes e prazerosas é
uma forma eficaz de
Em uma situação hipotética, o controlar seus pensamentos.
terapeuta fornece uma regra para Cliente (C): É, faz sentido,
seu cliente e ele a segue. Além vou experimentar. Quem
disso, ao segui-la, seu sabe, com isso, eu precise
comportamento é reforçado. Por passar a lavar menos as mãos
exemplo: e possa me dedicar mais ao
Paulo62 é um homem de 32 trabalho.
anos que procurou a terapia Após algumas sessões, o
queixando-se de terapeuta:
pensamentos obsessivos e de
compulsões de lavar as T: E então, Paulo. Como
mãos. Seus pensamentos andam os seus pensamentos
giram em torno de gostar de obsessivos?
homens ou de mulheres. C: De fato, aquela dica que
Paulo começa a tentar se você me deu tem funcionado.
convencer de que gosta de Eu tenho conseguido evitar
mulheres, e não de homens, pensar. Tem sido meio
várias vezes ao dia. Em cansativo porque eu tenho
alguns momentos, só que arrumar coisas para fazer
consegue parar de pensar o tempo todo. De qualquer
quando passa pelo menos forma, tem valido a pena.
meia hora lavando as mãos.
Nessa condição ideal, é
62 Os nomes apresentados são fictícios.
possível observar que o terapeuta
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

emitiu a regra e foi reforçado programa mudar de versão.


pelo seguimento da mesma Em outras palavras,
pelo cliente. Além disso, o dependerão de novas regras.
cliente também tem seu O mesmo processo
comportamento reforçado provavelmente ocorrerá com
negativamente por evitar o cliente, precisando de
respostas que trazem novas regras emitidas pelo
consequências aversivas, no terapeuta para lidar com
caso, os pensamentos. Qual seria, novas situações no seu dia a
portanto, o problema de usar dia. Logo, o cliente
regras nesse caso? provavelmente se tornará
Existem três possibilidades: dependente do terapeuta,
dependência, insensibilidade, tendo dificuldade em lidar
baixa assertividade ou submissão com novas situações.
e punição ou não reforçamento (b) Insensibilidade: as
do seguimento da regra. contingências descritas pela
regra formulada pelo
(a) Dependência: de fato, essa
terapeuta podem se
não é a única questão que
modificar. Sob o controle da
aflige o cliente e novas
regra do terapeuta, o
questões podem surgir.
comportamento descrito na
Quando o terapeuta diz ao
regra pode demorar muito
cliente o que fazer, não cria
para se adaptar à nova
condições para que o próprio
contingência ou, até mesmo,
encontre as suas soluções;
pode não se adaptar. Existem
no caso, que ele emita as
diversas pesquisas sobre
suas autoregras63. Em outras
insensibilidade às mudanças
palavras, o terapeuta não cria
nas contingências (p. ex.,
condições para que o cliente
Catania, Matthews e
aprenda a analisar a situação
Schimoff, 1982; Matthews,
de modo a identificar as
Catania e Schimoff, 1985),
variáveis controladoras do
demonstrando que o
seu comportamento e os
comportamento governado
possíveis cursos de ação a
por regras é menos sensível
partir de tal análise. Desse
às mudanças nas
modo, o cliente precisará
contingências do que o
que o terapeuta execute essa
comportamento adquirido
tarefa para ele. Ao lembrar o
por exposição direta. No
exemplo acima, as pessoas
caso clínico citado, se os
que aprenderam a usar o
pensamentos obsessivos
programa de computador por
adquirirem uma nova
instruções precisarão de
função, como de esquiva de
novas instruções quando o
situações mais aversivas,
63 Autorregras, de acordo com Skinner tentar se engajar em
(1969/1984), são regras emitidas e atividades reforçadoras que
seguidas pela própria pessoa, que exerce compitam com os
os papéis de falante e ouvinte.
Análise Comportamental Clínica 111

pensamentos não será mais obsessivos?


eficaz. A intervenção
C: Acho que eles aparecem
precisaria ser outra, como,
mais quando eu estou com a
por exemplo, o treino de
cabeça vazia. Talvez eu
enfrentamento das situações
precise me ocupar com
aversivas. Ao se falar em
coisas de que eu goste.
insensibilidade, o cliente
citado poderia insistir no T: É uma possibilidade.
seguimento da regra imposta Como é que você pode fazer
pelo terapeuta, mesmo que para saber se funciona?
não fosse mais eficaz. C: Tenho que tentar, não é?
De fato, é possível levar o T: Ok. Então, vamos ver que
cliente a chegar à mesma tipos de atividade você
conclusão sem que o terapeuta poderia fazer para evitar
formule a regra para ele. Por pensar?
exemplo:
A primeira coisa que chama a
T: Em que situações do seu atenção nessa outra possibilidade
dia a dia os pensamentos de intervenção é a sua extensão.
aparecem mais? Sem dúvida alguma, a
C: Em várias; no trabalho, intervenção por regras é mais
em casa tomando banho, no rápida. Usar regras como forma
trânsito... de intervenção é tentador,
justamente pela possibilidade de
T: O que essas situações têm produzir resultados imediatos.
em comum? Outro ponto que chama a atenção
C: Deixe-me ver... São é que a mesma regra proferida
situações em que eu estou pelo terapeuta no primeiro
em uma atividade mecânica exemplo foi, no segundo,
ou quando eu estou à toa. formulada pelo próprio cliente.
T: Você me relatou que gosta Ou seja, as perguntas abertas do
muito de ler literatura e terapeuta criaram condições para
assistir a seriados de que o próprio cliente analisasse o
televisão. Como ficam os seu comportamento e decidisse o
pensamentos nos momentos que fazer a partir daí. Quando o
em que você está ocupado cliente emite autorregras, a
com essas atividades? probabilidade de ficar
dependente é menor, já que está
C: Eu raramente penso
sendo treinado a analisar as
quando faço essas coisas, a
relações entre o comportamento e
não ser que o livro ou o filme
as consequências. De posse desse
sejam muito chatos.
repertório, o cliente fica mais
T: Bem, baseado no que apto a lidar com novas
você me falou, o que você contingências e com as mudanças
poderia fazer para controlar das contingências vigentes. Ao
os seus pensamentos mesmo tempo, o emprego de
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

regras pelo terapeuta, mesmo que possa produzir reforçadores


seguidas pelo cliente, ainda pode quando seguidas pelo cliente,
resultar na manutenção de um pode mantê-lo no padrão
padrão comportamental de comportamental pouco
submissão ou baixa- assertivo.
assertividade.
(c) Submissão ou Baixa- Veja o exemplo a seguir:
Assertividade: os Marta é uma mulher de 37
conceitos de anos que apresenta
agressividade, de dificuldades de dizer não, de
assertividade e de baixa- fazer reclamações, pedidos,
assertividade são muito críticas e de argumentar em
usados em terapias favor dos próprios interesses
comportamentais. e opiniões. Suas dificuldades
Existem técnicas ocorrem em vários
específicas visando o contextos, principalmente
aumento da assertividade com os colegas de trabalho.
ou estabelecimento de Dentre as habilidades sociais
habilidades sociais que Marta precisa
(Caballo, 1996). A desenvolver, uma das mais
despeito dos problemas importantes é dizer não. De
conceituais envolvidos fato, Marta, por sempre dizer
nos termos acima, os sim, acaba representando um
quais fogem ao escopo estímulo discriminativo64
deste capítulo, o uso de para seus colegas de trabalho
regras pode estar fazerem pedidos. Esses
relacionado à dificuldade pedidos, muitas vezes, não
dos clientes de são razoáveis e dificilmente
argumentar em favor das seriam feitos para outras
próprias opiniões ou pessoas. Marta se sente
mesmo, meramente, de muito desrespeitada nessas
dizer “não”. situações. Para que as
pessoas parem de fazer
Pessoas que provavelmente pedidos pouco razoáveis para
foram punidas no passado ao ela, Marta precisa modificar
discordarem de opiniões, a sua função de estímulo,
principalmente as proferidas transformando-se em um
por figuras de autoridade (p.
ex., terapeuta), tenderão a
64 Estímulos discriminativos, de acordo
assentir, mesmo que a opinião com Moreira e Medeiros (2007), são
dos outros não faça o menor aqueles que sinalizam que uma dada
sentido para elas. Esse é um resposta será reforçada. No exemplo de
padrão comportamental que Marta, ela é um estímulo discriminativo
provavelmente precisa ser no sentido em que sinaliza que os pedidos
das outras pessoas serão atendidos. Já os
modificado. O uso de regras
estímulos delta sinalizam, justamente,
nesse contexto, mesmo que que o comportamento não será reforçado.
Análise Comportamental Clínica 113

estímulo delta. Para isso, ela sendo treinada a dizer sim.


precisa começar a dizer não Outra possibilidade de
aos pedidos pouco razoáveis. intervenção com o mesmo fim
A fim de começar um seria a seguinte:
treinamento dessa
T: Como você se sente
habilidade, o terapeuta
quando pedem coisas que
necessita que Marta
você não gostaria de ceder?
compreenda essa relação de
contingência entre dizer não C: É muito chato. Tem gente
e a diminuição da que não se toca, pede cada
probabilidade de pedidos coisa! A minha colega de
pouco razoáveis feitos para trabalho fez isso ontem
ela. mesmo. A cara de pau me
pediu para sair mais cedo
Mediante esse caso, o
para ir a um salão que
terapeuta pode emitir a seguinte
fechava às 6h. Tive que fazer
regra:
o meu trabalho e o dela.
T: Vejo que as pessoas Senti-me desrespeitada...
tendem a abusar de você Abusada. E o pior é que eu
porque você não argumenta não consegui falar nada, só
em favor das próprias fiquei de cara fechada. Eu
opiniões e não consegue sou uma banana mesmo.
dizer não. Para que passem a
T: Entendo. O que te faz se
te respeitar, você precisa se
sentir como uma banana?
impor e dizer não.
C: Essa situação de sempre
C: Claro, claro, você tem
pedirem esses absurdos para
razão.
mim. Um bando de gente na
Por mais que a regra do minha sessão e sempre me
terapeuta possa fazer com que empurram essas coisas.
Marta diga não para os colegas
T: Quantas pessoas há na sua
de trabalho, pode acabar
sessão no mesmo nível de
mantendo o comportamento o
hierarquia que você?
qual ela se destina a suprimir. A
resposta da cliente nada mais é C: Cinco.
do que uma repetição de seu T: A que você atribui sua
padrão comportamental colega ter pedido isso para
malsucedido nas relações sociais. você e não para outra
Concordar é uma resposta de pessoa?
esquiva da estimulação aversiva
envolvida na argumentação do C: As outras não são tão
outro. Mesmo que Marta passe a trouxas como eu. Elas nunca
dizer não para os colegas de aceitariam um abuso desses.
trabalho, dificilmente conseguirá T: Bem, então o que você
dizer não em outros contextos, já poderia fazer para que ela
que, na relação terapêutica, está não pedisse mais para você?
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

C: Podia mandá-la para chateadas, problema. Antes


aquele lugar. Para ela deixar elas do que eu.
de ser abusada.
Novamente, nessa linha de
T: É uma possibilidade. Qual conversação, o terapeuta
seria a reação dela na hora? conduziu a cliente a emitir a
mesma regra que foi dada no ou-
C: Bem, ela poderia começar
tro exemplo. Mesmo sendo um
a bater boca comigo e ia ser
caminho mais longo e trabalhoso,
horrível.
o terapeuta não contribuiu para a
T: E nos dias seguintes? manutenção do padrão
C: Nos dias seguintes, acho comportamental da cliente que
que iria ficar aquele climinha precisa ser mudado. Em outras
chato no trabalho. É, acho palavras, ela não precisa dizer
que essa não é a melhor sim para o terapeuta como parte
maneira, ainda mais em do tratamento para aprender a
ambiente de trabalho. Já dizer não aos outros.
pensou? Nós duas fazendo (d) Quando Tudo dá Errado: não
barraco na frente de todo se pode esquecer os
mundo? Era capaz de eu casos em que o terapeuta
acabar na rua. fornece uma regra que,
T: Qual seria outra forma de quando seguida pelo
fazer isso então? cliente, não produz as
consequências descritas.
C: Sei lá... Simplesmente Ou seja, o
dizer que não dava? comportamento do
T: Bem, é uma outra cliente sob controle da
possibilidade. Quais seriam regra formulada pelo
as consequências da sua terapeuta não é
fala? reforçado ou é punido.

C: Nesse caso, acho que ela


não bateria boca comigo, O terapeuta, ao realizar suas
mas acho que ela ficaria análises, chega a conclusões
chateada. que nem sempre são corretas.
Ao emitir uma regra, o
T: Talvez. Nesse caso, a terapeuta assume uma grande
chateação de quem é mais responsabilidade. Caso ele se
importante? engane, o que não é raro, que
consequências podem ocorrer
C: É verdade, antes ela do
para o cliente? Ao deixar o
que eu.
próprio cliente formular as
T: Hum, Hum. regras, o terapeuta não corre
esse risco.
C: É faz sentido. Para as
pessoas passarem a me
respeitar, tenho que começar Situações como essas podem
a dizer não. Se ficarem ser desastrosas para o vínculo
Análise Comportamental Clínica 115

terapêutico e para a relação de boas notas, seu pai lhe dizia


confiança entre o cliente e o que não fizera mais do que
terapeuta. Por exemplo: obrigação, enquanto Gilmar
era presenteado nas mesmas
Marcos, 37, possui uma
circunstâncias.
relação muito conturbada
com Jorge, 67, seu pai. Jorge O terapeuta de Marcos supôs
sempre foi muito crítico em que os problemas profissionais
relação às escolhas de dele e a sua dificuldade de ereção
Marcos, como, por exemplo, estavam relacionados à falta de
o curso superior, a profissão, reconhecimento de seu pai. Logo,
a esposa, etc. Marcos queixa- estabeleceu como meta da terapia
se de que Jorge tem uma levar Marcos a tomar iniciativas
predileção por seu irmão em prol da melhoria da relação
mais novo, Gilmar, 29. com Jorge. Desse modo, emitiu a
Marcos apresenta muitas seguinte regra:
dúvidas quanto à sua
T: Como já havíamos
competência profissional,
discutido, considero
ocupando um cargo muito
essencial a melhora da sua
inferior à sua formação. Sua
relação com o seu pai para
queixa inicial foi disfunção
que o tratamento tenha
erétil sem correlato
progresso quanto às suas
fisiológico.65 Após o
outras questões. Pensei se
divórcio, Márcio enfrenta
não seria uma boa ideia
grandes dificuldades quando
escrever uma carta para o seu
tem chance de ter relações
pai, expressando todos os
sexuais com alguma mulher.
seus sentimentos em relação
Ele relata fortes respostas de
a ele.
ansiedade anteriores ao
momento da penetração. C: Sem dúvida, é uma boa
Dentre as respostas de ideia. Eu já tinha pensado
ansiedade, ocorre a perda de nisso. Principalmente,
ereção. Logo antes da porque tem muitas coisas
penetração, Marcos relata que não tenho coragem de
pensar acerca de suas dizer cara a cara. Acho que a
dúvidas quanto às suas carta será muito mais fácil.
habilidades na cama e um T: Que tal você escrever uma
desejo muito grande de primeira versão e trazer aqui
impressionar a sua parceira. para discutirmos juntos?
Aparentemente, desde
jovem, Marcos quis agradar C: Sim. Vou fazer isso.
a seu pai e nunca foi Semana que vem eu trago.
reconhecido. Quando tirava Após discutirem a carta,
Marcos a envia para o pai, que
65 Para maior detalhamento desta
simplesmente a ignora e fica
disfunção, ver o capítulo de Martins Filho
mais distante ainda de Marcos.
e de-Farias neste livro.
Dificilmente um evento como
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

esse não comprometeria o Provavelmente, seus


vínculo terapêutico. Caso o amigos e familiares já
terapeuta tivesse apenas levado disseram para eles o que
Marcos a pensar por si mesmo fazer, ou eles mesmos
em soluções para melhorar a sua concluíram sozinhos. Ao
relação com Jorge, o vínculo elaborar o óbvio,
terapêutico não ficaria emitindo uma regra em
comprometido, mesmo que suas termos pomposos, o
iniciativas fossem frustradas. terapeuta está sendo
apenas mais um a
oprimir o seu cliente
Quando as regras não são
dizendo aquilo que ele
seguidas precisa fazer. O
Outro padrão muito comum em problema, na maioria das
casos de clientes com dificuldade vezes, não é saber o que
de dizer não é aceitar a regra do fazer, e sim,
terapeuta no momento em que é precisamente, como
emitida, porém não segui-la. fazer. O controle pelas
Quando os clientes não seguem contingências é mais
as regras, dois padrões são forte que o controle
prováveis: formular uma pelas regras (Skinner,
autorregra que o torna incapaz de 1969/1984). Veja o
se engajar em terapia e o faz seguinte exemplo:
sentir pior ainda; a outra é dizer
que seguiu a regra para o Júlia é uma mulher de 24
terapeuta, mesmo sem tê-la anos que foi rejeitada pelo
seguido, sob controle das ex-namorado (Fábio). Ela
consequências impostas pelo liga para ele com frequência.
terapeuta e não pelas Em algumas vezes, Fábio é
consequências naturais de seguir grosseiro e a evita. Em
a regra. O não seguimento outras, principalmente
também ocorre em casos de quando não tem outros
resistência, em que a emissão de planos, é muito acessível.
regras por outras pessoas Em alguns desses
representa uma condição telefonemas, eles saem,
aversiva, ocasionando respostas ficam juntos e têm relações
de fuga. sexuais. Depois desses
encontros, Fábio a relembra
(a) Formulação da autorregra: de que não quer voltar para
“sou incompetente”. ela e desaparece por
Muitos clientes semanas. Obviamente, ela se
concordam plenamente sente péssima com toda essa
com as regras impostas situação e se queixa
pelo terapeuta. Não é constantemente para o
raro já saberem terapeuta. Não há dúvidas de
precisamente o que que todas as suas amigas já
precisam fazer. falaram para ela não ligar
Análise Comportamental Clínica 117

mais para ele. Elas dizem contingências relacionadas ao


que Fábio a está usando, que comportamento de ligar para
não voltará para ela e que Fábio continuam em vigor. O que
toda essa situação é mudou na vida dela para que ela
humilhante. Vale a pena consiga não ligar? Ela ainda
ressaltar que Júlia sai pouco possui baixa disponibilidade de
com as amigas. Quando sai outros reforçadores, obtendo
com elas, gasta seu tempo reforço de comportamento de
para falar do ex-namorado. ouvinte contingente ao
Júlia também frequenta um comportamento de falar dele
curso superior e está em um (Medeiros, 2002a; Medeiros,
estágio, ambos pouco 2002b), e está submetida a um
reforçadores. Seu esquema de reforçamento
comportamento de procurá- intermitente, o qual aumenta a
lo está sob um esquema de resistência à extinção (Keller e
reforçamento intermitente e, Schoenfeld, 1950/1966). Logo, a
obviamente, ela ainda não probabilidade de seguir a regra é
desistiu. O próprio terapeuta mínima, uma vez que as
a escuta falar sobre esse contingências que controlam o
relacionamento em 90% do comportamento de ligar são
tempo das sessões, há mais muito mais fortes. O provável é
de 10 sessões. que ela ligue, ou seja, não
consiga seguir a regra imposta
Caso o terapeuta conclua que
pelo terapeuta. Bem, o uso da
o comportamento-alvo de ligar
regra é desvantajoso porque ela
para ele precise ter sua
não foi seguida e, para piorar,
frequência reduzida a zero, pode
além de se sentir mal pelas
utilizar uma regra como forma de
consequências naturais de ter
intervenção, por exemplo:
ligado, ela pode se sentir
T: Baseado em tudo o que incompetente por não ter seguido
você tem sofrido quando liga a regra imposta pelo terapeuta.
para ele, me pergunto se tem Em alguns casos, a cliente
valido a pena continuar a pode até abandonar a terapia,
procurá-lo. Será que ele não considerando-se um caso perdido
a respeitaria mais caso você até para a terapia. De fato, não é
não o procurasse? ela que é um caso perdido,
C: É que eu sou uma idiota simplesmente o uso de regras não
mesmo, mas agora eu terei foi eficaz no seu caso e agravou
brio e não vou mais ligar as condições aversivas às quais
para aquele cachorro. ela estava exposta.

T: Muito bem! Você pode até (b) Distorção do tato: uma


sofrer no início, mas no final, pergunta muito comum de
verá que valerá a pena. alunos de Psicologia é:
“como é possível saber se o
A despeito da regra e da cliente está mentindo?”.
concordância com ela, as Entretanto, essa não é a
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

pergunta mais relevante. A que o terapeuta não tem meios de


pergunta mais apropriada verificar se a regra foi ou não
talvez fosse: “o que leva o seguida; logo, pode reforçar o
cliente a mentir?” Ou seja, relato do seguimento e não o
que contingências controlam seguimento da regra em si.
a emissão de tatos Resumindo, muitos clientes
distorcidos (Skinner, podem relatar que seguiram as
1957/1978; Ribeiro, 1988; regras mesmo sem tê-las seguido,
Medeiros, 2002a; Medeiros, como forma de evitar críticas ou
2002b). O uso de regras na como forma de de receber
clínica é uma delas. reforços positivos. Em outras
palavras, ao dar regras, o
Quando os pais mandam os
terapeuta aumenta a
filhos estudar para que sejam
probabilidade de o cliente mentir,
alguém na vida ou arrumar o
ou seja, emitir tatos distorcidos.
quarto para encontrarem as suas
Não são raros os terapeutas que,
coisas, estão formulando regras.
além de emitir regras,
Como eles reagem quando seus
questionam os seus clientes se as
filhos não as seguem?
seguiram ou não, e punem o
Provavelmente, administrarão
relato do não seguimento. Ou
algum reforço negativo (estímulo
seja, além de lidar com os efeitos
aversivo), como uma repreensão
colaterais do uso de regras como
verbal ou mesmo corporal. Com
forma de intervenção, eles
base nesse histórico comum a
também têm lidar com os efeitos
muitas pessoas, a emissão de
colaterais do uso da punição na
regras é acompanhada pelo
clínica (Ferster et al., 1968/1977;
reforço negativo para o seu
Moreira e Medeiros, 2007;
seguimento aplicado por quem
Sidman, 1989/1995. Ver também
emite a regra. Baum (1994/1999)
o capítulo de Alves e Isidro-
sustenta que o seguimento da
Marinho).
regra está sob controle da
contingência próxima. O (c) Resistência: muitos clientes
problema é que a contingência reagem de forma agressiva
próxima pode aumentar a quando lhes dizem o que
probabilidade de um segundo fazer. Muitos deles
comportamento, o de relatar o consideram a situação de
seguimento da regra, mesmo controle como extremamente
quando não foi seguida. Esse aversiva e ultrajante. Muitas
comportamento, também regras precisas, às quais os
chamado de tato distorcido, clientes precisam ter acesso,
funciona como uma espécie de são rechaçadas
contracontrole verbal (Ferster, simplesmente por terem sido
Culbertson e Boren, 1968/1977; emitidas por outra pessoa.
Moreira e Medeiros, 2007; Nesses casos, é muito mais
Sidman, 1989/1995). No útil levar o cliente a formular
contexto clínico, isso é a regra. Para ilustrar esse
especialmente problemático, já ponto, é possível imaginar
Análise Comportamental Clínica 119

uma situação em que alguém posturas distintas sob controle de


propõe uma ideia e a pessoa contingências diferentes (Baum,
concorda. Em outra situação, 1994/1999). Logo, não basta
a própria pessoa propõe a apenas descrever o
ideia. Em qual das duas comportamento, identificar suas
situações a defesa da ideia variáveis controladoras e
será mais apaixonada? especificar as consequências de
Provavelmente na segunda, novos cursos de ação para que o
ou seja, as pessoas tendem a comportamento mude. É
defender mais as próprias essencial que se modifiquem as
ideias do que as das outras suas contingências
pessoas, mesmo que mantenedoras.
concordem com elas. Ao Quantas vezes alguém
levar o próprio cliente a promete parar de beber após
formular uma autorregra, a acordar de ressaca? Além de
probabilidade de ele segui-la prometer parar de beber, essa
é muito maior. Cabe ao pessoa fornece muitos
terapeuta apenas criar argumentos embasando a sua
condições para que o cliente resolução, do tipo: “não combina
formule a autorregra e para comigo esse tipo de
que consiga segui-la. comportamento”; “não fica bem
(d) Correspondência entre dizer para alguém da minha posição se
e fazer: outro ponto a se embriagar”; “faz mal para minha
considerar, talvez o mais saúde”; “o prazer de beber não
importante de todos, é o fato compensa o sofrimento do dia
de que ao se modificar o seguinte”, etc. A despeito de toda
comportamento verbal que essa mudança de pensamento, na
descreve contingências, ou semana seguinte, é muito
seja, ao se apresentar ou provável que o comportamento
modificar regras, não de beber ocorra novamente
necessariamente o diante de condições favoráveis.
comportamento descrito por Isso se dá pelo fato de que o
ela se modificará. comportamento de emitir tais
argumentos ocorre em um
Por que as pessoas mudam o conjunto de condições diferente
jeito de pensar (falar) sobre um das do comportamento de beber.
assunto em suas vidas e não se Não há dúvidas de que regras ou
comportam de acordo com esse autorregras exercem controle
novo jeito? sobre o comportamento. Porém,
esse controle é meramente
discriminativo e não causal
A Análise do
(Skinner, 1969/1984). Ou seja,
Comportamento oferece algumas
regras não causam a ocorrência
respostas, e a principal delas é a
ou não ocorrência dos
de que falar sobre o
comportamentos pertencentes às
comportamento e emiti-lo são
contingências descritas por elas.
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

As regras apenas alteram a sua (como em clínicas-escola, em


probabilidade de ocorrência, a que o tratamento costuma durar
depender de um grande conjunto cerca de 3 meses). Ainda assim, é
de condições. fundamental levar o cliente a
A alternativa trabalhosa é compreender a regra e quais
modificar as contingências que consequências são prováveis a
operam sobre o comportamento partir do seu seguimento, ao
descrito na regra ou fazer com invés de meramente se dizer o
que o cliente as modifique. Sem que o cliente deve fazer. Ao
usar, entretanto, regras para levá- mesmo tempo, o uso de regras
lo a fazer isso. deve servir como ponto de
partida para que o cliente passe a
observar a importância das
OUTRAS DISCUSSÕES
consequências do
ACERCA DO USO DE comportamento para suas
REGRAS ocorrências futuras. Na medida
Ainda sobraram alguns tópicos em que o cliente progride quanto
sobre o uso de regras na clínica aos repertórios de auto-
cuja discussão é válida. observação e de autodescrição, o
terapeuta pode começar a retirar
1. Quais seriam as condições
especiais em que se pode as regras e levá-lo a emitir
fornecer regras aos clientes? autorregras, apenas reforçando-as
Ao mesmo tempo em que o diferencialmente.
uso comedido de regras parece Em casos de encerramento
apropriado na maioria dos casos, da terapia, o terapeuta também
a psicoterapia analítico- pode instruir o cliente acerca de
comportamental preconiza a quais pontos ainda precisam ser
abordagem idiográfica ao adaptar trabalhados. Nesse contexto, o
posturas e procedimentos para terapeuta pode devolver as suas
cada caso específico. Para alguns análises funcionais em termos de
clientes, talvez seja necessário regras para que o cliente possa
fornecer regras, nem que seja em tentar operar no seu ambiente
uma fase inicial da terapia. após a terapia.
Muitos clientes apresentam Regras também podem ser
repertórios muito limitados de utilizadas como sugestões de
observação e descrição de leituras ou de filmes para o
contingências. cliente. O terapeuta pode sugerir
Independentemente da etiologia66 que o cliente entre em contato
dessa falta de repertório, o uso de com algum material que possa
regras pode ser necessário, ser útil no processo de terapia.
principalmente, quando se tem Muitos clientes solicitam
pouco tempo para estabelecê-lo sugestões de leitura e de filmes.
Por exemplo, pode ser útil em
66 As origens podem ser as mais casos com questões de ordem
diversas, como histórico de desnutrição sexual, principalmente devido à
da infância, falta de treino, uso
falta de conhecimentos acerca do
prolongado de drogas, etc.
Análise Comportamental Clínica 121

funcionamento do sistema mais do que o sucesso em


reprodutivo, o terapeuta fornecer sua vida pessoal. De fato,
material escrito informativo ou, Maria só teve um namoro de
mesmo, sugerir que o próprio dois anos, em que não teve
cliente encontre tal material. relações sexuais. Suas
Quando o cliente está com paqueras raramente eram
dificuldades de encontrar outras bem-sucedidas e quase nunca
atividades reforçadoras, tais ultrapassavam um encontro.
como hobbies e esportes, o Ela nunca teve relações
terapeuta pode ajudar listando sexuais, considerando-se
atividades que o cliente ainda anormal por conta disso.
não tenha conjecturado. É Possui poucos amigos e
comum o cliente reconhecer a passa a maior parte do pouco
necessidade de se engajar em tempo livre em casa, lendo e
outras atividades além das assistindo televisão com os
rotineiras. O ideal é que o pais. Ao longo da sua
terapeuta o questione acerca de história, nunca se permitiu
quais possibilidades já pensou. atividades extraclasse – sua
Ao perceber que o cliente dedicação para os estudos
apresenta dificuldades em listar sempre foi máxima. Desse
tais atividades, o terapeuta pode modo, Maria é muito
fornecer um conjunto de orgulhosa de seu
atividades, das quais o cliente desempenho escolar. No
pode escolher algumas. Após o entanto, queixa-se muito de
cliente apontar as atividades que pensamentos intrusivos. Ela
acha mais interessante, o costuma pensar em si mesma
terapeuta pode questioná-lo como fracassada do ponto de
acerca das consequências de vista pessoal, que nunca vai
fazer cada uma delas. Por outro encontrar alguém que a ame
lado, não cabe ao terapeuta dizer e que vai morrer solteira.
para o cliente fazer a que ele Seus pensamentos eliciam
escolheu, e, sim, apenas reforçar diversos respondentes
quando o cliente começar a fazê- aversivos, os quais só param
la. O exemplo abaixo pode quando Maria ingere grandes
ilustrar essa situação. quantidades de doces. Esse
padrão a tem deixado acima
Maria, 27, sempre se do peso.
queixou de trabalhar em
demasia. Ao mesmo tempo, Diante de um possível
relata que seu trabalho é avanço, que foi a redução na
muito estressante, apesar de jornada de trabalho de Maria, por
prazeroso. Sempre foi muito iniciativa dela, o terapeuta
dedicada aos estudos e ao começa a trabalhar o acesso a
trabalho. Seus pais sempre outros reforçadores:
valorizaram muito esses
C: Até que enfim consegui
aspectos em sua vida, muito
mudar a minha jornada de
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

trabalho para seis horas Deixo para amanhã, ou para


diárias. segunda-feira que nunca
T: Que bom que deu certo! chega...
Que efeito tem em você o T: O que mais além de
tempo ocioso? caminhar no parque?
C: É... Não costuma me C: Uma amiga minha me
fazer muito bem. Eu começo chamou para fazer dança de
a pensar naquelas coisas que salão... Mas, fora isso, estou
me entristecem. Mas sem ideias.
trabalhar 8 horas para mim
estava horrível, realmente eu T: Dança de salão é legal.
estava precisando Além da dança de salão e
desacelerar. Mas ficar sem caminhar no parque, o que
fazer nada nunca me fez mais você poderia fazer?
muito bem. Tenho que C: Não consigo pensar em
ocupar a cabeça com alguma muita coisa. Às vezes, acho
coisa. que não me interesso por
T: Faz sentido67. Que tipo de nada.
coisas você poderia fazer T: Existem várias outras
para ocupar a sua cabeça, atividades que você poderia
além de ler e ver televisão realizar, por exemplo: yoga,
com seus pais? hidroginástica, violão,
trabalhos voluntários, teatro,
C: Não sei. Talvez caminhar pintura, tênis...
no parque..., mas me dá uma
preguiça... Eu sei que faria C: É verdade, eu sempre
bem para mim. Ajudaria a quis fazer violão. Eu sempre
emagrecer. Quando eu quis tocar. Acho tão bonito.
começo até que me divirto. T: Eu também acho. Mas e
O difícil é sair de casa para aí, que estilo musical você
começar. Eu sempre fico gostaria de aprender?
inventando desculpas. Digo
que está muito quente C: Não sei. Acho que um
quando está quente, que está pouco de tudo. Mas o que eu
muito frio quando está frio. gosto mesmo é de MPB.
Para mim, é o estilo que fica
67 Essa consequência apresentada pelo mais bacana no violão. Já
terapeuta, contingente ao comportamento pensou eu tocando Caetano,
da cliente, é questionada como se fosse
Gil, Ana Carolina...
sua opinião. Por outro lado, neste caso, o
terapeuta está apenas reforçando T: É... bacana. Para quem
positivamente de forma natural uma
você gostaria de tocar?
análise feita pela cliente. Esse tipo de
reforçamento é essencial para que o C: Pode ser para meus pais,
cliente passe a analisar o seu próprio meus amigos...
comportamento ou a emitir
comportamentos clinicamente relevantes T: E aí, como seria para você
do tipo 3 – CRBs 3 – (Kohlenberg e Tsai, os outros lhe verem tocar?
1991/2001).
Análise Comportamental Clínica 123

Em princípio, foram apresentado anteriormente, um


sugeridas atividades diversas. exemplo de uma regra de forma
Quando a cliente escolhe uma impositiva seria:
delas, no caso, aprender a tocar
T: Você não pode mais ligar para
violão, o terapeuta começa a
ele!
conversar com ela sobre a sua
escolha de forma reforçadora, Regras emitidas dessa forma
sem sugerir diretamente que a tendem a gerar resistência ou a
cliente realize a atividade comprometer o vínculo. Caso o
escolhida. cliente seja submisso, como o
Esses foram apenas alguns ilustrado, mesmo que não resista
exemplos de casos especiais em e siga a regra, a forma como esta
que o uso de regras poderia ser foi apresentada pode contribuir
útil. De qualquer forma, existem para que ele continue a emitir
outros. comportamentos submissos.
Além disso, a regra do exemplo
2. Se a opção for por usar
acima é problemática por ser
regras, qual a melhor forma de
implícita. Ou seja, não apresenta
apresentá-las ao cliente?
todos os elementos da
Sem dúvida, existem formas
contingência. Uma alternativa
e formas de se emitir uma regra.
mais interessante seria:
O terapeuta deve considerar três
pontos na hora de decidir como T: Baseado em como você se
emiti-las: (a) a probabilidade de sente quando liga para Fábio.
as mesmas serem seguidas; (b) o Como ele a trata quando
efeito sobre o vínculo terapêutico atende. Como você se sente
e (c) o efeito sobre esse cliente quando ele não atende e não
específico, ou seja, a forma de retorna as suas ligações. Eu
emissão da regra deve ser me pergunto se vale a pena
terapêutica para aquele cliente ligar para ele. O que você
específico. Algumas formas de se acha?
emitir a regra podem ser muito Esta alternativa é mais
efetivas para o seu seguimento, vantajosa que a anterior por ser
porém, podem comprometer o explícita, ou seja, por apresentar
vínculo. Ao mesmo tempo, os elementos da contingência.
existem formas que não têm Além disso, ela é colocada de
influência sobre o vínculo, mas uma forma que a cliente é
não são terapêuticas para aquele consultada acerca dela, de modo
caso. que ela tem mais condições de
Geralmente, devem-se emitir discordar do terapeuta.
regras de modo que os clientes Por fim, existe uma terceira
possam discordar ou sintam-se alternativa que parece mais
livres para não segui-las. apropriada do que as anteriores
Portanto, regras emitidas de na medida em que o terapeuta
forma imperativa são as menos leva a cliente a refletir sobre as
aconselháveis. Voltando ao consequências do seguimento da
exemplo do caso de Júlia,
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

regra: exagerado de regras como forma


de intervenção se ele apresenta
T: Júlia, quais seriam os
tantos pontos negativos?
efeitos, em você e no Fábio,
Algumas variáveis parecem
caso você não ligue mais
estar relacionadas a isso. A
para ele?
principal parece ser a
Outra alternativa muito imediaticidade das consequências
utilizada para se formular regras (Keller e Schoenfeld,
na terapia é o uso de deveres de 1950/1966). Não há dúvidas de
casa. A regra nesse caso é que reforçadores imediatos são
emitida como uma tarefa para mais eficazes no controle do
casa: comportamento que reforçadores
T: Bem Júlia, com base nos atrasados. Além disso, o conceito
resultados que você me de custo da resposta também é
relatou das ligações que você muito pertinente. De acordo com
fez para Fábio nessa semana, Keller e Schoenfeld, quanto
eu pensei em como seria para maior o custo da resposta, menor
você passar uma semana a sua probabilidade de
inteira sem ligar para ele. ocorrência.
Vou te passar como dever de Ao se analisar as
casa ficar essa semana inteira intervenções baseadas em
sem ligar para ele. Gostaria fornecer regras aos clientes, é
que você registrasse os possível perceber que elas
momentos em que esteve envolvem respostas menos
mais tentada a ligar e quais custosas e produzem mudanças
estratégias utilizou para no comportamento (quando
conseguir não ligar. produzem) de forma mais rápida.
Levar o cliente a emitir as
No fim das contas, esse próprias regras, como
dever de casa envolveu a mesma exemplificado anteriormente,
regra do início: “não ligue mais exige um número de falas muito
para ele!”. Porém, como não tem maior por parte do terapeuta.
um formato imperativo, tende a Formular perguntas abertas que
gerar menos resistência. levem o cliente a refletir e chegar
O ponto negativo dessa a formular as regras planejadas
abordagem é o cliente perceber a pelo terapeuta é muito
fala manipulativa do terapeuta. trabalhoso. Ainda mais formulá-
Presumindo que o terapeuta seja las ao mesmo tempo em que se
um modelo68 para o seu cliente, é atenta à fala do cliente. Não resta
perigoso o cliente começar a dúvida, esse questionamento é
emitir falas manipulativas muito mais custoso do que
também. fornecer a regra de uma vez,
3. O que leva a um uso tão além de mais demorado.
Principalmente porque o cliente
68 Para uma leitura introdutória acerca da pode não fornecer as respostas
aprendizagem por observação de necessárias para o encadeamento
modelos, veja Baldwin e Baldwin (1989).
Análise Comportamental Clínica 125

de perguntas que permitirá que comedido de regras na clínica,


ele chegue a formular a regra. O além de sugerir algumas
repertório de perguntas desse tipo alternativas ao seu uso. Mesmo
demora a ser estabelecido, o que reconhecendo o caráter
representa uma limitação para controverso do tema, é prudente
terapeutas menos experientes. que, antes de formular regras ao
Outro ponto importante é o seu cliente, o terapeuta leve em
valor reforçador de se estar certo consideração a discussão
sobre algo. De fato, é muito levantada.
reforçador para o terapeuta Outro ponto que merece
constatar que suas análises destaque refere-se à ênfase dada
funcionais são pertinentes ao às autorregras (aquelas
caso. Desse modo, o cliente formuladas pelo cliente) ao invés
aceitar uma regra fortalece os de regras impostas pelo
comportamentos do terapeuta de terapeuta. De fato, quando o
emiti-la e de argumentar em cliente emite autorregras,
favor de sua precisão. Nesse algumas das desvantagens
momento, o terapeuta deve explicitadas são ultrapassadas.
assumir uma postura crítica em Porém, talvez a maior limitação
relação ao seu trabalho e do uso de regras na clínica ainda
questionar que reforçadores continua: mudar o
controlam os seus comportamento verbal não muda
comportamentos de terapeuta. As necessariamente o
intervenções devem ter fins comportamento descrito por ele.
terapêuticos e não servir para Isto é, o cliente pode muito bem
produzir reforçadores para o formular uma autorregra e
terapeuta. simplesmente não segui-la. Além
CONSIDERAÇÕES FINAIS disso, as autorregras também
Esse pequeno capítulo teve como geram insensibilidade como
objetivo discutir algumas das demonstram Catania e
implicações do uso de regras na colaboradores (1982) e Matthews
clínica. Além disso, também se e colaboradores (1985).
ponderou brevemente sobre em Paralelamente aos
que condições deve-se utilizar questionamentos que levam os
regras, como formulá-las e quais clientes a formular autorregras,
variáveis estão envolvidas em outros procedimentos devem ser
seu uso. De forma alguma, este utilizados para fazer com que os
capítulo se propôs a esgotar o clientes a sigam ou, mesmo, para
assunto, e, sim, levantar algumas modificar diretamente o seu
questões que terapeutas comportamento. O uso da relação
experientes e, principalmente, terapêutica parece uma
novatos devem levar em alternativa útil para isso. De
consideração no momento de acordo com Ferster (1972), os
intervir. comportamentos do cliente
A argumentação foi no tenderão a se repetir em terapia e
sentido de defender um uso mais o terapeuta pode utilizar a
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

própria relação terapêutica para Instruction versus shaped human


modelá-los (sobre relação verbal behavior: interactions
with nonverbal responding.
terapêutica, ver os Capítulos 11,
Journal of the Experimental
12 e 14). Analysis of Behavior, 38, 233-
Por fim, um bom terapeuta é 248.
um ser autocontrolado, no Ferster, C. B. (1972). An
sentido de estar mais sob experimental analysis of
controle da magnitude do reforço clinical phenomena. The
do que sob controle da sua Psychological Record, 22, 1-
16.
imediaticidade (sobre
Ferster, C. B., Culbertson, S. & Boren,
autocontrole, ver o Capítulo 6). M. C. P.
Intervenções para produzir (1968/1977). Princípios do
resultados rápidos podem ser comportamento (M. I. Rocha e
desastrosas ou, no mínimo, Silva, M. A. C. Rodrigues & M.
ineficazes. O caminho mais B. L. Pardo, trads.). São Paulo:
longo pode produzir melhores Edusp.
Hayes, S. C. & Hayes, L. J. (1989).
resultados. Cabe ao terapeuta
The verbal action of the listener as
criar condições para que o cliente a basis for rule-governance. Em S.
resolva os seus problemas, e não C. Hayes (Ed.), Rule-governed
resolvê-los por ele. behavior: Cognition,
contingencies, and instructional
control (pp. 153-190). New York:
REFERÊNCIAS Plenum.
Baldwin, J. D. & Baldwin, J. I. (1998). Keller, F. S. & Schoenfeld, W. N.
Behavior principles in everyday (1950/1966).
life. New Jersey: Prentice Hall. Princípios de psicologia (R. Azzi
Baum, W. M. (1994/1999). & C. M. Bori, trads.). São Paulo:
Compreender o behaviorismo: EPU.
Ciência, comportamento e cultura Kohlenberg, R. J. & Tsai, M.
(M. T. A. Silva, G. Y. Tomanari & (1991/2001). Psicoterapia
E. E. Z. Tourinho, trads.). Porto Analítica Funcional: Criando
Alegre: Artmed. relações terapêuticas intensas e
Caballo, V. E. (1991/1996). Manual de curativas (F.
Técnicas, Terapia e Modificação Conte, M. Delitti, M. Z. da S.
do Comportamento Brandão, P. R. Derdyk, R. R.
(M. D. Claudino, trad.). São Kerbauy, R. C. Wielenska, R.
Paulo: Santos. A. Banaco, R. Starling, trads.).
Catania, A. C. (1998/1999). Santo André: ESETec.
Aprendizagem: Matthews, B. A., Catania, A. C. &
Comportamento, linguagem e Shimoff, E. T. (1985). Effects of
cognição (A. uninstructed verbal behavior on
Schmidt, D. G. de Souza, F. C. nonverbal responding:
Capovila, Contingency descriptions versus
J. C. C. de Rose, M. de J. D. Reis, performance descriptions. Journal
A. A. da of the Experimental Analysis of
Costa, L. M. de C. M. Machado & Behavior, 43, 155-164.
A. Gadotti, trads.). Porto Alegre: Medeiros, C. A. (2002a). Análise
Artmed. funcional do comportamento
Catania, A. C., Matthews, B. A. & verbal na clínica
Shimoff, E. T. (1982). comportamental. Em A. M. S.
Análise Comportamental Clínica 127

Teixeira, A. M. Lé Sénéchal-
Machado, N. M. S. Castro & S.
D. Cirino (Orgs.), Ciência do
comportamento: Conhecer e
avançar (pp. 176-187). Santo
André: ESETec.
Medeiros, C. A. (2002b).
Comportamento verbal na clínica.
Revista Brasileira de Terapia
Comportamental e Cognitiva, 2,
105-118.
Moreira, M. B. & Medeiros, C. A.
(2007). Princípios básicos de
Análise do Comportamento. Porto
Alegre: Artmed.
Ribeiro, A. F. (1989). Correspondence
in children’s self-report: tacting
and manding aspects. Journal of
the Experimental Analysis of
Behavior, 51, 361-367.
Sidman, M. (1989/1995). Coerção e
suas implicações (M. A. Andery
& T. M. Sério, trads.).
Campinas: Editorial Psy.
Skinner, B. F. (1957/1978). O
comportamento verbal (M. da P.
Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix.
Skinner, B. F. (1969/1984).
Contingências de reforço (R.
Moreno, trad.). São Paulo: Abril
Cultural.
Skinner, B. F. (1988). The fable. The
Analysis of Verbal Behavior, 6, 1-
2.
Skinner, B. F. (1953/1994). Ciência e
comportamento humano (J. C.
Todorov & R. Azzi, trads.). São
Paulo: Martins Fontes.
Tourinho, E. Z. (2003). A produção do
conhecimento em psicologia: A
análise do comportamento.
Psicologia: Ciência e Profissão,
23.
Retirado no dia 22 de setembro de
2008, do site www.scielo.br.
Zaro, J. S., Barach, R., Nedelman, D. J.
& Dreiblatt, I. S. (1977/1980).
Introdução à prática
psicoterapêutica (L. R. Marzagão,
trad.). São Paulo: EPU.
Capítulo 6

Autocontrole na Perspectiva da Análise


1 Psicologia, o termo autodomínio, um
dos sinônimos de autocontrole, é
do definido como a capacidade de
controlar o comportamento impulsivo
Comportamento (Cabral e Nick, 2000). Há uma
correlação entre essa definição de
Vanessa de Fátima Nery
autocontrole e
Ana Karina C. R. de-Farias
1
O presente trabalho é parte da monografia de
conclusão do curso de especialização em

A palavra autocontrole é bastante


utilizada na linguagem
cotidiana. Para o senso-comum,
Análise Comportamental Clínica, no Instituto
Brasiliense de Análise do Comportamento,
defendida pela primeira autora, sob orientação
da segunda.
autocontrole pode ser definido como
uma propriedade ou característica de a dada pela perspectiva analítico-
uma pessoa que possui, em si mesma, comportamental, apresentada mais à
força de vontade para realizar ou frente.
deixar de realizar algo, controlar Nesses termos, o autocontrole é
sentimentos ou sensações, manter o tratado como um objetivo a ser
equilíbrio emocional interior, dominar atingido e não uma descrição de
os impulsos, agir como quiser, dentre conduta. Outra característica desse
outras dezenas de definições conceito na linguagem comum (ou
(Castanheira, 2001). ordinária) é sua forma cíclica. Essas
A etimologia da palavra características são comuns a
autocontrole é controle próprio. De definições de vários termos
acordo com o Novo Dicionário psicológicos, dentro do que se chama
Aurélio (Ferreira, 1999), autocontrole “explicações mentalistas”, as quais
significa equilíbrio. A mesma fonte consistem em explicações circulares
define equilíbrio como “estabilidade que “não se acabam”, antes,
mental e emocional; moderação, justificam-se em si mesmas.
prudência, comedimento, De acordo com Skinner: “o
autocontrole, domínio, controle” (p. comportamentalismo, com acentuação
782). Controlado é definido como no ‘ismo’, não é o estudo científico do
“submetido a controle; que tem comportamento, mas uma filosofia da
controle; comedido, moderado” (p. ciência preocupada com o tema e
546). A definição de moderado é métodos da Psicologia” (Skinner,
“regulado, regrado; que tem 1980, p. 339). Por isso, para o
moderação ou prudência; comedido, Behaviorismo Radical, deve haver
circunspecto; não exagerado; não distinção entre explicações válidas e
excessivo; razoável, equilibrado; explicações falsas, e uma explicação
suave, temperado, ameno” (p. 1351). válida deve ser uma descrição em
No Dicionário Técnico de termos compreensíveis. Sabe-se que
Análise Comportamental Clínica 129

uma explicação deve tornar o assunto definições de autocontrole, percebe-se


inteligível ao invés de torná-lo que esse conceito é muito abrangente.
ambíguo ou obscuro. Nisso está o erro Este trabalho tem por objetivo
das explicações que acabam em si apresentar a perspectiva da Análise do
mesmas (Baum, 1994/1999; Ryle, Comportamento na compreensão do
1949). fenômeno autocontrole. Para isso,
Segundo Baum (1994/1999), a busca apresentar brevemente uma
objeção central às ficções revisão bibliográfica do fenômeno e o
explanatórias se deve a não que tem sido produzido, na
explicarem efetivamente aquilo a que perspectiva da Análise do
se propõem, devido à sua autonomia e Comportamento, para a aplicação
redundância. A autonomia atribui o clínica.
comportamento a partes do
organismo, como, por exemplo, a
AUTOCONTROLE E ANÁLISE DO
mente. Assim, há uma diferenciação
entre dentro e fora do sujeito, sendo a COMPORTAMENTO
parte interna responsável pelo A literatura sobre autocontrole na
controle do comportamento. Essa Análise do Comportamento, segundo
atribuição de causa a partes ocultas Hanna e Todorov (2002), aponta três
torna inviável a investigação principais influenciadores no
científica.69 desenvolvimento de metodologia, de
conhecimentos empíricos e nas
É frequente, na linguagem
discussões sobre o tema: B. F.
cotidiana, a utilização de um termo
Skinner, W. Mischel e H. Rachlin (e
para significar um comportamento
seus colaboradores).
complexo e, ao mesmo tempo,
Para Rachlin (2000, citado por
significar uma fonte de variáveis
Fantino e Stolarz-Fantino, 2002), uma
controladoras desse comportamento
discussão detalhada do autocontrole
(Hanna e Todorov, 2002). Segundo os
deve envolver inevitavelmente a
autores, concepções de autocontrole
discussão de alguns princípios gerais
como um traço de personalidade,
do comportamento. Por isso, serão
como uma característica inata dos
apresentados alguns dos pressupostos
indivíduos ou uma força interior que
básicos do Behaviorismo Radical
possibilita o controle de suas próprias
antes de abordar a visão sobre
ações, diferem de observações casuais
autocontrole na perspectiva da Análise
de que uma mesma pessoa pode
do Comportamento.
apresentar diferentes graus de
autocontrole em situações diferentes,
e que o autocontrole pode diferir em Pressupostos básicos do
etapas diferentes da vida de um behaviorismo radical
mesmo sujeito. A problemática da relação mente-
Por meio de uma análise das corpo, segundo Baum (1994/1999),
deve-se à atribuição de causa que não
69 Uma maior e mais recente discussão dos
tem relação clara com os eventos
problemas com explicações
mentalistas/internalistas pode ser vista em observados. Isso retoma o problema
Moreira (2007) e de-Farias, Ribeiro, Coelho e de como um evento não natural pode
Sanabio-Heck (2007).
130 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

afetar um evento natural. Como outra perspectiva. Dirige-se o foco de


funciona essa conexão misteriosa? Se estudo para as histórias de exposição
a mente existisse seria um evento não às contingências de reforçamento, ao
natural, pois não pode ser encontrada invés de postular representações
no corpo, assim como a personalidade mentais para entender o autocontrole
e outras entidades (ficções (Skinner, 1989/1991).
explanatórias).
Não há, nem haverá, solução para Para o Behaviorismo Radical, os
essa problemática porque é uma sentimentos ou os estados mentais
“pseudoquestão”, ou seja, uma não estão situados na mente, ou
questão que não faz sentido em si seja, num mundo que não possui
mesma. Subjacente à problemática dimensões físicas.
relação mente-corpo, está a ideia de
que ficções explanatórias, como, por
Logicamente, é preciso entender
exemplo, os conceitos mente ou
que um fato mental não pode causar
personalidade, são causas de
ou ser causado por um evento físico.
comportamentos. A objeção do
Os behavioristas afirmam que a
Behaviorismo ao Mentalismo é,
natureza misteriosa de um evento o
segundo Baum (1994/1999), uma
torna inaceitável, pois não há
objeção ao dualismo, ou seja, à ideia
explicação de como uma causa não
da existência material e não material
natural pode levar a eventos naturais.
para a compreensão do
Assim, o Behaviorismo trabalha com
comportamento.
causas naturais gerando eventos
Percebe-se que a etimologia do
naturais (Baum, 1994/1999).
autocontrole parte do pressuposto
Contudo, essa afirmação não quer
(mental ou internalista) segundo o
dizer que o Behaviorismo Radical
qual, dentro da pessoa, há algo que a
negue a existência de eventos internos
controla frente a determinadas
ou privados, tais como pensamentos,
situações. Frente a essa ideia, muitas
emoções e condições corporais, mas
pessoas julgam as outras como tendo
sim que os compreende como
“falta de vontade” para, por exemplo,
respostas devidas à interação do
deixar de fumar, perder peso, parar de
organismo com o ambiente e/ou como
usar drogas, amar os inimigos, ser
estímulos para novas respostas do
menos ansiosa, estudar ou parar de
organismo. Em outras palavras, o
trair o marido. Desse modo, os
Behaviorismo Radical define que os
conceitos “força de vontade” ou “falta
eventos privados são como os eventos
de vontade” atuariam como
físicos e naturais, assim como os
sentimentos que causariam
eventos públicos, e não estruturas
comportamentos, tornando-se
hipotéticas, como nas posições
explicações para agir desta ou daquela
mentalistas (Abreu-Rodrigues e
forma.
Sanabio, 2001; Skinner, 1974/1982;
Assim como aborda outros
Tourinho, 2001).
termos, tais como criatividade e
Se os eventos privados são
solução de problemas, a Análise do
comportamentos que resultam da
Comportamento compreende esse
história genética e ambiental dos
fenômeno comportamental a partir de
Análise Comportamental Clínica 131

indivíduos (Skinner, 1974/1982), históricos do que puramente lógicos


consistem em variáveis dependentes e, (Baum, 1994/1999). Skinner parte da
por isso, não podem ser consideradas constatação de que há ordem e
causas que iniciam outros regularidade no comportamento. Um
comportamentos, sejam públicos ou vago senso de ordem emerge da
privados. Segundo Abreu-Rodrigues e simples observação mais cuidadosa do
Sanabio (2001), como já dito, isso não comportamento humano. Todos os
quer dizer que os eventos privados organismos continuamente analisam
não influenciam o comportamento: os as circunstâncias, predizem o que os
comportamentos privados, como os outros farão nessas circunstâncias e se
comportamentos públicos, podem comportam de acordo com essas
assumir funções de estímulo e, dessa previsões. Dessa forma, o estudo
forma, participar da determinação do científico do comportamento se
comportamento subsequente. aperfeiçoa e completa essa
Para Abreu-Rodrigues e Sanabio experiência comum quando demonstra
(2001), a ênfase comportamental nas mais e mais relações entre
explicações externalistas (ou circunstâncias e comportamentos e
interacionistas) é resultado de uma quando demonstra as relações de
tradição filosófica pragmática que forma mais precisa (Skinner,
estabelece que os objetivos da Análise 1953/1998 e 1957/1978).
do Comportamento são a predição e o A Análise do Comportamento é
controle do comportamento. Ao uma linguagem da Psicologia que vê
contrário da abordagem externalista/ seu objeto como o estudo de
interacionista, a explicação tradicional interações organismo-ambiente
internalista não permite o controle do (Todorov, 1982, 1989). Tem como
comportamento, devido à pressuposto que todo e qualquer
impossibilidade de manipulação direta comportamento estará sempre sujeito
dos eventos internos. a determinações ambientais; contudo,
Assim, quando dizemos que uma para Skinner (1953/1998), há um tipo
pessoa se controla, devemos de repertório comportamental especial
especificar o que controla e o que é que prepara o indivíduo para o futuro.
controlado. Para estudarmos o Essa concepção de comportamento
autocontrole na perspectiva do especial não se refere a
Behaviorismo Radical, precisamos comportamentos independentes e
compreender que o que é controlado autônomos no sentido de prescindirem
são os repertórios comportamentais. da determinação de variáveis
comportamentais, mas envolve um
tipo peculiar de interação do indivíduo
Visão da análise do
com o ambiente, na qual o próprio
comportamento indivíduo, e não um outro agente,
A Análise do Comportamento não é arranja as condições necessárias para
uma área da Psicologia, mas uma a emissão de uma determinada
maneira de estudar o objeto da resposta.
Psicologia. Tem sua origem a partir de Nico (2001) afirma que o arranjo
uma posição behaviorista assumida das condições necessárias para alterar
por Skinner por motivos mais a probabilidade de seu próprio
132 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

comportamento é em si um tipo de Percebe-se, na relação


comportamento. E esse comportar-se estabelecida na Figura 6.2, que a
se refere à manipulação das variáveis resposta controladora (R1) provê
ambientais, das quais outro estímulos que alteram a probabilidade
comportamento seu é função. A autora da resposta controlada (R2) que, por
faz uma análise das respostas sua vez, reforça e mantém a resposta
envolvidas nesse episódio, conforme controladora. Dessa forma, o
demonstrado na Figura 6.1. A resposta indivíduo pode manipular variáveis
R1 consiste na manipulação de ambientais tanto para aumentar
variáveis que produzem modificações quanto para diminuir a probabilidade
ambientais responsáveis pela alteração da resposta controlada.
na probabilidade da resposta R2, e a O modelo exposto por Nico
emissão de R2 reforça a emissão de (2001) é importante para compreensão
R1. Nesse esquema, é evidenciada a do autocontrole porque, nesse
relação entre a emissão de respostas fenômeno, o indivíduo conhece
(R1) que manipulam ou deixam de antecipadamente tanto as respostas,
manipular variáveis ambientais e a quanto as consequências a serem
alteração da probabilidade de outras produzidas por cada uma delas, e
respostas (R2) do próprio indivíduo. assim atua no seu ambiente
Como já dito, a alteração na controlando seu próprio
probabilidade de R2 é o reforço que comportamento, de acordo com a
mantém a ocorrência de R1. manipulação das variáveis ambientais
Ou seja, a partir da análise desse das quais o comportamento é função
esquema, percebe-se que, quando o (Kerbauy, 2006; Santos e Borges,
indivíduo desenvolve um repertório 2005; Skinner, 1953/1998).
comportamental, aprende por ele O conceito de autocontrole,
mesmo a emitir repostas que sejam portanto, consiste na “possibilidade de
adequadas no futuro. A aprendizagem que o indivíduo possa controlar seu
de manipulação das variáveis próprio comportamento” (Skinner,
ambientais das quais seu 1953/1998, p. 228). Frequentemente,
comportamento é função o capacita a o indivíduo passa a controlar parte de

R1 Modificação ambiental R2

Manipular variáveisProbabilidade
Ambientais alterada

Sr

Figura 6.1 Esquema da interação sujeito-ambiente quando o indivíduo


manipula as variáveis ambientais das quais outro comportamento seu é
função (Nico, 2001).
produzir modificações no ambiente de seu próprio comportamento quando
modo a alterar a probabilidade de tal uma resposta tem consequências que
comportamento. provocam conflitos – quando leva
Análise Comportamental Clínica 133

tanto a reforçamento positivo quanto a inúmeros fatores complexos, o que


negativo. Para analisar contingências torna as situações de escolha ainda
envolvidas no autocontrole, é mais difíceis, porque são controladas
necessário ter como ponto de partida a pelo ambiente social, pela
compreensão de que um comunidade verbal e pelas relações
comportamento de autocontrole tem diretas com os eventos (Kerbauy,
origem no conflito entre duas 2006; Rachlin, 1989, citado por
consequências: a resposta com maior Coelho, 1999). Constantemente, os
probabilidade produz tanto reforços indivíduos estão envolvidos em
positivos imediatos quanto aversivos situações de escolha entre diferentes
atrasados. alternativas, e estas são influenciadas
Não há outra razão para justificar por um grande número de fatores, tais
o porquê de alguém desenvolver o como atraso, quantidade e
autocontrole, a não ser que considere probabilidade de obter determinado
a existência de consequências reforço (Coelho, 1999; Hanna e
conflitantes. Para Nico (2001), sobre Ribeiro, 2005; Souza e Abreu-
essa concepção, é importante ressaltar Rodrigues, 2007).
que o autocontrole será tanto mais Tomando por base o paradigma
necessário quanto maior for o conflito operante de Skinner (1953/1998), todo
entre as contingências de reforço. Sob comportamento operante é controlado
condições nas quais a punição for por suas consequências, de forma que
branda e o reforçador extremamente os comportamentos que no passado
poderoso, o indivíduo não precisará se tiveram consequências reforçadoras
autocontrolar, apenas se comportar tendem a ser emitidos novamente em
sob controle do reforçador. Caso a situações semelhantes. A perspectiva
condição seja oposta, sendo a punição comportamental para o
extremamente poderosa e o reforçador comportamento de escolha é focada
não tão valioso naquele momento, não nas relações funcionais entre os
haverá necessidade de autocontrole. comportamentos dos organismos e seu
Nessa situação, o indivíduo irá ambiente; por isso não se atribuem
esquivar-se, fugir ou utilizar o efeitos determinantes a causas
contracontrole. internas.
O autocontrole é um tipo de Relacionado a esse tema, podem
situação de escolha entre diferentes ser citados os repertórios de tomada
alternativas. As escolhas são de decisão e solução de problemas.
comportamentos que ocorrem em
função não apenas de suas próprias O repertório denominado “tomada
consequências, mas também das de decisão” não se refere a decidir
consequências de comportamentos entre uma alternativa e outra, mas é
alternativos. São influenciadas por caracterizado por manipular variáveis
Resposta Modificação Ambiental Resposta
controlada Sr/Sd controlada

Manipular VariáveisProbabilidade
Ambientaisalterada

Sr

Figura 6.2 Esquema da interação sujeito-ambiente no autocontrole (Nico, 2001).


134 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

para aumentar ou diminuir a probabilidade de ocorrer, e a


probabilidade de uma resposta manipulação de variáveis consiste em
(Santos e Borges, 2005). As pessoas produzir conhecimento adicional
tomam decisões a partir de um sobre as consequências, tornando mais
ponto de referência: de acordo com provável a emissão de uma resposta
as circunstâncias, a decisão pode em relação à outra (Nico, 2001;
mudar. O ponto de referência pode Santos e Borges, 2005; Skinner,
sofrer modificação pela maneira em 1953/1998).
que se apresenta um determinado A característica principal dos
problema ou pelos estados comportamentos de autocontrole é
transitórios de motivação (Todorov, que as respostas e as consequências
2003). são conhecidas; na tomada de decisão,
as respostas são conhecidas, contudo
Na solução de problemas, o não se conhecem as consequências; na
indivíduo não discerne qual resposta solução de problemas, as
produz consequências são conhecidas e o
um determinado reforçador; por isso indivíduo não pode emitir a resposta.
não identifica a resposta, mas sim o Esses três tipos de repertórios
reforço. comportamentais estão relacionados à
A resposta que produz o reforço pode autonomia e à independência, uma
ou não fazer parte do seu repertório. vez que o próprio indivíduo faz o
Ele não a emite porque não é capaz de manejo das condições para a
identificá-la ou por não a possuir em ocorrência de uma ou outra resposta.
seu repertório comportamental. Em outras palavras, auto-observação,
Contudo, o indivíduo manipula as autoconhecimento70 e autocontrole são
variáveis, públicas ou privadas, repertórios relevantes para qualquer
alterando assim a situação-problema e indivíduo e devem ser meta de toda
possibilitando o aparecimento da terapia (Santos e Borges, 2005;
resposta-solução e a resolução do Skinner, 1953/1998).
problema. Ou seja, solucionar o A maior parte do autocontrole é
problema não é a emissão da resposta culturalmente determinada,
final, mas emitir o conjunto de particularmente por agências éticas,
comportamentos precorrentes que religiosas e governamentais (Skinner,
aumentam a probabilidade da solução. 1953/1998). Em concordância com as
Assim, uma resposta estabelece a proposições skinnerianas, Rachlin
ocasião para que outra resposta seja (1990, citado por Baum, 1994/1999)
mais provável (Santos e Borges, afirma que o comportamento presente
2005). não depende exclusivamente de
A diferença entre tomada de eventos presentes, mas também de
decisão, solução de problema e eventos passados. Ou seja, os eventos
autocontrole é que apenas no ambientais afetam o comportamento
autocontrole o indivíduo conhece, não de forma instantânea, mas como
antecipadamente, tanto as respostas um conjunto. Assim, em uma mesma
possíveis quanto as consequências a
70 Para maiores discussões acerca de
serem produzidas por cada uma delas. autoconhecimento, ver, por exemplo, os
As respostas possíveis têm a mesma Capítulos 4 e 10.
Análise Comportamental Clínica 135

situação, indivíduos com histórias impulsividade. Em seus trabalhos


diversas podem vir a comportar-se de mais recentes (1989, 2000, citado por
formas também diversas, pois um Hanna e Todorov, 2002), Rachlin
mesmo parâmetro pode exercer aponta que, em alguns casos, a análise
controle diferente sobre os do autocontrole identifica
comportamentos (Coelho, 1999). consequências molares melhores,
Nesse sentido, a modelagem contrastando com a escolha da
(mudança no comportamento devido à alternativa de reforço menor imediato
exposição direta às diferentes (molecular).71
contingências de reforçamento e Não é surpreendente que uma
punição) fornece um contexto para discussão detalhada do autocontrole
melhor compreensão do envolva inevitavelmente a discussão
comportamento, sem a qual este seria de alguns princípios gerais do
extremamente mal-entendido. A comportamento. Por exemplo, Rachlin
modelagem é não apenas um iguala o compromisso com uma
mecanismo para a melhor redução na liberdade, uma equação na
compreensão do comportamento, mas qual ele acredita somente em um
também uma técnica poderosa para sentido estreito. Rachlin questiona o
modificá-lo. Se pudermos controlar porquê de o compromisso levar ao
nosso comportamento desejado, aumento do autocontrole. Ele explica
aumentaremos extremamente sua que, quando escolhemos um padrão
probabilidade de ocorrência. A comportamental, estamos reduzindo
modelagem do comportamento é nossas opções futuras, ou seja,
importante para compreender as reduzindo o potencial de variabilidade
situações de autocontrole que de nosso comportamento futuro.
envolvem o comportamento Assim, em um padrão
complexo, como é o caso da comportamental particular, nós
reabilitação de criminosos (Hanna e abandonamos todos os padrões
Ribeiro, 2005), do alcoolismo potenciais restantes. A diferença entre
(Rachlin, 2000, citado por Fantino e o prisioneiro e a pessoa livre é que a
Stolarz-Fantino, 2002) ou de qualquer pessoa livre pode potencialmente
dependência química (Souza e Abreu- fazer o que o prisioneiro pode, além
Rodrigues, 2007). de outras coisas. Um pombo
Rachlin foi um dos primeiros apresentado com a escolha entre uma
investigadores a reconhecer o recompensa menor imediata e uma
autocontrole como um exemplo recompensa maior atrasada pode,
especial de escolha e a indicar que o consistentemente, preferir a primeira
comportamento que envolve o delas. Se mais tarde, entretanto, o
autocontrole deve, consequentemente, pombo tinha se comprometido à
obedecer às leis normais da escolha recompensa maior-tarde, ele reduziria
(Fantino e Stolarz-Fantino, 2002). potencialmente a variabilidade de seu
O autor define autocontrole como comportamento. Ou seja, reduziria sua
a escolha ou a preferência pela liberdade. O compromisso significa a
alternativa de reforçamento maior
atrasado, sendo a escolha do estímulo 71 Ver o capítulo de Marçal, neste livro, para
maiores discussões acerca da diferença entre
reforçador menor imediato chamada
análise molar e análise molecular.
136 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

redução da liberdade, e a liberdade ser considerados que existem dois


significa a potencialidade à operantes concorrentes e
variabilidade comportamental. Assim, incompatíveis: R1 = olhar para o
o compromisso significa a redução da palestrante à sua frente, e R2 = olhar
variabilidade comportamental para uma cena interessante na sala ao
potencial (Rachlin, 2000, citado por lado. Algumas vezes definimos a
Fantino e StolarzFantino, 2002). segunda resposta pela negativa da
Como já dito, a temática da primeira, considerando, por exemplo,
escolha entre as alternativas que não olhar ou não prestar atenção à
diferem nos termos de atraso e o valor palestra. O exemplo oferecido por
do reforço foi estudada sob o tema de Skinner realmente se insere no
autocontrole. contexto de autocontrole quando a
cena interessante inclui uma pessoa
Se um organismo for confrontado atraente e o palestrante está
com uma escolha entre um discorrendo sobre um assunto que, em
reforçador maior e mais atrasado e longo prazo, tem a probabilidade de
um reforçador menor e mais lhe valer um emprego ou uma
imediato, a escolha do menor e mais promoção. Nesse caso, o termo
imediato é chamada de autocontrole pode ser empregado com
impulsividade, enquanto a escolha o sentido de “evitar a tentação”. A
do reforçador maior e mais atrasado resposta que dá acesso ao “fruto
é descrita como autocontrole. proibido” é a mesma que produz
algum tipo de consequência aversiva
ou suspensão/atraso de reforçadores, e
O atraso e a magnitude são
ambas podem ser melhor
dimensões independentes, e relativas,
compreendidas por intermédio da
do reforçador; atraso e magnitude
análise da contingência tríplice na
controlam a preferência (Grace,
qual cada resposta possível é inserida
1999).
(Todorov, 1985, 1989, 1991):
Embora Skinner não tenha
produzido experimentos sobre SD1: R1 → SR1
autocontrole, ele falou sobre a
importância do assunto em várias SD2: R2 → SR2 (atrasado),
obras que produziu, e especificava
onde SD refere-se ao estímulo
interações entre comportamento e
discriminativo (estímulo na presença
contingências ambientais que devem
do qual a resposta é mais provável,
ser analisadas. No livro Ciência e
devido à sinalização de
Comportamento Humano
disponibilidade de consequências e,
(1953/1998), o autor dedicou um
na ausência do qual, a resposta é
capítulo à análise de comportamentos
menos provável); R refere-se à
relacionados ao autocontrole.
resposta de escolha e SR refere-se ao
Skinner (1953/1998) utilizou
estímulo reforçador (consequência
exemplos como fechar portas ou
produzida pela resposta operante).
cortinas, fechar os olhos ou ouvidos,
Nessa relação de contingências,
para eliminar estímulos que desviam a
R1 e R2 são incompatíveis e o atraso
atenção de uma palestra ou “evitar a
de SR2 reduz o seu valor reforçador;
tentação”. Nesses exemplos, podem
Análise Comportamental Clínica 137

desse modo, a probabilidade de R1 é apenas condições para R2. Vale


maior do que a probabilidade de R2. ressaltar que R1 era seguida
Entretanto, é possível a ocorrência de imediatamente por uma pequena
uma resposta controladora (Rc1) que quantidade maior de alimento após
modifique as condições ambientais e um atraso.
remova os determinantes de R1, por Nesse experimento, Rachlin e
exemplo, terminar com SD1. Por Green (1972) relataram que, quando
exemplo, fechar a cortina ou virar de os sujeitos escolhiam a chave A nos
costas para “a tentação” que podem elos iniciais, escolhiam a alternativa
também inverter as probabilidades de de impulsividade no elo terminal. A
R1 e R2. mudança de preferência para a
Pesquisa básica alternativa de compromisso (B) foi
Já foi apontado que o estudo observada apenas com a introdução de
experimental sobre autocontrole na um período mais longo (T) entre a
Análise do Comportamento está resposta nos elos iniciais (A ou B) e o
inserido na área de comportamento de início da segunda etapa. Nessa
escolha. Essa relação pode ser contingência simples, os
explicada devido ao fato de o pesquisadores falam sobre
comportamento de escolha influenciar autocontrole a partir do maior número
a emissão de todos os demais de escolhas do reforçamento maior
comportamentos operantes (Hanna e atrasado ou da preferência por essa
Ribeiro, 2005). alternativa (ver Figura 6.3).
Rachlin é conhecido por ser um Esse procedimento foi chamado
pesquisador de processos básicos do tecnicamente de esquemas
comportamento de escolha (Coelho, concorrentes com encadeamento (ou
1999; Hanna e Todorov, 2002). Em esquemas concorrentes encadeados).
1972, Rachlin e Green elaboraram um Na etapa inicial, o sujeito opta entre
procedimento com pombos. duas alternativas de respostas (chaves
Basicamente, os pesquisadores A e B), cada uma levando a uma
elaboraram um procedimento segunda etapa diferente. As respostas
nomeado de esquemas concorrentes na chave A produzem eventualmente
encadeados. A escolha era programada as condições de estímulo (SD) para R1
em dois estágios: no primeiro, o e R2. As respostas na chave B
sujeito era exposto a uma situação de produzem apenas as condições de
escolha entre uma alternativa de maior estímulo para R2. A emissão de R1 é
magnitude e maior atraso (alternativa seguida imediatamente por uma
de commitment) e uma alternativa pequena quantidade de alimento e a
com duas chaves (A e B) que emissão de R2 é seguida por uma
representavam uma recompensa quantidade maior de alimento após
menor imediata e a recompensa maior um atraso.
mais atrasada. Cada chave levava a A importância desse paradigma
uma segunda etapa diferente. As tem sido confirmada por estudos que
respostas emitidas na chave A mostram a preferência por uma das
produziam as condições de estímulo alternativas como dependente de
para R1 e R2; entretanto, as respostas fatores ambientais. No experimento de
emitidas na chave B produziam Rachlin e Green, em 1972, observou-
138 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

se que a escolha da alternativa de recompensa de maior magnitude ou


autocontrole varia em função de emitir uma resposta (tocar uma
valores absolutos e relativos do atraso campainha para chamar o
e da magnitude do reforço, do tipo de experimentador) que produz o reforço
programação do esquema concorrente menor imediato. Esse modelo
de reforçamento e da experiência experimental programa consequências
prévia de reforçamento com atrasos atrasadas e de magnitudes diferentes
progressivamente díspares (Hanna e em uma situação de escolha.
Todorov, 2002). Vale ressaltar que Pesquisas anteriores já haviam
estudos sobre escolha entre duas comprovado que o tempo de espera
alternativas que diferem em relação à está relacionado com idade e variáveis
quantidade e ao atraso do reforço sociais, tais quais respostas de outros
demonstram que a quantidade do frente às alternativas, K características
S2
reforçador e ao atraso combinam,
T mas R2 pessoais e instruções sobre o que
não têm relação de equivalência linear pensar ou fazer enquanto espera.
em seus efeitos sobre a escolha (Ito e Na perspectiva cognitivista de
Oyama, 1996). A Mischel, o autocontrole é a
W. Mischel e colaboradores posposição voluntária da gratificação
realizaram experimentos utilizando oR1 imediata e persistência do
K
que se chama atraso de gratificação comportamentoS1 direcionado para um
(Mischel e Baker, 1975; Mischel e alvo, devido às suas consequências
B
Ebbesen, 1970; Mischel, Ebbesen e atrasadas. A partir de seus estudos (p.
Zeiss, 1972, Mischel, Shoda e R2 ex., Metcalfe e Mischel, 1999, citado
Rodriguez, 1989; Mischel e por Hanna e Todorov,
K
S2 2002), Mischel

Rc1

Etapa InicialEtapa Final


(escolha)(resposta + atraso + reforçamento + timeout

Figura 6.3 Diagrama da contingência de comprometimento utilizada por


Rachlin e Green, em 1972. Fonte: Hanna e Todorov (2002).
Staub,1965 citados por Hanna e elaborou a proposta de um modelo
Todorov, 2002). Esse modelo é cognitivo baseado em representações
consistente com a análise de Skinner simbólicas da recompensa que
(1953/1998) sobre o tipo de incentivam ou esfriam ações que
autocontrole que elimina estímulos ou geram a recompensa imediata,
desvia a atenção. Os estudos de chamado de hot/cool-system analysis.
Mischel na área de Psicologia
Cognitiva são lidos e citados por Muitas pesquisas estabelecem e
analistas do comportamento. Nos enfatizam a relação entre
estudos realizados a partir desse autocontrole e escolha de
modelo, a tarefa consiste em a criança reforçadores atrasados (p. ex., Logue,
esperar por um período de tempo em 1988, citado por Hanna e Todorov,
uma sala experimental até que o 2002).
experimentador volte, para receber a
Análise Comportamental Clínica 139

Essa relação específica pode primeira fase experimental se propôs a


estabelecer uma restrição à avaliar a sensibilidade do
generalidade do fenômeno, mas, comportamento de escolha a
sobretudo, essas pesquisas magnitudes ou atrasos de reforço
relacionadas ao autocontrole não diferentes. Os resultados dessa
utilizam o procedimento de primeira fase mostraram que todas as
comprometimento, por isso as análises crianças preferiram o menor atraso
diferem da proposta de Skinner. quando as magnitudes nas duas
De acordo com a análise skinneriana, alternativas eram iguais, e a maior
o autocontrole envolve uma relação magnitude quando os atrasos eram
entre duas respostas, na qual a iguais. A segunda fase utilizou uma
primeira resposta (controladora) contingência de escolha segundo o
produz variáveis de tal forma que paradigma de autocontrole e
modifica a probabilidade da segunda introduziu uma tarefa durante o atraso
resposta (controlada). Segundo de maior magnitude, variando o
Rachlin e Green (1972), no dia a dia, esquema de reforçamento que
se as estratégias de compromisso não vigorava durante a tarefa. Se
vêm dispostas na contingência, mas comparados os resultados obtidos em
são inventadas pelo próprio indivíduo, cada condição, não foi observado
estamos mais inclinados a considerar efeito da inclusão da tarefa sobre o
como um processo de autocontrole. comportamento de escolha. A forma
Contudo, a versão mais recente do como o sistema de trocas foi
paradigma de autocontrole, com a estabelecido nesse trabalho garantiu a
omissão da etapa inicial do esquema manutenção da motivação dos
encadeado que caracteriza o participantes expostos a longas e
comprometimento, coloca em questão repetidas sessões experimentais.
a sua adequação como um modelo de Já Andrade (2005) desenvolveu
autocontrole. um estudo cujo objetivo foi investigar
Baquero (2005) realizou um o efeito de uma atividade
experimento cujo objetivo foi avaliar disponibilizada durante o atraso do
o efeito de diferentes consequências reforçador, com consequências
de uma tarefa sobre o comportamento reforçadoras que se somavam ou não
de crianças pré-escolares expostas a ao reforço gerado pela escolha dentro
contingências de escolha, conforme o do paradigma de autocontrole. Os
paradigma de autocontrole. Foi sujeitos do estudo foram sete crianças
desenvolvida uma ferramenta de de 6 anos, de uma escola pública do
pesquisa que permitiu programar a Distrito Federal. A contingência de
tarefa em extinção e com escolha básica era composta por
reforçamento, conforme a esquemas concorrentes. Os resultados
programação de condições mostraram que o procedimento
específicas. O experimento era produziu controle pela contingência e
composto de escolhas entre sensibilidade aos parâmetros do
magnitudes e atrasos diferentes reforço com crianças pré-escolares e
programados em esquemas reforço positivo condicionado. A
concorrentes encadeados com tarefa com reforço adicional
esquemas de intervalo variável. A aumentou as escolhas de autocontrole,
140 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

mas resultados variáveis foram próprio comportamento – objetivo


observados quando os reforços não básico de qualquer intervenção
eram incorporados à contingência de terapêutica. Contudo, ressaltam que os
escolha. Esses resultados sugerem que efeitos da aplicação das técnicas são
a facilitação do autocontrole depende modestos, em curto prazo, quando
dos ganhos produzidos por atividades utilizadas sozinhas. Os melhores
desenvolvidas durante o período de resultados são obtidos quando são
espera. aplicados com outras técnicas e
procedimentos psicoterápicos,
juntamente com mudança
Aplicação na clínica
comportamental e controle das
Os temas autocontrole e tomada de
contingências de reforçamento como
decisão são recorrentes em grande
um todo.
parte das terapias. O terapeuta não
Rehm (2002) afirma que o
tem acesso direto ao controle em
autocontrole na terapia não é uma
vigor sobre o comportamento do
teoria sistemática unificada no
cliente fora da sessão terapêutica. Em
comportamento humano, mas sim um
decorrência disso, grande parte da
grupo de técnicas e estratégias que
intervenção terapêutica se baseia na
têm alguns propósitos e algumas
interação entre terapeuta e cliente por
suposições comuns, embora
meio de relato verbal. A partir dessas
advenham de uma série de modelos
conversas, o terapeuta utiliza técnicas
teóricos diferentes. Estudos sobre
específicas, ensina a teoria e os
autocontrole apresentam resultados
métodos para fornecer estratégias de
que demonstram que populações
controle e modificação do
podem aprender a avaliar de forma
comportamento do cliente (Lé
efetiva o contexto ambiental e, assim,
Sénéchal-Machado, 2002; Rehm,
aprender a controlar eficazmente seu
2002; Skinner, 1989/1991). Técnicas
próprio comportamento, de acordo
de autocontrole desenvolvidas a partir
com critérios definidos externamente.
de estudos experimentais têm
Contudo, uma desvantagem de os
aplicação na clínica de forma ampla,
pacientes se autoavaliarem é a
principalmente devido ao fato de o
possibilidade de adotarem critérios
comportamento de escolha ser um
mais indulgentes do que os
fator de influência na emissão de
estabelecidos no programa de
outros comportamentos.
tratamento pelo terapeuta (Milan e
Milan e Mitchel (2002) afirmam
Mitchel, 2002).
que Rosenbaum e Drabman (1979), O
Rehm (2002) apresenta um
´Leary e O´Leary (1976) e Dubey
programa de autocontrole para a
(1979) foram os primeiros a utilizar
depressão, desenvolvendo-o como
procedimentos de autocontrole em
modelo-base para a terapia desse
pesquisa e na prática da generalização
transtorno. O autor afirma que, para se
e manutenção de comportamentos. Os
autocontrolar, a pessoa deve aplicar
autores observaram que o papel do
técnicas em diversos contextos, e
autocontrole, como o próprio nome
esses métodos são, em sua maioria,
diz, é permitir que os pacientes
cognitivos. Por meio dessas técnicas,
controlem tanto quanto possível seu
o indivíduo adquire a “programação
Análise Comportamental Clínica 141

mental” para a mudança cognitiva e a esvanecimento subtrativo para


aplica para modificar seu tratamentos de desintoxicação. Esse
comportamento manifesto. Essa procedimento surgiu da modificação
estratégia de autocontrole é utilizada dos parâmetros de reforçamento e
para auxiliar a pessoa a dominar o inclusão de uma alternativa de
ambiente externo – a comida em resposta para aumentar as escolhas
excesso que controla a pessoa obesa, o pela alternativa de autocontrole. Nesse
álcool que controla o alcoolista, os tipo de tratamento, ocorre a retirada
objetos fóbicos que controlam a gradual da substância tóxica presente
pessoa com transtornos de ansiedade72 no organismo do indivíduo por meio
– e substituí-lo por um planejamento e da redução gradual das doses ou pela
controle internos. Contudo, o inclusão de drogasantídoto para que o
Behaviorismo Radical rejeita organismo se adapte à redução da
explicações que diferenciam a “parte” substância até sua retirada completa.73
interna da externa e que consideram a O esvanecimento combinado com
parte interna responsável pelo outras técnicas pode tornar a
controle do comportamento. Como ocorrência do comportamento de
dito anteriormente, não se considera autocontrole mais provável e
essa explicação válida porque não é duradouro. Um tratamento eficaz
uma descrição em termos deve, além de aplicar as diversas
compreensíveis e não torna o assunto técnicas de autocontrole, também
inteligível, ao invés disso, torna-o trabalhar com modificação de
ambíguo ou obscuro (Baum, repertório comportamental,
1994/1999). permitindo a ocorrência de
Trabalhos relacionados à comportamentos substitutos ou
prevenção de recaídas são uma incompatíveis com os
variação importante dos comportamentos-problema (Hanna e
procedimentos de autocontrole. Ribeiro, 2005).
Por se tratar de um fenômeno
A recaída caracteriza-se como uma complexo, o comportamento de
crise ou retrocesso das tentativas do autocontrole deve ser entendido como
paciente em mudar ou manter as multideterminado. Por isso, para
mudanças do seu comportamento, melhor resultado na aplicação clínica,
aplicáveis a dependências, como o é relevante a combinação de técnicas
alcoolismo, o uso de drogas ilícitas, o de autocontrole com outras técnicas,
hábito de fumar, o comer em excesso como, por exemplo,
e aos programas de mudança de autoconhecimento, autorregras e
comportamento em geral (Caballo e autorreforço.
Buela, 2002). Reis, Teixeira e Paracampo (2005)
De acordo com Hanna e Ribeiro
(2005), existem tratamentos médicos e 73 O problema da adição e sua relação com a
impulsividade é abordado por Souza e Abreu-
psicológicos que utilizam técnicas de
Rodrigues (2007), com a análise do filme
“Réquiem para um sonho”. As autoras apontam
72 Caballo e Buela (2002) relatam o uso do pesquisas básicas relacionadas ao tema e
autocontrole para o tratamento da ansiedade, realizam análises funcionais dos
proposto por Suinn e Richardson, em 1971, em comportamentos de quatro personagens que
forma de treinamento. emitem comportamentos aditivos.
142 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

discutem o papel das autorregras na CONSIDERAÇÕES FINAIS


emissão de comportamentos O autocontrole é um tema amplo e
alimentares autocontrolados. Para as dificilmente seria abordado
autoras, boa parte da demanda clínica plenamente em um único trabalho.
está relacionada à necessidade de Constantemente, decisões são
aprender a emitir comportamentos tomadas, escolhas são feitas e prefe-
autocontrolados. Esse aprendizado rências são demonstradas pelas
pode ser estimulado por meio da pessoas. Escolher é uma resposta
modelagem de descrições verbais comportamental a um entre vários
adequadas das contingências. O estímulos acessíveis (Skinner,
modelo utilizado para as técnicas de 1953/1998). O autocontrole está
autocontrole aplicadas ao relacionado ao comportamento de
comportamento é baseado naquelas escolha, e essa relação é interessante e
propostas por Skinner (1953/1998). importante por tornar o fenômeno
Essa técnica se baseia no controle por ainda mais complexo. Entretanto,
autorregras e utiliza a mudança de quando essa relação é feita com a
estímulos discriminativos, a privação consideração de que esse é apenas um
e saciação, a manipulação de dos elementos da análise, torna-se
condições emocionais, o uso de evidente que está longe de descrever e
estimulação aversiva, o uso de drogas explicar os vários usos do termo
para estimular o efeito de outras autocontrole.
variáveis no autocontrole, o O comportamento é um fluxo
autorreforço do comportamento contínuo e indivisível, embora para
operante, a autoestimulação aversiva e efeito de compreensão seja tomado
a emissão de comportamentos em pedaços arbitrariamente
alternativos ou incompatíveis. Além quebrados. Por isso, na vida diária, as
dessas, sugere-se a utilização das pessoas não conseguem prever
técnicas de autocontrole apresentadas totalmente as implicações das
por Rachlin, tais como as de escolhas ou tomadas de decisões nas
autocontrole de “força bruta”, de situações que vivenciam. A partir do
autorreforço e de compromisso. momento em que o comportamento
Um aspecto da ausência de for tratado como processo, e não
autocontrole faz referência à como produto, sem cisões entre o que
dificuldade do próprio sujeito em o organismo faz e o ambiente no qual
antecipar as consequências do seu opera, psicólogos (pesquisadores ou
comportamento (Santacreu, 2002). O clínicos) poderão oferecer explicações
desenvolvimento do e intervenções mais efetivas (Cruz,
autoconhecimento e do repertório de 2006).
análises funcionais como um todo, Em resultados de pesquisas, foi
permite ao indivíduo maiores observado que o aumento do risco
possibilidades de previsão e relacionado à diminuição da
modificação de seus comportamentos. probabilidade ou do aumento do
Como já dito, isso é o objetivo maior atraso das alternativas diminui a
de qualquer procedimento clínico preferência por elas. Ou seja, as
(Skinner, 1953/1998 e 1989/1991). alternativas menos atrasadas são
preferidas em relação às alternativas
Análise Comportamental Clínica 143

de mesma magnitude mais atrasadas homem tem de se modificar,


ou com menor probabilidade de ganho modificando o meio em que vive. Em
(Coelho, 1999). Esses dados outras palavras, autoconhecimento e
demonstram que, cotidianamente, é autocontrole permitem escolher sob
mais provável que as pessoas quais contingências estará submetido,
escolham por quaisquer outras assim como modificar essas
alternativas em detrimento do contingências.
autocontrole. Em termos do senso- Com o autoconhecimento, o ser
comum, tenderíamos a ser seres humano pode planejar sua vida. Não
impulsivos. pode ser totalmente livre, mas pode
É importante lembrar que o termo manipular o ambiente, trocando
autocontrole é genérico e, segundo controles coercitivos por menos
Skinner (1953/1998, p. 224), “a coercitivos (Brandenburg e Weber,
resposta controladora pode manipular 2005; Kerbauy, 2006). Essa mudança
qualquer das variáveis das quais a contribuiria para um relacionamento
resposta controlada é função; interpessoal mais positivo, por
portanto, há muitas formas diferentes exemplo, o que é de extremo valor
de autocontrole”. Assim sendo, para a clínica.
qualquer conhecimento sobre os De acordo com Skinner
determinantes comportamentais pode (1953/1998), a partir das diversas
ser relevante para uma análise de técnicas de autocontrole, tais como
fenômenos complexos como o restrição física, mudança de
autocontrole. estímulos, privação e saciação e uso
O autocontrole como resposta de estimulação aversiva, uma pessoa é
controladora está ligado ao conceito capaz de controlar estímulos para
de autoconhecimento, uma vez que modificar seu próprio comportamento.
esse conceito implica conhecer a Assim, o autoconhecimento torna-se
história da espécie humana, a história um tipo de ferramenta auxiliar para
do próprio indivíduo e a cultura em mudança de comportamento por meio
que está inserido. O Behaviorismo do autocontrole, sendo uma condição
Radical propõe que o homem seja necessária, mas não suficiente, para a
produto da interação com o meio em aquisição de autocontrole (Beckert e
que vive, ou seja, ele age no meio e Abreu-Rodrigues, 2002). Ressalta-se
sofre a ação desse meio de forma que a probabilidade de modificação
contínua (Skinner, 1953/1998, do meio é maior quando o
1957/1978 e 1974/1982). Entender as autoconhecimento é mais elaborado,
variáveis envolvidas nesse processo não sendo apenas a discriminação dos
de interação é fundamental para quem próprios comportamentos, mas
busca uma melhoria na qualidade de também a discriminação das
vida. Nessa concepção, segundo condições nas quais faz o que faz
Todorov (1982), o homem é visto (Batitucci, 2001, citado por
como parte da natureza. A ideia de Brandenburg e Weber, 2005).
interação entre o indivíduo e o meio- Essa ocorrência no
ambiente amplia a concepção de comportamento de autocontrole pode
liberdade do ser humano, pois ser compreendida como um aspecto
demonstra a possibilidade que o de comportamento proposital. O
144 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

propósito, nesse caso, não é causa, comportamento de autocontrole (ou


mas apenas o indício de que uma de qualquer outro comportamento),
pessoa age com consciência das permitindo que a análise dos eventos
consequências reforçadoras. De ambientais responsáveis pelo
acordo com Skinner (1974/1982), as comportamento seja mais complexa
razões são as consequências (Guerin, 1994; Skinner, 1953/1998,
reforçadoras que mantêm o 1974/1982).
comportamento; quando o indivíduo Outra contribuição importante
tem consciência dessas razões, pode- para a compreensão do
se dizer que o comportamento é comportamento de autocontrole se dá
proposital (de Rose, 1982; por meio da análise de que,
Brandenburg e Weber, 2005). Com frequentemente, os estados emotivos
isso, percebe-se como o ou motivadores têm conexão com as
autoconhecimento possibilita circunstâncias externas responsáveis
comportamentos propositais e, assim, por eles (Skinner, 1974/1982). Isso
maximização de reforçamento modifica a concepção de
positivo para o indivíduo. internalização de causas, tais como
Segundo Skinner (1953/1998), o traços de personalidade, para a
autocontrole não implica compreensão das contingências de
necessariamente uma situação de reforçamento presentes e passadas que
escolha, sugerindo em alguns casos a influenciam o comportamento.
resposta controladora como uma Contudo, quando se compara o
forma de restringir/eliminar as modelo experimental com o modelo
alternativas da resposta controlada. conceitual de autocontrole de Skinner
Hanna e Todorov (2002) afirmam que (1953/1998), são encontradas apenas
Rachlin apresenta em seu modelo a algumas semelhanças relevantes com
escolha associada às situações de o fenômeno em situação natural
autocontrole. Os estudos sobre (Hanna e Ribeiro, 2005). Por isso,
comportamento de escolha são para uma maior compreensão do
relevantes para compreender quais fenômeno de autocontrole, bem como
variáveis tornam as respostas de das variáveis que determinam o
autocontrole mais prováveis, comportamento de escolha, é
devendo-se enfatizar a relevância da importante o desenvolvimento de
compreensão do contexto e da sua estudos para a aplicação dos
influência sobre o comportamento conhecimentos já existentes.
controlado. É surpreendente a inexistência de
Uma importante contribuição da estudos experimentais na Análise
Análise do Comportamento na Experimental do Comportamento
compreensão do autocontrole é a sobre a interação de contingências
compreensão da limitação das ficções operantes e respondentes vinculadas
explanatórias autônomas. Essas ao autocontrole, uma vez que o
explicações obstruem a indagação e desenvolvimento desse conhecimento
não explicam o comportamento. Por demonstra grande utilidade tanto para
isso, a utilização de uma linguagem o contexto da clínica, como para
não-mentalista evita o obscurecimento outros contextos de aplicação (Hanna
dos efeitos da história do indivíduo no e Todorov, 2002). O objetivo do
Análise Comportamental Clínica 145

presente trabalho não foi apresentar Dissertação de Mestrado não publicada,


técnicas de autocontrole, mas apontar Universidade de Brasília, Brasília.
o quanto o estudo deste tema é Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o
Behaviorismo: Ciência, comportamento
relevante para a aplicação clínica.
e Cultura (M. T. A. Silva, G. Y.
Em suma, o estudo de fenômenos Tomanari & E. E. Z. Tourinho, trads.).
experimentais é justificado pela Porto Alegre: Artmed.
aplicação e fornecimento de dados Beckert, M. E. & Abreu-Rodrigues, J.
relevantes para a compreensão geral (2002). Autoconhecimento, autocontrole
do autocontrole e oferece e terapia analítico-comportamental.
possibilidades de uma progressão da Anais do XI Encontro Brasileiro de
Psicoterapia e Medicina
tecnologia da Análise do Comportamental (p. 112). XI Encontro
Comportamento aplicada ao meio Brasileiro de Psicoterapia e Medicina
ambiente, ao equilíbrio social, à Comportamental, agosto de 2002,
preservação da saúde, etc., que poderá Londrina.
reduzir os problemas atuais, Brandenburg, O. J. & Weber, L. N. D.
contribuindo para o desenvolvimento (2005).
do indivíduo, da cultura e da Autoconhecimento e liberdade no Beha-
viorismo Comportamental. Psico-USP,
sociedade. Contudo, ainda é 10, 87-92.
necessária a realização de estudos Caballo, V. E. & Buela, G. (2002). Técnicas
para o desenvolvimento do diversas em terapia comportamental.
conhecimento acerca das variáveis Em V. E. Caballo (Org.), Manual de
determinantes dos processos de Técnicas de Terapia e Modificação do
escolha, a fim de possibilitar a sua Comportamento (pp. 685-718). São
Paulo: Editora Santos.
aplicação, além do investimento na
Cabral, A. & Nick, E. (2000). Dicionário
aplicação desses conhecimentos por
Técnico de Psicologia. São Paulo:
meio de alterações no ambiente físico Cultrix.
e social (Skinner, 1953/1998, Castanheira, S. S. (2001). Autocontrole: a
1957/1978). linguagem do cotidiano e a da análise
do comportamento. Em R. C. Wielenska
(Org.), Sobre Comportamento e
REFERÊNCIAS Cognição: Vol. 6. Questionando e
Abreu-Rodrigues, J. & Sanabio, E. T. (2001). ampliando a teoria e as intervenções
Eventos privados em uma psicoterapia clínicas em outros contextos (pp. 53-
externalista: causa, efeito ou nenhuma 61). Santo André: ESETec.
das alternativas? Em H. J. Guilhardi Coelho, C. (1999). Análise quantitativa e
(Org.), Sobre Comportamento e individual do valor subjetivo do reforço
Cognição: Vol. 16. Expondo a em situações hipotéticas de risco: efeito
variabilidade (pp. 206-216). Santo de quantias e de instruções. Dissertação
André: ESETec. de Mestrado não publicada,
Andrade, L. F. (2005). Efeito de Universidade de Brasília, Brasília.
reforçamento programado para a tarefa Cruz, R. N. da (2006). Uma introdução ao
durante o atraso de reforço sobre a conceito de autocontrole proposto pela
escolha no paradigma de autocontrole. Análise do Comportamento. Revista
Dissertação de Mestrado não publicada, Brasileira de Terapia Comportamental
Universidade de Brasília, Brasília. e Cognitiva, VIII, 85-94.
Baquero, R. G. (2005). Escolha no de-Farias, A. K. C. R., Ribeiro, M. R.,
paradigma de autocontrole: Efeito de Coelho,
reforçamento ou extinção na tarefa C. & Sanabio-Heck, E. T. (2007).
programada para o atraso do reforço. Laranja Mecânica: Uma análise
146 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

behaviorista radical. Lé Sénéchal-Machado, A. M. (2002). A


Em A. K. C. R. de-Farias & M. R. manipulação no contexto clínico. Em H.
Ribeiro (Orgs.), Skinner vai ao J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P. P.
cinema (pp. 30-47). Santo André: Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre
ESETec. Comportamento e Cognição:
de Rose, J. C. C. (1982). Consciência e Vol. 10. Contribuições para a
propósito no behaviorismo radical. Em construção da Teoria do
B. Prado Júnior (Org.), Filosofia e Comportamento (pp. 16-23). Santo
comportamento (pp. 6791). São Paulo: André: ESETec.
Brasiliense. Milan, M. A. & Mitchell, P. (2002).
Fantino, E. & Stolarz-Fantino, S. (2002). Generalização e a manutenção dos
From patterns to prosperity: A review of efeitos do tratamento. Em V. E.
Rachlin’s the science of self-control. Caballo (Org.), Manual de Técnicas
Journal of the Experimental Analysis of de Terapia e Modificação do
Behavior, 1, 117-125. Comportamento (pp. 111-130). São
Ferreira, M. B. (1999). Novo Aurélio Paulo: Editora Santos.
Século XXI: O dicionário da língua Moreira, M. B. (2007). Curtindo a vida
portuguesa. Rio de Janeiro: Nova adoidado: Personalidade e causalidade
Fronteira. no behaviorismo radical. Em A. K. C.
Grace, R. C. (1999). The matching-law and R. de-Farias & M. R. Ribeiro (Orgs.),
amount-dependent exponential Skinner vai ao cinema (pp. 11-29).
discounting as accounts of self-control Santo André: ESETec.
choice. Journal of the Experimental Nico, Y. C. (2001). O que é autocontrole,
Analysis of Behavior, 1, 27-44. tomada de decisão e solução de
Guerin, B. (1994). Analyzing social problemas na perspectiva de B. F.
behavior: Skinner. Em H. J. Guilhardi (Org.),
Behavior analysis and the social Sobre Comportamento e Cognição:
sciences. Reno: Context Press. Vol. 7. Expondo a variabilidade (pp. 62-
Hanna, E. S. & Todorov, J. C. (2002). 70). Santo André: ESETec.
Modelos de autocontrole na análise Rachlin, H. & Green, L. (1972).
experimental do comportamento: Commitment, choice, and self-
utilidade e crítica. Psicologia: Teoria e control. Journal of Experimental
Pesquisa, 18, 337-344. Analysis of Behavior, 17, 15-22.
Hanna, E. S. & Ribeiro, M. R. (2005). Rehm, L. P. (2002). Métodos de
Autocontrole: um caso especial de autocontrole. Em V. E. Caballo (Org.),
comportamento de escolha. Em J. Manual de Técnicas de Terapia e
Abreu-Rodrigues & M. R. Modificação do Comportamento (pp.
Ribeiro (Orgs.), Análise do 581-605). São Paulo: Editora Santos.
Comportamento: Reis, A. A., Teixeira, E. R. & Paracampo, C.
Pesquisa, teoria e aplicação (pp. 175- C. P. (2005). Autorregras como
187). Porto Alegre: Artmed. variáveis facilitadoras na emissão de
Ito, M. & Oyama, M. (1996). Relative comportamentos autocontrolados: o
sensitivity to reinforcer amount and exemplo do comportamento alimentar.
delay in a selfcontrol choice situation. Revista Interação em Psicologia.
Journal of the Experimental Analysis of Retirado no dia 15 de junho de 2006, do
Behavior, 66, 219-229. site
Kerbauy, R. R. (2006). Controle, http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.
contracontrole e autocontrole: php/psicologia/article/viewFile/3286/2630.
Problemas e implicações. Em R. R. Ryle, G. (1949). The concept of mind.
Starling & K. A. Carvalho (Orgs.), London: Hutchinson & Co.
Ciência do Comportamento: Santacreu, J. (2002). O treinamento em
Conhecer e Avançar (Vol. 5, pp. 16- autoinstruções. Em V. E. Caballo
24). Santo André: ESETec. (Org.), Manual de Técnicas de Terapia
Análise Comportamental Clínica 147

e Modificação do Comportamento (pp. Tourinho, E. M. (2001). Eventos privados em


539-556). São Paulo: Editora Santos. uma ciência do comportamento. Em R.
Santos, A. C. G. & Borges, F. S. (2005). A.
Da reflexão a ação: uma análise do Banaco (Org.), Sobre Comportamento e
autocontrole, tomada de decisão e Cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos,
solução de problemas. Retirado no metodológicos e de formação em análise do
dia 15 de junho de 2006, do site comportamento e terapia cognitivista (pp.
http://www.ibac.com.br/doc/ 172-184). Santo André: ESETec.
downloads/V_Enc_Apres_Autocontr
ole_ Decisao_e_Escolha.ppt.
Skinner, B. F. (1953/1998). Ciência e
Comportamento Humano (J. C.
Todorov & R. Azzi, trads.). São
Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1957/1978). O
comportamento verbal (M. da P.
Villalobos, trad.). São Paulo: Cultrix.
Skinner, B. F. (1974/1993). Sobre o
Behaviorismo (M. da P. Villalobos,
trad.). São Paulo: Cultrix.
Skinner, B. F. (1980). Contingências do
reforço: uma análise teórica. Coleção
“Os Pensadores”. São Paulo: Abril
Cultural.
Skinner, B. F. (1989/1991). Questões
Recentes na Análise Comportamental
(A. L. Neri, trad.). São Paulo: Papirus.
Souza, A. da S. & Abreu-Rodrigues, J.
(2007). Réquiem para um sonho:
uma visão comportamental da
impulsividade e adição. Em A. K. C.
R. de-Farias & M. R. Ribeiro
(Orgs.), Skinner vai ao cinema (pp.
115136). Santo André: ESETec.
Todorov, J. C. (1982). Behaviorismo e
análise experimental do
comportamento. Cadernos de Análise
do Comportamento, 3, 10-23.
Todorov, J. C. (1985). O conceito de
contingência tríplice na análise do
comportamento humano. Psicologia:
Teoria e Pesquisa, 1, 140-146.
Todorov, J. C. (1989). A psicologia como o
estudo de interações. Psicologia: Teoria
e Pesquisa, 5, 325-347.
Todorov, J. C. (1991). O conceito de
contingência na psicologia
experimental. Psicologia: Teoria e
Pesquisa, 7, 59-70.
Todorov, J. C., Coelho, C. & Hanna, E. S.
(2003). O que, como e porque escolher.
Revista Univerciência, 33-38.
Capítulo 7
Análise Comportamental Clínica 149

Análise Comportamental do Transtorno


de Ansiedade Generalizada (TAG)
Implicações para Avaliação e
Tratamento74

74 O presente trabalho é parte da monografia de conclusão do curso de especialização em Análise


Comportamental Clínica, no Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento, defendida pelo
primeiro autor, sob orientação da segunda autora.
150 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

André Amaral Bravin75 medo/ansiedade77 tem a função de


Ana Karina Curado Rangel de-Farias evitar danos e preservar o organismo
de injúrias. De fato, ao se avaliar a
função das respostas eliciadas, lista-se
que o aumento na frequência
MEDO, ANSIEDADE
respiratória e cardíaca, com potencial
FISIOLÓGICA E TRANSTORNO hipertensão arterial, disponibilizam
DE ANSIEDADE GENERALIZADA maior fluxo sanguíneo ao organismo e
(TAG): UMA QUESTÃO oxigênio dissolvido no sangue,
CONCEITUAL fundamentais para o aumento do
A ansiedade tem sido descrita como metabolismo de músculos que podem
estado interno desencadeado (eliciado ser requisitados em comportamento de
e/ ou evocado) por situações luta ou fuga de um predador ou
ameaçadoras, em que o perigo é adversário. A diminuição no fluxo
potencial, porém ainda não presente no sanguíneo de vasos periféricos
ambiente; a esse caso, diz-se tratar-se contribui para a diminuição ou para a
de uma ansiedade natural, normal ou ausência de sangramento no caso de
fisiológica. Esse estado interno é algum ferimento; a midríase pupilar,
composto por vários em conjunto com a exoftalmia,
comportamentos76, dentre os quais, permite ao organismo ampliar seu
pensamentos e sensações (como campo de visão, o que pode favorecê-
sensações e sentimentos difusos, lo no caso de uma fuga; a hiper-
desagradáveis e vagos de apreensão); reflexia contribui aumentando reflexos
comportamentos controlados pelo que podem ser requeridos no momento
sistema neurovegetativo, o que de fuga ou luta; e, em função de
envolve respostas como aumento na tamanha mobilização vascular para a
frequência respiratória e cardíaca; musculatura esquelética e o cérebro, o
hipertensão arterial; diminuição no desconforto abdominal seria
fluxo sanguíneo de vasos periféricos; consequência de baixa disponibilidade
midríase pupilar; exoftalmia; hiper- de sangue para os órgãos abdominais
reflexia; desconforto abdominal, etc
77 Duas sutis diferenças entre o conceito de
(Kaplan, Sadock e Grebb, 1997).
medo e ansiedade fazem-se presente na
literatura. O termo “medo” seria empregado
O que indica um caráter natural e quando o perigo não é “potencial”, e sim, real.
filogeneticamente estabelecido da Sentir os mesmos estados internos naturais
ansiedade é que a resposta de desencadeados pela presença real da ameaça (p.
ex., um assaltante) tem sido apontado como
resposta de medo. A segunda diferença apontada
75 O autor estava vinculado à pós-graduação em
diz respeito à cronicidade dos estados internos.
Ciências do Comportamento, na UnB, e à
Uma vez que o medo restringe-se ao momento
especialização em Análise Comportamental
da apresentação do estímulo eliciador/evocativo,
Clínica, no IBAC, quando da produção deste esse tem caráter agudo. A ansiedade, por sua
trabalho. Atualmente, leciona na UFG, campus vez, tende a ser crônica, uma vez que essa
Jataí. resposta é preparatória para outras respostas e
76 A definição de comportamento aqui comportamentos do organismo. Assim sendo, as
empregada será a defendida por Skinner respostas de ansiedade podem funcionar também
(1953/2000): qualquer relação organismo- como estímulos discriminativos e/ou operações
ambiente, seja ela reflexa (respondente) ou estabelecedoras frente a ameaças “difusas e
operante, pública ou privada. potenciais” (Kaplan et al., 1997).
Análise Comportamental Clínica 151

(Brandão, 2001). É possível supor, desencadeador não é um estímulo


portanto, que animais que qualquer e que a ameaça existe, porém
apresentavam essas respostas frente a o perigo é potencial (o bebê não será,
predadores ou a adversários eram mais necessariamente, abandonado pelos
eficientes em fugir (o que garantia pais, o aluno e o empregado não
maior tempo de vida para poder necessariamente sair-se-ão mal em
procriar-se) ou em lutar e disputar suas atividades) (Kaplan et al., 1997).
hierarquia (o que, em conjunto com o O que tornaria, então, a resposta
aumento no tempo de vida, de ansiedade
possibilitaria conseguir maior número problemática/perturbadora78 a ponto de
de parceiras para procriação). Em merecer uma categoria diagnóstica em
ambos os casos, isso implica aumentar manuais como a Classificação
as possibilidades de transmitir aos seus Estatística Internacionais de Doenças e
descendentes genes relacionados com Problemas Relacionados à Saúde (CID
esses comportamentos eliciados pelo – elaborado pela Organização Mundial
sistema neurovegetativo. Animais que de Saúde, OMS) e o Manual
não apresentavam tais respostas teriam Diagnóstico e Estatístico de
presumível desvantagem nos Transtornos Mentais (DSM –
comportamentos de luta e fuga, sendo elaborado pela Associação Psiquiátrica
mais facilmente predados, ou Americana, APA)? Alguns pontos
perderiam disputas de hierarquia com convergem na definição de ansiedade
outros machos de um bando, enquanto fenômeno problemático,
diminuindo suas possibilidades de sendo considerados limítrofes à
gerar descendentes (e transmitir persistência e à intensidade das
genes). A seleção natural, portanto, reações e respostas dadas às situações
pode ter sido mola propulsora dessas desencadeadoras. Assim sendo, o
reações sentidas e descritas quando se quadro apontado como Transtorno de
pensa nas respostas de ansiedade, que Ansiedade pela literatura psicológica e
predispõem nosso organismo para psiquiátrica envolve:
respostas de luta/fuga quando da
1. Excitação biológica com
iminência ou potencialidade de um
manifestações musculares e
perigo (Brandão, 2001; Graeff, 1999).
neurovegetativas (taquicardia,
reações galvânicas da pele,
Assim, a função da resposta de
ansiedade é a de preparar o 78 Será privilegiada no texto a denominação de
organismo para o enfrentamento de comportamento problemático ou perturbador, ao
invés de disfuncional ou desadaptativo, em
situações potencialmente punidoras
função de uma postura interventiva de grande
(nesse sentido, situações aversivas), valia explorada na clínica que visa, antes de
tais como um bebê que chora frente eliminar repertórios comportamentais, ampliá-
ao afastamento dos pais, uma criança los e programar novos padrões de
em seu primeiro dia de aula ou um comportamento. A abordagem construcional de
adulto iniciando em seu primeiro Goldiamond mostra-se efetiva na medida em
que essas intervenções efetivamente diminuem a
emprego. manifestação dos comportamentos
Diante dos quadros expostos, é perturbadores por meio da aprendizagem de
coerente falar de uma ansiedade novos comportamentos que possuem a mesma
natural, dado que o estímulo função do comportamento perturbador
(Gimenes, Andronis e Layng, 2005).
152 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

hiperventilação, sensação de evento que é experienciado como


sufocamento, suor, dor e tremores). ameaçador. Ver como exemplo os
2. Relatos verbais de estados internos códigos 300.29 e 300.23 no Quadro
desagradáveis (angústia, 7.1) que elicia e/ ou evoca (b) as
apreensão, medo, insegurança, respostas consideradas como sintomas
desconforto indefinido, etc.). (podem variar entre um ou mais
daqueles sentimentos, sensações e
Agrega-se a isso o fato de as
pensamentos supracitados; p. ex.,
respostas atrapalharem o
300.3 e 300.02 no Quadro 7.1), (c) o
funcionamento de vida diário, isto é:
tipo de comportamento emitido para
3. Redução na eficiência reduzir o contato com o estímulo
comportamental eliciador/evocativo (p. ex., 300.01 e
(comprometimento das habilidades 300.21 no Quadro 7.1), bem como a
sociais e acadêmico-profissionais; persistência e a intensidade dos
dificuldade de concentração, etc.). comportamentos eliciados/evocados
4. Reações de fuga ou esquiva.79 (p. ex., 309.81 e 308.3 no Quadro 7.1)
(Banaco e Zamignani, 2004; Graeff,
Em conjunto com os pontos 1999; Kaplan et al., 1997).
supracitados, são observados: Desse modo, o que orientará um
5. Considerável sofrimento para a profissional a escolher o diagnóstico
pessoa. de fobia social ou de fobia específica,
6. Evidências de que as respostas de por exemplo, será o tipo do estímulo
fuga-esquiva tomam considerável (eliciador ou evocativo) relacionado à
parte do dia (Banaco e Zamignani, resposta, assim como o tipo de
2004; Kaplan et al., 1997). respostas tidas como perturbadoras.
Cabe aqui abrir parênteses para uma
Na ampla categoria de importante distinção entre duas
“Transtornos de Ansiedade”, existem possíveis relações entre estímulos e
diversos diagnósticos. Os parâmetros respostas, que definirão os
para definição das categorias comportamentos como reflexos
diagnósticas levam em consideração: (respondentes) ou operantes. Os
(a) a circunstância desencadeadora respondentes são eliciados
(estímulos eliciadores condicionados (produzidos) por um estímulo
e/ ou discriminativos80, isto é, o tipo de antecedente e não produzem mudanças
79 Em situações ditas ansiogênicas, respostas no ambiente (ou não são controlados
que eliminem ou atenuem os estímulos por possíveis mudanças que
aversivos presentes são entendidas como
produzam); podem ser inatos
respostas de fuga. Nas mesmas situações,
respostas que posterguem ou evitem contato (incondicionais ou incondicionados,
com os mesmos estímulos são classificadas filogeneticamente determinados) ou
como respostas de esquiva (Moreira e Medeiros, aprendidos (condicionais ou
2007; Skinner, 1953/2000). condicionados). Os operantes são
80 Dizer que um estímulo é eliciador
condicionado consiste em dizer que ele adquiriu
propriedades de produzir respostas reflexas resposta é mais provável, devido à sinalização
devido a emparelhamentos com um estímulo de disponibilidade de consequências. Deve-se
que já eliciava esta resposta. Um estímulo dizer, ainda, que a resposta é menos provável na
discriminativo é aquele que evoca uma resposta ausência do estímulo discriminativo (condição
operante, ou seja, aquele na presença do qual a denominada s-delta).
Análise Comportamental Clínica 153

aqueles que produzem mudanças no Pânico com Agorafobia. Por fim, a


meio (tecnicamente denominadas persistência dos sintomas também
estímulos consequentes ou, mais poderá ser utilizada como
diretamente, consequências) e são, por delimitadora, quando os estímulos
sua vez, modificados por essas desencadeadores e as respostas
consequências. Nesse sentido, os emitidas para evitarem-se os estímulos
operantes são sempre aprendidos aversivos forem insuficientes. Como
(condicionados). A relação entre exemplo desse critério, tem-se o
respostas operantes e estímulos Transtorno de Estresse Pós-Traumático
antecedentes é uma relação e o Transtorno de Estresse Agudo.
probabilística, que depende de várias Para considerar-se Transtorno de
condições. Por isso, diz-se que um Estresse Agudo, a resposta deve
operante é evocado por determinado ocorrer por no mínimo dois dias e
estímulo ou conjunto de estímulos dentro de um período não superior a
antecedentes, e nunca eliciado, já que um mês. Caso se estenda por um
suas variáveis de controles período maior, assume-se o
fundamentais são as consequências diagnóstico de Transtorno de Estresse
que ele produz.81 PósTraumático (ver Quadro 7.1 para
Ainda tendo em vista a maiores detalhes desses e outros
classificação diagnóstica, poder-se-á transtornos).
atribuir o rótulo de ansiedade De maneira geral, as respostas
generalizada quando as respostas operantes nos transtornos de ansiedade
(sintomas, como são classicamente têm função de eliminar, evitar ou
referidas) forem difusas, ou transtorno postergar os estímulos e as respostas
obsessivo-compulsivo quando as classificadas como “sintomas”, isto é,
respostas envolvem, por exemplo, as respostas são reforçadas
medo de contaminação (via de regra o negativamente pela remoção ou pelo
indivíduo reconhece o caráter adiamento, pela minimização ou pela
irracional do responder). Os postergação dos eventos
comportamentos emitidos para reduzir desconfortáveis (aversivos), quer
o contato com o estímulo aversivo sejam públicos ou privados. Nesses
também orientam a escolha do termos, embora sejam diferentes
diagnóstico. A fuga, por exemplo, é quando consideradas sua topografia,
padrão de resposta utilizado por apresentam a mesma função, e isso
pessoas que recebem o diagnóstico de permite ao analista do comportamento
Transtorno de Pânico, ao passo que a fazer análises amplas, sem se
esquiva é padrão utilizado por aqueles preocupar com as especificidades
que recebem o rótulo de Transtorno de diagnósticas (Banaco e Zamignani,
2004).
81 Para uma melhor diferenciação de Os ditos Transtornos de Ansiedade
comportamentos reflexos (ou respondentes) e foram os mais afetados nas revisões
operantes, consultar textos que apresentam os
princípios básicos da área, tais como Moreira e
feitas pela Associação Psiquiátrica
Medeiros (2007) e Skinner (1953/2000). Em Americana do DSM, sobretudo a partir
uma análise do clássico filme “Laranja do DSM-III, quando o manual passou
Mecânica” (de-Farias, Ribeiro, Coelho e a preocupar-se com uma postura
Sanabio-Heck, 2007), podem ser encontradas ateórica (Cavalcante e Tourinho, 1998;
algumas situações ilustrativas.
154 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Kaplan et al., 1997). Até o DSM-III, o


Transtorno de Ansiedade Generalizada
era uma categoria residual, isto é,
servia ao diagnóstico de pessoas que
não reuniam os critérios para outros
diagnósticos (o que, atualmente, é
representado pelo código 300.00). Os
avanços nos conhecimentos acerca da
neurobiologia dos transtornos mentais
fizeram com que o manual
abandonasse a conceitualização dos
transtornos com base em formulações
psicodinâmicas, suprimindo termos
como “neurose” ou “reação”,
amplamente utilizados até o DSM-III,
passando-se a utilizar critérios clínicos
de validade e confiabilidade mais
amplamente reconhecidos (Andreoli et
al., 2001; Cavalcante e Tourinho,
1998; Kaplan et al., 1997). Já no
DSM-III-R, o TAG tornou-se entidade
diagnóstica distinta das demais
(Kaplan et al., 1997).
A questão da confiabilidade dos
diagnósticos em Psiquiatria tem sido
alvo de estudo, principalmente por
investigações epidemiológicas que se
propõem a avaliar a confiabilidade dos
diagnósticos por meio de instrumentos
específicos para esse fim. Em um
desses estudos que objeti-
155 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Quadro 7.1
Transtornos de Ansiedade segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-IV): Análise de estímulos, respostas e comportamentos (Fontes: APA, 2002;
Banaco e Zamignani, 2004; Kaplan, Sadock e Grebb, 1997).
Código Estímulo Resposta Eliciada / Comportamento
Diagnóstico Diagnóstico Desencadeador Evocada Operante

Transtorno de 293.89 Condição Médica Dependem da Fuga (eliminação)


Ansiedade Geral, a saber, Condição Médica e/ ou Esquiva
Devido a condições endócrinas Desencadeadora e (evitação)
Condição (p. ex.: hiper e variam na Topografia
Médica Geral hipotireoidismo), das Respostas. Pode
(decorrem de cardiovasculares (p. ser similar à de
ex.: insuficiência
efeitos outros transtornos de
cardíaca
fisiológicos ansiedade, variando
congestiva),
diretos de uma respiratórias (p. ex.: da ansiedade difusa
condição doença pulmonar ao pânico ou à
médica) obstrutiva crônica), sensação de morte
metabólicas (p. ex.: iminente, etc.
deficiência de
vitamina B12) e
neurológicas (p. ex.:
neoplasmas)

Transtorno Induzidos por Substâncias, tais Dependem da dose e Fuga (eliminação)


de Ansiedade diferentes como: álcool, da substância e/ ou Esquiva
Induzido por substâncias. anfetaminas, cafeína, utilizada e variam na (evitação)
Substância Deve-se cannabis, cocaína, Topografia das
Consultar alucinógenos, Respostas. Pode ser
Diagnósticos inalantes, dentre similar à de outros
de outros1 transtornos de
Transtornos ansiedade, variando
Relacionados da ansiedade difusa
a substâncias ao pânico ou
para código sensação de morte
específico iminente, etc.

Fobia Específica 300.29 Estímulo específico. Medo persistente, Fuga (eliminação)


virtualmente excessivo e irracional e/ ou Esquiva
qualquer coisa como em função da (evitação)
insetos/animais (p. presença ou
ex., barata ou cão), antecipação de
ambientes naturais objeto fóbico. A
(p. ex.: altura ou reação de medo
tempestade), pode ser manifesta
situações (p. ex.: variando da
aviões ou ansiedade difusa ao
156 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Quadro 7.1 (Continuação)


elevadores), dentre pânico.
outros.
1
É digno notar que estudos têm apontado que o efeito de drogas psicotrópicas também depende de variáveis
ambientais (para revisão, ver Barrett, 2002 e Branch, 2006). Essas evidências não se contrapõem aos achados
supracitados e não necessariamente invalidam a categoria diagnóstica, mas são pontos a serem considerados, e
devem-se somar às evidências apontadas pelo diagnóstico.

(Continua)

Código Estímulo Resposta Eliciada / Comportamento


Diagnóstico Diagnóstico Desencadeador Evocada Operante

Fobia Social 300.23 Situação social, Medo persistente, Fuga (eliminação) e/


situação de excessivo e irracional ou Esquiva
sesempenho, crítica e em função da (evitação)
avaliação social presença ou da
antecipação de
situações sociais. A
reação de medo pode
ser manifesta
variando da ansiedade
difusa ao pânico.

Agorafobia2 300.22 Medo (resposta que Temores, sofrimento, Esquiva (evitação).


sem história de também possui desconforto, Esquiva de
Transtorno de função ansiedade difusa ou situações onde é
Pânico discriminativa; em si de antecipação pela difícil obter auxílio,
é um estímulo possível onde esse poderia
condicionado manifestação de não estar
disponível ou onde
eliciado/evocado por crise.
a fuga é difícil ou
outros estímulo
embaraçosa em
ambientais) da caso de crise.
manifestação de Frequentemente
sintomas súbitos, passam a requisitar
incapacitantes ou companhia
embaraçosos,
mediante, sobretudo,
lugares com muitas
pessoas.

Transtorno de 300.01 Os ataques ocorrem Período de intenso Fuga (eliminação)


Pânico sem repentinamente, são temor e desconforto
Agorafobia inesperados e não iniciado
possuem estímulos abruptamente e
Transtorno de 300.21 eliciadores bem- descrito como uma Esquiva (evitação).
Pânico com identificados. sensação de morte e Esquiva de situações
Agorafobia Entretanto, aponta-se catástrofe iminente. onde é difícil obter
auxílio, onde esse
Análise Comportamental Clínica 157

Quadro 7.1 (Continuação)


que excitação, esforço Composto por poderia não estar
físico, atividade sexual sensações como disponível ou onde
ou trauma moderado tremores, sensação a fuga é difícil ou
podem eliciar esses de asfixia, dor embaraçosa em
respondentes em um torácica, tontura, caso de crise.
primeiro ataque. dentre outros. Freqüentemente
passam a requisitar
companhia
2
O diagnóstico de agorafobia sem história de transtorno de pânico é reservado para condições nas quais existam
sintomas de agorafobia associados a outros diagnósticos que não o pânico. Agora, do grego, significa praça, lugar
onde comumente reuniam-se muitas pessoas. Portanto, a agorafobia não é, necessariamente, medo de lugares
abertos, mas sim o medo da exposição a locais onde não se tenha acesso, facilmente, a socorro (em caso de crise), e
locais onde ter uma crise seria embaraçoso.

(Continua)

Código Estímulo Resposta Eliciada / Comportamento


Diagnóstico Diagnóstico Desencadeador Evocada Operante

Transtorno 309.81 Circunstância Recordação aflitiva Fuga (eliminação)


de Estresse Disruptiva (estresse do evento
Pós-traumático emocional) como: traumático. É
catástrofes naturais persistentemente
(p. ex.: maremoto, revivido e recordado
terremoto), (em sonhos ou não).
Dificuldade em
agressões (p. ex.:
manter sono,
sequestro, guerra,
irritabilidade e raiva,
estupro), etc.
dentre outros.

Transtorno de 308.3 Circunstância Recordação aflitiva Fuga (eliminação)


Estresse Agudo Disruptiva (estresse do evento
emocional) como: traumático. É pouco
catástrofes naturais persistentemente
(p. ex.: maremoto, (ocorrem em até
terremoto), quatro semanas
após o trauma. Sua
agressões (ex.:
duração é de, no
sequestro, guerra,
mínimo, dois dias e,
estupro), etc. O que no máximo, quatro
o difere do semanas) revivido e
diagnóstico acima é recordado (em
que a presença dos sonhos ou não).
sintomas nesse Dificuldade em
diagnóstico é manter
menos crônica. sono, irritabilidade e
raiva, dentre outros.

Transtorno 300.3 Pensamentos Medo Ansioso, Fuga (eliminação)


158 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Quadro 7.1 (Continuação)


Obsessivo- intrusivos, impulsos e Preocupação, e/ ou Esquiva
compulsivo imagens3 (obsessões: Repulsa ou Escrúpulo (evitação). Os
respostas que frequentemente comportamentos
também possuem reconhecido como desempe-
função irracional e absurdo. nhados para evitar
discriminativa; em si Insegurança o desconforto dos
é um estímulo Obsessiva. pensamentos
condicionado intrusivos são
eliciado/evocado por chamados de
outros estímulos compulsões.
ambientais). Podem ser públicos
ou privados, mas
possuem a mesma
função e
característica de
serem
estereotipados e
repetitivos.
3
Uma análise funcional bem elaborada revelará o verdadeiro controle de estímulos envolvido na eliciação/evocação
dos comportamentos encobertos que podem ter propriedades discriminativas para outros comportamentos, sejam
eles públicos ou privados.

(Continua)
Análise Comportamental Clínica 159

Quadro 7.1 (Continuação)


Código Estímulo Resposta Eliciada / Comportamento
Diagnóstico Diagnóstico Desencadeador Evocada Operante

Transtorno de 300.02 Estímulos Ansiedade e Esquiva (evitação)


Ansiedade generalizados preocupação
Generalizada indiscriminados pelo excessiva e
cliente abrangente;
inquietação,
fatigabilidade,
irritabilidade,
perturbações no
sono, tensão motora,
hiperatividade
autonômica

Transtorno de 300.00 Transtornos Pode ser similar à de Fuga (eliminação)


Ansiedade sem proeminentes de outros transtornos e/ ou Esquiva
Outra ansiedade, mas que de ansiedade, (evitação)
Especificação não satisfazem aos variando da
critérios diagnósticos ansiedade difusa ao
dos transtornos pânico ou sensação
supracitados. Os de morte iminente,
estímulos podem ser etc.
distintos dos
supracitados ou,
ainda que não
fossem, não
satisfariam outros
critérios
diagnósticos.
vam avaliar a confiabilidade do inventário de para avaliar o inventário (somente realizada
sintomas do DSM (nesse caso, DSMIII), na cidade de São Paulo) foi o método do
Andreoli e colaboradores (2001) entrevistador-observador. Nesse método,
selecionaram participantes das cidades de entrevistador e ob-
Brasília, São Paulo e Porto Alegre para servador faziam a análise individualmente e
compor as amostras que foram investigadas o consenso entre as respostas dos dois era
(com base no inventário de sintomas do avaliado pelo coeficiente de confiabilidade
DSM e no método da consistência interna) Kappa. Os resultados apontaram um nível de
acerca de algumas psicopatologias. Os concordância excelente (k = 1,00) para o
achados apontaram que a consistência diagnóstico de TAG no último ano, e uma
interna do inventário, segundo o split-half concordância suficiente (k = 0,46) para o
method, para os sintomas do TAG resultaram mesmo diagnóstico ao longo da vida dos
em um alfa de Cronbach superior a 0,93, participantes. Esses achados indicam que o
permanecendo estável para cada uma das três instrumento era adequado para seu propósito
cidades. Uma segunda forma empregada (isto é, diagnóstico), sobretudo para o TAG,
160 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Quadro 7.1 (Continuação)


uma vez que se mostrou excelente na
confiabilidade e consistência.
Por fim, no que se refere à
epidemiologia, Kaplan e colaboradores
(1997) comentam que o TAG possui uma
prevalência que varia entre 3 e 8% e
apontam que até 50% das pessoas com esse
diagnóstico
Análise Comportamental Clínica 161

possui algum outro diagnóstico associado precedem ou acompanham os estados


(geralmente, algum outro transtorno de emocionais: há a antecipação do futuro, isto
ansiedade ou depressão). No Brasil, o TAG é, o caráter de “expectativa” (ver Estes e
tem sido apresentado como um dos Skinner, 1941). Ambos os estados
transtornos mais prevalentes, sendo emocionais (medo/ansiedade) são reações
responsável por cerca de 24% dos pacientes fisiológicas de uma classe de respostas
usuários de serviços médicos e ambulatoriais classificadas pela Psicobiologia como
(Almeida Filho et al., 1997). “reação de defesa dos animais”, resultante de
estímulos ambientais eliciadores. As reações
Homens são mais afetados do que mulheres, de defesa dos animais são respondentes
embora a proporção de pessoas eliciados por estímulos aversivos
encaminhadas para tratamento seja idêntica incondicionados ou operações de punição e,
para ambos os sexos. nesses termos, a presença do estímulo
aversivo é necessária para a definição tanto
do medo quanto da ansiedade. Se estímulos
Dos que procuram tratamento, não é neutros são consistentemente seguidos da
incomum observar que esses recorrem apresentação de um estímulo aversivo, eles
primeiramente à atenção médica para a terão por si mesmo propriedades aversivas
resolução de seus sintomas – cardiologistas, capazes de eliciar respostas similares ao
pneumologistas, etc. – uma vez que muitos medo, o que poderia fornecer uma primeira
dos respondentes sentidos podem também ser definição funcional de ansiedade. Assim, a
indícios de outras patologias (Kaplan et al., ansiedade seria a resposta a um estímulo que
1997). precede a apresentação de um estímulo
aversivo incondicionado, capaz de eliciar os
ETIOLOGIA DO TRANSTORNO DE mesmos respondentes que se observa na
ANSIEDADE GENERALIZADA (TAG) resposta de medo (isto é, reações de defesa
Várias teorias em Psicologia têm apresentado do animal). A ansiedade não seria uma
modelos teórico-explicativos para esclarecer resposta orientada para o futuro, e sim
o fenômeno da ansiedade e a forma de respostas sob controle do estímulo
intervenção necessária para o seu tratamento. condicionado presente chamado por alguns
Desses tantos modelos, dois serão aqui autores de estímulo pré-aversivo. Em outros
destacados, sendo eles a Análise do dizeres, a resposta de ansiedade seria similar
Comportamento e a Psicobiologia. à de medo, causada por um estímulo
Um caminho comumente utilizado para condicionado e não por um estímulo
explicar a ansiedade é apontar sua relação incondicionado (Estes e Skinner, 1941).
com o medo, tendo em vista a existência de Como já dito, a Análise do
uma similaridade de respostas eliciadas Comportamento afirma que relações reflexas
nesses dois estados emocionais (Banaco e são aquelas nas quais um determinado evento
Zamignani, 2004) e uma raiz filogenética ambiental (estímulo incondicionado) elicia
próxima (Shuhama, DelBen, Loureiro e respostas no organismo (Moreira e Medeiros,
Graeff, 2007). De fato, a ansiedade tem sido 2007; Skinner, 1953/2000). Como exemplos
apontada por duas características definidoras: de relações reflexas entre eventos, teríamos o
os estados emocionais de alguma maneira reflexo de salivação (resposta
aproximam-se do medo, e os estímulos incondicionada) quando da apresentação de
responsáveis por essas manifestações não comida na boca (estímulo incondicionado),
162 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

ou as respostas fisiológicas de medo eliciadas


por um som alto ou um choque (estímulo
incondicionado), por exemplo (item 1, Figura
7.1). Ainda dentro do paradigma reflexo,
temos a possibilidade do emparelhamento de
estímulos neutros com os estímulos
incondicionados, de maneira tal que esses
estímulos neutros assumem a função de
eliciar novas respostas reflexas, muitas vezes
semelhantes à resposta incondicionada (a
esse estímulo dá-se o nome de estímulo
condicionado, e ao processo,
Condicionamento Clássico, Reflexo,
Respondente ou Pavloviano). Contudo,
quando essas relações reflexas são
consequenciadas em suas primeiras
ocorrências, as mudanças que as respostas
causam no ambiente podem estabelecer
relações contingentes, e as respostas passam
a ser selecionadas de tal sorte que a relação
reflexa original passa a ter uma relação
operante (item 2, Figura 7.1). Assim,
respostas públicas de medo que eram
inicialmente reflexas podem ser reforçadas
pela aproximação dos pares, atenção, dentre
outras consequências, produzindo uma
relação operante (item 3, Figura 7.2) (Banaco
e Zamignani, 2004).
A situação torna-se um pouco mais
complexa se uma pessoa apresenta respostas
encobertas concomitantes aos
comportamentos públicos de medo (ver
coluna de “respostas”, Figura 7.1). Nesses
termos, a resposta encoberta pode adquirir a
função de estímulo que sinaliza ao indivíduo
que a emissão da resposta pública pode gerar
reforçamento; em outras palavras, a resposta
encoberta adquire função de estímulo
discriminativo, uma
Análise Comportamental Clínica 163

vez que essa resposta estabelece a ocasião na acabar eliciando os mesmos respondentes e,
qual a emissão do comportamento possui alta em caso de a senhora ser novamente
probabilidade de ser reforçado (item 4 em amparada, a consequência (amparo) mais
Figura 7.1) (Banaco e Zamignani, 2004). uma vez selecionaria os mesmos
No exemplo hipotético da Figura 7.1, comportamentos e contextos para uma
tem-se uma mulher que, ao quase ser próxima apresentação do comportamento.
atropelada, grita sobressaltada e fica imóvel Nesse sentido, tem-se a explicação para o
diante do carro que freia bruscamente, mas possível desenvolvimento da fobia específica,
ainda desliza em sua direção. Ela, pálida, como apontado por Watson e Rayner (1920).
tremendo, com batimentos cardíacos Para o exemplo hipotético, a situação é
acelerados e respiração ofegante, após o composta tanto por seu componente
ocorrido, permanece inquieta, desconfortável, respondente quanto operante.
agitada, etc. Ao chegar ao trabalho, todos a Por uma questão de contiguidade
acalmam, dão a ela um copo de água e (estarem presentes ao mesmo tempo em que
reservam um local calmo para ela sentar-se e as respostas analisadas anteriormente), as
repousar. Após explicar o ocorrido, seu respostas encobertas de medo (desconforto,
superior permite que ela volte ao trabalho tão inquietação, etc.) também foram selecionadas
logo se sinta melhor. Entretanto, os pela contingência operante. Uma vez que
respondentes demoram a passar e, quando outros estímulos condicionados ou
seu superior vai ver como ela está, diante do incondicionados podem eliciar essas
relato de que continua desconfortável e muito respostas encobertas de medo/ansiedade e
mobilizada, libera-a para voltar ao trabalho devido ao fato de terem sido selecionadas por
só no dia seguinte. Aqui, duas possibilidades uma contingência operante, tem-se uma
de reforçamento foram apresentadas complexa situação, na qual existe a possível
simultaneamente, selecionando o generalização das respostas ansiosas a outros
comportamento da mulher em questão. A estímulos/ contextos. Diante de outros
primeira consequência seria reforço positivo estímulos condicionados (p. ex., crítica e
(reforçamento social), e a segunda ameaça de demissão vinda de seu patrão, por
consequência age como reforço negativo pelo esse já ser o terceiro dia em que ela pede
adiamento de uma atividade, nesse caso dispensa do trabalho por não estar passando
hipotético, não desejada (trabalho). bem), a senhora apresenta sentimentos de
Os antecedentes eliciaram a resposta desconforto. Uma vez que essas respostas
incondicionada de medo, que se relacionou a passaram por um treino no qual, diante de sua
uma contingência operante, na medida em apresentação, gerava-se reforçadores, esse
que as consequências dessa resposta foram, responder passou a sinalizar a probabilidade
além de preparar o organismo para um evento de reforço (liberação do trabalho). Assim,
aversivo (razão filogenética do essa senhora aprendeu, por um processo
comportamento), produzir os estímulos histórico, que respostas encobertas de
atenção, cuidado e dispensa do trabalho. A desconforto sinalizam a probabilidade de
consequência gerada seleciona não só os reforço de respostas públicas de
comportamentos antecedentes (públicos ou medo/ansiedade, e ela emite essas respostas
privados), como “seleciona” também o públicas, tendo como consequências a
contexto antecedente no qual ocorreram. liberação do trabalho e amparo social. 82
Assim, particularidades do contexto (cor
vermelha, trabalho, trânsito, etc.) podem 82 Uma situação experimental que explicaria esse
fenômeno é amplamente utilizada pela Farmacologia
164 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Como apontado por Banaco e Zamignani aversivos condicionados ou incondicionados.


(2004), Essas respostas são operantes na medida em
que modificam o ambiente, diminuindo a
uma resposta que foi evocada ou eliciada exposição do organismo ao evento aversivo.
modifica o ambiente e, junto com isso, a Banaco e Zamignani (2004) apontam
probabilidade da ocorrência de uma nova explicações adicionais que envolvem os
resposta da mesma classe. Classes de comportamentos de ansiedade, a saber, o
respostas são mantidas ou extintas pelas controle de estímulos, respostas “ansiosas”
mudanças ambientais que elas causam, como classes de resposta de ordem superior e
operações estabelecedoras, considerando a
e as emoções tornam-se elementos questão da privação e da estimulação
importantes de análise se, e somente se, aversiva. Essas explicações serão discutidas a
forem comportamentos de uma mesma classe seguir.
de resposta que outros comportamentos (isto
é, se as emoções possuem a mesma função e Controle de estímulos
alteram o ambiente de maneira que o contato Assim como ocorre no condicionamento
com as alterações ambientais afetam o operante, respostas envolvidas nos
organismo e o modifica – seleciona o transtornos de ansiedade também são
comportamento). Para o exemplo hipotético, apresentadas na presença de um grupo de
portanto, as emoções fazem parte de uma estímulos que se tornam relevantes para a
ampla classe de respostas, e tem-se esse emissão futura das respostas de ansiedade, de
processo enquanto passível de explicação maneira tal a serem controladas por essa
para a generalização das respostas ansiosas, classe de estímulos (Banaco e Zamignani,
passando a configurar-se um quadro de 2004).
Transtorno de Ansiedade Generalizada. Assim, algumas relações mais amplas
Dito isso, embora exista uma relação podem passar a ocorrer. Autores como
respondente na manifestação da ansiedade, Bouton e Nelson (1998) apontam explicações
ela também é composta de comportamentos que consideram o envolvimento de estímulos
operantes de fuga ou esquiva dos estímulos contextuais em muitos condicionamentos.
Acrescido a isso, temos os achados de
Comportamental. Esse arranjo experimental objetiva
equivalência de estímulos que são
avaliar o “efeito subjetivo” da droga ou sua
potencialidade enquanto estímulo discriminativo incorporados no entendimento dos
interoceptivo. O animal, após aprendizagem de transtornos de ansiedade (Friman, Hayes e
comportamento operante, é exposto a sessões alternadas Wilson, 1998; Tierney e Bracken, 1998). O
em que, quando sob o efeito de determinada droga,
exemplo hipotético da Figura 7.1 aponta
pressões à barra geram reforço, enquanto na sessão
seguinte, sob efeito de veículo (uma substância inerte, algumas possibilidades para exemplificar a
por exemplo: salina), as pressões à barra não produzem questão do controle de estímulos. A primeira
consequência (extinção). Após sucessivos resposta de medo ocorreu como um reflexo
emparelhamentos, o animal passa a discriminar a incondicionado eliciado pela ameaça real à
contingência de reforçamento em função dos estímulos
interoceptivos eliciados pela droga. Em analogia, integridade física da pessoa, caracterizado
teríamos os respondentes e outros comportamentos pela ativação biológica do sistema
encobertos funcionando como respostas que assumem neurovegetativo (isto é, um carro que quase
função de estímulos discriminativos sobre o atropela a mulher, gerando respondentes de
comportamento, na medida em que sinalizam a
possibilidade de reforço dada uma história de
medo). Essa resposta, contudo, ocorreu em
reforçamento (Branch, 2006). um contexto no qual outros estímulos
Análise Comportamental Clínica 165

estavam presentes (cor vermelha do carro ou ditos ansiosos somente quando está ao lado
amarela do vestido, tipo específico de de pessoas da família ou do trabalho (nesses
calçado que a mulher usava, som da freada termos, teríamos essas pessoas como
ou do trânsito, sua companhia a caminho do estímulos que sinalizam a probabilidade de
trabalho, etc.), além do que outras respostas reforçamento – atenção e amparo – quando
públicas (grito, etc.) ou privadas da ocorrência da resposta ansiosa). Por fim,
(desconforto, agitação, etc.) também foram deve-se lembrar ainda que, assim como
evocadas/ eliciadas durante esse evento. descrito para as respostas públicas, as
Virtualmente, qualquer estímulo apresentado respostas privadas emitidas pelo sujeito
no momento do medo, bem como respostas podem passar pelo mesmo processo, de
que o indivíduo emitiu, podem, por maneira tal a adquirir função de estímulos
emparelhamento, adquirir a função de eliciadores condicionados e/ou
estímulo aversivo condicionado e/ou discriminativos (o desconforto provocado por
estímulo discriminativo para a emissão das qualquer outra situação pode eliciar respostas
respostas de fuga-esquiva. Nesse sentido, a de medo e/ou sinalizar a probabilidade de
cor vermelha (do carro e de sangue) pode reforçamento dada à ocorrência dos
eliciar respostas de medo/ansiedade – função comportamentos de respostas públicas de
eliciadora – e/ou sinalizar a probabilidade de ansiedade, isto é, comportamentos de fuga-
reforço no caso da emissão de esquiva). Em resumo, temos aqui alguns
comportamentos operantes – função processos nos quais se observa a
discriminativa. As funções eliciadoras e generalização de respostas a estímulos e a
discriminativas desses estímulos podem, por generalização dos estímulos para uma
sua vez, ser transferidas para outros estímulos determinada classe de respostas, favorecendo
por meio de novos emparelhamentos (o a constituição do que alguns profissionais de
trabalho pode passar a ser aversivo ou tornar- orientação nomotética chamarão de
se mais aversivo uma vez que foi “Transtornos de Ansiedade Generalizada”.
emparelhado com outros estímulos aversivos Outro exemplo, este clínico, apontado
como a cor vermelha – que supomos ter por Knapp e Caminha (2003), também
adquirido função eliciadora e/ou contribui para a compreensão do controle de
discriminativa) pelo processo de estímulos na ansiedade e a generalização das
generalização de estímulos (não somente a respostas a novos contextos. Em seu estudo,
cor vermelha adquiriria função eliciadora os autores descrevem um cliente que, em um
e/ou discriminativa, mas cores próximas à sequestro relâmpago, foi preso no porta-
vermelha – rosa, vinho, magenta – também o malas de seu carro após agressão física. O
fariam), ou por meio da formação de classes assalto ocorreu à noite, em uma rua pouco
equivalentes de estímulos (a palavra movimentada. No porta-malas do carro, o
“vermelho”, sangue, a palavra “sangue”, um cliente sentia cheiro de óleo queimado do
batom, equipamentos médicos ou outros escapamento e o forro do interior do porta-
estímulos da mesma classe evocada pelo malas friccionando sua pele, enquanto os
estímulo mais geral “cor vermelha”). Além assaltantes dirigiam em alta velocidade. Ele
disso, ressalta-se a função discriminativa dos relatou que sentia medo, suava muito e
estímulos que sinalizam a probabilidade de apresentou outros respondentes classificados
reforçamento dada à emissão de respostas de pelos autores como “reações semelhantes a
medo/ansiedade, como seria o caso de essa um episódio de pânico” (p. 34). Após o
mulher apresentar esses comportamentos transcorrido, alguns estímulos presentes no
166 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

momento das reações de medo passaram a se o analista do comportamento atentar-se


eliciar os mesmos respondentes, como, por apenas para os comportamentos de
exemplo, quando se encontrava em uma rua fugaesquiva de seu cliente, sem considerar
escura, sentia cheiro de óleo ou quando os possíveis reforçamentos positivos
estava dentro de um carro que desenvolvia envolvidos, uma intervenção de
velocidade acima do normal (exemplos de aproximação sucessiva ou mesmo a
função eliciadora dos estímulos para as farmacoterapia
respostas de medo/ansiedade). Não obstante,
as respostas de ansiedade passaram a ser (ver Guilhardi, 2004) não seriam efetivas,
controladas por outros estímulos. Uma vez dado que a variável da qual essa classe de
trancado dentro do porta-malas, o homem respostas é função seria o reforçamento
passou a apresentar respostas típicas de social (Banaco e Zamignani, 2004).
ansiedade em locais fechados – claustrofobia Ainda em Banaco e Zamignani (2004),
– quando, por exemplo, no elevador aponta-se um tipo específico de resposta de
(generalização de estímulos). Como ocorria ordem superior descrita por Hayes, a saber, a
de tomar o elevador em conjunto com outras esquiva experiencial (Hayes, 1987, 2000. Ver
pessoas, o estímulo “concentração de também o capítulo de Dutra, neste livro).
pessoas” passou a controlar as respostas de Nesse tipo de comportamento, a pessoa se
ansiedade tão eficazmente quanto estímulos esquiva de pensamentos e emoções
emparelhados no dia do sequestro relâmpago. relacionados aos transtornos de ansiedade,
Por novos emparelhamentos entre estímulo isto é, o cliente reluta em manter contato com
condicionado (elevador) e estímulo neutro eventos privados e experiências específicas,
(concentração de pessoas), ocorreu o tais como pensamentos, memórias, emoções,
condicionamento de ordem superior, no qual sensações autonômicas ou outros
o estímulo “concentração de pessoas” comportamentos privados. Nesse tipo de
(estímulo condicionado de segunda ordem) classe de resposta de esquiva, não só os
eliciava respostas de medo/ ansiedade eventos aversivos presentes no momento da
(respostas reflexas de segunda ordem ou situação aversiva e as respostas emitidas no
reflexo condicionado de segunda ordem) (ver momento adquirem propriedades aversivas,
Moreira e Medeiros, 2007; Skinner, mas toda a classe de estímulos privados
1953/2000 para maior discussão de adquire essas propriedades por meio da
condicionamentos reflexos de segunda generalização ou formação de classes de
ordem). estímulos. Ao mesmo tempo, respostas
verbais também podem adquirir propriedades
Classes de resposta de ordem aversivas, sendo parte de uma classe
superior equivalente de estímulos. Esse tipo de análise
permite-nos entender a razão de os
As respostas de ansiedade podem ser parte de
transtornos de ansiedade serem
uma classe de respostas mais ampla, na qual
frequentemente eliciados/ evocados por
a consequência controladora deve ser
meios dos mais variados sentimentos ou
identificada e manipulada para se alcançar a
sensações. Esses eventos privados
mudança desejada, sob pena de que essas
(sentimentos, pensamentos e emoções) são o
respostas permaneçam inalteradas, mesmo
alvo dos comportamentos de fuga-esquiva no
após alteração de algumas consequências
TAG.
imediatas. Nos exemplos supracitados,
Análise Comportamental Clínica 167

Operações estabelecedoras disso, a sensação de alívio provocada pelo


Banaco e Zamignani (2004) dividem a seção reforçamento negativo após a
em que explicam operações estabelecedoras retirada/postergação do estímulo aversivo
em dois subtópicos, sendo eles (a) privação e pode ser consequência que, por si só, mantém
(b) estimulação aversiva. Operações os comportamentos ansiosos (Banaco e
estabelecedoras são operações ambientais Zamignani, 2004). Por fim, Sidman
que possuem duas funções: (a) função (1989/2001) aponta que a condição de
estabelecedora, a qual estabelece o valor do privação já é, por si só, aversiva, e tem o
evento enquanto reforçador, e (b) função potencial de diminuir a variabilidade
evocativa, a qual aumenta a probabilidade da comportamental, produzindo respostas
ocorrência de comportamentos que, no estereotipadas como as contingências de
passado, produziram o acesso ao punição, limitando a variabilidade
reforçamento (Michael, 1993, 2000; Miguel, comportamental e a probabilidade de
2000). reforçamento alternativo (ver o capítulo de
Banaco e Zamignani (2004) apontam que Mo raes neste livro).
a maioria dos clientes que recebem Acerca do subtópico “estimulação
diagnóstico de transtornos de ansiedade aversiva”, Banaco e Zamignani (2004)
possui alguma carência em repertórios como apontam uma outra possibilidade de se
habilidades sociais e habilidades necessárias produzir estereotipia comportamental para
para solução, resolução e enfrentamento de repertórios mantidos por reforçamento
problemas, e essa carência de repertório os negativo, e diminuição na probabilidade de
colocam em contato com poucas comportamentos que levariam a
consequências reforçadoras. Com limitações consequências reforçadoras positivas. Os
no repertório e um ambiente pobre em autores apontam que situações ricas em
reforçamento, existem poucas possibilidades estimulação aversiva evocarão
para a emissão de respostas alternativas às comportamentos que eliminem esses
ansiosas para a obtenção de reforçadores estímulos aversivos de maneira tal que se não
sociais. Esse quadro de privação estabelece forem consideradas formas alternativas para
valores de reforço (função estabelecedora) à se eliminar essa estimulação, produzindo
consequência social (cuidado, atenção relações menos aversivas, a fonte de aversão
especial, proximidade de familiares e amigos continuará presente e, com isso, todo o
ou mesmo do terapeuta, livrar-se de quadro já apontado. Por fim, os autores
responsabilidades, dentre outras), de maneira concluem que não será útil agir somente no
tal que clientes se comportariam repertório de fuga-esquiva, pois se um
“ansiosamente”, mesmo sendo esse repertório eficiente não for desenvolvido de
comportamento também consequenciado com modo a fazer o indivíduo eliminar ou evitar
estimulação aversiva, dado que esses com sucesso a fonte estressora, os
comportamentos levaram ao reforçamento comportamentos-problema irão permanecer,
em sua história passada (função evocativa) mesmo que com outras topografias.
(Sidman, 1989/2001). Se os poucos
reforçadores ambientais são originados das ANÁLISE COMPORTAMENTAL DO
consequências de respostas ansiosas, essa
TRANSTORNO DE ANSIEDADE
classe de resposta tende a ser mantida, muito
embora também traga consequências GENERALIZADA (TAG)
aversivas àquele que se comporta. Além Diante do exposto, como é possível pensar o
168 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

TAG sob um enfoque analítico- estímulos e à generalização desse controle de


comportamental? Apontou-se até o momento estímulo por meio dos processos
que, após contiguidade de estímulos com as supracitados. O que faz do TAG categoria
respostas de medo, esses estímulos podem diagnóstica distinta é, provavelmente, o fato
passar a controlar respostas de medo; de o diagnosticado não conseguir discriminar
entretanto, na ausência de um perigo real, a fonte de estímulos eliciadores/evocativos de
tem-se o que é chamado de respostas de suas respostas, haja vista evidências de
ansiedade. Assim, essas respostas de pessoas que recebem esse diagnóstico tendem
ansiedade são ditas como preparatórias dada a não possuir um repertório de auto-
à existência de respondentes fisiológicos que observação tão bem elaborado e refinado,
preparam o organismo para responder de prejudicando assim a identificação de
maneira otimizada em situações de perigo momentos nos quais aconteceram as
real. Onde o perigo é potencial (sinalizado primeiras respostas intensas de
por estímulos que adquiriram função medo/ansiedade e o processo histórico que se
eliciadora e discriminativa e por estímulos deu.
incondicionados), têm-se respostas ditas de O exemplo de Knapp e Caminha (2003),
ansiedade. A ansiedade generalizada, descrito anteriormente, aponta certa
portanto, seria a manifestação desses “arbitrariedade” do diagnóstico. Essas
comportamentos diante de diversos estímulos categorias diagnósticas são bem
(generalização de estímulos) de maneira tal diferenciadas, contudo,
que a pessoa que possui esse diagnóstico não
consegue precisar (discriminar) o estímulo uma vez que existe a necessidade de
desencadeador dos respondentes (caso recorrer ao relato verbal do cliente para
contrário, se teria ansiedade provocada por estabelecer o seu diagnóstico, isso pode
estímulos específicos, isto é, fobia específica, trazer alguns vieses de interpretação, o que
fobia social, agorafobia sem história de acaba retroagindo sobre o diagnóstico do
pânico, condição médica geral ou induzida mesmo.
por droga), e a intensidade dos respondentes
não é suficientemente elevada a ponto de ser
Para profissionais que orientam sua
discriminada como “sensação de morte
atuação pelo diagnóstico, isso pode trazer
iminente” (pânico com ou sem agorafobia),
comprometimentos e, novamente, ressalta-se
não sabendo ainda precisar um momento no
a necessidade de uma avaliação caso a caso.
tempo ao qual se relaciona com a
Imaginemos que o cliente descrito por Knapp
manifestação dos sintomas (estresse pós-
e Caminha (2003) não saiba discriminar os
traumático e/ ou estresse agudo), ou de
estímulos eliciadores/discriminativos de seus
maneira que os comportamentos públicos
respondentes relatando que ele fica assim já
observados não se referem a comportamentos
há algum tempo (sem saber precisar esse
estereotipados de checagem, contagem, etc.
momento) em qualquer situação (afinal, ele
(transtorno obsessivo-compulsivo). Nesses
passou por um longo processo de
termos, é possível pensar no TAG não como
generalização de estímulos,
uma classe de respostas definida por seus
condicionamentos de segunda ordem, etc.).
estímulos antecedentes e, assim sendo,
Nesses termos, facilmente teríamos o
somente é possível pensar nesse como um
profissional diagnosticando-o com TAG.
diagnóstico secundário a outros diagnósticos,
Entretanto, se esse cliente relata somente uma
devido à necessidade do condicionamento de
situação mais recente onde ele tem sentido
Análise Comportamental Clínica 169

esses respondentes, como, por exemplo, que também pode ter um caráter operante) de
sempre que tem de tomar o elevador seus diagnósticos. Como exemplo têm-se o
(suponhamos que começou um novo trabalho experimento de Rosenhan (1994), o qual
em um escritório no 12° andar), o clínico aponta oito pseudopacientes que relatavam
facilmente o diagnosticaria como sintomas específicos de entidade nosológica
claustrofóbico. Por sua vez, se o cliente exibe (psicose existencial) e foram diagnosticados
alguma espécie de ritual antes de entrar no erroneamente após serem admitidos em
elevador para afugentar os pensamentos e hospitais psiquiátricos (um recebeu
sentimentos ansiosos que ocorrem sempre diagnóstico de esquizofrenia e os outros de
que ali entra, esse provavelmente seria esquizofrenia em regressão). Após admissão
diagnosticado como tendo Transtorno no hospital – já não mais manifestando os
Obsessivo-Compulsivo. Enfim, as variantes sintomas específicos – receberam alta, em um
são quase infinitas. O que resta de período que variava de 7 a 52 dias.
aprendizado sobre o TAG é essa sua pequena
particularidade em relação aos outros
PSICOBIOLOGIA
diagnósticos; entretanto, isso não ajuda o
A Psicobiologia tem apontado algumas
processo terapêutico. Em verdade, somente
relações entre o organismo, o ambiente e a
aponta a necessidade de se resgatar
manifestação de comportamentos relativos ao
historicamente como podem ter ocorrido
TAG. A exemplo da perspectiva
esses processos com a finalidade de melhor
comportamental, psicobiólogos apontam a
elaborar sua intervenção, bem como
relação entre medo e ansiedade, e as mesmas
predispor o cliente à mudança (Aló, 2005;
distinções supracitadas (perigo real versus
Lattal e Neef, 1996). A única informação
perigo potencial) são vistas pela literatura
distinta que esse diagnóstico pode dar a um
psicobiológica (Graeff, 1989, 1999). Ainda
analista do comportamento é que, como o
em comum com a
nome sugere, ocorreu um processo de
literatura psiquiátrica e psicológica, dizse que
generalização de estímulos para o
as reações de ansiedade têm sua raiz
estabelecimento do quadro de Transtorno de
filogenética na reação de defesa dos animais,
Ansiedade Generalizada, isto é, as mesmas
verificada em resposta a perigos encontrados
respostas são controladas por um ampla
comumente no meio ambiente. Infelizmente,
classe de estímulos.
psicobiólogos têm extrapolado seus dados ao
Não é de se admirar, portanto, a alta
adotarem explicações mentalistas para o
comorbidade entre os diagnósticos de
fenômeno da ansiedade, como se vê em
transtornos de ansiedade com depressão ou
Graeff (1999), ao apontar que:
outros transtornos de ansiedade, como
apontado por Kaplan e colaboradores (1997). A interpretação de um estímulo ou
Em situações não previstas pelo DSM situação como sendo perigosa depende
(agorafobia secundária a um TAG, por de operações de natureza cognitiva.
exemplo), o cliente receberia dois Mesmo nos animais destituídos de
diagnósticos (300.22 e 300.02), dando-se linguagem, a capacidade de processar
pouca atenção ao fato de que a agorafobia estímulos e contextos físicos e de
não seria diferente, em termos funcionais, de compará-los com expectativas formadas
outras respostas de fuga-esquiva do próprio a partir de informações arquivadas nos
TAG. Essa medida somente “patologizaria” bancos de memória, levando em conta
ainda mais o cliente, tornando-o vítima (o também os planos de ação formulados
170 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

pelo animal, são fundamentais para a formas de interações), ela adquire o status de
detecção do perigo e para a avaliação de queixa clínica (Banaco e Zamignani, 2004;
intensidade e iminência. Também na Guilhardi, 2004). A ansiedade, portanto, seria
escolha da estratégia de defesa a ser compreendida como estados emocionais
adotada, bem como no controle de sua desprazerosos, relativos ao futuro e que
execução, intervêm operações possuem uma ligação com outra emoção – o
cognitivas” (p. 137). medo. Por vezes, esse estado emocional é
desproporcional com a real ameaça e com o
Salvo essas extrapolações dos achados de desconforto somático produzido.
pesquisa, em resumo, a Psicobiologia tem Segundo Kaplan e colaboradores. (1997),
apontado a relação de estruturas cerebrais e as teorias do aprendizado têm gerado os
neurotransmissores na manifestação de tratamentos mais eficientes em relação aos
comportamentos de medo, ansiedade e o transtornos de ansiedade e, como já visto,
TAG. Algumas estruturas como o hipocampo uma explicação genérica sugere o
e amígdala, juntamente com o condicionamento clássico, ou pavloviano,
neurotransmissor serotonina, têm sido com algumas variáveis de contexto que
implicados no processo de aprendizagem a podem (ou não) ter se generalizado para
estímulos aversivos crônicos (Graeff, outros estímulos do ambiente. Nesses termos,
Guimarães, Andrade e Deakin, 1996). Além tem-se que o sujeito pode apresentar
desses, a literatura (Brandão et al., 1999; respostas ditas ansiosas diante de estímulos
Carobrez, 2003; Graeff, 1999 e Pandossio e anteriormente neutros e que passaram a
Brandão, 1999) tem apontado o eliciar algumas respostas, isto é, tornam-se
envolvimento de outros neurotransmissores, estímulos condicionados após o
neurormônios, receptores e estruturas nesse emparelhamento de estímulos. Esse exemplo
processo, correlacionando esse aparato torna-se claramente entendido quando se
biológico com eventos ambientais e pensa no Transtorno de Estresse Pós-
transtornos de ansiedade, mostrando uma Traumático, no qual após um “trauma”
imbricada teia de relações. (condição na qual ocorreu o
emparelhamento), outros estímulos (locais
TRATAMENTO DO TAG: A TERAPIA fechados, multidões, etc.) passam a eliciar os
ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL E A respondentes de ansiedade (para
exemplificação, ver Knapp e Caminha,
FARMACOTERAPIA 2003).
Em um elucidativo texto acerca dos
transtornos de ansiedade, Banaco e
Zamignani (2004) destacam que a Os estudos de controle de estímulos,
comunidade verbal conceitua ansiedade associado a todos os outros fatores
como eventos diferentes que variam desde apontados como correlacionados à
manifestação de comportamentos ditos
estados interiores verbalizados pelo falante
ansiosos, têm apontado o amplo grau de
aos processos comportamentais que
controle desses comportamentos.
produzem esses estados. Nesses termos,
muitos eventos descritos como prazerosos
envolvem sentimentos de ansiedade, Nesses termos, tem-se que o
sobretudo se ocorre expectativa. Contudo, comportamento-alvo para trabalho é
quando a ansiedade se refere a relações com multideterminado, de tal sorte que o uso de
eventos aversivos (nas suas mais diversas apenas uma técnica para lidar com
Análise Comportamental Clínica 171

repertórios de ansiedade pode não ser aponta-se que a falta de uma ampla análise
justificada. A ansiedade é um fenômeno que funcional e da consideração da história de
demandaria uma análise caso a caso (análise vida do indivíduo abre a possibilidade para a
idiográfica) das contingências envolvidas em substituição de sintomas e pode ofuscar o
seu controle (Banaco e Zamignani, 2004; papel de variáveis ambientais importantes,
Sturmey, 1996). uma vez que a função daquele
De fato, uma das principais estratégias comportamento não foi trabalhada (Banaco e
interventivas tem sido a adoção de Zamignani, 2004; Sturmey, 1996).
procedimentos de exposição aos estímulos Entretanto, cabe o alerta de que da mesma
eliciadores e prevenção de respostas. A maneira que o uso indiscriminado de técnicas
exposição geralmente é feita de forma pode ser contraproducente no trabalho
gradual (dessensibilização sistemática). Pode terapêutico, a negação completa de sua
ser feita de forma imaginária até chegar in utilidade pode ser igualmente
vivo, sendo o cliente incentivado a se expor a contraproducente. Técnicas não são ruins ou
situações idênticas nos intervalos entre boas, mas, em caso de serem utilizadas, deve-
sessões (Banaco e Zamignani, 2004). A se ter um propósito para tal (Banaco e
apresentação dos estímulos também pode ser Zamignani, 2004).
feita ao mesmo tempo em que se faz O modelo de supressão condicionada
contracondicionamento com uso de (Estes e Skinner, 1941) aponta como
relaxamentos e treino respiratório (Kaplan et fundamental para o desenvolvimento da
al., 1997 e Moreira e Medeiros, 2007). ansiedade o emparelhamento entre estímulo
Outros procedimentos também são pré-aversivo (o estímulo condicionado, na
utilizados, tais como o fading out. Em presença do qual ocorrem os comportamentos
conjunto com as técnicas anteriormente de fuga-esquiva, quando possível, ou a
mencionadas, o terapeuta pode acompanhar o supressão de outros comportamentos
cliente em algumas situações aversivas (p. operantes e respostas fisiológicas quando a
ex., exposição pública no shopping) e faz fuga-esquiva é impossível) com o estímulo
alguns passeios com ele nesse ambiente aversivo. Contudo, se ao longo do tempo
(exposição in vivo e prevenção de respostas). nenhum emparelhamento ocorrer, a conexão
Durante essas jornadas, o terapeuta também entre ambos os estímulos pode ser
apresenta modelos e modela gradualmente o enfraquecida (extinção respondente) e as
repertório de cliente, de maneira tal que, em contingências operantes responsáveis pelas
sessões posteriores, os passeios no shopping respostas de fuga-esquiva ou a supressão do
passam a ter cada vez menos a presença do comportamento e as respostas eliciadas
terapeuta. Nesse exemplo, a terapêutica é também podem se enfraquecer. Porém, as
baseada nas contingências de reforço e o respostas podem continuar ocorrendo sob
comportamento do cliente passa a ficar sob controle das consequências adicionais
controle de consequências reforçadoras (reforçamento positivo) (Banaco e
naturais (Guilhardi, 2004). Zamignani, 2004). Em outras palavras, a
Cabe lembrar que, na inexistência de ocorrência dos comportamentos públicos de
uma ampla análise funcional, a utilização fuga-esquiva nos transtornos ansiosos pode
exclusiva de técnicas de modificação do se dar como resultado desse tipo de operação
comportamento pode ser ineficaz. O uso reforçadora, independentemente da
desmesurado de técnicas para alterações ocorrência de respostas privadas de medo e
comportamentais tem sido criticado, e ansiedade. A operação comportamental
172 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

relativa à emissão dessas respostas envolveria dos mesmos transtornos. Isso explicaria
apenas estímulos ambientais precedentes e a pacientes refratários ao uso de
sua consequência reforçadora que segue a medicamentos, como é evidenciado no caso
resposta pública, não necessariamente descrito por Guilhardi (2004).
ocorrendo respostas privadas de medo, Vários são os fármacos utilizados para o
ansiedade ou obsessões. tratamento de transtornos ansiosos, dentre
Uma consequência que o analista do eles cita-se o propanolol (antagonista de
comportamento deve atentar quando se fala receptores adrenérgicos) e benzodiazepínicos
de comportamentos de esquiva é que esses (agonistas gabaérgicos) ou alguns fármacos
podem continuar ocorrendo mesmo após a de ação agonista serotonérgica, como é o
relação entre estímulo condicionado (pré- caso da buspirona e alguns antidepressivos
aversivo) e estímulo aversivo ter se rompido. (Andreatini, Boerngen-Lacerda e Frussa-
Assim, as respostas de esquiva podem ser Filho, 2001; Graeff, 1989; Kaplan et al.,
mantidas por regras ou autorregras, mais do 1997). Esses fármacos atuam de formas
que propriamente pelas contingências, dado a específicas em estruturas distintas e isso dá a
evidência de que a resposta de esquiva afasta eles potenciais terapêuticos diferentes. O
o sujeito do contato direto com a propanolol, por exemplo, atua bloqueando
contingência, na medida em que a receptores adrenérgicos do sistema periférico,
consequência de seu comportamento é não principalmente, do coração. Assim, pessoas
produzir consequência (Moreira e Medeiros, sob efeito desse medicamento têm a
2007; Skinner, 1953/2000). frequência respiratória diminuída em função
Por fim, ampliações de repertórios social, da ação antagonista do medicamento, de
de auto-observação, assertivo, etc., têm maneira tal que pacientes que fiquem sob
funcionado, bem como intervenção em controle desse estímulo como discriminativo
pacientes que precisam modelar ou refinar para emissão de comportamentos ansiosos
esses comportamentos. Essas estratégias passam não mais a apresentar essas
aumentam a variabilidade comportamental e, manifestações. Por outro lado, se o controle
com isso, a probabilidade de reforço. Assim, do comportamento ansioso não residir na
tem-se potencialmente a diminuição da função discriminativa dos respondentes, o
privação de contatos sociais, o que cliente em questão pode ser refratário ao uso
novamente potencializa a variabilidade de propanolol.
(Banaco e Zamignani, 2004; Gimenes, Outros medicamentos atuam desinibindo
Andronis e Layng, 2005; Sidman, o comportamento provavelmente por uma
1989/2001). Esse tipo de intervenção função inibitória de estruturas que se
ampliaria o repertório de maneira que as relacionam com a aprendizagem a eventos
consequências provavelmente não seriam aversivos. Assim, comportamentos
suficientes para manter o comportamento anteriormente suprimidos por punições
“ansioso” se o cliente tivesse em seu passam a ocorrer como se não existisse tal
repertório respostas alternativas para obter contingência, como se houvesse uma
seus reforçadores. dissociação entre a consequência e a emissão
Assim como uma única técnica do comportamento; a dissociação entre
comportamental pode não ser eficaz para o eventos aversivos e suas consequências
tratamento dos transtornos de ansiedade, em emocionais permitiria ao sujeito
função de sua multideterminação, um único desempenhar suas atividades habituais
fármaco pode não ser eficaz no tratamento (Graeff, Guimarães, de Andrade e Deakin,
Análise Comportamental Clínica 173

1996). (controle de estímulos, classe de respostas de


ordem superior e operações estabelecedoras).
Por fim, o trabalho aponta brevemente
CONSIDERAÇÕES FINAIS
algumas possibilidades de intervenção. A
O presente trabalho buscou discutir
discussão não pretendeu ser longa, pois,
brevemente o Transtorno de Ansiedade
como discutido ao longo de todo o texto, o
Generalizada (TAG) da maneira como um
que definirá a atuação do terapeuta será
analista do comportamento pode
justamente sua análise funcional. Não
compreendê-lo. Depois de estabelecido
adiantaria discorrer sobre técnicas de
algumas limitações conceituais que são
modificação do comportamento uma vez que
amplamente descritas pela literatura
o grande norte de uma intervenção é dado,
psicológica (seja ela analítico-
justamente, pela análise funcional. Desse
comportamental ou não), passou-se a discutir
modo, resgatou-se a necessidade de uma boa
especificamente sobre diagnósticos. Muito já
análise funcional dentro de uma perspectiva
foi dito sobre entidades nosológicas e Análise
idiográfica para balizar a atuação do
do Comportamento. Quando se discute, no
terapeuta, mais do que propriamente as
presente texto, sobre o TAG, não se quer
possíveis indicações apontadas no texto. De
supor que o analista do comportamento está
fato, essas indicações serviram apenas para
preocupado em compreender essa hipotética
ilustrar a atuação, pois o principal ponto
entidade que supostamente controlaria o
discutido no presente estudo é que o TAG
comportamento do cliente. Pelo contrário, o
enquadrar-se-ia como um “transtorno”
escrito visou compreender possíveis
secundário, derivando de algum processo de
processos históricos e de contingências atuais
aprendizagem. O que se pretendeu foi alertar
de reforçamento que poderiam estar
o clínico ao fato de que se deve buscar, na
mantendo uma série de comportamentos
história de vida do seu cliente, quais foram os
entendidos, por muitos, como os sintomas
fatores desencadeadores dos
ditos ansiosos.
comportamentosproblema, seu processo de
O grande diferencial do TAG em relação
aprendizagem, bem como os fatores da
aos demais transtornos de ansiedade é, como
contingência atual que contribuem para a
o nome sugere, que essas respostas são
manutenção desse responder.
generalizadas a diversos contextos. Assim
sendo, o principal foco do trabalho foi
discutir alguns possíveis processos de REFERÊNCIAS
generalização dessa classe de estímulos. Almeida Filho, N., Mari, J. J., Coutinho, E., França,
Nesses termos, apontou-se a generalização de J. F., Fernandes, J. G., Andreoli, S. B. &
Busnello, E. D. (1997). Brazilian multicentric
estímulos, o condicionamento de ordem
study of psychiatric morbidity: Methodological
superior, as funções que respostas podem feature and prevalence estimates. British
assumir em determinados contextos, dado às Journal of Psychiatry, 171, 524-529.
condições existentes (por exemplo, função Aló, R. M. (2005). História de reforçamento. Em J.
eliciadora, evocativa, reforçadora ou Abreu-Rodrigues & M. R. Ribeiro (Orgs.),
discriminativa de respostas encobertas), bem Análise do Comportamento: Pesquisa Teoria e
como outros fatores envolvidos nas Aplicação (pp. 45-62). Porto Alegre: Artmed.
contingências de reforçamento e que Andreatini, R., Boerngen-Lacerda, R. & Filho, D.
Z. (2001). Tratamento farmacológico do
poderiam ser capazes de manter um
transtorno de ansiedade generalizada:
responder perturbador, uma vez que esses Perspectivas futuras. Revista Brasileira de
seriam os únicos a produzirem reforços
174 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Psiquiatria, 23, 233-242. como alvo molecular na ansiedade.


Andreoli, S. B., Blay, S. L., Almeida Filho, N., Mari, Revista Brasileira de Psiquiatria, 25, 52-58.
J. J., Miranda, C. T., Coutinho, E. S. Cavalcante, S. N. & Tourinho, E. Z. (1998).
F., França, J. & Busnello, E. D. (2001). Classificação e diagnóstico na clínica:
Confiabilidade de instrumentos diagnósticos: Possibilidades de um modelo analítico-
Estudo do inventário de sintomas psiquiátricos comportamental. Psicologia: Teoria e Pesquisa,
do DSM-III aplicado em amostra populacional. 14, 139-147.
Cadernos de Saúde Pública, 17, 1393-1402. de-Farias, A. K. C. R., Ribeiro, M. R., Coelho,
Associação Psiquiátrica Americana (APA, 2002). C. & Sanabio-Heck, E. T. (2007). Laranja
Manual Diagnóstico e Estatístico de Mecânica: Uma análise behaviorista radical.
Transtornos Mentais – DSM IV-TR. Porto Em A. K. C. R. de-Farias & M. R. Ribeiro
Alegre: Artmed. (Orgs.), Skinner vai ao cinema (pp. 30-47).
Banaco, R. A. & Zamignani, D. R. (2004). An Santo André: ESETec.
analytical-behavioral panorama on the Estes, W. K. & Skinner, B. F. (1941). Some
anxiety disorders. Em R. A. Banaco, D. R. quantitative properties of anxiety. Journal of
Barbosa, M. Z. da S. Brandão, C. E. Cameschi, Experimental Psychology, 29, 390-400.
S. dos S. Castanheira, F. C. de S. Conte, A. M. Friman, P. C., Hayes, S. C. & Wilson, K. G. (1998).
C. Delitti, H. J. Guilhardi, D. C. L. Heller, M. Why behavior analysts should study emotion:
M. Hübner, R. R. Kerbauy, A. M. Le Sénéchal- The example of anxiety. Journal of Applied
Machado, V. Le SénéchalMachado, M. Behavior Analysis, 31, 137-156.
Marinotti, S. B. Meyer, L. K. dos S. Milani, M. Gimenes, L. S., Andronis, P. T. & Layng, T. V. J.
Moreira, M. B. Moreira, V. R. L. Otero, J. A. (2005). O questionário construcional de
G. Regra, C. T. Scala, L. E. Goldiamond: Uma análise não-linear de
Simonassi, R. R. Starling, A. M. S. Teixeira, J. contingências. Em H. J. Guilhardi & N. C.
C. Todorov, R. C. Wielesnska & D. R. Aguirre (Orgs.), Sobre Comportamento e
Zamignani (Orgs.), Contemporary Challenges Cognição: Vol. 15. Expondo a Variabilidade
in the Behavioral Approach (pp. 9-26). Santo (pp. 308-322). Santo André: ESETec.
André: ESETec. Graeff, F. G. (1999). Ansiedade. Em F. G. Graeff &
Barrett, J. E. (2002). The emergence of behavioral M. L. Brandão. Neurobiologia das Doenças
pharmacology. Molecular Interventions, 2, 470- Mentais (pp. 135-178). São Paulo: Lemos.
475. Graeff, F. G., Guimarães, F. S., de Andrade, T. G. C.
Bouton, M. E. & Nelson, J. B. (1998). The role of S. & Deakin, J. F. W. (1996). Role of 5-HT in
context in classical conditioning: Some stress, anxiety, and depression. Pharmachology,
implications for cognitive behavior therapy. Biochemestry and Behavior, 54, 129-141.
Em W. O. Donohue (Org.), Learning and Graeff, F. G. (1989). Drogas Psicotrópicas e seu
Behavior Therapy (pp. 59-84). New York: modo de ação. São Paulo: EPU.
Allyn and Bacon.
Guilhardi, H. J. (2004). Coercive control and anxiety.
Branch, M. N. (2006). How research in behavioral A case of “panic disorder” treated by therapy by
pharmacology informs behavioral science. contingencies of reinforcement (TCR). Em R. A.
Journal of the Experimental Analysis of Banaco, D. R. Barbosa, M. Z. da S. Brandão, C.
Behavior, 85, 407-423. E. Cameschi, S. dos S. Castanheira, F. C. de S.
Brandão, M. L. (2001). Comportamento emocional. Conte, A. M. C. Delitti, H. J. Guilhardi, D. C. L.
Em M. L. Brandão. Psicofisiologia. As Bases Heller, M. M. Hübner, R. R. Kerbauy, A. M. Le
Fisiológicas do Comportamento (pp. 125-149). SénéchalMachado, V. Le Sénéchal-Machado, M.
São Paulo: Atheneu. Marinotti, S. B. Meyer, L. K. dos S. Milani, M.
Brandão, M. L., Anseloni, V. Z., Pandossio, J. E., de Moreira, M. B. Moreira, V. R. L. Otero, J. A.
Araújo, J. E. & Castilho, V. M. (1999). G. Regra, C. T. Scala, L. E. Simonassi, R. R.
Neurochemical mechanisms of the defensive Starling, A. M. S. Teixeira, J. C. Todorov, R. C.
behavior in the dorsal midbrain. Neuroscience Wielesnska & D. R. Zamignani (Orgs.),
and Biobehavior Reviews, 23, 863-875. Contemporary Challenges in the Behavioral
Carobrez, A. P. (2003). Transmissão pelo glutamato Approach (pp. 65-107). Santo André: ESETec.
Análise Comportamental Clínica 175

Hayes, S. C. (1987). A contextual approach to Sidman, M. (1989/2001). Coerção e Suas


therapeutic change. Em N. S. Jacobson (Ed.), Implicações (M. A. Andery & T. M. Sério,
Psychotherapists in clinical practice: Cognitive trads.). Campinas: Livro Pleno.
and behavioral perspectives (pp. 327387). New Skinner, B. F. (1953/2000). Ciência e
York: Guilford Press. Comportamento Humano (J. C. Todorov & R.
Hayes, S. C. (2000). Acceptance and commitment Azzi, trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Therapy in the Treatment of Experiential Sturmey, P. (1996). Functional Analysis in Clinical
Avoidance Disorders. Clinician’s Research Psychology. New York: Wiley.
Digest, Supplemental Bulletin, 22, 2-38. Tierney, K. J. & Brachen, M. (1998). Stimulus
Kaplan, H. I., Sadock, B. J. & Grebb, J. A. Equivalence and Behavior Therapy. Em W.
(1997). Transtornos de ansiedade. Em H. I. O. Donohue (Org.), Learning and Behavior
Kaplan, B. J. Sadock & J. A. Grebb (Orgs.), Therapy (pp. 392-402). New York: Allyn and
Compêndio de Psiquiatria: Ciências do Bacon.
Comportamento e Psiquiatria Clínica (pp. Watson, J. B. & Rayner, R. (1920). Conditioned
545583). Porto Alegre: Artmed. emotional reactions. Journal of Experimental
Knapp, P. & Caminha, R. M. (2003). Terapia Psychology, 3, 1-14.
cognitiva do transtorno de estresse
póstraumático. Revista Brasileira de
Psiquiatria, 25, 31-36.
Lattal, K. A. & Neef, N. A. (1996). Recent
reinforcement-schedule research and applied
behavior analysis. Journal of Applied Behavior
Analysis, 29, 213-230.
Michael, J. (1993). Establishing operations. The
Behavior Analysis, 33, 401-410.
Michael, J. (2000). Implications and refinements of
establishing operation. Journal of Applied
Behavior Analysis, 33, 401-410.
Miguel, C. F. (2000). O conceito de operação
estabelecedora na análise do comportamento.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, 16, 259-267.
Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Princípios
Básicos de Análise do Comportamento. Porto
Alegre: Artmed.
Organização Mundial da Saúde (1993). CID-10:
Classificação de Transtornos Mentais e de
Comportamento da CID-10. Descrições Clínicas
e Diretrizes Diagnósticas. Porto Alegre: Artmed.
Pandossio, J. E. & Brandão, M. L. (1999). Defensive
reactions are counteracted by midazolam and
muscimol and elicited by activation of glutamate
receptors in the inferior colliculus of rats.
Psychopharmacology, 142, 360-368.
Rosenhan, D. (1994). A sanidade em um ambiente
doentio. Em P. Watzlawick (Org.), A Realidade
Inventada: Como sabemos o que cremos saber?
(pp. 117-143) Campinas: Psy II.
Shuhama, R., Del-Ben, C. M., Loureiro, S. R. &
Graeff, F. G. (2007). Animal defense strategies
and anxiety disorders. Anais da Academia
Brasileira de Ciências, 79, 97-109.
Capítulo 8

Atendimento Domiciliar a Pacientes


Autistas e Quadros Assemelhados
O termo “método ABA” está
comumente associado a
trabalhos voltados
êxito da ACA no ensino de novos
repertórios comportamentais em
grupos de crianças com atraso no
para a área de educação especial, desenvolvimento sobre outras que
particularmente, com pessoas sob receberam outro tipo de
diagnóstico de algum dos intervenção. Um dos principais
Transtornos Globais do difusores de pesquisas desse tipo
Desenvolvimento, no qual se foi o psicólogo e pesquisador Ivar
inclui o Transtorno Autista.83 Lovaas. Em 1987, Lovaas
Trata-se de um termo amplamente apresentou os resultados de um
difundido em livros e em manuais estudo que se tornou referência
especializados na área, porém para consolidação das estratégias
pode ser um termo equivocado desenvolvidas Gustavo Tozzi
caso seja interpretado como um Martins
método distinto do que se tem
produzido no campo de pesquisa a
que esse termo se remete. A sigla por pesquisadores em ACA no
ABA é oriunda do inglês Applied treino de novos repertórios
Behavior Analysis que, em comportamentais em crianças com
português, traduz-se como Análise atraso no desenvolvimento. Pelo
do Comportamento Aplicada menos 90% das crianças que
(ACA). receberam o tratamento (grupo
A forte associação desse termo experimental) atingiram
a técnicas de modificação do melhoramento em diferentes
comportamento deve-se, níveis de funcionamento quando
provavelmente, à difusão de comparados seus desempenhos
pesquisas em que se comparava o acadêmicos antes e depois do
tratamento. Por outro lado, não
83 Atualmente, muitos autores vêm foram encontradas diferenças
utilizando a classificação Distúrbio do
significativas nos desempenhos
Espectro do Autismo, traduzido do inglês
Autistic Spectrum Disorder, para os casos das crianças que não receberam o
de autismo. Optou-se em manter aqui mesmo tratamento (Lovaas, 1987).
Transtorno Autista, uma vez que tal Ainda após um longo período, os
classificação é sugerida pelo último mesmos participantes do grupo
Manual Diagnóstico e Estatístico de
experimental dessa pesquisa
Transtornos Mentais, o DSM-IV-TR
(Associação Americana de Psicologia, apresentaram manutenção das
APA, 2002). Na Classificação Internacional habilidades adquiridas (McEachin,
de Doenças, 10a revisão (Organização Smith e Lovaas, 1993).
Mundial de Saúde, OMS, 1997), a Replicações ulteriores dessa
terminologia sugerida é Autismo Infantil.
Análise Comportamental Clínica 177

investigação corroboraram com psicofarmacologia, economia,


esse achado dando uma maior antropologia, entre outras.
robustez ao método utilizado Na medida em que se criou
(Sallows e Graupner, 2005; uma tecnologia comportamental
Cohen, Amerine-Dickens e Smith, destinada à resolução de
2006). problemas práticos de pessoas com
A ACA não surgiu com atraso no desenvolvimento como
exclusividade no contexto de procedimentos de treino de
educação especial. Trata-se de um repertórios comportamentais
campo de trabalho oriundo de adequados e controle de
estudos científicos sob orientação comportamentos socialmente
filosófica do Behaviorismo, que pouco produtivos, novas
teve como precursores configurações de
pesquisadores como Ivan Pavlov, acompanhamento terapêutico
Edward Thorndike e John B. fizeram-se necessárias. Fatores
Watson, apenas para citar alguns. políticos e sociais também
B.F. Skinner é o maior divulgador favoreceram a aceleração. Uma
de tal área e responsável por dessas mudanças, apesar de
cunhar o mínima, se avaliarmos o modelo
termo “Behaviorismo Radical”. de atendimento vigente no Brasil,
foi o acompanhamento terapêutico
A Análise do Comportamento, domiciliar para casos de pessoas
ciência derivada do Behaviorismo com atraso no desenvolvimento, o
Radical, destaca-se das demais que se relaciona aos fatores
abordagens por enfatizar os políticos. O movimento de
processos de aprendizagem Reforma Psiquiátrica tem surtido
mediante relações ambientais e alguns efeitos no modelo público
mudanças comportamentais em de tratamento de casos
diferentes níveis de organismos. psiquiátricos, limitando o papel de
instituições que atuavam,
predominantemente, pelo princípio
Sua aplicação tem sido
de internação. Em relação aos
encontrada em todas as áreas nas
fatores sociais, pode-se enfatizar
quais se tem o comportamento
aspectos como o aumento do
como foco de análise. Ela está
conforto de muitas famílias ao se
presente nos estudos de problemas
ter atendimento para seus filhos
clinicamente relevantes (p. ex.,
em suas próprias casas; a redução
fobias, dependência química,
de gastos com profissionais, uma
transtornos comportamentais em
vez que cuidadores podem ser
geral), análises sociais em
treinados para lidar com
contextos organizacionais,
programas terapêuticos diários
fenômenos relacionados a
(estando estes sob supervisão de
marketing e comportamento do
um profissional qualificado para
consumidor, processos
atuar nessa área), além de facilitar
psicológicos básicos, ecologia
uma conciliação de suas rotinas
comportamental, Psicologia
com o acompanhamento
Educacional, atividade física,
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

terapêutico de seus filhos. citar algumas tendências que


O acompanhamento domiciliar viabilizaram a criação de um
não deve ser estendido atendimento alternativo à
indiscriminadamente a todas as internação. Sabe-se que, desde os
pessoas com algum atraso no anos de 1960, várias críticas têm
desenvolvimento. Sabe-se que, se sido feitas ao modelo clássico de
determinados padrões internação de pessoas com
comportamentais estiverem transtornos mentais. O modelo
presentes de forma exacerbada e exclusivamente médico passou a
de difícil controle, como são os dar espaço ao trabalho
casos de pessoas com multidisciplinar no
comportamentos auto ou acompanhamento e tratamento de
heterolesivos, talvez seja mais casos psiquiátricos, estimulando a
adequado realizar o tratamento em criação de novas alternativas
um ambiente controlado, bem- terapêuticas.
equipado para situações A proposta de reduzir leitos
emergenciais e com ênfase hospitalares psiquiátricos e,
multidisciplinar. Como não cabe concomitantemente a isso, criar
nesse capítulo fazer uma análise serviços de assistência
aprofundada de todos os modelos multidisciplinar para cada usuário
existentes para justificar as e sua família, parte do pressuposto
vantagens de se optar pelo de que a explicação biológica na
atendimento domiciliar para tais compreensão dos transtornos
casos especiais, serão apontados mentais não se mostrava
argumentos pautados em diversos suficiente, na medida em que
aspectos, incluindo terapêuticos, análises históricas de cada “doente
que convergem para o tratamento mental”, além de seu âmbito
diferenciado de pessoas com cultural de inserção, passaram a
atraso no desenvolvimento. Além assumir igual importância
disso, tal modelo de atendimento (Antunes e Queiróz, 2007).
vai ao encontro das atuais Variáveis ambientais como a
discussões políticas existentes no sociedade, a família, as diferenças
campo da saúde mental. individuais que transcendem o
diagnóstico comum e os fatores
culturais passaram a entrar em
FATORES POLÍTICOS E
foco, possibilitando uma avaliação
SOCIAIS QUE FAVORECEM mais integrativa. Atualmente, o
UM ATENDIMENTO termo interdisciplinaridade é
DIFERENCIADO utilizado para justificar a coerência
Longe de querer assumir qualquer entre as diferentes demandas do
posicionamento acerca dos “doente mental”.
diferentes modelos de tratamento e O surgimento do Sistema
suas implicações políticas, ou até Único de Saúde (SUS) no Brasil,
mesmo obter uma descrição do sob respaldo da Constituição
modelo ideal de acompanhamento Federal de 1988, parte da
terapêutico, caberá aqui apenas universalização do acesso aos
Análise Comportamental Clínica 179

serviços de saúde, e visa a Saúde Mental, do Ministério da


descentralização unificada, a Saúde, dados de 2006
democratização da gestão, a contabilizaram 1.011 unidades de
integralidade da atenção e a serviços CAPS, contrastando com
execução mista. Tais diretrizes apenas 10 unidades presentes
incentivaram movimentos sociais durante a década de 1980.
e políticos que criticaram o Somente seis dos 74 municípios
modelo psiquiátrico clássico, com mais de 300 mil habitantes
sugerindo novas configurações de não ofereciam atendimento em
assistência, como foi o caso do CAPS na rede de atenção à saúde.
Projeto de Lei no 9.867, de 10 de A implementação dessa política
novembro de 1999, motivado pela pública permitiu uma redução do
Declaração de Caracas, realizada número de leitos em hospitais
na Conferência Regional para psiquiátricos no Brasil: os 51.393
Reorientação da Assistência leitos, registrados no ano de 2002,
Psiquiátrica no Continente (Borges foram reduzidos para 39.567 no
e Baptista, 2008; Brasil, 2008). ano de 2006. Em outra ação
Essa lei favoreceu a criação de desenvolvida pelo governo, temos
programas psicossociais a o incentivo ao retorno de pessoas
pacientes psiquiátricos sob com longa história de internação
cuidados de serviços comunitários. em hospitais psiquiátricos para
Somente em 2001, a Lei no 10.216 casa de familiares, com ajuda
foi promulgada, garantindo a financeira de custos, de acordo a
proteção e o acesso aos direitos Lei no 10.708/2003, denominada
das pessoas diagnosticadas com de “Programa de Volta para Casa”
transtornos mentais. Isso (Ministério da Saúde, 2007).
estabeleceu a proibição de Mesmo com uma
construção de novos hospitais sensibilização política e social
psiquiátricos e a instalação de para mudanças nos modelos de
leitos para esse tipo de demanda, atendimento ao “doente mental”,
estimulando novos modelos de novos problemas surgiram. Para
atendimento que surgiram com o pacientes em condições
intuito de reinserir socialmente o consideradas graves – envolvendo
“doente mental”. Serviços como comportamentos altamente
os oferecidos pelos Centros de agressivos, falta de
Atenção Psicossocial (CAPS), comprometimento dos cuidadores
Núcleo de Atenção Psicossocial ou do próprio usuário quanto ao
(NAPS), Hospitais-Dia, Serviços tratamento, dentre vários outros
Residenciais Terapêuticos e motivos – a internação temporária
Centros de Convivência surgiram seria fortemente indicada, o que
como alternativa de atendimento, exigiria uma infraestrutura
funcionando como mediação entre ambulatorial adequada para esses
a internação integral e a vida casos (Boardman e Hodgson,
social comum. 2000). Nos Estados Unidos, por
De acordo com o relatório de exemplo, o modelo de crisis
gestão da Coordenação Geral de housing tem sido adotado há
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

alguns anos, no lugar de bed crisis, contornar os eventuais malefícios


como modelo alternativo para decorrentes de tal mudança,
pessoas que se encontram em conforme citado anteriormente.
situações de risco, cumprindo com Fazendo um recorte desses casos,
os critérios de adesão somente novos aspectos positivos podem
durante os períodos de crise, sob vir à tona no que se refere à
serviços de curto prazo, tratamento adoção do atendimento domiciliar,
intensivo e acompanhamento tais como maior autonomia dos
individualizado ou em grupos familiares para o atendimento,
reduzidos (Strout, 1988). maiores oportunidades de inserção
da pessoa atendida em seu
Outro assunto que está em voga ambiente natural, uma
atualmente é o estresse atribuído possibilidade maior de educação
aos familiares de pessoas com social para as pessoas de convívio
algum transtorno mental de rotineiro, aplicação da terapêutica
convívio rotineiro. em outros contextos sociais do
participante (escola, por exemplo),
além de possibilitar um ambiente
Em uma revisão sistemática da
rico para a implementação de
literatura, foi possível verificar um
programas terapêuticos. Sobre o
crescente número de pesquisas que
último aspecto, serão apresentadas
avaliaram os efeitos de ter
mais à frente algumas pesquisas
convívio diário com um familiar
que avaliaram certas
autista sobre fatores psicológicos
características no tratamento de
parentais, como ansiedade,
pessoas autistas e quadros
qualidade do sono, dificuldades
assemelhados, no qual os
interpessoais e preocupação
ambientes social e físico,
excessiva (Fávero e dos Santos,
juntamente com intervenções
2005).
adequadas, foram apontados como
Em linhas gerais, a
importantes para a aquisição de
preocupação progressiva em evitar
novas habilidades
a institucionalização de doentes
comportamentais.
mentais e, ao mesmo tempo,
As pesquisas aplicadas à área
envolver os pais e cuidadores
de educação especial têm se
como também responsáveis na
preocupado, numa análise mais
terapêutica de seus familiares, tem
ampla, com três pontos básicos:
acabado por gerar impasses no que
redução de comportamentos
concerne ao manejo especializado
contraprodutivos, treino de
e adequado no acompanhamento
repertórios comportamentais
terapêuticos de pessoas com
adequados (sejam eles
alguma demanda profissional:
acadêmicos, socialmente
nesse caso, com atraso no
desejáveis, cuidados pessoais,
desenvolvimento. Uma vez que há,
promoção da saúde, etc.) e a
na desinstitucionalização, vários
manutenção desses
aspectos benéficos, o problema
comportamentos adequados na
maior passa a ser o como
vida social dos usuários. Mais à
Análise Comportamental Clínica 181

frente, serão citadas algumas ex., movimentos oscilatórios com


investigações que avaliaram as mãos, partes do corpo ou todo
estratégias para o desenvolvimento ele), atividades e interesses
de repertórios comportamentais limitados (p. ex., engajamento em
adequados, assim como os rotinas e rituais atípicos) e falha na
contextos sociais que auxiliaram aquisição de algum
na promoção dos mesmos. A comportamento verbo-gestual ou
análise de fatores ambientais vocal e, quando este está presente,
relevantes para o progresso dos ocorre de forma inadequada ou
participantes sob atendimento limitada. Outras características
domiciliar coloca tal iniciativa em também podem estar presentes,
um patamar importante a ser tais como hiperatividade, auto ou
adotado na obtenção de um maior heterolesão, impulsividade,
sucesso nos objetivos terapêuticos oscilações constantes de afeto e de
traçados. Não caberá aqui entrar humor, aparente ausência de medo
no mérito de técnicas e em situações de risco e respostas
procedimentos de manejo para os pouco comuns aos estímulos
diversos problemas abordados sensoriais (p. ex., produção de
dentro da prática em educação sons com as mãos ou objetos
especial, mas sim, nas próximos ao ouvido,
contingências tidas como hipersensibilidade a determinadas
favoráveis para a aquisição e texturas). Todos os outros
manutenção dos repertórios transtornos diagnosticados nesse
comportamentais desejados aos grupo compartilham de sintomas
participantes dos programas semelhantes, diferindo em
educacionais, nos quais o algumas características como
atendimento domiciliar tem início dos sinais, grau de
recebido destaque. severidade, sexo e, também, a
natureza do próprio fenômeno.
Dados epidemiológicos
TRANSTORNO AUTISTA
internacionais, coletados em 2007
De acordo com o Manual
pelo Centers for Disease Control
Diagnóstico e Estatístico de
Prevention (CDC), apontam para
Transtornos Mentais, o DSM-IV-
uma prevalência desse transtorno
TR (Associação Americana de
na proporção de 1:150 dentre
Psiquiatria, APA, 2002), o
crianças americanas, sendo de três
Transtorno Autista está
a quatro vezes mais comum em
classificado dentro dos
meninos do que em meninas
Transtornos Globais do
(CDC, 2008). Esses dados
Desenvolvimento, com
corroboram os obtidos pela Autism
características que se destacam
Society of America (ASA), a qual
pela falta de reciprocidade nas
apresenta cerca de 1,5 milhões de
interações sociais (p. ex., contato
autistas com diagnósticos
visual inadequado ou ausente, falta
fechados. Cada criança com esse
de interesse na participação de
diagnóstico custa, em toda sua
atividades coletivas),
vida, para o governo americano,
comportamentos estereotipados (p.
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

cerca de 3,5 a 5 milhões de relatos empíricos da Association


dólares, somando um total anual for Behavior Analysis, que têm se
para todos os casos diagnosticados mantido em uma periodicidade de
em 90 bilhões de dólares (ASA, publicação constante desde que se
2008). Não há dados iniciaram, o “Journal of the
epidemiológicos ou de orçamento Experimental Analysis of
destinado ao tratamento para o Behavior”, o “Journal of Applied
contexto brasileiro. Behavior Analysis” e o
As causas do autismo ainda “The Analysis of Verbal
não são conhecidas. Estudos que Behavior”, obteve-se como
se empenharam em responder tal resultado conjuntos de pesquisas
pergunta têm demonstrado que que, em sua maioria, tratavam do
tanto os genes como fatores treino e da manutenção de
ambientais estiveram operantes verbais (Goulart e de
correlacionados com muitos casos Assis, 2002). Em especial, as
diagnosticados. Dados de um pesquisas aplicadas nesse tema
estudo realizado com gêmeos têm-se ocupado na investigação de
monozigóticos britânicos, por modelos de treino de repertório
exemplo, apresentaram uma verbal adequado (Toth et al.,
correlação positiva de 60% de 2007), habilidades de solicitar por
ocorrência do transtorno contra ajuda verbalmente (Taylor et al.,
nenhum caso para gêmeos 2004), estabelecimento de
dizigóticos, para todos os irmãos reciprocidade na fala (Williams,
diagnosticados como autistas em Donley e Kellers, 2000),
ambos os grupos de gêmeos desenvolvimento de
(Bailey et al., 1995). Outras espontaneidade na fala (Taylor e
condições médicas foram também Levin, 1998), controle de
correlacionadas à ocorrência do vocalizações estereotipadas
autismo como a Síndrome do X (Falcomata et al., 2004), além de
Frágil, Esclerose Tuberosa, treino de leitura e escrita, como
Síndrome da Rubéola Congênita e visto em estudos de equivalência
Fenilcetonúria (PKU) não tratada, de estímulo, por exemplo
sendo esta última responsável por (Eikeseth e Smith, 1992; Lane e
uma baixa prevalência (Muhle, Critchfield, 1998).
Trentacoste e Rapin, 2004; Baieli, A seguir, serão descritas
Pavone, Meli, Fiumara e Coleman, resumidamente três pesquisas que
2003). avaliaram estratégias terapêuticas
Dentre os vários estudos no ensino de falas espontâneas em
presentes na área aplicada em crianças autistas. Espera-se, com
educação especial, tendo como tais pesquisas, ilustrar parte do que
participantes pessoas autistas ou se tem produzido na área de
com quadros assemelhados, pesquisa aplicada e, ao mesmo
muitos estão voltados para o tema tempo, mostrar a relevância de
comportamento verbal. Em um envolvimento dos familiares em
levantamento realizado em três espaços físicos de convívio
periódicos muito conhecidos por comum (nesse caso, a residência
Análise Comportamental Clínica 183

das partes envolvidas), com estendem desde a fase de


objetivo de auxiliar na manutenção avaliação psicológica até a fase de
das habilidades adquiridas por acompanhamento. Todos os
parte dos participantes das procedimentos conhecidos e
pesquisas. utilizados até aquela data foram
classificados de acordo uma
categoria conceitual de
TREINO E GENERALIZAÇÃO
confiabilidade nos dados
DE NOVOS REPERTÓRIOS encontrados em diferentes
VERBAIS EM PESSOAS pesquisas realizadas.
AUTISTAS
Como foi dito no início deste Quanto mais pesquisas realizadas
capítulo, a ACA tem sido indicada com as mesmas intervenções e
como o método mais eficaz na resultados semelhantes, maior o
programação de protocolos de grau de confiança nos
ensino destinado a pessoas com procedimentos utilizados e,
atraso no desenvolvimento. Tal consequentemente, melhor
programa se destaca por favorecer conceituação.
um acompanhamento precoce e
intensivo do usuário, uma vez que, Um dos maiores desafios no
quanto mais cedo se iniciar o treino de pessoas com autismo,
acompanhamento e mais além do ensino de novos
intensivas forem as atividades repertórios comportamentais, é a
terapêuticas, melhor será o manutenção dos mesmos em
prognóstico (Cohen et al., 2006; contextos não treinados
Eikeseth et al., 2002; Howard et anteriormente. Essa falta de
al., 2005). manutenção consiste no fato de
Em concordância com o que o aprendizado adquirido em
relatório divulgado pelo determinados contextos físicos
Departamento de Saúde do Estado (sala de atendimento) ou sociais
de Nova York (1999), (pessoas que interagiram
recomendase uma jornada semanal diretamente com o participante nas
de, pelo menos, 20 horas de sessões terapêuticas) pode não ser
atendimento individualizado, estendido para outros contextos
utilizando princípios de ensino (com determinadas mudanças
com fortes evidências físicas e sociais), mesmo com a
experimentais, motivo pelo qual as manutenção de certas variáveis
pesquisas em ACA têm obtido consideradas relevantes durante a
êxito. Para tanto, foram criadas Fase de Treino. Isso, portanto,
normas de conduta a serem ocasiona uma dificuldade de
adotadas nos programas generalização do repertório
terapêuticos. Esse guia de comportamental aprendido (Secan,
procedimentos foi produzido por Egel e Tilley, 1989). O mérito de
um corpo de pesquisadores tais estudos repousa na capacidade
especializados, e as orientações de identificar as variáveis
presentes nesse documento se relevantes para a manutenção do
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

mesmo repertório adquirido em enquanto outras consideradas


um contexto específico e relevantes pelos experimentadores
simplificado para se poder replicar são mantidas. Com finalidade
em contextos mais abrangentes e ilustrativa, serão descritas a seguir
complexos. algumas investigações que
Em um trabalho de avaliaram os efeitos de suas
levantamento, realizado por da intervenções no treino de
Hora e Benvenuti (submetido à repertório verbal espontâneo em
publicação), de artigos do “Journal crianças autistas. Entende-se aqui
of Applied Behavior Analysis” como linguagem espontânea
(JABA), principal periódico on- aquelas respostas verbais que
line aberto ao público de pesquisas ocorrem sob controle de algum
em ACA, foi possível averiguar o evento não verbal, como, por
grau de importância e dificuldade exemplo, em casos da categoria
atribuída ao quesito do fenômeno verbal de mandos (perguntas,
de generalização das pesquisas que pedidos ou solicitações).
utilizaram pessoas autistas como No estudo de Williams,
participantes. Foram coletados Donley e Keller (2000), com
artigos no período de 1979 até participantes autistas capazes de
2006 que apresentassem uma das imitar novas vocalizações
três palavras-chave de interesse mediante modelação, foram
para se fazer uma análise das treinadas perguntas que ficariam
possíveis variáveis responsáveis sob controle de algum evento não
pelos fracassos de muitos dos verbal previamente escolhido. Ao
objetivos de várias pesquisas: apresentar objetos escondidos em
generalização, treino por caixas, selecionados, levando em
modelação e uso de esvanecimento consideração as predileções dos
de dicas. O que nos interessa frisar participantes (brinquedos ou itens
aqui é que, dos 54 artigos que comestíveis), o terapeuta ensinava
cumpriram com os pré-requisitos cada um a realizar a pergunta: “O
de inclusão para análise, 41 que é isso?”. Cada resposta correta
tratavam do assunto de era seguida de acesso ao item
generalização, dos quais 11 escondido na caixa. Depois de
apresentaram problemas no Teste instalada tal pergunta, passava-se
de Generalização. Isso nos mostra para a próxima pergunta a ser
o quanto esse fenômeno tem sido treinada, nesse caso, “Posso ver?”.
estudado nessa área e o tanto que Dessa forma, a primeira pergunta
ainda falta para aprendermos sobre passou a não produzir o acesso ao
os processos gerais acerca do item escondido, mas sim a
controle generalizado do oportunidade de realizar a segunda
repertório novo treinado em pergunta treinada. Somente após a
condições específicas. ocorrência da segunda pergunta, o
Muitos desses estudos testam participante tinha acesso ao item
a generalização dos repertórios escondido. Seguindo a mesma
treinados após a mudança lógica, uma terceira pergunta foi
proposital de algumas variáveis, treinada: “Posso pegar?”. Assim,
Análise Comportamental Clínica 185

ao mesmo tempo foi possível participantes, obtendo um


colocar o comportamento verbal desempenho de respostas corretas
do participante sob controle de um para todas as oportunidades de
evento não verbal (a presença da resposta durante as últimas
caixa) e eventos verbais numa sessões. O Teste de Generalização
conversa recíproca (“Sim, claro foi realizado com objetos
que você pode ver!” ou “Tome tridimensionais relacionados às
aqui o que você pediu”). O Teste figuras treinadas previamente e,
de Generalização foi realizado mais uma vez, todos os
com sucesso em outro ambiente e participantes apresentaram, no
com outros interlocutores, nesse mínimo, o total de respostas
caso, os pais dos participantes. corretas para as três últimas
Em Taylor e Harris (1995), sessões. Além de avaliar o Teste de
três crianças autistas foram Generalização em um ambiente
treinadas a emitir diferente do qual foi realizada a
espontaneamente a pergunta “O Fase de Treino, diferentes pessoas
que é isso?” mediante figuras que também foram solicitadas para
representassem objetos conduzir os programas.
desconhecidos por elas. O treino Outro estudo, que também
consistiu em modelar a pergunta- avaliou a iniciação espontânea de
alvo mediante figuras novas aos conversa, utilizou o pareamento de
participantes, misturadas com um estímulo tátil (beeper
outras já presentes no vocabulário vibratório) com verbalizações sob
de cada participante. Após a forma de comentários acerca das
modelagem de emitir ações lúdicas em que o
contextualmente a pergunta-alvo participante estava engajado
para os objetos desconhecidos, o (“Mary, estou fazendo um tigre!”)
terapeuta solicitava a cada (Taylor e Levin, 1998). A Fase de
participante que apontasse, dentre Treino consistiu em parear os
diferentes figuras expostas, comentários realizados pelo
aquelas que representassem os terapeuta, o qual o participante
objetos anteriormente deveria imitar, juntamente com a
desconhecidos por eles. Enquanto ocorrência da ativação do
na primeira etapa foi avaliada a dispositivo vibratório, num
capacidade de os participantes intervalo de 60 segundos. Depois
perguntarem espontaneamente de treinado tal repertório, foram
diante do novo objeto (ou seja, testadas duas condições: uma em
linguagem expressiva), no que apenas dicas verbais estavam
segundo momento, foram presentes e outra em que nem a
requisitados a discriminarem, dica tátil nem a verbal estavam
dentre outras figuras, aquelas que presentes. Nessas últimas
foram ensinadas em consequência condições, pretendia-se verificar
às suas perguntas aos objetos se houve algum processo de
novos, o que se caracteriza como generalização por parte do
linguagem receptiva. Os resultados participante na tarefa a que foi
foram satisfatórios para todos os exposto. Durante essas fases, caso
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

o participante emitisse algum adquirido para o contexto em que


comentário de forma espontânea, se esperava manter o novo
outro experimentador que não comportamento. Logo, quanto
aquele da Fase de Treino emitiria mais estímulos utilizados durante a
aprovações sociais verbalmente. Fase de Treino forem naturalmente
Os resultados demonstraram que o presentes nos contextos em que se
dispositivo vibratório adquiriu espera que o comportamento
função de dica para as respostas ocorra, maior a probabilidade de
verbais. Por outro lado, não foi sua manutenção e do
possível observar generalização da fortalecimento nos novos
resposta de iniciar comentários contextos avaliados.
quando os estímulos tátil ou verbal
não estavam presentes. Os autores A tendência de envolver pais em
discutiram que a dificuldade em se pesquisas desse gênero,
estabelecer tal generalização para conforme relatado nas pesquisas
o contexto natural foi, anteriores, deve-se à
provavelmente, a falha no preocupação de que as
esvanecimento gradual do habilidades treinadas em um
estímulo vibratório, de forma que contexto particular possam ser
outros estímulos presentes no estendidas para contextos
ambiente adquirissem, diversos,
naturalmente, controle principalmente ao contexto
discriminativo para a resposta domiciliar, uma vez que é nesse
treinada. lugar que muitos dos participantes
Em suma, os dois primeiros passam o maior período do dia.
estudos aqui relatados trabalharam Muitas outras pesquisas que
com elementos presentes no trabalharam com repertórios
ambiente social comum aos diversos também tiveram a mesma
participantes e, além disso, preocupação durante a Fase de
contaram com a participação dos Generalização.
pais durante a Fase de Teste de
Generalização. Após as Fases de
Treino e Teste dos novos
TREINO DE PAIS E DE
repertórios ensinados aos ESTAGIÁRIOS PARA A
participantes, os pais foram APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS
instruídos a seguir os mesmos ANALÍTICO-
protocolos em suas casas, sob
COMPORTAMENTAIS
supervisão dos terapeutas
A preocupação em se treinar pais
responsáveis pela pesquisa, ou
de crianças com atraso de
então avaliar em contextos
aprendizagem ou cuidadores como
naturais não estruturados. O
coterapeutas no ensino de novas
terceiro estudo utilizou um
habilidades não é recente (Hall,
estímulo incomum no ambiente
Cristler, Cranston e Tucker, 1970;
natural do participante, o que
Hall et al., 1971; Hall et al., 1972).
exigiria um manejo dificultado na
As vantagens de treinar pais ou
transposição do novo repertório
estagiários de áreas afins para a
Análise Comportamental Clínica 187

atuação como coterapeutas no relevantes para o tratamento. Tais


acompanhamento dos programas elementos são complementares
de treino de novos repertórios para o delineamento posterior por
comportamentais é que se pode parte do terapeuta. Uma estratégia
criar um ambiente propício para utilizada para melhor avaliar as
uma intervenção mais sustentável, possíveis variáveis envolvidas no
além de facilitar a generalização controle de vários
do aprendizado adquirido para comportamentos aprendidos é a
contextos sociais e físicos análise funcional (ver Capítulo 1).
diversos. Apesar de alguns Nessa área, tal estratégia tem sido
trabalhos terem sinalizado a utilizada tanto para caracterizar
importância de envolver a família aspectos quantitativos do
no acompanhamento terapêutico fenômeno comportamental (p. ex.,
dos filhos com atraso no frequência de ocorrência,
desenvolvimento, pouco se tem intensidade, duração) como
produzido atualmente acerca desse também aspectos qualitativos, ou
assunto. melhor, das funções que
Muitas das pesquisas avaliam determinadas respostas podem
tanto o desempenho dos pais ou exercer em determinadas
dos estagiários nas atividades a configurações ambientais. Realizar
serem desenvolvidas nos tal análise possibilita ao terapeuta
programas terapêuticos quanto os descrever quais os fatores
efeitos colaterais de seus ambientais envolvidos nos
desempenhos sobre as repostas controles dos comportamentos-
corretas esperadas pelos alvo e, a partir de então, programar
participantes nas atividades. Os intervenções a fim de sanar
programas terapêuticos dos quais diversos problemas individuais.
se tem relato de treino são diversos Tomemos o exemplo de certos
e abrangem habilidades pré- comportamentos indesejáveis de
acadêmicas, atividades de vida autolesão de uma criança autista,
diária, cuidados pessoais, controle caracterizados por mordidas no
de excessos comportamentais braço. Ao realizarmos a análise
como comportamento auto e funcional de tal comportamento,
heterolesivos, citando-se apenas os devemos relatar todas as variáveis
mais comuns. ambientais que possam estar
Outros aspectos que podem relacionadas diretamente a esses
ser contemplados no treino de eventos, tais como fatores
terceiros para a execução dos biológicos (mudança de
programas terapêuticos é que se medicação, dor de dente, noite de
pode treiná-los para uma coleta de sono anterior prejudicada), fatores
dados mais confiável em períodos sociais (capacidade de
extraterapêuticos, além de ampliar determinada resposta autolesiva
a capacidade interpretativa por mobilizar o ambiente a seu favor,
parte dos pais ou dos estagiários com atenção diferenciada dos pais)
dos eventuais fatores envolvidos e fatores físicos (mudança em algo
em fenômenos comportamentais da rotina do participante). A partir
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

de tal descrição funcional do desempenho do terapeuta na


comportamento-alvo, o terapeuta execução dos programas
poderá manipular situações a fim destinados para cada participante.
de avaliar custos e benefícios de Outro estudo bastante
tal comportamento em certas ilustrativo de como pais podem
circunstâncias. Assim, poderá auxiliar no acompanhamento
estabelecer contingências que terapêutico foi realizado por
favorecem comportamentos Lafasakis e Sturmey (2007), no
socialmente aceitos em detrimento qual se ensinou pais a aplicarem
daqueles que, apesar de terem princípios da Análise do
alguma função no ambiente, Comportamento na modelagem de
ocasionam problemas para a novos repertórios
própria pessoa e para seu ambiente comportamentais em seus próprios
social. filhos. O procedimento utilizado
Em um trabalho desenvolvido foi o de modelagem por tentativa
por Iwata e colaboradores (2000), discreta, ou seja, reforçar
foi avaliado o treino analítico- diferencialmente passos de
funcional em estudantes de comportamentos complexos a
graduação e medido seus níveis de partir de unidades mais simples.
desempenho antes e após o treino, Os resultados esperados foram de
demonstrando resultados de que os pais estivessem aptos a
melhora após a intervenção. A aplicarem o mesmo princípio de
utilização desse recurso garantiria treino em outras atividades não
a criação de um currículo de treinadas previamente e que a taxa
programas terapêuticos mais de respostas corretas dos
flexível, ou seja, passível de participantes aumentasse para
modificações conforme novas esses novos programas de treino.
avaliações comportamentais, que Os resultados foram positivos em
possa atender às necessidades ambas as observações.
particulares de cada participante. A Os objetivos de pesquisas
flexibilidade do currículo, no nesse tema envolvem viabilizar
quesito de modificações e um tratamento precoce e intensivo
adequações de novas estratégias para pessoas com distúrbios de
terapêuticas para o ensino de aprendizagem, uma vez que estas
novas habilidades devem ser as primeiras
comportamentais, deverá sempre beneficiárias dos futuros serviços
ter como referencial as terapêuticos. Ao desenvolver
dificuldades apresentadas por cada protocolos de conduta para treinos
participante durante os programas de pais no acompanhamento de
terapêuticos e as avaliações das programas terapêuticos não se
funções dos comportamentos. subentende que o papel do
Logo, a análise funcional servirá, terapeuta será reduzido ou
conforme visto nesses exemplos, suprimido. O período que se
tanto para elucidar os controles estende desde a análise funcional
ambientais dos comportamentos inicial até a implementação e a
indesejáveis, quanto para avaliar o execução de todo o programa
Análise Comportamental Clínica 189

terapêutico é de suma um marco importante na prática


responsabilidade do profissional dos princípios da Análise do
contratado. Entende-se aqui o Comportamento aplicados à
treino de pais como um educação especial foi o “Passo a
complemento para maior eficácia Passo, Seu Caminho”, escrito por
da terapêutica a ser utilizada. A Windholz (1988). Trata-se de um
possibilidade de trabalho dos pais guia curricular desenvolvido para
nos programas terapêuticos pode educadores no intuito de auxiliar
também atender a uma programas terapêuticos para
necessidade de redução de custos, diferentes habilidades básicas a
uma vez que evitaria constantes serem desenvolvidas no repertório
contratações de estagiários para o global de participantes com atraso
seguimento dos programas no desenvolvimento. Soma-se um
terapêuticos e, somando-se a isso, total de 26 programas de ensino
oferece-se maior comodidade ao que se estendem em categoriais de
se disponibilizar o atendimento habilidades de sensopercepção,
domiciliar. contato visual, imitação motora,
comunicação verbal
receptiva/expressiva, nomeação,
MANUAIS PARA TREINO DE
expressão/reconhecimento de
HABILIDADES EM PESSOAS sentimentos, atividades da vida
AUTISTAS diária, dentre outros. Tal manual,
Atualmente, pode-se encontrar no além de sugestões de estratégias
mercado uma vasta literatura de comportamentais de intervenção
materiais didáticos desenvolvidos nos diferentes níveis de
para trabalho com pessoas autistas habilidades a serem trabalhados,
voltados para o público parental. A oferece alguns preceitos a serem
prova disso está nos próprios adotados a fim de se otimizar o
títulos de muitos manuais trabalho terapêutico: modelos de
editados, nos quais a clientela-alvo registro dos dados coletados nos
são pais e profissionais da área. programas, confecção de gráficos,
Além dos manuais técnicos como organizar os programas
voltados exclusivamente para terapêuticos nas diferentes
profissionais da área psicológica, categorias, formas de avaliar os
muito se tem investido em expor objetivos terapêuticos, níveis de
os conceitos trabalhados na ACA e ajuda a serem utilizados nos
os jargões da área sob um programas, hierarquia de trabalho
vocabulário comum aos leigos, das atividades a serem
com exemplos ilustrativos claros contempladas para o treino de
do cotidiano e com tópicos repertório comportamental de
introdutórios. apoio visando comportamentos
A maioria dos manuais mais complexos, ambiente físico
produzidos na área é oriunda de de trabalho, planejamento das
outros países e poucos foram sessões, materiais utilizados em
traduzidos para o português. No cada programa, além de outras
Brasil, um manual que estabeleceu sugestões quanto ao apoio técnico
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

ao educador, considerando os currículos mais avançados são


princípios da Análise do acrescidos programas de
Comportamento. desenvolvimento de linguagem
Outro manual amplamente abstrata, habilidades acadêmicas,
conhecido e citado por muito habilidades sociais, leitura escolar
outros autores dessa área é o e outros. Capítulos
“Behavioral Intervention for complementares discutem
Young Children with Autism”, também, nesse manual, as
editado por Catherine Maurice, diferentes formas de avaliação dos
com coedição de Gina Green e tratamentos ofertados para esse
Stephen Luce (1996). Trata-se de tipo de clientela, a diferenciação
um manual completo nos quesitos entre pesquisa experimental das
práticos a serem adotados na demais pesquisas, maiores
formação de qualquer programa de esclarecimentos sobre a formação
intervenção domiciliar, profissional adequada da pessoa
atualizando aspectos abordados que presta esse tipo de
em outros manuais destinados à atendimento e como deve ser
mesma finalidade. Com respaldo coordenado o treinamento de pais
em décadas de pesquisas e estagiários.
experimentais de estudos de casos, Apesar da grande abrangência
os autores sintetizaram muito do e riqueza de informações deste
que se tem obtido com sucesso, último manual, não há nele um
propondo currículos de critério avaliativo a ser seguido de
habilidades a serem treinadas de forma a planejar o currículo
diferentes níveis de terapêutico mediante avaliações
complexidades, incluindo prévias de repertório
exemplos de como cada programa comportamental de entrada de
deverá ser cumprido em suas cada participante. Logo, haveria
diferentes etapas. Além das certa dificuldade em decidir quais
habilidades básicas importantes dos programas deverão ou não
para o aprendizado de novos entrar no currículo a que se
comportamentos mais complexos, pretende trabalhar de acordo com
o manual sugere currículos para a demanda particular de cada
participantes de níveis mais participante, exigindo do
avançados. Os currículos para psicólogo uma experiência maior
iniciantes incluem categorias de quanto à programação das
programas como habilidade de atividades terapêuticas.
atendimento (seguir ordens orais Desenvolvido por Sundberg e
de terceiros), imitação motora Partington (1998), o manual
grossa, imitação motora fina “Teaching Language to Children
orofacial, habilidades pré- with Autism or Other
acadêmicas (identificação de Developmental Disabilities” foi
cores, números, formas desenvolvido para também suprir
geométricas, objetos, etc.), tal necessidade. Apesar de
cuidados pessoais, linguagem enfatizar habilidades no
receptiva e expressiva. Em desenvolvimento de repertório de
Análise Comportamental Clínica 191

comportamento verbal, várias as possíveis estratégias


outras categorias de habilidades terapêuticas utilizadas com
comportamentais são abordadas de sucesso em outros contextos de
forma a estabelecer uma hierarquia trabalho nessa área. Para os
avaliativa, mediante tarefas profissionais da área de educação
estruturadas, a fim de verificar em geral, tais manuais servem
primeiramente em qual nível de como modelos práticos de
habilidade está cada participante operacionalização das tarefas
em cada categoria terapêuticas e como norteadores
comportamental. Soma-se um total dos objetivos a serem alcançados,
de 25 categorias, organizadas de resguardando à sua inteira
modo a estabelecer passos a ser responsabilidade a capacidade de
avaliados, começando do nível avaliar cada caso, delinear
menos complexo para o mais prioridades, criar um ambiente
complexo. Mediante a fluência ou propício de trabalho com a família
deficiência do participante em e com os cuidadores, esclarecer
cada tarefa a que se propõe, o dúvidas, atualizar estratégias de
manual tornará mais fácil o intervenção mediante pesquisas
trabalho do profissional na escolha recentes, integralizar seu trabalho
de quais programas deverão ou com outros profissionais e tantas
não entrar no currículo de cada outras funções condizentes com
um. seu papel.
Um manual que tem se
destacado pela sua proposta de
CONSIDERAÇÕES FINAIS
difusão dos princípios da Análise
Passando por uma breve análise
do Comportamento para o público
dos diferentes fatores históricos da
leigo é o Help us learn, escrito por
política pública, das
Lear (2004). Nesse manual, são
particularidades do autismo, das
abordados, numa linguagem clara,
tendências dos estudos em
os conceitos teóricos relevantes
pesquisa aplicada e das novas
para o trabalho em educação
estratégias de manejo no
especial como também
acompanhamento terapêutico de
procedimentos utilizados para se
pessoas com atraso no
trabalhar na implementação de
desenvolvimento, pode-se
programas em diversas categorias
perceber que o atendimento
de habilidades comportamentais.
domiciliar seria uma alternativa a
Trata-se de um manual
ser considerada. Naturalmente,
introdutório e objetivo, adequado
essa nova contingência de trabalho
para uma primeira leitura acerca
acabaria por abrir, em uma mão,
de trabalhos desenvolvidos na área
novos caminhos para o psicólogo,
de educação especial.
porém, em outra mão, exigiria dele
Cabe salientar que a proposta
habilidades mais complexas. Além
de tais manuais não é de instruir
dos programas terapêuticos
pais a assumirem por conta própria
delineados especialmente para
a terapêutica de seus filhos, mas
cada caso, cabe também ao
sim de instruí-los e de lhes mostrar
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

psicólogo o acompanhamento dos (Board Certified Behavior


pais ou responsáveis pela pessoa Analysts® – BCBA®), é exigida a
atendida, o treinamento de qualificação mínima de pós-
estagiários e a integração dos graduação stricto sensu, em
objetivos clínicos com outros caráter de mestrado ou doutorado,
profissionais que também prestam além de disciplinas específicas
seus serviços e que podem cursadas, experiência prática na
contribuir de alguma forma para área e supervisão ofertadas pelo
um melhor aproveitamento das programa de qualificação. Caso o
metas terapêuticas estabelecidas. profissional não tenha a titulação
A constante divulgação de mínima de mestre, poderá adquirir
pesquisas em ACA, não somente a certificação de associado ao
no contexto acadêmico, com bons grupo (Board Certified Associate
indicadores de resultados, tornou a Behavior Analyst® – BCABA®).84
Análise do Comportamento Retomando a ênfase
referência para trabalhos clínicos, inicialmente exposta neste capítulo
tendo sido aqui destacado o de que a ACA não é apenas uma
acompanhamento de pessoas com “terapia para autistas”, pode-se
atraso no desenvolvimento. ainda destacar o que não seria a
Juntamente a esse fenômeno, ACA no contexto de educação
ocorreu o aumento da demanda de especial. Seria muito ingênuo
profissionais qualificados em dizer, por exemplo, que a ACA se
Análise do Comportamento que se ocupa mais em trabalhar com
adequassem a novas configurações comportamentos simples ou então
de atendimento. Em alguns países, somente com comportamentos-
a criação de uma certificação para problema. Isso seria refutado de
profissionais da área de aplicação imediato, uma vez que os
dos conhecimentos procedimentos terapêuticos a
analíticocomportamentais foi uma serem adotados dependerão,
alternativa adotada tanto para primeiramente, das necessidades
garantir a qualidade dos serviços de cada participante, sejam elas
prestados à comunidade, como habilidades básicas ou complexas.
também para tentar normatizar os Dizer também que a principal
profissionais que se proposta dessa área é desenvolver
autointitulavam analistas do manuais com protocolos definidos
comportamento. A criação da a serem seguidos, estaria
Behavior Analyst Certification igualmente equivocado, já que um
Board possibilitou a definição de dos princípios de aplicação dos
parâmetros de conhecimento procedimentos é que eles sejam
teórico-prático e de formação contextualizados e coerentes com
mínima necessária para cada a demanda terapêutica de cada
profissional interessado em participante. Logo, somente um
adquirir uma licença reconhecida profissional qualificado e com
para atuação como analista do experiência prática na área de
comportamento especializado.
84 Acesse http://www.bacb.com para
Para se obter essa certificação
maiores informações.
Análise Comportamental Clínica 193

educação especial estaria apto a Brasília.


utilizar muitas das estratégias Brasil (2008). Constituição da República
terapêuticas apresentadas em Federativa do Brasil de 1988.
Retirado no dia 22 de julho de
manuais de modo a torná-las 2008, do site http://www.
adequadas aos objetivos planalto.gov.br.
delineados pelo terapeuta. Centers for Disease Control Prevention
(CDC, 2008). About Autism.
Retirado no dia 22 de julho de
REFERÊNCIAS 2008, do site http://www.cdc.gov/
Antunes, S. M. M. de O., & Queiroz, ncbddd/autism/
M. de S. (2007). A configuração Cohen, H., Amerine-Dickens, M., &
da reforma psiquiátrica em Smith, T. (2006). Early intensive
contexto local no Brasil: Uma behavioral treatment: replication of the
análise qualitativa. Cadernos de UCLA model in a community setting.
Saúde Pública, 23, 207-215. Journal of Developmental & Behavioral
Autism Society of America (ASA, Pediatrics, 27, 145-155. da Hora, C. L.,
2008). About & Benvenuti, M. F. (submetido à
Autism. Retirado no dia 22 de julho publicação). Controle Restrito e
de 2008, do site http://www.autism- Autismo: Discutindo Alguns
society. org/site/PageServer? Procedimentos da Análise do
pagename=about_ home. Comportamento. Temas em Psicologia.
Baieli, S., Pavone, L., Meli, C., Associação Americana de Psiquiatria
Fiumara, A., & Coleman, M. (APA,
(2003). Autism and 2002). Manual Diagnóstico e
phenylketonuria. Journal of Estatístico de Transtornos
Autism and Developmental Mentais – DSM IV-TR. Porto
Disorders, 33, 201-204. Alegre: Artmed.
Bailey, A., Le Couteur, A., Eikeseth, S., & Smith, T. (1992). The
Gottesman, I., Bolton, P., development of functional and
Simonoff, E., Yuzda, E., & equivalence classes in high-
Rutter, M. (1995). Autism as a functioning autistic children: The
strongly genetic disorder: role of naming. Journal of the
Evidence from a British twin Experimental Analysis of
study. Psychological Medicine, Behavior, 58, 123-133.
25, 63-78. Eikeseth, S., Smith, T., Jahr, E., &
Boardman A, & Hodgson, R. (2000). Eldevik, S. (2002). Intensive
Commu- behavioral treatments at school for
nity in-patient units and halfway 4- to 7-year-old children with
hospitals. Advances in Psychiatric autism. Behavior Modification,
Treatment, 6, 120-7. 26, 49-68.
Borges, C. F., & Baptista, T. W. de F. Falcomata, T. S., Roane, H. S.,
(2008). O modelo assistencial em Hovanetz, A. N., Kettering, T. L., &
saúde mental no Brasil: a trajetória Keeney, K. M. (2004). An
da construção política de 1990 a evaluation of response cost in the
2004. Cadernos de Saúde Pública, treatment of inappropriate
24, 456-468. vocalizations maintained by
Ministério da Saúde. Secretaria de automatic reinforcement. Journal
Atenção à Saúde/DAPE (2007). of Applied Behavior Analysis, 37,
Saúde Mental no SUS: acesso ao 83-87.
tratamento e mudança do modelo Fávero, M. A. B., & dos Santos, M. A.
de atenção. Relatório de Gestão (2005). Autismo Infantil e estresse
2003-2006. Ministério da Saúde: familiar: Uma revisão sistemática
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

da literatura. Psicologia: Reflexão Journal of Applied Behavior


e Crítica, 18, 358-369. Analysis, 40, 685-689.
Goulart, P., & de Assis, G. J. A. (2002). Lane, S. D., & Critchfield, T. S.
Estudos sobre autismo em análise (1998). Classification of vowels
do comportamento: Aspectos and consonants by individuals
metodológicos. Revista Brasileira with moderate mental retardation:
de Terapia Comportamental e development of arbitrary relations
Cognitiva, IV, 151-165. via match-to-sample training with
Hall, R. V., Axelrod, S., Tyler, L., Crief, compound stimuli. Journal of
E., James, F. C., & Robertson, R. Applied Behavior Analysis, 31,
(1972). Modification of behavior 21-41.
problems in the home with a parent Lear, K. (2004). Help us learn: A self-
as observer and experimenter. paced training program for ABA
Journal of Applied Behavior Manual and Program Manager’s
Analysis, 1, 53-63. Guide [Manual]. Toronto: Ontario,
Hall, R. V., Cristler, C., Cranston, S. S., Lear Consulting, Inc.
& Tucker, B. (1970). Teachers and Lovaas, O. I. (1987). Behavioral
parents as researchers using treatment and normal education
multiple baseline designs. Journal and intellectual functioning in
of Applied Behavior Analysis, 3, young autistic children. Journal
247-255. of
Hall, R. V., Fox, R., Willard, D., Consulting and Clinical
Goldsmith, L., Psychology, 55, 3-9.
Emerson, M., Owen, M., Davis, F., Maurice, C., Green, G., & Luce, S. C.
& Porcia E. (1971). The teacher as (1996). Behavioral intervention
observer and experimenter in the for young children with autism: A
modification of disputing and manual for parents and
talking-out behaviors. Journal of professionals. [Manual]. PRO ED
Applied Behavior Analysis, 4, 141- Inc.
149. McEachin, J. J., Smith, T., & Lovaas, O.
Howard, J. S., Sparkman, C. R., Cohen, I. (1993). Long-term outcome for
H. G., Green, G., & Stanislaw, H. children with autism who received
(2005). A comparison of intensive early intensive behavioral
behavior analytic and eclectic treatment. American Journal on
treatments for young children with Mental Retardation, 97, 359-372.
autism. Research in Muhle, R., Trentacoste, V., & Rapin, I.
Developmental Disabilities, 26, (2004).
359-383. The Genetics of Autism. Pediatrics,
Iwata, B. A., Wallace, M. D., Kahng, S. 113, 472-486.
W., Lindberg, J. S., Roscoe, E. M., Organização Mundial de Saúde (1997).
Conners, J., Hanley, G. P., Classificação de Doenças Mentais
Thompson, R. H., & Worsdell, A. da CID-10 (10ª Ed.). Porto Alegre:
S. (2000) Skill acquisition in the Artmed.
implementation of functional Partington, J., & Sundberg, M. L.
analysis methodology. Journal of (1998). The assessment of basic
Applied Behavior Analysis, 33, language and learning skills –
181-194. The ABLLS [Manual]. Behavior
Lafasakis, M., & Sturmey, P. (2007). Analysts, Inc.
Training Parent Implementation Report of the Guideline
of Discrete-Trial Teaching: Recommendations Autism –
Effects on Generalization of Pervasive Developmental
Parent Teaching and Child Disorders. Albany, NY: New York
Correct Responding. State Department of Health (1999).
Análise Comportamental Clínica 195

Retirado no dia 22 de julho de hidden objects. Journal of Applied


2008, do site Behavior Analysis, 33, 627-630.
http://www.health.state. Windholz, M. H. (1988). Passo a passo
ny.us/community/infants_children/e seu caminho: Guia curricular para
arly_intervention/autism/index.htm o ensino de habilidades básicas
#contents. [Manual]. São Paulo: Edicon.
Sallows, G. O., & Graupner, T. D.
(2005). Intensive behavioral
treatment for children with autism:
Four-year outcome and prediction.
American Journal on Mental
Retardation, 110, 417-438.
Secan, K. E., Egel, A. L., & Tilley, C. S.
(1989). Acquisition,
generalization, and maintenance of
question-answering skills in
autistic children. Journal of
Applied Behavior Analysis, 22,
181-196.
Stroul, B. A. (1988). Residential crisis
service: A review. Hospital and
Community Psychiatry, 39, 1095-
1099.
Taylor, B. A., & Harris, S. L. (1995).
Teaching children with autism to
seek information: Acquisition of
novel information and
generalization of responding.
Journal of Applied Behavior
Analysis, 28, 3-14.
Taylor, B. A., Hughes, C. E., Richard,
E., Hoch, H., & Coello, A. R.
(2004). Teaching teenagers with
autism to seek assistance when
lost. Journal of Applied Behavior
Analysis, 37, 79-82.
Taylor B. A., & Levin, L. (1998).
Teaching a student with autism to
make verbal initiations: Effects of a
tactile prompt. Journal of Applied
Behavior Analysis, 31, 651-654.
Toth, K., Dawson, G., Meltzoff, A. N.,
Greenson,
J., & Fein, D. (2007). Early Social,
Imitation, Play, and Language
Abilities of Young NonAutistic
Siblings of Children with Autism.
Journal of Autism and
Developmental Disorders, 37, 145-
157.
Willians, G., Donley, C. R., & Keller, J.
W. (2000). Teaching children with
autism to ask questions about
Parte II

Estudos de caso
Capítulo 9

Caso Clínico
Formulação
Comportamental
A Análise
Comportamento
tem como objeto de estudo
do casos, sugerir formas de
alterar as relações
estabelecidas. O terapeuta,
o comporta- como parte do ambiente do
mento, ou seja, ela analisa cliente, tem condições de
relações entre um observar o seu
indivíduo que se comporta comportamento e
e o ambiente no qual ele contingenciá-lo de forma a
está inserido. A terapia desenvolver um repertório
derivada dessa abordagem que proporcione ao cliente
busca a explicação para a o estabelecimento, em seu
origem e manutenção dos dia a dia, de interações
problemas menos aversivas que
comportamentais, assim aquelas preexistentes
como as condições para (Zamignani, 2000).
alterá-los, nessas relações. O presente artigo
Se todo comportamento é discorre a respeito de um
considerado como caso clínico e traz análises
selecionado e mantido e considerações teóricas
pelas relações que o com base na terapia
indivíduo estabelece com o analítico-comportamental.
ambiente, não há porque É uma tentativa de aliar
considerar um teoria e prática na busca de
comportamento como mais qualidade de vida
patológico, já que a reação para o cliente. Isso porque
do indivíduo é sempre o fato de comportamentos
adaptativa (Banaco, 1997). mais “adeDenise Lettieri
É importante ressaltar Moraes
que grande parte do
trabalho realizado pelo
terapeuta analista do quados” (aqueles que
comportamento é baseada trazem menos sofrimento
em relatos trazidos pelo ao cliente e/ou a outras
cliente sobre suas relações pessoas) serem ensinados,
com o meio. Procura-se treinados e executados
analisar os eventos oportuniza uma maior
relatados e, em alguns harmonização entre o
de-Farias e Cols.

indivíduo e o mundo que o As seguintes técnicas


cerca. foram utilizadas para
acelerar o processo de
avaliação e intervenção:
CASO CLÍNICO
1) Reforçamento
Cliente diferencial.
João (nome fictício), 55
2) Treino assertivo.
anos, natural do Rio de
Janeiro, militar aposentado 3) Treino de habilidade
que assumia um cargo de social.
confiança no Tribunal 4) Resolução e solução de
Militar. Católico praticante, problemas.
casado há 25 anos e pai de
três filhos. Ele possuía Resultados
curso superior e conquistou
O cliente se sentia
um bom nível
extremamente infeliz e
socioeconômico. Tinha
triste com sua vida. A
uma irmã, com a qual
perda do interesse pelas
mantinha bom
coisas e a falta de
relacionamento. Sua
satisfação e de motivação
queixa inicial referia-se à
também foram questões
infelicidade e a problemas
trabalhadas em terapia. O
de assertividade.
cliente chorava com
frequência e passava os
Ambiente finais de semana trancado
Atendimento no quarto. Tinha desejos
psicoterapêutico realizado homossexuais e não
em uma clínica particular conseguia lidar com essa
de Brasília. As sessões ideia. Achava que a
eram realizadas em um situação ficava cada vez
consultório amplo, com pior e tinha medo do rumo
uma mesa e duas cadeiras, que as coisas poderiam
além de duas poltronas. tomar.
Na infância e na
adolescência, João foi um
Procedimento garoto tímido e com
Era feita uma sessão
poucos amigos. Quando
semanal, com duração de
mais velho, depois que
50 minutos, totalizando 30
entrou para a faculdade,
sessões. Foram realizadas
“soltou-se” mais. Nessa
análises funcionais de seus
época, conseguiu fazer
comportamentos, ou seja,
muitos amigos. Eles saíam
as causas dos
muito para bares e para
comportamentos foram
assistir a jogos de futebol.
buscadas no ambiente
Com esses amigos, João se
externo.
sentia mais à vontade para
Análise Comportamental Clínica 201

conversar. Apesar disso, a de cuidar de sua irmã. A


relação entre eles era mesma foi abandonada
distante e sem pelo marido e morava, à
demonstração de afeto. época da terapia, com os
Seus amigos o colocavam dois filhos.
apelidos que o deixavam Morava em Brasília há
incomodado e assim o foi 14 anos e, depois de 5 anos
por toda a sua juventude. na cidade, cursou Direito.
João não tinha um bom Estava formado havia 3
relacionamento com o pai; anos quando iniciou a
disse se sentir pouco terapia. Queria advogar,
querido por ele. Seu pai era mas não se achava capaz
de Portugal, vindo para o para tal. João ocupava um
Brasil com 30 anos. cargo de chefia e era
Quando tinha 43 anos, reconhecido por todos por
conheceu sua mãe, que na sua eficiência. Seu único
época tinha 32 anos. João lazer era ir ao
não via respostas de supermercado. Sua rotina
carinho entre os pais. Seu era tensa e enfadonha.
pai era rígido, conversava Sua esposa foi sua
muito pouco e não aceitava primeira namorada séria.
ser contrariado. Não era de Ela tinha diagnóstico de
fazer amizades e não Síndrome do Pânico desde
permitia “estranhos” em a época em que se
casa. Apesar de o pai ter conheceram; diziam que se
sido bem ausente, ele curaria com o casamento e,
lembra de ter sido sempre por isso, ele aceitou casar.
provido em suas Porém, mesmo fazendo
necessidades. Sua mãe era terapia, ela ainda sofria
católica praticante e tinha com o problema. Sua
uma relação mais próxima esposa era extremamente
com o filho. consumista e não
Aos 16 anos, tentou conseguia controlar gastos
suicídio, tomando veneno (compulsiva). Era
de rato. João disse que não possessiva, ciumenta e
sabe se queria se matar controladora. Seus filhos
mesmo ou se era um (duas mulheres de 23 e de
pedido de socorro para a 21 anos, e um menino de
família. Tinha uma irmã 11 12 anos) tinham grande
meses mais velha, que expectativa em relação a
sofria de depressão desde a ele.
adolescência. Por esse João namorou somente
motivo, sempre foi duas meninas antes da sua
protegida pela mãe. Depois esposa, sendo uma na
da morte de seus pais, adolescência e uma na
assumiu a responsabilidade faculdade. Ele dizia que
de-Farias e Cols.

nunca gostou muito dessas ambiente. Todos esses


garotas e não tinha atração padrões determinaram uma
sexual por elas. Teve sua série de inadequações que
primeira relação sexual mantinham o cliente sob
com sua esposa após o uma condição de conflito e
casamento. Nos primeiros dor. Contextos atuais
anos de casamento, tinha reforçavam a permanência
uma vida conjugal boa. desses padrões.
Viveu um momento Podemos citar como
delicado, mais exemplo de contingências
precisamente depois de a passadas que fizeram parte
esposa descobrir seu da vida de João, pais
“caso” com outro homem. exigentes, reforço
As relações sexuais entre diferencial para boa
ele e a esposa quase não performance, alto
aconteciam mais. Eles não desempenho no que fazia e
conversavam, não saíam história de sucesso frente à
para namorar e, quando se família e aos amigos. Além
falavam, era para discutir disso, a mãe buscava um
sobre dinheiro. “filho ideal”, sendo ele
Dez anos antes, teve apontado como modelo
um relacionamento para os outros. Tinha
homossexual. Sua mulher grande responsabilidade
descobriu ao ler uma carta pela irmã e pela mãe,
que ele recebeu. A partir assumindo cuidados com a
daí, não assumiu nenhum saúde de ambas e as
outro relacionamento provendo financeiramente
homossexual, mas tinha em todas as suas
encontros ocasionais em necessidades. Com tudo
parques, bares, etc., o que isso, ele acabava tendo
o fazia sentir muita culpa. poder e influência sobre as
Sua mulher fazia ameaças pessoas.
e usava isso Os contextos
constantemente contra ele. mantenedores dos padrões
A filha mais velha escutou comportamentais de João
uma discussão do casal e eram as muitas
acabou descobrindo. Ela responsabilidades que ele
não recriminou o pai e o assumia em casa e no
ajudou como pôde. trabalho: tinha muitas
Em seu histórico expectativas de outras
familiar, constavam pessoas sobre si, o que
contingências que criava nele a regra segundo
claramente favoreceram a qual deveria responder a
padrões perfeccionistas, de tudo que era esperado. A
autoexigência e de controle isso se relacionava seu
muito forte sobre o perfeccionismo, sua
Análise Comportamental Clínica 203

autoexigência e seu medo repertório mais variado não


de errar. Ele também permitia a emissão de
ocupou, em grande parte comportamentos diferentes
do seu histórico e mais adequados, com os
profissional, cargos de quais ele ganhasse mais e
chefia. Como sempre, perdesse menos. Assim,
procurava fazer o melhor e trabalhar a variabilidade
não se permitia errar, tinha comportamental fazia parte
um alto resultado em suas da proposta de tratamento.
atividades e seu
comportamento era
Formulação
reforçado diferencialmente.
Ao mesmo tempo em comportamental
que esses padrões Diante de todos os dados
acabavam sendo funcionais sistematicamente expostos
para João, eram e antes de iniciarmos a
“disfuncionais” em várias formulação
outras ocasiões, ou seja, ao comportamental do caso, é
mesmo tempo em que importante ressaltar que o
trazia ótimos desempenhos psicólogo comportamental
naquilo que fazia, tem como enfoque
reconhecimentos, sensação principal o que se
de dever cumprido, sucesso denomina análise funcional
acadêmico e profissional, do comportamento. É o
admiração da família, que constitui a relação
domínio sobre os outros e entre estímulos,
sobre o que ocorria à sua comportamento e as
volta, produzia também consequências do
desgastes nas relações comportamento no
interpessoais, fazia com ambiente. Para adquirir
que se sentisse preso, sem esse tipo de habilidade, o
conseguir relaxar e, analista do comportamento
principalmente, acabava precisa desenvolver a
assumindo capacidade de identificar
responsabilidades além do eventos comportamentais,
que podia, não identificar eventos
aproveitando bons ambientais, relacionar
momentos. eventos ambientais e
Devemos entender, comportamentais,
portanto, que, apesar de compreender as relações
inadequados (ou seja, de identificadas e resolver
trazerem sofrimento), esses problemas ligados a esses
comportamentos tipos de relações (Teixeira,
produziam reforços, sendo 2002. Ver Capítulo 10).
mantidos. É importante O modelo clínico da
ressaltar que a falta de um Terapia Comportamental
de-Farias e Cols.

baseia-se na proposta do Assim, a formulação


Behaviorismo Radical, que comportamental do caso
preconiza o conhecimento poderia ser iniciada com a
empírico e os dados constatação da
obtidos em laboratório inassertividade que João
como substrato demonstrava em todas as
indispensável para a suas relações. Nunca se
compreensão do homem e queixou com seu pai
consequente utilização na quando jovem e evitava
análise do comportamento brigas e conversas com a
humano. A análise esposa. Estava insatisfeito
funcional, nessa no trabalho e pouco fazia
perspectiva, é um dos para mudar essa condição.
instrumentos mais valiosos Até mesmo sua tentativa de
para a prática clínica, pois suicídio evidenciava sua
é a partir dela que é falta de assertividade – não
possível o levantamento dispor de outro meio para
correto dos dados pedir ajuda. João dizia que
necessários para o processo sua esposa reclamava que
terapêutico (Delitti, 1997). ele era muito fechado e ele
A formulação mesmo relatava que
comportamental é parte sempre foi muito seco,
imprescindível no processo direto com as pessoas e, às
terapêutico, e é nada vezes, agressivo. Isso
menos que uma sugere uma falta de
organização das habilidade social
informações obtidas justificada em sua história
relacionadas às queixas do de vida, na qual nenhum
cliente, identificando repertório nesse sentido foi
variáveis e contingências reforçado ou
de controle responsáveis implementado. João
pela etiologia e sempre foi um bom
manutenção do seguidor de regras e pensar
comportamento em contestá-las sempre lhe
“disfuncional”. A eliciou muita ansiedade.
formulação Quando alguém se
comportamental possibilita comporta assertivamente,
um plano de tratamento ela facilita a solução de
mais eficaz e fortalece a problemas interpessoais,
aliança terapêutica e a aumenta a autoestima e a
adesão ao tratamento. Isso sensação de segurança para
porque fornece a desempenhar suas
“esperança” de mudança atividades. Isso resulta na
que é estabelecida melhora da qualidade de
justamente a partir da nova seus relacionamentos e na
compreensão do problema. discriminação de uma
Análise Comportamental Clínica 205

postura mais tranquila mudanças


frente aos contextos. Um comportamentais mais
comportamento agressivo efetivas. Para isso, é
produz justamente o fundamental que o
contrário, pois gera terapeuta apresente-se
conflitos interpessoais, como uma audiência não
perda de oportunidades, punitiva e como um agente
dano aos outros, sensação reforçador (Skinner,
de estar sem controle, 1953/1998; Meyer, 2001),
autoimagem negativa, trazendo um aumento da
culpa, frustração, tensão e tolerância do cliente no que
solidão (Falcone, 1997). se refere à exposição a
A ausência de amigos e emoções aversivas
a dificuldade em ampliar (Cordova e Kohlenberg,
seu círculo social vinha 1994, citado por Meyer,
justamente dessa falta de 2001) e maximizando as
habilidades, assim como chances de o cliente aceitar
pelos apelidos pejorativos interpretações, seguir
que os amigos lhe davam. instruções e atentar a
O modo como ele era rude quaisquer intervenções que
nas suas relações vinha da o terapeuta possa fazer
falta de treino social e até (Meyer, 2001).
mesmo de regras João foi uma criança,
inadequadas, como “quem um adolescente e um
fala menos, ganha mais”. jovem nunca estimulado a
Além disso, havia o medo falar de si, de seus
de se expor por não ter tido problemas, enfim, de sua
treino, pois, mesmo tendo vida. Isso ficava evidente
muitos amigos quando em seus relatos, nos quais
jovem, dizia que a relação ele observava que seus pais
deles era distante em sempre foram muito
termos de demonstração de fechados e que, em
afeto, como abraços mais especial, seu pai nunca lhe
longos, e nunca fazia deu atenção. Na história de
afirmação do tipo: “eu vida do pai, poderiam
gosto muito de fulano”. permear regras
Dadas às condições relacionadas a como “criar
pelas quais o terapeuta é um filho homem”, que
procurado, é necessário selecionam
que este se comporte de comportamentos secos e
modo a minimizar o rudes, sem trato emocional
sofrimento do cliente e ou comportamentos que
partir da provisão de denotem carinho.
estímulos discriminativos e Nas situações em que o
disposição de repertório de resolução de
consequências que levem a problemas lhe era exigido,
de-Farias e Cols.

ele se sentia inseguro e muito grande no que dizia


despreparado para atuar. respeito à troca de carinho
João não sabia argumentar, e afeto. As relações sexuais
barganhar, convencer, aconteciam na maioria das
questionar e, muitas vezes, vezes quando ela queria, e
na possibilidade de isso ele ficava à espera de isso
acontecer, ele evitava e não acontecer. A escassez de
se expunha à contingência. reforçadores fortalecia esse
Fugindo e esquivando-se esquema. Aliado a essa
cada vez mais dessas contingência, sua esposa
situações, mais diferente e usava o fato de ele ter se
despreparado para relacionado com outro
enfrentá-las ele se sentiria. homem para fazê-lo se
João era um homem sentir culpado. Sua culpa
que tinha escassez de também era alimentada por
reforçadores em sua vida regras relacionada à sua
aliado à pouca habilidade religião: ele se sentia como
de criá-los. Um exemplo tendo cometido um pecado.
disso é que, apesar de Skinner (1953/1998)
aposentado, aceitou um enfatiza que, quando um
cargo de confiança para dar indivíduo é punido por não
estabilidade financeira à responder de uma dada
família e não porque se maneira, gera-se uma
tratava de algo que ele estimulação aversiva
gostaria de fazer. condicionada quando
Relacionado a essa escolha estiver fazendo qualquer
estão associadas várias outra coisa. Apenas
regras, como, por exemplo, comportando-se daquela
“é obrigação do homem dada maneira ele consegue
assumir responsabilidades livrar-se da culpa, ou seja,
sobre sua família”. Além assim, se pode evitar a
disso, João era o tipo de estimulação aversiva
cliente em que a ausência condicionada gerada por
de repertório de não cumprir o dever
autoconhecimento era um simplesmente cumprindo.
grande obstáculo frente a A falta de assertividade
escolhas mais coerentes. fica evidente também
Ele não sabia tatear o que quando João afirmava que
sentia e o que queria nunca expressou nenhuma
realmente. opinião sobre a maneira
Sua esposa tinha como sua esposa
grande controle sobre ele e empregava o dinheiro. Ele
sobre seus sempre arcou com todas as
comportamentos. Isso despesas e sua esposa
porque ela criava em sua ficava sempre com o que
relação uma intermitência era “supérfluo”. Ter sido
Análise Comportamental Clínica 207

sempre assim fez com que comportamento era


sua forma de comportar-se mantido por reforçamento
tenha sido extremamente negativo, ou seja, ele usava
funcional para sua esposa, de fuga e esquiva para não
que não precisou assumir entrar em contato com
nenhuma responsabilidade esses eventos aversivos.
financeira no casamento. Skinner (1953/1998)
Ao mesmo tempo, isso afirma que, tanto na vida
para João era uma esquiva diária, quanto na clínica e
das acusações da esposa e no laboratório, é preciso
evitava que ela saber o quão reforçador um
direcionasse sua determinado estímulo é.
agressividade para ele. Algumas vezes, os
Quando ele tentava estímulos aversivos são
conversar, argumentar ou derivados da experiência
criar um planejamento para do indivíduo e podem
mudar essa condição, sua pertencer a dois tipos
esposa usava controle básicos: estímulos que são
aversivo para diminuir ou aversivos porque sinalizam
evitar essa mudança – ela uma redução do
exercia contracontrole. Ela reforçamento positivo, e
começava a chamá-lo de estímulos que são
“pão-duro” ou aversivos porque precedem
“mesquinho”, “colocava-o ou constituem a ocasião
na geladeira”, recusava-o para o aparecimento de
sexualmente e ameaçava outros estímulos aversivos.
largar a relação. Para ele, o Um estímulo aversivo pode
fim de um casamento influenciar o
representava um fracasso, comportamento de várias
pois “casamento é para maneiras diferentes e
sempre perante a igreja e determinar
os filhos” – outra regra que comportamentos de
descrevia inadequadamente esquiva e fuga que são tão
as contingências. comuns entre as pessoas.
Desse modo, fica claro Quanto à sua
que João evitava experiência homossexual,
discussões para se esquivar falar sobre isso eliciava
dessas críticas, das ansiedade em João, de
punições e do conflito que modo que coletar dados a
era ir contra suas regras. esse respeito era difícil.
Isso se justificava até Nas sessões, quando esse
mesmo porque ele não ponto era abordado, ele se
tinha repertório para esquivava, mudando de
manter e sustentar suas assunto ou chorando muito.
argumentações. Pode-se João tinha muita
dizer então que seu dificuldade em falar sobre
de-Farias e Cols.

esse assunto, mas esquiva, o que


desenvolver repertório de impossibilita a ocorrência
autoconhecimento em de progressos do cliente na
terapia o ajudou a modelar sessão, ou seja, o
seu comportamento verbal desenvolvimento de
em termos de explicações e repertórios mais efetivos.
de interpretações O bloqueio deveria ser
funcionalistas, o que aplicado com moderação
interferiu na sua motivação no contexto de um
para a mudança. ambiente primordialmente
Para Skinner baseado em reforçamento
(1969/1988, 1974/ 1982), positivo e estar de acordo
autoconhecimento refere- com o nível atual de
se aos eventos relativos a tolerância do cliente aos
todo e qualquer estímulos aversivos
comportamento do próprio (Kohlenberg e Tsai, 1991.
indivíduo, mesmo que Ver também o Capítulo
sejam públicos, e não 11).
privados. De acordo com Assim, nessas
ele, o indivíduo está situações, o terapeuta pode
consciente quando tentar bloquear a esquiva
descreve seu reapresentando ao cliente o
comportamento e/ ou as estímulo discriminativo
variáveis ambientais que o que originalmente evocou
controlam. Tal a fuga ou esquiva (p. ex.,
comportamento (descrição) uma pergunta). Essas
pode ser público ou reações poderiam se
privado. relacionar com uma série
Ao insistirmos em de problemas do cliente em
questões que são aversivas termos de relacionamentos
para o cliente, podemos interpessoais. Se o
estar criando uma terapeuta muda de tópico e
contingência de punição. “parte para outra”, haveria
Não se recomenda reforçamento da esquiva,
bloquear todas as respostas sem que se possibilite o
de fuga e esquiva porque o desenvolvimento de um
bloqueio funciona como repertório significativo do
controle aversivo, e isso cliente, pleno de
acarreta todos os efeitos implicações, relacionado a
indesejáveis a ele “ser direto”. Portanto, a
associados. Há casos, técnica principal para
entretanto, nos quais os enfraquecer a esquiva seria
problemas do cliente que introduzir, novamente, o
aparecem em terapia estímulo aversivo
consistem em (Kohlenberg e Tsai, 1991).
comportamentos de fuga e Uma hipótese
Análise Comportamental Clínica 209

levantada para o caso de falar sobre contatos


João é que a condição de homossexuais, já que isso
privação que sua esposa o permitiu que o cliente
colocava em relação ao obtivesse ganhos no que se
sexo pode ter funcionado refere a autoconhecimento,
como uma operação ou seja, ele conseguiu fazer
estabelecedora que análise funcional de alguns
potencializou a de seus comportamentos. A
possibilidade e a qualidade aquisição de
do contato homossexual, autoconhecimento coloca
eliciando nele todos os as pessoas numa posição
respondentes ligados à privilegiada para atuar
condição de prazer e sobre si e sobre o mundo
evocando operantes (Skinner, 1953/1998).
relacionados à sua história Nesse caso clínico, os
de aprendizagem no que recursos terapêuticos
diz respeito a contatos utilizados foram a
sexuais. validação de sentimentos,
Relacionado ainda aos valores e pensamentos, em
seus desejos homossexuais, função da história de vida e
é importante relatar que, das contingências atuais; o
depois de seis meses de autoconhecimento; a
terapia, João conseguiu identificação das variáveis
tatear outra função para motivacionais e a aceitação
seus padrões de que não há como mudar
perfeccionistas e de sem passar por novas
autoexigência. Ele experiências. Aqui, novas
discriminou que querer experiências estão ligadas
fazer muito pela família, a um fator crucial dentro
tentar não errar com eles de qualquer processo de
fazendo suas vontades, ir à terapia pautado na Análise
igreja todo domingo, do Comportamento: a
cuidar da irmã, fazer exposição às novas
compras, cuidar da casa, contingências. Isso se
não negar favores relaciona à ênfase da
inconvenientes, etc., eram Análise do Comportamento
operantes que diminuíam o sobre o papel das
sentimento de culpa em consequências para
relação aos seus desejos explicar porque as pessoas
homossexuais. Aqui fica agem de uma forma ou de
claro como estar atento no outra. A noção de
setting terapêutico foi comportamento operante
determinante para perceber nos faz olhar para o papel
em que momento seria seletivo de eventos que
adequado bloquear ocorrem depois do
esquivas em relação ao comportamento para que
de-Farias e Cols.

possamos compreender Todas essas exposições


tanto como aprendemos tinham como objetivo
algo novo quanto porque terapêutico levar o cliente a
continuamos ou não perceber que as condições
fazendo aquilo que de vida que o levavam ao
aprendemos. Isso porque sofrimento só seriam
consequências do que mudadas a partir de uma
fazemos são responsáveis mudança no seu repertório
tanto pela aquisição quanto comportamental. Outros
pela manutenção de objetivos foram o
comportamento desenvolvimento de
(Benvenuti, 2000). autonomia na produção de
No caso de João, as reforçamento em sua vida,
novas experiências a mudança no controle por
sugeridas foram dar regras ineficazes a partir da
prioridade a fazer coisas exposição a novas
para si a sinalizar emoções contingências, o
para as pessoas, a vivenciar desenvolvimento de
situações de lazer, a autoconhecimento, a busca
delegar funções de de seus próprios
responsabilidade aos referenciais e o
outros, a sinalizar desenvolvimento de sua
dificuldades e limitações, a autoestima.
pedir ajuda, a tornar os Para finalizar a
filhos mais independentes, exposição desse caso
a ter comportamentos que clínico, pode-se citar como
possam desagradar, ganhos que o cliente
decepcionar, frustrar ou obteve, além de tantos
incomodar as pessoas, sem outros, em um repertório
que isso lhe traga verbal mais coerente de
problemas reais; a fazer acordo com suas
coisas de forma expectativas; em não
incompleta, a inserir-se em dispensar o pagamento do
situações de pouco aluguel por parte da
controle ou nas quais o cunhada, coisa que ele
controle esteja com outras fazia quando ela o pedia e
pessoas; a inserir-se em ele cedia mesmo estando
situações em que o erro sem dinheiro; em recusar
ocorra naturalmente e não aumento de salário em
haja punição severa; a troca de mais horas de
conviver com grupos trabalho; em questionar
sociais diferentes e a abrir sobre a própria vida,
espaços para novos dividir tarefas da casa com
relacionamentos a família, permitir que a
interpessoais mais filha o ajudasse a pagar a
próximos. terapia, receber ajuda dos
Análise Comportamental Clínica 211

outros no trabalho, recusar 75-82). Santo André:


cargo de síndico e ARBytes.
extinguir o comportamento Baum, W. M. (1994/1999).
Compreender o
de queixa da subsíndica;
Behaviorismo: Ciência,
em sentir-se menos comportamento e cultura
responsável pela irmã e em (M. T. A. Silva, G. Y.
se observar muito mais. Tomanari & E. E. Z.
Concluindo, o Tourinho, trads.). Porto
psicólogo deve estar Alegre: Artmed.
sempre pronto para propor, Benvenuti, M. F. (2000).
Reforçamento acidental e
criar ou estabelecer comportamento
relações de contingências supersticioso. Em R. C.
para o desenvolvimento de Wielenska (Org.), Sobre
certos processos Comportamento e
comportamentais. Isso Cognição: Vol. 6.
porque é através da Questionando e ampliando
a teoria e as intervenções
manipulação de clínicas e em outros
contingências que se pode contextos (pp. 47-53).
estabelecer ou instalar Santo André: SET.
comportamentos, alterar Delitti, M. (1997). Análise
padrões como taxa, ritmo Funcional: o
ou espaçamento, assim comportamento do cliente
como reduzir, enfraquecer como foco da análise
funcional. Em M. Delitti
ou eliminar (Org.), Sobre
comportamentos dos Comportamento e
repertórios dos organismos. Cognição: Vol. 2. A
prática da Análise do
Comportamento e da
REFERÊNCIAS Terapia Cognitivo-
Albuquerque, L. C. (2001). Comportamental (pp. 55-
Definições de regras. Em 61). Santo André:
H. J. Guilhardi (Org.), ARBytes.
Sobre Comportamento e Falcone, E. (1997). Habilidades
Cognição: Vol. 7. Expondo Sociais: para além da
a variabilidade (pp. 112- assertividade. Em R. C.
119). Santo André: Wielenska (Org.), Sobre
ESETec. Comportamento e
Banaco, R. A., Zamignani, D. Cognição: Vol. 6.
R. & Kovac, R. (1997). O Questionando e ampliando
Estudo de eventos privados a teoria e as intervenções
através de relatos verbais clínicas e em outros
de terapeutas. Em R. A. contextos (pp. 204-210)
Banaco (Org.), Sobre Santo André: ARBytes.
Comportamento e Kohlenberg, R. J. & Tsai, M.
Cognição: Vol. 1. Aspectos (2001). Psicoterapia
teóricos, metodológicos e Analítica Funcional:
de formação em Análise Criando relações
do Comportamento e terapêuticas intensas e
Terapia Cognitivista (pp. curativas (F. Conte, M.
de-Farias e Cols.

Delitti, M. Z. da S. ensinar, na emoção e no


Brandão, P. R. Derdyk, R. questionamento clínico
R. Kerbauy, R. C. (pp. 234-243). Santo
Wielenska, R. A. Banaco, André: SET.
R. Starling, trads.). Santo
André: ESETec.
Meyer, S. & Vermes, J. S.
(2001). Relação
terapêutica. Em B. Rangé
(Org.), Psicoterapias
cognitivo-
comportamentais: um
diálogo com a psiquiatria
(pp. 101-110). São Paulo:
Artmed.
Skinner, B. F. (1953/1998).
Ciência e
Comportamento
Humano (J. C. Todorov
& R. Azzi, trads.). São
Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1969/1980).
Contingências do reforço:
uma análise teórica (R.
Moreno trad.). Coleção Os
Pensadores. São Paulo:
Abril Cultural.
Skinner, B. F. (1974/1982).
Sobre o Behaviorismo (M.
da P. Villalobos, trad.). São
Paulo: Cultrix.
Teixeira, A. M. S. (2002).
Capacitação de analistas
do comportamento:
habilidades básicas. Em A.
M. S. Teixeira, M. R. B.
Assunção, R.
R. Starling & S. dos S.
Castanheira (Orgs.),
Ciência do
Comportamento:
Conhecer e Avançar (pp.
1-4). Santo André:
ESETec.
Zamignani, D. R. (2000). O
caso clínico e a pessoas do
terapeuta: desafios a serem
enfrentados. Em R. R.
Kerbauy (Org.), Sobre
Comportamento e
Cognição: Vol. 5.
Conceitos, pesquisa e
aplicação: A ênfase no
Capítulo 10

Um Estudo de Caso em Terapia


Analítico-Comportamental
Construção do Diagnóstico a Partir do
Relato Verbal e da Descrição da
Diversidade de Estratégias
Interventivas
S kinner (1953/2000) afirma que
“a ciência se ocupa do geral,
mas o comportamento do indivíduo é
Intervenção Analítico-
Comportamental serão teórica e
brevemente tratados e,
necessariamente único” (p. 30). posteriormente, apresentar-se-á o
Nesse sentido, o estudo de caso “tem Estudo de Caso.
riquezas e características que estão Suelem Araújo Ruas
em nítido contraste com os princípios Alessandra Rocha de Albuquerque
gerais” (Skinner, 1989/1991, p. 30), Paula Carvalho Natalino
sendo considerado um recurso
fundamental e necessário para o
estudo do comportamento. Silvares e
OPERANTES VERBAIS
Banaco (2000) afirmam que “o
O comportamento verbal é um
estudo de caso pode ser a forma ideal
comportamento operante e, como tal,
de aumentar o corpo de
é selecionado e mantido por suas
conhecimento em terapia
consequências, as quais produzem
comportamental” (p. 38) e de
modificações no ambiente que,
demonstrar a eficácia da ação
retroativamente, o afetam (Moreira e
terapêutica.
Medeiros, 2007; Skinner, 1953/2000
O presente trabalho teve como
e 1957/1978). Uma característica
objetivo geral descrever, por meio de
especial do operante verbal, que o
um estudo de caso, um processo
diferencia dos demais operantes,
terapêutico de base analítico-
refere-se ao fato de ele operar no
comportamental, do diagnóstico à
ambiente de maneira indireta, pois as
intervenção, enfatizando o papel do
consequências que o seguem são
comportamento verbal como fonte de
mediadas por uma outra pessoa,
informações a respeito do cliente e
membro da comunidade verbal
como elemento propulsor de
(Skinner, 1957/1978). A comunidade
mudanças. Para tanto, os temas
verbal, por sua vez, é, segundo Baum
Operantes Verbais, Correspondência
(1994/1999), formada por um grupo
Verbal-NãoVerbal e Diagnóstico e
de pessoas que falam e reforçam as
214 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

verbalizações umas das outras cliente, as quais não são passíveis de


(Baum, 1994/1999). observação direta pelo terapeuta (de
Skinner (1957/1978) divide os Rose, 1997). A partir do relato verbal
operantes verbais em oito do cliente, o terapeuta pode conhecer
subcategorias, cada qual definida e fazer inferências a respeito das
com base nas relações funcionais contingências às quais está exposto;
(antecedente – comportamento – logo, é relevante que esse relato seja
consequente) envolvidas. Para o acurado. A validade dessas
presente estudo, a definição de duas inferências dependerá do controle
dessas subcategorias é relevante – discriminativo desempenhado sobre
tato e mando –, uma vez que são o tato pelos elementos nele
amplamente exploradas no contexto envolvidos, ou seja, da
clínico. correspondência entre o relato e o
O tato caracteriza-se pelo conjunto de elementos a que ele se
controle por um evento antecedente refere, sejam eles elementos
não verbal e por reforço ambientais (físicos, sociais,
generalizado. Operantes vocais como biológicos) ou comportamentais.
relatar, emitir opiniões e O estudo da correspondência
observações, quando sob controle de entre o comportamento verbal e não
antecedentes não verbais, são verbal se constitui em uma linha de
exemplos de tatos. O mando tem pesquisa em Análise Experimental
como antecedente uma operação do Comportamento, a qual se dedica
estabelecedora (que altera o valor a investigar relações sistemáticas
reforçador de um estímulo, como, entre o que se fala e o que se faz, e
por exemplo, privação, saciação ou vice-versa, independente da ordem
estimulação aversiva), a qual em que esses comportamentos
especifica o reforçador. Operantes ocorrem (Lima, 2004). Segundo
vocais como pedir, solicitar e Beckert (2005), há temas no
requerer algo, quando sob controle cotidiano que emanam uma
de antecedentes específicos investigação apurada da
diretamente relacionados ao correspondência verbal e não verbal,
reforçador, exemplificam mandos. tais como a mentira, a promessa não
Os mandos subdividem-se em dois cumprida, a omissão e o uso da fala
tipos: puro e disfarçado (Barros, como recurso educacional e
2003; Matos, 1991; Medeiros, 2002; terapêutico.
Skinner, 1957/1978). O mando puro Pesquisas relativas à
é exemplificado por solicitações correspondência verbal têm
diretas, enquanto o mando disfarçado evidenciado que o comportamento
é topograficamente semelhante a um verbal influencia o comportamento
tato, podendo ser exemplificado por não verbal, ou seja, mudanças no
pedidos realizados de forma indireta. dizer de um indivíduo podem
O relato verbal de um cliente, no facilitar mudanças no fazer (Beckert,
contexto clínico, é compreendido 2000; Lima, 2004). Catania,
como um tato e é por meio dele que Matthews e Shimoff (1982, 1990)
o terapeuta tem acesso a grande parte propuseram, ainda, que é mais fácil
das contingências disponíveis para o mudar o comportamento humano
Análise Comportamental Clínica 215

modelando o que alguém diz do que para exercer controle sobre algo, é
o que alguém faz. necessário conhecê-lo (para maior
No contexto clínico, a discussão acerca da relação entre
correspondência verbal-não verbal autoconhecimento e autocontrole,
pode ser fortalecida, com a mediação ver o capítulo Nery e de-Farias neste
do terapeuta, por meio de reforço livro). Segundo Skinner (1953/2000),
diferencial do repertório verbal do o autocontrole consiste no
cliente, e tal reforçamento pode se estabelecimento de contingências
reverter em autoconhecimento. O pela própria pessoa de modo a alterar
autoconhecimento refere-se à a probabilidade de ocorrência de
habilidade de tatear as variáveis das determinado comportamento. No
quais o comportamento não verbal autocontrole, existem duas respostas
(público ou privado) é função relevantes e distintas: a controladora,
(Beckert, 2002; Tourinho, 2001). É emitida pelo sujeito que manipula
importante destacar que o variáveis ambientais, e a controlada,
autoconhecimento tem origem social, que altera a probabilidade de
ou seja, o que o sujeito sabe a ocorrência de um dado
respeito de si é construído por comportamento. O Behaviorismo
intermédio do outro, membro da Radical não atribui causalidade
comunidade verbal. interna ao autocontrole; este é
concebido de maneira contextual, em
Os falantes não apreendem o interação com o ambiente. O
mundo e o descrevem com autocontrole pode ser considerado
palavras; eles respondem ao como um operante, ou seja, um
mundo, dependendo das comportamento analisado a partir das
maneiras como as respostas contingências de reforçamento e
foram modeladas e mantidas por punição e deve ser explicado por
contingências especiais de variáveis que se localizam fora do
reforçamento. Os ouvintes não próprio indivíduo (Beckert, 2000).
extraem informação ou Pode-se afirmar, portanto, que a
conhecimento das palavras, correspondência verbal-não verbal
compondo cópias de segunda relaciona-se ao autoconhecimento e
mão sobre o mundo; eles ao autocontrole. Estudos que
respondem aos estímulos verbais relacionam esses temas entre si
segundo as maneiras com que vinculam cadeias fazer-dizer ao
foram modelados e mantidos por autoconhecimento e dizer-fazer ao
outras contingências de autocontrole (Beckert, 2002).
reforçamento. Ambas as
contingências são mantidas por
um ambiente verbal DIAGNÓSTICO E
desenvolvido ou cultural. INTERVENÇÃO ANALÍTICO-
(Skinner, 1989/1991, p. 53-54) COMPORTAMENTAL
O autoconhecimento mostra-se O diagnóstico tradicional em
também uma condição importante, Psicologia, baseado no modelo
porém não única e suficiente, para a médico, é mentalista e internalista,
obtenção de autocontrole, visto que, na medida em que atribui a
216 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

causalidade de comportamentos- basicamente um modelo que


problema a doenças mentais; além estabelece, a partir de um
disso, enfatiza a topografia dos determinado ponto de partida, aonde
comportamentos, desprovidos do se quer chegar e os passos que
contexto no qual ocorrem, para a deverão ser seguidos para que se
identificação de síndromes. Segundo alcance objetivos preestabelecidos ao
Cavalcante e Tourinho (1998), as menor custo possível (Rangé e
classificações diagnósticas Silvares, 2001). A formulação
tradicionais são baseadas em sinais comportamental é um instrumento
(elementos visíveis que evocam dinâmico, descritivo e pode ser
dados do cliente com relevância modificado na medida em que novas
clínica), e sintomas (manifestações informações a respeito do cliente
trazidas pelo cliente), os quais, surgem. A relevância desse
analisados conjuntamente, levam a instrumento não se restringe ao
classificações (rótulos) diagnósticas. diagnóstico, mas estende-se para a
O diagnóstico comportamental, intervenção e avaliação do processo
diferentemente do tradicional, atém- terapêutico, na medida em que é o
se à função do comportamento e é ponto de partida para o planejamento
construído a partir da identificação e e acompanhamento da intervenção
da análise de contingências. na clínica analítico-comportamental.
Conforme Moreira e Medeiros Esse instrumento auxilia ainda o
(2007), a análise de contingências ou terapeuta na realização de análises
análise funcional consiste na funcionais futuras. Além disso,
identificação das relações entre o facilita a análise de contingências,
indivíduo e seu mundo, isto é, na que promovem a modificação do
observação de um comportamento e próprio comportamento e a produção
na compreensão de qual tipo de de mudanças no ambiente que
consequência ele produz. Nesse contribuem para a manutenção de
sentido, o diagnóstico comportamentos modificados (Rangé
comportamental é orientado pelas e Silvares, 2001). Nesse sentido, o
variáveis controladoras, mesmo instrumento de diagnóstico é
características de cada quadro; é também o de intervenção, isto é, as
externalista/interacionista e se análises funcionais (baseadas no
constitui em uma explicação relato verbal do cliente), construídas
relacional do comportamento pelo terapeuta e/ou em conjunto com
(Cavalcante e Tourinho, 1998). o cliente, por meio da mediação
A abordagem analítico- verbal do clínico, promovem
comportamental busca, a partir de autoconhecimento, ampliação do
um conjunto de análises funcionais, repertório comportamental e
realizar sínteses funcionais dos mudanças.
comportamentos do indivíduo, as A intervenção em Terapia
quais se constituem no que se Analíticocomportamental, assim
denomina Diagnóstico ou como o diagnóstico, baseia-se em
Formulação Comportamental (ver análises funcionais amplas,
também capítulo de Moraes neste formuladas, principalmente, a partir
livro). Uma formulação de caso é do relato verbal do cliente, sendo as
Análise Comportamental Clínica 217

principais ferramentas de trabalho do os eixos – diagnóstico e intervenção


analista do comportamento, qualquer – os objetivos específicos do
que seja o presente trabalho, descritos a seguir,
contexto no qual atua. serão explorados:
Para Delitti (1997), o processo (a) Delinear o processo de
terapêutico envolve duas pessoas: o diagnóstico em terapia
terapeuta e o cliente; entretanto, o comportamental, tendo o
comportamento do cliente é foco comportamento verbal da cliente
primário da análise funcional. Nesse como principal fonte de
sentido, uma análise funcional informações sobre seu ambiente
representa um dos instrumentos mais e comportamento.
valiosos para a prática clínica, pois (b) Apontar os objetivos
proporciona o levantamento dos terapêuticos, relacionando-os ao
dados necessários para o processo diagnóstico.
terapêutico. A partir dela, é possível (c) Relacionar os objetivos
descobrir a função do terapêuticos com o curso da
comportamento e em que intervenção.
contingências se instalou e em quais (d) Relacionar a história de
se manteve. De modo geral, a análise aprendizagem da cliente com o
funcional acompanha o terapeuta no estabelecimento de
início do processo, com o comportamentos “disfuncionais”
levantamento das hipóteses; durante atuais da mesma.
o processo, com a observação do (e) Analisar o ambiente terapêutico
comportamento do cliente na sessão como um local favorável para
e de seu relato fora dela; e no final repetição de comportamentos
do processo, com o planejamento da “disfuncionais” presentes em
manutenção e generalização das outros contextos, bem como
mudanças comportamentais para o desenvolvimento de
alcançadas. comportamentos mais
adaptativos.
ESTUDO DE CASO (f) Analisar a correspondência entre
O estudo de caso descrito a seguir comportamento verbal e não
refere-se a uma mulher de 30 anos verbal no contexto clínico e fora
atendida em uma clínica comunitária, dele.
em sessões com periodicidade (g) Averiguar as estratégias de
semanal. Os dados apresentados são promoção de correspondência
relativos a 28 sessões, ocorridas ao verbal e não verbal utilizadas no
longo de sete meses. O atendimento atendimento e a eficácia das
teve início após consentimento livre mesmas.
e esclarecido da cliente. (h) Avaliar a relação entre
Os dados serão apresentados, autoconhecimento e
separadamente, em diagnóstico e correspondência verbal e não
intervenção e organizados, na seção verbal no caso atendido.
intervenção, a partir das estratégias (i) Avaliar a relação entre
interventivas utilizadas. Em ambos autocontrole e correspondência
verbal-não-verbal no caso
218 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

atendido. pedem dinheiro para mim e não


pagam. Quando digo que não tenho
ou não posso, as pessoas parecem
Diagnóstico comportamental que sabem que estou mentindo, aí eu
Apresenta-se a seguir o processo acabo emprestando mesmo”.
diagnóstico do caso atendido, de
acordo com a estrutura comumente Objetivos da Cliente: Entender as
utilizada pela abordagem analítico- “causas” do choro e “ficar boa da
comportamental (apresentação dos depressão”.
dados e formulação/diagnóstico Demandas: A partir das queixas
propriamente dito), com o objetivo apresentadas pela cliente,
de delinear todo o processo identificou-se a necessidade de
diagnóstico com base nesse desenvolver repertórios de
referencial. Assim, inicialmente, são autoconhecimento. O interesse pelo
apresentados, de maneira ordenada e desenvolvimento da assertividade
sintética, dados coletados ao longo ocorreu, também, por notar-se, logo
das sessões e, posteriormente, nas primeiras sessões, que a cliente
análises funcionais micro e macro, as era passiva, inassertiva e emitia
quais constituem, efetivamente, a mandos disfarçados, e não diretos,
formulação/diagnóstico com bastante frequência.
comportamental.

Variáveis históricas
Dados da cliente Histórico Familiar: Família extensa,
Identificação: Florinda (nome com pai falecido, mãe e seis irmãos,
fictício), 30 anos, sexo feminino, dentre eles quatro homens e duas
negra, ensino médio completo, nível mulheres. Ficou responsável por
socioeconômico baixo, noiva e administrar o dinheiro de sua mãe
católica praticante. após o falecimento do pai, o que
Queixa: No processo de triagem, a gerava pedidos corriqueiros de
cliente relatou as seguintes queixas: empréstimo de dinheiro por parte dos
choro frequente, tristeza, crises parentes, que não pagavam e, às
depressivas recorrentes, dificuldades vezes, Florinda contraía dívidas em
financeiras e histórico de abuso decorrência disso. Ela se recusava a
sexual. emprestar, inicialmente, mas
No decorrer dos atendimentos terminava cedendo à insistência.
iniciais, explicitou mais algumas Como exemplo dessa situação,
queixas, como a falta de relatou uma dívida contraída com
autoconhecimento – “Quero entender compra de material de construção
por que eu choro tanto”, “Por que as para levantar o barraco em que a mãe
pessoas têm pena de mim?”, “Eu não morava. Enquanto todos os outros
entendo porque eu não impedi que irmãos contribuíam com o
eles fizessem isso (abuso sexual) pagamento do material, a cliente
comigo” – e inassertividade – “Eu cobria o rombo mensal deixado pelo
não sei dizer não para as pessoas... irmão (que cometeu o abuso sexual)
Meus irmãos e cunhados sempre que, além de não arcar com a parte
que lhe cabia, ainda retirava produtos
Análise Comportamental Clínica 219

da loja de materiais de construção Frequentava a igreja


para si sem avisar aos demais irmãos habitualmente e disse gostar muito
e acrescentava à conta. do que fazia. Além disso, participava
As discussões da cliente com o de um grupo religioso que rezava
irmão abusador frequentemente eram terços na casa de pessoas
acompanhadas de gritos da parte dele assiduamente.
que, por sua vez, eram seguidos de Muitas vezes, chorava na frente
choro da parte de Florinda. Relatou, de outras pessoas, dizendo que sentia
e voltar rapidamente para o lar. uma enorme tristeza. As pessoas
costumavam ir até ela, acolhiam-na e
Histórico Social: Na adolescência, as
perguntavam o que ela estava
colegas zombavam dela pelo fato de
sentindo. Ela respondia: “Não sei”.
ter medo de homens. Marcavam
encontros com rapazes que a Histórico Afetivo-sexual: Foi
cumprimentassem apenas para vê-la abusada sexualmente na infância
fugindo deles. Numa dessas pelo cunhado e pelo irmão. Com o
“brincadeiras”, ela conheceu o noivo cunhado, houve dois episódios: o
e, depois, começaram a namorar. primeiro aconteceu enquanto ela
Relatou que “tento ser amiga, mas brincava de pular na cama em que o
não tenho amigos; as pessoas cunhado estava; ele tocou em sua
brincaram muito comigo, já sofri vagina, havendo ardor e ela então
muito com amizades”; “meu único saiu correndo. No segundo episódio,
amigo é meu noivo”. não consumado, ele tentou retirar o
Florinda comentou em uma cobertor e as roupas dela durante a
sessão que certa vez, uma colega de noite, mas ela empurrou suas mãos,
sua igreja, ao conhecer o seu noivo impedindo que o fizesse. A diferença
comentou: “Nossa, esse que é o seu de idade entre o cunhado abusador e
namorado”, “todos na minha casa a cliente era de 18 anos, sendo que,
veem e não fazem nada!”. na época dessas duas tentativas, ela
A cliente afirmou que o dia do tinha aproximadamente 4 anos e ele
seu noivado foi o dia mais feliz de 22.
sua vida e que almejava casar-se para Os episódios de abuso cometidos
sair de casa o quanto antes. Revelou pelo irmão (cinco anos mais velho)
que, quando tinha que resolver foram mais frequentes e diversos: em
algum compromisso fora de casa, “brincadeiras”, nas quais ele a
demorava propositalmente para adiar tocava; com penetração dos dedos na
seu retorno. Entretanto, logo o irmão vagina da cliente; em situações nas
abusador ligava para saber em que quais os pais saíam e ele a levava até
local estava; ela costumava dizer “ele o banheiro, ordenava que ela
é bonito, né?... Pensei que ele fosse abaixasse as roupas e encurvasse o
igual àqueles neguinhos da rua”. A corpo de costas para ele – nessas
cliente se sentiu diminuída e ocasiões, manipulava o pênis em
magoada, pois compreendeu que a contato com sua vagina, chegando a
colega a julgava incapaz de namorar haver introdução vaginal algumas
um homem branco por ser negra vezes. Ao falar dos abusos do irmão,
(situação de discriminação racial), sensibilizava-se e afirmava: “Ele é
porém a cliente nada fez. meu dono”; “O meu pai era um
220 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

homem bom, mas ele era dominado Profissional: Concluiu o ensino


pelo meu irmão”; “Ele só queria me médio. Não trabalhava durante o
usar, ele só queria a minha vagina”. período que durou o atendimento,
A cliente dizia não se lembrar porém gostaria de ter um emprego
quantos anos tinha quando ocorreram para ajudar o noivo com o casamento
os abusos, nem da idade da primeira e esperava que algum colega a
menstruação, ocasião na qual os indicasse para um trabalho. Não
episódios de abuso se encerraram, queria emprego relacionado à
pois ela poderia engravidar. Dizia limpeza, pois havia avançado nos
também não se lembrar de nada estudos e acreditava merecer algo
falado nas sessões terapêuticas nas melhor. Tinha experiências de
quais o abuso fora tratado. trabalho em uma padaria e na
Lembrava-se, contudo, de outras cozinha de um grande supermercado.
datas relevantes. Em relação ao serviço no
Relatou que, apenas quando foi supermercado, atribuiu sua demissão
esclarecendo-se sobre o ocorrido, ao
começou a sofrer bastante e fato de ter sido verdadeira com uma
culpabilizar-se, e isso afetava das chefes. A chefe fazia comentários
diretamente sua vida até o momento maliciosos a respeito de Florinda
presente. Poucas pessoas tinham com outros colegas pelo fato de ela
conhecimento do ocorrido; dentre ser virgem. Frente a essas
elas, um padre, o noivo e duas provocações, a cliente, inicialmente,
psicólogas. Temia que esse assunto, relatou partes da Bíblia para a chefe
algum dia, viesse a ser revelado à e, posteriormente, disse à mesma que
família, pois ninguém acreditaria ela não se valorizava, que não valia
nela e a acusariam de tê-los nada, apesar de ser bonita.
provocado. Após ter iniciado a terapia,
Nunca havia tido envolvimento deixou currículos em uma empresa e
sexual com o noivo, seu primeiro fez inscrição em um concurso
namorado, com quem estava há público, com o auxílio financeiro do
cinco anos. Defendia o sexo só noivo para o pagamento da inscrição.
depois do casamento, devido a Resistiu em aceitar a ajuda financeira
preceitos religiosos. Vale ressaltar do noivo, pois acreditava que não
que ela costumava usar camisas com deveria aceitar dinheiro de homem
imagens de santo e um terço envolto (regra da mãe), principalmente: “se
entre os dedos. Disse que sexo era ele ainda não é seu marido, não deve
algo importante para o casal quando decidir nada por você”. Todavia o
vivido no casamento, que desejava noivo insistiu, disse que não cobraria
casar-se e ter filhos com esse noivo e dela depois e a cliente acabou
que não o via apenas para a aceitando. Animou-se em fazer o
reprodução. Costumava namorar na concurso, pois teria prova prática de
praça; no entanto, quando estavam corrida e ela lembrou-se de ter
na casa dela, evitava aproximar-se corrido e caminhado no passado e
dele, para evitar comentários que ainda gostava muito dessas
moralistas da mãe. atividades. No entanto, não estudou
regularmente para o concurso e
Histórico Acadêmico e/ou
Análise Comportamental Clínica 221

hesitou várias vezes em fazer as (físico, familiar, social, etc.),


caminhadas, conforme havia se formulavam-se hipóteses
comprometido. Além disso, foi funcionalmente estruturadas, a partir
chamada para entrevistas de emprego das quais informações adicionais
e as recusou, afirmando estar eram requisitadas pelo terapeuta a
atribulada com os preparativos para o fim de validar ou refutar tais
casamento e que não sobraria tempo hipóteses. Hipóteses confirmadas
para fazer as duas coisas. constituíram o conjunto de análises
funcionais de comportamentos
Histórico Médico-psicológico: A
isolados da cliente (análise micro). A
cliente realizava consultas semestrais
partir desse conjunto de análises
com um psiquiatra da rede pública, o
funcionais, chegou-se a uma síntese
qual receitava antidepressivo,
comportamental, na qual inter-
ansiolítico e estabilizador de humor,
relações comportamento-ambiente e
de forma conjugada. Foi
comportamento-comportamento
diagnosticada pelo psiquiatra como
foram exploradas, constituindo a
tendo Transtorno Bipolar85. Já havia
formulação comportamental (análise
passado por duas terapias
macro).
anteriormente, de abordagens
Apresenta-se, no Quadro 10.1, as
diversas. A última foi em uma
análises funcionais (micro) de
instituição de Ensino Superior do
comportamentos isolados. Ao final
Distrito Federal, na qual fez três
do quadro, tais análises são
triagens e 18 sessões, sendo que o
apresentadas de forma integrada,
atendimento foi interrompido, pois o
constituindo-se na formulação
local entrou em férias e a terapeuta
comportamental do caso estudado.
se formou, não podendo dar
Foram necessárias 12 sessões para se
continuidade à psicoterapia.
chegar a uma versão final da
Formulação Comportamental: Ao formulação, a qual foi formalmente
longo das sessões, a partir das devolvida e discutida com a cliente.
informações inicialmente trazidas A cliente vinha de uma família
pela cliente a respeito do próprio conservadora, muito religiosa e
comportamento e/ou de seu ambiente repleta de regras que contribuíram
85 O Manual Diagnóstico e Estatístico de para a formação de autorregras, tais
como: “se sou uma boa filha, não
Transtornos Mentais/(DSM-IV-TR) faz duas
classificações elementares para o Transtono contrario meus pais”; “se me
Bipolar: O Transtorno Bipolar do Tipo I, mantenho casta, preservo o nome da
marcado pela presença de um episódio família”. Sua história de vida foi
maníaco único, levando em consideração o marcada por um controle rígido, em
episódio mais recente (maníaco, depressivo,
misto ou especificado); e o Transtorno Bipolar
que pessoas ordenavam e/ou
do Tipo II, caracterizado pelo episódio de indicavam o que fazer. No passado,
hipomania associado a pelo menos uma crise houve abusos sexuais pelo irmão e
de depressão (mostra-se necessário identificar pelo cunhado, aos quais ela se
o tipo mais frequente, o hipomaníaco ou o
depressivo) (APA, 2002). Na perspectiva da
submetia, evitando assim outros tipos
Análise do Comportamento, a mania é de violência física/verbal e
caracterizada por uma fase de maior euforia, esquivando-se da descoberta do
enquanto que na depressão ocorre uma ocorrido por familiares. Esse
“menor densidade comportamental”.
222 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

comportamento inassertivo, de do relato da cliente, histórico de


submissão, todavia, reforçava novos episódios de mania/euforia
abusos por parte deles. Esse padrão intercalados com depressão.
comportamental inassertivo No seu contexto familiar, teve
apresenta-se de forma generalizada e modelos de passividade (pai e,
extrapola o contexto familiar, sendo algumas vezes, a mãe – com
observado no grupo religioso e no comportamentos permissivos ao filho
trabalho, nos quais se comportava abusador) e de agressividade (irmão
fazendo o que lhe era solicitado e abusador e mãe) que contribuíram
preocupando-se com a opinião dos para o seu comportamento passivo,
outros, evitando, assim, críticas, havendo algumas situações nas quais
reclamações e confrontos. Do mesmo oscilava da passividade para a
modo, nesses contextos, o agressividade. Vale
comportamento inassertivo servia
também como estímulo reforçador
para o comportamento de familiares
e colegas, favorecendo o aumento da
frequência de novos pedidos ou
solicitações. A exposição frequente a
contingências coercitivas de
reforçamento negativo e de punição
gerava a eliciação de respodentes:
lágrimas, enrijecimento dos
músculos, sudorese, taquicardia e
queda de pressão. Além dos
respondentes, o operante – choro –
acompanhava o comportamento
inassertivo.
Diante desse histórico, em que
houve construção de um repertório
comportamental passivo,
consequenciado pela esquiva de
contingências aversivas no passado
e, no presente, pela impossibilidade
de contracontrolá-las de modo
efetivo, desenvolveu-se um quadro
de depressão caracterizado por um
repertório comportamental
“disfuncional” mantido por
contingências coercitivas (Ferster,
Culbertson, Boren e Perrot,
1977/1982). Questiona-se, portanto,
o diagnóstico psiquiátrico de
Transtorno Bipolar, pois,
independentemente da terapia
medicamentosa, não se tem, a partir
Análise Comportamental Clínica 223

Quadro 10.1
Exemplos de Análises Funcionais (Análise Micro) realizadas a partir do relato da cliente.
AntecedentesComportamentoConsequências

Parentes da cliente pediam Emprestar dinheiro Reforço negativo (esquiva):


dinheiro evitar insistência e confrontos.
Reforço positivo: em algum
momento, ela exercia função de
poder.
Parentes não efetuavam o Pedir pagamento do dinheiro Punição positiva: brigas e
pagamento do dinheiro que emprestou discussões.
requerido
Comentários desagradáveis de Não se posicionar perante Reforço negativo (esquiva):
colegas essas situações, colocar-se em evitar críticas, perda das
uma postura passiva, amizades e confrontos.
dificuldade em expor-se e em
expressar opiniões
Discussões e conflitos com Chorar diante de todos em casa Reforço negativo (esquiva):
irmão abusador na casa da evitar entrar em contato com os
cliente gritos do irmão (quando o choro
se antecedia aos gritos).
Reforço negativo (fuga): o irmão
interrompia os gritos e se
retirava do local.
Episódio de conflito com o Contra-argumentar através de Punição positiva: recebimento de
irmão gritos e/ou com ironia uma maior quantidade de gritos,
insultos e palavrões.
Episódio de discussão com a Chamá-la de cínica Punição positiva: apresentação
mãe de choro da mãe e lamentações.
Punição Negativa: ficar dias sem
falar com a mãe (“recebeu um
gelo”).
Compromissos fora de casa Demorar no local Reforço negativo (esquiva):
evitava ter que voltar para casa
(local aversivo).
Conflitos familiares Chorar na frente de outras Reforço Positivo: receber carinho
pessoas e atenção.
Regras familiares Seguir a regra. “Não deixe seu Reforço negativo (fuga-esquiva):
(principalmente da mãe) noivo ajudar a enxugar louças, Evitar punição dos familiares.
isso é tarefa de mulher”;
“Moça não deve entrar em
quarto de homem”.
(Continua)
224 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Quadro 10.1
(Continuação)
AntecedentesComportamentoConsequências

Ouvir algo do noivo que a Fazer “cara feia”, responder Reforço positivo (do
desagradava (por exemplo, ao (por exemplo: “Você não me comportamento agressivo):
dizer que iria à excursão para ver conhece o suficiente!”) e recebia desculpas, atenção e
o papa, ele comentou: “só vão propor que eles só conversem carinho do noivo, e ele atendia à
pessoas jovens nessa excursão”, no outro dia sua solicitação de conversarem
o que a desagradou) no dia em que ela estipulou.
Presença do noivo Contar seus “problemas” e Reforço positivo: recebia escuta
chorar atenciosa do noivo e palavras de
conforto.
Conflito com a chefe no antigo Falar: “Você não se valoriza... Punição negativa: demissão do
emprego Mesmo sendo bonita, não vale emprego.
nada!”; “Sua filha não merece a
mãe que tem!”
Término da sessão, não havendo Choro na sala de espera da Extinção do comportamento de
tempo de falar tudo o que clínica – CRB 11 chorar e reforço diferencial de
gostaria para a terapeuta outros comportamentos pela
terapeuta, que lhe sinalizava
essas ações, sorria, indicava
avanços conquistados, etc.
Situações relacionadas aos Esquecer-se de datas e de Evitava entrar em contato com
abusos sexuais vividos no situações. sentimentos relacionados às
passado pela cliente “Não sei”. situações dolorosas e aversivas
“Não lembro” – CRB 1 envoltas ao abuso.
Não reforçamento de tal
verbalização na clínica (extinção)
e investimento em
autoconhecimento.
Sessão de atendimento Pontuar limite claro na sessão Durante o processo terapêutico,
psicoterápico sobre até onde trabalhar em evitou entrar em contato, de
um tema específico, como, por forma excessiva, com
exemplo, o abuso – CRB 2 sentimentos/ lembranças
associadas ao abuso, utilizando-
se da assertividade com a
terapeuta, visando preservar a
sua integridade física e
emocional.
Tarde calorenta Ser colocada em situação de Reforço positivo: ter sua decisão
escolha pelo terapeuta (ar- atendida, dispondo-se do
condicionado ligado ou elemento reforçador, ar-
desligado?) e preferir por ele condicionado.
Análise Comportamental Clínica 225

Quadro 10.1
ligado, em baixa temperatura –
CRB 2
1
CRB é a sigla para Comportamentos Clinicamente Relevantes (em inglês, Clinical Relevant Behaviors), descritos
por Kohlenberg e Tsai (1991/2001). CRB 1 refere-se aos comportamentos-problema do cliente, aqueles
relacionados à sua queixa. CRBs 2 são comportamentos de mudanças, melhoras observadas no repertório do
cliente. Por sua vez, CRB 3 consistem em interpretações de comportamento, por parte do cliente.
(Continua)
(Continuação)
Antecedentes Comportamento Consequências

Necessidade de uma sessão Solicitar à terapeuta uma Reforço positivo: ter sua
adicional sessão extra – CRB 2 solicitação acolhida, havendo
disponibilidade de uma sessão
extra.
Necessidade de ter uma sessão Pedir uma sessão com a Reformulação do mando
conjunta com o noivo presença do noivo, com uso de disfarçado pela terapeuta (“Você
mando disfarçado (“Seria bom gostaria de ter uma sessão junto
que meu noivo estivesse aqui, com seu noivo?”) e, depois, ter a
agora, escutando isso”) – CRB 2 recompensa esperada, ou seja, a
sessão com o noivo.
lembrar o exemplo, em um dos empregos poucas pessoas que ainda reforçavam seus
que teve, de ter expressado sua opinião de comportamentos agressivos era o noivo,
modo agressivo e pessoal a uma das chefes, pois fornecia carinho e atenção nesses
o que culminou em sua demissão. Em outra momentos.
situação, ao ouvir um comentário Em geral, ao longo de sua história de
desagradável da mãe, chamou-a de cínica e vida, seus familiares reforçaram também
teve como consequência o choro da mãe e outros padrões passivos, ou seja, quando ela
vários dias de silêncio desta com a cliente. solicitava algo de forma indireta, obtinha
Em outra ocasião, o irmão abusador como consequência o atendimento de seu
perguntou-lhe grosseiramente, enquanto ela pedido (reforço positivo). Nesse sentido, em
fazia a comida, o que havia para comer, e curto prazo, emitir mandos disfarçados era
ela respondeu: “Se quiser saber, abra as reforçado. Em médio e em longo prazo,
panelas!”. Ele respondeu: “Vou abrir todavia, esse padrão comportamental da
mesmo!”, pegando a carne e o arroz com as cliente implicava a perda de reforçadores
mãos. É relevante pontuar que, na maior sociais e a manutenção de um repertório
parte das vezes em que a cliente comportou- comportamental empobrecido. Tendo em
se agressivamente, seu comportamento foi vista a baixa densidade de reforçadores
punido positiva e negativamente, o que positivos, sua variabilidade comportamental
reduziu a frequência dessa classe de mantinha-se reduzida.
respostas. O reforço, mesmo que Diversos autores têm apontado que a
negativamente, era liberado quando ela aprendizagem por regras diminui a
emitia comportamentos passivos, e isso sensibilidade às contingências
favoreceu o estabelecimento e a manutenção (Albuquerque, 2001; Castanheira, 2001;
desse padrão comportamental. Uma das Nico, 1999). No contexto familiar, o uso
226 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Quadro 10.1
extensivo de regras parece ter favorecido o
estabelecimento de um repertório
comportamental restrito e pouco sensível às
contingências. Essa baixa sensibilidade se
evidenciava na generalização do mesmo
padrão de comportamento – depressivo,
inassertivo – em contextos diversos (igreja,
trabalho), caracterizados por contingências
distintas daquelas disponíveis no contexto
familiar.
Em suma, Florinda apresentava padrão
comportamental inassertivo, com baixa
variabilidade, com alta frequência de
comportamentos de esquiva e fuga e baixa
densidade de reforçadores positivos.
Objetivos Terapêuticos: Florinda relatou
dois objetivos para a terapia: “enten-
Análise Comportamental Clínica 227

der as causas do choro” e “acabar com a próprio comportamento da cliente para


depressão”. produzir mudanças em seu ambiente, isto é,
operar no ambiente como agente e não como
“Entender as causas do choro”: Tal objetivo
um coadjuvante que se comporta de modo
pode ser traduzido em termos de
passivo, como ela fazia (conforme pôde ser
desenvolvimento de autoconhecimento, de
averiguado na formulação comportamental).
um dizer coerente com o fazer. A cliente
trouxe esse objetivo de forma limitada, Desenvolver Habilidades Sociais: Visa
direcionando-o a uma meta específica a ser estabelecer comportamentos assertivos (dizer
alcançada; contudo, na terapia, propôs-se a não, argumentar e contra-argumentar) e
ampliar esse objetivo para todas as esferas da empáticos, de forma a discriminar o
vida e a analisá-lo de forma funcional. comportamento do outro, o efeito do próprio
Autoconhecer-se, para Tourinho (2001), comportamento sobre o outro e vice-versa,
envolve saber descrever o comportamento favorecendo o comportar-se apropriadamente
contextualmente. Tornou-se relevante o frente a contextos e contingências diversos,
alcance desse objetivo, pois, baseando-se no de modo a produzir reforçadores, tais como
relato da cliente e na formulação interação apropriada com as pessoas. Na
comportamental construída a partir do formulação comportamental, ficou
mesmo, foi evidenciada relação entre seus evidenciado que a cliente era inassertiva,
comportamentos “disfuncionais” (como a possuía um repertório comportamental
inassertividade) e seu baixo nível de empobrecido, com a presença de regras e
autoconhecimento. com a emissão de mandos disfarçados.
Após a devolução da formulação para a
“Acabar com a depressão”: O alcance desse
cliente e do estabelecimento dos objetivos
objetivo implicava o alcance de outros
terapêuticos, procedeu-se com o
(descritos a seguir e não especificados
planejamento e a execução da intervenção,
inicialmente por Florinda) considerados pré-
apresentados a seguir.
requisitos. A relevância do alcance desse
objetivo decorre do fato de que, no
diagnóstico comportamental, foi evidenciado Intervenção
o predomínio de contingências aversivas e Serão apresentadas, nesta seção do texto,
um amplo repertório de esquiva. algumas estratégias interventivas,
Desenvolver Repertórios de Autocontrole: usualmente utilizadas na clínica analítico-
Relaciona-se a manter o comportamento não comportamental, aplicáveis a uma variedade
apenas sob controle de consequências de objetivos terapêuticos que foram
imediatas (como ocorre nos mandos utilizadas com a cliente: auto-observação e
disfarçados), mas também de consequências autodescrição (autoconhecimento);
em médio e em longo prazo, muitas vezes de reforçamento positivo de comportamentos
maior magnitude (por exemplo, com a mais “adaptados” ou “funcionais” (ou seja,
emissão de mandos puros). Relaciona-se ao progressos); extinção de comportamentos
desenvolvimento de correspondência verbal- “disfuncionais”; modelação (aprendizagem
não verbal, no sentido de o dizer ser coerente por observação); favorecimento à emissão de
com o fazer e vice-versa (p. ex., chegar no novos comportamentos; favorecimento a
horário à terapia, fazer as tarefas de casa, uma maior correspondência dizer-fazer
etc.). Trabalhar o autocontrole como um (autocontrole); análise funcional; treino em
objetivo terapêutico significa utilizar o assertividade; uso da Psicoterapia Analítica
228 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Funcional (FAP) e Terapia de Aceitação e questionamentos por parte da terapeuta, que


Compromisso (ACT). possibilitaram a construção, em conjunto, de
Auto-observação e Autodescrição uma análise funcional. O comportamento de
(autoconhecimento): A discriminação do fazer sempre o que lhe era solicitado era um
próprio comportamento e das possíveis estímulo reforçador para o comportamento
consequências que este tem no meio pode de seus familiares, ou seja, aumentava a
aumentar a sensibilidade às contingências. A probabilidade de ocorrência de novos
terapia pode auxiliar o cliente nesse pedidos associados à não colaboração, à não
processo, por meio do treino discriminativo ajuda e ao não empenho –; a ajuda e a
com uso de reforçamento diferencial, que colaboração, por sua vez, cada vez mais,
consiste em reforçar desterminada resposta decresciam de frequência.
na presença de estímulo discriminativo (S D) e Quanto à auto-observação, foram
extinguir na presença de SΔ (Moreira e solicitados autorregistros diários, realizados
Medeiros, 2007; Skinner, 1953/2000).86 pela cliente, que deveriam focalizar os
No caso descrito, utilizou-se de treino acontecimentos de sua vida, funcionalmente
discriminativo, por exemplo, ao reforçar o descritos e com a inclusão de eventos
repertório descritivo de Florinda quando privados. No decorrer dos atendimentos,
fazia referência aos seus comportamentos, notou-se que a cliente apenas citava as
aos contextos nos quais ocorriam e às atividades vivenciadas, sem detalhá-las em
consequências dos mesmos, indagando sobre termos de sentimentos e pensamentos. Essa
as consequências prováveis ao emitir observação levou à substituição da estratégia
determinado comportamento. de autorregistro, uma vez que esta se
Em uma sessão, às vésperas de seu mostrou ineficaz em função das seguintes
casamento, a cliente queixou-se de estar limitações da cliente: não tinha o hábito de
muito incomodada por estar na casa de sua fazer anotações sobre si, não tinha sido
mãe e relatou que se disponibilizava sempre treinada a tatear (relatar) sentimentos e
a realizar na íntegra o que era solicitado; com mostrou restritos momentos de privacidade.
isso, os familiares pouco se esforçavam para A terapeuta, então, teve de adotar uma
fazer o que lhes competia. Em um momento postura flexível ao fazer uso de uma
da sessão, disse: “Eu sou uma escrava... Lá estratégia interventiva, colocando-se a
em casa parece um cinema; enquanto todos analisar os comportamentos da cliente e,
estão assistindo televisão na sala, sentados, a dependendo do que era apresentado, rever
burra está cozinhando, passando, lavando...”, análises e alterar procedimentos (Marçal,
e “nem se preocupam se estou bem... com 2005).
febre ou com dor de cabeça; querem que eu Uma das estratégias alternativas
faça tudo e pronto”. A cliente foi capaz de utilizadas com o objetivo de promoção de
discriminar seus comportamentos a partir de autoconhecimento, de aumentar a
descrições verbais na própria sessão e de correspondência fazer-dizer, foi com a
utilização de textos sensibilizadores a fim de
86 SD ou estímulo discriminativo é aquele que sinaliza compreender aspectos da sua história. O
disponibilidade do reforço “y” caso a resposta primeiro texto continha a história de uma
“x”ocorra. Por outro lado, o S Δ – estímulo delta – prediz apresentadora de um canal de grande
que, caso a resposta “x” ocorra, a consequência “y” não audiência, que sofrera abusos na infância.87 A
será apresentada. Desse modo, a resposta é mais
provável na presença do S D e menos provável em sua 87 Materiais que explanam o conceito de abuso sexual e
ausência. descrevem histórias de pessoas vítimas desse ato,
Análise Comportamental Clínica 229

exposição desse material na clínica foi mais “Adaptados”, “Funcionais”:


produtiva, pois a cliente demonstrou Conforme
evidências de acolhimento e de compreensão
a cliente comportava-se compativelmente aos
de sua história, fortalecendo o vínculo
objetivos terapêuticos propostos, a terapeuta
terapêutico, minimizando a culpa atribuída
disponibilizava reforço social por meio de
ao abuso e percebendo a terapia e o apoio do
eventos verbais e não verbais (confirmação
noivo como essenciais para ajudá-la a
com a cabeça, sorrisos) que sinalizavam os
trabalhar com essa questão.
avanços conquistados, isto é, ressaltavam os
Um texto referente ao assédio moral
comportamentos emitidos compatíveis com
favoreceu o entendimento do significado
as contingências disponíveis, sem produzir
desse termo à cliente.88 Em uma linguagem
sofrimento e, nesse sentido, que poderiam ser
comportamental, assédio moral consiste no
julgados como mais “adaptados” ou
estabelecimento de uma relação de poder, na
“funcionais”. Consequenciar com reforços
qual uma pessoa emite comportamentos
positivos os comportamentos adequados da
agressivos e abusivos à outra que se coloca
cliente foi relevante, também, na medida em
em uma posição de passividade e submissão.
que a grande maioria de seus
A partir desse material, a cliente
comportamentos, no ambiente natural, era
compreendeu que seus comportamentos de
mantida por reforçamento negativo e
ceder aos pedidos de empréstimo do irmão
punição. Tais contingências colaboravam
abusador estavam diretamente ligados à
com a manutenção de um repertório
relação de poder, estabelecida ao longo de
comportamental predominantemente de
sua infância, na qual era coagida a manter
esquiva, restritivo, inassertivo e
relações sexuais com o mesmo. A cliente
“depressivo”.
chorou muito ao entrar em contato com isso.
Outra estratégia utilizada, com o objetivo Extinção de Comportamentos
de promoção de autoconhecimento, foi uma “Disfuncionais”: Da mesma forma que
atividade lúdica ocorrida em uma sala de alguns comportamentos da cliente,
atendimento infantil, que requereu de considerados “adequados” do ponto de vista
Florinda discriminar a sua relação com cada clínico, foram fortalecidos, outros, avaliados
integrante de sua família e, também, expor como “disfuncionais” e “maladaptativos”
como ela imaginava que seria sua vida em (por produzirem sofrimento), foram
um novo lar. Enfim, essa atividade colocados em processo de extinção, a fim de
objetivava, adicionalmente, propiciar uma serem enfraquecidos.
tomada de decisão – ficar ou sair de casa Sabe-se que a comunidade verbal pode
após o casamento –, assim como fazê-la reforçar positivamente alguns
entender que ela incluía-se nesse processo. comportamentos considerados
“disfuncionais” ou “maladaptativos”. No
Reforçamento Positivo de Comportamentos
caso da cliente, quando privada de carinho e
podem ser encontrados nos sites: www.oprah. atenção, utilizava-se do choro, produzindo
com/rys/journeys/1999/rys_journeys_19990325. jhtml assim reforçadores sociais – atenção,
www.veja.abril.com.br/arquivo_veja/
conselhos, etc. O choro exercia, em alguns
capa_31011996.shtml
88 Com relação ao assédio moral, a definição, apurada e contextos, função manipulativa, sendo usado
simplificada, foi retirada dos sites: como forma de acesso a reforçadores
www.assediomoral.com.br/int_definicao.html e habitualmente inacessíveis por outros meios,
www.direitonet. dada a inabilidade, a inassertividade e a
com.br/artigos/x/81/55/815/
230 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

baixa variabilidade do repertório tempo de terapia. A disponibilidade de um


comportamental de Florinda. espaço individual se deu por questões éticas
Um exemplo no qual a cliente utilizouse para que a mesma saísse com segurança da
do comportamento de chorar de forma clínica. Nas sessões seguintes, investiu-se em
manipulativa para produzir reforçadores é questionamentos sobre outras formas de
descrito a seguir: Florinda foi ao posto de comportar-se além do choro, e ela sugeriu
saúde para se consultar com o psiquiatra; no comunicar à terapeuta quando precisasse de
entanto, não havia feito marcação prévia da maior tempo de terapia e solicitar uma sessão
consulta e a secretária pediu que retornasse extra.
posteriormente, pois não haveria vaga
Modelação: Os modelos verbais concedidos
naquele dia. Após alguns instantes, a cliente
pelo clínico são úteis para a cliente
chorou copiosamente na sala de espera do
interpretar maneiras alternativas para
consultório do psiquiatra e logo recebeu
emissão de alguns comportamentos em dado
auxílio da equipe médica. Após esse
contexto, de modo a favorecer a ampliação
episódio, expôs à terapeuta que, se não
de seu repertório comportamental.
tivesse chorado, não conseguiria o
Em algumas sessões, a cliente havia
atendimento naquele dia e, inclusive,
relatado que o irmão abusador costumava
afirmou que a primeira vez que conseguiu
telefonar quando a mesma ausentava-se de
consulta no posto foi em decorrência de uma
casa em um maior período para perguntar de
crise de choro.
forma grosseira onde ela estava. A cliente
Posteriormente, houve uma situação de
sempre respondia e voltava rapidamente para
choro na sala de espera da clínica social (na
casa. Entretanto, incomodava-se muito com
qual ocorriam os atendimentos
essas ligações, até porque, quando saía,
psicoterápicos), que reproduziu o mesmo
costumava avisar à mãe. Foi perguntado se
padrão comportamental descrito no episódio
ela sempre atendia aos telefonemas dele,
do Posto de Saúde; no entanto, a
respondeu que sim. Foi averiguado se ela já
consequência dispensada pela terapeuta foi
havia pensado em não atender aos
diferenciada. Ao término de uma sessão, não
telefonemas; ela disse que, se não atendesse,
havendo mais tempo disponível para
seria uma outra fuga, e classificou sua vida
Florinda continuar falando, ela saiu do
como uma fuga. Tentou-se trabalhar a
consultório, como habitualmente ocorria, no
existência de outras alternativas; como não
entanto, sentou-se na sala de espera e pôs-se
apareceram, a terapeuta ofereceu um modelo,
a chorar, com a mão no rosto, perante todos
colocando-se no lugar da cliente. O modelo
os presentes. A terapeuta aproximou-se dela
atendia às ligações de maneira assertiva,
e disse: “O que houve? Como você está se
dando bom dia ao irmão, respondendo que já
sentindo?” Ela nada respondeu; então foi
tinha comunicado à mãe sobre o local em
reservada uma sala e realizado o convite para
que estava e, após isso, despedia-se e
direcionar-se até lá, caso precisasse. A cliente
desligava. A cliente passou a se comportar
não compareceu e, após aproximadamente 30
dessa forma diante das ligações do irmão e
minutos, retirou-se do local.
relatou que o mesmo reduziu gradativamente
O choro em público, reproduzido na sala a frequência de ligações para seu celular
de espera da clínica, exigiu manejo da quando ausentava-se de casa.
terapeuta no sentido de não reforçá-lo, pois
ele representou claramente uma forma de Favorecimento à Emissão de Novos
manipulação pela cliente para conseguir mais Comportamentos: A emissão de novos
Análise Comportamental Clínica 231

comportamentos favorece a variabilidade “Ficha de Coerência”, para quantificar, junto


comportamental e a ampliação do repertório com a cliente, a ocorrência ou não da
comportamental. Nesse sentido, o terapeuta correspondência verbal e não verbal. Foram
pode criar condições para que o cliente identificadas, no decorrer dos atendimentos,
apresente comportamentos ausentes em seu as seguintes incoerências dizerfazer:
repertório atual, capazes de produzir novas
(a) Comprometia-se a fazer caminhadas e
consequências reforçadoras. O clínico pode
autorregistros (dizer); no entanto,
utilizar-se de questionamentos, de modo a
comparecia às sessões se-
provocar o cliente a refletir e a posicionar-se
guintes sem cumprir o que havia se
sobre outras formas de comportar-se dentro
comprometido.
de alguma situação.
(b) Comprometia-se a chegar no horário,
Percebeu-se que a cliente possuía um
antecipando-se na parada de ônibus para
repertório comportamental restrito com a
pegar condução mais cedo (dizer);
presença de regras fornecidas pela mãe,
entretanto, não o fazia (fazer).
como, por exemplo, “não deixe seu noivo
(c) Em seu relato, desejava arranjar
ajudar a enxugar louças, isso é tarefa de
emprego para ajudar o noivo nos
mulher”. Solicitou-se que ela entrasse em
preparativos para o casamento (dizer),
contato com as regras e as autorregras por
mas não se habituava a deixar
meio de seu relato; foram feitos
currículos, procurar classificados, nem ir
questionamentos sobre os elementos evitados
a entrevistas (fazer).
com tal regra, sobre a participação de outras
(d) Almejava passar em um concurso
pessoas para a aquisição dessa regra; foram
(relato); no entanto, não estudava para
realizadas averiguações a respeito da
ele (fazer) e já pensava em um resultado
aplicabilidade delas em contextos diversos,
positivo.
indiscriminadamente, levando a
insensibilidade às contingências. Isso foi A “Ficha de Coerência” contribuiu para a
realizado até que ela percebesse as limitações discriminação de que havia falha na
que vivenciava ao seguir regras. Quando o correspondência dizer-fazer, e houve busca
presente trabalho foi redigido, a cliente já das prováveis respostas existentes no
conseguia perceber os benefícios do auxílio repertório da cliente que poderiam contribuir
do noivo com tarefas domésticas e para o desenvolvimento de uma maior
financeiras e não o impedia quando o mesmo coerência. A correspondência foi fortalecida
se dispunha a ajudá-la. com a mediação da terapeuta por meio do
reforço do repertório verbal diferenciado da
Favorecimento a uma Maior
cliente, para aprimorar o autoconhecimento
Correspondência Dizer-fazer (Autocontrole):
da mesma. A mediação se deu por meio de
A cliente apresentou como objetivo
questionamentos, contextualizações de
terapêutico “acabar com a depressão”, mas a
comportamentos e conferências entre
princípio apresentava incoerência dizer-fazer
elementos ditos pelo cliente que lhe eram,
relacionada a esse objetivo, pois pouco se
posteriormente, apresentados e denotavam
envolvia com a terapia, apresentava atrasos
certa incoerência verbal e não verbal. Houve
recorrentes e não cumpria tarefas.
intervenções voltadas para o
Foram registradas pela terapeuta as
desenvolvimento de repertórios de
inconsistências na correspondência dizer-
autocontrole de modo a ampliar o repertório
fazer relacionadas ao autocontrole e, depois,
verbal como um todo, fornecendo S Ds para
foi construído um material, denominado
232 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

que ela detalhasse e descrevesse melhor o chances de aprovação e ela apontou ler o
que dizia e o que lhe ocorria, de forma a edital e estudar.
contextualizar seus comportamentos. Outro aspecto trabalhado na terapia foi a
A “Ficha de Coerência” colaborou, emissão de mandos disfarçados, que
também, para a promoção de mudanças do remetiam a padrões impulsivos
repertório não verbal. A partir desse material, (comportamentos que produzem reforços
houve a negociação da substituição da imediatos, porém de menor valor),
estratégia de autorregistros diários pelo uso contrapondo-se aos autocontrolados (que
maior da sessão terapêutica como promotora envolvem a emissão de comportamentos que
de autoconhecimento. A respeito das produzem reforços atrasados, mas de maior
caminhadas, admitiu a atividade física como valor). Como exemplo de mando disfarçado
uma forma de lazer, a qual lhe ajudaria por ocorrido fora do ambiente clínico, pode-se
mantê-la um pouco fora de casa, pelo contato citar seu comentário com uma colega que
social, etc. Esse comportamento de engajar- não tinha conseguido local para a realização
se em caminhadas foi gradativamente de seu chá de panela e tal colega cedeu sua
aumentando de frequência. casa para o evento (reforçou o mando
Com relação aos atrasos, eles foram disfarçado). Na terapia, comparou a
informados à cliente com a apresentação das terapeuta anterior com a atual, para “pedir”
datas e dostempos. Ela surpreendeu-se com a que ligasse semanalmente em sua casa para
quantidade de anotações referentes à demora perguntar sobre seu estado. A terapeuta não
para chegar ao consultório e comprometeu-se foi responsiva à comparação (extinção) e fez
em pegar um ônibus mais cedo. Outra esclarecimentos sobre a terapia
estratégia utilizada consistiu em encerrar a comportamental e sobre o processo
sessão no horário previsto, mesmo que isso terapêutico.
incorresse em uma sessão menos produtiva e Além de submeter os mandos
de menor duração, de modo que Florinda disfarçados ao processo de extinção, foi feita
pudesse entrar em contato com prejuízos também, em terapia, a diferenciação, dos
decorrentes dos atrasos. A partir disso, ela pedidos diretos (mandos puros) dos
passou a chegar pontualmente nas sessões. disfarçados (mandos indiretos),
Com relação ao comportamento de proporcionado, por meio de
procurar empregos, foram investigadas as questionamentos, o contato com as situações
formas habitualmente usadas pela cliente. nas quais realizava solicitações indiretas, de
Identificou-se que se restringiam, modo a discriminá-las.
basicamente, a divulgar a colegas que estava
Análise Funcional: Fazer análise funcional
interessada em um emprego e que a
pressupõe que, diante de um comportamento,
avisassem ou a indicassem caso soubessem
são verificados os antecedentes, isto é, a
de algum. Investiu-se no estabelecimento de
ocasião em que o comportamento ocorre e as
outros comportamentos relacionados ao
consequências produzidas pelo mesmo.
emprego que aumentariam a probabilidade
Florinda chegou à terapia com algumas
de consegui-lo, tais como deixar currículos,
explicações causais de seus comportamentos,
procurar em jornais e em agências de
tais como: “sou sensível e choro muito; por
emprego e fazer concursos. A cliente fez a
isso, tenho depressão”; “esqueço as coisas
inscrição em um concurso, porém não
por causa dos remédios”. A realização de
estudou e imaginava-se com uma possível
análises funcionais favoreceu a quebra da
aprovação. Foi discutido o que aumentaria as
interpretação de certos eventos como “causas
Análise Comportamental Clínica 233

do comportamento” e houve um avanço para meio do cumprimento de seis fases


uma análise mais ampla e apurada do sequenciais, a reduzir a esquiva experiencial,
comportamento. Dessa forma, ela passou a considerada, por esse modelo, uma das
perceber a contribuição de seu comportarse principais fontes de sofrimento humano
para o curso das consequências. Boa parte (Brandão, 1999; Hayes, 1987; Hayes, 2000).
das análises funcionais dispostas na Da primeira fase (que visa promover um
formulação comportamental foi construída estado de desesperança relativa à solução do
com a cliente nos atendimentos problema identificado pelo cliente) à fase
psicoterápicos. final (que se propõe a estabelecer
Uso da Psicoterapia Analítica Funcional compromisso com os objetivos da terapia e,
(FAP): A FAP explora a análise da relação portanto, com a mudança), busca-se, em
terapeuta-cliente como estratégia prioritária suma, provocar mudanças nas tentativas de
para a promoção de mudanças no cliente controle de comportamentos que causam o
(Brandão, 2001; Kohlenberg e Tsai, problema identificado pelo cliente,
1991/2001). Tal proposta parte do favorecendo a ação criativa sobre o
pressuposto de que os comportamentos do ambiente.
cliente no contexto clínico (comportamentos- Este trabalho também não se propôs a
problema e progressos) são semelhantes aos uma intervenção baseada na Terapia de
que ocorrem em outros contextos e que Aceitação e Compromisso; contudo, foram
análise e mudança destes propiciam uma realizadas algumas análises baseadas na ACT
atuação direta sobre as contingências (e não que auxiliaram em critérios interventivos, a
sobre o relato delas), que se revertem, por fim de favorecer a mudança comportamental
meio do processo de generalização, em e o enfraquecimento da esquiva emocional.
mudanças em outros contextos. Propôs-se a aceitar a existência de alguns
Apesar de o processo descrito no eventos e buscar alternativas de lidar com
presente trabalho não se tratar de uma eles, buscando otimizar aspectos relativos à
intervenção de terapia analítico-funcional, saúde.
análises baseadas na FAP foram realizadas e, Logo nas primeiras sessões, a cliente
nesse sentido, a interação terapeuta-cliente atribuía ressentimento e culpa por não ter
foi alvo de diversas análises e intervenções. evitado os abusos. A terapeuta trabalhou de
Como exemplo, pode-se citar uma sessão na forma a apresentar textos sensibilizadores
qual a cliente relatou o comentário de um com casos de pessoas que sofreram abusos
colega de sua igreja (“Deus é maior e único sexuais, assim como ela, para sensibilizá-la
psicólogo”) e sua posição frente a ele sobre a ao fato de que eventos dolorosos como esses
importância de outros profissionais que também aconteceram com outras pessoas.
vieram a auxiliá-lo em sua “obra”; Foi enfatizado que ela não poderia mudar o
considerou-se terapêutico recorrer à FAP e que passou, que realmente era sofrido e
colocar-se como profissional da Psicologia e árduo, mas que não houve culpa, ela era
católica, dizendo que a entendia em seus muito pequena e tinha poucas formas de se
preceitos e que a terapia servia como mais defender.
um recurso para a cliente, em busca da Em vários atendimentos, quando
melhora e avanço nas questões que averiguado o que foi tratado na sessão
permeavam sua vida. anterior, na qual havia alguns conteúdos dos
abusos, a cliente respondia: “Não sei... Não
Utilização da Terapia de Aceitação e
lembro”. No entanto, após alguns
Compromisso (ACT): A ACT se propõe, por
234 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

questionamentos e investigações, ela trazia tempo em que lhe eram analisadas situações
alguns elementos. Através dessa situação, nas quais comportava-se de alguma dessas
evidenciou-se a esquiva experiencial por maneiras.
parte da mesma. A verbalização “não sei... Alguns progressos quanto à
Não lembro” não foi reforçada pela assertividade, à iniciativa e à tomada de
terapeuta, no sentido de que não era decisão, que foram alcançados com o auxílio
encerrado o assunto com essa emissão; pelo da terapia fora da clínica, foram:
contrário, instigava-se até que a mesma
(a) A cliente passou a não cobrir os
falasse sobre o que foi perguntado. No
desfalques cometidos pelo irmão
decorrer do processo psicoterápico, discutiu-
abusador e teve uma conversa com os
se esse “esquecimento” e constatou-se o
demais irmãos para fazerem uma conta
quão difícil era falar sobre isso (“Dói muito o
em separado para compra dos materiais
coração”). Foi apontada a necessidade de
de construção, sem inclusão desse
entrar em contato com essas questões, de
irmão.
modo a não haver esquiva da experiência em
(b) Decisão de morar em outro local com o
nível privado (sentimentos, pensamentos,
noivo, mesmo após uma decisão
lembranças), visando estabelecer contato
contrária da parte dos familiares de que
com o evento aversivo para construir
ela permanecesse na casa da mãe.
alternativas de mudança comportamental.
(c) Ir à casa de cada conhecido da
Treino em Assertividade: Foi utilizado como vizinhança solicitar ajuda para o chá de
recurso o treino em assertividade na terapia panela e para o casamento. A cliente
ao colocá-la em situações de escolha, como, relatou que foi à casa de vizinhos
por exemplo, quanto à preferência do ar- conhecidos, pedindo colaboração para o
condicionado ligado ou desligado, visando chá de panela e para o casamento e
desenvolver a assertividade, primeiro no entregou os convites para o evento. A
ambiente terapêutico e depois fora dele. A terapeuta pediu para que ela
princípio, respondia que aceitaria o que a representasse como realizou esses
terapeuta preferisse, denotando pedidos, os quais ocorreram como
passividade/inassertividade. Com o passar do emissão de mandos puros, representando
tempo, foi realizando pequenas escolhas, um avanço para a terapia.
dentro da sessão, por meio de um trabalho (d) Convidar a terapeuta anterior para o
progressivo que envolveu o desenvolvimento casamento e planejar a ida dela. Ao
de uma relação terapêutica reforçadora e não encontrar a antiga terapeuta, convidou-a
coercitiva. Ao emitir comportamentos de para o casamento, mas a mesma não
escolha, de iniciativa, de manifestação de sabia chegar ao local; então, a cliente
opinião e de pedidos, recebia reforços pensou em formas de auxiliá-la, como,
positivos, tendo sua solicitação atendida. por exemplo, seguindo o carro de
Além disso, foram fornecidas informações a outrem.
respeito de padrões comportamentais
privilegia seus direitos em detrimento dos interesses
passivo, agressivo e assertivo89, ao mesmo
alheios e de seus próprios deveres. O assertivo seria o
equilíbrio entre o comportamento passivo e o agressivo,
89 Comportar-se passivamente envolve receber ordens o que tem sensibilidade à mudança das pessoas e do
e, em seguida, obedecê-las, concordância às colocações ambiente, sabe dizer “sim” e “não” conforme requer a
dos outros, não defesa de seus direitos, submeter-se ao situação, pois o “não” não é para a pessoa e sim para o
que lhe é imposto. O comportamento agressivo refere-se assunto ou para a ideia que está sendo colocada em
a um padrão impositivo, questionador, controlador, que vigor no momento (Conte e Brandão, 2007).
Análise Comportamental Clínica 235

Esses trechos evidenciaram que o clínico apropriado e de reforçamento natural,


trabalho desenvolvido na terapia (treino de promove o estabelecimento de
assertividade) foi produtivo, pois a cliente comportamentos funcionais e mais
começou a discriminar a forma como se adaptativos dentro e fora da clínica.
comportava em diferentes contextos A relevância prática do estudo consistiu
passando a comportar-se de forma mais em propiciar uma autoanálise do trabalho do
assertiva. clínico, em termos de estratégias utilizadas e
CONSIDERAÇÕES FINAIS investimento das habilidades terapêuticas nas
Os objetivos específicos propostos no sessões, a fim de aprimorar o serviço
trabalho foram percorridos de modo a prestado ao indivíduo que busca o
atender às esferas diagnóstico e intervenção. atendimento. Além disso, esperava-se
Nesse sentido, foi apresentado todo o contribuir para a construção de
processo diagnóstico em Terapia conhecimento, disponibilizado através de
Comportamental, relacionando-o com os dados de pesquisa, para estudantes e
objetivos terapêuticos e com o embasamento profissionais da área de Psicologia e da
teórico em Análise do Comportamento. saúde em geral.
Explicitou-se que o sujeito age sobre o
ambiente, ao mesmo tempo em que é afetado REFERÊNCIAS
pelos resultados de suas ações, constituindo- Albuquerque, L. C. (2001). Definições de regras. Em
se assim um processo dinâmico e interativo. H. J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz
Na medida em que um indivíduo procura & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre Comportamento e
uma terapia de base analítico- Cognição: Vol. 7. Expondo a variabilidade (pp.
comportamental, o clínico atém-se às 132-140). Santo André: ESETec.
contingências presentes que atuam no Associação Americana de Psiquiatria (APA,
2002). Manual Diagnóstico e Estatístico de
comportamento do sujeito e recorre à história Transtornos Mentais (DSM-IV-TR). Porto
de aprendizagem para compreender a relação Alegre: Artmed.
entre o estabelecimento e a manutenção de Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o
determinados comportamentos. Behaviorismo: Ciência, comportamento e
No que se refere à intervenção, cultura (M. T. A. Silva, M. A. Matos, G. Y.
percebeu-se a importância da obtenção de Tomanari & E. Z. Tourinho, trads.). Porto
Alegre: Artmed.
um relato verbal apurado e coerente, visto
Barros, R. S. A. (2003). Uma introdução ao
que é este o principal instrumento de
comportamento verbal. Revista Brasileira de
trabalho do terapeuta e de acesso a Terapia Comportamental e Cognitiva, 5, 73-82.
contingências indisponíveis no contexto Beckert, M. E. (2000). Reforço de Verbalização e
clínico. Nesse sentido, o uso de algumas treino de correspondência: Efeitos sobre o
estratégias de desenvolvimento da comportamento de autocontrole. Dissertação de
correspondência verbal e não verbal torna-se mestrado não publicada, Universidade de
fundamental para o alcance de um relato Brasília, Brasília, DF.
coeso e consistente. Foi constatado, no Beckert, M. E. (2002). Correspondência: Quando o
objetivo terapêutico é o “digo o que faço e faço
trabalho, que o ambiente terapêutico é um o que digo”. Em H. J. Guilhardi, M. B. B. Madi,
local propício para a emergência de P. P. Queiroz; & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre
comportamentos “disfuncionais” encontrados Comportamento e Cognição: Vol. 9.
nos contextos externos à clínica e que a Contribuições para a construção da teoria do
sensibilidade do terapeuta para perceber comportamento (pp. 183-194). Santo André:
essas questões, utilizando-se de manejo ESETec.
236 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Beckert, M. E. (2005). Correspondência verbal/ André: ARBytes.


não verbal: Pesquisa básica e aplicações na de Rose, J. C. C. (1997). O relato verbal segundo a
clínica. Em J. Abreu-Rodrigues & M. R. perspectiva da análise do comportamento:
Ribeiro (Orgs.), Análise do comportamento: Contribuições conceituais e experimentais. Em
Pesquisa, teoria e aplicação (pp. 230-244). R. A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento e
Porto Alegre: Artmed. Cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos,
Brandão, M. Z. S (1999). Abordagem contextual na metodológicos e de formação em Análise do
clínica psicológica: Revisão da ACT e proposta Comportamento e Terapia Cognitiva (pp. 148-
de atendimento. Em R. R. Kerbauy 163). São Paulo: ARBytes.
& R. C. Wielenka (Orgs.), Sobre Ferster, C. B., Culbertson, S. & Boren, M. C.
Comportamento e Cognição: Vol. 4. Psicologia Perrot (1977/1982). Princípios do
Comportamental e Cognitiva – da reflexão comportamento (M. I. R. Silva, trad.). São
teórica à diversidade na aplicação (pp. 149- Paulo: Editora Hucitec-USP.
156). Santo André: ESETec. Hayes, S. C. (1987). A Contextual approach to
Brandão, M. Z. S. (2001). Psicoterapia analítico therapeutic change. Em N. S. Jacobson (Ed.),
funcional (FAP): Caracterização e estudo de Psychotherapists in clinical pratice: Cognitive
caso. Em H. J. Guilhardi (Org.), Sobre and behavoiral perspectives (pp. 327-387).
Comportamento e Cognição: Vol. 8. Expondo New York: Grilford Press.
variabilidade (pp. 255-261). Santo André: Hayes, S. C. (2000). Acceptance and commitment
ESETec. Therapy in the Treatment of Experiential
Castanheira, S. S. (2001). Regras e aprendizagem Avoidance Disorders. Clinician’s Research
por contingência: sempre e em todo lugar. Em Digest, Suplemental Bulletin, 22, 2-38.
H. J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001).
P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre Psicoterapia Analítica Funcional: Criando
Comportamento e Cognição: Vol. 7. Expondo relações terapêuticas e curativas (F. Conte, M.
a variabilidade (pp. 36-46). Santo André: Delitti, M. Z. da S. Brandão, P. R. Derdyk, R. R.
ESETec. Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R.
Catania, A. C., Matthews, B. A. & Shimoff, E. Starling, trads.). Santo André: ESETec.
(1982). Instructed versus shaped human Lima, E. L. T. (2004). Efeitos da história de
verbal behavior: Interactions with nonverbal reforçamento e do tipo de verbalização sobre a
respondig. Journal of the Experimental aquisição e generalização da correspondência
Analysis of Behavior, 38, 233-248. dizer-fazer. Dissertação de Mestrado não
Catania, A. C., Matthews, B. A. & Shimoff, E. publicada, Universidade de Brasília, Brasília,
(1990). Properties of rule-governed behavior DF.
and their implications. Em D. E. Blackman & Marçal, J. V. S. (2005). Estabelecendo objetivos na
H. Lejeune, Behavior Analysis in Theory and prática clínica: quais caminhos seguir? Revista
Practice: Contributions and Controversies (pp. Brasileira de Terapia Comportamental e
215-230). London: LEA Publishers. Cognitiva, 7, 231-246.
Cavalcante, S. N. & Tourinho, E. Z. (1998). Matos. M. A. (1991). As categorias formais do
Classificação e diagnóstico na clínica: comportamento verbal em Skinner. Em M. A.
possibilidades de um modelo analítico- Matos, D. das G. Souza, R. Gorayeb & V. R. L.
comportamental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Otero (Orgs.), Anais da XXI Reunião Anual de
14, 139-147. Psicologia, Ribeirão Preto, SP: SBP, 333-341.
Conte, F. C. S. & Brandão, M. Z. S. (2007). Falo? Medeiros, C. A. (2002). Comportamento verbal na
Ou não falo? Expressando sentimentos e Terapia Analítico Comportamental. Revista
comunicando ideias. Londrina: Macenas. Brasileira de Terapia Comportamental e
Delitti, M. (1997). Análise funcional: o Cognitiva, 4, 5-118.
comportamento do cliente como foco da Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Princípios
análise funcional. Em M. Delitti (Org.), Sobre Básicos da Análise do Comportamento. Porto
Comportamento e Cognição: Vol. 2. A prática Alegre: Artmed.
da Análise do Comportamento e da Terapia Nico, Y. (1999). Regras e insensibilidade: Conceitos
Cognitivo-Comportamental (pp. 37-44). Santo
Análise Comportamental Clínica 237

básicos, algumas considerações teóricas e


empíricas. Em R. R. Kerbauy & R. C.
Wielenska (Orgs.), Sobre Comportamento e
Cognição: Vol. 4. Psicologia Comportamental e
Cognitiva – da reflexão teórica à diversidade
na aplicação (pp. 31-39). Santo André:
ARBytes.
Rangé, B. & Silvares, E. F. M. (2001). Avaliação e
formulação de casos clínicos adultos e infantis.
Em B. Rangé (Org.), Psicoterapia cognitivo-
comportamental: Um diálogo com a psiquiatria
(pp. 79-100). Porto Alegre: Artmed.
Skinner, B. F. (1957/1978). O Comportamento
Verbal (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix, EDUSP.
Skinner, B. F. (1989/1991). Questões Recentes na
Análise Comportamental (A. L. Neri, trad.). São
Paulo: Papirus.
Skinner, B. F (1953/2000). Ciência e
Comportamento Humano (J. C. Todorov & R.
Azzi, trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Silvares, E. F. M. & Banaco, R. A. (2000). O estudo
de caso clínico comportamental. Em E. F. M.
Silvares (Org.), Estudos de caso em psicologia
clínica comportamental infantil – Vol. I (pp. 31-
48). Campinas: Papirus.
Tourinho, E. M. (2001). Eventos privados em uma
ciência do comportamento. Em R. A. Banaco
(Org.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol.
1. Aspectos teóricos, metodológicos e de
formação em Análise do Comportamento e
Terapia Cognitivista (pp. 172-184). Santo
André: ESETec.
O presente capítulo pretende, sob
orientação da Análise
Comportamental Clínica, discutir questões
e não somente aos estímulos aversivos2 que
os geram, ocorrem com frequência nas
sessões terapêuticas. O contato com os
relacionadas à emissão de comportamentos estímulos aversivos e os sentimentos
de fuga e esquiva, por parte do cliente, associados a eles mostra-se imprescindível
durante as sessões terapêuticas, bem como durante o processo terapêutico, já que os
apontar possíveis estratégias clínicas e clientes procuram na terapia solução para o
importantes cuidados a serem tomados em que era sofrimento em sua vida.
tais situações.
Geralmente, as pessoas procuram terapia
O COMPORTAMENTO DE ESQUIVA E
quando estão apresentando dificuldades em
resolver problemas ou em função daquilo O PADRÃO DE ESQUIVA
que estão sentindo, do seu “sofrimento”. Ao EXPERIENCIAL
falar desse “sofrimento”, o cliente relata seus Hayes (1987) apresentou o conceito de
eventos privados, considerando-os como esquiva experiencial a partir da afirmação de
problemas ou como causa de seus que a comunidade verbal estabelece regras,
problemas. Segundo Santos e Tourinho tais como “para se ter uma vida bem-
(2000), na cultura ocidental, explicações sucedida, é necessário ter pensamentos e
“internalistas” para o comportamento são sentimentos positivos; assim, o controle
legitimadas pela comunidade, que modela e emocional e cognitivo é o melhor caminho
privilegia verbalizações desse tipo. para alcançar tal objetivo”. Ignora-se,
Hayes (1987) afirma que os clientes portanto, a condição humana e suas
procuram na terapia ajuda para a aquisição experiências inerentes: o contato com
de um repertório mais eficaz de fuga-esquiva estimulação aversiva e os sentimentos
daquilo que eles acreditam ser o seu associados a esse contato (angústia,
problema ou a causa dos seus problemas: os ansiedade e medo).
eventos privados relacionados a eventos A esquiva experiencial ocorre quando
aversivos. Kohlenberg e Tsai (1991/2001) eventos privados passam a ser alvos de
concordam ao afirmar que os clientes controle verbal, devido à bidirecionalidade
frequentemente buscam a terapia como meio da linguagem humana. Quando as
para se livrarem de sentimentos associados à experiências privadas são produtos de even-
estimulação aversiva.
Assim, comportamentos de fuga e 1
Agradeço à amiga Ana Karina Curado Rangel
esquiva dirigidos a esses eventos privados, de-Farias pela valiosa revisão do presente trabalho.
2
Estímulos aversivos podem também ser
Capítulo 11 denomina-dos “reforçadores negativos” ou “punidores”.
tos traumáticos, a pessoa passa a evitar as
primeiras para não entrar em contato com os
Esquiva Experiencial últimos. Uma mudança verbalmente
direcionada pode produzir resultados
na Relação paradoxais que só intensificam o sofrimento
humano (Hayes, 2000).
Terapêutica Em suma, o contexto cultural estabelece
que sentimentos e emoções como tristeza,
1 angústia e ansiedade devem ser evitados. Essa
Andréa Dutra visão é contrária à filosofia behaviorista
Análise Comportamental Clínica 239

radical. Além disso, quando a pessoa evita operante, e os estímulos envolvidos também
entrar em contato com suas emoções, ela exercem funções antecedentes que afetam o
perde os benefícios do autoconhecimento, comportamento por meio dos processos de
visto que as emoções sinalizam o tipo de eliciação, de indução e de modulação
contingência em operação. (Hineline, 1984, citado por Cameschi e Abreu-
A partir do contato do indivíduo com a Rodrigues, 2005). Esses processos incluem
comunidade verbal, os eventos privados são efeitos emocionais que, quando resultantes do
verbalmente elaborados e não simplesmente controle aversivo, têm implicações clínicas
descobertos e discriminados. Em outras extensas, pois, como já mencionado, surgem
palavras, o autoconhecimento é um produto como os motivos centrais das queixas das
social, resultado da exposição a pessoas.
contingências sociais. As emoções adquirem Para distinguir o comportamento de
funções de eventos organizados em quadros esquiva do comportamento de fuga, Catania
relacionais, sendo construídas e relacionadas afirma: “fugimos de circunstâncias aversivas
a demais eventos, de modo que as emoções presentes, mas nos esquivamos de
adquirem funções motivacionais e circunstâncias potencialmente aversivas que
discriminativas para a fuga e a esquiva ainda não ocorreram” (1998/1999, p. 117). A
(Hayes, 1987). diferença central então está no fato de que, na
Percebe-se que parte do processo que contingência de fuga, o estímulo aversivo está
auxiliaria na instalação do repertório de presente, já o mesmo não ocorre na
autoconhecimento proporciona também a contingência de esquiva.
autodecepção e a esquiva das próprias Uma pessoa esquiva-se de um estímulo
reações aos estímulos aversivos, e não aversivo quando emite um comportamento que
somente a fuga dos estímulos aversivos em impede ou retarda a ocorrência desse estímulo.
si. Organismos não humanos esquivam de No comportamento humano, a maior parte do
estímulos aversivos (por exemplo, o controle aversivo tende a ser exercida por
choque); já os humanos, seres verbais, estímulos aversivos condicionados90 (ou
esquivam de suas próprias reações aos estímulos pré-aversivos), isto é, estímulos que
estímulos aversivos, e esse processo ocorre precedem o evento aversivo em si. Esse desvio
graças à capacidade de elaborar e relacionar de controle para os estímulos aversivos
eventos verbalmente (Hayes, 2000). condicionados ocorre pelo fato de que a maior
Assim sendo, as pessoas geralmente parte do controle aversivo é previsível na
atribuem a causa da esquiva aos sentimentos, sociedade (Ferster, Culbertson e Boren Perrot,
mas essa associação é equivocada, já que 1977).
tanto o comportamento de esquiva quanto os Como pode a ausência de um evento afetar
sentimentos são evocados pelos mesmos o comportamento de uma pessoa? Essa
estímulos aversivos. De acordo com questão, chamada paradoxo da esquiva,
Cameschi e Abreu-Rodrigues (2005), as segundo Cameschi (1997), gera grandes
condições corporais sentidas, as observações controvérsias. Na tentativa de explicar o
introspectivas e os comportamentos públicos paradoxo, importantes estudos foram
alteram-se devido não aos sentimentos, mas realizados dentro de três linhas gerais de
às contingências aversivas que são causas pensamento: a Teoria Bi-fatorial (Mowrer,
comuns da condição sentida, das mudanças 1947, citado por Cameschi,
nos sentimentos e no comportamento.
As contingências de reforço e punição 90 O termo “condicionado”, frequentemente usado no
presente texto, é sinônimo de aprendido por meio da
desenvolvem e mantêm o repertório
relação organismo-ambiente.
240 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

1997), a Teoria Operante (Herrnstein e (1977) e Todorov e Cameschi (1990), conclui


Hineline, 1966, citado por Cameschi, 1997) que os eventos aversivos induzem ou eliciam
e a Teoria Cognitiva (Dinsmoor, 1977, citado certas classes de respostas específicas da
por Cameschi, 1997). Cameschi esclarece espécie. Algumas dessas respostas, ao
que o cerne das controvérsias incluídas nessa produzirem mudanças no meio, tornam-se
discussão está entre a observação e a operantes selecionados pelas consequências
descrição dos eventos envolvidos. A análise reforçadoras programadas. Essas respostas
operante relaciona a não ocorrência de um podem também tornar-se operantes como
evento à história de interação do organismo resultado de processos de reforço acidental (ou
com situações semelhantes, isto é, devido à seja, na ausência de consequências
sua história de reforço e punição, sem programadas), dependendo da distribuição
precisar recorrer a entidades (cognitivas ou temporal das respostas em relação aos eventos
mentais) para explicar o comportamento de aversivos.
fuga e/ou esquiva. O comportamento de esquiva é
O comportamento de esquiva pode ser particularmente susceptível ao reforço
explicado a partir do conceito de reforço acidental, pois é reforçado quando o estímulo
negativo condicionado. Estímulos aversivo não ocorre e a não ocorrência do
previamente neutros, ao serem emparelhados estímulo aversivo (que poderia ser explicada
a estímulos aversivos, tornam-se por vários outros processos, e não pela resposta
condicionados. Portanto, os estímulos de esquiva) fará com que esse tipo de
anteriormente neutros tornam-se responder seja mantido. Esse tipo de responder
reforçadores negativos condicionados, e pode ser persistente mesmo depois de uma
qualquer ação que os reduza é reforçada longa história, ou seja, a extinção dessa
através de condicionamento operante. Tendo resposta pode ser lenta (Catania, 1998/1999).
em vista que os estímulos aversivos Hineline (1981, citado por Cameschi,
condicionados e incondicionados são 1997) entende que sequências de estímulos
separados por um intervalo de tempo, o aversivos também exercem funções
organismo emite uma resposta antes que o discriminativas, isto é, dependendo da situação,
estímulo incondicionado esteja presente, o um choque pode ser sinal de que outros virão.
que configura essa resposta como esquiva Portanto, o processo de extinção pode ser mais
(Skinner, 1953/2000). Um exemplo simples prolongado ao envolver também a extinção de
pode facilitar o entendimento desse conceito. propriedades discriminativas dos estímulos
A testa franzida do pai é um estímulo neutro aversivos primários ou condicionados
para a criança inexperiente, ou seja, não (Cameschi, 1997).
elicia emoções. A partir de emparelhamentos Frequentemente, as pessoas procuram
entre testa franzida e fortes palmadas, a identificar os estímulos aversivos
simples observação da testa franzida pode condicionados nas situações em que eles
eliciar respostas condicionadas. A criança sinalizam o aparecimento de um evento
pode, então, emitir alguma resposta que aversivo para, assim, evitá-los. A explicação do
retire a presença do pai (ou de sua testa comportamento de esquiva, segundo Garcia
franzida), antes que as palmadas apareçam. (2004), não pode estar dirigida para o futuro.
Emitir resposta na presença das palmadas é Suas consequências estão no passado e no
denominado fuga, enquanto emitir respostas presente. Uma possibilidade de mudança da
antes que as palmadas surjam, evitando-as, resposta de esquiva pode ser encontrada ao
consiste no que denominamos esquiva. mudarmos a probabilidade dos eventos
Cameschi (1997), citando Hineline ambientais que passam a ser indicadores de
Análise Comportamental Clínica 241

uma situação aversiva. apresentando produtos comportamentais


A esquiva tem um papel importante na resultantes da exposição a contingências
psicopatologia, como na Agorafobia ou no aversivas ao longo de suas histórias de
Transtorno de Estresse Pós-traumático, pois reforçamento. Na literatura, constata-se o
o cliente tipicamente se esquiva de certas interesse na compreensão do efeito de tais
situações ou estímulos ameaçadores. Ocorre contingências sobre o repertório
um efeito alienante, já que a pessoa deixa decomportamental do cliente. No entanto, o
entrar em contato com parte da realidade. mesmo interesse não é tão frequente no estudo
Pode-se dizer que o comportamento de da ocorrência e no manejo de contingências
esquiva é mantido, também, porque a pessoa aversivas no processo terapêutico,
recusa-se a verificar a realidade através do contingências essas que evocam
contato com os eventos ameaçadores. comportamentos de fuga-esquiva por parte do
Para Kohlenberg e Tsai (1991/2001), a cliente nas sessões terapêuticas.
esquiva emocional ocorre quando respostas Cameschi e Abreu-Rodrigues (2005), ao
emocionais tornaram-se aversivas devido a concluírem que a relação terapeuta-cliente está
uma história de punição. Novamente, esses sujeita ao controle aversivo, como qualquer
autores enfatizam que sentimentos,outro relacionamento interpessoal, fazem um
pensamentos e lembranças não causam a resumo de como o controle aversivo esteve e
esquiva em si – a história de punição é que está presente em vários enfoques da Terapia
causa esse padrão comportamental, assim Comportamental. O objetivo dos autores com
como causa as emoções aversivas. A esquiva esse levantamento foi justificar a importância
emocional é obtida por meio de contatos de investigações sistemáticas sobre o papel de
reduzidos com variáveis de controle para os contingências aversivas na relação terapêutica.
comportamentos clinicamente relevantes Na chamada Terapia Comportamental
(CRBs), o que, por sua vez, também reduz a Clássica, as técnicas comportamentais
oportunidade para a aquisição de novos aversivas, como a inundação, a implosão, a
comportamentos. sensitização encoberta e a punição contingente,
Cordova e Kohlenberg (1994) apontam foram bastante usadas, principalmente nas
as principais consequências dodécadas de 1960 e 1970. A popularidade das
comportamento de esquiva: perda de contato mesmas declinou consideravelmente nos
com reforçadores positivos, acarretando em últimos 30 anos, apesar de a literatura apontar
déficits comportamentais; ausência dos evidências de eficácia de tais técnicas. A
sentimentos positivos decorrentes do contato Terapia Comportamental sofreu e continua
com novas situações; recorrência de sofrendo muitas críticas devido à aplicação de
respostas emocionais ou sentimentos técnicas aversivas. Entre elas, a de que é uma
negativos; aumento do potencial aversivo da terapia focal e tecnicista. Os estudos sobre os
situação evitada; e generalização de efeitos indesejáveis da punição sobre os
respostas emocionais para outras situações, organismos levaram a discussões éticas e
objetos ou pessoas. reduziram drasticamente a investigação sobre o
tema. A repercussão da abordagem
construcional de Goldiamond (1974) também
O CONTROLE AVERSIVO NO
contribuiu para o desuso de técnicas aversivas.
CONTEXTO TERAPÊUTICO O foco da proposta construcionista é a
O estudo do controle aversivo é de extrema construção de repertórios mais produtivos,
importância para a aplicação clínica, já que opondo-se à postura dominante de que o
os clientes chegam ao consultório empenho deveria estar na eliminação de
242 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

comportamentosproblema. identificação de comportamentos clinicamente


Por fim, Cameschi e Abreu-Rodrigues relevantes (CRBs), que inclui tanto os
(2005) apontam que, desde 1980, ocorre o “comportamentos-problema” como os
crescente interesse na relação comportamentos finais desejados. São três
terapeutacliente como o principal meio de se tipos de comportamentos clinicamente
realizar mudanças no contexto clínico. As relevantes (CRBs). O CRB 1 refere-se a
propostas de Hayes, Strosahl e Wilson exemplos de comportamentos-problema
(1999) – a Terapia da Aceitação e apresentados pelo cliente, que devem ter sua
Compromisso (ACT) – e de Kohlenberg e frequência diminuída ao longo da terapia. Os
Tsai (1991/2001) – a Psicoterapia Analítica CRBs 2 são os progressos do cliente que
Funcional (FAP) – enfatizam o papel da ocorrem durante as sessões terapêuticas, sendo
relação terapêutica. objetivo terapêutico aumentar sua frequência.
A ACT e a FAP priorizam o emprego de Por fim, os CRBs 3 são as interpretações dadas
estratégias positivamente reforçadoras na pelo próprio cliente sobre o seu
prática clínica, mas ainda assim não estão comportamento. As interpretações envolvem
livres do controle aversivo na relação relações funcionais estabelecidas pelo cliente
terapeuta-cliente (Cameschi e entre seus comportamentos e o ambiente,
AbreuRodrigues, 2005). Tanto Hayes e interpretações e descrições de seus
colaboradores (1999) quanto Kohlenberg e comportamentos, bem como a equivalência
Tsai (1991/2001) afirmam que muitos funcional, que indica semelhanças entre o que
comportamentos problemáticos que o cliente ocorre na sessão e na vida diária. O esperado é
emite no contexto terapêutico referem-se a que, ao longo da terapia, o cliente adquira cada
comportamentos de fugaesquiva. As duas vez mais explicações funcionalistas e refinadas
propostas são direcionadas à promoção de do seu próprio comportamento (Kohlenberg e
aceitação, isto é, à redução da esquiva Tsai, 1991/2001).
experiencial e ao aumento da tolerância Comportamentos clinicamente relevantes
emocional no contexto terapêutico. podem, muitas vezes, se referir a respostas
A ACT e a FAP91 são psicoterapias que emocionais do cliente durante as sessões, que
têm entre seus objetivos tratar a esquiva ocorrem por meio da disposição de condições
emocional a partir da promoção da aceitação. que as eliciem e as evoquem, sendo
As propostas divergem no que se refere aos consequenciadas positivamente pelo terapeuta.
procedimentos terapêuticos empregados Quando o comportamento-problema (CRB
durante as sessões. Na ACT, o contato com 1) é identificado e descrito pelo terapeuta, o
as emoções, até então evitado, ocorre a partir cliente entra em contato com a situação
da utilização de metáforas e do aversiva, bem como com as emoções produtos
enfraquecimento do controle verbal, a fim de dessas contingências aversivas. Por isso,
alterar as funções de estímulos desses Cameschi e AbreuRodrigues (2005) afirmam
eventos privados e estabelecer condições que que evocar comportamentos-problema pode ser
ajudem a conscientizar o cliente de que suas considerado um procedimento aversivo. Pode-
emoções são produtos de contingências se constatar que a promoção de aceitação inclui
ambientais. estratégias aversivas no que se refere ao
Já na FAP, a principal ferramenta é a procedimento de bloqueio da esquiva.

91 Não é objetivo do presente capítulo descrever


completamente as recomendações da FAP e da ACT.
Para um maior detalhamento, sugere-se ao leitor
consultar as referências já citadas.
Análise Comportamental Clínica 243

PROCEDIMENTO DE BLOQUEIO DO Uma descrição do


comportamentoproblema do cliente e das
COMPORTAMENTO DE ESQUIVA
variáveis de controle, baseada em um evento
De acordo com a ACT e a FAP, a ausência de
que ocorra durante a sessão, é apontada, por
expressão emocional nas sessões
Cordova e Kohlenberg (1994), como mais
terapêuticas indica que o mesmo padrão
benéfico do que se basear apenas no
pode ocorrer na vida cotidiana do cliente.
comportamento que ocorre fora da sessão.
Assim, o foco do processo terapêutico recai
Uma das possibilidades para focar no
sobre experiências e lembranças mais
comportamento de esquiva do cliente durante
aversivas dos clientes, justamente aquelas
uma sessão é seguir a “Regra 5” proposta pela
evocadas por situações em que o cliente
FAP, que se refere ao empenho do terapeuta em
empenha em esquivar-se. A expressão de
fornecer interpretações de variáveis que afetam
emoções por parte do cliente durante as
o comportamento do cliente. O seguimento de
sessões serve como um indicador de que o
tal regra resultará então em modelar no cliente
cliente está em contato com variáveis de
um repertório verbal funcionalista, isto é, de
controle que eliciam emoções.
identificação das variáveis de controle
A FAP propõe sugestões de trabalho, em
envolvidas no comportamento de esquiva. Tal
forma de regras, que resultariam em efeitos
estratégia também favorece o aumento da
reforçadores para o terapeuta quando
tolerância emocional ou, ao menos, o aumento
aplicadas. Tais regras visam uma melhor
da consciência do cliente. Para os autores da
utilização e identificação de oportunidades
FAP, quando o terapeuta dispõe estímulos que
de intervenção terapêutica. A “Regra 1”
visem o aumento da consciência do cliente
refere-se à recomendação de prestar atenção
acerca do próprio comportamento de esquiva, o
à ocorrência dos CRBs. Assim o terapeuta
procedimento de bloqueio da esquiva está
terá maior probabilidade de reagir
sendo utilizado.
naturalmente a tais comportamentos,
Em contato com as variáveis das quais seu
reforçando, extinguindo ou punindo-os,
comportamento é função, o cliente pode
conforme o tipo de CRB.
apresentar comportamentos que caracterizam
A “Regra 2”, por sua vez, consiste em
fuga ou esquiva. O terapeuta, funcionando
evocar CRB 1. Em outras palavras, refere-se
como comunidade verbal, não deve reforçar o
ao esforço consciente do terapeuta em dispor
padrão de esquiva do cliente e sim enfraquecê-
estímulos que evoquem tais
lo, para benefício do cliente. No entanto, não é
comportamentos, e, como já mencionado, a
uma tarefa fácil e simples, mas, sim, arriscada,
esquiva emocional muitas vezes é um
já que envolve o sofrimento do cliente.
importante CRB 1.
O procedimento de bloquear o
Kohlenberg e Tsai (1991/2001)
comportamento de esquiva do cliente é
relacionam comportamentos de esquiva, que
sugerido explicitamente pela FAP e pela ACT,
ocorrem frequentemente na terapia, a CRBs
pois provê oportunidades de aprendizagem,
1. A sugestão dos autores é o questionamento
limita o próprio comportamento de esquiva,
contínuo do terapeuta: “O que esta resposta
favorece o contato crescente com as variáveis
consegue evitar?”. É difícil identificar a
de controle e enfraquece o controle
esquiva, pois a situação aversiva pode ser
instrucional. Para tanto, é necessário:
extremamente idiossincrática; daí a
importância da formulação de hipóteses. 1. Reapresentar o estímulo aversivo.
Muitas variáveis controladoras tornam-se 2. Focar-se nos comportamentos de fuga-
sutis devido aos efeitos do condicionamento esquiva em que o cliente está evitando o
aversivo.
244 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

contato com as emoções. aversivo) do que no passado para o cliente e,


3. Focar-se na emoção do cliente, em consequência, a previsão é que ocorrerá
relacionando a similaridade funcional também uma melhora significativa no
entre a terapia e a vida cotidiana. repertório de enfrentamento do cliente.
4. Pedir para o cliente observar atentamente Já a ênfase dada pela ACT é de que, quanto
o que ele está fazendo agora para impedir mais tempo o cliente experienciar os eventos
a si mesmo de sentir algo. privados, produzidos por estimulação aversiva,
sem avaliação verbal, julgamento, culpa e sem
Os passos do procedimento de bloqueio a tentativa de controlá-los, mais esses mesmos
de esquiva têm caráter nitidamente aversivo, eventos adquirirão outras funções de estímulo e
estabelecendo condições que geram e serão menos ameaçadores para os clientes.
intensificam o sofrimento, sendo sua A esquiva emocional pode ser observada e
implementação justificável em função de sua sinalizada pelo terapeuta quando coloca o
relevância para a aceitação de cliente em contato com a situação aversiva e
comportamentos e de emoções aversivas, com o sentimento que ela produz. De acordo
promovendo a análise funcional da situação- com Brandão e colaboradores (2006), é nesse
problema e a aprendizagem de momento que se considera de extrema
comportamentos mais efetivos (Brandão, importância que o cliente, sem poder se
Menezes, Jacovozzi, Simomura, Bitencourt, esquivar da situação e do sentimento, possa
Rocha e Santana, 2006). aprender a tolerar suas próprias reações
A posição da FAP, segundo a qual a emocionais. Vale ressaltar que embora esses
resposta do terapeuta a demonstrações de comportamentos de esquiva sejam funcionais
emoção do cliente deverá ser naturalmente na remoção do estímulo aversivo, em certas
reforçadora, mostra-se bem coerente com circunstâncias tais eventos aversivos motivam
tudo que já foi mencionado até aqui comportamentos que geram mais problemas do
(Kohlenberg e Tsai, 1991/2001). Para tanto, que resolvem.
o próprio terapeuta deveria ter um repertório Kohlenberg e Tsai (1991/2001) não
de expressão emocional, bem como saber recomendam bloquear todas as respostas de
tolerar demonstrações emocionais de outras fuga/esquiva, porque o bloqueio funciona
pessoas. Profissionais com tal repertório como controle aversivo e isso acarreta todos os
deficiente não conseguirão, provavelmente, efeitos indesejáveis a ele associados. Dessa
dispor condições favoráveis para expressão forma, deveria ser aplicado com moderação em
emocional com aqueles clientes que um contexto baseado primordialmente no
requeiram contatos gradativamente maiores reforço positivo, levando em consideração o
com estímulos que evoquem respostas grau de tolerância do cliente aos estímulos
emocionais. aversivos. Além disso, o reforçamento positivo,
As recomendações da FAP são baseadas resultante do novo comportamento que se
na principal premissa dessa terapia de que a desenvolve após a aversividade inicial gerada
relação terapêutica fornece uma pelo bloqueio de esquiva, acaba por facilitar o
oportunidade de enfraquecer o padrão de aumento da tolerância.
esquiva do cliente por meio do contato No contexto clínico, o emprego de
repetido com os estímulos evocativos, estimulação aversiva pode gerar esquiva da
principalmente quando a estimulação terapia, bem como agressividade em geral ou
aversiva refere-se a contatos interpessoais. O substituição do comportamento produtivo por
esperado é que a atuação do terapeuta leve a fuga/esquiva. Dessa forma, em conformidade
um resultado mais positivo e ameno (menos com a proposta behaviorista radical, que se
Análise Comportamental Clínica 245

opõe ao uso da punição, os estímulos sentido de aprender a tolerar esses sentimentos.


aversivos somente deveriam ser utilizados De acordo com Cordova e Kohlenberg
quando procedimentos que envolvam (1994), a tolerância dos sentimentos é definida
reforçamento positivo forem aplicados e como permanecer em contato com os estímulos
mostrarem-se ineficazes. aversivos sem a apresentação de
Quando o uso de controle aversivo é comportamentos de fuga, esquiva ou ataque;
recomendado na terapia? Essa questão exatamente o efeito esperado no procedimento
envolve um grande conflito para o terapeuta de bloqueio da esquiva. Pode-se então concluir
comportamental clínico, e a consideração da que a promoção da aceitação é conseguida a
premissa básica de que o processo partir do bloqueio dos comportamentos de
terapêutico existe para o benefício do cliente esquiva do cliente na terapia.
mostra-se como meio para solucionar tal Cordova e Jacobson (1999), na Terapia
conflito. Já que o terapeuta estará avaliando Comportamental de Casal Integrativa,
o tempo todo o repertório atual do cliente e o empregam técnicas de promoção de aceitação,
nível de tolerância do mesmo, a aplicação do visto que essas técnicas promovem contato
processo de modelagem encaixa-se com as contingências naturais, evitando o
perfeitamente, pois a tolerância emocional controle verbal. A estimulação aversiva refere-
pode ser programada e seus procedimentos se a eventos públicos, embora as pessoas
aplicados de forma gradual e gradativa. geralmente não tenham consciência da origem
TOLERÂNCIA EMOCIONAL pública de seus sentimentos, focalizando-se
As psicoterapias de Kohlenberg e Tsai e a de exclusivamente sobre seus efeitos privados. O
Hayes são orientadas para a promoção de efeito do controle verbal sobre o
aceitação. De acordo com Cordova e comportamento privado é diferente do seu
Kohlenberg (1994), a promoção de efeito produzido no comportamento público e,
tolerância emocional está diretamente nesse contexto, a aceitação é destinada a ter
relacionada ao sucesso terapêutico com efeito sobre a experiência privada.
certos clientes. Percebe-se que clientes que Comportamentos de esquiva, fuga ou
apresentam esquiva experiencial são, ataque têm efeitos distintos quando
particularmente, beneficiados com as direcionados a estímulos públicos ou privados.
técnicas de aceitação. Quando direcionados a estímulos privados,
Aceitação refere-se à tolerância às envolvem ataques ao “eu”, como
emoções evocadas por estímulos aversivos. autorrepugnância, autocrítica e até mesmo
Na presença de estimulação aversiva, a suicídio (Cordova e Kohlenberg, 1994). Daí a
pessoa frequentemente sente emoções importância de reduzir a culpa por meio da
intensas e/ou apresenta resposta de esquiva, substituição de explicações de julgamento por
fuga ou ataque. Quando a apresenta ambos, a explicações funcionalistas.
pessoa provavelmente consegue dizer por De acordo com os princípios da FAP, a
quais razões ela evita: em contato com tais tolerância emocional é obtida através das
emoções, sente-se ameaçada, vulnerável e experiências do cliente durante a sessão
invadida. Nesse momento, vem a crença terapêutica e, para isso, o foco na relação
ilusória de que as emoções são causas, são os interpessoal naturalmente leva a experiências
problemas em si (Cordova e Kohlenberg, necessárias para a promoção da aceitação.
1994). Cordova e Kohlenberg (1994) apontam três
Quando o cliente tem acesso aos caminhos para promovê-la:
sentimentos evocados pelo estímulo a) encorajamento da auto-observa-ção;
aversivo, deve-se promover aceitação no
246 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

b) redução da autoculpa; avaliação e tentativas de mudá-los ou controlá-


c) experiências de respostas emocio-nais los. Trata-se da redução do sofrimento através
durante as sessões terapêuticas. da exposição à emoção numa atmosfera
acrítica.
Comportamentos de auto-observação são
A disposição de interpretações de não
CRBs 3. O terapeuta, seguindo as Regras 4 e
censura e julgamento ao cliente é fundamental
5 da FAP, treinará em seus clientes a auto-
na promoção de tolerância emocional. Como
observação. Tais regras referem-se,
afirma Hayes (1987), as pessoas dão nomes a
respectivamente, ao terapeuta observar o
seus sentimentos, classificando-os. Esses
impacto dos seus próprios comportamentos
rótulos não promovem mudança, mas sim
sobre o cliente e dispor estímulos
autocensura e, consequentemente, a dificuldade
discriminativos para o cliente adquirir o
para aceitar os sentimentos evocados por
repertório de discriminação das relações
situações aversivas e culpa por sentir-se de tal
funcionais entre as variáveis que controlam
forma.
os CRBs, como já mencionado (Kohlenberg
De acordo com os princípios da FAP,
e Tsai, 1991/2001). A partir dessas regras, o
quanto mais o cliente permanecer em situações
terapeuta irá fornecer explicações e
insuportáveis, mais oportunidades ele terá para
interpretações funcionais baseadas na
aprender a comportar-se nessas situações mais
história de vida do cliente, evitando assim
eficazmente.
julgamentos negativos e ataques ao “eu”.
A auto-observação e a redução da culpa
Tanto a FAP como a ACT propõem que
são efetivamente aprendidas por meio da
os clientes sejam ajudados a tolerar emoções
focalização da relação terapeuta-cliente. Do
aversivas, focalizando suas próprias reações
mesmo modo, para a tolerância emocional ser
enquanto elas ocorrem. Também são
promovida, emoções evocadas pelo estímulo
ensinados a perceber o que eles fazem em
aversivo devem ocorrer durante a sessão
resposta a seus sentimentos e a fornecer
terapêutica, sendo observadas por ambos e
explicações para essas reações, sem julgá-las
interpretadas sem julgamento. Os terapeutas
nem julgarem-se. Esse procedimento é
devem encorajar e reforçar tais reações
suficiente para mudar o contexto de
emocionais (Cordova e Kohlenberg, 1994).
intolerância para o de tolerância, aceitação e
O sucesso da tolerância emocional é
mudança. É evidente a diferença entre reagir
medido pelo grau em que o cliente pode
e observar, ao ponto de permitir outros
aprender a experienciar esses sentimentos sem
comportamentos.
fugir da terapia ou atacar o terapeuta. Assim, a
Linehan e Kehrer (1999), em seu
ausência de respostas emocionais durante a
trabalho com borderlines, desenvolvem
sessão indicaria ao terapeuta que a terapia não
aceitação com esses clientes, no sentido de
está encaminhando como efetivamente deveria.
aumentar a tolerância ao sofrimento:
Os três caminhos propostos – auto-
“observar, descrever, participar
observação, redução da culpa e experiência de
espontaneamente, ter uma postura acrítica,
reações emocionais durante a sessão –
ter uma consciência concentrada e foco na
promovem a aceitação, no sentido de fazer o
eficiência” (p. 445) são formas de aprender a
cliente entrar em contato com emoções até
suportar o sofrimento com habilidade. Essas
então intoleráveis, obtendo vários benefícios,
habilidades de tolerância ao sofrimento
incluindo o contato com novos reforçadores,
representam a capacidade para experimentar
aumento da variabilidade comportamental e a
e observar seus próprios pensamentos,
redução da aversividade do estímulo.
emoções e comportamentos públicos sem
Cordova e Kohlenberg (1994) apontam
Análise Comportamental Clínica 247

para um conceito similar ao de aceitação, por não estar suportando mais e tinha resolvido
que é o de rendição. A promoção da “pôr fim a todo o sofrimento”.
aceitação refere-se ao abandono da luta de Marisa dedicava todo seu tempo aos
mudar coisas que não podem ser mudadas. cuidados da casa, do marido e dos filhos.
Quando o cliente luta com seus eventos Apresentava características obsessivas
privados, ele terá mais danos do que bens. relevantes relacionadas à limpeza da casa e à
Linehan e Kehrer (1999), direcionam suas alimentação da família. Tinha uma empregada,
intervenções com o objetivo de ajudar seus mas ainda assim gastava muito tempo com os
clientes a renderem-se a essa luta. Render-se, cuidados da casa e somente ela fazia as
nesse contexto, é um CRB 2, um exemplo de refeições da família. Constatou-se uma vida
comportamento produtivo para o cliente, social bastante restrita, com contatos
principalmente quando lutar com um esporádicos com colegas de trabalho do marido
problema leva à esquiva do seu próprio que, por sua vez, era um homem bem-
mundo privado. Entretanto, rendição para sucedido, com uma carga horária de 12 horas
algumas pessoas pode ser uma estratégia que diárias e muitas viagens a trabalho.
elas têm adotado como conduta em situações Era uma mãe e uma patroa exigente no que
aversivas em que assertividade, honestidade se referia aos comportamentos de higiene e de
e expressão seriam mais produtivas. Em tais estudo. A relação com os filhos era considerada
casos, rendição seria um CRB 1. “boa” por ela, com exceção do filho mais velho
A seguir, será ilustrado o caso de Marisa que era muito distante (ambos evitavam o
(nome fictício), que procurou terapia contato físico e verbal). A relação com o
apresentando muito sofrimento e uma marido era apontada como satisfatória. Marisa
dificuldade em relatar o que estava gerando expressava muita admiração pelo marido.
tal sofrimento. A cliente foi categórica ao afirmar que o
único evento que gerava sofrimento atualmente
QUANDO O CONTATO COM era a distância do filho mais velho e a própria
dificuldade de se aproximar do mesmo. Ao ser
CONTINGÊNCIAS AVERSIVAS questionada sobre eventos do passado, Marisa
HISTÓRICAS LEVA A UMA LUTA afirmava não conseguir relatá-los, o que
PESSOAL: UM CASO QUE ILUSTRA O indicava uma aversividade importante desses
PADRÃO DE ESQUIVA EXPERIENCIAL eventos. Na quinta sessão, a cliente apresentou
Marisa, 48 anos (idade aproximada), dona de muita resistência em falar do seu passado e
casa, casada há 23 anos, três filhos. A queixa muito sofrimento; ficou por minutos chorando
inicial foi assim expressa: “Sinto-me um e a terapeuta ficou em silêncio, optando em não
monstro, uma pessoa estranha e diferente de bloquear a esquiva naquele momento.
todas as outras”. Sentia e pensava muitas As próximas três sessões seguiram com a
coisas terríveis; achava-se uma “farsa no relação de Marisa com o filho mais velho
mundo”, já que todos imaginavam que ela sendo o tema principal. Nessas ocasiões, foi
fosse uma mulher muito feliz, pois “tenho observado pela cliente e pela terapeuta o
um marido maravilhoso (bom pai, bem- quanto ela foi uma mãe exigente e punitiva
sucedido e carinhoso), recursos financeiros e com esse filho, o que gerou tal distanciamento.
filhos inteligentes. No entanto, sinto-me um Tal constatação gerou alívio, já que Marisa
monstro, não merecedora de tudo isso, muito ficou sensível à sua forma de se comportar com
angustiada e infeliz”. Afirmou que não seria seu filho e expressou a motivação em mudar a
fácil confiar na terapeuta, pois esperava forma de tratá-lo.
sempre o pior das pessoas. Procurou ajuda Na nona sessão, a terapeuta perguntou
248 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

sobre os pais da cliente e, nesse momento, ao repertório atual da cliente.


Marisa começou a chorar copiosamente. Algumas estratégias para favorecer o
Priorizando contatos graduais com os contato com os estímulos eliciadores e
eventos aversivos, a terapeuta novamente evocadores das emoções aversivas, produzidas
ficou em silêncio e não reapresentou o pelo contato com a história de vida da cliente,
estímulo aversivo (a pergunta). A terapeuta foram utilizadas a partir da décima sessão.
empenhou-se em validar o sofrimento com Pode-se citar, por exemplo, apresentação e
falas de apoio, a fim de estabelecer um discussão de fotos. A terapeuta pediu para a
contexto de confiança e de segurança para cliente trazer fotos de diferentes fases, que
Marisa, já que parte de seus problemas contassem sua história desde o nascimento. A
referia-se à dificuldade de confiar e cliente ficou surpresa e concordou. Não trouxe
relacionar-se de forma afetuosa. Não havia na sessão seguinte, e a terapeuta explorou esse
mais dúvida de que, apesar dos déficits comportamento de esquiva, utilizando-se da
comportamentais atuais relevantes da cliente, Regra 5 da FAP, abordando com a cliente as
o que a levou principalmente a procurar variáveis de controle envolvidas no
ajuda foram os produtos colaterais de sua comportamento de esquiva. Foi determinante
história de reforçamento que, assim como os para o comprometimento da cliente com a
déficits, estavam mantendo e intensificando estratégia à pergunta feita pela terapeuta:
seu sofrimento. “Marisa, eu entendo e vejo o quanto é difícil e
As próximas sessões seguiram com sofrido para você tratar do seu passado. Mas
procedimentos (disposição de estímulos você acredita que, trazendo as fotos e falando
verbais que a deixaram sensível a observar e sobre elas, você pode sofrer mais do que você
descrever seus comportamentos públicos e já sofre e sofreu todo esse tempo sozinha?
sentimentos nas situações cotidianas) que Agora você tem a mim para lhe ajudar”. A
levaram à identificação, por parte da cliente, terapeuta iniciou, então, o procedimento de
de suas dificuldades atuais: rituais bloqueio da esquiva e promoção da aceitação.
obsessivos, dificuldade em relacionar-se com Na sessão seguinte, Marisa trouxe as fotos
as pessoas, poucos contatos sociais, e tal procedimento produziu muito impacto na
inabilidade social, escassez de reforçadores, relação terapêutica e no processo de mudança
perfeccionismo e exigência consigo mesma e comportamental. Foram momentos de muita
com os outros e um padrão de desconfiança intimidade entre a terapeuta e a cliente, de
nas relações. Apesar dos muitos objetivos confiança e cumplicidade. Marisa era a
terapêuticos importantes dirigidos para as segunda filha de três. Morou com os pais no
contingências de reforçamento atuais em interior até os 18 anos, quando se mudou para
operação na vida da cliente, a terapeuta uma capital para arrumar trabalho e tentar o
decidiu investir no enfraquecimento da vestibular. Conheceu o marido no trabalho e,
esquiva experiencial apresentada por ela em por volta dos 24 anos, ficou grávida e casou-se.
relação ao seu passado, já que o objetivo era Nessa ocasião, abandonou a faculdade e parou
aumentar a tolerância emocional de Marisa de trabalhar. Ao relatar situações da história
e, principalmente, entender como o com os pais, Marisa expressou com muito
repertório atual foi instalado, fazendo-a sofrimento as seguintes contingências e
entender tal processo. Em outras palavras, sentimentos:
objetivava-se promover autoconhecimento.
1. Sentimento de pena e raiva do pai: eles
Esse era o momento indicado, pois a
passaram por privação material, muitas
terapeuta e a própria Marisa estavam
dificuldades financeiras e dependiam de
verdadeiramente sensíveis ao sofrimento e
favores da família do pai, o que acarretava
Análise Comportamental Clínica 249

algumas humilhações por parte do avô reforçamento negativo, e ela tornou-se sensível
paterno. a isso. Posteriormente, Marisa identificou as
2. Sentimento de pena e raiva da mãe: contingências de reforçamento em operação no
muito submissa e dedicada seu casamento.
à casa e à família. Costurava para Ao longo de sua vida, Marisa foi
ajudar nas despesas da casa. O pai comparada à irmã mais velha, sendo colocada
era exigente com a mãe e a numa posição de inadequação. Na relação com
responsabilizava pelos os pais, Marisa adquiriu um repertório de fuga-
comportamentos das filhas. esquiva (mentia e escondia-se) e contracontrole
3. Sentimento de culpa pela morte da mãe: (desobedecia, reclamava, xingava e brigava
morreu devido a um câncer e seu com a mãe). Isso produziu muita culpa em
diagnóstico foi tardio (sentimento que Marisa após a morte da mãe. A partir do
será mais bem explicado a seguir). contato, Marisa também entendeu e aceitou sua
4. Raiva das tias e dos tios: era chamada de forma de ter se comportado na relação com os
moleque, acusada e punida por tudo de pais, diminuindo o sentimento de culpa e
errado que acontecia na rua; privada de autorrepugnação.
atenção e de presentes e constantemente Somente após o enfraquecimento do
comparada à irmã mais velha: “ela era padrão de esquiva experiencial e o aumento da
uma bonequinha e eu, a moleque”. tolerância emocional, foi possível o manejo das
contingências em operação na vida da cliente.
As quatro sessões que foram utilizadas
A terapeuta entendeu como as contingências
para a exploração das fotos possibilitaram,
atuais entraram em operação. O contato com
para a cliente e para a terapeuta, o contato
eventos privados, produtos de sua história, teve
com sua história de reforçamento. Marisa, ao
o efeito de alterar as funções de estímulos
entrar em contato com tais contingências e
desses mesmos eventos. Marisa parou de lutar
com os sentimentos associados, sofreu
consigo mesma.
muito. A terapeuta ficou atenta para bloquear
Após quatro meses de terapia, Marisa
comportamentos de fuga durante essas
estava com o repertório de autoconhecimento
sessões e dispôs estímulos que levaram
mais refinado e começou a relatar, de forma
Marisa a observar e descrever o que sentia,
mais funcional, as contingências em operação e
sem se culpar. Juntas analisaram e
a fazer planos para o futuro: voltar para a
interpretaram funcionalmente tais
faculdade.
contingências, a partir de estímulos verbais
dispostos pela terapeuta. Marisa resistiu. A
terapeuta validou seus sentimentos como CONSIDERAÇÕES FINAIS
coerentes com as contingências vividas. Segundo Kohlenberg e Tsai (1991/2001),
A história de vida de Marisa foi lembrar e relatar um trauma antigo pode ser
predominantemente marcada por punição útil, e isso consiste em um exemplo de
verbal e física. No contexto atual, Marisa promoção da aceitação. Uma vez que o trauma
ainda convivia com todos os produtos tenha sido lembrado e relatado, o cliente pode,
colaterais dessas contingências, já que não então, formular uma regra que possa ajudar a
teve exposição a outros contextos marcados melhorar o funcionamento na vida diária. Mais
por reforçamento positivo. Marisa se importante que simplesmente lembrar, isso
comportava de forma muito semelhante à ajuda a reduzir a aversividade dos estímulos
sua mãe; assim, seu casamento era evitados no presente, o que auxilia o aumento
predominado por contingências de do contato com eles e permite a aprendizagem
250 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

de comportamentos mais eficazes. Isso do controle aversivo na relação terapêutica. O


significa afirmar que, quando o trauma é cuidado deve ser o de evitar o uso
lembrado de forma operante, a aversividade incompetente e irresponsável de procedimentos
é reduzida por meio da extinção respondente. aversivos. Para tanto, mostra-se de suma
Na sequência, os estímulos presentes que até importância retomar as investigações sobre
então foram evitados porque eliciavam o ver controle aversivo, tanto no âmbito da pesquisa
respondente, serão agora contatados. básica quanto no da aplicação.
De acordo com Cameschi e Abreu-
Rodrigues (2005), a atividade clínica fornece
REFERÊNCIAS
evidências de que a administração de
Brandão, M. Z. S. (1999). Terapia Comportamental e
controle aversivo em um ambiente pleno de Análise Funcional da relação terapêutica:
reforçamento positivo pode ser favorável ao estratégias clínicas para lidar com o
desenvolvimento de repertórios comportamento de esquiva. Revista Brasileira de
comportamentais mais produtivos. Os Terapia Comportamental e Cognitiva, 1, 179-188.
autores citam os achados de Sidman (1995), Brandão, M. Z. S., Menezes, C. C., Jacovozzi, J. S.,
que apontam que a administração de Bitencourt, L., Rocha, R. C. A. & Santana, M. G.
(2006). Comportamento de esquiva no contexto
punições suaves pode gerar supressão da
clínico. Em H. J. Guilhardi & N. C. Aguirre
resposta (pelo menos temporária), e essa (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol.
supressão pode consistir em uma excelente 18. Expondo a variabilidade (pp. 509-513). Santo
oportunidade para o terapeuta treinar André: ESETec.
alternativas comportamentais mais úteis. A Cameschi, C. E. (1997). Comportamento de esquiva:
insistência do terapeuta em permanecer Teorias e controvérsias. Psicologia: Teoria e
conversando sobre um determinado tema Pesquisa, 13, 143-152.
pode não somente funcionar como punição, Cameschi, C. E. & Abreu-Rodrigues, J. (2005).
Contingências aversivas e comportamento
eliminando a tentativa de esquiva, mas emocional. Em J. Abreu-Rodrigues & M. R.
também como uma operação estabelecedora, Ribeiro (Orgs.), Análise do Comportamento,
evocando alternativas comportamentais mais Pesquisa, Teoria e Aplicação (pp.113-137). São
produtivas (como discutir outro tema). Paulo: Artmed.
De fato, percebe-se que a emissão de Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem:
comportamentos de fuga-esquiva, por parte Comportamento, linguagem e cognição (A.
Schmidt, D. das G. de Souza, F. C. Capovilla, J.
do cliente, pode dificultar o progresso da
C. C. de Rose, M. de J. D. dos Reis, A. A. da
terapia, principalmente quando esses Costa, L. M. de C. M. Machado &
comportamentos estão relacionados à queixa A. Gadotti, trads.) Porto Alegre: Artmed.
apresentada por ele, como no caso da Cordova, J. V. & Jacobson, N. S. (1999). Crise de
Marisa. O procedimento de bloqueio da casais. Em D. H. Barlow (Org.), Manual dos
esquiva pode ser introduzido na terapia de Transtornos Psicológicos (pp. 535-567). Porto
forma gradual e cuidadosa, desde que o Alegre: Artmed.
terapeuta esteja bem sensível ao nível de Cordova, J. & Kohlenberg, R. J. (1994). Acceptance
and the therapeutic relationship.
tolerância do cliente.
Em S. Hayes, N. Jacobson, V. Follette & M.
O processo terapêutico, caracterizado Dougher (Orgs.), Acceptance and Change:
pelo uso de reforçamento positivo, mas Content and context in psychotherapy (pp. 125-
também incluindo contingências aversivas 142). Reno, NV: Context Press.
pode, portanto, ser bastante efetivo para Ferster, C. B., Culbertson, S. & Boren, M. C.
promover mudanças comportamentais Perrot (1977). Princípios do comportamento
positivas e duradouras. Tal afirmação sugere (M. I. R. Silva, trad.). São Paulo: Editora Hucitec-
que não é indicado negar ou ignorar o papel USP.
Análise Comportamental Clínica 251

Garcia, M. R. (2001). Uma tentativa de identificação


de respostas de esquiva e da utilização do
procedimento de bloqueio de esquiva através da
análise de uma relação terapêutica. Dissertação
de Mestrado não publicada, Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo.
Goldiamond, I. (1974). Toward a constructional
approach to social problems: Ethical and
constitutional issues raised by applied behavior
analysis. Behaviorism, 2, 1-85.
Hayes, S. C. (1987). A Contextual approach to
therapeutic change. Em N. S. Jacobson (Ed.),
Psychotherapists in clinical pratice: Cognitive
and behavoiral perspectives (pp. 327-387).
New York: Grilford Press.
Hayes, S. C. (2000). Acceptance and commitment
Therapy in the Treatment of Experiential
Avoidance Disorders. Clinician’s Research
Digest, Suplemental Bulletin, 22, 2-38.
Hayes, S. C., Strosahl, K. D. & Wilson, K. G.
(1999). Acceptance and commitment therapy:
An experiential approach to behavior change.
New York: The Guilford Press.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001).
Psicoterapia Analítica Funcional: Criando
relações terapêuticas e curativas (F. Conte,
M. Delitti, M. Z. da S. Brandão, P. R. Derdyk,
R. R. Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A.
Banaco, R. Starling, trads.). Santo André:
ESETec.
Linehan, M. M. & Kehrer, C. A. (1999).
Transtorno da personalidade borderline. Em
D. H. Barlow (Org.), Manual dos
Transtornos Psicológicos (pp. 443-492).
Porto Alegre: Artmed.
Santos, P. S. & Tourinho, E. C. (2000). Eventos
privados e terapia analítico-comportamental.
Em R. G. Wielenska (Org.), Sobre
comportamento e Cognição: Vol. 6.
Questionando e ampliando a teoria e as
intervenções clínicas e em outros contextos (pp.
36-45). Santo André: ESETec.
Sidman, M. (1989/1995). A coerção e suas
implicações (M. A. Andery & T. M. Sério,
trads.). Campinas: Editorial PSY.
Skinner, B. F. (1953/2002). Ciência e
Comportamento Humano (J. C. Todorov &
R. Azzi, trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Capítulo 12

Rupturas no Relacionamento
Terapêutico Uma Releitura Analítico-
Funcional92
N as últimas duas décadas, o
relacionamento entre terapeuta e
cliente tem recebido atenção cada vez
proporcionar a discussão de temas
fundamentais à terapia. Devido à
importância de uma aliança sólida na
maior dentro da teoria e pesquisa em terapia para o resultado subseAlysson B.
psicoterapia. Estudiosos se voltaram M. Assunção
para aspectos da prática clínica que não Luc M. A. Vandenberghe
dependem de técnicas específicas, mas
que são tão ou mais importantes. Desde
então, a aliança terapêutica – ou quente, é importante esclarecer os
relacionamento terapêutico – tem sido fatores envolvidos no estabelecimento e
vista como uma variável integrativa do na reparação das rupturas (Martin,
processo psicoterápico comum a todas Garske e Davis, 2000; Safran, 2002;
as abordagens terapêuticas (Kohlenberg Safran, Muran, Samstag e Winston,
e Tsai, 1991/2001; Safran, 2003; Safran 2005). O referencial utilizado será a
e Muran, 1996). Psicoterapia Analítica Funcional (FAP),
Embora o uso do termo aliança que nasceu de uma leitura contextualista
terapêutica seja originário da teoria do Behaviorismo Radical na década de
psicanalítica (Freud, 1912/1980 e 1980 (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001).
1913/1980), sua conceituação é
relativamente recente. Bordin, em 1979,
VÍNCULO TERAPÊUTICO NA
a define como sendo o laço colaborativo
e afetivo entre terapeuta e cliente, cujo TERAPIA COMPORTAMENTAL
estabelecimento está relacionado a três Os modelos iniciais de Terapia
fatores: a tarefa ou o papel que se espera Comportamental incorporaram muito da
que o cliente assuma, o elo colaborativo tradição da ciência moderna, calcada no
com o terapeuta e os objetivos da determinismo e na exatidão, que nutria
psicoterapia. Estima-se que a qualidade certa antipatia pelos contextos e pelo
da aliança seja função da concordância olhar sobre as consequências (Moxley,
em relação a objetivos e tarefas (Bordin, 1999, 2001). Nesse período, Eysenck
1979; Safran, 2002; Safran, Muran, (1959) opinou que as teorias que
Samstag e Stevens, 2002). abordavam o papel curativo do
Este capítulo pretende refletir sobre relacionamento terapeutacliente não
as rupturas ou flutuações na qualidade eram organizadas segundo metodologias
do relacionamento terapêutico, no verificáveis. Ele apontou que pesquisas
sentido de que esses eventos possam empíricas indicavam que psicoterapias

92 O presente trabalho é parte da monografia de conclusão de graduação em Psicologia, da Universidade


Católica de Goiás, defendida pelo primeiro autor sob orientação do segundo.
Análise Comportamental Clínica 253

não possuíam eficácia maior do que encontro de uma concepção


remissão espontânea ou tratamento com contextualista, selecionista, e da
placebo. pragmática da prática clínica, em uma
Segundo essa visão, havia duas perspectiva integracionista pós-moderna
formas principais de tratamento na (Safran, 2002, 2003) compatível com a
Terapia Comportamental: proposta behaviorista radical de Skinner
procedimentos de extinção, que (Skinner, 1953/2002, 1969/1980;
enfraqueciam a apresentação de Kohlenberg e Tsai, 1991/2001; Moxley,
comportamentos considerados 1999, 2001).
inadequados; e de treinamento, que Dentre os exemplos dessas
utilizavam técnicas de reforçamento propostas terapêuticas, podemos citar a
para estabelecer e manter Terapia Comportamental Dialética
comportamentos (Eysenck, 1952, 1959). (TCD), a Terapia de Aceitação e
Os ganhos terapêuticos eram atribuídos Compromisso (ACT) e a Psicoterapia
à correta aplicação de técnicas para Analítica Funcional, a FAP (Hayes et
tratar transtornos específicos, derivados al., 2004). Apesar de não ser fácil
da pesquisa empírica, e o especificar aspectos comuns que unam
relacionamento terapêutico era colocado essas abordagens, elas enfatizam
em segundo plano (Braga e aspectos antes negligenciados, como
Vandenberghe, 2006). aceitação, valores e espiritualidade, e
No início da década de 1970, dados consideram a relação terapêutica como
de pesquisas sobre a eficácia de fundamental no processo de mudança
diferentes abordagens em psicoterapia (Hayes, et al., 2006; Kohlenberg e Tsai,
apontaram que as técnicas não eram os 1991/2001). A TCD e a ACT têm um
únicos fatores relevantes. Nesse corpo crescente de pesquisas e
período, as terapias cognitivo- resultados que corroboram com os
comportamentais chamaram atenção procedimentos e mecanismos teóricos
para aspectos inerentes ao que descrevem. Já a FAP tem uma base
relacionamento terapêutico, que de pesquisa mais limitada (Hayes, et al.,
interagiam com processos objetivos, 2004).
como as técnicas, e que pareciam
conduzir a melhores resultados (Braga e
O RELACIONAMENTO
Vandenberghe, 2006; Safran, 1993).
Essa evolução foi chamada de “virada TERAPÊUTICO NA FAP
relacional” e colocou em evidência um O terapeuta na FAP escolhe estratégias
modelo que enfocava a interação entre de intervenção enfocando contingências
aplicação de técnicas e aliança presentes na relação com o cliente. Isso
terapêutica, contexto que pôde tornar explica o caráter integrativo da terapia
intervenções mais eficazes (Eysenck, ao usar procedimentos de diferentes
1994; Safran, 2003; Safran e Muran, orientações teóricas (Braga e
1996). Vandenberghe, 2006; Kohlenberg e Tsai,
Propostas terapêuticas recentes – 1994). A FAP enfatiza que o elo
chamadas de “terceira geração” da formado entre terapeuta e cliente é
Terapia Comportamental – consideram frequentemente o principal veículo
que fatores relacionais e interpessoais transformador na terapia (Follette,
do terapeuta e do cliente vão ao Naugle e Callaghan, 1996). O
254 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

profissional baseia-se na análise clinicamente relevantes, ou CCRs93.


funcional do relacionamento Segundo Kohlenberg e Tsai
terapêutico, pois ele espera que o cliente (1991/2001), eles podem ser
se comporte na sessão de forma enquadrados segundo três
semelhante ao modo como se comporta classificações: CCR1 – comportamentos
com outras pessoas em sua vida. O problemáticos apresentados pelo cliente
terapeuta deixa claro que o laço que os na sessão, que devem ser enfraquecidos
une será baseado em valores como ao longo da terapia, pois interferem na
confiança, respeito e honestidade, que ocorrência de repertórios efetivos;
devem ser confirmados no decorrer das CCR2 – fazem parte do progresso do
sessões quando ele relatar seus próprios cliente ocorrido na terapia, e apresentam
sentimentos e o impacto que o cliente uma baixa probabilidade de ocorrência
causa nele. no início do tratamento; e CCR3 –
A análise que o terapeuta faz do observações e interpretações que o
fluxo de interações complexas que cliente faz de seu comportamento, e
constituem o processo psicoterápico refletem a identificação pelo próprio
pode acontecer considerando diferentes cliente das relações funcionais que
componentes no momento em que envolvem seu comportamento na
ocorrerem – o que configura uma sessão.
análise molecular –, ou de forma mais Kohlenberg e Tsai (1991/2001)
abstrata, ampliando os contextos em que também encorajam os terapeutas a: (a)
esses comportamentos estavam prestar atenção aos CCRs, o que
inseridos e considerando-os de uma aumenta a probabilidade de reações
maneira global – o que caracteriza uma apropriadas do terapeuta e conduz a
especificação em nível molar – no que reações emocionais mais fortes durante
se refere às ações interpessoais que se a sessão; (b) evocar CCRs de todos os
distinguiam entre si em termos de sua tipos, de forma natural, pelo próprio
função. comportamento do terapeuta, ou pela
A ênfase contextualista desse utilização de técnicas específicas; (c)
modelo não permite que o terapeuta reforçar positivamente os CCR2 que
desconsidere a história de aprendizagem ocorrem durante a sessão; (d) observar
que levou o cliente a produzir efeitos potencialmente reforçadores do
determinada queixa, assim como os seu comportamento em relação aos
contextos mantenedores de CCRs do cliente, atentando para o papel
comportamentos problemáticos, que das consequências em ocorrências
podem ter semelhança funcional com o futuras; (e) fornecer interpretações de
que acontece no relacionamento variáveis que afetam o comportamento
terapêutico (Kohlenberg e Tsai, 1994). É do cliente para aumentar o contato com
interessante ressaltar que a noção de as variáveis controladoras e auxiliar na
análise funcional implica que o produção de regras mais efetivas.
terapeuta influencia o comportamento Ao perceber exemplos de
do sujeito, mas o sujeito também tem comportamentos problemáticos do
influência sobre o do terapeuta cliente, o terapeuta estrutura o ambiente
(Vandenberghe, 2002). de terapia – para aumentar a chance de
Os comportamentos-alvo da FAP
93 A sigla em inglês é bastante conhecida no
são chamados de comportamentos
Brasil: CRB, do original clinical relevant behavior.
Análise Comportamental Clínica 255

ocorrência deles – e responde de forma colaborativa entre terapeuta e cliente, ou


contingente. Ele pode treinar o cliente, como uma dificuldade em estabelecê-la.
melhorar seu repertório, para que ele Embora possa variar em intensidade e
mesmo descreva seus CCRs e as duração, se não resolvida ela pode
condições que os originam, assim como resultar até em fracasso ou em abandono
as consequências de suas ações no da terapia (Safran, 2002, 2003; Safran e
ambiente. Esta atuação terapêutica Muran, 1996, 2000a, 2000b). Adaptando
fundamenta-se na suposição de que a formulação de Bordin (1979) sobre a
cliente e terapeuta terão acesso às aliança terapêutica, podemos conceber
causas do problema enquanto esse está rupturas como: (a) desacordo quanto aos
ocorrendo (Kohlenberg e Tsai, objetivos do tratamento; (b) desacordo
1991/2001). quanto às tarefas que se espera do
O processo de mudança baseia-se na cliente; (c) tensões no laço afetivo entre
criação de uma relação terapêutica cliente e terapeuta. Esses aspectos
intensa, na qual o cliente tem a podem ocorrer em conjunto na terapia
oportunidade de entrar em contato com (Safran et al., 2002).
sua história de vida, sonhos, esperanças, Momentos de ruptura são mais
perdas. Ele pode falar sobre sentimentos comuns do que a maioria dos terapeutas
e demonstrá-los, sentir-se vulnerável, costuma considerar, e não acontecem
falar e agir conforme suas crenças. apenas com terapeutas inexperientes.
Como esse processo pode ser aversivo, Além de serem importantes para discutir
o terapeuta pode atuar bloqueando a temas que emergem no relacionamento
esquiva experiencial do cliente até que terapêutico, as suas resoluções são
essas respostas diminuam de intensidade fundamentais para criar um laço intenso
(Braga e Vandenberghe, 2006, Ver e duradouro. Esclarecer os fatores
capítulo de Dutra, neste livro, para envolvidos no estabelecimento e
maior discussão acerca do bloqueio de reparação de rupturas pode proporcionar
esquiva experiencial). informações importantes sobre como o
Espera-se que as mudanças de cliente interpreta intervenções do
comportamento que ocorrem na sessão terapeuta, além de poder gerar
tenham maior probabilidade de serem experiências emocionais corretivas
generalizadas para outras situações (Safran, 1993, 2002).
(Kohlenberg e Tsai, 1991/2001). Como É importante discutir quão intensa
o objetivo é sempre ter uma relação de deve ser a tensão no relacionamento
interação íntima e intensa com o cliente, para que seja considerada uma ruptura.
enfatizando a metacomunicação dentro Pesquisas empíricas mostram que o
da sessão, o referencial da FAP torna-se processo terapêutico pode ser mais
ideal para abordar as rupturas no efetivo se, em vez de considerar como
relacionamento terapêutico. ruptura apenas os eventos mais graves
que comprometem a qualidade da
terapia, sejam incluídas como rupturas
ESTRUTURA CONCEITUAL
também as flutuações momentâneas.
DAS RUPTURAS Essa abordagem pode favorecer a
A ruptura no relacionamento terapêutico metacomunicação no relacionamento
pode ser definida como uma mudança (Safran e Muran, 1996; Safran et al.,
negativa na qualidade da relação 2002).
256 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Quando a aliança não é por Kohlenberg e Tsai (1991/2001), é de


estabelecida, é fundamental que isso que o único contato que o terapeuta tem
seja objeto de comunicação, pois é com a cognição do cliente é pelos
possível que o terapeuta esteja pensamentos e crenças presentes como
absorvido por “ciclos interpessoais comportamento do cliente na sessão.
disfuncionais” da vida do cliente ou Qualquer intervenção na terapia é, na
sendo mal interpretado por ele. Nos verdade, um processo de modificação
casos em que a interpretação do cliente desse comportamento.
a respeito do terapeuta é o que contribui Dessa forma, pode-se argumentar
para a ruptura, seu esclarecimento pode que a ruptura “clinicamente relevante”
gerar informações importantes ao acontece quando o terapeuta se
processo terapêutico (Safran e Muran, comporta de forma semelhante ao modo
2000a; Safran, 2002). como outras pessoas se comportaram
com o cliente em sua história, ou que
ainda fazem parte de contingências
A ruptura como objeto de
atuais. Essa proposta é apoiada pela
estudo na FAP afirmação de Safran (2002, p. 211): “os
O estudo de rupturas no relacionamento terapeutas contribuem para problemas
terapêutico surgiu fora da Terapia na relação terapêutica, participando
Comportamental e está associado a um involuntariamente de ciclos viciosos não
referencial da Terapia Cognitiva que muito diferentes daqueles que são
costuma distinguir produtos cognitivos característicos das outras interações do
(pensamentos, crenças) de processos cliente”.
cognitivos (como memória e atenção). É importante ressaltar que o
O papel causal dos comportamentos é impacto do comportamento do terapeuta
atribuído a estruturas ou “esquemas deve ser entendido essencialmente em
disfuncionais” que o indivíduo carrega termos de como o cliente reage a tal
(Safran, 1993, 2002). Nessa perspectiva, comportamento – ou seja, de como é
uma ruptura é um bom momento para influenciado por ele –, que é
explorar e mudar crenças, cognições e determinado por sua história de
processos de avaliação relacionados ao aprendizagem única. Assim, a mesma
ciclo cognitivo-interpessoal intervenção terapêutica pode ser
“disfuncional” do cliente (Safran, 2003; interpretada de forma bastante diferente
Safran e Muran, 1996). por dois clientes – com um deles, pode
Segundo Vandenberghe e Pereira melhorar o relacionamento terapêutico
(2005), uma leitura behaviorista radical e, com outro, pode dificultar ou mesmo
analisa os processos psicológicos em impedir tal aliança.
termos do que acontece na interação Por isso, torna-se extremamente
entre as pessoas, sem fazer atribuições a importante entender os fatores que
dinâmicas mentais internas. Assim, moldam a percepção que o cliente tem
enquanto Safran (2002) considera as do significado das intervenções
“crenças” como sendo variáveis terapêuticas e esclarecer como esses
cognitivas, a Análise Comportamental padrões de comportamento foram
Clínica usa o termo para indicar estabelecidos e mantidos pelas
comportamento verbal encoberto. A contingências. Nessa perspectiva, faz
crítica ao modelo cognitivo, levantada sentido que o terapeuta FAP atue de
Análise Comportamental Clínica 257

forma a identificar e até evocar indiretamente, através de sarcasmo,


voluntariamente as rupturas comportamento não verbal ou
clinicamente relevantes. Essa comportamento passivo-agressivo.
abordagem pode ter melhores resultados 3. Desacordo a respeito de objetivos ou
se a ruptura se manifestar em uma tarefas da terapia (Rup 3) – envolve
sessão e for resolvida ainda dentro desta o cliente questionar ou rejeitar os
(Safran, 2002). O objetivo dessa tática é objetivos e as tarefas da terapia,
providenciar ao cliente vivências refletindo a discordância no
preciosas que podem se generalizar para relacionamento terapêutico.
o ambiente fora da sessão (Kohlenberg e 4. Consentimento (Rup 4) – “Nesse
Tsai, 1991/2001). tipo de situação, em vez de arriscar
ameaçar o relacionamento com o
terapeuta, o cliente consente (mesmo
Explorando
que não concorde com o terapeuta)”
rupturas na prática (Safran, 2002, p. 180).
clínica 5. Manobras de evitação (Rup 5) –
Safran e Croker (1990, citado por envolve desde o cliente ignorar os
Safran, 2002) classificaram as rupturas comentários do terapeuta até atrasar-
em duas classes diferentes. O primeiro se, cancelar ou deixar de comparecer
tipo são as rupturas de confrontação do a uma sessão. Esses comportamentos
terapeuta, nas quais o cliente demonstra geralmente refletem uma tentativa de
sentimentos negativos em relação ao reduzir a ansiedade associada à
terapeuta de forma direta. O segundo ruptura e dificultam a exploração das
tipo é chamado de evitação de questões com maior profundidade.
confronto, e geralmente acontece 6. Operações para aumentar a
quando o cliente lida com a ruptura por autoestima (Rup 6) – esse tipo de
meio de comportamentos que denotam comportamento é caracterizado por
retração ou distanciamento em relação comunicações do cliente que
ao terapeuta. justificam e enaltecem suas atitudes,
dificultando a investigação
Marcadores de ruptura terapêutica.
7. Falta de responsividade à
Esses dois tipos podem ser expressos
intervenção (Rup 7) – o cliente deixa
em pelo menos sete classes de
de responder positivamente ou de
comportamentos, chamados por Safran
fazer uso de uma determinada
(2002) de marcadores, estruturados a
intervenção terapêutica.
partir dos comportamentos do cliente
percebidos dentro da sessão de terapia: Essa classificação não significa que
o cliente é o único responsável pela
1. Expressão direta de sentimentos
ruptura, pois ela é sempre um fenômeno
negativos (Rup 1) – “É a expressão,
de interação com o terapeuta. Sob a
por parte do cliente, de sentimentos
perspectiva da FAP, eventos que
negativos em relação ao terapeuta”
indicam ruptura nem sempre são
(Safran, 2002, p.181).
decorrentes de comportamentos
2. Expressão indireta de sentimentos
problemáticos a serem enfraquecidos
negativos (Rup 2) – sentimentos
(CCR1). Pode ser que os
negativos comunicados
comportamentos do cliente indicativos
258 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

de ruptura signifiquem na verdade um (1991/2001) enfatizam que a


avanço em direção aos objetivos na capacidade de ter empatia pelas
terapia (CCR2), devendo ser reforçados. dificuldades do cliente é relacionada
Portanto, é a reação do terapeuta ao à capacidade do terapeuta
comportamento do cliente que de compreender as
determina se a ruptura pode vir a contingências pelas quais o
resultar em progresso terapêutico. cliente está passando. Quando o
terapeuta demonstra
compreensão e empatia pela
Resolvendo rupturas
experiência do cliente, ele pode
Safran (2002) e Safran e colaboradores.
expressar emoções e
(2002) afirmam que a resolução de
sentimentos que não haviam
rupturas na aliança envolve um processo
sido correspondidos em sua
de metacomunicação, de falar a respeito
história de vida;
do que ocorreu naquele momento, o que
5. Manter uma postura de observador-
pode ser um dos aspectos mais
participante – é fundamental que o
importantes no relacionamento
terapeuta não se exclua do processo
terapêutico. Os autores sugerem uma
terapêutico, para que possa
série de estratégias, reinterpretadas aqui
identificar quais são os
sob o referencial da FAP, que podem ser
comportamentos dele que provocam
utilizadas para resolver rupturas:
reações no cliente e entender se
1. Prestar atenção a rupturas na aliança essas reações são um CCR1 ou um
– é preciso que o terapeuta se CCR2.
coloque de prontidão para perceber
Ao se comportar da maneira
rupturas, de forma semelhante à
descrita e reforçar comportamentos de
identificação de CCRs, pois o cliente
forma diferente do que normalmente
pode frequentemente ser relutante
acontece no contexto interpessoal do
em comunicar sentimentos
cliente, o terapeuta pode ser capaz de
negativos.
lidar com rupturas, explorando temas
2. Ter consciência de seus próprios
fundamentais para a terapia. Dessa
sentimentos – para a FAP, os
forma, o cliente pode desenvolver uma
sentimentos do terapeuta são
nova representação de si mesmo, como
indicativos do que ocorre na relação
sendo capaz de resolver conflitos,
com o cliente.
manter o contato interpessoal em
3. Aceitar a responsabilidade – quando situações difíceis, revelar seus
o terapeuta consegue esclarecer sentimentos e perceber outras pessoas
honestamente o seu papel na como sendo emocionalmente
interação, favorece o entendimento disponíveis (Vandenberghe e Pereira,
do cliente sobre o contexto de suas 2005).
próprias reações. Ele pode, assim, se
O objetivo deste trabalho é
sentir mais confortável para aceitar
demonstrar, a partir de momentos-chave
seus sentimentos e começar a
da prática clínica, algumas
explorar suas contribuições para o
possibilidades pragmáticas de
relacionamento.
identificação e análise funcional de
4. Ter empatia com a experiência do rupturas no relacionamento terapêutico,
cliente – Kohlenberg e Tsai
Análise Comportamental Clínica 259

indicando oportunidades de resolução Procedimento


como janelas para explorar temas As sessões ocorriam duas vezes por
fundamentais na terapia. semana, com duração média de 50
minutos cada, em um formato de
MÉTODO condução não muito estruturado,
centrado em ocorrências clinicamente
Participantes
relevantes que emergiam no
Este trabalho baseou-se em
relacionamento. Um atendimento era
atendimentos realizados em coterapia
conduzido pelo autor (T1) e o seguinte
com uma cliente que será chamada aqui
por T2, que revezavam papéis de
pelo nome fictício de Camila. Camila
terapeuta e coterapeuta. Os dados foram
tinha 34 anos, era divorciada e morava
obtidos através da observação de CCRs
sozinha. Tinha uma filha de 12 anos que
e episódios verbais, registrados pelo
morava em outra cidade com a avó.
estagiário ao final de cada sessão ou em
Camila tinha o ensino médio completo,
intervisão com a coterapeuta. Também
formação técnica na área de saúde e
foram obtidos dados das anotações do
trabalhava como vendedora. A cliente
coterapeuta e de tarefas de casa,
veio à clínica universitária buscando
propostas quando havia necessidade
tratamento para ansiedade e queixando-
terapêutica.
se de dificuldades em relacionamentos.
Utilizou-se um método de pesquisa
descritivo e clínico, qualitativo e
Ambiente e materiais indutivo, seguindo os princípios da
As sessões de psicoterapia foram “Grounded Theory” (Charmaz, 2003).
realizadas no Centro de Estudos, Momentos relevantes durante as sessões
Pesquisa e Prática Psicológica (CEPSI), de psicoterapia foram identificados,
uma extensão da Universidade Católica escolhidos e transcritos. Depois, foram
de Goiás que presta atendimento feitas análises abertas dos dados, a partir
psicológico ao público carente e serve de conceitos sensibilizadores (Bowen,
como campo de estágio para estudantes 2006). Estes últimos eram provenientes
da instituição, além de promover e dos referenciais da FAP e do que foi dito
desenvolver pesquisa científica. O sobre rupturas no relacionamento
consultório onde foram feitas as terapêutico, que foram organizados por
intervenções continha duas poltronas, categorias, respeitando semelhanças
uma mesa com três cadeiras e um formais e funcionais entre eles.
pequeno armário. Na coleta dos dados, A organização dos momentos-chave
foram utilizados papéis, lápis, caneta, transcritos seguiu as categorizações de
dois questionários contendo perguntas comportamentos clinicamente
sobre a forma como a cliente avaliava o relevantes e dos marcadores de ruptura,
relacionamento terapêutico, e avaliações obedecendo à ordem cronológica em
de desempenho do trabalho de Camila, que foram identificados e tornados mais
que apontavam comportamentos sólidos durante os atendimentos, de
problemáticos que ela gostaria de mudar forma a servirem de base para as
e registros de observação que a cliente conclusões do trabalho.
fazia de seu próprio comportamento no
seu cotidiano, requisitados a ela pelos
terapeutas como tarefa de casa.
260 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

RESULTADOS dificuldade em sentir-se vulnerável;


Camila tinha saído há alguns meses de tinha baixa resistência à frustração;
um casamento de quase 10 anos, que sentia-se ansiosa e tensa quando estava
terminou subitamente e ao qual dizia ter só com a filha; sentia-se mal quando
se dedicado muito. Disse que o ficava sozinha em casa.
sentimento de querer ficar sempre Na história de vida da cliente, foram
sozinha vinha se agravando e que estava encontradas variáveis que contribuíam
se tornando cada vez mais crítica e para essas dificuldades: sua mãe e
menos interessada na companhia das pessoas próximas manifestavam muito
pessoas. Entretanto, não gostava dos desapontamento em relação a ela; o
momentos em que ficava sozinha. ambiente familiar era tenso, com muitas
Havia rompido há pouco tempo um brigas; não recebeu muito carinho na
relacionamento romântico que havia família; sua educação foi controlada por
seguido o mesmo curso de todos os seus regras rígidas, inclusive para relações
relacionamentos anteriores: sentia que amorosas; teve poucas amizades na
havia sido abandonada de repente. vida; precisou sair de casa cedo para
Embora se sentisse frustrada com a falta trabalhar; morou com parentes que a
de tratavam como empregada; só era
recompensada e valorizada pelo
compromisso do rapaz, relatou que desempenho ou pela produção; assim,
estava com medo de que o que aprendeu a determinar muitas regras
aconteceu tivesse sido reflexo do seu para si mesma.
modo de ser, mas não sabia como isso Como resultado de sua história, ela
ocorria. Nas sessões iniciais, eram
frequentes relatos tais como “não sei
quem sou”; “sinto vazio, não sinto
vontade de viver”; “sou incapaz de me
relacionar”; “incomoda-me muito estar
perto das pessoas”; “faço tudo tentando
agradar os outros para que eles gostem
de mim, mas não recebo nada em
troca”; “não demonstro afeto por
ninguém”.
No decorrer das sessões, foram
identificados vários comportamentos de
Camila relacionados aos problemas
dela: era controladora, perfeccionista,
detalhista, muito exigente consigo e
com os outros; era forte seguidora de
regras; apresentava inflexibilidade
diante de novas situações; tinha forte
preocupação em como os outros iriam
julgá-la; tinha dificuldade em
estabelecer relações de intimidade; era
acostumada a relações condicionais, nas
quais “tudo tem um preço”; tinha
Análise Comportamental Clínica 261

* N. de R. Teoria Fundamentada. Para mais capacidade de estabelecer relações de


imformações ver Charmaz, K. A Construção da intimidade. Nesse processo, procurava-
teoria fundamentada. Artmed: Porto Alegre; 2009.
se que ela desistisse da luta contra seus
sempre tentou corresponder às sentimentos e suas emoções para que
expectativas dos outros; assumiu pudesse se concentrar em produzir
responsabilidade de tudo; achava que mudanças em seus relacionamentos e
“só seria aceita se fosse a melhor”; em seu cotidiano (Hayes, Strosahl e
ficava muito incomodada quando Wilson, 1999). Usava-se o
alguma coisa planejada dava errado ou relacionamento terapeuta-cliente como
quando percebia que não era perfeita; ferramenta de mudança (Kohlenberg e
carregava muita exigência sobre com Tsai, 1991/2001). As interações que
quem se relacionar; suas aproximações ocorriam no relacionamento terapêutico
eram apenas superficiais; dizia nunca foram usadas para identificar e para
ter amado ninguém em sua vida. modelar comportamentos clinicamente
Camila apresentava ainda crenças, relevantes. Uma descrição de
entendidas enquanto comportamentos momentos-chave de algumas sessões é
verbais privados, tais como: “ter apresentada abaixo, respeitando a
emoções é sinal de fraqueza”; “ser eu ordem cronológica dos acontecimentos.
mesma é muito difícil”; “tenho que O primeiro marcador de ruptura
provar para todos que eu consigo”; observado foi a discordância em relação
“precisar dos outros é terrível”; “não aos objetivos na terapia. Na quarta
devo deixar outras pessoas assumirem sessão, ao discutir uma avaliação de
minhas tarefas”; “eu faço as coisas bem desempenho que Camila trouxe do
feitas”; “não dar conta de tudo é emprego, ela disse que sentia falta de
fraqueza”. instruções precisas dos terapeutas e que
Contextos que ajudaram a manter os pontos trabalhados ficavam vagos.
os comportamentos problemáticos T2, terapeuta na sessão, perguntou o
foram encontrados em seu cotidiano: que ela esperava da terapia. Ela disse
ela trabalhava em uma farmácia de que esperava que os terapeutas a
manipulação e era muito cobrada por orientassem sobre como agir, como
desempenho; tinha uma relação fazia sua terapeuta anterior (Rup
complicada com a mãe, que era quem 3/CCR1).
cuidava da filha dela; ela era Em princípio, esse marcador não foi
responsável por resolver conflitos explorado como objeto de
familiares; tinha o controle da família metacomunicação dentro da sessão. Os
atual e pagava as contas da mãe e da terapeutas disseram à cliente que
filha; tinha acesso a raras situações de poderiam discutir com ela sobre o que
lazer e frequentava sempre os mesmos fazer e eventualmente o fariam algumas
lugares; ficava muito tempo sozinha em vezes, mas que esse não era o principal
casa e tinha grupo limitado de amigos. objetivo da terapia. Foi dito que, na
medida em que ela se conhecesse
Explorando e resolvendo melhor, poderia ela mesma se tornar
rupturas sensível ao que acontecia ao seu redor e
tomar decisões sobre como agir.
O tratamento de Camila teve como
Na medida em que as intervenções
objetivos desenvolver na cliente maior
eram feitas, Camila começou a
autoconhecimento, assertividade e
262 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

manifestar, durante as sessões, semelhantes a esses?


sentimentos negativos em relação ao
C: Isso acontece no meu trabalho a
terapeuta (T1). Essa comunicação pode
todo o momento, e também quando
ser percebida no exemplo do Fragmento
estou em lugares com pessoas com
1 que ocorreu no segundo mês de
quem não me sinto à vontade.
tratamento, na 9ª sessão:
Acontece bastante, na verdade,
C: Você está me deixando sempre que eu sinto que estou
doidinha, com o pensamento sendo avaliada, como senti agora
confuso (Rup 2). (CCR3).
T1: Não entendi, Camila. O que eu T1: Você sente que eu a estou
estou fazendo para que você pense avaliando agora? É isso que está
isso? acontecendo?
C: Você me questiona, indo para lá C: É, é isso sim...
e para cá com essas perguntas, e
Depois dessa sessão, onde
está me confundindo (CCR1). Não
sentimentos negativos em relação à T1
gosto quando você faz isso! (Rup 1)
foram manifestados, rupturas ocorreram
(T1 achou que uma ruptura pudesse com frequência quando fazia perguntas
estar ocorrendo e decidiu à cliente com o objetivo de estabelecer
investigar) T1: Você quer me dizer relações de semelhança funcional entre
o que te incomoda quando te faço comportamentos problemáticos do
essas perguntas? cotidiano da cliente e o que se passava
no consultório. As quatro sessões
C: Parece que você acha que eu
seguintes prosseguiram tendo como
estou sofrendo porque quero.
foco a aceitação de pensamentos e
Percebo que você não gosta do
sentimentos.
modo como faço as coisas. Sinto
O Fragmento 2 ilustra como os
que você me acha horrível (CCR1).
sentimentos negativos demonstrados de
T1: Não estamos aqui para julgar, forma direta e indireta pela cliente por
nem dizer se o que você faz é certo T1 na sessão foram usados para facilitar
ou errado. a aceitação emocional. Na 15ª sessão, a
C: Sim, mas parece que você acha cliente relatou que havia demostrado
que tudo que acontece é minha sentimentos semelhantes aos que já
culpa. havia sentido por T1 em relação a um
homem que a chamou para sair, sem
T1: Percebo que alguma coisa que que ela precisasse fazer nada para
eu faço pode provocar esses conquistá-lo. Identificou-se uma
sentimentos ruins em você. Mesmo oportunidade de evocar uma ruptura
eu gostando de você, isso pode clinicamente relevante e decidiu-se
ocorrer. O que você acha? investigar. Ela disse que, ao conversar
C: Acho que é isso que estou com o rapaz, sentiu-se confusa e
sentindo, que está acontecendo inferior. Ele havia perguntado muito
agora (CCR1). sobre a vida dela, e ela, por não querer
responder, acabou dispensando-o. Ao
T1: Em que situações você perguntar sobre o motivo de não ter
costuma ter sentimentos
Análise Comportamental Clínica 263

mantido a conversa, ela cruzou os T1: Você acha que isso pode ter a ver
braços, franziu as sobrancelhas e os com seus últimos relacionamentos
músculos faciais: íntimos?
C: Odeio quando você aponta o que C: Sim, totalmente. Acho que todo o
faço errado. Vontade de sair daqui... tempo eu tento provar para você que
(Rup 1/CCR1). posso ser melhor (CCR1/CCR3).
Quando não faço tudo certo, espero o
T1: Você sente que estou fazendo
pior de você.
você se sentir assim agora?
T1: Camila, saiba que não espero que
C: Ah, não! Lá vem você querendo
você faça tudo certo. Na verdade, quero
“discutir a relação”... (como ela
que você fale dos seus erros, sim, mas
chamou as metacomunicações na
para podermos aprender.
sessão. O terapeuta considerou
como Rup 5/ CCR1 e bloqueou a C: Ahnm? Como assim, aprender?
esquiva). T1: Você acha que precisa estar sempre
T1: Sim, estou, vamos pensar em certa, para assim evitar o sofrimento?
como se sente quando faço essas C: Sim, por isso eu sou sempre franca e
perguntas. correta em tudo (Rup 6/CCR1).
C: Fico achando que você me acha T1: Eu não preciso que você seja
errada por não ter dado chance a ele sempre certa comigo. Quero que você
(CCR1). saiba que erra e que pode descobrir
T1: Você sabe que minha intenção onde melhorar. Você acha que isso pode
não é ofendê-la ou mesmo julgá-la. acontecer?
C: Sim, eu sei. Mas é que eu C: É... é por isso que eu estou aqui.
sempre faço tudo certo; sou franca T1: Você viu o que aconteceu quando
e honesta, não dou margem para sentiu que agiu errado com esse rapaz?
ninguém falar nada de mim (Rup C: Tratei-o mal para evitar me
6/CCR1) e... sentir mal com a situação.
T1: (Interrompendo) Como é quando T1: O que acontece quando você
você se relaciona com homens? tenta se esquivar desses
C: Eu me sinto estranha, como se eu sentimentos?
tivesse que tentar ser melhor, provar C: Faço coisas horríveis só para
que eu sou melhor que ele. Isso não sentir, para ter controle da
acontece aqui com você (CCR1), e você situação (CCR3).
acha isso errado.
T1: Viu como, tentando controlar
T1: Acho? Eu não te disse que você seus sentimentos, você perde o
estava errada... controle deles?
C: É... Eu que acho que fiz errado; e C: Sim. Nossa, eu estou me
não aguento falar disso. Parece a todo sentindo mais aberta com vocês
tempo que você está me avaliando. Eu agora (CCR2).
fico esperando você brigar comigo
Durante o tratamento, a cliente
(CCR1).
apresentou também consentimento em
264 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

relação às intervenções dos terapeutas. 30ª sessão (Fragmento 3), relatou


Isso aconteceu principalmente em exemplos nos quais foi capaz de
momentos em que era sugerido que a observar sua ansiedade sem tentar
cliente fizesse algum tipo de tarefa de controlá-la e chorou pela primeira vez
casa envolvendo contato com eventos sem sentir vergonha (CCR2):
aversivos. Na 19ª sessão, T2 sugeriu
T1: Como você se sentiu nesse
que Camila procurasse a ex-sogra de
momento?
quem ela gostava muito, mas evitava
porque a visita lhe traria lembranças C: Sei lá, eu sou sempre tão franca
desagradáveis. Ela concordou rápida e e honesta com todos (Rup 5 e Rup
prontamente (Rup 4/CCR1). 6), e ele...
Na sessão seguinte, a cliente pediu T1: Camila, você percebeu? Você
desculpas e disse que não havia fica me dizendo que é franca e
conseguido cumprir o combinado. honesta...
Perguntada por T1, ela disse que teve
vontade de dizer que não queria fazer a C: (Agressiva) Mas eu sou franca
tarefa, mas não conseguiu. Disse ainda sim! (Rup 1)
que, se um dos terapeutas havia dado T1: Eu sei, você me diz e eu
algo a fazer, então ela precisava ter feito percebo isso. Mas por que você
(CCR1). Fizemos disso objeto de disse isso quando eu perguntei
metacomunicação. Os terapeutas sobre como você tinha se sentido
firmaram que sabiam o quão difícil para em relação a esse ex?
ela seria fazer o que foi sugerido. Ela se
abriu com os terapeutas (CCR2) e C: T1, você me fez ver que o meu
revelou que ficou com medo de os grande problema é o
terapeutas a julgarem mal ou ficarem relacionamento íntimo com homens
bravos com ela. T1 e T2 disseram que (CCR2). Eu tenho que sentir que
isso não aconteceria e que ficaram estou segura.
contentes por ela ter se aberto. T1: Você não se sente segura aqui?
A cliente conseguiu, na 26ª sessão,
C: Sinto, mas você pede para eu
fazer interpretações sobre seu
falar de sentimentos e eu fico
relacionamento com os terapeutas. Ela
confusa (CCR3).
disse que via em T2 a mãe que ela
nunca teve, que podia gostar dela sem (T1 segurou a mão de Camila, que
precisar dar algo em troca. Já em começou a chorar – CCR2)
relação a T1, ela disse que ele a fazia C: Eu sempre fui acostumada com
sentir como nos relacionamentos coisas que posso pegar. Você me
amorosos. Ela afirma sentir que mostra que com sentimentos não é
precisava “provar alguma coisa, provar assim, eu não tenho como controlá-
a T1 meu valor” (CCR3). Nessa sessão, los... (CCR2/CCR3)
ela relatou que “as pessoas lá fora, eu
vejo mais como T1 do que como T2”. T1: Sim, é impossível. Mesmo
A cliente foi capaz de explorar assim, entre em contato com o
relacionamentos íntimos sem que isso sentimento. Isso não te diminui
significasse que ela seria abandonada diante de mim. Fico feliz que você
ou que tivesse que se mostrar forte. Na se permita ser vulnerável comigo.
Análise Comportamental Clínica 265

T2: Chore, Camila, pode chorar. conseguindo tolerar (CCR2). Acho


que nesses momentos você me
C: Sabe, T1, eu não achava que
instiga mais e é assim que estou
você me veria como vê. Eu achava
caminhando (CCR3).
que você me questionava porque
considerava que eu estava fazendo (...)
tudo errado (CCR3). C: Hoje, não tenho de provar nada
T1: E agora, como você se sente para T1. Discussões de relação
em relação a isso? ainda me confundem, mas graças a
elas consigo acordar para coisas
C: Agora sei que você me dará
que ainda não sei dizer. Esses
apoio independente do que eu fizer
momentos me fazem buscar aquilo
(CCR2).
que me incomoda realmente
Depois dessa sessão, ela, que (CCR3).
sempre cumprimentava T1 com um
Depois de sete meses de terapia,
aperto de mão formal, abraçou-o.
novos objetivos foram traçados, tais
Durante o andamento do processo
como esclarecer metas e valores e
terapêutico, ela lembrou-se várias vezes
buscar novas atividades que dessem
do que foi dito nessa sessão.
significado à sua vida. Isso incluiu
Em um dos questionários sobre o
voltar e finalizar seu curso de
relacionamento terapêutico, respondido
enfermagem; trabalhar a dificuldade da
com seis meses de terapia, Camila
cliente em respeito a relações sexuais;
escreveu que se sentia pressionada com
buscar um novo relacionamento
T1 porque ficava com os sentimentos
amoroso; e, se necessário, encontrar
confusos e ficava sem saber o que fazer.
outro trabalho do tipo que ela gostaria
Revelou que era marcante para ela
de fazer.
quando “tenho que discutir a relação e
perco meu controle. Então percebo que
não sou o que me imponho ser” CONSIDERAÇÕES FINAIS
(CCR2). Ela também revelou que Conclui-se que a identificação e a
estava mais aberta com T1 e T2 porque resolução de rupturas na relação
sentia que não precisava fazer o que não terapeuta-cliente, no caso apresentado,
queria para receber retorno (CCR2). serviram como janelas para explorar
Ela mesma passou a identificar temas fundamentais ao processo
esses momentos de metacomunicação terapêutico de Camila. Os resultados do
na terapia e a reconhecer a importância presente estudo demonstraram, de
deles. O Fragmento 4 ocorreu na 36ª forma pragmática, como a identificação
sessão: e a resolução de rupturas serviram de
forma a aumentar a adesão e melhorar a
C: Não me sinto mais tão ruim em
qualidade do relacionamento
discutir relação. Sinto-me confiante
terapêutico (Safran, 2002). Assim, os
e à vontade com vocês, com minha
resultados apontam que exploração das
filha e com muitas pessoas no
dificuldades em estabelecer ou manter
trabalho também (CCR2).
um bom relacionamento terapêutico
T1: O que você sente em relação a
pode desempenhar um papel
esses nossos momentos?
fundamental no processo de mudança
C: Ainda incomoda, mas eu estou
266 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

dos clientes. comunicação, primeiramente indireta e


O manejo de rupturas na prática depois direta, de sentimentos negativos
clínica mostrou-se coerente com a em relação ao terapeuta emergiu como
proposta da FAP, em que o analista tema a ser explorado e serviu como
clínico deve manipular contingências oportunidade para identificar e trabalhar
dentro da sessão para poder observar um conjunto de comportamentos
seus efeitos sobre o comportamento do clinicamente relevantes.
cliente. Estes, por sua vez, devem ser Fazer do consentimento da cliente
entendidos em última instância em um momento de metacomunicação
termos da reação deste último em revelou que ela ficou com medo de que,
relação às intervenções do primeiro. se ela não consentisse com o que foi
Dessa forma, o terapeuta favorece uma pedido, os terapeutas fossem julgá-la
postura de observador-participante e mal (CCR2) e permitiu que os
pode demonstrar ao cliente que aceita a terapeutas explorassem situações em
responsabilidade pelo que acontece no que isso acontecia em outros contextos
relacionamento terapêutico (Safran, de sua vida. Esse resultado condiz com
2002). a hipótese de que muitas vezes o cliente
O primeiro marcador de ruptura pode vir a consentir com o terapeuta
observado revelou um problema de apenas de forma a não sentir a
controle verbal excessivo e ansiedade provocada por uma ruptura
generalizado na vida de Camila. Sua no relacionamento (Safran, 2002).
identificação foi proveitosa para que os Nos Fragmentos 2 e 3, as manobras
terapeutas enfatizassem com a cliente de evitação e as operações para
os objetivos da terapia, enfocando os aumentar a autoestima (principalmente
motivos de priorizar determinada meta, dizer-se franca e honesta) na fala da
de forma a prevenir futuros desacordos cliente tinham função de fuga-esquiva
que pudessem prejudicar a qualidade do em relação a perguntas feitas pelo
relacionamento terapêutico. terapeuta. Ao se autoafirmar, ela não
Em relação ao Fragmento 1, o tema precisava falar sobre sentimentos que
de a cliente se sentir avaliada por T1 em procurava evitar. Quando bloqueou a
um contexto onde não existem bons ou esquiva experiencial, T1 permitiu à
maus resultados (CCR1) surgiu de uma cliente sentir-se vulnerável e frágil num
falha empática do terapeuta em prever ambiente em que seu comportamento
os efeitos de sua pergunta. No entanto, não seria punido, mas sim reforçado.
a discussão dessa ruptura, logo nas No caso apresentado, essas
primeiras sessões, serviu como um metacomunicações foram capazes de
momento de enfrentamento (CCR1) que produzir interações íntimas e intensas,
se mostrou muito proveitoso para em que a cliente abandonou padrões de
entender melhor os problemas dela fora comportamento há muito estabelecidos
da sessão, como ser “excessivamente (Vandenberghe e Pereira, 2005).
franca”, ríspida com pessoas, o que A exploração dos momentos de
impedia que ela ampliasse seus ruptura serviu ainda como
relacionamentos. oportunidades para modelar melhores
Explorada a ruptura, o vínculo repertórios para os problemas do
terapêutico se fortaleceu (CCR2) e a cotidiano de Camila. Como
adesão ao tratamento aumentou. A exemplificado no Fragmento 4, com o
Análise Comportamental Clínica 267

decorrer da terapia, mesmo se sentindo nas microanálises da relação terapeuta-


incomodada com perguntas de T1, ela cliente que pudemos afirmar que os
conseguiu ser mais tolerante em relação procedimentos da FAP foram bem
a sentimentos negativos e se deixou ser sucedidos em sua aplicação.
vulnerável dentro da sessão (CCR2). O Não há como atribuir os resultados
relacionamento terapêutico possibilitou desse caso somente à resolução de
que a cliente apresentasse rupturas. Mas esse não foi o propósito
comportamentos do tipo CCR2 e CCR3 do relato. Ao invés disso, o que se
que foram modelados e reforçados via pretendeu foi demonstrar a aplicação
aproximações sucessivas, construindo dos procedimentos de identificação,
melhores repertórios para os problemas exploração e resolução de rupturas no
do cotidiano dela. relacionamento terapêutico dentro de
É interessante ressaltar a uma proposta analíticocomportamental.
importância dos dois níveis de análise Nesse sentido, avalia-se que os
aplicados no presente trabalho, no que procedimentos utilizados serviram
se refere a conteúdo e estrutura. Os como oportunidade de aprendizagem ao
conjuntos de comportamentos da cliente vivo para a cliente.
foram considerados em suas dimensões As conclusões apontam para a
moleculares (nos diferentes necessidade de os analistas clínicos do
componentes no contexto específico em comportamento estarem abertos a
que ocorriam na sessão) e molares orientações e técnicas oriundas de
(considerando a funcionalidade desses outras escolas, para que possam colocar
comportamentos de forma ampliada). em discussão conceitos que consideram
Os cortes nas continuidades espacial e o contexto e a complexidade dos
temporal nos resultados não invalidam fenômenos da clínica, em perspectiva
as unidades funcionais de análise, que integracionista (Safran, 2002). Essa
pode ser mais ou menos molar ou postura, entretanto, não deve implicar
molecular, conforme as características uma espécie de ecletismo teórico, mas
da interação focalizada e da forma sim um reconhecimento do potencial de
como o terapeuta trabalha com elas utilização de um ponto de vista
(Gálvez, Prieto e Nieto, 1991). terapêutico e a produção de leituras que
Percebe-se que a interação entre os possam melhorar o entendimento dos
dois níveis de análise facilitou a procedimentos clínicos sem abdicar dos
exploração de rupturas clinicamente princípios filosóficos que norteiam a
relevantes nas sessões. Ao passo que as abordagem comportamental.
análises molares permitiram identificar Mesmo assim, as releituras muitas
aspectos gerais e padrões de vezes precisam modificar o status
comportamento da cliente em um ontológico dos conceitos importados
contexto mais amplo, as microanálises (Kohlenberg e Tsai, 1994), como foi o
propiciaram demonstrações da caso deste trabalho. Entretanto, é
equivalência funcional entre o ambiente importante que elas mantenham a
natural e o da terapia, além de permitir intenção e as implicações clínicas do
detalhar os procedimentos clínicos da conceito original, para preservar o
FAP de forma clara e precisa, através da contexto e garantir a fidelidade do
identificação dos marcadores de ruptura conceito dentro de uma linguagem
e CCRs durante as sessões. Assim, foi comportamental. Uma teoria sobre
268 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

psicoterapia precisa estar baseada em understanding of the therapeutic


especificidades dessa prática relationship in effecting change. Behavior
Therapy, 27, 623-641.
profissional e tentar englobar os
Gálvez, M. S., Prieto, P. S. & Nieto, P. B.
diversos aspectos da mesma, de forma a
(1991). Análisis funcional de la
acomodar novas contribuições em sua conducta: Un modelo explicativo.
estrutura. Granada: Universidad de Granada.
Hayes, S., Strosahl, K. & Wilson, K. (1999).
Acceptance and Commitment Therapy:
REFERÊNCIAS An Experimental Approach to Behavior
Bordin, E. (1979). The generalizability of Change. New York: Guilford Press.
the psychoanalytic concept of the Hayes, S., Luoma, J., Bond, F., Masuda, A. &
working alliance. Psychotherapy: Lillis, J. (2006) Acceptance and
Theory, Research, and Practice, 16, commitment therapy: Model, processes
252-260. and outcomes.
Bowen, G. (2006) Grounded Theory and Behavior, Research and Therapy, 44, 1-25.
Sensitizing Concept. International Hayes, S. C., Masuda, A., Bissett, R., Luoma,
Journal of J. & Guerrero, L. F. (2004). DBT, FAP,
Qualitative Methods, 5. Retirado no dia and ACT: How empirically oriented are
16/04/2007, do site http://www.ualberta. the new behavior therapy technologies?
ca/~iiqm/backissues/5_3/pdf/bowen.pdf. Behavior Therapy, 35, 1-31.
Braga, G. & Vandenberghe, L. (2006). Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001).
Abrangência e função da relação Psicoterapia Analítica Funcional:
terapêutica na Terapia Comportamental. Criando relações terapêuticas e curativas
Estudos de Psicologia, 23, 307-314. (F. Conte, M. Delitti, M. Z. da S.
Charmaz, K. (2003). Grounded theory: Brandão, P. R. Derdyk, R. R.
Objectivist and constructivist methods. Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco,
Em N. K. R. Starling, trads.). Santo André: ESETec.
Denzin & Y. S. Lincoln (Orgs.), Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1994).
Strategies for qualitative inquiry (pp. Functional Analytic Psychotherapy: A
249-291). Thousand Oaks: Sage. behavioral approach to treatment and
Eysenck, H. J. (1952). The effects of integration. Journal of Psychotherapy
psychotherapy evaluation. Journal of Integration, 4, 175-201.
Counseling Psychology, 16, 319-324. Martin, C., Garske, J. P. & Davis, M. K.
Eysenck, H. J. (1959). Learning theory and (2000). Relation of the therapeutic
behavior therapy. Journal of Mental alliance with outcome and other
Science, 105, 61-75. variables: A meta-analytic review.
Eysenck, H. J. (1994). The outcome problem in Journal of Consulting & Clinical
psychotherapy: what have we learned? Psychology, 68, 438-450.
Behavior Research and Therapy, 32, 477- Moxley, R. A. (1999). The Two Skinners,
495. Modern and Postmodern. Behavior and
Freud, S. (1912/1980). A dinâmica da Philosophy, 27, 97-125.
transferência. Em Edição Standard das Moxley, R. A. (2001). The
Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. Modern/Postmodern Context of
XII, pp. 131-143). Rio de Janeiro: Imago. Skinner’s Selectionist Turn in 1945.
Freud, S. (1913/1980). Recomendações aos Behavior and Philosophy, 29, 121153.
médicos que exercem a psicanálise. Em Safran, J. D. (1993). Breaches in the
Edição Standard das Obras Completas de therapeutic alliance: An arena for
Sigmund Freud (Vol. XII, pp. 147-159). negotiating authentic relatedness.
Rio de Janeiro: Imago. Psychotherapy: Theory, Research and
Follette, W. C., Naugle, A. E. & Callaghan, G. Practice, 30, 11-24.
M. (1996). A radical behavioral Safran, J. D. (2002). Ampliando os limites da
Análise Comportamental Clínica 269

Terapia Cognitiva: O relacionamento


terapêutico, a emoção e o processo de
mudança. Porto Alegre: Artmed.
Safran, J. D. (2003). The Relational Turn, the
Therapeutic Alliance, and Psychotherapy
Research: Strange Bedfellows or
Postmodern Marriage? Contemporary
Psychoanalysis, 39, 449-475.
Safran, J. D. & Muran, J. C. (1996). The
resolution of ruptures in the therapeutic
alliance. Journal of Consulting and
Clinical Psychology, 64, 447-458.
Safran, J. D. & Muran, J. C. (2000a).
Resolving therapeutic alliance ruptures:
diversity and integration. Journal of
Consulting & Clinical Psychology, 56,
233-243.
Safran, J. D. & Muran, J. C. (2000b).
Negotiating the therapeutic alliance: A
relational treatment guide. New York:
Guilford Press.
Safran, J. D., Muran, J. C., Samstag, L. W. &
Stevens, C. (2002). Repairing Alliance
Ruptures. Em J. Norcross (Org.),
Psychotherapy Relationships that Work:
Therapist contributions and
responsiveness to patients (pp. 235-254).
New York: Oxford Press.
Safran, J. D., Muran, J. C., Samstag, L. W. &
Winston, C. (2005). Evaluating
alliancefocused intervention for potential
treatment failures: a feasibility study and
descriptive analysis. Psychotherapy:
Theory, Research and Practice, 42, 512-
531.
Skinner, B. F. (1953/2002). Ciência e
Comportamento Humano (J. C. Todorov
& R. Azzi, trads.). São Paulo: Martins
Fontes.
Skinner, B. F. (1969/1980). Contingências do
reforço: uma análise teórica (R. Moreno
trad.) Em Coleção Os Pensadores. São
Paulo: Abril Cultural.
Vandenberghe, L. (2002). A prática e as
implicações da análise funcional. Revista
Brasileira de Terapia Comportamental e
Cognitiva, 4, 35-45.
Vandenberghe, L. & Pereira, M. B. (2005). O
papel da intimidade na relação
terapêutica: uma revisão teórica à luz da
análise clínica do comportamento.
Psicologia, Teoria e Prática, 7, 127-136.
Capítulo 13

Comportamento Governado por Regras


O entendimento
comportamento humano é
imprescindível para o aprimo-
do Segundo Albuquerque (2001), as
regras não podem ser definidas
somente
ramento dos indivíduos e para que 1
possam melhor resolver seus
problemas. O Behaviorismo Radical Um Estudo de
utiliza-se da história filogenética e
ontogenética para a compreensão,
previsão e controle do comportamento
Caso
Caroline Cunha da Silva
humano. A Análise do Comportamento
explica a causa dos comportamentos Ana Karina C. R. de-Farias
por meio de análise de contingências,
ou seja, regras que descrevem
como estímulos discriminativos
dependências entre antecedentes
especificadores de contingências,
ambientais, respostas do organismo e
como dito anteriormente. Alguns
suas consequências, dando ênfase à
autores criticam essa definição
relação funcional entre esses
dizendo que estímulos discriminativos
elementos. Dessa forma, afirma-se que
evocam comportamento
um comportamento é adquirido e
imediatamente, aumentando a
mantido devido a suas consequências
probabilidade da emissão de
– sendo estas dependentes de seu valor
determinado comportamento naquele
de sobrevivência – e não a sensações
contexto, enquanto no comportamento
que lhe estejam associadas (Skinner,
governado por regras há uma lacuna
1953/1998, 1974/1982).
temporal entre a apresentação do
Uma das formas de controle sobre
operante verbal, a regra, o
o comportamento dos indivíduos é
aparecimento do estímulo
aquele exercido por regras ou
discriminativo e a emissão do
instruções. O comportamento de
comportamento especificado na regra.
seguir regras envolve seguir
Segundo Baum (1994/1999), a
conselhos, instruções, ordens ou
explicação para a ocorrência da lacuna
outros comportamentos que
temporal seria que o comportamento
descrevam, completa ou
desejado generalizou-se e parte do
incompletamente, contingências. As
contexto para a ação já ocorreu em um
regras são estímulos discriminativos
momento anterior.
verbais que especificam contingências,
Tendo em vista essa controvérsia,
podendo estar descritas de forma
há autores que definem regras como
implícita ou explícita (Baum,
estímulos verbais antecedentes, que
1994/1999; Hayes, Brownstein e
podem exercer diferentes funções:
Zettle, 1986; Jonas, 2001; Meyer,
discriminativa, estabelecedora,
2005; Skinner, 1969/1980 e
eliciadora e/ou reforçadora. A
1974/1982).
diferença entre essa definição de
Análise Comportamental Clínica 271

regras para aquela em que elas contribuição pessoal” (Catania,


funcionariam apenas como estímulo Matthews e Shimoff, 1990; Skinner,
discriminativo é que, nesse caso, o 1974/1982).
estímulo verbal adquiriu essa função Os sentimentos, de acordo com a
por meio de uma história de visão de Skinner, associados aos dois
reforçamento, enquanto naquele, cada comportamentos também se diferem.
função pode ser adquirida por meio de Quando nos comportamos de
classes de equivalência. determinada forma a fim de evitar uma
punição social, os chamados
comportamentos éticos, deparamo-nos
1
O presente trabalho é parte da monografia de
com o comportamento privado
conclusão do curso de Especialização em
Análise Comportamental Clínica, no Instituto denominado medo. Quando o mesmo
Brasiliense de Análise do Comportamento, comportamento se deve às
defendida pela primeira autora sob orientação da contingências naturalmente
segunda. reforçadoras, o sentimento é de
As regras podem também alterar a valoração. Aqueles diretamente
função de estímulos discriminativos. expostos às contingências comportam-
Um estímulo discriminativo que antes se de maneira idiossincrática e estão
evocava um comportamento passa a mais propícios a sentirem os
evocar outro quando este é respondentes eliciados pela exposição
especificado pelas regras. As regras ao ambiente natural.
podem alterar a função de operações Portanto, há diferenças entre o
estabelecedoras e de estímulos comportamento diretamente modelado
punidores e reforçadores, mas, para por contingências e o comportamento
isso, precisam especificar pelo menos governado por regras. Para Baum
dois componentes de uma (1994/1999), um comportamento só é
contingência. Podem também denominado controlado por regras se
funcionar como operações formos capaz de descrevê-lo.
estabelecedoras, visto que podem Enquanto o comportamento modelado
evocar comportamentos e alterar a por contingências contempla um tipo
função de estímulos. Já que as regras de conhecimento chamado
nem sempre cumprem todas essas operacional, ou “saber como”, o
funções conjuntamente, o mais correto controlado por regras contempla o
seria definir as regras como operantes conhecimento declarativo, ou “saber
verbais com múltiplas funções sobre”.
(Albuquerque, 2001; de-Farias, 2001; Meyer (2005) também fala sobre a
Michael, 1982; Schlinger, 1993). eficácia, a força e a rapidez com que
O comportamento governado por as regras se instalam. Enfatiza que
regras é mais rapidamente aprendido indivíduos que utilizam autoinstrução
do que o modelado diretamente pelas ou instrução externa (estímulos
contingências. Porém, uma descrição verbais advindos de outro falante)
das contingências nunca é exatamente apresentam desempenhos mais
igual às mesmas, o que torna o apropriados e maior retardo no
comportamento regido por regras mais processo de extinção de respostas.
ostensivo, enquanto o contato com as Outra vantagem relatada sobre o
contingências parece significar “maior seguimento de regras é sua
272 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

importância para a sobrevivência da aprimora o desempenho inicial. A


espécie humana, pois permite (i) que aquisição de habilidades conceituais
haja emissão de comportamentos abstratas se dá principalmente por
autocontrolados, ou seja, em cujas meio de regras.
consequências reforçadoras são Álvarez (1996/2002) também fala
atrasadas; (ii) emissão de respostas de sobre regras ao especificar alguns
esquiva, sem que para isso seja operantes verbais, como mando e tato,
necessário entrar em contato com a sendo que estes utilizam instruções
contingência aversiva; (iii) aprender direcionadas a uma ação não verbal.
com maior rapidez; (iv) transmitir a Tatear seria o comportamento de
futuras gerações toda uma cultura descrever as contingências das quais o
(Guedes, 2001). comportamento é função,
O comportamento de seguir especificando o antecedente, a
regras, assim como o comportamento resposta e a consequência. Esse
de autocontrole, dá a possibilidade de comportamento teria a função de
se agir mais efetivamente no futuro, instruir outros comportamentos. O
quando o comportamento modelado mando especifica o reforçador
pelas contingências já estiver desejado. Esses operantes são
enfraquecido. A descrição das adquiridos e mantidos por meio da
contingências em vigor, ou a comunidade verbal da qual o indivíduo
formulação de regras, ajuda na tomada faz parte (Skinner, 1974/1982).
de decisão, no planejamento em longo Segundo Álvarez (1996/2002), a
prazo e a estabelecer propósitos e resolução de problemas, um misto de
metas (Jonas, 2001. Ver o capítulo de ações públicas e eventos privados,
Nery e de-Farias, neste livro, para utiliza operantes verbais para
maior discussão acerca de discriminar comportamentos
autocontrole). apropriados a serem executados. São,
Matos (2001) relata, além do portanto, regras ou produtos culturais
exposto acima, outras formas de o que funcionam como pistas verbais de
comportamento governado por regras como atuar convenientemente.
ser empregado, como quando se deseja Simonassi (1999) e Simonassi,
evitar a emissão de comportamentos Oliveira, Gosh e Carvalho (1997)
indesejados (fumar, abuso de álcool, também relatam que a resolução de
drogas, etc.) ou anular/ compensar os problemas envolve a descrição do
efeitos aversivos de certas próprio comportamento e das
consequências naturais (p. ex., “tome condições envolvidas na emissão do
muito líquido antes de fazer mesmo (tatos). Estudos relatados pelos
quimioterapia”). autores demonstram que é possível
De acordo com a autora ocorrer solução de problemas sem a
supracitada, as regras são importantes descrição de contingências. Esses
para o aprendizado de habilidades estudos mostraram também que a
motoras complexas (p. ex., tocar ocorrência de verbalizações sobre a
violão, dirigir, etc.), principalmente no resposta a ser reforçada aumenta as
início. Após essa fase, o indivíduo vai respostas apropriadas.
interagindo com as contingências Para Baum (1994/1999), o
naturais e é essa interação que comportamento de resolução de
Análise Comportamental Clínica 273

problemas é similar ao controlado por quanto as regras prescritas eram


regras, visto que o indivíduo emite específicas, foram seguidas e
respostas que foram reforçadas em consequenciadas. Baum (1994/1999)
situações semelhantes e, por meio da enfatiza a importância das regras
descrição das contingências, formulam porque elas mantêm uma cultura. Esse
autoinstruções que servem como aprendizado desde a infância se
estímulos discriminativos verbais. generaliza, e os estímulos
Kohlenberg e Tsai (1991/2001), discriminativos verbais condicionados
fundadores da Psicoterapia Analítica passam a controlar o comportamento
Funcional (FAP), também falam sobre do indivíduo em várias situações
o uso de descrições verbais (mandos e diferentes (com os pais, amigos,
tatos), que podem ser tanto públicas professores, etc.).
como privadas e que, quando se Skinner (1974/1982) diz que não
referem ao próprio indivíduo, precisamos descrever as contingências
propiciam um fortalecimento do de reforço para que sejamos afetados
comportamento. O tato sobre si por elas. Os comportamentos dos
mesmo ajuda o indivíduo a identificar indivíduos são modelados pela
as variáveis envolvidas em seu comunidade verbal, por meio de
comportamento (autoconhecimento), reforçadores sociais. Portanto, são as
enquanto o mando sobre si mesmo contingências descritas pelas regras
aumenta a eficácia do comportamento. que controlam o comportamento e não
Portanto, quando um tato ou mando as regras por si só. Porém, de acordo
especificam contingências e com Guilhardi (2005), quando o
comportamentos a serem emitidos, indivíduo não conhece a fonte de
estes são considerados regras, e ao controle de seu comportamento, ele
comportamento de segui-las, segundo não é capaz de exercer contracontrole
os autores, atribuiu-se o rótulo de ou emitir comportamentos que alterem
comportamento governado por regras. efetivamente as contingências em
Esses mandos e tatos, de acordo vigor, o que se torna uma real
com Jonas (2001), são vistos como dificuldade no caso do comportamento
autorregras à medida que são governado por regras.
descrições de contingências É fundamental que se conheça a
formuladas ou reformuladas pelo história de seguir regras dos
próprio falante e que passam a indivíduos para que se possa entender
controlar seu comportamento. A o repertório comportamental do
terminologia autorregras é criticada mesmo. A comunidade verbal na qual
por Banaco (2001), pois essas regras o indivíduo, durante sua infância,
não emergem de dentro do indivíduo, esteve inserido fará com que o mesmo
mas sim como consequência das se comporte de forma diferente na
contingências de reforçamento e idade adulta. Crianças com uma
punição passadas e presentes. educação na qual receberam muitas
De acordo com a FAP, o instruções, não tendo autonomia para
comportamento de seguir regras é se inserirem em situações novas,
modelado desde a infância e seu interagirem com as contingências e
seguimento dependerá da história de aprenderem com as mesmas, podem
reforçamento de cada indivíduo, do tornar-se adultos com comportamentos
274 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

insensíveis às contingências, que se governo (Pierce e Epling, 1995).


comportam para obterem reforços Skinner (1953/1998) fala sobre
arbitrários ou somente ao receberem essa influência das agências
ordens (Matos, 2001). controladoras, do poder que as
Os pais são figuras mesmas possuem, sobre variáveis que
importantíssimas no desenvolvimento afetam o comportamento dos
afetivo dos filhos. A criação de indivíduos. De acordo com o autor,
contingências punitivas e coercitivas certas instituições como o governo e a
pode produzir comportamentos e religião, principalmente, utilizam
sentimentos inadequados nos filhos processos comportamentais baseados
(comportamento de mentir, no poder de punir. Espera-se suprimir
sentimentos de culpa e medo). Atribuir o comportamento indesejado do
consequências positivas aos indivíduo, aquele que ameaça a
comportamentos dos filhos, como estabilidade do grupo, por meio de
reforçadores sociais generalizados, práticas coercitivas. Essa técnica é
gera sentimentos de bem-estar, empregada para o desenvolvimento do
satisfação, alegria, autoestima, etc. O comportamento obediente, comum na
problema ocorre quando os pais relação entre pais e filhos. Nesse tipo
passam a gratificar os filhos somente de controle, o indivíduo é treinado a
quando emitem comportamentos emitir uma resposta específica quando
ditados por eles como corretos ou em contato com um tipo de comando
adequados, e a puni-los sempre que verbal. Quando o indivíduo depara-se
emitem comportamentos ditados como com um comando para o qual não
errados ou inadequados. Dessa forma, possui resposta alternativa, ele
a criança passa a estabelecer uma simplesmente faz o que é mandado.
relação de troca com o outro e não de Para Skinner (1953/1998), as
amor, gerando um vazio afetivo agências controladoras deveriam
(Guilhardi, 2002). empregar reforçadores positivos na
O seguimento dessas ordens ou tentativa de controle do
regras (sobre o que é considerado comportamento dos indivíduos ao
“correto” ou “incorreto”) envolve duas invés de estímulos aversivos (algumas
contingências, sendo uma próxima e já o fazem). Assim, como efeito final
outra em longo prazo. A contingência sobre o grupo, o controle exercido
próxima envolve aprovação social ou evocaria respostas emocionais
retirada de estímulos aversivos, positivas e o comportamento de apoiar
enquanto a contingência última a fonte de controle.
envolve sobrevivência da espécie, A religião é uma fonte de controle
saúde e bem-estar. Para que a resposta fortíssima para o comportamento dos
especificada na regra possa ocorrer indivíduos. De acordo com
mesmo na ausência da regra, o Vandenberghe (2005), a religião pode
indivíduo deve entrar em contato com ter uma função alienante, tornando-se
as contingências (Baum, 1994/1999). um problema na terapia. Regras são
Em decorrência de contingências formuladas por um agente controlador
sociais, verifica-se o seguimento de (pastor, padres), resolvendo alguns
regras formuladas por instituições problemas da vida do indivíduo, que
religiosas, pela sociedade e pelo passa a empregá-las em situações
Análise Comportamental Clínica 275

descontextualizadas, tornando-se um apresentando timidez. Podem revoltar-


substituto enganoso da terapia. O autor se, como contra-atacar o agente
cita exemplos de preceitos bíblicos, controlador, ou apresentar resistência
regras que acarretariam passiva, como no caso de não
comportamentos de acomodação responder de acordo com os
diante de dificuldades, procedimentos controladores. O
desconsideração de suas próprias indivíduo pode começar a dar
necessidades e direitos, respostas discriminativas ineficientes
comportamentos de submissão, dentre ou inexatas, ter um autoconhecimento
outros. deficiente e aplicar contingências
É interessante ressaltar alguns aversivas a si mesmo, como forma de
sentimentos que podem ser produzidos evitar algo ainda mais aversivo.
por contingências coercitivas, como as Os subprodutos emocionais
empregadas pelas instituições citadas, associados a esses comportamentos
sendo esses sentimentos de são (i) o medo, podendo gerar uma
responsabilidade, racionalidade e mudança no comportamento operante
tolerância à frustração. O “eu do indivíduo, como a fuga ou a
racional” é produto de uma história de “paralisia”; (ii) a ansiedade (que
reforçamento, na qual o acompanha a fuga ou a esquiva
comportamento é governado, comportamental) e/ou (iii) a ira e a
basicamente, por regras ou raiva que acompanham a revolta e a
autorregras. A alta tolerância à depressão, decorrentes do excesso de
frustração é produto não só de controle.
contingências coercitivas, como Outro meio de controle social é o
também da extinção ou baixa que chamamos de comportamento
densidade de reforços positivos. O ético, mencionado anteriormente, que
indivíduo pode desenvolver um nada mais é do que o controle do
repertório de fuga-esquiva como homem por outro homem. Para isso,
subproduto das regras e autorregras, há sempre o envolvimento de uma
evitando entrar em contato com as comunidade que compartilha certas
consequências aversivas (Guilhardi, práticas consideradas adequadas e
2005). onde seus membros se punem ou se
Complementando as ideias reforçam por manterem essas práticas.
descritas anteriormente, Skinner A comunidade dita não só os deveres,
(1953/1998) também fala sobre os mas também os direitos dos
subprodutos do controle, pois as indivíduos. Esse controle se estende
agências controladoras restringem e até a alguns aspectos considerados de
punem o comportamento egoísta decisão pessoal, por exemplo, a forma
reforçado primariamente no indivíduo. como o corpo será utilizado, o tipo de
Como consequência do uso do poder trabalho efetuado, a forma como um
para punir, os indivíduos podem emitir veículo será conduzido, entre outros.
comportamentos de fuga do O que chamamos de direitos é visto
controlador, em alguns casos como comportamento verbal – mandos
envolvendo-se com drogas, emitindo e tatos. Estes controlam o
comportamentos ineficientes, como, comportamento do falante ou do
por exemplo, a divagação ou ouvinte ao especificar as respostas que
276 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

serão reforçadas (Vargas, 1975). (Matos, 2001).


De acordo com Guedes (2001), o A comunidade verbal treina o
comportamento de seguir regras é indivíduo a emitir estímulos verbais
ensinado desde a infância e as correspondentes com suas ações, ou
respostas descritas nas regras são seja, treina a correspondência dizer-
reforçadas arbitrariamente, o que pode fazer. Nesse contexto, o
tornar esse tipo de comportamento comportamento de formular regras é
alienante, quando não resulta em reforçado arbitrariamente, enquanto o
reforçadores naturais. Isso se torna um de seguir as regras é reforçado
problema, pois pode-se concluir que o naturalmente. Um problema que pode
comportamento de seguir regras ocorrer é quando o comportamento de
deixará de ser emitido assim que se formular regras continua a ser
retirarem as consequências arbitrárias. reforçado socialmente e o de seguir
Quando isso não ocorrer, ou seja, regras não, fazendo com que o
quando o comportamento controlado primeiro permaneça, ocorrendo,
pela descrição verbal se mantiver, é nesses casos, uma fala esquizofrênica,
devido às contingências sociais megalomaníaca ou a do mentiroso
aversivas vivenciadas pelo indivíduo. patológico.
Reforçando essa afirmação, Essa correspondência entre dizer e
Kohlenberg e Tsai (1991/2001) fazer é fundamental na educação de
descrevem que todo comportamento é jovens, que observam os
modelado por contingências, até comportamentos dos adultos e deles
mesmo o comportamento instruído. retiram descrições das contingências,
Como dito anteriormente, o formulando regras que controlarão
comportamento instruído ou seus comportamentos (Matos, 2001).
governado por regras ocorre sem O indivíduo pode, também,
contato prévio com as contingências formular autorregras “disfuncionais” e
naturais, mas é mantido por não ser capaz de reformulá-las,
reforçamento. interagindo de forma inadequada com
O comportamento de seguir regras a realidade, tornando seu
dependerá da natureza das mesmas. comportamento insensível às
Quando são complexas e as contingências (Jonas, 2001). De
contingências simples de serem acordo com Banaco (2001), essas
discriminadas, os indivíduos tendem a autorregras “disfuncionais” surgem da
ter seus comportamentos modelados formulação de causa-efeito entre
pelas contingências. Quando as respostas e eventos inexistentes, que
contingências são complexas, o coincidem temporalmente, evocando
desempenho dos indivíduos tende a comportamentos que tragam
variar, até que comecem a discriminar sofrimento ao indivíduo ou a outras
as contingências ou a formular pessoas próximas a ele. O sofrimento
autorregras com base em experiências do indivíduo que segue essas regras
passadas semelhantes, passando a se que não correspondem à realidade é
comportar em função das mesmas. Os caracterizado pelo desenvolvimento de
indivíduos que agem conforme as medos, inseguranças e rituais
contingências, também podem passar a desnecessários (Guilhardi, 2005).
descrevê-las, formulando autorregras Essas regras ou autorregras
Análise Comportamental Clínica 277

irracionais (sendo específicas ao O terceiro fator relaciona-se à


agente que as elaborou) tornam-se variabilidade comportamental, ou seja,
alienantes, passando a ter a função de quanto maior o número de esquemas
estímulo discriminativo ou estímulo de reforçamento e alternativas
que elucida que as consequências comportamentais, maior será a
serão punitivas, estabelecendo ocasião sensibilidade às contingências. Outros
para a emissão de comportamentos fatores importantes são a densidade
privados (emoções e sentimentos) e dos reforços contingentes ao
emissão de comportamentos públicos comportamento instruído, a história de
ou verbalizações sobre sentimentos. reforçamento de seguir regras do
Como essas regras foram instaladas indivíduo e o grau de
arbitrariamente por pessoas discriminabilidade das contingências
importantes do contexto social do em vigor.
indivíduo, o terapeuta pode servir De acordo com Banaco (2001), o
como uma comunidade social papel do terapeuta, ao lidar com
diferente, manejando novas clientes que relatam possuir
contingências, ajudando o cliente a repertórios comportamentais que
desconstruir e reconstruir tais regras geram sofrimento, é o de analisar as
(Guilhardi, 2005). contingências que controlam o
Segundo Meyer (2005), essa comportamento-queixa do cliente e
insensibilidade a mudanças nas mudá-las. Banaco apresenta um caso
contingências de reforço, no clínico, no qual ocorriam
comportamento governado por regras, comportamentos governados por
pode ocorrer devido a diversos fatores. regras de forma “disfuncional”, e
O primeiro fator é se há contato com a descreve procedimentos terapêuticos
discrepância entre instrução e que o ajudaram a trabalhar com a
contingência atual. Quanto maior for o queixa e com a demanda do cliente.
contato, maior será a sensibilidade Utilizou análises funcionais do
comportamental (Otto, Torgrud e problema, identificação de outras
Holborn, 1999). O segundo fator é o autorregras “disfuncionais”,
conteúdo das instruções, ou seja, verificando qual a função das mesmas,
quanto maior for a especificação da aumento do repertório social do
instrução, mais controlado pelas regras cliente, introdução de novas regras
será o comportamento. Esse fator mais funcionais e revisão de
também é mencionado no estudo de autorregras que descreviam falsas
Albuquerque e Ferreira (2001), no contingências.
qual o seguimento de uma regra A mudança de um comportamento
depende da extensão da mesma, ou deve passar pela análise das variáveis
seja, o número de respostas diferentes de controle do mesmo. A intervenção
descritas na regra, e por Skinner em um indivíduo cujo comportamento
(1974/1982), ao mencionar que, é modelado pelas contingências
quando o indivíduo se comporta em (paradigma A – C) e de outro cujo
função das contingências reforçadoras comportamento é governado por
e estas são complexas, pouco claras ou regras (paradigma A – B – C) deve ser
pouco reforçadoras, as regras tornam- diferenciada. Nesse paradigma, a letra
se mais eficazes. “A” significa os eventos externos/
278 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

ambientais, a letra “B” representa assegure de que terá mais tempo com
eventos privados (“cognitivos”) e a o mesmo. O terapeuta deve apresentar
letra “C”, as ações públicas um padrão comportamental diferente
(Kohlenberg e Tsai, 1991/2001). da comunidade verbal na qual o
Na intervenção baseada no cliente está inserido, ficando atento
paradigma A – B – C, seria enfatizado para não punir a fala do mesmo.
o campo “B”, relacionado aos mandos Assim, diante dessa audiência não
e aos tatos direcionados a si mesmo. punitiva, o cliente poderá emitir
Esses operantes verbais são vistos comportamentos anteriormente
como comportamentos privados, punidos, juntamente com respostas
sendo analisados funcionalmente. O emocionais, tornando possível a
trabalho consiste em evocá-los durante extinção dos subprodutos do controle
a terapia, durante a sessão, trabalhando aversivo.
o aqui-e-agora. Outra forma de É interessante também a reflexão
trabalho consiste na inclusão de que Guedes (2001) faz sobre esse
técnicas da Terapia Cognitiva: tema. Segundo ela, há uma incoerência
apresentação de argumentos lógicos, no trabalho do terapeuta, pois, ao
questionamento das evidências e mesmo tempo em que instrui o cliente
apresentação de instruções para a interagir com as contingências, para
mudança de crenças, o que é, que o comportamento do mesmo possa
basicamente, dar regras ao cliente. O ser diretamente modelado por elas, a
ideal também é expor o cliente às instrução se faz de forma que esse
contingências que poderiam levá-lo a estímulo verbal passa a funcionar
uma mudança de comportamento, como regra, ou seja, o terapeuta
fortalecendo o estabelecimento de um reforça o comportamento de seguir
novo repertório comportamental. regras do cliente. Portanto, a autora
De acordo com essa abordagem, a expõe o paradoxo nos quais os
dificuldade existe quando o terapeutas estão inseridos.
comportamento do cliente muda Tendo em vista a dificuldade e a
porque está sob controle do relevância da discussão referente ao
comportamento verbal do terapeuta, papel das regras no ambiente
não sendo reforçado naturalmente por terapêutico, o presente trabalho
contingências presentes em seu dia a objetivou ilustrar um caso de
dia. A FAP, apesar de utilizar comportamento predominantemente
argumentação lógica nesses casos, não governado por regras e suas
se restringe a dar regras aos clientes. implicações no cotidiano do indivíduo,
Relacionado a isso, Skinner (1953/ assim como descrever os
1998) descreve alguns procedimentos procedimentos terapêuticos utilizados.
importantes na terapia. O terapeuta, Foi realizado em função de um
como um agente controlador, deve atendimento psicoterapêutico,
atentar-se sobre a forma como utilizará realizado no Instituto Brasiliense de
seu poder. Oferecer reforçadores Análise do Comportamento (IBAC). O
positivos, como acolhimento, tema central do caso clínico foi o
promessa de alívio, escuta, são comportamento de seguir regras,
importantes para garantir a volta do emitido em alta frequência pela
cliente, assim como tudo o mais que o cliente, sendo esta uma mulher de 22
Análise Comportamental Clínica 279

anos, solteira e com curso apresentando alguma dificuldade para


universitário incompleto. A cliente descrever eventos. Procurou-se
estava inserida em ambientes levantar informações sobre a relação
controladores, nos quais era utilizada a da cliente com sua família, amigos,
punição como forma de exercer o namorado e professores. Foi formado
poder. Assim, a cliente passou a emitir um bom vínculo terapêutico,
alguns comportamentos socialmente garantindo o retorno da cliente à
tidos como “inadequados” com a terapia. A terapeuta considerou a
função de fugir desse controle, cliente extremamente simpática,
apresentando um repertório agradável e com fala um pouco
comportamental restrito. dificultada pela emoção.

CASO CLÍNICO Demais encontros


Manu (nome fictício) tinha 22 anos, Foram realizados encontros semanais,
possuía curso universitário totalizando 29 encontros, nos quais se
incompleto, morava com sua mãe, procurou trabalhar com a demanda da
com seu pai e sua gata. A mãe era do cliente. Cada sessão durava 50
lar e o pai, militar. Era a caçula e tinha minutos. Os recursos utilizados no
dois irmãos (vivos); um irmão mais processo terapêutico consistiram em
novo havia falecido. Os irmãos eram textos e exercícios de:
casados: o irmão, médico (29 anos),
(a) auto-observação: solicitou-se à
não a visitava muito, e a irmã (30
cliente que registrasse, durante o
anos) morava em outra cidade.
final de semana, tudo o que
Foi a própria cliente que procurou
ocorresse (comportamentos
pelo atendimento psicoterapêutico em
públicos e privados). Esse registro
função de ter um humor cíclico e por
foi feito ao longo de toda a
não se conhecer. Disse também não
terapia.
ser perseverante em muitas de suas
(b) levantamento da história de
ações e gostaria de se conhecer mais.
reforçamento, cujo objetivo foi
Segundo ela, desistia de muitas coisas
conhecer e elucidar as
que começava (nas quais havia
contingências responsáveis pela
necessidade de demonstrar bom
aquisição de alguns de seus
desempenho) e possuía momentos de
comportamentos e crenças. Esse
“altos e baixos”, sem saber o porquê.
exercício foi feito fornecendo à
cliente uma lista com vários
Primeiro encontro comportamentos potencialmente
O primeiro encontro destinou-se a emitidos por seus pais, na qual ela
estabelecer um contrato terapêutico deveria marcar os que foram
verbal com a cliente, explicando o presentes na sua história passada.
funcionamento da clínica e da Após isso, houve uma discussão
psicoterapia. Foi feito, também, um sobre os mesmos.
rapport inicial, no qual a terapeuta (c) história de reforçamento de
procurou acolhê-la e escutar sua acordo com as fases de vida da
queixa principal. Manu se comportou cliente. Neste exercício, solicitou-
de forma mais introvertida, se à cliente que relembrasse fatos
280 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

ocorridos em alguns períodos de namorado, sogra, mãe).


sua
O trabalho foi desenvolvido
vida, em intervalos de cinco
tentando seguir a ordem descrita, mas
anos, até a idade atual.
os procedimentos não eram
(d) autoconhecimento: conhecendo os excludentes. A cliente era
reforçadores negativos e os extremamente responsável, sempre
positivos. Solicitou-se à cliente realizando os exercícios de casa
que registrasse o que costumava propostos.
fazer para evitar sentir-se mal
(respostas emocionais de alívio) e História de vida
o que fazia para sentir-se bem Relação com o Pai: Disse nunca ter se
(respostas emocionais de prazer). dado bem com o pai, pois ele sempre
(e) conhecendo os objetivos de vida foi muito autoritário e punitivo. Manu
da cliente, solicitando que relacionava esse comportamento do
registrasse em um papel como pai ao fato de ele ser militar. Dizia que
gostaria de estar 10 anos mais sua casa mais parecia um quartel, onde
tarde. todos tinham que obedecer às ordens
(f) modelação do comportamento, do pai, sem questioná-lo. Ele sempre
por meio da leitura de textos. bebeu muito e ficava agressivo quando
estava alcoolizado. Contava que,
(g) role-playing e inversão de papéis,
quando era criança, seu pai brigava
no qual terapeuta e cliente
com sua mãe na sua frente. Manu não
trocavam de papéis, simulando
sentia vontade de se aproximar dele.
situações que faziam parte da vida
Ele já havia traído a esposa e a cliente
da cliente.
ficava triste em ver sua mãe triste. No
O procedimento terapêutico teve início da terapia, a relação deles se
por objetivos levar a cliente a: baseava somente em cumprimentos.
(i) aprender a observar seu ambiente Relação com a Mãe: Disse ser um
de forma apropriada, pouco melhor que a relação com o pai,
descrevendo as contingências mas elas não eram amigas (“ela não é
presentes no mesmo de forma minha amiga, é minha mãe”). De sua
acurada. infância até o início da terapia, Manu
(ii) fazer análises funcionais de seus procurava fugir dos assuntos dos quais
comportamentos. não gostava de falar, relatando
(iii) construir regras mais assuntos “bobos” ao invés do assunto
“funcionais”. que a incomodava. Isso porque sua
mãe era muito crítica e, ao não falar
(iv) ampliar seu repertório
certas coisas, evitava comentários de
comportamental (no momento,
sua mãe que a chateavam e dos quais
emitia mais comportamentos de
ela não sabia se defender. Falava que a
fuga-esquiva).
mãe era muito “tradicional”; portanto,
(v) desenvolver habilidades sociais
não conversavam sobre o namoro dela.
(iniciar uma conversação;
Manu tinha receio de que falassem
técnicas de aproximação;
sobre sexo, pois a mãe achava errado
assertividade – negar pedidos).
ter relações sexuais antes do
(vi) desenvolver contracontrole (com
casamento.
Análise Comportamental Clínica 281

Relação com os Irmãos: Possuía um muito as palavras antes de falar, por


irmão que faleceu – na época, ela tinha medo de ser criticada. Possuía muita
15 anos e ele 18. Disse não saber se dificuldade em fazer amizades.
isso era um problema para ela. Era o Namorava há aproximadamente um
irmão com o qual tinha maior vínculo. ano e não conseguia fazer amizade
A causa da morte até o início da com os amigos do namorado. Achava
terapia não era conhecida, uns que só deveria falar assuntos
achavam que ele tinha se suicidado, agradáveis e interessantes, mas, como
outros que havia sido homicídio. O pensava que não iria agradar, ficava
fato havia acontecido em uma chácara, quieta. Disse que recentemente havia
em um final de semana, e haviam entrado um membro novo no grupo de
concluído que ele tinha utilizado amigos do namorado, o qual já era
drogas nesse período. amigo de todos (sentia-se diminuída
Manu sabia que o irmão era usuário de por isso).
drogas. Após a morte deste irmão,
Relacionamentos Amorosos: Sempre
procurou se aproximar dos outros.
amou dançar e esse sempre foi um
Relatava que a irmã a conhecia muito
problema em seus relacionamentos,
bem e, só de olhar, sabia o que ela
pois seus ex-namorados não gostavam
estava pensando. Por conta disso,
de dançar e ela acabava deixando de
quando estava com a irmã, ou fugia ou
praticar essa atividade para agradá-los.
ia falando logo do problema para não
Teve seu primeiro namorado aos 17
ter de ouvir críticas.
anos. Na época da terapia, namorava
Profissional e Educacional: Estudou há aproximadamente um ano; ele tinha
desde a 5ª série no Colégio Militar. 23 anos, era professor de dança e
Sempre foi ótima aluna e chegou a Manu dizia que se davam muito bem.
receber um alamar (corda amarrada ao Ela teve sua primeira relação sexual
braço que simboliza que o aluno tirou com ele, aos 21 anos. Disse que o sexo
grande porcentagem de notas acima de era bom (essa informação foi buscada
9.0). No início da terapia, fazia pela terapeuta. A cliente não trouxe
faculdade e adorava seu curso. Fazia esse assunto novamente à terapia). O
dois estágios, um pela faculdade e namorado a ajudava nos momentos em
outro por um Tribunal. No Tribunal, que ficava triste, ligando e querendo
trabalhava com um professor que saber o que ela estava sentindo. Para
achava sério (muito inteligente). Dizia ela, isso era muito reforçador.
não fazer questão de se aproximar. No Reclamava que ele não era muito
estágio da faculdade (dava aula de carinhoso, não telefonava muito para
ginástica olímpica para crianças ela (no cotidiano “normal”) nem
deficientes), empenhava-se bastante e escrevia cartões. Ela telefonava para
o encarava como um grande desafio ele todos os dias, mandava cartões e
(dava aula sozinha e, por isso, achava era carinhosa. Dizia que ele não era
que não tinha tanto medo de errar). ciumento e que isso a incomodava.
Não se dava bem com a mãe do
Relacionamentos Interpessoais: Manu
namorado. Dizia que a sogra era uma
não gostava de falar de si. Evitava
na frente do namorado e outra quando
falar algo que pudesse diminuí-la, que
estavam somente as duas. Como Manu
a deixasse vulnerável e inferior. Media
tinha uma moto, sempre ia à casa do
282 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

namorado com a mesma. A sogra pois tinha medo de ser julgada e


achava que andar de moto não era gostava
coisa de “boa moça” e dizia isso para de estar bem diante dos amigos. A
Manu quando não estavam na ênfase na descrição das contingências
presença do filho/namorado. A cliente vivenciadas pela cliente ao longo da
passou a evitar ir à casa do namorado semana, quando se pedia à cliente para
para não precisar encontrar com a relatar alguns fatos registrados em seu
sogra. diário e que ela achasse relevante, foi
uma forma de ensiná-la a emitir tatos
Autoimagem: Achava-se feia; dizia
puros.
que queria ser mais esperta (atrair
mais a atenção dos outros, negar Foram realizadas análises
pedidos) e mais inteligente (dizer funcionais junto com a cliente e
coisas que agradassem aos outros). retiradas algumas regras que estavam
sendo empregadas de forma
O Quadro 13.1 apresenta algumas
descontextualizadas. Por exemplo, as
das análises funcionais realizadas.
autorregras: “não devo brigar com as
O Quadro 13.1 descreve análises
pessoas”; “as pessoas que são mais
funcionais feitas pela terapeuta após as
aceitas são aquelas que estão sempre
cinco primeiras sessões com a cliente.
bem” e “para gostarem de mim, tenho
Essas análises foram discutidas com
que agradar mais do que ser
Manu, que ficou surpresa ao entrar em
agradada”.
contato com as contingências de
Foi mostrado à cliente o porquê de
reforçamento em vigor. Apesar de
as regras terem sido estabelecidas
terem sido informações trazidas pela
(história de reforço contingencial a
mesma, ela nunca havia feito essas
responder conforme a vontade dos
relações entre os eventos.
pais) e foi feito o questionamento
Nos registros de comportamento,
socrático. Algumas perguntas feitas
efetuados de sexta-feira até segunda-
foram: “Será que essas regras
feira, os sentimentos registrados eram
correspondem à realidade? Por que
negativos. Quando perguntado a ela o
não devemos brigar? Por exemplo,
porquê de ter se sentido triste nos dias
quando sua mãe ou seu namorado
descritos, não sabia explicar. O
discordam de você ou questionam algo
registro foi analisado e, durante todos
que você disse ou fez, você passa a
os dias registrados, ela havia sido
gostar menos deles? Suas amigas a
ignorada pelo namorado, mas fingia
procuram para contar seus problemas?
estar tudo bem (mesmo diante dele).
O que você acha desse comportamento
Tinha medo de brigar e perdê-lo. Não
delas?” A terapeuta e a cliente
contava a ninguém seus problemas,
Quadro 13.1 Exemplos de Análises Funcionais realizadas em decorrência dos relatos da cliente
AntecedenteComportamentoConsequente

Diante de alguma situação que Falar de assuntos banais; esquivar-se das críticas;
envolva ser criticada abandonar a situação (desistir, preservação de sua imagem;
não perseverar) sensação de alívio
Diante da falta de carinho Procurar o namorado ou a mãe; companhia do namorado, mais
materno e paterno; da isolar-se (momentos de atenção e carinho do mesmo;
desatenção do namorado “baixos”) preocupação de algumas
pessoas: mãe e irmã
Diante das queixas da mãe; da Calar-se; fazer o que a mãe diminuição do tempo de fala da
sogra solicita (respondentes como mãe e da sogra (alívio)
ansiedade, raiva)
Análise Comportamental Clínica 283

verificaram se o emprego das regras


era apropriado a todas as situações.
O Quadro 13.2 descreve os
comportamentos apresentados pelos
pais da cliente durante a sua infância.
O que ficou mais evidenciado no
exercício foi a aceitação da cliente, por
parte dos pais, condicional a seus
comportamentos, principalmente em
relação ao desempenho escolar (regra
do pai: “aluno inteligente só tira nota 9
e 10”). Desde que se lembrava, a
cliente relatava ir bem na escola, mas
os pais não a elogiavam diretamente;
apenas relatavam para seus amigos

Quadro 13.2 Exemplos de comportamentos apresentados pelos pais da


cliente
Comportamentos

Comportamento verbal/visual restrito

Não demonstravam afeto

Pouca atenção disponível

Preferência por outro filho

Insensível aos seus sentimentos e dos outros irmãos

Filhos não eram uma prioridade

Aceitação, valorização de você condicional às suas atitudes

Conduta dos filhos baseada em regras

Decidiam pelos filhos

Diziam o que você devia fazer

Facilitavam a vida para você

Empregavam castigos e punições

Forte nível de exigência


284 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

os comportamentos exemplares outros reforçadores em sua vida.


emitidos por seus filhos. O pai nunca Cobrava que a cliente a acompanhasse
falava com ela diretamente; as a vários lugares (a cliente não gostava
proibições sempre eram feitas por de acompanhá-la, mas o fazia para
intermédio da mãe. Era proibida de agradá-la).
questionar a mãe; caso contrário, seu A mãe, na época da terapia da
comportamento era punido pelo pai. A cliente, tinha voltado a estudar e pedia
constituição de sua família era a forma para a filha fazer buscas na internet
tradicional: pai provedor e mãe para ela. A cliente não julgava correto
cuidadora. simplesmente atender ao pedido da
A mãe da cliente escolhia, quando mãe sem ensiná-la a trabalhar com o
ela era mais nova, o que ela deveria computador. Para ela, o correto seria
vestir e comer e ditava como uma contar com a participação da mãe no
moça educada deveria se portar. Manu processo, que se recusava em aprender
sempre lidou mais com críticas do que (fazia chantagem emocional, dizendo
com elogios, e isso ainda ocorria no que a filha não a amava, por isso não o
momento em que procurou terapia. fazia para ela). A cliente relatava se
Manu lidava com queixas de sua mãe sentir mal diante da fala da mãe e,
em relação à sua organização, assim, fazia o trabalho sozinha.
cuidados com o animal de estimação, Quando a cliente decidia comprar
alimentação, atenção despendida a ela algo para ela mesma, seu
(mãe) e a vaidade da filha. A mãe só comportamento era punido pela mãe,
demonstrava preocupação excessiva que dizia que deveria guardar o
quando a cliente passou a apresentar dinheiro para quando elas
momentos de “baixo astral” e a se precisassem. A cliente acabou parando
isolar. A cliente reclamava que, de comprar agrados para si. Esses
independente de suas ações (se ela fatos relacionavam-se à autorregra:
arrumasse a cama ou não, se ela “para ser amada, tenho que fazer pelo
alimentasse a gata ou não, se ela saísse outro”.
com a mãe ou não, etc.), a mãe sempre
reclamava. Nunca estava bom o
suficiente.
Manu nunca se sentiu amada pelos
pais (simplesmente por ser ela
mesma). Disse que eles viajavam
muito e que a mãe preocupava-se
exageradamente com o marido,
esquecendo-se um pouco de dar
atenção aos filhos. Sentia-se preterida
pelo irmão que faleceu.
A cliente sentia-se responsável
pela felicidade de sua mãe, pois a
mesma tinha descoberto uma traição
do marido (aproximadamente, cinco
anos antes do início da terapia),
continuava submissa a ele e não tinha
Análise Comportamental Clínica 285

Procurou-se analisar a história de perderia o prestígio com as pessoas.


reforçamento de acordo com as fases Com relação a essa autorregra, foram
da vida da cliente, conforme feitas análises situacionais da vida da
apresentado no Quadro 13.3. cliente, de momentos em que ela havia
O Quadro 13.3 descreve a história falhado (p. ex., reprovou na prova da

Quadro 13.3 História de reforçamento de acordo com fases da vida


De 0 a 5 anos De 5 a 10 anos De 10 a 15 anos De 15 a 20 anos

Brincadeiras de fazer Estudo e Brincadeiras na rua, Igreja


comidinha ou pular amizades saída com amigos ↓
elástico ↓ ↓ Regras; aprender a
↓ Preocupações Regras dos pais, lidar com perda do
Regras dos pais inadequadas dos pais proibindo ou irmão
proibindo limitando
de reforçamento da cliente de acordo autoescola, não conseguiu aprender a
com suas fases de vida. Nota-se que, tocar violão). Novamente, foram feitas
durante a infância da cliente, havia perguntas para a cliente, tais como:
uma preocupação excessiva dos pais “De que forma o fato de você não ter
com sua integridade física. Nota-se, passado na prova ou não ter aprendido
também, que a cliente possuía a tocar violão influenciou no prestígio
preocupações inadequadas para sua que você tem com as pessoas? Será
idade (muito preocupada em tirar boas que o prestígio que temos com os
notas). Após essas fases, ela passou a outros é construído devido a uma
frequentar a Igreja Católica. A cliente única ação nossa? Será que as pessoas
relatou que era muito religiosa, de grande sucesso não erram? O que
participava de um grupo jovem e que gera mais prestígio: não se envolver
isso a ajudou muito após a morte do em algumas situações para evitar o
irmão (sentiu-se amparada por Deus e, erro; errar, mas dissimular ou aprender
de acordo com citações bíblicas, seu com os erros e assumi-los?”
sofrimento seria recompensado). Na análise funcional, feita junto
Depois de um tempo, parou de com Manu, discutiu-se que essa regra
frequentar a igreja, por achar que a foi estabelecida ainda na infância da
instituição ditava muitas normas, sem cliente e era mantida pela comunidade
deixar espaço para a reflexão. Relatou verbal, na qual a aprovação social é
continuar acreditando em Deus e nos maior por aqueles que tiram notas
seus ensinamentos. altas, comportam-se de acordo com as
O Quadro 13.4 apresenta os normas da sociedade e mostram bons
comportamentos que eram reforçados desempenhos.
negativa e positivamente, resultantes Durante o exercício que levantou
de um exercício no qual procurou-se objetivos para o futuro, observou-se a
conhecer o que Manu fazia para evitar preocupação de Manu em aprimorar-
sentir-se mal e o que fazia para sentir- se profissionalmente (“formar-se e
se bem. cursar mestrado”), adquirir sua
Nos relatos, a cliente disse não independência financeira (“arranjar
poder falhar, porque, do contrário, um bom trabalho”) e conviver de
286 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

forma harmônica com as pessoas de um papo que fosse do agrado do outro,


quem gostava (“estar feliz com as que fosse julgado “inteligente”.
pessoas de que gosto”). Foi trabalhado Durante as sessões, foi incentivada a
o que ela estava fazendo para atingir fala descompromissada, propondo-se
esses objetivos. A cliente apresentou conversar sobre assuntos diversos,
medo e resistência de pensar sobre o reforçando o conhecimento que a
futuro, pois achava que seus planos cliente possuía. Foram trabalhados o
podiam falhar e, aí, a frustração seria comportamento não verbal e as
maior. Foram levantados outros medos técnicas de aproximação. A
da cliente, como ter filhos (regra – não assertividade da cliente também foi
queria ter filhos, pois achava que é foco de atenção, buscando, por meio
preciso ter uma família estruturada e de role-playing, modelar o
que não conseguiria, por não ser comportamento de defender seus
passível de ser amada para sempre), direitos.
pular de ponta em piscinas, ir a Após quatro meses de terapia, a
cachoeiras, assistir a filmes de terror. cliente já apresentava comportamentos
Manu chorou muito ao relatar isso: a de permitir que os outros fizessem por
regra que possuía é que pessoas fortes, ela (pagar jantar, dar presentes) e que
capazes, não têm medo de nada. Esses ela mesma fizesse o que gostava
medos foram trabalhados, fazendo (comprar o que tinha vontade,
análises funcionais das regras e independente da crítica da mãe;
demonstrando que foram formuladas conversar com pessoas estranhas – no
com base na história passada da trabalho, na faculdade –; falar para o
cliente. namorado sobre o que não gostou no
Após a leitura do texto “Seja Você comportamento dele). Ela estava
Mesmo” (o anexo), foram discutidos agindo de acordo com as novas regras
os trechos que passavam novas regras que foram formuladas ao longo das
mais “funcionais”, tais como “aceite a sessões e também já estava interagindo
vida como ela é, que ela aceitará você com as contingências reforçadoras
do seu jeito. Todo mundo erra. Os naturais advindas desses novos
erros mostram o que não sabíamos”, repertórios.
“seja você mesmo e se tornará A fim de possibilitar o
deslumbrante”, “não tente agradar contracontrole, foram levantados junto
ninguém. Os outros são tantos e à cliente comportamentos de sua mãe
querem tantas coisas contrárias, que é que a desagradavam, que a agradavam
impossível agradar a todos”. e quais comportamentos que ela
Nas sessões em que foi trabalhado gostaria que a mãe tivesse (esse
o desenvolvimento de habilidades exercício foi feito pela dificuldade da
sociais, procurou-se fazer um cliente em defender seus direitos em
levantamento de como a cliente vinha casa e sua queixa de falta de atenção
interagindo com grupos de amigos e da mãe). Verificou-se que o
com pessoas desconhecidas. A comportamento da mãe de passar
dificuldade estava em iniciar algumas regras relacionadas a horário
conversas com desconhecidos ou e alimentação estava sendo mantido
pessoas com as quais não tinha tanta pela atenção e seguimento que a
intimidade. Preocupava-se em iniciar cliente dava às mesmas. Algumas
Análise Comportamental Clínica 287

regras da cliente foram confrontadas esquiva social, principalmente no


com as contingências reais próprio ambiente familiar. Pode-se
vivenciadas por ela (p. ex., “tenho que supor que seus irmãos apresentavam
fazer mais pelos outros para que esse mesmo padrão comportamental,
gostem de mim”). pelo fato de irem visitar a família com
Na 29ª sessão, foi discutido todo o baixa frequência e pela falta de
trabalho que cliente e terapeuta contato físico quando estavam
fizeram juntas, ressaltando-se todos os próximos, podendo ser essa uma
ganhos. A cliente passou a emitir mais forma de evitar entrar em contato com
tatos puros, a exercer mais algo aversivo. O envolvimento do
contracontrole (com namorado, sogra, irmão mais novo com drogas também
amigos, mãe), diminuiu o relato de pode caracterizar uma esquiva
momentos de “baixo astral”, passou a comportamental. Esses padrões estão
permitir que as pessoas fizessem mais de acordo com o descrito por Skinner
por ela e a mostrar que queria esse (1953/1998), quando relata os
acolhimento (tanto com os amigos subprodutos do controle aversivo.
quanto em casa). Além disso, passou a Manu evitava contato com seu pai
se ver de forma diferente (estava se ou, quando entrava em contato com o
achando mais bonita e mais mesmo, era agressiva; não sabia
inteligente). exercer contracontrole com sua mãe e
com seu namorado, o que resultava em
“momentos de tristeza”. Esses
CONSIDERAÇÕES FINAIS
comportamentos também são
O estudo de caso descrito ilustra bem
caracterizados por Skinner
o sofrimento e o repertório
(1953/1998), quando relata sobre os
comportamental restrito de um
comportamentos de revolta contra o
indivíduo que possui o comportamento
agente controlador, de fuga-esquiva e
predominantemente governado por
de resistência passiva. Os subprodutos
regras. Esse aspecto corrobora o que
emocionais do controle são o medo, a
foi dito por Skinner (1974/1982): o
ansiedade, a raiva e a depressão. A
sentimento predominante de seguir
presença desses respondentes podia
uma regra para evitar punição é o
ser notada em algumas respostas
medo, diferente do sentimento de
emocionais de Manu.
valoração pessoal, mais
Essas ideias também vão ao
provavelmente presente quando é o
encontro do pensamento de Matos
próprio indivíduo que aprende
(2001), pois demonstram a
interagindo com as contingências.
importância da comunidade verbal na
Nota-se uma coerência com os relatos
qual a criança está inserida para a
da cliente, nos quais esta apresentava
formação de adultos preparados,
um medo generalizado, comportando-
espontâneos e com iniciativa. A cliente
se mais para esquivar-se de situações
apresentava um receio muito grande
aversivas, e relatava não se sentir
de iniciar conversações, contra-
inteligente ou esperta o suficiente, por
argumentar, impor suas vontades e
falta de repertório verbal adequado.
direitos, talvez por essa falta de
Cabe lembrar que a cliente
treinamento com base na modelagem
apresentava comportamentos de
(exposição direta às contingências), ou
288 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

seja, exposição a situações que emocionais (como o medo e a


requeressem dela a emissão de ansiedade) geradas pelo excesso de
comportamentos dessa classe. É controle aversivo. Dessa forma, a
interessante ressaltar que Skinner cliente se esquivava de situações que
(1953/1998) também fala sobre essa poderiam ser reforçadoras, como
falta de repertório verbal de indivíduos trabalhos desafiadores, conversas com
que interagem constantemente com desconhecidos, etc. Notou-se também
regras. que, quando Manu emitia
O fato de a cliente ter estudado em comportamentos que tinham êxito
uma Escola Militar também pode ter (estava seguindo regras), atribuía
favorecido o fortalecimento de regras geralmente mérito a quem ditou as
já ditadas por seu pai, como “só os regras, o que muitas vezes a fazia
melhores são valorizados” (no Colégio sentir-se incapaz. Frequentemente,
Militar, as classes são formadas com sentia-se aliviada ao ter um bom
base na classificação); resultado (não teria seu
“questionamentos são feitos por comportamento punido), ao invés de
pessoas indisciplinadas” (conotação: observá-lo e exaltá-lo. Todos esses
“pessoas sem futuro”) e “seguir regras comportamentos emitidos pela cliente
é sinônimo de aceitação social”. Além ilustram formas de atuar que
disso, a cliente frequentou a Igreja favorecem o desenvolvimento de um
Católica durante cinco anos, repertório comportamental que
participando inclusive de grupo de denominamos “baixa autoestima”.
jovens. Como exposto por Complementando ainda o exposto
Vandenberghe (2005), a religião pode acima, a cliente era reconhecida,
ter uma função alienante. No caso da exclusivamente, quando emitia
cliente, a religião a ajudou no comportamentos que se enquadravam
momento de luto pela morte do irmão. naquilo que os pais achavam
Devido aos ensinamentos bíblicos, tais adequado, o que acabava
como “Deus jamais abandona seus caracterizando a relação com os pais
filhos” e “felizes aqueles que sofrem, como uma relação de troca. A vivência
pois serão consolados”, a cliente da cliente mostrou que ela fazia mais
passou a sentir-se consolada e a pela mãe do que o contrário. Como a
enfrentar a morte de forma autoestima é resultado de
diferenciada. Cabe ressaltar que, mais contingências de reforçamento de
uma vez em sua vida, a cliente buscou origem social, percebe-se o porquê da
regras que norteassem suas ações. queixa da cliente.
Assim, em sua visão, o mérito por ela Esse tipo de relação de troca
ter enfrentado esse momento de forma também pode ser verificado no
serena foi de Deus e não dela. relacionamento da cliente com amigos
A cliente queixava-se por não se e namorado. Ela costumava fazer mais
sentir bonita, esperta ou inteligente, o pelos outros, como se, ao fazer “o que
que poderia ser denominado “baixa deve ser feito pelo outro”, ela passaria
autoestima”. Esses comportamentos, a receber mais reconhecimento,
tanto públicos como privados, podem carinho, amizade e amor.
ser consequência do comportamento O seguimento de regras, como
governado por regras e das respostas referenciado por Guedes (2001), tem
Análise Comportamental Clínica 289

seus aspectos positivos (p. ex., a de seus comportamentos ou ensiná-lo


sobrevivência da espécie e do a descrever as fontes controladoras de
organismo). Os pais da cliente devem seus comportamentos permite que o
ter educado os filhos com base em mesmo exerça contracontrole ou emita
regras por acharem que dessa forma comportamentos que alterem tais
estariam preservando seus filhos de contingências em vigor (Guilhardi,
possíveis infortúnios. Isso pode ser 2005). O trabalho feito com a cliente
verificado na preocupação excessiva seguiu esse direcionamento, pois
dos pais no tipo de brincadeira, na buscava ajudá-la a ver que existia uma
educação e nos valores morais da “saída” para seu problema e o
filha. Infelizmente, esse caminho que deveria ser seguido para
comportamento dos pais resultou em encontrá-la.
um medo da cliente em inserir-se em Aprender a descrever as
situações novas/perigosas. contingências de reforçamento, ou seja,
O comportamento de ditar regras a emitir tatos, ajuda a favorecer a
também serve para evitar a emissão de variabilidade comportamental, de
comportamentos indesejados (Matos, acordo com Meyer (2005). O grau de
2001). No caso de Manu, depara-se discriminabilidade das contingências
com a visão tradicional dos pais frente em vigor é um dos fatores que
ao relacionamento sexual dos jovens influenciam na insensibilidade às
na atualidade. De acordo com os pais contingências. Outro fator referenciado
da cliente, ter relação sexual antes do pela autora é o contato do indivíduo
casamento era inadequado. Diante da com a discrepância entre instrução e
postura tradicional dos pais e do relato contingência atual. No estudo de caso
da cliente de não ter problemas na área apresentado, a cliente não discriminava
sexual, deve-se questionar até que as contingências em vigor, o que
ponto as regras da cliente (agradar a favorecia a emissão de
todos e ser perfeita em tudo) realmente comportamentos governados por regras
não interferiram nesse campo de sua não correspondentes à realidade. Em
vida. algumas situações, respondia de acordo
Como aponta Meyer (2005), o com as regras e autorregras, tendo seu
comportamento reforçado naturalmente
comportamento governado por regras
pelas contingências imediatas (reforço
evoca desempenhos mais apropriados
social – todos a achavam muito
e eficazes, o que talvez acabe
educada, muito simpática e uma “super
reforçando o comportamento dos pais
amiga”). Em outras situações, a cliente
de ditarem ordens ou aconselharem
esquivava-se de situações
seus filhos. Apontar para a cliente o
potencialmente aversivas, não entrando
porquê dos pais terem emitido tais
em contato com as discrepâncias.
comportamentos ajuda no processo de
A cliente apresentava um alto
autoconhecimento e,
gasto de energia para esquivar-se de
consequentemente, no tipo de
situações ameaçadoras à sua “imagem
comportamentos respondentes (deixar
social”. Corroborando o que foi dito
de sentir raiva) que serão eliciados
por Banaco (2001), esse
quando uma situação similar acontecer
comportamento gerava sofrimento,
novamente.
sendo seguido por insegurança e pela
Tornar o indivíduo “consciente”
falta de autoconfiança da cliente.
290 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Devido às autorregras formuladas uma história de reforçamento, na qual


em consequência da interação com as o comportamento é governado,
contingências (Matos, 2001), ou da basicamente, por regras. Como já dito
generalização das regras do agente anteriormente, o contato com várias
específico que as elaborou (os pais) instituições, ou agências
para outros indivíduos da comunidade controladoras, como a família, a
verbal a que pertencia, Manu passou a igreja, a escola, especialmente as
observar pequenos detalhes no vivenciadas pela cliente, deve ter
comportamento das pessoas, que lhe reforçado a emissão desses
serviam de sinais, estímulos comportamentos por ela.
discriminativos, para a emissão de Outro aspecto apresentado pela
comportamentos de fuga-esquiva (p. cliente foi sua alta tolerância à
ex., começar a conversar e achar que frustração, observada através do
está desagradando quando o ouvinte desenvolvimento de estratégias de
olhava para o lado, não a reforçava enfrentamento (fuga/esquiva
com a cabeça ou não sorria). Em casos comportamental) utilizadas durante
desse tipo, a intervenção do terapeuta um período longo de sua vida, mas
é dificultada, tendo em vista que o que nem sempre eram as mais
indivíduo não interage com as funcionais. Coube à terapeuta
contingências e, portanto, não tem a desenvolver um repertório
oportunidade de alterar suas regras comportamental que permitisse à
“disfuncionais” (aquelas que trazem cliente sentir-se protegida, mas que,
sofrimento). O terapeuta age diferente das estratégias de
ensinando a cliente a observar os enfrentamento estabelecidas por ela,
sinais sem interpretá-los com fosse “funcional” e trouxesse maiores
antecedência, favorecendo a benefícios em longo prazo
aproximação da mesma com outras (habilidades interpessoais).
pessoas, tendo o comportamento Na primeira sessão com Manu, a
reforçado naturalmente por isso. As terapeuta procurou ser bem
regras “disfuncionais” passam a ser acolhedora, favorecendo a escuta e
paralisantes, não permitindo ao sendo uma audiência não punitiva.
indivíduo uma série de vivências, Esses fatores, como descritos por
como, por exemplo, uma tarefa como Skinner (1953/1998), podem ter
pensar sobre o futuro. favorecido o estabelecimento do
O comportamento da cliente era vínculo terapêutico e o retorno da
exemplar durante as sessões, sendo cliente. A cliente, sentindo-se aceita
disciplinada em relação às tarefas que pela terapeuta, emitiu vários
lhes eram passadas, aos horários e o “comportamentos-problema” durante
seu comprometimento com a terapia as sessões (que poderiam ser
era altíssimo. Esses comportamentos denominados comportamentos
presentes não só nas sessões, mas em clinicamente relevantes do tipo 1,
vários contextos de sua vida, como conforme Kohlenberg e Tsai,
trabalho, faculdade, em casa, no 1991/2001), favorecendo a
namoro, já foi foco de discussão de intervenção no aqui-e-agora.
Guilhardi (2005), que relata que o “eu Diante dos fatos apresentados,
racional e responsável” é produto de questiona-se qual está sendo o papel
Análise Comportamental Clínica 291

das “células-base”, como a família e a do comportamento e da terapia


escola, na formação dos cidadãos, já cognitivo-comportamental (pp. 80-88).
Santo André: ESETec.
que deveriam proporcionar condições,
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o
e não apenas ditar regras, para que os
Behaviorismo: Ciência, Comportamento
indivíduos possam se desenvolver e Cultura (M. T. A. Silva, G. Y.
“cognitiva” e emocionalmente, sendo Tomanari & E. E. Z. Tourinho, trads.).
cidadãos ativos em nossa sociedade, Porto Alegre: Artmed.
reflexivos e espontâneos. Álvarez, M. P. (1996/2002). O sujeito na
Sabe-se que o papel das modificação do comportamento: Uma
instituições religiosas é propiciar análise comportamental. Em V. E.
Caballo (Org.), Manual de Técnicas de
crescimento espiritual e pessoal a seus Terapia e Modificação do
fiéis. Nota-se, porém, que em muitos Comportamento (pp. 61-79) (M. D.
casos as regras transmitidas por essas Claudino, trad.). São Paulo: Santos.
instituições tornam-se alienadoras, Catania, A. C., Matthews, B. A. & Shimoff,
sendo empregadas em situações E. L. (1990). Properties of rule-
descontextualizadas pelos indivíduos governed behavior and their
implications. Em D. E. Blackman & H.
(Vandenberghe, 2005). Existiria um
Lejeune (Eds.), Behavior Analysis in
modo de esse efeito negativo ser theory and practice: Contributions and
eliminado, partindo de uma mudança controversies (pp. 215-230). Hove,
de comportamento das autoridades England: Erlbaum.
religiosas? de-Farias, A. K. C. R. (2001). Regras e
Refletir sobre o papel das regras iniquidade entre reforços: Influência
na formação de um indivíduo é muito sobre a escolha entre cooperação e
competição. Dissertação de Mestrado
importante, mas refletir sobre a forma
não publicada, Universidade de Brasília,
de minimizar o sofrimento causado Brasília, DF.
pelas mesmas, quando tornam o Delitti, M. (2001). “Mudanças do controle
comportamento alienado, também o é. por regras falsas para o controle por
Ajudar o cliente a aprender a fazer contingências” ou: “Dê uma chance
análises funcionais, intervir e alterar para as contingências”. Em M. Delitti
contingências de reforçamento, (Org.), Sobre Comportamento e
Cognição: Vol. 2. A prática da análise
desenvolver habilidades sociais, é
do comportamento e da terapia
essencial para eliminar déficits cognitivo-comportamental (pp. 175-
comportamentais gerados por uma 180). Santo André: ESETec.
ampla história de reforçamento por Guedes, M. L. (2001). O comportamento
seguir regras. governado por regras na prática clínica:
Um início de reflexão. Em R. A. Banaco
REFERÊNCIAS
(Org.), Sobre Comportamento e
Albuquerque, L. C. (2001). Definições de
Cognição: Vol. 1. A prática da análise
regras. Em H. J. Guilhardi, M. B. B.
do comportamento e da terapia
Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz
cognitivo-comportamental (pp. 136-
(Orgs.), Sobre Comportamento e
144). Santo André: ESETec.
Cognição: Vol. 7. Expondo a
Guilhardi, H. J. (2002). Autoestima,
variabilidade (pp. 132-140). Santo
autoconfiança e responsabilidade. Em
André: ESETec.
M. Z. Brandão, F.
Banaco, R. A. (1997). Autorregras e patologia
C. S. Conte & S. M. B. Mezzaroba
comportamental. Em D. R. Zamignani (Orgs.), Comportamento Humano:
(Org.), Sobre Comportamento e Tudo (ou quase tudo) que você
Cognição: Vol. 3. A prática da análise gostaria de saber para viver melhor
292 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

(pp. 63-98). Santo André: ESETec. Interação em Psicologia, 9, 57-64.


Guilhardi, H. J. (2005). Interação entre a Schlinger, H. D., Jr. (1993). Separating
história de contingências e discriminative and function-altering
contingências presentes na determinação effects of verbal stimuli. The Behavior
de comportamentos e sentimentos Analyst, 16, 9-23.
atuais. Em H. J. Guilhardi & N. C. de Simonassi, L. E. (1999). Cognição: Contato
Aguirre (Orgs.), Sobre Comportamento com contingências e regras. Revista
e Cognição: Vol. 15. Expondo a Brasileira de Terapia Comportamental
variabilidade (pp. 226-247). Santo e Cognitiva, 1, 83-93.
André: ESETec. Simonassi, L. E., de Oliveira, C. I., Gosh, C.
Hayes, S. C., Brownstein, A. J. & Zettle, R. S. & Carvalho, M. V. (1997). Efeitos de
D. (1986). Rule-governed behavior and palavraschave sobre a solução de
sensitivity to changing consequences of problemas e regras. Psicologia Teoria e
responding. Journal of the Experimental Pesquisa, 13, 197-202.
Analysis of Behavior, 45, 237-256. Skinner, B. F. (1953/1998). Ciência e
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001). Comportamento Humano (J. C.
Psicoterapia Analítica Funcional: Todorov & R. Azzi, trads.). São
Criando relações terapêuticas e Paulo: Martins Fontes.
curativas (F. Conte, M. Delitti, M. Z. da Skinner, B. F (1957/1978). O
S. Brandão, P. R. Derdyk, R. R. Comportamento Verbal (M. da P.
Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Villalobos, trad.). São Paulo: Cultrix.
Banaco, R. Starling, trads.). Santo Skinner, B. F. (1969/1980). Contingências de
André: ESETec. reforço (R. Moreno, trad.). São Paulo:
Matos, M. A. (2001). Comportamento Abril Cultural.
governado por regras. Revista Skinner, B. F. (1974/1982). Sobre o
Brasileira de Terapia Behaviorismo (M. da P. Villalobos,
Comportamental e Cognitiva, 3, 51- trad.). São Paulo: Cultrix.
66.
Vandenberghe, L. (2005). Religião,
Meyer, S. B. (2005). Regras e autorregras no Espiritualidade, FAP e ACT. Em H. J.
laboratório e na clínica. Em J. Abreu- Guilhardi & N. C. de Aguirre (Orgs.),
Rodrigues & M. R. Ribeiro (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol.
Análise do Comportamento: Pesquisa, 15. Expondo a variabilidade (pp. 323-
Teoria e Aplicação (pp. 211-227). Porto 336). Santo André: ESETec.
Alegre: Artmed.
Vargas, E. A. (1975). Rights: A
Michael, J. (1982). Distinguish between Behavioristic Analysis. Behaviorism –
discriminative and motivational A forum for critical discussion, 3, 178-
functions of stimuli. Journal of the 190.
Experimental Analysis of Behavior, 37,
150-164.
Otto, T. L, Torgrud, L. J. & Holborn, S. W.
(1999). An operant blocking
interpretation of instructed insensitivity
to schedule contingencies. Journal of
the Experimental Analysis of Behavior,
49, 663-684.
Pierce, W. D. & Epling, W. F. (1995).
Behavior Analysis and Learning.
New Jersey: Englewood Cliffs.
Reis, A. A., Teixeira, E. R. & Paracampo, C.
C. P. (2005). Autorregras como variáveis
facilitadoras na emissão de
comportamentos autocontrolados: o
exemplo do comportamento alimentar.
Apêndice

Texto: Seja Você


Mesmo
T oda pessoa tem
um estilo próprio
que se reflete em tudo;
Confie em si mesmo!
Aceite a vida como ela
é, que ela aceitará
na voz, no modo você do seu jeito, na
de andar, de dançar, de sua consciência, na
sentir e de gostar. sua vontade, no seu
Quando começamos a coração. Entenda que
descobrir esse estilo errar é aprender. Todo
pessoal, encontramos mundo erra. Os erros
uma unidade, uma mostram o que não
harmonia em nós sabíamos. E assim a
mesmos. Essa é a gente vai ficando
origem da beleza esperto, não é mesmo?
íntima de cada pessoa, Descubra como
que nenhuma expressar sua
operação plástica pode realidade de modo
trazer. É como um agradável e
instrumento afinado. espontâneo. A
Essa beleza todos os harmonia é uma coisa
seres humanos podem maravilhosa, por isso
desenvolver em si. fascina as pessoas que
Quando somos nós estão em volta. Quem
mesmos, todo olha sente que nunca
fingimento se apaga e encontrou alguém
nos tornamos assim, pois, não há no
radiantes. mundo ninguém igual
Descubra a sua a você. Portanto, seja
maneira própria de ser, você mesmo e se
o seu jeito de vestir, de tornará deslumbrante.
falar, de pensar, de Não tente agradar
sentir. Um jeitinho que ninguém. Os outros
no fundo é só seu. são tantos e querem
Seja você mesmo. É tantas coisas
simples: basta contrárias, que é
acreditar. Orgulhe-se impossível agradar a
dos seus sentimentos. todos. Sendo sincero e
Expresse sua emoção verdadeiro, você vai
com liberdade. Tenha agradar às pessoas que
coragem de ser feliz. realmente importam.
Aquelas que lhe você tem de diferente
correspondem. transforme em seu
Capítulo 14

Relação Terapêutica em um
Aquelas que tem maior charme, aquilo
afinidade com você. que o torna único e
Ao lado dessas original. Seja feliz
pessoas você poderá agora, pois o tempo é
ser feliz. um eterno presente.
Gente não se faz 1
dentro de uma forma.
Seja livre. A liberdade Caso de
está em você. Ser livre
é sentir-se livre. Na
verdade, ninguém
Fobia
pode impedi-lo de ser
você mesmo. Quando
Social
parece que os outros Luciana Freire Torres
nos impedem, é Ana Karina C. R. de-
porque estamos Farias
guardando medo,
acomodação ou
insegurança. Quando
disserem que você
precisa ser mais sério,
H
estudos
á um grande
número
sobre
de
a
mais isso ou aquilo, natureza dos
perceba: você só Transtornos de
precisa ser mais você! Ansiedade. A
Mas ser livre também ansiedade caracteriza-
significa respeitar o se pela presença dos
direito das pessoas seguintes sintomas:
serem diferentes e até tensão, preocupação,
discordarem de você. irritação, angústia,
Não cobre que os dificuldade de
outros sejam da concentração,
mesma forma que tonturas, cefaleia e
você. dores musculares. O
Por fim, brinque, indivíduo com
sorria, cante, dance, intensas “crises de
aprenda sempre, com ansiedade” (ou
tudo; Aceite a vida. melhor, alterações
Desfrute do que ela comportamentais,
lhe oferece. O que como as citadas) evita
Análise Comportamental Clínica 295

o contato ou a analistas do com-


exposição a
determinadas
1
O presente
situações por temer
trabalho é parte da
uma possível perda de monografia de con-clusão
controle ou um ataque do curso de graduação em
cardíaco. Assim, esse Psicologia, na Universidade
indivíduo visa o Católica de Goiás,
defendida pela primeira
controle de eventos
autora sob orientação da
relatados como segunda.
“internos” e
portamento, que
“externos”, havendo
consideram a
uma tendência de
Psicologia como
esquiva de situações
ciência que visa
que envolvam um
investigar relações
maior grau de
organismo-ambiente,
ansiedade (Caballo,
essas explicações não
1996/2002;
seriam satisfatórias.
Dalgalarrondo, 2000.
Isso não quer dizer
Ver também o capítulo
que os analistas do
de Bravin e de-Farias
comportamento
e o de Fugioka e
excluam afirmações
deFarias neste livro).
sobre os fatores acima
Dentre os diversos
citados, mas somente
transtornos de
que descartam
ansiedade, destaca-se
explicações que não
aqui a fobia social,
levem em
que se caracteriza por
consideração a
um medo intenso de
totalidade das
situações sociais que
interações entre
envolvam um grupo
organismo e seu
de pessoas, de falar
ambiente, do qual o
em público, de contato
biológico seria apenas
com pessoas estranhas
uma parte. Assim, os
e com pessoas que
comportamentalistas
possam ser
não separam a pessoa
consideradas
de um “eu essencial”
superiores a ela (APA,
ou entidade localizada
2002; Campbell,
atrás do indivíduo, e
1986; Falcone, 1999).
sim estudam o
Muitas
indivíduo na sua
explicações desses
relação com o
transtornos baseiam-se
ambiente passado e
em fatores biológicos,
atual (Skinner,
neurológicos e
1953/1998, 1974/1993
químicos. Para os
e 1989/1991; Todorov,
1989). tivesse um
Não se pode dizer conhecimento dos
que essa visão é a estímulos (Doron e
mais comum em Parot, 2000; Matos,
Psicologia. Os 1997).
analistas do O Behaviorismo
comportamento têm Metodológico (assim
sido denominados denominado devido à
simplistas/reducionista ênfase no método
s, o que demonstra o científico) não tomava
mau conhecimento, como objeto de estudo
por parte dos críticos, os comportamentos
da filosofia que internos, mas também
embasa sua não negava sua
abordagem: o existência – Watson
Behaviorismo Radical. afirmava apenas que
Essas críticas não havia formas
decorrem, objetivas de observá-
provavelmente, da sua los/estudá-los, pela
história.2 Watson, impossibilidade de
fundador do consenso público.
Behaviorismo, Skinner (1953/1998,
defendia o ideal de 1974/1993 e
que somente uma 1989/1991), com o
ciência cujo objeto de Behaviorismo Radical,
estudo fosse propõe-se a estudar
publicamente eventos internos,
observável seria entendendo a
confiável. Propôs, introspecção como a
então, fazer da observação do próprio
Psicologia o estudo comportamento, sendo
das leis que regem resultado de
dois tipos de eventos aprendizagem (Matos,
publicamente 1997).
observáveis: os Os analistas do
estímulos (S) e as comportamento deram
respostas (R), leis que um grande passo ao
possibilita- desenvolverem o
conceito de
2
Ver o capítulo de comportamento
Marçal, neste livro, para operante. Até então, o
maior discussão acerca das conceito disponível
críticas formuladas ao referia-se a uma
Behaviorismo.
relação de S→R, na
riam prever as
qual o estímulo
respostas quando se
antecedente seria o
Análise Comportamental Clínica 297

determinante da pode relatar uma


resposta observável. “angústia muito
Esse tipo de relação é grande”, uma
denominado “tristeza”, um “vazio
comportamento interior”, como sendo
reflexo ou causas do
respondente. E, dentro comportamento
do conjunto de público de comer
respostas, pode ser compulsivamente. Isso
verificada a presença é esperado, tendo em
de eventos privados, vista que a
como as “emoções” e comunidade verbal
os “sentimentos de nos ensina a tratar
medo” (Baum, sentimentos como
1994/1999; Matos, causas de
1997; Skinner, comportamento
1974/1993). (Tourinho, 1999). O
Quando Skinner terapeuta
utiliza o termo eventos comportamental
privados, refere-se buscaria eventos que,
tanto a estímulos (p. em seu ambiente
ex., condições (antecedente e
corporais fisiológicas) consequente),
quanto a respostas, contingenciaram tanto
tais como pensar, o comportamento de
lembrar, etc. (Skinner, comer
1953/1998, compulsivamente
1974/1993, quanto o relato verbal
1989/1991; Tourinho, do cliente.
1999). Nessa visão, os Segundo Banaco,
comportamentos Zamignani e Kovac
privados poderiam (1997), os defensores
assumir controle sobre da Análise
as condutas humanas. Comportamental
No entanto, não são Clínica rejeitam a
apontados como causa noção de causas
principal, mas sim mentais, mas prestam
como mais uma das bastante atenção a
variáveis eventos privados.
determinantes dos Atuam,
comportamentos que o preferencialmente,
indivíduo emite, o que usando a própria
encoraja a busca por situação terapêutica
determinantes como ambiente
ambientais. Por natural, modelando os
exemplo, um cliente comportamentos
verbais do cliente funcional para a
enquanto ocorrem, obtenção de resultados
analisando as positivos em relação à
contingências das superação do
trocas interpessoais indivíduo frente a seus
dentro da própria problemas específicos.
terapia, em função dos Dentre esses
problemas do cliente problemas, como já
(Cabral, 2005; Cabral foi dito, os transtornos
e de-Farias, 2005; de ansiedade e a fobia
Kohlenberg e Tsai, social têm recebido
1991/2001. Ver o crescente atenção dos
capítulo de Dutra, o de psicólogos clínicos.
Assunção e
Vandenberghe e o de
Fugioka e de-Farias
neste livro).
Ao fazer uma
análise dos eventos
tidos como privados,
assim como no caso
dos públicos, o
analista do
comportamento utiliza
a análise funcional, ou
seja, a avaliação das
variáveis de controle e
levantamento de
possíveis
contingências que
mantêm o padrão do
comportamento
(Matos, 1997). Uma
vez reconhecida a
aquisição de
repertórios, bem
“adaptados” ou não94,
o analista do
comportamento
utiliza-se da análise
94 O critério para julgar um
comportamento como
“desadaptativo” ou
“disfuncional” seria o fato
de causar sofrimento ao
indivíduo e/ou a pessoas
que convivam com ele.
Análise Comportamental Clínica 299

No Manual Diagnóstico e Estatístico de cliente relatou já ter feito tratamento com um


Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), da psicanalista durante um ano.
Associação Americana de Psiquiatria (APA, A queixa inicial do cliente foi verbalizada
2002), a fobia social está enquadrada como como: “sofro há 26 anos de fobia social”.
um dos tipos de transtorno de ansiedade, Essa fobia vinha comprometendo sua vida
sendo definida como um estado de medo nos diferentes aspectos como, por exemplo,
intenso e persistente apresentado por uma “não consegui terminar nem a 4ª série”, “não
pessoa ao ser exposta a determinadas consigo um bom emprego” e “não consigo
situações sociais nas quais deduz que possa manter contato com pessoas desconhecidas”.
ser negativamente criticada ou rejeitada em Desde a infância, seus pais afirmavam
função de seu comportamento (Rangé, 2001. que ele era medroso, que “não dava conta de
Ver também nada”, o que o levou a sair de casa e se
Bravin e de-Farias neste livro). mudar para a “cidade grande” aos 17 anos
A Análise do Comportamento, segundo para trabalhar em garimpos. Imaginava que
Conte e Brandão (2001), compreende que a era a possível solução para seu problema.
base da fobia social é o medo que as pessoas Retornou aos 26 anos para sua cidade e, antes
têm de enfrentar situações novas ou de risco. de completar 27 anos, casou-se com uma
Uma vez que a pessoa passe a evitar ou a antiga conhecida, que não era seu “ideal de
fugir de tais situações, pode construir uma esposa”, mas, ao menos, não precisaria
série de fantasias catastróficas sobre as “paquerar” outra mulher.
consequências potenciais de sua exposição a Durante muitos anos, consumiu bebidas
situações temidas, podendo essas fantasias alcoólicas para diminuir sua ansiedade: “Ela
adquirir um potencial altamente aversivo. (a bebida) me relaxa, ficava menos ansioso”.
Isso elicia importantes reações emocionais e Parou de beber 10 anos antes do início do
leva a pessoa a tentar evitar as situações tratamento, quando procurou um psiquiatra
reais. numa tentativa de diminuir seu medo de se
Nesse sentido, o presente trabalho teve expor. O psiquiatra receitou-lhe Bromazepan,
como objetivo pesquisar comportamentos sendo consumido um comprimido por dia, e
diagnosticados como transtorno de ansiedade Fluoxetina. O cliente relatou que não fazia
ou fobia social. Para tanto, será apresentado uso constante dos medicamentos por ter
um estudo de caso, no qual métodos de medo de se “viciar”, suspendendo,
intervenção comportamentais foram temporariamente e por conta própria, o uso
aplicados, visando à modificação de quando se sentia melhor. Às vezes, ele
comportamentos (públicos e privados) de um alternava o uso dos medicamentos, dando
cliente do sexo masculino, que afirmou sofrer preferência ao Bromazepan, pois com esse
de fobia social há 26 anos. tinha “sono melhor”. Com relação aos
benefícios que os medicamentos trouxeram à
sua vida, relatou que o “medo” não diminuiu,
CASO CLÍNICO Cliente e histórico da
mas que tinha sensação de alívio pelo simples
queixa fato de estar procurando ajuda.
Paulo (nome fictício), sexo masculino, Seu cunhado lhe arranjou um emprego de
iniciou a terapia com 39 anos. Havia parado operador de máquinas, no qual permanecia há
de estudar 20 anos antes, tendo cursado até a 14 anos. Seu lazer, após o casamento,
4ª série do ensino fundamental. Estava resumia-se em assistir a filmes pornôs
casado há 14 anos e não tinha filhos. O sozinho e ir a bailes comunitários uma vez
300 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

por mês: “eu ia dançar, ter casos social, profissional e a relação com sua
extraconjugais rápidos”. Não tinha mais que esposa) foi levantada por meio de entrevistas
um ou dois encontros com uma mesma semiestruturadas e de tarefas de casa. Foi
mulher por ter “medo de não ter assunto, não solicitado a Paulo que fizesse anotações
saber o que conversar”. Afirmou que, sobre as situações que lhe causavam medo,
sozinho, não saberia como lidar com seu apontando seus comportamentos, públicos e
problema e tinha medo de “chegar ao fim”. privados, diante de tais situações.
Questionado sobre o que era esse “fim”, foi Na segunda fase do processo, foram
respondido que seria o momento onde não utilizadas técnicas comportamentais:
haveria mais solução. reforçamento diferencial, biblioterapia, treino
de habilidades sociais e de solução de
problemas, ensaio comportamental, escrita
Ambiente e materiais
terapêutica e registro de seus
As sessões foram realizadas no Centro de
comportamentos privados. O objetivo geral
Estudos, Pesquisa e Prática Psicológica, da
era desenvolver, em Paulo, um repertório de
Universidade Católica de Goiás, em um
análises funcionais precisas.
consultório padronizado para atendimento
terapêutico, que continha uma porta, uma
janela, um armário, uma mesa com duas Discussão do caso
cadeiras e duas poltronas. No início do processo terapêutico, foram
Durante as sessões, foram utilizadas feitas algumas entrevistas com fins
folhas de papel A4 para registros de avaliativos de sua queixa e o que ele fazia
comportamentos, lápis, canetas, jornais, CDs para enfrentamento das situações. O cliente
e textos para biblioterapia. Em uma sessão de expôs sua problemática como:
acompanhamento psicoterápico, a terapeuta
acompanhou o cliente a um restaurante, Meu caso começou quando eu tinha 14
próximo à universidade, onde almoçaram. anos95, no interior do Tocantins, quando
eu fazia a 4ª série e a professora me
mandava fazer leitura em voz alta para
Procedimento toda turma. Tentava fugir, indo ao
Havia uma ou duas sessões semanais banheiro, mas ela sempre me esperava.
(dependendo da disponibilidade e da (...) Pensava que ia desmaiar, suava
necessidade do cliente), com duração de 50 muito, parecia que ia morrer, me dava
minutos, nas quais foram realizadas análises taquicardia e me dava vontade de sair
funcionais de seus comportamentos. O total correndo dali, tinha muito medo! (...) Por
de sessões, até o momento em que este isso, saí do Tocantins para ir trabalhar no
trabalho foi redigido, era de 40. garimpo, pois pensava que ia diminuir
Nas primeiras sessões, foi realizada uma meu medo de me expor, pois acreditava
apresentação da terapia comportamental, com que rodando o mundo ia perder o medo
o objetivo de criar um ambiente de confiança
e, consequentemente, estabelecer um vínculo 95 O cliente nunca deixou claro o motivo de seu atraso
na escola – geralmente, as crianças cursavam a 4ª série
terapêutico. Foi também estabelecido o
do ensino fundamental com 10 ou 11 anos. Pode-se
contrato terapêutico, deixando claras as hipotetizar que parte de suas dificuldades sociais poderia
normas da instituição e o método a ser ser explicada pela diferença de idade em relação aos
trabalhado nas sessões. outros alunos, por dificuldades de aprendizagem
A história de vida do cliente (familiar, propriamente ditas, por críticas de outrem devido à idade
avançada, etc.
Análise Comportamental Clínica 301

de me relacionar com as outras pessoas.” taquicardia) aconteciam com uma intensidade


menor no ambiente terapêutico. Com o
Especificando melhor as classes de decorrer do processo terapêutico, Paulo
respostas que consistiram nas queixas de relatou diminuição desses respondentes
Paulo, ele esquivava-se de manter contato também em seu ambiente natural.
com quaisquer pessoas que poderiam julgá- Como já dito, a esquiva de situações
lo. Por exemplo, expor-se no refeitório para ansiogênicas estava limitando-o, por
obtenção de comida, procurar um novo exemplo, a procurar um novo emprego.
emprego, voltar a estudar, almoçar com “Quando penso na ideia de preencher uma
familiares e/ou conhecidos, conversar com ficha para um novo emprego e, depois, ter de
pessoas com maior grau de escolaridade ou ficar de frente com uma pessoa que vai me
mulheres bonitas, escrever na presença de julgar para ver se eu sou competente para o
outras pessoas. Além disso, o cliente apontou emprego, tenho medo, começo a suar só de
dificuldades em relatar o que o incomodava, pensar nisso, e desisto da ideia”.
podendo ser citado como exemplo o fato de Então, Paulo foi convidado pela terapeuta
seu cunhado dar-lhe apelidos, dos quais não a preencher currículos durante a sessão. O
gostava, e ele não reclamar. cliente relatou ser ambidestro, mas acreditava
Tendo em vista suas queixas, foram que sua escrita com a mão direita era mais
levantados, em conjunto com o cliente, bonita e lenta do que com a esquerda.96 A
objetivos terapêuticos e meios para alcançá- terapeuta pediu ao cliente que preenchesse os
los. O Quadro 14.1 apresenta alguns currículos, alguns com a mão direita e outros
procedimentos empregados, com os com a mão esquerda, e, sem o conhecimento
respectivos objetivos e relatos do cliente do cliente, marcou o tempo usado para
durante o processo. assinar os currículos com cada uma das
Na 12ª sessão, foi realizada uma tentativa mãos. Posteriormente, avisou ao cliente que
de exposição gradual a estímulos, com a havia marcado os tempos; perguntou se
leitura em voz alta de um texto (“O medo havia, por parte dele, interesse em compará-
nosso de cada dia”, Shinohara, 2003). A los e ele disse que sim. Com a mão esquerda,
leitura foi realizada na presença da terapeuta, o preenchimento se deu em 56 segundos e,
sempre fazendo pausas e pedindo desculpas, com a mão direita, 54, ou seja, uma diferença
relatando que estava com gagueiras e que não insignificante. Relatou ele: “pensava que
estava fazendo a pontuação. A terapeuta escrevia mais rápido com a mão direita, mas
reforçava seu comportamento, sorrindo para agora acho que não tem diferença. Agora
o cliente, dizendo que a compreensão da quem sabe posso escrever somente com a
leitura estava boa e que ele podia continuar. mão
O cliente falou de alguns Quadro 14.1 Resumo de procedimentos
comportamentos privados que estava adotados com o cliente Paulo, com os
sentindo naquela sessão. No início, respectivos objetivos, assim como relatos
apresentou sudorese, mas, com o decorrer da
sessão e os reforçadores liberados pela 96 Isso era um problema para o cliente em diversas
terapeuta, sentiu-se mais à vontade. Ao fazer situações. Por exemplo, ao ter que assinar mensalmente
uma comparação com situações externas à recibos de vales-alimentação, na presença de outras
pessoas, ficava no final da fila, torcendo para que todos
terapia, o cliente observou que seus
os colegas saíssem, experienciando todos os
comportamentos respondentes (que respondentes anteriormente citados. Tinha muitas
consistiam em sudorese, tremor e dúvidas entre “escrever bonito” (com a mão direita) ou
“escrever rápido” (com a esquerda).
302 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

verbais do cliente acerca de suas queixas levou, duas vezes, uma comparação,
lanches para a para cada uma de
InícioObjetivosRespostas do Cliente
sessão, com o suas queixas e
Entrevistas iniciais. objetivo de manejar
Conhecimento da “queixa”, objetivos, entre o
aspectos históricos e contingências sociais que se observou no
familiares e repostas apara futuras início da terapia e o
medicamentos. generalizações, momento em que o
realizando presente trabalho foi
observação do escrito (quando a
comportamento do terapeuta solicitou
cliente e exposição que Paulo fizesse
gradual a situações uma avaliação da
estressoras. terapia).
Solicitar ao cliente registro Posteriormente, foi
Conhecer seus reforçadores, Essa
de seus comportamentos, positivos e negativos, agendado
com um comparação nos
almoço
sendo de início os mais e os familiares, esposa, colegas em permite afirmar que
menos prazerosos. restaurante
de trabalho, em atividades o processo
frequentado
que Paulo executava todos por terapêutico estava
os dias. pessoas de classe sendo bem sucedido
média, muito em alcançar seus
frequentado por objetivos. Vale ainda
estudantes ressaltar que a
universitários. “Me terapeuta conseguiu
Solicitação ao cliente que senti
Coleta de dados; observação melhor, fazer com que o
continuasse a relatar as das respostas frente aoimportante. Fiquei cliente estabelecesse
situações que considerava terapeuta, consistindotrêmulo
em no começo, contato com o
mais estressoras. um treino de fala paramas fiquei te psiquiatra que lhe
futuras exposições; observando e parei. mandava, há mais de
estabelecimento de um Percebi que as três anos, as receitas
melhor vínculo terapêutico,
pessoas não ficam de Bromazepan e
devido à ausência de observando as outras Fluoxetina mesmo
punição. comerem, então sem consultá-lo. O
fiquei à vontade”. cliente deixou de
Após essa sessão, o fazer uso desses
comportamento de medicamentos no
Solicitar que Paulo diga “oi” Observar a reação dascomer em público decorrer do processo
para alguma pessoa pessoas, expor-se às tornou-se mais terapêutico e
desconhecida. frequente.
contingências sociais fora do relatava sentir-se
ambiente terapêutico. O Quadro 14.2 bem.
A terapeuta convida Paulo Treino de habilidades enfatiza algumas
a subir e descer de sociais. mudanças de
CONSIDERAÇÕES
elevador várias sessões comportamentos de
Paulo no decorrer FINAIS
consecutivas.
das sessões. Esse O diagnóstico
direita, pois aí minha bonita”.
proposto pelo
letra vai sair mais A terapeuta quadro consiste em
Análise Comportamental Clínica 303

psiquiatra de Paulo pelo estabelecimento Banaco (1993), têm não interromper o


(fobia social) pôde e seguimento de sido atribuídos a discurso do cliente.
ser aceito, tendo em regras características e Por sua vez, Silva
vista o medo “disfuncionais”. O habilidades pessoais (2003) afirma que
excessivo de cliente acreditava do terapeuta. Como deve haver
enfrentamento a que não daria conta exemplos, pode-se disponibilidade e
novas situações e a de enfrentar citar os flexibilidade, por
grande dificuldade determinadas comportamentos de parte do terapeuta,
em estabelecer situações e que as dirigir-se ao cliente para interagir com o
vínculos afetivos pessoas sempre por seu nome, outro, sendo essa
com novas pessoas, estariam observando manter contato relação espontânea
tendo medo do seus visual com ele, que proporciona
enfrentamento comportamentos. manter uma momentos autênticos
alheio, e construindo Segundo ele, ao não fisionomia receptiva, no processo
fantasias conseguir emitir as acenar com a cabeça, terapêutico.
catastróficas sobre as respostas adequadas, Quadro 14.2 Comparação entre as queixas
possíveis ficaria muito iniciais de Paulo e seu relato verbal após
consequências desse ansioso, intervenções terapêuticas
enfrentamento apresentando
Dados IniciaisRelato Verbal Atual
(APA, 2002; Conte e respostas de
Brandão, 2001; gaguejar e de tremer, Medo de falar com mulheres desconhecidas. “Antes não desc
Rangé, 2001). por exemplo. Nesse consigo falar com
A análise momento, as pessoas “Tive que conve
zombariam do seu fui atrás dela no
funcional nesse caso
não ficar na fila
de “fobia” mostrou- desempenho. Em
se efetiva, pois foi virtude dessa Ficava sem comer para evitar contato com o “Almoço com os
possível uma melhor autorregra, Paulo se chefe e uma colega de serviço que admirava. receber visitas p
observação dos esquivava de Fortes respostas emocionais durante toda a “Neste mês, fiqu
comportamentos algumas situações semana que antecedia o recebimento de vale-transporte.
tidos como como as vales-transportes. Supunha que os demais conversado aqu
“disfuncionais” (ou apresentadas na funcionários observariam sua demora e ofereci para ajud
perturbadores – ver primeira coluna do tremor ao assinar o recebimento. documentos em
capítulo de Bravin e Quadro 14.2. chamando ele d
de-Farias, neste Diversos autores que dou conta,
livro, para maior têm ressaltado o observando”.
discussão do termo), papel da relação
Preocupação com as críticas da esposa e dos “Não me preocu
incluindo uma terapêutica na
familiares sobre a sua problemática. “Me sinto explicar para ela
análise dos eventos terapia
mal quando minha esposa me diz que sou preciso de um te
privados. Entre comportamental (p. medroso, que não faço as coisas porque sou
outros benefícios, foi ex., Kohlenberg e mole e não quero”.
possível uma melhor Tsai, 1991/2001). O
compreensão de sua estabelecimento e a Medo de expor-se frente ao seu chefe. “Falei com meu
história de manutenção de uma “Gostaria de falar para meu chefe das minhas mesmo, que ten
reforçamento e boa relação vontades, como retornar a estudar, fazer cursos bom, pois agora
punição, responsável terapêutica, segundo profissionalizantes, mas tenho muito medo. que não fiquei t
Tenho medo, não consigo”.
304 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

generalizações para Paulo mostrou-se


“Gostaria de voltar a estudar, mas só de pensar, “Procurei várias escolas, mas não consegui um
o ambiente natural entusiasmado.
passo mal. Parece que é um espírito que vem horário que dê certo com meu trabalho; mas iniciei
de repente”.
do cliente (Cabral, Porém, no dia da
um curso de computação, mesmo sabendo que vou
ter 2005;
de faltarCabral e de-devido
muitas aulas apresentação,
ao meu serviço. o
Farias, 2005; cliente ligou
Conversei com o professor e ele compreendeu. para
Fugioka,
Estou gostandode-Farias
do curso, ee mesmo
avisar que
estando difícil,não
Torres, 2005). poderia apresentar
quero terminar e, depois quero voltar aos meus
estudos”.Com o objetivo por não ter
de aumentar a conhecimento do
Não conseguia pedir ou negar nada para a Conseguia dizer “não” na presença da terapeuta.
generalização dos tema, o que
terapeuta, nem telefonava para avisar que ia Ligava para avisar que não poderia comparecer à
efeitos da terapia caracteriza um
faltar à terapia. Não expressava seus sessão. No seu primeiro dia de curso de
para o ambiente comportamento de
“sentimentos”, por se considerar “mole e muito computação, ligou para a terapeuta relatando o que
natural, a terapeuta esquiva.
sentimental”. havia acontecido e o quanto estava feliz.
(Continua) optou por evocar os Sidman
Quadro 14.2 Continuação comportamentos- (1989/1995) diz que
alvo durante a sessão a esquiva impede
Dados Iniciais Relato
ou Verbal
em seuAtualambiente que um evento
Não conseguia se impor diante de seu natural – como indesejado
“Hoje meu cunhado me chama de ‘gordo’ e eu já aconteça:
cunhado, que lhe colocava apelidos. “Meu quando
retruco ele comforam ao chamando
outra piada, as esquivas
ele de bem-
cunhado me chama de gordo, bolinha de gude, ‘seco’”. restaurante (ver sucedidas afastam o
etc., mas não consigo falar para ele que não Kohlenberg e Tsai, cliente do “choque”.
gosto; dá vontade de brigar com ele, mas não 1991/2001, para uma Como já visto, o
consigo”. discussão dos comportamento de
procedimentos da esquiva é frequente
Medo de leitura frente a outras pessoas, “Fiz a leitura do texto sobre violência no trânsito
Psicoterapia em indivíduos que
“receio de gaguejar, suar demais, desmaiar e para aquela moça, mesmo não tendo tanto
não conseguir terminar a leitura”.
Analítica Funcional apresentam
conhecimento sobre o assunto. Pensei que não ia
– FAP). Uma tarefa
dar conta e vi que eu tenho mesmotranstorno
é que me de
proposta
mostrar”. a Paulo, ansiedade (Fugioka
Verificou-se, no dormir no escuro), ainda não citada no et al., 2005). No
caso de Paulo, que a seus pais o presente trabalho, caso, o cliente
relação terapêutica chamavam de ilustra essa tentativa esquivava-se de
trouxe benefícios “mole”. Ao respeitar de evocar possíveis críticas (os
inquestionáveis ao suas dificuldades e comportamentos “choques”)
cliente. Sem estimular sua clinicamente decorrentes de uma
desaprovação, como exposição, em um relevantes. Foi má apresentação. O
acontecia em seu ambiente não treinada, com o cliente concordou
ambiente externo, a punitivo, as cliente, a leitura de em apresentar o
terapeuta lhe escutou intervenções textos na presença texto em uma sessão
relatar sobre sua terapêuticas da terapeuta. Ao se individual. Após 30
infância, assim como propiciaram propor a exposição minutos de leitura e
sobre seus medos mudanças do texto “Violência apresentação, a
atuais. Quando o comportamentais na no trânsito” (Jornal terapeuta reforçou o
cliente expunha seus presença da O Popular, Goiânia, comportamento do
medos (p. ex., aos 12 terapeuta e 16/08/2004, p. 2) cliente (pontuando
anos, tinha medo de consequentes para quatro pessoas, sua apresentação,
Análise Comportamental Clínica 305

discutindo os ouvinte. uma melhor adesão privados através de


exemplos colocados, Como já dito, o ao tratamento. relatos verbais de
terapeuta. Em R. A.
etc.). Seguiu-se o processo terapêutico Ficou evidente
Banaco (Org.),
diálogo: ainda não havia se que a aliança Sobre
encerrado no terapêutica é de Comportamento e
– “Comecei a
momento em que o suma importância, Cognição: Vol. 1.
ler o texto
presente trabalho foi pois cria um Aspectos teóricos,
em casa e metodológicos e de
escrito, mas foram ambiente de
pensei que formação em
observadas melhoras aceitação e de
não ia dar análise do
significativas de interesse para a comportamento e
conta e
Paulo em seu mudança de terapia cognitiva
resolvi te
repertório comportamento, (pp. 289-301). São
ligar...”
comportamental à despertando Paulo: ARBytes.
– “E agora, se
medida que entrava cooperação e Baum, W. M.
fosse para (1994/1999).
em contato com confiança, o que
você apre- Compreender o
contingências tidas possibilitou uma
sentar só Behaviorismo:
como aversivas. A relação espontânea e Ciência,
para uma
utilização de produziu momentos comportamento e
pessoa, você
reforçamento autênticos de apoio cultura (M. T. A.
consegue?”
positivo, assim como (Brandão, 1999; Silva; G. Y.
– “Sim.” Tomanari & E. E.
o papel da terapeuta Cabral, 2005; Cabral
Então, foi Z. Tourinho,
como uma audiência e de-Farias, 2005;
convidada uma trads.). Porto
não punitiva, Fugioka et al., Alegre: Artmed.
mulher, estagiária e
mostrou-se 2005). Brandão, M. Z. S.
colega da terapeuta,
fundamental para ser (1999).
com características
estabelecido um Abordagem
que o cliente REFERÊNCIAS contextualizada
melhor vínculo, o
considerava Associação Americana na clínica
que facilitou a
aversivas de Psiquiatria psicológica:
utilização de (APA, 2002).
(desconhecida, Revisão da ACT e
técnicas e Manual proposta de
maior grau de
procedimentos diagnóstico e atendimento. Em
escolaridade), que estatístico de
comportamentais, R. R. Kerbauy &
estava na sala de transtornos R C. Wielenska
tais como a
espera da clínica- mentais – DSM-IV- (Orgs.), Sobre
modelagem
escola. A TR. Porto Alegre: Comportamento e
(exposição direta às Artmed.
apresentação do Cognição: Vol. 4.
contingências), Banaco, R. A. (1993). Psicologia
texto foi boa, com
modelação O impacto do Comportamental e
exemplos mais
(aprendizagem por atendimento sobre Cognitiva: da
elaborados do que os a pessoa do reflexão teórica à
observação), ensaio
utilizados na sessão terapeuta. Temas diversidade na
comportamental
individual com a em Psicologia, 2, aplicação (pp.
(role-playing), etc. O 71-79.
terapeuta. Ao final 149156). Santo
reforçamento Banaco, R. A., Kovac, André: ARBytes.
da apresentação,
positivo gerou R. & Zamignani, Caballo, V. E.
Paulo tomou a
também, durante o D. R. (1997). O (1996/2002). O
iniciativa de pedir
processo terapêutico, estudo de eventos Treinamento e
um feedback de sua
306 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Habilidade Sociais. Brandão, M. Z. S. Fugioka, R. O., de- Relação terapêutica. Em


Em V. E. Caballo (2001). Farias, A. K. C. R. B.
(Org.), Manual de Psicoterapia & Torres, L. F. Rangé (Org.),
técnicas de terapia analítico- (2005). Psicoterapia
e modificação do funcional: a Confrontação Comportamental
comportamento. relação terapêutica frente a um e Cognitiva de
São Paulo: Livraria e a análise do Repertório de Fuga Transtornos
Santos Editora. comportamento. e Esquiva. Painel Psiquiátricos (Vol.
Cabral, R. do P. Em R. R. Kerbauy apresentado no XIV 2, pp. 43-61).
(2005). & R C. Wielenska Encontro Anual da Campinas: Pleno
Psicoterapia (Orgs.), Sobre Associação Rio.
Comportament Comportamento e Brasileira de Shinohara, H. (2003). O
al Infantil: Cognição: Vol. 4. Psicoterapia e medo nosso de
Desenhos, Psicologia Medicina cada dia. Em M. Z.
Fantasias e Comportamental Comportamental, S. Brandão, F. C.
Sonhos como e Cognitiva: da Campinas, 22 a 25 de S. Conte & M.
Instrumentos reflexão teórica de agosto de 2005. B. Mezzamroba
de Acesso aos à diversidade na Kohlenberg, R. J. & (Orgs.), O
Comportamentos aplicação (pp. Tsai, M. comportamento
Encobertos. 133-147). Santo (1991/2001). humano II: Tudo
Monografia de André: ESETec. Psicoterapia (ou quase tudo)
Conclusão de Dalgalarrondo, P. Analítica que você precisa
Curso não (2000). Funcional: saber para viver
publicada, Psicopatologia e Criando relações melhor (pp. 7580).
Universidade semiologia dos terapêuticas e Santo André:
Católica de Goiás, transtornos curativas (F. Conte, ESETec.
Goiânia. mentais. Porto M. Delitti, M. Z. da Sidman, M.
Cabral, R. do P. & de- Alegre: Artmed. S. Brandão, P. R. (1989/1995).
Farias, A. K. C. R. Doron, R. & Parot, F. Derdyk, R. R. Coerção e suas
(2005). Desenhos, (1998). Dicionário Kerbauy, R. C. implicações (M.
Fantasias e Sonhos de Psicologia. Wielenska, R. A. A. Andery & T.
como Instrumentos Goiânia: Ática. Banaco, R. M. Sério, trads.).
de Acesso aos Falcone, E. M. O. Starling, trads.). Campinas:
Comportamentos (1999). Técnicas Santo André: Editorial Psy.
Encobertos. Painel cognitivocomporta ESETec. Silva, S. N. (2003).
apresentado no XIV mentais no Matos, M. A. (1997). Relação
Encontro Anual da tratamento da fobia Com o que o terapêutica. Em R.
Associação social. Em D. R. Behaviorismo M. Caminha, R.
Brasileira de Zamignani (Org.), Radical trabalha. Wainer, M.
Psicoterapia e Sobre Em R. A. Banaco Oliveira & N.
Medicina Comportamento e (Org.), Sobre M. Picoloto
Comportamental, Cognição: Vol. 3. A Comportamento e (Orgs.),
Campinas, 22 a 25 aplicação do Cognição: Vol. 1. Psicoterapias
de agosto de 2005. comportamento e Aspectos teóricos, CognitivoComport
Campbell, R. J. da terapia metodológicos e de amentais: Teoria e
(1986). cognitivocomporta formação em prática (pp. 4752).
Dicionário de mental no hospital análise do São Paulo: Casa do
Psiquiatria (A. geral e nos comportamento e Psicólogo.
Cabral, trad.). transtornos terapia cognitiva
Skinner, B. F.
São Paulo: psiquiátricos (pp. (pp. 45-53). Santo
(1953/1998).
Martins Fontes. 115-127). Santo André: ARBytes.
Ciência e
Conte, F. C. S. & André: ESETec. Rangé, B. (2001). Comportamento
Análise Comportamental Clínica 307

Humano (J. C.
Todorov & R.
Azzi, trads.). São
Paulo: Martins
Fontes.
Skinner, B. (1974/1993).
Sobre o
Behaviorismo (M.
da P. Villalobos,
trad.). São Paulo:
Cultrix.
Skinner, B. F.
(1989/1991).
Questões Recentes
na Análise
Comportamental
(A. L. Neri, trad.).
São Paulo: Papirus.
Todorov, J. C. (1989). A
Psicologia como
estudo das
interações.
Psicologia: Teoria
e Pesquisa, 5, 347-
356.
Tourinho, E. Z. (1999).
Eventos privados: o
que, como e porque
estudar. Em R. R.
Kerbauy & R. C.
Wielenska (Orgs.),
Sobre
Comportamento e
Cognição: Vol. 4.
Psicologia
comportamental e
cognitiva: da
reflexão teórica à
diversidade de
aplicação (pp. 13-
22). Santo André:
ESETec.
Capítulo 15

Fuga e Esquiva em um Caso de


Ansiedade97
P or mais explorado que tenha sido o
tema ansiedade, percebem-se
diversas maneiras de enfocar o mesmo
(Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999;
Skinner,
1989/1991).
1953/1998, 1974/1982,

problema, até porque os quadros A palavra punição vem do latim


clínicos desenvolvidos pelos indivíduos “poena”, “pain” (sofrimento) ou
também apresentam diversidades. “penalty” (pena Regiane Oliveira
Shinohara (2003) relata que, quando se Fugioka
sente mais ansiedade do que o Ana Karina C. R. de-Farias
necessário, seja em intensidade ou
frequência, ou em situações nas quais a
maioria das pessoas não sofreria tanto, ou casti A punição, para a Análise do
pode-se apontar um transtorno. Em Comportamento, consiste em uma forma
outras palavras, se a ansiedade atrapalha de controle do comportamento em que
a vida de um indivíduo, por impedir que as consequências ambientais do
este faça o que gostaria ou precisaria responder tornam-no menos provável.
fazer, então é provável que haja um Quando um estímulo aversivo segue um
problema, o qual deve ser avaliado por desempenho e é observada uma
um especialista. diminuição na frequência desse
Tendo em vista a complexidade do comportamento, denomina-se o
comportamento humano e para entender processo de punição positiva. Por outro
como algumas relações com o meio lado, quando um reforçador positivo é
adquirem propriedade na vida das retirado ou adiado devido à emissão de
pessoas, faz-se necessário buscar uma resposta e a probabilidade de
informações referentes à filogênese e à emissão dessa resposta diminui, fala-se
ontogênese (Neves et al., 2003; Skinner, em punição negativa.
1953/1998). A filogênese envolve a Um importante efeito colateral da
passagem de características ao longo das punição é o fato de que comportamentos
gerações entre os indivíduos de que permitem o evitamento ou o término
determinada espécie, enquanto a da punição são reforçados. O processo
ontogênese consiste na manutenção de de aumento da probabilidade ou
certos comportamentos por meio de frequência de tais comportamentos é
relações entre um organismo específico denominado reforçamento negativo
e seu meio ambiente. No caso da (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999;
ontogênese, deve-se buscar entender, Ferster, Culbertson e Poren, 1978/1992;
por meio da história individual de Millenson, 1967/1975; Moreira e
reforçamento e punição, como esses Medeiros, 2007; Skinner, 1953/1998).
comportamentos foram condicionados Quando se entende melhor essa
97 O presente trabalho é parte da monografia de conclusão do curso de graduação em Psicologia, na
Universidade Católica de Goiás, defendida pela primeira autora sob orientação da segunda.
Análise Comportamental Clínica 309

relação estabelecida entre punição e externo (Skinner, 1953/1998,


reforço é que se pode, então, esclarecer 1989/1991; Tourinho, 1997. Ver também
melhor os conceitos de fuga e esquiva. o capítulo de Bravin e de-Farias neste
De acordo com Skinner (1953/1998), a livro).
diferença entre fuga e esquiva reside no Desse modo, a punição enfrentada
fato de que, na esquiva, o evento pelos indivíduos no seu dia a dia pode
aversivo não chega a ocorrer; ele é repercutir em toda a sua relação com o
evitado ou adiado e não afeta seu ambiente externo e/ou interno,
diretamente o organismo. Na fuga, o trazendo graves consequências. Uma
evento já está presente quando a forte história de punição pode levar a
resposta ocorre, e o efeito desta é uma exarcebação das respostas de
remover ou terminar o evento aversivo. ansiedade de um indiví-
Como já dito, a palavra esquiva duo. Segundo Shinohara e Nardi (2001),
denota uma circunstância na qual o a ansiedade patológica não foi
organismo se evade de uma situação reconhecida como uma entidade
antes que ocorra. Uma resposta diagnóstica independente até o final do
apropriada leva a pessoa a se esquivar século passado. A maioria dos clínicos
de uma situação sem que tivesse um via a ansiedade apenas como um traço
aumento de estimulação ou uma retirada humano normal, não importando o
de reforçadores positivos. Quando se prejuízo que viesse a trazer ao paciente.
obtém sucesso, a resposta é O Manual Diagnóstico e Estatístico
negativamente reforçada e aumenta em de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR),
frequência (Whaley e Malott, 1971). da Associação Americana de Psiquiatria
Um estímulo que preceda (APA, 2002), aponta uma série de
caracteristicamente um forte estímulo critérios para diagnosticar algum tipo de
aversivo terá um duplo efeito. Elicia Transtorno de Ansiedade (p. ex.,
fortes respostas emocionais e também Ansiedade Generalizada,
evoca um comportamento de esquiva, Fobia Social, Transtorno de Estresse
que foi condicionado pela redução de Pós-Traumático98). Com relação à Fobia
ameaças semelhantes. A vítima do Social, uma análise funcional descritiva
bandido não apenas entrega a carteira e da categoria diagnóstica inclui: (i)
exibe grande probabilidade de correr, comportamentos – pessoa não apresenta
mas também passa por violentas reações comportamentos esperados de contato
emocionais, dentre as quais a ansiedade. social, ou tem dificuldades de
A ansiedade refere-se a estados assertividade, é hipersensível a críticas e
corporais muito diversificados, que são avaliações, foge e se esquiva de
gerados por estímulos aversivos e são situações sociais, apresenta
sentidos de diferentes maneiras pelo comportamentos autonômicos; (ii)
indivíduo. Entretanto, deve-se ressaltar antecedentes – ser apresentado a outras
que “ansiedade” é não apenas ter, por pessoas, ser criticado, ser observado e
exemplo, seus batimentos cardíacos falar em público são circunstâncias
acelerados (alteração corporal). Envolve usuais para o aparecimento de um ou
também todo um repertório mais dos comportamentos; (iii)
comportamental operante (alteração de consequentes – fuga ou esquiva da
probabilidade de resposta), produto das 98 O Capítulo 7 apresenta critérios diagnósticos
relações do organismo com o ambiente para esses transtornos.
310 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

situação social ou de desempenho é a estar exposta novamente à situação


principal consequência (Caballo, originária do trauma, está-se reforçando
1996/2002). negativamente o comportamento de
Já no caso do Transtorno de Estresse esquiva, fazendo com que o mesmo
Pós-Traumático, a característica aumente de frequência, ou seja, não sair
essencial é o desenvolvimento de à rua supostamente permite o controle
sintomas característicos após a ou a redução da ansiedade para a pessoa.
exposição a um estressor traumático No entanto, quando uma resposta de
extremo, envolvendo a experiência esquiva bem-sucedida é emitida, a
pessoal direta de um evento real ou consequência importante é que nada
ameaçador que envolve morte (APA, ocorre ao organismo. Assim, com a
2002). Os sintomas característicos esquiva, a pessoa é impedida de
resultantes da exposição a um trauma constatar que o ambiente evitado pode
extremo incluem uma revivência não realmente apresentar a aversão
persistente do evento traumático, temida (Catania, 1998/1999; Sidman,
esquiva persistente de estímulos 1989/1995; Skinner, 1953/1998).
associados ao trauma, embotamento da Nos transtornos de ansiedade, a
responsividade geral e sintomas ênfase do tratamento está na reavaliação
persistentes de excitação aumentada. das situações e dos recursos com os
Por sua vez, a Ansiedade quais as pessoas lidam com a ameaça.
Generalizada caracteriza-se pela Com a terapia comportamental, as
presença de sintomas ansiosos pessoas podem ser ensinadas a
excessivos, na maior parte dos dias, por identificar os comportamentos ansiosos
pelo menos 6 meses. A pessoa vive e avaliar quando eles são válidos ou
angustiada, tensa, preocupada, nervosa “adaptativos” (Peres, 2001).
ou irritada. Dentre os sintomas O presente estudo resultou de um
psicológicos, podem-se citar insônia, atendimento psicoterápico, baseado na
dificuldade em relaxar, irritabilidade abordagem comportamental, de um
aumentada e dificuldade em concentrar- cliente cuja queixa envolvia diferentes
se. Com relação aos sintomas físicos, os sintomas de ansiedade diante de
pacientes podem apresentar taquicardia, situações sociais, sintomas esses que se
tontura, cefaleia, dores musculares, agravaram após a ocorrência de um
formigamentos, sudorese fria (APA, assalto. Marcelo (nome fictício), 22
2002; Dalgalarrondo, 2000). anos, sexo masculino, apresentava
Costello e Borkovec (1998) comportamentos de fuga e/ou esquiva
afirmam que, para a pessoa portadora do do ambiente que ele considerava
distúrbio de ansiedade generalizada, o aversivo. A terapia teve como objetivo
mundo, e especialmente o futuro, é expor gradualmente o cliente às
encarado na maior parte do tempo como contingências sociais, visando o
perigoso, e o indivíduo acredita não ter desenvolvimento de habilidades sociais
recursos para enfrentá-lo. A ansiedade e a consequente diminuição das
frequentemente faz parte do controle de respostas de ansiedade.
comportamentos de esquiva e fuga,
definidos anteriormente. Para Caminha
CASO CLÍNICO
e Borges (2003), quando a pessoa evita
sair à rua, evita a ansiedade sentida ao
Análise Comportamental Clínica 311

Cliente seja, as causas dos comportamentos


Marcelo, 22 anos, sexo masculino. foram buscadas na relação do cliente
Nasceu no interior de Tocantins, sendo o com o ambiente externo.
primeiro filho de três irmãos, em uma As seguintes técnicas foram
família composta, durante a infância e utilizadas para acelerar o processo de
adolescência, pelos dois avós maternos, avaliação e intervenção:
por sua mãe e por uma tia. Sua avó tinha 1) Reforçamento diferencial do
falecido havia cinco anos. Um irmão comportamento verbal do cliente,
morava em Brasília e o caçula morava com o objetivo de desenvolver
com o avô. Mudou-se para Goiânia aos análises funcionais precisas.
20 anos, sozinho. 2) Deveres de casa, utilizando filmes,
O cliente estava cursando o 2 o ano redações e histórias para que
do ensino médio. Tinha reprovado duas Marcelo pudesse aprender a relatar,
vezes (uma na 7ª série do ensino com maiores detalhes, situações,
fundamental e outra na 1º ano do ensino objetos e fatos que ocorriam em seu
médio). Nunca trabalhou; gostaria de ambiente.
trabalhar, mas não conseguia definir em 3) Técnicas de relaxamento ativo e/ou
que área. Marcelo tinha uma cicatriz de passivo, com o intuito de minorar
um tiro sofrido durante um assalto e a sua ansiedade em situações novas
aparência física de um jovem garoto, e/ou que exigissem um
estatura e porte físico medianos. comportamento “ativo”, ou seja,
decisões e conversas.
Ambiente e materiais 4) Treino de habilidades de solução de
As sessões eram realizadas em uma sala problemas, a fim de propiciar um
padrão de clínica-escola, no Centro de maior envolvimento do cliente em
Estudos, Pesquisa e Prática Psicológica seus próprios problemas (e não fuga-
da Universidade Católica de Goiás, com esquiva, como vinha acontecendo),
uma janela e uma porta. A sala tinha um assim como a consequente
armário de arquivo, uma mesa e duas diminuição da ansiedade frente a
cadeiras, além de duas poltronas. situações problemáticas.
Durante as sessões, foram realizadas 5) Treinamento Assertivo, com o
entrevistas cujos pontos principais eram intuito de possibilitar uma
registrados utilizando-se papel e lápis. diminuição de sua submissão frente
Além disso, foi solicitado ao cliente que às pessoas, nos mais diferentes
assistisse a filmes em canal aberto de ambientes, fazendo com que
televisão, fizesse desenhos (folhas em conseguisse expor seus argumentos
branco de papel e lápis) e preenchesse e suas “vontades”.
folhas de registro de comportamentos.
Evolução da terapia
Procedimento Nas primeiras sessões, foram realizados
Ocorria uma sessão semanal, com procedimentos de coleta de informações
duração de 50 minutos, totalizando 30 por meio de entrevistas, assim como um
sessões. Foram realizadas análises esclarecimento sobre os objetivos da
funcionais de seus comportamentos, ou Terapia Comportamental. O cliente
Marcelo poderia receber o diagnóstico
312 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

de fobia social. A formulação de seu sessões com a terapeuta) como “muito


caso deixou clara uma falta de quietos”, podendo servir de modelos
assertividade e, basicamente, uma falta para o comportamento do cliente.
de habilidade no repertório de Após sofrer um assalto, seu
comunicação com os colegas, fator comportamento de esquiva tornou-se
também percebido na relação mais intenso no que diz respeito a
terapêutica (por exemplo, ficando muito relacionamentos com pessoas alheias:
tempo calado ou dando respostas Marcelo passou a esquivar-se ainda mais
curtas). Seu histórico familiar apontou de contatos sociais, evitando sair de casa
um ambiente não favorável ao e/ou manter qualquer forma de
desenvolvimento de um repertório comunicação que eliciasse respostas de
comportamental satisfatório no que diz ansiedade. Esse fato específico poderia
respeito à assertividade, ao levar a um diagnóstico de Transtorno de
enfrentamento de situações aversivas e Estresse Pós-Traumático, caso não se
que exigiam uma postura ativa. O considerasse todo seu histórico. Devido
cliente não se considerava capaz de a esses relatos, a técnica de
demonstrar e defender sua opinião, dizer dessensibilização sistemática foi
“não” e fazer pedidos (sendo, todas aplicada, produzindo mudanças
estas formas de assertividade). Além comportamentais (ver Quadro 15.1).
disso, a dificuldade de se relacionar e de Os objetivos terapêuticos acertados
fazer amizades impediu um contato com com o cliente envolveram: (i) reduzir a
pessoas alheias ao seu meio familiar. ansiedade e o comportamento de
Por não ter tido um ambiente esquiva relacionados ao convívio social;
favorável ao desenvolvimento de (ii) treiná-lo a realizar análises
comportamentos assertivos, porque funcionais; (iii) ampliar as atividades de
sempre foi muito quieto e quase não lazer, no sentido de possibilitar um
manifestava sua posição nos assuntos de maior contato com potenciais amigos e
família, o cliente não sabia como lidar locais diferenciados daqueles
diretamente com situações que frequentados em momentos de estudo; e
exigissem sua exposição. Sua opinião (iv) treinar novos repertórios verbais
não era solicitada pelos demais que proporcionassem maior
membros da família (não havendo assertividade.
espaço para a modelagem do repertório A relação terapêutica e os
assertivo). Além disso, seu avô materno procedimentos adotados (principalmente
e seu pai foram descritos (pelo cliente, registros diários de comportamentos)
por sua tia e pelo próprio avô, em contribuíram para a discriminação das
Quadro 15.1 Dados comparativos entre a avaliação inicial e a situação do cliente
Marcelo quando o presente trabalho foi redigido, contendo observações da terapeuta
quanto à evolução do tratamento
Dados Iniciais Relato Verbal Atual Observações da Terapeuta

Receio de sair de casa após o “Consegui ir à festa, onde tinha Ainda ocorriam alguns
assalto ocorrido em sua cidade. várias pessoas, e não fiquei comportamentos de esquiva,
nervoso.” porém Marcelo apresentava
uma evolução acentuada
quando se tratava de entrar em
Análise Comportamental Clínica 313

contato com situações


anteriormente temidas.
Não tinha colegas com quem “Estou frequentando um grupo O grupo de jovens contribuiu
pudesse conversar ou ter uma de jovens; lá eu participo de bastante para que Marcelo
atividade externa ao seu atividades de grupo e fiz pudesse se expor a novos
convívio familiar. amizade com diversas pessoas.” repertórios de relação social. No
entanto, suas amizades ainda
continuavam superficiais.
Marcelo evidenciava o objetivo “Estou fazendo um curso de O cliente terminou o curso,
de fazer cursos paralelos ao do computação e depois quero tendo um desempenho
Ensino Médio. Todavia, fazer um outro para aprender a promissor. Demonstrou
deparava-se com a dificuldade trabalhar com a parte técnica do disponibilidade para fazer
de apresentar essa ideia ao avô, computador.” outros cursos. Os cursos
que poderia financiar esses propiciariam um contato com
cursos. pessoas fora do âmbito familiar.
(Continua)
Quadro 15.1 Continuação
Dados IniciaisRelato Verbal AtualObservações da Terapeuta

Apresentava um nível expressivo “Outro dia, na escola, antes de Percebeu-se nas sessões que
de ansiedade quando tinha de apresentar um seminário, fiz o Marcelo diminuiu
se expor em público. Isso era exercício de relaxamento que expressivamente o nível de
evidenciado por você me ensinou e consegui ansiedade. Antes de iniciar a
comportamentos observados na apresentar sem muito sessão semanal, ele não
sessão (tremores nas pernas, problema”. apresentava mais tremores nem
sudoreses e voz trêmula). sudorese.
Quando solicitado que Marcelo “Esqueci de trazer as folhas”. O cliente demonstrava-se
realizasse determinadas tarefas, “Não vi o filme”. constrangido (abaixava a cabeça
o cliente não se mostrava “Não convidei ninguém para e ficava em silêncio) em não
cooperativo, inventando sair”. trazer a tarefa de casa. Isso
desculpas para a não realização. “Não peguei o número de extinguiu, por certo tempo, o
telefone dos meus colegas”. comportamento da terapeuta
em refazer a proposta de novas
tarefas.
Por orientação da terapeuta, “Eu nunca fiz uma agenda O cliente ligou para parentes em
Marcelo deveria anotar os telefônica. Não tenho o número Tocantins para saber notícias do
números de telefones dos do telefone do meu irmão de avô e dos demais familiares. E
colegas para eventuais contatos. Brasília”. pediu o telefone do irmão em
Ao solicitar tal tarefa, foi Brasília.
percebida uma dificuldade
maior que a prevista na
avaliação da linha de base.
Confrontação. A terapeuta “Ah, não. Não vamos encerrar. Marcelo passou a ser mais
disse a Marcelo que, se ele não Eu quero continuar a sessões, participativo, realizando as
participasse mais ativamente eu ainda tenho que melhorar tarefas propostas durante a
314 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

do processo terapêutico, a algumas coisas, e melhorei sessão e fora do setting


terapia seria encerrada. muito, mas acho que posso terapêutico.
melhorar mais”.
Novos pedidos para que “As anotações semanais O comportamento de registrar
trouxesse as folhas de registro ajudaram a perceber porque me antecedentes, resposta e
de comportamentos sinto tão só. Geralmente isso consequências, permitiu ao
preenchidas. acontece mais quando não tem cliente a realização de análises
ninguém em casa para funcionais. Marcelo relatou que
conversar”. sua solidão estava relacionada
à ausência de pessoas com
quem pudesse conversar. Isso,
aliado a outras intervenções,
propiciou uma mudança de
comportamento: Marcelo
passou a ligar para parentes a
fim de conversar.
consequências de seus comportamentos, A seguir, será apresentada uma
o que possibilitou a consciência de seu comparação, para cada uma das
papel ativo nas contingências queixas/objetivos de Marcelo, entre o
ambientais. Por exemplo, o cliente que se observou no início da terapia e o
aprendeu a observar as reações reais que momento no qual o presente artigo foi
os outros apresentavam aos seus redigido.
comportamentos, ao invés de
observar/inferir apenas o que seriam
CONSIDERAÇÕES FINAIS
suas “inadequações”. Assim, foi
O cliente Marcelo respondeu bem ao
possível discutir suas regras
tratamento. Na sessão anterior à
“disfuncionais” (aquelas que trazem
elaboração do presente trabalho, disse:
sofrimento) sobre controle de
“Eu sinto que melhorei, porque agora
comportamento, que apontavam uma
consigo falar mais com meus colegas de
incapacidade para efetivar mudanças no
escola”, e atribuiu o sucesso à
seu ambiente social.
intervenção terapêutica. A Terapia
Quanto à ampliação das atividades
Comportamental, com ênfase na
de lazer, o cliente passou a participar de
colaboração cliente-terapeuta, no
um grupo de jovens de uma igreja, o que
treinamento das habilidades de
favoreceu a exposição a pessoas
autoavaliação e com uma abordagem
diferentes do seu cotidiano. O grupo foi
orientada para o problema, provou ser
importante para que Marcelo
um meio eficaz de superar as reservas
desenvolvesse um novo repertório
de Marcelo no que se referia ao seu
verbal, com atividades tais como a
relacionamento com as demais pessoas,
participação em gincanas nas quais teve
ajudando-o ao a superar a ansiedade, um
a possibilidade de interação com
estado que interferia na sua interação
pessoas desconhecidas (“eu pedia para
social (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001;
pessoas doa- rem alimentos para nossa
Shinohara, 2003).
equipe, e elas, na maioria das vezes,
Como já mencionado, o cliente
doavam”).
poderia ter recebido o diagnóstico de
Análise Comportamental Clínica 315

Transtorno de Estresse Pós-traumático, havia utilizado para lidar com a


caso não se analisasse toda a sua história ansiedade e com as preocupações. Esses
e não se percebesse que os sintomas de formulários eram discutidos na sessão
ansiedade, assim como um grande semanal. Com isso, o cliente passou a
repertório de fugaesquiva, já eram discriminar a relação entre seus
bastante presentes antes do assalto. comportamentos (públicos e privados) e
Nesse sentido, o diagnóstico mais eventos ambientais.
apropriado seria o de Ansiedade Os registros diários permitiram o
Generalizada ou Fobia Social. acesso, por parte da terapeuta, a
Entretanto, apontar um diagnóstico informações não prestadas
formal não foi o objetivo da terapeuta. anteriormente por meio de
Independente do diagnóstico que um questionamentos diretos. Por exemplo,
psiquiatra ou psicólogo pudesse Marcelo relatou que não telefonava para
fornecer99, a análise das contingências outras pessoas (para não se sentir tão só)
em vigor na vida de Marcelo permitiu porque não tinha o número de telefone,
verificar o papel das consequências ou seja, havia um déficit em seu
sobre seu repertório comportamental repertório comportamental maior do que
como um todo, o que serviu de base o inicialmente suposto pela terapeuta. É
para uma intervenção eficiente. comum atribuir-se problemas de
Esse cliente participou de um relacionamento a uma inabilidade no
acompanhamento com seis meses de trato direto com outras pessoas
duração, num total de 30 sessões. (Edelstein e Yoman, 1996). Entretanto,
Durante esse programa, ele assistia a Marcelo demonstrava uma dificuldade
filmes para emitir sua “opinião” sobre ainda mais básica: não ter sequer um
os mesmos, com o objetivo de treinar o meio de contato com essas pessoas. Esse
seu repertório verbal. Os exercícios de exemplo ressalta a relevância de um
relaxamento foram utilizados com o levantamento cuidadoso dos
objetivo de possibilitar ao cliente um comportamentosalvo nas entrevistas
maior controle das reações fisiológicas iniciais com o cliente, assim como de
de ansiedade, como destaca Caballo uma avaliação contínua de seu
(1996/2002). Essa técnica mostrou-se de progresso em relação a essa Linha de
um valor imprescindível, pois os Base (Godoy, 1996).
resultados apresentados pelo cliente Segundo Edelstein e Yoman (1996),
foram visíveis durante a sessão, assim em terapia, o cliente pode apresentar
como propiciaram uma generalização três tipos de resistência, a saber: (i)
para o ambiente natural (como quando o incompetência do papel – quando se
cliente aplicou a técnica em si mesmo, depara com a falta de repertórios
no contexto escolar – ver Quadro 15.1). comportamentais necessários para que
Nos últimos três meses, Marcelo ele cumpra com o seu papel na terapia
preencheu um formulário diário, no qual (p. ex., Marcelo não conseguia relatar
foram verificadas variáveis ambientais detalhadamente os acontecimentos, não
eliciadoras das respostas de ansiedade e mantinha contato visual com a
estratégias de enfrentamento que ele terapeuta, respondia
monossilabicamente às questões); (ii)
99 Para uma discussão acerca da utilização do
fuga/evitação do papel, que ocorre
DSM por terapeutas comportamentais, ver
Cavalcante e Tourinho (1998). quando os comportamentos necessários
316 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

trazem consequências negativas para o do processo, foi se estabelecendo um


paciente (fator evidenciado em sua vínculo entre terapeuta-cliente, o que foi
relação de esquiva com o ambiente crucial para que, em dado momento,
externo e em seu pouco contato direto houvesse uma confrontação com
com a terapeuta, até o momento da Marcelo. A terapeuta viu-se
confrontação); (iii) não execução do desmotivada em persistir com as
papel – quando o cliente não vê solicitações de tarefas para casa e de
benefícios na emissão de preenchimento dos registros diários (ver
comportamentos solicitados (p. ex., não Quadro 15.1). A relevância dessas
via relação entre tarefas, tais como tarefas, assim como a dificuldade da
descrever um filme e o desenvolvimento terapeuta iniciante em confrontar o
de um repertório de autotato, não cliente, foram discutidas no grupo de
realizava as tarefas de casa), o ambiente supervisão. Constatou-se a existência de
social do cliente reforça seu um bom vínculo terapêutico e a
comportamento maladaptado (p. ex., necessidade de mudanças na forma de
Marcelo foi acolhido pelos colegas interagir com o cliente. Ao confrontá-lo,
quando deixou de ir à escola após o abriu-se a oportunidade para emissão de
assalto e era inicialmente acolhido pela comportamentos assertivos que não
família quando não cumpria as tarefas eram frequentes na sessão terapêutica
propostas pela terapeuta) ou o paciente (p. ex., ao questionar-se a possibilidade
não aceita/ entende a interpretação do de encerramento da terapia, Marcelo
terapeuta, etc. pediu para continuar, expondo sua
A esquiva mostrou-se um necessidade de mudanças
comportamento comum no repertório do comportamentais como motivo).
cliente, principalmente após o assalto, A ocorrência de temas incômodos
no qual levou um tiro. Diversos autores para o manejo da relação terapêutica (no
afirmam que o cliente que possui poucas caso, a confrontação) pode ser um teste
habilidades sociais e dificuldades de da qualidade dessa relação. Kohlenberg
assertividade apresenta, por outro lado, e Tsai (1991/2001) e Rosenfarb (1992)
hipersensibilidade a críticas e defendem a ideia de que há
avaliações, assim como comportamentos comportamentos que podem ser
de fuga e esquiva de situações modificados diretamente na relação
ambientais de forma muito mais terapêutica. Essa relação atua como
frequente que o esperado. O assalto mediadora e pano de fundo das
sozinho não explicaria os mudanças terapêuticas, já que serve
comportamentos de Marcelo, as notas como palco para a implementação das
baixas não seriam suficientes para técnicas (Cabral e de-Farias, 2005;
controlar seu comportamento “calado” e Torres e de-Farias, 2005100).
“desinteressado” em sala de aula, mas o Na análise funcional psicoterápica,
conjunto de interações passadas e atuais cultivar sentimentos genuínos tem como
com seu ambiente justificam seus objetivo possibilitar um processo de
“comportamentos-problema” (Calhoun e mudança (Kohlenberg e Tsai,
Resick, 1993/1999; Skinner, 1974/1982;
Torres e de-Farias, 2005; Whaley e 100 Ver também o capítulo de Dutra, o de
Malott, 1971). Assunção e Vandenberghe e o de Torres e de-
É importante ressaltar que, ao longo Farias, neste livro.
Análise Comportamental Clínica 317

1991/2001). Assim, mudanças no Artmed.


comportamento da terapeuta, no sentido Caballo, V. E. (1996/2002). O Treinamento e
de expor seu descontentamento com o Habilidade Sociais. Em V. E. Caballo
(Org.), Manual de técnicas de terapia e
processo, possibilitaram mudanças
modificação do comportamento. São
comportamentais do cliente. Como dito Paulo: Livraria Santos Editora.
anteriormente, Marcelo passou a realizar Cabral, R. do P. & de-Farias, A. K. C. R.
as tarefas de casa e a expor sua opinião (2005). Desenhos, Fantasias e Sonhos
durante as sessões, mesmo contrariando como Instrumentos de Acesso aos
as afirmações da terapeuta. Comportamentos Encobertos. Painel
A esquiva de situações sociais apresentado no XIV Encontro Anual da
Associação Brasileira de Psicoterapia e
ansiogênicas foi bloqueada na relação Medicina Comportamental, Campinas, 22
terapêutica, o que propiciou maior a 25 de agosto de 2005.
contato com as contingências reais e a Calhoun, K. S. & Resick, P. A. (1993/1999).
diminuição dos comportamentos de Transtorno do Estresse Pós-Traumático.
esquiva durante a sessão. Isso, aliado às Em
outras estratégias utilizadas, promoveu D. H. Barlow (Org.), Manual Clínico
condições necessárias à generalização dos Transtornos Psicológicos (M. R. B.
Osório, trad.). Porto Alegre: Artmed.
para o ambiente natural do cliente
Caminha, R. M. & Borges, J. L. (2003). Terapia
(Catania, 1998/1999; Kohlenberg e Tsai, Cognitiva do Transtorno de Estresse
1991/2001; Skinner, 1953/1998. Ver PósTraumático. Em R. M. Caminha, R.
também o capítulo de Dutra, neste Wainer,
livro). M. Oliveira & N. M. Piccoloto (Orgs.),
O cliente permanecia em terapia Psicoterapias Cognitivo-
Comportamentais:
quando o presente trabalho foi escrito,
Teoria e Prática (pp. 155-171). São Paulo:
demonstrando-se motivado para realizar Casa do Psicólogo.
análises funcionais, bem como Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem:
mudanças nos seus comportamentos Comportamento, linguagem e cognição
públicos e privados. Bloquear a esquiva (A. Schmidt, D. das G. de Souza, F. C.
mostrou-se fundamental para diminuir Capovilla, J. C. C. de Rose, M. de J. D.
as respostas de ansiedade apresentadas dos Reis, A. A. da Costa, L. M. de C. M.
Machado &
pelo cliente no início do tratamento
A. Gadotti, trads.) Porto Alegre: Artmed.
(Catania, 1998/1999; Kohlenberg e Tsai,
Cavalcante, S. N. & Tourinho, E. Z. (1998).
1991/2001; Skinner, 1953/1998), o que Classificação e diagnóstico na clínica:
se tornou possível apenas após o possibilidades de um modelo analítico-
estabelecimento de uma relação comportamental. Psicologia: Teoria e
terapêutica genuína e colaborativa. Pesquisa, 14, 139-147.
Costello, E. & Borkovec, T. D. (1998).
Distúrbio da ansiedade generalizada. Em
REFERÊNCIAS A. Freeman & F. M. Dattilio (Orgs.),
Associação Americana de Psiquiatria (APA, Compreendendo a Terapia Cognitiva (pp.
2002). Manual diagnóstico e estatístico de 71-87). São Paulo: Editorial Psy.
transtornos mentais – DSM-IV-TR. Porto Dalgalarrondo, P. (2000). Psicopatologia e
Alegre: Artmed. Semiologia dos Transtornos Mentais.
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Porto Alegre: Artmed.
Behaviorismo: Ciência, comportamento e Edelstein, B. A. & Yoman, J. (1996). A
cultura (M. T. A. Silva; G. Y. Tomanari & Entrevista Comportamental. Em V. E.
E. E. Z. Tourinho, trads.). Porto Alegre: Caballo (Org.), Manual de técnicas de
318 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

terapia e modificação do comportamento. viver melhor (pp. 7580). Santo André:


São Paulo: Livraria Santos Editora. ESETec.
Ferster, C. B., Culbertson, S. & Poren, M. C. P. Sidman, M. (1989/1995). A coerção e suas
(1978/1992). Princípios do implicações (M. A. Andery & T. M. Sério,
Comportamento. São Paulo: Hucitec. trads.). Campinas: Editorial PSY.
Godoy, A. (1996). O processo da avaliação Skinner, B. F. (1953/1998). Ciência e
comportamental. Em V. E. Caballo (Org.), Comportamento Humano (J. C. Todorov
Manual de técnicas e verificação do & R. Azzi, trads.). São Paulo: Martins
comportamento. São Paulo: Livraria Fontes.
Santos Editora. Skinner, B. (1974/1993). Sobre o behaviorismo
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001). (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Psicoterapia Analítica Funcional: Cultrix.
Criando relações terapêuticas e curativas Skinner, B. F. (1989/1991). Questões Recentes
(F. Conte, M. Delitti, M. Z. da S. Brandão, na Análise Comportamental (A. L. Neri,
P. R. Derdyk, R. R. trad.). São Paulo: Papirus.
Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, Torres, L. F. & de-Farias, A. K. C. R. (2005).
R. Starling, trads.). Santo André: ESETec. Relação terapêutica em um caso de fobia
Millenson, J. R. (1967/1975). Princípios de social. Painel apresentado no XIV
Análise do Comportamento. Brasília: Ed. Encontro Anual da Associação Brasileira
Brasília. de Psicoterapia e Medicina
Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Comportamental, Campinas, 22 a 25 de
Princípios Básicos de Análise do agosto de 2005.
Comportamento. Porto Alegre: Artmed. Tourinho, E. Z. (1997). Evento privado: função
Neves, S. M., Vieira, T., Oliveira, L. H., e limites do conceito. Psicologia: Teoria e
Oliveira, J. S., Vandenberghe, L. M. A., Pesquisa, 13, 203-209.
Lobo, C., Auad, Whaley, D. L. & Malott, R. W. (1971).
P., Martins, W. & Moreira, M. B. (2003). Princípios Elementares do
Efeitos dos estímulos ameaçadores Comportamento. São Paulo: EPU.
filogenéticos, ontogenéticos e neutros na
emergência da equivalência. Estudos:
Vida e Saúde, 30, 1001-1022.
Peres, J. P. (2001). Modelo cognitivo da
ansiedade. Em R. C. Wielenska (Org.),
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 6.
Questionando e ampliando a teoria e as
intervenções clínicas e em outros
contextos (pp. 230-234). Santo André:
ESETec.
Rosenfarb, I. S. (1992). A behavior analytic
interpretation of the therapeutic
relationship. The Psychological Record,
42, 341-354.
Shinohara, H. & Nardi, A. E. (2001).
Transtorno de Ansiedade Generalizada.
Em B. Rangé (Org.), Psicoterapias
cognitivo-comportamentais (pp. 217-229).
Porto Alegre: Artmed.
Shinohara, H. (2003). O medo nosso de cada
dia. Em M. Z. S. Brandão, F. C. de S.
Conte & S. M. B. Mezzaroba (Orgs.),
Comportamento Humano II – Tudo (ou
quase tudo) que você precisa saber para
Capítulo 16

“Prefiro não Comer, a


Começar e Não parar!”
Um Estudo de Caso de Bulimia
Nervosa101
O presente capítulo tem por
objetivo apresentar a análise
funcional – e in-
Nervosa
estreitamente
apresentarem
são transtornos
relacionados
uma
por
base
tervenções dela decorrentes – de um psicopatológica comum, com intensa
caso clínico de Bulimia Nervosa. preocupação com a forma e o peso
Para tanto, apresentará os critérios corporais, levando a pessoa a recorrer
diagnósticos tradicionais para esse a estratégias para evitar o ganho de
transtorno e as particularidades do peso. A Anorexia Nervosa é marcada
caso de Bia (nome fictício). por uma acentuada perda de peso
Pretende-se defender a ideia de que resultante de Gabriela Inácio Ferreira
uma análise global, sistêmica, da vida Nobre
do(a) cliente leva a resultados mais Ana Karina C. R. de-Farias
satisfatórios do que um tratamento Michela Rodrigues Ribeiro
baseado apenas no diagnóstico
tradicional.
uma abstinência alimentar voluntária.
TRANSTORNOS ALIMENTARES Observa-se também intenso temor de
engordar e busca pela magreza. Já na
(TA) Classificação e critérios- Bulimia Nervosa, há ingestão
diagnósticos compulsiva de grandes quantidades
Os transtornos alimentares de comida, seguida de estratégias
caracterizam-se por severas para evitar ganho de peso, como
perturbações no comportamento vômitos autoinduzidos, abuso de
alimentar. Três diagnósticos laxantes e diuréticos e exercícios
específicos estão descritos na sessão extenuantes (Abuchaim, Somenzi e
de transtornos alimentares da Duchesne, 1998; Cordás, 2004).
American Psychiatric Association Atualmente, pesquisadores propõem
(2002): a Anorexia Nervosa a uma terceira categoria, a do
Bulimia Nervosa e a Compulsão transtorno da alimentação sem outra
Alimentar Periódica (não abordada especificação. Essa categoria serve
no presente texto). para transtornos da alimentação que
A Anorexia Nervosa e a Bulimia não satisfazem os critérios para
101 O presente trabalho é parte da monografia de conclusão do curso de Especialização em
Análise Comportamental Clínica, no Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento,
defendida pela primeira autora sob orientação das demais autoras.
320 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

qualquer transtorno da alimentação esperado; ou incapacidade de


específico (APA, 2002). atingir o peso esperado durante o
O termo “anorexia” não é o mais período de crescimento, levando
pertinente psicopatologicamente, pois a um peso corporal menor que
não há falta de apetite. A negação do 85% do esperado).
apetite e o controle obsessivo do (b) Medo intenso de ganhar peso ou
corpo tornam o termo alemão de engordar, mesmo estando
“Pubertaetsmagersucht” com peso abaixo do normal.
(adolescentes em busca da magreza) (c) Perturbação no modo de
mais adequado, apesar de ser de vivenciar o peso ou a forma do
difícil pronúncia. Já o termo “bulimia corpo; influência indevida do
nervosa” foi cunhado por Russel e peso ou da forma do corpo sobre
vem dos termos gregos “boul” (boi) a autoavaliação, ou negação do
ou “bou” (grande quantidade) baixo peso corporal atual.
associado com “lemos” (fome), ou (d) Nas mulheres pós-menarca,
seja, uma fome intensa ou suficiente amenorreia, isto é, ausência de
para devorar um boi (Salzano e pelo menos três ciclos
Cordás, 2004, citado por Eggers e menstruais consecutivos.
Liebers, 2005). (Considera-se que uma mulher
Os transtornos alimentares tem amenorreia se seus períodos
podem ocorrer concomitantemente a ocorrem apenas após a
outros transtornos ou doenças, sendo administração de hormônio, p.
necessária uma investigação ex., estrógeno.)
meticulosa. Devem-se examinar as Especificar tipo:
possibilidades da síndrome de
Kleine-Levin e da síndrome de Tipo Restritivo: durante o
Kluver-Bucy, tumores cerebrais, episódio atual de anorexia
doenças gastrointestinais, perda ou nervosa, o indivíduo não se
utilização calórica excessiva, envolveu regularmente em um
diabetes, hipertireodismo, transtorno comportamento de comer
do humor, transtorno obssessivo- compulsivamente ou de purgação
compulsivo e transtorno dismórfico (isto é, indução de vômito ou uso
corporal (Duchesne, 1995). Não é indevido de laxantes, diuréticos
raro que os transtornos alimentares ou enemas).
sejam acompanhados do abuso de Tipo Compulsão
álcool e drogas (Eggers e Liebers, Periódica/Purgativo: durante o
2005). episódio atual de anorexia
Os critérios diagnósticos nervosa, o indivíduo envolveu-se
propostos pela APA (2002) para regularmente em um
Anorexia Nervosa são: comportamento de comer
compulsivamente ou de purgação
(a) Recusa a manter o peso corporal (isto é, indução de vômito ou uso
em um nível igual ou acima do indevido de laxantes, diuréticos
mínimo normal adequado à ou enemas) (p. 560).
idade e à altura (p. ex., perda de Os critérios diagnósticos
peso levando à manutenção do propostos pela APA (2002) para
peso corporal abaixo de 85% do
Análise Comportamental Clínica 321

Bulimia Nervosa são: regularmente na indução de


vômitos ou no uso de laxantes,
(a) Crises bulímicas recorrentes. diuréticos ou enemas.
Uma crise bulímica é Tipo não purgativo: durante
caracterizada pelos seguintes o episódio atual de bulimia
aspectos: nervosa, o indivíduo usou outros
(1) ingestão, em um período comportamentos compensatórios
limitado de tempo (p. ex., dentro inadequados, tais como jejuns ou
de um período de duas horas), de exercícios excessivos, mas não
uma quantidade de alimentos se envolveu regularmente na
definitivamente maior do que a indução de vômitos ou no uso
maioria das pessoas consumiria indevido de laxantes, diuréticos
durante um período similar e sob ou enemas” (p. 564-565).
circunstâncias similares;
(2) um sentimento de falta de Pesquisas epidemiológicas têm
controle sobre o comportamento demonstrado que as taxas de
alimentar durante o episódio (p. prevalência de Anorexia Nervosa e
ex., um sentimento de Bulimia Nervosa giram em torno de
incapacidade de parar de comer 0,5 e 1%, respectivamente (Morgan e
ou de controlar o tipo e a Azevedo, 1998). Os transtornos
quantidade de alimento). alimentares são mais prevalentes em
(b) Comportamento compensatório mulheres do que em homens, numa
inadequado e recorrente, com o proporção de 10:1. Atualmente,
fim de prevenir o aumento de muitas mulheres fazem dieta e
peso, como indução de vômito, sentem-se insatisfeitas com seu
uso indevido de laxantes, corpo, mesmo quando não estão
diuréticos, enemas ou outros acima do peso normal. Há evidências
medicamentos; jejuns ou de que esses comportamentos têm se
exercícios excessivos; manifestado cada vez mais cedo,
inclusive em pré-púberes e em
(c) A crise bulímica e os
crianças (Morgan e Azevedo, 1998).
comportamentos compensatórios
Os cientistas da Universidade de
inadequa-
Leeds, no Reino Unido, chegaram à
dos ocorrem, em média, pelo
conclusão de que uma a cada cinco
menos duas vezes por
meninas com 9 anos de idade fazem
semana, por três meses;
dieta porque, na escola, os colegas
(d) A autoimagem é indevidamente
fazem piadas a respeito do seu
influenciada pela forma e peso
aspecto físico (Ballone, 2005).
do corpo;
(e) O distúrbio não ocorre Fatores de desenvolvimento e
exclusivamente durante manutenção
episódios de anorexia nervosa. Os transtornos alimentares são
multideterminados, desenvolvendo-
Especificar tipo:
se a partir da interação de diversos
Tipo purgativo: durante o fatores predisponentes (Duchesne,
episódio atual de bulimia 1995; Duchesne e Appolinário,
nervosa, o indivíduo envolveu–se 2001). Dentre esses fatores, podem-
322 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

se citar os biológicos, socioculturais, pessoa a quem sempre foi dito o que


familiares, individuais e um fazer e que não teve a chance de
desenvolvimento de uma distorção da entrar em contato com as
imagem corporal. contingências naturais, pode tornar-se
Anorexia Nervosa e Bulimia dependente de regras sobre como
Nervosa são mais comuns entre agir. Ela se torna dependente das
parentes biológicos de primeiro grau. correspondências descritas entre
Portanto, os fatores genéticos eventos sociais e naturais e do
parecem atuar como uma comportamento verbal do outro, e
vulnerabilidade para o seu comportamento torna-se
desenvolvimento dos transtornos insensível a contingências naturais
alimentares (Duchesne, 1995). As (Baum, 1994/1999; Catania,
alterações nos neurotransmissores 1998/1999; Matos, 2001; Meyer,
moduladores da fome e da saciedade 2005. Ver também
como a noradrenalina, serotonina, Silva e de-Farias neste livro).
colecistoquinina e diferentes Socialmente, a beleza, a
neuropeptídeos são postulados como felicidade e o autovalor estão
associados aos transtornos relacionados a um corpo magro. Há
alimentares (Eggers e Liebers, 2005). uma evolução do padrão de beleza
Deve-se ressaltar, no entanto, o feminino em direção a um corpo cada
papel de “valores” e “ideias” vez mais magro. Essa pressão
individuais ou subjetivas, cultural para emagrecer é
influenciados pelo contexto cultural, considerada um elemento
sobre o desenvolvimento e fundamental da etiologia dos
manutenção dos transtornos transtornos alimentares (Duchesne,
alimentares. A partir do contato com 1995; Salzano e Cordás, 2006). Seria
outras pessoas, os humanos interessante acrescentar que parece
aprendem por modelos ou por regras haver prevalência maior dos
formuladas socialmente (quando as transtornos alimentares em
regras são formuladas pelo próprio sociedades industrializadas, nas quais
indivíduo em questão, denominam-se existe abundância de alimentos
autorregras). Regras ou instruções (Ballone, 2005).
consistem em estímulos verbais que Uma característica comum às
descrevem ou especificam famílias de pacientes com transtornos
contingências, ou seja, relações entre alimentares é o hábito de privilegiar
eventos ambientais ou entre eventos as aparências. São pessoas rígidas,
ambientais e comportamentais. O exigentes, resistentes a mudanças e
comportamento governado por regras com dificuldades para se ajustar às
tem diversas vantagens em relação demandas maturacionais de seus
àquele diretamente modelado pelas integrantes. Há dificuldades de
contingências, tais como “pular comunicação e de expressão de
etapas”, economizando tempo no sentimentos, além de superproteção,
aprendizado, ou colocar o o que dificulta a solução de conflitos
comportamento do indivíduo sob (Duchesne, 1995; Heller, 2003).
controle de consequências atrasadas Pacientes que sofrem de
ou pouco prováveis. No entanto, uma transtornos alimentares sentem-se,
Análise Comportamental Clínica 323

muitas vezes, envergonhados do seu dessa identidade é idiossincrática,


comportamento e são muito sensíveis pois ela corresponde às
aos indícios de desaprovação e aprendizagens daquele indivíduo em
rejeição. Eles tendem a se avaliar em interação com o ambiente.
termos de fatores externos de A imagem corporal se forma a
referência. Tendem a ser autocríticos, partir da infância. Aos poucos, o
perfeccionistas, sensíveis à crítica, corpo vai representando a identidade
vulneráveis às pressões sociais, com da criança, e a mesma começa a
baixa autoestima e alto grau de pensar sobre como os outros a veem.
ansiedade. Percebem-se como Aprende que a sociedade enxerga
inadequados nas áreas pessoal e diferentes características físicas.
social. Normalmente, seu Então, a imagem corporal vai
comportamento é dirigido por outras tomando forma à medida que as
pessoas e demonstram pouca crianças aprendem conceitos do que é
capacidade de controle sobre sua vida valorizado socialmente, ou seja,
(Duchesne, 1995; Heller, 2003; como “deveria” ser sua aparência,
Ribeiro e Carvalho, 2007; Wilson e assim como também “não deveria
Pike, 1999). ser”. As crianças começam a julgar
A imagem corporal, um conceito de que forma sua própria aparência
de origem claramente cognitivista, é corporal se adequa ao modelo que
multidimensional e dinâmica, e lhes é transmitido como socialmente
possui componentes perceptivo, aceito, o que pode trazer
cognitivo, afetivo e comportamental. consequências aos sentimentos de
O componente perceptivo nos autovalor (Castilho, 2004). Em outras
fornece a imagem que temos do palavras, a criança aprende a
nosso corpo. O cognitivo diz respeito valorizar em si exatamente aquilo
aos pensamentos que temos em que é valorizado pelo seu grupo e a
relação ao nosso corpo e à aparência. desvalorizar aquilo que o grupo
O afetivo, a como nos sentimos e às também desvaloriza – sua
emoções diante de nossos atributos autoimagem é construída por sua
físicos. E, finalmente, o relação com o ambiente físico e
comportamental diz respeito a como social (Ingberman e Lohr, 2003).
agimos em relação às nossas Há uma forte pressão cultural a
características físicas. A imagem favor da magreza, principalmente na
corporal seria como uma impressão cultura ocidental, o que aumenta
digital, ou seja, cada pessoa possui ainda mais a discrepância entre o
uma experiência corporal que é peso corporal real e o desejado
única, percebendo e avaliando de (Eggers e Liebers, 2005). Portanto, se
formas diferentes as várias partes de o indivíduo não souber discriminar os
seu corpo, atribuindo a elas fatores importantes a respeito de
diferentes graus de importância e saúde e satisfação do grupo e, além
satisfação (Castilho, 2004). A forma disso, se ele não for socialmente
de se relacionar com seu corpo se dá habilidoso (defendendo seus
a partir das inúmeras experiências direitos), ele tem uma grande
que o indivíduo tem com o corpo em probabilidade de distorcer sua
diferentes situações. A construção “imagem corporal”, ou seja, de seguir
324 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

regras e modelos que tragam completas e bem documentadas


sofrimento. (Wilson e Pike, 1999).
Segundo Wilson e Pike (1999),
vários estudos controlados mostraram
Complicações físicas e tipos de
que diferentes classes de drogas
tratamentos antidepressivas, incluindo tricíclicos,
Na Anorexia Nervosa, as inibidores da monoaminoxidase e
complicações se dão em função da inibidores seletivos da recaptação de
inanição. Já na bulimia nervosa, se serotonina, são mais efetivas do que
devem aos episódios de excesso uma pílula placebo na redução da
alimentar, seguidos ou não de compulsão alimentar e da purgação,
purgação (Channon e Wardle, 1994). ao fim da terapia. No entanto, a
As complicações físicas podem maioria dos pacientes recai
ser: com relação à perda de peso – rapidamente ou desiste. Levando-se
severa fraqueza muscular, em conta a ausência de evidências
suscetibilidade a infecções, em longo prazo, a alta taxa de
hipertensão, amenorreia, infertilidade desistência e a relutância geral de
e osteoporose. Com relação à rápida parte dos pacientes para aceitar a
realimentação ou bulimia – dilatação medicação como a única forma de
e perfuração gástrica e sobrecarga de terapia, faz-se necessário um
sódio com edema e insuficiência tratamento psicológico efetivo para
cardíaca. Com relação aos vômitos esse transtorno.
autoinduzidos – erosão dentária, Na terapia, deve-se fazer a
turgecência da parótida, alcalose avaliação das condições atuais de
hipocalêmica, doença renal, arritmias saúde do cliente. É essencial que haja
cardíacas, tetania e fraqueza uma formulação do problema e o
muscular, assim como o Sinal de esclarecimento dos fatores de
Russel, que seriam as calosidades nos desenvolvimento e manutenção,
nós dos dedos (Domínguez e assim como a interligação entre os
Rodríguez, 2005). E, finalmente, com sintomas do transtorno alimentar e
relação ao abuso de laxantes – outras áreas problemáticas. A
alcalose hipocalêmica, desinervação formulação deve ser continuamente
e atonia do cólon (Channon e Wardle, checada e reformulada à luz de novas
1994). observações (Duchesne, 1995).
O tratamento dos transtornos O tratamento comportamental é
alimentares exige um enfoque individual, semiestruturado, voltado
multidimensional e uma equipe para o problema e basicamente
interdisciplinar constituída por preocupado com o presente e com o
psicólogos, psiquiatras, futuro. É um processo ativo e o
nutricionistas, endocrinologistas, responsável pela mudança é o cliente
clínicos gerais, entre outros (Fairburn e Cooper, 1997). A Análise
(Duchesne, 1995; Salzano e Cordás, do Comportamento é uma abordagem
2006; Silva, 2005). A terapia psicológica que busca compreender o
farmacológica e a terapia ser humano a partir de sua interação
comportamental foram as duas com seu ambiente (mundo físico,
terapias mais estudadas, sendo mais mundo social, história de vida e
Análise Comportamental Clínica 325

interação com nós mesmos). básicas de enfrentamento, incluindo a


Identifica-se como as pessoas melhora da autoestima, o treinamento
interagem com seus ambientes em habilidades sociais, o grupo de
(realizando análises funcionais) a imagem corporal e o treinamento em
partir de conceitos como relaxamento; (iv) a eliminação da
Condicionamento Pavloviano, distorção da imagem corporal, que
Condicionamento Operante, incluiria técnicas de exposição à
Esquemas de Reforçamento, visualização do corpo no espelho,
Discriminação de Estímulos, etc., relaxamento, técnicas psicomotoras,
para tentar prever e controlar o exercícios de ajuste da silhueta e
comportamento (público ou privado). exposição e prevenção da resposta e,
Quando se trata de comportamento por último, (v) a preparação para a
operante, as consequências que uma alta e a prevenção de recaídas.
determinada resposta produz O objetivo do presente trabalho
selecionam essa resposta – predição. foi apresentar fragmentos de um caso
Mudanças no comportamento só se no qual a análise funcional e o
dão quando ocorrem mudanças nas treinamento em habilidades sociais
contingências (Meyer, 1997). trouxeram benefícios para uma
Portanto, se mudarmos as cliente com diagnóstico de bulimia
consequências do comportamento nervosa. Ou seja, é possível afirmar
hoje, o comportamento será alterado que, conhecendo-se melhor,
(controle). Isso nos ajuda a entender aprendendo a fazer análises
por que as pessoas se comportam da funcionais ou de contingências, uma
forma como o fazem em alguns pessoa com diagnóstico de bulimia
momentos. Torna-se possível, estará em melhores condições para
portanto, fazer com que as pessoas se diminuir as crises e para se expressar
comportem de forma diferente adequadamente, de maneira
(Canaan-Oliveira, Neves, Silva e socialmente habilidosa, respeitando a
Robert, 2002; Moreira e Medeiros, si mesma e aos outros. Os conceitos
2007). de análise funcional e de habilidades
Dominguez e Rodrigues (2005) sociais serão brevemente expostos a
sugeriram que o tratamento dos seguir.
transtornos do comportamento
alimentar (TA) estruture-se em cinco
ANÁLISE FUNCIONAL
módulos: (i) a normalização do
Análise funcional implica no exame
comportamento alimentar, incluindo
das relações funcionais de um
a tomada de consciência da doença,
organismo com o seu meio, tanto
estabelecimento da relação
interno como externo. De acordo
terapêutica, a educação nutricional, a
com Skinner (1974/1982):
renutrição e a realimentação e o
controle de estímulos; (ii) a As variáveis externas, das quais
reestruturação cognitiva (um analista o comportamento é função, dão
do comportamento diria: alterar margem ao que pode ser
comportamento privado em relação chamado de análise causal ou
às regras e modelos observados); (iii) funcional. Tentamos prever e
a aquisição de recursos e habilidades controlar o comportamento de
326 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

um organismo individual. Essa é comportamentais” (Delitti, 1997, p.


a nossa “variável dependente” – 38).
o efeito para o qual procuramos a Obviamente, o comportamento
causa. Nossas “variáveis do cliente tem uma função. Cabe ao
independentes” – as causas do terapeuta descobrir em que
comportamento – são as contingências esse comportamento se
condições externas das quais o instalou e como ele se mantém. E
comportamento é função. isso se faz pela análise funcional que,
Relações entre as duas – as em clínica, envolve a história passada
relações de “causa e efeito” no do cliente, o comportamento atual do
comportamento – são as leis de mesmo e a relação que se estabelece
uma ciência (p. 31-32). entre cliente e terapeuta. De modo
geral, é por meio do relato verbal que
Na clínica, o terapeuta precisa o terapeuta tem acesso à história de
esclarecer se o comportamento que vida do cliente (Delitti, 1997;
seu cliente está emitindo faz parte de Fontaine, 1987).
seu repertório geral ou se ocorre Tendo em vista a procura por
especificamente no controle de relações funcionais entre o
estímulos da situação terapêutica. comportamento e seu ambiente,
Um outro cuidado, indispensável assim como a grande relevância do
para a eficácia da análise funcional, é relato verbal do cliente para o
que o terapeuta continue ligado aos levantamento de dados e a avaliação
dados de pesquisa, às novas de intervenções, todo processo
descobertas. Segundo Delitti (1997), terapêutico tem como objetivo final o
o modelo clínico da TC (Terapia autoconhecimento por parte do
Comportamental) baseou-se na cliente. Dentro do referencial teórico
proposta do Behaviorismo Radical, do Behaviorismo Radical, o
na qual o conhecimento empírico dos autoconhecimento é resultado de
dados obtidos em laboratório seria contingências sociais (Guilhardi e
indispensável para a compreensão do Queiroz, 1997; Skinner, 1974/1982;
homem e a consequente utilização na Tourinho, 2006). De forma geral, as
análise do comportamento humano. contingências sociais são de extrema
A análise funcional é um dos relevância para o estabelecimento e
instrumentos mais valiosos para a manutenção de nossos
prática clínica. A partir dela, é comportamentos. Grande parte dos
possível o levantamento correto dos estímulos discriminativos,
dados necessários para o processo motivacionais e reforçadores provêm
terapêutico. “A identificação das do ambiente social (Skinner,
variáveis e a explicitação das 1953/1998). Isso torna as
contingências que controlam o “habilidades sociais” fundamentais
comportamento permitem que sejam para o repertório humano.
levantadas hipóteses acerca da Conhecendo-se melhor e aprendendo
aquisição e manutenção dos a fazer análises funcionais coerentes,
repertórios considerados essa pessoa estará em melhores
problemáticos e, portanto, possibilita condições de se expressar
o planejamento de novos padrões adequadamente, de maneira
Análise Comportamental Clínica 327

socialmente habilidosa, respeitando a interpessoais. O primeiro seria


si mesma e aos outros. O conceito de considerar somente a si mesmo,
habilidades sociais será melhor desconsiderando os outros. O
exposto a seguir. segundo seria sempre colocar os
outros antes de você. E o terceiro e
último, a “regra de ouro”, seria
HABILIDADES SOCIAIS (HS)
considerar a si mesmo e também os
O comportamento socialmente
outros.
hábil é o conjunto de
A criança exposta a um ambiente
comportamentos emitidos por
pobre em estímulos adequados
um indivíduo em um contexto
poderá ter dificuldades em seguir a
interpessoal, que expressa
“regra de ouro” para conduzir suas
sentimentos, atitudes, desejos,
relações interpessoais. Ela pode
opiniões ou direitos desse
desenvolver e manter alguns
indivíduo de modo adequado à
comportamentos que podem ser
situação, respeitando esses
considerados “inadequados”,
comportamentos nos demais, e
“disfuncionais” ou “desadaptativos”
que geralmente resolve os
(ou seja, que trazem sofrimento), tais
problemas imediatos da situação
como transtornos alimentares. A
enquanto minimiza a
apresentação do caso clínico de Bia
probabilidade de futuros
visa mostrar a relação entre ambiente
problemas (Caballo, 2003, p. 6).
físico e social, autoconhecimento,
Segundo Caballo (2003), os habilidades sociais e transtornos
componentes das HS seriam os alimentares.
comportamentais, os cognitivos e os
fisiológicos. Basicamente, a CASO CLÍNICO Participante e
referência para os estudos são os
elementos comportamentais, procedimento
publicamente observáveis, seja em psicoterapêutico
abordagens cognitivistas ou na Bia tinha 17 anos, era do sexo
própria TC. feminino, solteira e estudante. Era a
A aprendizagem de caçula de três filhas. Residia com os
comportamentos sociais e de normas pais e as duas irmãs. Um ano antes de
de convivência inicia-se na infância, o presente trabalho ser redigido,
primeiramente com a família e depois procurou ajuda para o seu caso, com
em outros ambientes como o diagnóstico de bulimia nervosa,
vizinhança, creche, pré-escola e apresentando uma ótima adesão à
escola. terapia. Segundo Bia, a bulimia teve
Essa aprendizagem depende das início com o término de um namoro,
condições que a criança encontra somado ao fato de ela ter feito um
nesses ambientes, o que influi sobre a trabalho para a escola sobre
qualidade de suas relações transtornos alimentares (época em
interpessoais subsequentes. Assim, de que começou a induzir o vômito).
acordo com Del Prette e Del Prette Depois, começou a ouvir que estava
(2005), haveria três modos gerais magra: “mas aí eu já não achava!”.
para conduzir as relações Mesmo antes disso, já controlava a
328 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

sua alimentação, fato que poderia ter início três meses após a acentuação
engatilhado o começo de desmaios. de sua ansiedade. As sessões (em um
No início da terapia, pesava 63 kg e total de 61) se deram uma ou duas
media 1,72 m. vezes por semana, de acordo com a
Nove meses após o término do necessidade e a disponibilidade da
namoro e o trabalho escolar, passou a cliente, com duração de 50 minutos
demonstrar uma ansiedade cada. Normalmente, iniciavam-se
acentuada. Chegou a pensar em com a tarefa de casa estabelecida na
suicídio, apesar de não ter havido sessão anterior.
nenhuma tentativa. Dizia-se muito Depois, partia-se para a análise
nervosa, sem paciência com tudo e funcional de suas relações com o
todos, o que acabava resultando em ambiente ou para o uso de outros
discussões com as pessoas. Começou instrumentos. Feito isso, ao final da
a comer e a purgar, fazendo uso do sessão, cliente e terapeuta faziam um
vômito autoinduzido (era resumo do ocorrido durante a mesma.
característico o sinal de Russel em Logo em seguida, a terapeuta
sua mão direita). Bia não sabia estabelecia uma nova tarefa de casa e
discriminar as sensações de ter fome pedia um feedback para a cliente de
e de estar saciada. Quando ficava todo o processo.
menos em casa, se estivesse distraída, As primeiras sessões se
ocupada, cansada e/ou tranquila, ela destinaram ao estabelecimento do
comia menos e, consequentemente, rapport, confiança, contrato,
também purgava menos. socialização da cliente na
O pai praticava esportes “e psicoterapia, coleta de dados,
ninguém das minhas irmãs gosta levantamento de hipóteses
assim... só eu gosto de malhar. Ele é diagnósticas, informações à cliente
atleta... o sonho dele é que uma de sobre seu transtorno e
nós praticasse algum esporte”. A mãe desenvolvimento de algumas metas
era estilista, tinha uma confecção e, (ver Fairburn e Cooper, 1997;
portanto, encontrava-se Ribeiro, 2001, para uma descrição
frequentemente envolvida com o das etapas da Terapia
mundo da moda. As irmãs (assim Comportamental).
como a mãe) sempre se preocuparam A intervenção propriamente dita
em manter a forma fazendo uso de envolveu (i) informações sobre o
algumas dietas e, às vezes, algum transtorno alimentar; (ii) análise
medicamento apropriado, que funcional; (iii) treinamento em
auxiliasse no emagrecimento. Ela se habilidades sociais; (iv) aplicação de
comparava muito com as irmãs, tanto técnicas comportamentais –
no que deveria quanto no que não biblioterapia, dessensibilização
deveria fazer. Não se permitia sistemática, treino respiratório,
cometer os mesmos erros das outras relaxamentos progressivo e
duas, por menores que fossem. sugestivo, ensaio comportamental,
Dentre os familiares, Bia tinha maior tarefas de casa e monitoração
afinidade com a avó materna (que era alimentar e de pensamentos e
calma, falava baixo, etc.). sentimentos “disfuncionais”, assim
O processo terapêutico teve como de situações mais ou menos
Análise Comportamental Clínica 329

propícias tanto para a compulsão dificuldades é natural. Além disso,


alimentar quanto para a indução do não compará-la com ninguém, não
vômito, por meio de registros; (v) forçar a ingestão de alimentos, não
diminuição da restrição alimentar fazer as coisas por ela, e sim ensiná-
para diminuir a ocorrência de ataques la a fazer (a se cuidar, a fazer
e, consequentemente, diminuir a escolhas, a opinar, etc.).
purgação e (vi) implementação Bia não tinha o hábito de estudar.
gradual de um padrão de alimentação Portanto, foram feitas algumas
regular, incluindo três refeições e três orientações de como e o que estudar,
lanches planejados. Foram feitas em que ordem, definição de horários,
sessões de orientação aos pais, assim e assim por diante. Principalmente,
como também foram feitas tentou-se mostrar a ela que cada um
orientações à cliente, sobre como de nós teria suas facilidades e
estudar e sobre problemas com a dificuldades, assim como interesses,
articulação temporomandibular e que seria extremamente importante
(ATM), quadro clínico apresentado nos observarmos e descobrirmos qual
por Bia. seria o nosso limite para podermos
No início, Bia e seus pais respeitá-lo.
estavam muito ansiosos, sem saber Como é o objetivo de toda
ao certo como agir. A mãe tentava terapia comportamental, foi realizado
energicamente fazê-la comer na sua o treino de análises funcionais. Foi
presença, sempre de olho no sinal de dito à Bia que isso a tornaria mais
Russel que ela apresentava. Esse fato ativa, ao perceber as situações
aumentava ainda mais a tensão entre diversas nas quais ela teria que se
elas. Por isso, foram necessárias duas comportar, e que esse seu
sessões de orientação aos pais. comportamento teria um resultado
Nestas, foram esclarecidos o (consequência) que alteraria a
transtorno, suas características, as probabilidade de vir a se comportar
características comuns na família, a daquela forma novamente. Realizou-
importância da participação da se também treinamento em
mesma no processo, o que seria habilidades sociais, trabalhando o seu
trabalhado com Bia autoconhecimento, ensinando-a a se
(autoconhecimento, habilidades perceber, observar o que estava
sociais, independência, etc.). sentindo, pensando ou querendo e a
Realizou-se um apanhado geral de valorizar tudo o que percebia.
como era a dinâmica familiar, de No que se refere ao que se
como Bia normalmente se denomina distorção da imagem
comportava e de como eles reagiam corporal, fez-se uma
aos seus comportamentos. Foi dessensibilização sistemática em
solicitado que a escutassem sem relação à visualização de seu corpo e
julgamentos, mostrassem a ela suas da “gordura”. Bia fez uma hierarquia
potencialidades, encorajando-a a das partes de seu corpo, identificando
fazer o que tivesse condições, quais seriam as mais e as menos
elogiando os seus ganhos (por ansiogênicas, pontuando-as de 1 a 10
menores que fossem), reconhecendo (sendo 10 a parte que lhe causaria
as dificuldades e mostrando que ter maior desconforto, ansiedade). Após
330 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

isso, Bia foi exposta à erroneamente, não se alimentando


dessensibilização em relação ao seu pela manhã e ia aumentando a
corpo e a algumas situações sociais. quantidade de alimento durante o dia,
Em princípio, isso foi feito durante o ou seja, comendo mais à noite,
relaxamento sugestivo (usando a horário mais propício para comer e
imaginação), ensinando-a a respirar purgar. O vômito acontecia
apropriadamente, assim como diariamente, após a maioria das
também a sinalizar quando estivesse refeições.
experimentando momentos de Em Bia, era característico o sinal
tensão/ansiedade. Depois, partiu-se de Russel, em sua mão direita, como
para situações reais. consequência do vômito
Por fim, foi explicada a autoinduzido. Já apresentava algumas
disfunção da ATM, em que os mudanças físicas, decorrentes do
músculos e as articulações não vômito, tais como dores de garganta
trabalham harmonicamente, causando e de estômago, intestino preso,
comprometimentos musculares como cãimbras, dificuldades para dormir e
espasmo, tensão, dor e menstruação irregular.
comprometimento das estruturas Ela evitava alguns alimentos
ósseas.102 A cliente consultou um como arroz, carne (optou por ser
odontólogo e relatou melhora com as vegetariana), “coisas gordurosas”,
técnicas de relaxamento. doces, refrigerantes, etc., e começou
Resultados a comer saladas e a tomar iogurtes.
No início do processo, os intervalos Houve algumas artimanhas para
entre as refeições eram muito facilitar o vômito: não comia arroz e
espaçados. Ou seja, eram feitas feijão, tomava líquido após as
poucas refeições (duas ou três) ao refeições, comia mais as frutas (“sai
dia, com um grande tempo entre elas mais fácil”), principalmente melancia
(em torno de 4 horas). Bia comia (diurético, além de facilitar o
vômito). Segundo ela, “biscoitos de
102 Há outras manifestações: ruídos na
movimentação mandibular, como estalos e
queijo e roscas machucam para
crepitações (ruído de areia); limitações na voltar. Então a comida mais pastosa é
abertura bucal; desvios mandibulares na fala, melhor”. Bia demonstrou períodos de
na deglutição, na mastigação ou simplesmente “ponderação” (sem comer
na abertura e no fechamento bucal; alterações
compulsivamente e/ou em grande
nas funções mastigatórias e zumbidos ou
sensação de ouvido tapado. Essa disfunção quantidade), jejum completo e de
seria de etiologia multifatorial, podendo ser superalimentação.
causada por problemas oclusais, estresse, Fez-se uma tentativa de registro
hábitos parafuncionais, alterações musculares,
do comportamento alimentar de Bia,
problemas psicológicos. Hoje em dia, sabe-se
que o aspecto psicológico influencia no que em princípio aceitou e deu
aparecimento, no desenvolvimento e na continuidade. Porém, à medida que
manutenção dessa disfunção, principalmente ela foi observando que estava
em indivíduos que vivem em grandes centros comendo mais do que o esperado e
urbanos, onde o estresse e a competição
estariam sempre presentes. Então, o tratamento purgando em demasia, ela
envolveria profissionais da área de saúde, imediatamente parou de registrar. Ela
como odontólogos, ortodontistas, fez registros diários por,
fonoaudiólogos, psicólogos e fisioterapeutas aproximadamente, dois meses.
(Heller, 2003; Silva, 2005; Szuminski, 1999).
Análise Comportamental Clínica 331

No primeiro registro, apresentado entanto, novamente fugiu ao seu


no Quadro 16.1, pôde-se perceber controle e acabou comendo os doces,
que Bia, justificando que estavam no lugar de
Quadro 16.1 Primeiro registro alimentar
Data:15/09Horário: 06:35 Horário: 12:30

Alimentos ingeridos • 1 xícara de café • 1 prato de salada


• 2 copos de suco • Suco
• 1 pedaço de bolo • 1 fruta
• 1 colher de carne moída com
batata
• 2 bolinhos de arroz
Comeu muito? (sim/não) “Sim.” “Sim.”

Vômito? (sim/não) “Sim.” “Não.”

O que pensou? “Em nada. Comi correndo para “Os bolinhos de arroz têm muita
ir ao colégio.” gordura e a batata também
engorda.”
O que sentiu? (1-10) “Depois me senti cheia (7). Não “Nada.”
dava conta nem de respirar.”
Consequência? “Vômito, sensação de alívio.” “Não devia ter comido o tanto
que comi, pois já tinha comido
muito de manhã.
Arrependimento.”
em um período de alimentação algo salgado.
ponderada (ou seja, não impulsiva Após a 7ª sessão, Bia fez uma
e/ou não em grande quantidade), cirurgia (miniplástica) no abdômen:
demonstrou uma “eu sempre quis... estou muito feliz
insatisfação/arrependimento com o agora! É tudo que eu queria!
que havia comido. A “insatisfação” Comecei a engordar com 11, 12 anos,
parece ter funcionado como um e a barriga já incomodava”.
estímulo aversivo condicionado, do Observou-se maior aceitação dessa
qual ela fugiu quando o vômito foi parte de seu corpo depois da cirurgia;
induzido. O segundo registro no entanto, ainda estava insatisfeita:
assemelhou-se ao primeiro. “queria que ela ficasse totalmente
No terceiro registro, apresentado retinha!”. Após a cirurgia, o que mais
no Quadro 16.2, pôde-se perceber a incomodava em seu corpo, numa
que Bia, em um período de ordem crescente de desconforto,
superalimentação, demonstrou uma eram: espinhas, olheiras, cor
falta de controle diante dos amarelada da pele (excesso de
alimentos, seguido por indução do betacaroteno, vitamina A), pouco
vômito, o que novamente lhe trouxe seio, braço grosso, perna grossa,
alívio (reforçamento negativo), e bumbum grande, cabelo ondulado,
houve, depois disso, uma tentativa de quadril largo e os pés.
jejum, segundo seus relatos. No Entre a 16ª e a 17ª sessões,
332 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

aceitou fazer também um que a acompanharam, poderia estar


acompanhamento com uma lhe abrindo o apetite e aumentando
nutricionista e, por aproximadamente sua ansiedade, deixando-a com o
dois meses, seguiu bem suas intestino preso e muito sono). A
recomendações, mas depois psiquiatra, a partir da 37ª sessão,
abandonou. Diante de uma dieta passou a medicá-la com Prozac®
balanceada, com três refeições (antidepressivo, com o qual obteve
principais e três lanches planejados, melhores resultados). Vale ressaltar
ela começou a tomar café da manhã e que todos os seus médicos sabiam de
a comer melhor no almoço, mas não sua condição.
fazia todos os lanches. Começou a se A análise da dinâmica familiar de
permitir comer coisas antes Bia e das sessões com seus pais
Quadro 16.2 Terceiro registro alimentar
Data: 18/09Horário: 19:00 Horário: 02:00

Alimentos ingeridos • 2 pacotes de torrada bombons, no mínimo uns cinco


• 1 pedaço de bolo
• 1copo de vitamina
• 5 ameixas
Comeu muito? (sim/não) “Sim.” “Sim.”

Vômito? (sim/não) “Sim.” “Não.”

O que pensou? “Estou com fome, mas não “Como não comi comida
quero comer muito... mas comi, salgada, posso comer doce.”
fiquei beliscando...”
O que sentiu? (1-10) “Raiva (9). Eu estava com raiva “Estava me sentindo
da minha irmã!” incomodada (9). Não conhecia
ninguém.”
Consequência? “Vômito, no banho. Sensação de “Achei melhor não fazer nada.
alívio.” Não vomitei.”
proibidas, tais como: sanduíches, mostraram-se relevantes para coleta
doces e refrigerantes, e a não purgar de dados e intervenção. Na sessão 43,
necessariamente após todas as vezes ela afirmou que sua
em que comia algo do tipo. Isso mãe era um “modelo de boa mãe”
aconteceu depois de, (“Ela é atenciosa, pode até faltar uma
aproximadamente, cinco meses de conversa ou outra, mas ela gosta de
terapia. todas [as filhas] do mesmo jeito”). O
Começou a ser medicada por um mesmo foi dito em relação ao pai
gastroenterologista, logo antes de (“só que ele quer me ajudar, mas não
fazer a sua cirurgia plástica. Usaram faz do jeito certo. Quando me vê
Logot® (para úlcera duodenal chorando, ele diz: ‘isso chora! Chora
gástrica, pós-operatória), Motílium® mesmo!’; ele é mais seco, não faz
(para refluxos e vômitos) e carinho”). Quanto às irmãs, a cliente
Triptanol® (antidepressivo que, relatou que:
segundo a nutricionista e a psiquiatra C: Eu queria conversar mais com
Análise Comportamental Clínica 333

elas. Queria que elas se abrissem C: É boa porque é uma


mais comigo. As duas são mais preocupação, um cuidado. Mas é
juntas. Quando é para ficar só ruim, porque, às vezes, a gente
nós três lá em casa, elas não vira o centro das atenções.
gostam que eu fique, acham que
Esses momentos, associados a
dou trabalho e que vou fofocar.
diversos outros da terapia, deixaram
“Você não vai ficar, não! Vai dar
claro que Bia seguia a regra familiar
trabalho, pedir para eu te levar
– afirmavam que se constituía em
não sei aonde, fazer isso, aquilo”.
uma “família exemplar” –, apesar de
E eu queria participar mais.
observar e apontar problemas com os
O trecho seguinte foi retirado da quatro outros membros. Além disso,
sessão 46103: ficava clara sua frequente
preocupação com a opinião de seus
T: Como você acha que os seus pais (e também de suas irmãs) em
pais a idealizam? O que eles relação a seus comportamentos e, em
esperam de você? alguns momentos, sua culpa por não
C: Tem hora que acho que estou atingir os critérios exigidos pela
enganando os meus pais. Não família. As sessões de orientação aos
estou estudando tanto... acho que pais de Bia tiveram um resultado
a Bia ideal seria aquela que satisfatório, já que se conseguiu
estuda, se gosta, se valoriza… e esclarecer vários pontos e, ao mesmo
acho que eles me veem me tempo, tranquilizar um pouco mais a
cobrando; não sei se engano a cliente e sua família. Essas sessões
eles ou a mim mesma; eu não proporcionaram a eles melhores
quero levar mais problema para momentos de convivência entre
eles104; me veem como estudiosa, todos.
alguém que está tentando Acrescentando à análise da
melhorar aos poucos… Acho que dinâmica familiar, fez-se uma análise
mudei demais de quando era de contingências, de variáveis, de
criança. Esteticamente, eu era forma mais específica. Foram feitas
mais relaxada, não usava brincos, duas listas de hierarquia: para a
usava óculos, me escondia… isso compulsão alimentar e para o vômito.
até uns 12, 14 anos. Agora sou Esses registros foram pedidos a Bia
mais aberta com todo mundo. como tarefa de casa na sessão 47.
Estudo eles cobram, fazem No registro da compulsão
perguntas, se preocupam… alimentar, apresentado no Quadro
T: E essa preocupação é boa ou 16.3, percebeu-se em que situações
ruim? ou contextos seria mais ou menos
provável que Bia comesse muito. Nas
situações em que se encontrava
103 As respostas foram registradas, pela
sozinha, ou em casa, principalmente
terapeuta, em uma folha de papel à medida que
ao final da tarde, e diante de
Bia as respondia.
alimentos preferidos, ou quando
104 Quando questionada sobre quais seriam
esses problemas, respondeu que chorar, estar
ansiosa (p. ex., na véspera de sua
na TPM, preocupada com o vestibular, dentre menstruação ou em período de
outros. provas), a probabilidade de comer
334 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

compulsivamente era maior. E, processo terapêutico. Mas, como em


consequentemente, ela purgaria mais todo processo, existiram pontos altos
vezes. e baixos. Não se havia obtido ainda
Foi explicado a ela que, com a uma estabilização.
indução do vômito, poderia No registro do vômito,
apresentar erosão do esmalte dos apresentado no Quadro 16.4,
dentes, com descalcificação da percebeu-se que, assim como
superfície dos mesmos, além de havia estímulos que sinalizavam a
várias outras consequências, tais ocorrência do comer compulsivo,
como cabelos e unhas quebradiças,
também os havia para a purgação
algumas complicações pulmonares,
cardíacas, etc. Além disso, que o (vômito). Nas situações em que Bia
nosso corpo, logo após o vômito, estava sozinha, ansiosa, nervosa
preparar-se-ia absorvendo mais do diante de algo, alguém com uma
que normalmente ele absorveria em
converQuadro 16.4 Lista de
uma próxima refeição. Discutiu-se
também que a digestão começaria na hierarquias – vômito
boca, ou seja, nem tudo iria embora sa que a chateava, ou quando brigava
com o vômito. Então, Bia começou a com alguém ou brigavam com ela
se questionar “por que vou fazer (inabilidade social), ela comia mais.
isso? Não sei se vai adiantar mais! Parar para se observar no espelho,
Vou me sentir mal depois!”. Após ficar insatisfeita (distorção da
isso, houve algumas tentativas de imagem corporal) e lembrar-se de
controle dos vômitos, a ponto de ficar que não estava fazendo atividade
uns quatro ou cinco dias sem purgar. física (por estar cursando o 3 o ano do
Deve-se lembrar que purgar era ensino médio) sinalizavam a
comum em praticamente todas as ocorrência do vômito.
refeições e todos os dias – ou seja, Trabalhou-se a “distorção da
comparando-se à linha de base, imagem corporal”, fazendo-se uma
obtiveram-se ganhos no decorrer do
Quadro 16.3 Lista de hierarquias – compulsão alimentar
Sempre posso resistir à
tentaçãoposso resistir à
Sempre 50/50 de chance Nunca posso resistir à tentação
tentação 50/50 de chance Nunca posso resistir à tentação
• “Quando não estou nervosa, • “Quando saio”. • “Quando estou de TPM”.
ansiosa”.
• “Quando não como muito”; •• “Quando
“Quando estou
não como em
cansada”. •• “Quando
“Quando vejo
ansiosa
queacabo
comi
•• “Quando
“Quando conto
estou asfazendo casa”. comendo
muito muito”. das
(contagem
calorias • “Quando estou na escola”.
regime e digo que não vou
certinhas e fico menos • “Doce”. • calorias)”.
“Época de prova”.
• “Quando como um doce”.
comer”.
ansiosa”; • “Refrigerante. •• “Quando
“Quando estou
como nervosa
algo quee
• “Quando não paro para
•• “Quando
“Na frenteestou
dos meus
muito pensar nas calorias.”
gosto muito”.
como muito (ex.: Pão de
amigos”.
ocupada”; • “Quando estou queijo, bolo, rosca, salada de
• “Quando é uma situação ou
bem comigo mesma”. fruta, frutas, balinhas...), se
• “Quando estou conversa que me chateia, ou
como um, não consigo parar;
• acompanhada,
“Quando não fico em casa”.
estudando quando brigo ou brigam
se não como, não sinto
• com
“Quando consigo
alguém, perceber
me divertindo”. comigo”.
vontade”.
que estou sem fome”. • “Quando me olho no espelho
• “Quando fico em casa”.
• “Quando não gosto do que e vejo meu corpo”.
• “Da tarde para a noite,
está na mesa”. • “Quando penso que não
quando na cozinha, ataco o
• “No almoço eu me controlo”. estou malhando”.
que estiver pela frente”.
• “Se estiver distraída, • “Quando tomo muito
• “Quando estou só”.
conversando; quando líquido”.
acompanhada. • “Quando estou sozinha.”
Análise Comportamental Clínica 335

dessensibilização da mesma, com não tanto. Isso está um pouco


observações de seu corpo e situações longe de mim. Eu tento, mas… o
sociais. Respeitou-se a hierarquia corpo mesmo, não estou
criada por Bia, que sinalizava as malhando. Acho que é fase
partes de seu corpo que mais lhe mesmo (vestibular).
deixavam ansiosa. Isso foi feito Como Bia não tinha o hábito de
usando relaxamento sugestivo estudar, a chegada do 3o ano foi
(imaginação). No início do assustadora, fazendo-se necessárias
relaxamento, Bia chegava a fazer algumas orientações nessa área.
caretas quando visualizava algumas Dessa forma, a cliente conseguiu se
partes do seu corpo, deixando bem organizar melhor para estudar.
claro o seu incômodo. Depois, com a Percebeu algumas das suas
exposição continuada, isso foi dificuldades e pôde dedicar-se de
melhorando. forma diferenciada a cada matéria.
O seguinte trecho, da sessão 51, Começou a observar e a aprender
exemplifica a melhor aceitação de quais seriam os seus limites e a
seu corpo: respeitá-los. Bia começou a se
conhecer, mas tinha condições de se
T: Como tem sido a sua vida?
observar e de se conhecer ainda mais.
Você tem feito coisas que lhe dão
Além disso, aprendeu a realizar
prazer?
análises funcionais. Após uma
C: Sinto prazer em ir ao colégio; semana se “preparando” para ir a um
lá eles não pressionam, tenho show, desmaiou quando estava lá,
liberdade; eles procuram saber o “curtindo”. “Sei porque desmaiei!”.
que eu quero, os amigos são Relatou que, naquela semana, ela
cuidadosos, gosto de ver todo mesma criou uma dieta de 800
mundo, conversar, me entreter; lá calorias por dia e, no dia do show,
eu tenho reconhecimento. Sou comeu menos ainda. Então, desmaiou
uma pessoa extrovertida; sei que por estar mal alimentada.
gostam de mim, sei que estão Acrescentou que, por ter feito isso,
bem só de estarem do meu na semana seguinte, que era uma
lado… Gosto de usar o semana de provas, o que a deixaria
computador, ir a shows, festas, ansiosa, ela se permitiu comer mais
de sair, de beijar... só malhar é e, consequentemente, purgou mais.
que não está dando. Descreveu também que tentou
(...) resolver uma prova de vestibular que
já havia acontecido e não deu conta.
T: O que você pensa sobre Então, pôs-se a chorar: “Não estou
beleza? Os critérios estão longe preparada!”. Após fazer uma análise,
de você? percebeu que era natural aquilo ter
C: Tem que estar com tudo acontecido. Não era porque ela era
certinho. Ter um corpo bom, de incapaz ou porque não tinha
quem malha, trabalha, cuida de si estudado. Ela identificou que se
mesmo, arruma o cabelo, faz as encontrava no período pré-menstrual,
unhas, se depila... também tem fase em que normalmente se
que ter saúde, se preocupar, mas encontrava muito sensível – era
336 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

quando chorava fácil –, que estava sempre dizia isso aos prantos. Logo
cansada e tinha acabado de fazer a que isso foi sinalizado, ela se deu
inscrição para o vestibular de uma conta de que poderia ter mais de um
universidade federal, o que lhe sentimento ou emoção com relação
reavivou todas as suas autocobranças. ao mesmo fato. E que, inclusive,
Bia começou a compreender que poderia ter alguns sentimentos ruins,
existia uma preocupação muito como tristeza, inveja, etc., sem que
grande com o que os outros (família e isso representasse “falha de caráter”.
pessoas novas) poderiam pensar ou Foi retirado um trecho da sessão
dizer a seu respeito, principalmente 54, o qual exemplifica a dificuldade
com relação à sua forma física. Ela de Bia comportar-se de forma
relatou ter sido uma criança socialmente habilidosa diante de uma
gordinha, sem vaidades, e com inferência feita sobre como ela se
dificuldades no estudo. Em sentia. A partir disso, ela pôde
contrapartida, quando começou a se identificar porque seus pais
cuidar e emagreceu, já no início da pensavam da forma que pensavam a
adolescência, entrou em contato com respeito dela.
vários reforçadores positivos. Dentre
T: Como seus pais se comportam
esses, começou a fazer atividade
quando você faz algo de forma
física e a modelar o seu corpo,
adequada? Eles lhe fazem
recebeu elogios da família e dos
carinho, dão beijos, abraços?
amigos, fez mais amizades, a vida
C: Eles se surpreendem, eles
social tornou-se mais ativa, com
falam, elogiam. Eu me acho
festas, shows e reuniões. Houve uma
carinhosa, mas eles me acham
maior aceitação por parte de todos
fria, sistemática… É, não sei… e
com relação à moda, a como vestir-
às vezes não posso demonstrar.
se, houve uma maior variabilidade de
Quando minha irmã adoeceu,
roupas que lhe caíam bem, etc.
minha outra irmã chorava, e eu
A cliente relatou uma dificuldade
sentia, sofri, mas não mostrava…
para discriminar o que sentia. As
pessoas normalmente faziam T: Então, já que eles não
inferências sobre como ela se sentia e poderiam ver como você se
o que ela queria. “Sou perfeccionista, sentia, não seria natural eles
sistemática, desconfiada e tenho a acharem que você fosse fria ao
personalidade forte. É o que dizem, e invés de carinhosa, como você
eu fico confusa.... acabo seguindo os diz ser?
outros e não a mim!”. Ela não se C: É… pode ser, né?!
permitia ter sentimentos e emoções
negativas, com medo de magoar ou T: Mas de alguma forma
decepcionar as pessoas. Então, uma precisava extravasar, não é
ótima oportunidade surgiu para que mesmo?
pudesse trabalhar essas questões: um C: É… acho que o problema na
amigo passou no vestibular, antes do minha boca (ATM) é isso.
final do ensino médio, e deixou de
frequentar as aulas com ela. Ela dizia T: É! Ansiosa e com os músculos
que estava muito feliz por ele, mas do corpo todo tensionados, você
Análise Comportamental Clínica 337

teve problemas com a ATM. Bia também obteve ganhos. Ela foi a
Provavelmente, foi o que você alguns lugares a pé ou de táxi; foi
deu conta de fazer com o seu capaz de fazer compras no
sofrimento. supermercado sozinha; levou a
cachorra ao veterinário; foi à
T: E comer e vomitar, também
farmácia comprar remédio quando
não seria uma forma de
precisou, etc.
extravasar?
Como Bia estava cursando o 3o
C: É… pode ser! ano do ensino médio, por falta de
Bia aprendeu a valorizar o que tempo, não pôde ir à academia,
pensava e sentia e começou a agir de ficando sem atividade física. Somado
acordo com isso. Um exemplo disso a isso, ansiosa e com os músculos de
é o contato com uma amiga, com a todo o corpo tensionados, ela teve
qual não concordava em alguns “problemas com a articulação
pontos, achando-a mimada e temporomandibular” (ATM). Bia,
imediatista. Porém, mesmo pensando estando ansiosa, voltou a comer mais,
assim e discordando de algumas e como não conseguia abrir a boca
opiniões, continuava calada, passiva para purgar, assim como também não
e acabava sofrendo muito. Certo dia, conseguia fazer uma atividade física,
sua amiga lhe procurou, como de ficou ainda mais ansiosa e voltou a
costume, e opinou com relação a algo restringir sua alimentação.
que Bia discordava. Ela conseguiu Programava dietas de baixa caloria, o
dizer o que achava e conseguiu que se mantinha também pela
manter a sua opinião e ouvir, pela proximidade de sua formatura e pela
primeira vez, um pedido de desculpas necessidade de se “preparar”
que não tivesse partido dela. Foi (fisicamente) para participar. Ela
embora satisfeita com o seu mesma foi capaz de fazer essas
desempenho, por ter se expressado análises funcionais, identificando as
adequadamente, respeitando-se e ao causas de sua fase de baixo
outro também, levando em conta os rendimento em relação ao processo
seus direitos e deveres perante os (terapêutico) como um todo, assim
outros. Então, observar que a como a sua autocobrança.
consequência de seu comportamento O trecho abaixo (sessão 56)
foi extremamente reforçadora e que exemplifica a autocobrança de Bia,
ela foi socialmente habilidosa, fez comportando-se de forma a não se
com que ela se comportasse assim permitir errar, assim como também
mais vezes, e em diferentes contextos em corrigir os erros que suas irmãs
(generalização). E foi o que ela fez cometessem. Da mesma forma, esse
com outros amigos, e também com as mesmo trecho, mostrou claramente
irmãs. No que se refere à relação um momento em que o
terapêutica, ela já havia conseguido comportamento da mãe foi
negociar um melhor horário para a extremamente reforçador para a
sessão, recusar pedidos, dizer não e manutenção do comportamento de
mantê-lo; sugerir, dar sua opinião e Bia de comer/purgar, como uma
fazer convites. forma de manter o peso.
Com relação à independência, T: Há ou houve momentos de
338 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

comparação e/ou rejeição na sua você?


história de vida?
C: Ser feliz é estar bem comigo
C: Quando eu era criança, minha mesma, olhar no espelho e gostar
irmã era mais estudiosa; eu era de mim… Tenho tudo, meus pais
mais burrinha e fiz aulas fazem tudo para mim!
particulares. Hoje, minha mãe já T: Quais mudanças você
fala para as meninas se observou nos seus
controlarem como eu faço, para comportamentos depois que
não engordar, mas pede para elas começamos esse processo de
não serem tão rígidas como eu. terapia?
T: E o que acha disso? C: Hoje eu mesma ajudo as
pessoas, fico menos embaraçada.
C: Ah… não vou negar, eu acho
Estou me aceitando melhor, mas
bom! E com relação à rejeição,
ainda falta muito para ficar bom.
eu achava que minha irmã mais
Estou mais alegre; o meu humor
velha era a preferida, mas ela
oscila, mas é menos do que
também achava que a preferida
antes, e passa rápido. Descobri
era eu, então! Mas eu acho ela
que não guardo mágoa das
dependente dos meus pais; ela
pessoas; isso eu não sei se
dorme, não se envolve com a
aconteceu agora, ou se antes já
faculdade... e isso me incomoda.
era assim, e agora eu percebi. Me
A outra irmã, ela já quer fazer
entendo mais; sempre me lembro
um estágio… eu quero fazer as
do “antes, do meio e o depois”105;
coisas do jeito que tem que ser.
me observo mais, me percebo
T: O que é valioso para uma mais, mesmo não aceitando
pessoa? Como uma pessoa deve alguns atos que faço, como
ser? alimentação, mas eu não me
C: Ah… valioso seria ser feliz, reprimo tanto. Vejo que me
ter uma educação; estudo cobro, e não é com relação aos
ninguém tira, né?! Já o dinheiro estudos, é com relação à
ele pode acabar. Eu dou mais alimentação…
valor a coisas pequenas,
sentimentos, amizades… me CONSIDERAÇÕES FINAIS
apego muito às pessoas. Acho De acordo com Wilson e Pike (1999),
que uma pessoa deve ser os transtornos alimentares
humilde, sincera, respeitar o apresentam-se como enfermidades
próximo… Não sei odiar modernas e predominantemente
ninguém, não quero que falem de ocidentais. A grande maioria das
mim, então também não falo dos pessoas vive sob o ideal da magreza e
outros… É estar bem consigo da boa forma física. Então, esse
mesma, bem com o que é certo padrão se impõe, especialmente para
para ela… o que a pessoa acha as mulheres, para as quais a
que é certo.
T: E o que seria ser feliz para 105 Texto discutido em sessão com a cliente
(Starling, 2002).
Análise Comportamental Clínica 339

aparência física representa uma (antidepressivo), obtendo melhores


importante medida de valor pessoal. resultados.
Não é difícil observarmos que, dia Segundo Duchesne (1995) e
após dia, estão sendo feitos Silva (2005), o tratamento dos
investimentos cada vez maiores no transtornos alimentares exigiria um
desenvolvimento de novas dietas, enfoque multidimensional e uma
academias, aparelhos de ginástica, equipe interdisciplinar constituída
cosméticos e cirurgias plásticas. Todo por psicólogos, psiquiatras,
esse aparato, visando um corpo nutricionistas, endocrinologistas,
perfeito e, na sua grande maioria, clínicos gerais, entre outros.
inatingível (ver Ribeiro e Carvalho, Felizmente, Bia tinha condições
2007). financeiras de ter um tratamento mais
Como Eggers e Liebers (2005) completo, como o proposto acima, o
afirmaram, há uma forte pressão que não é comum na realidade
cultural a favor da magreza, brasileira.
principalmente na cultura ocidental, o O objetivo da TC seria educar
que aumenta ainda mais a e/ou reeducar, ensinar técnicas de
discrepância entre o peso corporal autocontrole106 e ensinar o cliente a
real e o desejado. Portanto, se o fazer análises funcionais, para que
cliente não se conhecer bem, se não aprenda que o seu comportamento
souber fazer análises funcionais tem uma função: que há
coerentes e ser socialmente contingências que favorecem a
habilidoso, ele tem uma grande instalação e a manutenção do mesmo,
probabilidade de distorcer sua envolvendo sua história passada, o
imagem corporal. Foi o caso de Bia. seu comportamento atual e sua
Ela não se conhecia suficientemente relação com o terapeuta (Franks e
bem para saber como realmente era. Wilson, 1975, citado por Franks,
Não se aceitava e teve dificuldades 1999). Isso foi feito com Bia,
para lidar com o seu corpo. apresentando bons resultados. Por
Channon e Wardle (1994) exemplo, ela aprendeu a valorizar o
falaram sobre as complicações físicas que pensava e sentia, passou a ser
e que estas se deviam aos episódios mais assertiva e independente, a se
de excesso alimentar seguido de alimentar melhor e a analisar
purgação. No caso de Bia, ela funcionalmente os momentos de
apresentou dores de garganta e de restrição alimentar ou de purgação.
estômago, intestino preso, cãimbras, De acordo com Guilhardi e
dificuldades para dormir e Queiroz (1997), o processo
menstruação irregular. Os autores terapêutico tem como objetivo final o
também apontam que os transtornos autoconhecimento por parte do
alimentares poderiam ocorrer cliente. Dentro do referencial teórico
concomitantemente a outros do Behaviorismo Radical, o
transtornos ou doenças, sendo autoconhecimento é resultado de
necessária uma investigação contingências sociais. No caso de
minuciosa. No caso de Bia, ela Bia, fez-se o treinamento em
apresentou sintomas de depressão e
106 Para maior discussão acerca da definição e
foi medicada com Prozac®
relevância do autocontrole, ver o Capítulo 6.
340 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

habilidades sociais, assim como os transtornos alimentares são


também foi ensinado a realizar multideterminados. Ou seja, haveria
análises funcionais, para que ela vários fatores que estariam em
pudesse se expressar adequadamente, relação com o indivíduo e o seu
respeitando a si mesma e aos outros. ambiente. Dentre os que se aplicam
Segundo Del Prette e Del Prette ao caso de Bia, podem-se citar os
(2005), a aprendizagem de modelos e as ideias individuais
comportamentos sociais e normas de influenciados pelo contexto cultural:
convivência são iniciadas na infância, a beleza, a felicidade e o autovalor
e essa aprendizagem vai depender relacionados a um corpo magro. O
das condições que a criança encontrar contexto no qual ela vivia fornecia
nesses ambientes. Portanto, se for um muitos reforçadores para esses
ambiente pobre em estímulos comportamentos inadequados. A
adequados, provavelmente essa família de pacientes com transtornos
criança vai ter dificuldades para alimentares, em geral, privilegia as
seguir a “regra de ouro” para aparências, é rígida, resiste a
conduzir as suas relações mudanças e tem dificuldades de
interpessoais. Ela pode desenvolver e comunicação e de expressão de
manter alguns comportamentos que sentimentos. Normalmente, as
possam ser inadequados. No caso de pessoas que apresentam esse tipo de
Bia, o seu ambiente externo ofereceu transtorno, são pessoas que se sentem
poucas condições que propiciariam o envergonhadas do seu
seu crescimento pessoal. Foi um comportamento e são muito sensíveis
contexto superprotetor e muito aos indícios de desaprovação e
envolvido com a estética e a moda. rejeição, tendem a se avaliar em
Portanto, houve uma forte termos de fatores externos de
preocupação com a forma e o peso referência e a fazer avaliações
corporais, o que a fez recorrer a negativas de si mesmos. Esse tipo de
estratégias para evitar o ganho de comportamento, no caso de Bia,
peso. Bia desenvolveu bulimia poderia causar outros, tais como a
nervosa, restringindo a sua baixa frequência de comportamentos
alimentação (tanto com relação à assertivos, a baixa confiança e
qualidade quanto à quantidade – e segurança em si mesma, a
isso foi o que remeteu, em princípio, dificuldade para lidar com as pessoas
ao quadro de anorexia). Tal restrição e os problemas que surgiam, assim
era acompanhada da ingestão de como o comportamento alimentar
forma compulsiva de grandes inadequado. Bia tinha ganhos em
quantidades de comida, seguidas de manter o seu comportamento
estratégias para evitar ganho de peso, alimentar inadequado. Ela relatou ter
como vômitos autoinduzidos, sido uma criança gordinha, sem
diuréticos naturais (melancia) e vaidades, e com dificuldades no
exercícios exagerados estudo. Em contrapartida, quando
(comportamentos relatados por começou a se cuidar e emagreceu, já
Abuchaim et al., 1998; Duchesne e no início da adolescência, entrou em
Appolinário, 2001; dentre outros). contato com vários reforçadores
Como Duchesne (1995) afirmou, positivos: começou a fazer atividade
Análise Comportamental Clínica 341

física e a modelar o seu corpo; foram muito protetores, não a


recebeu elogios da família e dos deixando entrar em contato
amigos; fez mais amizades; a vida diretamente com as contingências.
social tornou-se mais ativa, com Portanto, ela normalmente se
festas, shows e reuniões. Houve uma comportava seguindo regras. Regras
maior aceitação por parte de todos tais como: “mulher magra é que é
com relação à moda e a como vestir- bonita”, ou “para estar feliz, tenho
se; uma maior variabilidade de que estar magra”, etc. Sua família era
roupas que lhe caíam bem; era bem estruturada, carinhosa e disposta
cuidada de forma diferenciada (com a ajudar os filhos, mas teve
relação às irmãs); era mais difícil dificuldades para aliviar a
para os pais lhe dizerem “não!”, etc. superproteção e para não reforçar
Esses fatores foram somados ao comportamentos inadequados.
fato de se encontrar em um dos Tiveram também dificuldades para
períodos mais ansiosos pelo qual já generalizar os comportamentos
passou: época de experienciar muitas adequados aprendidos. Há o fato de o
coisas novas, romances mais contexto no qual eles vivem
apimentados, novos relacionamentos (descendência libanesa – mesa farta e
(“ficantes”), uma maior exposição do envolvimento com a moda e com os
corpo; acentuação e confronto de esportes) também reforçar
regras e tabus; época de vestibular e positivamente os comportamentos
de definir sua vida pessoal e inadequados de Bia, como comer e
profissional, buscando crescimento e purgar, como uma forma de manter
aceitação social; vontade de se seu peso e todos os outros
empregar e de ter condições de se reforçadores aos quais teve acesso.
sustentar e ajudar financeiramente os Com a terapia, Bia foi capaz de
pais, etc. Bia foi adiando alguns fatos se conhecer melhor, de aprender a
importantes na sua vida como: fazer análises funcionais coerentes,
desfiles, fotos do “book de 15 anos” de agir de forma mais habilidosa
e estudos, até emagrecer. Por que até socialmente, de valorizar-se mais e
emagrecer? Talvez porque adequar de sentir-se menos culpada diante de
sua aparência aos moldes culturais algumas situações. Além disso,
tenha sido um marco em sua vida. estava mais segura, mais confiante,
Momento no qual ela começou a se com uma melhor autoestima e
comportar diferente, a se cuidar mais autocontrole, mas a autocobrança
e a emagrecer e, então, teve acesso a ainda continuava frequente.
reforçadores poderosos, como os que A terapeuta estava tendo
mencionamos anteriormente. dificuldades para ensiná-la a
Uma dificuldade encontrada foi o generalizar os novos comportamentos
trabalho com a família. Não que eles aprendidos, porque esbarrava em seu
não tenham colaborado, muito pelo contexto, ainda muito propício para
contrário. Foram ativos, que ela mantivesse alguns dos
participativos. O fato é que qualquer comportamentos inadequados. Como
família tem uma estrutura, uma Bia aderiu bem ao processo
“dinâmica familiar”, “hábitos psicoterapêutico, com um bom
arraigados”. No caso de Bia, os pais prognóstico, e desenvolveu uma
342 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

grande empatia com a terapeuta, o estatístico de transtornos mentais


caminho a seguir consistiria em (DSM-IV-TR). Porto Alegre: Artmed.
tentar colocá-la em contato com Ballone, G. J. (2005). Transtornos
Alimentares. Retirado no dia
outras contingências e,
27/10/2005 do site http://
consequentemente, com outros www.psiqueweb.med.br/.
reforçadores positivos, para que Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o
tivesse mais de uma opção na busca Behaviorismo: Ciência,
de uma melhor qualidade de vida. Comportamento e Cultura (M. T.
Bia entrou para o curso de A.Silva, trad.). Porto Alegre: Artmed.
Nutrição em uma faculdade Caballo, V. E. (2003). Manual de
Avaliação e Treinamento das
particular. Mostrou-se uma aluna
Habilidades Sociais. São Paulo:
dedicada, interessada, estudiosa Editora Santos.
(baseando-se em seus relatos e no Canaan-Oliveira, S., Neves, M. E. C. das,
dos seus pais). Começou a ajudar sua Silva, F. M. e, Robert, A. M. (2002).
mãe na confecção; dizia não ter mais Compreendendo seu filho: Uma
purgado em alta frequência. Nas análise do comportamento da criança.
vezes em que ainda as purgações Belém: Paka-tatu.
aconteciam, ela sabia observar e Castilho, S. M. (2004). Obesidade infantil e
autoestima. Em D. C. L. Heller (Org.),
descrever as contingências. Portanto,
Obesidade Infantil – Manual de
tinha um maior controle sobre esse prevenção e tratamento (pp. 25-30).
comportamento. Estava menos Santo André: ESETec.
ansiosa; manteve o peso (até o Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem:
momento da redação do presente Comportamento, linguagem e
trabalho), e tanto ela quanto seus pais cognição (A.
estavam satisfeitos com as mudanças Schmidt, D. G. de Souza, F. C.
Capovila,
comportamentais. Na sessão 61
J. C. C. de Rose, M. de J. D. Reis, A.
(última), terapeuta e cliente A. da
conversaram sobre a importância de Costa, L. M. de C. M. Machado & A.
se planejar em curto e longo prazo Gadotti, trads.). Porto Alegre: Artmed.
para tudo o que se propõe a fazer. Channon, S. & Wardle, J. (1994).
Logo depois dessa sessão, já no final Transtornos alimentares. Em J. Scott,
do ano de 2005, vieram as J. M. G.Williams
& A. T. Beck (Orgs.), Terapia
festividades, as férias, as viagens. Bia
cognitiva na prática clínica: Um
disse estar bem e que voltaria a manual prático (pp. 155191). Porto
procurar a terapeuta caso houvesse Alegre: Artmed.
necessidade. Cordás, T. A. (2004). Transtornos
alimentares: Classificação e
diagnóstico. Revista de Psiquiatria
REFERÊNCIAS Clínica, 31, 154-157.
Abuchaim, A. L. G., Somenzi, L. & Cunha, J. A. (2001). Manual da versão em
Duchesne, M. (1998). Aspectos português das escalas Beck. São Paulo:
psicológicos. Em M. A. A. Casa do Psicólogo.
Nunes, J. C. Appolinário, A. L. G.
Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2005).
Abuchaim & W. Coutinho (Orgs.),
Psicologia das habilidades sociais na
Transtornos alimentares e obesidade
infânciateoria e pratica. Petrópolis:
(pp. 62-76). Porto Alegre: Artmed.
Editora Vozes.
American Psychiatric Association (APA,
Delitti, M. (1997). Análise funcional: o
2002). Manual diagnóstico e
Análise Comportamental Clínica 343

comportamento do cliente como foco Guilhardi, H. J. & Queiroz, P. B. P. S.


da análise funcional. Em M. Delitti (1997). Análise funcional no contexto
(Org.), Sobre Comportamento e terapêutico, o comportamento do
Cognição: Vol. 2. Aspectos teóricos, terapeuta como foco da análise. Em M.
metodológicos e de formação em Delitti (Org.), Sobre Comportamento e
análise do comportamento e terapia Cognição: Vol. 2. Aspectos teóricos,
cognitivista (pp. 37-44). São Paulo: metodológicos e de formação em
ARBytes. análise do comportamento e terapia
Dominguez, S. M. & Rodrigues, S. V. cognitivista (pp. 45-97). São Paulo:
(2005). Características clínicas e ARBytes.
tratamento dos transtornos do Heller, D. C. L. (2003). Transtornos
comportamento alimentar. Em V. E. alimentares:
Caballo & M. A. Simon (Orgs.), A escravidão do corpo perfeito. Em M.
Manual de Psicologia Clínica Infantil Z. da S. Brandão, F. C. de S. Conte &
e do Adolescente – Transtornos gerais S. M. B. Mezzaroba (Orgs.),
(pp. 261-289). São Paulo: Editora Comportamento Humano II: Tudo (ou
Santos. quase tudo) o que você gostaria de
Duchesne, M. (1995). Transtornos saber para viver melhor (pp. 51-58).
alimentares. Em B. Rangé (Org.), Santo André: ESETec.
Psicoterapia Comportamental e Ingberman, Y. K. & Lohr, S. S. (2003). Pais
Cognitiva de Transtornos e filos: Compartilhando e expressando
Psiquiátricos (pp. 185-198). sentimentos. Em F. C. de S. Conte &
Campinas: Editorial Psy II. M. Z. da S. Brandão (Orgs.), Falo? Ou
Duchesne, M. & Appolinário, J. C. (2001). não falo?Expressando sentimentos e
Tratamento dos transtornos comunicando ideias (pp. 85-96).
alimentares. Em B. Rangé (Org.), Arapongas: Mecenas.
Psicoterapias cognitivo- Matos, M. A. (2001). Comportamento
comportamentais: Um diálogo com a governado por regras. Revista
Psiquiatria (pp. 317-331). Porto Brasileira de Terapia
Alegre: Artmed. Comportamental e Cognitiva, 3, 51-
Eggers, C. & Liebers, V. (2005). Quero 66.
Mais. Meyer, S. B. (1997). O conceito de análise
Revista Viver Mente & Cérebro, ano funcional. Em M. Delitti (Org.), Sobre
XIII, n. 152, 48-55. Comportamento e Cognição: Vol. 2.
Fairburn, C. G. & Cooper, P. J. (1997). Aspectos teóricos, metodológicos e de
Distúrbios alimentares. Em K. formação em análise do
Hawton, P. M. Salkovskis, J. Kirk & comportamento e terapia cognitivista
D. M. Clark (Orgs.), Terapia (pp. 31-36). São Paulo: ARBytes.
cognitivo-comportamental para Meyer, S. B. (2005). Regras e autorregras
problemas psiquiátricos – Um guia no laboratório e na clínica. Em J.
prático (pp. 391-443). São Paulo: Abreu-Rodrigues & M. R. Ribeiro
Martins Fontes. (Orgs.), Análise do Comportamento:
Fontaine, O. (1987). Introdução às terapias Pesquisa, Teoria e Aplicação (pp. 211-
comportamentais. São Paulo: Verbo 227). Porto Alegre: Artmed.
Lisboa. Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007).
Franks, C. M. (1999). Origens, história Princípios Básicos de Análise do
recente, questões atuais e estados Comportamento. Porto Alegre:
futuros da terapia comportamental: Artmed.
Uma revisão conceitual. Em V. E. Morgan, C. M. & Azevedo, A. M. C.
Caballo (Org.), Manual de técnicas de (1998).
terapia e modificação do Aspectos Socioculturais. Em A. A.
comportamento (pp. 3-22). São Paulo: Nunes, J. C. Appolinário, A. L. G.
Santos. Abuchaim & W. Coutinho (Orgs.),
344 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Transtornos alimentares e obesidade Comportamental de B. F. Skinner.


(pp. 86-93). Porto Alegre: Artmed. Santo André: ESETec.
Ribeiro, M. R. (2001). Terapia analítico- Wilson, G. T. & Pike, K. M. (1999).
comportamental. Em H. J. Guilhardi, Transtornos alimentares. Em D. H.
M. B. B. P. Barlow (Org.), Transtornos
Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz psicológicos (pp. 313-354). Porto
(Orgs.), Sobre Comportamento e Alegre: Artmed.
Cognição: Vol. 8. Expondo a
variabilidade (pp. 99-105). Santo
André: ESETec.
Ribeiro, M. R. & Carvalho, M. V. (2007).
Análise comportamental de um caso de
bulimia: A paz a qualquer preço? Em
A. K. C. R. de-Farias & M. R. Ribeiro
(Orgs.), Skinner vai ao cinema (pp.
137-154). Santo André: ESETec.
Salzano, F. T. & Cordás, T. A. (2006).
Transtornos da Alimentação. Em C. N.
de Abreu, F. P. Tápia, F. Vasques, R.
Cangelli Filho, T. A. Cordás (Orgs.),
Síndromes Psiquiátricas: diagnóstico
e entrevista para profissionais de
saúde mental (pp. 111-117). Porto
Alegre: Artmed.
Silva, A. B. B. (2005). Mentes insaciáveis.
Rio de Janeiro: Ediouro.
Skinner, B. F. (1953/1998). Ciência e
comportamento humano (J. C.
Todorov & R. Azzi, trads.). São
Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1974/1982). Sobre o
Behaviorismo (M. da P. Villalobos,
trad.). São Paulo: Cultrix.
Spielberger, C. (1979). Introdução de
ansiedadeestado-Idate. Rio de Janeiro:
Cepa.
Starling, R. R. (2002). O antes, o do meio e
o depois. Em M. Z. S. Brandão, F. C.
S. Conte & S. M. B. Mezzaroba
(Orgs.), Comportamento humano:
Tudo (quase tudo) que você gostaria
de saber para viver melhor (pp. 1338).
Santo André: ESETec.
Szuminski, S. M. (1999). A fonoaudiologia
e as disfunções da articulação
temporomandibular. Retirado no dia
27/10/2005 do site
http://www.foa.org.br/cursos/paginas_
academias/biofisica/dowloads/teses.p
df.
Tourinho, E. Z. (2006). O
autoconhecimento na Psicologia
Capítulo 17

Disfunções Sexuais e Repertório


Comportamental
Um Estudo de Caso Sobre Ejaculação
Precoce
O bservando o ínterim do pensamento
psicológico, desde Aristóteles na
Grécia antiga às teorias psicodinâmicas
dos organismos. Ou seja, o comportamento
Alceu Martins Filho
Ana Karina C.R. de-Farias
surgidas em meados do século XIX, a vida
mental, a consciência, as emoções e os
sentimentos, sempre fizeram parte do decorre de suas relações funcionais com
interesse dos pensamentos sobre os estímulos provenientes do ambiente (tanto
assuntos humanos. No início do século público como privado). A noção da
XX, no entanto, iniciou-se o movimento de existência de algum evento que, por uma
cientificidade da Psicologia. Nesse relação de contiguidade com o
contexto, os critérios selecionados para comportamento, o determina (relação de
“observação e explicação” das ações causa-efeito) foi substituída pela relação de
humanas levaram em consideração, funcionalidade entre o comportamento (nos
apenas, aquilo que poderia ser diretamente termos behavioristas: resposta) e eventos
observado pelo cientista; no caso, o ambientais que selecionam, mantêm ou
comportamento e suas determinações apresentam a ocasião para que esse ocorra.
encontradas no ambiente externo/ público. Por relação de contiguidade, entende-
Dessa maneira, a ciência sobre os atos dos se o imediatismo da resposta dado alguma
seres humanos adotava uma metodologia já estimulação ambiental, ou o imediatismo
empregada nas ciências naturais (Catania, de outro estímulo dado alguma estimulação
1998/1999; Moore, 1990; Skinner, 1938, ambiental. No condicionamento Clássico
1953, 1957, 1963, 1971, 1976, 1981). (ou Pavloviano), a relação de causalidade
Apesar da exclusão da vida mental do entre um estímulo e uma resposta existirá
objeto de estudo da Psicologia, esse se ambos forem temporalmente próximos.
movimento, denominado behaviorista e Já quando nos referimos a comportamentos
ambientalista, não desconsiderava a mais complexos, utilizando a noção de
existência dos processos mentais, apenas relação funcional, somos capazes de
os excluía de seu objeto de estudo (Baum, apreender a multideterminação (por
1994/1999; Lattal e Chase, 2003; Matos, variáveis ambientais) da resposta em
1997; Skinner, 1976). questão. Em outras palavras, podemos
Para além dessa concepção, surgiu o avaliar o papel mesmo de eventos
Behaviorismo Radical (Skinner, 1953, ambientais que se encontram
1971, 1976). Neste, o que concerne à temporalmente distantes, mas
preocupação da Psicologia reside no “influenciam” a ocorrência de tal
ambiente que permeia o comportamento comportamento (Moore, 1990; Skinner,
346 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

1953, 1976, 1989). embora não seja necessária para a


A Análise do Comportamento é uma determinação de um comportamento
proposta de ciência da Psicologia que operante, é responsável por características
desenvolveu, entre outras coisas, um inerentes à resposta. A relação funcional
conjunto de técnicas e tecnologias existente entre esses três aspectos
aplicadas provenientes do Behaviorismo referentes ao comportamento operante
Radical. (antecedente, resposta, consequência)
Os elementos primordiais para a análise do denomina-se contingência (Catania,
comportamento são: (a) a situação na qual 1998/1999; Lattal e Perone, 1998; Skinner,
se desenvolve o comportamento (situação 1938, 1953).
antecedente ou contexto); (b) a “ação” do Mais objetivamente, todavia de forma
organismo sobre esse ambiente (a resposta) simplificada para tornar-se mais didático,
e (c) as alterações ambientais relacionadas entende-se relação funcional entre
com tal “ação” (situação consequente). variáveis da seguinte forma:
Trata-se, então, da contingência de três
termos (Skinner, 1953). Para o autor, a B f (as, ai)
definição de ambiente antecedente e
onde “B” é o comportamento em questão
consequente envolve tudo aquilo que é
(a resposta), “as” são as variáveis
externo (físico, social) e interno (biológico,
provenientes do ambiente externo ao
histórico) ao indivíduo e que pode
indivíduo e “ai” são as variáveis
influenciar/controlar seu comportamento.
experimentadas pelo indivíduo
As consequências ambientais, terceiro
internamente. Ao longo da história dos
elemento da contingência tríplice, são uma
estudos empíricos na Análise do
condição essencial para a análise do
Comportamento, a confluência dessas
comportamento no sentido em que
variáveis na determinação do
descrevem os aspectos do ambiente que
comportamento, nos diz que, em grande
selecionam e mantêm o responder. Dizer
medida, aquelas oriundas do ambiente
que selecionam e mantêm consiste em
externo ao indivíduo são as que possuem
afirmar que as consequências (reforços)
maior probabilidade de “influenciar” a
possuem uma relação funcional com o
ocorrência da resposta. Já as variáveis
responder, alterando a probabilidade de
ocorridas internamente ao organismo,
dada resposta recorrer em uma ocasião
dizem-nos melhor sobre as características
futura. Na Análise do Comportamento, o
das respostas per se, tais como magnitude,
interesse pela situação que ocorre após a
latência e topografia. Dizemos que os
resposta tornou-se majoritariamente
eventos internos consistem em variáveis
importante, particularmente quando
moduladoras das respostas dos organismos
consideramos aspectos como apresentados
(Catania, 1998/1999; Lattal e Perone,
pela Lei do Efeito, inicialmente descrita
1998; Skinner, 1953). Alguns dos eventos
por Thorndike. Essa lei descreveria
existentes no “mundo sob a pele” (Skinner,
importantes variáveis das quais o
1976, 1989), e que se caracterizam como
comportamento pode ser função, isto é, a
variáveis moduladoras, são os
ocorrência da resposta é seguida por certos
comportamentos respondentes. Como tais,
eventos ambientais que, por sua vez,
entendemos ser as relações funcionais
aumentam a probabilidade de essa resposta
entre estímulos (unicamente) antecedentes
ocorrer novamente. Vale ressaltar, nesse
e respostas (Figura 17.1). Consistem em
momento, que a relação de contiguidade,
Análise Comportamental Clínica 347

reflexos incondicionados (como quando os fatores ambientais que para ele


nossa pupila se contrai ao ser exposta à luz contribuem, a Terapia Comportamental
mais intensa) e reflexos condicionados (um Operante observa a ocorrência das
estímulo neutro adquire a função de eliciar contingências que estão e/ou estiveram em
uma resposta que antes era incondicionada funcionamento durante a história do
devido a sucessivas ocorrências em indivíduo para aferir as razões pelas quais
paralelo com o estímulo incondicionado) a pessoa procurou a terapia. Por meio
(Skinner, 1953). dessa análise, são propostos métodos de
Já a relação funcional entre as intervenção no sentido de selecionar e
respostas dos organismos e as variáveis manter contingências melhor adaptadas aos
ambientais que os antecedem e sucedem, é contextos nos quais o indivíduo está
o que entendemos por comportamento inserido (Rangé e Guilhardi, 1995).
operante A partir do momento em que fazemos
US UR uso de uma tecnologia de intervenção
clínica baseada nos pressupostos do
Behaviorismo Radical e da Análise
Experimental do Comportamento, o
NS
ambiente (público e/ou privado) assume o
US UR
papel principal, pois selecionou e manteve
Após sucessivas ocorrências em funcionamento as respostas pouco
adequadas ou inadequadas107 do cliente em
CS CR relação aos contextos nos quais ele se
comporta. Essa afirmação é também válida
Figura 17.1 Condicionamento respondente: US para aqueles casos em que os
– estímulo incondicionado; UR – resposta comportamentos respondentes do cliente
incondicionada; NS – estímulo neutro; CS – mostram-se mais cabais do que os
estímulo condicionado; CR – resposta operantes, para que procurasse auxílio da
condicionada. terapia comportamental. Mesmo nesses
casos, identificamos o controle operante
sobre o repertório comportamental do
(Skinner, 1953, 1969, 1981). Os operantes indivíduo como um todo, e sobre sua
são de fundamental importância na história queixa, em particular. Como discutiremos
de aprendizagem das pessoas, pois ao longo da apresentação do caso clínico
permeiam a enormidade de ações que abaixo, o controle operante, mais
empreendemos diariamente. Desde precisamente, aquele exercido por
abrirmos uma porta até assistirmos a uma consequências no âmbito das relações
aula de “psicanálise pós-freudiana”, todos funcionais do cliente Ronaldo (nome
são comportamentos operantes. fictício) em seu contexto social, foi
Dado o modelo de contingências, mais fundamental para o desenvolvimento da
especificamente de contingências de disfunção de seu descontrole ejaculatório
reforçamento, surge da Análise do (que, inicialmente, poderia ser visto como
Comportamento um movimento um problema de comportamento reflexo ou
tecnológico de aplicação do conhecimento
empírico em um contexto clínico. Tal como 107 Deve-se ressaltar que o julgamento acerca da
proposto pela funcionalidade de relação “adequação” ou não de um comportamento refere-se
entre o comportamento dos organismos e à produção de sofrimento no cliente e/ou em pessoas
próximas a ele.
348 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

respondente). sexual abordada neste capítulo será o


transtorno de ejaculação precoce. O
interesse nessa discussão decorre do
DESCONTROLE EJACULATÓRIO:
atendimento de Ronaldo, diagnosticado
DEFINIÇÃO E POSSÍVEIS com o referido transtorno, e das
DETERMINANTES particularidades apresentadas na história de
Discutir o conceito de disfunções sexuais exposição às contingências que levaram ao
pode nos conduzir ao impasse com relação seu desenvolvimento.
ao que incluiremos nessa hierarquia (Abdo De acordo com o DSM-IV-TR
e Fleury, 2006; Carey, 2003; Carvalho, (Manual Diagnóstico e Estatístico de
2001). Dizer que uma pessoa possui uma Transtornos Mentais, em sua quarta edição,
disfunção porque apresenta revisada pela Associação Americana de
comportamentos sexuais desviantes dos Psiquiatria, APA, 2002), o tempo
“padrões normais” não nos ajuda em nada. recorrente da ejaculação dos indivíduos do
Definir padrões de respostas sexuais em sexo masculino é relativo a inúmeros
um determinado ambiente complexo como fatores. Dentre eles, idade, experiência em
os que “deveriam” ou “seriam” normais outras relações sexuais, novidade da
nos induz a um erro que, muito parceira, situação sexual, frequência da
provavelmente, dificultará a observação e atividade sexual recente, dependência e/ou
descrição das variáveis, as quais abstinência de opioides e consumo
contribuíram para que tais padrões situacional de substâncias ansiolíticas. Três
comportamentais, e não outros, fossem critérios são apontados como necessários
selecionados. para que se caracterize o quadro da
Seria mais interessante contextualizar a disfunção:
referida disfunção em termos das
1. Critério A: Ejaculação persistente ou
consequências apreciadas durante a relação
recorrente devido à estimulação sexual
sexual. Desse modo, os cônjuges,
mínima, antes, durante ou logo após a
namorados, amantes e/ou parceiros
penetração, e no tempo não desejado
apreciariam uma relação sexual satisfatória
pelo indivíduo.
no momento em que as contingências
2. Critério B: A disfunção é reconhecida
(essas que formam uma classe operante
como contribuinte para o sofrimento e
encadeada complexa) em funcionamento
insatisfação com a própria vida sexual e
na situação resultarem em consequências
a do cônjuge.
reforçadoras positivas primárias.108
Todavia, como estamos tratando de um 3. Critério C: A situação de ejaculação
episódio social complexo, é esperado que não deve ser efeito de algum tipo de
também existam consequências substância psicoativa ingerida naquele
reforçadoras condicionadas. momento.
No âmbito mais específico, a disfunção Para tanto, deve-se levantar a história
de vida do cliente, no que se refere a
108 Consequências reforçadoras positivas primárias prováveis condicionamentos respondentes
(ou incondicionadas) referem-se àqueles estímulos
que são naturalmente reforçadores para todos os
e operantes, incluindo-se o que
membros de uma dada espécie. Por sua vez, as denominamos “controle verbal”.109 Este
condicionadas referem-se a estímulos que adquiriram
função reforçadora a partir do emparelhamento com 109 Entram aí as “crenças” e as “expectativas”
um estímulo previamente reforçador (sendo, portanto, irreais, os mitos que a sociedade (comunidade verbal)
“subjetivas”, individuais). formula e transmite aos membros, tais como os
Análise Comportamental Clínica 349

capítulo trata, principalmente, do consequências positivas podem decorrer de


condicionamento dos operantes verbais um reforçamento natural em que o seguir a
que decorreram durante a história de regra proporcionou uma estimulação
contingências de reforçamento de Ronaldo. reforçadora positiva natural ou, então, esse
Comportamento verbal é definido por comportamento pode ser mantido por
Skinner (1957) como um operante consequências sociais arbitrárias
diferenciado, pois necessita da mediação proporcionadas pela comunidade verbal na
de reforçadores, generalizados ou não, por qual
outros indivíduos. Com essa definição, o indivíduo teve seu repertório selecionado
poderíamos acreditar ser o comportamento (Hayes, Brownstein e Zettle, 1986). O
verbal e o social o mesmo tipo de operante, controle por regras será ilustrado pela
já que ambos partilham da mediação do descrição do caso de Ronaldo.
reforço por outros indivíduos (de-Farias,
2005; Skinner, 1953). Entretanto, deve-se
CASO CLÍNICO
ressaltar que o comportamento verbal
O descontrole ejaculatório que Ronaldo
difere no aspecto em que a mediação deve,
apresentava era bem acentuado e persistia
necessariamente, ser feita por uma
desde a sua primeira experiência em
audiência especialmente treinada dentro de
contatos mais íntimos com pessoas do sexo
uma comunidade verbal. Esse operante,
oposto e com a relação sexual
como qualquer outro, é adquirido,
propriamente dita. A cada nova experiência
fortalecido e extinto de acordo com o
sexual, uma situação de frustração, seguida
modelo de contingências, no qual as
por sentimento de culpa, apresentava-se ao
variáveis de controle dos comportamentos
cliente. Isso compôs um contexto geral de
situam-se no ambiente externo ao
aversividade, que contribuiu, por fim, para
indivíduo. O comportamento verbal
uma “baixa autoconfiança”
permite ao ser humano beneficiar-se da
(comportamento verbal) de que ele
experiência de outros organismos, por
conseguiria um dia ter uma relação sexual
meio de regras ou instruções. Regras são
adequada – ou, pelo menos, da forma como
definidas como estímulos verbais
desejava.
antecedentes à contingência que controlam
O terapeuta compõe sua intervenção
e possuem a característica de alterar a
no intuito de alterar tais contingências,
função de algum estímulo antecedente
tornando-as reforçadoras positivas. Nesse
neutro, tornando-o discriminativo (Abreu-
caso em particular, a situação aversiva
Rodrigues e Sanabio, 2004; Albuquerque,
decorria da extrema falta de repertório110
Paracampo e Albuquerque, 2004; Galizio,
que tanto o cliente quanto sua esposa
1979; Meyer, 2005; Okouchi, 1999; Otto,
possuíam em relação a comportamentos
Torgrud e Holborn, 1999).
que resultariam na atividade sexual
É presumível que o comportamento de
um indivíduo seja controlado por 110 Segundo Catania (1998/1999), repertório
instruções quando, de certa maneira, já comportamental refere-se ao conjunto de
existir uma história de reforçamento em comportamentos que um indivíduo pode emitir. Esses
comportamentos possuem probabilidade de
que seguir esse tipo de regra proporcionou
ocorrência maior que zero, ou seja, durante a história
consequências positivas para ele. Tais de contingências do indivíduo, seu repertório foi
modelado e, caso algumas respostas sejam extintas,
relacionados à duração de uma relação sexual ou ao poderão facilmente ser reinstaladas. O organismo não
número de relações ocorridas em uma só noite (ver, necessita estar engajado no dado comportamento para
por exemplo, Abdo e Fleury, 2006). que se possa afirmar que ele exista em seu repertório.
350 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

reforçadora. retardar a ejaculação. Essa foi a


Devido a uma história frustrante em verbalização de sua queixa: “o problema
relação à atividade sexual, os estímulos maior, ela (a secretária) deve ter passado
discriminativos (SDs) que sinalizavam a para você, é ejaculação precoce”.
emissão de tal classe de respostas
(aproximar-se da parceira, falar sobre sexo,
História
fazer “as preliminares”, etc.) adquiriram
O cliente era do sexo masculino e tinha 26
propriedades aversivas, tornando-se
anos. Trabalhava havia oito anos em uma
estímulos discriminativos pré-aversivos
empresa como inspetor de qualidade, e
(SAVs). Dessa
esse foi seu único trabalho. Iniciara como
maneira, as contingências em questão estagiário nessa organização durante o
produziam comportamentos respondentes
ensino técnico e não procurara quaisquer
colaterais ansiosos cada vez mais outras oportunidades de emprego. Estava
pungentes, bem como foram extremamente
casado há quase quatro anos; sua esposa
efetivos em selecionar repertórios de era poucos meses mais jovem. Possuíam
esquiva cada vez mais elaborados de sua
uma filha de três anos, que foi concebida
parceira. Diante do contexto aversivo, antes do casamento. A única mulher com a
respostas de evitação do parceiro sexual
qual teve relações sexuais foi sua atual
eram reforçadas negativamente111. Em esposa, que também não possuía quaisquer
muitas ocasiões, quaisquer
experiências sexuais anteriores.
comportamentos de sua esposa que
pudessem sugerir ou levar o encadeamento C: Bom, ahh.... eu fui o primeiro dela,
comportamental à relação sexual eram e ela foi.... vice-versa. Ela foi primeiro
evitados. comigo, e eu fui a primeira vez com
O caso de Ronaldo será melhor ela. Aí então, eu não sabia e ela não
descrito em seguida, apresentando-se sua sabia direito, principalmente ela não
história de exposição às contingências de sabia; eu em teoria: filme, TV.
reforçamento e punição, seu O cliente, embora tivesse tido outras
comportamento-problema, a intervenção oportunidades, nunca conseguira engajar-
realizada e os resultados obtidos. se em uma relação sexual bem-sucedida,
pois ejaculava precocemente todas as
Queixa vezes, antes da penetração. A falta de
O cliente chegou à clínica após procurar exposição prévia de ambos, o cliente e sua
um posto de saúde. Fora atendido por um esposa, a contingências para que seu
médico urologista e dois psicólogos. Havia repertório de comportamentos sexuais
passado por várias clínicas de atendimento pudesse ser modelado contribuiu
em Psicologia, mas relatou não ter se enormemente para que a disfunção se
beneficiado das intervenções. Quando os iniciasse e perdurasse até então. O
atendimentos iniciaram, estava medicado urologista afirmou que ele não possuía
com Paroxetina (antidepressivo), que lhe problemas fisiológicos ou anatômicos;
foi receitado pelo urologista no posto de receitou Anafranil e, depois, Paroxetina,
saúde por possuir o efeito colateral de ambos antidepressivos. O urologista
encaminhou o cliente para a psicóloga do
111 Reforçamento negativo refere-se ao
Posto de Saúde, que não pôde dar
procedimento/ processo de fortalecer uma resposta
que remove ou adia a apresentação de um estímulo continuidade ao tratamento devido à longa
aversivo (Catania, 1998/1999; Skinner, 1953). fila de espera.
Análise Comportamental Clínica 351

Quando estava sob efeito da cliente e o ambiente foram, cada vez mais,
medicação, ele relatava uma substancial contribuindo para que seu estado ansioso
melhora no tempo relativo que demorava a aumentasse.
ejacular. Contudo, devido à demora em Diante de uma classe de estímulos
conseguir consultas no Posto de Saúde, presentes no ambiente, estímulos os quais
eventualmente ele parava de tomar o caracterizam uma situação em que a
remédio por falta de receitas. Esse tipo de probabilidade da relação sexual é elevada,
medicação, ao ser interrompida o cliente emitia suas respostas operantes
bruscamente, leva a um estado de que eram moduladas pela enormidade de
ansiedade aumentado, o que, nesse caso, seus comportamentos respondentes. Tais
piorava ainda mais a condição sexual. respostas acabavam por formar uma
Ronaldo relatava haver outras situação consequente desagradável. Muitas
oportunidades para ter uma relação sexual; vezes, tal situação era punitiva negativa112,
contudo, devido a uma ansiedade muito pois eram retirados os reforçadores, de
grande, acabava por ejacular precocemente ordem primária e condicionada, que
(para maior discussão acerca do papel da poderiam ter consequenciado
ansiedade nas diferentes disfunções positivamente suas respostas naquela
sexuais, ver, por exemplo, Carvalho, situação. A exposição continuada a essa
2001). Conseguiu realizar sua primeira contingência resultou na falta de
relação sexual com idade entre 20 e 21 modelagem de comportamentos adaptados
anos. Seus comportamentos sexuais foram à situação e os estímulos característicos do
selecionados tardiamente e, devido à ambiente que precedem a relação sexual
ansiedade, como já dito, adquiriram um adquiriam função de estímulos pré-
caráter aversivo. aversivos (sinalizando a contingência
punitiva que estaria por vir). A Figura 17.2
C: O que, até essas datas, eu tive, acho
ilustra esse condicionamento.
que só uma oportunidade antes, que no
Várias exposições às contingências
esfrega-esfrega, eu acabei ejaculando,
sexuais ocorreram com consequências
e aí tipo, já era... acho que o principal
aversivas para o cliente, sendo simples
não foi falta de vontade, nem falta de
perceber que a situação antecedente, como
oportunidade (...).
um todo, da relação sexual adquiriu um
C: Me senti, logo como a M [terapeuta caráter extremamente aversivo, de modo
anterior] falou, me senti, falei assim: que passou a eliciar cada vez mais
‘porra, se não tivesse gozado eu teria comportamentos respondentes de
feito relação com a menina’. É um ansiedade e, ocasionando a ejaculação
prazer gozar, mas eu queria continuar e precoce e mais um insucesso na relação
sem ejacular para fazer o serviço sexual.
completo, por assim dizer.
C: Ficava desapontado, né. Aí que eu
O caráter aversivo das relações sexuais falei “pô, tem alguma coisa errada
malsucedidas começou a ser selecionado
em sua história ontogenética desde os 112 Punição consiste em diminuição na frequência da
primeiros contatos com as contingências resposta que produz (i) a adição de estímulos
sexuais, visto que, quanto maior era seu aversivos (ou estímulos reforçadores negativos),
insucesso, maior era sua ansiedade e mais quando se denomina “punição positiva” ou (ii) a
retirada/adiamento de estímulos reforçadores
rápido ele ejaculava. As relações
positivos, quando se denomina “punição negativa”
funcionais entre as respostas emitidas pelo (Catania, 1998/1999; Skinner, 1953).
352 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

comigo”... E eu sabendo do problema, C: “Ela reclama [da ejaculação


falava pra ela que “ah, tava muito precoce] só quando para ela está
cansado”, “trabalhei hoje o dia gostoso mesmo... Porque homem, para
inteiro”; a gente se encontrava de homem, está bom todo dia... Para
noite, e, se fosse rápido, tão rápido, mulher, nem sempre. Então,
falava que eu tava muito cansado. principalmente nos dias em que ela
estava achando bom, estava gostando,
não está só acontecendo uma transa,
Classe de Santecedentes • Classe de Resposta
está sendo feito amor.... Nesses dias,
ela sente essa falta [de mais tempo de
Após exposição continuada
relação sexual]: ‘Pô, mas já acabou?!’.
Alguma coisa nesse sentido; ela diz
Classe de S pré-aversivas
• Classe de Resposta que está sendo rápido, mas diz com
jeitinho. Sem achar que eu sou o
culpado assim, direto, não.... ela fala
com jeitinho, que não me deixa
desapontado.”
Comportamentos Respondentes
Figura 17.2 Característica aversiva do contexto.
C: “Então, eu fico chateado, tipo
O cliente, devido à aversividade das assim, ‘poxa eu poderia ter
contingências que estavam em vigor continuado.... não consegui....’, me
durante a relação sexual, começou a emitir sinto culpado... Só que eu tento
cada vez mais frequentemente também, até certo ponto, não me
comportamentos de fuga ou esquiva para rebaixar [não assumir a culpa ou o
adiar ou mesmo interromper a contingência “transtorno”].”
aversiva antes mesmo que ela entrasse em
operação, ou seja, começou a evitar o C: “Mas eu sempre tento dar carinho
contato sexual com sua esposa.113 Contudo, para ela.... para não ser só sexo.... para
essa situação começou a incomodá-lo relação ser um amor, né? Vamos fazer
enormemente, sendo, talvez, o motivo amor, não transar”...
principal que o fez procurar o Posto de Pode-se dizer, portanto, que existia em
Saúde e aderir ao tratamento. seu repertório a discriminação entre o
Embora Ronaldo relatasse sutileza nas significado de dois comportamentos: um
consequências que sua esposa deles seria “fazer amor” e o outro
proporcionava diante da situação aversiva, “transar”, esse segundo com um caráter
elas continuavam a eliciar comportamentos pejorativo. Em diversas sessões, o cliente
respondentes desagradáveis nele. Os explicou que, com sua esposa, ele queria
trechos abaixo ilustram as consequências “fazer amor”, o que nem sempre conseguia
aversivas por parte da esposa: devido à disfunção sexual já instalada.
Todavia, quando relatava oportunidades
que teve com outras mulheres (sem
113 Fuga e esquiva são tipos de reforçamento
negativo (ou seja, as respostas são fortalecidas, sucesso) de engajar-se em uma relação
mantidas no repertório do indivíduo). Fuga consiste sexual, referia-se a essas como quase ter
na apresentação de uma resposta que elimina um “transado”.
estímulo aversivo presente no ambiente. Por sua vez, Demasiados eram os momentos em
a esquiva produz adiamento ou falta de contato de um
que a regra fazia-se predominante sobre as
estímulo aversivo (Catania, 1998/1999; Skinner,
1953). consequências da contingência que estaria
Análise Comportamental Clínica 353

em funcionamento. Em um indivíduo que para a fundamentação da falta de repertório


não teve seu comportamento devidamente de respostas adequadas à situação sexual
selecionado, gerando uma disfunção que foi a inabilidade de o cliente conhecer seu
acarreta grande sofrimento para ele, fazer próprio corpo. Já possuía poucas
com que ele fique sensível às oportunidades para explorar sua
consequências do ambiente natural, se é sexualidade, visto a rigidez quanto às
que elas existem, é fato primordial para a regras da família, e quando as possuía não
construção de um repertório adequado às obtinha sucesso no comportamento em que
contingências da relação sexual com sua tentara se engajar. O cliente relatou que
esposa. Entretanto, as consequências não conseguira ejacular em uma
liberadas por sua esposa, na situação masturbação até completar seus 21 anos.
sexual, apenas possuíam um papel de Deduziu-se que a impossibilidade de ele
eliciar comportamentos respondentes conseguir algum tempo satisfatório para
desagradáveis no cliente. A esposa nunca dedicar à masturbação, devido a contínuas
forneceu consequências adequadas às interrupções por parte de seus familiares
respostas do marido no sentido de enquanto utilizava o banheiro, confluiu
selecionar uma classe operante bem para que o cliente não tivesse a
adaptada. Nesse caso, o papel da esposa oportunidade de explorar e descobrir seu
em construir a disfunção sexual do cliente próprio corpo satisfatoriamente. Tudo isso
foi fundamental, pois ela proporcionava as culminou no fato de não conhecer a sua
principais consequências aos própria sexualidade e, posteriormente, a de
comportamentos do cliente. sua esposa.
Além disso, no início de sua
C: Ver [na adolescência] os caras
adolescência, o cliente esteve inserido em
falando: “pô, fui tomar um banho...
um ambiente muito conservador, que
gozei... sujou até o azulejo”. E eu sem
condenava quaisquer práticas sexuais,
conseguir gozar. Demorava um pouco,
inclusive a masturbação. Como ele era um
sei lá, não conseguia entender... Talvez
ótimo seguidor de regras, ou seja, seu
por ser acomodado... ficava meio
comportamento era em grande medida
assim, só pelo fato de ser acomodado...
controlado pela descrição verbal de
Aí, quando ouvia alguma coisa, ficava
contingências feitas por outras pessoas,
com aquilo na cabeça; aí quando ia
teve muita dificuldade em desenvolver um
para tentar solucionar, tentava e não
repertório inicial de conhecimento de seu
dava... “deixa assim... tá bom...”. Não
próprio corpo, o que viria a tornar-se um
dava tanto valor, por assim dizer. Aí
problema maior quando fosse experimentar
foi, né? Sou um homem e sei qual o
sua primeira relação sexual com sua
meu problema. Meu problema não é só
esposa.
meu... É da minha esposa, apesar de
C: Pelo fato de eu saber que elas [mãe que ela não acha que não é nem meu...
e avó] achavam que era feio, era Ainda bem... porque se fosse... Até
pecado, eu fazia tudo para não me certo ponto, eu tive sorte... Se fosse
pegarem. Eu ia ao banheiro, sem uma outra mulher... Até eu vejo
ninguém perceber, ou conseguia uma reportagem que mulher chega ao ponto
revistinha.... Era tudo por baixo dos de querer largar do marido [que tem
panos. problemas sexuais], assisti em uma
reportagem do Jornal Nacional.
Um fato bem característico observado
354 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

A cultura na qual ele se inseria tinha casamento dela; tanto comigo quanto
um papel fundamental em lhe “apresentar” com qualquer outra pessoa, era uma...
os contextos nos quais deveria emitir promessa dela.... também para uma
determinada resposta e as consequências disciplina familiar. Aí, começamos a
que poderia esperar. Dessa maneira, ficar mais íntimos, o namoro começou
durante toda sua história de reforçamento, a ficar um pouco mais quente.
ele se expôs muito pouco a contextos nos
Em vários momentos levantou-se a
quais não teria repertório adequado para se
hipótese de o cliente ter procurado alguém
inserir. Pouquíssimos comportamentos
que justamente não lhe fizesse uma
seus haviam sido modelados (ou seja,
demanda comportamental à qual ele não
Ronaldo apresentava baixa variabilidade
poderia corresponder. Vê-se que encontrou
comportamental); o responder pelo
alguém que não liberava muitas
controle instrucional era sempre a
consequências aversivas para seus
“melhor” e mais provável alternativa.
comportamentos “inadequados”. Contudo,
O controle instrucional de como suas
sua esposa também pouco produzia
respostas deveriam ser era tão presente,
consequências reforçadoras positivas para
que após um mês de namoro (com sua
seus comportamentos; desse modo, não
atual esposa), a resposta que seu ambiente
ocorriam quaisquer seleções quanto a um
e cultura ditavam ser correta era que eles
repertório adequado à relação sexual.
firmassem um compromisso. A partir de
diversos relatos de Ronaldo, pôde-se C: A mulher, apoio ela, mas estava a
inferir que os motivos que o levaram a ponto de largar... Talvez se minha
iniciar tal relacionamento pouco tinham a esposa tivesse alguma experiência
ver com a simpatia ou o afeto que ele anterior, com algum outro homem, eu
nutria pela mulher, mas sim com o fato de “estaria lascado”; nosso namoro teria
seu ambiente social proporcionar estímulos durado pouco... Até eu achar uma
reforçadores condicionados generalizados virgem para eu poder me casar.
(p. ex., elogios, atenção, evitar críticas). Após algumas sessões de análise das
C: Isso. Então, aí, eu..... como estava contingências presentes na história de vida
ficando com ela há um mês e meio, do cliente, bem como as em operação no
pedi ela em namoro. Então, depois eu momento da terapia, pôde-se constatar
depositei um pouco mais de confiança algumas que selecionaram e mantiveram os
em mim, depois de quase um mês a padrões comportamentais que ele
gente ficando... por isso, eu estava apresentava:
conhecendo ela mais.... sabendo que Na sua história de vida, o cliente:
ela não era daqui, era do Nordeste, e 1. Seguia as regras determinadas pela
falava para mim que era virgem... família.
bom, isso daí eu não posso negar...
2. Quando as regras não eram seguidas,
uma menina de 22 anos..... uma coisa o comportamento era punido,
meio rara... não é impossível, mas
produzindo comportamentos de
meio raro uma mulher nessa idade esquiva e sentimentos de culpa.
estar virgem ainda. Bonito de se ver,
3. Não apresentava variabilidade
né?.
comportamental, desenvolvendo um
C: E ela sempre falava para mim que repertório restrito e estereotipado.
nunca ia transar comigo; só depois do 4. A família descrevia os
Análise Comportamental Clínica 355

comportamentos sexuais como suas respostas para inúmeros contextos do


inadequados (para um indivíduo que ambiente social (e sexual) eram
se “especializou” em seguir regras, tal “inadequadas”, ou mesmo, inexistentes.
descrição de contingência pode tê-lo Fechando o ciclo, o repertório que
engajado em muitas situações de “sobrou” ao cliente não lhe proporcionava
culpa). contextos para que fossem selecionadas
5. O cliente desenvolveu pouco respostas alternativas, que poderiam ser
repertório social: falava pouco em mais adequadas ao seu âmbito social.
público, não tinha amigos, quase
nunca ia a festas e raramente tentava
Intervenção
sair ou “ficar” com alguma menina.
Em muitas ocasiões, as disfunções sexuais
6. Não emitiu comportamento de
decorrem da falta de repertório social ou
masturbar-se (temia possíveis
das contingências que selecionaram
punições sociais e sentimentos de
respostas inadequadas ao relacionamento
culpa), não vindo a conhecer o
interpessoal das pessoas, ou seja, de um
próprio corpo.
repertório social inadequado. No âmbito
7. Na primeira experiência sexual, teve
social, as contingências encontram-se
ejaculação precoce. Esse evento
inter-relacionadas, de forma que estímulos
aversivo o levou a se esquivar de
reforçadores são mediados por outros
outras tentativas, ficando com um
indivíduos. Na realidade, quaisquer dos
repertório restrito e baixa
três termos das contingências dos
“autoconfiança”, mantida por
indivíduos se comportando em dado grupo
contingências aversivas.
podem ser parte das contingências de
No momento da terapia, o cliente: outros; dessa forma, as contingências se
entrelaçam, fazendo com que os estímulos
8. Apresentava déficit de repertório
assumam virtualmente quaisquer funções
social: não tinha amigos, não se
naquele momento, ou mesmo
expunha às situações sociais, falava
posteriormente (Skinner, 1953, 1957).
pouco no trabalho e sua baixa
Atualmente, na Análise do
assertividade o levava a cumprir
Comportamento, vem-se discutindo e
demasiadas horas-extras.
aprimorando um referencial teórico que
9. Seu repertório era muito governado
tem como objetivo estender a tecnologia
por regras: religiosas, familiares e do
até hoje desenvolvida na área do
trabalho.
comportamento individual para grupos de
10. Não variava seus comportamentos,
pessoas. Assim, insere-se ao modelo o
não expressava suas ideias e seus
estudo de práticas culturais, crenças
sentimentos.
religiosas, nações, conceitos étnicos, saúde
11. Tinha uma relação mantida por
pública, criminalidade, entre outros
contingências amenas com a esposa e
(Biglan, 1995; Lamal, 1997; Todorov e de-
pouco se relacionavam com outros
Farias, 2008).
casais ou amigos.
O funcionamento dessas “grandes
Com a descrição feita acima, pode-se contingências” do comportamento tem se
claramente constatar que a história de inserido no paradigma conceitual
contingências de reforçamento do cliente behaviorista radical sob o termo
convergiu para selecionar um repertório “metacontingências” (Glenn, 1986, 1988,
que o expôs a um ciclo vicioso, no qual
356 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

1991, 1993, 2004; Glenn e Malott, 2004; falta de repertório de comportamentos


Goldstein e Pennypacker, 1998; Mallot, sociais, e, sabendo que a intervenção ideal
2003; Todorov, 1987). Metacontingências seria quanto à modelagem e seleção de
são compostas por pelo menos dois comportamentos sociais mais adequados, o
indivíduos se comportando, e seus terapeuta preferiu iniciar a intervenção na
comportamentos fornecem variáveis que área sexual, pois o cliente ansiava
partilham funções de estímulos uns aos demasiadamente por obter resultados mais
outros (contingências entrelaçadas), em satisfatórios durante a relação sexual com
prol de um resultado final comum: um sua esposa. Mesmo o terapeuta
produto agregado (Glenn, 1988). Ao falar discriminando que uma intervenção em seu
em metacontingências, deve-se estar atento repertório social, de uma maneira geral,
para o aspecto de que elas descrevem provavelmente o levaria a obter maiores
relações funcionais em um nível distinto resultados em sua relação conjugal, fazia-
do comportamento individual; elas se necessário uma primeira intervenção
descrevem as relações entre práticas pontual em decorrência de quão pequeno
culturais e seus produtos. Tais produtos era seu repertório e tamanho era seu
podem ser empiricamente observados ou sofrimento por não “corresponder às
medidos. expectativas” de sua esposa –
No tocante ao relacionamento entre as analiticamente falando, não estar apto para
contingências entrelaçadas que compõem ter um ato sexual adequado com sua
uma metacontingência, os produtos parceira, proporcionando-lhe estímulos
agregados proporcionados por essa prática reforçadores primários, o que
cultural selecionam e mantêm a funcionalmente lhe era extremamente
metacontingência em funcionamento, ou punitivo. As seguintes verbalizações do
seja, eles selecionam as contingências cliente, somadas às anteriores, confirmam
entrelaçadas; entretanto, não são eficazes essa hipótese:
em selecionar e manter o comportamento
C: (...) quando a gente está transando
individual. Esse, por sua vez, é controlado
e, de repente, ocorre de eu estar
pelas próprias consequências que o seu
gozando antes do que ela queria, ela
operar sobre o ambiente produz (Glenn,
sente um descontentamento (...) ela
1988).
não gostou.
Ronaldo esteve em contato com
diferentes indivíduos (família, amigos, C: Eu me... ficava meio assim: “pô, o
membros da igreja e da escola, garotas) e cara consegue e eu não consigo”. Às
contingências ambientais. As práticas vezes, eu me menosprezava; de
culturais referentes à sexualidade diferiam repente, até hoje eu me menosprezo...
entre esses grupos. O intercâmbio entre
Ciente da análise até aqui
essas práticas de grupos distintos, a falta de
desenvolvida, o terapeuta iniciou sua
exposição do cliente a contingências
intervenção essencialmente descrevendo
específicas e o reforçamento para o
contingências. Atentou-se para que cada
seguimento de regras fizeram com que
termo fosse exaustivamente explorado. Os
Ronaldo não conseguisse emitir respostas
estímulos antecedentes aos
que produzissem determinadas
comportamentos sexuais foram explorados
consequências para si próprio e para suas
de diversas maneiras, na tentativa de ser a
parceiras.
regra elaborada pelo terapeuta um estímulo
Embora o cliente possuísse enorme
alterador de função. Em outras palavras, o
Análise Comportamental Clínica 357

trabalho visou que essas particularidades Os procedimentos foram introduzidos


do ambiente, as quais “julgávamos” gradualmente (fading-in). A partir dos
críticas, se tornassem estímulos relatos do cliente sobre as topografias de
discriminativos (SD). suas respostas e as consequências liberadas
As respostas que ele deveria emitir pela esposa, ousava-se ou dosava-se as
nesses contextos foram delineadas, em respostas que o cliente deveria emitir.
conjunto com o cliente, em suas
topografias, frequências, magnitudes e Resultados
latências. No que se refere aos estímulos Consistentemente, o cliente passou a
que deveriam ser consequências para suas observar mais as respostas emitidas pela
respostas, as mesmas descrições acuradas sua esposa, respostas que, funcionalmente,
foram feitas. Tamanho cuidado foi eram consequências aos seus
utilizado porque o cliente, devido à sua comportamentos. Em alguns momentos,
história de reforçamento, havia se tornado tais consequências eram estímulos
um ótimo seguidor de regras. Quaisquer reforçadores positivos eficientes em
que fossem os estímulos verbais proferidos selecionar as respostas adequadas do
pelo terapeuta, teriam grande probabilidade cliente. Essa estimulação eliciou cada vez
de controlar os comportamentos do cliente. menos respostas condicionadas (de ordem
Dessa forma, o terapeuta analisou, testou fisiológica), ou seja, o que comumente
essa hipótese, e exatamente assim ocorreu. chamamos de ansiedade passou a atuar de
As regras consistiram em: forma menos contundente nas
1. Descrever a anatomia do aparelho contingências operantes do ato sexual.
sexual do homem e da mulher, Quanto menores eram as respostas
enfatizando prioritariamente a parte condicionadas do cliente, menor era o
externa (visível). descontrole ejaculatório e mais adequada
2. Fazer descrições, com possíveis era sua relação sexual com a esposa.
funções de SD, para que o cliente Ciclicamente, as contingências em
discriminasse o seu próprio funcionamento durante a relação sexual se
comportamento e, posteriormente, o tornaram reforçadoras positivas. Como
comportamento da esposa. veremos mais adiante, essa informação é
3. Descrever possíveis novos verídica para nosso cliente; todavia, para
comportamentos a serem emitidos com sua esposa, as relações funcionais que
a esposa, tais como beijá-la e tocá-la encetaram nesse momento eram, de certa
(preliminares sexuais), até chegar a maneira, aversivas.
descrições de possíveis Ao serem selecionados
comportamentos no ato sexual. comportamentos mais adequados do cliente
4. Ensinar a observar e ficar sob controle na relação sexual, ele passou a trazer à
do comportamento da esposa diante dos terapia novas descrições de topografias de
seus comportamentos. respostas que emitia, quais eram
5. Descrever a importância das selecionadas pela apreciação de sua esposa
consequências advindas da esposa na e quais não eram. Dessa forma, ele
seleção e na manutenção dos seus apresentou maior variabilidade operante.
comportamentos públicos e sentimentos Emitia respostas cada vez mais
(possivelmente, gerando menos diversificadas no contexto das preliminares
ansiedade e mais autoconfiança). sexuais.
358 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

No momento em que as contingências esposa. Conjuntamente, emitir respostas


em atuação tornaram-se reforçadoras que tivessem função de SD para que ela
positivas, o cliente relatou “desejar” mais pudesse se comportar e o cliente selecionar
frequentemente ter relações sexuais com algum repertório dela. Todavia, as
sua esposa. Não poderíamos esperar respostas da esposa pouco se alteraram.
diferente: como é bastante demonstrado Além disso, ela apresentou uma
por estudos empíricos no laboratório com variabilidade operante de comportamentos
animais não humanos e humanos, de fuga-esquiva muito sofisticada nas
consequências reforçadoras positivas situações em que seu marido tentava
aumentam a probabilidade de recorrência quaisquer aproximações, culminando em
futura da resposta à qual foi relacionada sua filha ser alocada para dormir na mesma
funcionalmente. Em última análise, é cama que ambos, “no meio do casal”. Isso
justamente esse efeito que entendemos ocorreu sem quaisquer outros motivos
como seleção. Entretanto, a despeito de as aparentes, pois a menina possuía um quarto
relações funcionais entre suas respostas e próprio e não sofria de nenhuma
consequências serem positivas para enfermidade ou outra condição que
Ronaldo, para sua esposa as respostas merecesse um cuidado maior.
emitidas por nosso cliente passaram a ter Com a inflexibilidade demonstrada por
caráter aversivo. No início da terapia, não sua esposa, inúmeras contingências em
se esperava que ela começasse a emitir funcionamento no cotidiano do cliente
comportamentos de fuga e esquiva de adquiriram caráter aversivo,
relações sexuais mais duradouras. principalmente a terapia que, desde seu
Ele observou que as respostas emitidas início, não era “vista com bons olhos” por
pela esposa durante a relação sexual eram ela. Dessa maneira, ele diminuiu a
pouco frequentes e, provavelmente, de frequência às sessões. Seu absenteísmo foi
baixa magnitude. Tal fato, e provalvemente bastante grande, o que resultou no
o controle instrucional proporcionado ao desligamento do serviço provido pelo
cliente pelo terapeuta, fez com que ele instituto no qual era atendido.
ficasse sob controle discriminativo dos Devido à direção que a terapia adquiriu
comportamentos da esposa e, por fim, em seu final, conclui-se analisando que,
relatasse a “descoberta” de que a falta de nos casos de disfunção sexual, é
repertório nesse contexto não era apenas extremamente importante que haja o
sua. Ao discriminar essa peculiaridade conluio de ambos os cônjuges. Mesmo que
quanto ao comportamento de sua esposa, um deles não frequente a terapia, é
houve uma regressão quase que instantânea necessário que haja o acordo na
nos avanços comportamentais que ele identificação da disfunção e na
demonstrara até o presente momento. O disponibilidade para trabalhar em prol da
cliente relatou sentir-se “mal” e sem solução (Carey, 2003; Carvalho, 2001).
direções de ação; em linhas gerais, ele não Esse caso mostra claramente que, apesar
possuía repertório para lidar com essa das mudanças bem-sucedidas nas
contingência aversiva que se iniciou. contingências às quais o cliente se
Nessa situação, o terapeuta alterou o expunha, o fato de sua esposa não aderir à
rumo da intervenção. Não mais eram terapia, ou mesmo não trabalhar para a
descritas contingências possíveis no ato mudança nessas contingências, foi
sexual, mas sim respostas que ele poderia fundamental para que os comportamentos
emitir no sentido de se reaproximar de sua mais adequados na relação sexual não
Análise Comportamental Clínica 359

fossem eficazmente selecionados, muito Costa, L. M. de C. M. Machado & A. Gadotti,


menos mantidos em funcionamento por trads.). Porto Alegre: Artmed.
longos períodos de tempo. Darwich, R. A. & Galvão, O. F. (2001). Integração
de razão e emoção: Acerca da importância do
condicionamento respondente para a noção
REFERÊNCIAS operante. Em H. J. Guilhardi, M. B. Madi, P.
P. Queiroz & M. C. Scoz, Sobre
Abdo, C. H. N. & Fleury, H. J. (2006). Transtornos
Comportamento e Cognição: Vol. 8. Expondo
Psicossexuais. Em C. N. de Abreu,
a variabilidade (pp. 82-85). Santo André:
F. P. Tápia, F. Vasques, R. Cangelli Filho, T.
ESETec.
A. Cordás (Orgs.), Síndromes Psiquiátricas:
diagnóstico e entrevista para profissionais de de-Farias, A. K. C. R. (2005). Comportamento
saúde mental (pp. 183-191). Porto Alegre: social: Cooperação, competição e trabalho
Artmed. individual. Em J. Abreu-Rodrigues & M. R.
Abreu-Rodrigues, J. & Sanabio, E. T. (2004). Ribeiro (Orgs.), Análise do comportamento:
Instruções e autoinstruções: contribuições da Pesquisa, teoria e aplicação (pp. 265-281).
pesquisa básica. Em C. N. de Abreu & H. J. Porto Alegre: Artmed.
Guilhardi (Orgs.), Manual prático de técnicas Galizio, M. (1979). Contingency-shaped and rule-
em psicoterapia comportamental, cognitiva e governed behavior: Instructional control of
construtivista (pp. 152-168). São Paulo: human loss avoidance. Journal of the
Rocca. Experimental Analysis of Behavior, 31, 53-70.
Albuquerque, N. M., Paracampo, C. C. & Glenn, S. S. (1986). Metacontingencies in
Albuquerque, L. C. (2004). Análise do papel Walden Two. Behavior Analysis and
de variáveis sociais e de consequências Social Action, 5, 2-8.
programadas no seguimento de instruções. Glenn, S. S. (1988). Contingencies and
Psicologia: Reflexão e Crítica , 17, 31-42. metacontingencies: Toward a synthesis of
Associação Americana de Psiquiatria (APA, behavior analysis and cultural materialism.
2002). Manual Diagnóstico e Estatístico The Behavior Analyst, 11, 161-179.
de Transtornos Mentais – DSM-IV-TR. Glenn, S. S. (1991). Contingencies and
Porto Alegre: Artmed. metacontingencies: Relations among
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o behavioral, cultural, and biological
Behaviorismo: Ciência, comportamento e evolution. Em P. A.
cultura (M. T. Silva, M. A. Matos & G. Y. Lamal (Ed.), Behavior analysis of societies
Tomanari, trads.). Porto Alegre: Artmed. and cultural practices (pp. 39-73). New York:
Biglan, A. (1995). Changing cultural practices: A Hemisphere Publishing Corporation.
contextualist framework for intervention Glenn, S. S. (1993). Windows on the 21 st century.
research. Reno: Context Press. The Behavior Analyst, 16, 133-151.
Carey, M. da P. (2003). Tratamento Glenn, S. S. (2004). Individual behavior, culture,
cognitivocomportamental das disfunções and social change. The Behavior Analyst, 27,
sexuais. Em V. E. Caballo (Org.), Manual 133-151.
para o tratamento cognitivo-comportamental Glenn, S. S. & Malott, M. (2004). Complexity
dos transtornos psicológicos: Transtornos de and selection: Implications for
ansiedade, sexuais, afetivos e psicóticos (pp. organizational change. Behavior and Social
267-298). São Paulo: Santos Livraria Editora. Issues, 13, 89-106.
Carvalho, A. (2001). Disfunções Sexuais. Em B. Goldstein, M. & Pennypacker, H. (1998). From
Rangé (Org.), Psicoterapias Cognitivo- candidate to criminal: The contingencies of
comportamentais: Um diálogo com a corruption in elected public office. Behavior
Psiquiatria (pp. 412-429). Porto Alegre: and Social Issues, 8, 1-8.
Artmed. Hawton, K., Salkovskis, P. M., Kirk, J. & Clark,
Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem: D. M. (1997). Terapia cognitivo-
Comportamento, linguagem e cognição (A. comportamental para problemas
Schmidt, D. G. de Souza, F. C. Capovila, psiquiátricos: Um guia prático. São Paulo:
J. C. C. de Rose, M. de J. D. Reis, A. A. da Martins Fontes.
360 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Hayes, S. C., Brownstein, A. J. & Zettle, R. D. Skinner, B. F. (1953). Science and human
(1986). Rule-governed behavior and behavior. New York: Macmillan Co.
sensitivity to changing consequences of Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York:
responding. Journal of the Experimental Appleton-Century-Crofts.
Analysis of Behavior, 45, 237-256. Skinner, B. F. (1963). Operant Behavior. American
Lamal, P. A. (1997). Cultural contingencies: Psychologist, 18, 503-515.
Behavior analytic perspectives on cultural Skinner, B. F. (1969). An operant analysis of
practices. Westport: Praeger Publishers. problem solving. Em B. F. Skinner,
Lattal, K. A. & Chase, P. N. (2003). Behavior Contingencies of reinforcement (pp. 133-
theory and philosophy. New York: Kluwer 157). New York: Appleton-Century-Crofts.
Academic/Plenum Publishers. Skinner, B. F. (1971). Beyond freedom and dignity.
Lattal, K. A. & Perone, M. (1998). Handbook of New York: Knopf.
research methods in human operant Skinner, B. F. (1976). About behaviorism. New
behavior: Applied clinical psychology. New York: Vintage Books.
York: Plenum Press.
Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences.
Mallot, M. E. (2003). Paradox of organizational Science , 213, 501-504.
change: Engineering organizations with
Skinner, B. F. (1989). Recent issues in the analysis
behavioral systems analysis. Reno: Context
of behavior. Columbus: Merrill.
Press.
Todorov, J. C. (1987). A constituição como
Matos, M. A. (1997). O behaviorismo
metacontingência. Psicologia: Ciência e
metodológico e suas relações com o
Profissão, 7, 9-13.
mentalismo e o behaviorismo radical. Em
Todorov, J. C. & de-Farias, A. K. C. R. (2008).
R. A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento
Desenvolvimento e modificação de práticas
e Cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos,
culturais. Em J. C. M. Martinelli, M. A. A.
metodológicos e de formação em análise do
Chequer & M. A. C. L. Damázio (Orgs.),
comportamento e terapia comportamental
Ciência do Comportamento: Conhecer e
(pp. 54-67). Santo André: ARBytes.
Avançar (Vol. 7). Santo André: ESETec.
Meyer, S. B. (2005). Regras e autorregras no
laboratório e na clínica. Em J. Abreu-
Rodrigues & M. R. Ribeiro (Orgs.), Análise
do Comportamento: Pesquisa, Teoria e
Aplicação (pp. 211-227). Porto Alegre:
Artmed.
Moore, J. (1990). On the causes of behavior. The
Psychological Record, 40, 469-480.
Okouchi, H. (1999). Instructions as discriminative
stimuli. Journal of the Experimental Analysis
of Behavior, 72, 205-214.
Otto, T. L., Torgrud, L. J. & Holborn, S. W.
(1999). An operant blocking interpretation
of instructed insensitivity to schedule
contingencies. The Psychological Record,
49, 663-684.
Rangé, B. P. & Guilhardi, H. J. (1995). História da
psicoterapia comportamental e cognitiva no
Brasil. Em B. P. Rangé (Org.), Psicoterapia
comportamental e cognitiva: Pesquisa,
prática, aplicações e problemas (pp. 55-70).
Campinas: Editorial Psy.
Skinner, B. F. (1938). The behavior of organism:
An experimental analysis. New York:
Appleton-Century-Crofts.
Capítulo 18

Intervenções Comportamentais em
uma Paciente com Insônia Crônica114
P odemos entender o sono como
uma função biológica com papel
fundamental na consolidação da
14 ao final do primeiro mês. No sexto
mês, o tempo total de sono é de
aproximadamente 12 horas. A partir
memória, visão binocular, função dessa idade, o tempo de sono da
termorregulatória, conservação e criança diminui 30 minutos por ano até
restauração da energia (Reimão, 1996), os 5 anos, quando há a Mônica Rocha
ou como responsável pela restauração Müller
do metabolismo energético cerebral
(Ferrara e De Gennaro, 2001). Devido
a essas importantes funções, as modificação em seu ambiente,
perturbações do sono podem acarretar geralmente na fase de ingresso na pré-
alterações ou prejuízos no escola. Dessa forma, a influência dos
funcionamento físico, ocupacional, fatores externos na quantidade do sono
cognitivo, interpessoal e psicológico, é percebida desde a infância.
que comprometem a qualidade de vida Com o avanço da idade, o sono
do indivíduo. sofre interferências negativas em sua
De acordo com Martinez (1999), o duração, manutenção (Ferrara e De
sono é um fenômeno de rotina desde o Gennaro, 2001) e qualidade (Tribl et
nascimento do homem e, talvez por al., 2002). Muitas vezes, essas
esse motivo, sua importância não seja interferências são condições médicas
considerada por muitos indivíduos. A comuns na terceira idade, que rompem
necessidade do sono faz com que o o sono pelo efeito da dor, de
homem se recolha para dormir, e sua medicações ou pela consequência
privação o incapacita para o trabalho e direta da condição clínica (McCrae et
para as atividades de lazer. al., 2003).
O sono normal sofre variações ao Os distúrbios do sono
longo do desenvolvimento humano, comprometem a qualidade de vida e a
quanto à duração, distribuição de segurança pública ao contribuírem para
estágios e ritmo circadiano (Poyares e acidentes industriais e de tráfego,
Tufik, 2003; Thorleifsdottir et al., muitas vezes fatais (Martinez, 1999).
2002). De acordo com Ferrara e De Em revisão da literatura, Ferrara e De
Gennaro (2001), é durante a infância Gennaro (2001) encontraram que as
que as variações na quantidade de sono estimativas sobre o índice de acidentes
são mais intensas. Nos primeiros dias e mortes causados por sonolência ou
de vida, um bebê dorme em média 16 cansaço variam de 2 a 41%, com alto
horas por dia, que são reduzidas para custo financeiro e em termos de vida.

114 Este trabalho é parte da monografia de conclusão do curso de Especialização em Análise


Comportamental Clínica, no Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento. A autora agradece à
professora Ana Karina C. R. de-Farias pela revisão de sua monografia.
362 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

Na literatura, os distúrbios do sono classificação, Hauri (1998) ressalta a


são numerosos e definidos em três necessidade da criação de um sistema
principais sistemas de classificação, de classificação comum e aceitável que
que são independentes e utilizam possibilite comparar resultados de
diferentes critérios de inclusão: estudos que investigam a prevalência
de distúrbios do sono em populações
1. Classificação Internacional dos
diferentes. A falta de um conceito
Distúrbios do Sono (ICSD, 1997):
operacional contribui para o
classificação detalhada e a mais
surgimento de altos índices de insônia
utilizada pelos profissionais da área
nos estudos e pode sugerir que nem
da Medicina do Sono.
todos os sujeitos apresentem o
2. Manual Diagnóstico e Estatístico
distúrbio (Ohayon e Roth, 2001).
de Transtornos Mentais (DSM-IV,
Poucos estudos investigam os
APA, 1994): classificação
problemas decorrentes dos critérios
psiquiátrica, que divide os
usados para definição da insônia
transtornos do sono em (a)
(Rocha, Guerra e Lima-Costa, 2002a).
primários; (b) relacionados a
Na maioria das vezes, esse distúrbio é
transtornos mentais; (c)
definido como a queixa de “iniciar ou
relacionados à condição médica
manter o sono”, “sono não restaurador”
geral e (d) induzidos por
(Littner et al., 2003; Ohayon e Roth,
substância.
2001; Pallesen et al., 2001),
3. Classificação Internacional de
“despertares noturnos” (Rocha et al.,
Doenças (CID-10, OMS, 1997):
2002b), ou conforme avaliação de
classificação utilizada por médicos
frequência ou intensidade desses
em geral, que agrupa os transtornos
sintomas, através do uso de escalas
em (a) distúrbios do início e da
(Ohayon e Roth, 2001).
manutenção do sono; (b) distúrbios
A variação nos critérios-
do sono por sonolência excessiva
diagnósticos da insônia, tanto em
ou hipersonia; (c) distúrbios do
número quanto na duração dos
ciclo vigília-sono; (d)
sintomas, e associação com outros
irregularidade do ritmo vigília-
distúrbios do sono e transtornos
sono; (e) apneia de sono; (f)
mentais, dificulta a comparação entre
narcolepsia e cataplexia; (g) outros
os resultados obtidos em diferentes
distúrbios do sono e (h) distúrbios
estudos (Ohayon e Hong, 2002;
do sono não especificados.
Ohayon e Roth, 2001; Ohayon e
Com sistemas tão diversificados, Shapiro, 2002; Ohayon e Smirne,
encontramos na literatura problemas 2002; Pallesen et al., 2001; Rocha et
para definir a insônia, pois os critérios al., 2002 a, b).
são inconsistentes (Buysse e Ganguli, Outro motivo que impossibilita as
2002; Harvey, 2001; Roberts, Roberts comparações entre os diferentes
e Chen, 2002), dificultam a estudos é o entendimento da insônia
interpretação de resultados e como sintoma ou síndrome (Eddy e
comprometem o diagnóstico da insônia Walbroehl, 1999; Harvey, 2001;
na população geral (Roth et al., 2002). Ohayon e Shapiro, 2002). Como
Apesar de reconhecer a sintoma, a insônia é secundária às
importância dos atuais sistemas de condições médicas, psiquiátricas ou
Análise Comportamental Clínica 363

ambientais. E, como síndrome, ela é apneia obstrutiva do sono e a insônia


uma desordem primária, que requer são os distúrbios de maior prevalência
tratamento direto. (Roth et al., 2002).
De acordo com Hauri (1998), No Brasil, os estudos
apesar de a insônia não possuir uma epidemiológicos investigam a
definição exata, ela pode ser prevalência de distúrbios específicos
classificada conforme sua duração em ou de queixas de sono em populações
(a) transitória, com duração de alguns específicas. São exemplos desses
dias; (b) de curto período, com duração estudos a investigação da sonolência
de algumas semanas; (c) crônica, que diurna e performance acadêmica em
persiste por meses ou anos. Quando a estudantes de Medicina (Rodrigues,
insônia dura alguns dias, pode ser Viegas, Abreu e Silva e Tavares, 2002);
resultado de estresse agudo (Li et al., a investigação do tipo e incidência das
2002), e quando aguda ou crônica, queixas de sono entre idosos (Rocha et
consiste em fator de risco para o al., 2002b); a prevalência da insônia e
absenteísmo no trabalho e para dos fatores sociodemográficos
problemas comportamentais (Day et associados (Rocha et al., 2002a) entre
al., 2001). moradores da cidade de Bambuí (MG);
Em agosto de 2002, foi criado o e a investigação da cultura da sesta em
Consenso Brasileiro de Insônia uma tribo indígena Terena, no Mato
(Poyares e Tufik, 2002), baseado na Grosso do Sul (Reimão et al., 2000).
literatura e em definições de insônia de A prevalência da insônia na
outros países. Considerando as população geral varia entre os estudos,
diferenças culturais, a insônia foi devido à inconsistência dos critérios
definida como a dificuldade de iniciar utilizados e à metodologia empregada
e/ou manter o sono e sono não (Pallesen et al., 2001; Rocha et al.,
reparador, com o comprometimento 2002a, 2002b). A criação de um
das atividades diárias. Esse critério critério diagnóstico preciso permitiria a
leva em conta a associação da insônia comparação entre pesquisas e a
com transtornos psiquiátricos, implementação de programas que
distúrbios do sono, fatores ambientais, prevenissem consequências sociais,
higiene do sono inadequada, doenças e como acidentes de trabalho e de
uso de substâncias, conforme os trânsito (Pallesen et al., 2001). Apesar
resultados de pesquisas sobre esse de a prevalência desse distúrbio variar
distúrbio. entre os estudos epidemiológicos, os
pesquisadores reconhecem o poder da
insônia em comprometer a qualidade
PREVALÊNCIA DOS DISTÚRBIOS
de vida dos sujeitos (Janson et al.,
DO SONO 2001; Littner et al., 2003).
A prevalência dos distúrbios do sono
na população adulta é estimada em 15
a 27%. Nos Estados Unidos, a CONSEQUÊNCIAS DOS
estimativa é de aproximadamente 70 DISTÚRBIOS DO SONO
milhões de pessoas com algum tipo de A maioria dos distúrbios do sono não é
distúrbio de sono, dos quais 40 milhões detectada e tratada porque, em geral, as
têm distúrbios crônicos. A síndrome da pessoas desconhecem que essa
364 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

condição é clínica e passível de nos funcionamentos somático,


tratamento. Outro possível motivo, interpessoal e psicológico entre jovens
normalmente decorrente do primeiro, é com distúrbios do sono.
a ausência de relatos sobre problemas Roth e colaboradores (2002)
de sono por parte do paciente durante observaram relatos de saúde precária,
as consultas médicas, dificultando o menos energia e pior funcionamento
acesso do profissional às informações cognitivo em portadores de distúrbios
que permitiriam o diagnóstico e o do sono quando comparados com
tratamento (Roth et al., 2002). Esse pessoas com o sono normal. De
resultado foi verificado no estudo de maneira geral, os estudos evidenciam a
Ohayon e Hong (2002), com uma associação dos distúrbios do sono com
amostra representativa da população da problemas de saúde, funcionamento
Coreia do Sul, na qual apenas 6,8% da diário e bem-estar.
amostra relataram buscar assistência Vários estudos mostram que os
médica para tratar das dificuldades distúrbios do sono também estão
com o sono. associados ao desencadeamento de
As consequências dos distúrbios transtornos psiquiátricos. Por exemplo,
do sono são numerosas, importantes e os sintomas de depressão ocorrem com
envolvem questões econômicas e de frequência tanto na insônia como em
saúde, como o aumento de outros distúrbios do sono, levando à
hospitalizações, do absenteísmo, de hipótese de que a insônia favoreça o
riscos de acidentes de trânsito e de surgimento desse transtorno (Hublin,
desenvolvimento de distúrbios mentais Kaprio, Partinen e Koskenvuo, 2001;
(Ohayon e Smirne, 2002). De acordo Morawetz, 2003; Walsh, 2004). Rocha
com Ferrara e De Gennaro (2001), nos e colaboradores. (2002b) sugeriram a
últimos anos houve um interesse maior relação da insônia com o humor
pelos problemas relacionados ao sono, depressivo, ansiedade e
principalmente pela alta incidência da acontecimentos pessoais recentes.
sonolência e fadiga na população geral, Ohayon e Hong (2002), ao
que contribuem para erros humanos e investigarem a prevalência e
acidentes nas sociedades associações da insônia na Coreia do
industrializadas. Sul, concluíram que pessoas que
Roberts, Roberts e Chen (2001 e sofriam de insônia costumavam
2002) observaram que jovens com apresentar queixas de distúrbios
distúrbios do sono relatavam mais respiratórios e/ou doenças cardíacas,
depressão, ansiedade, irritabilidade, insatisfação com a vida social,
medo, raiva, tensão, instabilidade diminuição do funcionamento diário,
emocional, falta de atenção, problemas doenças psiquiátricas, estilo de vida
de conduta, uso de álcool e drogas, estressante e doenças físicas,
ideação ou tentativa de suicídio, acompanhadas ou não por dor. Os
fadiga, falta de energia, dores de autores concluíram, ainda, que
cabeça e de estômago e percepção da consequências diurnas imediatas, como
diminuição na saúde do que seus pares fadiga, sonolência e alterações no
sem problemas de sono. Os autores humor são prevalentes em cerca de
encontraram poucos estudos que 12% das populações estudadas na
comprovassem a ocorrência de déficits América do Norte e Europa.
Análise Comportamental Clínica 365

Vicent e Walker (2000) verificaram produtividade do trabalho (Edinger et


os efeitos negativos do perfeccionismo al., 2001a; Zammit et al., 1999),
no surgimento ou agravamento da maiores riscos de acidentes de trabalho
insônia, além de aumentar a latência do (Edinger et al., 2001a), menor número
sono e reduzir o tempo do sono de promoções em relação a pessoas
noturno. O perfeccionismo foi definido com sono normal (Hauri, 1998). Além
pelos autores como a preocupação disso, Zammit e colaboradores (1999)
excessiva com erros, percepção do verificaram em indivíduos insones a
aumento da expectativa, exagero na falta de otimismo ao considerar
precisão, ordem e organização e carreira e emprego futuros,
padrões de exigência excessivamente dificuldades em lidar com situações
altos. Os resultados mostraram que os estressantes, tomar decisões,
indivíduos perfeccionistas com solucionar problemas e relacionar com
transtornos do sono apresentavam mais os colegas. Esses prejuízos são
dúvidas sobre suas ações e se potencializados pelos déficits
preocupavam excessivamente com a cognitivos provocados pelo distúrbio,
possibilidade de erros. como desatenção, desconcentração e
A literatura especializada mostra falhas de memória (Buysse e Ganguli,
que a insônia frequentemente está 2002; Day et al., 2001; Zammit et al.,
associada ao sexo feminino e ao 1999).
avanço da idade (Davidson, 2008; A insônia também está associada
Ohayon e Hong, 2002), doenças ao uso de substâncias como o álcool, a
somáticas (Edinger, Wohlgemuth, nicotina (Janson et al., 2001) e
Radtke, Marsh e Quillian, 2001a; medicações regulares (Li et al., 2002;
Edinger et al., 2001b; Janson et al., Edinger et al., 2001a). O álcool, por ter
2001), dor (Janson et al., 2001; propriedades sedativa e hipnótica,
Zammit, Weiner, Damato, Sillup e geralmente é utilizado por insones para
McMillan, 1999), distúrbios induzir sono, mas de fato ele causa
psiquiátricos (Babar et al., 2000; Eddy fragmentação, alteração da arquitetura
e Walbroehl, 1999; Hublin et al., 2001; (Babar et al., 2000) e interrupção do
Li et al., 2002; Pallesen et al., 2001). sono (Harvey, 2002; Souza e
Além disso, pessoas separadas ou em Guimarães, 1999), piorando sua
inatividade, em situação de qualidade (Eddy e Walbroehl, 1999).
aposentadoria ou serviços domésticos Ohayon e Hong (2002) observaram
(Ohayon e Roth, 2001), desempregadas que pessoas que utilizavam o álcool
e de baixa classe socioeconômica (Li et para dormir mais, facilmente relatavam
al., 2002) têm maior probabilidade de dificuldade para manter o sono, e não
apresentarem insônia, ocasionando para iniciá-lo, confirmando as
maiores custos com serviços de saúde observações clínicas.
(Edinger et al., 2001b; Littner et al.,
2003).
INTERVENÇÕES
Dentre os prejuízos ocupacionais
resultantes da insônia, os mais citados COMPORTAMENTAIS NO
são o absenteísmo (Littner et al., 2003; TRATAMENTO DA INSÔNIA
Zammit et al., 1999), diminuição na Como podemos ver, a literatura aponta
qualidade (Zammit et al., 1999) e na que a insônia é um transtorno de sono
366 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

que afeta a qualidade de vida da pessoa comportamentos


em diferentes níveis, tais como saúde,
aspectos afetivos/de humor,
ocupacionais e lazer. Na clínica Quadro 18.1 Exemplos de
comportamental, ao fazermos a análise contingências tríplices implicadas na
funcional, percebemos alguns padrões determinação da insônia aguda ou
de comportamentos que mantêm o crônica
transtorno, assim como
Separação conjugal: ansiedade, tristeza,
comportamentos que a pessoa emite
privação do sono → Insônia
para enfrentar os sintomas adversos da
insônia, como sonolência diurna, Mudança de cidade: tristeza, isolamento,
alterações no humor, cansaço físico e ansiedade → Insônia
prejuízos nas funções cognitivas. Uso de medicação estimulante: alteração no
Por exemplo, a postergação ou o humor → Insônia
atraso nas atividades é comum em do cliente, verificando as variáveis das
pessoas que sofrem desse transtorno. quais o comportamento é função.
Em função de sintomas como o Podemos pensar em diferentes
cansaço e sonolência excessiva, o exemplos de contingências tríplice na
trabalho não é realizado dentro de um determinação da insônia, seja ela aguda
prazo estipulado ou sem a atenção e ou crônica.
cuidado necessários. Dessa forma, as
consequências ocupacionais podem ser
extremamente aversivas: perder uma CASO CLÍNICO
promoção, rebaixamento de função, A seguir, será apresentado o caso da
demissão, prejuízo nas relações de paciente Zélia (nome fictício), de 54
trabalho, baixa autoestima e perda da anos. Zélia foi encaminhada por um
motivação. Essas consequências neurologista, que recomendou a
adversas afetam tanto o Terapia Comportamental para
comportamento da pessoa no trabalho, tratamento de insônia crônica. A
como também desencadeiam outras paciente era casada, funcionária
consequências nos diversos ambientes pública aposentada e residia com o
em que se comporta, já que esposo e suas três filhas (19, 25 e 26
considerarmos a interação recíproca anos). Foi prescrito em seu tratamento
entre organismo e ambiente. De acordo neurológico a melatonina (hormônio
com Skinner (1953/1979): “não se natural para facilitar a indução e a
nega a importância, qualquer que seja manutenção do sono). Além disso,
nossa filosofia do comportamento, do Zélia já fazia uso de Synthroid®, para a
mundo que nos cerca. Podemos reposição de hormônio tireoidiano.
discordar quanto à natureza ou à O tratamento foi composto de seis
extensão do controle que o ambiente sessões, realizadas em consultório
mantém sobre nós, mas que há algum particular. Na primeira sessão, Zélia
controle é óbvio” (p. 142). formulou o seu mandato terapêutico:
No tratamento comportamental da “Quero dormir pelo menos uma noite
insônia, o trabalho do terapeuta não é inteira”. Não houve o relato de outras
diferente dos demais casos: ele deverá demandas para o trabalho
realizar a análise funcional dos psicoterapêutico, a não ser tratar a
Análise Comportamental Clínica 367

insônia, que persistia há mais de quatro estímulos, relaxamento muscular


anos. Foi solicitado e autorizado pela progressivo, biofeedback, restrição do
paciente o consentimento (verbal) para sono, educação em higiene do sono
que este trabalho fosse redigido. (Chesson, 1999; Morin, Colecchi et al.,
O sono da paciente piorou cerca de 1999; Morin, Bootzin et al., 2006).
6 anos antes do processo terapêutico Neste caso, foram utilizadas técnicas
(início do processo de menopausa) e para controle de estímulos, educação
agravou-se com o primeiro surto da de higiene do sono e restrição do sono.
filha mais velha, que sofria de É importante mencionar que o sucesso
transtorno bipolar e já havia de tais intervenções depende de fatores
apresentado quatro tentativas de como a motivação e o engajamento do
suicídio. Sua insônia caracterizava-se paciente, além de um profissional que
pela dificuldade de iniciar e manter o tenha um bom preparo para empregá-
sono (despertares noturnos). Com las. Zélia estava muito motivada a
frequência, o seu dia não “rendia” da seguir as recomendações e sua adesão
maneira que desejava, em função da ao tratamento renderam bons
sonolência e do cansaço diurno que a resultados sobre o seu sono.
acometia. Apesar desses sintomas,
Zélia não tirava cochilos diurnos, pois
Controle de estímulos
estava envolvida com os cuidados com
Um condicionamento muito comum
a casa e com o neto (filho de sua
em pacientes que sofrem de insônia é o
primogênita).
emparelhamento do estímulo “cama”
Na primeira sessão, foi possível
com a ideia de que passarão mais uma
identificar que fatores externos e
noite sem dormir, mesmo que
internos estavam envolvidos com sua
apresentem sonolência. O controle de
insônia, interferindo na qualidade e na
estímulos consiste numa série de
quantidade de seu sono. Como fatores
instruções que orientam o paciente a
externos, podemos citar problemas na
deitar e levantar-se da cama em
família do esposo e na organização na
momentos adequados, de forma a
da casa. Os comportamentos privados
maximizar a associação da cama com
eram notados no período que a
“sonolência” ou “sono”.
paciente deitava-se para dormir,
O paciente é orientado a ir para a
geralmente relacionados com a filha
cama apenas quando estiver com sono;
mais velha (se havia chegado em casa,
utilizar a cama apenas para três
se estava bem, se havia tomado as
funções: dormir, restabelecimento de
medicações, dentre outros
uma doença e atividade sexual; retirar
pensamentos). Como resultado, o sono
ou esconder o despertador (caso
de Zélia era superficial e apresentava
verifique insistentemente o tempo
vários despertares noturnos.
gasto para dormir); retirar aparelhos
eletrônicos do quarto que possam
Intervenções realizadas prejudicar o sono (TV, computador,
Na área da Medicina do Sono, a ipod, despertador, celular), levantar-se
Terapia Comportamental consiste num da cama caso não adormeça em torno
dos tratamentos não farmacológicos de 15 minutos.
mais eficazes. Dentro das técnicas Ao sair da cama, os pacientes são
utilizadas, pode-se apontar: controle de
368 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

recomendados a se engajarem num tipo de dormir (água morna, e nunca


de atividade que seja quente), para que haja uma
relaxante/entediante, já que os redução da temperatura do corpo,
estímulos têm diferentes funções para o que facilita a indução do sono.
os indivíduos. Por exemplo: a leitura à (f) Expor-se à luz do sol pelo menos
noite pode ser uma ótima estratégia 30 minutos todos os dias, para a
para quem não gosta de ler, mas não é secreção da melatonina.
indicada para um escritor ou leitor (g) Avaliar se o local de dormir
compulsivo. É importante, portanto, oferece condições adequadas para
levantar com os pacientes, durante a dormir:
sessão, quais seriam os estímulos mais conforto, temperatura, ruídos.
indicados para promover o
No tratamento de Zélia, foram
relaxamento. No caso de Zélia, foram
necessárias as seguintes modificações
escolhidas a leitura e a música clássica.
ambientais: restringir o consumo de
cafeína, expor-se diariamente ao sol
Educação em higiene do sono (quando fazia caminhadas pela
Tais orientações referem-se à avaliação manhã), fazer atividade aeróbica no
de comportamentos, às condições final da tarde. Apontamos como um
ambientais e a outros fatores fator positivo o fato de Zélia procurar
relacionados ao sono que podem ser uma nutricionista por iniciativa
ajustados (Stepanski e Wyatt, 2003). própria, pois a paciente queria e
Durante a sessão, a rotina do paciente é precisava perder peso.
investigada, de forma que o terapeuta
identifique comportamentos
“disfuncionais” que prejudiquem a
Restrição do sono
O objetivo desta intervenção é
qualidade do sono.
provocar um débito de sono nos
De maneira geral, recomenda-se:
pacientes, de forma que, ao deitar-se à
(a) Evitar a ingestão de estimulantes noite, ele esteja bastante sonolento e
(cafeína, nicotina, drogas como cansado. Como resultado, observamos
anfetamina) durante o dia, pois em curto prazo a redução significativa
elas podem dificultar a iniciação da latência do sono (tempo que demora
do sono e reduzir sua qualidade. a dormir), aumento da eficiência e
(b) Não ingerir bebidas alcoólicas manutenção do sono. Ressalta-se a
antes de dormir, pois o etanol importância de uma avaliação do
fragmenta o sono e provoca padrão de sono do paciente para
despertares precoces. determinar qual o esquema mais
(c) Evitar jantar até duas horas antes adequado de restringir seu sono. A
do sono, para que a digestão restrição não se configura, portanto,
ocorra. numa técnica padronizada e de simples
(d) Fazer atividade física regular, no aplicação, pois ela irá interferir sobre o
final da tarde ou início da noite, ritmo circadiano do paciente.
mas não próximo do horário de Zélia deitava-se muito cedo
dormir, para que a pessoa não (aproximadamente, às 21h), mesmo
fique muito estimulada. que não estivesse com sono. Como
(e) Tomar um banho relaxante antes consequência, tinha dificuldade para
Análise Comportamental Clínica 369

iniciar o sono e ficava ansiosa ao funcionamento diário de Zélia, tais


perceber que estava demorando a como melhora da disposição, humor e
dormir. Foi orientada a tomar suas motivação para engajar-se em outras
medicações às 23h, deitar-se a partir de atividades (outro curso de graduação),
00h e despertar todos os dias às 7h, tendiam a se manter pelo seu caráter
independentemente de como ocorreu o reforçador.
seu sono naquela noite.
REFERÊNCIAS
RESULTADOS E American Psychiatric Association (1994).
Manual Diagnóstico e Estatístico dos
CONSIDERAÇÕES FINAIS Transtornos Mentais. Porto Alegre:
As intervenções aplicadas ao longo de Artmed.
seis semanas geraram resultados American Sleep Disorders Association
positivos para Zélia, que se mostrou (1997). International Classification of
motivada e empenhada em seguir as Sleep Disorders, revised: Diagnostic
orientações. Nesse período, a paciente and Coding Manual. Rochester,
perdeu peso ao adotar uma dieta mais Minn: American Sleep Disorders
Association.
saudável (que foi estendida para toda a
Babar, I., Enright, P., Boyle, P., Foley, D.,
família); manteve a atividade física Sharp, D., Petrovitch, H. & Quan, S.
diariamente (caminhada e (2000). Sleep disturbances and their
musculação); obteve um sono eficiente correlates in elderly japanese american
e sem interrupções, resultante da men residing in Hawaii. Journal of
restrição do sono. Gerontology, 55, 406-411.
A terapeuta levantou as demandas Buysse, D. & Ganguli, M. (2002). Can sleep
be bad for you? Can insomnia be good?
na primeira sessão, que se resumiram
Archives of General Psychiatry, 59, 137-
às intervenções sobre o seu sono. O 138.
tratamento foi realizado e foi discutida Davidson, J. R. (2008). Insomnia: Therapeutic
com Zélia a importância de cada vez Options for Women. Sleep Medicine
mais discriminar seus comportamentos, Clinics, 3, 109-119.
de forma a identificar o que estava Day, R., Guido, P., Helmus, T., Fortier, J.,
alterando o padrão de sono e como Roth, T., Koshorek, G. & Rosenthal, L.
manejar a situação. Por exemplo, (2001). Self -reported levels of
sleepiness among subjects with
falamos sobre a sua ansiedade e
insomnia. Sleep Medicine, 2, 153-157.
preocupação excessiva com a Eddy, M. & Walbroehl, G. S. (1999).
primogênita, que foi uma contingência Insomnia.
específica na determinação de seu American Family Physician, 59, 1911-
diagnóstico. Zélia reconheceu essa 1916.
interferência e verbalizou que estava Edinger, J. D., Wohlgemuth, W. K., Radtke,
preparada para manejar problemas R.
dessa natureza. Dessa forma, sua A., Marsh, G. R. & Quillan, R. E.
(2001). Does Cognitive-Behavioral
decisão foi atendida e o tratamento insomnia therapy alter dysfunctional
encerrado. beliefs about sleep? Sleep, 24, 591-599.
Se o comportamento, segundo Edinger, J., Gleen, D., Bastian, L., Marsh,
Skinner (1953/1979), é selecionado por G., Daile, D., Hope, T., Young, M.,
suas consequências, acreditamos que Shaw, E. & Meeks, G. (2001). Sleep
as consequências positivas na rotina e in the laboratory and sleep at home II:
Comparisons of middle-aged insomnia
370 Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.

suffers and normal sleepers. Sleep: K. L. (2006). Psychological and


Journal of Sleep and Sleep Disorders behavioral treatment of insomnia: update
Research, 24, 761-770. of the recent evidence (1998-2004).
Ferrara, M. & De Gennaro, L. (2001). How Sleep, 29, 1398-1414.
much sleep do we need? Sleep Ohayon, M. M. & Smirne, S. (2002).
Medicine, 5, 155-179. Prevalence and consequences of
Harvey, A. (2001). Insomnia: symptom or insomnia disorders in
diagnosis? Clinical Psychology the general population of Italy. Sleep
Review, 21, 1037-1059. Medicine, 3, 115-120.
Hauri, P. (1998). Sleep Disorders: Insomnia. Ohayon, M. M. & Hong, S. C. (2002).
Clinics in Chest Medicine, 19, 157-168. Prevalence of insomnia and associated
Hublin, C., Kaprio, J., Partinen, M. & factors in South Korea. Journal of
Koskenvuo, M. (2001). Insufficient Psychosomatic Research, 53, 593-600.
Sleep: A populationbased study in adults. Ohayon, M. M. & Roth, T. (2001). What are
Sleep: Journal of Sleep and Sleep the contributing factors for insomnia in
Disorders Research, 24, 392-400. the general population? Journal of
Janson, C., Lindberg, E., Gislason, T., Psychosomatic Research, 52, 745-755.
Elmasry, A. Ohayon, M. M. & Shapiro, C. M. (2002).
& Boman, G. (2001). Insomnia in men – Tenses of insomnia epidemiology.
a 10 year prospective population based Journal of Psychosomatic Research,
study. Sleep: Journal of Sleep and Sleep 53, 525-527.
Disorders Research, 24, 425-430. Organização Mundial de Saúde (1997).
Li, R., Wing, Y. & Fong, S. (2002). Gender Classificação de Doenças Mentais da
differences in insomnia – A study in the CID-10 (10ª Ed.). Porto Alegre:
Hong Kong Chinese population. Journal Artmed.
of Psychosomatic Research, 53, 601-609. Pallesen, S., Nordhus, I. H., Nielsen, G. H.,
Littner, M., Hirshkowitz, M., Kramer, M., Havik, O. E., Kvale, G., Johnsen, B. H.
Kapen, S., Anderson, W., Bailey, D., & Skjotskift, S. (2001). Prevalence of
Berry, R., Davilla, D., Johnson, S., insomnia in the adult norwegian
Kushida, C., Loube, D., Wise, M. & population. Sleep: Journal of Sleep and
Woodson, T. (2003). Practice parameters Sleep Disorders Research, 24, 771-779.
for using polysomnography to evaluate Poyares, D. & Tufik, S. (2003). I Consenso
insomnia: An update. Sleep, 26, 754-760. Brasileiro de Insônia. Hypnos Journal of
Martinez, D. (1999). Prática da Medicina do Clinical and Experimental Sleep
Sono. São Paulo: BYK. Research, 4, 1-45.
McCrae, C. S., Wilson, N. M., Lichstein, K. Reimão, R. (1996). Sono: Estudo Abrangente.
L., São Paulo: Atheneu.
Durrence, H. H., Taylor, D. J., Bush, A. Reimão, R., Souza, J.C., Gaudioso, C.E.V.,
J. & Riedel, B. W. (2003). “Young old” Guerra, H.C., Alves, A. C., Oliveira, J.
and “old old” poor sleepers with and C. F., Gnobie, N. C. A. & Silvério, D.
without insomnia complaints. Journal C. G. (2000). Siestas Among Brazilian
of Psychosomatic Research, 54, 11-19. Native Terena Adults. Arquivos de
Morawetz, D. (2003). Insomnia and Neuropsiquiatria, 58, 39-44.
depression: Which comes first? Sleep Roberts, R. E., Roberts, C. R. & Chen, I. G.
Research Online, 5, 77-81. (2001). Functioning of adolescents with
Morin, C., Colecchi, C. C., Stone, J., Sood, R. symptoms of disturbed sleep. Journal of
& Brink, D. (1999). Behavioral and Youth and Adolescence, 30, 1-18.
pharmacological therapies for late-life Roberts, R. E., Roberts, C. R. & Chen, I. G.
insomnia. The Journal of the American (2002). Impact of insomnia on future
Medical Association, 281, 991-998. functioning of adolescents. Journal of
Morin, C. M., Bootzin, R. R., Buysse, D. J., Psychosomatic Research, 53, 561-569.
Edinger, J. D., Espie, C. A. & Lichstein Rocha, F. L., Guerra, H. L. & Lima-Costa,
Análise Comportamental Clínica 371

M. F. F. (2002). Prevalence of insomnia Zammit, G. K., Weiner, J., Damato, N., Sillup,
and associated socio-demographic G. P. & McMillan, C. A. (1999). Quality
factors in a Brazilian community: The of life in people with insomnia. Sleep:
Bambuí study. Sleep Medicine, 3, 121- Journal of Sleep Research and Sleep
126. Medicine, 22 (supl. 2), 379-385.
Rocha, F. L., Uchoa, E., Guerra, H. L.,
Firmo, J. O. A., Vidigal, P. G. & Lima-
Costa, M. F. (2002). Prevalence of
sleep complaints and associated factors
in community-dwelling older people in
Brazil: The Bambuí Health
and Ageing Study (BHAS). Sleep
Medicine, 3, 231-238.
Rodrigues, R. N. D., Viegas, C. A. A., Abreu e
Silva, A. A. A. & Tavares, P. (2002).
Daytime sleepiness and academic
performance in medical students.
Arquivos de Neuropsiquiatria, 60, 6-11.
Roth, T., Zammit, G., Kushida, C.,
Doghramji, K., Mathias, S., Wong, J.
M. & Buysse, D. J. (2002). A new
questionnaire to detect sleep disorders.
Sleep Medicine, 3, 99-108.
Skinner, B. F. (1953/1979). Ciência e
comportamento humano (J. C.
Todorov & R. Azzi, trads.). São
Paulo: Martins Fontes.
Souza, J. C. & Guimarães, L. A. M. (1999).
Insônia e qualidade de vida. Campo
Grande: Editora UCDB.
Thorleifsdottir, B., Björnsson, J. K.,
Benediktsdottir, B., Gislason, Th. &
Kristbjarnarson, H. (2002). Sleep and
sleep habits from childhood to young
adulthood over a 10-year period.
Journal of Psychosomatic Research, 53,
529-537.
Tribl, G. G., Schmeiser-Rieder, A.,
Rosenberger,
A., Saletu, B., Bolitschek, J., Kapfhammer,
G., Katschnig, H., Holzinger, B.,
Popovic, R., Kunze, M. & Zeitlhofer, J.
(2002). Sleep habits in the Austrian
population. Sleep Medicine, 3, 21-28.
Vincent, N. K. & Walker, J. R. (2000).
Perfectionism and chronic insomnia.
Journal of Psychosomatic Research,
49, 349-354.
Walsh, J. K. (2004). Clinical and
socioeconomic correlates of insomnia.
The Journal of Clinical Psychiatry, 65,
13-19.
Capítulo 19

O Medo de Morte na Infância


O conceito de infância
traz
significados que
alguns
são
citou algumas
transformações nas relações
sociais e familiares,
construídos social- propondo-se a fazer uma
mente, não sendo, portanto, análise qualitativa acerca de
um conceito estático, mas descrições da infância de
um conceito que sofre pessoas nascidas entre 1896
modificações em funções e 1919. Ela identificou que
das determinações culturais a relação adulto-criança era
e mudanças estruturais da caracterizada por
sociedade. obediência, limitações
De acordo com a lei devido à escassez dos bens
apresentada pelo Estatuto da da família, trabalho árduo
Criança e do Adolescente envolvendo os adultos, a
(1990), considera-se criança presença da morte e da
a pessoa com até 12 anos religiosidade e a
incompletos. Campos e preocupação em satisfazer
Souza (2003) citam que, na os desejos infantis.
visão de alguns estudiosos, 1
a linha divisória entre a
infância e a idade adulta Um Estudo
está desaparecendo
rapidamente em função das
exigências culturais que vão
de Caso
Regiane de Souza Quinteiro
se transformando ao longo
do tempo. Observa-se, em
contextos sociais diferentes,
Atualmente, considera-
que as brincadeiras, as
se que os bens são
vestimentas, o contato com
abundantes por surgirem
a família, a própria estrutura
como uma consequência
familiar, têm mudado
indireta do trabalho; a ação
bastante nas últimas
do homem é guiada por uma
décadas. A criança de hoje
racionalidade tecnológica e
compartilha menos tempo
a autoridade parece estar
com a sua família, porque
fora do lugar, não havendo
esta precisa aumentar seu
espaço para a dor e para o
poder aquisitivo para
limite, somente para o bem-
oferecer condições mínimas
estar individual.
de educação e subsistência
A Análise do
para a criança.
Comportamento considera
Caldana (1998) também
que essas experiências
Análise Comportamental Clínica 373

vividas pelo indivíduo ao que o conceito de morte é


longo do seu dependente da idade
desenvolvimento e seu cronológica. Ou seja, à
crescimento são muito mais medida que a criança vai
relevantes do que classificá- ficando mais velha, em
lo em função de sua idade torno dos 9 anos, ocorre
cronológica. Nesse período uma evolução do conceito
chamado infância, o de morte: antes desse
repertório da criança é período, a criança acredita
selecionado por suas que a morte é um processo
consequências, de acordo reversível e transitório.
com a comunidade verbal Outras variáveis, como
na qual está inserida. a influência da família, de
Conforme Skinner suas condições
(1953/2000) observou, as socioeconômicas e da
contingências observadas própria experiência da
no ambiente social explicam criança com a morte sobre o
mais facilmente o desenvolvimento desse
comportamento do conceito foram encontradas
indivíduo em formação. por essa mesma autora. No
Assim, o nível de entanto, a metodologia
compreensão da criança utilizada na maioria dos
sobre o que é a morte e o estudos mencionados é de
modo de lidar com a perda natureza descritiva,
varia conforme o seu grupo baseando-se em entrevistas,
social. relatos, observações clínicas
Torres (2002) fez um e testes psicológicos. Não
levantamento bibliográfico deixaram de encontrar
dos estudos realizados entre discordâncias acerca do
as décadas de 1940 e 1980, nível de compreensão da
cujos objetivos visavam criança sobre a morte em
investigar o função das diferenças
desenvolvimento do metodológicas, como
conceito de morte na algumas inconsistências nos
criança. Dentre os próprios estudos (p.ex.,
resultados encontrados, imprecisão da definição de
verificou-se perda). Além disso, foram
utilizadas análises
1
Este trabalho é parte da estatísticas, englobando as
monografia de conclusão do curso
crianças participantes em
de Especialização em Análise
Comportamental Clínica, no categorias pré-definidas
Instituto Brasiliense de Análise do (Torres, 2002).
Comportamento. A autora agradece O processo de luto pela
à professora Ana Karina C. R. de- perda de um ente querido
Farias pela revisão de sua
varia conforme a cultura, os
monografia.
valores e os costumes de um
R. de-Farias e Cols.

determinado local e, em sua experiência prévia com


nossa sociedade, esses são a morte de alguém de sua
considerados momentos família.
difíceis, independente do De qualquer forma, a
modo como informam a criança precisa adquirir
criança e fazem-na com que repertórios adequados para
participe de todo o compreender o que é a
processo. morte e expressar
No passado, as pessoas pensamentos e sentimentos,
estavam mais perto de seus recebendo apoio e atenção
familiares durante a fase de sua família ou de seus
terminal e as crianças responsáveis.
participavam de tudo. Hoje Em determinados
em dia, esse processo é contextos, a criança pode
diferente; a morte não está aprender a emitir outros
tão presente no cotidiano comportamentos não tão
das pessoas, visto que a adequados, tais como
medicina avançou muito. expressar sensações de
Doenças que antigamente medo, apresentar
matavam, agora são irritabilidade, pesadelos,
curáveis. As pessoas estão grito, choro, em situações
convivendo muito mais com como a hora de dormir, o
os doentes, de qualquer momento em que se
faixa etária, exigindo da encontra sozinha em algum
sociedade uma preocupação local da casa, a hora do
maior com a qualidade de banho ou quando assiste a
vida desses doentes (Lessa e algum programa de
Kovács, 2005). Quanto às televisão sobre o tema
crianças, elas têm mais morte. Esses
acesso a filmes violentos, comportamentos, se
cenas de sexo e brigas, mas persistirem por um longo
são afastadas dos doentes à período, podem gerar danos
beira da morte, evitando e prejuízos para o
algo que seria importante desenvolvimento social da
para o seu processo de criança.
crescimento e Geralmente, observa-se
desenvolvimento. a ocorrência desses
Lessa e Kovács (2005) comportamentos nos
acrescentam que muitas momentos em que a família
indagações sobre como lidar (i) encontra-se fragilizada
com os doentes e como falar e/ou desamparada e não
de morte com eles são oferece explicações
difíceis de responder, adequadas por querer
quando não impossíveis. No proteger a criança de algum
caso da criança, falar de sofrimento pela perda; (ii)
morte para ela dependerá de associa a morte com
Análise Comportamental Clínica 375

metáforas como “partiu para morre, ou mesmo um


o sono eterno” e deixa a parente próximo, a família
criança confusa e com medo não deve mentir para a
do sono (Lessa e Kovács, criança. Nesse momento,
2005) ou (iii) deixa de dar ela pode aprender a
uma atenção adequada, não identificar e a expressar
assumindo a sentimentos de tristeza e de
responsabilidade de cuidar medo como também
da criança. aprender a compreender e a
Quando alguém morre, aceitar esse sofrimento,
além de sentir a perda da preparando-se para perdas
pessoa, a criança futuras (Stuart, 2004).
geralmente fica com medo Há casos em que a
de morrer e de que outras família ou um de seus
pessoas próximas possam membros pode encontrar-se
morrer também. Ela pode numa fase depressiva e não
ficar assustada e insegura, consegue conversar com os
sentir-se triste e impotente. outros sobre os seus
Ela precisa de apoio, amor e próprios sentimentos e
estrutura em sua rotina dificuldades para lidar com
diária. De acordo com a a morte. A criança,
história de aprendizagem da convivendo nesse contexto
criança, ela pode ainda não familiar, muitas vezes não
compreender o que é a entende o que está
morte e nem conseguir acontecendo e começa a se
nomear e identificar os comportar de diferentes
sentimentos relacionados à formas (p. ex., falando alto,
perda e ao luto. Lessa e pronunciando alguns
Kovács (2005) colocam que palavrões, batendo, ficando
a criança vai entender calada, etc.) para interagir
melhor tais conceitos com as pessoas e buscar
quando estiver na idade explicações para o seu
escolar, apesar de possuir próprio sofrimento e de seus
algum conhecimento sobre familiares. Essa família, ou
a morte por volta dos 2 anos um de seus membros, acaba
e, portanto, conseguir tornando-se insensível às
distinguir alguns conceitos. contingências em vigor, não
A situação ideal é respondendo de forma
preparar a criança para a adequada aos eventos
perda, visto que isso atinge ambientais disponíveis.
invariavelmente a todos. A Consequentemente, a
melhor forma de fazer isso é criança também não recebe
dizer a verdade para a atenção da família, e seus
criança e dizer “não” comportamentos (tentativas
quando for necessário. Se de interação) começam a
um animal de estimação entrar em extinção.
R. de-Farias e Cols.

A ocorrência da medos da criança sem


extinção, por um julgamentos e explicando
determinado período, de porque eles ocorrem, podem
alguns comportamentos da alterar as regras
criança dependerá da sua apresentadas pela criança.
história de reforçamento. Se ela tem a
Ela pode perder o interesse oportunidade de conversar
por suas atividades e sobre o seu medo e de
eventos habituais, deixar de compartilhar experiências
ter acesso aos reforços (seja na família, na escola
disponíveis e isolar-se ou na terapia), entendendo
socialmente. Ou, em outro que o medo está presente na
contexto, alguns vida das pessoas (e que
comportamentos da criança algumas vezes ele pode ser
podem tornar-se resistentes funcional por questões de
à extinção, ou seja, ela sobrevivência do
continua variando seu indivíduo), ela pode
comportamento, e a família aprender a lidar melhor com
volta sua atenção para a esse novo contexto (Conte,
criança, fazendo exigências 1999).
e cobranças acerca das suas O medo infantil é uma
responsabilidades escolares classe de respostas que pode
e domiciliares (p. ex., englobar comportamentos
tarefas de casa, organização respondentes (p. ex.,
do quarto, etc.). A criança palpitação, tremores,
aprende que ao deixar de sudorese, tensão da
cumprir suas “obrigações” é musculatura, sobressalto) e
o momento em que recebe operantes (com topografias
atenção e, portanto, diferentes), eliciados ou
continua emitindo esses emitidos diante de eventos
comportamentos ou situações aversivas. A
inadequados que são aquisição e manutenção
mantidos por reforçamento. desses comportamentos
A criança pode, podem ocorrer em função
dependendo do nível de seu de diferentes variáveis
repertório verbal e de sua antecedentes e
história de reforçamento, consequentes, conforme o
criar regras de que seus contexto familiar de cada
comportamentos públicos criança.
ou privados podem causar Em função de variáveis
ou reverter a morte (p, ex., como o nível
“se eu rezar todos os dias, a socioeconômico e aspectos
pessoa querida volta”). A culturais, pode ser comum à
atenção e o apoio da família criança assumir
nos momentos adequados, responsabilidades de adulto
ouvindo e aceitando os e/ou papel de cuidador para
Análise Comportamental Clínica 377

proteger e ajudar a sua aumentar a confusão da


família. Nesse contexto, é criança perante a situação
importante que ela não de perda.
deixe de vivenciar a sua Oferecer condições para
infância, participando de a criança se comportar de
brincadeiras (sozinha ou forma mais adequada pode
com outras crianças) como envolver formas de
forma de favorecer o seu expressões não verbais, tais
crescimento e seu como o desenho, a
desenvolvimento. Assumir o construção com argila ou
papel de adulto massa de modelar ou de
repentinamente não garante expressões verbais, como
a discriminação dos metáforas, escrita e leitura
sentimentos envolvidos com de estórias, entre outras.
a perda, nem a compreensão Outra possibilidade é
do que vem a ser a morte. encontrar situações do
É importante, cotidiano para explicar para
respeitando as a criança sobre a morte e
idiossincrasias de cada como lidar com ela no dia a
família, que a criança dia, como a perda de um
participe do processo de bichinho de estimação, a
luto (p. ex., ir ao velório, ir explicação do ciclo de vida
ao enterro, confortar os de uma planta ou
adultos enlutados, levar comentários de alguns
flores para o altar, fazer um programas de televisão que
desenho da pessoa para a família assiste (Stuart,
colocar no caixão, levar 2004).
flores no cemitério e/ou Quando a criança chega
assinar o livro de ao setting terapêutico,
agradecimentos), sem conforme a sua história de
obrigá-la, para aprender a aprendizagem, ela pode
lidar com a perda apresentar alguns conceitos
(Associação Brasileira de aprendidos sobre a morte e
Cuidados Paliativos, 2003). uma forma específica de
Proteger a criança de interpretá-la. Para
enfrentar o processo de luto compreender melhor como
e da possibilidade de esses comportamentos
apresentar sentimentos foram adquiridos, o
(tristeza, medo, raiva) terapeuta infantil precisa
referentes à perda pode entender a relação da
aumentar, em longo prazo, a criança com cada membro
ocorrência de da família (ou
comportamentos de fuga e responsáveis); como essa
esquiva em situações família lida com o tema
futuras que envolverão morte (no presente e no
perda e, em curto prazo, passado); como o tema foi
R. de-Farias e Cols.

conversado com a criança contextos em que ocorrem


durante e após o processo (Silvares, 2002).
de perda e de luto. Pode Após o levantamento de
acontecer de a família não informações, o terapeuta dá
conversar sobre a morte continuidade ao seu
com a criança, omitindo trabalho, realizando análises
informações para a mesma, funcionais, levantando
ou apresentar conceitos hipóteses acerca da
distorcidos que deixam a ocorrência dos
criança confusa sobre como comportamentos
falar de morte e enfrentar inadequados da criança
situações de perda. para, juntamente com a
Dessa forma, o família, definir os objetivos
terapeuta infantil precisa terapêuticos e a proposta de
coletar, dentre outras intervenção. A seleção do
informações, dados sobre a tratamento, que implica em
história atual e passada da uma estratégia de atuação
criança, como a família está clínica de modo a alterar os
lidando com a perda, como “comportamentos-
ela está orientando a criança problema”, e os objetivos
a vivenciar a perda, qual(is) terapêuticos são avaliados
a(s) queixa(s) ao longo do processo
apresentada(s) pela família, terapêutico quanto ao seu
ou seja, os comportamentos desenvolvimento correto e
inadequados que a criança às mudanças ocorridas
vem emitindo e suas (Silvares, 2002).
possíveis variáveis Muito provavelmente a
mantenedoras. família necessitará de apoio
Outros recursos podem e orientações sobre como
ser utilizados para o oferecer condições para a
levantamento de criança se comportar de
informações, como observar forma mais adequada,
diretamente o aprendendo a utilizar o
comportamento da família reforçamento diferencial, a
com a criança dentro e fora auto-observação e a
do setting terapêutico; pedir observação dos
para a família observar o comportamentos da criança,
próprio comportamento em a modelação de
sua interação com a criança comportamentos
como também observar o alternativos mais
comportamento desta adequados, assim como
última; realizar registros apresentar consequências
pela criança ou pela sua reforçadoras positivas
família daqueles contingentes aos
comportamentos que são comportamentos adequados
foco da terapia e os da criança. Para que esse
Análise Comportamental Clínica 379

apoio e orientação à família meta fundamental na terapia


ocorram de forma infantil. Com esses
satisfatória, o terapeuta procedimentos trabalhados
precisa ter melhores com a família e a criança, é
condições de analisar a possível identificar as
conduta dos familiares e de situações ou eventos que
orientá-los. Para isso, ele estabelecem a ocasião para
precisa estar de posse das a emissão de
informações acerca das comportamentos de fuga e
cadeias comportamentais esquiva, como aquelas que
envolvidas na queixa e as eliciam comportamentos
redes de determinantes que respondentes de medo;
normalmente são bem aprender comportamentos
amplas (Conte e Regra, alternativos para enfrentar
2002). as situações aversivas ou
O trabalho do terapeuta situações que possuem
infantil com a criança semelhança funcional com a
envolve ajudá-la a entrar em situação original; apresentar
contato com seus consequências reforçadoras
sentimentos de medo e de positivas após a emissão de
tristeza e com os comportamentos adequados
comportamentos emitidos (Conte e Regra, 2002), o
em situações aversivas, que, em outras palavras,
utilizando o treino de auto- consistiria em tornar o
observação do próprio ambiente familiar mais
comportamento e de reforçador para a criança.
eventos ambientais Os recursos lúdicos
relevantes. De acordo com podem ajudar no processo
Skinner (1989/1991), se a terapêutico de várias
pessoa fala sobre seus formas, começando por
comportamentos privados, tornar o setting terapêutico
ela pode fornecer pistas e o próprio terapeuta
para o terapeuta sobre o seu infantil mais reforçadores
comportamento passado e para a criança. É também
presente e as condições que possível identificar os
o afetaram ou afetam. recursos potencialmente
Se a criança, no reforçadores, que podem ser
entanto, tem dificuldade de usados para alterar as
realizar a auto-observação, queixas e solucionar alguns
o terapeuta pode iniciar pela problemas da criança em
modelação do seu ambiente natural; os
comportamento no setting sentimentos, as sensações e
terapêutico, utilizando os os pensamentos que a
recursos lúdicos. A criança tem diante de
produção de determinadas situações e
autoconhecimento é uma pessoas; os conceitos e
R. de-Farias e Cols.

autorregras formulados por a família mostra-se presente


ela e de que forma estão e atenciosa à criança
relacionados com seus somente quando relata seus
comportamentos públicos. medos, suas inseguranças
O uso de recursos lúdicos, ou comporta-se
segundo Conte e Regra inadequadamente.
(2002), ainda possibilita O papel do terapeuta
modelar respostas infantil é fundamental para
alternativas mais o estabelecimento de uma
adaptativas e, também, boa relação com a família e
verificar e provocar o a criança na terapia. A
aparecimento de reações família deixa de ser apenas
emocionais da criança e de mediadora, tornando-se
seus familiares em situações analista do comportamento
específicas. da criança e do próprio
A terapia é indicada comportamento. Conforme
naqueles casos em que a Conte e Regra (2002), a
criança não consegue lidar relação do terapeuta com os
com a perda e começa a familiares tem a função de
sofrer prejuízos em suas evocar comportamentos
relações sociais e na adequados e fortalecê-los,
aprendizagem escolar. além de ajudá-los a
Entender e definir desenvolver análises
operacionalmente o medo funcionais. A criança, por
apresentado pela criança é o sua vez, tem uma
primeiro grande passo, visto participação mais ativa na
que o fator motivador para a terapia, visto que ela
sua ocorrência pode variar aprende a observar o
de uma criança para outra, próprio comportamento,
mesmo que ambas descrever o que observa e
apresentem medo de morte. estabelecer relação entre o
Por exemplo, o que se passa no seu mundo
comportamento de uma privado e no seu ambiente
criança de relatar que está externo. Dessa forma, ela
com medo pode tornar-se torna-se apta a modificar
funcional a partir do seu próprio comportamento
momento em que ela recebe e interferir nas
atenção imediata da família, contingências a ele
logo após a emissão desse relacionadas, ampliando seu
comportamento. Tal repertório.
consequência mantém alta a O presente trabalho foi
probabilidade futura de realizado em função de um
ocorrência do atendimento terapêutico
comportamento de relatar o infantil, cujo tema central
medo, principalmente foi a morte de um ente
naqueles contextos em que querido e próximo da
Análise Comportamental Clínica 381

criança. Tendo dificuldades emitir compor-tamentos


em lidar com a perda, a alternativos e
família não conversou com incompatíveis, de forma
a criança sobre a perda no a obter a atenção de seus
momento em que ocorreu e, familiares de forma
consequentemente, a adequada, como
criança começou a emitir também aprender a lidar
alguns comportamentos com seu medo de morte.
inadequados como forma de
buscar explicações para as
mudanças comportamentais CASO CLÍNICO Cliente
que observava no seu Trata-se de uma menina de
ambiente familiar. Esses 9 anos, portadora de
comportamentos, ao longo paralisia cerebral, filha mais
do tempo, passaram a ser nova (casal de irmãos
bastante funcionais para a adolescentes, sendo o irmão
criança, visto que recebia mais velho falecido) e que
atenção dos familiares cursava a 2ª série do ensino
quando falava sobre seus regular.
medos e de morte. A criança, que se
A partir desse histórico, locomovia por meio de
os objetivos traçados para cadeira de rodas, tinha um
esse trabalho foram: acompanhamento semanal
num hospital de
a) Compreender como o reabilitação, onde
contexto familiar participava de atividades de
interfere no nível de lazer para favorecer a
compreensão da criança integração social e de
sobre a morte. treinos de locomoção da
b) Investigar as variáveis cadeira de rodas de forma
mantene-doras dos independente.
comportamentos
inadequados emitidos
pela criança e a sua Queixa
funcionalidade. A mãe procurou
c) Orientar a família no atendimento terapêutico em
que diz res-peito aos função do encaminhamento
comportamentos mais do hospital de reabilitação.
adequados a serem A criança vinha
emitidos e que apresentando um medo
favorecessem uma excessivo de morrer, não
interação mais saudável querendo ficar sozinha em
com a criança, seu quarto ou na hora do
apresentando banho, tendo pesadelos em
consequências algumas noites e chamando
reforçadoras positivas. pela mãe durante a
d) Ensinar a criança a madrugada. A criança ainda
R. de-Farias e Cols.

relatava medo de caixão e informações sobre a terapia


de ficar dentro dele. infantil e como a família
A criança relatava seus poderia participar do
medos durante as refeições, processo terapêutico.
momento em que toda a Ao longo do processo,
família estava reunida, foram realizadas sessões
começando a falar sobre mensais com maior
medo de morte participação da mãe. O pai e
ininterruptamente, a irmã da criança foram
aumentando o volume da convidados a participar de
voz até que alguém da uma sessão
família lhe chamava a individualmente, para
atenção ou brigava com a relatarem as próprias
criança. Quando se observações sobre a criança,
encontrava sozinha no serem informados sobre os
quarto ou no banheiro, a avanços adquiridos e de que
criança começava a chamar forma poderiam contribuir
pela mãe, relatando que para uma melhor interação
estava com medo, chegando com a criança.
ao ponto de gritar caso a
mãe demorasse a
Entrevista com a
comparecer.
Verificou-se que os pais criança
da criança não Inicialmente, foram
compartilhavam da mesma realizadas brincadeiras
opinião sobre as causas dos livres para o
comportamentos de medo estabelecimento do vínculo
da filha, além de certa terapêutico; observação dos
dificuldade entre eles em comportamentos da criança
conversar sobre a perda do dentro e fora do setting
filho, morto em acidente terapêutico; levantamento
dois anos e meio antes do de informações sobre a
início da terapia. relação da criança com a
sua família e como vinha
lidando com seus medos.
Entrevista com a Por meio de recursos
família lúdicos, a criança relatou o
O objetivo inicial foi o falecimento do irmão e a
estabelecimento do vínculo ocorrência de pesadelos
terapêutico para tornar durante algumas noites, seu
possível o levantamento de medo de morrer e de perder
informações sobre a história a mãe, medo de ficar
presente e passada da sozinha em alguns lugares.
criança (familiar, escolar e A criança estabeleceu uma
de saúde). Objetivou-se boa interação com a
também oferecer terapeuta, aceitando contato
Análise Comportamental Clínica 383

físico e estabelecendo aos gritos e aos relatos de


contato visual; apresentava morte.
um bom repertório verbal Com base nas
devido à convivência maior informações coletadas,
com adultos. observou-se que a criança
apresentava dificuldade em
aceitar a morte do irmão,
Análise do caso e o
discriminando que esse
processo terapêutico assunto deixava a família
A criança gostava de brincar desestruturada. Como uma
e aceitava a maioria das forma de ser ouvida e de
atividades propostas, não se receber a atenção da
intimidava em dizer quando família, visto que o contato
não queria fazer algo. reduzia-se a poucos
Trouxe, nas primeiras encontros e no cumprimento
sessões, alguns brinquedos dos afazeres do cotidiano, a
e jogos próprios que foram criança falava sobre morte e
utilizados como uma seus medos até o momento
brincadeira livre no final da em que todos ou alguém
sessão. parava para lhe dar atenção,
Com a criança, buscou- mesmo que de maneira
se a compreensão do inadequada.
processo de morte e dos A criança soube da
medos apresentados, morte do irmão seis meses
identificando eventos depois, após muitos
ambientais que favoreciam questionamentos feitos à
a ocorrência desse família sobre a ausência do
comportamento, de forma a irmão. A criança começou, a
alterar as contingências e partir de então, a relatar
aprender comportamentos medo de morrer e de
mais adequados e permanecer sozinha em
incompatíveis com o medo. qualquer lugar. Teve
O relaxamento e atividades pesadelos durante algum
com bonecos vivenciando tempo, acordando assustada
situações aversivas do e chamando pela mãe.
cotidiano foram alguns dos Em seguida, a família
recursos utilizados. mudou-se de cidade e
Foram levantados os iniciou-se uma nova rotina
potenciais reforçadores da para todos. A criança havia
criança a fim de serem melhorado quanto ao seu
utilizados pela terapeuta, estado de humor triste e os
dentro e fora do setting relatos de medo diminuíram
terapêutico, contingentes à de frequência, mas ainda
emissão dos queixava-se de medo de
comportamentos mais ficar sozinha. A família foi
adequados e incompatíveis observando que esses
R. de-Farias e Cols.

relatos variavam de Dois momentos desse


frequência conforme a processo foram essenciais
ocorrência de alguns para promover mudanças
eventos no ambiente dos comportamentos da
familiar (p. ex., trechos de criança são descritos
novela que apresentavam abaixo.
cenas de violência e morte)
que favoreciam a emissão
Leitura do livro de
dos mesmos.
O contato do pai e da história infantil e
irmã com a criança ocorria confecção de boneca
na hora das refeições e à de sucata
noite e, frequentemente, Foram realizadas quatro
havia discussões entre os sessões em que a
mesmos. A mãe permanecia contingência estabelecida
mais tempo com a criança e consistiu em ler o mínimo
lamentava-se por não ter um de duas páginas do livro de
momento para si própria. história para, em seguida,
Dificilmente a família confeccionar partes da
compartilhava momentos boneca de sucata.
descontraídos com a Essa leitura envolveu
criança. Observou-se que o nomeação oral das palavras,
comportamento da família interpretação do texto lido e
de brigar com a criança das ilustrações
quando ela falava sobre apresentadas, expressão da
morte mantinha alta a própria opinião sobre o
frequência desses relatos. ocorrido, revisão oral do
Todas as vezes que a trecho lido em sessão
criança relatava medo, ela anterior.
obtinha atenção, O objetivo foi
principalmente da mãe. Não apresentar uma situação
havia apresentação de fictícia semelhante à da
reforçamento positivo criança para facilitar a
contingente a conversa sobre os medos e o
comportamentos adequados morrer, identificando as
da criança. suas dificuldades em falar e
Com a oportunidade de lidar com o tema e
conversar sobre a morte no ensinando formas mais
processo terapêutico, a adequadas para enfrentar o
criança pôde entrar em medo. Além disso, outros
contato com seus benefícios seriam obtidos,
sentimentos de tristeza e de como treinar a leitura
medo, quebrando as (dificuldade que a criança
autorregras de que tais vinha apresentando na
sentimentos e as conversas escola), aumentar a
sobre morte eram proibidos. motivação para a leitura e
Análise Comportamental Clínica 385

investigar se a criança primeiras sessões,


conseguia interpretar o que apresentou uma postura e
havia lido e relatar as expressão corporal
informações em outro diferentes, olhos
momento. lacrimejantes, falando
A confecção de partes pouco no setting
da boneca de sucata terapêutico. Teve a
envolveu a manipulação de oportunidade de relatar seus
diferentes materiais, como sentimentos de tristeza e
papel marchê, tinta, medo que haviam
algodão, meia, lã, material diminuído de frequência
de sucata. O objetivo dessa antes desse acontecimento e
segunda atividade foi que, agora, estavam
proporcionar momentos de ocorrendo novamente. Por
relaxamento e descontração, meio dos recursos lúdicos,
sendo uma atividade foi possível conversar com
reforçadora para a primeira a criança sobre as suas
tarefa, que demandava um próprias regras em relação à
custo de resposta maior. A morte e situações que
criança também teve a envolviam medo e modelar
oportunidade de explorar as comportamentos mais
sensações táteis e expressar adequados a serem emitidos
as sensações corporais em em situações aversivas.
relação a cada material Como houve
manipulado, treinar a sua resistência, ou seja,
coordenação motora e comportamentos de fuga e
emitir comportamentos esquiva da criança em
como a cooperação, a prosseguir a atividade em
independência na hora de folha de papel, a terapeuta
manipular os materiais e a adaptou algumas atividades
verificação de resultados para o uso de objetos
por ela conquistados. concretos que
possibilitassem um maior
envolvimento da criança.
Atividades de desenho
Dentre eles, utilizou-se
e fantoche fantoches para nomear
Essas atividades sentimentos e exemplificar
aconteceram após o recesso situações do cotidiano em
escolar da criança. Um livro que eles poderiam ocorrer e
infantil sobre morte foi a criança teve a
escolhido como ponto de oportunidade de relatar as
partida para o uso do próprias experiências e
desenho e fantoche, em reproduzir as explicações da
função da morte de um terapeuta no momento em
parente distante durante o que interagiu sozinha com
recesso. A criança, nas os fantoches (modelação).
R. de-Farias e Cols.

A terapeuta bloqueou a recursos lúdicos ou aqueles


esquiva quando emitida pela disponíveis no ambiente
criança durante a atividade. natural da criança,
A relação da terapeuta com ofereceuse a ela um
a criança estava bem contexto para falar sobre
fortalecida, sendo seus comportamentos
importante no momento privados. Além disso, a
dessa ação; caso contrário, a criança forneceu pistas para
terapeuta poderia tornar-se a terapeuta sobre o seu
uma audiência punitiva para comportamento passado e
a criança que poderia presente e as condições que
começar a se esquivar da o afetaram e afetam
terapia. (Skinner, 1989/1991).
Quando a terapeuta teve
condições de analisar a
CONSIDERAÇÕES
conduta dos familiares e de
FINAIS orientá-los a partir do
A partir do momento em levantamento de
que a criança conseguiu informações e de suas
falar abertamente sobre seus observações, a família,
medos e identificar os principalmente a mãe,
antecedentes que os passou a alterar as
evocavam, ela pôde usar os contingências de modo a
recursos aprendidos no trazer o pai para participar
setting terapêutico para lidar mais das atividades com a
com o medo. A terapeuta criança, e ela própria ter
ofereceu condições para a momentos mais
criança ampliar seu reforçadores com a criança
repertório comportamental (momentos de brincadeira,
adequadamente, de estarem juntas sem as
proporcionando atividades, cobranças e as reclamações
além daquelas descritas do dia a dia). A mãe
anteriormente, que discriminou que a rotina da
favoreceram conversas filha em ter compromissos
sobre perda e morte como todos os dias estava sendo
parte do ciclo de vida de um cansativa para as duas, não
animal e de uma planta. havendo tempo livre para a
Essa atuação confirma o criança brincar. Ela decidiu
que Stuart (2004) relatou reavaliar a rotina da criança
em sua apresentação, no que para o ano letivo seguinte,
se refere à importância de aumentando os momentos
conversar abertamente com para as brincadeiras livres e
a criança sobre a morte, priorizando alguns
encontrando situações do compromissos com
cotidiano para auxiliar nessa profissionais das áreas de
conversa. Ao utilizar saúde e de educação.
Análise Comportamental Clínica 387

Além disso, ela decidiu aprender comportamentos


mudar a criança para uma alternativos para ensinar a
escola mais próxima de sua criança a enfrentar as
casa, a fim de diminuir a situações aversivas e, por
distância do percurso casa- fim, apresentar
escola e por sua insatisfação consequências reforçadoras
com a escola anterior. A positivas após a emissão de
criança havia aprendido a comportamentos adequados.
exercer controle sobre todos A relação da criança
os profissionais da escola, com a família, bastante
de modo que ela entrava e conturbada no início da
saía da sala de aula, terapia, foi mudando. Ela
telefonava para a mãe e ia própria relatava as
ao banheiro no momento mudanças nas contingências
que quisesse. Todos que proporcionavam
permitiam que ela se momentos mais
comportasse dessa forma, reforçadores entre eles.
não delimitando regras em Percebeu-se que nesse
função de sua condição momento a criança
física (uso de cadeira de observou seu ambiente
rodas). familiar, discriminando as
A mudança no contexto novas contingências
familiar observada reflete o apresentadas pela sua
que Conte e Regra (2002) família.
apresentaram sobre a Os relatos de medo e os
importância de o terapeuta comportamentos
estar de posse das inadequados diminuíram de
informações acerca das frequência até o momento
cadeias comportamentais em que cessaram, mas a
envolvidas na queixa e as família foi orientada sobre
amplas redes que se como proceder a fim de
desenvolvem. A partir dessa evitar que tais
etapa, a terapeuta ensinou a comportamentos fossem
família a identificar as emitidos novamente. A
situações ou eventos que experiência de confrontar e
estabeleciam a ocasião para entrar em contato com
a emissão de situações e sentimentos de
comportamentos de fuga e tristeza e de medo trouxe
esquiva da criança, como desconforto para a criança,
aquelas que eliciavam mas trouxe também a
comportamentos oportunidade de enfrentar a
respondentes de medo; situação, emitindo
alterar as contingências de comportamentos mais
modo a favorecer a emissão adequados. Conte (1999)
de comportamentos também observou esse
adequados da criança; resultado quando trabalhou
R. de-Farias e Cols.

uma situação de fantasia por acompanhamento dos


meio da dramatização com profissionais. Havia a
argila. A criança, nesse necessidade de eles
caso, passou a aceitar os conhecerem a história de
sentimentos de medo e falar vida da criança para que
sobre o que percebia, sem promovessem interações
esquivas. mais consistentes entre a
Conforme já criança, seus novos colegas
mencionado, para que a e demais profissionais da
terapeuta conseguisse escola, sem deixar que as
realizar esse trabalho, foi regras fossem transgredidas.
preciso deixar a criança à Ao mesmo tempo em que a
vontade no processo criança precisaria ter
terapêutico (utilizando relações afetuosas, ela
recursos lúdicos também precisaria aprender
reforçadores e adaptando-os a seguir regras e ter seus
conforme a necessidade) comportamentos adequados
garantindo, para isso, um consequenciados de forma
vínculo bem estabelecido positiva, evitando a
entre elas. ocorrência do
Após serem observadas contracontrole por parte
as mudanças dela.
comportamentais da família Essa experiência de
e da criança (os objetivos atendimento clínico de uma
terapêuticos atingidos), o criança portadora de
processo de alta foi iniciado paralisia cerebral traz
no final do ano de 2004, algumas reflexões acerca da
com as sessões ocorrendo necessidade de o terapeuta
quinzenalmente. A etapa rearranjar o setting
seguinte (followup) terapêutico de modo a
consistiu em contatos acolher a criança e deixá-la
semanais com a família que confortável. Havia a
foram se espaçando, necessidade de mudança da
havendo um encontro no localização da mobília da
início de 2005, para uma sala em função da cadeira
reunião com os de rodas e da própria
profissionais da nova oportunidade de colocar a
escola. Como a cliente seria criança no chão para
a primeira criança com realizar algumas atividades.
necessidades especiais a A própria criança ensinou a
frequentar essa escola de terapeuta sobre a melhor
ensino regular, houve a forma de removê-la da
necessidade de cadeira de rodas e colocá-la
modificações na estrutura numa posição mais
física do prédio, bem como confortável no chão.
uma orientação e Outro ponto importante
Análise Comportamental Clínica 389

a ser citado é a flexibilidade em duas oportunidades, a


do terapeuta quando surgem terapeuta pôde observar os
imprevistos para uma comportamentos da criança
determinada sessão que fora e sua relação com familiares
planejada com em outro ambiente. Além
antecedência. Neste caso disso, observou-se como a
clínico, numa das sessões criança se locomovia sem a
iniciais, a mãe deixou a cadeira de rodas e a
criança no setting localização dos cômodos da
terapêutico solicitando casa (o quarto da criança, o
diante da terapeuta que sua dos pais e o banheiro), visto
filha falasse sobre seus que esses ambientes
pesadelos e seus medos. A estavam envolvidos na
sessão que havia sido queixa da criança (medo de
planejada precisou ser ficar sozinha no próprio
mudada em função da nova quarto, na hora do banho).
condição apresentada. A Uma das limitações do
terapeuta adaptou a atendimento clínico infantil
atividade na casinha de é trazer a família para
bonecas para uma participar das sessões
dramatização referente à terapêuticas. Ela é o
hora de dormir da criança. elemento essencial no
Observou-se que foi uma desenvolvimento social da
sessão que oportunizou falar criança, sendo o seu modelo
sobre medos e morte por para interagir em outros
meio do uso de alguns ambientes, como a escola, a
brinquedos que rua, etc. Trabalhar somente
representavam os seres com a criança no setting
vivos: pessoa, animal e terapêutico tem a sua
planta. A terapeuta mostrou relevância; no entanto, o
para a criança as fases de tempo de contato entre
desenvolvimento de cada terapeuta e criança é
ser vivo (nascer – crescer – bastante reduzido. É
morrer), oferecendo importante a família
condições para a criança participar das sessões
expor suas dúvidas sobre a regularmente,
morte e relatar seus acompanhando o processo
sentimentos de medo e terapêutico e aplicando o
tristeza. que fora aprendido em
Conforme o caso outros ambientes,
clínico atendido, pode principalmente o ambiente
surgir a necessidade de familiar (Silvares, 2002).
realizar os atendimentos Entretanto, algumas
fora do setting terapêutico, famílias mostram-se
como na casa da cliente, por resistentes em mudar seus
exemplo. No presente caso, comportamentos em relação
R. de-Farias e Cols.

à criança, visto que eles a terapeuta, a cliente e os


entendem que tudo o que familiares para o
fizeram até o presente desenvolvimento de um
momento foi buscando o processo terapêutico
melhor para a criança. satisfatório.
Neste caso clínico, a Verificou-se, portanto, a
mãe participou ativamente importância de ensinar a
do processo, enquanto o pai criança a emitir
manteve-se mais afastado. comportamentos
O ponto positivo foi que a alternativos e incompatíveis
mãe começou a alterar as ao medo, como também a
contingências em outros necessidade de realizar
contextos (em casa, nos alterações nos contextos
passeios), favorecendo a familiar e escolar para o
participação do pai nos alcance dos objetivos
cuidados com a filha e nos terapêuticos. Tal
momentos de lazer. experiência mostrou para a
Uma sugestão é trazer o família, principalmente,
familiar para dentro do como oferecer condições
setting terapêutico, sendo para a criança se comportar
uma oportunidade de de forma mais adequada,
observar a interação deste aprendendo a utilizar
com a criança; oferecer um recursos, como, por
momento bastante exemplo, o reforçamento
reforçador para ambos; diferencial, a auto-
oferecer modelos sobre observação e a observação
como comportar-se com a dos comportamentos da
criança e como reforçar criança.
positivamente seus
comportamentos (Shriver,
REFERÊNCIAS
1998). Esse pai participou
Associação Brasileira de
de uma sessão terapêutica Cuidados Paliativos (2003).
em um dos dias em que A criança e o pesar pela
levou a criança para a morte de um ente querido.
terapia. Foi possível coletar Retirado no dia 16/11/2005,
informações sobre o modo do site
http://www.cuidadospaliativ
como interagia com a
os.com.br/
criança; a terapeuta também
Bowen, G. (2006). Grounded
teve a oportunidade de Theory and Sensitizing
mostrar como interagir com Concept. International
a criança sem ser tão Journal of Qualitative
exigente com as regras de Methods, 5. Retirado no dia
um jogo, por exemplo. 16/11/2005, do site
http://www.cuidadospaliativ
A proposta de trabalho
os.com.br/artigo.php?
apresentada mostrou a cdTexto=102.
importância da relação entre Caldana, R. H. L. (1998). A
Análise Comportamental Clínica 391

criança e sua educação na Skinner, B. F. (1953/2000).


família no inicio do século: Ciência e Comportamento
autoridade, limites e Humano (J. C. Todorov &
cotidiano. Temas em R. Azzi, trads.). São
Psicologia, 6, 87-103. Paulo: Martins Fontes.
Campos, C. C. G. & Souza, S. J. Skinner, B. F. (1989/1991).
(2003). Mídia, cultura do Questões recentes na
consumo e constituição da análise comportamental (A.
subjetividade na infância. L. Neri, trad.). Campinas:
Revista eletrônica Editora Papirus.
Psicologia Ciência e Stuart, A. (2004). A dor da Perda.
Profissão, on-line, vol. Associação Brasileira de
23.1. Acesso em out. 2005. Cuidados Paliativos.
ISNN 1414-9893. Retirado no dia 22/10/2005,
Conte, F. C. S. (1999). A terapia do site
de aceitação e compromisso http://www.cuidadospaliativ
e a criança: uma exploração os.com.br/ artigo.php?
do uso de fantasia a partir cdTexto=183.
do trabalho com argila. Em Lessa, C. & Kovács, M. J.
R. R Kerbauy & R. C. Falando sobre a morte.
Wielenska, (Orgs.), Sobre Associação Viva e Deixa
Comportamento e Viver. Retirado no dia
Cognição: Vol. 4. 22/10/2005, do site
Psicologia Comportamental http://www.
e Cognitiva – da reflexão vivaedeixeviver.org.br/agen
teórica à diversidade na da/agenda_palestras.php.
aplicação (pp. 121-139). Torres, W. C. (2002). A criança
Santo André: ARBytes. diante da morte: Desafios.
Conte, F. C. S. & Regra, J. A. G. São Paulo: Casa do
(2002). A psicoterapia Psicólogo.
comportamental infantil:
Novos aspectos. Em E. F.
M. Silvares (Org.), Estudos
de caso em psicologia
clínica comportamental
infantil (Vol. 1, pp. 79-136).
Campinas: Editora Papirus.
Silvares, E. F. M. (2002).
Avaliação e intervenção
comportamental clínica. Em
E. F. M. Silvares (Org.),
Estudos de caso em
psicologia clínica
comportamental infantil
(Vol. 1, pp. 13-29).
Campinas: Editora Papirus.
Shriver, M. D. (1998). Teaching
Parenting Skills. In T. S.
Watson & F. M. Gresham
(Eds.),
Handbook of child behavior
therapy (pp. 165-181). New
York: Plenum.
Apêndice Geral

Gabarito dos Exercícios Propostos no


Capítulo 2 (J. V. S. Marçal)
Item 1 – Perfeccionismo
Variáveis Independentes (VIs) Variáveis Dependentes (VDs)

• Apresenta somatizações graves relacionadas • Não quer ser tão perfeccionista.


ao perfeccionismo. • Acha que está precisando relaxar.
• Marido, a quem ama, está se afastando dela. • É determinada, consegue o que quer.
• Não está obtendo reforçadores relacionados
ao lazer.
• Perde oportunidades (reforçadores) valiosas
por só querer coisas perfeitas.
a) Aquisição, história de vida
Variáveis Independentes (VIs) Variáveis Dependentes (VDs)

• Tirava as melhores notas da escola. • Muito acostumada a fazer tudo bem feito.
• Pais muito exigentes quanto ao desempenho. • Sempre gostou de ser a melhor em tudo.
• Estudou em colégios exigentes. • Preferia atividades que exigiam muito.
• Premiada por elevado desempenho. • Sempre sentiu necessidade de fazer bem
• Valorizada pelos pais apenas em função do feito.
desempenho. • Muito autoexigente.
• Ambiente familiar competitivo e comparativo.
b) Condições atuais que ajudariam a manter o padrão comportamental
Variáveis Independentes (VIs) Variáveis Dependentes (VDs)

• É proprietária e gerencia uma empresa que • Pensa que só quem faz bem feito progride na
sofre grande concorrência. vida.
• Têm grande prestígio entre os colegas de • Incomoda-se quando vê algo malfeito.
profissão; estes esperam muito dela. • Quer continuar sendo assim.
• Mãe reforça-a diferencialmente pelo
desempenho.
c) Motivação para a mudança
d) Recursos ou estratégias terapêuticas
Variáveis Independentes (VIs) Variáveis Dependentes (VDs)

• Estar em situações reforçadoras que não • Precisa aprender a relaxar.


tenham demandas por desempenho. • Mudar o pensamento: “nem tudo na vida é
Análise Comportamental Clínica 393

• Vivenciar contextos reforçadores, em que perfeito”.


haja boa probabilidade de ocorrerem • Não se cobrar tanto.
imperfeições sem consequências punitivas.
Item 2 – Comodismo e falta de iniciativa
a) Aquisição, história de vida
Variáveis Independentes (VIs) Variáveis Dependentes (VDs)

• Seu irmão, três anos mais velho, fazia e • Tinha preguiça de fazer as coisas quando
resolvia quase tudo para ele (cliente). criança.
• Mãe facilitadora. • Era quieto desde criança.
• Foi pouco exigido na vida. • Nunca teve força de vontade;
• Acesso a muitos reforçadores sem muito • Sempre foi inseguro.
esforço. • Tinha baixa autoestima.
• Insucesso ao tentar fazer algumas coisas por
si.
Obs. Nem VI e nem VD:

• Seu avô, com quem nunca teve contato, também era acomodado; • Seu
signo revela uma pessoa acomodada.
b) Condições atuais que ajudariam a manter o padrão comportamental

Variáveis Independentes (VIs) Variáveis Dependentes (VDs)

• Recebe boa mesada dos avós. • Não tem energia dentro de si.
• Não há contingências aversivas na vida que • Regra: “Se pudesse, passava o dia com as
leva atualmente. garotas”.
• Família reforça sua capacidade persuasiva para • Acha que é preguiçoso.
ter o que quer. • Acha que não tem que ser diferente.
336 Ana Karina C. R. de-Farias

c) Motivação para a mudança


Variáveis Independentes (VIs) Variáveis Dependentes (VDs)

• Mãe deixou de facilitar sua vida. • Acha que está na hora de mudar sua postura;
• Está perdendo reforçadores importantes • Concorda com o irmão quando este diz que
(punição negativa) por não tomar iniciativa ele está acomodado.
para adquiri-los. • Sente que está mais corajoso.
• Namorada, que amava, terminou com ele, • Quer ser igual ao irmão.
pois achava que ele não progrediria na vida.
• Passou a morar só, em outra cidade, onde
mal conhece as pessoas.
d) Recursos ou estratégias terapêuticas
Variáveis Independentes (VIs) Variáveis Dependentes (VDs)

• Terapeuta encerra a sessão no horário • Identificar o lado bom de ter iniciativa, ser
inicialmente previsto, mesmo o cliente produtivo.
chegando 40 minutos atrasado, mas sem uma • Aprender a se virar.
justificativa adequada. • Ter mais força de vontade.
• Vivenciar contextos reforçadores em que haja
contingência específica para a produtividade;
• Estar em situações em que as coisas
dependam de si.
• Inserir-se ou manter-se em ambientes
exigentes, que punam o comodismo, mas que
também disponibilizem reforçadores
importantes.
Item 3 – Impulsividade e imediatismo
a) Aquisição, história de vida
Variáveis Independentes (VIs) Variáveis Dependentes (VDs)

• História de acesso fácil e frequente a • É impulsivo desde criança.


reforçadores importantes, sem precisar ser • Nunca foi paciente para esperar.
persistente. • Era hiperativo.
• Teve vários empregados à disposição quando • Sempre foi parecido com o pai nos
criança. comportamentos.
• Suas exigências eram frequentemente
reforçadas pelos adultos.
• Poucas frustrações nas relações sociais
próximas.
b) Condições atuais que ajudariam a manter o padrão comportamental
Variáveis Independentes (VIs) Variáveis Dependentes (VDs)

• No trabalho, tem muito poder, comanda • Tem TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção/
várias pessoas dispostas a atendê-lo Hiperatividade);
prontamente. • Há pressão no trabalho por • Fica irritado com a lentidão dos outros.
resultados imediatos. • Explosivo, quando contrariado.
• Não se “dá mal” quando age de forma • É ansioso.
considerada impulsiva.
c) Motivação para a mudança
Variáveis Independentes (VIs) Variáveis Dependentes (VDs)

• Brigou duas vezes na rua por gritar com • Considera-se explosivo, gostaria de mudar.
outros. Foi bem-sucedido. • Reconhece que suas atitudes são às vezes
• As coisas na vida continuam como na infância: inadequadas.
muito poder. • Tem sentido vontade de mudar.
• Namora uma pessoa que lhe é submissa.
Análise Comportamental Clínica 395

• Dois amigos, dos quais gostava muito,


afastaram-se dele.
d) Recursos ou estratégias terapêuticas
Variáveis Independentes (VIs) Variáveis Dependentes (VDs)

• Estar em ambientes reforçadores, mas que • Acreditar que pode mudar.


lhes confiram pouco poder. • Estabelecer etapas para mudança gradativa.
• Atividades em que o acesso ao reforçador • Aprender a relaxar, a se controlar.
dependa da persistência.
• Terapeuta não atende prontamente à sua
solicitação para mudança de horário (cliente
não gosta muito do horário em que está).
Em negrito: Casos clínicos Índice
107 forma adequada de apresentação 107-
A 108 uso exagerado 108-109
Ansiedade, fuga e esquiva em 263-271
seguimento, efeitos indesejáveis 98-102
Atendimento domiciliar 153-165
dependência 98
Autismo e atendimento domiciliar 153-165
insensibilidade 98-99 submissão ou
Autocontrole e análise do comportamento 112-127
baixa-assertividade 99-101
aplicação na clínica 122-124 behaviorismo radical,
Construção do diagnóstico a partir do relato verbal e da
pressupostos básicos 113-
descrição da diversidade de estratégias interventivas
114 pesquisa básica 120-122 visão da análise
179-198
do comportamento 114-119
diagnóstico e intervenção analítico-comportamen-
tal 181-181
B estudo de caso 182-197
dados da cliente 183 diagnóstico comportamental 183
Behaviorismo radical 30-47, 113-114 e prática clínica
intervenção 190-197
30-47 alcance da análise do comportamento na área
análise funcional 195 auto-observação e
clínica 43
autodescrição 191-192 extinção de comportamentos
comportamento como interação organismoambiente
“disfuncionais”
34-35
192-193 favorecimento à emissão de novos
implicações clínicas 35
comportamentos 193-194
determinismo do comportamento 32-34
favorecimento a uma maior correspondência dizer-
implicações clínicas 33-34 exercício 44-47 visão
fazer 194-195
contextualista 35-37 implicações clínicas 36-37 visão
modelação 193
externalista 37-39
reforçamento positivo de comportamentos mais
implicações clínicas 37 visão monista e materialista
“adaptados”, “funcionais” 192
32 implicações clínicas 32 visão selecionista 39-43
treino em assertividade 197
implicações clínicas 40-43 Bulimia nervosa 273-293
uso da psicoterapia analítica funcional 196
análise funcional 278-279 caso clínico 280-290
utilização da terapia de aceitação e compromisso
paciente e procedimento terapêutico 280-282
(ACT) 196-197
resultados 282-290
variáveis históricas 183-190 operantes
habilidades sociais 279-280 transtornos alimentares
verbais 179-181
273-278 classificação e critérios diagnósticos 273-275
CRBs 72, 75, 83, 90, 188, 189, 205, 206, 210,
complicações físicas e tipos de tratamento 277-
217
278 fatores de desenvolvimento e manutenção
275277 340 Ana Karina C. R. de-Farias

C D
Comportamento governado por regras 231-249 Disfunções sexuais e repertório comportamental
caso clínico 238-245 demais encontros 239 295-308 descontrole ejaculatório
história de vida 240-245 297-308
primeiro encontro 238-239
Comportamento governado por regras na clínica
comportamental 95-110 caso clínico 299-308 história 300-
regras 97-109 não seguimento 102-105 305 intervenção 305-307
correspondência entre dizer e fazer 104-105
distorção do tato 103-104 queixa 300 resultados 307-308
formulação da autorregra “sou incompeten-
te” 102-103
resistência 104 outras discussões sobre as regras E
105-109 condições especiais de fornecimento 105-
Esquiva 201-214, 263-271 experiencial na relação
M
terapêutica 201-214 comportamento de esquiva e o
Medo da morte na infância 321-332
padrão de esquiva experiencial 201-204
caso clínico 326-329
controle aversivo no contexto terapêutico 204-
análise do caso e o processo terapêutico 327-
206 bloqueio do comportamento de esquiva
328
206-
atividades de desenho e fantoche 329 cliente
208 tolerância emocional 208-210 contato com
326-327 entrevista com a criança 327
contingências aversivas levando a luta pessoal 210-
entrevista com a família 327 leitura e
213
confecção de boneca 328-329
e ansiedade 263-271
queixa 327
Estratégias interventivas, descrição da diversidade de,
diagnóstico a partir de 179-198 Morte, medo na infância 321-332

F P
FAP. Ver Psicoterapia analítica funcional Pacientes autistas e quadros assemelhados, atendimento
Fobia social e relação terapêutica 252-261 domiciliar 153-165
fatores políticos e sociais 154-156 manuais para
Formulação comportamental 171-178
treino de habilidades em pessoas
caso clínico 171-178
autistas 162-164
ambiente 171 cliente 171 formulação
transtorno autista 156-158 treino de pais e
comportamental 173-178
estagiários como coterapeutas
procedimento 171-172 resultados 172-173
161-162
Fuga e esquiva em um caso de ansiedade 263-271
treino e generalização de novos repertórios verbais em
pessoas autistas 158-161
caso clínico 265-269 ambiente e materiais 265-266 Prática clínica e behaviorismo radical. Ver Behaviorismo
cliente 265 evolução da terapia 266-269 radical e prática clínica
procedimento 266 Psicoterapia analítica funcional 25, 66, 71, 74, 77,
81, 83-85, 88, 89, 91, 92, 190, 196, 205-207,
209, 210, 212, 215-220, 222, 227, 228, 233,
H 238, 260
Habilidades terapêuticas, investigação das 49-59
análise de registros em diário 54-56 discussão 56-58
aplicação do questionário 56-57 considerações quanto R
a si mesma, às sessões e às clientes 57-58 Relação terapêutica 66-93, 201-214, 252-261
método 52-53 ambiente e material 52-53 e esquiva experiencial 201-214
participantes 52 e fobia social 252-261
procedimento 53 caso clínico 254-258 ambiente e materiais
questionário utilizado 62-65 resultados 53-54 255 cliente e histórico de queixa 254-255
análise das respostas do questionário 53-54 discussão do caso 255-258 procedimento 255
perspectiva analítico-comportamental 66-93 controle
aversivo no contexto terapêutico 77-
I 84
Insônia crônica 311-318 caso clínico 316-318 influência dos behaviorismos 66-68 intervenção
controle de estímulos 316-317 educação em higiene 84-91 atenção aos CRBs, 1ª regra 84 reforçar os
do sono 317 CRBs, 3ª regra 85-89 observar os efeitos dos
intervenções 316 restrição do sono 317-318 comportamentos potencialmente reforçadores, 4ª regra
resultados 318 89
consequências dos distúrbios do sono 313-315 fornecer interpretações de variáveis que afetam o
prevalência dos distúrbios do sono 313 tratamento da comportamento, 5ª regra 89
insônia, intervenções comporta- reforçamento diferencial 89-91
mentais 315-316 evocar CRBs 84-85, 2ª regra psicoterapia analítico-
comportamental (PAC)
68-69 reforçamento diferencial na relação
terapêutica
73-77 relação terapêutica
69-73
Relato verbal e descrição da diversidade de estratégias
interventivas, diagnóstico a partir de 179-198
Rupturas no relacionamento terapêutico, releitura
analítico-funcional 215-229
estrutura conceitual das rupturas 218-221
explorando rupturas na prática clínica 219
marcadores de ruptura 219-220 resolvendo rupturas
220-221 ruptura como objeto de estudo na FAP
218-
219 estudo de caso 221-227
método 221-222 ambiente e materiais 221
participantes 221 procedimento 221-222 resultados
222-227 explorando e resolvendo rupturas 223-227
Análise Comportamental Clínica 341

relacionamento terapêutico na FAP 216-218 vínculo


terapêutico na terapia comportamental 215-216

S
Sono, distúrbios. Ver Insônia crônica

T
Transtorno de ansiedade generalizada (TAG) 130-
150 análise comportamental do TAG 144-146 medo,
ansiedade fisiológica, transtorno de ansiedade,
conceitos 130-138
agorafobia sem história de transtorno do pânico 135
fobia específica 134 fobia social 135 transtorno de
ansiedade devido a condição médica geral 134
transtorno de ansiedade generalizada 137 transtorno
de ansiedade induzido por substância 134
transtorno de ansiedade sem outra especificação 137
transtorno de estresse agudo 136 transtorno de
estresse pós-traumático 136 transtorno de pânico com
agorafobia 135 transtorno de pânico sem agorafobia
135 transtorno obsessivo-compulsivo 136
psicobiologia 146-147
etiologia do TAG 138-144 classes de resposta de
ordem superior 143-144 controle de estímulos 141-143
operações estabelecedoras 144 tratamento do TAG 147-
149 famacoterapia 149
terapia analítico-comportamental 147-149
Transtornos alimentares 273-278

Você também pode gostar