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Assistência de Formação Shalom

Setor intracomunitário

Tempos Especiais

Quaresma 2020

5° Semana - 30/03 a 05/04

A Providência Divina que age em tudo

Radameques

Boa noite meus irmãos, irmãs, reunidos nesta célula virtual, nesta assembleia virtual
para o nosso momento de partilha, de formação. Nós estamos vivendo um momento bem
particular, que é esta pandemia do coronavírus que tem exigido de nós que fiquemos
confinados em nossas próprias casas.

O tema que foi pedido para partilhar com vocês esta noite é sobre a Divina Providência que
age em tudo, que age em todas as coisas. Realmente nós estamos vivendo uma Quaresma
como nunca imaginamos viver, ao ponto de nós não podemos ir à missa, salvo aqueles que
têm um sacerdote próximo. Não podemos ir à missa, à confissão, enfim, várias restrições, e
nunca imaginávamos viver uma Quaresma deste tipo. Mas se lembrarmos no início da nossa
formação para a Quaresma, quando começamos a aprofundar o tema das 3 idades da vida
interior, no nosso manual existe um texto de introdução que é tirada de um ensinamento do
Papa Leão Magno, que é um Papa do século IV, onde o ensino sobre a Quaresma que ele nos
dá é muito atual, principalmente para este ano de 2020, dentro daquilo que estamos vivendo.

Neste pequeno trecho que temos no nosso manual, o Papa Leão magno diz o seguinte:

“Meus caros irmãos, entramos na Quaresma, isto é, em uma fidelidade maior ao serviço do
Senhor. É como se entrássemos em um combate de santidade. Então, preparemos as nossas
almas para o combate das tentações, e saibamos que quanto mais zelosos formos por nossa
salvação, mais violentamente seremos atacados por nossos adversários. Mas aquele que
habita em nós é mais forte do que aquele que está contra nós. Esta é a nossa esperança. A
nossa força vem daquele em quem pomos a nossa confiança, pois se o Senhor se deixou tentar
pelo tentador foi para que tivéssemos, com a força de Seu socorro, um ensinamento do Seu
exemplo. Assim Ele combateu para que combatêssemos com Ele. Ele venceu para que também
nós vencêssemos da mesma forma. Pois, meus caríssimos irmãos, não há atos de virtude sem a
experiência das tentações, não há fé sem a provação, não há combate sem um inimigo, não há
vitória sem uma batalha. A vida se passa no meio das emboscadas no meio dos combates. Se
não quisermos ser surpreendidos é preciso vigiar. Se quisermos vencer é preciso lutar”. (São
Leão Magno - Primeiro e Terceiro Sermões sobre a Quaresma)

Nós vamos ver que, como diz aqui, falando da Quaresma, é como se entrássemos num
combate de santidade. Vamos ver que Providência Divina e santidade tem tudo a ver, e nós
sabemos muito bem disso. “A vida se passa no meio das emboscadas no meio dos combates”.

Quais são os combates que você está vivendo hoje? Estamos vivendo combates mundiais
contra essa pandemia, contra este vírus. Nós estamos vivendo um combate para salvar a vida
das pessoas. Estamos vivendo combate pela saúde, pela economia. Enfim, todos nós vivemos
combates. A nossa vida ordinária, a vida do cristão ordinariamente já é um combate. A
espiritualidade da Quaresma já é um convite ao combate, e vivendo este contexto, estando
inseridos nesta realidade desta pandemia realmente é um combate mais intenso ainda, por
quê? Porque a vida se passa em meio às emboscadas.

Combate nós vivemos, mas dentro destes combates, em meio a eles, nós podemos
testemunhar a manifestação da Divina Providência, Deus que continua a agir. Mas o que é a
Divina Providência? É um tema que já abordamos, mas que muitas vezes acabamos resumindo
esse termo da Divina Providência apenas à dimensão material, ao âmbito material, que é
Divina Providência, ou às manifestações milagrosas de Deus, Deus que intervém. Por exemplo:
“Eu queria ir à Roma para participar do evento da Comunidade lá. Então, espero da Divina
Providência”. Isso também é Divina Providência, graças a Deus! Deus vem ao nosso socorro, às
nossas necessidades materiais do cotidiano. Deus nos concede o pão nosso de cada dia!

O Catecismo, no parágrafo 302, nos dá uma definição da Providência que às vezes nos passa
despercebido:

CIC 302 - A criação tem a sua bondade e a sua perfeição próprias, mas não saiu totalmente
acabada das mãos do Criador. Foi criada «em estado de caminho» («in statu viae») para uma
perfeição última ainda a atingir e a que Deus a destinou. Chamamos Divina Providência às
disposições pelas quais Deus conduz a sua criação em ordem a essa perfeição: «Deus guarda e
governa, pela sua Providência, tudo quanto criou, "atingindo com força dum extremo ao outro
e dispondo tudo suavemente" (Sb 8, 1). Porque "tudo está nu e patente a seus olhos" (Heb 4,
13), mesmo aquilo que depende da futura ação livre das criaturas»[1].

Antes de qualquer coisa, a Divina Providência são as disposições pelas quais Deus te conduz à
perfeição, pelas quais Deus nos conduz à salvação, nos conduz à santidade. A Divina
Providência é algo muito mais largo do que a realidade material. Este combate que eu e você
estamos vivendo neste tempo em todos os âmbitos faz parte do mistério da Divina
Providência, e é por isso que podemos dizer como São Paulo em Romanos 8, 28: “Todas as
coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus”, daqueles que são os eleitos
segundo os seus desígnios. Todas as coisas concorrem, ou seja, não são algumas coisas
concorrem. Ano é quando as coisas estão bem, quando estou com saúde, não é quando a
minha situação financeira está legal que isso, porque eu amo a Deus, concorre para o meu
bem. Não! Todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, porque a Divina
Providência está em ação, está agindo, mesmo em meio aos meus sofrimentos, as minhas
lutas, combates, fracassos, angústias.

O mistério da Divina Providência está a nos envolver, a me envolver, porque? Porque a Divina
Providência são as disposições pelas quais Deus nos conduz à salvação, para a santidade, para
a perfeição. Sabendo que a Divina Providência não é algo teórico, e temos esse ensinamento,
ouvimos falar sobre a Divina Providência, mas nós somos chamados a fazer uma experiência
com essa Divina Providência.

Gostaria de fazer uma pequena partilha com vocês sobre algo que eu vivi nesses últimos dias,
que sabendo que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, eu
reconheço estar inserido dentro do mistério da Divina Providência. No dia 10 de março, uma
terça-feira, meu irmão faleceu num acidente de carro, vindo do litoral de São Paulo. A minha
família soube, e eu também, na quarta-feira, dia 11. Eu falei: “Tenho de ir ao Brasil”.

Deus providenciou o dinheiro para que pudéssemos ir ao Brasil, compramos as passagens, só


que surgiu aí um dilema: aqui na França a dimensão da pandemia estava tomando cada vez
mais força, o presidente francês ia se pronunciar na quinta-feira, dia que comprei a passagem,
eu ia chegar na sexta-feira pela manhã. Alguns países já tinham fechado as fronteiras, já estava
essa questão do confinamento, a imprensa já falando que o presidente francês ia falar para
que ficássemos confinados durante 15 dias. Ao mesmo tempo, o meu passaporte vai vencer
em abril, e já estou programado para ir ao Consulado em Paris neste mês. Quando vamos no
Consulado daqui, vamos pela manhã levar os documentos e à tarde já recebemos os
passaportes. É um processo rápido.

Ao mesmo tempo, outra realidade, sobre a minha carta de residência francesa. Eu e Nalvinha,
por estarmos num país estrangeiro, temos uma carta residência que é válida pelo menos por
um ano, devendo ser renovada anualmente. Aqui na França, depois de 5 ou 8 anos, podemos
já pedir uma carta de residência válida por 10 anos. Eu e a Nalvinha fizemos esse pedido e
estamos para receber essa carta agora, no final de março e início de abril. Então, estou com
uma carta provisória que vale ate o dia 15 de abril. Surgiu esse dilema: se vou para o Brasil
para o enterro do meu irmão vou ter de fazer um novo passaporte no Brasil para voltar, ao
mesmo tempo tenho de voltar antes que expire a minha carta provisória, que vence também
em abril. E tudo isso dentro desse contexto do coronavírus, uma situação complexa. Eu tinha
de tomar a decisão: vou ou fico?

Rezando, conversando com a Nalvinha, teve um momento que Nalvinha falou: “Não sei como
te ajudar, o que te dizer”, e eu falei: Meu Deus! Realmente existe um momento na nossa vida
que é só entre você e Deus, é entre eu e Deus. Não é formador comunitário, não é o esposo ou
a esposa, não é o amigo, o irmão. Ninguém. É você e Deus! Você tem que tomar a decisão. É
como Jesus que estava caminhando, carregando a Sua cruz, teve uma ajuda ali, teve um pouco
de consolo, Simão ajudou a carregar a cruz, mas quem foi crucificado foi Jesus.

Então, tomei a decisão de não ir para o Brasil. Foi uma decisão difícil, a de não poder estar
presente neste momento, e ainda estou assimilando um pouco, e ao mesmo tempo soube das
informações. Na quinta-feira à noite o presidente francês se pronunciou, restringindo a
entrada de estrangeiros nessa fase de confinamento. Ao mesmo tempo soube que no Brasil a
confecção de novos passaportes tinha sido suspensa. Se eu tivesse no Brasil não iria conseguir
fazer um novo passaporte a tempo para voltar antes que minha carta de residência provisória
expirasse. Se eu fosse para o Brasil, não sei como faria para voltar, quando poderia voltar,
tendo filho e esposa aqui. É uma situação complexa, mas enfim tive de tomar essa decisão.
Dentro de tudo isso, vejo a Providência de Deus que está agindo, porque todas as coisas
concorrem para o bem daqueles que amam a Deus.

Preparando essa partilha para vocês, eu me lembrava também de um fato que aconteceu em
2014, no Rio de Janeiro, mas precisamente na cidade de Teresópolis. Por causa de chuva teve
muita destruição, e uma família fez uma experiência, viveu uma realidade muito difícil, que nós
podemos contemplar a manifestação da Providência de Deus, podemos contemplar a
manifestação do amor de Deus. Ao falar de Providência de Deus, podemos substituir a palavra
Providência por amor, porque a Providência de Deus é manifestação do Seu amor para nós.
Essa família viveu uma realidade difícil, de sofrimento, mas nós podemos contemplar a
Providência de Deus.

Vamos ver agora um pequeno vídeo da entrevista que foi feita com essa família:

Repórter: Pai e filho e um resgate inesquecível!

Filho: eu estava vendo a chuva pela janela. Estava sem luz, minha mãe tinha acabado de nos
chamar, porque estava chovendo muito.

Repórter: a chuva ficou mais forte e a família decidiu sair as pressas. Quem é que falou:
“Vamos sair?”

Pai: Minha esposa. Ela começou a fazer um escarcéu depois que caiu uma barreira aqui ao
lado.

Filho: Deu um barulho, meu pai correu para a sala, e eu fui sair da casa. Quando eu saí, a
barreira me pegou e prendeu minha perna.

Repórter: o pai ouviu os gritos do filho e voltou

Pai: Meu filho gritava que estava preso, a perna dele ficou presa mesmo.

Filho: Eu falei assim: “Pai, vai cair o resto, sai daqui, sai daqui com minha família e me deixa
aqui”
Repórter: desesperado, o pai tomou uma decisão

Pai: Eu falei: “Eu só saio daqui quando você estiver junto comigo. Eu arranco sua perna, você
fica sem sua perna, mas vai ficar comigo. Foi o que eu fiz, eu e minha sogra. Conseguimos tirar
a sua perna, a quebramos, mas graças a Deus está salvo.

Filho: Eu estava rezando naquela hora, e só vinham imagens tristes na cabeça, pensei que ia
morrer na hora. Por isso que falei para meu pai ir embora com minha família.

Repórter: Pedro, de 15 anos, se recupera na casa da avó. Ele quebrou a tíbia, o segundo maior
osso do corpo humano, que fica abaixo do joelho. A dor de quebrar a perna foi o de menos,
não é?

Filho: Sim, foi o de menos.

Repórter: Quando te puxaram dali você falou: “Estou salvo”?

Filho: Estou salvo! E saímos correndo pela lama, não queria mais nem saber de nada.

Repórter: O pai voltou hoje até a casa para tentar recuperar pelo menos os documentos.

Pai: Graças a Deus já passou. Agora estamos tentando nos reerguer. Isso nunca mais vamos
esquecer.

Repórter: Todos os dias ele visita o filho e a cada reencontro as lembranças emocionam!

Pai: O pai te ama, meu filho. Teus irmãos, todo mundo te ama!

Filho: Também te amo!

É muito forte esse vídeo! Realmente é uma experiência forte. Para mim, duas coisas fortes
nessa experiência dessa família. Primeiro, quando o pai diz para o filho: “Eu não vou sair daqui
sem você. Mesmo que você saia daqui sem a perna, eu vou sair daqui com você, eu vou te tirar
daqui”. E quando também o filho, no final, o pai diz que o ama e ele também diz que o ama.
Foi por amor. Foi uma intervenção da Providência de Deus. Deus, muitas vezes, também vem
quebrar a nossa perna.

Talvez as situações que estamos vivendo, essas contrariedades, esses combates, as provas,
podemos dizer que estamos com nossa perna em meio aos escombros, e Deus não nos deixa
lá. O mistério da Providência de Deus que conduz todas as coisas a sua perfeição, o Senhor
vem para nos salvar, para nos resgatar, mesmo que Ele tenha de quebrar a nossa perna.

É óbvio que diante disso precisamos ter um olhar sobrenatural, porque estamos vivendo um
tempo de contrariedades. Não sei quais são suas realidades, o que você está vivendo hoje no
âmbito familiar profissional, inseguranças, incertezas com relação ao futuro a nível mundial,
com relação à saúde. Enfim, são tantas realidades, tantas questões que se levantam agora, e
para isso a Igreja nos convida, diante dessas contrariedades, a termos um olhar sobrenatural
sobre tudo, um olhar sobrenatural sobre as coisas, sobre o mistério da Providência de Deus.
É por isso que o Catecismo, no parágrafo 313, ainda dentro do mistério da Divina Providência
que age em tudo, o Catecismo nos apresenta a vida de alguns santos como exemplo, porque
este tempo em que estamos vivendo é um tempo para crescermos na santidade. Se ficamos na
televisão o dia inteiro, a maioria das notícias são más, e os santos nos ajudam a olhar de uma
maneira diferente, nova, com o olhar da fé.

O cristão é a pessoa que tem os pés no chão e o coração em Deus. Não é fingir que não está
acontecendo. Nada disso. Existe uma realidade que é complexa, mas nós precisamos ter os pés
no chão e o nosso coração em Deus. Às vezes temos muito um olhar negativo, pessimista.
Precisamos ter um olhar de fé, e aí entra a dimensão da nossa fé cristã. Para isso vamos ter
então um olhar sobrenatural, e os santos são um exemplo disso.

O parágrafo 313 do Catecismo nos diz:

CIC 313. «Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm 8, 28). O testemunho
dos santos não cessa de confirmar esta verdade: Assim, Santa Catarina de Sena diz aos «que se
escandalizam e se revoltam contra o que lhes acontece»: «Tudo procede do amor, tudo está
ordenado para a salvação do homem, e não com nenhum outro fim»[2].

E S. Tomás Moro, pouco antes do seu martírio, consola a filha com estas palavras: «Nada pode
acontecer-me que Deus não queira. E tudo o que Ele quer, por muito mau que nos pareça, é,
na verdade, muito bom»[3].

E Juliana de Norwich: «Compreendi, pois, pela graça de Deus, que era necessário ater-me
firmemente à fé [...] e crer, com não menos firmeza, que todas as coisas serão para bem [...]».
«Thou shalt see thyself that all manner of thing shall be well»[4].

Não sei se você está revoltado com o que está acontecendo. Muitas pessoas talvez estejam
revoltadas: “Onde está Deus?”. Eu vi um vídeo que o ex-jogador Rivaldo, falou: “Vamos fazer
um desafio de juntar cestas básicas para dar aos pobres”, e num dos comentários, uma pessoa
dizia: “Deus te abençoe”, outra pessoa colocou o comentário: “Deus? Este é o maior covarde
de todos”. Muitas pessoas estão se revoltando e se perguntam: “Onde está Deus diante de
tudo isso?”.

Catarina de Sena diz aos que se escandalizam e se revoltam contra o que lhes acontece: “Tudo
procede do amor, tudo está ordenado para a salvação do homem, e não com nenhum outro
fim”. Deus não faz nada que não seja para esta finalidade. Deus não permite nada que não seja
para esta finalidade. Qual finalidade? A salvação do homem, porque, como diz Santa Catarina
de Sena, tudo está ordenado para a salvação do homem.
Citando São Tomás Moro: “Pouco antes do seu martírio, consola a filha com estas palavras:
“Nada pode acontecer-me que Deus não queira. E tudo o que Ele quer, por muito mau que nos
pareça, é, na verdade, muito bom”. Eis aí o mistério da Divina Providência. Precisamos ter um
olhar sobrenatural, porque a Providência Divina nos permite as provas não para que nós
sejamos aprovados ou reprovados, mas para que sejamos amados. Deus quebra a nossa perna
para nos salvar, porque tudo está ordenado à salvação do homem, porque a Divina
Providência é todo esse dinamismo, são as disposições de Deus que conduz toda a criação,
conduz o homem para a perfeição, para a santidade.

Paul Claudel, um escritor francês, falecido em 1955, falando sobre Deus e o sofrimento, disse:
“Deus não veio suprimir o sofrimento, nem sequer veio explicá-lo, mas veio preencher o
sofrimento com a sua presença”. Deus pode suprimir o sofrimento. Óbvio que Ele pode fazer
isso. Deus pode também nos explicar: “Meu Deus, porque que eu estou vivendo isso?”. Ele
pode fazer isso, mas antes de qualquer coisa Ele veio preencher o sofrimento com a Sua
presença.

Nós acabamos de celebrar o mistério da Encarnação de Deus, Deus que assume a nossa
humanidade ferida, Deus que assume o nosso sofrimento. Assumindo o nosso sofrimento, Ele
preenche todo o nosso sofrimento com a Sua presença. E para isso nós precisamos ter esse
olhar sobrenatural. Isso exige a vivência das virtudes teologais. Deus nos providencia este
tempo para que nós cresçamos na vivência das virtudes teologais, por quê? Porque os nossos
combates pessoais, familiares, comunitários, mundiais, exigem a fé, exigem esperar contra
toda esperança,

O Papa Francisco, na celebração de sexta, da Bênção Urbi et Orbi, que tivemos a ocasião de
participar, um momento muito forte, o Papa dizia: “O Senhor interpela-nos e, no meio da
nossa tempestade, convida-nos a despertar e ativar a solidariedade e a esperança, capazes de
dar solidez, apoio e significado a estas horas em que tudo parece naufragar. O Senhor
desperta, para acordar e reanimar a nossa fé pascal. Temos uma âncora: na sua cruz, fomos
salvos. Temos um leme: na sua cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na sua cruz,
fomos curados e abraçados, para que nada e ninguém nos separe do seu amor redentor”.
Nada pode nos separar do seu amor redentor, nem mesmo as contrariedades eu vivemos hoje,
mesmo as situações mais difíceis e complexas que vivemos hoje. Nada pode nos separar do
Seu amor redentor. Essa é a nossa fé. Essa é a nossa esperança.

Ao mesmo tempo, este tempo, como exige as virtudes teologais da fé e da esperança, exige
também a virtude teologal do amor, da caridade, principalmente exige de nós esse amar a
Deus não por aquilo que Deus faz ou pode fazer, mas amar a Deus por aquilo que Ele é. Nesse
período nós suplicamos, e devemos suplicar a Deus: “Senhor, realiza o milagre!”.

Depois que eu terminei de assistir a celebração Urbi et Orbi com aquela cruz que data do
século XVI, o crucifixo milagroso, porque em 1522 teve uma epidemia em Roma e o Papa da
época saiu em procissão com aquele crucifixo durante 16 dias. Ao término desses 16 dias
aconteceu um milagre e a epidemia cessou. Eu disse para a Nalvinha: “Seria muito
interessante, seria realmente um motivo de muita alegria, de fé, de maior amor a Deus se de
repente, depois dessa celebração do Urbi et Orbi, depois desse rito com o Papa Francisco com
esse crucifixo, Adoração ao Santíssimo Sacramento e benção, Deus realizasse um milagre.
Quantas pessoas seriam renovadas na fé, quantas pessoas começariam a acreditar em Deus
também, tendo essa ação providente de Deus”. Mas nós devemos amar a Deus não por aquilo
que Ele faz, não por aquilo que Ele pode fazer, mas por aquilo que Ele é.

Deus nos introduz naquilo que os discípulos viveram com Jesus. Em Mateus 12, 1, e é
interessante esse versículo! Diz assim: “Atravessava Jesus os campos de trigo num dia de
sábado. Seus discípulos, tendo fome, começaram a arrancar as espigas para comê-las”. Mas
como assim? Jesus deixou os Seus discípulos passar fome? Jesus que tinha multiplicado pães,
peixes, que tinha transformado água em vinho, poderia muito bem se antecipar e antes dos
discípulos terem fome já pegar, por exemplo, uma pedra, transformar em pães e dar para eles.
Mas os discípulos passaram fome. Então, Jesus ensina aos seus, aqueles aos que O seguem,
que nem sempre existe milagre para o discípulo. Nem sempre existe milagre para mim e para
você. E Jesus assim nos ensina que nós devemos amá-lo não por aquilo que Ele faz, mas por
aquilo que Ele é.

Por isso que o tempo que vivemos hoje é providencial, é um tempo favorável. É um tempo
favorável para a nossa salvação, para a nossa santificação, porque como diz São Paulo, tudo,
todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os
eleitos, segundo os Seus desígnios, porque chamamos Divina Providências as disposições pelas
quais Deus conduz toda a criação, Deus conduz o homem para a perfeição, paraa salvação,
para a santidade.

Diz o parágrafo 305 do Catecismo:

CIC 305. Jesus reclama um abandono filial à Providência do Pai celeste, que cuida das mais
pequenas necessidades dos seus filhos: «Não vos inquieteis, dizendo: Que havemos de comer?
Que havemos de beber? [...] Bem sabe o vosso Pai celeste que precisais de tudo isso. Procurai
primeiro o Reino de Deus e a sua justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo» (Mt 6, 31-
33)

Viver no ritmo, do dinamismo da Divina Providência exige de nós uma entrega filial ao Pai
Celestial, ou seja, exige de nós um abandono. É óbvio! Se existem situações na sua vida, na
minha vida, que tem solução, enfim, se existe um problema a ser resolvido, vou tentar
resolver. Não vou cruzar os braços, e dizer: “Senhor, confio na Tua Providência”. Eu preciso
fazer as coisas acontecerem. Preciso ir atrás de uma ajuda, causas segundas, pessoas que
possam me ajudar. Deus está agindo. Se eu tenho uma situação, um problema para ser
resolvido, eu preciso ir atrás de uma resolução, procurar uma resposta, trabalhar para
encontrar uma solução.

Mas existem situações na nossa vida que não temos o que fazer, que não tem solução
humana, e nós devemos fazer o quê? Abandonar-nos à Divina Providência. Abandono não é
resignação, no sentido negativo, que muitas vezes ouvimos: “Vou me resignar. Vou fazer o
quê? Não tenho o que fazer”, de uma maneira pejorativa, negativa. Não. Eu me abandono,
acolho essa situação que não tenho como resolver, e me abandono nas mãos desse Pai, nas
mãos desse Deus que é providente. Deus não é um Pai ausente.

No século XVI surgiu a heresia do deísmo, que era assim: acreditava-se que Deus criou todas as
coisas, e aí falava: “Se virem aí, eu lavo as minhas mãos”. Não! Deus não é um Pai ausente.
Deus não nos diz à situação que vivemos: “Se virem”. Existe um mistério da Providência de
Deus que age em tudo, mesmo nas nossas contrariedades, porque tudo concorre para o bem
daqueles que amam a Deus, e Deus sabe quais são as nossas necessidades. Então, esse é um
tempo de nos confiarmos, nos abandonarmos nas mãos de Deus, nas mãos desse Pai presente
em nossas vidas.

Ao mesmo tempo precisamos aproveitar desse tempo, tendo essa dimensão da Quaresma, da
vivência desta Providência Divina que age em todas as coisas, estando confinados, um pouco
reclusos, nós precisamos aproveitar desse tempo para, primeiro, amadurecer a nossa
intimidade com Deus. Vejamos esta situação como uma Providência de Deus para que
possamos crescer na nossa intimidade com Ele, através da palavra de Deus, de uma Lectio
Divina bem feita. Os irmãos da Comunidade de Aliança muitas vezes tem dificuldade por causa
do tempo para reservar para a Lectio Divina, que é um combate também.

Aproveitemos esse tempo para aprofundar a nossa experiência de Deus através da Palavra de
Deus, através da Lectio Divina. Rezando a Liturgia das Horas, as Laudes, as Completas, as
Vésperas. Aproveitemos desse tempo que Deus providencia para nós para crescermos na
nossa intimidade com Ele. As Adorações online, as Missas online.

Aproveitemos também deste tempo que Deus nos providencia para responder ao apelo que o
Senhor faz no livro do Profeta Ezequiel 22, 30, onde lemos, o Senhor dizendo: “Tenho
procurado entre eles alguém que construísse um muro e se detivesse sobre a brecha diante de
mim, em favor da terra, a fim de prevenir a sua destruição”. Este é um tempo providencial
para nós sermos intercessores, para intercedermos com maior intensidade. Sejamos
intercessores com maior intensidade!

Teresinha do Menino Jesus, padroeira das missões, foi missionária sem sair do seu convento,
porque a primeira missão é a intercessão, é a oração. Então, este é um tempo propício para
nós intercedermos, para nós sermos homens e mulheres de intercessão intensa.
O Papa, no decreto sobre a indulgencia plenária, pedia que rezássemos nesse tempo
primeiramente pedindo o fim desta pandemia, depois que rezássemos pelas pessoas que estão
em meio a estes sofrimentos, aos enfermos, os familiares dos enfermos, rezássemos pelos
médicos, as pessoas que estão à frente deste combate contra esse vírus. Também pediu que
rezássemos pelas almas daqueles que faleceram, pelos familiares que perderam essas pessoas,
que não puderam nem ter um momento de intimidade, uma celebração fúnebre.

Nós temos essas três intenções para rezar. De uma maneira intensa, rezando o Terço da
Misericórdia, suplicando a intercessão de Santa Jacinta Marto, que é uma das videntes de
Fátima, porque ela faleceu em 1920, por causa da gripe espanhola. Então, ela viveu imersa a
uma epidemia, sofreu as consequências dessa epidemia, e sofreu muito, mas confiou, fez da
sua vida, desse sofrimento que estava vivendo um motivo, uma forma de intercessão. Uma
intercessão não apenas com as nossas palavras, mas uma intercessão com o próprio corpo,
uma intercessão da vida. Este é um tempo de nos colocarmos na brecha e intercedermos pela
humanidade, pelo homem que sofre.

Ao mesmo tempo, aproveitemos desse tempo que a Providência de Deus nos concede, esse
tempo de confinamento, para também refletir sobre a morte, sobre a irmã morte. Cada dia
vemos crescer o número de pessoas mortas. Graças a Deus também tem crescido o número de
pessoas curadas, mas existe essa realidade da morte. Nós estamos caminhando em meio a
esta realidade da morte. É uma realidade, mas que para nós, cristãos, consagrados, a morte é
um entrar na vida, como dizia Teresinha: “Não morro, eu entro na vida!”.

O Papa Emérito Bento XVI, falando sobre essa questão da morte que se aproxima, por causa da
idade dele, ele dizia: “Eu não me preparo para um fim, mas me preparo para um encontro.
Como eu estou me preparando para este encontro? Quando vamos nos encontrar com
alguém, seja quem for, nos preparamos. Vamos encontrar com o Papa na convenção, onde nos
preparamos, preparamos as nossas vestes, um discurso. Este tempo é um tempo que Deus nos
concede, a Sua Providência nos concede para que também possamos refletir, pensar sobre a
morte, em como é que tenho me preparado não para um fim, mas para esse encontro com
Deus,

Por isso também este é um tempo providencial para nós suplicarmos ao Senhor um verdadeiro
arrependimento, suplicar ao Senhor uma contrição perfeita, fazermos uma verdadeira revisão
da nossa vida: Como eu estou vivendo a minha consagração de vida? Como estou vivendo a
minha fé? Este é um tempo propício para suplicarmos esta verdadeira contrição do coração,
esta verdadeira conversão.

Também este é um tempo de nos tornarmos médicos de alma. Sim, instrumentos da


Providência de Deus para o outro, para o próximo. Talvez irmãos que estão passando
necessidades, seja da CV ou da CAl, irmãos da obra, familiares, pessoas que nós conhecemos.
Sermos instrumentos materiais da Providência de Deus, uma ajuda financeira, irmos além.

Também sermos instrumentos da Providência de Deus, sermos médicos da alma escutando os


nossos irmãos, escutando o outro. Nós somos chamados nesse tempo ao que está se dizendo
de isolamento social. Isolamento social não significa solidão social.

Tem uma psoa que conhecemos aqui, que conversando com a Nalvinha esses últimos dias,
essa pessoa mora sozinha e não se sentia bem, ela disse: “Se acontecer alguma coisa, eu posso
ligar para vocês?”, e Nalvinha disse: “Claro! Pode ligar”. Então, pessoas que estão na solidão,
pessoas idosas que estão sozinhas. Vamos ao mercado e vemos pessoas idosas, que nunca
vimos, indo ao mercado. Percebemos essa solidão, esse desafio que não tem ninguém que
faça por elas. Este é o tempo de sermos esses médicos de almas, sermos causa segunda para o
outro, sermos instrumentos da Providência de Deus.

Aqui aproveito para agradecer aos irmãos médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem,
todos os irmãos da Comunidade que trabalham na área da saúde e que estão na linha de
frente para combater esse vírus. Aproveito para agradecer a vocês também. Que Deus
abençoe, porque vocês são médicos dos corpos, mas também cuidam da alma, porque vivem a
profissão de vocês como uma missão para salvar as almas. Que Deus abençoe vocês também!

Aproveitemos desse tempo providencial, deste tempo favorável e sigamos o conselho de


Hebreus 4, 16: “Aproximemo-nos com confiança do trono da graça, a fim de alcançar
misericórdia e achar a graça de um auxílio oportuno”. Aproximemo-nos de Deus para alcançá-
lo. Aproximemo-nos desse trono da graça para alcançar a misericórdia e alcançar a graça de
um auxílio oportuno. Nós precisamos de um auxílio de Deus para este tempo que vivemos
hoje, nos abandonando a confiança, nos abandonando a Sua providência.

Deus cuida de todas as coisas. Como muitas vezes cantamos: “Deus vê e cuida de mim, e nada
vai me impedir de cantar, nada vai me impedir de cantar!”. Este é um ato de fé. A Providência
de Deus nos propõe este tempo para crescermos na nossa fé, na nossa confiança em Deus.

Chegando ao final dessa minha partilha com vocês, eu gostaria de terminar lendo uma oração
composta pelo Padre Garrigou-Lagrange, que é o ato de abandono. Nós conhecemos a oração
do abandono, de Charles de Foucauld, mas esta é uma oração do Padre Garrigou-Lagrange, ato
do abandono, porque ele tem uma obra chamada “A Providência e Deus”. É uma obra que
encontrei em espanhol. Ele fala sobre a dimensão da Providência de Deus. Ele faz esta oração.
Eu gostaria de terminar esse momento de formação lendo o ato de abandono escrito pelo
Padre Garrigou-Lagrange:
“Em vossas mãos, oh meu Deus, eu me entrego. Virai e revirai esta argila como a vasilha que se
modela nas mãos do oleiro. Dai-lhe forma, e em seguida despedaçai-a, se assim quiserdes. Ela
vos pertence e nada tem a dizer. Basta-me que ela sirva a todos os vossos desígnios e que em
nada resista ao vosso Divino beneplácito, para o qual eu fui criado. Pedi, ordenai, que quereis
que eu faça? Que quereis que eu deixe de fazer? Exaltado ou rebaixado; perseguido,
consolado ou aflito; utilizado em vossa obras ou sem para nada servir. A mim não resta senão
dizer, a exemplo de Vossa Mãe Santíssima: seja feita segundo a vossa palavra. Concedei-me
um amor por excelência, amor da cruz, não dessas cruzes heroicas cujo esplendor poderia
nutrir o amor próprio, mas dessas cruzes ordinárias que nós carregamos. Ai de nós com tanta
repugnância dessas cruzes de todos os dias com as quais a vida está repleta e com as quais nos
deparamos a todo momento no caminho, na contradição, no esquecimento, nos fracassos, nos
falsos julgamentos, nas contrariedades, nas friezas ou no entusiasmos de alguns, na grosseria
ou no desprezo dos outros, na enfermidade do corpo, nas trevas do espirito, no silêncio e na
secura do coração. Somente então sabereis que vos amo, embora às vezes nem eu mesmo
saiba nem sinta, e isto me basta”.

Enfim, irmãos, não nos esqueçamos de que a Divina Providência são as disposições pelas quais
Deus nos conduz para a perfeição, para a santidade, para a salvação. Aproveitemos esse
tempo de combate, de lutas, com um olhar de fé, de esperança, amando a Deus por aquilo que
Ele é. Aproveitemos para crescer na santidade. Aproveitemos para crescer na nossa vivência
fiel da nossa vocação, da nossa consagração. Deus abençoe a todos nós, e continuemos a orar,
pedindo, suplicando a Deus o fim desta pandemia! Deus abençoe a todos, Shalom!

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