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Um
miado
abandonado
A história (real?) do gatinho de
estimação que foi parar nas ruas
Para o Jim
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UM MIADO ABANDONADO 5
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Lar doce lar
Saudades, quantas saudades... Quem pensa que bicho não sente saudades está
muito enganado! Eu era tão feliz junto aos meus donos... Lembro direitinho do dia
em que o João e a Amanda me adotaram, quando eu era bem pequeno. Eu nem
fiquei triste por ter saído de perto da minha mãe e dos meus irmãos, porque o
amor dos meus donos era tudo do que precisava.
O João e a Amanda tinham se casado há pouco tempo e ainda não queriam ter
filhos. Então, decidiram criar um gato como se fosse o primeiro filhinho deles. Eu,
euzinho! E me deram o nome de Dinho, porque era assim que se chamava um
cantor de rock de que eles gostavam.
Foram quatro anos de muita felicidade vivendo com os dois. João e Amanda
eram os meus paizinhos! Eles me acarinhavam o tempo todo, me deixavam
dormir na cama deles, brincavam comigo com uma bolinha colorida que fazia uns
barulhos engraçados e me serviam uma ração sabor salmão deliciosa! É... Eu tinha
uma vida de príncipe...
Um dia, percebi que a barriga da minha mãezinha estava crescendo sem parar.
Nossa casa passou a ter uma agitação diferente. O quarto em que víamos TV
ganhou móveis novos e uma cama pequenininha e alta, muito bonita. Eu achei que
aquilo tudo era pra mim e, assim que colocaram o colchão, saltei dentro daquela
caminha gostosa. Pela primeira vez, João e Amanda ficaram muito bravos comigo:
– Sai fora, Dinho! Se eu te pegar mais uma vez dentro desse berço, você vai ver
só! – ameaçou o meu paizinho.
Ah, agora eu tinha entendido. O nome daquela caminha era berço e era um local
proibido pra gatos. Mas quem ia dormir ali? Algum tempo depois, descobri:
meus pais entraram no quarto com um bebê no colo e o colocaram no berço.
Mas antes me falaram:
– Dinho, esta aqui é a Sofia, nossa filha. Ela vai ser como uma irmã pra
você. Então, seja bonzinho com ela, está bem? Só não chegue muito perto,
porque ela ainda é muito pequena.
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Eu me apaixonei pela Sofia à primeira vista. Ela era uma irmãzinha muito
linda, apesar de não ter quatro patas nem pelos tão belos quanto os
meus! Passei a ser o protetor da Sofia. Sempre que ela estava dormindo,
eu ficava deitado ao pé da porta do quarto dela, tomando conta. Se
aparecesse alguém disposto a fazer algum mal à minha irmã, eu seria
capaz de virar um tigre!
Quando Sofia cresceu um pouco mais e já ficava sentada, Amanda forrava
o chão da sala com uma manta bem macia e gostosa e deixava minha
irmãzinha lá, se divertindo com um monte de brinquedos. Mas sabe qual era
o brinquedo favorito dela? Eu, euzinho! Sofia me apertava, puxava meu rabo,
mas eu nem ligava. Gostava muito da minha irmãzinha!
Passei a gostar ainda mais da Sofia no dia em que ela demonstrou
ser minha irmã de verdade. De repente, ficou de quatro e saiu andando
igualzinho a mim. Achei aquilo o máximo! Afinal, andar com quatro patas era
muito melhor do que andar com apenas duas, como faziam Amanda e João.
Quando minha mãezinha viu aquela cena, gritou de felicidade:
– João, João! Vem ver! A Sofia está engatinhando!!!
Engatinhando?, pensei eu. Ah, isso mesmo! Ela estava andando como
um gatinho. Ela estava andando como seu irmão aqui, o Dinho. Foi a maior
prova de amor que Sofia poderia ter me dado... Nós dois formávamos uma
dupla perfeita, passeando de quatro juntos pelos quatro cantos da casa!
Era bem divertido...
Até que, de uma hora pra outra, toda aquela felicidade começou a mudar.
Minha irmãzinha passou a espirrar muito e a respirar mal enquanto dormia.
Amanda e João a levaram ao médico e descobriram que ela estava com
alergia... Alergia a pelos... Alergia a pelos de... GATOOOOOOO!!!
Lembro do dia em que minha mãezinha chegou do médico, me pegou
no colo e me abraçou bem forte. Percebi que ela estava chorando. João,
com uma cara séria e carrancuda, disse pra ela:
– A saúde de nossa filha é mais importante do que tudo!
– Mas, querido, e se a Sofia estiver só com uma gripe ou com uma
coisinha boba que todos os bebês têm?
– Amanda, a gente não pode esperar pra ver. Vamos ter que dar o Dinho!
Não entendi muito bem o que meu paizinho quis dizer com aquilo. Como
assim, me dar? Estavam planejando me dar um presente?
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Fiquei num canto da sala vendo Amanda telefonar pra uma porção de gente,
perguntando se alguém queria ficar comigo. Ninguém quis... Quem ia querer
um gatão adulto, gorducho e cheio de manias? Até que Dona Chiquita (a
vizinha mais intrometida que poderia existir na face da Terra!) teve uma ideia:
– Por que vocês não deixam o Dinho no Parque das Amoreiras? Lá vivem
vários bichos na maior boa vida. Eles têm liberdade e estão sempre de barriga
cheia, porque um monte de gente leva comida pra eles todos os dias.
Dona Chiquita devia estar louca quando deu essa sugestão aos meus pais.
Será que ela não sabia que todo bicho de estimação gosta é de ficar com seus
donos? Quando a gente é criado na rua, tudo bem, a gente gosta é da rua. Mas
se desde pequenininhos nós conhecemos o amor e o aconchego de um lar, é
lá que vamos querer passar o resto de nossas vidas!
Não entendi quando meu pai pareceu ter gostado da ideia...
– Vai ser bom pro Dinho, Amanda, você vai ver só. Nesse parque ele vai
poder levar a vida que todo gato sonha! Vai poder andar pra onde quiser, fazer
aquela cantoria à noite junto dos outros gatos e, ainda por cima, vai arrumar
uma namorada. Uma não, várias namoradas!
– É, João, talvez você tenha razão... Acho que o Dinho vai ser feliz lá. Acho...
No dia seguinte, meu paizinho me levou até o tal Parque das Amoreiras
dentro de minha gaiola de passeio, abriu a portinha, virou as costas e nem me
deu adeus. Eu fiquei lá miando alto, assustado, mas o João não voltou.
Pude ver meu paizinho se afastando e tive a impressão de que ele levou a
mão ao olho, como se estivesse enxugando uma lágrima. Será?
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Como é dura a vida na rua
Fiquei um tempo com o olhar fixo no João, até o perder de vista. Somente depois disso é que olhei
à minha volta. Lá no parque tinha uma porção de gatos e também alguns cachorros. Os outros gatos
me encaravam com jeito de briga e eu achei melhor ficar quietinho na minha. Eles nem me convidaram
pra comer um pouco da comida que uma senhora havia acabado de deixar em cima do gramado. Eu
também não seria bobo de pedir, não é mesmo?
As horas foram passando e minha fome foi aumentando. O que eu ia fazer? Não teve jeito: fui batalhar
pela minha comida.
– E aí, pessoal? Tudo bem? Será que vocês poderiam dividir essa carninha comigo?
– Sai fora, novato! – foi a resposta de três gatos mal-humorados. Ainda por cima, um deles me deu
uma unhada na cara!
Corri pra baixo de uma árvore e fiquei lá, todo encolhidinho. Por que meus paizinhos estavam fazendo
aquilo comigo? A que horas viriam me buscar? Quem ia proteger o sono da Sofia? Quem ia brincar com
ela? O que mais poderia me acontecer de errado?
De repente, senti uns pingos no meu pelo. Eu só conhecia a chuva da janela da casa em que morava
e agora estava vendo o quanto ela era... o quanto ela era... MOLHADAAAA!!! Ai, como detesto água! Por
mais que tentasse escapar da chuva, fiquei encharcado. Eu tinha fome, frio e uma tristeza muito grande
no meu coração.
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Decidi que Por alguns dias, fiquei deitado sob a sombra de uma árvore bem
grande que tinha lá no parque. Seus longos galhos cheios de folhas me
precisava protegiam do sol, da chuva e da friagem da noite. Eu ficava lá, paradão.
Esperava que Amanda e João voltassem pra me buscar, mas, no fundo,
ir embora sabia que isso não ia acontecer. Pra piorar, cada vez que minha barriga
roncava e eu tentava brigar por comida, só me dava mal.
daquele parque Até que resolvi reagir. Não podia mais continuar naquela situação!
Eu andei muito
por aí, até que
fui atropelado.
(...) Enquanto eu
me recuperava,
Em uma de nossas conversas, Spock me contou como tentaram
havia ido parar naquele parque:
– Sabe, Dinho, quando fiquei velho, meus donos conseguir um
enjoaram de mim. Como se eu fosse um copo descartável,
simplesmente me jogaram fora na rua. Eu andei muito por
novo dono
aí, até que fui atropelado. Um homem de bom coração viu pra mim, mas
tudo e me levou pra uma clínica. Enquanto eu me recuperava,
tentaram conseguir um novo dono pra mim, mas ninguém me ninguém me quis.
quis. Acho que é porque fiquei manco. Aquele moço acabou
me trazendo pra este parque e, de vez em quando, aparece
por aqui com comida pra mim e pros outros bichos.
– É, amigo Spock... É dura essa vida de bicho de
estimação abandonado. Quando morávamos nas casas de
nossos donos, tínhamos do bom e do melhor. Nas ruas, a
vida é tão difícil...
Porém, a minha amizade com Spock tornava as coisas
mais fáceis. Nós estávamos sempre juntos. Brincávamos
de rolar na grama, corríamos um atrás do outro pelo
parque e, quando fazia aquele calorão, o Spock dava um
baita mergulho no lago e saía nadando num perfeito estilo
cachorrinho. Eu, nessas horas, preferia ficar na margem
me refrescando com lambidas em meu próprio pelo e
apreciando a cara de satisfação de meu amigo dentro da...
argh!... água. Ninguém é perfeito, né?
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Uma princesa de sorte
Num belo dia de primavera, eu e Spock acordamos animados porque vimos
que várias flores haviam nascido, enfeitando ainda mais a nossa casa (se é que
eu posso chamar aquele parque de casa). Spock inventou logo uma brincadeira:
– Ei, Dinho, tenho uma ideia. Vamos brincar de exploradores! Vamos
vasculhar todo o parque em busca de espécies novas de flores. Quem achar a
mais bonita é o vencedor.
– Vamos nessa! – respondi ao meu amigo, apesar de não ter visto muita graça
na brincadeira. Mas, como tudo era divertido ao lado de Spock, topei na hora.
Partimos juntos, latindo e miando, revirando cada moita, cada cantinho do
parque. Quando Spock viu uma bela flor azul, gritou logo:
– Essa aqui vai ser páreo duro pra você, amigo felino!
Mas eu estava com sorte:
– Que nada! Dá uma olhada nessa flor alaranjada, que mais parece um raio de
sol – chamei Spock, já com ares de vencedor.
Meu amigo não respondeu. Quando vi, ele estava parado diante de uma moita,
que não tinha uma flor sequer. Não mexia um fio de pelo! De repente, colocou a
língua pra fora e arregalou os olhos:
– Dinho, tenho certeza de que encontrei a flor mais bela desse jardim.
Venha cá ver.
Quando cheguei lá, qual não foi a minha surpresa ao ver uma cadelinha
poodle toda encolhida no meio dos arbustos! Ela estava com uma cara muito
assustada! Spock a acalmou:
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– Calma, princesa, não precisa ter medo da gente – disse meu amigo num tom tão galanteador, como
eu nunca tinha visto.
– Como você sabe que meu nome é Princesa? – retrucou a cadelinha, pondo sua cabeça e parte do
seu corpo pra fora. Pude ver agora que o pelo dela era todo branquinho. Ou melhor, havia sido. Agora
estava meio encardido!
– Bem... É... Na verdade, eu estava te elogiando. Você é uma princesa – Spock falou, todo sem jeito...
Ao ouvir aquelas palavras doces, a pequena poodle saiu de vez do meio do arbusto e foi logo dizendo:
– Olha, eu aceito seu elogio. Mas não vem de chamego pra cima de mim, não, porque daqui a pouco
meus donos vão voltar pra me buscar. E não vão gostar nada de me ver conversando com um cachorro
vira-lata manco e com um gato feio e magricela.
– Péra lá! – interrompi. – Não vem falar de mim, não, porque você também não está nada bonita.
– Ora, era só o que me faltava! – ofendeu-se a poodle.
– Que história é essa, Dinho? Essa é a cadelinha mais linda de todo o parque – suspirou Spock. – Você
quer ser nossa amiga, Princesa?
– Bem, acho que não vai ter problema. Na verdade, sinto que meus donos não virão me buscar... Eles
me trouxeram pra cá ontem à noite, me deram um pouco de ração e, enquanto eu comia, foram embora de
fininho. Nem se despediram de mim.
– Xiii, já vi esse filme... – falei pra Princesa.
– E eu também – completou Spock. – Mas o que foi que você fez pra te deixarem nesse parque?
– Eu????? Nada!!!!! – respondeu com
uma voz sonsa. – Sempre fui uma
cadelinha muito chique. Minha dona me
levava à pet shop pra fazer meu cabelo,
quer dizer, meu pelo. E eu até dormia na
cama dela. Mas, depois que se casou, ela
e meu novo dono passaram a fechar a
porta do quarto na minha cara. Não gostei
daquilo e comecei a protestar. Primeiro,
roí um sapato que ele adorava. Depois, fiz
xixi em cima da cadeira que ele gostava de
sentar. Ha, ha! Foi divertido ver a cara dele
quando sentou no molhado!
– Poxa, você também não era fácil –
interrompi.
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– Eu estava muito chateada com aquela situação. Sempre fui a cachorra dos olhos da minha dona e,
agora, ela só tinha olhos praquele marido. Até que, um dia, eles esqueceram a porta do quarto aberta.
Entrei lá, subi na cama e fiz o número dois.
– Número dois??? – Spock e eu perguntamos ao mesmo tempo.
– É, seus bobos. Fiz cocô na cama deles! Meus donos ficaram uma fera. Tomei uma chinelada e me
colocaram de castigo. Foi então que escutei: “Ou essa cachorra ou eu!” – contou Princesa, baixando o
focinho de tanta tristeza.
– Já deu pra perceber que sua dona preferiu ficar com o marido – lamentou Spock. Princesa baixou
os olhos e deu um longo suspiro...
– Não fique triste, Princesa. Agora você é minha protegida! Eu, você e o Dinho seremos um trio
inseparável. Nunca vai te faltar comida e nenhum cachorro metido a besta vai se engraçar com você!
– Jura? Mas quem disse que quero ficar com vocês? Sou uma cachorra de raça, tenho pedigree!
Não vou andar com dois vira-latas como vocês!
– Olha aqui – fui logo interrompendo aquela poodle de focinho em pé. – Não vai demorar
muito e você vai estar parecendo uma vira-lata tanto quanto nós. Seu pelo tosado em forma de
pompom vai crescer e o branquinho vai ficar cada dia mais encardido. Ninguém mais vai dizer
que você tem pedigree.
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Um dia, uma
menina de uns
8 anos (...) ficou
encantada com
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aquela dupla Uma amiga de
engraçada: verdade
o velho cão
O tempo foi passando e a lembrança de Princesa foi ficando
manco e o gato pra trás. Ela havia dado uma baita sorte de encontrar alguém pra
cuidar dela! Será que algum dia isso também aconteceria comigo
magricela! Fazia e com meu amigo? Enquanto esse dia não chegava, eu e Spock
sinal, se encheu de esperanças: seria Cacá a pessoa que nos tiraria dali e nos daria um novo lar?
Um dia, reparei que Cacá tentava convencer o pai dela:
– Por favor, papai, deixa! Só mais esses dois bichinhos e prometo que nunca mais levo nenhum pra
nossa casa.
– Cacá, nem pensar! Já temos em nosso quintal cinco gatos e três cachorros. E isso sem falar nos
animais que estão na minha clínica esperando pra serem adotados. Não dá, minha filha. Não tenho como
manter mais dois bichos.
– Mas, papai, ontem mesmo você aceitou mais um na sua clínica...
– Pois é, Cacá. Fiz isso porque tive muita pena daquele gatinho angorá. A dona dele foi muito desonesta
quando o levou à pet shop do meu amigo pra tomar banho, dizendo que voltaria em uma hora. Deixou a
conta paga, deixou um número de telefone... As horas foram passando e nada dela aparecer pra buscar o
bichano. Quando meu amigo tentou ligar pra ela, descobriu que havia dado o número errado. E o gato foi
ficando por lá. Já tinha quase uma semana que meu amigo tentava doá-lo pra algum cliente, mas ninguém
o queria.
– Então por que você não deixou o gato com o seu amigo? Assim daria pra gente levar o Manquinho e o
Magrinho pra casa.
– Filha, meu amigo não tinha espaço pra abrigar o
gato na pet shop. Então, como ele sabia que na clínica
eu mantenho outros animais abandonados na tentativa
de encontrar um novo lar pra eles, me pediu que eu
aceitasse mais esse angorá. Minha esperança é de que,
como é um gato de raça, eu consiga logo um dono pra
ele. Assim vai sobrar mais dinheiro pra gente cuidar dos
seus amiguinhos.
– Pai, promete que depois que der o angorá você
aceita o Manquinho e o Magrinho lá em casa?
– Prometo... Mas quem sabe se, antes disso, a gente
não acha um novo lar pra eles dois?
– Será, papai? Então vou fazer de tudo pra encontrar
alguém que fique com eles. Sei que não vai ser fácil,
mas vou tentar.
Vi quando Cacá deu um abraço apertado no pai e
correu em nossa direção. Ela chegou bem juntinho de
mim e de Spock e disse:
– Me desculpem, meus amiguinhos... Meu pai é
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veterinário e ajuda muitos bichinhos, mas não pode cuidar de vocês dois... Lá na clínica dele já está cheio
de cães e gatos que foram abandonados pelos donos, esperando por alguém que queira adotá-los. Eu
queria muito tirar vocês desse parque e levá-los pra minha casa, onde lhes daria muito amor, proteção
e comidinha nas horas certas. Mas também não vai dar... Eu e meu pai já adotamos alguns bichinhos e
agora ele não tem mais dinheiro nem espaço pra outros dois.
Eu e Spock percebemos que nossa amiga estava chorando. Na mesma hora, Spock deu aquela lambida
– argh! – no rosto de Cacá pra tentar secar a lágrima que descia de mansinho. Acabou molhando ainda
mais nossa amiga, mas ela nem ligou. Agarrou Spock pelo pescoço e me pegou no colo. E, segurando o
choro, falou:
– Eu prometo a vocês que vou dar um jeito nisso! Eu tenho que conseguir tirar vocês desse parque.
Pode até demorar um pouquinho, mas eu vou achar a solução.
Pra nós, não havia solução melhor do que receber o carinho de Cacá. Ela era uma amiga e tanto! Fosse
ali no parque, fosse na casa dela, o que nos importava era sentir aquela mãozinha carinhosa passando por
nosso pelo e ficar a tarde toda correndo, rolando e brincando de ser feliz ao lado dela. Os momentos junto
da Cacá nos faziam lembrar como era bom ser o melhor amigo de um ser humano.
– Eu prometo a vocês
que vou dar um jeito
nisso! Eu tenho que
conseguir tirar vocês
desse parque. Pode
até demorar um
pouquinho, mas eu
vou achar a solução.
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De volta ao paraíso
Algumas semanas se passaram desde que Cacá havia prometido dar um
jeito de nos tirar daquela vida de bichos de rua. Durante todo esse tempo, ela
continuou nos visitando sempre que podia. Nós nos divertíamos um bocado
juntos! Eu já estava até me acostumando com aquela rotina, quando nossa
amiga chegou no parque correndo, toda feliz:
– Manquinho, Magrinho, tenho uma novidade!!! Consegui um lugar
maravilhoso pra vocês ficarem, onde não precisarão mais tomar chuva, dormir
sem um teto e nem brigar por comida.
Eu e Spock ficamos meio desconfiados. Será que era mesmo verdade?
Um outro cachorro lá do parque já havia nos falado que existiam umas casas
grandes que abrigavam uma porção de bichos dentro de umas gaiolas. Eles
ficavam lá até conseguirem um dono. Isso nós também não queríamos!
Cacá pareceu ouvir nossos pensamentos:
– Ei, vocês não ficaram felizes? Estão com umas carinhas esquisitas... Olha,
podem confiar em mim. Não vou mandar vocês pra um abrigo de animais, mas
sim pra um novo lar! Ontem fui ao cabeleireiro com a minha mãe e, enquanto
ela cortava os cabelos, fiquei conversando com a dona do salão. Contei a
história de vocês e ela me falou que mora numa casa grande e que adora
animais. Disse pra eu vir buscá-los porque ela vai ser a nova dona de vocês!
Nossa, mal podíamos acreditar! Spock e eu ficamos contentes demais! Meu
amigo não parava de latir e de abanar o rabo feito um doido. E eu ronronava e
esfregava meu corpo nas perninhas da Cacá, agradecendo a ela por ser tão
boa com a gente.
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Já faz um bom tempo que tudo isso aconteceu... Hoje, eu ainda moro com a tia Naira – ou melhor, com
a nossa mamãe Naira. Ela recebeu a mim e ao Spock como se fôssemos seus filhos! Alguns anos atrás,
meu amigão fechou os olhos pra um soninho profundo, do qual nunca mais acordou. Mas nossa mãe
disse pra eu não ficar triste, porque os cães bondosos passam a tomar conta das crianças no céu.
E quanto à Cacá? Bem, ela já é uma moça. Até hoje me visita. Nós continuamos grandes amigos! Outro
dia ela me contou que passou no vestibular. Não entendi bem o que era isso, mas Cacá me explicou que
vai estudar pra ser doutora. Veterinária como o pai dela? Não! Aos poucos, ela foi descobrindo que o que
ela gosta mesmo é de defender os injustiçados – assim como os animais abandonados pelos donos. Ela
quer ser advogada! A Cacá vai virar Dra. Catarina! Mas, nas horas vagas, me prometeu que vai continuar
trabalhando como voluntária de um grupo que ajuda bichinhos deixados nas ruas, fundado por ela e pela
mamãe Naira: a Associação Quem Ama Não Abandona!
***
Às vezes lembro do João, da Amanda e da Sofia. Como será que eles estão? Penso que talvez sintam
falta de mim, assim como senti deles. Será que se arrependeram de ter me deixado na rua, em vez de
terem me levado pra um novo lar com amor e segurança? Eu não guardo raiva dos meus primeiros
donos. Desejo que eles estejam felizes. Eu sou muito feliz! Porque descobri que sou um gato de sorte: nos
momentos bons e ruins da minha vida, acabei aprendendo o que é o amor, a amizade e a solidariedade!
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