Você está na página 1de 31

AGRUPAMENTO DE ESTUDOS DE CARTOGRAFIA ANTIGA

CENTRO DE ESTUDOS DE HISTÓRIA


E CARTOGRAFIA ANTIGA

SECÇÃO DE LISBOA

CINCO SÉCULOS
DE C A R T O G R A F I A
DAS ILHAS DE CABO VERDE

POR

A. TEIXEIRA DA MOTA

JUNTA DE INVESTIGAÇÕES DO ULTRAMAR


LISBOA • 1961
Cinco séculos de cartografia das ilhas de Cabo Verde

A. TEIXEIRA DA MOTA
Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga, Secção de Lisboa

Celebrando-se agora o quinto centenário do ESTAMPA I — Atlas de 1468, pertencente


descobrimento do arquipélago de Cabo Verde, ao príncipe di Trabia e Butera, Paler-
vem a propósito apresentar algumas espécies mo. Uma das cartas, com a costa afri-
cartográficas que lhe dizem respeito e foram tra- cana desde o Cauo bianco até fallolu,
çadas ao longo dos cinco séculos decorridos. contém quatro ilhas orientais do arqui-
Desde as primeiras cartas náuticas onde fi- pélago: Isola de Sal, Ya. de bonau, Ya.
gura o arquipélago até aos mais modernos levan- de mais e Ya. de San Jac°. - bonauista.
tamentos hidrográficos, organizou-se uma pe-
quena selecção em que, por um lado, através de ESTAMPA II — Atlas de 1468, perten-
representações das ilhas, se procura caracterizar cente ao Museu Britânico (Add. Ms.
várias épocas da história da cartografia, e, pelo 6390), Londres. Uma das cartas, com
outro, evocar alguns episódios da longa e aciden- a costa africana desde o cauo bianco
tada vida da província desde o início do seu po- até ao cauo mesurado, contém, além
voamento. das quatro ilhas que vêm no atlas de
Palermo, mais as seguintes: San vi-
B bem conhecida a discussão à volta dos des- cenço, San nicolo, braua e San felippe.
cobridores das ilhas ocidentais do arquipélago ESTAMPA III — Atlas de 1469, perten-
de Cabo Verde — António de Noli, Luís de Cada- cente à Biblioteca Ambrosiana (S. P.
mosto e Diogo Gomes. Uma carta régia de 3 de II, 6), Milão. Numa carta da África
Dezembro de 1460 indica já os seus nomes: Sam Ocidental abrangendo sensivelmente a
Jacóbo (Santiago), [Sam] Fellipe (Fogo), De mesma área que a anterior, contém
Ias Mayaes (Maio), Sam \Christovam (Boavista) mais três ilhas do que esta. Mais cor-
e Lana (Sal). rectamente é dado o nome de Ya. bran-
No que respeita às restantes ilhas, vêm pela ca à que está junto de san nicolo, se-
primeira vez referidas numa carta régia de 19 guindo-se para norte a Fa. de Sta. Lú-
de Setembro de 1460, com os nomes Brava, Sam cia e duas outras sem nome (certa-
Nycollao, Sam Vicente, Rasa, Branca, Santa Lu- mente S. Vicente e Santo Antão).
zia, SantAntónio, dizendo-se noutra carta, de 29
de Outubro de 1462, que o seu descobridor foi As representações das ilhas de Cabo Verde
Diogo Afonso. contidas noutros atlas de G. Benincasa até 1480
Cadamosto, que deve ter estado nas ilhas incluem-se nos três tipos indicados, por vezes
orientais, regressou de Portugal a Veneza em com ligeiras variantes que não parece terem sig-
1463, sendo natural que levasse consigo qualquer nificado especial ( a ). Ê mesmo plausível supor
carta portuguesa contendo já o arquipélago. O
certo é que as primeiras representações deste
(i) Parte delas vêm em Foutoura da Costa. Cartas das
vêm nos atlas de Benincasa a partir de 1468. Ilhas de Cabo Verde de Valentim Fernandes, Lisboa, 1939.
Garcia de Orta (Lisboa), vol. 9 (n.° 1): 11-16, 1961 11
MOTA, A. Teixeira da — Cinco séculos de cartografia das ilhas de Cabo Verde

que Benincasa tivesse utilizado um único protó- mais antiga representação, hoje conhe-
tipo português, do qual extraiu mais ou menos cida, da cidade da Ribeira Grande,
ilhas, de acordo com a sua situação em relação sendo de notar que nela já figura tam-
à margem esquerda das cartas, que por vezes bém a povoação da Praia. Acompanha
corta o arquipélago. a gravura uma extensa legenda expli-
O desenho do arquipélago aparece já bastante cativa, a qual reproduzimos a seguir na
mais correcto numa carta de Soligo de c. 1486, íntegra, dado o seu evidente interesse.
numa carta de Pêro Reinei de c. 1485-1490 e no De destacar que no vale da Ribeira «do
planisfério de Cantino de 1502 ( 2 ). Encontra-se grow both many excellent hearbs and
depois em numerosas cartas náuticas do Atlân- sundry most delicate fruites, as Dates,
tico do século xvi. Coches nuttes, Plantens, Orenges, Le-
Valentim Fernandes, ampliando-as natural- mons, Sugercanes and diuers others»;
mente de uma carta náutica, desenhou no seu já se fizera, portanto, uma larga intro-
conhecido códice (agora em Munique) dez das dução de espécies vegetais exóticas,
ilhas de Cabo Verde, dando porém apenas a no- uma das características mais salientes
menclatura costeira de uma delas ( 3 ) : da colonização portuguesa nos tró-
picos :
ESTAMPA IV — Ilha de Santiago, segundo
Valentim Fernandes, 1506-1508, ten-
LEGENDA
do-se conservado até hoje uma parte
dos nomes que ele indica. A The place where the whole Fleete first ankered.
B The place where the Pinnaces and Shipboates did set
the souldiers on shore, which might be some fiue
A partir de fins do século xvi, o arquipélago, miles from the towne of S. lago.
C The way which the army did passe ouer the moun-
que já antes era bastante frequentado por na- taines.
vios espanhóis, no caminho para a América e Pa- D A large plaine and place where the army was mar-
tialled in order of battell, and so marched towards the
cífico, ou então para comerciarem, sobretudo em towne.
escravos, passa a ser procurado por Ingleses, E A troupe of shot sent before the vantgard to discouer.
F A troupe of shot belonging to the vantgard, and was
Holandeses e Franceses, que por vezes, em actos lead a little before the squadron of pikes of the said
de guerra ou pirataria, atacam as povoações e os vantgard.
G- The squadron of pikes which had the vantgard, which
navios fundeados nos portos ou navegando nas squadron with the troupes of shot belonging vnto it
proximidades. consisted of three companies.
H Two troupes of shot which marched as the right wing
Um exemplo foi o da esquadra inglesa de 23 or flanke of the vantgard.
navios e 2300 homens, que, sob o comando de I Two troupes of shot marching on the left wing or
flancke of the vantgard.
Francis Drake, aportou em Novembro de 1585 à K A troupe of shot being also of the vantgard and fol-
ilha de Santiago, aí desembarcando 600 homens lowed the pikes.
L The first troupe of shot belonging to the battell, and
que tomaram e saquearam a cidade da Ribeira is the lesser of the twaine that marche before, appoint-
Grande ( 4 ). ed expresly to discouer and to take knowledge of any
thing before.
M The seconde troupe of shot being the greater belong-
ESTAMPA V — Saint lago, gravura, atri- ing to the maine battell, and marched next before the
buída a Jodocus Hondius, no livro de same.
N Troupes of shot belonging to the maine battell.
W. Bigges: A summarie and true dis- O The great squadron of pikes which caried the place
course of Sir Frances Drake West In- of maine battell, which with the troupes of shot be-
longing vnto it, consisted of foure companies of one
dian voyage, Londres, 1589. Esta curio- hundred and fifty men to each ensigne.
sa gravura contém, ao que julgamos, a P The squadron of pikes which made the riergard,
which with the troupes of shot thereunto belonging,
consisted of three enseignes or companies.
Q Troupes of shot belonging- to the riergard.
( 2 ) Para as representações de Soligo e Cantino ver R A place fortified without the towne of Saint lago, by
Fontoura da Costa, ob. cit. A carta de Pêro Reinei, recen- the Which we entred the same being vpon a high hill
temente descoberta e cuja data se indica provisoriamente, or mountaine> and easily ouerlooking all the towne,
será reproduzida no V volume de Portugaliae Monumento, vnto the which towne from thence there lieth a way by
Gartographica. that sloping parte of the hill which is towardes the
(3) O Manuscrito «Valentim Fernandes», Lisboa, 1940, sea, but the rest of the said towne lieth in a low
com as reproduções de todos os desenhos, que também bottome, a valley betweene two hils and the hils being
vêm e são estudados em Fontoura da Costa, ob. cit. cliffed on bothe sides of the said valley which valley
(4) Sobre esta expedição de Drake, ver Irene A. continueth a great way vp into the country, in the
Wright: Further English voyages to Spanish America which valley dooth grow many pleasaunt fruites,
158S-1591i, Hakluyt Society, 2nd series, n° XCIX, London which are watered at pleasure by meanes of a small
1951, com reproduções dos mapas e plantas do livro de fine broocke of running water issuing out of the moun-
Bigges e uma nota a seu respeito, p. XIII. taines of the Island country.

12 Garcia de Orta (Lisboa), vol. 9 (n.° 1): 11-16, 1961


MOTA, A. Teixeira da — Cinco séculos de cartografia das ilhas de Gabo Verde

S The valley aforesaid wherein do grow both many ESTAMPA VI—7. de St. Tiago de Cabo Ver-
excellent hearbs and sundry most delicate fruites, as
Dates, Coches nuttes, Plantens, Orenges, Lemons, Su- de (Praya)f Isle fogho. Isle Brauo,
gercanes and diuers others. Algemeen Rijksarchief, Haia (Buitenl.
T The market place.
V The Church. Kaarten, atlas x, fols. 44-45).
X The midle platforme, standing to the sea warde fur-
nished with very good artillery. ESTAMPA VII—Ilha de Mayo, Idem, foi. 49.
Y The platforme on the west part of the towne furnished
in like sort.
7i The platforme on the East part well planted with Também os Franceses por várias vezes de-
great ordinance as the rest.
AA A place vpon the height of the mountaine standing sembarcaram nas ilhas e aí praticaram assaltos
on the west side of the valley, and was fortified as e actos de guerra. O Sul de Santiago, com as po-
the other ouer against it by the which we entred.
BB A little Chappell that stoode on the point of land voações da Ribeira Grande e da Praia, era a zona
on the West side of Saint lago. mais atingida pelas depredações. De um destes
GC The towne people being Portingals and flying from
thence. assaltos, que não pudemos por ora identificar
DD The way which we marched into the country to- (mas que deve ter tido lugar no século xvm),
wardes the village called Saint Domingo, where it
was said the Bishop and gouernours were fled, but parece ser testemunho um desenho «fait par lê
vpon our approche thitherwardes, they also fled Sr. Pitton Ingenieur Volontaire», no qual clara-
from thence before vs.
EE The village of Saint Domingo being twelue English mente se indica o local do desembarque, a leste
miles, that is, six leagues of France distant from da Praia, e os caminhos seguidos até à Ribeira
Saint lago into the hart of the Island country.
FF The towne of Prayo standing by the sea side, which Grande, falando-se no «battaillon» e nos «grena-
vpon our going a way was burned with fire as the diers» :
towne of Saint lago was.
GG The purtraicture of a flying fish, drawne very like ESTAMPA VIII — Plan de Ia Ville et dês
to the liuing fish, wherof we saw great store, and
had many by falling into the ships, for they fly not forts de Uisle de St. lago et de lev cote
aboue ten or twelue score paces and so fall into the jusque au fort de Ia praiye, Bibliothè-
sea againe, out of the which they rise & take their
flight comonly in flocks together when they be que Nationale, Paris (Depot, 120.7.9D).
hardly chased, and euen ready to be deuoured of the
Dolphin and a fish called Bonito. This picture of
the flying fish is well nigh as big as the liuing fish, O século xvm é o século de oiro da cartogra-
of which kind there hath not beene sene any in my fia francesa, que ocupa então o primeiro lugar
knowledge to carry aboue double the lengh of this
pictured fish. na Europa. Além de grandes geógrafos, como
Delisle e D'Anville, a França produziu notabilís-
simos hidrógrafos. Resolvia-se então o célebre
Os Holandeses, sobretudo na fase de expan-
problema das longitudes, o que acarretou uma
são da sua Companhia das índias Ocidentais,
renovação e intensificação dos levantamentos
também se interessaram pelo arquipélago, pois
hidrográficos, em que se distinguiram os Fran-
este era um importante ponto de escala para o
ceses.
Brasil e servia de base para um activo comércio
É exemplo disso uma estampa da Voyage fait
dos Portugueses com a Guiné.
par Ordre du Rói en 1768 et 1769 (tome I, plan-
Um dos maiores cartógrafos holandeses do
che m), obra cujo autor não identificámos, e na
século xvn, Hessel Gerritsz, trabalhando para
qual se contém uma carta geral do arquipélago
aquela Companhia, embarcou para o Brasil no
(com indicação das observações de longitudes por
Zutphen, navio da esquadra de Adriaen Jansz
cronometres), um plano do porto da Praia e vis-
Pater, e esteve no arquipélago nos fins do 1628,
tas deste último e da ilha de Maio:
tendo os Holandeses atacado Santiago sem su-
cesso. ESTAMPA IX — Carte reduite dês lies du
Em resultado dessa viagem escreveu Hessel Cap-Vert ãressée sur de Nouvelles
Gerritsz dois valiosos roteiros, que se conservam Observations par Mr. d'Eveux de Fleu-
no Rio de Janeiro e na Haia. Este último contém rieu, 1772. Plan de Ia Rode de Ia Praya
uma descrição das ilhas de Cabo Verde, com cin- par Mr. d'Apres de Manevillete, 1763.
quenta e duas vistas da costa e esboços de car- Vue de 1'Ile de Mai. Vue de Ia Rade de
tas das ilhas e portos. Delas se dão, a seguir, Ia Praya.
dois exemplos ( 5 ).
O século xvm é um período de decadência na
(5) Sobre a multiforme actividade de Hessel Gerritsz, cartografia náutica portuguesa, sendo em nú-
ver Johannes Keuning: «Hessel Gerritsz», in Imago Mun- mero reduzido as espécies desse tipo e dessa
ãi, vol. VI, pp. 49-66 (roteiros da viagem de 1628 a pp. 63-
-64), Stockolm, 1949. época que nos chegaram, indício evidente de que
Garcia de Orta (Lisboa), vol. 9 (n.° 1): 11-16, 1961 13
MOTA, A. Teixeira da — Cinco séculos de cartografia das ilhas de Cabo Verde

os nossos marinheiros, para a sua navegação, re- tão (que esteve em Bissau em 1765
corriam sobretudo a cartas estrangeiras ( 6 ). Po- e em Cabo Verde desde 1766 a 1779
dem no entanto apontar-se algumas cartas náu- pelo menos), do qual se conclui que
ticas portuguesas do arquipélago. A que se in- não só trabalhou nas obras de fortifi-
dica a seguir em primeiro lugar é manuscrita e cação do arquipélago e respectivos la-
representa as ilhas de Santa Luzia, S. Vicente vantamentos e desenhos, mas também
e parte de Santo Antão, contendo, em legenda à nas «cartas das dez ilhas ditas, cujos
parte, a nomenclatura costeira. Está desenhada rascunhos tão somente pode o suppli-
à maneira holandesa, com as vistas de costa re- cante fazer, em razão da falta de meyos
batidas ao longo da linha do litoral. A que se conducentes, e indispensáveis para as
indica em segundo lugar é uma carta geral do por em limpo» ( 7 ); este facto junta-se
arquipélago, gravada, contendo em legenda algu- assim à semelhança de estilo apontada
mas indicações sobre a navegação e a referência acima, fazendo crer que o autor das
expressa à escala que os navios estrangeiros com cartas das ilhas, agora no Porto, foi
destino ao Índico costumavam fazer no porto da António Carlos Andreis.
Praia para aí «refrescar e fazer carnes»;
ESTAMPA XIII — [Sal]. Da série indicada
ESTAMPA X — [Carta das Ilhas de Santa a propósito da estampa anterior (pas-
Luzia, São Vicente e parte de Santo ta 24, fl. 25).
Antão], Manuel Isidoro Marques, 1768,
Mandado fazer pelo Dezor. João Gomes ESTAMPA XIV — Planta da Cidade da Ri-
Ferreira, Ouvidor Geral que foi das beira Grande da Ilha de Cabo Verde,
Ilhas de Cabo Verde, Gabinete de Es- com as suas fortificaçoens, e o estado
tudos Históricos de Fortificação e delas e da sua Artilharia, Arquivo His-
Obras Militares, Lisboa. tórico Ultramarino, Lisboa (Cabo Ver-
de, Ene. IV, 71). Sem data, mas refere-
ESTAMPA XI — Plano das Ilhas de Cabo -se a ela um ofício de Manuel Gonçal-
Verde tirado por Francisco Ant°. Ca- ves de Carvalho, datado da Ribeira
bral Anno de 1790, Gabinete de Estu- Grande, 24 de Junho de 1769.
dos Históricos de Fortificação e Obras
ESTAMPA XV — Planta da Cidade da Ri-
Militares, Lisboa (4225/1, 1A-9-13).
beira-Grande da Ilha de Santiago de
Cabo Verde em cuia planta se vê ex-
O século xvin é, na história da cartografia pressadas as vocaçoens dos templos;
portuguesa, o período áureo dos engenheiros mi- nomes dos bairros, e ruas; como tam-
litares, que nos legaram uma quantidade apre- bém o destino dos principais edeficios,
ciável de levantamentos topográficos do ultra- e a quem pertencião; tudo porem no
mar. Devem-se-lhe as quatro espécies seguintes: estado em que se achava em 1778, por
António Carlos Andreis, Gabinete de
ESTAMPA XII — S. Vicente, Biblioteca Pú- Estudos Históricos de Fortificação e
blica Municipal do Porto (pasta 24, Obras Militares, Lisboa (1198/1A-9-
fl. 27). Faz parte de uma colecção de -13). Tem a um canto um Mappa dos
seis cartas do arquipélago, de que só Bairros, ruas, habitaçoens e habitado-
esta tem título, e apenas esta e a do res da \Cidade, do qual se verifica que
Sal têm nomenclatura, muito densa tinha então 787 habitantes (495 livres
aliás. Sem data, mas provavelmente de e 292 escravos).
fins do século xvm. Sem autor, mas o
estilo e a letra apresentam afinidades
com obras de António Carlos Andreis, O século xix é o período áureo da hidrografia
autor da planta reproduzida na estam- inglesa. O aumento do comércio marítimo e a
pa xv. Na realidade, conhece-se um crescente expansão ultramarina, tão ligados ao
requerimento (de 1779) deste capi-

(7) Sousa Viterbo, Diccionário Histórico e Documen-


(6) Exceptua-se no entanto o caso das costas do Bra- tal dos Architectos, Engenheiros e Constructors Portu-
sil, de que nos chegou um número apreciável de levanta- gueses ou ao serviço de Portugal, vol. I, pp. 28-30, Lisboa,
mentos portugueses. 1899.
14 Garcia de Orta (Lisboa), vol. 9 (n.° 1): 11-16, 1961
MOTA, A. Teixeira da — Cinco séculos de cartografia das ilhas de Cabo Verde

desenvolvimento da marinha britânica, têm o ESTAMPA XIX—Planta do Porto da Furna


seu natural reflexo na extraordinária obra hidro- na Ilha Brava levantada no anno de
gráfica então levada a cabo por todo o mundo e 1840 por A. M. F. P. M., Arquivo His-
no renome de que continuam a gozar as cartas tórico Ultramarino, Lisboa.
do Almirantado.
Logo no primeiro quartel do século xix se ve- O jovem tenente, que iria ser um dos mais
rifica a actividade dos hidrógrafos ingleses no notáveis homens públicos portugueses do século,
arquipélago de Cabo Verde. São disso exemplo ocupa assim também um lugar na história da
as três cartas seguintes, levantadas em 1819 e cartografia cabo-verdiana.
1820 por oficiais do H. M. 8. Leven, Captn. D. E. Outro oficial, também dado à política (onde
Bartholomew: não foi porém tão feliz como Fontes Pereira de
Melo) e que deixou o seu nome vinculado à car-
ESTAMPA XVI — An Orometric Survey of tografia de Cabo Verde, foi José Joaquim Lopes
Bonavista (one of the Cape Verde Is- de Lima, oficial da Armada. No livro i dos En-
lands) by Lieut8. Vidal and Mudge} saios sobre a Statistica das Possessões Portugue-
1819. sas no Ultramar, dedicado às ilhas de Cabo Ver-
de e Guiné, saído em 1844, além de planos hidro-
ESTAMPA XVII — A Survey of St. Nicholas gráficos do Porto da Praia e Porto Grande de
(One of the Cape Verde Islands) by S. Vicente, levantados por ele em 1827 (e ainda
Mr. E. B. Durnford, Mitt1., 1820. com as vistas de costa rebatidas, à maneira ho-
landesa), apresenta a seguinte carta geral, ba-
ESTAMPA XVIII—A Plan of Porto Grande, seada nas cartas hidrográficas inglesas:
in the Island of St. Vincent (one of
ESTAMPA XX — Carta Hydrographica do
the Cape Verde Islands) surveyed by
Lieut8. Vidal & Mudge, assisted by Mr. Archipelago de \Cabo-Verde, publicada
por José Joaquim Lopes de Lima do
E. P. Durnford, Midn., 1820 ( 8 ).
Conselho de S. M. F., Capitão de Fra-
gata da Armada Portuguesa em 18^4-
Durante o século xix fundam-se novas povoa-
ções no arquipélago de Cabo Verde, intensifica-se Sena Barcelos, oficial da Armada, natural da
a colonização em várias ilhas anteriormente de- ilha Brava, destacou-se também ao serviço do
sabitadas, ou quase, e desenvolvem-se as obras arquipélago. Historiador infatigável, foi autor
públicas. Tais factos tiveram o natural reflexo dos extensos Subsídios para a História de Cabo
na evolução cartográfica do arquipélago, do que
Verde e Guiné, cujos seis volumes saíram de 1899
se dão alguns exemplos. a 1912 e continuam a ser a principal fonte para a
Em 1840 o governador-geral João de Fontes
história das duas províncias. Mas, além do valioso
Pereira de Melo nomeou o seu filho e ajudante
Roteiro do Archipelago de Cabo Verde, 1892,
de ordens, tenente António Maria de Fontes Pe- ilustrado com cartas de todas as ilhas, Sena Bar-
reira de Melo, para levantar plantas hidrográfi- celos fez ainda o levantamento de vários portos
cas do arquipélago e ocupar-se de vários assun-
do arquipélago, como o do Porto Grande de S. Vi-
tos de obras públicas. Este assentara praça na
cente, Porto da Ponta do Sol (Santo Antão),
Armada e frequentara a Academia dos Guardas- Porto de Santa Maria (Sal) , Porto Inglês (Maio) ,
-Marinhas, tirando a seguir o curso de Engenha-
Porto de Santiago, Porto da Preguiça (S. Nico-
ria na Academia de Fortificação, transformada
lau), Porto da Furna (Brava), Porto da Ribeira
logo em Escola do Exército. Reunia por isso es-
da Barca (Santiago), Porto de Sal Rei (Boa-
peciais condições para tal encargo, e até 1842,
vista), Porto da Praia (Santiago), Porto do Tar-
além dos planos dos portos da Fajã de Agua,
rafal (Santiago), e ainda o seguinte:
Praia e S. Vicente, levantou mais a planta se-
guinte (°). ESTAMPA XXI — Plano hydrographico dos
portos da Villa de S. Filippe e de N.a
( 8 ) Os exemplares reproduzidos, todos das primeiras
S.a da Encarnação, Ilha do Fogo, 1900.
edições, são os do arquivo do Hidrographic Department, A estampa reproduz o desenho origi-
Admiralty, Londres. nal, de M. Dinis, que serviu para a
( 9 ) V. Sena Barcelos, Subsídios para a História de Cabo
Verde e Guiné, parte IV, pp. 267-268, Lisboa, 1910. gravura da carta impressa e se encon-
Garcia de Orta (Lisboa), vol. 9 (n.° 1): 11-16, 1961 15
MOTA, A. Teixeira da — Cinco séculos de cartografia das ilhas de Gabo Verde

tra na Junta de Investigações do Ul- e uma das mais modernas cartas topográficas, e
tramar (pasta 26, Fogo 2). Neste orga- o mais moderno plano hidrográfico):
nismo estão também arquivados os
originais dos levantamentos, da mão ESTAMPA XXII — Carta da Ilha do Sal
de Sena Barcelos. (Cabo Verde), 1887. Coordenada por
Ernesto de Vasconcelos.
Todos estes planos levantados por Sena Bar-
celos foram editados pela Comissão de Carto- ESTAMPA XXHI — Carta da Ilha de S. Vi-
grafia, criada em 1883, organismo que veio coor- cente, 1932. Carta levantada em 1920
denar e impulsionar os levantamentos hidrográ- pelo Com. Filipe de Carvalho, e actua-
ficos e topográficos do Ultramar, e ao qual lizada e completada em 1931 pela Mis-
sucedeu, em 1936, a Junta de Investigações do são Geográfica de Cabo Verde.
Ultramar.
ESTAMPA XXIV — Erquipélago de Cabo
Sob a égide destas instituições a cartografia
Verde — Costa Noroeste da Ilha de
do arquipélago teve um grande progresso, sendo
Santiago — Porto do Tarrafal. Levan-
editadas numerosas cartas novas (10). Dão-se a
tado pela Missão Hidrográfica do Ar-
seguir alguns espécimes (uma das mais antigas
quipélago de Cabo Verde, 1958.
(!Q) A sua lista vem no Catálogo das Cartas Existen-
tes na Junta de Investigações do Ultramar, l.B parte (Pro- Desde os atlas de Benincasa de 1468 (com
víncias Ultramarinas Portuguesas, Cartas Impressas),
Centro de Documentação Científica Ultramarina, Lisboa, elementos, relativos ao descobrimento das ilhas,
1960. As cartas manuscritas (muitas das quais são os le- de c. 1460) até este plano de 1958 decorreram
vantamentos originais e os desenhos que serviram para a
gravura) constam do Catálogo das Cartas Existentes na cinco séculos de evolução cartográfica, de que
Junta de Investigações do Ultramar, 2.tt parte (Províncias as duas dúzias de espécies atrás indicadas cons-
Ultramarinas Portuguesas, Cartas Manuscritas), Secção
de Cartografia Antiga, Lisboa, 1960. tituem breve testemunho.

16 Garcia de Orta (Lisboa), vol. 9 (n.° 1): 11-16, 1961


MOTA, A. Teixeira da — Cinco séculos de cartografia das ilhas de Cabo Verde ESTAMPA I

Gracioso Benincasa, 1468 (Príncipe di Trabia e Butera, Palermo)

Garcia de Orta (.Lisboa), vol. 9 (n.° 1): 11-16, 1961


ESTAMPA II MOTA, A. Teixeira da — Cinco séculos de cartografia das ilhas de Gabo Verde

Gracioso Benincasa, 1468 (British Museum, Londres)

Garcia de Orta (Lisboa), vol. 9 (n.° 1): 11-16, 1961


MOTA, A. Teixeira da. — Cinco séculos de cartografia das ilhas cte Cabo Verde • ESTAMPA III

Gracioso Benincasa, 1469 (Biblioteca Ambrosiana, Milão)

Garcia de Orta (Lisboa), vol. 9 (n.° 1): 11-16, 1961


ESTAMPA IV MOTA, A. Teixeira da —Cinco séculos de cartografia das Ilhas de Cabo Verde

Valentim Fernandes, 1506-1508 (Staadtabibliothek, Munique)

Garcia de Orta (Lisboa), vol. 9 (n." 1): 11-16, 1961


g
s>
>
sR
o
P
p&
2
S'
o
o
Oo
05.
g
<>J

O
Co

&
TO

|
^+
o
<0
~i
âa
aB,
Co

<g«

r
00

a
CO

Q
&
o
CO
-i
%
Cb

M
m
H

ifl
Anónimo — Jodocus Hondius, 1589; gravura >
<!
ESTAMPA VI MOTA, A. Teixeira d. — Cinco séculos de cartografia das ilhas de Cabo Verde

Hessel Gerritsz, 1628 (Algemeen Rijksarchief, Haia)

Garcia de Orta (Lisboa), vol. 9 (n.° 1): 11-16, 1961


MOTA, A. Teixeira da — Cinco séculos de cartografia das ilhas de Cabo Verde ESTAMPA VII

Hessel Gerritsz, 1628 (Algemeen Rijksarchief, Haia)

Garcia de Orta (Lisboa), vol. 9 (n.° 1): 11-16, 1961


H

í
ti
M

g
o
*3
_>
>
Hl
O)
»
o
R'
te
&

l
S
s'
o
o
05
ffi,
Cl
£
O
Co

A
Cs

a•^
o
<c

l
a,
<•»,
f-j

l
a,
03

g
<y
o
TO
^
-i
Sr. Pitton, século XVIII (Bibliothèque Nationale, Paris) a
O)
H
%
>
g
•fl
D'Eveux de Fleurieu, 1772: D'Après de Manevillete, 1763; gravura !»
M
• X
ESTAMPA X MOTA, A. Teixeira da — Cinco séculos de cartografia das ilhas de Cabo Verde

Manuel Isidoro Marques, 1768 (Gabinete de Estudos Históricos de Fortificação


e Obras Militares, Lisboa)

Garcia, de Orta (Lisboa), vol. 9 (n.° 1): 11-16, 1961


MOTA, A. Teixeira da—Cinco séculos de cartografia das ilhas de Cabo Verde ESTAMPA XI

Francisco António Cabral, 1790; gravura

Garcia de Orta (Lisboa), vol. 9 (n.° 1): 11-16, 1961


K
09
1-3

í
b
M

Anónimo — António Carlos Andreis, fins do século XVIII (Biblioteca Pública Municipal do Porto)
MOTA, A. Teixeira da — Cinco séculos de cartografia das ilhas de Gabo Verde ESTAMPA XIII

Anónimo--António Carlos Andreis, fins do século XVIII (Biblioteca


Pública Municipal do Porto)

Garcia de Orta (Lisboa), vol. 9 (n." 1): 11-16, 1961


a
w
gg
T)
>
M
M
<1

Anónimo, 1769 (Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa)


António Carlos Andreis, 1778 (Gabinete de Estudos Históricos de Fortificação e Obras Militares, Lisboa)
Vidal and Mudge, 1819
Durnford, 1820
•a * t i , ,0,1.

** ^.-.,::. -\ ••""'"-.

.,'" ,

', rtj^H
PORTO GRANDE
sjff í-sfer

/,rM,#rjj»- .V P/-yr* *'r


. „ ,., • j .-..-.v -',,-„! íuía*^

--,.-•• - .- . ,.'',"•.., - ' ..,--?..' ; .i?ií-.í,-- -. •-. •., .!-


1
V '/ ftí*rKptKf Mrf

*s ft *í ,;" r. -" i1 í, •*' . -í,;-«"/" f •*' (« .- «.•„',£ n-,' «Ff MK í á

ISfO

Vidal, Mudge and Durnford, 1820


António Maria Fontes Pereira de Melo, 1840 (Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa)
MOTA, A. Teixeira da — Cinco séculos de cartografia das Ilhas de Cabo Verde ESTAMPA XX

P-Ji-T*:;- •••; ,-..''.

fW« *. M«,i.*M «j

fípííA<IÔ é* (Í4W-®trò«.
'.._. J

-
f ff$fS--* M
•-^yflltt»
/', J
f't
/
^~f f M(t

José Joaquim Lopes de Lima, 1844

Garcia de Orta (Lisboa), vol. 9 (n.° 1): H-16, 1961


ESTAMPA XXI MOTA, A. Teixeira da — Cinco séculos de cartografia das ilhas de Cabo Verde

;
OfKANfi ATI.ASTlt* SOKTfc

ILHA D8 F8ÍG
-: - \.

Sena Barcelos, 1900

Garcia de Orta (Lisboa), vol. 9 (n.° 1): 11-16, 1961


MOTA, A. Teixeira da — Cinco séculos de cartografia das ilhas de Cabo Verde ESTAMPA XXII

QARTOCRAPHIA
CARTA

Ernesto de Vasconcelos, 1887

Garcia, de Orta (Lisboa), vol. 9 (n." 1): 11-16, 1961


Missão Geográfica de Cabo Verde, 1932
Missão Hidrográfica do Arquipélago de Cabo Verde, 1958

Você também pode gostar