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ENSEMBLE MICROCANONICO, O postulado fundamental da mecanica estatistica estabelece que todos os estados microscépicos acessiveis a um sistema fechado em equilibrio sao igualmente provaveis. O mimero de estados microscépicos de um fluido termodinamico, com energia E,volume Ve ntimero de particulas N,na presenga de um conjunto (X;] de vinculos internos, é dado pela funcao 0 = 0 (B, V, N; (X;)). Por exemplo, no capitulo anterior jé trabalhamos com uma situagao desse tipo, considerando um sistema constituido por dois fluidos simples separados pelos vinculos representados por ‘uma parede adiabatica, fixac impermeavel (ver figura 4.1). A probabilidade P(X) de encontrar o sistema sujeito ao conjunto de vinculos {Xj} deve ser proporcional a0 (E, V, N3{X4)), ou seja, P({X;})=2(E.V.Ns{%i}) w Nessa linha de raciocinio, podemos utilizar a distribuigao de probabilidades P(X;1) para tratar estatisticamente um processo termodinamico, provocado pela remocao de um determinado conjunto de vineulosinternos (dando origem a interpretacao estatistica da termodinamica). Neste capitulo vamos dar alguns exemplos da uti- lizagdo de técnicas estat ticas, mostrando que num processo de remogao de iden- vinculos internos os valores mais provaveis dos novos parametros devem sei tificados com grandezas termodinamicas no equilibrio, Certamente existem flu- tuagdes em toro dos valores mais provaveis. No entanto, anio ser em certos casos excepcionais, os desvios relativos tornam-se extremamente pequenos no limite ter 90 © Introdugao d Fisica Estatistica ‘modindmico de um sistema fisico suficientemente grande. Também vamos apre- sentar uma série de argumentos para justificar a definicao da entropia como o logaritmo do mimero de estados microscépicos acessiveis ao sistema (segundo Postulado da mecanica estatistica em equilibrio). Nas duas tiltimas segdes, 0 for- malismo do ensemble microcandnico sera utilizado para calcular as propriedades ter- imicas de alguns modelos estatisticos, incluindo o gas ideal classico. 4.1 INTERAGAO TERMICA ENTRE DOIS SISTEMAS MACROSCOPICOS, ‘Vamos utilizar a linguagem estatistica para repetir o tipo de andlise que ja foi realizada no capitulo 3, no contexto da termodinamica clissica, sobre o processo de equilibrio entre dois fluidos simples em contato térmico. Inicialmente, os Mluidos (1) ¢ (2) estio dentro de um recipiente fechado, devidamente separados por uma parede adiabatic fixa ¢ impermeavel (ver figura 4.1) Figura 4.1 Dois Muidos simples separados por uma parede aia fixae impermesve © mtimero de estados microscépicos acessiveis ao sistema (1) é dado por 4 (E,, Vi, Ni) eao sistema (2), por Na(Ey, Vy, Ny). Portanto, oniimero de estados microscépicos acessi is ao sistema composto, constituido pelos dois sistemas simples totalmente independentes, ¢ dado pelo produto = O4(E}.Vi.M,) M2 (Be, Ve, No) @ Vamos supor que, num determinado instante, a parede diviséria interna se torna diatérmica. A energia total permanece constante, mas as energias de cada sistema, Ey ¢ £2, podem flutuar a vontade, contanto que Ey + Ey =E,, onde E,€a energia total constante, Note que os outros parametros macroscépicos dos dois subsistemas (Vj, Vo, Nj, Ny) permanecem constantes. Note também que con- tinuamos utilizando 0 conceito de parede ideal, cuja energia interna pode ser Ensemble Microcanénico * 91 desprezada. Eliminando os parametros constantes para simplificar a notacao, 0 ntimero de estados microscépicos do sistema composto, numa situacao em que fo sistema (1) tenha energia E, € 0 sistema (2) tenha energia Ey E,, pode ser escrito na forma (3) Portanto, utilizando o postulado fundamental da mecanica estatistica, a probabi- lidade de encontrar o sistema composto num estado microscépico em que a ‘energia do subsistema (1) seja dada por B; (com a energia do subsistema (2) dada por Ey = E,~ }) pode ser escrita como P( 84) = (6:9) = £8, (Es}2(Eo~ Ei). Pa onde o inverso da constante cé 0 néimero total de estados microscépicos aces- siveis ao sistema composto global, Ea Qe = YM (£1) (Lo-Fi) 6) £0 1 Nessa argumentagao heuristica, vamos sempre nos referir a situacao mais simples de um modelo com energias discretizadas, embora nao seja dificil reelaborar os argumentos para sistemas com pardmetros continuos. Em geral, (E) deve crescer com 0 aumento da energia E (pois devem apare +r mais estados microsc6picos disponiveis 4 medida que a energia aumenta) Portanto, Mj (Ej) cresce enquanto 99(E,—F}) decresce com aenergia Ey, indicando que a funcio P(E}) deve apresentar um maximo. Por conveniéncia, vamos tomar © logaritmo da probabilidade ¢ escrever F(E;) = In PE, = Inc#InQ (E}) +1n%p (Bp ~ Ey) © Na situagdo de probabilidade maxima, temos onde Ey = B,~ By, Introduzindo agora a definigio de entropia, 92 © Introdugao a Fisica Estatstica s(E kp in QE), @) onde hy éa constante de Boltzmann, recuperamos a condicao termodinamica de equilibrio térmico, T, = Tz. Portanto, com a definigao (8), a maximizacdo da pro- dabitidade corresponde diretamente é maximizagéio da entropia termodinémica! Exemplo: contato térmico entre dois gases ideais clissicos, No capitulo 2 obtivemos uma expressio para o volume do espaco de fase acessivel aum gasideal monoatémico classico (ver exemplo (3) da seco 2.2). Para Nmuito grande, podemos utilizar a expressio do capitulo 2 para escrever ondeaconstante C incorporaadependéncia nos parametros fixos Ne V.Portanto, temos In P(E) = constante +3m, Ink any Inky, onde Ey = £,~ Ej. Calculando a primeira derivada em relagao a E,, 2= By By P i obtemos a condigao de extremo, N Ny Utilizando a definicéo de entropia, dada pela equacao (8), ¢ identificando os valores mais provaveis da energia com a propria energia interna termodinamica, ou seja, fazendo U= E, obtemos 13M Kgl, 2, kyTz Up de onde decorrem a equalizagdo das temperaturas, T; = Ty = T, ea equagio de estado de um gas ideal monoatémico, Ensemble Microcanénico * 93 Vamos agora considerar a derivada segunda, FP nP(E) __3N,_ 3Np 2 ers oR? 252 2B? No ponto extremo, fazendo By =U, = 3 My temos PinP()) _ BEF Ie garantindoacondicao de mi 10 da probabilidade. Nas vizinhangas desse maximo, podemos escrever a expansio de Taylor _ 1_Ny+No 3 In P(E,) = constante - SET ENN Ey-gMibsT | +... Portanto, temos a aproximagio gaussiana (ver capitulo 1), onde A€ uma constante de normalizagao. Utilizando essa distribuigao gaussiana, podemos calcutar 0 valor médio, (Eide 3 SNyhpT Nake’ 94 © Introdugdo d Fisica Bstatstica ¢ 0 desvio quadratic em relagao & média, 272N Ny ((s8,#) 3 BT?NWNy G2 NtNy ‘Temos, entao, 0 desvio relativo : " zm 3 MM +N) que se torna muito pequeno para um sistema suficientemente grande (com Nj, Ny ©). Portanto, nesse limite termodinamico, as flutuagées em torno do valor médio, que coincide com o valor mais provavel, sio extremamente pequenas, jus- lificando aidentificagao entre a média probabilistica da energia ea propria energia interna termodinamica. 42 INTERACAO TERMICA E MECANICA ENTRE DOIS SISTEMAS Vamos considerar de novo o sistema representado na figura 4.1. Inicialmente, a parede interna impede qualquer contato entre os dois fluidos simples (é adia- batica, fixa ¢ impermeavel). A partir de um determinado instante ela se torna dia- térmica € mével. Portanto, a partir desse instante, embora N, e Ny permanecam fixos, a energia ¢ 0 volume de cada sistema podem flutuar, mantendo os vinculos globais | + Ey = Ey © Vi+Ve=Vo, © onde E, ¢ V, sio constantes. No equilibrio, o ntimero de estados microscépicos acessiveis ao sistema composto, quando o sistema simples (1) tem energia Ey ¢ volume Vj, sera dado por Q(4),V15 Bo, Vo) = 21 (1.1 )@o(Lo - £1.Vo-Vi) (10) onde estamos omitindo a dependéncia com os parimetros fixos Ny ¢ Ny. A pro- babilidade de encontrar o sistema composto num estado em que o sistema (1) seja caracterizado pelos pardmetros macroscépicos Ey, Vj ¢ Nj sera dada por Ensemble Microcandnico © 95 P(E) 4 (E1.¥1)22(Fo-F1,Vo-Vi), i) onde o prefator constante é obtido por meio da expressio 1 1 ay Maximizando o logaritmo da probabilidade P(E),Vj), temos Ain P(E},Vi) _ An Qy(44,V,) _ An Q(Fo,Vg) a a SS~*«SE ‘OB oD AMPLY) _ AND) (E,,V))_ A InQo(E,Ve) us avi OV; Ve wt Com a definicao de entropia, estabelecida pela equacao (8), obtemosas condigdes usuais de equilibrio da termodinamica, «Aah, ay T Ty ou seja, Ty = Tye py = py. Dessa forma, podemos construir novamente toda a ter- modinamica de equilibrio: a maximizagao das probabilidades é idéntica & maxi- mizacdo da entropia, No limite de um sistema muito grande, esperamos que as Alutuagdes em tomo do equilibrio sejam muito pequ s, permitindo a identi- ficacdo dos valores médios (ou mais provaveis) com as grandezas macroscépicas da termodinamica. Para enfatizar o papel desempenhado pelo limite termodindmico, vamos verificar as condicdes em que a entropia estatistica de um sistema composto é igual soma das entropias estatisticas dos seus componentes mais simples. A fim de nao sobre- carregara notagio com uma somatéria dupla, € mai interessante voltar ao exemplo da segio anterior, em que dois subsistemas estio em contato térmico, separados por uma parede diviséria fixa e impermedvel. Utilizandoa definigao (8),aentropia do sistema composto deve ser escrita como 96 © Introducéo d Fisica Estatistica fy in In Qe = ky ny YO; (F,)2o(Fy - E)) (a6) Ey0 ‘Vamos agora considerara somat6ria na energia. Certamente, essa soma de ntimeros positivos deve ser maior do que seu termo mi imo. Por outro lado, deve ser menor do que 0 termo maximo multiplicado pelo néimero total de termos. Trabalhando com uma energia discretizada, 0 mimero total de termos é da ordem de E,/8E, onde 6E € um valor pequeno mas fixo. Entio, podemos trivialmente escrever a desigualdade « 2401) 2( 04) = $204(4)Os(E—#)) s 7 (U1 )20(Eo - Ui) Como todos 0s termos sio positivos, também vale a mesma desigualdade para os logaritmos, In.Q, (U,) +n Q9( Ey aE of Yay(e ye) < as) $ INQ) (U;) + In Qg (Eq — Uy) + In Lo - In SE Portanto, temos 1 (Uy) + S2(Ug) $ Se S Sy(Uy) + S9(Ua) + 09 + ky In Ey ~ ky In dE . No limite termodinamico, devemos tomar Nj, Np—> ®, Uj, Uy—> %, mas fixando ‘ovalor das razdes N;/N, No/N, U,/N, Uy/N (esse limite pode ser visualizado como uma colecio de sistemas idénticos, colocados lado a lado, de tal forma que os pardmetros extensivos se adicionem, masas densidades permanecam fixas). Entio, as entropias $1, Sy ¢ S¢devem ser da ordem de N, enquanto In E, é da ordem de In Ne In 8Eé independente de N. Conseqiientemente, é nesse limite termodi- namico que vamos ter a estrita observancia da aditividade da entropia, Ensemble Microcandnico © 97 Se > S,(Uy) + S9(Ue) (20) Na década de 60 houve um esforco consideravel para colocar esses argumentos heuristicos em bases matemdticas rigorosas. Mais adiante vamos voltar a essa questio, no contexto do ensemble candnico. Atualmente, € possivel provara exis: téncia da funcio entropia, no limite termodinmico, com as propriedades corretas de convexidade, para todos os sistemas de particulas classicas ou quanticas envolvendo interagées de natureza fisica. 4.3 CONEXAO ENTRE O ENSEMBLE MICROCANONICO E A TERMODI- NAMICA O primeiro postulado da mecanica estatistica de equilibrio estabelece que todos 0s estados microscépicos de um sistema fechado, com energia fixa, sao igualmente provaveis, definindo o ensemble microcandnico. O segundo postulado é a definigéo de entropia, dada pelo logaritmo do mtimero de microestadas acesséveis ao sistema, possibilitando a conexao entre o ensemble microcandnico ¢ a termodindmica. No caso de um fluido puro, em que o estado termodinamico € caracterizado pela cnergia E, pelo volume Ve pela quantidade de matéria representada pelo nimero de particulas N, a entropia é definida por S(E,V,N) = kg MQ(E,V,N), (ay onde ky é a constante de Boltzmann ¢ 2(E, V, N) € 0 ntimero de microestados (ou 0 volume do espaco de fase, no caso de um modelo classico) acessiveis ao sistema, No entanto, essa conexao deve ser feita no limite termodinamico, ou seja, para E, V, N—> ©, com densidades fixas, E/N= u, V/N= v, onde we vsio cons- tantes, Apenas nesse limite € que se climinam 0s efeitos das condi¢des de contorno ido (21), deve ser uma funcio homogénea de primeiro grau das suas varidveis extensivas, de acordo com as exigéncias da termodinamica classica. Do ponto de vista nao deve haver diividas sobre a importancia do limite termodinamico: as derivadas termodinamicas de interesse experimental, como os calores especificos, os cocfi- € que a entropia de um modelo matematico, obtida por meio da d ico, cientes de dilatagao ou as compressibilidades, sio sempre medidas ¢ tabeladas ema (desde ntemente grande!). As propriedades termodinamicas sempre por mol (ou por particula) sem qualquer referénciaao tamanho dosi que ele seja sui se referem ao material como um todo (ao que se chama em inglés de bull), impli- citamente utilizando a nogao de limite termodinamico. Do ponto de vista mate- 98 + Introdugio a Fisica Estatistica matico, j4 apresentamos algumas ilustracdes para mostrar que o limite termodi- namico é essencial, a fim de permitir a conexio de valores médios ou mais pro- vaveis com os valores macroscépicos das grandezas termodiniimicas, Mais adiante vamos ver que a equivaléncia entre os diversos ensembles da mecanica est ica somente se verifica nesse limite. Portanto, 0 segundo postulado, representado pela definigio (21), deveria ser reformulado como (uo) = tim © 5(£,V,N) im 2 ky In Q(E,V,N), (22) onde o limite é tomado para E, V, N—> , com E/N= fixos. Vamos, agora, retomar os exemplos do capitulo 2. , V/N=v, onde we vestio Exemplo (1): paramagneto ideal de spin 1/2 Retomando o exemplo (3) dasegio 2.1, vamos considerar Nparticulaslocalizadas, despin 1/2, na presengade um campo magnético. Como jé vimos, o hamiltoniano do sistema é dado pela expressio Ny H=-HH Yo; , (23) 7 onde 0 conjunto de variaveis de spin, {¢;}, com o)=+ 1, para j= 1,..,N, caracteriza 08 estados microscépicos do sistema. No capitulo 2 realizamos um trabalho de contagem para mostrar que o ntimero de estados microscépicos acessiveis a0 sistema, com energia fixa E, é dado por 2) Portanto, mQ(E,N)= ote Como estamos interessados na entropia no li N— », com E/N= ufixo), podemos utilizar a expansio de Stirling para escrever te termodinmico (isto é, para E, Ensemble Microcanénico * 99 a) ree N,Ink). Entio, temos lim ENoeE N onde a densidade de energia esta sendo tratada como uma variével continua. A entropia por particula do paramagneto ideal sera dada por $(u) = kg In2~ 1 (25) ~Paa(1e ts n(n) 2 HoH HoH A partir dessa equacao fundamental podemos obter todasas propriedades termo- dinamicas do paramagneto ideal de spin 1/2. Por exemplo, a temperatura é dada pela equacio de estado k u in| 1-4 | - “Btn 1+ 3 w( al 2H ( “a ” Na figura 4.2 esbocamos um grafico de s(u) contra a energia por particula u. Note que a densidade de entropia é uma fungao céncava da energia € que a regido fisica, correspondentea temperaturas positivas, se verifica apenas para u<0. Para =~ j1,H, todos os spins devem estar alinhados com 0 campo, ha um tinico estado microscépico acessivel ao sistema ¢ a entropia deve ser nula. Quando w= 0, a entropia é maxima (nessa situagao, metade dos spins estio orientados para cima caoutrametade, para baixo). Maisadiante vamos ver que por meio de um artificio 100 * Introdugio a Fisica Estatistica fisico engenhoso é possivel atingir a regido de temperaturas negativas que, no into, deve corresponder a energias sempre maiores. To Teo “0H 0 wie Figura 4.2 Grfico da entropia contra a energia por particula para o paramagneto ideal de spins lealizados, Invertendo a equacao de estado na representacio da entropia, obtemos uma expresso para a energia por particula do paramagneto ideal como fungao da temperatura, Holt =-Hnt ao tat), a) Observando que a energia pode ser escrita na forma E = =HlgHN, + ioHNo , onde Nj € Ny sio, respectivamente, o ntimero de spins para cima e 0 ntimero de spins para baixo, e definindo a magnetizagao por particula, M _ HoN = oN N No ‘obtemos a relacio -Hm , de onde vema famosa equagao de estado paraa magnetizagao de um paramagneto ideal, m= Hg sano( Hott) (28) Ensemble Microcaninico * Na figura 4.3 esbocamos um grafico da magnetizacao adimensional por particula contra 0 campo magnético em unidades de hyT/t19. Para ft,H > kpT, ou seja, para campos altos ou temperaturas baixas, o sistema fica saturado (m/p,—> + 1, dependendo do sinal do campo H). De acordo com 0 comportamento caracte- ristico dos cristais paramagnéticos, para y., H< kyT,a magnetizacio varia linearmente com 0 campo. wiht Figura dS Magnetizacio limensional) por pa contin o campo apliado para paramagneto ideal de spins localzados, A partir da equagio de estado para. a magnetizacio, m= m(T, H), podemos obter a suscetibilidade magni ica (que é o andlogo da compressil térmica dos fluidos), 2 = (2%) = M0 cosh-2/ Holt (rt) =( on) roe (ee roy Acampo nulo, temos iP) = yl c 4o(T)=x(7.H =0)=F, (30) onde 22 /ky > 0. Esta é a expressio da conhecida lei de Curie para o para- magnetismo, verificada experimentalmente para grande variedade de sais para- magnéticos (¢ servindo algumas vezes como um termémetro secundario a baixas temperaturas). Geralmente os dados experimentais sio colocados num grafico em que as coordenadas sio o inverso da suscetibilidade a campo nulo € a tempe- ratura absoluta. O coeficiente linear da reta experimental fornece informacées sobre 0 valor do momento dos fons magnéticos do sistema. Vamos voltar a esse problema mais tarde, no contexto muito mais conveniente do ensemble candnico. 101 102, * Introdugéo d Fisica Estatistica Exemplo (2): s6lido de Einstein. No exemplo (6) da secao 2.1 consideramos um sistema constituido por N osci- ladores harméi icos unidimensionais quanticos, localizados € nao-interagentes, oscilando com a mesma freqiténcia fundamental @. Para simular as vibragdes eli ‘as de um cristal tridimensional, bastaria localizar os osciladores nos sitios da rede cristalina, considerando oscilacdes independentes ao longo das trés diregdes. Certamente, este ainda é um modelo muito simplificado, com uma tinica freqiiéncia fundamental de oscilacio, nao levando em conta as interagdes entre 08 osciladores. Em um de seus trabalhos pioneiros, aplicando as idéias de quan- tizacao da energia que haviam sido recentemente utilizadas por Planck, Einstein mostrou que esse modelo m to simples de osciladores quantizados é capaz de preveradiminuicao do calor especifico dos sélidoscoma temperatura. No capitulo 2, 08 estados microscépicos do modelo de Nosciladores eram caracterizados pelo conjunto de mfimeros quanticos (m,..,.nyy), onde nj=0,1,2,... designa o ntimero de quanta de energia do jésimo oscilador. Portanio, a cnergia total do sistema era escrita na forma 1 moony = MhO+ NAO, en € 0 problema estatistico se resume na contagem do mimero de possibilidades de distribuir M quanta de energia entre N osciladores. No ensemble ndnico, essa contagem, que s6 pode ser feita de maneira exata em casos muito simples, ésempre a parte mais dificil do problema, No capitulo 2, dadaa energia total E¢ o mimero de osciladores N, ja tinhamos obtido © mimero de auto- estados acessiveis, (32) Portanto, utilizando a expansio de Stirling, podemos escrever InQ(z,N) (4 S-1)n( Aa)-(4 uo x) -(N-1)In(N-1)+0(InN,InE). No limite termodinamico, temos a expressio da entropia por oscilador Ensemble Microcaninico « 1 , wie nQ(E.N) = JolGees)-m(G-2)*(i5-3) a partir da qual podemos descrever 0 comportamento termodinamico do sélido (33) de Einstein. A equacio de estado para a temperatura é dada por rok aeleseea) Sa Invertendo essa expressio, podemos obter uma equacao de estado para energia por oscilador em termos da temperatura, (34) No limite de baixas temperaturas (ou seja, para kyT < hw), obtemos a energia quantica de ponto zero, u—> fiw/2. No limite de altas temperaturas (pT > ho), recuperamoso famoso resultado clissico, u—> kyT.O calor especifico desse modelo é dado por au (9 y i Bu py( oY ot) or kg? f ho (35) com a forma esbocada na figura 4.4. No limite de altas temperaturas, para Th 1 para os cris ho/kp, onde a temperatura de Einstein Ty é da ordem de 100K is mais comuns, recuperamos o resultado classico, ¢> ky, conhecido como lei de Dulong ¢ Petit. A baixas temperaturas, para T< Tg = hw/kg, 0 calor especifico se anula exponencialmente com a temperatura, ho? ho 69 kp 22) exp -22 ig? igh 103 104 * Introdugdo a Fisica Estatistica , foram feitas medidas bem Slidos com a temperatura, Em Alguns anos depois do trabalho pioneiro de Einstei mais precisas da variacao do calor especifico dos vez de um decaimento exponencial, muitos s6lidos apresentam um calor espe- cifico que varia assintoticamente com T3 para T— 0. Esse comportamento foi posteriormente explicado por Debye quanticos do modelo de Einstein. icluindo interagdes entre os osciladores Figura 4A Calor especitico contra a temperatura para o él de Einstein Exemplo (8): sistema de particulas com dois niveis de energia. Antes de considerar 0 problema mais realista (e muito mais dificil) de um gas de particulas no espaco de fase cléssico, vamos discutir um modelo drasticamente simplificado constituido por N particulas que podem ser encontradas em dois estados, com energias 0 ou € > 0. A especificacao do estado microscépico desse sistema requer 0 conhecimento da energia de cada particula. Estamos, portanto, iante de um problema combinatério andlogo ao do modelo de ions localizados in 1/2, que ja foi tratado no primeiro exemplo dessa seco. Considerando ‘uma situagao com Nj particulas no estado de energia nulae Ny de g N-Nj particulas no estado com energia € > 0, 0 ntimero de estados microscépicos acessiveis ao sistema é dado pelo fator combinatério NI O=NN-M) Dada a energia total E= € (N- N), ficam definidos os valores de Ny ¢ de Ny Portanto, Para obter a entropia, vamos escrever a expansao de Stirling, Ensemble Microcandnico * 105 nQ(E,N)=Nind ~£in( 2) +0(0n4,108) ee ‘uconstante, temos #1 cae nl = |In| 1-= |-kg = In| — z)m(i-$)-m(s)- o» Na figura 4.5 esbocamos um grafico da densidade de entropia s contra a den- sidade de energia u. Note que a entropia é uma fungao concava da energia. Para w= 0, a entropia deve ser nula, pois todas as particulas encontram-se no estado fundamental, com energia nula (¢ a tangente da curva vai a infinito, poisa temperatura é nula). A entropia é maxima para w= :/2, que corresponde ‘a. uma situacdo de temperatura infinita, em que os dois niveis de energia das particulas sao praticamente idénticos (ky €), com metade das particulas em cada nivel. Para u> €/2 teriamos uma regido nao-fisica, correspondente a tem- peraturas negativas. Figura 4.8 Grifico da entropia contra a energia por particula para o sistema de partiulas com dois nivel cenergia A equacao de estado na representagao da entropia é dada por 1a T du de onde temos 106 * Introdugao d Fisica Estatistica indicando que a fungao entropia, s= s(u), € céncava para 0 < w< €.A partir da podemos obter uma expres ‘equacio de estado na representacao da entropii para a energia em funcao da temperatura, eePe 0 u= (37) lee onde estamos wtilizando a notacao f= 1/(kgT). Essa formula ja se presta a uma interpretago probabilistica muito simples, que vai ficar clara mais adiante, no contexto do ensemble canénico. Considerando uma particula isolada, poderiamos atribuir as probabilidades 1 7 : 8) lte a l+e respectivamente, de que os niveis com energia nula ou energia €> 0 estejam ocupados. Estes sio 0s famosos fatores de Boltzmann, que definem as probabilidades de ocupacao dos estados de particula tinica num sistema de particulas ndo-inte- ragentesa uma determinada temperatura T, A média probabilistica, representada pela equagio (37), também pode ser obtida por meio da formula do valor médio, w= 0x P, + Ex Py. Na figura 4.6 apresentamos um esbo¢o de u contra a tempe- ratura T (como Pj 2 Py, verificando-se a igualdade apenas para T—> , a energia varia entre o valor nulo do estado fu damental ¢ 0 valor maximo €/2, quando 0s dois niveis ficam igualmente populados). Por curiosidade, também estamos ineluindo 0 ramo de temperaturas negativas: note que qualquer temperatura negativa corresponde a uma situacdo mais energética, com energias maiores do que as situagdes com temperaturas positivas. Pensando em termos dos fatores de Boltzmann, P, € Py, numa situacdo com temperaturas negativas, devemos ter P, < Py, ou seja, devemos inverter a populagao dos dois niveis. Certamente isso poderia ser conseguido invertendo o sinal de €. Por exemplo, no caso do modelo magnético com fons de spin 1/2, 0 espacamento entre os niveis de energia de cada particula é dado por ¢= 2y1,H, podendo ser invertido mediante uma simples mudanga de sinal do campo magnético externo produzido por um cletroima, Apé inversio do campo, a rede magnética ficaria com muita energia, em dese- quilibrio com a rede cristalina € 0 meio ambiente. Foram cfetivamente realizadas experigncias dessa natureza em determinados cristais magnéticos com tempos Ensemble Microcanénico # de relaxacio spin-rede suficientemente longos; o leitor interessado podera con- sultar o trabalho pioneiro de N. F. Ramsey, em Phys. Rev. 108, 20 (1956). Figura 46 Grifico da energia por particu contra a temperatura para o sistema de pa niveis de energia. Note que a egiio de temperaturas negativas correspond sempre a valores is altos de energia A partir da equacio (37), paraaenergiaem funcio da temperatura, podemos obter uma expressio para o calor especifico, ee = hg(Be)’ — —pe (39) (ue) E facil observar que o calor especifico tende a zero nos limites de b temperaturas, para BE» 0 ou Be—> ©. Na figura 4.7 esbocamos um grifico do calor especifico contraa temperatura, Nesse grafico, hé um maximo arredondado ixas ou altas para Be~ 1, ou seja, para uma temperatura da ordem de €/ky . Este 0 conhecido feito Schottky, marca registrada dos sistemas em que as particulas podem ocupar apenas alguns niveis discretos de energia. Ay t Figura 4.7 Calor espesifico contra a temperatura para sistema de dos nives, 107 108 + Introdugio @ Fisica Estatistica Exemplo (4): gas de Boltzmann. Caberiam agora algumas considera¢des sobre uma generalizagio do modelo de dois niveis. Com 0 objetivo de ressaltar o papel dos argumentos probabilisticos na definicio da entropia, Boltzmann propés um modelo em que as particulas de um gas poderiam ser encontradas num conjunto discreto de valores de energia, (gis j= 1.2.3... O modelo de dois niveis seria um caso particular, com & = 0 £=€> 0. O estado microscépico do gas de Boltzmann é especificado fornecendo a energia de cada uma das particulas. Vamos, entao, definir 0 conjunto de “miimeros de ocupacao”, (Nj), em que Nj designa o mimero de particulas com energia €1, Ny designa o ntimero de particulas com energia €, ¢ assim por diante. Portanto, dados o conjunto de mimeros de ocupagao [Nj], a energia total Ee 0 mimero total de particulas N, podemos escrever o mimero total de microestados acessiveis ao sistema na forma . (40) com as restrigdes N=DN; e E=DeN; ay j 7 A probabilidade de encontrar o sistema nessas condicées sera proporcional a QUIN; EN), comas restricdes impostas pelas equagdes (41). Entio, para encontrar os miimeros de ocupacao em equilibrio, podemos maximizar Q (\Nj}; &, N) em relacio ao conjunto (Nj), respeitando as condi¢ées (41). Utilizando o método dos multiplicadores de Lagrange, vamos construir a funcdo J({Ns} A142) na({n,}; EN) + (42) +A) N-YN; [+49] E- Dein, A j|t42 ia) i i A extremizacao em relacéo aos multiplicadores de Lagrange Ay ¢ Ay fornece as equagées (41). Utilizando a expansao de Stirling, também podemos escrever aca -InN, aN, Ay ~ Age, = 0. a) Ensemble Microcanénico © 109 Eliminando o multiplicador de Lagrange Ay, temos a distribuigao de equilibrio (44) onde o fator de normalizacao Z; € dado por a= Zales) o ; Aexpressio para N,/N jé tem a forma de um fator de Boltzmann e pode ser inter pretada como uma probabilidade de ocupacio do nivel de energia €. O multi- plicador de Lagrange Ag, que deve ser inversamente proporcional a temperatura, pode ser encontrado impondo que a energia total E seja dada pela expres classica, (3/2) NkyT. Entao, temos De. exp(-A2e1) E yy = N E Deve N Soothe) a j NigP (46) que pode ser escrita na forma mais compacta (47) De fato, no limite continuo, dado por 4 ohne 48) ke 2 , (48) 3/2 3 1. og Qn Yoda Ag = mi =_— 2 fesenl-mpnst)- (35) 2 Utilizandoasequagdes (49) ¢ (47) podemos, finalmente, estabelecer a identificacao 1 age ei 2 yr C 110 + Introdugdo a Fisica Estatistica Nese limite continuo, também recuperamos a famosa distribuigio de Maxwell. Boltzmann das velocidades moleculares, Ne Xt pla)a’s, 6» onde (O gis de Boltzmann representa uma tentativa pioneira, anterior ao trabalho de Planck, de introduzir um modelo com niveis discretos de energia. No entanto, ‘embora servindo para ilustrar o papel da teoria de probabilidades ¢ reproduzindo certos resultados fisicos, 0 gas de Boltzmann nao passa do que se costuma chamar de um “modelo de brinquedo”. Uma discussio mais adequada do gas classico vai ser feita logo a seguir, utilizando o espaco de fase da mecanica classica. Por outro lado, a discretizacdo da energia de um gas de particulas somente pode ser feita de m: ira correta no contexto da mecanica quantica. Mais adiante vamos ver que o modelo de Boltzmann, acrescido de alguns esclarecimentos ¢ determinadas, correcdes, pode ser realmente obtido no limite classico dos gases ideais quan 4.4 GAS IDEAL MONOATOMICO CLASSICO Ohamiltoniano de um gis classico de Nparticulas pode ser escrito na forma x is 5 t= De w+ Lv(li-*)) » 6) ig onde o potencial entre pares V(r) deve ter um carogo duro, refletindo a impe- netrabilidade da matéria, e uma pequena parte atrativa, anulando-se de mancira suficientemente rapida para r—> , Uma forma realistica de V(r), para a qual se pode mostrar a exist poter de maneira aproximada e somente vio ser considerados bem mais adiante neste do limite termodinamico, é dada pelo famoso de Lennard-Jones. Modelos realistas, no entanto, sé podem ser tratados texto. Vamos, por enquanto, limitarnos & andlise do gas ideal, simplificando drasticamente a equacao (53), mediante a eliminagao do termo de interagio entre as par sulas, Ensemble Microcanénico « No exemplo (3) da secio 2.2 ja tinhamos considerado um gis clissico ideal, com Nparticulas monoatémicas de massa m, dentro de um recipiente de volume V, com energia total entre Ee E+ 3B. O volume do espaco de fase clissico acessivel ao sistema era dado pela expressio VE 2 8E, © m ye 3N (2) cavlomye onde Csy é um prefator dependente apenas do mimero de particulas N (uma expresso para Cyyyé dada no apéndice A.4). Preparando-se para tomar 0 termodinamico, podemos escrever E/N = we V/N= v. Entio, temos ite Fina(ev.n,ab)=(2 Jinceine (3-2 ina + (55) importante observar que lim 1inde=0, Nom pois 5Eé uma grandeza pequena mas fixa (justificando a conveniéncia da escolha de um ensemble em que a energia pode variar entre Ee E+ 8). Portanto, no limite termodinamico, F, V, N> ®, com £/N= ue V/N= v fixos, recuperamos 0 conhecido resultado para a entropia do gas ideal monoatomico, 1 N (u,v) = lim ky nO(E,V,N:SE) = hpinu thylnv+so, (56) onde s, é uma constante, desde queo prefator Czy tenha um comportamento assin- (6tico para N grande da forma Cy >2N 2 aX, on onde @é uma constante, como pode ser visto por meio de uma mera inspecio da equacdo (55). A partir da equacao fundamental (56), obtemos as equacées de estado na representacio da entropia, an 112. © Introdugdo a Fisica Bstatstica as © Ou pu T que podem ser reescritas na forma mais comum 3 us Shol e po=kyT . (58) Do ponto de vista classico, nao ha nenhuma possibilidade de obter a constante 5,» pois a propria escolha das coordenadas generalizadas do espaco de fase nao é univoca (¢ 0 volume 0 é uma grandeza dimensional). Vamos fazer alguns comentarios sobre esses resultados. A existéncia da funcdo entropia, s= 5(u, v), no limite termodinamico, foi estabelecida supondo ‘ero de particulas N (veja de novo a equacio 57). No entanto, nem seria necessario langar mio do limite termodinamico para obter as duas equacdes de estado do gas ideal. De fato, utilizando a equacao (54), podemos escrever uma dependéncia bem definida do prefator C3ycom 0 ni S(E,V,N; 6E) = kp InQ(E,V,N;6E) = Sigh In E+ hg Inv + f(Ni3E), onde f(N; 6E) é uma funcao de Ne 6E. Portanto, temos as expresses 1 _ aS _ 3kyN OE eeosee aah 2E Two que sio idénticas as equacdes de estado obtidas anteriormente. No entanto, para obter o potencial quimico, ou trabalhar com a entropia de uma mistura de gases, temos de analisar a dependéncia correta com o méimero de particulas. Surge, jé tinha sido percebido por Boltzmann e Gibbs. Considerando com maior cuidado as equacdes do apéndice A.4, verificamos que entao, um problema grave, que j © volume de uma hipercoroa esférica de raio Re espessura muito pequena 8R num espaco ndimensional é dado por Ensemble Microcanénico Q,,(R;4R) = C,R"8R ea Portanto, (60) em discordancia com 0 expoente de N na equacao (57). Logo se percebeu que seria necessério introdu: uum fator ad-hoc de correcdo das formulas clissicas no espaco de fase, dividindo o volume acessivel 2 por NI, fim de obter 0 compor- tamento esperado. De fato, utilizando a forma correta de Cy, dada pela equacio (60), temos com 0 mesmo comportamento assint6tico da equacdo (87). Entio, no caso de particulas clissicas no espago de fase, vamos sempre fazer wD garantindo a existéncia do limite termodinamico. Esse fator de contagem correta de Boltzmann vai-nos acompanhar durante todas as nossas manipulagdes com a mecanica estatistica classica de um gas de particulas. Embora a divisio por NI esteja reflet ndo o carater distinguivel das particulas classicas, a introdugao des fator nao passa de um mero artificio para assegurar que a definicao estatistica de entropia produza, de fato, uma fungao aditiva, com as propriedades de homoge- neidade da entropia termodinamica, Mais tarde vamos ver que esse artificio acaba sendo justificado por meio do estabelecimento do limite classico da entropia de um gis ideal quantico. Neste limite classico é que surgem tanto o fator correto como todasas constantes que nos permitem calcular univocamente a entropia de um gas de particula U3

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