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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

CAMPUS JORGE VASSILAKIS - GM


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA LINGUAGEM

MARIA JOSÉ LIMA DE SOUZA

AS ARTES DE DIZER DA PESSOA SURDA EM UMA FAMÍLIA DE


OUVINTES

GUAJARÁ-MIRIM
2023
MARIA JOSÉ LIMA DE SOUZA

AS ARTES DE DIZER DA PESSOA SURDA EM UMA FAMÍLIA DE


OUVINTES

Monografia – apresentada ao DACL–


Departamento Acadêmico de Ciências da
Linguagem da Fundação Universidade
Federal de Rondônia – Unir, Campus Jorge
Vassilakis – Guajará-Mirim – RO, como
requisito para obtenção do título de
Graduação em Letras Português e suas
respectivas Literaturas.

Orientadora: Prof. Ma. Ednéia Bento de


Souza Fernandes1
Coorientador: Prof. Ma. Michela Araújo
Ribeiro2

GUAJARÁ MIRIM
2023

1
Professora Ma. voluntária e Tradutora e Intérprete de Libras do Campus Jorge Vassilákis de Guajará-
Mirim.
2
Professora Ma. do departamento acadêmico de ciências da educação do Campus Jorge Vassilákis de
Guajará-Mirim.
Catalogação da Publicação na Fonte
Fundação Universidade Federal de Rondônia - UNIR

S729a Souza, Maria José Lima de.


As artes de dizer da pessoa surda em uma familia de ouvintes / Maria Jose Lima de
Souza. - Guajará-Mirim, 2023.

32 f.: il.

Orientadora: Profª. Ma. Ednéia Bento de Souza Fernandes.

Coorientadora: Profª. Ma. Michela Araújo Ribeiro.

Monografia (Graduação), Departamento Acadêmico de Ciências da Linguagem, Campus


Jorge Vassilakis, Fundação Universidade Federal de Rondônia.

1. Cultura Surda. 2. Nomeação em Línguas de Sinais. 3. Onomástica. I. Fernandes,


Ednéia Bento de Souza. II. Ribeiro, Michela Araújo. III. Título.

Biblioteca de Guajará-Mirim CDU 376-056.263

Bibliotecário(a) Marília Rodrigues de Assunção CRB-11/976


06/03/2023, 10:56 SEI/UNIR - 1265660 - Ata de Reunião

MINISTERIO DA EDUCAÇÃO
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO - GUAJARA-MIRIM

ATA DE REUNIÃO

ATA DE DEFESA DE CONCLUSÃO DE CURSO


Aos dezesseis dias do mês fevereiro de dois mil e vinte e três, às 18h, reuniu-se em sessão pública, no
auditório da Biblioteca da unir, através de vídeo conferência a Banca Examinadora presidida pela
Docente/tradutora e intérprete de Libras na qualidade de Orientadora, Prof.ª Me. Edneia Bento de Souza
Fernandes, (UNIR), Campus Jorge Vassilakis de Guajará-Mirim e pelas convidadas professora
Dra.  Auxiliadora dos Santos Pinto  lotada no departamento de Ciências da Linguagem – (DACL-UNIR)e
do,: Prof. Ma. Olga Maria da Mota do departamento acadêmico de ciências da educação (UNIR, DACE) a
fim de proceder a arguição pública de apresentação/defesa de TCC, em forma de MONOGRAFIA,
intitulado:  As artes de dizer da pessoa surda na família de ouvintes, da discente: Maria José Lima de
Souza, do Curso de Letras-Língua Portuguesa/Literaturas. Após exposição, a discente foi arguida
oralmente pela Banca Examinadora que, na sequência, reuniu-se em sessão reservada para deliberar
nota. Reaberta a sessão pública, a orientadora salientou que as sugestões, ressalvas e correções feitas
pela banca, mediante seu aval, serão acolhidas pela discente. Ressalta-se que as médias atribuídas pela
banca foram somadas e, posteriormente, a Nota Final será consolidada pelo orientador no SIGAA.
Considerando o exposto, comunicamos à discente Maria José Lima de Souza que a Monografia
apresentada, considerando o texto escrito e a performance da defesa, foi APROVADA pela banca. Nada
mais havendo, eu, prof.ª Me. Edneia Bento de Souza Fernandes, na qualidade de Presidente da Banca,
lavrei a presente Ata no sistema “SEI” da UNIR (DACE) que vai assinada por mim, pelos demais membros
da banca e pela discente, autora do TCC.

Documento assinado eletronicamente por EDNEIA BENTO DE SOUZA FERNANDES, Tradutora


Interprete de Linguagem Sinais, em 28/02/2023, às 15:13, conforme horário oficial de Brasília, com
fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

Documento assinado eletronicamente por AUXILIADORA DOS SANTOS PINTO, Docente, em


28/02/2023, às 19:52, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do
Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

Documento assinado eletronicamente por MARIA JOSÉ LIMA DE SOUZA, Usuário Externo, em
01/03/2023, às 20:10, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do
Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

Documento assinado eletronicamente por OLGA MARIA DA MOTA, Docente, em 01/03/2023, às


21:38, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de
8 de outubro de 2015.

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Referência: Processo nº 23118.002913/2023-43 SEI nº 1265660

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus por essa conquista e também

por ele colocar as professoras Ednéia e Michela que me ajudaram

no momento turbulento na minha vida.

Em primeiro lugar agradeço à minha família, aos professores

Novamente a minha orientadora Ednéia e a minha coorientador

professora Michela que não mediram esforços para que eu chegasse

a esse momento

A todos professores que me deram apoio nessa caminhada.


Dedicatória

À minha irmã surda Josineide Tavares de Lima que foi minha

inspiração nesta pesquisa. Perdão por não termos entendido

quando nos dizia, e obrigada pelas artes de dizer das suas mãos e

todo seu ser.


Índice de Ilustração

Figura 1- Onomástica _______________________________________________________ 16


Figura 2- Nomes motivados e nomes não motivados ______________________________ 17
Figura 3- Onomástica e a interdisciplinaridade ________________________________ 19
Figura 4- Pão com manteiga _______________________________________________ 24
Figura 5- Farinha _________________________________________________________ 24
Figura 6- Chuva __________________________________________________________ 25
Figura 7- Pai ____________________________________________________________________________ 25
Figura 8- Avô____________________________________________________________________________ 26
RESUMO

Esta pesquisa é um estudo de caso sobre as estratégias de


comunicação de uma surda que não sabe Libras na família de ouvintes
na cidade de Guajará-Mirim. O referido estudo buscou identificar os
sinais caseiros, entendidos como sinais-nome enquanto estratégias de
comunicação de uma pessoa surda que nasceu em família de ouvintes.
Os objetivos específicos foram registrar os sinais que nomeiam os
integrantes da família, bem como outros seres animados e inanimados
presentes nesse convívio, identificar a percepção da família sobre uma
pessoa familiar que é surda e relacionar os dados com as teorias
linguísticas e culturais valorizando as estratégias de comunicação entre
família e parente surdo. Os resultados demonstraram que os sinais
caseiros correspondem aos mesmos parâmetros já identificados na
Libras através de estudos linguísticos capazes de expressar a cultura e
os hábitos familiares.

Maria José Lima de Souza1

Palavras-chave: Cultura Surda. Nomeação em Línguas de Sinais. Onomástica.

1
Acadêmica do curso de Letras/português do Campus Jorge Vassilákis de Guajará-Mirim
SUMÁRIO
1 Um pouco de mim ______________________________________________________ 6
2 O ato de pesquisar e como realizei a pesquisa: ___________________________ 7
2.1 Caracterização geral da pesquisa ____________________________________________ 7
2 FAMÍLIA NA VIDA DA PESSOA SURDA _______________________________________ 10
3 A Linguística e os sinais caseiros _______________________________________ 13
3.1 Onomástica e Antroponímia em Libras ________________________________ 15
4 Motivação e Iconicidade ________________________________________________ 16
4.1 Como nomeamos? ___________________________________________________ 18
5 Apresentação dos Dados da Pesquisa __________________________________ 20
5.1 Sinais caseiros/Sinais emergentes __________________________________________ 22
Considerações finais ____________________________________________________ 26
REFERÊNCIAS __________________________________________________________ 27
1. Um pouco de mim

Meu nome é Maria José Lima de Souza, sou natural de Coreaú, Estado do
Ceará e vim para Rondônia ainda criança com a minha família e nos estabelecemos
em Guajará-Mirim, onde cresci e resido até os dias de hoje.
Tenho dois filhos. Sou funcionária pública da Rede Municipal de Ensino, a
Prefeitura, ocupante do cargo de auxiliar administrativo, onde exerço essa função até
hoje. Estou concluindo o curso de letras com muita dificuldade, devido a problemas
de saúde que venho enfrentando, porém tenho muita força de vontade e pretendo dar
continuidade aos meus estudos ao concluir a graduação.
Durante o meu curso, enfrentei vários problemas; enfrentei o desafio do estudo
remoto, devido às aulas presenciais terem sido interrompidas por causa da pandemia
da Covid-19 eu não tenho tecnologia favorável para assistir as aulas nem
conhecimentos sobre tecnologia que me oportunizasse avançar nesse trabalho.
Esses acontecimentos trouxeram novas experiências que me possibilitaram
repensar as dificuldades em torno da linguagem como elemento que constitui as
trocas de conhecimento.
Essa atitude de repensar a linguagem aconteceu porque me dei conta da
importância da comunicação na vida do ser humano, de modo que pude me colocar
no lugar da minha irmã, Josineide, que é surda e enfrentou dificuldades em seu
processo de socialização na vida familiar.
Com base nessa problemática pretendo produzir dados a partir dos sinais
caseiros utilizados por minha irmã na interação familiar. Minha irmã Josineide
atualmente tem com 50 anos de idade. Infelizmente não adquiriu muitos
conhecimentos durante os anos escolares devido a carência de profissionais
capacitados para esse fim.
Nos últimos anos mudou-se para Porto Velho, lá aprendeu Libras e atualmente
faz parte da comunidade surda, de modo que esses sinais caseiros são herança do
nosso convívio familiar, já que não aprendemos a Libras.
O tema deste estudo se reveste de importância para mim porque enfrentei
muitas dificuldades durante o curso, e agora, as dificuldades de antes foram
agravadas por causa dos problemas físicos e emocionais comprometendo minha
saúde, de modo que precisei buscar elementos em minha própria vida para
desenvolver meu TCC perpassando pelas práticas sociais de linguagem com fins à
comunicação.

2 O ato de pesquisar e como realizei a pesquisa:

Pesquisar, de acordo com Serrano (2011), é uma ação que se aprende e que
exige a aplicação de conhecimentos e habilidades. O autor ainda destaca que toda
investigação “constitui uma possibilidade, aberta e complexa, cujas alternativas de
materialização permaneceriam truncadas se não soubéssemos nem pesquisar e nem
o que estamos pesquisando” (SERRANO, 2011, p. 10).
Uma pesquisa, portanto, exige métodos claros, coerentes e bem planejados
para que os resultados sejam confiáveis e apresentem contribuições à ciência e à
sociedade.
Dito isso, apresentamos a caracterização deste estudo, resumidamente parte
da seguinte questão: como a pessoa surda nomeia pessoas e objetos no
estabelecimento de comunicação com a família sem o aprendizado da Libras.
• O objetivo geral desta pesquisa, como dissemos, é identificar as
estratégias de comunicação de uma pessoa surda que nasceu em
família de ouvintes.
Os objetivos específicos são;
• Registrar os sinais que nomeiam os integrantes da família, bem como
outros seres animados e inanimados presentes nesse convívio.
• Identificar a percepção da família sobre uma pessoa familiar que é surda
• Relacionar os dados com as teorias linguísticas e culturais valorizando
as estratégias de comunicação entre família e parente surdo.

2.1 Caracterização geral da pesquisa

A presente pesquisa, quanto à natureza, se classifica como aplicada. Segundo


Paiva (2019), a investigação aplicada tem por objetivos, “gerar novos conhecimentos”
e “resolver problemas, inovar ou desenvolver novos processos e tecnologias” (PAIVA,
2019, p. 11).
Aqui, fazemos uso de teorias e métodos já consagrados no âmbito dos estudos
lexicais em Libras – como Taub (2001), Barros (2018), Sousa (2021; 2022) – e
aplicamos na análise dos dados selecionados. Estes, por sua vez, constituem uma
fonte primária, pois são “dados produzidos e coletados pelo próprio pesquisador”
(PAIVA, 2019, p. 11-12): em trabalho de campo junto a familiares, e entrevista semi-
estruturada sobre a temática.
Quanto à abordagem, nosso estudo se caracteriza como qualitativo pois, de
acordo com Triviños (1987), a pesquisa qualitativa trabalha os dados analisando seu
significado, buscando perceber o fenômeno dentro de um determinado contexto.
Por esse caminho estamos realizando um estudo de caso em que uma pessoa
surda cria estratégias para se comunicar com a família através de gestos e sinais-
nome de pessoas e objetos.
Esta é uma pesquisa busca refletir sobre a importância dos sinais caseiros e
da comunicação da família com o parente surdo através de estratégias que favoreçam
as potencialidades da pessoa surda.
Também pretendo produzir registros dos sinais caseiros aqui tratados como
sinais-nome. Esses registros nos oportunizam pensar sobre a importância da
comunicação gestual dos surdos e familiares em que ambos não aprenderam a língua
de sinais.
Considero que independente de saber ou não a Libras os surdos nomeiam, ou
seja, criam sinais aqui entendidos também como léxico representando um sinal-nome
para designar as pessoas do seu convívio e os objetos que fazem parte da sua esfera
de iteração.
A dimensão desse registro poderá fornecer dados para que futuras propostas
de pesquisa sobre as análises fonéticas e fonológicas das unidades que constituem
os sinais-nome criados através de gestos de surdos que não fizeram a aquisição da
Libras. Desta forma destacamos que esta pesquisa se identifica como estudo de caso.
O estudo de caso também se caracteriza como uma pesquisa exploratória
porque tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com
vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses (GIL, 2007). Existem muitos
tipos de estudos de caso que buscam compreender um sujeito, uma instituição, uma
categoria profissional, ou grupo étnico ou religioso.
Autores como Bogdan e Biklen (1992 apud RAUEN, 2006), apresentam os
seguintes tipos de casos: histórico-organizacionais que abordam as narrativas que
compõem a trajetória histórica de uma empresa; observacional e descritivo muito
praticado nas áreas de saúde podendo também se caracterizar como estudo de caso
observacionais experimentais; histórias de vida ou documentário que consiste na
aplicação de instrumentos, como entrevistas semiestruturadas, a pessoas
importantes, destaques na sociedade ou um grupo de pessoas que formam uma
comunidade de destino através de experiências comuns sobre um período ou fato
histórico.
Como afirma Serrano (2011, p. 102): “O método põe ordem e confere sentido”.
E tudo deve partir do problema que se pretende responder. No nosso caso, a questão
de pesquisa é: Registrar os sinais nome criado por pessoa surda que em família de
ouvintes que não usam a língua de sinais propondo que os registros sirvam para
reflexão e identificação sobre quais as características estruturais e semânticas dos
sinais-nome dessas pessoas.
Nesse sentido, faremos inferências resumidas sobre este aspecto dos sinais a
serem analisados. De modo que nossa atenção está concentrada prioritariamente nos
registros dos sinais-nome.
Nosso estudo está inserido na Linguística, no encontro de duas subáreas: a
Lexicologia e a Semântica. O fenômeno linguístico escolhido é a criação dos sinais-
nome, também o registro e se possível adentrar em um nível de análise desses sinais.
A investigação utiliza a compreensão da linguística da Língua Brasileira de Sinais –
língua oficial da comunidade surda do Brasil (BRASIL, 2002).
Assim, tendo em vista que a pesquisa se destina ao registro dos sinais nome,
porém acreditamos ser importante proceder a análise de dois sinais em que
buscaremos entender o fenômeno da iconicidade refletida nos sinais-nome, com base
em teorias lexicais e semânticas e necessitamos relacionar esse fenômeno com a
cultura surda (especialmente a visualidade), por exemplo, neste rumo entendemos
que nossa pesquisa se utiliza de uma abordagem qualitativa.
Quanto aos objetivos, com base em Gil (1991), nosso estudo pode ser
classificado como documental que utiliza “materiais que não receberam ainda um
tratamento analítico, na criação de material para análise ou que ainda podem ser
reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa” (GIL, 1991, p. 47).
descritivo. [...] têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada
população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis.
2 FAMÍLIA NA VIDA DA PESSOA SURDA

A família é o primeiro contato da criança com o mundo, muito antes que a


criança seja inserida nos contextos de interação comunitárias e educacionais é na
família que são construídos os pilares das identidades individuais dos sujeitos,
juntamente com os valores éticos e morais que vão influenciar as escolhas do
indivíduo em suas relações sociais ampliadas.
Nesse sentido, a criança surda nascida em família de ouvintes, logo após o
nascimento já é interpelada acerca da sua condição de sujeito surdo, de sua diferença
sensorial em relação aos familiares ouvintes segundo a ótica construída pela cultura
ouvinte no tocante ao ser surdo.
Ao nascer o sujeito surdo é “recebido” por uma sociedade majoritária ouvinte,
que vivencia emoções e expectativas inesperadas diante do fato de ter que aceitar a
surdez de uma criança. Empregamos o conceito de nascimento como a emergência
do novo de Arendt (2014), para dar visibilidade às relações que o nascimento de um
surdo estabelece para os membros da família, majoritariamente ouvintes.
Nesse contexto, a emergência do novo, auxilia a família a buscar novas formas
de projetar a rotina e a vida futura em família de modo a oferecer conforto para o novo
integrante. O novo revitaliza a potencialidade criativa da comunicação humana.
Então essa é considerada uma percepção positiva diante do desafio de
preparar o sujeito surdo para uma vida social em contextos comunitários e
educacionais através do aprendizado e da valorização das línguas de sinais, das artes
visuais e do apoio pedagógico necessário para o desenvolvimento da criança surda.
Por outro lado, também existem os encontros entre familiares e crianças surdas
sob uma ótica negativa. É um momento delicado para a família, pois, mesmo
recebendo a criança, amando e cuidando, desenvolve uma postura crítica negativa
sobre as potencialidades do sujeito surdo.
Esta fase da relação familiar é um período definido como luto, em que a família
não aceita a surdez da criança, atribuindo ao fato um sentimento trágico que os
impossibilita de contemplar a vida de surdos que podem vencer as barreiras impostas
pela sociedade e conseguirem se desenvolver mediante os recursos linguísticos e
pedagógicos adequados.
Sobre o luto na vida da pessoa surda podemos perceber no filme “Seu nome é
Jonas”2 história de um menino surdo que foi internado em um sanatório sendo
considerado um deficiente mental por dois anos, até descobrirem que seu caso era
surdez fato que diminuiu, mas não eliminou as dificuldades de aceitação na família.
Esse sentimento é alimentado devido à falta de conhecimento de que os
surdos sempre existiram na história humana, e de que também existem formas
linguísticas e culturais de constituir relacionamentos com a criança surda respeitando
sua peculiaridade.
Segundo Sá (2012) a sociedade ouvinte apresenta certa dificuldade de ver
citada a evidência de que os surdos surgem aleatoriamente nas sociedades humanas,
e afirma que o não reconhecimento desse fato ativa na família ou na sociedade
estigmas e preconceitos sobre os surdos.
Nesse sentido, o papel da família vai muito além da definição do que seja um
grupo de pessoas que compartilham experiências de vida dentro de um mesmo
espaço físico. Sabemos que a família vai introduzir a criança em suas primeiras
experiências afetivas, cognitivas, culturais e comportamentais. Por esse entendimento
é na família o primeiro espaço social em que nos é possibilitado o aprendizado da
autoconfiança, autoestima.
Esse espaço tende a ser peculiar diante do mundo que rodeia, pois é onde
estabelecem os primeiros vínculos e compartilham as necessidades emocionais,
cognitivas, linguísticas e sociais. Segundo o autor Scott (2001), o termo família é:

Um ponto de estabelecimento de alianças entre grupos; um ponto de


definição da filiação e pertença ao grupo; um ponto de negociação de gênero
e a referência para o estabelecimento de relações entre gerações. É um local
de afirmação de reciprocidade e da hierarquia, simultaneamente. (SCOTT,
2001, p.96).

Desse modo, a família é uma essência da afirmação de valores, costumes,


tradições, de reciprocidade, de amor e hierarquia. Nesse contexto é fácil notar que
cada um desenvolve um papel importante, pois todos estão ligados por elos

2
Depois de passar três anos em uma instituição para deficientes intelectuais, menino tem diagnóstico de que
possui apenas surdez e assim família busca aprender a se comunicar usando a língua de sinais. Filme baseado
em fatos reais dirigido por Richard "Dick" Michaels no ano de 1979.
https://www.youtube.com/watch?v=pc8mM0DHRB4
sanguíneos e desempenham a missão de cuidar, propiciar a saúde, o bem-estar e a
proteção até que cada indivíduo consiga se integrar na sociedade.
No entanto, quando se parte de uma relação que envolve a surdez todos os
apontamentos são válidos e reforçados, devido à questão linguística, isto é a
importância da se dedicar na aprendizagem de outra língua, neste caso a Língua de
Sinais.
Através da comunicação que o indivíduo interage, participa, convive e se molda
dentro da família e posteriormente perante a sociedade. Nesse processo, a família do
Surdo aparece como grande responsável, pois ela precisará passar por algumas
adaptações para que o sujeito se desenvolva da melhor maneira possível.
Há uma necessidade de transformar a comunicação oral para a comunicação
visual o que gera certo desconforto por não reconhecerem os gestos como atos de
comunicação e a Libras como língua e o que é pior associarem os gestos a
incapacidade de se expressar como se os gestos não dessem conta suprir a falta da
fala.
É importante entender o que é a surdez e o que é o surdo, para oportunizar um
tratamento coerente ao sujeito surdo, tendo em vista que é sim um jeito de ser e
conviver diferente, mas não precisa ser visto e tratado como alguém com deficiência
em si.
Quadros (2002) “esclarece que a deficiência não é um problema da pessoa que
a tem, mas sim de quem a vê”. É importante entender essa problemática que envolve
preconceito e aceitação da condição da pessoa com surdez, que necessita ser
compreendida e acolhida por parte de todos do ciclo familiar do indivíduo.
O processo de desenvolvimento do surdo depende da cooperação familiar, que
o mesmo necessita de elos afetivos e comunicativos, superando os limites de cada
um, para construir verdadeiramente a inclusão no ambiente familiar, ou seja, valorizar
as pessoas no seu modo de ser.
Tendo em vista que os elos sentimentais são construídos no processo de
interação/comunicação realizamos registro de sinais/nome de pessoas e objetos
como manifestação da interação verbal da pessoa surda sem o uso da Libras, ou seja,
a partir de sinais caseiros criados no convívio familiar.
Com base nos elementos teóricos foram produzidos questionário e vídeos
registrando formas de nomeação utilizados pela pessoa surda (Josineide) a fim de
estabelecer comunicação com a família.
3 A Linguística e os sinais caseiros

A Libras é reconhecida como a língua de sinais das comunidades surdas dos


grandes centros do Brasil, esta língua é resultado da fusão da língua de sinais dos
surdos do Rio de Janeiro e da língua de sinais francesa (LSF) utilizada pelo professor
surdo Eduard Huet no século XIX no ensino de surdos brasileiros e no treinamento de
professores para a educação de surdos.
Desde a fundação do Instituto Imperial de Surdos Mudo no Brasil hoje
reconhecido como Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) esta língua se
consolidou na educação de surdos no Rio de Janeiro.
Desde o ano de 2002 através da lei 10.436 a vem ganhando espaço em outras
regiões do Brasil através de políticas públicas para assegurar a educação de surdos,
de materiais visuais distribuídos pelo MEC, de cursos de formação de Tradutores e
Intérpretes, Licenciaturas em Letras-Libras e de modo mais intensivo nas redes
sociais e conteúdos de domínio público na internet.
O fato que é a Libras ao ser reconhecida também se torna objeto de estudo de
linguistas e dá visibilidade aos surdos usuários das línguas sinalizadas levantando
muitas interpretações errôneas sobre a Libras nos grandes centros urbanos e nas
regiões mais distantes destes centros urbanos.
O erro constante é pensar que em qualquer região do Brasil os surdos falam a
mesma língua, criando um cenário desconfortável para os surdos de comunidades
isoladas que, ao se depararem com videoaulas em Libras não conseguem
compreender do que se trata, tendo em vista que a Libras ainda não faz parte de seu
universo linguístico. Então que língua é falada pelos surdos que vivem em
comunidades isoladas?
Os surdos inicialmente se utilizam de sinais caseiros, e à medida que esses
sinais vão ganhando espaço na família ou na comunidade também assumem maior
nível de elaboração pelos surdos de modo que muitos pesquisadores denominaram
esses fatos como Línguas Emergentes.
Diante dessa constatação pesquisadores surdos e ouvintes têm se debruçado
em pesquisas que identificaram que, os sinais criados em família ou comunidades
isoladas na comunicação com integrante surdo, se, utilizados como meio intenso de
comunicação, assumem o mesmo nível de complexidade das demais línguas de
sinais.
As línguas de Sinais Emergentes no Brasil são manifestações comunicacionais
entre surdos localizados em pequenas comunidades distantes dos centros urbanos.
De modo que nos aproximamos dessas propostas de pesquisas para pensarmos
sobre as práticas de linguagem produzidas pelas comunidades surdas isoladas como
é o caso de alguns surdos aqui em Guajará-Mirim, que por falta de profissionais
especializados não existe orientação para as famílias sobre a Libras e a importância
de uma língua materna para o pleno desenvolvimento da criança.
Outra questão que esse estudo possibilita futuramente é de que se pesquisem
sobre a importância de valorizarmos essas línguas emergentes também no contexto
educacional, onde os alunos surdos entram em contato com a língua portuguesa na
modalidade escrita, e com a língua de Sinais Brasileira entendidas neste estudo como
línguas majoritárias.
É um estudo relevante porque lança luz sobre as línguas de sinais emergentes
em Guajará-Mirim, possibilitando pensar sobre ela como elemento de mediação para
o ensino de Libras e da língua portuguesa na modalidade leitura e escrita.
Os pesquisadores voltados para esta temática se dividem entre surdos e
ouvintes, A pioneira nessa área foi a professora surda indígena Shirley Vilhalva (2012)
localizada na região do município de Dourados – MS, que mapeou os sinais
emergentes utilizados pelas comunidades surdas indígenas para se comunicar com a
tribo Guarani/Kaiowá e Terena, seu foco pautou-se em registrar a existência de
indígenas surdos e os sinais que eram compartilhados por eles.
No Amazonas temos Marlon Jorge Silva de Azevedo (2015) que pesquisou os
indígenas da etnia Sateré-Mawé na microrregião de Parintins. Este pesquisador
elenca na sua pesquisa, os direitos linguísticos assegurados aos indígenas e o
reconhecimento da Libras como caminhos para pensar em garantias linguísticas aos
surdos indígenas de Sateré-Mawé em uma perspectiva sociolinguística.
Os dois pesquisadores surdos fizeram mapeamento e registros linguísticos dos
sinais utilizados pelos respectivos surdos indígenas. Há também pesquisadores
ouvintes que vão pelo mesmo caminho dos surdos
Pereira (2013), mapeou sinais na comunidade de Jaicós, povoado de Várzea
Queimada, onde identificou uma língua de sinais emergente batizada com Cena. Esse
estudo é muito relevante ao assumir proporcionar registros para pesquisas voltados
também para a linguística tradicional, nos estudos sobre a fonética, fonologia,
morfologia e sintaxe.
Pesquisar língua de sinais sob a perspectiva da linguística tradicional permite
coletar e produzir um significativo número de dados sem negligenciar elementos que
podem ser abordados posteriormente, como as interações interculturais, posto que é
uma língua compartilhada por surdos entre sua família e/ou comunidade.
À seguir vamos tratar especificamente sobre a onomástica, ramo da linguística
que nos impele nessa pesquisa.

3.1 Onomástica e Antroponímia em Libras

A Onomástica está localizada entre os estudos do léxico, sendo uma disciplina


voltada para pesquisas linguísticas acerca dos nomes próprios em geral (DICK, 1990).
De acordo com Sousa (2021) essa disciplina tem a tradição de atribuir o estudo
onomástico apenas aos estudos dos nomes próprios de pessoas e lugares, porém o
autor afirma que essa área abrange os nomes próprios de estabelecimentos
comerciais, de animais, de fenômenos atmosféricos etc. Nas palavras do autor:

[...] além dos nomes próprios de pessoas (Antroponímia) e dos nomes


próprios de lugares (Toponímia), há o estudo dos nomes próprios de
astros celestes – como Halley, que dá nome a um cometa –
(Astronímia), de fenômenos atmosféricos – como Katrina, que dá
nome a um furacão (Metereonímia); de animais – como Dolly, que dá
nome à ovelha clonada (Zoonímia); de cursos d’água, como Véu da
Noiva, que dá nome a uma cachoeira localizada em Mato Grosso
(Hidronímia); de produtos e estabelecimentos comerciais, como Coca-
Cola, que dá nome a um refrigerante (Onionímia), entre outros
(SOUSA, 2021, p. 15).

Utilizando uma ilustração desenvolvida pelo autor apresentamos a imagem


abaixo que visualmente nos dá dimensão dos campos de estudo da Onomástica. De
modo que sabemos que a linguagem está presente em todas as esferas da atividade
humana, de modo que o ato de nomeação também é amplo e diversificado.
Figura 1- Onomástica

Fonte: Sousa (2021, p. 16).

Nesta demonstração, Sousa (2021) confere que os estudos da Onomástica


estão relacionados com fenômenos conhecidos e descritos pelos homens em suas
atividades culturais, sociais, econômicas e científicas.
Esta pesquisa não poderá descrever cada um desses campos, mas nos
deteremos nos estudos dos nomes próprios de pessoas conforme exemplificado no
quadro acima como Antroponímia.
O ato de nomear entre as comunidades surdas é usualmente chamado de
batismo, ou seja, os surdos nomeiam através de sinais pessoas, lugares, animais,
objetos etc. Esse ato é neste estudo objeto de pesquisa pois pretendo registrar e fazer
uma análise superficial sobre a relação cultural dos surdos com a Onomástica.

4 Motivação e Iconicidade

Ferrarezi Jr. (2019) afirma que a Semântica é a subdivisão da linguística que


estuda o significado.
O estudo dos nomes presentes nos léxicos das línguas, sejam
próprios ou comuns, tem uma importância muitas vezes
negligenciada. Se as línguas funcionam como “depósitos” naturais
de conhecimento humano – depósitos de cultura – e se percebemos
esses depósitos culturais essencialmente nos nomes dos referentes,
entendemos o porquê dessa afirmação (FERRAREZI JR., 2019, p.
111).

O autor divide os nomes de uma língua em dois grandes grupos: os nomes cuja
motivação podem ser recuperados e os nomes cuja motivação não pode ser
recuperada. Aqueles que possuem motivação reconhecida, “[...] parecem ter
motivações de duas origens distintas: uma origem extralinguística e mais complexa e
outra meramente linguística, sistêmica e previsível na própria gramática da língua”
(FERRAREZI JR., 2019, p. 112).
Desse modo, para melhor visualizar suas considerações, Ferrarezi Jr. (2019)
apresenta a seguinte ilustração

Figura 2- Nomes motivados e nomes não motivados

Fonte: adaptado de Ferrarezi Jr. (2019, p. 112).

Como bem destaca o autor, há nomes que não possuem uma motivação
reconhecida (em português, temos “mesa”, “cadeira”, “touro” etc.; em Libras, temos
os sinais TER e CONVERSAR, por exemplo) e com motivação reconhecida. Nesse
último caso, a motivação pode ser extralinguística (como no caso, em português, das
metáforas: ex: Ele é fogo!; ou, em Libras, o sinal ÁRVORE) ou sistêmica (como ocorre,
em português, com as palavras derivadas “goiabada”, “cocada” – que são formadas
por processos de natureza gramatical; ou, em Libras, com os sinais SENTAR, que é
derivado do sinal CADEIRA).
Ferrarezi Jr. (2019) inclui, entre os nomes formados por natureza
extralinguística aqueles que possuem natureza icônica, “baseada em características
imitáveis dos referentes” (FERRAREZI JR., 2019, p. 112).
A iconicidade, de modo especial, nos interessa para o presente estudo, uma
vez que, como afirma Perniss (2007), a iconicidade participa da estrutura das línguas
de sinais. Sousa (2019; 2022) destaca que, no caso dos nomes próprios, a iconicidade
é muito presente na criação dos sinais em Libras.
Martins (1991) destaca que o nome próprio é mais que um signo linguístico,
“ele é um texto” (MARTINS, 1991, p. 11) – o que Ferrerezi Jr. (2019) concorda quando
afirma que os nomes devem ser estudados do ponto de vista enunciativo e cultural.
Para Martins (1991):

Sem dúvida, o nome, antes de mais nada, é uma palavra que tem um
cunho bastante peculiar. Isto exige que focalizemos o nome próprio
dentro de um contexto maior, a fim de permitir que entremos no mundo
do nome próprio com alguns conceitos essenciais. Não podemos
aceitar a ideia simplória e cartesiana de que o nome é somente um
sinal que marcaria o outro (MARTINS, 1991, p. 11).

E em outro momento o autor, tomando uma visão psicológica, afirma: “o nome


próprio é motivado” (MARTINS, 1991, p. 32). E a motivação se dá, entre outros, por
fatores de ordem cultural (SOUSA, 2019; 2021; 2022). Ferrarezi Jr. (2008) explica que
o estudo semântico relaciona-se “com os fatos culturais representados pela língua
natural” (FERRAREZI JR., 2008, p. 22).
Por esse entendimento podemos afirmar que os nomes próprios nas línguas
de sinais também estão relacionados a uma motivação psicológica e a fatos de ordem
cultural, demandando um ponto de vista semântico para compreensão mais ampla da
nomeação de pessoas em Libras.

4.1 Como nomeamos?


Nomeamos e particularizamos “coisas” sobre as quais temos o poder cognitivo
por meio de ações de significar para identificar, categorizar, delimitar e singularizar
tanto em línguas orais quanto em língua de sinais.
Para esse fim o nomeador (Sousa, 2017) se utiliza de elementos internos e
externos da língua com o objetivo de refletir e expressar no que foi designado, a
realidade cultural assimilada pela vivência em sociedade. Sendo assim não podemos
interpretar os dados da pesquisa sem considerar outras áreas do conhecimento que
contribuem para a ampliação do olhar sobre os dados.

Figura 3- Onomástica e a interdisciplinaridade

A pesquisa onomástica dialoga com outras ciências no intuito de abarcar toda


rede de sentidos construída pelo nomeador em sua ação de nomear. Neste caso
estamos tratando de sinais-nome criados por uma surda que não se utiliza da Libras
em uma família de ouvintes, de modo que sendo eu uma pessoa que conhece e
conviveu os contextos da infância, adolescência e parte da vida adulta conheço a
cultura familiar de modo a poder identificar nos sinais o sentido pretendido pela pessoa
surda (minha irmã, Josineide).
A cultura familiar compreende as pessoas que integram a família, os valores,
costumes, lugares de trabalho, cômodos, utensílios, alimentos e histórias da família
para interpretar os sinais em suas relações com as especificidades linguísticas da
Libras e sua relação com a experiência visual da pessoa surda, da cultura surda e do
contexto social dos ouvintes.
5 Apresentação dos Dados da Pesquisa

Questionário aplicado com minha mãe sobre a surdez e a comunicação de Josineide

QUESTIONÁRIO 1 RESPOSTAS DO QUESTIONÁRIO 1

Quando a senhora Ela tinha dois meses quando percebi que ela não escutava. Ficava procurando
desconfiou que a Josineide conversar com ela.
era surda? Eu colocava lá na rede, né, porque lá tinha mais espaço. Deitava com ela assim,
ficava de frente.
Era alegre, brincando, alegre, alegre.
Daí, eu me afastava um pouco para ela não me ver, me escondia atrás da rede pra
ela não me ver.
Daí lá eu fazia zoada, chamava, batia palma assim, ela nem… parecia que não
tinha ninguém, ela nem ligava.

Ela não fazia nenhuma?... Não! Nada, nada.

-Não respondia?... -Não! Nada, nada, nada.


Ficava bem quietinha lá, aí, eu voltava, passava pela frente dela assim que ela não
via. Quando ela me via, eu ficava alegre, né?
E assim foi indo, eu fui…

a senhora começou a -Eu levei lá no médico, né? Aí, o doutor brincando, né? Falou bem assim que eu
perceber que ela era surda, estava muito nervosa, estava doente que estava muito nervosa demais. Ele me disse
né? que ainda era muito cedo para saber se ela vai me escutar.

Ele falou, né?! Falou!


Certo dia ainda ter uma solução dela falar, porque era bem novinha ainda. Daí
passou, fui pra casa, fiquei observando.
Aí eu fazia o teste com ela assim, era do mesmo jeito. Daí, passou um dia, levei
de novo que ele mandou.
Aí ele fez os exames dele lá, tudo… aí ele me disse que era que ela era surda
mesmo, mas que eu não me preocupasse, porque ia dar tudo certo. E que ela não
ia sofrer nada nem dificuldades nenhuma, porque tinha aparelhos, tinha as
facilidades tudo, tinha bons atendimentos.
A gente venceu graças a Deus.

Meu celular, né, daí eu atendia… Aí, elas mesmo encaminharam ela lá pro
Tamandaré com as irmãs, porque ela foi estudar, já entrou no quarto ano.

Fez o fundamental? Foi!


Eles se entenderam por lá, com as irmãs, ela lá, os professores.

Daí, ela conseguiu concluir Foi, foi…


o restante do curso?
Então teve a colaboração Teve! Aquele tempo era difícil lá, né?! Agora não, agora tá bom. Naquele tempo
das irmãs, né? não tinha nada… pra eles.

Os sinais na família que a O pai dela era o óculos que ela fazia, né… o óculos. E o meu pai, que era o avô
Josineide faz pra poder se dela, era assim. Ele era velhinho, né?!
relacionar com pai dela…? E eu quebrava castanhas mais o meu sobrinho, e era assim…

Ela fazia o movimento da … Não me lembro muito bem desse cachorro não. Os gatos… os gatos era assim…
uma cara redonda, assim…

senhora não se lembra mais Quer que eu diga o que ai agora?


de algum animal? Gato? ( a mãe fez o gesto de bigode dos gatos)
Cachorro? au, au! (a mãe fez o gesto de mão abrindo e fechando, como se fosse
uma boca)
Objetos (a mãe fez um gesto com as mãos levantadas) A farinha, ela pegava assim,
né… esqueci!

Como a senhora desconfiou Eu percebia assim quando ela tinha dois meses, eu já percebi que ela não escutava,
que a Josineide era surda, a porque a criança quando sempre tem umas conversinhas quando é novinha ainda
senhora fez o que, a senhora e a gente vai acompanhando né, aí fui acompanhando ela e eu observei na frente.
desconfiou como, quantos Eu ficava na frente dela assim era porque ela era a maior alegria do mundo, aí eu
meses ela tinha, como a saía, ela não me via, eu passava pra trás do lado da rede, batia palma, falava tudo,
senhora se sentiu quando nem ligava; ela nem ligava.
descobriu a surdez da Aí eu dava outra voltinha, voltava e ela ficava toda alegrezinha e aí, eu ficava
Josineide, a senhora ficou observando, por isso, né?
triste, a sua reação, qual foi? Aí, eu fui no médico, doutor perguntou como que era que eu sabia, disse que eu
tava nervosa, tinha que me tratar tudo, como é que eu sabia que a menina tava
surda, como é que eu ia pensar isso aí né, sem ninguém falar nada, eu digo “não,
doutor, é porque pelos outros, que eu já criei tudinho e eu to achando a diferença,
mas aí eu to observando que ela não escuta, mas aí ele disse assim “ a menina
escuta, a menina é boa, é normal, escuta, não tem nada de, a senhora está nervosa
demais, a senhora que precisa se tratar”.
Ai, eu fui pra casa, depois eu volta lá com ele de novo.
Eu fui passando uns tempos… um mês, mais ou menos, eu voltei.
Aí foi fazer o mesmo teste, ele montou, ai, foi fazendo o teste dele; batendo palma
também lá. Aí ele disse “é verdade, geralmente, a menina não escuta mesmo não,
ela é surda, não ouve” e ai eu tive que me conformar, mas aí foi conversar comigo,
né, que não era pra me preocupar, que tem estudo pra ela, ia aprender, ia viver
igual muitos outros, não tem tratamento, ele disse né não tem tratamento, mas tem
aparelho, depois pode fazer umas consultas médicas, passar aparelhos pra ela e vai
dar tudo certo, e eu fui acompanhando e vou ter que me conformar, me conformei.
E naquele tempo não tinha esses ensinos que tem agora, essas facilidades, e em
casa os meninos conversavam, acompanhavam, tanto que aprenderam a língua
dela, e se entendiam muito bem, eu que nunca me entendi com ela, mas os meninos
aprenderam e deu tudo certo.

Qual foi a orientação dos Mas vergonha eu nao senti nao, eu senti foi preocupação com ela. Mas aí eu senti
professores? tristeza, bastante dificuldade pra cuidar dela, continuar criando dela, porque no
Qual foi a orientação dos lugar daquele não tinha recurso, eu tinha medo dela cair e algum acidente através
médicos, o que que os dela não escutar, tinha muito medo disso aí, mas de outras coisas não, tudo isso eu
médicos falaram pra pensava. Então eu me senti arrasada com isso ai, mas ai foi indo com o tempo e
senhora, o que a senhora acostumando.
deveria fazer, o que a Aí foram umas pessoas lá em casa, umas irmãs, me confortaram muito, eu fiquei
senhora deveria ajudar, mais tranquila, e através daquelas irmãs ela foi lá pro… quando cresceu mais, foi
auxiliar a Lucineide depois crescendo e através delas, no colégio delas lá e eles liam bastante, ela ficou mais
que descobriu que ela não esperta e fiquei mais tranquila. Ela foi crescendo e arrumaram uma vaga no
ouvia, e o auxilia da família governo pra ela, no tamandar, ela foi estudar pra lá e.. já na quarta série, quarto
nessa parte pra ajudar e a ano. E aí já aliviou bastante, e eu me conformei, senti mais firmeza e não aconteceu
senhora sentiu vergonha de nada, graças a deus, eu tinha muito medo de acidente, eu tinha muito cuidado e
dizer que tinha uma filha acompanhava ela todo tempo.
surda? Assim pela reação,
dos seus sentimentos,
comportamento, o carinho
que tinha por ela?

5.1 Sinais caseiros/Sinais emergentes

Os registros dos sinais caseiros ou emergentes apresentam os mesmos


parâmetros fonéticos da Libras: Configuração de mão, localização, movimento,
direcionalidade da palma da mão e expressões faciais isso não significa que cada
sinal obrigatoriamente tenha que corresponder a todas as 5 unidades mínimas da
Libras, mas que os sinais-nome aqui registrados todos apresentam a configuração de
mão correspondendo a forma como a mão é posicionada.
Quanto ao movimento alguns requerem movimento e outros não, como é o
caso do sinal-nome da mãe que é representado pela máquina de quebrar castanha
instrumento de trabalho da mãe, nesse contexto percebemos o elemento social e
cultural envolvido na produção do sinal pois apresenta a matéria prima base da
economia familiar, a mãe como participante na atividade de mantenedora da família.
Outro sinal que requer movimento é o de farinha, geralmente os surdos entre
si dão ênfase à visualidade do objeto na criação do sinal, porém Josineide apresenta
uma interpretação na criação do sinal-nome farinha usando no contexto familiar que
é compreender que dificilmente todos os integrantes da família compreenderiam de
imediato, de modo que a estratégia para criação de um sinal-nome rapidamente
compreensível seria atentar para o lugar onde o objeto é guardado e para a posição
e movimento do corpo na atividade de alcançar e pegar o objeto.
Todos os sinais-tem uma localização específica para acontecerem no olho, no
espaço neutro à frente do corpo e acima da altura da cabeça. Todos os sinais também
apresentam a direcionalidade da palma da mão, como por exemplo o sinal pai e avô.
O sinal avô apresenta a palma da mão para dentro, na direção do olho, já o sinal de
pai a palma da mão está virada para fora.
As expressões faciais são percebidas no sinal de chuva, pela boca imitando a
intensidade da chuva, o sinal de farinha também apresenta expressão facial na
segunda configuração de mão que sugere colocar na boca e comer, sobre as
expressões também temos o sinal pão com manteiga que sugere o movimento de
passar manteiga no pão levando para a boca que faz força puxando com uma mordida
no pão.
De modo que concordamos que uma língua emergente ou sinal-nome caseiro
também corresponde ao elemento semântico em que podemos visualizar a cultura do
trabalho, da vida doméstica e alimentação da família.
Confirmando a assertiva de (FERRAREZI JR., 2019, p. 111) quando diz que as
línguas funcionam como “depósitos” naturais de conhecimento humano, de modo que
na criação do sinal-nome a pessoa surda também expressa o que ela sabe sobre o
referente nomeado, de forma que através da motivação e da iconicidade das línguas
gestovisual e espacial também é possível identificar os elementos da cultura.
O questionário revela o pouco recurso que a família tinha para oportunizar a
aquisição de uma língua de sinais na idade ideal e a pouca comunicação estabelecida
com Josineide, tendo em vista que os familiares precisaram que a própria Josineide
lhes repetisse o sinal corretamente, de modo que eles compreendiam quando
Josineide sinalizava porém não sinalizavam da maneira de acordo com as
configurações que eles representam, nesse sentido também podemos inferir que
assim como existem os sotaques nas línguas orais, os ouvintes também apresentem
sotaques na língua de sinais que além de ser uma outra língua também é outra
modalidade linguística, sendo a língua portuguesa oral e auditiva e a libras gestovisual
e espacial.
O questionário também apresenta vários elementos educacionais a serem
analisados, porém não pretendendo estender as análises a contextos amplos tendo
em vista que a proposta da pesquisa está centrada no registro dos sinais caseiros.
Figura 4- Pão com manteiga

Figura 5- Farinha
Figura 6- Chuva

Figura 7- Pai
Figura 8- Avô

Considerações finais

A pesquisa se revelou muito importante para os estudos linguísticos do curso


de Letras/Português em Guajará-Mirim tendo em vista que as pessoas surdas
recebem pouco ou nenhum estímulo para aquisição da língua de sinais na idade certa
e também para olharmos com mais atenção para os surdos adultos que abandonaram
os estudos pela falta de oportunidade e com isso continuam se comunicando através
dos sinais caseiros que merecem um estatuto linguístico e registro posto que
constituem léxicos capazes de revelar aspectos sociais e culturais da família, da
história do sujeito e da comunidade envolvente.
Precisamos valorizar a comunicação de todos os surdos, que sabem ou não a
Libras tendo em vista que são sujeitos históricos e culturais que para estabelecerem
suas práticas sociais nomeiam e ao nomear significam, categorizam, descrevem com
o corpo o objeto nomeado.
Esta pesquisa também busca conscientizar os educadores e futuros
educadores para estarem atentos aos indivíduos que vivem em Guajará-Mirim como
potencial humano para desenvolvimento de pesquisa visando o conhecimento
científico aliado à ressignificação que valorize essas pessoas e suas capacidades
intelectuais apesar das injustiças sociais presentes nos seus históricos de vida, como
privação linguística, falta de atendimento educacional etc.
A metodologia de produção e registro dos dados nos permitiu relacionar os
elementos das pesquisas em línguas de sinais com contribuições das aulas obtidas
na disciplina de semântica e sociolinguística em que poderemos no futuro retomar
esta pesquisa e ampliá-la a fim de conceber a comunicação caseira dos surdos de
Guajará Mirim no tocante a variação linguística e todas as suas complexidades.
O questionário nos forneceu um olhar para o contexto em que os sinais caseiros
foram criados, sendo assim constatamos que a família ouvinte embora acolhedora
com a pessoa surda não aprendeu a Libras e desenvolveu poucos níveis de
comunicação com seu parente surdo de modo que os sinais caseiros em sua maioria
foram esquecidos pelos ouvintes.

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