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CAPÍTULO I
sido começado sob sua direção, se encontrariam jazidas de mineral muito mais
abundantes e valiosas que as descobertas até então. Ao perfurar tal poço, nos
deparamos um dia com uma fenda profunda e dentada e aparentemente
carbonizada nas laterais, como se em um passado distante houvesse sido
aberta por fogos vulcânicos. Descendo nesta fenda, meu amigo fez com que
fosse baixado em uma espécie de gaiola, depois de ter testado a
respirabilidade da atmosfera por meio de uma lâmpada de segurança. Ele
permaneceu aproximadamente uma hora no abismo. Quando ele retornou
estava muito pálido, e com uma expressão apreensiva e meditativa em seu
rosto, algo muito diferente de seu caráter ordinário, que era franco, alegre e
despreocupado.
À minhas perguntas, respondeu secamente que a descida lhe pareceu pouco
segura e levando a nenhum resultado. Foi suspenso todo posterior trabalho no
poço e voltamos às seções mais conhecidas da mina. Durante o resto daquele
dia o engenheiro pareceu preocupado por algum pensamento fixo. Mostrou-se
extraordinariamente taciturno e em seus olhos se encontrava uma expressão de
espanto e confusão, como se houvesse visto a um fantasma. Durante a noite,
enquanto nos encontrávamos sozinhos, sentados no alojamento perto da
entrada da mina que havíamos compartilhado durante quase um mês, disse a
meu amigo:
“Diga-me francamente o que você viu naquele precipício: estou certo de ter
sido algo estranho e terrível. Seja o que for, tal coisa deixou sua mente em
estado de dúvida. Se é assim, duas cabeças valem mais que uma. Tenha
confiança em mim.”
“Vou lhe contar tudo. Quando a jaula parou me encontrei sobre uma abertura
na rocha; e abaixo de mim, o poço, tomando uma direção oblíqua, descia a
uma profundidade considerável, cuja escuridão minha lâmpada não podia
penetrar. Mas do fundo chegava, com indizível surpresa para mim, uma luz
fixa e brilhante. Se tivesse sido de algum fogo vulcânico, haveria seguramente
sentido o calor do mesmo. Não obstante, ainda que disto não tivesse dúvidas,
creditei da maior importância para nossa segurança, que devia checar o que
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CAPÍTULO II
lugares solitários ou não habituais, em que damos forma ao sem forma e som
ao silêncio.
Escolhemos seis mineiros veteranos para auxiliar a descida. Como a
gaiola não podia conter mais de um por vez, o engenheiro desceu primeiro;
quando chegou a borda da rocha em que se havia detido no dia anterior, saiu
da gaiola e esta foi elevada para que eu descesse por minha vez e tão logo me
encontrei ao lado de meu amigo. Tínhamos providenciado para nós mesmos
um potente rolo de corda.
A luz atingiu minha vista como tinha acontecido com meu amigo no dia
anterior. A galeria pela qual avançávamos descia diagonalmente; pareceu-me
luz atmosférica difusa, não como a do fogo, mas suave e argêntea como de
uma estrela polar. Abandonando a gaiola, descemos um atrás do outro sem
dificuldade, graças às rochas salientes nas paredes, até que chegamos ao lugar
em que meu amigo teve de deter-se, a qual era um prolongamento bastante
espaçoso de forma que pudéssemos estar juntos. Desde este ponto, o
precipício se alargava bruscamente até abaixo como um grande funil, e vi
distintamente a planície, a estrada e as lâmpadas que meu amigo havia
descrito. Não havia exagerado em nada. Ouvi os sons que ele tinha escutado---
- um indescritível murmúrio misturado de vozes e um tropel como de passos
apagados. Forçando minha vista, mais abaixo percebi claramente à distância
as linhas do que imaginei um edifício muito grande. Não podia ser mera rocha
natural; era demasiado simétrico; se destacavam imensas colunas de estilo
egípcio e todo ele iluminado como se a partir de dentro. Levava comigo um
pequeno binóculo de bolso e com a ajuda do mesmo pude distinguir, próximo
ao edifício que menciono duas formas, ao que parecia humanas, apesar de não
ter certeza. Ao menos eram seres vivos, porque se moviam e ambos
desapareceram dentro do edifício. Procedemos a firmar uma ponta da corda,
que havíamos trazido, na rocha em que estávamos, com a ajuda de presilhas e
ganchos que também levávamos juntos com as ferramentas necessárias.
Executamos este trabalho quase em silêncio. Trabalhamos como
homens que temiam conversar. Depois de firmar um extremo da corda na
rocha, amarramos uma pedra na outra extremidade e baixamos até que pousou
no solo a uma profundidade de 15 metros. Eu era mais jovem e mais ágil que
meu companheiro e por haver servido em uma embarcação em minha
mocidade, o deslizamento pela corda era-me mais fácil que para ele. Em voz
baixa reivindiquei o direito de preferência, com o propósito de uma vez no
solo sustentar a corda, a fim de que, estando esta mais fixa, poder ele baixar
melhor. Cheguei em segurança no solo; imediatamente o engenheiro começou
a baixar. Mas apenas havia descido uns quatro metros, quando os ganchos que
críamos estarem bem seguros cederam ou mais certo a rocha mesma se
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CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
Pouco depois, o edifício inteiro a que havia me referido, estava ante minha
vista. Efetivamente, estava construído por mão humana e parcialmente talhado
em uma grande rocha. A primeira vista, podia supor-se que o estilo do mesmo
pertencia à primitiva forma de arquitetura egípcia. Em sua frente tinha grandes
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CAPÍTULO V
Uma voz dirigiu-se a mim. Um tom de voz muito calmo e musical em uma
língua que não pude entender uma palavra, mas que serviu para dissipar meu
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medo. Destapei meu rosto e olhei para cima. Aquele ser (eu dificilmente podia
considerá-lo “homem”) observava-me com um olhar que parecia ler as
profundezas do meu coração. Então, aplicou sua mão esquerda sobre minha
testa, e com a varinha que portava em sua direita tocou gentilmente meu
ombro. O efeito deste duplo contato foi mágico.
No lugar de meu medo anterior, experimentei uma sensação de contento,
de alegria, de confiança em mim mesmo e não coisas que me rodeavam.
Levantei-me e falei em minha própria língua. O desconhecido escutou-me
com aparente atenção, porém havia certa expressão de surpresa em sua face, e
balançou a cabeça como para dar a entender que não me compreendia. Depois
me tomou pela mão e me conduziu em silêncio ao edifício. A entrada era
aberta, posto que de fato não havia porta alguma. Entramos em um imenso
salão, iluminado pelo mesmo sistema de luz que no exterior; mas se difundia
pelo ar um delicado perfume. O pavimento era de mosaico, formado por
blocos de metais preciosos, e em parte coberto por uma espécie de esteiras.
Uma suave melodia se deixava ouvir por todos as regiões do salão, tão natural
ali como o murmúrio de água, em uma paisagem montanhosa, ou o gorjeio de
pássaros em arvoredo primaveril.
Uma figura de traje semelhante ainda que mais simples que o do meu
guia, estava imóvel perto da entrada. Meu guia o tocou duas vezes com sua
varinha, a figura se pôs rapidamente em u rápido e flutuante movimento,
deslizando silenciosamente pelo chão, ao olhar-me, me dei conta que não
tinha vida, senão que era um autômato mecânico.
Faria dois minutos que havia desaparecido, por uma abertura sem porta, meio
coberta com cortinas, situada no outro extremo do salão, quando saiu pela
mesma um garoto de uns doze anos, de feições tão parecidas às de meus guia,
que evidentemente me pareceram pai e filho. Ao ver-me, o garoto soltou um
grito e levantou em atitude ameaçadora uma varinha parecida com a que
levava meu condutor; mas a uma palavra deste a baixou.
Os dois falaram durantes alguns instantes, examinando-me enquanto
falavam. O garoto tocou minhas roupas e acariciou meu rosto com evidente
curiosidade, emitindo um som parecido a uma risada; mas sua hilaridade era
mais controlada que o regozijo expresso por nossa gargalhada. Prontamente
desceu uma plataforma, construída como os elevadores de nossos grandes
hotéis e armazéns para subir aos pisos superiores.
Meu guia e o garoto subiram na plataforma e me indicaram que fizesse
o mesmo, como assim o fiz. A ascensão foi rápida e segura e nos
encontrávamos no meio de um corredor com entradas em ambos os lados.
Através de uma destas entradas, eu fui conduzido a uma câmara adornada com
esplendor oriental; as paredes eram cobertas de mosaicos, formados com
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ante tal olhar; me causavam a vaga impressão de que, aquele garoto poderia,
se quisesse, matar-me, com a mesma facilidade que um homem pode matar a
um pássaro ou uma mariposa. O garoto pareceu magoar-se de minha
repugnância; separou-se de mim e se retirou para o lado de uma das janelas.
Os outros continuavam conversando em voz baixa. Por seus olhares em minha
direção, me dei conta de que eu era o objeto de sua conversação. Um deles,
em particular, parecia empenhado em convencer, ao que me havia encontrado
primeiramente, sobre alguma proposta que me afetava; o último pareceu-me,
por seus gestos, a ponto de consentir, quando, de repente, o garoto deixou seu
lugar próximo à janela e se interpôs entre os outros e eu, como para proteger-
me, e falou de maneira viva e enérgica. Por intuição ou instinto, me dei conta
de que o garoto, a quem tanto temia anteriormente, estava advogando em meu
favor. Ainda não havia o garoto terminado de falar, quando outro
desconhecido entrou no aposento. Aparentemente era de idade mais avançada
que os outros, ainda que não era velho. Seu aspecto, menos sereno que o dos
demais dava uma sensação de humanidade mais em consonância com a minha.
O recém chegado escutou calmamente o que lhe diziam. Primeiro a meu guia,
logo aos do grupo e finalmente ao garoto; depois se dirigiu a mim, não com
palavras, senão por signos e gestos. Pensei entender-lhe perfeitamente e não
me equivoquei. Compreendi que me perguntava de onde havia vindo. Estendi
meu braço e apontei em direção ao caminho que havia seguido, desde o
precipício de rochas; então se me ocorreu uma idéia. Saquei meu caderno de
anotações e em uma das folhas fiz um desenho da borda da rocha, da corda e
eu pendurado nesta; logo delineei as rochas cavernosas abaixo, a cabeça do
réptil e o corpo sem vida de meu amigo. Entreguei este primitivo tipo de
hieróglifo a meu interrogador, quem, depois de examiná-lo gravemente, o
passou a seu vizinho e assim percorreu todo o grupo. Após tal exame, o
primeiro ser, a quem eu havia encontrado, proferiu algumas palavras e o
garoto, que se havia aproximado e examinado o desenho, moveu a cabeça
afirmativamente, dando a entender que compreendia o que significava. O
garoto se aproximou da janela, expandiu suas asas, as sacudiu uma ou duas
vezes e se lançou no espaço.
A surpresa fez-me dar um salto e corri para a janela. O menino já estava
no ar, sustentado por suas asas, as quais ele não agitava para frente e para trás,
como a dos pássaros, senão que se elevavam sobre sua cabeça e pareciam o
sustentar nas alturas, sem esforço de sua parte. O menino voava com a rapidez
de uma águia. Observei que estava seguindo em direção à rocha que eu havia
descido, cujos contornos conseguiam-se divisar através da brilhante atmosfera.
A uns poucos minutos, voltava entrando pela mesma abertura da qual havia
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Saindo deste salão, meu guia me levou por uma galeria, ricamente
pintada em seções, com uma exótica mistura de ouro nas cores, como os
quadros de Luis Cranach*. Os temas descritos naquelas paredes aparentaram-
me como pretendendo ilustrar eventos na história da raça em meio da qual
havia caído. Em todas pinturas havia figuras, a maioria delas iguais às
criaturas de aparência humana que tinha visto, mas não todas com a mesma
vestimenta, nem todas com asas. Havia também representações de vários
animais e pássaros, completamente desconhecidos para mim. Os fundos
reproduziam paisagens e edifícios. Até onde meus escassos conhecimentos de
arte pictórica me permitem opinar, aquelas pinturas me pareceram exatas em
desenho, rica em cores, mostrando um perfeito conhecimento da perspectiva;
porém os detalhes não se ajustavam de maneira alguma às regras de
composição aceitas por nossos artistas, pois lhes faltava, por assim dizer, um
centro, de maneira que o efeito era vago, espalhado, confuso, desconcertante;
eram como fragmentos heterogêneos de um sonho de arte.
Chegamos a uma sala de dimensões moderadas, na qual estava reunida
a que, depois soube, era a família de meu guia. Achavam-se sentados ao redor
de uma mesa como para almoçar. As formas ali agrupadas eram a esposa de
meu guia, a filha e dois filhos. De imediato reconheci a diferença entre os dois
sexos. Observei que as mulheres eram mais altas e de maiores proporções que
os homens e de linhas e contornos, todavia mais simétricos; porém careciam
da suavidade e expressão tímida que dão encanto ao rosto de nossas mulheres
sobre a Terra. A esposa não possuía asas. As da filha eram mais longas que as
dos homens.
Meu guia proferiu umas poucas palavras; ao ouvi-las, as pessoas
sentadas se levantaram e com a peculiar doçura no olhar e maneiras, que havia
observado antes e que, em verdade, era característica comum daquela
formidável raça, saudaram-me à sua maneira, a qual consiste em levar-se a
mão direita gentilmente à cabeça e emitir um monossílabo sibilante: ssssi...,
cujo significado é equivalente a “Bem vindo”.
A dona de casa me indicou um assento a seu lado e serviu um grande
prato de ouro em minha frente com uma das iguarias.
Ao prová-las, não obstante serem comidas desconhecidas para mim,
fiquei maravilhado, mais pela delicadeza e qualidade do sabor das mesmas,
que por seu estranho aroma. Meus companheiros, entretanto conversavam
calmamente entre si, e pelo que pude notar, evitavam cortesmente toda
referência direta a mim ou comentário indiscreto sobre minha aparência. Não
obstante, eu era a primeira criatura, da variedade da raça humana, a que
pertenço, que eles haviam visto, sendo conseqüentemente, considerado por
eles como um muito curioso e anormal fenômeno.
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senti algo como uma descarga elétrica. Encolhi-me temeroso; meu anfitrião
sorriu e, como se quisesse cortesmente satisfazer minha curiosidade, estendeu
lentamente seus braços. Notei que sua vestimenta abaixo das asas se dilatava
como uma bexiga que se enche de ar. Os braços pareciam deslizar-se dentro
das asas; um momento depois se havia lançado ao espaço luminoso, ficando
ali suspenso com as asas estendidas, como uma águia que se aquece ao sol.
Então, rapidamente como uma águia que se precipita, lançou-se para baixo no
meio de um dos grupos, deslizando de um lado pelo outro, se elevou de novo.
Logo após, três formas separaram-se dos demais, em uma das quais pareceu-
me reconhecer a filha de meu guia, seguindo-o, como os pássaros seguem um
atrás do outro. Meus olhos, deslumbrados pelas luzes e assombrado pela
multidão, deixaram de enxergar os giros e evoluções destes jogadores alados;
até que meu anfitrião saiu de dentre aquela multidão e pousar a meu lado.
O maravilhoso de tudo aquilo, jamais visto por mim, começou a afetar
fortemente meus sentidos; minha mente por si só começou a variar.
Ainda que não tendente a ser supersticioso, nem jamais havia acreditado,
até então, que o homem pudera colocar-se em contato corporal com os
demônios, senti o terror e a incrível excitação que, na idade média, teria
sentido um viajante na presença de um sabat* de demônios e bruxas. Tenho a
vaga lembrança de que tentei veementes gesticulações e fórmulas de
exorcismo e palavras sonoras incoerentes para repelir meu cortês e indulgente
anfitrião; quem com amáveis esforços tratava de acalmar e tranqüilizar-me;
pois acertadamente compreendeu que meu terror e agitação eram ocasionados
pela diferença de forma e movimento, principalmente pelas asas, os quais
haviam excitado minha maravilhosa curiosidade e que o espetáculo havia
excitado ainda mais. Parece-me recordar seu sorriso gentil quando, para
acalmar meu medo, deixou cair suas asas no chão, com a idéia de demonstrar-
me serem apenas um dispositivo mecânico. A repentina transformação não fez
mais que aumentar meu horror; e vítima de um paroxismo extremo, que se
manifesta por extrema coragem, lancei-me em seu pescoço tal qual besta
selvagem. No mesmo instante caí no solo como se tocado por uma descarga
elétrica; as imagens confusas que flutuaram perante meus olhos, até que fiquei
inconsciente, foi a forma de meu anfitrião, ajoelhado a meu lado, com uma de
suas mãos à minha frente e o belo e calmo rosto de sua filha, com seus
grandes olhos inescrutáveis, cravados fixamente nos meu.
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CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
disse: “E tu, Zee, não repetirá nada do que o estrangeiro tenha dito, ou diga, de
outro mundo que não seja o nosso.” Zee levantou-se e, beijando a seu pai nas
têmporas, disse com um sorriso: “A língua de uma Gy é solta, mas o amor a
sujeita fortemente. Mas, meu pai, se temes por um momento que uma palavra
minha ou sua pode colocar em perigo a nossa comunidade por causa de um
desejo de explorar o mundo mais além do nosso, não bastaria uma onda de
Vril, adequadamente dirigida, para apagar de nosso cérebro até a lembrança
do que temos ouvido dizer o estrangeiro?
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
Passou algum tempo antes que, por repetidos transes, se assim podem ser
chamados, minha mente ficara mais bem preparada para trocar idéias com
meus anfitriões e foi mais capaz dar-me conta de seus diferentes usos e
costumes. Até então, eram demasiadas estranhas e novas em minha
experiência para que minha razão as pudesse compreender, e fora capaz de
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empreitada requere-se não ter piedade e os garotos quanto mais jovens mais
sem piedade destroem.
Existe outra classe de animais para cuja destruição há que se aplicar
certo discernimento e para o qual elegem-se os garotos de idade intermediária.
São os animais que não ameaçam a vida do homem, mas que destroem o
produto de seu trabalho; variedades do alce ou cervo e de um animal de menor
tamanho muito parecido ao nosso coelho, ainda que infinitamente mais
destrutivo para as colheitas e mais sagaz em suas depredações. O primeiro
dever dos meninos, eleitos para este caso, é procurar domesticar aos mais
inteligentes de tais animais, ensinando-lhes a respeitar os limites demarcados,
da mesma maneira que se ensina aos cachorros a respeitar a despensa ou a
cuidar da propriedade de seu dono. Unicamente destroem-se os animais desta
classe que se mostram indomáveis. Nunca se matam animais para alimento ou
por esporte; mas tampouco se salvam aos que sejam indomáveis ou perigosos
para os Ana. Simultaneamente com estes serviços e tarefas físicas, segue a
educação mental dos jovens, até o término da idade juvenil. É costume geral
que depois sigam um curso de instrução no Colégio dos Sábios; no qual, além
dos estudos mais gerais, o pupilo receba lições mais específicas, segundo sua
vocação ou direção de seu intelecto, que ele mesmo elege. Alguns, não
obstante, preferem inverter este período de prova, viajando, e emigram ou
estabelecem-se logo depois no campo ou no comércio. Não se colocam
restrições às inclinações individuais.
CAPÍTULO X
prefere-se com freqüência às meninas, pela razão de serem por natureza mais
implacáveis sob a influência do medo ou de rancor. No período intermediário
entre a infância e a idade matrimonial, suspende-se a relação familiar entre os
sexos, à qual se restabelece ao chegar a Gy na idade própria para casar-se, sem
que esta relação chegue, de forma alguma, a dar lugar ao que nós mesmos
chamamos de faltas contra a moral. As artes e as ocupações próprias de um
sexo estão também abertas ao outro sexo; não obstante, as Gy-ei atribuem-se
certa superioridade nos estudos abstratos e místicos, para os quais, dizem elas,
não serem os Ana aptos por causa de sua embotada inteligência, mais
adaptada à rotina das ocupações de índole prática; da mesma maneira que
algumas mulheres de nosso mundo se consideram peritas nos ramos da ciência
e da filosofia mais abstrusas, às quais muito pouco homens dedicados aos
negócios tem interesse, por faltar-lhes os conhecimentos e a agudez intelectual
que a elas se atribuem.
Ainda, seja devido a prematuro treinamento em exercícios de ginástica,
ou à sua constituição física, as Gy-ei são ordinariamente superiores aos Ana
em força física (elemento importante para a manutenção dos direitos
femininos). São de maior estatura, e sob suas silhuetas proporcionais ocultam-
se músculos e tendões tão resistentes quanto os do sexo oposto. De fato,
afirmam que, de acordo com as leis originais da natureza, as fêmeas devem ser
maiores que os machos e apóiam este princípio na vida primária dos insetos e
nas mais antigas famílias de vertebrados; como os peixes, nos quais as fêmeas
são grandes o suficiente como para alimentar-se dos machos, se assim as
agradar.
Sobretudo, as Gy-ei possuem um mais pronto e concentrado domínio
sobre o misterioso fluído ou agente que contêm os elementos destrutivos; os
quais aplicam com muito maior sagacidade, acentuado pelo dissimulo. De
maneira que não apenas podem defender-se a si mesmas contra toda agressão
dos homens, senão que podem, em qualquer momento e ante o menor perigo,
dar fim à existência do esposo ofensor. Há que ser dito, para crédito das Gy-ei,
que não há registro, desde fazem muitas gerações, que tenham abusado nesta
terrível arte de destruição.
No último caso desta natureza, ocorrido na comunidade a que me refiro,
aconteceu (de acordo com sua cronologia), uns dois mil anos antes. Conta-se
que uma Gy, em um arrebatamento de ciúmes, matou seu marido. Este ato
abominável inspirou tal terror aos homens, que estes emigraram em massa e
deixaram às Gy-ei abandonadas a si mesmas. Parece que isto desesperou as
Gy-ei, as quais, caíram sobre a assassina enquanto dormia (e por tanto
desarmada) e a mataram, e então juraram solenemente renunciar para sempre
do exercício de seus extremos poderes maritais, e incutir as mesmas
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CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
PLURAL
Nominativo: Ana (homens)
Dativo: Anoi (para os homens)
Acusativo: Ananda (aos homens)
Vocativo: Hil-Ananda (Oh homens)
Na antiga literatura inflexiva tinham a forma dupla, mas faz tempo que
está em desuso.
O genitivo também o tem em desuso, substituído pelo dativo. Dizem
eles: A casa para o homem, em vez de a casa do homem. Quando se emprega
o genitivo (em poesia, alguma vez) a terminação é a mesma do nominativo; o
mesmo ocorre com o ablativo, e a preposição que o define sendo, por opção,
um prefixo ou sufixo, e geralmente decidido pelo efeito auditivo, de acordo
com o som do substantivo.
Observar-se-á, ainda, que o prefixo Hil indica o vocativo. O qual
sempre se emprega ao dirigir-se ao outro, salvo nas relações domésticas mais
íntimas; omitir o prefixo pode ser considerado descortesia; da mesma maneira
que em nossas antigas formas de falar, ao nos dirigirmos a um Rei, teria sido
uma falta de respeito chamá-lo Rei, secamente, quando mais respeitoso seria
dizer Oh Rei. De fato, como eles não possuem títulos honoríficos, a
exclamação vocativa supre ao título e se dá indistintamente a todos. O prefixo
Hil entre na composição das palavras que implicam comunicação à distância,
como: Hil-ya, viajar.
Na conjunção dos verbos, o qual é um tema demasiado extenso para
explaná-lo aqui, o verbo auxiliar Ya, “ir”, que toma uma parte tão importante
no sânscrito, parece carregar uma função similar, como se fosse um radical de
um idioma de que ambos procedem.
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CAPÍTULO XIII
Este povo tem uma religião. Diga-se o que for contra esta, aos menos
tem as seguintes peculiaridades pouco comuns: em primeiro lugar, os Ana tem
fé no credo em que professam; em segundo lugar, todos eles praticam os
preceitos que este credo os inculca. Unem-se no culto ao divino Criador e
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tentações para fazer o errado, que são bons (de acordo com sua noção de
bondade) tão somente pelo fato de estarem vivos. Possuem algumas idéias
fantásticas sobre a continuação da vida, quando uma vez concedida, mesmo
no reino vegetal, como o leitor irá ver no capítulo seguinte.
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV
Todos naquele lugar foram muito bondosos comigo, porém a jovem
filha de meu anfitrião foi a que mais se destacou por sua consideração e
bondade. À indicação da mesma, troquei meu traje com que havia descido
desde acima da Terra e adotei o vestido dos Vril-ya, com exceção das
magníficas asas artificiais, que a eles serviam de graciosos manto quando iam
a pé. Mas como muitos deles tampouco levavam as asas ao desempenharem
ocupações urbanas, não me diferenciava muito daqueles da raça a qual
mantinha estada, o qual permitiu-me visitar a povoação sem despertar danosa
curiosidade. Fora da casa, ninguém suspeitava que havia vindo do mundo
sobre a Terra, e consideravam-me um membro de alguma raça inferior, que
Aph-lin tinha como hóspede.
A cidade era grande em proporção ao território rural que a cercava, o
qual não era de maior extensão que a propriedade de numerosos nobres
ingleses ou húngaros; porém todo ele, até as rochas que constituíam seus
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duas vezes mais rico que o Tur, o qual residia em um Palácio. Não há dúvida,
contudo, que possuía alguma residência no campo.
Os Ana da comunidade, em conjunto, são uma coleção de seres
indolentes, uma vez que tenham passado do período ativo da infância. Seja por
temperamento ou filosofia, eles classificam o repouso como uma das maiores
bênçãos da vida. De fato, consideram que quando são retirados do ser humano
o incentivo à ação, nascido da ambição e da concupiscência, não é de
estranhar que este tenha predileção à quietude.
Em seus movimentos usuais preferem o uso dos pés às asas. Para suas
atividades esportivas (com perdão ao uso inapropriado do termo) e atos
públicos, empregam as últimas, o mesmo que para as danças aéreas que
descrevi anteriormente, bem como para visitar suas residências no campo, às
quais estão correntemente situadas em grandes alturas e, quando ainda jovens,
preferem suas asas para viajar para outras regiões, ao invés da preferência por
outros meios de transporte.
Os acostumados ao vôo, podem voar, ainda que com menos rapidez que
as aves, e alcançar velocidades de quarenta a cinqüenta quilômetros por hora,
podendo sustentar-se nos ar em tal ritmo durante umas cinco a seis horas.
Porém, ao chegar à idade madura, o An geralmente não gosta muito de
movimentos rápidos, que exijam exercício violento. Talvez por esta razão,
posto que aceitam a doutrina (a qual nossos próprios fisiologistas irão com
certeza aprovar) de que a transpiração regular pelos poros da pele é essencial
para uma boa saúde, habitualmente tomam os banhos de vapor que nós
chamamos turcos ou romanos, seguidos de duchas de águas perfumadas.
Depositam grande fé nas qualidades salutíferas de certos perfumes.
É também seu costume, em determinados porém raros períodos, talvez
umas quatro vezes ao ano, quando gozam de boa saúde, tomar um banho
carregado de Vril. Uma vez provei o efeito do banho de Vril. Foi muito
similar, pela revigoração, aos banhos de Gastein, as virtudes dos quais são
atribuídas por muitos médicos à eletricidade; porém ainda que similares os
efeitos de Vril são muitos mais duradouros. Eles consideram que dito fluido,
empregado em pequena escala, é grande sustentador da vida; mas que, usado
em excesso, quando se goza de boa saúde, mais tende a desestabilizar e
desvitalizar. Contudo, recorrem a ele em todas as suas enfermidades, para
ajudar a natureza a restabelecer-se.
Em sua própria maneira, são as mais exuberantes das pessoas, porém
todos seus luxos são inocentes. Pode ser dito que vivem em uma atmosfera de
música e fragrância. Cada habitação tem seus dispositivos mecânicos para
sons melodiosos, usualmente ajustados em tons amenos que dão a impressão
de suaves murmúrios de espíritos invisíveis. Estão tão acostumados a estes
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sons suaves, como para não achá-los impeditivo à conversação, nem, quando
sozinhos, à reflexão. Porém, afirmam que respirar uma atmosfera carregada de
contínua melodia e perfume, necessariamente produz um efeito a uma vez
calmante e eleva o caráter e o modo de pensar.
Apesar de tão sóbrios, e com total abstinência de qualquer outra comida
animal exceto o leite, e de todas bebidas alcoólicas, contudo, são eles
refinados e delicados ao extremo em comida e bebida. Em todos seus esportes,
até mesmo os velhos exibem uma alegria infantil. A felicidade é o que eles
anelam, não como alegria fugaz, senão como condição dominante de sua
existência; a mesma consideração pela felicidade dos demais se manifesta na
agradável amenidade de suas maneiras.
A conformação do crânio dos Vril-ya tem marcadas diferenças com os
de todas as raças conhecidas de nosso mundo. Não pude menos que pensar
que tal conformação é um desenvolvimento, o qual tem requerido incontáveis
eras, do tipo braquicéfalo da Idade da Pedra, descrito no “Elemento de
Geologia”, de Lyell, cap. X, pág. 113, quando comparado com o tipo
dolicocéfalo do princípio da Idade do Ferro, que corresponde ao hoje tão
predominante entre nós mesmo conhecido como o tipo Celta. Possuem,
comparativamente, o mesmo volume massivo de fronte, não recuada como no
Celta—a mesma curvatura uniforme dos órgãos frontais; porém mais elevada
no topo e muito menos pronunciada no hemisfério cranial posterior, no qual os
frenólogos colocam os órgãos animais. Para expressar-me como um frenólogo,
direi que o crânio dos Vril-ya possuem os órgãos de peso, número, vigor,
forma, ordem, casualidade, muito largamente desenvolvidos e de conformação
muito mais pronunciada que o ideal. Os órgãos chamados morais, tais como a
consciência e a benevolência, são extraordinariamente perfeitos; os de
amorosidade e combatividade muito pequenos; os de lealdade são grandes; o
órgão da destrutividade (por dizer, a determinada eliminação de obstáculos
interpostos) imensos, mas menores que aqueles da benevolência; e sua
filoprogenitura*(descendência?), toma mais a característica de compaixão e
ternura às coisas que necessitem de ajuda ou proteção ao invés de amor animal
pela cria. Nunca encontrei pessoa alguma deformada ou com malformação
física. A beleza de sua expressão facial é não apenas na simetria das
proporções, senão à suavidade de sua pele, que se mantém sem uma ruga ou
vinco até a mais avançada idade, e uma serena expressão de doçura,
combinada com aquela majestade que parece provir da consciência de poder e
da liberdade de todo terror, físico ou moral. É aquela mesma mansidão
combinada com majestade, que inspirava em um observador como eu mesmo,
acostumado a lidar com as paixões da humanidade, um sentimento de
humilhação, de temor, de respeito. É uma tal expressão que um pintor poderia
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passar e que, uma vez que nossa educação se tenha completado, estamos
destinados a voltar ao mundo superior e suplantar todas as raças inferiores que
hoje o povoam”.
Aph-lin e Zee amiúde conversaram comigo em privado sobre as
condições políticas e sociais do mundo superior, cujos habitantes, segundo
Zee supôs tão filosoficamente, haviam de ser exterminados um dia ou outro
pelo advento dos Vril-ya. Eles encontraram em meus relatos, nos quais
esforcei-me tudo que podia (sem cair em falsidades tão claras que teriam sido
facilmente descobertas pela sagacidade de meus ouvintes) em apresentar-lhes
nossos poderes e nós mesmos desde o ponto de vista mais favorável,
perpetuamente sujeitos de comparação entre nossas mais civilizadas
populações e as ignóbeis raças subterrâneas, as quais eles consideravam
desperançosamente imersas em barbárie e condenadas a gradual, senão certa,
extinção.
Porém ambos coincidiam no desejo de ocultar à sua comunidade toda
indicação prematura do caminho até as regiões alumiadas pelo Sol; ambos,
como eram compassivos, tratavam de encolher-se ante a idéia de aniquilar a
tantos milhões de criaturas; mas o quadro que os desenhei de nossa vida,
apesar do brilho de minhas cores, os entristecia. Em vão lhes citava a nossos
grandes homens; poetas, filósofos, oradores, generais, e desafiava aos Vril-ya
a que apresentassem seus semelhantes. “Alas!” – exclamou Zee, com seu belo
rosto adocicado por uma compaixão angelical – “precisamente este
predomínio dos poucos sobre os muitos é a indicação mais clara e fatal de uma
raça incorrigivelmente selvagem. Não percebe você que a primeira condição
para a felicidade humana consiste na eliminação da luta e competição entre os
indivíduos, a qual, qualquer que seja a forma de governo que adotem, tende a
subordinar a maioria a uns poucos, destrói a verdadeira liberdade do indivíduo,
qualquer que seja a liberdade nominal do Estado, e impede a tranqüilidade da
existência, sem a qual, a faculdade mental ou corporal não pode ser atingida”?
“Nosso conceito é” – prosseguiu Zee – “que, quanto mais possamos assimilar
a vida à existência em que nossos mais nobres pensamentos possam conceber
ser aquela dos espíritos do outro lado da tumba, ora, mais nos aproximaremos
a uma divina felicidade aqui, e de forma mais fácil passamos gradativamente
às condições do ser da vida futura”.
“Visto que, seguramente, tudo que podemos imaginar da vida dos
deuses, ou de benditos imortais, supõe a ausência de desejos em benefício
próprio ou contenciosas paixões, tais como a avareza e a ambição, assim,
parece-nos que tal tem de ser uma vida de serena tranqüilidade, não
precisamente sem ocupações ativas para as faculdades intelectuais e poderes
espirituais, senão ocupações que, de qualquer natureza que sejam, estejam
49
CAPÍTULO XVI
Tenho mencionado muitas vezes sobre a Varinha mágica Vril e meus leitores,
naturalmente, esperam que a descreva. Tal não posso fazer com exatidão,
porque nunca foi-me permitido manipulá-la, por temor de algum terrível
acidente, por causa de minha ignorância acerca de sua utilização. É oca, e leva
no cabo uma série de regulagens, chaves ou interruptores, por meio dos quais
a força pode ser alterada, modificada ou dirigida, segundo queira-se utilizá-la
para destruir ou curar; para quebrar rocha; por um lado para dissipar vapores –
por outro para afetar os corpos, por outro para exercer alguma influência sobre
as mentes. É usualmente portada no conveniente tamanho de um bastão, mas é
extensível e pode-se aumentar ou diminuí-la à vontade.
Ao usar a Varinha, apóia-se o cabo na palma da mão com os dedos
indicador e médio esticados. Asseguram-me que, contudo, que o poder da
Varinha não é igual para todos os que a manejam, senão que certas
propriedades de Vril dependem de quem a maneja, em afinidade ou harmonia
com o fim a que se propõe ou deseja. Uns tem mais poder para destruir, outros
para curar, etc; muito depende da calma e força de vontade do manipulador.
Eles afirmam que o pleno poder de Vril somente podem exercê-lo aqueles que
possuam certo temperamento constitucional, que é hereditário em certas
organizações. Em tais condições, uma menina de quatro anos de idade
pertencente às raças dos Vril-ya pode fazer, com a varinha posta pela primeira
vez em suas mãos, coisas que não poderia fazer o mais forte e hábil mecânico
que não tenha nascido sob a égide dos Vril-ya, ainda que se dedique toda sua
vida à pratica. Umas varinhas são mais complicadas que outras; as confiadas
aos meninos são mais simples que as empregadas pelos sábios de ambos os
sexos, e são construídas para o objetivo especial ao que os mesmos dediquem-
se, o qual, como disse antes, é, para os mais pequenos, o de destruir. Nas
Varinhas de esposas e mães, o poder destrutivo está anulado e, em troca, estão
carregadas com pleno poder curativo. Gostaria de poder dizer algo mais sobre
este singular condutor de fluido Vril; mas somente posso dizer que o
mecanismo do mesmo é tão delicado, quanto maravilhosos são seus efeitos.
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Devo dizer, contudo, que este povo tem inventado uns tubos, por meio
dos quais pode-se fazer chegar o fluido de Vril aos objetos que tenham que
destruir a uma distância quase indefinida. Digo que tem um alcance de, pelo
menos, uns 800 a 1000 quilômetros. Ainda, sua ciência matemática, como é
aplicada para tal finalidade, é tão exatamente precisa que, seguindo as
indicações de um observador em uma embarcação aérea, qualquer membro do
departamento de Vril pode calcular, inequivocamente, a característica dos
obstáculos intermediários, a altura que o instrumento de disparo tem de ser
elevado e a carga necessária para ser amuniciado, para como que reduzir a
cinzas, em um período de tempo extraordinariamente curto para eu ousar
especificar, uma cidade duas vezes maior que Londres.
Em realidade, os Ana são mecânicos maravilhosos – maravilhosos na
aplicação de suas faculdades inventivas para usos práticos.
Em certa ocasião, visitei acompanhado de meu anfitrião e de sua filha
Zee, o grande Museu Público que ocupa uma ala do Colégio dos Sábios, no
qual estão guardados, como curiosos modelos dos torpes e primitivos
experimentos de seus primeiros tempos, muitos dispositivos dos quais
orgulhamo-nos hoje em dia como conquistas modernas. Em uma seção,
abandonados como ferro-velho estavam uns tubos para destruir a vida por
meio de bolas metálicas e pó inflamável, construídos conforme o princípio de
nossas catapultas e canhões, e até mesmo, muito mais mortíferos que nossos
mais modernos instrumentos.
Meu anfitrião referiu-se a eles com sorriso de desdém, algo assim como
um oficial de artilharia olharia aos arcos e flechas dos chineses. Em outra
seção havia maquetes de veículos e embarcações a vapor e de um balão
inflável que bem poderia ter sido construído por Montgolfier. “Tais foram” –
disse Zee, com um ar de sabedoria meditativa – “os débeis esforços para
dominar a natureza, desenvolvidos por nossos selvagens antepassados, antes
que possuíssem um mero vislumbre das propriedades da força de Vril!”
Esta jovem Gy era um magnífico espécime da força muscular que as
mulheres daquele país alcançam. Suas feições eram formosas, igual a todos de
sua raça: nunca em nosso mundo de acima havia eu visto um rosto tão divino
e perfeito, porém, sua devoção aos estudos mais sérios tinham dado a seu
semblante uma expressão de mentalidade abstrata, que a fazia parecer severa
em momentos de repouso. E tal severidade tornava-se impressionante quando
observada conjuntamente com seu amplo busto e alta estatura. Era alta mesmo
para uma Gy, e a vi erguer um canhão tão facilmente quanto eu podia levantar
uma pistola. Zee inspirava-me com um terror secreto, um terror que aumentou
quando adentramos na seção do museu em que se guardam os dispositivos
manipulados pela ação de Vril; pois ali, a um mero movimento de sua Varinha
52
quanto para não saber que nenhuma forma de matéria é imóvel e inerte: toda
partícula está em constante movimento e eternamente dirigida por agentes, da
qual o calor é o mais aparente e rápido, mas Vril o mais sutil e, quando
dirigido com habilidade, o mais poderoso. Sendo assim, de fato, a corrente
lançada por minha mão e guiada por minha vontade, não faz mais que
submeter, com mais rapidez e potência, à ação que está eternamente
trabalhando sobre cada partícula de matéria, por mais inerte e resistente que
pareça. Se uma massa de metal não é capaz de originar um pensamento
próprio, ainda assim, em virtude de sua suscetibilidade interna ao movimento,
tal obtém o poder de receber o pensamento do agente intelectual que opera
sobre esta; e que, quando carregada com suficiente carga de poder Vril, esta é
tanto mais compelida a obedecer quanto se fosse deslocada por uma força
corporal perceptível. Esta é, de momento, animada pela alma que de tal
maneira se lhe infunde, tanto que uma pessoa quase pode afirmar que a mesma
vive e raciocina. Sem isto nós não poderíamos fazer com que nossos
autômatos substituíssem as funções dos criados”.
Eu estava por demais espantado dos músculos e dos conhecimentos da
jovem Gy para correr o risco de argumentar com ela. Recordava-me haver lido
em algum lugar, em meus dias de escola, que um sábio, disputando com um
Imperador romano, repentinamente abaixou sua crista; e quando o Imperador
perguntou-lhe se já não tinha mais nada a dizer de seu ponto de vista, o sábio
contestou: “Não, César, não há maneira de argumentar contra um raciocinador
que comanda vinte e cinco legiões”.
Apesar de eu ter uma íntima convicção de que quaisquer que fossem os
efeitos verdadeiros de Vril sobre a matéria, o Sr. Faraday poderia ter-se
mostrado um muito superficial filósofo para ela, tanto em extensão quanto em
relação às causas do fenômeno, tinha eu absoluta certeza que Zee poderia ter
rachado a cabeça de todos os membros da Royal Society*, um após o outro,
com um golpe de seu punho. Todo homem sensível sabe que é inútil discutir
com uma mulher comum sobre assuntos que ela domina; porém, discutir com
uma Gy de dois metros de estatura, sobre os mistérios de Vril – é o mesmo
que discutir em um deserto contra uma tempestade Simoom*!
Entre as diversas seções que tomavam parte do vasto edifício do
Colégio dos Sábios, a que mais me interessou foi a dedicada à arqueologia dos
Vril-ya, à qual compreendia uma muito antiga coleção desses retratos. Nestes,
os pigmentos e a base de fundo* empregados era de natureza tão durável que,
até mesmo pinturas ditas terem sido feitas em datas tão remotas quanto
aquelas dos mais ancestrais anais do povo chinês, mantinham muito do frescor
de suas cores. Ao examinar esta coleção, duas coisas me chamaram
especialmente a atenção: -- primeiramente, que as imagens ditas datarem entre
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6000 a 7000 anos de idade, eram de um muito maior grau de arte que qualquer
outra produzida dentre os últimos 3000 ou 4000 anos; e, em segundo lugar,
que os retratos do período antigo assemelhavam-se muito mais com nosso
mundo da superfície e tipos de expressões européias. Alguns deles, de fato,
recordavam-me as cabeças italianas que pareciam-se as dos quadros de
Ticiano; expressavam ambição e astúcia, preocupação ou dor, com sulcos
onde as paixões foram aradas a ferro. Estes eram os semblantes de homens
que tinham vivido em luta e conflito, antes que o descobrimento das forças
latentes de Vril mudara o caráter da sociedade – homens que disputaram o
poder e a fama, uns com os outros, igual nós mesmos fazemos em nosso
mundo da superfície.
O tipo de rosto começou a revelar marcada mudança mil anos depois da
Revolução originada por Vril, tornando-se assim, com cada geração, mais
serenos e, dessa forma, mais terrivelmente distinto das faces dos
desafortunados e perversos antepassados; enquanto que em proporção, tanto a
beleza quanto a magnificência da expressão em si mesma tornou-se muito
mais aprimorada; já a arte do pintor fez-se mais simplória e monótona.
Porém a maior curiosidade naquela coleção eram três retratos
pertencentes à época pré-histórica, os quais, segundo a tradição mítica, foram
feitos por ordem de um filósofo, cuja origem e atributos estavam tão
mesclados às fábulas simbólicas quanto às de um Buddha hindu ou de um
Prometeu grego.
Deste misterioso personagem, ao mesmo tempo sábio e herói, todas as
principais linhagens dos Vril-ya fazem remontar sua origem.
Os retratos são: o do filósofo mesmo, o de seu avô e o de seu bisavô.
São feitos em tamanho natural. O filósofo está vestido com uma longa túnica,
que parece conformar-se e uma vestimenta de folgada armadura escamosa,
tomada, talvez, de algum peixe ou réptil, mas as mãos e os pés estão visíveis:
os dedos de ambos são extremadamente longos e espalmados; tem quase ou
nenhum pescoço, a garganta é imperceptível e a testa é baixa e achatada; de
maneira alguma a testa ideal par um sábio. Os olhos são brilhantes, pardos e
proeminentes, a boca muito larga, as maças do rosto salientes e uma cútis
turva. De acordo com a tradição, este filósofo viveu na idade patriarcal,
estendendo-se por muitos séculos, e ele distintamente assemelhava-se, na meia
idade, a seu avô enquanto era vivo, e na infância a seu bisavô. O retrato do
primeiro foi feito, ou fez com que o fizessem, enquanto ainda era vivo – e o do
segundo, foi feito de sua efígie mumificada. O retrato do avô tinha aas
características e aspecto como as do filósofo, só que muito mais exagerada.
Não estava vestido e a coloração de sua pele era singular: o peito e o estômago
amarelos, os ombros e pernas de um matiz bronze fosco; o bisavô era um
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naqueles tempos, qual seja, de que a razão humana somente podia manter-se
na devida magnitude, exercitando-a a favor e contra no movimento de
perpétua contradição. E, conseqüentemente, uma outra escola filosófica
sustentava a doutrina de que o An não era um descendente do Sapo, mas que o
Sapo era, claramente, a forma de desenvolvimento melhorado do An. Que a
forma do Sapo, tomada em sua totalidade, era muito mais simétrica que aquela
do An. Além da bela conformação dos membros inferiores, os flancos e
ombros da maioria dos Ana daqueles tempos eram quase que totalmente
deformados e, certamente, mal proporcionados. Ademais, o Sapo tem a
capacidade de viver tanto na terra quanto na água – um grandioso privilégio,
tomando parte de uma essência espiritual negada ao An, claramente
evidenciada pelo desuso de sua bexiga natatória, o que prova sua degeneração
de um mais alto desenvolvimento das espécies. Ainda, as raças primitivas dos
Ana até uma época relativamente recente, estavam, segundo me parece,
cobertas de pêlos e barbas hirsutas deformavam os rostos de nossos
antepassados, as quais estendiam-se selvagemente por suas faces e queixo,
sendo similares, meu pobre Tish, aos pêlos como os que estão esparramados
por seu rosto. Porém, o intuito das raças superiores dos Ana, durante
incontáveis gerações, tem sido a de apagar todo vestígio de conexão com os
vertebrados peludos; e conseguiram eliminar gradualmente tais degradantes
excessos capilares através da lei de seleção sexual. As Gy-ei, naturalmente,
preferindo a juventude de rostos belos e suaves. Pois, o grau do Sapo nesta
ordem dos vertebrados poe-se de forma em que este carece totalmente de
pêlos; nem sequer os têm na cabeça. Ele nasce já sem pêlos, com aquela
perfeição descapilarizada que o mais bem apanhado dos Ana, apesar de
incontáveis eras de cultura, ainda não conseguiu atingir. A Escola à qual me
refiro, colocou em manifesto a maravilhosa complicação e delicadeza do
sistema nervoso e da circulação arterial do Sapo, os quais fazem-no ser mais
suscetível de se alegrar do que nossa estrutura inferior, ou ao menos, simplória
constituição física, nos permite. O exame da mão de um Sapo, se posso usar
tal expressão, explica a maior suscetibilidade deste ao amor e à vida social em
geral. Com efeito, gregários e afetuosos como são os Ana, muito mais o são os
Sapos. Em resumo, estas duas escolas filosóficas tencionaram-se uma contra a
outra; uma afirmava que o An era o tipo aperfeiçoado do Sapo; enquanto a
outra sustentava que o Sapo era um desenvolvimento mais elevado do An. A
opinião dos moralistas divergia da dos naturalistas, mas a grande maioria deles
estava alinhada com a escola que dava preferência ao Sapo. Afirmavam, muito
plausivelmente, que em conduta moral (ou seja, a aderência às regras melhor
adaptadas à saúde e bem-estar do indivíduo e da comunidade), não cabia
dúvida em quanto à vasta superioridade do Sapo. A história inteira daquela
57
pode isto significar que o Onisciente tenha combinado tais elementos em uma
forma, de uma maneira mais que em outra, a fim de criar aquele ao qual Ele
tenha colocado a capacidade para receber a idéia Dele Mesmo, junto com
todas as diversas grandiosidades do intelecto a que tal idéia dá origem? O An
começou a viver como An, em realidade, ao receber o dom de tal capacidade e,
com ela, a faculdade de confirmar que, conquanto muitas gerações
transcorram para que sua raça possa crescer em sabedoria, nunca poderá
combinar os elementos, a seu dispor, para obter a forma de um Girino.”
“Dizes muito bem, Zee” – disse Aph-Lin – “e é suficiente para nós,
mortais de vida curta, sentir a razoável certeza que, se a origem do An fora de
um Girino ou não, e ele não é mais provável que volte a ser um Girino
novamente, tanto quanto as instituições dos Vril-ya são improváveis que
recaiam no certeiro lodaçal de opressão e luta de um Koom-Posh.”
CAPÍTULO XVII
desgraçados, e parte por causa do ciúme dos seus rivais, em parte devido à
constituição mental enfermiça, conseqüência da sensibilidade a elogios e às
críticas. E, quanto ao estímulo da necessidade, em primeiro lugar, nenhum
homem, em nossa comunidade, conhece a provação da pobreza; e, em
segundo lugar, se fosse pobre, qualquer outra ocupação lhe resultaria mais
lucrativa que a de escrever.
Nossas bibliotecas públicas contêm todos os livros do passado, que o tempo
têm preservado; tais livros, pelas razões antes expressas, são infinitamente
melhores que qualquer um poderia escrever atualmente, e estão disponíveis
para serem lidos por todos sem qualquer custo. Não somos assim tão tolos
para pagar para ler livros de classe inferior, quando podemos ler os melhores
sem custo.”
“Entre nós”, disse eu, “a novidade tem atrativos; tanto que um livro novo,
ainda que ruim, é lido, enquanto que um livro velho, apesar de bom, é deixado
de lado”.
“Novidade, para estados bárbaros da sociedade, em constante luta desesperada
por algo melhor, terá, sem dúvida, seus atrativos, algo que nós mesmos
renegamos, por não percebermos valor algum nessas novidades; mas, afinal,
como foi observado por um de nossos grandes autores a quatro mil anos atrás:
aquele que estuda livros antigos sempre neles encontrará algo de novo; e quem
lê livros novos sempre encontrará algo velho neles. Mas voltando à questão
que suscitastes, não existe, entre nós estímulo a trabalhos assíduos, seja em
busca de fama ou em razão da necessidade. Então, aqueles com o
temperamento poético, e que, sem dúvida, expressam-se por uma forma
similar ao canto, segundo você diz, como cantam os pássaros, nesta atividade,
se por falta de criações elaboradas, não conquistam a audiência e, assim, por
falta de audiência, sua poesia desvanece-se, em meio às ocupações ordinárias
da vida”.
“Mas como é que estes desencorajamentos ao cultivo da literatura não opera
contra a ciência?”
“Sua pergunta me surpreende. A motivação à ciência é o amor à verdade,
aparte de todas as considerações de fama, ademais, o cultivo da ciência entre
nós se dedica quase inteiramente a fins práticos, essenciais à nossa
manutenção social e aos confortos de nossa vida ordinária. Fama alguma é
solicitada pelo inventor, e nenhuma, de fato, se lhe é dada; ele desfruta de uma
ocupação congênere com suas inclinações, e não necessita do desgaste das
paixões. O homem necessita ter exercício para sua mente tanto quanto para o
corpo; e exercício contínuo, ao invés de violento, é o melhor para ambos.
Nossos mais geniais cultivadores da ciência são, em regra geral, os mais
longevos e os mais livres de doenças. Também a pintura é uma distração para
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muitos, mas não é a mesma arte que era em tempos passados, quando os
grandes pintores, de nossas várias comunidades, competiam uns com os outros
pelo prêmio de uma coroa de ouro, o qual dava a eles um nível social igual ao
dos reis, sob cujo cetro viviam. Seguramente haverá você notado, em nosso
departamento arqueológico, quão superiores em termos de arte eram os
quadros de vários milhares de anos atrás. Possivelmente, devido a que a
música está, em realidade, mais aliada à ciência que a poesia é que, dentre
todas as belas artes, a música, é aquela que mais floresce entre nós. Ainda,
mesmo na música, a ausência de estímulos de louvores ou fama tem servido
para prevenir qualquer destacada superioridade de um compositor sobre outro;
e é realmente excelente nossa música coral, com o auxílio de nossos vastos
instrumentos mecânicos, nos quais fazemos grande utilização da ação da água,
ao invés de apresentações solo. E, por algumas épocas, mal temos tido
qualquer compositor original. Nossas composições são muito antigas em
essência, porém temos admitido diversas variações complexas feitas por
músicos, apesar de engenhosos, inferiores.”
“E não existem, entre os Ana, comunidades que sejam animadas por tais
paixões, propensas ao crime, e que admitiram tais diferenças em condição, em
intelecto e em moralidade, que o estado de sua tribo e os Vril-ya em geral
houveram por transcender em seu progresso até a perfeição? E, se assim fosse,
entre tais comunidades, talvez, a poesia e suas artes irmãs, ainda continuassem
a serem honradas e aperfeiçoadas?”
“Existem tais comunidades em regiões remotas, mas nós não as admitimos
dentro dos limites de comunidades civilizadas; nós até raramente os
concedemos o nome de Ana, mas de maneira alguma o de Vril-ya. São
bárbaros, vivendo principalmente naquele estado inferior de ser, Koom-Posh,
o qual tende necessariamente à horrível dissolução em Glek-Nas. Passam sua
miserável existência em perpétuo conflito e em constante mudança. Quando
não lutam com seus vizinhos, lutam entre eles mesmos. Estão divididos em
seções, que se insultam, roubam, e às vezes, assassinam-se uns aos outros, e
isto nos mais ínfimos pontos de disputa, que poderiam ser ininteligíveis a nós
se não lêssemos a história, e víssemos que nós também passamos pelo mesmo
estado primitivo de ignorância e barbárie. Qualquer ninharia é suficiente para
colocá-los em contenda. Pretendem serem todos em igualdade e, quanto mais
se esforçam para tal, para eliminar todas as antigas distinções e começar do
zero, mais ofuscantes e intoleráveis se tornam as disparidades, pela razão de
não lhes restar nenhum dos afetos ou vínculos hereditários que façam mais
suportável a diferença de condição entre os muitos que nada possuem e os
poucos que tem muito. Naturalmente os muitos odeiam os poucos, mas sem os
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poucos não poderiam viver. Os muitos sempre atacam aos poucos e, algumas
vezes, os exterminam; mas, então, logo em seguida, novos poucos surgem dos
muitos, e são mais difíceis de abater que os antigos. Pois onde em sociedades
numerosas, em que a competição é a febre dominante, deve haver sempre
muitos perdedores e poucos ganhadores. Em resumo, as pessoas às quais me
refiro são selvagens, tateando às cegas seu caminho na escuridão em direção a
algum vislumbre de luz, os quais mereceriam nossa comiseração por suas
fraquezas se, como todos os selvagens, não provocassem sua própria
destruição por sua arrogância e crueldade.
Conseguiria você imaginar que tais criaturas, armadas apenas com as
miseráveis armas que você viu em nosso museu de antiguidades, desajeitados
tubos de aço carregados com sal grosso, tiveram mais de uma vez ameaçado
de destruir uma tribo dos Vril-ya, a qual estabelecia-se próximo a eles, porque
diziam possuir uma população de trinta milhões de indivíduos – e a dita tribo
teria algo em torno de cinqüenta mil – caso os últimos não aceitassem suas
idéias de Soc-Sec (métodos financeiros) em determinados princípios de
comércio, os quais tem a petulância de chamarem ‘Lei de civilização’?”
“Mas trinta milhões em população são uma formidável proporção contra
cinqüenta mil! Exclamei”.
Meu anfitrião fixou-me com espanto o olhar. “Forasteiro”, disse ele, você não
deve ter-me ouvido dizer que a tribo ameaçada pertence aos Vril-ya, e só
espera tais selvagens declararem guerra, para encarregar uma meia dúzia de
crianças para varrer do mapa toda sua população.”
Perante tais palavras senti um calafrio de horror, reconhecendo-me muito mais
em afinidade com os ‘selvagens’, que com os Vril-Ya, enquanto relembrava-
me de tudo que tinha dito em exaltação às gloriosas Instituições Americanas,
às quais Aph-Lin, estigmatizou como Koom-posh. Recuperando meu
autocontrole, perguntei se havia meios pelos quais poderia, de maneira segura,
visitar tão temerário e longínquo povo.
“Você pode viajar com segurança, por meio da agência de Vril, seja pela terra
ou pelo ar, através de toda a extensão de comunidades com as quais somos
aliados ou semelhantes, porém não posso garantir sua segurança em nações
bárbaras governadas por leis diferentes das nossas; nações, de fato, tão
ignorantes, que há entre eles grande quantidade que na verdade vive do roubo
dentre eles mesmos e onde, durante as ‘Horas de Silêncio’, uma pessoa não
pode sequer deixar aberta a porta de sua casa.”
Nisto, nossa conversação foi interrompida pela chegada de Taë, que veio para
nos dizer que ele, que havia sido encarregado de encontrar e destruir o enorme
réptil que eu havia visto em minha primeira aparição e que tinha estado à
espreita dele sempre desde a visita ultima que me fizera, e que, tendo
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CAPÍTULO XVIII
Ao sair da cidade, Taë e eu, seguindo para a esquerda da avenida principal que
se estendia, adentrando-nos nos campos, a estranha e solene beleza da
paisagem, iluminada por incontáveis lâmpadas, até as raias do horizonte,
fascinaram meus olhos, e fizeram com que, por algum tempo, tornasse-me um
ouvinte desatento às falas de meu companheiro.
Ao longo de nosso trajeto, vários trabalhos de agricultura eram
desempenhados por maquinarias, por meios que eram inteiramente novos para
mim, e em grande parte muito graciosos. Pois entre aquelas pessoas a arte era
cultivada por bem da utilidade, exibindo-se a si mesma em adornar ou refinar
as formas dos objetos úteis. Gemas e metais preciosos são tão abundantes
entre eles, que são prodigamente utilizados em coisas devotadas às atividades
mais triviais; e o seu amor por coisas úteis leva-os a embelezar suas
ferramentas, avivando sua imaginação em direções desconhecidas para s
próprios.
Em qualquer serviço, seja dentro ou fora das casas, utilizam em larga escala
seres autômatos, que são tão engenhosos e tão suscetíveis as operações de Vril,
que eles de fato parecem dotados com razão. Eu mal podia distinguir as
figuras que contemplava, aparentemente guiando ou supervisionando a rápida
movimentação de vasta maquinaria, formas humanas dotadas de pensamento.
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o mais alto grau de felicidade com o mais alto grau de realização intelectual; e
fica claro que, quanto menos numerosa fosse a sociedade, menos complexa
esta seria. A nossa é muito numerosa para tanto.”
Esta resposta me deu o que pensar. Veio a minha memória o pequeno estado
de Atenas, o qual, com apenas vinte mil cidadãos livres, é considerado, até a
atualidade, pelas nações mais poderosas, como o guia supremo e modelo em
todos os departamentos do intelecto. Mas, em seguida, Atenas permitiu feroz
rivalidade e mudanças constantes e, decididamente, não foi feliz. Despertando
de minhas divagações, a que tais divagações me levaram, trouxe novamente à
tona de nossa conversação o assunto concernente à emigração.
“Mas”, disse, “supondo que quando, a cada ano, um certo número dentre vós
decidam por abandonar seus lares e fundar uma nova comunidade em outra
região, estes devem ser necessariamente, presumo eu, poucos, e meramente
suficientes, mesmo com a ajuda de máquinas que venham a levar consigo,
para limpar o terreno, construir cidades e constituir um estado civilizado com
os luxos e confortos a que estavam previamente acostumados”.
“Até agora quase sempre, porque é nossa regra nunca destruir exceto quando
necessário para nossa sobrevivência. Naturalmente, não podemos estabelecer-
nos em terras já ocupadas pelos Vril-Ya; e se acaso nos apropriássemos de
terras já cultivadas por outras raças dos Ana, teríamos que destruir
completamente aos habitantes que ali houvesse. As vezes, como de fato
acontece, tomamos regiões inabitadas, e lá encontramos uma problemática e
briguenta raça dos Ana, especialmente quando sob a administração de Koom-
70
“Te expressas com muita vivacidade. Permita-me dizer que eu mesmo sou um
cidadão de um Koom-Posh; do que muito me orgulho!”
“Já não me maravilha”, redargüiu Taë, “de ver aqui, tão distante de seu país.
Qual era a condição de sua comunidade nativa antes de se tornar um Koom-
Posh?”
“Era um povoado de imigrantes -- similares àqueles que sua tribo envia -- mas,
diferentemente de seus imigrantes, ainda era dependente do estado do qual
provinha. Mais tarde libertaram-se do jugo e, coroados de glória eterna, foram
desde então um Koom-Posh”.
“Não conte com isso, pois os mais antigos estados do mundo do qual venho
tem tanta fé na solidez de nosso regime, que vão, gradualmente, adaptando
suas instituições ás nossas; e os políticos mais sérios de tais estados dizem que,
gostem ou não, a tendência inevitável dos velhos regimes é em direção à
Koom-Posh-ia* (nota rodapé: adaptação lingüística que assemelhe-se ao
sufixo ia, de democracia, etc.)
“Velhos regimes?”
“Meu caro Taë, perdôo suas palavras com tão pouca iluminada parcialidade, a
qual qualquer criança em idade escolar educada em um Koom-Posh poderia
facilmente rebater, ainda que talvez não fosse tão precocemente instruído em
história antiga quanto você demonstra ser.”
“Eu aprendi. E não foi um pouco somente. Mas poderia uma tal criança,
educada em seu Koom-posh, pedir a sua bisavó ou seu bisavô para equilibrar-
se sobre as mãos, com os pés para cima? E porventura o pobre idoso hesitasse,
dizer, ‘ei, temem o quê? Vejam como eu faço!’”
“Taë, desdenho argumentar com uma criança de sua idade. Repito, sou
tolerante com você, pois compreendo que lhe falta a cultura, que só um
Koom-posh pode dar.”
“Eu, por minha vez”, constestou Taë, com uma expressão de suave mas
altaneira boa educação, característica de sua raça, “compreendo que não tenha
sido educado entre os Vril-ya, mas lhe peço a condescendência de perdoar-me
72
“Você esta tentando me dizer que eu tenho que ser a isca para aquele horrível
monstro, que pode me triturar com suas mandíbulas em um segundo perdoe-
me se não aceitar.”
passada e aqueles assustadores pés o teriam trazido até o lugar onde eu estava.
Havia apenas um instante entre mim e este horrível espectro da morte, quando
o que pareceu-me o disparo de um relâmpago cruzou o ar, repentinamente, em
um instante de tempo mais curto que aquele em que um homem pode encher
os pulmões, que envolveu a fera; e então, ao desvanecer-se o clarão, jazia ali
em minha frente uma massa enegrecida, carbonizada e fumegante; algo
gigantesco, do qual não restavam nem os detalhes, pois tudo ardia e
rapidamente convertia-se em pó e cinzas. Permaneci sentado imóvel, sem
articular palavra, gelado e com uma nova sensação de pavor. O que antes era
horror era agora pavor.
Senti a mão da criança tocar minha cabeça -- o medo sumiu -- como se o
encanto tivesse sido quebrado -- levantei-me. “Agora você vê com que
facilidade os Vril-ya destroem seus inimigos”, disse Taë, e então, movendo-se
rumo a margem do lago, contemplou os fumegantes restos do monstro e disse,
tranqüilamente, “já tinha destruído criaturas de maior tamanho. Mas nenhuma
com tanto prazer como a esta. Efetivamente é um Krek. Quantos sofrimentos
deve ter causado enquanto estava vivo.” Então, em seguida, pegou os pobres
peixes, que haviam saltado para a margem, e amorosamente recolocou-os na
água.
CAPÍTULO XIX
pode ser dito que todos os adultos formam uma aristocracia. O refinado
comportamento de cortesia e requinte entre os Vril-ya, a generosidade de seus
sentimentos, a absoluta liberdade que gozam para se dedicarem em busca de
seus próprios interesses, as amenidades de suas relações interpessoais e
domésticas, em que assemelham-se a membros de uma Ordem de Nobreza em
que não é possível haver desconfiança na palavra ou promessa de qualquer
integrante; tudo contribui para fazer dos Vril-ya a sociedade mais perfeita, que
um discípulo de Platão ou de Sidney pudera sequer conceber como ideal de
uma república aristocrática.
CAPÍTULO XX
Desde a data da expedição, que fiz com Taë, e que narrei no capítulo anterior,
a criança fez-me freqüentes visitas. Havia ele tomado simpatia por mim, que
eu retribuía cordialmente. De fato, como não havia ainda cumprido doze anos
e não havia ainda começado os estudos científicos, com os quais se encerrava
o período da infância naquele país, meu intelecto não era tão inferior ao dele,
quanto em comparação a outros membros de sua raça, especialmente as Gy-ei
e, em particular, da consagrada Zee. As crianças dos Vril-ya, tendo sobre suas
mentes o peso de manterem-se ocupadas com tantos deveres e graves
responsabilidades, em geral não são alegres. Mas Taë, com toda sua sabedoria,
tinha muito do bom humor brincalhão que alguém poderia atribuir como
característica dos anciãos de gênio. Em minha companhia, experimentava Taë
algo parecido ao prazer que um garoto de mesma idade sente em nosso mundo
em companhia de um cachorro ou macaquinho de estimação. Divertia-se
mostrando e ensinando-me os costumes de seu povo, tanto quanto divertia um
sobrinho meu fazer seu cachorrinho poodle caminhar sobre as patas traseiras
ou saltar por um aro.
Eu me prestava, de bom grado, a tais experimentos, porém nunca alcancei o
sucesso do poodle. Primeiramente, estava eu muito interessado em aprender a
usar as asas, as quais os mais jovens dos Vril-ya usam com tanta destreza e
facilidade, quanto nós mesmo fazemos com nossos braços e pernas. Porém,
meus esforços não me deram outro resultado que contusões sérias o bastante
para fazer-me abandonar a idéia desesperadamente.
As asas, como citei anteriormente, são muito grandes, chegando até ao joelho.
Recolhidas, envolvem o corpo, formando um manto muito gracioso. Elas são
feitas com as penas de um gigantesco pássaro abundantemente encontrado nas
altitudes rochosas da região -- sua cor predominantemente branca, as vezes
com traços de vermelho. As asas são colocadas ao redor e sobre os ombros,
77
por meio de molas de aço, leves porém fortes;e, são abertas com os braços;
estes deslizam por entre alças, para este propósito, formando uma forte
membrana central. Ao levantar os braços, estes atuam como um dispositivo
mecânico, que infla com ar um forro de construção tubular que levam como
vestimenta ou túnica e que pode ser aumentada ou diminuída a quantidade de
ar conforme a vontade, por um movimento dos braços, e serve para sustentar o
corpo no ar, semelhantemente a bexigas natatórias. As asas e o forro tubular
pneumático são altamente carregadas de Vril, e quando o corpo flutua dessa
maneira suspenso, parece tornar-se singularmente aliviado de seu peso. Achei
suficientemente fácil erguer-me do chão; de fato, quando as asas eram
expandidas era meramente impossível não elevar-se, e aí estava a dificuldade
e o perigo. Não consegui aprender a mover e direcionar as asas, apesar de eu
ser considerado entre os de minha própria raça excepcionalmente alerta e
disposto em exercícios físicos, e um muito experiente nadador. Pude apenas
fazer movimentos confusos e desordenados em esforço dos braços ao voar. Eu
era um mero servo das asas; e não o contrário, e de forma alguma conseguia
dominá-las. E nos momentos em que, por violentos movimentos musculares,
(e devo admitir, graças a força anormal que nos dá um grande medo) refreava
eu as braçadas e trazia as asas para junto do corpo, pareciam então como se
essas perdessem a capacidade de sustentação armazenados nelas e nos sistema
conectado ao forro tubular, o mesmo que acontece quando o ar escapa de um
balão, e via a mim mesmo precipitar-me de encontro ao solo. Salvavam-me,
de fato, algumas batidas espasmódicas das asas, de acabar-me em pedaços,
porém, não me salvavam das contusões e do forte golpe da caída. Deveria,
contudo, ter perseverado em minhas tentativas, porém desisti por sugestão ou
comando da científica Zee, a qual, bondosamente, tinha acompanhado-me em
meus vôos. E de fato, na última ocasião, voando por debaixo de mim, acolheu
meu corpo assim que este caiu sobre suas próprias asas, dessa maneira
preservando-me de quebrar minha cabeça no teto de uma pirâmide que
tínhamos sobrevoado.
“Vejo”, disse ela, “que suas tentativas são vãs, não por causa das asas, nem
dos seus dispositivos, nem por qualquer imperfeição ou malformação de seu
próprio sistema corporal. É, mais bem, um irremediável, de causa orgânica,
defeito no seu poder de volição. Precisa compreender que, a percepção da
conexão entre a vontade e os elementos do fluído, sujeito ao domínio dos Vril-
ya, não conseguiram os primeiros descobridores de Vril, em uma única
geração. Tal vem se desenvolvendo em conjunto com outras faculdades, no
transcurso do tempo, transmitidas de pais a filhos, até tornarem-se, finalmente,
instintivas; ao ponto em que, uma criança de nossa raça queira voar, tão
instintiva e inconscientemente, quanto quer caminhar; de maneira que abre,
78
move e bate suas asas inventadas ou artificiais, com tanta segurança quanto
um pássaro o faz com suas asas, com as quais nasceu. Não pensei nisto
quando consenti que intentasse um experimento que me encantava, pela razão
que me agrada lhe ter como companheiro. É melhor abandonarmos o
experimento agora. Sua vida vem sendo preciosa para mim.”
A esta menção, a voz e o semblante da Gy suavizaram-se, o que alarmou-me
mais seriamente que meus prévios vôos.
Agora que meu assunto são as asas, devo comentar um costume das Gy-ei que
pareceu a mim de muita ternura e simpatia, pelo sentimento que implica. A Gy
usa as asas habitualmente enquanto ainda é solteira -- quando participa
juntamente com os Ana e seus esportes aéreos -- quando se aventura
adentrando-se sozinha nas distantes e selvagens regiões do mundo sem sol; na
ousadia e altura de seus vôos e nisto, não menos que na graciosidade de seus
movimentos, sobressai-se aos do sexo oposto; porém, desde o dia em que se
casa, já não leva mais as asas; as coloca, por vontade própria, sobre a
cabeceira do leito nupcial, para não mais usá-las, a menos que o laço do
matrimônio se desfaça por divórcio ou morte.
Porém, voltando à conversação entre eu e Zee, quando a voz e os olhos de Zee
então suavizaram-se -- e como mencionei, ante tal suavidade eu
providencialmente retraí-me com estranheza -- Taë, que havia nos
acompanhado em nossos vôos, mas que, como uma criança pequena, se
divertia muito mais com minha falta de jeito do que simpatizava com meus
temores ou perigos pelos quais passava, e, estando suspenso acima de nós,
naquele instante, pousado em meio de um tranqüilo ar radiante, sereno e
imóvel em suas asas extendidas, ao ouvir tão carinhosas palavras da jovem Gy,
soltou uma gargalhada. Disse ele: “ora, se o Tish não consegue aprender o uso
de suas asas, ainda pode ser sua companhia, Zee, desde que abandone as suas
próprias”.
CAPÍTULO XXI
amável e protetor que, seja acima da terra ou abaixo desta, uma providência
onisciente tem colocado sobre o gênero feminino da raça humana. Mas até
muito recentemente, tinha atribuído isto semelhantemente à aquela afeição por
animais de estimação que as mulheres de todas as idades compartilham com as
crianças. Apenas então dava-me conta de que, terrivelmente, o sentimento
com que Zee se dignava em me considerar era diferente daquele que eu
inspirava em Taë. Contudo, tal convicção não me trouxe de maneira nenhuma
aquela grata satisfação que a vaidade masculina ordinariamente sente quando
recebe uma lisonjeira apreciação de seus méritos pessoais por parte de alguém
do sexo frágil; ao contrário, tal fato inspirou-me temor. De toda maneira,
dentre todas as Gy-ei da comunidade, se talvez Zee fosse a mais forte e
inteligente, também era, na opinião geral, a mais gentil, e era ela, certamente,
a mais popular e a mais querida. A vontade de ajudar, socorrer, confortar,
proteger, bendizer, pareciam provir de seu ser em sua totalidade.
Considerando que, no regime social dos Vril-ya eram desconhecidas as
múltiplas misérias, resultantes da penúria e do mal viver, e que, até então,
sábio algum havia descoberto em Vril, forma alguma que pudesse eliminar a
tristeza da vida; qualquer que fosse o lugar dentre seu povo que a tristeza se
instalasse, lá estava Zee em sua missão de confortar.
Alguma irmã Gy não conseguia despertar o interesse no pretendente pelo qual
suspirava? Zee ia a seu encontro, e punha à disposição todos os recursos e
todo consolo de sua simpatia, de maneira a ajudar a suportar o pesar que,
nessas horas, necessita do conforto de um confidente nos raríssimos casos em
que uma grave enfermidade abatia-se sobre crianças ou jovens, e, nos casos
mais freqüentes em que, durante os árduos e aventurosos períodos de provas
dos infantes, algum acidente, com ferimentos, ocorria, Zee abandonava seu
estudo e esporte, e convertia-se em médico e enfermeira. Seus vôos favoritos
eram em direção aos limites das fronteiras onde ficavam crianças montadas
em guarda contra o ataque de radicais forças da natureza, ou a invasão dos
domínios por animais devoradores, de maneira que ela pudesse preveni-los de
qualquer ameaça que seu conhecimento a fizesse detectar ou prever, ou
mesmo, estar a postos se qualquer problema viesse a ocorrer.
Mesmo no decorrer de suas investigações científicas havia uma benevolência
simultânea de propósito e determinação.
Se no decorrer de seus estudos, descobria alguma novidade em invenção que
fosse suscetível de ser utilizada em algum ofício, arte, ou indústria, se
apressava em trazê-la a conhecimento geral e explicá-la. Se observava em
alguma sábio ancião do Colégio algum sinal de perplexidade e cansaço
resultante de um estudo excessivamente árduo, dedicava-se pacientemente em
ajudá-lo, encarregando-se pessoalmente dos detalhes; animando-o com seu
80
CAPÍTULO XXII
Como o leitor pode perceber, Aph-lin não favorecia meu contato geral e sem
restrições com seus concidadãos. Ainda que confiante em minha promessa de
abster-me de dar qualquer informação com relação ao mundo de que eu
provinha, confiava contudo mais na promessa daqueles a quem havia pedido
não fazerem-me perguntas. Zee havia exigido de Taë a mesma promessa. Por
tanto, Aph-lin temia que, se me permitisse entrosar com estranhos, em que
minha presença haveria de despertar curiosidade, talvez não conseguisse
suficientemente resguardar a mim mesmo de perguntas e questionamentos.
Dessa forma, nunca saia desacompanhado. Quando saía, me acompanhava
sempre um dos membros da família de meu anfitrião, ou meu amigo, o
menino Taë. Bra, esposa de Aph-Lin, raramente saia mais além dos jardins
que rodeavam a casa; e era aficionada em ler literatura antiga, em que
encontrava romances e aventuras que já não se encontravam em escritos mais
recentes, e que apresentavam quadros de vidas com as quais não estava
familiarizada e que estimulavam sua imaginação; quadros, em verdade, de
vidas mais assemelhadas aquelas que vivemos todos os dias acima da
superfície, colorida por nossas tristezas, defeitos e paixões, sendo para ela o
que os contos de fadas ou as mil e uma noites seriam para nós. Mas sua paixão
pela literatura não impedia que Bra desempenhasse seus deveres como dona-
de-casa do lar mais numeroso da cidade. Recorria diariamente às diversas
salas e quartos, inspecionando de que os autômatos e outros dispositivos
mecânicos estivessem em ordem, que as numerosas crianças empregadas por
Aph-Lin, tanto em suas funções públicas e privadas, estivessem
cuidadosamente atendidas. Bra tomava conta também de toda contabilidade da
propriedade, e era com grande prazer que assessorava seu esposo nos deveres
ligados com seu cargo como administrador chefe do Departamento de
Iluminação, de maneira que suas tarefas de fato a mantinham muito tempo
ocupada dentro de casa. Seus dois filhos estavam ambos em vias de completar
sua educação no Colégio dos Sábios. O mais velho, que tinha uma forte
inclinação para a mecânica, especialmente a relacionada com trabalhos com
autômatos e relojoaria, tinha se decidido firmemente a tal propósito, e estava,
por este momento, ocupado na construção de uma loja, ou pequena fábrica,
em pudesse exibir e vender suas invenções. O filho mais novo tinha predileção
pela agricultura e atividades rurais; e quando não ocupado como Colégio,
onde principalmente dedicava-se ao estudo de teorias sobre agricultura,
colocava-se a por em prática as muitas aplicações desta ciência nas
propriedades de seu pai. Ver-se-á, pelo que acontece, quão uniforme era a
83
regiões, sem um protetor melhor que um Tish, com minha insignificante força
e estatura.”
Ao responder, Aph-Lin emitiu um som sibilante que parecia ser o mais
próximo de uma gargalhada a que um An adulto se permite: “perdoe-me
minha descortês, ainda que momentânea indulgência, de rir-me ante tal
observação tão séria feita por um hóspede meu. Não poderia senão divertir-me
a idéia de Zee, a quem tanto gosta de proteger a outras pessoas, em que as
crianças a chamam de ‘guardiã’, precisando de um protetor para ela contra
quaisquer dos perigos que possam advir da audaz admiração dos homens.
Saiba que nossas Gy-Ei, enquanto solteiras, estão acostumadas a viajar
sozinhas por entre outras tribos, para ver se ali encontram algum An que possa
agradá-las mais que os Ana de sua tribo. Zee já fez três dessas viagens; mas,
até agora, seu coração está intocado.”
Aqui ofereceu-se-me a oportunidade que eu buscava e, olhando para baixo,
disse, com uma voz hesitante, “iria você, meu bom anfitrião, prometer-me em
perdoar-me se, o que eu vier a dizer lhe ofender?”
“Diga apenas a verdade, e não poderia eu ofender-me; ou, se assim fosse, não
seria para mim, mas para você mesmo perdoar-se.”
“Muito bem, então, ajude-me a abandonar-lhes; ainda que eu deseje conhecer
mais de vossas maravilhas e desfrutar mais da felicidade pertencente ao vosso
povo, peço que permita que eu retorne ao meu país de origem.”
“Temo que haja razões que não autorizem que eu faça isso. De qualquer forma,
nada posso fazer sem a permissão do Tur, e ele mesmo, provavelmente não
concordaria com tal demanda. Você não é destituído de inteligência; você
talvez (apesar de eu acreditar que não) pode ter ocultado o grau de poder
destrutivo que vosso povo possui. Em questão de pouco você poderia trazer-
nos algum perigo e, caso o Tur vislumbrasse tal possibilidade, seu dever seria
destruir-te ou encerrar-lhe em uma jaula pelo resto de sua existência. Mas, por
que razão desejaria você abandonar um estado de sociedade que, tão
apropriadamente houve por concordar em ser mais feliz que o seu?”
“Oh, Aph-Lin! Respondo-lhe francamente. É que receio, por qualquer razão, e
contra minha vontade, trair vossa hospitalidade. Quero evitar que, por um
capricho da liberdade proverbial de vosso mundo, entre os do sexo posto, do
qual nem sequer uma Gy está livre, vossa adorável filha porventura viesse a
considerar-me, apesar de ser um Tish, como se eu fosse um An civilizado,
e...e...e...”
“Cortejar-te, como seu prometido” acrescentou Aph-Lin, gravemente, e sem
expressar qualquer sinal visível de surpresa ou desagrado.
“Você que o disse.”
86
“Isto seria uma desgraça”, continuou meu anfitrião, após uma pausa, “e sinto
que você agiu da forma devida em alertar-me. Como você disse, não esta fora
do comum que uma jovem tenha gostos, quanto ao objeto que deseja, ainda
que pareçam caprichosos aos olhos dos outros; porém, da mesma maneira, não
há poder capaz de forçar uma jovem Gy a seguir um curso oposto ao que ela
mesma decida por seguir. Tudo que podemos fazer é trazê-la à razão, e a
experiência nos ensina que nem mesmo todo o Colégio dos Sábios seria capaz
de dissuadir uma jovem em questões concernentes à sua escolha amorosa.
Sinto por você; porque tal casamento seria contra a Aglauram, ou bem da
comunidade, pois os filhos de tal união poderiam adulterar a raça: eles
poderiam até mesmo vir a este mundo com dentes de animais carnívoros; e
isto não seria permitido. Zee, como uma Gy, não pode ser controlada; mas
você, como um Tish, pode ser destruído. Te aconselho, para tanto, que resista
à suas investidas; diga claramente que não pode retribuir seu amor. Isto ocorre
com freqüência; mais de um An, ardentemente perseguido por uma Gy, a
rejeita, e coloca um fim a suas investidas casando-se com outra. O mesmo
caminho está aberto a você.”
“Não”, contestei, “pois que não posso casar-me com nenhuma outra Gy sem
igualmente prejudicar a comunidade, ao expô-la à possibilidade de criar
crianças carnívoras.”
“Isto é verdade. Tudo quanto posso dizer, e digo com toda consideração
devida a um Tish, e o respeito devido a um hóspede, é francamente isto: se
cederes às investidas, será reduzido a cinzas. Devo deixar que sigas o melhor
caminho que possa para defender. Quem sabe seja melhor que diga a Zee que
ela é feia. Esta afirmação, vinda dos lábios de quem ela se interessa,
geralmente é suficiente para arrefecer o entusiasmo da mais ardente Gy. Veja,
aqui estamos em minha casa de campo.”
CAPÍTULO XXIII
Devo confessar que minha conversação com Aph-Lin e a extrema frieza com
que declarou sua incapacidade para dominar o perigoso capricho de sua filha,
e ademais a idéia de ser reduzido a um monte de cinzas a que dito amor
poderia expor minha tão sedutora pessoa, desvaneceu-me, por um instante,
todo o prazer que outrora teria tido na visita da casa de campo de meu
anfitrião, e da observação da impressionante perfeição da complexa
maquinaria com o qual suas operações agrícolas eram executadas. A casa era
diferente em aparência do monumental e sombrio edifício que Aph-Lin
87
habitava na cidade, o qual se parecia muito à uma das rochas das quais a
cidade mesma havia sido formada. As paredes da casa de campo eram de
árvores plantadas a poucos passos umas das outras; e o espaço entre elas havia
sido preenchido por uma substância metálica transparente a qual os Ana
utilizam como vidro. Tais árvores estavam todas floridas, e o efeito era muito
agradável, se não de bom gosto. Fomos recebidos no pórtico por um autômata,
semelhante a um ser vivente, quem conduziu-nos a uma câmara, de um estilo
ao qual nunca havia antes visto, mas que havia em diversos dias de verão
fantasiosamente imaginado. Era uma espécie de jardim recluso -- metade
quarto, metade jardim. As paredes eram uma cortina de flores trepadeiras. Os
espaços abertos, que nós chamamos janelas, e nos quais neste lugar, as
superfícies metálicas transparentes eram corrediças, davam vista a diversas
paisagens; umas com vastas paisagens com lagos e rochas; em outras, espaços
mais limitados em extensão, ao estilo de jardins de inverno, repletos de flores
em fileiras. Ao largo das paredes do aposento, havia canteiros de flores,
intervalados de divãs para repouso. Na região central do piso havia um
reservatório e uma fonte daquele líquido luminoso o qual presumi ser nafta.
Emitia um brilho luminoso e de um fulgor rosáceo. Tal bastava sem quaisquer
outras lâmpadas para iluminar o aposento com uma luz suave. O chão ao redor
da fonte estava carpetado com uma fina camada de líquen, não verde (nunca vi
esta cor na vegetação deste país), mas de um marrom suave, o qual dava
repouso aos olhos com a mesma sensação se alívio quanto a que se sente em
nosso mundo quando nos deparamos com a cor verde. Nos entremeios sobre
as flores (que comparei a nossos jardins de inverno) havia inumeráveis
pássaros cantantes, os quais, enquanto estiveram no aposento, cantaram
naquelas harmonias musicais para as quais são habilmente treinados. Não
havia teto. O cenário todo tinha encantos para todos os sentidos -- música dos
pássaros, fragrância das flores e beleza em variadas formas para os olhos.
Sobretudo havia um ambiente de repouso voluptuoso. Que lugar, pensava eu,
para uma lua de mel com uma Gy, se uma noiva Gy fosse menos
formidavelmente armada não apenas com os direitos da mulher, mas com os
poderes semelhantes ao dos homens! Mas quando se pensa em uma Gy tão
instruída, tão esbelta, tão imponente, e tão muito acima do padrão normal das
criaturas que chamamos mulheres como era Zee...não! Mesmo que eu não
viesse a sentir temor de ser reduzido a um punhado de cinzas, pouco seria com
ela que eu deveria sonhar naquele jardinário tão belamente construído para
sonhos de amor poético.
O autômata reapareceu, servindo um daqueles deliciosos líquidos, que
constituem os inocentes vinhos dos Vril-Ya.
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“De fato”, disse, “esta é uma encantadora residência, e mal posso entender
porque não reside aqui, ao invés das sombrias moradas da cidade.”
“Como responsável perante a comunidade pela Administração da Luz, me
vejo obrigado a residir a maior parte do tempo na cidade e somente posso vir
aqui durante muito curtas temporadas”, respondeu Aph-Lin.
“Contudo, posto que, segundo entendi, seu cargo não lhe oferece vantagens
especiais, e ainda envolve algum risco, porque o aceita?”
“Cada um de nós obedece, sem questionar, os comandos do Tur. Este disse:
‘peça-se a Aph-Lin que seja o Comissionado da Luz’; não tive escolha. Como
ocupo o cargo desde há muito tempo, os cuidados, que a princípio não me
agradavam, tem chegado, se não a eu gostar, ao menos, não tem me
sobrecarregado e tenho-me acostumado a eles. Somos todos formados pelo
costume -- mesmo a diferença entre a nossa raça para com os selvagens não é
nada mais que a transmissão continuada dos costumes, o qual tornam-se,
através da descendência hereditária, parte e porção de nossa natureza. Podes
saber que existem Ana que até mesmo resignam-se a si próprios ao cargo de
Magistrado Chefe, porém nenhum assim o faria, se os deveres inerentes ao
cargo não resultassem leves, ou caso houvesse quaisquer dúvidas quanto a
seguir em conformidades com suas exigências.”
“Nem mesmo se qualquer um crer que o requerimento é injusto ou
inconveniente?”
“Não nos permitimos pensar assim; e, de fato, tudo marcha como se cada um e
todos estivéssemos governados de acordo com costumes ancestrais.”
“Quando o Magistrado Chefe morre ou retira-se do cargo, como vocês elegem
seu sucessor?”
“O An que se desincumbe de suas obrigações de Magistrado Chefe tidas por
muitos anos é a pessoa mais indicada para escolher aquele para o qual tais
obrigações deverão ser compreendidas, e normalmente, nomeia seu sucessor.”
“Seu filho, talvez?”
“Raramente; pois este não é um cargo ao qual qualquer pessoa deseja ou busca,
e um pai, naturalmente, hesita em impô-lo a seu filho. No caso de o Tur, ele
próprio, negar-se a fazer tal escolha, por temor que possam supor que faz a
indicação por antipatia à pessoa que elegeu, três dos membros do Colégio dos
Sábios se sorteiam entre si mesmos quem terá o poder para eleger o chefe.
Nós consideramos que o julgamento de um An de ordinária capacidade é
melhor que o julgamento de três ou mais, conquanto sábios que possam ser;
pois entre três provavelmente poderia haver disputas; e onde existe disputa as
paixões cegam o entendimento. A pior escolha feita por um que não possui
motivos em escolher errado, é mais aceitável que a melhor escolha feita por
muitos que possuem muitos motivos para não escolher direito.”
89
Seu radiante, mas para mim pouco atraente semblante, como que se iluminou
ao ver-me, e, pondo-se ao lado de nossa embarcação, com suas largas asas
extendidas, disse a Aph-Lin, em tom de reprovação -- “Oh pai, é correto que
arrisque a vida de nosso hóspede em um veículo ao qual não está acostumado?
Ele poderia, com um movimento descuidado, cair por uma das bordas, e Ha!
ele não é como nós, pois não tem asas. se caísse seria para ele fatal.” “Meu
querido”, (continuou ela, dirigindo-se a mim com uma voz suave), “por acaso
não pensou em mim ao colocar sua vida em perigo desta maneira? Pois tens
mesmo quase chegado a fazer parte da minha própria? Nunca mais faça tal
atrevimento, a menos que eu esteja em sua companhia. Que grande apreensão
que você causou-me.”
Neste instante, olhei de soslaio para Aph-Lin, na expectativa que, ao menos,
ele poderia, indignadamente, repreender sua filha por tais expressões de
ansiedade e afeição, as quais, sob quaisquer circunstâncias, poderiam, no
mundo acima da terra, ser considerada como imodesta, nos lábios de uma
jovem mulher, dirigidas a um homem não comprometido com ela, ainda que
de seu mesmo nível social.
Mas, tão confirmados são os direitos das mulheres naquelas regiões e tão
primeiramente entre estes direitos defendem elas o direito de cortejarem, que
Aph-Lin nem mesmo poderia ter pensado em reprovar sua virgem filha, tanto
quanto ele poderia haver ter desobedecido ao Tur. Em verdade, naquele país, o
costume, como havia havia dito, é tudo. Aph-Lin respondeu docemente, “Zee,
o Tish não estava em perigo, e tenho certeza que consiga tomar conta de si
mesmo.”
A isto, Zee respondeu: “eu queria que deixassem que eu cuidasse de você. Oh
coração de meu coração! O pensamento de que corria perigo fez-me
compreender o quanto lhe amo.”
Nunca homem algum se viu em posição tão falsa, como eu naquele momento.
Zee exprimiu-se em voz alta, sendo ouvida por seu pai, bem como pela
criança que manejava a embarcação. Enrubesci de vergonha, por eles e por ela,
e não pude evitar de responder, asperamente: “Zee, você zomba de mim, o que,
por ser hóspede de seu pai, é pouco correto; o que dizes é impróprio de que
uma donzela se dirija a um An de sua própria raça, que não a corteje com o
consentimento de seus pais; mas muito mais impróprias são se dirigidas a um
Tish, que nunca houve por pretender solicitar seu afeto, e que não pode
contemplar-lhe com outros sentimentos que respeito e admiração!”
Aph-Lin fez-me discretamente um sinal de aprovação, porém nada disse.
“Não seja cruel”, exclamou Zee, ainda exprimindo-se sonoramente. “Pode o
amor dominar-se, quando verdadeiramente sentido? Acaso supões que uma
93
CAPÍTULO XXIV
expressão alegre e disse a Aph-Lin: “que seu pai havia morrido no dia anterior;
que havia visto em um sonho sua filha morta e disse que ansiava com ela
reunir-se e voltar à sua juventude, mais próximos do Supremo Bem.”
Enquanto eles conversavam, atraiu minha atenção uma espécie de câmara de
cor metálica escura, que se via no extremo mais distante da sala. Tinha
aproximadamente vinte pés de comprimento, e de proporção estreita, e toda
fechada ao redor, salvo perto da parte de cima, onde havia pequenos orifícios
pelos quais podia-se ver uma luz avermelhada. Do interior da câmara emanava
uma fragrância rica e perfumada; e enquanto eu conjeturava comigo mesmo
para que propósito servia aquela máquina, todos os relógios da cidade deram a
hora, com suas campainhas musicais e solenes. Em seguida, com o cessar dos
sons, uma música de caráter mais festivo, mas anda de uma alegria suave e
tranqüila, ressoou no ambiente em que estávamos, fazendo vibrar as paredes.
Em tom com a melodia, os presentes elevaram suas vozes em coro. As
palavras do hino eram simples. Não exprimiam lamentações, nem despedidas,
senão uma saudação ao novo mundo, que o defunto precedia aos viventes. Em
efeito, na linguagem dos Vril-Ya o hino funerário chama-se “Canto do
Nascimento.” Então, o cadáver, coberto por uma longa mortalha de aparência
encerada, foi amorosamente levantado por seis dos mais próximos presentes e
conduzido em direção à estranha máquina metálica escura que descrevi.
Apressei em adiantar-me para ver o que acontecia. Uma porta corrediça ou
painel foi levantada em um dos extremos -- o corpo foi depositado no interior
e este ficou sobre uma armação -- a portinhola foi fechada -- o chefe da
família apertou um botão, disposto em uma das laterais -- de pronto fez-se
ouvir um ruído sibilante saindo do interior da máquina; um momento depois
se abriu outra portinhola no outro extremo da máquina que largou uma porção
de um punhado de pó fumegante, em uma espécie de prato, ali colocado para
esta finalidade. O filho maior tomou o prato e disse (e no que eu entendi logo
após, estas eram as palavras usualmente ditas), “contemplem quão grande é o
Criador! A este pó Ele deu forma e vida e alma! Para Ele não é necessário
mais que este pó para que renove a forma, a vida e a alma o ser querido a
quem logo voltaremos a ver.”
Cada presente inclinou sua cabeça e levou a mão ao coração. Em seguida, uma
menina abriu uma pequena porta em uma parede, e pude perceber, no recesso,
prateleiras, nas quais eram depositados muitos pratos iguais àqueles levados
pelo filho, porém todos estavam com uma tampa. Com uma dessas tampas,
aproximou-se uma Gy do filho, e colocou-a sobre o prato fixando-a com uma
trinca. Na tampa havia gravado o nome do defunto, e estes dizeres: --
“Concedido a nós (data do nascimento). Tomado de nós (data da morte).
A porta fechou-se com um som musical e a cerimônia havia terminado.
95
CAPÍTULO XXV
“E tal é”, disse, com minha atenção totalmente impressionada com o que tinha
testemunhado -- “tal, presumo, é a forma usual de cerimônia fúnebre entre
vocês?”
“Nossa forma invariável”, respondeu Aph-Lin. “Qual é entre seu povo?”
“Nós depositamos o corpo no interior da terra.”
“O que!? Degradar a forma que houve por amar e honrar, a esposa em cujo
seio houve por dormir, a tal horrível processo de corrupção?”
“Mas, se alma vive novamente, que importa se o corpo se degrada no interior
da terra ou é reduzido a um punhado de cinzas por meio de um terrível
mecanismo, que funciona, sem dúvida, por meio da ação de Vril?”
“Você responde bem”, disse meu anfitrião, “e não há o que argumentar em
questões de opinião; mas para mim seu costume é horrível e repulsivo, e
apenas serve para dar à morte associações de aspecto sombrio e repugnante.
Além do que, a meu ponto de vista, tal feito tem o valor de conservar uma
recordação do que houve por ser nosso parente ou amigo na mesma morada
em que vivemos. Nós, dessa maneira, podemos sentir mais sensivelmente que
ainda vive, ainda que não mais visivelmente para nós. Mas nosso sentimento
neste tocante, bem como em todas as coisas, são criados por costume. E o
costume não existe para ser alterado por um An sensato, mais do que há de ser
alterado por uma sensata comunidade; não sem as mais graves deliberações,
sustentadas pelas mais graves convicções. É apenas desta maneira que as
alterações deixam de ser feitas apenas por capricho, e, uma vez feitas, são
feitas para sempre”.
Quando voltamos a casa, Aph-Lin convocou algumas das crianças a seu
serviço e enviou-as a vários de seus amigos, requerendo que comparecessem
aquele dia, durante as horas livres, a uma festividade em honra da partida de
seu conhecido para o Supremo Bem. Esta foi a maior e mais alegre reunião
que tive por testemunhar durante minha estada entre os Ana, e esta se
prolongou para além das horas de descanso. O banquete foi servido em um
amplo salão, especialmente reservado para grandes ocasiões. Era uma
comemoração que se diferenciava das nossas, porém não deixava de
assemelhar-se àquelas celebrações que sabíamos haver na época do Império
Romano. Em vez de uma grande mesa para todos, havia pequenas mesas para
oito pessoas. Consideravam que, além deste número de pessoas, a conversação
diminuía e a amizade esmorecia. Os Ana nunca riem ruidosamente, como
observei anteriormente, contudo o alegre rum-rum de suas vozes vindas das
96
Disse eu ao filho mais velho, que tinha preferência pelos afazeres mecânicos a
administrar uma grande propriedade, e quem, por demais, possuía um
temperamento eminentemente filosófico, -- “É difícil para mim compreender
como, com sua idade, e com todos os embriagantes efeitos sobre os sentidos,
de música, luzes e perfumes, podes manter-te tão frio ante a tão fervorosa Gy,
que acaba de te deixar, com lágrimas nos olhos, por causa de sua crueldade.”
O jovem An respondeu com um suspiro, “gentil Tish, a maior desgraça na
vida é casar-se com uma Gy quando se está apaixonado por outra.”
“Oh, está você apaixonado por outra?”
“Ha! Sim.”
“E ela não retribui seu amor?”
“Não sei. Às vezes uma olhadela, um sinal, me dá esperança; porém nunca me
disse claramente que me ama.”
“Não sussurrou alguma vez em seu ouvido que você a ama?”
“Oh não! O que você está pensando? De que mundo você vêm? Poderia eu,
dessa maneira, trair a dignidade de meu sexo? Poderia ser eu tão anti-An, tão
perdido em vergonha a minha própria raça, quanto a declarar meu amor a uma
Gy que primeiramente não declarou o seu por mim?”
“Perdoe-me: não havia me dado conta de que levasse a modéstia de seu sexo a
tal ponto. Por acaso um An nunca diz a uma Gy que a ama, até que ela o diga
primeiro?”
“Não me atrevo a dizer que nenhum An o tenha feito; mas quem o faça, ficaria
desonrado aos olhos dos demais Ana e seria secretamente desprezado pelas
Gy-Ei. Nenhuma Gy bem educada o escutaria; consideraria que tal audácia
haveria de ter infringido os direitos de seu sexo, tanto quanto que ultrajado a
modéstia que dignifica seu próprio. Meu próprio caso é irritante”, contestou o
An, “porque a Gy a quem eu amo, não cortejou a ninguém mais; pelo que não
posso menos que pensar que a agrado. As vezes suspeito que não me corteje
porque teme que lhe exija algo insensato em quanto a que renuncie a seus
direitos. Mas, se é dessa maneira, demonstra que não me ama realmente;
porque, quando uma Gy ama verdadeiramente, renuncia a todo direito.”
“Está presente aqui esta jovem Gy?”
“Oh sim. Está sentada ali conversando com minha mãe.”
Olhei na direção que me indicava e vi uma Gy vestida com uma túnica de cor
vermelho brilhante, cor esta que, entre aquele povo, indica que a pessoa que a
usa prefere ficar solteira. Empregam a cor cinza, ou um tom neutro, para
indicar que estão buscando por um esposo. Púrpuras escuras se desejam dar a
conhecer que já fizeram um eleito; azul claro quando se divorciam ou
enviúvam e querem casar-se outra vez. Azul claro, contudo, é muito raramente
visto.
98
Entre aquele povo, cujo tipo de beleza era tão elevado, era muito difícil
destacar uma única pessoa como peculiarmente bela. A eleita de meu jovem
amigo me pareceu de beleza média; mas havia em seu rosto uma expressão
que me agradou muito mais que os semblantes das outras jovens Gy-Ei, em
geral, porque me pareceu menos atrevida -- menos consciente de seus direitos
femininos. Notei que ela, enquanto falava com Bra, olhava de quando em
quando, de soslaio, a meu jovem amigo.
“Ânimo”, lhe disse, “aquela jovem Gy lhe ama.”
“Ay; mas, se ela não me diz, como saber se sirvo para seu amor?”
“Sua mãe sabe de sua intenção?”
“Talvez saiba. Eu nunca lhe disse coisa alguma. Seria contra nosso costume
confiar tal preocupação a uma mãe. Contei a meu pai, quem sabe ele tenha
contado a ela.”
“Permitirias-me que o deixasse, por um momento, e me aproximasse por
detrás de sua mãe e de tua amada? Tenho certeza que estão falando de você.
Não vacile! Prometo que não permitirei que me façam qualquer pergunta até
que retorne a seu lado.”
O jovem An colocou sua mão contra seu coração, tocou-me levemente na
cabeça e permitiu que me afastasse. Sem que me percebessem, esgueirei-me
por detrás das duas mulheres e pude ouvir o que conversavam.
Bra estava falando; dizia ela: “disso não tenho dúvida: ou meu filho, que está
agora em idade de se casar, será arrastado ao matrimônio por alguma das
muitas que o galanteiam, ou se juntará a outros que emigram para algum lugar
distante e não o veremos mais. Se realmente o queres, minha querida Loo,
deves declarar-se.”
“Interesso-me realmente por ele, Bra; porém realmente duvido se poderia
ganhar seu afeto. Ele está muito entretido com seus relógios e invenções; e
não me pareço nem um pouco a Zee, pois sou tão tonta que temo não poder
participar com ele de suas afeições favoritas; se cansará de mim e, ao término
de três anos, se divorciará e então não poderia casar-me novamente com outro,
-- nunca!”
“Não é necessário saber de relógios para fazer a felicidade de um An, que
gosta de tais mecanismos, e que talvez preferisse mesmo abandoná-los do que
divorciar-se de sua Gy. Veja minha querida Loo”, continuou Bra,
“precisamente por sermos o sexo mais forte, dominas ao outro com tal que não
façamos alarde de nossa força. Ainda que superasses à meu filho na
construção de relógios e autômatas, você deveria, como esposa, sempre fazer-
lhe supor, que crê ser ele superior a vós nesta arte. O An tacitamente aceita o
predomínio da Gy em todos os aspectos, menos em sua própria especialidade;
mas se também nisto ela o sobrepõe, ou não manifesta sua admiração pelas
99
habilidades de seu companheiro, talvez ele não a ame por muito tempo. Até
pode ser que dela se divorcie. Mas, quando uma Gy ama verdadeiramente,
prontamente aprende a amar tudo que seu An ama.”
A jovem Gy a isto não apresentou resposta; baixou a cabeça pensativa, então,
de repente, um sorriso brotou de seus lábios; levantou-se, sem dizer nada, e,
cruzando a multidão, chegou onde estava o jovem An que a amava. Segui
atrás dela, mas mantive-me discretamente a alguma distância enquanto os
observava. Algo para minha surpresa, enquanto tentava me lembrar das táticas
de timidez entre os Ana, vi que o pretendido a recebia com um ar de
indiferença. Até mesmo chegou a afastar-se, porém ela o perseguiu e, pouco
tempo depois, ambos estenderam suas asas e se perderam no luminoso espaço
acima.
Neste exato momento aproximou-se de mim o Chefe de Estado, que se
misturava com a multidão, sem sinal algum que o diferenciasse. Acontecia
que não via este grande dignitário desde o dia que me adentrei em seus
domínios, e, lembrando-me das palavras de Aph-Lin sobre as dúvidas deste
sobre se eu devia ou não ser dissecado, um calafrio percorreu todo meu corpo
ao ver o sereno semblante daquele homem.
“Fala-me muito de você, estrangeiro, meu filho Taë”, disse o Tur, pondo
cortesmente sua mão sobre minha cabeça inclinada. “Ele gosta muito de sua
companhia e tenho certeza de que a você não desagrada os costumes de nosso
povo.”
Balbuciei uma resposta, com a qual esperava poder expressar minha gratidão,
pela bondade que tive por receber do Tur e por minha admiração por seus
concidadãos, porém a imagem da lâmina de dissecação brilhou ante minha
imaginação e travou minhas palavras. Uma voz mais suave disse: “O amigo de
meu irmão deve ser querido para mim.” Levantei a cabeça e vi uma jovem Gy,
de uns dezesseis anos, parada ao lado do Magistrado e mirando-me com uma
bela expressão. Ainda não tinha atingido seu pleno desenvolvimento e não era
muito mais alta que eu mesmo (aproximadamente cinco pés e 10 polegadas), e,
devida a esta comparativamente diminuta estatura, a considerei ser a mais
encantadoramente bela Gy que tinha até então visto. Supus que alguma coisa
em minha expressão revelou minha impressão pois, ato contínuo, sua face
tornou-se ainda mais benigna.
“Taë disse-me que”, disse ela, “que até agora você não havia aprendido a
utilizar as asas. Acho uma pena, pois haveria de ter gostado que houvéssemos
voado juntos.”
“Oh”, respondi eu, “nunca poderei eu desfrutar de tal felicidade. Porém, Zee
me garantiu que o poder de usar as asas, sem perigo, é um dom hereditário e
100
que hão de passar gerações, antes que um de minha raça possa suster-se no ar
como fazem as aves.”
“Não se preocupe tanto com isso”, replicou a bondosa Princesa, “pois, de
qualquer maneira, há de chegar um dia em que mesmo Zee e eu, todas
devamos nos resignar a não utilizar nunca mais nossas asas. Quem sabe,
quando chegue tal dia nos agrade se o An que escolhemos tampouco as
utilize.”
Nisto o Tur nos deixou e perdeu-se na multidão. Começava a sentir-me a
vontade com a encantadora irmã de Taë; e de certa maneira a surpreendi pelo
atrevimento de meus galanteios, ao lhe dar a resposta “que nenhum An que ela
escolhesse poderia usar suas asas para dela se afastar. Está tão fora dos
costumes dos Ana dizerem tais gentilezas à uma Gy ate que ela declare sua
paixão por ele, e conseqüentemente o aceite como seu prometido, que a jovem
donzela pareceu ficar bem confusa por alguns instantes. Contudo, não pareceu
desagradar-se. Ao sair de sua surpresa, ela convidou-me para ir junto com ela
a um dos quartos menos concorridos, onde podíamos apreciar o canto de
pássaros. Segui-a, pois ela partiu sem me esperar, conduzindo-me a ma
câmara quase deserta, onde, na parte central, uma fonte de nafta fazia seu
espetáculo; ao redor desta estavam dispostos diversos confortáveis divãs e as
paredes do quarto abriam-se à um aviário em que pássaros cantavam suas
harmoniosas melodias. A Gy sentou-se em um dos divãs, e eu sentei-me a seu
lado. “Taë contou-me”, disse ela, “que Aph-Lin estabeleceu uma lei em sua
casa que você não deveria ser questionado sobre o país donde vêm ou mesmo
as razões porque nos visita. É isso mesmo?”
“De fato.”
“Posso eu, ao menos, sem infringir esta lei, perguntar-lhe se as Gy-Ei de seu
país têm a mesma cor pálida de sua pele e não são de maior estatura que você?
“Não penso, Oh bela Gy, que eu infringiria a lei de Aph-Lin, que me obriga a
mim muito mais que qualquer outra pessoa, se lhe respondesse a esta pergunta
tão inocente. As Gy-Ei de meu país são de cor de pele muito mais bela do que
a minha, e são de média estatura, e de ao menos uma cabeça mais baixas que
minha altura.”
“Mas, dessa forma, como podem elas serem mais fortes que os Ana dentre
vocês. Então, suponho que sua superioridade na força Vril compense tal
desvantagem em estatura?”
“Lá não se conhece a energia Vril como entre vocês. Mas, ainda assim, têm
elas muito poder em meu país, e um An têm poucas chances de ser feliz em
sua vida, se não se deixar, em certa medida, governar-se por sua Gy.”
“Você fala de maneira muito sentimental”, disse a irmã de Taë, com um tom
de voz meio triste, meio petulante. “Então você é casado, sem dúvida?”
101
interior, e dessa maneira, reger um Império em que o sol nunca se punha (em
meu entusiasmo, me esquecia que, naquela região não havia sol a se pôr). Em
quanto à fantástica idéia de não conceder fama ou renome a algum indivíduo
eminente, pela razão, de que tais concessões de honrarias suscitariam
competição na busca das mesmas, estimularia ferozes paixões e dificultaria a
felicidade da paz -- tal opinião opõe-se aos elementos mesmos, não apenas
humanos, mas até mesmo dos animais inferiores, em que todos se bem
tratados, correspondem com estímulo e louvores. Que renome seria dado a um
rei quem dessa forma estendesse seu Império! Chegariam a considerar-me um
semideus.
Nesta ordem de idéias, veio-me à mente outra das fantásticas noções daquele
povo, que era regular a vida pelo Deus Único, de uma maneira que, claro,
ainda que nós cristãos firmemente acreditamos, mas nunca levamos em
consideração, resolveria que uma tão iluminada filosofia me impeliria a abolir
uma religião pagã tão supersticiosa e contraditória com o pensamento
moderno e a ação prática.
Refletindo sobre estes vários projetos, pensei quanto me agradaria naquele
momento aguçar minha percepção com um bom copo de whisky com gelo.
Trata-se pouco que habitualmente tivesse eu o costume de beber, mas
certamente há momentos em que um pouco estimulante alcoólico,
acompanhado de um bom cigarro, ativa a imaginação. Sim! Certamente entre
suas diversas ervas e frutas haveria alguma que se pudesse extrair algum
agradável álcool vínico* e que, junto com um filé de carne de cervo (que
ofensa à ciência rejeitar alimento de origem animal, que nossos médicos
recomendam para a estimulação dos sucos gástricos da humanidade), seria
certamente suficiente para uma muito prazerosa refeição. Também, ao invés
daqueles antiquados dramas representados por crianças amadoras, com certeza,
quando fosse eu rei, haveria de introduzir nossa moderna ópera e grupos de
dança, pois certamente conseguiria encontrar, dentre as nações que viesse a
conquistar, jovens fêmeas de menos estatura e capacidade que estas Gy-Ei -- e
que não portassem Vril, e ainda, que não obrigassem alguém a casar-se com
elas.
Encontrava-me tão completamente entretido nestas e outras reformas políticas,
sociais e morais, destinadas a trazer entre estes povos das regiões inferiores as
bendições da civilização como é conhecida no mundo superior, que não tinha
me dado conta que Zee havia entrado no quarto, até que escutei um profundo
suspiro e, levantando meu olhar, vi que estava parada próximo a meu divã.
Não preciso dizer que, de acordo com os costumes daquela gente, uma Gy
pode, sem faltar o decoro,visitar um An e seu quarto; contudo, seria
considerado de atrevido e imodesto, ao último grau, se um An entrasse no
104
quarto de uma Gy, sem permissão prévia. Afortunadamente, ainda estava com
as roupas de quando Zee me colocou para dormir. Não obstante, me irritou
muito e mais me surpreendeu sua visita, que fez-me perguntar-lhe com rudeza
o que queria.
“Peço-lhe, meu amado, que não se irrite.” Disse ela, “pois estou muito sentida.
Não consegui dormir desde que nos separamos.”
“É suficiente que tenha se dado conta de sua vergonhosa conduta para comigo,
como hóspede de seu pai, para que percas o sono. Onde estava a afeição que
pretendia ter por mim, ou mesmo a polidez que os Vril-Ya tanto se orgulham,
quando, tomando por vantagem a superioridade física característica do seu
sexo, e dos detestáveis e inadvertidos poderes que as forças de Vril colocam
em seus olhos e mãos, fez por humilhar-me ante os convidados reunidos, ante
sua Alteza Real, -- quero dizer, a filha de seu Magistrado Chefe, -- levando-
me para a cama como se fosse eu uma criança travessa e, pondo-me a dormir
sem pedir minha permissão?”
“Seu mal agradecido. Você me repreende por demonstra-lhe provas de meu
amor? Chega você a pensar que, mesmo que não me afetasse qualquer ciúme,
o qual quem ama sente pela pessoa cortejada até que tem a certeza que esta já
lhe pertence, seria eu indiferente aos perigos que as audaciosas investidas
daquela estúpida menina pudessem expor-lhe?”
“Espere aí! Já que trouxe à tona a questão dos perigos, talvez não seja preciso
dizer que os mais iminentes perigos a mim mesmo, provêm de você mesma,
ou ao menos se acreditasse eu em seu amor e aceitasse as investidas que dirige
para mim. Seu pai bem me disse que, neste caso, seria certamente convertido
em um punhado de cinzas, com tanta compaixão quanto a que recebeu o réptil
que Taë pulverizou com um disparo de sua varinha.”
“Não permita que o medo esfrie seu coração para comigo”, exclamou Zee,
pondo-se de joelhos, e segurando minha mão direita em suas largas mãos.
“Certamente, é verdade que não possamos nos casar como fazer aqueles que
são de uma mesma raça; é certo que nosso amor teria de ser de um tipo puro,
igual aquele que, em nossa crença, existe entre amantes que se reúnem em
outra vida além dos limites da existência material, quando a vida acaba. Mas
não seria felicidade suficiente estarmos unidos em pensamento e coração?
Escute: Acabei de falar com meu pai. Ele consente com nossa união nestes
termos. Tenho eu suficiente influência com o Colégio dos Sábios para
assegurar que qualquer pedido do Tur não interferisse na livre escolha de uma
Gy, contra o casamento desta com um indivíduo de outra raça, mas garantindo
o casamento das almas. Oh, acaso pensa que o amor necessita de imodesta
união? Não se trata apenas de eu querer estar a seu lado nesta vida, de estar
105
com você e repartir nossas alegrias e tristezas? Veja: o que lhe peço é um laço
que nos unirá para sempre no mundo dos imortais. Você me rejeitaria?
Enquanto ela assim me falava, de joelhos, a expressão de seu rosto havia
mudado; não havia mais a rigidez de seu porte, mas sim dela emanava uma
divina luz, como a de um imortal brilhando em sua forma humana. Tal
assombrou-me como se um anjo tivesse tomado a forma de uma mulher, e
após algum tempo neste estado, balbuciei algumas palavras evasivas de
gratidão e busquei, tão delicadamente quanto possível, mostrar-lhe quão
humilhante seria minha posição, entre os da sua raça, como um marido que
nunca teria o direito de ser chamado de pai.
“Ainda”, disse Zee, “esta comunidade não constitui o mundo todo. Nem
tampouco estão todas as populações compreendidas na liga dos Vril-Ya. Por
você renuncio a meu país e meu povo. Voaremos para algum lugar onde
estejas seguro. Sou bastante forte para levá-lo em minhas asas cruzando
desertos. Sou bastante hábil para abrir caminho por entre as rochas, e criar
vales onde possamos construir nosso lar. Solitude e uma cabana contigo
seriam para mim a sociedade e o universo. Ou seria que preferisse retornar a
seu próprio mundo, sobre a superfície da terra, exposto a estações instáveis, e
regido pela mudança dos orbes, que constituem, por sua descrição, a
característica instável destas regiões selvagens? Se for desta maneira, me diga,
e abrirei caminho para seu retorno, de maneira que eu seja sua companhia
nesta região, companheira de sua alma; companheira de viagem a um mundo
onde não há separação ou morte.”
Não pude menos que sentir-me tocado por tão pura e delicada ternura, no
instante que ela se exprimia. Sua doce entonação poderia ter convertido em
musicais os sons mais rudes da língua mais áspera. Repentinamente, me
ocorreu que poderia utilizar-me da disposição de Zee, para efetuar um retorno
rápido e imediato ao mundo superior. Porem, bastou um breve momento de
reflexão para dar-me conta de quão desonroso e baixo seria tal atitude, que
afastaria à Zee de seus familiares e de um lar onde havia sido eu tratado tão
cortesmente, para levá-la a nosso mundo, onde não poderia ser feliz. Por outra
parte, não podia reconciliar-me a um amor tão espiritual e renunciar aos afetos
humanos. Com este sentimento de dever ante a Gy, misturava-se outro
sentimento de dever para com a raça a que pertenço. Poderia eu introduzir ao
mundo superior um ser tão formidavelmente dotado, um ser que, com a ação
de sua varinha, podia, em menos de uma hora reduzir a um punhado de cinzas
a New York e sua gloriosa Koom-Posh? Ainda que se tomasse sua varinha,
poderia, graças à sua ciência, construir facilmente outra, conquanto todo seu
corpo estava carregado com os mortais relâmpagos que colocavam aquele
delicado mecanismo e funcionamento. Se perigosa era para as cidades e
106
populações da terra, não menos perigosa podia chegar a ser para mim, em
quanto a que seus afetos esfriassem ou fossem alterados por ciúmes. Tais
idéias, que tanto custam expressar, rapidamente passaram por meu
pensamento e decidiram minha resposta.
“Zee”, disse, com o tom de voz mais doce que pude exprimir-me, e,
encostando meus lábios em sua mão que segurava a minha, “não encontro
palavras para expressar quão profundamente sinto e quão honrado me
considero por um amor tão desinteressado e abnegado, minha melhor maneira
de lhe retribuir é que lhe fale com total franqueza. Cada nação tem seus
costumes. Os costumes da sua não permitem que eu me case com você. Os
costumes da minha também se opõem igualmente à união entre pessoas de
raças tão amplamente diferentes. Por outro lado, ainda que não seja
considerado de pouca coragem entre meu povo, ou lidando com situações de
perigo com as quais estou familiarizado, não posso deixar de cogitar, sem um
calafrio de horror, a possibilidade de construir um lar conjunto a você nas
entranhas de alguma caótica região, em conflito com todos os elementos da
natureza, fogo, água e gases venenosos, e ainda com a probabilidade que, a
qualquer momento, enquanto que você estivesse desbastando rochedos ou
canalizando Vril para lâmpadas, eu pudesse ser devorado por um Krek,
perturbado em seu esconderijo por nossos afazeres. Eu, um mero Tish, não
mereço o amor de uma Gy tão brilhante, tão instruída, tão poderosa como
você. De fato, não mereço tal amor, por não poder corresponder-lhe.”
Nisto, Zee soltou minha mão, ergueu-se e escondeu seu rosto para ocultar sua
emoção; em seguida dirigiu-se em silêncio até a porta, ao que nesta
repentinamente se deteve, como se impelida por uma nova inspiração.
Retornou para perto de mim e disse-me, em tom de confidencia: --
“Disse você que falaria com total franqueza. Então, com total franqueza,
responda-me esta pergunta. Se não podes me amar, acaso ama outra?”
“Certamente lhe digo que não.”
“Acaso não ama a irmã de Taë?”
“Nunca a havia visto antes da noite passada.”
“Isto não é resposta. O amor é mais rápido que Vril. Você hesita ao responder-
me. Não pense ser apenas por motivos de ciúmes que me prontifico a alertar-
lhe. Caso a filha do Tur chegasse a declarar seu amor por você -- ou se, em
sua ignorância confiasse a seu pai a predileção que sente por ti – não teria ele
outra atitude senão ordenar automaticamente sua destruição, conquanto é ele
especialmente encarregado do dever de zelar pelo bem da comunidade, e que
não poderia permitir uma herdeira dos Vril-Ya desposar o filho de um Tish-A,
em um tipo de união que não restringisse-se à mera união de almas. Há! Então,
para você não haveria escapatória. Não possui ela suficiente força em suas
107
asas para suster-lhe no ar, nem mesmo a ciência para fazer-lhe uma habitação
em regiões ermas. Acredite, pois neste momento fala com você minha
amizade, e meu ciúmes está silente.”
Após estas palavras, Zee deixou-me. E, ao refletir sobre o que acabava de
dizer-me, já não pensava mais em ascender ao trono dos Vril-Ya, ou de
reformas políticas, sociais ou morais que pudesse eu ter instituído na
qualidade de Soberano Absoluto.
CAPÍTULO XXVI
Após relembrar esta conversação com Zee, adquiri uma profunda melancolia.
Desvaneceu-se o curioso interesse com que, até então, tinha observado a vida
e os costumes daquela maravilhosa comunidade. Não podia desfazer de minha
mente a consciência que eu estava em meio a um povo que, apesar de sua
bondade e cortesia podiam, a qualquer momento, destruir-me, sem escrúpulos
nem compaixão. A vida virtuosa e pacífica deste povo que, ainda que nova
para mim, tinha me parecido tão grandemente contrastante com as discussões,
as paixões e vícios do mundo superior, neste momento começava a oprimir-
me, com uma sensação de aborrecimento e monotonia até mesmo a serena
tranqüilidade do ar resplandecente pesava em meu estado de espírito. Ansiava
por alguma mudança; que fosse o frio do inverno, ou uma tempestade ou
mesmo completa escuridão. Comecei a desconfiar que, quaisquer que fossem
nossos sonhos de perfeição, nossas incansáveis aspirações rumo a uma melhor,
mais elevada e calma forma de conduzir a vida, nós, mortais da superfície, não
estaríamos treinados ou mesmo preparados para aproveitar por muito tempo a
felicidade a que sonhamos ou mesmo aspiramos.
Agora, conquanto ao estado social dos Vril-Ya, é fato único a ressaltar como
eles conseguiram unificar e colocar em harmonia um sistema onde
aproximadamente todos os objetivos que os diversos filósofos do mundo
superior houveram por colocar ante a humanidade, como sendo os ideais de
um Futuro Utópico. Este era um sistema em que a guerra, com todas as suas
calamidades, era considerada algo impossível de acontecer, -- um sistema em
que a liberdade individual e coletiva era garantida em um grau máximo, sem
nenhuma das animosidades que fazem a liberdade, no mundo superior,
depender da perpétua luta entre partidos opostos. Neste povo, a corrupção, que
corroia as democracias, era tão desconhecida tanto quanto os descontentes que
minavam os tronos das monarquias. A igualdade não era um nome,
meramente; senão uma realidade. Os ricos não eram perseguidos, pela razão
108
Bondade Suprema, nem sobre o mundo futuro, além do fato de uma existência
feliz neste lugar, sua razão os proibia de toda discussão sobre questões tão
insolúveis. Dessa maneira eles haviam alcançado, nas entranhas da terra, o que
nenhuma comunidade sob a luz das estrelas houve por alcançar -- todas as
bendições e consolações de uma religião sem qualquer dos males e
calamidades que ocorrem pelo conflito entre uma religião e outra.
Dessa maneira, então, poderia ser de todo impossível negar que o estado de
existência entre os Vril-Ya, em seu conjunto, fosse imensamente mais feliz
que o das raças supraterrestres, e que, materializando os sonhos de nossos
filósofos mais entusiastas, quase aproximar-se-ia do conceito poético de
algum tipo de Ordem Angelical. E ainda, se pegássemos um milhar de nossos
melhores e mais filosóficos seres humanos que pudéssemos encontrar em
Londres, Paris, Berlim, Nova York, ou mesmo em Boston, e os colocássemos
como cidadãos desta beatífica comunidade, acredito que, em menos de um ano
talvez morressem de tédio, ou tentariam engendrar alguma revolução pela qual
tentariam militar contra o bem da comunidade, e seriam convertidos em cinzas
por ordem do Tur.
Contudo, de maneira alguma, tenho a intenção de, por meio desta narrativa,
insinuar qualquer ignorante contrariedade à raça a qual pertenço. Tenho, ao
contrário, esforçado-me para deixar claro que os princípios que regulam o
Estado Social dos Vril-Ya impedem que sejam produzidos em seu seio
aqueles exemplos individuais de grandeza humana, que adornam os anais do
mundo superior. Onde não houvesse guerras, não poderia haver um Hannibal,
um Washington, um Jackson, um Sheridan; -- em estados tão felizes que, nem
temem perigo algum, nem desejam mudanças de espécie alguma, não podiam
nascer homens como Demosthenes, Webster, Sumner, um Wendel Holmes, ou
um Butler; e, onde uma sociedade atinge um tal nível de moral, em que não
existem crimes e tristeza e tragédias que possam dar alimento à indulgência e
pesar, em que não existam vícios manifestos ou tolices, sobre os quais a
comédia pudesse exercitar sua divertida sátira, não haveria oportunidade de
produzir um Shakespeare, ou um Moliére, ou uma Sra. Beecher Stowe. Se
bem não desejo falar mal de meus compatriotas sobre a terra, fazendo ver até
que ponto os motivos que impulsionam as energias e ambições dos indivíduos,
em uma sociedade de contenda e de conflito, se amortizam e se anulam numa
sociedade que aspira a assegurar, para todos, a calma e a felicidade, que
supomos ser dotes dos imortais, tampouco pretendo apresentar as
comunidades dos Vril-Ya como forma ideal de sociedade política, em direção
ao qual nossos esforços de reforma devessem ser dirigidos. Pelo contrário,
pela razão mesma de termos confundido, no transcurso das eras, os elementos
que compõem o caráter do ser humano, que nos seria de todo impossível
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pensar uma forma de colocar tal em prática, sempre foi em vão. Nunca me era
permitido andar desacompanhado; de modo que não tive, sem sequer uma
oportunidade de retornar ao lugar por onde havia descido, para ver se
conseguia encontrar algum modo de ascender até a mina. Nem mesmo durante
as Horas de Descanso, quando a casa era mantida trancada durante o sono,
pude eu dirigir-me ao andar inferior da residência onde estava minha
habitação, pois não sabia como ordenar o autômata que ficava ridiculamente
parado, próximo a certa distância, encostado junto à parede, e nem sabia como
funcionar os controles mediante os quais se punham em movimento as
plataformas que faziam as funções de escada. Propositalmente, haviam-me
negado o conhecimento de como funcionavam tais mecanismos. Oh, se ao
menos eu tivesse sido capaz de ter apreendido como usar as asas, que tão
livremente até mesmo os infantes sabiam usar; talvez tivesse tido a chance de
escapar pela janela, chegar até o rochedo e projetar-me para cima através da
abertura do precipício, cujas bordas perpendiculares não ofereciam apoio
algum aos pés para qualquer tipo de escalada!
CAPÍTULO XXVII
Tenho de observar aqui que, apesar de ser a Gy solteira tão franca ao cortejar
o indivíduo que ela favorece, sua atitude em nada se parece com a maneira
despreocupada e ruidosa das jovens da raça anglo-saxã, às quais o distinguido
epíteto de “modernas” é aplicável, ao exibirem-se aos jovens e galantes
pretendentes pelos quais não sentem amor algum. Não. O comportamento da
Gy para com os homens, se parece muito ao do homem bem educado das
galantes sociedades do mundo superior em direção às mulheres, que respeitam
mas não se enamoram; com deferência, lisonjeiro, refinadamente sutil; o que
poderiam chamar “cavalheiresco.”
De fato, me senti um pouco confuso pelos galanteios que me dirigiam aquelas
jovens ao meu ‘amour propre’ e que eu não sabia como responder. Em nosso
mundo um homem se consideraria agravado, tratado com ironia, enfadada (se
posso usar uma tão vulgar expressão, usada tão livremente em criações de
novelistas populares) ao ouvir uma formosa jovem refestelar-se da frescura de
minha cútis; a outra sobre a combinação das cores de meu vestido; uma
terceira, com um sorriso dissimulado, comentar sobre as conquistas que fiz na
festa de Aph-Lin. Porém, contudo, sabia eu que, toda aquela linguagem era
aquilo que os franceses chamam banalidades e, ditas por bocas femininas,
expressava simplesmente, abaixo da terra, o mero desejo de passar um
agradável tempinho com o sexo oposto. Expressões que, sobre a terra, uma
senhorita bem educada, acostumada a tais galanteios, sabe que não pode, sem
que falte às regras da impropriedade, devolvê-las nem demonstrar excessiva
satisfação ao recebê-las, e eu, que havia aprendido os corteses costumes
daquela raça, na casa de tão rico e exaltado Ministro da Nação, procurei sorrir
e parecer modesto, fazendo pouco caso dos elogios que dirigiam a mim.
Enquanto falávamos dessa maneira, a irmã de Taë, que, ao que parece, tendo
nos visto juntos desde os altos andares do Palácio Real, na entrada da cidade e,
precipitando-se com suas asas, pousou no meio de nós, juntando-se ao grupo.
Dirigindo-se a mim, falou-me, apesar da inimitável deferência em exprimir-se,
que chamei ‘cavalheiresca’, mas que ainda, não sem uma certa rudeza de tom
a que, dirigida ao sexo mais fraco, Sir Philip Sidney poderia classificar com o
termo ‘rústico’, “porque você nunca vêm ver-nos?”
Enquanto estava pensando qual seria a adequada resposta a tão inesperada
pergunta, Taë atalhou, seca e prontamente: “irmã, você se esquece que o
estrangeiro é de meu sexo. E não corresponde a pessoas de meu sexo, que
guardam sua reputação e modéstia, rebaixar-se correndo atrás de companhias
do vosso sexo.”
Estas palavras foram recebidas com evidente aprovação por parte das jovens
Gy-ei, em geral; porém a irmã de Taë parecia estar grandemente
envergonhada. Pobre menina! E isso que ainda era uma Princesa!
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CAPÍTULO XXVIII
Taë moveu a cabeça gentilmente. “Não”, disse, “o pedido de meu pai não é
tão formal quanto a não me deixar escolha. Vou falar com ele e pode ser que
possa salvá-lo. Estranho que o medo da morte o domine, que para nós cremos
ser um instinto apenas pertencente às criaturas inferiores, às quais não tenha
sido inculcada a convicção de uma outra vida. Entre nós mesmos, nem os
infantes conhecem tal temor.”
“Diga-me caro Tish”, após uma breve pausa, continuou, “não te reconciliaria
mais facilmente a idéia de abandonar esta forma de vida por aquela que o
espera mais a frente do momento chamado morte, se eu lhe acompanhasse? Se
assim fosse, pediria a meu pai se seria permitido para mim ir com você. Sou
de uma nossa geração destinado a emigrar, quando tiver idade para tanto, a
alguma região desconhecida dentro deste mundo. Para mim, seria igual
emigrar agora a regiões desconhecidas do outro mundo. O Supremo Bem não
está menos lá do que aqui. Onde Ele não está?”
“Garoto”, respondi-lhe, percebendo por sua expressão que Taë falava
seriamente, “seria um crime que você me matasse; e seria igualmente um
crime dizer-lhe: mate-se a si próprio. O Supremo Bem tem Seu próprio tempo
para dar-nos vida; e Seu próprio tempo para levá-la embora. Vamos voltar. Se,
ao falar com seu pai, ele decidir por minha morte, dê-me todo tempo que
puder, para que eu possa preparar-me.”
Voltamos à cidade, conversando por intervalos. Não podíamos compreender
as razões um do outro; sentia por aquele honrado garoto, de voz suave e
formoso rosto, um sentimento muito parecido ao que o réu deve sentir pelo
executor que caminha a seu lado rumo ao lugar da execução.
CAPÍTULO XXIX
Zee apontou para uma mesa, ao lado de um sofá, na qual vi minhas roupas que
usava quando deixei o mundo da superfície, e que tinha subseqüentemente
trocado pelas tão exóticas vestimentas dos Vril-Ya.
A jovem Gy, então, saiu pela janela em direção ao terraço, enquanto eu
rapidamente e sem perder meu espanto vestia-me com minhas roupas.
Ao juntar-me a ela no terraço, sua expressão era dura e fria. Tomando-me pela
mão, disse contudo, com uma voz doce, “veja, quão brilhantemente a arte dos
Vril-Ya houve por iluminar o mundo que habitam. Amanhã, este mundo estará
em trevas para mim.” Puxou-me de volta para o quarto, sem aguardar minha
resposta, foi para o corredor, pelo qual descemos ao hall de entrada. Saímos às
ruas desertas e em direção à larga avenida que se estendia por sob os rochedos.
Neste lugar, onde não existia diferenciação entre dia e noite, as Horas de
Descanso são indizivelmente solenes, -- toda esta vasta região iluminada pela
perícia dos mortais ficava totalmente sem nenhum indicio de qualquer sinal de
vida.
Suaves eram nossos passos, porém seu ruído molestava o ouvido, como em
desarmonia com o repouso universal. Estava convencido, ainda que Zee nada
me houvesse dito, que esta havia resolvido ajudar-me a voltar ao mundo da
superfície, e que nos dirigíamos ao lugar por onde havia eu descido. Seu
silêncio tomou conta de mim e se impôs a meu ser. E nos aproximávamos do
precipício. Havia sido reaberto; ainda que, de fato, não apresentasse o mesmo
aspecto de quando passei por ele, por entre aquela maciça parede de rochas
que momentos antes tinha visitado com Taë, vi que uma nova abertura havia
sido feita, cujas bordas graníticas ainda faiscavam e ardiam.
Minha vista, contudo, não podia avançar mais que alguns poucos metros na
escuridão daquele profundo vazio, e fiquei desalentado, imaginando de que
maneira poderia ascender por ali.
Zee imaginou minhas dúvidas. “Não temas”, disse, com um triste sorriso; “seu
retorno esta garantido. Iniciei esta obra quando as Horas de Descanso
começaram, quando todos dormiam: acredite que não parei até vislumbrar que
a passagem para seu mundo estivesse pronta. Permanecerei com você, ainda,
contudo, por pouco tempo. Não nos separaremos até que digas: ‘agora podes ir,
pois já não mais preciso de você’”.
Meu coração apertou-se de remorso a estas palavras. “Oh!” exclamei,
“pudesse que você fosse de minha raça ou eu da sua, jamais diria: já não mais
preciso de você”.
“Lhe bendigo por estas palavras, e irei lembrar-me delas quando já tiver
partido”, respondeu a Gy, carinhosamente.
Durante este breve intercâmbio de palavras, Zee virou-se e afastou-se de mim,
inclinou seu corpo, com sua cabeça apoiada em seu peito. De repente, ergueu-
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se em toda sua estatura e colocou-se frente a mim. Enquanto seu rosto esteve
fora de meu campo de visão, tinha ela acionado a diadema que levava em sua
fronte, de maneira que esta brilhava como se fosse uma coroa de estrelas. Não
somente seu rosto e seu corpo, mas toda a atmosfera e tudo nos arredores
iluminaram-se pelo resplendor de seu diadema.
“Agora”, disse ela, “ponha seus braços em volta de mim pela primeira e
última vez. Pronto, agora; coragem e segure-se”.
Tão logo terminou de falar, sua vestimenta dilatou-se e suas asas expandiram-
se. Agarrado a ela alçamos vôo por aquela terrível passagem. A luminosidade
estrelada que partia de sua fronte avançava e iluminava os arredores da
escuridão. Brilhante, gracioso e veloz, como um anjo poderia erguer-se em
direção aos céus com uma alma que salvou da tumba, foi o vôo da Gy, que
continuou até que ouvi, à distância, o murmúrio de vozes humanas; sons de
trabalhos humanos. Nos detivemos no assoalho de uma das galerias da mina.
Mais além, muito à distância, ardiam as fracas, poucas e débeis lâmpadas dos
mineradores. Soltei-me de meu abraço. A Gy beijou-me em minha testa
apaixonadamente, como uma mãe faria, e disse, enquanto as lágrimas vertiam
de seus olhos: “Adeus para sempre. Você não deve deixar-me ir a seu mundo,
-- você nunca poderá retornar ao meu. Antes que meus familiares despertem,
as rochas da passagem serão novamente fechadas, para não serem novamente
reabertas, nem por mim, nem por outras pessoas, por incontáveis eras. Pensem
em mim de vez em quando, com ternura. Quando eu alcançar a vida além
desta partícula de tempo, irei a sua procura. Contudo, pode ser que este mundo
dedicado a você e seu povo tenha rochas e precipícios que o separem daquele
ao qual devo juntar-me aos de minha raça que partiram antes de mim, e talvez
não tenha eu condições de abrir caminho para reencontrar-lhe como pude abrir
caminho para deixá-lo partir”.
Sua voz cessou. Fiquei a ouvir o barulho de suas asas, como o voar de um
cisne, vendo o brilho de seu diadema estrelado desvanecer-se conforme se
distanciava na escuridão.
Sentei-me em uma rocha, durante algum tempo, em triste reflexão; então,
levantei-me e segui o caminho, a passos lentos, em direção ao lugar em que
ouvi haver vozes humanas. Os mineradores que encontrei eram para mim
desconhecidos, de outra nação que minha própria. Eles pararam para olhar-me,
surpreendidos, mas, ao constatarem que eu não era capaz de responder
quaisquer de suas perguntas em seu idioma, retornaram ao trabalho e
permitiram-me passar sem me incomodar. Logo, cheguei à entrada da mina,
apenas perturbado por outros poucos breves questionamentos; -- com exceção
de um oficial amigo, que me conhecia, mas que providencialmente estava
muito ocupado para conversar comigo. Tive o cuidado de não voltar a meu
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antigo alojamento. Sem perder tempo, afastei-me naquele mesmo dia para
uma vizinhança onde não podia ser incomodado por perguntas, às quais não
podia responder satisfatoriamente. Retornei a meu país em segurança, onde
estive, durante um longo tempo tranqüilamente estabelecido em negócios
comerciais, até que me aposentei, com uma considerável fortuna, há apenas
três anos. Raras vezes tive por ser convidado a fazer relatos sobre as andanças
e aventuras que tive na juventude. Algo desapontado, e digo que a maioria dos
homens o são, em assuntos ligados à vida doméstica e familiar,
freqüentemente penso naquela jovem Gy, quando me sento sozinho à noite, e
penso como pude eu rejeitar tal amor, sem importar os perigos que corria, ou
que condições o impediam. Apenas, quanto mais penso naquele povo que, em
regiões excluídas de nossa percepção e consideradas inabitáveis por nossos
sábios, calmamente desenvolvem poderes que vão além de nossos mais
disciplinados sistemas de vida, e virtudes, às quais, para nossa vida, social e
política, são antagônicos à proporção que nossa civilização avança, -- mais
devotadamente rezo para que eras incontáveis ainda passem antes que
emerjam à luz do sol nossos inevitáveis destruidores.
Sendo, contanto, francamente assegurado por meu médico pessoal que estou
afligido por uma enfermidade que, apesar de me causar pouca dor e não
demonstrar perceptíveis sintomas de seu avanço, entretanto, a qualquer
momento pode ser-me fatal, acreditei ser meu dever para com meus
concidadãos, fazer este registro para preveni-los da Raça Futura.