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Utgarth -Pridebeard- Hardhammer

Minha história não é convencional.

Em nenhum momento pareceu ser.

Sempre aconteceram coisas estranhas comigo. Desde meu nascimento, no dia em que a
água congelou até o fato de ser o sétimo filho de um casal de sétimos filhos.

Meus irmãos cresceram para ser guerreiros, clérigos e artesãos. Eu… eu cresci. Por causa
dos Orcs sempre estivemos em mudança, no próximo acampamento, na próxima
campanha.

Acabei precisando aprender a me defender, e muito bem, pelo menos com um martelo de
guerra.

Nunca fomos ricos, nem nos melhores momentos. O dinheiro era sempre revertido em
esforços de guerra, pergaminhos, ferramentas e suprimentos básicos.

Incluindo bálsamos e unguentos para barba. O clã Pridebeard sempre é vou a sério seu
nome. Eu também.

Durante meus primeiros 80 ou 100 anos, tive uma longa e bela barba, para qualquer
padrão, anão ou não. Nossas roupas eram manchadas com sangue orc, de uma década
atrás, mas minha barba era coberta com uma cera mágica que repele líquidos. Já tive que
comer carne que eu nem sei de onde veio, mas minha barba era adornada com ouro e
joias.

Na época, não via problemas nisso, mas hoje acho que esse orgulho doentio por algo tão
pequeno (relativamente falando).

Provavelmente porque me apaixonei à primeira vista por ele, e quando isso aconteceu eu
esqueci completamente do grande orgulho da minha vida naquela época.

Tudo foi tão rápido quanto intenso. Estamos atravessando uma trilha mais ao sul, mas não
sabíamos quão perto da encosta estávamos. Por algum motivo, um pequeno tremor fez
com que a parede de rocha ruísse. O sol estava se pondo, e as cores. Ah! As cores, meu
amigo! Nunca na minha vida experienciei algo tão lindo até aquele momento.

Demorei mais do que devia para reagir, quase fui arrastado pelas pedras encosta abaixo,
mas fiquei com aquela imagem na minha cabeça, gravada a ferro em brasa.

Este foi o dia que mudou minha vida.

Depois deste dia, fiz tudo o que estava ao meu alcance para me aproximar do mar: Sugerir
residência fixa, "encontrar" rotas que nos levavam para a parte externa das montanhas.

Meus pais, meus irmãos e até mesmo a nossa matriarca começaram a desconfiar e
questionar minhas atitudes, até o momento em que o confronto foi inevitável: tive que falar
sobre o que eu vi, sobre o que eu senti e sobre a minha vontade de voltar a ver o mar.
Tomei um grande sermão sobre a importância da retomada da montanha para o clã. sobre
como anões não foram feitos para o mar, sobre como nosso orgulho deveria ser colocado
acima das nossas vontades.

Por algumas semanas consegui me conter, mas sonhava com as ondas durante a noite,
imaginava sua vastidão durante o dia. Por algum motivo que desconheço, O mar também
parecia pensar em mim: Orcs tinham conchas em seus bolsos, encontramos
acampamentos com peixes frescos e secos armazenados. Encontramos até mesmo algas
comestíveis, ostras. Uma vez encontrei um livro contando uma história sobre pessoas que
obtiam riqueza e fama navegando pelo mar, pilhado e se aventurando.

A situação ficou insustentavel. Não conseguia mais ser um anão funcional. Ao mesmo
tempo, entendia minha função no clã e a necessidade do meu foco. Se vidas dependesse
de mim, e eu estivesse com a cabeça no mar, coisas ruins poderiam acontecer.

Me removeram das funções de guarda e vigia, me proibiram de opinar nas decisões


administrativas. Fui colocado até no serviço de coinha, mas não conseguia nem seguir uma
receita escrita. Parecia que toda vez que fazia algo não relacionado a combate, as coisas
ao meu redor ficavam difusas, estranhas. Fui transformado num "operador de arma", e isso
só aumentou a minha necessidade de fugir, e aumentou o meu conflito interno.

Uma noite tive um sonho: sentia a brisa do mar na pele do meu rosto, estava se barba! No
início, achei que era um pesadelo, mas a sensação era tão agradavel. A brisa quente do
mar tocava minha pele, o cheiro salgado trazido por ela.

Quando acordei, comecei a planejar minha fuga. Mas sem o conhecimento das saídas da
montanha, corria o risco de ficar perdido até encontrar ou ser encontrado por alguém. Tentei
coletar essas informações com amigos e familia, mas sem sucesso. Acho que todos a
minha volta já sabiam o que eu pretendia.

A peça que faltava veio após a retomada de uma câmara da caverna. Após uma semana de
combate, vencemos os Orcs, e nos espólios encontrei a chave que iria abrir a porta da
minha saída: uma navalha!

Geralmente, após uma retomada, passamos algo entre um e três meses reconstruído o
local, antes de estabelecer uma família para receber os imigrantes e refugiados e seguir em
frente. Apoiei e trabalhei duro na reconstrução desse vilarejo. Festejamos e comemoramos
mais uma vitória e enquanto todos dormiam, entreguei as rédeas da vida ao destino, junto
com a navalha em minhas mãos.

O clã mais orgulhoso de sua barba em todo o continente não poderia me manter entre eles.
O meu crime não era passível de morte, mas excluiria a mim e aos meus pais e irmãos não
somente do clã, mas da própria montanha. Mas o Clã precisa da minha familia, então seria
fácil poupá-los e assumir toda a responsabilidade.

Assim que todos acordaram, fui ao salão comunal para a refeição. Em menos de 10 minutos
estava preso a ferros e sendo chamado de louco e herege.
Nossa matriarca provavelmente entendeu meu plano, pois foi muito fácil convencê-la de que
minha família não tinha culpa de meus atos, e não deveria ser penalizada por eles. Antes do
jantar estava sentindo o ar da montanha e vendo o mar ao longe.

Não me deixaram levar nada que não fossem minhas roupas, mas minha mãe apareceu
durante a noite, com um saco com pães secos e peixe salgado. Disse para esperar 3 dias e
retornar para a caverna, lá encontraria pelo menos algo para me defender.

Mesmo não querendo fazer nada além de me dirigir na direção do mar, esperei e segui suas
instruções.

Depois de três dias, voltei a caverna e encontrei alguns suprimentos, o Machado de minha
mãe, e meu irmão Ulrich, que não admitia a vergonha que havia trazido para minha familia.
Ele não poderia fazer nada contra a decisão do clã de me abandonar e riscar meu nome de
sua história. Mas assim como eu amei o mar, ele amou a vingança.

Meu próprio irmão também raspou sua barba, mas ao contrário de mim, ele atacou guardas
e agrediu o clã. Era um plano também. Após fazer isso, ele disse que estava ficando louco
com a minha saída, mas que poderia se recuperar. Foi abandonado, para se recuperar, e
somente depois de "recuperar a sanidade" se juntar ao clã e ser julgado pelos seus atos.

Ele sabia onde os suprimentos estariam, e me esperou com seu martelo em mãos.

Na minha cabeça, nosso embate durou dias, mas tenho certeza de que não demorou mais
de um minuto. Ulrich era um combatente mais experiente e mais preparado do que eu, mas
avaliou mal o terreno e tropeçou em uma estalagmite, batendo a cabeça no chão e
desmaiando.

Peguei rapidamente seu martelo e saí da caverna o mais rápido possível, para que se
mesmo que ele me alcançasse, ao tivesse meios de me atacar mortalmente

Após três dias de fuga, encontrei finalmente meu amor, e passei mais três incríveis
dias, apenas observando o mar, tocando suas ondas e sentindo sua brisa.

Mas como meu velho avô sempre dizia: amor não enche barriga, então segui pela
costa, até encontrar um vilarejo com porto. Lá, rapidamente consegui convencer o
capitão de uma embarcação de “transporte paralelo de bens”, como grumete.

O Mastro de Ferro se tornou minha casa, a tripulação minha nova família e o capitão
Klik, um Warforged experiente nos caminhos do mar, minha figura de importância.

Rapidamente, ascendi à equipe de demolição, ganhando meu novo sobrenome:


Hardhammer. É engraçado pensar que meu irmão trouxe mais vantagem para o
meu futuro tentando me matar, do que minha mãe tentando me manter vivo.

Durante os anos seguintes, fui uma das pessoas mais felizes a viver nesse planeta.
Apenas vivendo da próxima pilhagem, bebendo como se tivesse fugido do deserto,
e no mar.
Mesmo quando coisas estranhas continuavam a acontecer, como a tempestade de
rãs, ou quando aquele cara apareceu andando sobre a água ou quando me
colocaram no serviço de cozinha.

Esse dia em especial foi bem estranho. Fui colocado no serviço de cozinha, por que
aparentemente, humanos não conseguem trabalhar na mesma função por 30 anos,
e morrem pouco depois dos 60, então o grude teria que ser minha responsabilidade.

Como eu já disse, tenho dificuldades até pra executar uma receita escrita. Durante
uma noite, na cozinha do Mastro de Ferro, estava cozinhando o último feijão que
tínhamos. De repente, do meio da panela sai esse demônio! Chamas e gritos de
horror e almas voando pela cozinha e ele vira pra mim, sozinho e pergunta: Quem
ousa invocar a alma imortal de Asmodeus, rei de todo o plano infernal, aquele que
decide o destino dos caídos? Quem tenta compelir o poder que nem os deuses
conseguem?

Sem controle sobre a minha boca, tremendo de medo, apenas consegui balbuciar a
verdade: “só estava tentando fazer o grude da tripulação”

As chamas cessam, os gritos param e eu percebi que não era eu que estava
tremendo, era todo o barco, porque quando eu disse essas palavras, o tremor
também parou.

O senhor dos infernos, tão surpreso quanto eu, saiu de dentro da panela, tentando
entender o que havia acontecido ali, e eu entendia tanto quanto ele.

Agora que o susto havia passado, ele pareceu até que bem razoável. Esse ser de
aparência quase angelical, pele cor de bronze, grandes chifres e roupas bem
cuidadas, sentou-se no banco e pediu pra eu contar minha história. Peguei uma
cerveja para nós e contei. Se eu estava na presença d’O Demônio em pessoa, não
tinha mais nada a perder, e como já tinha realizado o grande sonho da minha vida,
achava que não havia nada que ele pudesse me oferecer. Mas sempre há, não é
mesmo?

Acabamos descobrindo que ao ler a receita, acabei falando palavras que não
deveria porque não enxergo bem de perto. Pra que isso não acontecesse mais, ele
me deu um par de óculos. Que além de me ajudar com a leitura, aparentemente eu
não consigo perder de forma alguma, porque estão sempre no meu bolso. E o
melhor! Não tive que vender minha alma para isso (provavelmente porque alguém
ocupado como ele não gostaria de ser incomodado, ainda mais pelo acidente de um
anão desbarbado).

Contei sobre a minha vida, sobre meu amor pelo mar, e sobre todas as coisas
estranhas que acabaram acontecendo comigo durante minha vida. Ele pareceu
interessado, mas ao mesmo tempo, parecia que ele entendia o que aconteceu. A
noite foi passando, e quando vi, havia bebido toda a cerveja do navio. E o grude
havia queimado. Isso poderia ser um problema. Um grande problema pra mim.

Mas aparentemente, invocar o Lorde do Inferno não seria a única coisa estranha a
acontecer comigo naquela noite. Asmodeus não só percebeu minha preocupação,
como transformou água do mar em cerveja e cozinhou feijão, de alguns pedaços de
madeira, e pão e carnes e foi o melhor grude servido naquele barco, desde o início
da guerra.

Antes de voltar pra sua casa, disse que havia gostado de mim, e que ia ficar de olho
e cuidar pra que eu não acabasse fazendo a besteira de invocar ele a toa. Por
causa da invocação e de toda uma burocracia relacionada ao inferno, ele disse que
eu não poderia apenas fingir que nada aconteceu, mas como estávamos bem, e ele
entendeu que eu realmente não queria me envolver nessa coisa de culto, eu podia
só sacrificar um bode e estaríamos ok. Ele até me falou onde eu ia achar um bode
digno da tarefa, pela metade do preço.

Eu fiquei tão feliz que sacrifique logo dois bodes, e aparentemente ele gostou,
porque meio que nos tornamos “colegas”, consigo até tomar umas com ele as
vezes, e ele me imbuiu com algum tipo de poder. Acho que por causa do lance da
invocação. Não tenho certeza, pra dizer a verdade. Mas tirando os bodes, ele nunca
me pediu mais nada, nem exigiu que eu fosse cruel ou fizesse algo que eu não
quisesse. Uma vez, perto do final da guerra, ele até voltou ao Mastro de Ferro
pessoalmente, pra assistir o sol se pondo sobre o mar. Disse que queria entender
como eu podia me sentir tão completo e satisfeito sem riqueza ou poder, apenas
vendo o mar. Não entendeu, mas ficamos lá, bebendo e olhando o mar. Pena que
ninguém estava acordado. Mas que hora estranha para todos dormirem, também.
No fim, ele continuou não entendendo e saiu. Esse dia ele não me ajudou com a
cerveja. Klik quase me matou por beber toda a cerveja do navio. E parte do rum,
antes de apagar.

Depois da guerra, Klik estava cansado da pilhagem. Queria se aposentar numa ilha,
criar orquídeas e pequenos animais. Aparentemente ele gostava disso. E eu já era
respeitado e conhecido por todos. E com os poderes que ganhei do meu novo
amigo, era citado como possível herdeiro do mastro de ferro.

Aparentemente, alguém na tripulação não queria que isso acontecesse.

Klik planejou uma última pilhagem. Recebeu a informação de uma fragata de


mercadores, transportando ouro e joias entre as ilhas do norte e Valenar. Dinheiro
fácil, se fizéssemos tudo certo. Klik se aposentaria, eu poderia ganhar um barco,
minha alma não pertencia aos infernos. Tudo estava bem.

Mas coisas estranhas acontecem comigo. E alguém na tripulação não queria que
isso acontecesse.
Abordamos o barco no momento planejado, apenas pra descobrir que era uma
armadilha, e que 50 elfos armados esperavam por nós. Estávamos fritos.

Prontos para nos render, começamos a abaixar nossas armas, e do mais absoluto
nada, um tufão vermelho, de puro sangue (e eu só sei disso porque minhas roupas
ficaram manchadas de uma forma que somente sangue mancha), não só virou o
barco, como nos arrastou costa adentro, um ou dois quilômetros longe do litoral.

Mais estranho do que isso? Estou aqui, vivo.

Não consegui encontrar nenhum membro da tripulação, não tenho notícia do Mastro
de Ferro ou de Klik, mas estou vivo. Asmodeus não fala comigo desde um tempo
antes disso acontecer, mas ainda tenho essa magia em mim, então acho que está
tudo bem entre a gente.

E é assim que eu vim parar aqui.

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