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Trecho da Autobiografia de Mahommah G.

Baquaqua (1854)

Isso é horrível! Quem pode descrever? Ninguém pode verdadeiramente retratar este
horror, a pobre desventura miserável desses desgraçados que foram confinados dentro de
seus porões. Oh! Amigos da humanidade, pena dos pobres africanos que foram pegos em
ciladas e vendidos para um lugar longe de seus amigos e de suas casas, mandados para o
porão de um navio negreiro para aguardar ainda mais horrores e misérias em uma terra
distante. Fomos empurrados para dentro do porão do navio em um estado de nudez, os
homens amontoados de um lado e as mulheres do outro; obrigados a agachar-se no chão
ou sentar-se; dia e noite foram os mesmos para nós, o sono sendo negado por conta da
posição incômoda de nossos corpos … sofrimento e fadiga.
Oh! A repugnância e sujeira daquele lugar horrível nunca serão apagados da minha
memória. Enquanto a memória mantiver seu assento neste cérebro distraído, vou me
lembrar disso. O coração se entristece, ainda hoje, ao pensar sobre aqueles dias.
Se aqueles indivíduos que são a favor da escravidão tomassem o lugar de um
escravo no porão pernicioso de um navio negreiro, apenas durante uma viagem da África
para a América, nem estou falando dos horrores da escravidão, apenas durante o trajeto, se
eles não saírem de lá abolicionistas, então, não terei mais nada a dizer a favor da abolição.
Mas acho que as suas opiniões e sentimentos sobre a escravidão serão alterados em
algum grau. Quem é a favor de tal barbárie deve ser formado de ferro, não possuindo nem
coração e nem alma. Imagino que não possa haver um lugar mais horrível no mundo do que
o porão de um navio negreiro!
A única comida que tivemos durante a viagem foi e milho cozido. Não posso dizer
quanto tempo ficamos lá, mas pareceu um longo tempo. Sofremos muito por conta da falta
de água, nos foi negado tudo o que precisávamos. Um grande número de escravos morreu
na viagem. Havia um pobre homem, ficou tão desesperado pela falta de água que tentou
roubar uma faca do homem branco. Ele foi levado para o convés e nunca soube o que
aconteceu com ele. Eu suponho que tenha sido lançado ao mar.
Quando qualquer um de nós se tornava arredio à forma como estávamos sendo
tratados, nossa carne era cortada com uma faca, e depois esfregada com pimenta e
vinagre. O sofrimento foi nosso, não tivemos ninguém para compartilhar nossos problemas,
ninguém para cuidar de nós, ou até mesmo para falar uma palavra de conforto. Alguns
foram atirados ao mar ainda com vida. Apenas duas vezes durante a viagem fomos
autorizados a ir ao convés para nos lavar – uma vez no alto-mar e outra antes de entrar no
porto.
Chegamos em Pernambuco, América do Sul, no início da manhã. Durante todo
aquele dia não comemos ou bebemos nada. Pousamos a algumas milhas da cidade, na
casa de um fazendeiro, que era usada como uma espécie de mercado de escravos. O
fazendeiro tinha um grande número de escravos e lá o vi usar o chicote contra um menino,
o que causou uma profunda impressão em minha mente, como é claro, imaginei que seria
meu destino dentro em breve! Muito em breve, infelizmente, meus medos se tornaram
realidade.
Quando cheguei à praia, me senti aliviado por poder respirar ar puro. Alguns dos
escravos a bordo podiam falar português. Eles estavam vivendo na costa com famílias
portuguesas. Eles nos ajudaram a traduzir o que era dito. Não foram colocados no porão
com o resto de nós, porém, desciam ocasionalmente para nos dizer uma coisa ou outra.
Permaneci no mercado de escravos, um ou dois dias, antes de ser vendido a um traficante
de escravos na cidade, que, mais uma vez, me vendeu a outro homem, um padeiro.
Quando um navio negreiro chega, a notícia se espalha como fogo selvagem, e
aparecem todos aqueles que estão interessados nas mercadorias vivas, selecionam
aqueles que mais se adequam às suas finalidades. Compram os escravos como se fossem
bois ou cavalos; mas se não encontram o tipo desejado, fazem uma encomenda para a
próxima vez que o navio entrar no porto.
Eu tinha planejado, durante minha passagem pelo navio negreiro, conseguir um
pouco de conhecimento do idioma português. Como fui comprado por um português,
consegui compreendê-lo. Sua família era formada por ele, esposa, dois filhos e uma mulher
aparentada. Tinha outros quatro escravos, assim como eu. Era um católico romano e ia ao
culto familiar regularmente duas vezes por dia. Fomos ensinados a cantar algumas palavras
que não sabíamos o significado. Também tivemos que fazer o sinal da cruz várias vezes.
Enquanto isso, meu mestre segurava um chicote na mão e aqueles que apresentavam
sinais de desatenção ou sonolência eram imediatamente atingidos.
Fui logo colocado para fazer trabalhos forçados. Na época, este homem que me
comprou estava construindo uma casa e teve que buscar pedras do outro lado do rio, a uma
distância considerável, e eu era obrigado a levá-las. Fui obrigado a suportar este fardo por
um quarto de milha, pelo menos, até onde o barco estava. Às vezes, a pedra pesava tanto
em minha cabeça que eu era obrigado a derrubá-lo no chão, e então, o meu mestre,
irritado, me chamava de cão. Nesta hora eu pensava que, na verdade, o cão era ele.
Logo melhorei o meu conhecimento do idioma português e fui enviado para vender
pão para o meu mestre, primeiro dando voltas pela cidade, e, em seguida, pelas
redondezas. Sendo bem honesto e perseverante, eu geralmente vendia para fora, mas, às
vezes, não era tão bem-sucedido, e, em seguida, o chicote era meu destino.
Meus companheiros de escravidão não eram tão firmes como eu estava sendo,
deste modo, não eram tão rentáveis para o meu mestre. Tentei me aproveitar disso para
melhorar minha situação, mas não adiantou, descobri que tinha um tirano para servir, nada
parecia satisfazê-lo, por isso, comecei a beber como eles.
As coisas continuaram cada vez piores. Tentei fugir, mas logo fui capturado,
amarrado e levado de volta. Um dia, quando fui enviado para vender pão, como de
costume, só vendi uma pequena quantidade. O dinheiro que peguei bastou para a cachaça;
bebi e fui para casa bem bêbado.
Quando meu mestre descobriu, fui espancado severamente. Eu disse que ele não
deveria me chicotear mais, e ele ficou bastante irritado; pensei em matá-lo. Eu preferia
morrer do que viver para ser um escravo. Então, corri até o rio e me joguei. Fui visto por
algumas pessoas que estavam em um barco e salvo do afogamento. Agradeci a Deus que a
minha vida tivesse sido preservada e que nenhum mal ato tivesse sido consumado.
Após ser resgatado, fui levado à casa de meu mestre, que amarrou minhas mãos,
colocou meus pés juntos e me chicoteou impiedosamente, bateu-me na cabeça e rosto com
um pedaço de pau pesado, me sacudiu pelo pescoço. As cicatrizes do tratamento selvagem
são visíveis desde então, e permanecerão assim enquanto eu viver.
Este relato não é nem uma mínima parte do sofrimento cruel que suportei. Eu
poderia contar ocorrências que iriam congelar teu sangue jovem, horrorizar a tua alma e
isso seria apenas uma das histórias promovidas pelos horrores do sistema escravocrata.
Fui novamente vendido e o homem que me comprou era igualmente muito cruel. Ele
comprou duas mulheres na mesma época. Uma delas era uma menina muito bonita e ele a
tratava com uma barbárie chocante.
Depois de algumas semanas, ele me despachou para o Rio Janeiro, onde fiquei
duas semanas e fui novamente vendido ao capitão de um navio que era o que se pode
chamar de "um caso difícil." Logo fui posto em minhas novas atividades, a lavagem do
navio, a limpeza das facas e garfos. Como me familiarizei com a tripulação e o resto dos
escravos, e nos dávamos muito bem, em pouco tempo, fui promovido para o cargo de sub-
intendente. Fiz tudo ao meu alcance para agradar a meu mestre, o capitão, e ele, em troca,
colocou confiança em mim.
Nossa primeira viagem foi para o Rio Grande; a viagem em si teria sido agradável se
eu não tivesse sofrido com a doença do mar. O porto de Rio Grande é bastante superficial,
e, ao entrar, atingimos o solo, tivemos grande dificuldade em fazer o barco flutuar
novamente. Finalmente conseguimos, trocamos nossa carga de carne seca. Fomos então
para o Rio de Janeiro. Voltamos novamente para o Rio Grande e trocamos nossa carga de
óleo de baleia.
Eu era apenas um escravo. Me sentia sem esperança ou perspectiva, sem amigos
ou liberdade. Não tinha esperança neste mundo e não sabia nada do próximo; tudo era
escuridão, tudo era medo. O presente e o futuro eram como um só, nenhuma marca de
divisão! Labuta!! Crueldade!

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