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TRABALHO INFANTIL:

a negação do ser criança


e adolescente no Brasil
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO

JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

TRABALHO
INFANTIL:
a negação do ser criança
e adolescente no Brasil

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312 páginas

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A HISTÓRIA

Quando te encontrei
Contei para ti histórias de fadas
de castelos encantados.
Falei das flores
da música
da poesia.
Mergulhastes neste mundo
e nele passaste a ser princesa.
Porém, à medida que crescias
vias ao teu redor
histórias de morte,
barracos empilhados,
florestas destruídas,
versos de dor.
Teus olhos imaculados indagavam-me:
“Onde está a verdade?”
Foi quando te respondi:
“Se quiseres e se teu sonho for
grande o suficiente
farás do mundo uma poesia de amor
E os encantos das histórias infantis
serão a verdadeira história”.
Sorriste então
e depois de um forte abraço
correste para a roda.

(Josiane Rose Petry Veronese)


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................. 11

1. RETRATOS DA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL


NA HISTÓRIA DO BRASIL ................................................................. 15
1.1 Para começar a história ....................................................... 15
1.2 As crianças também chegaram trabalhando nas
embarcações portuguesas ........................................................ 17
1.3 Os jesuítas e a primeira experiência de educação
no Brasil .................................................................................. 21
1.4 A Roda dos Expostos e a marca da institucionalização da
infância brasileira .................................................................... 24
1.4 Mudanças no século XIX ...................................................... 27
1.6 As páginas da escravidão ..................................................... 31
1.7 Os aprendizes e marinheiros: trabalho e disciplina militar ..... 35
1.8 O recrutamento infantil pelas fábricas ................................. 39
1.9 A república e as primeiras décadas no novo século XX ........... 44
1.10 O Código de Menores de 1927 e a ditadura no Brasil ........... 61
1.11 A transição dos anos 80 e as novas conquistas.................... 73
1.12 Mas enfim, será possível erradicar o trabalho infantil? ........ 83
2. CAUSAS DO TRABALHO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE .............. 85
2.1. Primeiras linhas ................................................................. 85
2.2. As múltiplas causas ........................................................... 86

3. CONSEQÜÊNCIAS DO TRABALHO INFANTIL ................................. 105


3.1. A anulação da infância ..................................................... 105
3.2. Alimentando um círculo vicioso ......................................... 114

4. A PROTEÇÃO CONTRA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL


NO DIREITO BRASILEIRO ............................................................... 121
4.1 Considerações Iniciais ...................................................... 121
4.2 Definindo os conceitos operacionais .................................. 125
4.3 A questão da capacidade jurídica para o trabalho ............... 132
4.4 Condições para o exercício do trabalho .............................. 149

5. CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DE PROTEÇÃO CONTRA A


EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL ........................................... 155
5.1 O trabalho perigoso ........................................................... 155
5.2 O trabalho insalubre .......................................................... 161
5.3 O trabalho penoso ............................................................. 169
5.4 Trabalho noturno ............................................................... 172
5.5 O trabalho prejudicial à moralidade .................................... 174
5.6 O trabalho realizado em locais e horários que
prejudicam à freqüência à escola ............................................ 177
5.7 Os trabalhos prejudiciais ao desenvolvimento, físico,
psicológico, moral e social ...................................................... 178
6. A PROTEÇÃO INTERNACIONAL CONTRA A EXPLORAÇÃO
DO TRABALHO INFANTIL ................................................................ 181
6.1 A proteção internacional ................................................... 181
6.2 A OIT e o Direito Internacional do Trabalho .......................... 181
6.3 A origem, os objetivos e a estrutura da OIT ......................... 182
6.4 A OIT e seus instrumentos normativos ................................. 184
6.5 O Tratado Internacional no Direito Brasileiro ...................... 185
6.6 Considerações históricas sobre os limites de idade
mínima para o trabalho no direito internacional ........................ 187
6.7 A origem do Direito do Trabalho e as primeiras leis sobre
idade mínima .......................................................................... 187
6.8. A Organização Internacional do Trabalho e a idade mínima
para o trabalho ....................................................................... 188
6.9. O Brasil e as Convenções sobre idade mínima da OIT .......... 191
6.10. A Convenção nº 138 e a Recomendação nº 182,
da Organização Internacional do Trabalho, sobre limites
de idade mínima para o trabalho .............................................. 192
6.11 A Convenção nº 182 e a Recomendação nº 190,
da Organização Internacional do Trabalho, sobre piores
formas de trabalho infantil ...................................................... 211

7. ASPECTOS DESTACADOS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS


POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO
INFANTIL NO BRASIL ..................................................................... 219
7.1 Os Fóruns de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil .. 219
7.2 As Diretrizes para uma Política Nacional de Combate
ao Trabalho Infantil ................................................................. 224
8. A PROFISSIONALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE ............................... 237
8.1. Considerações iniciais ..................................................... 237
8.2. Considerações conceituais ............................................... 241
8.3. A capacitação profissional do adolescente ........................ 243
8.3.1. A construção de um conceito de capacitação
profissional ....................................................................... 243
8.3.2. Algumas reflexões sobre capacitação profissional ..... 245
8.4. Aspectos legais da capacitação profissional
do adolescente ....................................................................... 249
8.4.1. A capacitação profissional no direito internacional ... 249
8.4.2. A capacitação profissional no direito brasileiro ......... 262
8.5. A aprendizagem ............................................................... 277
8.6. O trabalho educativo ........................................................ 284

CONCLUSÃO ................................................................................ 297

REFERÊNCIAS .............................................................................. 301


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a negação do ser criança e adolescente no Brasil
11

INTRODUÇÃO

Construir uma história da criança explorada no Brasil é


uma tarefa desafiadora, permanente e, praticamente, infin-
dável. A opção pela reconstrução dessa história foi possível
a partir de alguns retratos que demarcaram um perfil da
infância ao longo dos séculos.
Não se pretende transformar a infância em mero objeto
de estudo, muito menos acreditar na precisão das imagens
resgatadas no passado, nas quais as crianças geralmente
poucas oportunidades tiveram para registrar suas falas, sen-
timentos e desejos.
A própria origem latina da expressão infância está liga-
da a ausência de fala ou àquele que ainda não fala. Não há
como negar que a construção social da infância no Brasil foi
secularmente reproduzida pelo olhar adulto, geralmente
elitista e reprodutor das condições de desigualdade históri-
ca colocando a criança no lugar específico e necessário à
imposição de seu poder.
A história da infância no Brasil foi construída pela voz
adulta de juristas, médicos, policiais, legisladores, comerci-
antes, padres, educadores exigindo do historiador uma pos-
tura crítica na interpretação destes fatos com vistas a supe-
rar a visão hegemônica e idealizada de infância brasileira.
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12 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

A relação e o lugar ocupado pela criança na história nem


sempre foi o mesmo, mascarado pelos estigmas impostos
por uma sociedade em mudança. A criança brasileira já foi
objeto de muitas designações: órfã, exposta, abandonada,
delinqüente, escrava, menor, trabalhadora; mas também
pura, ingênua, bela e até promessa de futuro.
Esta abordagem procurou estabelecer uma específica
atenção sobre os retratos da criança trabalhadora e como
ela foi percebida ao longo da história brasileira. Não se tra-
ta da história de todas as crianças, mas daquelas represen-
tativas do universo infantil que emprestaram significado
decisivo para cada um dos momentos históricos.
É a oportunidade de dar voz à criança explorada, resgatá-
la como sujeito histórico que um dia alcançaria o status de
sujeito de direitos, mas que em sua maior parte foi tratada
como objeto, vítima de violência, negligência e opressão.
O resgate da imagem infantil requer um exercício de
outras dimensões teóricas e conceituais que venham suprir,
ainda que parcialmente, a necessidade de compreensão
dessa história ainda obscura e, talvez, o resgate de alguns
retratos do trabalho da criança seja um dos caminhos ainda
pouco percorridos.
A compreensão do que atualmente se denomina explo-
ração do trabalho infantil ou mesmo trabalho precoce que,
em outros tempos foi chamado de exploração de menores,
não pode ser compreendida divorciada da realidade social
que lhe emprestou conteúdo ao longo da história brasileira.
A análise histórica foi realizada mediante incursão nas
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13

diversas etapas de desenvolvimento e da legislação relati-


va ao disciplinamento do trabalho infantil através dos tem-
pos, considerando-se, inclusive, alguns referenciais norma-
tivos internacionais. A importância desta breve noção his-
tórica funda-se na sua instrumentalidade, pois fornece sub-
sídios para a reflexão da realidade social e jurídica pelo qual
perpassaram gerações de crianças e adolescentes.
Os limites desta obra não permitem uma reconstrução
histórica exaustiva e sistemática do trabalho da criança e
do adolescente no Brasil, mas pretende, ao menos, resgatar
momentos, que afirmaram uma imagem social da infância,
especialmente àquelas representativas da exploração no tra-
balho.
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1. RETRATOS DA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO DA


CRIANÇA NA HISTÓRIA DO BRASIL

1.1 Para começar a história

A compreensão do trabalho da criança e do adolescente


no Brasil merece vários olhares, ou seja, torna necessária
uma leitura interdisciplinar: História, Sociologia, Antropo-
logia e Direito se impõem como norteadoras para a análise
deste tema.
Evidentemente, a história brasileira não começa com a
invasão portuguesa. No entanto, para o estudo do tema este
limite foi fixado em razão de um marco importante: a cul-
tura européia da exploração de crianças no trabalho che-
gou ao Brasil através dos hábitos e costumes que atravessa-
ram o atlântico nas embarcações portuguesas. Esta cultura
letrada irá possibilitar os primeiros registros da infância no
Brasil, embora a imagem do que hoje se concebe por infân-
cia ainda não fosse muito nítida para os europeus que aqui
chegavam.
A Carta de Pero Vaz de Caminha registrou pela primei-
ra vez a infância no Brasil. Esta carta enviada para Portugal
ao Rei Dom Manuel em 1500 descreve a presença de uma
mulher com uma criança atada com um pano aos peitos, na
qual apenas as perninhas infantis apareciam.
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A imagem da criança ainda aparecia como algo periférico


nas imagens e com pouca nitidez. Segundo Marisa Lajolo “é
uma imagem fragmentada da criança, metonimicamente en-
trevista como só pernas a que comparece ao texto, meio como
que de passagem, quase que apenas para realçar, por oposi-
ção aos panos que a recobrem, a nudez da mãe. Surge, assim,
encoberta e incompreendida, a primeira personagem infantil
de nossa história, protagonizando o registro inaugural do que
poderia um dia vir a ser a história da infância brasileira.”1
Se por um lado, as crianças não atuavam como persona-
gens significativos no imaginário social, por outro sua pre-
sença foi marcante e representativa na construção de uma
história protagonizada pelos conquistadores portugueses.
No período colonial, o ingresso das crianças no mundo do
trabalho era extremamente precoce. Informa Mary Del Priore
que a partir dos sete anos as crianças já desenvolviam “pe-
quenas atividades, ou estudavam a domicílio, com precep-
tores ou na rede pública, por meio das escolas régias, cria-
das na segunda metade do século XVIII, ou, ainda aprendi-
am algum ofício, tornando-se ‘aprendizes’”.2
O trabalho infantil estava inserido num conjunto de có-
digos repassados ao longo das gerações que relacionam
desenvolvimento/autonomia com responsabilidade/
aprendizado, fatores determinantes para a inserção preco-
ce das crianças no mundo adulto.

1
LAJOLO, Marisa. Infância de papel e tinta. In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). História
Social da Infância no Brasil. 2 ed. São Paulo: Cortez/USF, 1999. p. 230.
2
PRIORE, Mary Del. O cotidiano da criança livre no Brasil entre a Colônia e o Império. In:
PRIORE, Mary Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 84-5.
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1.2 As crianças também chegaram trabalhando nas


embarcações portuguesas

As embarcações portuguesas trouxeram as crianças na


condição de trabalhadores. Grumetes e pagens desempenha-
ram papéis importantes nas travessias ao Atlântico rumo
às novas terras.
Os grumetes geralmente realizavam todas as tarefas rea-
lizadas por adultos, mas recebiam a metade da remunera-
ção de um marujo da mais baixa hierarquia da marinha
portuguesa. Também eram atribuídas aos grumetes as ta-
refas mais perigosas e penosas, pois entendiam que perder
um miúdo seria melhor que estar desamparado da força
adulta nas travessias ao Atlântico.
O recrutamento dos pequenos grumetes variava entre o
rapto de crianças judias e a condição de pobreza vivencia-
da em Portugal. Eram os próprios pais que alistavam as cri-
anças para servirem nas embarcações como forma de ga-
rantir a sobrevivência dos pequenos e aliviar as dificulda-
des enfrentadas pelas famílias.
O período do expansionismo europeu é marcado pela
exploração do trabalho infantil, tanto que “nos séculos XVI
e XVII, pelo menos 10% da tripulação das caravelas, urcas e
galeões, fossem elas de guerra, mercantes ou de corsários,
era constituída por meninos com menos de 15 anos.”3
Neste cenário, a expectativa de vida das crianças era

3
VENÂNCIO, Renato Pinto. Aprendizes da Guerra. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das
Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 193.
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brevíssima, em torno dos quatorze anos, isto num contexto


em que, dentre os que nasciam com vida, cerca de cinqüen-
ta por cento morriam antes mesmo de completar os sete anos
de idade. De acordo com Fábio Pestana Ramos “isto fazia com
que, principalmente entre os estamentos mais baixos, as cri-
anças fossem consideradas como pouco mais que animais,
cuja força de trabalho deveria ser aproveitada ao máximo
enquanto durassem suas curtas vidas.”4
O trabalho infantil nas embarcações era especialmente
útil, já que fornecia uma mão-de-obra ágil, de baixo custo e
consumidora de poucos alimentos; fator que incentivava o
recrutamento entre as famílias portuguesas que sofriam com
a fome, mas também o recolhimento de órfãos, desabrigados
e pedintes era uma prática habitual.
Além do alívio nas responsabilidades com a família, al-
guns ainda viam o recrutamento de grumetes como uma for-
ma de aumento da renda familiar, pois os pais recebiam sol-
dos em nome das crianças mesmo que estas morressem em
alto mar. A opção pelo uso de mão-de-obra infantil nas em-
barcações foi uma opção tipicamente portuguesa visando
solucionar problemas urbanos. As crianças das áreas rurais
eram preservadas do recrutamento. Alguns países, como a
Inglaterra, supriam a falta de mão-de-obra nas embarcações
de outras formas, tais como o uso de escravos negros.
O recrutamento era dirigido especialmente aos meninos,
pois a presença de mulheres nas embarcações era proibida

4
RAMOS, Fábio Pestana. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações. In: PRIORE,
Mary Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 20.
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e rara. Grumetes e pagens eram obrigados a aceitar abusos


sexuais dos marujos rudes e violentos. Crianças, mesmo
acompanhadas dos pais, eram violentadas. As órfãs eram
preservadas, guardadas e vigiadas cuidadosamente a fim
de manter-se virgens, pelo menos, até que chegassem à
Colônia.5
A exploração do trabalho das pequenas crianças consis-
tia em prática habitual e permanente, especialmente àque-
las em piores condições econômicas. No transcorrer da Ida-
de Moderna, crianças órfãs, enjeitadas ou mesmo pobres,
oriundas sobretudo das “comunidades de pescadores, fo-
ram recrutadas quase sempre sem nenhuma preparação ou
treinamento prévio. A rude vida do mar era sua escola, sua
família e seu destino.”6
Os meninos grumetes eram vítimas de toda ordem de
privações; além das pesadas jornadas de trabalho, sua ali-
mentação era deficiente provocando doenças graves que
podiam levar a morte como inanição e escorbuto. Também
não tinham espaços de privacidade, sendo objeto de abu-
sos e violências provocados pelos adultos. Assim, quando
embarcados não deixavam para trás somente a sua terra,
mas todas as possibilidades de viver uma infância feliz e
saudável.
Outro papel relevante desempenhado pelas crianças nas
embarcações portuguesas era o de pagem. Os pagens eram
embarcados para prestar serviços aos nobres e oficiais du-

5
RAMOS, Fábio Pestana. Op. Cit. p. 19.
6
VENÂNCIO, Renato Pinto. Op. Cit. p. 195.
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20 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

rante as travessias, seus serviços tinham características mais


leves e podia até possibilitar a ascensão aos cargos da Mari-
nha. Cabia ao pagem satisfazer as vontades da nobreza; ser-
viam as mesas, arrumavam os camarotes e organizavam as
camas, preocupando-se especialmente com as condições de
conforto dos oficiais nas viagens, o que podia possibilitar
uma condição privilegiada em relação aos demais marujos
caso ganhassem a simpatia de seus superiores.
Os pagens também eram recrutados junto às famílias
pobres, mas “a maioria, contudo, provinha de setores mé-
dios urbanos de famílias protegidas pela nobreza ou de fa-
mílias de baixa nobreza pois, para essas, inserir um filho no
contexto da expansão ultramarina como pagem era a forma
mais eficaz de ascensão social.”7
A travessia do Atlântico era um desafio, as dificuldades
em alto mar aliadas as duras tarefas impostas permitia a
sobrevivência de poucos. Mesmo aqueles que chegavam por
aqui com vida, pereciam diante das dificuldades como as
condições climáticas, a fome, a rígida disciplina e falta de
cuidado por parte dos adultos, que os colocava em risco
diante dos ataques dos nativos.
Portanto, a travessia do Atlântico realizada pelas embar-
cações portuguesas a partir do século XVI trouxe consigo a
violência e exploração contra as crianças e a cultura do traba-
lho infantil, penoso e perigoso e, também, da submissão, do
desvalor da infância, representando fielmente uma história
de exclusão que irá se repetir ao longo dos séculos seguintes.
7
RAMOS, Fábio Pestana. Op. Cit. p. 31.
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21

1.3 Os jesuítas e a primeira experiência de


educação no Brasil

A experiência mais significativa para a infância no Bra-


sil quinhentista foi a implantação de um sistema de edu-
cação pelos Jesuítas. A convergência de interesses volta-
dos à expansão da Igreja e do domínio português propor-
cionou o cenário adequado para a implantação dessa iné-
dita experiência.
Segundo Rafael Cambouleyron, “é bem verdade que a in-
fância estava sendo descoberta nesse momento no Velho
Mundo, resultado da transformação nas relações entre in-
divíduo e grupo, o que ensejava o nascimento de novas for-
mas de afetividade e a própria ‘afirmação do sentimento da
infância’ na qual Igreja e Estado tiveram um papel funda-
mental.”8 Foi justamente esta novidade que fez com que a
Companhia de Jesus optasse em trabalhar a criança indíge-
na, esta compreendida como o “papel em branco” ou a “cera
virgem”, passível, portanto, de toda inscrição e modelagem.9
Neste novo projeto societário, a infância surge como o
espaço necessário para a impressão dos valores europeus
cristãos tão necessários à época para a construção de uma
nova sociedade. Por isso, nos primeiros momentos a compa-
nhia dedicou-se às crianças portuguesas que habitavam o
Brasil e, mais tarde, descobre as crianças indígenas com a
pureza necessária para inscrever os novos valores almejados
indispensáveis a consolidação da conquista portuguesa.
8
CAMBOULEYRON, Rafael. Jesuítas e as crianças no Brasil quinhentista. In: PRIORE, Mary
Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 58.
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No Brasil colonial, o ensino dos jesuítas proporcionou


mudanças significativas na cultura indígena representan-
do mais um espaço de avanço e domínio dos portugueses
sobre os nativos. Foi a partir das crianças, que aprendiam a
doutrina, a leitura, a música, a escrita e, muitas vezes, um
ofício, que padres jesuítas construíram uma educação emi-
nentemente baseada no catolicismo e um modo de vida ti-
picamente cristão, pois “com os adultos cada vez mais arre-
dios, toda a atenção se voltava aos filhos destes, explicava o
então irmão José de Anchieta aos padres e irmãos de
Coimbra, em finais de abril de 1557.”10
As mudanças na cultura indígena foram profundas. Se-
gundo Raquel Zumbano Altman, “tão forte é a tentação de
aprender a cantar, que os tupizinhos fogem, às vezes, dos
pais para se entregarem às mãos dos jesuítas.”11 Desta for-
ma, acreditavam os jesuítas, que “ocorreria assim, algo que
poderíamos chamar de ‘substituição de gerações’: os meni-
nos ensinados na doutrina, em bons costumes, sabendo fa-
lar, ler e escrever em português terminariam ‘sucedendo
seus pais’.”12
Com a intervenção dos jesuítas há a construção de uma
nova cultura “pelas manhãs, os meninos iram pescar ‘para
si e par seus pais que não se mantêm de outra coisa, relata o
padre Nóbrega, em julho de 1559. À tarde, voltavam os

9
CAMBOULEYRON, Rafael. Op. Cit. p. 58.
10
CAMBOULEYRON, Rafael. Op. Cit. p. 58.
11
ALTMAN, Raquel Zumbano. Brincando na História. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das
Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 241.
12
CAMBOULEYRON, Rafael. Op. Cit. p. 60.
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meninos para a escola, havia doutrina para todos da aldeia


que acabava ‘com Salve, cantada pelos meninos e a Ave
Maria.”13
Entre as novidades trazidas pelos padres estavam as
punições corporais. Tais medidas não consistiam em ne-
nhum fato novo no cotidiano da Colônia, uma vez que as
correções disciplinares haviam sido introduzidas pelos pa-
dres jesuítas, no século XVI. No entanto, este modelo de
correção deixava horrorizada a população indígena que não
tinha o costume de bater nas crianças.
Estas novidades também fizeram os padres jesuítas en-
frentarem muitas resistências e dificuldades, pois as novas
práticas nem sempre tiveram os resultados esperados. Em
alguns momentos, cogitavam até que tudo aquilo poderia
não resultar em nada.
Entre as novidades implantadas na incipiente experiên-
cia de ensino aos indígenas está um rígido sistema de disci-
plina e controle que envolvia práticas de vigilância cons-
tante, delação e castigos corporais, de sorte que era comum
o fato de se construir, nas aldeias administradas pelos jesu-
ítas, o tronco e o pelourinho.
A Companhia de Jesus olhava para uma formação cristã
e uma educação diferenciada aos nativos, mas admitiam
que seria até capaz de promover a organização de um clero
nativo no Brasil, a partir da identificação dos meninos com
maiores habilidades.

13
CAMBOULEYRON, Rafael. Op. Cit. p. 62.
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A educação jesuítica teve o papel significativo na cons-


trução inicial de uma primeira imagem concreta da criança
no Brasil. A descoberta da infância como algo diferente do
adulto tornará a educação o elemento capaz de focalizar,
pela primeira vez, a atenção e cuidados ao desenvolvimen-
to físico e psicológico da criança.

1.4 A Roda dos Expostos e a marca da


institucionalização da infância brasileira

Ainda no século XVI surgem as primeiras ações de cará-


ter assistencial no Brasil. A Santa Casa de Misericórdia do
Rio de Janeiro, criada em 1582, de iniciativa católica, esta-
belece-se com a missão de atender a todos não fazendo di-
ferenças de idade, sexo, credo e condição. Até os escravos e
estrangeiros poderiam ser amparados pelo asilo para enjei-
tados, que abrigavam meninos no Botafogo até a idade con-
siderada adequada para ser encaminhados a uma profis-
são. As meninas aprendiam a ler, escrever, costurar, mas
viviam em outro estabelecimento no centro da cidade. Ini-
ciativas semelhantes serão criadas ao longo do tempo em
outros agrupamentos urbanos do Brasil colonial.
Das ações realizadas pelas Santas Casas surgem a pri-
meira iniciativa assistencial de grande abrangência por es-
tas terras, a Roda do Expostos. Não há dúvida que o grande
problema social da infância dos primeiros séculos no Brasil
é denominada orfandade. A Roda dos Expostos será a al-
ternativa encontrada para a solução do problema que so-
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25

breviverá ao longo dos séculos. Iniciada ainda no período


colonial, seus serviços serão prestados até as primeiras dé-
cadas da República.
A origem da expressão Roda dos Expostos denota o pró-
prio procedimento para o acolhimento das crianças. Na
parede da instituição instalava-se um receptáculo circular
com uma almofada em sua base que permitia o depósito do
bebê e ao ser girado garantia a preservação do anonimato
extra-muro. Ao girar o cilindro a criança era entregue à ins-
tituição e a Rodeira era advertida por uma sineta, que avisa
a chegada de uma nova criança.
Ao receber o novo bebê, a rodeira geralmente encami-
nhava para uma casa de ama-de-leite até a idade de três
anos e estimulava a manutenção da guarda da criança pa-
gando um pequeno valor até os sete anos. Neste momento,
já estaria autorizada a exploração o trabalho da criança de
forma remunerada ou em troca de casa e comida.14
Por isso, o acolhimento de crianças órfãs e abandonadas
acontecia principalmente através de famílias substitutas, já
que havia especial interesse no trabalho prestado pelas cri-
anças, mas mesmo assim a institucionalização de crianças
foi uma prática de longa freqüência.
Seja nas Rodas dos Expostos ou na recepção da criança
abandonada pela família, o interesse pelo trabalho da cri-
ança vigorava como regra ocultada pela caridade e legiti-
mada pela suposta assistência.
14
MARCILIO, Maria Luiza. A roda dos expostos e a criança abandonada no Brasil. 1726-1950.
In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). História Social da Infância no Brasil. 2 ed. São Paulo:
Cortez/USF, 1999. p. 72.
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No Brasil, a primeira Roda dos Expostos foi implantada


em Salvador em 1726, a segunda no Rio de Janeiro em 1738
e a terceira em Recife, em 1789, na Santa Casa de Misericór-
dia, portanto, todas ainda no período colonial.
As Rodas dos Expostos são uma invenção européia para
salvar as crianças abandonadas e órfãs da morte, mas os
atuais estudos apresentam dados significativos de doenças
e mortalidade de crianças nessas instituições, evidencian-
do a contradição do papel institucional da roda. De acordo
com Miriam Moreira Leite, asilos de órfãos e projetos de re-
generação dos pobres e ‘vagabundos’ pelo trabalho e pelo
serviço militar já preocupavam os capitães gerais e os go-
vernadores das províncias.15
As péssimas condições em que as crianças eram subme-
tidas nas Rodas provocou muito tempo depois, um movi-
mento para sua extinção. Movimento este que foi muito mais
fraco no Brasil do que na Europa. Tanto que ao findar do
século XIX ainda existiam muitas destas instituições. Infor-
ma Maria Luiza Marcílio que a roda do “Rio de Janeiro foi
fechada em 1938, a de Porto Alegre em 1940, as de São Pau-
lo e de Salvador sobreviveram até a década de 1950, sendo
as últimas do gênero existente nessa época em todo o mun-
do ocidental.”16

15
LEITE, Miriam L. Moreira. A infância no século XIX segundo memórias e livros de viagem. In:
FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). História Social da Infância no Brasil. 2 ed. São Paulo: Cortez/
USF, 1999. p. 18.
16
MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 66.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
27

1.5 Mudanças no século XIX

Enquanto no Brasil, no início do século XIX ainda não


havia uma preocupação especial com a proteção das crian-
ças contra a exploração no trabalho, a Inglaterra editava a
primeira lei em 1802, denominada Act for preservation of health
and moral apprentices employed in cotton and others mills.17
É neste contexto que o século XIX consolida a descoberta
humanista de que a infância e a adolescência, com suas es-
pecificidades, contemplam idades da vida. “Os termos cri-
ança, adolescente e menino, já aparecem nos dicionários da
década de 1830. Menina surge primeiro como tratamento
carinhoso e, só mais tarde, também como designativo de
“’creança’ ou pessoa do sexo feminino que está no período
da meninice.”18 Ao passo que o termo adolescente, ainda
que já existente, não tinha uso comum no século XIX. O
período cronológico que demarcava a adolescência situa-
va-se entre 14 e 25 anos de idade; utilizavam-se como sinô-
nimo as expressões juventude ou mocidade.19
Neste período, as crianças da elite já recebiam tratamen-
to diferenciado sendo privilegiado o acesso à educação, pois,
em regra, distinguia-se a forma de educar aplicada às me-
ninas daquela voltada aos meninos. Para as primeiras, va-
lorizavam-se os atributos manuais, ao passo que para os
segundos, os intelectuais. O tempo de duração também era
17
OLIVEIRA, Oris de. O trabalho da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1994. p. 24.
18
MAUAD, Ana Maria. A vida das crianças de elite durante o Império. In: PRIORE, Mary Del
(org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 140.
19
MAUAD, Ana Maria. Op. Cit. p. 140.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
28 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

diferenciado. Os meninos oriundos da elite, iniciavam sua


instrução aos sete anos e só a concluíam com o recebimento
do título de doutor (leia-se advogado), obtido no Brasil ou
no exterior.20
Por outro lado, persistiam as dúvidas sobre as condições
e responsabilidades acerca das crianças abandonadas, pois
na medida em que crescia o sentimento de dor pela perda
(morte) de uma criança, de igual modo se desenvolve uma
preocupação pela sua sobrevivência. Isto desencadeou uma
série de procedimentos, de cuidados especiais com os re-
cém-nascidos até que completassem sete anos. No entanto,
restava intocável a questão: quem era o responsável por zelar
pela criança brasileira?21
Para as crianças pobres parece que mesmo “com a inde-
pendência do Brasil continuaram a funcionar as três rodas
coloniais. Da mesma forma vigoravam ainda as Ordena-
ções Filipinas, pelas quais toda a assistência aos expostos
era obrigação das câmaras municipais.”22
Mas não se tratava de uma situação pacífica, pois as Câ-
maras resistiam à tarefa de assistir as crianças desvalidas.
Tanto que em 1828, editaram uma lei, designada Lei dos
Municípios, que abria uma possibilidade para as Câmaras
desincumbirem-se desta função. Assim, nas cidades em que
existisse uma Casa de Misericórdia, a Câmara poderia utili-
zar seus serviços para a instalação da roda e assistência às

20
MAUAD, Ana Maria. Op. Cit. p. 152.
21
MAUAD, Ana Maria. Op. Cit. p. 160.
22
MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 60.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
29

crianças enjeitadas. Nesta parceria, seria a Assembléia Le-


gislativa provincial, e não mais a Câmara, quem entraria
com o subsídio para auxiliar o trabalho da Misericórdia. De
certa forma, estava-se oficializando a roda dos expostos nas
Misericórdias e colocando estas a serviço do Estado. Per-
dia-se, assim, o caráter caritativo da assistência, para inau-
gurar-se sua fase filantrópica, associando-se o público e o
particular. Algumas rodas foram criadas por meio dessas
disposições e por decisão superior.”23
Enquanto isso os nobres preocupavam-se com uma edu-
cação disciplinada, mas livre do trabalho para sua prole.24
Mas as respostas aos pobres eram diferenciadas, tendo
sempre o trabalho como finalidade. Registra Maria Luiza
Marcílio que, por exemplo em Santa Catarina, foi criada em
1828 uma roda de expostos na capital, Desterro, hoje Flori-
anópolis. Nesta localidade, quem tomou para si o encargo
de cuidar dos expostos – na ausência da Casa de Misericó-
rida – foi a Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos. Os
estatutos da casa foram aprovados em 1840. Segundo tal
compromisso, a Irmandade “‘se comprometteo tratal-os com
todo desvelo e caridade, como filhos da irmandade, fazen-
do-os visitar a miúdo por seu Mordomo dos expostos, so-

23
MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 60.
24
Segundo Ana Maria Mauad (Op. Cit. p. 167.), “a dura disciplina de estudos das princesas
era estabelecida pelo pai, Dom Pedro II. Iniciando-se às sete horas da manhã e estendendo-
se até às nove da noite com aulas de inglês, francês, alemão, religião, física, botânica, grego,
piano, literatura, latim e mais tarde fotografia. O tempo era tão regulamentado e os passeios
tão limitados, que a irmã de Dom Pedro II, D. Francisca, a princesa de Joinville, escreveu-lhe:
Tema bem sentido de não as cansar e que não falte recreação no meio do trabalho [...] Isto é
muito importante para a sua saúde, que sem ela nada é possível fazer-se de verdadeiro traba-
lho intelectual.”
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
30 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

correndo-os até que fossem engajados para aprenderem


arte, ou officio, fazendo as possíveis diligencias para que
desde a idade de 6 annos mandade arranjar as expostas ao
serviço de famílias honestas, promovendo-lhes casamen-
tos, e agenciar-lhes dotes, ou esmolas para principio de
um estabelecimento’.”25
Enquanto no Brasil ainda não se registra especial preo-
cupação com as conseqüências dos trabalhos realizados
pelas crianças, continua-se o processo de exploração como
requisito necessário à subsistência. Por outro lado, na Euro-
pa surgem as primeiras divergências; começava-se a apon-
tar os malefícios do uso da mão-de-obra infantil como de-
generação da classe trabalhadora.26
Mas por aqui, mesmo dez anos mais tarde, a cultura do
trabalho continuava a vigorar como valor e norma, pois “em
1838, o marquês de Itahem, ‘instrui os mestres a ministra-
rem uma educação de acordo com o gênio natural dos fi-
lhos do paiz. Com um documento composto por 12 artigos
que versavam sobre: 9. Ensinar o monarca a incentivar o
trabalho produtivo; 10. Trabalho como princípio e virtude
maior;...”27
A declaração da independência do estado brasileiro irá
25
MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 63.
26
MORAES, Antônio Carlos Flores de. O direito à profissionalização e a proteção no trabalho.
In: PEREIRA, Tânia da Silva. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - Lei 8.069/90 -
“Estudos sócio-jurídicos”. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 227. Conforme este autor, “[...] em
1828, o Rei da Prússia recebeu do General Von Horn um informe oficial em que declarava: ‘A
utilização das crianças esgota prematuramente o material humano e não está longe o dia em
que a atual classe trabalhadora não tenha mais substitutivo do que uma massa fisicamente
degenerada.’”
27
MAUAD, Ana Maria. Op. Cit. p. 151.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
31

assinalar um novo perfil nas práticas assistenciais às crian-


ças brasileiras. Tanto que a partir de 1830 inicia-se uma nova
forma de assistência. Abandonam-se as ações municipali-
zadas e as obras laicas. As Províncias são obrigadas a assu-
mir a assistência e a estabelecer contratos com as Santas
Casas e/ou ordens religiosas (femininas) que passariam a
ser as responsáveis em cuidar das crianças que haviam sido
abandonadas nas Rodas.28
A ascensão do liberalismo na Europa em busca do pro-
gresso, da ordem e a fé na ciência provocará mudanças sig-
nificativas na visão política e imagem das crianças pavimen-
tando o caminho para a instalação de uma república na qual
a infância será vista como o futuro do país.

1.6 As páginas da escravidão

No século XIX, a criança brasileira continuou marcada


pelo estigma da escravidão legitimado por um sistema eco-
nômico concentrador que ignorava os ideais libertários vi-
gentes na Europa em mudança e reproduzia uma radical
desigualdade de classes.
Segundo Mary Del Priore, “enquanto pequeninos, filhos
de senhores e escravos compartilham os mesmos espaços
privados: a sala e as camarinhas. A partir dos sete anos, os
primeiros iam estudar e os segundos trabalhar’.”29 Portan-
to, os meninos das elites recebiam como companheiro para
as brincadeiras um menino indígena (curumim) e depois um
28
MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 66.
29
PRIORE, Mary Del. Op. Cit. p. 101.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
32 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

menino negro (muleque) que seria para tudo: do amigo ao


cavalo de montaria.30
Embora a imagem da infância burguesa obtivesse um
início de atenção, o tratamento às demais crianças continu-
ava diferenciado, brincava-se com elas como se fossem pe-
quenos animais de estimação.31
As conseqüências da reprodução do sistema apontaram
efeitos de longo prazo, pois a dualidade de uma sociedade
dividida entre brancos (senhores) e negros (escravos) foi a
responsável por inúmeras distorções, que se perpetuaram
para muito além deste período histórico. Anotemos para a
questão do trabalho infantil: “Dos escravos desembarcados
no mercado do Valongo, no Rio de Janeiro do início do sé-
culo XIX, 4% eram crianças. Destas, apenas um terço sobre-
vivia até os dez anos. A partir dos quatro anos, muitas de-
las já trabalhavam com os pais ou sozinhas, pois perder-se
de seus genitores era coisa comum. Aos 12 anos, o valor de
mercado das crianças já tinha dobrado. E por quê? Pois con-
siderava-se que seu adestramento já estava concluído e nas
listas dos inventários já aparecem com sua designação esta-
belecida: Chico ‘roça’, João ‘pastor’, Ana “mucama”, trans-
formados em pequenas e precoces máquinas de trabalho.”32
30
ALTMAN, Raquel Zumbano. Op. Cit. p. 243.
31
PRIORE, Mary Del. Op. Cit. p. 96.
32
PRIORE, Mary Del. Op. Cit. p. 12. Ainda sobre este tema, José Roberto de Góes e Manono
Florentino registram que “apenas 4% dos africanos desembarcados no Valongo, naquela épo-
ca, possuíam menos de dez anos de idade. [...] no Brasil o ingresso no mundo dos adultos se
dava por outras passagens; em vez de rituais que exaltavam a fertilidade e a procriação, o
paulatino adestramento no mundo do trabalho e da obediência ao senhor.” (GÓES, José Roberto
de, FLORENTINO, Manolo. Crianças escravas, crianças dos escravos. In: PRIORE, Mary Del
(org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 178.)
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
33

Embora o trabalho seja a marca principal imposta à in-


fância escravizada, o interesse especial dos senhores estava
associado aos adultos. As mulheres, por exemplo, eram
agregados aos diversos tipos de trabalho, nas plantações e
na casa grande, lugares igualmente freqüentados pelas cri-
anças que ajudavam em todos os tipos de trabalho.
A inserção precoce de crianças no trabalho era estabeleci-
da sem maiores questionamentos sobre os prejuízos ao seu
desenvolvimento. A freqüente mortalidade de crianças era
naturalizada numa sociedade que pouco valorizou a vida na
escravidão.
O interesse pela criança escravizada estava centrado no seu
valor econômico, determinado pelas habilidades desenvolvi-
das, à medida que uma criança escrava já sabia executar tare-
fas domésticas como: lavar, passar, servir, além de outras tare-
fas como consertar sapatos, manejar com a madeira, pastorear,
ou mesmo na lavoura, o seu preço no mercado se elevava. A
partir dos quatro até os onze anos, a criança passaria a ter, de
forma gradual, o tempo ocupado pelo trabalho. Aprendia a
ter um ofício ao mesmo tempo em que aprendia a ser escravo.
Neste contexto, a “pedagogia senhorial” tinha como atuação
privilegiada o trabalho. “Assim é que, comparativamente ao
que valia aos quatro anos de idade, por volta dos 11, chegava
a valer até duas vezes mais. Aos 14 anos a freqüência de garo-
tos desempenhando atividades, cumprindo tarefas e especi-
alizando-se em ocupações era a mesma dos escravos adultos.
Os preços obedeciam a iguais movimentos.”33
33
GÓES, José Roberto de, FLORENTINO, Manolo. Op. Cit. p. 184-5.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
34 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Neste modelo societário podemos visualizar três ques-


tões interessantes: a utilização de mão-de-obra escrava, uma
educação fundamentada na informalidade e um descaso
com a vida humana em si, por isso altíssimos eram os índi-
ces de mortalidade.34
A reprodução das condições de escravidão passava ne-
cessariamente por um controle estabelecido desde a infân-
cia, ou seja, toda a estrutura de um adulto escravo formava-
se em uma criança que havia sido escravizada.
Geralmente todos os trabalhos pesados, sujos e penosos
eram feitos pelos escravos, alguns trabalhos exigiam até o
aprendizado de ofícios específicos e muitos se tornaram
habilidosos nas suas atividades, condição que acentuava o
valor na mercancia escravista do século XIX.
Por outro lado, a educação não era acessível, uma vez
que inexistia para a criança escrava qualquer tipo de ins-
trução, de modo que suas habilidades intelectuais não eram
estimuladas. Eram os escravos mantidos numa espécie de
eterna infância, pois o despontar para a vida, a sua consci-
entização, poderia ser muito perigosa para o sistema.
No entanto, ainda durante a escravidão continuam sur-
gindo novas instituições de atenção à infância. Em 1855, no
Maranhão, foi criada a Casa dos Educandos Artífices; em
1861, no Rio de Janeiro, o Instituto dos Menores Artesãos; em
1882, em Niterói, funda-se o Asilo para a Infância Desvali-
da. Também a partir de 1860 foram criadas Colônias Agrí-
colas orphanologicas, as quais seguiram os modelos da Fran-
34
LEITE, Miriam L. Moreira. Op. Cit. p. 22-3.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
35

ça (Colônia de Mettray) ou da Inglaterra (Colônia Red


Hill), em São Luís do Maranhão (1888); na Bahia, Forta-
leza e Recife. 35
A ideologia do trabalho como elemento fundamental de
uma sociedade associa-se, no Brasil, ao período de transi-
ção do trabalho escravocrata para o livre, isto por volta da
metade do século XIX. O que equivale afirmarmos que o
trabalho escravo, com o fim do sistema escravagista, foi
transformado em trabalhador livre, no entanto, continuaria
sendo a figura chave do mercado capitalista em que o tra-
balho constituía-se assalariado.36
Portanto, a transição da escravidão para o trabalho livre
não viria significar a abolição da exploração das crianças bra-
sileiras no trabalho, mas substituir um sistema por outro con-
siderado mais legítimo e adequado aos princípios norteado-
res da chamada modernidade industrial. O trabalho precoce
continuará como instrumento de controle social da infância
e de reprodução social das classes, surgindo, a partir daí,
outras instituições fundadas em novos discursos.

1.7 Os aprendizes e marinheiros: trabalho e


disciplina militar

Como já foi exposto, o trabalho nas embarcações nunca


foi novidade no Brasil, desde a invasão portuguesa com os
grumetes e pagens a prática fora habitual. No entanto, a
35
MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 75.
36
RIZZINI, Irene, RIZZINI, Irma, HOLANDA, Fernanda Rosa Borges de. A criança e o adoles-
cente no mundo do trabalho. Rio de Janeiro: USU/Amais, 1996. p. 30.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
36 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

idéia de aprendizagem e a figura do aprendiz remanescentes


da Idade Média da Europa serão incorporados na realida-
de brasileira como alternativa para a consolidação de uma
estrutura militar nacional articulada com a experiência ini-
cial de assistência brasileira.
A aprendizagem já era realizada nas Rodas dos Expos-
tos quando as famílias buscavam crianças para trabalha-
rem como aprendizes. Os meninos geralmente aprendiam
profissões como ferreiro, sapateiro, caixeiro, balconista, tais
como as corporações medievais de ofício realizavam e para
as meninas era reservado o serviço doméstico.
As Companhias de Aprendizes Marinheiros ou Apren-
dizes do Arsenal de Guerra foram constituídas a partir da
profissionalização das crianças, especialmente aquelas
oriundas de famílias de pequenas posses e, principalmen-
te, dos abandonados e desvalidos.
Na época inserir o menino nas Companhias de Aprendi-
zes era uma possibilidade de garantir ao Estado o trabalho
disciplinar controlado pela rígida estrutura hierárquica
militar.
Como continuidade da prática de utilização de crianças
nos navios, além das Companhias de Aprendizes, muitos
também trabalhavam em navios mercantes, geralmente sem
qualquer tipo de preparação ou formação em ofício.
No entanto, as Companhias foram a principal inovação
reproduzida da cultura européia e, extremamente valori-
zada pelas elites militares, políticas e econômicas como es-
tratégia de controle social durante o império.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
37

O desejo de transformação sistemática dos meninos aban-


donados se fazia através da prática disciplinar, mas pouco
sucesso teve em provocar mudanças estruturais ao longo
do tempo.
Os meninos com idades geralmente entre dez e dezessete
anos, cidadãos brasileiros, eram recrutados e muitas vezes,
deslocados para longe de sua família e comunidade. Ainda
assim, muitos registros apontam a presença de meninos com
menos de dez anos participando das ações militares, como
por exemplo, aqueles que serviram na Guerra do Paraguai.
Da mesma forma, que havia estímulo às famílias de
grumetes no período colonial, o Brasil imperial também re-
compensava financeiramente as famílias, o que poderia aos
pais parecer um bom negócio, pois os pequenos teriam tam-
bém uma oportunidade de acesso ao ensino gratuito nas
instituições militares.
Neste período, de acordo com Miriam L. Moreira Leite,
“tendo em mente que a infância não é uma fase biológica
da vida, mas uma construção cultural e histórica, compre-
ende-se que as abstrações numéricas não podem dar contar
de sua variabilidade. Dos 8 aos 12 anos, os meninos são con-
siderados adultos-aprendizes e vestem-se (de acordo com
a camada social) como tais.”37
O recrutamento forçado operou como estratégia neces-
sária ao controle da infância no século XIX. Isso foi possível
em função de toda uma estratégia montada, na qual a polí-
tica tinha um papel de extrema relevância.38
37
LEITE, Miriam L. Moreira. Op. Cit. p. 19.
38
VENÂNCIO, Renato Pinto. Op. Cit. p. 204.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
38 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

O recrutamento através das ações policiais e das oficinas


de aprendizes artífices foi um instrumento importante para
classificação e escolha do perfil infantil que se deseja incor-
porar ao sistema. Ao final, encontrava-se uma farta fonte
de mão-de-obra barata e, muitas vezes, gratuita que se de-
dicava aos mais variados todos os tipos de serviço, tais como
a limpeza das embarcações até os desejos de conforto dos
oficiais, da mesma forma que no período colonial.
A guerra foi o caminho traçado aos meninos empobreci-
dos no século XIX. Garotos eram recolhidos das ruas, ou
praticamente retirados de suas famílias para serem subme-
tidos ao perigo das batalhas, como, por exemplo, a guerra
contra o Paraguai.39
Havia interesse especial no trabalho das crianças, uma vez
que a construção de embarcações tornava imperiosa a pre-
sença de um grande número de trabalhadores, especializa-
dos ou não. O que forçava a instalação de oficinas para crian-
ças expostas a fim de iniciá-las em ofício de marceneiro, entre
outros. Além do que, no interior do estaleiro, a criança con-
vivia com adultos: presos, escravos, degredados.40
Portanto já no século XIX, a aprendizagem consolida-se
como instituto voltado à inserção precoce de crianças
empobrecidas no trabalho, submetendo os pequenos mari-
nheiros as mais variadas condições de perigo, insalubrida-
de e penosidade, mascarada pelo discurso moralizador do
trabalho.

39
VENÂNCIO, Renato Pinto. Op. Cit. p. 208.
40
MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 74.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
39

1.8 O recrutamento infantil pelas fábricas

O início da primeira experiência de industrialização no


Brasil, ainda no século XIX, articulada com a suposta aboli-
ção da escravatura irá conduzir contingente significativo de
crianças as fábricas, agora sob o discurso que o trabalho da
criança ajuda a família.
No século XIX, portanto, era comum o emprego de mão-
de-obra infantil, sob a justificativa que somente o trabalho
moldaria o caráter da criança. E assim, o sentido da infân-
cia foi realmente consumido em muitas fábricas, minas e
lavouras.41
Ao final do século XIX, com o início do nosso processo
de industrialização, tivemos a entrada de um número sig-
nificativo de imigrantes. Neste período, configura-se uma
nova imagem: de crianças nas fábricas. Estas crianças subs-
tituíam por um baixíssimo custo o trabalho dos escravos. 42
Esta situação provocava uma vitimização da infância nos
acidentes de trabalho, em razão de estarem realizando tare-
fas totalmente inadequadas para a sua idade, das próprias
instalações da fábrica que eram precárias, sem segurança
alguma, tornando impróprias tais funções.43
Ao passo que as crianças eram exploradas nas fábricas,

41
RIZZINI, Irene, RIZZINI, Irma, HOLANDA, Fernanda Rosa Borges de. Op. Cit. p. 31.
42
PRIORE, Mary Del. Op. Cit. p. 13. Na mesma passagem, exemplo interessante da exploração
do trabalho no início do processo de industrialização: “[...] os pequenos imigrantes passavam 11
horas frente às máquinas de tecelagem, tendo apenas vinte minutos de ‘descanso’.”
43
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Crianças operárias na recém-industrializada São
Paulo. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999.
p. 260.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
40 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

ao mesmo tempo instalava-se um sistema educacional no


Brasil, voltado especialmente às elites em ascensão.
A implantação da indústria e sua expansão cooptaram a
mão-de-obra infanto-juvenil, fenômeno este que não ocor-
reu apenas no Brasil, como também em outros países. Em
meados da década de 1870, multiplicaram-se na imprensa
de São Paulo anúncios que solicitavam o trabalho de crian-
ças e adolescentes nas fábricas, em especial, no setor têxtil.44
Interessante, neste processo de “surto industrial” é o
fato que a partir deste momento a infância tornava-se “vi-
sível”, uma vez que exposta em um ambiente que não é o
domiciliar.
As condições de trabalho nas quais foram submetidas
essas crianças nessa época eram realmente desumanas, pois
além de uma jornada estafante de trabalho muito além das
capacidades físicas de um adulto, as crianças eram subme-
tidas, já desde cedo, à convivência com locais insalubres e
perigosos, que muitas vezes abreviavam a própria vida.
Essas duras condições serviram como alerta para a neces-
sidade de disciplinamento jurídico do trabalho infantil.
Segundo Irma Rizzini, muitas casas (asilos) de caridade
foram transformadas em escolas profissionais, patronatos
agrícolas e institutos. São fundadas instituições – por in-
dustriais – que tinham por objetivo preparar uma mão-de-
obra a ser ocupada na produção artesanal e fabril. “Foi o
caso do Seminário dos Meninos, que em 1874 tornou-se o
Instituto de Educandos Artífices, em São Paulo, oferecendo
44
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 262.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
41

ensino profissional para alfaiates, marceneiros, serralheiros


e seleiros.”45
O trabalho infantil evidentemente será reforçado pela
ideologia do trabalho moralizador, necessário a subsistên-
cia e que, supostamente manteria as crianças afastadas dos
vícios e da criminalidade presente em uma sociedade em
mudança. O próprio surgimento de um novo Código Penal
(o primeiro da República), de 1890, o qual criminalizava a
“vadiagem”, explicitava a ideologia que valorizava o traba-
lho. Ao analisarmos a sociedade brasileira neste período, cons-
tatamos que o descaso do Estado para com a educação públi-
ca está diretamente associado à ideologia que considerava o
trabalho como suporte dignificador das classes pobres.
A maciça inserção de crianças nas fábricas e as degra-
dantes condições de trabalho provocaram a edição da pri-
meira norma brasileira a determinar um limite de idade mí-
nima para o trabalho ainda no século XIX. A primeira norma
brasileira a determinar o limite de idade mínima para o tra-
balho foi o Decreto 1.313, de 17 de janeiro de 1891, que fixou
o limite em doze anos, mas que nunca foi regulamentado.
Segundo Oris de Oliveira, a primeira lei que disciplinou a
matéria do trabalho infantil, na Capital Federal, estabele-
ceu o limite mínimo de doze anos, “salvo a título de aprendi-
zado, nas fábricas de tecidos as que se acharem compreendidas

45
RIZZINI, Irma. Pequenos trabalhadores do Brasil. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das
Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 378-379. Descreve Esmeralda Blanco Bolsonaro
de Moura que “...em 1890, segundo a Repartição de Estatística e Arquivo do Estado, aproxima-
damente 15% do total da mão-de-obra absorvida em estabelecimentos industriais da cidade
eram crianças e adolescentes.” (MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 262.)
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
42 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

entre aquela idade e a de oito anos incompletos. Esta exceção


infirmou todo o alcance da norma geral porque o ramo in-
dustrial têxtil, era, de longe, o mais numeroso na Capital da
República e em todo o Brasil no final do século XIX”.46
Ora, se existiu a necessidade de uma legislação específi-
ca regulando o trabalho infanto-juvenil, esta, evidentemen-
te, resultou da mobilização social e política constituída a
partir da verificação quanto à violação da integridade das
crianças e adolescentes no decorrer da história.
A formulação de uma legislação de cunho predominan-
temente protetor, estava atenta a garantia da integridade
física do trabalhador de modo que fosse suficiente para re-
produzir novos trabalhadores operários. A preservação da
saúde e higiene decorre especialmente da preocupação de
médicos e educadores influenciados pelos ideais higienis-
tas europeus.
Após o início do primeiro processo de industrialização
no Brasil, a exploração do trabalho infantil começou a pro-
vocar o interesse e a preocupação das autoridades públicas,
que percebiam as péssimas condições de trabalho das cri-
anças nas fábricas, temiam que dentro de pouco tempo, o
próprio sistema capitalista que se instalava poderia ser com-
prometido.
Neste momento, diversas iniciativas surgiram, em busca
de um disciplinamento jurídico que possibilitasse a deter-
minação dos primeiros limites de idade mínima para o tra-
balho. Essas iniciativas iniciaram nos países europeus du-
46
OLIVEIRA, Oris de. O trabalho da criança, Cit. 1994. p. 64.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
43

rante transição para o século XIX, simultaneamente ao pro-


cesso de industrialização, momento este em que se delinea-
va o próprio direito do trabalho.
O surgimento dos movimentos operários em virtude das
aviltantes e desumanas condições a que eram submetidos
os trabalhadores no início do novo modelo econômico de
produção irá produzir mudanças importantes como expe-
riências iniciais de controle dos abusos contra os trabalha-
dores no século XIX.
Neste contexto, a dura realidade da exploração das cri-
anças, que assolava a Europa do século XIX, proporcionou
que a França em 1841 proibisse o trabalho para menores de
oito anos e limitasse em 12 horas o trabalho para menores
de doze anos. Seguindo o exemplo, a Áustria adotou uma
lei em 1855 e a Suíça editou uma disciplina específica em
1877. Igualmente, em 1882, a Rússia expediu sua primeira
lei de proteção e a Bélgica adotou, em 1888, um conjunto de
medidas protetoras ao menor trabalhador. Em 1891, Portu-
gal proíbe o trabalho infantil e a Alemanha adota o seu Có-
digo Industrial que, igualmente, prevê proteção às crianças
envolvidas em atividade laboral.47
No entanto, no Brasil as mudanças ainda serão sentidas
posteriormente. A proclamação da República trará um novo
olhar em torno da infância, mas a efetiva proteção jurídica
contra a exploração no trabalho ainda percorreria algumas
décadas para ser consolidada apenas no final do século XX.

47
COLOMBO FILHO, Cássio. Algumas considerações sobre o trabalho de crianças e adoles-
centes. In: Revista TRT 9a. Região. Curitiba: TRT, v. 28, 1993, p. 109.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
44 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

1.9 A república e as primeiras décadas no novo


século XX

A construção de um estado nacional embasado nos no-


vos princípios republicanos, os ideais positivistas de ordem
e progresso, a especialização de uma perspectiva de ciência
promovida pelo movimento higienista, a organização do
movimento sindical e de uma política internacional de pro-
teção aos trabalhadores são apenas alguns aspectos da nova
sociedade que seria desenhada na passagem do século XIX
para o século XX no Brasil.
O término do sistema escravocrata e o início da Repúbli-
ca exige a construção de uma nova identidade nacional. Sob
a égide das teorias positivistas, tinha a elite brasileira de
igualar o nosso país às nações européias. Isto posto, o assis-
tencialismo filantrópico particular ou a caridade provinda
das ordens religiosas já se revelavam insuficientes para um
período marcado por profundas mutações. Tornava-se im-
periosa a ação estatal. De acordo com Cleverton Elias Vieira,
“Neste processo de publicização do atendimento à popula-
ção infanto-juvenil carente, foi determinante a junção da
mentalidade higienista que defendia medidas profiláticas
para enfrentar as mazelas sociais com os ideais positivistas
de progresso.”48 Assim, de um certo modo, a República pro-
vocou uma resignificação da infância, uma vez que no
ideário republicano, estaria na criança a renovação social.
48
VIERA, Cleverton Elias; VERONESE, Josiane Rose Petry. Limites na educação: sob a pers-
pectiva da Doutrina da Proteção Integral, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. p. 19.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
45

Inicia-se um período de regulação do espaço e das rela-


ções urbanas. Em 1894, o Decreto Estadual n.º 233 estabele-
ce em 12 anos o limite para o início em atividades laborais
nas fábricas e oficinas; no entanto, as autoridades compe-
tentes poderiam fazer certas exceções, em atividades aces-
síveis para crianças de 10 a 12 anos de idade. 49
As mobilizações em defesa dos direitos dos trabalhadores
já começavam a incorporar a defesa das crianças exploradas
no trabalho. Por ocasião das festividades do Dia do Trabalho,
em maio de 1898, o trabalhadores reivindicavam: proibição
do trabalho para os menores de 14 anos; de todo trabalho no-
turno, independente da questão da idade, e até mesmo para
os adultos naquilo que fosse possível, e que dever-se-ia dis-
pensar um cuidado especial até os 16 anos de idade.50
Se por um lado surge a preocupação contra a exploração
do trabalho infantil, por outro começa se estabelecer o dis-
curso da profissionalização.51
A infância passa a ter uma importância especial no olhar
da nova república, instala-se uma política jurídica associa-
da a uma higienista, que tinha por objetivo a formação tan-
to de trabalhadores quanto de cidadãos sadios.52

49
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 272. Nesta época, segundo Irma Rizzini,
“levantamentos estatísticos realizados pelo Departamento Estadual de Trabalho de São Paulo a
partir de 1894 demonstram que a indústria têxtil foi a que mais recorreu ao trabalho de menores
e mulheres no processo de industrialização do país. Em 1894, 25% do operariado proveniente
de quatro estabelecimentos têxteis da capital eram compostos por menores.” (RIZZINI, Irma.
Op. Cit. p. 377.)
50
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 279.
51
RIZZINI, Irma. Op. Cit. p. 379. Na passagem, a autora anota que “em 1899 é criado o Instituto
Professora Orsina da Fonseca para o preparo profissional de operárias, de oito a 18 anos.”
52
ABREU, Martha. Op. Cit. p. 290.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
46 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Com a passagem do século XIX para o XX, os jornais


paulistanos registravam as reivindicações do operariado,
sensível, sobretudo, à situação da infância explorada nas
fábricas. A imprensa, em especial a que era escrita pela classe
operária, denunciava as condições precárias, desumanas a
que eram submetidos os trabalhadores nas oficinas e fábri-
cas, as quais se assemelhavam ao cativeiro dos escravos.
“O passado de senhores e escravos de alguns empresários
industriais era lembrado e mestres e contramestres confi-
guravam a versão moderna dos antigos feitores.”53
Já no início do século XX, surgiu uma nova forma de
filantropia, não mais a do modelo caritativo, mas uma ba-
seada na ciência, portanto, em consonância com a nova rea-
lidade que também despontava no sistema social, político e
econômico.
A ciência, deste modo, passou a desempenhar papel im-
portante no novo cenário social brasileiro. Sob a égide
positivista, os indivíduos eram classificados, tipificados,
segundo uma base tida por científica, uma vez que embasa-
da em observações e experimentos, procurava-se fazer uma
leitura dos corpos e, assim, classificá-los como normais,
anormais e degenerados. “Era classificar o tipo segundo
divisões inscritas na natureza, que repartiam e hierarquiza-
vam a humanidade. E era – ao que indica a recorrência da
tópica da degeneração – operar com parâmetros postos pelas
teorias raciais que, desde finais do século anterior, vinham-
se constituindo na linguagem principal dos intelectuais bra-
53
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 279.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
47

sileiros, no seu afã de pensar as possibilidades de progres-


so para o país e legitimar as hierarquias sociais.”54
É a partir desta perspectiva que as primeiras décadas do
século XX registram o surgimento de instituições, como é o
caso do Instituto Disciplinar, fundado em 1902, o qual de-
fendia a concepção de que ao institucionalizar tinha-se a
possibilidade de “regenerar por meio do trabalho e para o
trabalho a infância e a adolescência que a pobreza estrutu-
ral, matriz do abandono, legava à convivência das ruas.”55
O Instituto Disciplinar com sua pedagogia do trabalho
será o avesso das reivindicações dos trabalhadores por ga-
rantias contra a exploração de crianças nas fábricas.
Na realidade, a prática da institucionalização nunca foi no-
vidade no Brasil, pois em São Paulo, por exemplo, já no século
XIX, havia uma série de institutos privados de recolhimento
de infratores, fundados por ordens religiosas ou pela filantropia
ligada à indústria e ao comércio, como o Lyceu do Sagrado
Coração de Jesus, o Abrigo de Santa Maria, o Instituto D. Ana
Rosa e o Instituto D. Escholastica Rosa, da cidade de Santos.
Estes institutos, em regra, tinham por enfoque o ensino profis-
sional dos filhos de comerciantes e operários.56

54
CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Quando a história da educação é a história da disciplina
e da higienização das pessoas. In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). História Social da Infân-
cia no Brasil. 2 ed. São Paulo: Cortez/USF, 1999. p. 275.
55
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 277. E ainda: “são comuns nas décadas
iniciais deste século, as referências à necessidade de aumentar a capacidade do instituto – que
só recebia menores da capital – de estabelecer similares nas cidades do interior, bem como de
enfrentar a questão pelo prisma das meninas e adolescentes do sexo feminino, a cujo respeito
o Estado mantinha-se omisso.” (MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 278.)
56
SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Criança e criminalidade no início do século. In: PRIORE,
Mary Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 222.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
48 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Mas a República traz uma nova justificativa para a insti-


tucionalização o combate à ociosidade e a criminalidade
como duas faces da mesma realidade, controlados especi-
almente pelas instâncias do poder judiciário, uma vez que
a internação de jovens nos institutos disciplinares tinha por
fundamento uma sentença judicial, a qual determinava, in-
clusive, o tempo de permanência na instituição. A base
positivista destas casas determinava que o trabalho, o com-
bate ao ócio seriam as fórmulas da regeneração.
Registra Marco Antonio Cabral dos Santos que a rotina dos
internos era toda cercada de um complexo de atividades,
estabelecidas com rigorosa disciplina: o horário de acordar
era às cinco e meia da manhã e, mesmo no inverno, era obri-
gatório tomar um banho frio e ir para o trabalho, cuja jorna-
da era das seis da manhã às cinco e meia da tarde. No ve-
rão, acordavam ainda mais cedo – às cinco horas – e traba-
lhavam até às cinco horas da tarde. Durante tal jornada es-
tavam incluídas as horas que seriam ocupadas com as au-
las e com o descanso após as refeições. Não havia nos regu-
lamentos nenhuma previsão para o lazer, “o que era causa
de constantes protestos e conseqüentes punições. As brin-
cadeiras e jogos não eram tolerados, o que impelia os me-
nores a praticá-los às escondidas, mesmo durante o regime
de trabalho.”57
A legitimação dos interesses capitalistas pela exploração
do trabalho infantil passou a ser realizada pela perspectiva
do combate à criminalidade utilizando-se o conceito da ca-
57
SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Op. Cit. p. 226.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
49

pacidade de discernimento e de trabalho para o traço da


política criminal.
No Brasil, desde 1830, com o Código Criminal do Impé-
rio, os menores de quatorze anos não eram julgados como
criminosos pelos atos que praticavam (art. 10, § 1º). Se fos-
se provado que os que infringiam as normas penais com
idade inferior a quatorze anos apresentavam discernimen-
to sobre os crimes praticados, estes eram recolhidos às Ca-
sas de Correção, pelo tempo que o juiz entendesse, contanto
que tal recolhimento não excedesse os dezessete anos de
idade (art. 13). Na realidade, o que temos neste contexto
trata-se de uma imputação, só que diferenciada, assim, já
podemos visualizar aí os germes originários do menorismo
O primeiro Código Penal da República de 1890, foi ain-
da mais severo, pois ao tratar da responsabilidade crimi-
nal, dispôs no art. 27 que os menores de nove anos comple-
tos não seriam criminosos, como também, os maiores de
nove e menores de quatorze anos, que tivessem agido sem
discernimento. Se os de idade entre nove e quatorze anos
tivessem praticado atos compreendidos como delituosos
com discernimento, seriam recolhidos a estabelecimentos
disciplinares industriais, pelo tempo que o juiz julgasse con-
veniente, desde que não excedesse os dezessete anos de ida-
de (art. 30). Este mesmo Código considerava a menoridade
como circunstância atenuante, nas hipóteses de ter o agente
idade inferior a vinte e um anos (art. 42, §11).
O Código Penal da República previa o crime de vadia-
gem, principal argumento para as estratégias de controle
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
50 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

social da infância. “As ruas da cidade, repletas de trabalha-


dores rejeitados pelo mercado formal de mão-de-obra e ocu-
pados com atividades informais, era palco de inúmeras pri-
sões motivadas pelo simples fato de as ‘vítimas’ não conse-
guirem comprovar, perante a autoridade policial, sua ocu-
pação.”58
Enquanto a política criminal, institucionalizava a infân-
cia, o movimento dos trabalhadores continuava a denunci-
ar a exploração e reivindicar uma proteção mínima, como
redução da jornada de trabalho; aumento salarial, sendo que
esta última reivindicação tinha por objetivo possibilitar aos
filhos instrução e, conseqüentemente, ascensão social.
Reforçava-se neste período toda uma crítica à explora-
ção da mão-de-obra infanto-juvenil nas fábricas. Esta críti-
ca, que se manifestava na imprensa paulistana, tinha como
alvo não apenas o empresário, mas também o serviço sani-
tário, uma vez que era este que deveria fiscalizar.
Ainda neste contexto, também os pais foram submeti-
dos a duras críticas, sob o argumento de que estariam ex-
plorando seus filhos. Mesmo que na grande maioria dos
casos o uso da mão-de-obra de infantes nas oficinas e fábri-
cas tinha por causa principal a própria situação de misera-
bilidade do operariado num todo, alguns indivíduos apon-
tavam que para além desta questão em si, associava-se a
exploração dos filhos por parte de seus próprios pais.59
Merece referência a relação trabalho e criminalidade que

58
SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Op. Cit. p. 222.
59
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 281.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
51

passa a se constituir já no início do século XX. A idéia de


correção associava-se à pedagogia do trabalho. Símbolo disto
é a metáfora atribuída a Washington Luiz (então Secretário
de Segurança Pública – 1906), para o qual: “questão social é
uma questão de polícia.” 60
Se havia todo um discurso a favor do trabalho, a realida-
de apresentava um quadro nebuloso: as fábricas repletas
de crianças e, fora delas, um número expressivo de adultos
desocupados. As estatísticas apontavam que, no começo da
década de 1910, nas fábricas têxteis da cidade de São Paulo,
30% das vagas eram ocupadas por infantes. O que dava a
entender que não existia nenhum tipo de legislação que vi-
sasse proteger a pessoa do infante ou adolescente trabalha-
dor. Mas isto não era verdade, o que não havia era um de-
sejo que tal legislação fosse aplicada. “Os dispositivos que
regulamentavam a atividade de crianças e adolescentes nas
fábricas e oficinas estavam diluídos no conteúdo de um cor-
po legislativo mais amplo, os Códigos Sanitários do Estado
e consistiam de fato, em medidas restritas.”61
Verifica-se que na década de 1910, do Decreto Estadual
n.º 2.141/1911, Lei Estadual n.o 1596/1917, com o seu sanci-
onamento em 1918, a legislação possibilita o trabalho no-
turno aos menores de 18 anos de idade. Sendo que o citado
60
SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Op. Cit. p. 222. “Em seu relatório de 1904, o chefe de
polícia Antônio Godoy defendia: a pena específica da vagabundagem é incontestavelmente o
trabalho coato. E é uma pena específica, porque realiza completamente as duas funções que
lhe incumbem; tem eficácia intimidativa, porque o vagabundo prefere o trabalho à fome; tem o
poder regenerativo, porque submetido ao regime das colônias agrícolas ou das oficinas, os
vagabundos corrigíveis aprendem a conhecer e a prezar as vantagens do trabalho voluntaria-
mente aceito.” (SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Op. Cit. p. 228.)
61
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 271.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
52 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Decreto Estadual n.º 2.141, estabelecia em 10 anos o limite mí-


nimo para ingresso no trabalho; no entanto, entre os 10 e os 12
anos, a criança poderia executar somente serviços leves.62
Irma Rizzini indica que “em 1912, de 9.216 empregados
em estabelecimentos têxteis na cidade de São Paulo, 371 ti-
nham menos de 12 anos e 2.564 tinham de 12 a 16 anos. Os
operários de 16 a 18 anos eram contabilizados como adul-
tos. Do número total de empregados, 6.679 eram do sexo
feminino.”63
Ao analisarmos o período histórico da República Velha,
constatamos que o trabalho realizado por crianças e adoles-
centes constituiu uma imagem fiel do baixo nível econômi-
co das famílias pertencentes à classe operária, que viviam
com salários irrisórios num contexto de vida com custos
altíssimos. O quadro geral era de uma odiosa exploração:
os salários do trabalhador adulto do sexo masculino eram
comprimidos; exploração do trabalho feminino e o valor da
mão-de-obra das meninas e adolescentes era ainda mais
reduzido, o que demonstra claramente uma dupla discri-
minação, isto é, de idade e de sexo. Enfim, este quadro era
uma resultante do objetivo do empresariado em manter a
produção com custos baixos.64
Ainda no início do século XX , ocorreram outras tentati-
vas com vistas à regulamentação do trabalho infantil, como
o Projeto Parlamentar no. 4-A, de 1912; o Decreto Municipal

62
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 272.
63
RIZZINI, Irma. Op. Cit. p. 377.
64
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 262.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
53

no. 1.801, de 1917, que tentavam regulamentar, na cidade


do Rio de Janeiro, o trabalho dos então designados menores,
mas estas iniciativas resultaram, praticamente, infrutíferas.65
Registra Marta Maria Chagas de Carvalho que sob o im-
pacto do movimento operário e greves, ao final da década
de 1910, somado ao refluxo da imigração provocado pela
Primeira Grande Guerra, cai por terra o mito da imigração.
Tal fenômeno teve como efeito permitir que as populações,
até então excluídas, fossem escolarizadas, como pos-
sibilidade de um efetivo progresso. “Não é outro sentido
da ‘descoberta’ feita pelos entusiastas da educação na déca-
da de 1920: a de que a educação era o ‘grande problema
nacional’ por sua capacidade de ‘regenerar’ as populações
brasileiras, erradicando-lhes a doença e incutindo-lhes há-
bitos de trabalho.”66
No que se refere a uma maior proteção à criança contra a
exploração no trabalho, somente em 1917 inicia-se um mo-
vimento que visa em particular esta questão. Por exemplo,
em São Paulo, o Centro Libertário (ainda do movimento
anarquista), criou o Comitê Popular de Agitação contra a
Exploração dos Menores nas Fábricas. Fazendo uso de ma-
nifestações públicas contra tal exploração, como também
defendendo o descumprimento das raras disposições legais
sobre a questão. Também os pais eram “chamados” a se
inscreverem na luta de forma a exigir melhores salários e
condições de trabalho, de sorte a poder sustentar com dig-

65
MORAES, Antônio Carlos Flores de. Op. Cit. 1992, p. 230.
66
CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Op. Cit. p. 283.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
54 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

nidade suas famílias, sem precisar explorar a mão-de-obra


dos filhos.67
Já a partir de abril de 1917 a imprensa pouco noticiava as
ações do comitê mencionado acima. De qualquer modo, toda
a movimentação anarquista gerou um processo de insatis-
fação que se alastrava em São Paulo, a tal ponto que resul-
tou na greve geral de julho quando, além das muitas reivin-
dicações da classe operária, fazia-se presente uma que de-
fendia como requisito para a admissão nas oficinas e fábri-
cas fosse a idade mínima de 14 anos e que para os menores
de 18 anos fosse proibido o trabalho noturno. Entre as de-
núncias levantadas, uma delas referia-se ao descumprimen-
to das normas, como, por exemplo, do Decreto n.º 13.113,
de 17 de janeiro de 1891, o qual proibira que crianças traba-
lhassem na faxina e nas máquinas em movimento.
Esmeralda Blanco Bolsonaro de Moura registra já nesta épo-
ca o discurso de que “‘o lugar desses menores é a escola’,
argumentava Cazemiro da Rocha no ano de 1917, em ses-
são da Câmara dos Deputados em São Paulo.”68
Deste período, podemos apontar algumas normas que
visavam à proteção contra a exploração do trabalho de cri-
anças:
67
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 282. Neste período, de acordo com
Edson Passetti, “nos centros urbanos diversas e expressivas greves foram acontecendo em
reivindicação de direitos trabalhistas até que em julho de 1917, eclodiu uma greve geral parali-
sando os setores industriais, comerciais e de transportes em São Paulo. A denúncia a respeito
da exploração do trabalho infantil teve muita repercussão. O jornal A Plebe, de 9 de junho de
1917, no seu número 1, noticiou que o Comitê Popular de Agitação contra a Exploração de
Menores tem promovido reuniões em vários bairros com o fim de organizar as ligas operárias
que, dentro em breve, reconstruirão a união geral dos trabalhadores.” (PASSETTI, Edson. Op.
Cit. p. 351.)
68
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 281.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
55

- Lei Estadual n.º 1.596, de 1917: fixa a jornada de traba-


lho em cinco horas diárias, para os trabalhadores na
faixa etária de 12 a 15 anos;
- Decreto Estadual n.º 233, de 1894: jornada de doze ho-
ras para o trabalhador adulto. Este decreto determi-
nava intervalos para que o trabalhador fizesse as re-
feições e proibia para os meninos menores de 15 anos
e para as meninas (também mulheres), com menos de
21 anos, o trabalho noturno além das nove horas;
- Lei Estadual n.º 1.596, de 1917 e Decreto n.º 2.918, de
1918: exigiam a apresentação de certificado de presen-
ça anterior em escola primária e atestado médico de
capacidade física. Além do que, de acordo com esses
dispositivos, os menores que tivessem entre doze e
quinze anos de idade não poderiam trabalhar em fá-
bricas de bebidas alcoólicas (fermentadas ou destila-
das), em estabelecimentos industriais insalubres ou
perigosos, como também não podiam executar funções
que resultassem em grande exaustão, riscos de aciden-
tes, que exigissem conhecimento e atenção específicos
e ainda os que fosse lesivos à sua formação moral.69

Embora as mobilizações de 1917 tenham surtido efeito


com a aprovação de algumas legislações protetoras à infân-
cia, a efetividade ainda estava distante, tanto que em 1919
foi realizado um levantamento em 194 indústrias de São
69
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 272.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
56 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Paulo, o qual verificou que 25% da mão-de-obra emprega-


da era constituída por operários com idade inferior a de 18
anos, sendo que destes, mais da metade era empregada nas
tecelagens.70
Edson Passetti destaca que ainda neste ano “o jornal A
Plebe, em 10 de setembro de 1919, informou: a exploração
dos menores nas bastilhas de trabalho desta capital consti-
tui um dos crimes mais monstruosos e desumanos da bur-
guesia protetora dos animais. [...] Basta permanecer na por-
ta de qualquer fábrica, à hora de principiar ou de cerrar a
laboração, para se constatar, que uma enorme legião de cri-
anças, entre os nove e os 14 anos, se definha e atrofia, num
esforço impróprio à sua idade, para enriquecer os industri-
ais gananciosos, os capitalistas ladrões e bandoleiros. Em
1917, o que motivou precisamente a formidável agitação
operária então verificada, foi a ignominosa e despudorada
escravidão e exploração dos menores. Nessa época, a jorna-
da de trabalho em vigor em todos os estabelecimentos
manufatureiros era superior a doze horas. Os salários, com
que se gratificava o sacrifício imposto a estas crianças, não
ia além duns magros quatrocentos ou quinhentos reaes por
dia. O rigor disciplinar, enfim tresandava bastante ao que é
adotado nas casernas penitenciárias. Hodiernamente, as
condições de trabalho para os menores pouco se modifica-
ram. A jornada está, é certo, reduzida a oito horas para

70
RIZZINI, Irma. Op. Cit. p. 377. Em 1919, o Departamento Estadual de Trabalho de São Paulo
indica que “considerado o total de trabalhadores absorvidos pelo setor têxtil no estado, 37%
eram menores, sendo que, em relação aos estabelecimentos da capital, essa mão-de-obra era
estimada em cerca de 40%.” (MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 266.)
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
57

muitas fábricas; os salários aumentaram em muito centro


de trabalho, uns tristes reaes. Mas que importa isso? Os
mestres, os encarregados, os diretores de fábricas, que para
os filhos são todos blandícias e carinhos, para as crianças
proletárias mostram-se uns verdadeiros carrascos. [...] Mal-
tratam-se crianças com mais insensibilidade do que se es-
panca um animal. Edificante, não acham?”71
Também neste ano de 1919 foi instituído o Departamen-
to da Criança no Brasil, que financiado pelo Estado, apura-
va um grande número de abusos do crescimento desorde-
nado urbano-industrial que em jornadas superiores a 15
horas, explorava sobretudo mulheres e crianças.72
Ainda neste ano, faz-se necessário registrar, no plano
internacional, a constituição pelo Tratado de Versalhes a
Organização Internacional do Trabalho (OIT), com a finali-
dade de ser um organismo responsável pelo controle e emis-
são de normas internacionais determinando as garantias mí-
nimas ao trabalhador. Entre seus principais objetivos estava
a melhoria das condições de trabalho e a garantia dos traba-
lhadores menos protegidos e, principalmente, das crianças.
Já no seu ano de constituição a OIT emitiu as Conven-
ções de no. 5, fixando a idade mínima para o trabalho nas
indústrias em 14 anos, e de no. 6, que proibiu o trabalho no-
turno nas indústrias para os menores de dezoito anos; mas o
Brasil só depositaria os instrumentos de ratificação em 26 de

71
PASSETTI, Edson. Op. Cit. p. 352-3.
72
PINTO, Fábio Machado. Pequenos Trabalhadores: sobre a educação física, a infância
empobrecida e o lúdico numa perspectiva histórica e social. Florianópolis: Gráfica UFSC, 1995,
p. 43-4.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
58 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

abril de 1934, através do Decreto no 423, que foi publicado


mais de um ano depois, em 12 de novembro de 1935.
A preocupação com o estabelecimento de limites de ida-
de mínima para o trabalho desde o final do século XIX no
Brasil tem a sua importância, pois segundo Oris de Oliveira
“fixa-se a idade mínima porque o trabalho prematuro com-
promete o desenvolvimento físico e psíquico, por sujeitar a
criança ou o adolescente a esforços desmedidos e perigosos
[...]e por provocar um amadurecimento psicológico força-
do, como bem o demonstra estudo da Organização Mundi-
al da Saúde.”73
Nestes movimentos, percebe-se que a partir dos anos 20
se estabelece uma transformação, ainda que sutil, no dis-
curso pedagógico. Os discursos passam a contemplar a edu-
cabilidade da criança e as especificidade da natureza infan-
til. Segundo Marta Maria Chagas de Carvalho, “as figuras da
deformação, que assombravam a produção discursiva an-
terior e que traziam a detecção e controle da anormalidade
para o âmago da pedagogia, são como que gradativamente
expelidas do campo pedagógico e produzidas como tema e
objeto de intervenção de outros saberes e poderes.”74
O cenário brasileiro que se constitui a partir de 1920 pas-
sa por transformações significativas em termos de uma nova
percepção sobre o problema:

73
OLIVEIRA, Oris de. Capítulo V - Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho. In:
CURY, Munir et alii. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e
sociais. 2a. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 182.
74
CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Op. Cit. p. 280.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
59

1 – Um movimento encabeçado por médicos e higienistas;


2 – Setores da intelectualidade nacional lideravam um
movimento a favor da “causa educacional”;
3 – Surgimento das colônias e patronatos agrícolas, o que
permitia uma “limpeza” das ruas, pois as crianças eram re-
colhidas e nestes locais seriam preparadas para as ativida-
des rurais.
A educação popular se assentava no seguinte tripé: cam-
panha educacional, saúde, moral e trabalho. Assim, o tra-
balho se apresenta como método capaz de determinar hábi-
tos saudáveis.
Portanto, o trabalho continuaria a ser a alternativa
domesticadora das crianças empobrecidas. Neste cenário as
crianças continuavam sendo excluídas do mundo da educa-
ção, servindo como mão-de-obra substitutiva do imigrante.
A projeção do trabalho como alternativa para a infância
continua a ter um aspecto de larga abrangência, envolven-
do também o trabalho doméstico e a exploração sexual.75
Paradoxalmente neste mesmo período começava a ser
sinalizado um novo caminho para a infância brasileira, uma
vez que finda a Primeira Grande Guerra, desponta no cená-
rio internacional, uma nova percepção sobre a infância. Cite-

75
RIZZINI, Irma. Op. Cit. p. 384. Segundo a autora, “nos processos do Juízo de Órfãos, no
início do século, e do Juízo de Menores, a partir da década de 1920, era comum meninas serem
tiradas dos asilos para trabalhar em casas de famílias. Era o sistema de soldada, onde a família
se responsabilizava em vestir, alimentar e educar a criança em troca de seu trabalho, depositan-
do uma pequena soma em uma caderneta de poupança em seu nome. Se por um lado, as
meninas preferiam ir para as casas, porque queriam sair do asilo, as fugas eram comuns, devi-
do aos maus-tratos, à exploração do seu trabalho e ao abuso sexual. Este sistema, administra-
do pelas fundações estaduais de bem-estar do menor e sob o novo nome de ‘colocação famili-
ar’, foi mantido até os anos de 1980.”
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
60 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

se, primeiramente a aprovação da Declaração dos Direitos


da Criança, na Conferência de Genebra em 1924.
No Brasil, sob a égide de Arthur Bernardes, o Estado ar-
ticula tímidas políticas sociais, como a prevista pelo Decre-
to n.º 16.272, de 20 de dezembro de 1923, que regulamenta-
va a proteção de menores abandonados e delinqüentes, que
reconhecia “a situação de pobreza como geradora de crian-
ças abandonadas e jovens delinqüentes.”76
Ainda, em 1923, o Governo de Arthur Bernardes, editará
o Decreto no. 16.300 aprovando o Regulamento do Departa-
mento Nacional de Saúde Pública, que destinou o Capítulo
VII ao tratamento do “trabalho de menores”.
No entanto, entendemos que se encontra na omissão es-
tatal em matéria de educação profissional nas décadas ini-
ciais da República que o empresariado sustenta a razão de
empregar como aprendizes um número relevante de crian-
ças e adolescentes, sendo que o mais interessante é que
mesmo sendo visível a exploração, esta escondia-se por
detrás de uma cortina assistencialista.
Em 1925, são editados a Lei no 2.059 criando o Juízo Pri-
vativo de Menores e o Decreto no 3.228 sobre Conselho de
Assistência e Proteção do Menor pavimentando o caminho
para a adoção de uma legislação capaz de controlar judici-
almente a assistência da criança brasileira.
No ano de 1926, a questão da criança trabalhadora per-
manecia em pauta, sendo editado o Decreto no. 5.083, de 1o
de dezembro, que manteve a proibição de trabalho aos me-
76
PASSETTI, Edson. Op. Cit. p. 354.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
61

nores de doze anos e determinou uma série de limites ao


trabalho de menores com idades inferiores aos quatorze
anos, dentre esses aqueles realizados em usinas, manufatu-
ras, estaleiros, minas ou qualquer outro tipo de trabalho
subterrâneo, pedreiras, oficinas, em qualquer dependência
sejam elas públicas ou privadas, de caráter profissional ou
de beneficência. O referido Decreto proibiu, ainda, o traba-
lho aos menores de dezoito anos em serviços danosos à saú-
de, à vida, à moralidade ou excessivamente fatigantes ou
que fossem excessivos às suas forças. No ano seguinte, o
trabalho infantil seria objeto de atenção no novo Código de
Menores.

1.10 O Código de Menores de 1927 e a ditadura no


Brasil

O Decreto no 17.934-A de 12 de outubro de 1927 estabele-


ceu o primeiro Código de Menores da República, elabora-
do por uma comissão de juristas liderados pelo então Juiz
de Menores do Rio de Janeiro José Cândido de Mello Mattos.
O novo Código símbolo da cultura menorista produzida
desde o início do século regulou o trabalho de menores no
capítulo IX, estabelecendo a idade mínima para o trabalho
em doze anos, a proibição do trabalho nas minas e de traba-
lho noturno aos menores de dezoito anos e na praça públi-
ca aos menores de quatorze anos, dentre outras limitações.
O Código de Menores de 1927 conseguiu corporificar leis
e decretos que, desde 1902, propunham-se a aprovar um
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
62 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

mecanismo legal que desse especial relevo à questão das


crianças e adolescente brasileiros, denominados à época
como menor. Alterou e substituiu concepções obsoletas como
as de discernimento, culpabilidade, responsabilidade, dis-
ciplinando, ainda, que a assistência à infância deveria pas-
sar da esfera punitiva para a educacional.
A preocupação com o desenvolvimento da criança foi
elevada a tal grau de importância que a violação dos dispo-
sitivos de proteção e limites do trabalho do menor ocasiona-
vam a imposição de multas e, havendo reincidência, até a
imposição de prisão celular de oito dias a treze meses, con-
forme o art. 110 do novo Código.
O Código de Menores de 1927 contemplava uma série
de distorções: ao mesmo tempo em que proibia o trabalho
de infantes de até 12 anos e a sua impunidade até os 14
anos, permitia que os adolescentes cuja idade estivesse en-
tre os 14 e os 18 anos fossem internados em “estabelecimen-
tos especiais”, levando esta categoria a uma espécie de
“limbo legal”.77
O novo Código, já em seu art. 1o, definia que: “o menor,
de um ou outro sexo, abandonado, ou delinqüente, que ti-
ver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autori-
dade competente às medidas de assistência e proteção con-
tidas neste Código”. Constata-se que as medidas eram des-
tinadas apenas àqueles que fossem abandonados ou delin-
qüentes e, assim, a atribuição do Estado seria a assistência e
a proteção daqueles que assim se encontrassem.
77
CORRÊA, Mariza. Op. Cit. p. 79-80.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
63

O art. 26 do Código de Menores definia o conceito de


menor abandonado que envolvia os menores de 18 anos,
que entre outras características apontadas, seriam, segun-
do o inciso V, aqueles : “que se encontrem em estado habi-
tual de vadiagem, mendicância ou libertinagem”.
Sendo a vadiagem e a mendicância socialmente repro-
váveis, a resposta estatal era a assistência que, envolvia, tam-
bém, a formação ou o desenvolvimento de atividade laboral.
Havia, inclusive, o interesse na proteção dos jovens, por isso,
o inciso VII, “c” do art. 26, também caracterizava como
menores aqueles: “empregados em ocupações proibidas ou
manifestamente contrárias à moral e aos bons costumes, ou
que lhes ponham risco a vida e a saúde”.
No mesmo sentido, o art. 28, fixava quem eram os meno-
res vadios, entendidos como aqueles que: “vivem em casa
dos pais ou tutor ou guarda, porém se mostram refratários
a receber instrução ou entregar-se ao trabalho sério e útil,
vagando habitualmente pelas ruas e logradouros públicos”.
A responsabilidade dos pais, também, era ponto de pre-
ocupação do novo Código. O art. 34, inciso II, possibilitava
a suspensão do pátrio poder, ao pai ou mãe: “que deixar o
filho em estado de habitual vadiagem, mendicidade, liber-
tinagem, ou tiver excitado, favorecido, produzido o estado
em que se achar o filho, ou de qualquer modo tiver concor-
rido para a perversão deste ou para o tornar alcoólico”.
Entre as medidas aplicáveis aos menores abandonados
estavam a assistência e a institucionalização visando forne-
cer instrução, saúde, profissão, educação e vigilância. Con-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
64 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

forme o caso, a autoridade competente poderia determinar


que o menor fosse entregue a pessoa idônea ou interná-lo
em hospital, asilo, instituto de educação, oficina, escola de
preservação ou de reforma.
Desta forma, os primeiros trinta anos da República mar-
caram a concepção de que a criança pobre era a que se situ-
ava na nomenclatura abandonada e/ou perigosa, sendo fir-
mado como função do Estado assisti-la. Neste contexto, o
trabalho era compreendido como um remédio a livrar-lhe
da delinqüência e da corrupção moral.
Com a Revolução de 1930, há uma intensificação quanto à
edição de legislações garantidoras dos direitos fundados na
anterior regulamentação internacional do trabalho, elabora-
da durante os vários anos de atividade da OIT, resultando
numa solidificação do tratamento destinado à idade míni-
ma. Em relação a esse período, revela-se como ponto impor-
tante o Decreto n.º 22.042, de 1932, o qual determinava que a
idade mínima para o trabalho industrial é de 14 anos.
Também neste contexto histórico o discurso da educação
passa a ter um certo lugar: fala-se em “educação integral”,
esta teria por fundamento a saúde, a moral e o trabalho.78
No entanto, Edson Passetti destaca que “pretendendo
domesticar as individualidades e garantindo com isso os
preceitos de uma prevenção geral, os governos passaram
a investir em educação, sob o controle do Estado, para
criar cidadãos a reivindicar disciplinarmente segundo as

78
CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Op. Cit. p. 284.
79
PASSETTI, Edson. Op. Cit. p. 355.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
65

expectativas de uma direção política cada vez mais cen-


tralizadora.”79
Sob esta ótica, surgiram muitas associações filantrópicas
com vistas a amparar e assistir a infância desamparada.
Como exemplo das iniciativas podemos citar a Liga das
Senhoras Católicas, o Rothary Club e a Associação Pérola
Bygthon.80
Em 1934, o Brasil adota uma nova Constituição de pro-
fundo conteúdo social, que inauguraria a proteção consti-
tucional contra a exploração do trabalho infanto-juvenil no
Brasil, uma vez que determinava em seu art. 121, § 1o., alí-
nea “d” a “proibição do trabalho a menores de quatorze
anos; de trabalho noturno a menores de dezesseis; e em
industrias insalubres, a menores de 18 anos...”. Previsão,
por óbvio, decorrente da ratificação das convenções nos. 5 e
6 da OIT realizada no mesmo ano pelo governo brasileiro.
A Constituição de 1934 também reconhece a instrução
como direito de todos independentemente da condição so-
cial ou econômica elevando o direito à educação como uma
categoria constitucional. O artigo 149 estabelecia: “a educa-
ção é direito de todos e deve ser ministrada pela família e
pelos poderes públicos, cumprindo a estes proporcioná-la
a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no país, de modo
que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica
da nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciên-
cia da solidariedade humana.”81

80
MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 76.
81
PASSETTI, Edson. Op. Cit. p. 360.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
66 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Em 1937, a Constituição do Estado Novo com todo seu


caráter corporativista não trouxe alterações quanto ao limi-
te de idade mínima para o trabalho, repetindo a redação da
Constituição anterior, agora sob o art. 137, alínea “k”, man-
tendo a garantia social anterior.
No campo da educação, a Constituição de 1937 revela a
sua inspiração no fascismo italiano, determinando no art.
129: “à infância e a juventude, a que faltarem recursos ne-
cessários à educação em instituições particulares, é dever
da nação, dos estados e dos municípios assegurar, pela fun-
dação de instituições públicas de ensino em todos os seus
graus, a possibilidade de receber uma educação adequada
às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.”
Na área assistencial, em 1938 é criado o Serviço Social
dos Menores. Já em 1940, o Brasil irá criar o Departamento
Nacional da Criança vinculado ao Ministério da Educação
com a finalidade de coordenar as atividades relativas à pro-
teção à infância, a maternidade e à adolescência.82
Ainda sob vigência do Código de Mello Mattos, em 1941,
o Decreto 3.779, criou o Serviço de Atendimento ao Menor
(SAM) que visava amparar socialmente os menores desva-
lidos e infratores através de atendimento psicossocial pres-
tados mediante a internação em instituições capazes de re-
cuperar os jovens afastando-os de influências maléficas da
sociedade. A implementação do SAM efetivou-se através
de uma política nacional centralizadora, resultando num
82
ROSEMBERG, Fúlvia. A LBA, o Projeto Casulo e a Doutrina da Segurança Nacional. In: In:
FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). História Social da Infância no Brasil. 2 ed. São Paulo: Cortez/
USF, 1999. p. 144.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
67

modelo praticamente ineficaz e que, em 1964 foi substituí-


do pela Política Nacional do Bem Estar do Menor.
No plano internacional, em 1944, durante a realização
de sua 26a. Conferência Internacional do Trabalho (CIT), a
Organização Internacional do Trabalho adota a Declaração
de Filadélfia que destacou, entre seus fins e objetivos, a pro-
teção das crianças como elemento indispensável da justiça
social.
No ano seguinte acontecerá no México, a Conferência de
Chapultepec, quando será adotada a Declaração de Princí-
pios da América. O Brasil subscreve a convenção reiteran-
do o compromisso de ratificar os princípios consagrados
nas diversas Conferências Internacionais do Trabalho e ex-
pressam o desejo de que essas normas de direito social, ins-
piradas em elevadas razões de humanidade e Justiça, se-
jam incorporadas às legislações de todas as nações do con-
tinente. Era o novo clima da modernidade que se estabele-
cia no pós-guerra.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e da ditadura
Vargas, a inspiração de um regime democrático estimula-
do pelos aliados ocidentais abre caminho para uma nova
Constituição brasileira em 1946. Em seu artigo 166, a nova
constituição reconhece que educação é direito de todos e
será dada no lar e na escola, devendo inspirar os princípios
e ideais de solidariedade humana.
No entanto, a nova Constituição brasileira tratou de
flexibilizar os dispositivos com relação à idade mínima para
o trabalho ao conceder aos juízes de menores o poder de
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
68 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

autorizar o trabalho abaixo do limite da idade mínima. Con-


tudo, cumpre registrar que foi elevado, nesse momento, o
limite de idade para o trabalho noturno de dezesseis para
dezoito anos. Nesse sentido, o art. 157, X, determinou a:
“proibição de trabalho a menores de quatorze anos, em in-
dústrias insalubres, a mulheres e a menores de dezoito anos,
e de trabalho noturno a menores de dezoito anos, respeita-
das em qualquer caso, as condições estabelecidas em lei e
as exceções admitidas pelo juiz competente.”
A década de cinqüenta será um período de grande deba-
te e reflexão, principalmente pela iniciativa dos Tribunais
de Justiça dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro que
promoverão, quase anualmente, as Semanas de Estudos dos
Problemas dos Menores, visando encontrar um caminho
para a questão.
Como resultado dos debates e mobilizações da década
de cinqüenta os juízes apontam a necessidade de criar uma
fundação nacional capaz de estabelecer a política para área.
Resgatando princípios da doutrina da segurança nacional
articulado entre a Escola Superior de Guerra do Brasil e o
National College War dos Estados Unidos, o projeto foi
enviado à Câmara dos Deputados no ano de 1961, sendo
rejeitada.
No entanto, com o golpe de Estado em 31 de março de
1964 a vida democrática no país seria mais uma vez inter-
rompida pelo medo do perigo socialista e a doutrina da se-
gurança nacional da Escola Superior de Guerra ganhará
força para estabelecer o autoritarismo no Brasil.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
69

O assassinato violento do filho do Ministro da Justiça,


Milton Campos, no mesmo ano, por adolescentes morado-
res nos morros no Rio de Janeiro, será a justificativa para o
próprio ministro e juristas da área convencerem o Presidente
General Castelo Branco a criar a fundação nacional.
Desta forma, surge a Lei no 4513 de 01 de dezembro de
1964, instituindo a Fundação Nacional do Bem Estar do
Menor (FUNABEM), que colocaria o problema do menor
como assunto de Estado, adequando o problema social dos
menores e adequando os princípios da Declaração dos Di-
reitos da Criança de 1959 aos interesses do novo governo
militar que tomava o poder; iniciar-se-ia uma nova orienta-
ção à infância desvalida com a implantação de uma “nova”
política – PNBEM – Política Nacional de Bem-Estar do Me-
nor, e a conseqüente instalação da FUNABEM e das FEBEMs
(Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) nos mais va-
riados Estados.
A partir do momento em que a questão da infância rece-
be o status de problema social, sobre ela recaem as determi-
nações e preceitos da ideologia da segurança nacional. A
PNBEM tem, deste modo, toda a sua estrutura autoritária
resguardada pela ESG – Escola Superior de Guerra. Tal po-
lítica, à medida em que se estruturou de forma autoritária e
tendo por alvo atrelar e reprimir as organizações trabalhis-
tas, fez com que a questão do “menor” ampliasse o espaço
do “bem-estar” do Estado, o qual passou a atuar de modo
controlador, reprimindo ou punindo condutas considera-
das desajustadas.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
70 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

A PNBEM e, por conseguinte, a FUNABEM, serviram,


efetivamente, como instrumentos de controle da sociedade
civil.
No panorama constitucional, a Constituição Federal de
1967, seguida pela Emenda Constitucional no 01, de 1969,
ao instituir a assistência ao universo infanto-juvenil, não
seguiu no todo as constituições precedentes, determinando
duas modificações específicas. A primeira, referente à ida-
de mínima para a iniciação ao trabalho, que passa a ser de
12 anos, e a segunda, instituindo o ensino obrigatório e gra-
tuito nos estabelecimentos oficiais para as crianças de 7 a 14
anos de idade. A postura assumida pelo Estado brasileiro
de permitir o trabalho de crianças de 12 anos, a partir de
1967, significou um retrocesso com relação às legislações
da maioria dos países.
Torna-se importante destacar que o rebaixamento não
proporcionou qualquer conquista social em relação à ele-
vação dos níveis de desenvolvimento humano, geração de
emprego e renda ou na garantia dos direitos trabalhistas
para os adolescentes com idades entre 12 e 14 anos, demons-
trando, portanto, que a experiência prática da redução da
idade mínima para o trabalho não consistiu numa medida
salutar.
No âmbito internacional, até o início da década de seten-
ta, a determinação dos limites de idade mínima para o tra-
balho eram categorizadas, sendo prioritários, por óbvio, os
setores nos quais se destacavam a periculosidade, a penosi-
dade e a insalubridade, estando de qualquer forma a legis-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
71

lação brasileira bastante avançada em relação aos limites


internacionais.
Em 1967, com o endurecimento do regime militar, hou-
ve um efetivo retrocesso no que tange à idade mínima para
o trabalho, esta redução para doze anos desconsiderou in-
clusive, os princípios protetivos adotados pela Organiza-
ção Internacional do Trabalho, que em suas convenções e
recomendações sempre indicou a persecução constante da
elevação dos limites de idade mínima para o trabalho.
No que diz respeito à Emenda Constitucional no 1, de
1969, esta não representou qualquer avanço em relação ao
tema, pois preservou os limites reduzidos anteriormente no
seu art. 165, X, fixando: “proibição do trabalho, em indús-
trias insalubres, a mulheres e menores de dezoito anos, de
trabalho noturno a menores de dezoito anos e de qualquer
trabalho a menores de doze anos.”
No ano de 1973, a Conferência Internacional do Traba-
lho (CIT) editou a Convenção no 138 com o objetivo de subs-
tituir as convenções editadas sobre idade mínima para a
admissão em trabalho ou emprego, fixando-se limites úni-
cos para o início do desenvolvimento de atividade laboral e
que também obrigando os países membros a perseguir uma
política nacional destinada a assegurar a efetiva abolição
do trabalho infantil; além disso a estabelecer uma idade
mínima para admissão a emprego ou trabalho e a elevar
progressivamente esta idade a um limite compatível com o
pleno desenvolvimento físico e mental da criança.
No entanto, a valorização dos instrumentos fornecidos
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
72 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

pelo novo tratado internacional não encontrou amparo em


todos os países signatários da OIT, entre eles o Brasil, que
não ratificou imediatamente a referida Convenção.
A Convenção no 138 foi aprovada na 58a Conferência
Geral da Organização Internacional do Trabalho e adotada
no dia 26 de junho de1973. Considerando seu art. 12, item
2, que prevê sua entrada em vigor doze meses a partir da
data de registro da ratificação da convenção por dois paí-
ses-membros realizado pelo Diretor Geral da organização,
a Convenção no 138 entrou em vigor em 19 de junho de 1976.
Em 27 de setembro de 1973 foi submetida à análise da
Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho, que por
meio do Parecer n o 39, de autoria do Consultor Jurídico
Marcelo Pimentel, que se posicionou contrário à ratificação
da Convenção no 138, da Organização Internacional do Tra-
balho, sobre idade mínima para admissão no trabalho.
Em 28 de agosto de 1974 foi enviado pelo Presidente
Ernesto Geisel pedido de autorização para ratificação da
Convenção no 138, da Organização Internacional do Tra-
balho, sobre idade mínima para o Trabalho ao Congres-
so Nacional, por intermédio de Projeto de Decreto Legis-
lativo.
Enquanto tramitava a Convenção Internacional que iria
proteger as crianças e adolescentes contra a exploração no
trabalho, vigorava no Brasil a Doutrina da Segurança Naci-
onal fundamentada nos velhos princípios da disciplina,
moralização e trabalho como elementos necessários à cons-
trução de uma nação que desejava alcançar o progresso.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
73

Experiências como o Projeto Casulo, a Política Nacional


de Bem Estar do Menor e outras iniciativas voltadas ao con-
trole, vigilância e repressão das classes populares brasilei-
ras multiplicavam-se sob o controle centralizado dos mili-
tares e da tecnoburocracia estatal, práticas que serão conso-
lidadas no Código de Menores de 1979.
É de se destacar que, segundo Edson Passetti “desde o
Código de Menores de 1927 até a Política Nacional do Bem-
Estar do Menor que ficou consagrada no Código de Meno-
res de 1979 (Lei federal no 6.697, de 10 outubro de 1979),
foram mais de sessenta anos usando da prática de interna-
ção para crianças e jovens, independentemente de trata-se
de regime político democrático ou autoritário.”83
O Código de Menores de 1979 será a perfeita formatação
jurídica da Doutrina da Situação Irregular constituída a
partir da Política Nacional do Bem-Estar do Menor adota-
da em 1964. Trouxe a concepção biopsicossocial do aban-
dono e da infração, fortaleceu as desigualdades, o estigma
e a discriminação dos meninos e meninas pobres tratando-
os como menores em situação irregular e ressaltou a cultu-
ra do trabalho legitimando toda ordem de exploração con-
tra crianças e adolescentes.

1.11 A transição dos anos 80 e as novas conquistas

A partir de 1980 a situação da infância no Brasil passou a


ser motivo de atenção maior não só do Estado mas também
83
PASSETTI, Edson. Op. Cit. p. 358.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
74 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

da sociedade que se organizava e exigia transformações de


modo a atender as urgentes necessidades. Foi a partir da
organização dos vários movimentos sociais, como o Movi-
mento de Defesa do Menor, o Movimento Criança Consti-
tuinte, o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de
Rua e a Pastoral do Menor, apenas para citar alguns, que a
Constituição Federal de 1988 incorporará uma série de ga-
rantias destinadas a crianças e adolescentes.
No que se refere à legislação internacional, é de se desta-
car que em 28 de março de 1986, a Câmara dos Deputados,
aprovou o pedido de autorização para ratificação da Con-
venção no 138, da Organização Internacional do Trabalho
sobre idade mínima para o trabalho que tramitava naquela
casa desde 1974, mas ainda não seria nesta oportunidade
que o instrumento seria efetivamente adotado pelo Brasil.
Sobre esta década de profundas mudanças, Mary Del
Priore traz importante reflexão: “O que restou da voz dos
pequenos? O desenho das fardas com que lutaram contra
o inimigo, carregando pólvora para as canhoneiras brasi-
leiras na Guerra do Paraguai; as fotografias tiradas quan-
do da passagem de um ‘photographo’ pelas extensas fa-
zendas de café; o registro de suas brincadeiras, severamen-
te punidas, entre as máquinas de tecelagem; as fugas da
Febem. Não há contudo, dúvida de que foi, muitas vezes,
o ‘o não registrado’ mal-estar das crianças ante aos adul-
tos que obrigou os últimos a repensar suas relações de res-
ponsabilidade para com a infância, dando origem a uma
nova consciência sobre os pequenos, que se não é, hoje,
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
75

generalizada, já mobiliza grandes parcelas da população


brasileira.”84
Toda a mobilização promovida ao longo da década de
80 irá garantir os novos fundamentos e direitos à infância e
a adolescência brasileira, superando os velhos estigmas e
contradições do menorismo. A Constituição Federal de 1988,
incorpora toda uma luta pelos Direitos da Criança, seja na
órbita internacional – de declarações, tratados, convenções,
seja na órbita interna, por meio de um processo legislativo
que se ocupou da questão da infância e adolescência, situ-
ando-a como sujeito de direitos.
Com a nova Constituição Federal e a Lei 8.069/90 as crian-
ças e adolescentes passaram a dispor de um conjunto de nor-
mas protetivas em função de sua condição especial de pes-
soa em desenvolvimento. O art. 227 da Constituição Federal
dispõe como “É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta priorida-
de, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respei-
to, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além
de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discrimi-
nação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
A garantia desse complexo conjunto de direitos regula-
mentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que
instituiu mecanismos eficazes para a implementação das
políticas públicas necessárias à sua efetivação. Vale salien-
tar que os direitos infanto-juvenis garantidos na constitui-
84
PRIORE, Mary Del. Op. Cit. p. 14.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
76 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

ção recebem um tratamento diferenciado e especial, pois


dispõem da primazia de absoluta prioridade, ou seja, signi-
fica que a efetivação desses direitos mediante a formulação
e execução de políticas públicas devem ser sobrepostos a
todas as demais políticas a serem executadas.
A promulgação desta nova Constituição democrática,
estabeleceu a proibição do trabalho noturno, perigoso e in-
salubre antes dos dezoito anos e também restabeleceu o li-
mite de idade mínima para o trabalho em quatorze anos,
ressalvando a possibilidade de aprendizagem que poderia
ser realizada já a partir dos doze anos. Também, fixa a nova
Constituição, no art. 227, § 3o., que a proteção especial des-
tinada à criança e ao adolescente envolve, em conformida-
de com o art. 7o., inciso XXXIII, a garantia dos direitos tra-
balhistas e previdenciários e a garantia de acesso ao traba-
lhador adolescente à escola.
Cumpre ressaltar que a busca da efetividade nos novos
parâmetros constitucionais inerentes à proteção da infância
e juventude é atividade que exige a participação articulada
da sociedade e do Estado, não podendo se resumir apenas
à fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, pois
seria uma visão muito simplista imaginar que situações
dessa natureza resolver-se-iam com a fiscalização, uma vez
que não é com uma resposta penalizante – mediante autua-
ções e multas – que se alterará condutas firmadas na cultu-
ra social. Para que se consiga os fins desejados nesta ques-
tão, é necessário que a fiscalização do trabalho alie-se a ou-
tras entidades e instituições, como os Conselhos Tutelares,
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
77

o Ministério Público, os Juizados da Infância e Juventude,


os sindicatos dos empregadores e, ainda, com os organis-
mos não-governamentais, em especial com os que atuam
na defesa de crianças e adolescentes.85
Este indicativo é de extrema importância, pois a trans-
formação da realidade social em busca da efetividade dos
princípios normativos garantidores dos direitos infanto-ju-
venis somente se realizará mediante a articulação das orga-
nizações governamentais e não-governamentais em torno
da questão.
O Estatuto da Criança e do Adolescente dedicou um ca-
pítulo para o direito à profissionalização e à proteção no
trabalho, o que indica que o tempo da adolescência é o tem-
po da formação integral, no qual se incluiria, entre outros
direitos, o da profissionalização.
A nova legislação estabelece como princípios básicos: o
reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos
de direitos e o respeito a sua condição especial de pessoa
em desenvolvimento.
Além da regulamentação das normas protetivas previs-
tas constitucionalmente, que resultaram da construção his-
tórico-legislativa das normas de proteção à infância e ju-
ventude, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe a
sistematização de normas importantes, como as previstas
em seu artigo 67, incisos I, III e IV que estabelecem a proibi-
ção: 1) do trabalho penoso, 2) do trabalho realizado em lo-

85
OLIVEIRA, Joélho Ferreira de. O trabalho da criança e do adolescente em condições de risco.
Curitiba: mimeo, 1996. p. 04 .
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
78 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

cais prejudiciais à formação e ao desenvolvimento físico,


psíquico, moral e social do adolescente em horários e locais
que não permitam a freqüência à escola aos adolescentes
menores de dezoito anos.
Ainda preocupou-se em assegurar - no art. 69, I e II - que
o direito à profissionalização e à proteção no trabalho do
adolescente deve observar o respeito à condição peculiar
de pessoa em desenvolvimento e à capacitação profissional
adequada ao mercado de trabalho, dentre outros aspectos.
Mesmo com uma nova legislação em vigor, a Convenção
no 138, da Organização Internacional do Trabalho, sobre
idade mínima para o trabalho, continuava enfrentando obs-
táculos, pois ao ser encaminhado ao Senado Federal, o pe-
dido de autorização para sua ratificação foi rejeitado, apro-
vando-se o Parecer no 24/91, do Senador Jutahy Magalhães
durante Sessão da Comissão de Constituição, Justiça e Ci-
dadania, sendo devidamente arquivado o Projeto de De-
creto Legislativo e comunicado à Presidência da República
em 23 de agosto de 1991, pela Mensagem SM no 286.
Somente em 1993 o Ministro Walter Barelli encaminhou
nova proposta de ratificação da convenção juntamente com
a Proposta de Emenda Constitucional que pretendia supri-
mir a expressão “salvo na condição de aprendiz” previsto
no art. 7o, XXXIII da Constituição Federal. No entanto, os
problemas decorrentes do Processo de Revisão Constituci-
onal previsto naquela época impossibilitou, mais uma vez,
a devida ratificação.
Em 1994, o Brasil começaria a viver uma experiência sin-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
79

gular para a prevenção e erradicação do trabalho precoce


com a criação do Fórum Nacional de Prevenção e Erradica-
ção do Trabalho Infantil (FNPETI), uma vez que se consta-
tava que no Brasil havia uma importante lacuna: carecía-
mos de uma instância que tivesse por objetivo a articulação
de diferentes setores da sociedade que tinham estratégias,
movimentos comuns, evitando, assim, a duplicação de for-
ças, o que poderia inclusive dividir o esforço de erradicar o
trabalho infantil.86
A mobilização empreendida pelo Fórum Nacional de
Prevenção e Erradicação foi de tal abrangência que nos di-
versos estados brasileiros multiplicaram-se Fóruns Estadu-
ais e Municipais voltados à proteção da criança e do adoles-
cente contra a exploração do trabalho precoce trazendo a
tona novas reflexões e alternativas para a questão.
Ainda em 1995, em função da gravidade do problema, o
Governo brasileiro instituiu, mediante a participação de
vários Ministérios, o Grupo Executivo de Repressão ao Tra-
balho Forçado, tendo este grupo o objetivo de combater o
trabalho forçado e o trabalho infantil, bem como criou o

86
FÓRUM NACIONAL DE PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL. Traba-
lho infantil não é brincadeira. Brasília: FNPETI, 2003. p. 13. O problema da exploração do
trabalho de crianças e adolescentes no Brasil havia tomado tal proporção, que segundo Rosa
Ângela S. Ribas Marinho, o IBGE indicava que “em 1995, das 16,3 milhões de crianças existen-
tes no País entre 5 e 9 anos de idade, 552.185 encontram-se exercendo papel laborativo no
mercado de trabalho, em flagrante desrespeito à Convenção Internacional dos Direitos da Cri-
ança”. (MARINHO, Rosa Ângela S. Ribas. Fórum Estadual pela Erradicação do Trabalho Infantil
e Proteção do Adolescente no Trabalho/SC - Uma Definição. In: FÓRUM ESTADUAL DE ERRA-
DICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E PROTEÇÃO DO ADOLESCENTE NO TRABALHO/SC.
A erradicação do trabalho infantil e a proteção ao trabalho do adolescente. Caderno 1. Florianó-
polis: Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente no Traba-
lho/SC, 1997. p 05-6.)
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
80 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Grupo Móvel de Fiscalização, coordenado pelo Ministério


do Trabalho, com a finalidade de repressão ao trabalho in-
fantil e forçado.
Em 1996, Joélho Ferreira de Oliveira registrava que “em
cada seis crianças da população mundial infantil, uma tra-
balha. Seriam cerca de 100 milhões, mas há quem estime o
dobro, 95% dessas crianças vivem em países subdesenvol-
vidos.”87 E ainda, ressaltava “no Brasil, a taxa de ativida-
de (18%) de crianças na faixa etária 10 a 14 anos só perde
para o Paraguai (19%) e o Haiti (24,4%) e supera a de ou-
tros países subdesenvolvidos como a Indonésia (11,1%),
Marrocos (14,3%), Honduras (14,7%), República
Dominicana (15,5%), entre outros.” 88
É de se anotar que em abril de 1996, o Relatório Síntese
da Assembléia Ampliada sobre Trabalho Infanto-Juvenil do
Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescen-
te (CONANDA) apontou entre os indicativos para sua atu-
ação, no item 4, “b” a ratificação da Convenção 138 da OIT,
por não se conflitar com a ordem constitucional brasileira,
sendo que neste mesmo ano o governo brasileiro enviou ao
Congresso Nacional o Projeto de Emenda Constitucional no
413/96 propondo a retirada da cláusula que permitia a
aprendizagem entre doze e quatorze anos. Contudo houve
muitos questionamentos se realmente a exclusão da apren-
dizagem seria mecanismo eficaz para o combate ao traba-
lho infantil e se talvez o caminho adequado não seria a rati-

87
OLIVEIRA, Joélho Ferreira de. Op. Cit. p. 05.
88
OLIVEIRA, Joélho Ferreira de. Op. Cit. p. 05.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
81

ficação da Convenção no 138 da OIT e a elevação da idade


mínima para admissão em trabalho ou emprego. Nesse sen-
tido posicionou-se o então Ministro do Trabalho em discur-
so na Conferência Internacional sobre Trabalho Infantil, re-
alizada em Oslo, Noruega, em outubro de 1997, justifican-
do que o propósito da emenda constitucional seria a ratifi-
cação da Convenção 138 da OIT.
Neste contexto, também desempenhou papel importante a
realização da Marcha Global contra o Trabalho Infantil que
mobilizou diversos segmentos da sociedade civil em 99 países
do mundo, inclusive no Brasil, tendo como uma das suas dire-
trizes buscar a ratificação da Convenção no 138, da Organiza-
ção Internacional do Trabalho pelo maior número de países.
Em novembro de 1998, o Fórum Nacional para Preven-
ção e Erradicação do Trabalho Infantil, ao elaborar seu Pla-
no de Ação definiu como necessidade articular, em curto
prazo, apoio à ratificação da Convenção 138 da OIT, tendo
inclusive no ano de 1999 elaborado parecer conclusivo em
favor da ratificação desta convenção.
Mas, para a ratificação da desejada convenção, foi pri-
mordial a promulgação, em 15 de dezembro de 1998, da
Emenda Constitucional no. 20, modificando o sistema de
previdência social e estabeleceu normas de transição e de-
terminou outras providências, dentre as quais a alteração
dos limites de idade mínima para a admissão em emprego
ou trabalho e, portanto, o âmbito de abrangência da capaci-
dade jurídica e das condições para o exercício do trabalho
infanto-juvenil, suprimindo todos os obstáculos, até então
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
82 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

encontrados para a devida ratificação do instrumento in-


ternacional.
A Convenção no 138 e a Recomendação no 146 da Orga-
nização Internacional do Trabalho (OIT), denominadas res-
pectivamente de “Convenção sobre a Idade Mínima, de
1973” e “Recomendação sobre a Idade Mínima, de 1973”,
estão colocados como um dos principais documentos da-
quela organização internacional. Tal é a importância da
Convenção no 138 que foi escolhida como um dos documen-
tos de direito fundamental da OIT.
Os caminhos para a ratificação da Convenção no 138 pelo
Brasil passaram por um longo período de amadurecimento
desde a sua edição em 1973, mas sua adoção culminou com
a constituição da Comissão Tripartite, instituída pela Por-
taria GM/MTE No 341, de 27 de maio de 1999, que apresen-
tou parecer favorável a ratificação da referida Convenção
pelo Brasil abrindo definitivamente o caminho para a reso-
lução da desejada ratificação.
Outro instrumento internacional importante, foi aprova-
do pela Assembléia Geral da Organização Internacional do
Trabalho reunida no mês de junho de 1999, denominada
Convenção no 182, voltada para as piores formas de traba-
lho infantil, como norma internacional complementar à
Convenção 138. Sendo definitivamente ratificadas as duas
Convenções no ano de 2000, preenchendo as lacunas que
ainda restavam na consolidação de um sistema jurídico ca-
paz de trazer efetividade à proteção das crianças e dos ado-
lescentes contra a exploração no trabalho infantil.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
83

1.12 Mas enfim, será possível erradicar o trabalho


infantil?

Os desafios para a erradicação do trabalho infantil no


Brasil exigem esforços que devem partir de diversos cam-
pos, considerando a influência de fatores que escapam a
uma ação centralizada e individualizada em torno do tema,
antes de tudo trata-se de um projeto de ruptura social e his-
tória em busca da emancipação humana.
Além, disso são necessárias radicais mudanças culturais,
pois a cultura dominante ainda entende que “‘O trabalho
[explica uma mãe pobre] é uma distração para a criança. Se
não estiverem trabalhando, vão inventar moda, fazer o que
não presta. A criança deve trabalhar cedo’.”89 Esquecendo-
se que o tempo da infância é o tempo do livre gozo, do fazer
algo muito especial: brincar. É o tempo do lúdico, das fan-
tasias, das histórias e contos. São nos jogos que se realizam
interações sociais, aprende-se que se ganha, mas também
se perde e assim, ensaia-se a importância das frustrações e
do respeito ao outro.
A fria sociedade capitalista apresenta o ato de brincar
como algo perigoso e daí se justifica a exploração da mão-
de-obra infantil. A alternativa está estreitamente vinculada
ao exercício da cidadania em busca da emancipação, pois
segundo Domenico de Masi “a pedagogia do ócio também
tem a sua ética, sua estética, sua dinâmica e suas técnicas. E
tudo isso deve ser ensinado. O ócio requer uma escolha aten-
89
PRIORE, Mary Del. Op. Cit. p. 10.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
84 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

ta dos lugares justos: para se repousar, para se distrair e


para se divertir.” 90 Desta forma, é preciso ter um novo olhar
sobre o processo existencial. “Significa educar para solidão
e para a companhia, para a solidariedade e para o volunta-
riado. Significa ensinar como se evita a alienação que pode
ser provocada pelo tempo vago, tão perigosa quanto a alie-
nação derivada do trabalho.”91
Infelizmente, sob a perspectiva de milhares de famílias
pobres, o trabalho infantil se apresenta como uma forma de
geração de renda. E como esta mão-de-obra precocemente
explorada não terá como formar-se, desenvolver-se, capa-
citar-se, acaba por dar continuidade à miséria e à impossi-
bilidade fática dela fugir.
Entendemos por fim que a erradicação do trabalho in-
fantil tem o significado da superação das contradições do
excludente sistema capitalista, imposto pelos países centrais,
que provocam a reprodução das condições históricas de
exclusão social e política, que marcaram a história brasilei-
ra de dependência e escravidão e massacraram gerações de
crianças e adolescentes, que agora lutam pela efetividade
de seus direitos que as protegem contra a exploração no
trabalho. Mudanças nos caminhos que a história ainda de-
verá registrar para a garantia e efetividade do valor funda-
mental da dignidade da pessoa humana.

90
DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. p. 325-6.
91
DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. p. 325-6.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
85

2. CAUSAS DO TRABALHO DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE

2.1 Primeiras linhas

Para compreender o trabalho da criança e do adolescen-


te no Brasil além de suas características históricas é neces-
sária uma incursão sobre os seus principais fatores deter-
minantes, pois as causas do trabalho da criança e do ado-
lescente são necessariamente complexas.
O trabalho infantil, ou seja, aquele realizado abaixo dos
limites de idade mínima para o trabalho, constitui fenôme-
no social multifacetário, sendo necessário para sua compre-
ensão a conjugação de uma generalidade de aspectos que,
de acordo com suas combinações, resultam no ingresso de
significativo contingente de crianças e adolescentes em ida-
de inadequada no mundo do trabalho.
Embora alguns fatores ainda não tenham sido pesqui-
sados e estudados, em toda a sua complexidade, há um
conjunto bastante evidente das principais causas desse fe-
nômeno que atinge crianças e adolescentes em todo o
mundo.
Para a composição de um quadro analítico a respeito do
tema foram selecionados os principais aspectos qualitati-
vos, comumente destacados na bibliografia brasileira, acer-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
86 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

ca do trabalho infantil, envolvendo especialmente caracte-


rísticas econômicas, familiares, culturais e educacionais.

2.2 As múltiplas causas

Em países emergentes como o Brasil, a causa fundamen-


tal de todo o trabalho de crianças e adolescentes reside, com
certeza, na condição de pobreza de parcela significativa da
população, combinada com um conjunto de outros moti-
vos de ordem cultural e política. Sem dúvida, não é o dese-
jo de trabalhar que submete as crianças e adolescentes à ex-
ploração, pois seu custo é elevado no imaginário infanto-ju-
venil, pois impossibilita o direito de brincar e ir à escola, opor-
tunidades de grande valor para o universo infanto-juvenil. É
a precariedade econômica e a luta pela sobrevivência que
tem maior força no momento da tomada de decisão. Enfim,
sem dúvida a condição de pobreza é a causa fundamental.
Embora o conceito de pobreza seja muito amplo e varia-
do na doutrina, um elemento comum que a caracteriza é a
impossibilidade ou dificuldade de acesso aos bens, servi-
ços e direitos básicos da pessoa em determinado contexto
histórico.
Ainda, a pobreza pode ser compreendida como reflexo e
resultado de políticas econômicas e sociais que geram e re-
produzem as condições de desigualdade social, concentran-
do a riqueza nos extratos mais elevados e elitizados da po-
pulação.
Em uma sociedade de capitalismo globalizado e
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
87

concentrador é o desejo do lucro e, tão somente, o lucro que


mobiliza as forças produtivas, não se importando com as
conseqüências humanas e ambientais que possam gerar.
Neste contexto, a criança e o adolescente são significados
como mera mercadoria no mercado internacional de trocas
financeiras.
O trabalho infantil está intrinsecamente ligado a esse pro-
cesso, sendo ao mesmo tempo causa e resultado, provocan-
do um quadro social em que as crianças e adolescentes são
impulsionados a trabalhar desde muito cedo, porquanto o
motivo mais poderoso para o ingresso na vida laborativa é
a possibilidade de alívio da miséria e a satisfação das ne-
cessidades essenciais. O desejo por uma oportunidade de
trabalho superar qualquer limite, mesmo que seja necessá-
rio o esgotamento físico e intelectual, pois se coloca como
uma possibilidade de inclusão e, na maioria das vezes, da
superação da fome.
No Brasil a população sempre começou a trabalhar mui-
to cedo, principalmente impulsionada pela pobreza, pois
quanto mais baixa a origem sócio-econômica, maior a pos-
sibilidade de ingresso precoce no mundo do trabalho. Para
que fosse considerado legitimo esta inserção, o próprio Es-
tado brasileiro constituiu um conjunto de políticas de cará-
ter moralizador que dignifica o trabalho acima de tudo.
Neste processo, as constantes tentativas de alívio da si-
tuação de pobreza deixam às famílias o recurso ao trabalho
de seus filhos como uma das estratégias de sobrevivência,
já que a mobilização de todos os recursos disponíveis é o
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
88 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

único caminho numa sociedade carente de políticas de am-


paro social.
No estudo da relação entre trabalho infantil e escolariza-
ção no meio rural, constitui-se um fato similar, o trabalha-
dor criança representa um trabalhador cuja remuneração é
baixíssima, considerando que a própria remuneração do
trabalhador adulto não possibilita a dispensa da mão-de-
obra de seus filhos. Levando-se em conta, ainda, que “os
pequenos proprietários em situação menos privilegiada na
concorrência pela mão-de-obra temporária com as médias
e grandes propriedades são levados à incorporação do tra-
balhador mirim à força de trabalho, independentemente do
seu desempenho em relação ao trabalho adulto.”92
Na conjugação de valores entre o ingresso das crianças e
adolescentes na escola ou no trabalho, este último tende a
prevalecer, pois responde a uma necessidade inadiável para
o contexto familiar em questão.
Neste tema é comum escutarmos que o ingresso ao mun-
do do trabalho provoca a exclusão da criança e do adoles-
cente da escola. Ainda que tal preposição seja correta, ela é
também incompleta, pois na realidade “é o modelo econô-
mico que cria a pobreza, e esta impulsiona ao trabalho que
se mostra incompatível com a escolaridade. E porque não
dize-lo: freqüentemente é a escola inadequada, ao tipo de
ensino que expulsa a criança ou o adolescente.”93

92
ANTUNIASSI, Maria Helena Rocha. Trabalhador infantil e escolarização no meio rural. Rio de
Janeiro: Zahar, 1983. p. 108.
93
OLIVEIRA, Oris. O trabalho infantil. Brasília: OIT, 1994. p. 27.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
89

Assim, quanto mais carentes de recursos essenciais bási-


cos nas unidades domésticas urbanas, maior será a proba-
bilidade de crianças e adolescentes abandonarem a escola e
ingressarem precocemente no mercado de trabalho.
O trabalho infantil encontra aliados importantes na sua
manutenção, legitimação e reprodução, ou seja, como uma
mão-de-obra barata, justificada pelo baixo nível de especia-
lização que se apresenta e por seu tratamento como renda
complementar ao trabalho adulto94, o que consiste num atra-
tivo importante para empresas, sobretudo em épocas de
crise, quando estas recorrem a todas as formas possíveis de
precarização do trabalho com o intuito de subsistir e man-
ter-se integradas à competitividade do mercado globalizado.
Segundo a Sentença da Segunda Sessão do Tribunal In-
ternacional Independente Contra o Trabalho Infantil
“estamos em condições de afirmar que o trabalho infantil
faz parte de uma estratégia do capital internacional cujo
objetivo é a redução drástica do custo do trabalho.”95
O fato de parcelas significativas de crianças e adolescen-
tes aceitarem trabalho por uma remuneração muito menor
do que seria pago a um adulto, para a realização da mesma
atividade, estimula muitos empregadores a preferirem este
tipo de mão-de-obra, em que pese a sua ilegalidade.
Num contexto mais amplo, o reflexo desse processo é a
ocupação dos espaços produtivos por trabalhadores infan-

94
CERVINI, Ruben. BURGER, Freda. Op. Cit. p. 19.
95
FORUM ESTADUAL EM DEFESA DAS CONVEÇÕES DA OIT. Sentença da Segunda Ses-
são do Tribunal Internacional Independente Contra o Trabalho Infantil. Porto Alegre: Fórum Es-
tadual, 1999. p. 09.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
90 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

tis reforçando os elevados índices de desemprego adulto,


bem como, reduzindo os salários oferecidos aos patamares
mínimos.
A sentença proferida no Tribunal Internacional Contra o
Trabalho Infantil, ao constatar a ampla exploração do tra-
balho precoce no Brasil, registrou que o uso da mão-de-obra
infanto-juvenil não corresponde a um fenômeno esporádi-
co: “Ao aumento da pauperização dos trabalhadores e do
povo brasileiro, ao aumento do número de adultos desem-
pregados, corresponde um crescimento do número de cri-
anças que trabalham. O capital, para obter o máximo de
lucro, vê cada vez mais atrativos na exploração do trabalho
infantil.”96
Como as crianças são chamadas a assumirem papéis de
adultos, sem possuírem capacidades físicas e psíquicas para
o desenvolvimento das atividades requeridas, seu trabalho
é avaliado como pouco eficiente em relação ao trabalho adul-
to resultando numa remuneração inferior até mesmo à efi-
ciência demonstrada, representando um rendimento suple-
mentar para o empregador.97
Além do nível salarial, a extensão da incorporação da
criança e do adolescente no mercado de trabalho está vin-
culada a outro fator de atração, a informalidade. 98 A ampli-
ação significativa dos espaços da informalidade no Brasil

96
BICUDO, Hélio. A sentença. In: Tribunal Nacional Preparatório ao Tribunal Internacional Inde-
pendente contra o Trabalho Infantil. México 1996. Brasília: Tribunal Nacional, 1995. p. 95.
97
MENDELIEVICH, Elias. El trabajo de los niños. Genebra: Oficina Internacional del Trabajo,
1980. p. 7.
98
CERVINI, Ruben. BURGER, Freda. Op. Cit. p. 38.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
91

tem provocado a incorporação expressiva de crianças e ado-


lescentes no mundo do trabalho, uma vez que esse campo
escapa, em grande parte, dos sistemas de controle e fiscali-
zação do Estado.
As crianças e adolescentes apresentam-se como atrati-
vas para o mercado uma vez que consistem numa mão-de-
obra submissa e indefesa, sem qualquer poder de negocia-
ção para exigir melhores condições de trabalho, impostas
unilateralmente pelos empregadores. Não tendo condições
de participar efetivamente dos sindicados, tendem a não
estar representadas.99
As crianças e adolescentes apresentam uma reduzida
capacidade de reivindicação, por isso recebem salários me-
nores para produzirem o mesmo e, às vezes, até mais que
os adultos.
Portanto, a incorporação das crianças e adolescentes no
trabalho tem suas possibilidades elevadas, pois o baixo cus-
to, a docilidade, o baixo nível reivindicatório, a obediência
e a submissão são fatores que interessam ao capital e seus
desejos de lucro ampliado.
Não se pode desconsiderar que para a família carente de
recursos, a exigência mais urgente é ganhar o indispensá-
vel para poder sobreviver. As demais necessidades que não
sejam estritamente essenciais à sobrevivência, são satisfei-
tas somente na medida do possível.
No entanto, não se pode esquecer que mesmo as famíli-
as mais pauperizadas não estão imunes à atração por mer-
99
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 7.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
92 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

cadorias e serviços oferecidos, senão impostos pela mídia,


como símbolos de bem-estar. Em determinados casos, as
necessidades induzidas pelo meio tornam-se mais impor-
tantes que as exigências reais. O desejo de satisfação dessas
necessidades pode-se apresentar como uma reação a um
sentimento de privação ou frustração.100
O desejo de consumo do núcleo familiar, construído so-
cialmente como necessidade, pode ser um fator de estímu-
lo para a inserção precoce dos filhos no mundo do trabalho,
embora não seja o fator primordial ou determinante, mas
apenas um componente de reforço do processo, num con-
texto social mais amplo.
Embora os fatores econômicos apresentem-se como os
principais determinantes do ingresso precoce no mercado
de trabalho, não se pode desconsiderar o significado cultu-
ral e tradicional do trabalho no imaginário familiar, seja com
o aspecto educativo ou moralizador.
No entanto, parece que o conteúdo moralizador do tra-
balho precoce não se presta a todas as classes sociais. Nesse
sentido, Marcos Colares e Leila Paiva questionam: “se é ver-
dade que o trabalho fortalece o caráter, por que apenas aos
mais pobres é oferecida essa ‘tão importante contribuição à
edificação moral’.”101
Em relação à dimensão cultural, Fábio Machado Pinto re-
gistra que uma cultura que valoriza o trabalho, no conheci-
do chavão: “quanto mais cedo melhor!”, constitui um fator
100
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 10.
101
COLARES, Marcos, PAIVA, Leila. Aprendizado, trabalho e dignidade: discutindo perspecti-
vas legítimas de ocupação produtiva para adolescência no Brasil. Fortaleza: Perfil, 2003. p. 36.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
93

que contribui para a existência (seja o aumento, seja a conti-


nuidade) do trabalho infantil. Inclusive, até muitos gestores
do sistema público – percebemos isto em muitas capacita-
ções – possuem esta equivocada herança. “Não percebem,
com isso, da agressão que é submeter a criança ao trabalho
precoce, pois a preocupação final, escamoteada por um dis-
curso assistencialista, é o lucro...”102
O trabalho de crianças e adolescentes está arraigado nas
tradições, nos comportamentos de diversos locais, como um
vestígio do passado, com uma forte resistência à mudança.
Especialmente nos países periféricos, como é o caso do
Brasil, considera-se, ainda, muito normal a tradição das cri-
anças, especialmente no meio rural, não ingressarem na es-
cola e começarem a trabalhar em idade muito precoce, in-
dependente do grau relativo de pobreza das famílias. Por
outro lado, situações como o êxodo rural e a migração le-
vam famílias inteiras à condição de miséria ampliando o
número de crianças que precisam trabalhar.
No entanto, não são apenas as necessidades econômicas
que empurram as crianças e os adolescentes para o mundo
do trabalho, os níveis de escolarização dos pais também
operam como um fator importante no imaginário do papel
que o trabalho pode desempenhar no desenvolvimento das
condições familiares. Famílias com reduzidos níveis de
escolarização encontram maiores dificuldades para perce-

102
PINTO, Fábio Machado. A universidade e o trabalho infantil: a produção docente sobre o
trabalho infantil na Universidade Federal de Santa Catarina e na Universidade Técnica de Lis-
boa. Lisboa, 1997. Dissertação (Mestrado). Instituto Superior de Economia e Gestão, Universi-
dade Técnica de Lisboa. p. 53.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
94 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

ber as conseqüências do trabalho precoce, ou seja, quanto


menor a escolarização dos pais, maior a participação das
crianças e adolescentes no mercado de trabalho.
Em muitos casos, a opção pelo ingresso precoce dos fi-
lhos no trabalho trata-se de uma deliberação realizada pe-
los próprios pais, determinada por um ou vários motivos,
como a inexistência de escolas próximas ao local de residên-
cia, a falta de transporte escolar, as longas distâncias até a es-
cola mais próxima, a necessidade de contar com os recursos
financeiros decorrentes do trabalho da criança, a incapacida-
de de arcar com os custos de educação dos filhos ou, ainda,
porque não percebem a utilidade ou o valor da escola.103
O ingresso precoce no trabalho ainda pode ser agravado
pelo insucesso escolar das crianças e adolescentes e pela
ausência de alternativas ou mesmo pela própria incapaci-
dade da instituição escolar pública em satisfazer as expec-
tativas das famílias. Se grande parte das famílias somente
tem condições de enviar seus filhos para a escola durante
alguns poucos anos, logicamente estas crianças terão maior
dificuldade de aprendizado e remota possibilidade de rein-
tegração escolar futura.104
As crianças e adolescentes trabalhadores também valo-
rizam muito a oportunidade de freqüentar a escola, apon-
tam sempre o desejo de retornar em algum momento de
suas vidas ao estudo e reconhecem àquele espaço como sím-
bolo de lazer e bem estar.

103
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 9.
104
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 9.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
95

No entanto, as crianças e adolescentes brasileiros enfren-


tam dificuldades em freqüentar a escola, muitas crianças
não podem assistir às aulas porque precisam trabalhar; ou-
tros alternam o trabalho com a escola, geralmente com re-
sultados muito precários, outros não freqüentam a escola
porque seus pais ou família não dispõem de meios econô-
micos para aquisição dos mínimos materiais necessários,
tais como roupas e calçados, que lhes permitam assistir às
aulas. Há, ainda, determinados segmentos de crianças e
adolescentes que enfrentam a resistência da própria família
em relação à freqüência escolar.
As crianças que estudam e trabalham simultaneamente,
enfrentam muitos problemas. Nas áreas rurais, são comuns
as ausências escolares, especialmente nos meses de plantio
e colheita, período em que a mão-de-obra infanto-juvenil é
mais solicitada, gerando ausências periódicas. Tais ausên-
cias geram dificuldades para a reinserção escolar e, muitas
vezes, transforma-se em abandonos definitivos.105
De acordo com Rubem Cervini e Freda Burger, “a entrada
tardia à escola, os freqüentes abandonos temporários, a
repetência, o atraso etário com relação à série e, finalmente,
a expulsão definitiva, constituem fases recorrentes do ca-
minho escolar – estigmatizante e corroedor da auto-estima
do menino carente e trabalhador.”106
A desvalorização do papel da educação e da escola por
parte dos pais, além de dificuldades no oferecimento de

105
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 52.
106
CERVINI, Ruben. BURGER, Freda. Op. Cit. p. 37.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
96 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

condições adequadas para o ingresso e freqüência das cri-


anças ao sistema escolar, em muitos casos, constitui-se num
dos principais estímulos para a efetiva evasão escolar. Pode
ser dito que as razões da evasão escolar acentuam-se na
medida em que aumenta a idade e são mais ou menos as
mesmas razões para que as crianças não sejam envidadas à
escola desde o começo de sua vida estudantil.107
No meio rural, há um traço cultural marcante que com-
preende a escola como puramente teórica e, portanto, ina-
dequada às necessidades do campo. Nesse contexto, além
de grande parte das famílias rurais não perceberem as van-
tagens evidentes da escolarização de seus filhos, estão
despreparadas para lidarem com o atraso e o insucesso es-
colar, decorrente da diferença entre as propostas curricula-
res e os interesses das crianças e adolescentes, e também,
do cansaço provocado pelos trabalhos agrícolas que não
favorece a assimilação de conhecimentos.
Uma forma específica de arranjo familiar, adotada em
determinados setores sociais em busca da sobrevivência,
condiciona a disponibilidade da oferta de trabalho de cri-
anças e adolescentes em idade precoce. Esta será determi-
nada pela posição ocupada pela criança ou adolescente na
estrutura familiar e, também, a própria posição ocupada pela
família na estrutura social mais ampla, sendo influenciada,
ainda, pelas próprias condições oferecidas pelo mercado de
trabalho.108

107
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 52.
108
CERVINI, Ruben. BURGER, Freda. Op. Cit. p. 31.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
97

É claro que não deveria haver trabalho de crianças e ado-


lescentes, antes poderiam ser apenas atividades criativas e
lúdicas, indispensáveis ao ser humano em formação. No
entanto, a estas atividades se impõem os trabalhos exerci-
dos por uma necessidade de subsistência, em condições de
exploração e com esforços que, muitas vezes, ultrapassam
as possibilidades físicas e psíquicas daqueles que o execu-
tam, pois geralmente são pesadas, nocivas e muito prolon-
gadas para a capacidade física e psíquica de pessoas em
condições peculiares de desenvolvimento. O trabalho subs-
titui as possibilidades de educação, descontração, lazer e
bem-estar necessário para a infância e a adolescência.109
Diante do direito ao pleno desenvolvimento impõe-se um
dever “moral”, produzido pelo ambiente social, que exige
o trabalho desde a mais tenra idade por solidariedade ao
grupo familiar, seja para compensar, dentro do possível, o
peso econômico de presença da criança e do adolescente na
família, ou ainda, para ajudar a manter o resto do núcleo
familiar que, em extratos mais pauperizados da população,
é geralmente mais numeroso.110
O ingresso do adolescente no “mundo do trabalho” é
reforçado pela liberdade de escolha e outras necessidades
de consumo pessoal que passam a ter um maior peso quan-

109
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 3. Segundo Irene Rizzini, Irma Rizzini e Fernanda Rosa
Borges de Holanda, “a ideologia do trabalho foi profundamente enraizada em nossa sociedade.
O trabalho tornou-se valor inquestionável, mesmo o trabalho exercido em condições indignas e
humilhantes. Ao pobre, o trabalho, desde a mais tenra idade, como elemento educativo, forma-
dor e reabilitador.” (RIZZINI, Irene, RIZZINI, Irma, HOLANDA, Fernanda Rosa Borges de. Op.
Cit. p. 31.)
110
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 8.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
98 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

do são atingidos níveis mais elevados de idade, que reque-


rem uma maior autonomia e independência.
Em muitos casos, quando uma criança decide trabalhar,
ela aceita tal condição, pois acredita que está fazendo algo
para ganhar a vida a partir de uma decisão individual. Na
realidade está sendo impulsionada para esta atitude pelo
conjunto de condições e relações de sua família e de todo o
tecido social em que está inserida. Aceita, deste modo, a
realização de um papel no qual é vítima e ao mesmo tempo
cúmplice involuntariamente de uma situação extremamen-
te injusta.111
Não se pode desconsiderar que as famílias têm proveito
direto e indireto da exploração do trabalho das crianças e
adolescentes, apesar de não reconhecerem, segundo seu
conjunto de valores, que estão cometendo um ato de deli-
berada exploração. As famílias acreditam que existe um
direito natural de aproveitar todos os recursos familiares
para a garantia da sobrevivência e que o trabalho acarreta
um efeito benéfico para a educação e o desenvolvimento
das próprias crianças e adolescentes.112
Grande parte das crianças que trabalham entregam to-
talmente os ganhos obtidos aos pais ou familiares com que
vivem. Em muitos casos, estes recebem o dinheiro direta-
mente do empregador. Tais ganhos são considerados, no
universo ideológico familiar, como uma renda complemen-
tar, necessária e indispensável à manutenção das despesas

111
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 5.
112
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 5.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
99

familiares totais. Em parte desses casos, a família destina


pequena parcela do valor obtido para a própria criança como
forma de estimular a continuidade da atividade ou para que
compre algo para comer, um brinquedo, ou tenha acesso a
algum tipo de lazer.113
Em que pese diversas formas de inserção de crianças e
adolescentes no mercado de trabalho, permanece ainda o
aspecto tradicional de reprodução das condições de ocupa-
ção dos pais em relação aos filhos.
Embora a composição e a organização das famílias popu-
lares apresentem arranjos diferenciados que, em um momento
ou noutro, influenciarão na decisão de incorporação das cri-
anças e adolescentes no mercado de trabalho, não se pode
considerá-las desorganizadas ou desestruturadas.
Ainda que pese o fato de que tais famílias apresentem
estrutura e organização próprias, as tensões e incertezas,
acentuadas pela situação de pobreza e miséria, geram con-
flitos e dificuldades específicos. O abandono do núcleo fa-
miliar de um dos pais, a maior incidência de doenças nos
membros do grupo familiar, invalidez ou falecimento de
um dos membros, provocam situações em que se torna ne-
cessário socorrer-se da mão-de-obra de todos os filhos.114
A discriminação da mulher no mercado de trabalho, os
baixos salários e a instabilidade nas relações de trabalho
agravam tal quadro, pois “...para níveis similares de renda,
as taxas de inserção dos filhos menores de 17 anos no merca-

113
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 10.
114
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 9.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
100 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

do de trabalho, nas famílias chefiadas por mulheres, são mais


altas do que as de qualquer outro tipo de estrutura familiar.”115
O número de filhos também aparece como um fator im-
portante na decisão de incorporação da mão-de-obra: “o pa-
drão observado para o conjunto das áreas urbanas é que, a
partir de um irmão, as taxas de atividade são ascendentes até
quatro, e daí em diante as taxas tendem a estabilizar-se.”116
Portanto, quanto maior o número de irmãos ou tamanho da
família, as possibilidades de ingresso no mercado de traba-
lho aumentam. No entanto, essas possibilidades vão até de-
terminado ponto, quando então o risco será o mesmo, indife-
rente do número de membros do grupo familiar.
A integração das mulheres ao mercado de trabalho tam-
bém vem fortalecendo um componente importante no re-
forço e integração de crianças e adolescentes no trabalho
doméstico, seja na realização de serviços prestados em ca-
sas de terceiros, seja em atividades realizadas em sua pró-
pria casa, como o cuidado e educação dos irmãos mais no-
vos. Neste contexto, o nível de escolaridade da mãe é um
elemento importante: quanto maior a sua escolaridade, pro-
porcionalmente diminui a inserção da menina no mercado
de trabalho. “E assim, a baixa escolaridade acaba sendo
passada de mãe para filha, perpetuando a pobreza.”117

115
LOPES, J., GOTTSSHALK, A. Recessão, pobreza e família – a década pior do que perdida.
In: São Paulo em Perspectiva, 4 (1): 1000-109, jan./mar 90. São Paulo: SEADE. Apud. CERVINI,
Ruben. BURGER, Freda. Op. Cit. p. 32.
116
CERVINI, Ruben. BURGER, Freda. Op. Cit. p. 32.
117
PARENTE, Maria Pia. Neste município criança não trabalha: o que os prefeitos podem fazer
para eliminar o trabalho infantil doméstico e proteger as jovens trabalhadoras. Brasília: OIT/
Fundação Abrinq/ANDI, 2003. p. 23.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
101

A necessidade social de ocupação das crianças e adoles-


centes apresenta-se como argumento poderoso em favor do
trabalho infantil. Em muitos momentos a criança e o ado-
lescente são observados de maneira estigmatizada e
discriminatória, o que leva a serem compreendidos como
agentes de risco ou de perigo.
Assim, surgem reforços ideológicos à cultura do traba-
lho infantil como forma de ocupação e manutenção das cri-
anças e adolescentes empobrecidas longe das ruas, das dro-
gas e da ociosidade, ao mesmo tempo em que contingentes
significativos trabalham nas próprias ruas, em condições
perigosas, penosas e insalubres.
É de se destacar ainda que, a falta de políticas públicas
que tornem efetivos os direitos sociais de crianças adoles-
centes tais como, as atividades recreativas, os espaços apro-
priados para o lazer e diversão, a educação de qualidade,
reforça o trabalho das crianças e adolescentes num contex-
to social que impossibilita o usufruto das mínimas condi-
ções de desenvolvimento integral. Sua origem humilde e a
responsabilidade de manutenção econômica do grupo fa-
miliar fortalecem o caráter discriminatório do trabalho pre-
coce, gerando situações de desigualdade e injustiça, moti-
vadas pela própria origem social.
Muitas famílias não dedicam interesse prioritário pela
educação de seus filhos. Apesar disso, encaminham as cri-
anças para a escola durante determinada época, com o ob-
jetivo de adquirirem uma educação básica ou porque sim-
plesmente a presença das crianças em casa é incômoda.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
102 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Quando percebem uma certa maturidade, força ou discipli-


na, retiram os filhos da escola para os obrigarem a traba-
lhar, às vezes com a própria família, outras, fora dela.118
Os processos migratórios freqüentes também se apresen-
tam como condicionantes de reforço ao uso do trabalho pre-
coce. A instabilidade e a insegurança motivadas por uma
nova situação ambiental, social e laboral passam a exigir a
incorporação de todos os membros do grupo familiar, in-
dependentemente da idade, visando à garantia de um mí-
nimo de condições de subsistência.119
A permanência da exploração do trabalho de crianças e
adolescentes na história brasileira teve múltiplas causas e
interesses: para a família o trabalho realizado pelos filhos
era uma forma de aumentar o orçamento familiar, ao passo
que para as autoridades públicas era visto como meio de
prevenção da criminalidade, pois estaríamos construindo
homens honestos e, ainda, para o empregador era uma pro-
babilidade de dispor de uma força de trabalho extremamen-
te barata, portanto, lucrativa e que ao mesmo tempo se sen-
tia “grata por poder aprender uma profissão.”120
As adversas condições dos trabalhadores agrícolas cons-
tituem elementos que reforçam a integração do trabalho
precoce no meio rural. Em 1996, Luiz Gonzaga Araújo ao de-
clarar seu voto no Tribunal Nacional Contra o Trabalho In-
118
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 53.
119
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 9.
120
CARDOSO, Margarida Munguba. O cenário do trabalho de crianças e adolescentes no Bra-
sil: uma realidade histórica. In: MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Proteção integral
para crianças e adolescentes, fiscalização do trabalho, saúde e aprendizagem. Florianópolis:
DRT/SC, 2000. p. 12.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
103

fantil, destacava “a falta de uma reforma agrária que afeta a


todos os trabalhadores sem-terra, irmanada à ausência de
uma massiva fiscalização através do Ministério do Traba-
lho, bem como de políticas públicas nas três esferas de go-
verno estão na base do aumento da exploração da mão-de-
obra infantil. Os empregadores não ficam imunes a tudo
isso, já que são eles, de fato os principais infratores desse
indesejável delito.”121
A exploração do trabalho de crianças e adolescentes é,
portanto, determinada pelo entrelaçamento de um conjun-
to de causas complexas que envolvem múltiplos fatores eco-
nômicos, culturais, sociais e políticos, tais como: interesses
do mercado, pobreza e miséria de um grande contingente
de famílias, baixo custo da mão-de-obra infanto-juvenil,
docilidade e disciplina infantil, reforços culturais e ideoló-
gicos, tradição, reprodução das posições ocupacionais, au-
sência de alternativas de lazer e recreação, migração, com-
posição familiar, desvalorização da educação, ausência de
escolaridade em período integral, indiferença e resignação
dos diversos segmentos sociais.
A exploração da mão-de-obra infanto-juvenil situa-se
num grau de incivilização, uma vez que fere a dignidade, o
desenvolvimento sadio e completo de milhares de crianças
e adolescentes, em especial os oriundos das classes sociais
vulneráveis e excluídas.

121
ARAÚJO, Luiz Gonzaga. Declaração de Voto. In: TRIBUNAL NACIONAL PREPARATÓRIO
AO TRIBUNAL INTERNACIONAL INDEPENDENTE CONTRA O TRABALHO INFANTIL. MÉXI-
CO 1996. Brasília: Tribunal Nacional, 1995. p. 84.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
105

3. CONSEQÜÊNCIAS DO TRABALHO INFANTIL

3.1 A anulação da infância

O trabalho infantil acarreta conseqüências complexas que


atuam sobre o desenvolvimento da criança e do adolescen-
te e sobre todo o núcleo familiar. Ele ameaça o desenvolvi-
mento físico, aqui compreendida a saúde como um todo –
resistência física, visão, audição, coordenação motora; da-
nifica o desenvolvimento cognitivo – desde a alfabetização,
o aprendizado e a aquisição de conhecimentos; perturba o
desenvolvimento emocional, no que se refere à constitui-
ção da auto-estima, da compreensão dos sentimentos de
amor, aceitação, dos elos familiares; altera, ainda, o desen-
volvimento social e moral, no que diz respeito à identifica-
ção com determinado grupo, ao discernimento entre o que
é certo e o que não é, à possibilidade concreta inter-relacio-
nal, à habilidade de cooperação.122
Crianças e adolescentes estão em processo especial de
desenvolvimento. O trabalho precoce afeta diretamente o
desenvolvimento físico e psicológico, ao sujeitá-los a esfor-
ços perigosos ou que vão além de suas possibilidades es-

122
BORGES, Alci Marcus Ribeiro, CAVALCANTE, Maria Adília Andrade (Orgs). Mapa do Traba-
lho Infantil no Piauí. Teresina: Ação Social Arquidiocesana/Centro de Defesa João de Barro/
UNICEF/DRT-PI, 1998. p. 21.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
106 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

truturais, resultando num pseudo-amadurecimento, pois


anula a infância, a juventude e compromete as possibilida-
des de uma fase adulta saudável.
Em geral, as condições de vida das crianças e dos ado-
lescentes que trabalham são muito deficientes. Em razão da
carência e pobreza, as crianças e adolescentes são submeti-
dos a trabalhos precários, sem instalações adequadas ou com
estruturas inadequadas. Estão inseridas num quadro de
carência alimentar, em ambientes que não estimulam o seu
desenvolvimento neuropsicomotor, ou o fazem de forma
deficitária.
O trabalho infantil tende a provocar maior número de do-
enças infanto-juvenis e sérias deficiências no desenvolvimen-
to e saúde da criança e do adolescente. Características como
carência de vitaminas, deficiência de proteínas, anemia, bron-
quite e tuberculose são muito freqüentes. Embora não sejam
enfermidades tipicamente profissionais, são resultantes das
péssimas condições de vida e encontram um ambiente muito
favorável, quando uma pessoa começa a trabalhar muito cedo.
A realização de longas jornadas de trabalho em espaços físicos
nocivos contribui para agravar a situação.123
A fragilidade natural das crianças e dos adolescentes,
quando exposta a riscos profissionais propriamente ditos,
ainda pode provocar dores de cabeça, resfriados, proble-
mas de visão, febre e infecções pulmonares avançadas. A
Nota Técnica à Portaria no 06, de 18 de fevereiro de 2000, do
Departamento de Segurança e Saúde do Trabalhador, do
123
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 44.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
107

Ministério Trabalho e Emprego, afirma que as crianças e


adolescentes que trabalham têm como características o re-
tardo no desenvolvimento pondero-estatural, desnutrição
proteico-calórica, fadiga precoce, maior ocorrência de do-
enças infecciosas (gastrointestinais e respiratórias) e para-
sitárias. Estes prejuízos são agravados pelas condições de
trabalho, que leva à formação de adultos de menor capaci-
dade de trabalho e aumentando o contingente de trabalha-
dores incapazes, parcial ou totalmente, para o trabalho.
O trabalho realizado pelo infante provoca muitos preju-
ízos ao desenvolvimento físico decorrentes dos efeitos do
cansaço, do esforço, da falta de higiene e de todos os pro-
blemas laborais que são obrigados a suportar. Contatos com
o calor excessivo e intempéries e o contato permanente com
outras pessoas deixam seqüelas crônicas de difícil tratamen-
to, como problemas cutâneos e pulmonares.124 De acordo
com Maria do Carmo Brandt de Carvalho, os trabalhos a que
crianças são submetidas em regra são repetitivos, subalter-
nizantes. “Com o passar do tempo, perdem a capacidade
motora fina que facilita a escrita, e as demais habilidades
não se desenvolvem, pela ausência de estímulos cognitivos
e culturais. Não há processamento de novas informações,
até porque nem mesmo estas chegam no ambiente de roti-
na linear em que se encontram.”125
A referida Nota Técnica à Portaria no 06 também consta-
ta que em trabalhos em ambientes externos, como o traba-
124
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p.46-7.
125
CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. Trabalho precoce: qualidade de vida, lazer, educa-
ção e cultura. In: Serviço Social e Sociedade, ano XVIII, n. 55, nov., 1997. p. 111.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
108 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

lho rural, as crianças e adolescentes se expõem a árduas


condições climáticas com aumento dos riscos de infecções
como tétano, acidentes com animais peçonhentos, desidra-
tação, doenças transmitidas por insetos, queimaduras sola-
res, entre outras.
Muitos trabalhos realizados durante a infância e adoles-
cência produzem deformações, mutilações corporais e apro-
fundam os efeitos de diversas doenças, como infecções, in-
suficiência cardíaca e infecções de garganta.
Em razão da pobreza que os afeta, os pequenos trabalha-
dores geralmente consomem calorias insuficientes e apre-
sentam deficiências de proteínas, cálcio e vitaminas. Com
uma alimentação muito pobre e desequilibrada, especial-
mente nas zonas urbanas, trabalhando em condições precá-
rias, geralmente desnutridos e mal vestidos.126
O trabalho infantil gera um nível elevado de cansaço, pois
a capacidade de resistência da criança e do adolescente ain-
da é limitada, se comparada às exigências laborais adultas.
Sua força muscular é menor que a de um adulto. Quando os
mesmos esforço e ritmo do adulto são exigidos da criança ou

126
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 44. Segundo Maurício Roberto da Silva, “a exploração do
trabalho infantil, compromete a infância, circunstanciando constrangimentos múltiplos, gerando
alienações multiplicas, e desencadeando, dessa maneira, o dilema e o impasse de ser ampla-
mente alienado, ou seja, ser criança e ser adulto ao mesmo tempo; ser criança empobrecida e
trabalhar precocemente; ser criança, adulto e velho e não dispor de tempo para o lúdico; ser
criança adultizada envelhecida; ser de forma precária incluída no sistema educacional; ser cri-
ança por pouco tempo, perder o resto da infância e a juventude, saltando em seguida para a
curta idade adulta e imediatamente para a velhice, sem futuro, isto é, sem possibilidade de
inserção no mundo do trabalho e no mundo das novas tecnologias. Além disso, ao mesmo
tempo, acumular responsabilidades e pressões que, sem dúvida, deixarão marcas indeléveis na
memória, afetando assim o processo de construção da identidade...” (SILVA, Maurício Roberto
da. Op. Cit. p. 208.)
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
109

do adolescente, sem oportunidades de descanso equivalen-


te, há grande probabilidade de que venham a sofrer de fadi-
ga intensa, muito mais cedo que um adulto. Assim, muitas
crianças e adolescentes em substituição a um momento em
que deveriam estar voltados para a socialização e desenvol-
vimento com o mínimo de tensões, envelhecem prematura-
mente, sem haver amadurecido como pessoas humanas.127
A Nota Técnica à Portaria no 06 do Ministério do Traba-
lho reconhece que as empresas que empregam crianças e
adolescentes colocam à disposição destes, equipamentos e
produtos perigosos, condições insalubres de trabalho com
grande quantidade de agentes físicos, químicos, biológicos,
além de não disporem de condições de organização do tra-
balho adequadas à execução de tarefas de forma segura e
saudável, tendo como conseqüência excessiva carga física e
psíquica, expondo-os a doenças, acidentes de trabalho, de-
formidades físicas, envelhecimento precoce, retardo no cres-
cimento e desenvolvimento psicológico, abandono da esco-
la e baixa qualificação profissional.
O transporte de pesos excessivos, as posições inadequa-
das afetam o crescimento, com efeitos na estrutura óssea
ainda não consolidada. A permanência por longo tempo em
posturas forçadas, provavelmente provocará deformações
na coluna vertebral. Durante a infância e a adolescência,
em ambos os sexos, a força, as resistências e as defesas na-
turais são muito mais reduzidas. Nessa etapa da vida, o
organismo encontra-se em pleno desenvolvimento, sofren-
127
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 4.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
110 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

do adaptações endócrinas que podem ser prejudicadas por


certos tipos de esforços e trabalhos cansativos, realizados
de maneira sistemática e excessiva ou em condições insalu-
bres e perigosas.128
Quanto mais tenra a idade, maior o risco de envolvimento
em quase todos os problemas de desenvolvimento, pois um
ser com menor força e resistência torna-se mais vulnerável
e influenciável. É evidente que o trabalho precoce e as con-
dições de sua realização, sem considerar os riscos freqüen-
tes de acidentes e doenças, é nocivo para a criança e o ado-
lescente, direta e indiretamente, podendo provocar seqüe-
las que poderão afetar até a vida adulta.129
Outro aspecto importante a ser considerado como con-
seqüência do trabalho infantil são os efeitos psicológicos,
pois a inserção no mercado de trabalho estimula o abando-
no da infância, fazendo precocemente ingressarem no mun-
do adulto.
Os prejuízos ao desenvolvimento psicológico e intelec-
tual afetam as crianças e adolescentes trabalhadores, refle-
tindo em todo o seu conjunto de relações pessoais e sociais.
As necessidades normais da infância e da adolescência
não sendo satisfeitas provocarão um amadurecimento pre-
coce, determinando alterações no equilíbrio psicológico na
fase adulta. As responsabilidades inerentes ao trabalho pro-
vocam, em suas raízes, a perda dos aspectos lúdicos, pri-
mordiais para o desenvolvimento de uma infância saudá-

128
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 47.
129
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 47.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
111

vel e equilibrada; o trabalho, com todas as regras que com-


porta, ao provocar a submissão, acaba por resultar na inibi-
ção das características específicas do ser criança que é o
BRINCAR, expressar fantasias. “Como o brincar cumpre na
infância um papel muito maior do que a busca do prazer e
diversão, fornecendo a oportunidade de reviver, entender
e assimilar os mais diversos modelos e conteúdos das rela-
ções afetivas e cognitivas, e como passa a temer ser punida
por expressar-se livremente, ocorre um empobrecimento
tanto no que se refere à sua capacidade de expressão quan-
to de compreensão.”130
Uma das características mais visíveis da infância são as
atividades lúdicas. A espontaneidade, a liberdade e a au-
sência de controle rígido estimulam o processo de desen-
volvimento harmônico. A criança trabalhadora é compelida
a bloquear esses impulsos naturais, que ao longo do tempo
atenuam-se, até praticamente desaparecer. A criança passa
a se auto-reconhecer como um trabalhador e, portanto, um
adulto, prejudicando sua própria identidade infantil, visto
que, neste contexto, o ser criança é anulado, pois é na ativi-
dade laboral submetida a regras, silenciada. Outro aspecto
importante da psicologia infantil é a fantasia. Como no
mundo do trabalho não existe espaço para o seu exercício, a
fantasia vai desaparecendo da vida mental da criança tra-
balhadora.
A prática de atividades repetitivas, o processo de produ-
ção e as atividades requeridas, acabam por sufocar a ca-
130
LIMA, Consuelo Generoso Coelho de. Op. Cit. p. 20.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
112 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

pacidade de criatividade e as possibilidades de superação


da realidade, gerando, por conseqüência, o empobrecimento
do mundo psíquico da criança, concorrendo para que não se
construa a autonomia dos sujeitos envolvidos no processo.
A exigência de responsabilidades excessivas em relação
ao grau de desenvolvimento da criança e do adolescente
agrava este processo. A exigência de tarefas precisas e de-
terminadas para a garantia da produtividade, da regulari-
dade do sistema e dos lucros, gera dupla responsabilidade:
a adequada submissão visando atender aos interesses do-
minantes do capital, bem como, a garantia e permanência
na atividade visando garantir a manutenção econômica da
família.
O exercício do trabalho infantil compromete profunda-
mente o desenvolvimento físico, psíquico e biológico das
crianças e adolescentes, etapa que deveria ser tratada com
especial atenção, uma vez que determina uma série de ar-
ranjos que futuramente serão necessários para o pleno exer-
cício das potencialidades humanas na fase adulta.
A criança e, na maioria das vezes, o adolescente, não dis-
põe de condições próprias para avaliarem os efeitos e im-
pactos de seu ingresso precoce no mercado de trabalho, so-
bretudo por desconhecerem as reais necessidades e condi-
ções relevantes para o seu desenvolvimento integral. Além
disso, o trabalho precoce tem efeitos que podem ser avalia-
dos unicamente, em longo prazo, como as condições de re-
produção da própria força de trabalho.
Segundo Bertrand Russel, a concepção de que os pobres
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
113

têm direito ao lazer é algo que chocava os detentores do


poder, do dinheiro. Vejamos que no início do século XIX,
na Inglaterra, a jornada de trabalho era de quinze horas para
os adultos. Algumas crianças eram submetidas a essa longa
e penosa jornada, outros, trabalhavam doze horas. Quando
surgiram as primeiras vozes contrárias a tal exploração, “foi-
lhes dito que o trabalho mantinha os adultos longe da bebi-
da e as crianças afastadas do crime. [...] Hoje em dia as pes-
soas são menos francas, mas o sentimento persiste...”131
Nesta análise, não podemos desconsiderar que os pa-
drões de desigualdades determinados pelo sistema de pro-
dução capitalista incide diretamente nas condições de vida
dos que vendem a sua força de trabalho. Quanto mais
precarizada a relação de trabalho estabelecida, piores serão
as condições de vida, por parte do trabalhador. Segundo
Maurício Roberto da Silva, “é no limiar de um novo século
que a classe que-vive-do-trabalho sobrevive do trabalho e morre
sem trabalho é forçada a enviar os filhos precocemente para
o processo produtivo de exploração da força humana de
trabalho. O fenômeno é inerente à globalização do mundo
do trabalho, que tem provocado fortes e marcantes trans-
formações na sociedade contemporânea.”132
Nesse sentido, a Nota Técnica à Portaria no 06 do Depar-
tamento de Segurança e Saúde do Trabalhador, do Ministé-
rio do Trabalho e Emprego elucida que as formas de adoe-
cer e de morrer, ou seja, os perfis de morbidade e mortali-

131
RUSSELL, Bertrand. O elogio ao ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2002. p. 29.
132
SILVA, Maurício Roberto da. Op. Cit. p. 113.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
114 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

dade, das comunidades humanas são determinados pelas


condições de vida, nelas incluídas as condições de traba-
lho. Tratando-se de crianças e adolescentes, este aspecto
ganha maior relevância, pois, nestas faixas etárias, a sensi-
bilidade aos fatores ambientais, incluindo os do ambiente
de trabalho, é maior.
Além disso, a inserção precoce de crianças e adolescen-
tes no trabalho tem um impacto significativo sobre os índi-
ces de emprego e ocupação no mercado de trabalho. Quan-
do uma criança ingressa nesse mercado, é muito provável
que irá realizar uma atividade que poderia ser garantida
aos adultos, em muitos casos, seus próprios pais.
O “trabalho da criança tem suas bases assentadas no de-
semprego estrutural (que afeta o pai/mãe de família), na
chamada reestruturação produtiva, no incremento da ciên-
cia e da tecnologia dos meios de produção, no mercado
mundializado, na desregulamentação da legislação traba-
lhista, na flexibilização e na terceirização das relações de
trabalho, enfim na ‘reorganização’ do capital e na ‘desorga-
nização’ do trabalho aliadas às políticas neoliberais de cor-
tes nos gastos sociais.”133

3.2 Alimentando um círculo vicioso

Esse processo gera um círculo vicioso, uma vez que o


trabalho infantil aumenta os níveis de desemprego adulto,

133
SILVA, Maria Liduína de Oliveira. Adultização da infância: o cotidiano das crianças trabalha-
doras no Mercado Ver-o-Peso, em Belém do Pará. In: Serviço Social e Sociedade, ano XXIII, n.
69, mar., 2002. p. 156.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
115

pressionando estes mesmos adultos a recorrerem à mão-


de-obra de seus filhos para garantir a subsistência do nú-
cleo familiar. Evidentemente, de maneira muito precária.
Assim, por gerações contínuas assistimos este círculo: tra-
balho precoce, pouca escolarização, pobreza.
No entanto, ocorrem ainda efeitos mais abrangentes, por
conta da globalização da produção, conforme explica Haim
Grunspun: os países em que há a exploração do trabalho in-
fantil, acabam por ser concorrentes no processo de globali-
zação com outros países, pois a produção é barateada para
permitir a sua exportação, e com isso concorre com o traba-
lho de outros países – importadores. De forma que o traba-
lho da criança em algum lugar do planeta pode gerar de-
semprego ou provocar um achatamento salarial do adulto
em outro.134
Além disso, o trabalho infantil por ser, em regra, um tra-
balho realizado à margem da lei, constitui-se sem qualquer
garantia trabalhista ou previdenciária e, ainda, comprime
os salários a um patamar mínimo, que muitas vezes não
garantem sequer condições mínimas para a reprodução da
própria força de trabalho. Serve, também, como instrumen-
to poderoso de precarização das relações de trabalho, espe-
cialmente nas regiões mais empobrecidas.
A realização do trabalho em condições precárias tende a
elevar o custo social a patamares significativos, pois as con-
seqüências à saúde e ao desenvolvimento das crianças e
adolescentes em todos os tipos de trabalho refletirão muito
134
GRUNSPUN, Haim. O trabalho das crianças e dos adolescentes. São Paulo: LTr, 2000. p. 33.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
116 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

cedo nas necessidades de serviços públicos de atendimen-


to, tais como os serviços de saúde e previdência social.
Como se não fosse suficiente, o trabalho infantil ainda se
apresenta como um condicionante importante na reprodu-
ção do ciclo intergeracional de pobreza, pois, a incorpora-
ção no mercado de trabalho compromete as possibilidades
de inserção profissional na fase adulta criando cidadãos que
serão dependentes dos serviços de assistência social do Es-
tado, reproduzindo as condições de desigualdade social.
O evidente impacto do trabalho infantil na educação pro-
voca uma desvantagem e uma significativa redução nas
possibilidades de ascensão profissional futura, de maior
remuneração, melhor emprego e promoção social. É muito
provável que grande contingente de crianças e adolescen-
tes submetidos ao trabalho precoce passe boa parte de sua
vida nos extratos mais baixos da população, sempre sub-
metidos a trabalho de níveis inferiores ou ao próprio de-
semprego.135
As conseqüências para o desenvolvimento educacional
também são bastante evidentes. Para grande contingente
de crianças e adolescentes, em razão da pobreza familiar,
não há outra alternativa que não seja o ingresso precoce no
mundo do trabalho. Tal determinação reduzirá significati-

135
MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 46. De acordo com Andréia Peres e Nair Benedicto, refe-
rindo-se a pesquisa Trabalho Infantil: Custos Privados e Sociais, de 1998, realizada por Antônio
Carlos Coelho Campino e Maria Dolores Montoya Diaz, da Universidade de São Paulo, “...se
uma criança começar a trabalhar aos 7 anos, deverá receber, entre 36,8% e 37,7% a menos do
receberia se tivesse ingressado no mercado de trabalho aos 14. Se a comparação for com uma
pessoa que começou a trabalhar aos 21 anos, o porcentual de perda atingirá 50%.” (PERES,
Andréia, BENEDICTO, Nair. Op. Cit. p. 35.)
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
117

vamente as possibilidades de educação e instrução, pois


prevalece a necessidade de garantia da subsistência. Por sua
vez, a falta de qualificações e de um nível educacional ade-
quado provocará a reprodução da própria condição de mi-
serabilidade e pobreza.
A própria instituição escolar tende a reproduzir este pro-
cesso de exclusão. A falta de preparo para lidar com a cri-
ança trabalhadora, suas condições de existência, valores e
meio ambiente, em que pesem os esforços para uma mu-
dança, tendem a fortalecer o processo de exclusão.
Além da exclusão da criança e do adolescente trabalha-
dor dos bancos escolares, há um contingente significativo
com defasagem escolar, quando relacionadas série e idade.
O acirramento desse processo tende a conduzir um cres-
cente abandono definitivo de adolescentes do sistema esco-
lar, fortalecendo e incrementando a exclusão social.
Dificilmente as horas exigidas de trabalho são adequa-
das ao sistema escolar e às necessidades apresentadas para
uma educação de qualidade. A dificuldade de freqüência
escolar somada à defasagem entre série e idade estimula
decisivamente para o abandono escolar, antes da conclusão
da escolaridade de nível fundamental.
A transitoriedade das relações de trabalho e as constan-
tes migrações também afetam o desempenho escolar, pois
no ambiente urbano a criança é utilizada em múltiplos se-
tores, dentre os quais predomina o trabalho doméstico –
informal e clandestino. Enquanto na zona rural, em especi-
al nas monoculturas, caracteriza-se a sazonalidade, isto é,
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
118 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

nas safras o trabalho é requisitado e nas entressafras não o


é, o que acaba por constituir um exército de bóias-frias que,
muitas vezes, levam também crianças e adolescentes. “Com
esse fluxo e refluxo das famílias, a criança tem dificuldade
de acompanhar a escola, bem como o serviço médico, o que
contribui para a evasão escolar.”136
Assim como a família constitui-se em instância decisória
importante quanto ao ingresso dos filhos no mundo do tra-
balho, também sente seus efeitos. As crianças e adolescen-
tes não têm a oportunidade de conviver adequadamente
com seus pais, pois passam grande parte do dia fora de casa
e, geralmente, voltam tarde. Elementos que contribuem para
a desorganização da vida familiar.
Quando uma criança ou adolescente começa a ter um
certo ganho monetário, mesmo que seja pequeno, seu pres-
tígio aumenta diante da família, uma vez que contribui para
o seu próprio sustento e manutenção, passando a não ser
considerada igual às outras crianças e adolescentes, provo-
cando um certo sentido de importância e maior autonomia,
que reforçam o interesse pela realização do trabalho.
Segundo a pesquisa realizada por Cláudio Carvalho
Menezes e Eridan Moreira Magalhães com crianças e adoles-
centes trabalhadores na fumilcultura no Estado do Rio Gran-
de do Sul, “a criança e o jovem, por necessidade e solidari-
edade com a família, ingressam no trabalho quase ao mes-
mo tempo que na escola, mas paulatinamente, a combina-
ção de ambas fica inviabilizada. A escola é secundarizada
136
PINTO, Fábio Machado. Op. Cit. 1997. p. 52.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
119

e, por volta dos 14 anos, o trabalho se impõe como alterna-


tiva mais viável para permanecer no campo com a família e
assim, se desenvolve a jovem vendo suas perspectivas limi-
tadas pela baixa escolaridade e sem qualificação profissio-
nal.”137
O ingresso precoce numa dimensão que caracteriza a fase
adulta, contrário às necessidades de desenvolvimento
psicossociais próprios e necessários à idade, aliado às exi-
gências laborais e sociais, irá sufocar características e inte-
resses próprios da infância e da adolescência, subtraindo
uma etapa essencial, ou seja, a do pleno desenvolvimento
do ser humano, que deveria ser garantido a todas as crian-
ças e adolescentes.
Portanto, é necessário que as famílias, a sociedade e o
Estado efetivamente percebam as conseqüências trágicas do
trabalho infantil e firme o efetivo compromisso em garantir
o pleno desenvolvimento integral às crianças e aos adoles-
centes brasileiros deixando-os livres do trabalho alienado e
precoce.

137
MENEZES, Cláudio Carvalho, MAGALHÃES, Eridan Moreira. Crianças e adolescentes na
fumicultura/RS, trabalho, escola, saúde. In: Anais do Seminário da Região Sul e Sudeste, Cam-
panha Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho na Área Rural: representantes de Ór-
gãos Governamentais e Universidades. Chapecó, 19 e 20 de abril de 2001. Chapecó: DRT/SC,
2001. p. 24.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
121

4. A PROTEÇÃO CONTRA A EXPLORAÇÃO DO


TRABALHO INFANTIL NO DIREITO BRASILEIRO

4.1 Considerações Iniciais

O trabalho de crianças e adolescentes tem recebido aten-


ção especial no Brasil como um problema de profundas
raízes históricas, sobretudo a partir da promulgação da
Constituição da República Federativa do Brasil, em 1998,
que ao configurar a Doutrina da Proteção Integral, trouxe
novos elementos para a compreensão dos direitos e neces-
sidades da criança e do adolescente.
Se no processo histórico brasileiro, a doutrina da situ-
ação irregular estimulava a exploração do trabalho pre-
coce como instrumento de controle e reprodução das clas-
ses populares, atualmente, tal conduta já não encontra
mais fundamentos teóricos para sua realização. A ado-
ção dos princípios protetores presentes no Estatuto da
Criança e do Adolescente, trouxe uma nova visão, garan-
tindo direitos ao livre e pleno desenvolvimento físico e
psíquico, exercitando em toda a sua plenitude a convi-
vência familiar e comunitária livre da mais absoluta ex-
ploração.
Com a nova Constituição e a aprovação da Lei no 8.069,
de 13 de julho de 1990, crianças e adolescentes passaram a
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
122 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

dispor de um conjunto de normas protetoras em função de


sua condição especial de pessoa em desenvolvimento.
Nesse sentido, a Constituição da República Federativa
do Brasil dispõe, em seu art. 227: “É dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à ali-
mentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cul-
tura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.”
A garantia desse complexo conjunto de direitos foi regu-
lamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que
instituiu mecanismos eficazes para a implementação das
políticas públicas necessárias à efetivação desses direitos.
Nesse contexto, os direitos infanto-juvenis garantidos na
Constituição recebem um tratamento diferenciado e espe-
cial, pois dispõem da primazia de absoluta prioridade, ou
seja, para a efetivação desses direitos, as políticas públicas
voltadas à criança e ao adolescente devem ser priorizadas a
todas as demais políticas.
Desse modo, com a promulgação da nova carta constitu-
cional, restabeleceu-se o limite de idade mínima para o tra-
balho em quatorze anos, ressalvando a possibilidade de
aprendizagem que poderia ser realizada já a partir dos doze
anos. Determinava o art. 7o, XXXIII, da Constituição Fede-
ral de 1998: “proibição do trabalho noturno, perigoso e in-
salubre aos menores de 18 anos e de qualquer trabalho aos
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
123

menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz.” Há


que se lembrar, que por força da Emenda Constitucional n.º
20, de 1998, a idade mínima para o trabalho passou dos 14
para os 16 anos e na condição de aprendiz a partir dos 14
anos de idade (esta questão será melhor aprofundada ain-
da neste capítulo).
Além de manter a garantia de proibição de trabalho no-
turno e insalubre às crianças e aos adolescentes, inovou a
Constituição, ao proibir o trabalho perigoso abaixo desta
idade. A nova Constituição estabelece, no art. 227, § 3o, que
a proteção especial destinada à criança e ao adolescente
envolve, em conformidade com o art. 7o, inciso XXXIII, a
garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários e a ga-
rantia de acesso ao trabalhador adolescente à escola.
Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente, cons-
truído mediante a atuação e debate de setores representati-
vos da sociedade civil, que promoveram mobilizações e dis-
cussões por quase dez anos, trouxe uma nova visão para o
universo infanto-juvenil, tendo por fundamento de que cri-
anças são sujeitos de direitos e, também, propõe uma série
de diretrizes que ensejam radicais mudanças em muitos
campos.
Além da regulamentação das normas protetivas previs-
tas constitucionalmente, que resultaram da construção his-
tórico-legislativa das normas de proteção à infância e ju-
ventude, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe a
sistematização de normas importantes, como as previstas
em seu artigo 67, incisos I, III e IV, que estabelecem a proi-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
124 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

bição: 1) do trabalho penoso, 2) do trabalho realizado em


locais prejudiciais à formação e ao desenvolvimento físico,
psíquico, moral e social do adolescente em horários e locais
que não permitam a freqüência à escola aos adolescentes.
Ainda preocupou-se em assegurar - no art. 69, I e II, - que
o direito à profissionalização e à proteção no trabalho do ado-
lescente deve observar o respeito à condição peculiar de pes-
soa em desenvolvimento e à capacitação profissional ade-
quada ao mercado de trabalho, dentre outros aspectos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente incorporou, já
na sua formulação, os princípios protetores da Convenção
138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), indi-
cando que o ingresso prematuro de crianças e adolescentes
no mundo do trabalho provoca prejuízos escolares, além
de comprometer o desenvolvimento e a construção da iden-
tidade social e política da criança.
Diante de tal realidade, o Ministro do Trabalho e Empre-
go instituiu, por meio da Portaria GM/MTE no 341, de 27 de
maio de 1999, Comissão Tripartite para efetuar a análise da
Convenção 138 e da Recomendação 146. A partir do parecer
favorável estabelecido por consenso na referida Comissão
quanto à ratificação, o Brasil avançou ao depositar o instru-
mento de ratificação junto à Organização Internacional do
Trabalho. Essa Convenção é considerada como uma das mais
importantes da Organização Internacional do Trabalho, pois
é uma das sete normas que integram o rol das convenções de
direitos fundamentais, conforme deliberação da Convenção
Internacional do Trabalho, realizada em 1998.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
125

Ainda no plano do direito internacional do trabalho, a


Assembléia Geral da Organização Internacional do Traba-
lho, reunida no mês de junho de 1999, aprovou a Conven-
ção no 182, voltada às piores formas de trabalho infantil,
como norma internacional complementar à Convenção 138,
que também foi ratificada pelo Brasil.
Resta, ainda, registrar novamente que a promulgação, em
15 de dezembro de 1998, da Emenda Constitucional no. 20,
que modificou o sistema de previdência social e estabele-
ceu normas de transição e determinou outras providências,
dentre as quais a alteração dos limites de idade mínima para
a admissão em emprego ou trabalho e, portanto, o âmbito
de abrangência da capacidade jurídica e das condições para
o exercício do trabalho infanto-juvenil.
O objetivo deste capítulo será aprofundar a análise do
atual sistema normativo referente ao trabalho da criança e
do adolescente no Brasil, com base nas recentes alterações
normativas, elaboradas e discutidas junto ao Fórum Nacio-
nal de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, que
têm representado um apoio significativo na discussão, aná-
lise e aprofundamento das questões referentes ao arcabouço
jurídico relativo ao trabalho infantil.

4.2 Definindo os conceitos operacionais

O conceito de trabalho infantil (precoce) é o que melhor


expressa a proibição do trabalho infanto-juvenil entendido
como todo trabalho realizado por criança ou adolescente
com idades inferiores aos determinados pela legislação.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
126 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Portanto, para uma compreensão do preciso conceito ju-


rídico de trabalho infantil é indispensável uma análise dos
limites de idade mínima para o trabalho estabelecidos no
direito brasileiro. Embora estes limites estejam expressos,
de maneira muito clara, na Constituição da República Fe-
derativa do Brasil e na Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 –
Estatuto da Criança e do Adolescente, há algumas questões
de conteúdo relativas ao tema que merecem uma atenção
especial. Para tanto se torna necessária à compreensão do
conceito de capacidade jurídica para o trabalho.
A compreensão da capacidade jurídica para o trabalho
requer uma análise de seus pressupostos conceituais e que
envolve a terminologia concernente aos sujeitos referidos,
mediante a diferenciação histórica e conceitual entre as ca-
tegorias menor, criança e adolescente. Do mesmo modo, faz-
se necessária a definição do conceito de capacidade jurídi-
ca, suas modalidades e o seu âmbito de abrangência refe-
rente às relações de trabalho.
A primeira abordagem comporta a definição precisa das
categorias integrantes do tema voltado ao trabalho infantil.
Assim, é oportuno, primeiramente, definir individualmen-
te estas categorias para, em seguida a sua inter-relação, ater-
se a um estudo adequado do tema em questão.
O momento inicial consiste na identificação subjetiva dos
titulares de direitos e obrigações para os quais se concentra
este trabalho, a criança e o adolescente, diferenciando-se de
outras terminologias normalmente utilizadas pelos opera-
dores do direito.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
127

A capacidade jurídica será abordada mediante uma aná-


lise de seu conceito e conteúdo, diferenciando-se gênero e
espécie da categoria apresentada, bem como de seus crité-
rios definidores.
Importa, de outro modo, distinguir as modalidades que
envolvem os conceitos de trabalho e profissionalização, com
o fim de analisar a capacidade jurídica para o trabalho e,
por conseqüência, os seus limites determinantes do traba-
lho da criança e do adolescente no direito brasileiro, os quais
têm por fundamento os princípios protetivos da doutrina
da proteção integral.
Na definição da terminologia, o conceito tradicionalmente
adotado pela legislação trabalhista e penal, até então em
vigor, utilizava, e em alguns momentos ainda utiliza, o ter-
mo “menor” como aquela pessoa com idade inferior a de-
zoito anos, sob condições específicas. No entanto, as recen-
tes transformações promovidas pela Constituição Federal e
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente trouxeram ino-
vações ao categorizar e distinguir as figuras da “criança” e
do “adolescente”.
A expressão “menor” foi usada como categoria jurídica,
desde as Ordenações do Reino, como caracterizadora da
criança ou adolescente envolvido em prática de infrações
penais. Já no Código de Menores de 1927, o termo foi utili-
zado para designar aqueles que se encontravam em situa-
ções de carência material ou moral, além das infratoras.
Em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho, des-
tinou-se um capítulo à proteção do trabalho do menor, com
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
128 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

o intuito de centralizar em uma única legislação o discipli-


namento do trabalho da criança e do adolescente. A referi-
da consolidação veio ampliar o conceito de “menor”, que a
partir daí passou a envolver todos os trabalhadores com
idade entre doze e dezoito anos.
Os princípios protetores estabelecidos na Consolidação
trataram de sistematizar a regulamentação anteriormente
realizada em relação ao trabalho de crianças e adolescen-
tes, somando-se a esta a marcante influência das normas
internacionais emitidas pela Organização Internacional do
Trabalho que pressionava seus países signatários a um
disciplinamento de cunho protetor quanto à questão em
análise.
Mesmo com o avanço da Consolidação das Leis do Tra-
balho, em que se ampliou o âmbito de abrangência da cate-
goria “menor”, o Brasil, muitos anos mais tarde, ao adotar
o Código de Menores, em 1979, cuidou de destinar novo
conteúdo à categoria “menor”, colocando-o sob uma ótica
estigmatizante, pois o classificou como pessoa em situação
irregular. Com o surgimento do Código de Menores de 1979,
surge uma nova categoria: “menor em situação irregular”,
isto é, o menor de 18 anos abandonado materialmente, víti-
ma de maus-tratos, em perigo moral, desassistido juridica-
mente, com desvio de conduta ou autor de infração penal.
O diploma de 1979, regulador dos direitos da infância,
ao invés de consagrar os princípios emancipadores previs-
tos na Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959,
optou pela persecução de políticas públicas conservadoras,
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
129

direcionando-as ao que se chamava de clientela específica,


sob a qual crianças e adolescentes que nasciam num mes-
mo país e, portanto, deveriam dispor dos mesmos direitos,
eram catalogadas como em situação irregular e, sendo “clas-
sificadas”, teriam um tratamento político particularizado e
diferenciado das demais crianças e adolescentes.
A concepção de menor em situação irregular, pressupu-
nha a possibilidade do estabelecimento de um padrão de re-
gularidade ou modelo ideal em que deveriam ser adequa-
dos. Por óbvio, era exigir demais da capacidade civilizatória
a concretização deste tipo ideal, pois exigia a adoção de um
modelo único a ser seguido, eliminando a riqueza encontra-
da na diversidade humana. Esta reflexão pontuou o debate
de diversos segmentos sociais na década 80 no Brasil.
Nesse período, organizações representativas da socieda-
de civil denunciavam o marcante o processo de estigmatiza-
ção dos então chamados menores. Foi comum em diversos
setores sociais identificar aqueles excluídos social e econo-
micamente como menores e contraposição aqueles poucos
privilegiados reconhecidos como crianças ou adolescentes.
Desse modo, ao invés de garantir uma atenção especial
às suas condições pessoais e sociais, acabou por reproduzir
a condição de exclusão social e de estigmatização, colocan-
do aquele universo, já desde o nascimento, numa condição
de inferioridade frente às demais crianças brasileiras, con-
sideradas por esta visão como em situação irregular, pois
em geral não dispunham de meios econômicos e sociais para
prover o seu desenvolvimento.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
130 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Mas na formulação da Constituição Federal de 1988, a


sociedade já havia se atentado para o tema, tratando de subs-
tituir o termo “menor”, carregado de forte estigma e marca-
do para o direcionamento das políticas públicas a uma par-
cela específica dos jovens, universalizando a atenção dada
à infância e juventude através das expressões “criança” e
“adolescente”, reconhecendo-as, a partir daí, como sujeitos
de direitos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece, em
seu art. 15: “A criança e o adolescente têm direito à liberda-
de, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em pro-
cesso de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis,
humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.”
O reconhecimento desses novos direitos teve por funda-
mento a Convenção Internacional dos Direitos da Criança
da Organização das Nações Unidas de 1989, ratificada pelo
Brasil através do Decreto 99.710, em 21 de novembro de 1990,
que trouxe para o universo jurídico a Doutrina da Proteção
Integral.
Essa nova concepção situa a criança dentro de um qua-
dro de garantia integral, evidencia que cada país deverá
dirigir suas políticas e diretrizes tendo por objetivo priorizar
os interesses das novas gerações; pois a infância passa a ser
concebida não mais como um objeto de “medidas
tuteladoras”, o que implica reconhecer a criança e o adoles-
cente sob a perspectiva de sujeitos de direitos.
É oportuno ressaltar que a grande mobilização social,
ocorrida em razão da promulgação da Constituição Fede-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
131

ral de 1988, provocou a regulamentação dos direitos infanto-


juvenis com a edição do Estatuto da Criança e do Adoles-
cente, que passou a definir como criança a pessoa até doze
anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze
e dezoito anos de idade, de acordo com o art. 2o.
Desse modo, o art. 402 da Consolidação das Leis do Tra-
balho, que conceitua menor como o trabalhador entre doze
e dezoito anos, merece atualização. Já em 1992, a doutrina
indicava a revogação do dispositivo em função de sua in-
constitucionalidade, decorrente da elevação da idade míni-
ma para o trabalho, efetivada pela Constituição da Repú-
blica Federativa do Brasil de 1988.138
Apesar de sua revogação, o dispositivo ainda encontra
amparo na visão de alguns juristas, saudosos da doutrina
da situação irregular. Contudo, salienta-se a necessidade
de sua atualização, pois o conceito de menor, em função do
Estatuto da Criança e do Adolescente, deve ser desmem-
brado e compreendido conforme o período etário a que se
refere. Assim, sempre que houver a referência ao então
“menor trabalhador”, conceituado pela Consolidação das
Leis do Trabalho, deve-se substituir a expressão pela cate-
goria criança ou adolescente trabalhadores, conforme o caso
que se pretende indicar.
Desconsiderando-se, neste momento, as situações de le-
galidade ou ilegalidade do trabalho da criança e do adoles-
cente, define-se como criança trabalhadora àquela pessoa

138
MORAES, Antonio Carlos Flores de. Trabalho do adolescente: proteção e profissionalização.
Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 231.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
132 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

submetida à relação de trabalho com até doze anos de ida-


de incompletos e, do mesmo modo, adolescente trabalha-
dor aquele que desenvolve atividade laboral com idade entre
doze e dezoito anos incompletos.
No mesmo sentido deve ser utilizada a expressão “ado-
lescente aprendiz” sempre que se fizer referência ao então
chamado “menor aprendiz”. Por adolescente aprendiz, com-
preende-se a pessoa com idade entre quatorze e dezoito
anos, que desenvolve atividades de formação metódica de
ofício, em conformidade com legislação especial, neste caso
a Lei no 10.097/2000. Estabelecidos os conceitos referentes
aos sujeitos, cabe agora uma análise da capacidade jurídica
para o trabalho.

4.3 A questão da capacidade jurídica para o


trabalho

A capacidade jurídica pode ser entendida em dois senti-


dos que expressam âmbitos de abrangência distintos. A ca-
pacidade jurídica em seu sentido amplo pode ser definida
como a capacidade de uma pessoa para ser titular de direi-
tos e obrigações ou, de acordo com Karl Larenz, como “a
capacidade de uma pessoa para ser sujeito de relações jurí-
dicas e, por isso, titular de direitos e destinatário de deve-
res jurídicos.”139 Decorre desses conceitos o entendimento
de que criança e adolescente são considerados sujeitos de
direitos e obrigações.
139
LARENZ, KARL. Derecho Civil - Parte General. Trad. Miguel Izquierd y Macias-Picavea.
Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1978. p. 103.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
133

Por sua vez, a capacidade jurídica, em seu sentido estri-


to, consiste na chamada capacidade de exercício de direitos
e obrigações daquele titular de uma relação jurídica. Segun-
do Carlos Alberto da Mota Pinto, “a capacidade de exercício ou
capacidade de agir é a idoneidade para atuar juridicamente -
é a aptidão para pôr em movimento a esfera jurídica pró-
pria, para por actividade própria produzir conseqüências
jurídicas no conjunto de direitos e obrigações de que se é
titular - exercendo direitos ou cumprindo deveres, adqui-
rindo direitos ou assumindo obrigações, por acto próprio e
exclusivo ou mediante um representante voluntário ou procu-
rador...”140
Importa acrescentar que a capacidade jurídica, em seu
sentido amplo, está intrinsecamente ligada à figura da per-
sonalidade jurídica.
É conveniente ressaltar que o pressuposto legal de reco-
nhecimento da condição de pessoa em situação peculiar de
desenvolvimento não pode conduzir a uma diferenciação
da situação jurídica da criança e do adolescente, colocando-
os em patamares inferiores aos do adulto, em prejuízo aos
seus direitos mais elementares.
Por isso, a capacidade jurídica, em seu sentido amplo,
vem expressar a individualização subjetiva em relação aos
direitos fundamentais. Este foi o modo de que se serviu o
legislador para consagrar a efetividade dos direitos huma-
nos fundamentais desde a concepção, atribuindo, inclusi-

140
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 3. ed., 1992.
p. 193.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
134 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

ve, responsabilidades à família, ao Estado e à sociedade para


sua efetivação, de acordo com a Constituição Federal no seu
art. 227.
Quando se faz referência à capacidade jurídica da crian-
ça ou do adolescente, indicam-se duas possibilidades: a) a
capacidade jurídica lato senso para referir-se que os limites
determinantes da capacidade jurídica fazem parte do rol
dos direitos subjetivos concedidos pela Constituição e pe-
las leis das quais crianças e adolescentes são titulares e b) a
capacidade jurídica stricto sensu que delimita os modos e as
(im)possibilidades quanto ao exercício da gama de direitos
e obrigações inerentes a sua condição.
Sendo a capacidade jurídica lato sensu pressuposto para
a existência de direitos, o tema central desta análise repor-
ta-se à capacidade jurídica em sentido estrito, pois é nesta
que se manifesta a complexidade e importância do tema, já
que é o fator determinante da possibilidade do exercício ou
não de atividade laboral.
A determinação dos limites da capacidade jurídica em
sentido estrito é fixada com base em critérios determina-
dos, especialmente voltados para etapas próprias de desen-
volvimento humano, além de serem considerados aspectos
fisico-biológicos, psíquicos, etários e o próprio arbítrio do
legislador. E tais limites servem ao objetivo de determinar a
capacidade da criança e do adolescente, quanto aos seus
direitos e deveres jurídicos.
As normas que regulam a capacidade jurídica, em sua
natureza, são, nas palavras de Vicente Ráo, públicas e
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
135

insuscetíveis”, uma vez que as partes não podem a seu “bel


prazer” alterá-las. “Dessa natureza participam não só as
normas que indicam os casos de incapacidade, mas todas
as que dispõem sobre a situação dos incapazes, seus direi-
tos e deveres, os direitos e deveres de seus representantes,
enfim, todas aquelas que direta ou indiretamente, à incapa-
cidade e às suas conseqüências jurídicas se referem.”141
A necessidade de tratamento das normas como de or-
dem pública decorre da atribuição de essência protetora na
constituição das normas que estabelecem a incapacidade. A
incapacidade difere da proibição no preciso momento em
que esta visa a coibir ou a vedar um ato contrário ao orde-
namento e, aquela apenas impede que determinadas pes-
soas em condições especiais possam exercer um ato jurídi-
co, não obstando que, em determinados casos, este ato seja
realizado por meio de representação ou assistência. O que
se visa garantir é a proteção ao incapaz e daí a impossibili-
dade de alteração dos limites de capacidade pela vontade
das partes.
Contudo, torna-se prudente salientar que a capacidade
jurídica relativa e a incapacidade jurídica não deixam seus
titulares à própria sorte, pois trazem à tona um leque de
normas protetoras de ordem pública e que objetivam tute-
lar aqueles que não dispõem de capacidade jurídica plena.
Por sua vez, a aquisição da capacidade jurídica tem,
muitas vezes, tratamento diferenciado quanto aos limites

141
RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 3. ed. Anotada e atualizada por Ovídeo Rocha
Barros Sandoval. São Paulo: RT, v. 1 e 2, 1991, p. 605.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
136 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

de idade conforme o ramo da ciência jurídica em questão.


Nesse sentido, a capacidade jurídica da pessoa, determina-
da através de limites etários, diferencia-se quando o exercí-
cio de direitos e obrigações diz respeito a questões civis,
comerciais, políticas ou penais e, do mesmo modo acontece
no tocante a direitos e obrigações decorrentes de questões
trabalhistas.
No que se refere ao âmbito das relações de trabalho, esta
diversidade permanece ainda mais complexa, pois o trata-
mento da capacidade jurídica para o trabalho da criança e
do adolescente tem sua natureza jurídica constituída por
parâmetros determinados na Constituição Federal e em
várias legislações, tais como, as Convenções Internacionais
ratificadas pelo país, o Estatuto da Criança e do Adolescen-
te e a Consolidação das Leis do Trabalho.
A capacidade para o trabalho é determinada no mundo
fático com base em critérios diversos. Podem ser elenca-
dos, inicialmente, os aspectos físicos, psíquicos, biológi-
cos e culturais. Apesar de, numa sociedade capitalista, ser
o critério da hipossuficiência econômica o que, via de re-
gra, mais influi na decisão quanto ao ingresso das crian-
ças e adolescentes no mercado de trabalho, este não é o
critério jurídico adotado.
O critério que fundamenta essas normas no ordenamen-
to jurídico é o da proteção das pessoas em processo de de-
senvolvimento, sendo esta proteção garantida mediante o
estabelecimento de limites de idade em que se permite ou
proíbe a realização de trabalho. Esses limites não são cons-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
137

tituídos apenas arbitrariamente, mas com base no grau de


desenvolvimento físico, psíquico, biológico e educacional
das pessoas que se pretende atingir.
Registram Rubem Cervini e Freda Burger que “a capacida-
de reguladora (normas jurídicas sobre limitações e condi-
ções do trabalho infantil) e de controle (fiscalização da apli-
cação efetiva dessas normas) são fatores que ajudam a mo-
delar o comportamento das empresas e do mercado em ge-
ral.”142
Nunca é demais lembrar que a aquisição da capacidade
jurídica para o trabalho está subordinada, no direito brasi-
leiro, aos princípios e normas da doutrina da proteção inte-
gral, pois o princípio fundamental na atenção voltada à in-
fância e adolescência, garantida na Convenção dos Direitos
da Criança da Organização das Nações Unidas e no Estatu-
to da Criança e do Adolescente, como já foi dito, é o da pro-
teção integral daqueles que se encontram em processo de
desenvolvimento, com o intuito de garantir o seu bem-es-
tar físico, mental, moral, espiritual e social.
A doutrina da proteção integral funda-se no reconheci-
mento de direitos próprios e especiais de crianças e adoles-
centes que, em razão de sua condição peculiar de pessoa
em desenvolvimento, faz-se necessário uma proteção espe-
cializada, diferenciada e integral. A infância e a adolescên-
cia passam a ser assumidas enquanto sujeito de direitos,
devendo ter os mesmos direitos que têm os adultos e que
sejam aplicáveis a sua idade, e ainda, contam com direitos
142
CERVINI, Ruben. BURGER, Freda. Op. Cit. p. 19.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
138 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

especiais derivados da sua condição específica de pessoa


em fase de desenvolvimento.
No mesmo sentido configura-se como imprescindível a
proteção daqueles considerados como pessoas em situação
peculiar de desenvolvimento contra a exploração econômi-
ca ou a opressão cultural que submete os valores da educa-
ção e do livre desenvolvimento humano às necessidades
econômicas imediatas provenientes de um sistema econô-
mico que prioriza o “ter” ao “ser”.
Em virtude da relatividade de critérios como os biológi-
cos, físicos, psíquicos, econômicos e culturais, o legislador
optou, em função da segurança jurídica do sistema, pelo
seu balizamento mediante a utilização do critério etário em
função das etapas de desenvolvimento humano, com vistas
a garantir um tratamento adequado à realidade das crian-
ças e adolescentes.
No Brasil, como na maioria dos países, os legisladores
têm determinado normas com limites de idade mínima,
como forma de precisar adequadamente os parâmetros ide-
ais da capacidade jurídica para o trabalho.
Apesar de a capacidade jurídica constituir-se num insti-
tuto normalmente estudado no âmbito do Direito do Tra-
balho, que regula principalmente as relações de emprego, é
de fundamental importância salientar que os limites de ida-
de determinantes da capacidade jurídica para o trabalho
envolvem todas as relações diretamente ligadas ao mundo
do trabalho e não apenas àquelas restritas as relações de
emprego, pois a capacidade jurídica para o trabalho consis-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
139

te na capacidade de uma pessoa em ser sujeito de relações


jurídicas de trabalho e, portanto, titular de direitos e deve-
res oriundos do seu trabalho.
A capacidade jurídica para o trabalho, de acordo com
Oris de Oliveira, “estende-se a qualquer modalidade de tra-
balho em que o adolescente possa envolver-se: em regime
familiar, como empregado comum na cidade ou no campo,
como aprendiz-empregado, em regime associativo, inclusi-
ve o cooperativo, e na condição de autônomo.”143
Destas relações estão excluídas, apenas, as modalidades
de profissionalização que estejam exclusivamente integra-
das no âmbito da educação ou aprendizagem e, por isso,
não requerem capacidade jurídica para o seu exercício. Desse
modo, pode-se concluir que a capacidade jurídica, ainda
que relativa, é requisito e fator determinante para a valida-
de de todas as relações de trabalho.
Além disso, o trabalho da criança e do adolescente sub-
mete-se a condições determinadas para o seu exercício que
objetivam proteger aqueles que se encontram em processo
de desenvolvimento.
No estudo mais aprofundado dos atuais limites deter-
minantes da capacidade jurídica para o trabalho no direito
brasileiro, alguns elementos devem ser considerados. Pri-
meiramente, a elevação dos limites de idade mínima para o
trabalho efetuado por força da Emenda Constitucional no
20, de 15 de dezembro de 1998. Ademais, se encontram no

143
OLIVEIRA, Oris. O trabalho infantil: o trabalho infanto-juvenil no direito brasileiro. Brasília:
OIT, 1994. p. 182.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
140 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

ponto central desta análise os novos limites que determi-


nam a capacidade jurídica para o trabalho, limites histori-
camente constituídos sob fundamentos protetivos e que
pretendem resguardar o desenvolvimento das futuras ge-
rações, priorizando as políticas públicas básicas e direcio-
nando-as para a educação, reservando-se apenas o traba-
lho estritamente necessário à formação profissional.
Segundo a Nota Técnica à Portaria no 06 do Ministério
do Trabalho e Emprego “a opção feita pelo Estado Brasilei-
ro, de postergar a entrada de adolescentes no mercado de
trabalho foi acertada. A idade anteriormente preconizada
pela Constituição Federal, 14 anos – idade que, em tese,
marcaria o fim do primeiro grau nas escolas, refletia uma
utopia, pois ignorava alguns incidentes bastante freqüen-
tes, tais como a entrada tardia na escola e mesmo as eventu-
ais reprovações. Ao aumentar a idade para 16 anos, a Emen-
da Constitucional no 20/98 não só preveniu, em parte, esses
percalços educacionais, como também estimulou o aluno
bem sucedido a complementar o segundo grau, o que não
só o qualifica melhor, como trata de abrir-lhe as portas do
mundo universitário, no qual poderá dar um passo decisi-
vo para tornar-se um profissional mais qualificado e ascen-
dente profissionalmente.”
A nova determinação dos limites de idade mínima para
a admissão em qualquer trabalho fixou novos parâmetros
de capacidade jurídica para o trabalho, elevando os níveis
de aquisição inferior de quatorze para os dezesseis anos.
Como reflexo, o adolescente passa a adquirir capacida-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
141

de jurídica para o trabalho a partir dos dezesseis anos, sen-


do que em função de sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento, nesse período tal capacidade será relati-
va, ou em alguns momentos, poderá até inexistir em face
das condições impostas para o exercício de determinados
tipos de trabalho ao adolescente.
A capacidade jurídica para o trabalho é determinada em
função de limites de idade fixados na legislação. Inicialmen-
te, faz-se necessário indicar que os limites de idade são de-
terminados segundo três critérios: 1) limite de idade míni-
ma inferior para o trabalho: estabelece uma proibição do
desenvolvimento de qualquer atividade laboral, incluindo
até àquelas voltadas para aprendizagem; 2) limite de idade
mínima básica para o trabalho: proíbe o desenvolvimento
de qualquer atividade laboral, salvo aquelas direcionadas
para a aprendizagem e, 3) limite de idade mínima superior
para o trabalho: estabelece a proibição do exercício de ativi-
dade laboral em determinadas condições, sendo que a par-
tir da superação deste limite realiza-se a aquisição da capa-
cidade jurídica plena para o trabalho.
Com base nesses critérios, a Emenda Constitucional no. 20,
de 15 de dezembro de 1998, que alterou o art. 7o, XXXIII, da
Constituição da Republica Federativa do Brasil, que pas-
sou a vigorar com a seguinte redação: “proibição do traba-
lho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito
anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos,
salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.”
Houve, assim, uma profunda alteração nos limites de
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
142 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

idade mínima inferior e básico para o trabalho, decorrendo


daí a alteração dos limites determinantes da capacidade ju-
rídica para o trabalho da criança e do adolescente.
Em face da referida Emenda Constitucional, o art. 60 do
Estatuto da Criança e do Adolescente foi alterado, devendo
ser lido conforme a seguinte redação: “é proibido qualquer
trabalho abaixo dos dezesseis anos, salvo na condição de
aprendiz, a partir dos quatorze anos”.
Desse modo, ficou determinado o limite de idade míni-
ma básico para admissão em trabalho ou emprego em de-
zesseis anos e a fixação desse limite implica uma proibição
ao desenvolvimento de todo e qualquer tipo de atividade
laboral abaixo dessa idade, ressalvada a aprendizagem que
pode ser desenvolvida a partir dos quatorze anos, por en-
contrar-se estreitamente ligada à educação e formação téc-
nico-profissional, de acordo com o art. 62 do Estatuto da
Criança e do Adolescente que conceitua aprendizagem, nos
seguintes termos: “Considera-se aprendizagem a formação
técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e ba-
ses da legislação de educação em vigor”. Atualmente a le-
gislação que remete o artigo estatutário trata-se da Lei no
10.097, de 19 de dezembro de 2000, que trouxe um novo
disciplinamento à matéria.
Portanto, a determinação de proibição de trabalho abai-
xo dos limites de idade mínima é o que caracteriza normal-
mente na situação fática denominada usualmente como tra-
balho infantil. No entanto, como esta terminologia pode ser
interpretada apenas como trabalho da criança e existem tra-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
143

balhos que são proibidos ao adolescente, há uma tendência


no uso da expressão trabalho precoce, que teria um poten-
cial representativo maior,em vista dos atuais limites de ida-
de mínima para o trabalho.
Outro aspecto ainda impreciso, referente ao tema, diz
respeito ao chamado trabalho em regime de economia fa-
miliar. Como o dispositivo constitucional não fez distinção
em relação a qualquer tipo de trabalho, o intérprete não deve
fazê-lo. Isso não implica que a criança e o adolescente este-
jam impedidos de realizarem quaisquer tipos de tarefas uma
vez que a proibição, está expressamente declarada no art.
67 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
No entanto, há ainda que se fazer distinção entre traba-
lho e tarefa em sentido estrito. Tarefa (stricto sensu) é toda
atividade que a criança desenvolve, voltada ao processo de
aprendizado e socialização - podem ser citadas, como exem-
plo, as tarefas domésticas e as tarefas escolares.
Por outro lado, quando a atividade realizada pela crian-
ça tem como finalidade precípua o ganho econômico indi-
vidual, de modo a garantir a sua subsistência ou da própria
família, diz-se que há o uso do trabalho precoce da criança
pela família.
Isso significa que, quando a família precisa buscar no tra-
balho da criança um ganho econômico com o intuito de ga-
rantir sua subsistência e tal família está inserida na cadeia
produtivo-empresarial, ou seja, os pais estão, mesmo que
perifericamente, integrados numa cadeia produtiva mais
ampla, seja como empregados, produtores, fornecedores de
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
144 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

matéria-prima, produtos para determinado setor produti-


vo agrícola, comercial ou industrial, há a caracterização do
trabalho precoce através da família.
O trabalho, mesmo que em regime familiar, realizado
mediante produção artesanal, agropecuário, comercial ou
industrial, mesmo que destinado ao próprio consumo e sub-
sistência da família, deve ser reservado aos adultos, pois é
responsabilidade, inclusive da família, a garantia do desen-
volvimento físico, psíquico, moral e social.
Quando a lei proíbe o desenvolvimento de qualquer tra-
balho abaixo dos dezesseis anos, não está vedando realiza-
ção de qualquer atividade, pois exclui aquelas caracteriza-
das como tarefas (stricto sensu) em conformidade com o con-
ceito indicado. O entendimento adequado diz que devem
ser afastados as crianças e os adolescentes que abaixo do
limite de idade mínima estejam laborando em condições
que podem ser caracterizadas como trabalho precoce, seja
pela família, através da família ou para o próprio consumo.
Feita a distinção, importa considerar que, a partir do li-
mite de idade mínima constitui-se a permissão para o tra-
balho, limitada, evidentemente, por normas protetoras ao
trabalho do adolescente. A decorrência natural desse limite
proibitivo é a incapacidade jurídica absoluta para o traba-
lho daqueles que se encontram abaixo do limite de quatorze
anos de idade. A medida justifica-se devido ao chamado
direito de não trabalhar do qual dispõem as crianças e os
adolescentes até essa idade.
Não restam dúvidas de que o estabelecimento da fixa-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
145

ção de uma idade mínima é importante, pois a partir dela o


adolescente tem, conforme nos ensina Oris Oliveira, “o di-
reito de trabalhar. Antes da idade mínima o direito resguar-
dado é o de não trabalhar. O não trabalho não é ócio pernicio-
so, mas deve ser preenchido com a educação, com a fre-
qüência à escola, com o brinquedo, com o exercício do direi-
to de ser criança. O fato generalizado, sobretudo no Terceiro
Mundo, do trabalho antes da idade mínima revela apenas
uma das faces de uma violência institucionalizada.144
O Estatuto da Criança e do Adolescente garante, em seu
art. 16, inciso IV, às crianças e aos adolescentes, o direito de
brincar, praticar esportes e divertir-se, fundamentado na
Constituição Federal, art. 217, caput e § 3o, que estabelece
como dever do Estado o fomento às práticas desportivas e
o incentivo ao lazer como forma de promoção social.
Cumpre registrar que a elevação do limite de idade míni-
ma para o trabalho, vem ao encontro do dispositivo da Con-
venção no 138, sobre idade mínima para o trabalho, da Orga-
nização Internacional do Trabalho e da Recomendação no 146,
pois estabelecem que os países-membros devem ter como
objetivo a elevação progressiva, para dezesseis anos, da ida-
de mínima, para admissão a emprego ou trabalho.
O Brasil adequou-se à diretriz internacional no momen-
to em que a idade mínima para admissão em trabalho e
emprego passou a ser fixada em dezesseis anos, demarcan-
do o limite segundo o qual se encerra a incapacidade jurídi-

144
OLIVEIRA, Oris. O trabalho infantil – O trabalho infanto-juvenil, Cit. 1994. p. 182-3.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
146 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

ca para o trabalho, o que configura a capacidade jurídica


relativa para o trabalho.
Da aquisição da capacidade jurídica para o trabalho e do
exercício dos direitos e deveres inerentes à atividade laboral,
na condição de empregado ou aprendiz, o adolescente tem
assegurado seus direitos trabalhistas e previdenciários, con-
forme estabelecem os artigos 227, II, § 3o, da Constituição
Federal e 65 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Pode-se concluir que, no ordenamento jurídico brasilei-
ro em vigor, a idade mínima inferior para o trabalho está
fixada em quatorze anos, a idade mínima básica é dezesseis
anos, momento em que o adolescente adquire capacidade
jurídica relativa para o trabalho e a idade mínima superior
para o trabalho é de dezoito anos, idade a partir do qual se
dá aquisição da capacidade jurídica plena para o trabalho.
No entanto, sempre que se tratou da capacidade jurídica
no período compreendido entre quatorze e dezoito anos fez-
se referência a esta como capacidade jurídica relativa, daí a
importância de se fixarem os motivos da relatividade da
capacidade jurídica para o trabalho.
Primeiramente, convém indicar que a aquisição da capa-
cidade jurídica pelo adolescente é relativa em função de este
ser reconhecido como pessoa em situação peculiar de desen-
volvimento. Desse modo, o ordenamento jurídico, ao mes-
mo tempo em que concede a capacidade jurídica para o tra-
balho, exige determinados requisitos para o seu exercício.
Em segundo, pode-se destacar que o exercício de ativi-
dade laboral do adolescente está condicionado aos deveres
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
147

de cuidado e proteção dos pais ou tutores, tendo estes a


obrigação de afastá-lo de todo o tipo de atividade que o
coloque em situações de negligência, discriminação, explo-
ração, violência, crueldade e opressão, em razão do artigo
227 da Constituição da República Federativa do Brasil.
Por isso, a Consolidação das Leis do Trabalho, no art.
408, concede ao responsável legal pelo adolescente a facul-
dade de pleitear a extinção do contrato de trabalho, quando
constatar que o serviço possa acarretar-lhe prejuízos de or-
dem física ou moral. Vale lembrar que o descumprimento
dessa obrigação pode resultar na responsabilização dos pais,
seja pela ação ou omissão, segundo o art. 249 do Estatuto
da Criança e do Adolescente.
Do mesmo modo, a Consolidação das Leis do Trabalho,
no art. 437, impõe multa e até a destituição do pátrio poder
aos responsáveis legais que infringirem os dispositivos de
proteção ao trabalho do adolescente ou de cumprimento da
escolaridade obrigatória.
Aos responsáveis legais cabe ainda, conforme o art. 434
da Consolidação das Leis do Trabalho, a obrigação de afas-
tar o adolescente de empregos que diminuam considera-
velmente o tempo de estudo ou reduzam o tempo de re-
pouso necessário à saúde, à constituição física ou que pre-
judiquem a formação moral.
Outro referencial importante que relativiza a capacida-
de jurídica para o trabalho do adolescente é o art. 439 da
Consolidação das Leis do Trabalho que, reconhecendo sua
capacidade jurídica, permite que firme recibo pelo paga-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
148 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

mento de salário, mas relativiza essa capacidade ao exigir a


assistência dos responsáveis legais no caso de rescisão de
contrato de trabalho, que requer a assistência para dar qui-
tação ao empregador pela indenização devida.
Há que se recordar que, em função de sua capacidade
relativa, o art. 440, da Consolidação das Leis do Trabalho,
estabelece que contra crianças e adolescentes até dezoito
anos não corre nenhum prazo de prescrição.
A assistência nas relações de trabalho de adolescentes
tem fundamento na responsabilidade primordial dos repre-
sentantes legais pela educação e desenvolvimento de sua
prole, que deve visar ao interesse maior de proteção do edu-
cando.
A capacidade jurídica para o trabalho do adolescente é,
portanto, relativizada em função do princípio protetivo que
deve vincular o exercício de atividade laboral nessa faixa
etária, que compreende o período de dezesseis até dezoito
anos. No entanto, poderá ser adquirida excepcionalmente,
a partir dos quatorze anos, desde que vinculada a um con-
trato de aprendizagem.
Resta por último considerar que a aquisição da capaci-
dade jurídica plena para o trabalho acontece aos dezoito
anos de idade, a partir daí a pessoa passa a adquirir plenos
direitos e obrigações no âmbito das relações de trabalho.
Kátia Magalhães Arruda lembra que, “o trabalhador adul-
to é livre para vender sua força de trabalho, mas a criança
não o é, pois a rigor o que ela vende é sua infância, que não
pode ser vendida por ser seu direito fundamental. É como
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
149

vender a vida e a liberdade, nunca mais haverá retorno e


não há preço individual, familiar ou social capaz de pagá-
la.”145
Diante do que foi exposto, há que se compreender que a
infância e a adolescência são bens indisponíveis e em fun-
ção de seu elevado caráter social devem, acima de tudo, ser
protegidas mediante a abolição do trabalho precoce e a pro-
teção do adolescente trabalhador em condições regulares
previstas na legislação.

4.4 Condições para o exercício do trabalho

Além da capacidade jurídica para o trabalho, a ativida-


de laboral da criança e do adolescente é delimitada, tam-
bém, em função de condições específicas para o exercício
de trabalho. Essas condições fixam-se a partir de dois refe-
renciais básicos: o respeito à condição peculiar de pessoa
em desenvolvimento e a capacitação profissional adequa-
da ao mercado de trabalho, segundo o art. 69 do Estatuto
da Criança e do Adolescente.
O respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvi-
mento fundamenta a proibição do trabalho noturno, peri-
goso, insalubre, de acordo com o art. 7o, XXXIII, da Consti-
tuição Federal, bem como, aquele realizado em locais pre-
judiciais à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico,
moral e social, incluindo, também, aqueles realizados em
horários e locais que não permitam a freqüência à escola e
145
ARRUDA, Kátia Magalhães. Op. Cit. p. 107.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
150 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

os trabalhos penosos, conforme dispõe o art. 67 da Lei


8.069/90.
Já o requisito da capacitação profissional adequada ao
mercado de trabalho vem balizar os limites de profissiona-
lização e trabalho desenvolvidos pelo adolescente que de-
vem, necessariamente, estar conectados à realidade social,
econômica e tecnológica do país.
Desse modo, a execução de atividades de profissionali-
zação como o trabalho educativo (Lei 8.069/90, art. 68) e a
aprendizagem (Lei 10.097/00) devem estar intrinsecamen-
te relacionados ao projeto de políticas de emprego e educa-
ção planejados para o país, não havendo sentido a realiza-
ção de qualquer atividade laboral pelos adolescentes que
não tenha por objetivo a formação adequada ao mercado e
ao mundo do trabalho.
Tal formação, inclusive, não se pode resumir ao repasse
de técnicas e conhecimentos específicos, mas deve abran-
ger o estímulo ao desenvolvimento de raciocínio lógico, da
análise crítica e do estudo dos conhecimentos acumulados
historicamente pela sociedade.
Essas duas condições não se reduzem apenas aos princí-
pios, mas em elementos que obrigatoriamente devem ser
observados na realização de qualquer política pública refe-
rente ao trabalho do adolescente, bem como no estabeleci-
mento de qualquer tipo de relação que envolva a participa-
ção de crianças ou adolescentes.
A inobservância de qualquer dessas condições gera res-
ponsabilidade entre os entes envolvidos, sejam eles a famí-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
151

lia, o Estado ou a sociedade, pois a violação de qualquer


garantia que venha em prejuízo do desenvolvimento de cri-
anças e adolescentes deve ter um tratamento responsável,
com objetivo de garantir efetivamente os direitos historica-
mente conquistados.
A Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança
e do Adolescente, trouxe um novo paradigma ao universo
infanto-juvenil, que consiste no reconhecimento da criança
e do adolescente enquanto sujeitos de direitos. Nesse senti-
do, estabelece o art. 3o, “a criança e o adolescente gozam de
todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, as-
segurando-lhe, por lei ou por outros meios, todas as opor-
tunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvi-
mento físico, mental, moral, espiritual e social, em condi-
ções de liberdade e dignidade.”
Esse direito inovador tem conteúdo eminentemente
protetivo e afirma não apenas o reconhecimento dos direi-
tos, mas também a preocupação com a garantia do sadio
desenvolvimento físico, psicológico, moral e social neces-
sário à formação das presentes e futuras gerações.
Dessa concepção decorrem inúmeras normas protetivas
baseadas na particularidade daqueles que se situam entre
as pessoas em processo de desenvolvimento, pois estão a
exigir uma atenção diferenciada e integral, de modo a per-
mitir o pleno desenvolvimento das potencialidades huma-
nas, buscando-se a superação das dificuldades e contradi-
ções ainda tão latentes na realidade social.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
152 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Além das normas protetivas já referenciadas, cabe anali-


sar, pormenorizadamente, as condições restritivas estabe-
lecidas na lei que vedam o trabalho abaixo dos dezoito anos
de idade, como mecanismo necessário à proteção contra o
trabalho precoce, visando à preservação e garantindo o de-
senvolvimento sadio das crianças e dos adolescentes.
É importante resgatar que, até então, foram analisados
dois referenciais importantes concernentes aos limites de
idade que determinam a capacidade jurídica para o traba-
lho: o limite de idade mínima inferior fixado em quatorze
anos,- que delimita o período de início da aquisição da ca-
pacidade jurídica relativa, condicionada à aprendizagem, e
o limite de idade mínima básico de dezesseis anos,- que
possibilita ao adolescente a realização de qualquer traba-
lho, já que a partir desta idade adquire capacidade jurídica
relativa para o trabalho, subordinando-se às normas gerais
de proteção ao adolescente.
Contudo, merece destaque que a aquisição da capacida-
de jurídica para o trabalho em determinados casos aconte-
ce apenas a partir dos dezoito anos de idade, ou seja, a par-
tir do limite de idade mínima superior. É nesse sentido que
a Constituição da República Federativa do Brasil estabelece
a “proibição de trabalho noturno, perigoso e insalubre aos
menores de dezoito anos”, no art. 7o, XXXIII. E o Estatuto
da Criança do Adolescente dispõe em seu art. 67: “ao ado-
lescente empregado, aprendiz, em regime familiar de tra-
balho, aluno de escola técnica, assistido em entidade gover-
namental ou não governamental, é vedado trabalho: I – no-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
153

turno, realizado entre as 22 (vinte e duas) horas de um dia e


as 5 (cinco) horas do dia seguinte; II – perigoso, insalubre
ou penoso; III – realizado em locais prejudiciais à sua for-
mação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e
social; IV – realizado em horários e locais que não permi-
tam a freqüência à escola.”
Além da preocupação com a garantia de preservação do
pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes, não se
pode esquecer que a inobservância das normas protetivas
destinadas aos trabalhadores tem custo social elevado, pois
onera os cofres públicos, exige uma gama enorme de políti-
cas públicas assistenciais e compensatórias, além de preju-
dicar a própria produção industrial em função do reduzido
nível de qualidade de vida do trabalhador.
Merece nota, ainda, o art. 67, inciso III, do Estatuto da
Criança e do Adolescente, que proíbe os trabalhos realiza-
dos em locais prejudiciais à formação e ao desenvolvimen-
to físico, psíquico, moral e social. Embora todo ambiente
laboral represente riscos para aqueles que o freqüentem,
estes tendem a provocar maior prejuízo às crianças e aos
adolescentes em razão de sua condição peculiar de pessoa
em desenvolvimento.
Por fim, resta destacar a importância social, jurídica e
política quanto à observância dos limites de idade mínima
para o trabalho uma vez que resguardam a garantia do di-
reito ao pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes
e efetivam o princípio constitucional da dignidade da pes-
soa humana.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
155

5. CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DE
PROTEÇÃO CONTRA A EXPLORAÇÃO NO
TRABALHO

5.1 O trabalho perigoso

O respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvi-


mento das crianças e dos adolescentes, previsto no art. 227
da Constituição Federal, fundamenta a proibição do traba-
lho perigoso a todos àqueles que tenham menos de dezoito
anos, conforme estabelece o art. 7o, XXXIII, da Constituição
Federal. Segundo Adalberto Martins, “foi a primeira consti-
tuição brasileira a incluir a proibição do trabalho perigoso
[...]. As demais se limitaram à proibição do trabalho ‘em
indústrias insalubres’.”146
No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente tratou da questão no artigo 67, II, universalizando à
proteção ao adolescente independentemente da sua condi-
ção de empregado, aprendiz, em regime familiar de traba-
lho, aluno de escola técnica ou assistido em entidade go-
vernamental ou não-governamental, pois o trabalho peri-
goso é proibido às crianças e aos adolescentes, também, em
função de seu grau de maturidade psicológica, pois sua

146
MARTINS, Adalberto. A proteção constitucional ao trabalho de crianças e adolescentes. São
Paulo: LTr, 2002. p. 109.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
156 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

natural distração aumenta a propensão aos acidentes de tra-


balho.
O parágrafo 1o do art. 405 da Consolidação das Leis do
Trabalho vinha sendo apontado como inconstitucional des-
de 1988 uma vez que permitia a realização de aprendiza-
gem em atividades perigosas para adolescentes com idades
a partir dos dezesseis anos. Mesmo com o art. 67 do Estatu-
to da Criança e do Adolescente que proíbe a aprendizagem
em atividades perigosas, a Lei no 10.097, de 19 de dezembro
de 2000, para sanar qualquer controvérsia, resolveu o pro-
blema definitivamente com a revogação expressa do dispo-
sitivo em seu art. 3o, deixando claro que a proteção contra a
periculosidade envolve também as atividades em regime
de aprendizagem.
De acordo com o art. 193 da Consolidação das Leis do
Trabalho “são consideradas atividades perigosas, na forma
da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho,
aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, im-
pliquem em contato permanente com inflamáveis ou explo-
sivos em condições de risco acentuado.”
A art. 405, I da Consolidação das Leis do Trabalho esta-
belece que ao adolescente “...não será permitido o trabalho:
I – nos locais e serviços perigosos ou insalubres, constantes
de quadro para esse fim aprovado pela Secretaria de Segu-
rança e Medicina do Trabalho.”
Atualmente, a caracterização das atividades perigosas
está regulamentada pela Portaria no 20, de 13 de setembro
de 2001, da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministé-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
157

rio do Trabalho e Emprego, que revogou a Portaria no 06,


de 05 de fevereiro de 2001.
A nova Portaria trouxe quatro modificações. O item 10
estabelecia a proibição dos “trabalhos com utilização de ins-
trumentos ou ferramentas de uso industrial ou agrícola com
riscos de perfurações e cortes, sem proteção capaz de elimi-
nar o risco.” A redação em vigor estabelece: “trabalhos com
utilização de instrumentos ou ferramentas de uso industri-
al ou agrícola com riscos de perfurações e cortes, sem pro-
teção capaz de controlar o risco”.
O item 19 vedava os “trabalhos com exposição a ruído
contínuo ou intermitente, superiores a 80 dB (A) ou a ruído
de impacto”, passando a proibir “trabalhos com exposição
a ruído contínuo ou intermitente, acima do nível de ação pre-
visto na legislação pertinente em vigor, ou a ruído de impacto.”
O item 69 que proibia os “trabalhos em estábulos, cava-
larias, currais, estrebarias ou pocilgas” foi restringido, pas-
sando a proibir apenas os “trabalhos em estábulos, cavala-
rias, currais, estrebarias ou pocilgas, sem condições adequadas
de higienização.”
O item 79, que previa a proibição nos “trabalhos na co-
lheita de cítricos” foi ampliado proibindo a partir de agora
os “trabalhos na colheita de cítricos ou de algodão.”
A norma em vigor, assim como a anterior, não faz distin-
ção entre atividades perigosas e insalubres relacionando em
mesmo quadro os locais e serviços considerados perigosos
ou insalubres até os dezoito anos, com exceção dos traba-
lhos técnicos ou administrativos que serão permitidos, des-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
158 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

de que realizados fora das áreas de risco à saúde e à segu-


rança.
Arnaldo Süssekind destaca que “a periculosidade se dis-
tingue da insalubridade, porque esta, enquanto não houver
sido eliminada ou neutralizada, afeta continuamente a saú-
de do trabalhador; já a periculosidade corresponde apenas
a um risco, que não age contra a integridade biológica do
trabalhador, mas que, eventualmente (sinistro), pode atin-
gi-lo de forma violenta.”147 De qualquer forma, tanto os tra-
balhos perigosos, quanto os insalubres permaneceram proi-
bidos àqueles com idades inferiores aos dezoito anos, fi-
cando a distinção sem maior interesse prático.
O trabalho perigoso também foi objetivo de atenção da
Convenção no 182, da Organização Internacional do Traba-
lho, que estabelece as piores formas de trabalho infantil. No
art. 3o, “d”, a referida normativa internacional, estabelece
que as piores formas de trabalho infantil envolvem “traba-
lhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que
são executados, são susceptíveis de prejudicar a saúde, a
segurança e a moral da criança”.
Para a regulamentação dos trabalhos perigosos, a Con-
venção estabelece no seu art. 4o que “Os tipos de trabalho a
que se refere o artigo 3º (d) deverão ser determinados pela
legislação nacional ou pela autoridade competente, após
consulta com as organizações de empregadores e de traba-
lhadores interessadas, levando em consideração as normas

147
SÜSSEKIND, Arnaldo. Segurança e Medicina no Trabalho. In: SÜSSEKIND, Arnaldo, et alii.
Instituições de Direito do Trabalho. 16 ed., v. II. São Paulo: LTr, 1996. p. 900.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
159

internacionais pertinentes, particularmente os parágrafos 3º


e 4º da Recomendação sobre as Piores Formas de Trabalho
Infantil, de 1999.”
Foi neste sentido que o Ministério do Trabalho e Empre-
go, por meio da Portaria no 143, de 14 de março de 2000,
instituiu no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego,
Comissão Tripartite Comissão Tripartite integrada por re-
presentantes do Governo, dos Empregadores e dos Traba-
lhadores, para determinar os tipos de trabalho a serem cha-
mados de “piores formas de trabalho infantil”, a que se re-
fere o artigo 3 da Convenção nº 182 da OIT. O resultado dos
trabalhos da Comissão originou a referida Portaria no 20,
em 13 de setembro de 2001.
A Recomendação no 190, da Organização Internacional
do Trabalho, também deu especial ênfase ao trabalho peri-
goso, no item II, 1, recomendando aos estados-membros que:
“ao determinar e localizar onde se praticam os tipos de tra-
balho a que se refere o artigo 3, d) da Convenção, deveriam
ser levadas em consideração, entre outras coisas: a) os tra-
balhos em que a criança ficar exposta a abusos de ordem
física, psicológica ou sexual; b) os trabalhos subterrâneos,
debaixo d’água, em alturas perigosas ou em locais confina-
dos; c) os trabalhos que se realizem com máquinas, equipa-
mentos e ferramentas perigosas, ou que impliquem a mani-
pulação ou transporte manual de cargas pesadas; d) os tra-
balhos realizados em um meio insalubre, no qual as crian-
ças estiverem expostas, por exemplo, a substâncias, agen-
tes ou processos perigosos ou a temperaturas, níveis de ru-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
160 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

ído ou de vibrações prejudiciais à saúde, e e) os trabalhos


que sejam executados em condições especialmente difíceis,
como os horários prolongados ou noturnos, ou trabalhos
que retenham injustificadamente a criança em locais do
empregador.”
No mesmo sentido, a Organização Internacional do Tra-
balho por meio da Recomendação no 146, sobre idade míni-
ma para o trabalho, recomenda no item 10, 2, que no tocan-
te aos trabalhos perigosos, os estados membros devem rea-
lizar: “o reexame periódico da lista dos tipos de emprego
ou trabalho perigosos, considerando-se em particular os
progressos científicos e tecnológicos.” E, também, no item
10, 1, que devem ser levadas em consideração “as normas
internacionais do trabalho referentes a substâncias, agentes
ou processos perigosos, envolvendo radiações ionizantes,
o levantamento de cargas pesadas e o trabalho subterrâneo.”
É necessário destacar que a utilização de equipamentos
de proteção individual não descaracteriza a periculosida-
de, pois o que se está prevenindo é o risco de exposição das
crianças e dos adolescentes nessas atividades. Os critérios
estabelecidos na portaria ministerial são taxativos.
Em relação ao tema, a Ação Civil Pública, promovida pelo
Ministério Público do Trabalho da 12a Região, referenciada
por Eduardo Alberto Cabral Tavares Marques faz uma impor-
tante observação “ao custo social de agressão à saúde física
e psicológica da criança e do adolescente que trabalha em
condições insalubres, perigosas, físicas e psicologicamente
penosas. Mais cedo do que se pensa, as pessoas irão, ainda
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
161

adolescentes, muito cedo, como os jovens ou como adultos,


engrossar as filas do órgãos públicos de atendimento à saú-
de e aos benefícios previdenciários.”148
Além da preocupação com a garantia de preservação do
pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes, não se
pode esquecer que a inobservância das normas protetivas
tem custo social elevado, pois onera os cofres públicos, exige
uma gama enorme de políticas públicas assistenciais e com-
pensatórias e viola os dois princípios mais fundamentais da
Constituição brasileira: a dignidade humana e o direito ao
pleno desenvolvimento às crianças e aos adolescentes.

5.2 O trabalho insalubre

Assim como o trabalho perigoso, o trabalho insalubre


também foi proibido constitucionalmente às crianças e aos
adolescentes no art. 7o, XXXIII e estatutariamente no art. 67,
II. Há uma tendência na legislação de tratar os dois temas
com uma certa semelhança. No entanto, insalubridade e
periculosidade não se confundem.
Segundo o artigo 189, da Consolidação das Leis do Tra-
balho, são “consideradas atividades ou operações insalu-
bres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos
de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à
saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da

148
MARQUES, Eduardo Alberto Cabral Tavares. Atribuições do Ministério Público do Trabalho
em Relação à Criança e ao Adolescente, Florianópolis, 1999. Monografia (Graduação em Direi-
to) - Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina. p. 80.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
162 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposi-


ção aos seus efeitos.”
Para o objeto em estudo, importa o art. 1o, parágrafo úni-
co, da Portaria no 20, de 13 de setembro de 2001, do Ministé-
rio do Trabalho e Emprego ao estabelecer que “a classifica-
ção dos locais ou serviços como perigosos ou insalubres
decorre do princípio da proteção integral à criança e ao ado-
lescente, não sendo extensiva aos trabalhadores maiores de
18 anos.”
Ao mesmo tempo a legislação estabeleceu duas modali-
dades de insalubridade: uma para os adultos e outra para
as crianças e os adolescentes em razão de sua condição de
pessoa em desenvolvimento. Portanto, os trabalhos insalu-
bres proibidos até os dezoito anos serão os previstos na
portaria ministerial que tratou igualmente a periculosida-
de e a insalubridade. Nesse sentido, a distinção terá efeito
apenas para fins indenizatórios decorrente da violação da
norma protetiva.
De acordo com a Portaria em estudo são considerados
locais ou serviços perigosos ou insalubres proibidos até os
dezoito anos: “1. Trabalhos de afiação de ferramentas e ins-
trumentos metálicos em afiadora, rebolo ou esmeril, sem
proteção coletiva contra partículas volantes; 2. Trabalhos
de direção de veículos automotores e direção, operação,
manutenção ou limpeza de máquinas ou equipamentos,
quando motorizados e em movimento, a saber: tratores e
máquinas agrícolas, máquinas de laminação, forja e de cor-
te de metais, máquinas de padaria como misturadores e ci-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
163

lindros de massa, máquinas de fatiar, máquinas em traba-


lhos com madeira, serras circulares, serras de fita e guilho-
tinas, esmeris, moinhos, cortadores e misturadores, equi-
pamentos em fábricas de papel, guindastes ou outros simi-
lares, sendo permitido o trabalho em veículos, máquinas
ou equipamentos parados, quando possuírem sistema que
impeça o seu acionamento acidental; 3. Trabalhos na cons-
trução civil ou pesada; 4. Trabalhos em cantarias ou no pre-
paro de cascalho; 5. Trabalhos na lixa nas fábricas de cha-
péu ou feltro; 6. Trabalhos de jateamento em geral, exceto
em processos enclausurados; 7. Trabalhos de douração,
prateação, niquelação, galvanoplastia, anodização de alu-
mínio, banhos metálicos ou com desprendimento de fumos
metálicos; 8. Trabalhos na operação industrial de reciclagem
de papel, plástico ou metal; 9. Trabalhos no preparo de plu-
mas ou crinas; 10. Trabalhos com utilização de instrumen-
tos ou ferramentas de uso industrial ou agrícola com riscos
de perfurações e cortes, sem proteção capaz de controlar o
risco; 11. Trabalhos no plantio, com exceção da limpeza,
nivelamento de solo e desbrote; na colheita, beneficiamento
ou industrialização de fumo; 12. Trabalhos em fundições
em geral; 13. Trabalhos no plantio, colheita, beneficiamento
ou industrialização do sisal; 14. Trabalhos em tecelagem;
15. Trabalhos na coleta, seleção ou beneficiamento de lixo;
16. Trabalhos no manuseio ou aplicação de produtos quí-
micos de uso agrícola ou veterinário, incluindo limpeza de
equipamentos, descontaminação, disposição ou retorno de
recipientes vazios; 17. Trabalhos na extração ou
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
164 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

beneficiamento de mármores, granitos, pedras preciosas,


semi-preciosas ou outros bens minerais; 18. Trabalhos de
lavagem ou lubrificação de veículos automotores em que
se utilizem solventes orgânicos ou inorgânicos, óleo diesel,
desengraxantes ácidos ou básicos ou outros produtos deri-
vados de óleos minerais; 19. Trabalhos com exposição a ru-
ído contínuo ou intermitente, acima do nível de ação pre-
visto na legislação pertinente em vigor, ou a ruído de im-
pacto; 20. Trabalhos com exposição a radiações ionizantes;
21. Trabalhos que exijam mergulho; 22. Trabalhos em con-
dições hiperbáricas; 23. Trabalhos em atividades industri-
ais com exposição a radiações não-ionizantes (microondas,
ultravioleta ou laser); 24. Trabalhos com exposição ou ma-
nuseio de arsênico e seus compostos, asbestos, benzeno,
carvão mineral, fósforo e seus compostos, hidrocarbonetos
ou outros compostos de carbono, metais pesados, (cádmio,
chumbo, cromo e mercúrio) e seus compostos, silicatos, ou
substâncias cancerígenas conforme classificação da Orga-
nização Mundial de Saúde; 25. Trabalhos com exposição ou
manuseio de ácido oxálico, nítrico, sulfúrico, bromídrico,
fosfórico e pícrico; 26. Trabalhos com exposição ou manu-
seio de álcalis cáusticos; 27. Trabalhos com retirada, raspa-
gem a seco ou queima de pinturas; 28. Trabalhos em conta-
to com resíduos de animais deteriorados ou com glându-
las, vísceras, sangue, ossos, couros, pêlos ou dejeções de
animais; 29. Trabalhos com animais portadores de doenças
infecto-contagiosas; 30. Trabalhos na produção, transporte,
processamento, armazenamento, manuseio ou carregamen-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
165

to de explosivos, inflamáveis líquidos, gasosos ou liquefei-


tos; 31. Trabalhos na fabricação de fogos de artifícios; 32.
Trabalhos de direção e operação de máquinas ou equipa-
mentos elétricos de grande porte, de uso industrial; 33. Tra-
balhos de manutenção e reparo de máquinas e equipamen-
tos elétricos, quando energizados; 34. Trabalhos em siste-
mas de geração, transmissão ou distribuição de energia elé-
trica; 35. Trabalhos em escavações, subterrâneos, pedreiras,
garimpos ou minas em subsolo ou a céu aberto; 36. Traba-
lhos em curtumes ou industrialização de couro; 37. Traba-
lhos em matadouros ou abatedouros em geral; 38. Traba-
lhos de processamento ou empacotamento mecanizado de
carnes; 39. Trabalhos em locais em que haja livre despren-
dimento de poeira minerais; 40. Trabalhos em locais em que
haja livre desprendimento de poeiras de cereais (arroz, mi-
lho, trigo, sorgo, centeio, aveia, cevada, feijão ou soja) e de
vegetais (cana, linho, algodão ou madeira); 41. Trabalhos
em casas de farinha de mandioca; 42. Trabalhos em indús-
trias cerâmicas; 43. Trabalhos em olarias nas áreas de for-
nos ou com exposição à umidade excessiva; 44. Trabalhos
na fabricação de botões ou outros artefatos de nácar, chifre
ou osso; 45. Trabalhos em fábricas de cimento ou cal; 46.
Trabalhos em colchoarias; 47. Trabalhos na fabricação de
cortinas, cristais, esmaltes, estopas, gesso, louças, vidros ou
vernizes; 48. Trabalhos em peleterias; 49. Trabalhos na fa-
bricação de porcelanas ou produtos químicos; 50. Traba-
lhos na fabricação de artefatos de borracha; 51. Trabalhos
em destilarias ou depósitos de álcool; 52. Trabalhos na fa-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
166 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

bricação de bebidas alcoólicas; 53. Trabalhos em oficinas


mecânicas em que haja risco de contato com solventes or-
gânicos ou inorgânicos, óleo diesel, desengraxantes ácidos
ou básicos ou outros produtos derivados de óleos minerais;
54. Trabalhos em câmaras frigoríficas; 55. Trabalhos no in-
terior de resfriadores, casas de máquinas, ou junto de aque-
cedores, fornos ou alto-fornos; 56. Trabalhos em lavanderi-
as industriais; 57. Trabalhos em serralherias; 58. Trabalhos
em indústria de móveis; 59. Trabalhos em madeireiras, ser-
rarias ou corte de madeira; 60. Trabalhos em tinturarias ou
estamparias; 61. Trabalhos em salinas; 62. Trabalhos em
carvoarias; 63. Trabalhos em esgotos; 64. Trabalhos em hos-
pitais, serviços de emergências, enfermarias, ambulatórios,
postos de vacinação ou outros estabelecimentos destinados
ao cuidado da saúde humana em que se tenha contato dire-
to com os pacientes ou se manuseie objetos de uso destes
pacientes não previamente esterilizados; 65. Trabalhos em
hospitais, ambulatórios ou postos de vacinação de animais,
quando em contato direto com os animais; 66. Trabalhos
em laboratórios destinados ao preparo de soro, de vacinas
ou de outros produtos similares, quando em contato com
animais; 67. Trabalhos em cemitérios; 68. Trabalhos em
borracharias ou locais onde sejam feitos recapeamento ou
recauchutagem de pneus; 69. Trabalhos em estábulos, ca-
valarias, currais, estrebarias ou pocilgas, sem condições
adequadas de higienização. 70. Trabalhos com levantamen-
to, transporte ou descarga manual de pesos superiores a 20
quilos para o gênero masculino e superiores a 15 quilos para
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
167

o gênero feminino, quando realizado raramente, ou superi-


ores a 11 quilos para o gênero masculino e superiores a 7
quilos para o gênero feminino, quando realizado freqüen-
temente; 71. Trabalhos em espaços confinados; 72. Traba-
lhos no interior ou junto a silos de estocagem de forragem
ou grão com atmosferas tóxicas, explosivas ou com defici-
ência de oxigênio; 73. Trabalhos em alturas superiores a 2
(dois) metros; 74. Trabalhos com exposição a vibrações lo-
calizadas ou de corpo inteiro; 75. Trabalhos como sinalizador
na aplicação aérea de produtos ou defensivos agrícolas; 76.
Trabalhos de desmonte ou demolição de navios e embarca-
ções em geral; 77. Trabalhos em porão ou convés de navio;
78. Trabalhos no beneficiamento da castanha de caju; 79.
Trabalhos na colheita de cítricos ou de algodão; 80. Traba-
lhos em manguezais ou lamaçais; 81. Trabalhos no plantio,
colheita, beneficiamento ou industrialização da cana-de-
açúcar.”
É importante mais uma vez lembrar que a permissão para
o trabalho de aprendizes em locais perigosos e insalubres
do § 1o, do art. 405, da Consolidação das Leis do Trabalho,
foi revogado tacitamente pelo art. 7o, XXXIII da Constitui-
ção Federal e expressamente pela Lei no 10.097 de 19 de
dezembro de 2000.
No que diz respeito à revogação do dispositivo, a Ação
Civil Pública, proposta pelo Ministério Público do Traba-
lho da 12a. Região, esclarece que “a norma, como se sabe,
não comporta exceção, estando, assim, revogadas as dispo-
sições de leis ordinárias anteriores, decretos, de portarias
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
168 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

que permitam ou regulamentam, a partir dos dezesseis anos,


trabalhos em locais ou serviços insalubres”149
De acordo com a Súmula 289 do Tribunal Superior do
Trabalho, a utilização de equipamentos de proteção indivi-
dual não descaracteriza a insalubridade. Para a criança e o
adolescente o interesse maior está na garantia do seu de-
senvolvimento, normalmente prejudicado intensamente
quando da exposição em atividades insalubres, violando
inclusive o direito à saúde previsto no art. 7o, do Estatuto
da Criança e do Adolescente.
O que a lei proíbe é o desenvolvimento de atividades
insalubres, ou seja, aquelas que por sua natureza encon-
trem-se nessas condições, tendo pouca relevância se efeti-
vamente há a exposição potencial ou risco de exposição.
E, acrescenta-se, ainda, o fato de que os equipamentos de
proteção individual não neutralizam os agentes insalubres,
pois foram estudados tendo como referência o adulto e
não o ser humano em formação física, neste caso a criança
ou o adolescente.
O ambiente de trabalho em si, em maior ou menor grau,
caracteriza-se, conforme Joélho Ferreira de Oliveira, por apre-
sentar ”riscos específicos para a saúde e integridade física
do trabalhador. Esses riscos são mais evidentes para a cri-
ança e o adolescente devido ao seu organismo ser mais
vulnerável. Assim sendo, qualquer trabalho, mesmo rea-
lizado em condições não insalubres ou perigosas, poderá

149
MARQUES, Eduardo Alberto Cabral Tavares. Op. Cit. p. 80.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
169

ser prejudicial à sua saúde, podendo comprometer seu


crescimento e desenvolvimento.”150
A Convenção nº 182, da Organização Internacional do
Trabalho, sobre as piores formas de trabalho infantil, traz
em seu art. 3º, “d” a proibição aos “os trabalhos em ambien-
te insalubre que possam, por exemplo, expor as crianças a
substâncias, agentes ou processamentos perigosos, ou a tem-
peraturas ou a níveis de barulho ou vibrações prejudiciais a
sua saúde.”
A Recomendação no 190, que acompanha a citada Con-
venção, também cuidou do assunto recomendando “aten-
ção especial aos trabalhos que expõem as crianças [...] aos
trabalhos em ambiente insalubre que possam, por exem-
plo, expor as crianças a substâncias, agentes ou
processamentos perigosos, ou a temperaturas ou a níveis
de barulho ou vibrações prejudiciais a sua saúde”.
Os trabalhos insalubres, portanto, devem ser tratados
com a mesma atenção dispensada aos trabalhos perigosos,
sendo aplicáveis às mesmas regras protetivas para ambos
os casos, pois fere a integridade e o direito a saúde das cri-
anças e dos adolescentes.

5.3 O trabalho penoso

A proibição às crianças e aos adolescentes para realiza-


ção de trabalhos penosos é uma inovação estatutária, de-
corrente do princípio do reconhecimento da condição pe-
150
OLIVEIRA, Joélho Ferreira de. Op. Cit. p. 06.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
170 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

culiar de pessoa em desenvolvimento e da proteção consti-


tucional contra toda forma de exploração do artigo 227.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 67, II
estabeleceu a proibição da realização de trabalho penoso
em qualquer condição, envolvendo o empregado, o apren-
diz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técni-
ca, assistido em entidade governamental ou não governa-
mental, sendo esta relação exemplificativa e não exaustiva
uma vez que a abrangência principiológica da norma visa a
proteção integral.
A doutrina tem apontado a inexistência de norma regu-
lamentadora específica definindo o conceito e os limites do
trabalho penoso previsto para fins de adicional na remune-
ração do trabalho adulto de acordo com o art. 7o, XXXIII da
Constituição Federal.
Magnólia Ribeiro de Azevedo explica que “quanto à proibi-
ção do trabalho penoso [...] não existe, ainda, regulamenta-
ção, muito embora esses trabalhos sirvam para fins de con-
cessão das aposentadorias especiais, isto é, as que são con-
cedidas com 15 (quinze), 20 (vinte), 25 (vinte e cinco) anos
de atividades, cujo ambiente de trabalho exponha o traba-
lhador aos agentes nocivos, capazes de causar danos à sua
saúde ou à sua integridade física, e que são, especificamen-
te, contempladas pelo Direito Previdenciário.”151
No entanto, no caso específico das crianças e dos adoles-

151
AZEVEDO, Magnólia Ribeiro de. O dano moral: uma investigação sobre a violação dos prin-
cípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho. Tese de
Doutorado. Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópo-
lis, 1999. p. 234.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
171

centes para o trabalho penoso é aplicável o artigo 390 da


Consolidação das Leis do Trabalho que veda a realização
de “serviço que demande emprego de força muscular su-
perior a 20 (vinte) quilos, para o trabalho contínuo, ou 25
(vinte e cinco) quilos, para o trabalho ocasional.” Amauri
Mascaro do Nascimento destaca, embasado no parágrafo único
do artigo citado, que “não se aplica esta exigência se a força
utilizada for mecânica ou não diretamente aplicada.”152
Antônio Carlos Flores de Moraes adota posição semelhan-
te: “quanto às condições penosas de trabalho, a CLT veda
ao menor de 18 anos, nos termos do § 5o, do art. 405, combi-
nado com o art. 390 e seu parágrafo único da CLT, o levan-
tamento de peso superior a 20 quilos para o trabalho contí-
nuo e 25 quilos para o trabalho manual. Não está compre-
endida nesta determinação legal a remoção de material fei-
ta por impulsão ou tração de vagonetes sobre trilhos, de
carros de mão ou quaisquer aparelhos mecânicos.”153
Para fins de classificação das atividades consideradas
penosas, enquanto não se estabelecer a necessária e deseja-
da regulamentação específica, além dos limites já citados,
aplica-se a mesma relação das chamadas piores formas de
trabalho infantil prevista na Portaria no 20, em 13 de setem-
bro de 2001 do Ministério do Trabalho e Emprego.

152
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do
direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 16. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 1999. p. 718.
153
MORAES, Antonio Carlos Flores de. Op. Cit. p. 78.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
172 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

5.4 Trabalho noturno

O trabalho noturno tem seus limites estabelecidos no art.


7 , XXXIII, da Constituição Federal, que proíbe sua realiza-
o

ção para todos aqueles com idades inferiores aos dezoito


anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente tratou de dis-
ciplinar a questão no art. 67, I, ao proibir a realização do
trabalho noturno ao adolescente empregado, aprendiz, em
regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assisti-
do em entidade governamental ou não governamental, de-
finindo o como o trabalho realizado entre as vinte e duas
horas de um dia e às cinco horas do dia seguinte.
No mesmo sentido, dispõe os artigos 73, § 2o e 404 da
Consolidação das Leis do Trabalho, sendo este limite fixa-
do para o trabalho urbano originária da exploração do tra-
balho nas indústrias têxteis do início do século que, funcio-
nando em turnos de revezamento, utilizavam a mão-de-obra
de infanto-juvenil independentemente dos horários.
No que se refere aos limites, Oris de Oliveira assevera que
a previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente aplica-se
exclusivamente nas atividades urbanas.“Conforme a Lei
5.889/73, o horário noturno é das 20h de um dia às 5h do dia
seguinte, na lavoura, e das 20 h de um dia às 4h do dia se-
guinte, na pecuária. Não paira dúvida de que estes horários
foram fixados tendo em conta as peculiaridades e os costu-
mes da vida e da atividade rural. Daí nos inclinarmos a jul-
gar que esses limites não são atingidos pela norma do Esta-
tuto, que teve em vista exclusivamente o trabalho urbano.” 154
154
OLIVEIRA, Oris de. O trabalho infantil: o trabalho infanto-juvenil, Cit. 1994. p. 198.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
173

Este é o entendimento de Valentin Carrion, que baseado


nos artigos 7o e 8o da Lei no 5.889, de 08 de junho de 1973,
sobre o trabalho rural, afirma “proíbe-se o trabalho notur-
no do menor de 18 anos entre 21 horas e 5 horas na lavoura
e entre 20 e 4 horas na pecuária”.155
Contudo, Adalberto Martins, apresenta solução ao tema que
nos parece mais adequada aos princípios da proteção inte-
gral: “entendemos que continua prevalecendo o critério da
norma mais favorável, que deve ser aplicado levando-se em
consideração o desmembramento do art. 67, do Estatuto da
Criança e do Adolescente e do art. 7o da Lei 5.889 em duas
normas. Impõe-se, destarte, a conclusão que na pecuária, o
menor de dezoito anos não pode trabalhar após as vinte ho-
ras (art. 7o, da Lei n. 5.889/73) e também não poderá fazê-lo
antes das cinco horas (art. 67, I, do ECA).”156
A Recomendação no 146 da Organização Internacional
do Trabalho, sobre idade mínima para o trabalho, no seu
item 13, 1 também tratou do trabalho noturno ao recomen-
dar a “c) à concessão, sem possibilidade de exceção, salvo
em situação de real emergência, de um período consecuti-
vo mínimo de doze horas de repouso noturno, e de costu-
meiros dias de repouso semanal.”
O trabalho noturno foi caracterizado pela Convenção no
182, da Organização Internacional do Trabalho, no seu arti-
go 3o, “e”, como uma das piores formas de trabalho infantil,
da seguinte forma: “os trabalhos em condições particular-
155
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 28 ed. Atualizada
por Eduardo Carrrion. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 260.
156
MARTINS, Adalberto. Op. Cit. p. 116.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
174 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

mente difíceis, como trabalho por longas horas ou noturno,


ou trabalho em que a criança é injustificadamente confina-
da às dependências do empregador.”
A Recomendação no 190, que acompanha a convenção
acima citada, destaca atenção especial aos trabalhos que
expõem as crianças aos trabalhos em condições particular-
mente difíceis, como trabalho por longas horas ou noturno,
ou trabalho em que a criança é injustificadamente confina-
da às dependências do empregador.
Portanto, a realização do trabalho noturno, de acordo com
a legislação brasileira em vigor, é vedado à criança e ao ado-
lescente sem qualquer tipo de exceção, uma vez que preju-
dica e viola o direito ao pleno desenvolvimento da criança
e do adolescente, caracterizando-se, ainda, como uma das
piores formas de trabalho infantil.

5.5 O trabalho prejudicial à moralidade

A Lei no 8.069/90, em seu artigo 3o, veio garantir às crian-


ças e aos adolescentes “todas as oportunidades e facilidades,
a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, mo-
ral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignida-
de” e, para que tal medida se tornasse possível estabeleceu a
proibição para a realização de trabalhos prejudiciais à for-
mação e ao desenvolvimento moral no art. 67, III.
A previsão está fundamentada na Convenção Internaci-
onal dos Direitos da Criança da Organização das Nações
Unidas que garante a proteção integral daqueles que se en-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
175

contram em processo de desenvolvimento, com o intuito


de garantir o seu bem-estar físico, mental, moral, espiritual
e social.
A Consolidação das Leis do Trabalho, no art. 405, § 3o,
traz relação exemplificativa, mas não exaustiva, dos traba-
lhos prejudiciais à moralidade, nos seguintes termos: “a)
prestado de qualquer modo em teatros de revista, cinemas,
boates, cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos aná-
logos; b) em empresas circenses, em funções de acrobata,
saltimbanco, ginasta e outras semelhantes; c) de produção
de composição, entrega ou venda de escritos, impressos,
cartazes, desenhos, gravuras, pinturas, emblemas, imagens
e quaisquer outros objetos que possam, a juízo da autorida-
de competente, prejudicar sua formação moral; d) consis-
tente na venda, a varejo, de bebidas alcoólicas.”
Contudo, pelas características das previsões celetistas é
notória sua desatualização, justificando o caráter exempli-
ficativo das modalidades, restando aos aplicadores realizar
a devida atualização nos ditames do princípio da proteção
integral.
O art. 80 do Estatuto da Criança e do Adolescente deter-
mina que “os responsáveis por estabelecimentos que explo-
rem comercialmente bilhar, sinuca ou congênere ou por
casas de jogos, assim entendidas as que realizem apostas,
ainda que eventualmente, cuidarão para que não seja per-
mitida a entrada e a permanência de crianças e adolescen-
tes no local, afixando aviso para orientação do público.”
Ora, se a legislação limita até freqüência nestes estabele-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
176 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

cimentos, não haveria sentido em permitir a realização do


trabalho em face de seus evidentes efeitos prejudiciais ao
desenvolvimento das crianças e adolescentes.
A Convenção no 138, da Organização Internacional do
Trabalho também determina que não será inferior a dezoi-
to anos a idade mínima para a admissão a qualquer tipo de
emprego ou trabalho que, por sua natureza ou circunstân-
cias de execução, possa prejudicar a saúde, a segurança e a
moral do jovem, conforme está disposto no art. 3o, item 1.
É com especial atenção que devem ser incluídos como
trabalhos prejudiciais à moralidade todas as formas de ex-
ploração sexual comercial enquadradas como piores formas
de trabalho infantil, nos termos da Convenção no 182 da
Organização Internacional do Trabalho, incluindo também
a utilização, procura e oferta de criança para fins de prosti-
tuição, produção de material pornográfico ou espetáculos
pornográficos, tendo importância especial nos dias atuais o
aumento desse tipo de exploração, notadamente em redes
como a internet. Nada mais são do que trabalhos não ape-
nas prejudiciais à moralidade, mas ao pleno e sadio desen-
volvimento.
Da mesma forma, devem ser consideradas como ativi-
dades prejudiciais à formação e à moralidade a realização
de trabalhos relacionados às atividades ilícitas, com especi-
al atenção à utilização de crianças e adolescentes no tráfico
de drogas.
Por isso, a Consolidação das Leis do Trabalho, no art.
408, concede ao responsável legal do adolescente a faculda-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
177

de de pleitear a extinção do contrato de trabalho, quando


constatar que o serviço possa acarretar-lhe prejuízos de or-
dem física ou moral. Vale lembrar que o descumprimento
desta obrigação pode resultar na responsabilização dos pais
seja pela ação ou omissão, segundo o art. 249 do Estatuto
da Criança e do Adolescente. Aos responsáveis legais cabe
ainda, conforme o art. 434 da Consolidação das Leis do Tra-
balho, a obrigação de afastar o adolescente de empregos que
prejudiquem a formação moral.

5.6 O trabalho realizado em locais e horários que


prejudicam à freqüência à escola

O Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece, com


base no art. 53, o direito à educação como garantia o pleno
desenvolvimento. Para efetivamente garantir esse direito,
estabeleceu proibição, em seu art. 67, inciso IV, “a realiza-
ção de qualquer trabalho realizado em horários e locais que
não permitam a freqüência à escola.” Nesta opção valorativa,
o legislador tratou de deixar claro que na opção entre o tra-
balho e a educação, a prioridade na formação da criança e
do adolescente deve ser realizada pela educação.
Nesse sentido, a própria Constituição da República Fe-
derativa do Brasil estabelece, no art. 227, § 3o, que o direito
à proteção especial destinada ao adolescente trabalhador
envolve a garantia de acesso à escola, significando, portan-
to, que todo adolescente trabalhador deve, necessariamen-
te, estar matriculado na escola. Tal disposição não se resu-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
178 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

me apenas aos casos de cumprimento da escolaridade obri-


gatória, mas também é necessária a garantia de acesso ao
ensino médio.
Com o mesmo objetivo, o art. 427 da Consolidação das
Leis do Trabalho, estabelece: “O empregador, cuja empresa
ou estabelecimento ocupar menores, será obrigado a conce-
der-lhes o tempo que for necessário para a freqüência às
aulas.” É importante ressaltar que, em relação ao adoles-
cente trabalhador, não basta apenas a garantia de freqüên-
cia à escola, mas também a efetiva disponibilidade para o
acompanhamento das atividades educacionais, mediante a
viabilização de tempo necessário para a realização de tare-
fas, trabalhos e exames escolares.
Por isso, a atividade laboral do adolescente não pode ser
realizada em locais que em função da distância ou dos horá-
rios em que são prestados possam inviabilizar a sua efetiva
participação nas atividades escolares, assim objetiva-se, ao
menos, sua formação educacional do nível fundamental for-
necendo possibilidade de acesso aos níveis mais elevados.

5.7 Os trabalhos prejudiciais ao desenvolvimento,


físico, psicológico, moral e social

O Estatuto da Criança e do Adolescente fez questão ain-


da de assinalar a proibição a qualquer tipo de trabalho que
venha prejudicar o desenvolvimento físico, psicológico,
moral e social, isso porque, pretende garantir condições ple-
nas de desenvolvimento à todas as crianças e adolescentes
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
179

afastando-as de situações que, mesmo não previstas na le-


gislação, pudessem provocar prejuízos que venham com-
prometer a proteção integral que lhes é garantida. Orienta,
portanto, a adoção do princípio da proteção integral como
elemento interpretativo das normas de proteção à criança e
ao adolescente em relação ao mundo do trabalho.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
181

6. A PROTEÇÃO INTERNACIONAL CONTRA A


EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL

6.1 A proteção internacional

A proteção internacional contra a exploração do traba-


lho infantil tem proporcionado instrumentos importantes
para o Brasil. A Convenção Internacional dos Direitos da
Criança, ratificada pelo Brasil, possibilitou a edição do Es-
tatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, no que se
refere ao tema trabalho, é a atividade normativa da Organi-
zação Internacional do Trabalho que tem possibilitado as
conquistas mais importantes na proteção de crianças e ado-
lescentes contra a exploração no trabalho.

6.2 A OIT e o Direito Internacional do Trabalho

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é o or-


ganismo responsável pelo controle e emissão de normas
referentes ao trabalho em todo o mundo, determinando
as garantias mínimas do trabalhador. Sua composição en-
volve representantes dos trabalhadores, dos empregado-
res e dos governos da grande maioria dos países. É indis-
pensável conhecer suas atividades principais para uma
correta compreensão da necessidade erradicação do tra-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
182 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

balho infantil e proteção dos direitos do adolescente tra-


balhador.

6.3 A origem, os objetivos e a estrutura da OIT

Não só a Revolução Industrial marcou os séculos XVIII e


XIX , mas também, a desumana exploração do trabalho in-
fantil. A origem da indústria moderna traz consigo uma
crueldade, a exploração do trabalho das crianças. Sir. F. M.
Eden, citado por Karl Marx, em sua obra O Capital, destaca a
necessidade da escravização das crianças para transformar
a exploração manufatureira em exploração industrial, afir-
ma que milhares de braços de crianças – pequenas e ágeis –
eram recrutados e transformados em súditos. Tinha-se por
costume que o mestre (na realidade um ladrão de crianças)
as alimentasse, vestisse e alojasse nas casas de aprendizes,
localizadas junto à fábrica. A concepção da exploração era
tamanha que eram designados superiores que tinham por
função vigiar o trabalho das crianças, fazendo-as trabalhar
até a exaustão, uma vez que o salário destes “feitores” (fis-
cais) era proporcional à quantidade de trabalho que podi-
am sugar dos infantes. Como conseqüência tinha-se um
ambiente cruel: muitas crianças eram açoitadas, postas a
ferro e torturadas, outras eram privadas de alimento, traba-
lhavam em excesso, conduzindo a situações em que morri-
am por esgotamento e outras sentiam-se impelidas até mes-
mo ao suicídio. “Os lucros dos fabricantes eram enormes,
mas isso apenas aguçava-lhes a voracidade lupina. Come-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
183

çaram então a prática do trabalho noturno, revezando, sem


solução de continuidade, a turma do dia pelo da noite; o
grupo diurno ia se estender nas camas ainda quentes que o
grupo noturno ainda acabara de deixar, e vice e versa. Todo
mundo diz em Lancashire, que as camas nunca esfriam.”157
Diante dessa realidade, o século XX tem início com a pre-
ocupação pública voltada para o trabalho infantil, desen-
volvido, em larga escala, nas fábricas dos países que se in-
dustrializavam. Este foi um dos estímulos para a formação
da Organização Internacional do Trabalho, criada em 1919,
pelo Tratado de Versalhes.
Entre seus principais objetivos estava a melhoria das con-
dições de trabalho e a garantia dos trabalhadores menos
protegidos e, principalmente, das crianças. Na 26a Confe-
rência, realizada em 1944, a OIT adota a Declaração de Fila-
délfia, que destaca entre seus fins e objetivos a proteção de
crianças como elemento indispensável da justiça social.
Em 1946, a OIT passa a integrar o sistema da Organiza-
ção das Nações Unidas, conforme o previsto na 26a Confe-
rência, como um organismo especializado na área do traba-
lho. A sua estrutura tripartite, isto é, constituída por gover-
nos, empregadores e trabalhadores, fornece a possibilidade
da definição das normas através de uma discussão ampla e
democrática. Este modelo difundiu-se mundialmente. No
Brasil, define-se, hoje, a grande maioria das políticas públi-
cas através do debate em conselhos, espaços democráticos

157
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Difel, 1988. Livro I, v. II, Cap. XXIX, p. 875-6.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
184 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

que ampliam as possibilidades de participação da socieda-


de nas decisões públicas.

6.4 A OIT e seus instrumentos normativos

A Organização Internacional do Trabalho tem por atri-


buição a emissão de normas internacionais de trabalho que
podem se dar através de Resoluções (que não criam obriga-
ções para os Estados-membros), Convenções e Recomen-
dações.
Conforme o preâmbulo da Convenção 138 e da Reco-
mendação 146, de 1973, sobre a idade mínima de admis-
são a emprego: “A convenção é um instrumento sujeito
a ratificações pelos Países-membros da Organização e,
uma vez ratificada, reveste-se da condição jurídica de
um tratado internacional, isto é, obriga o Estado signa-
tário a cumprir e fazer cumprir, no âmbito nacional, as
suas disposições. A Recomendação, por sua vez, embo-
ra não imponha obrigações, complementa a Convenção
e, como expressa o próprio termo, recomenda medidas e
oferece diretrizes com vistas a viabilização da implemen-
tação, por leis e práticas nacionais, das disposições da
Convenção”.
As convenções podem ser, ainda, do tipo promocional
que são aquelas que estabelecem programas ou medidas
objetivas que devem ser cumpridas pelos Estados-membros
dentro de determinado prazo.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
185

6.5 O Tratado Internacional no Direito Brasileiro

Especificamente no Brasil, o tratado internacional é inse-


rido no ordenamento jurídico interno através de um Decre-
to Presidencial, publicado no Diário Oficial da União, pas-
sando a compor o ordenamento jurídico brasileiro, na mes-
ma hierarquia das leis ordinárias. No entanto, há o reco-
nhecimento da hierarquia constitucional, quando fizerem
previsões relativas à ampliação dos direitos e garantias fun-
damentais. Vale salientar que, as normas da OIT são muito
difundidas através dos estudos dos doutrinadores e isso
acaba por influenciar na elaboração de normas em vários
países, atingindo, geralmente a composição das normas
constitucionais.

6.6 Considerações históricas sobre os limites de


idade mínima para o trabalho no direito
internacional

Para a adequada compreensão da exploração do traba-


lho infantil devemos nos reportar a origem deste tipo de
exploração. Estabelecer um marco inicial desse tipo de ati-
vidade não é tarefa fácil, isso porque o trabalho infantil,
mesmo que de forma diferenciada, sempre foi utilizado.
Contudo, pode-se estabelecer alguns marcos históricos,
priorizando, aqueles em que a exploração tornou-se mais
evidente. Isto passou a acontecer, simultaneamente, as fa-
ses evolutivas da organização industrial capitalista.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
186 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Leo Huberman destaca quatro fases da organização indus-


trial: o sistema familiar, o de coorporações, o doméstico e o
fabril.158 O sistema familiar era aquele em que as famílias (e
incluem-se aqui as crianças) produziam para seu consumo
e não para a venda. Posteriormente, passou-se ao sistema
de coorporações, este novo modelo era composto por um
mestre artesão, considerado chefe e responsável pelas ati-
vidades lá desenvolvidas. O chefe de coorporação era auxi-
liado por poucos trabalhadores e por crianças, estas conhe-
cidas como aprendizes.
No sistema doméstico a atividade produtiva era reali-
zada na própria casa, sob a coordenação de um mestre ar-
tesão, geralmente o proprietário dos instrumentos neces-
sários à produção, e que mantinha as relações com os em-
preendedores, ou seja, aqueles que geralmente forneciam
a matéria-prima. Essas atividades envolviam toda a famí-
lia e, como o ganho era proporcional a produção, o empre-
go da força de trabalho das crianças era tratado como uma
necessidade.
Por fim, adveio o sistema fabril no qual o trabalhador
diante da criação de novas necessidades de consumo,vai
para nas fábricas submetendo-se a exploração capitalista
industrial. A necessidade de mão-de-obra somada à insufi-
ciência dos valores pagos aos adultos leva a utilização do
trabalho infanto-juvenil. As precárias condições em que
eram submetidas às crianças proporcionaram o surgimen-
to das primeiras medidas protetoras.
158
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Zahar, 20. ed., 1985. p. 125.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
187

6.7 A origem do Direito do Trabalho e as primeiras


leis sobre idade mínima

O Direito do Trabalho, é fruto da revolução industrial e,


conseqüentemente, do liberalismo. Surge com base nos
movimentos operários em virtude da aviltante e desumana
condição a que eram submetidos os trabalhadores no início
do novo modelo econômico de produção. Assim, o Direito
do Trabalho constitui-se num instrumento de controle dos
abusos contra o trabalhador do século XIX. Nesse momen-
to são elaboradas as primeiras leis preocupadas com a ida-
de mínima para o trabalho.
A primeira medida protetora que se tem registro foi edi-
tada em 1802 na Inglaterra, sendo denominada “health and
morals of apretices” (lei que versava sobre a saúde e moral
dos aprendizes) que estipulou a jornada máxima em 12 ho-
ras para os menores de 12 anos da indústria têxtil. A Fran-
ça, por sua vez, em 1841, proibiu o trabalho para menores
de 08 anos e limitou a 12 horas o trabalho para menores de
12 anos. A Áustria adotou uma lei em 1855 e a Suíça teve
uma específica em 1877. Igualmente, em 1882, a Rússia ex-
pediu sua primeira lei de proteção e a Bélgica adotou, em
1888, um conjunto de medidas protetoras ao menor traba-
lhador. Ao passo que, em 1891, Portugal proíbe o trabalho
infantil e a Alemanha adota o seu Código Industrial
(gewerbeordnung) que, também, prevê proteção as crianças
envolvidas em atividade laboral.159
159
COLOMBO FILHO, Cássio. Op. Cit. p. 109.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
188 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Após o surgimento das primeiras leis protetoras sente-


se a necessidade internacional de universalizar princípios
básicos de Direito do Trabalho. A OIT é quem vai viabilizar
o entendimento entre os diversos países para a unificação
de certas garantias fundamentais ao trabalhador.

6.8 A Organização Internacional do Trabalho e a


idade mínima para o trabalho

O espírito humanitário empreendido pela Organização


Internacional do Trabalho, desde seu surgimento, preocu-
pou-se principalmente com o direcionamento de suas ativi-
dades para as situações consideradas mais aviltantes, pro-
porcionadas pelo capital, como a exploração da mão-de-obra
infantil.
Os informativos da organização nos revelam que “desde
a sua fundação, a OIT tem dispensado especial atenção ao
trabalho infantil, como o demonstra, principalmente, a ado-
ção de convenções e recomendações internacionais que re-
gulam a idade mínima para o emprego infantil. A primeira
destas medidas foi adotada pela Conferência Internacional
do Trabalho, em 1919.”160
A Conferência Geral da OIT, realizada em 29 de outubro
de 1919, convocada pelo Governo Norte Americano em
Washington, estabeleceu a idade mínima de 14 anos, para
admissão nos trabalhos industriais, através da Convenção

160
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. A OIT e o Trabalho Infantil. Brasília:
OIT, s.d.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
189

de no 5. Na mesma Conferência é adotada a Convenção no 6


que trata do trabalho noturno dos menores na indústria,
proibindo-o aos menores de 18 anos.
Todavia, as referidas convenções continuam a permitir
o trabalho de menores em alguns casos, conforme prevêem
o art. 2o, dos dois instrumentos citados, os quais, inclusive,
têm idêntica redação: “As crianças menores de 14 anos não
poderão ser empregadas, nem poderão trabalhar, em em-
presas industriais, públicas ou privadas ou em suas depen-
dências, com exceção daquelas em que unicamente estejam
empregados os membros de uma mesma família.”
Percebe-se, assim, que o dispositivo legal continuou a
permitir a exploração do trabalho infantil, mas esta explo-
ração pode-se dar somente mediante a vigilância dos pais,
ou seja, o chefe de família poderia dispor do trabalho de
sua prole desde que o empreendimento seja de modelo ex-
clusivamente familiar.
Leo Huberman destaca uma pesquisa realizada pelo State
Departament of Labor dos Estados Unidos, numa indústria
metalúrgica, em Connecticut, no ano de 1934, portanto, num
período já bastante avançado da industrialização e no qual
existiam garantias legais contra o trabalho infantil, mas o
resultado obtido é desolador. O universo pesquisado foi de
246 trabalhadores, com idades entre dois e dezesseis anos e
constatou a um grande número de crianças trabalhadoras,
algumas até mesmo de dois, três e quatro anos de idade.161
Este é um indicativo de que na verdade, mesmo diante da
161
HUBERMAN, Leo. Op. Cit. p. 128.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
190 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

iniciativa de caráter internacional, as indústrias ainda se


beneficiavam do trabalho infantil, não só nos Estados Uni-
dos, mas em todo o mundo.
Uma das dificuldades para o controle da exploração do
trabalho infantil é a fiscalização estatal, que encontra obstá-
culos para efetuar uma inspeção eficiente em todo o com-
plexo industrial de seus países em face da extensão territo-
rial e o sempre crescente número de indústrias. Assim, por
opção política, destinam-se às normas protetoras da explo-
ração do trabalho infantil um caráter muito mais intimida-
tório do que punitivo.
A limitação a certos setores econômicos, se constituía
noutra dificuldade encontrada, pelas convenções internaci-
onais que tratavam da idade mínima para o trabalho. No
entanto, em 1973, a Conferência da Organização Internaci-
onal do Trabalho adota a Convenção 138, que pretende subs-
tituir gradualmente as convenções editadas sobre o tema.
O objetivo principal era um eficaz controle da explora-
ção do trabalho infantil. A partir daí a abolição dessa mão-
de-obra deixou de ser uma utopia e passou a fazer parte de
uma realidade possível, principalmente pelo caráter flexí-
vel e unificador da Convenção 138.
No entanto, a efetiva valorização dos instrumentos for-
necidos pelo novo tratado internacional não encontrou am-
paro em todos os países signatários da OIT, entre eles o Bra-
sil, o que demonstrou a falta de vontade política para a rati-
ficação da referida Convenção que ocorreu apenas ao final
do século XX.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
191

6.9 O Brasil e as Convenções sobre idade mínima


da OIT

As Convenções no 5 e no 6, entraram em vigor no âmbito


internacional em 13 de junho de 1921, mas o Brasil deposi-
tou os instrumentos de ratificação apenas em 26 de abril de
1934, conforme o Decreto de promulgação no 423, de 12 de
novembro de 1935.
A partir dessas Convenções, o Brasil passa a ratificar
apenas algumas deliberações da OIT em processos que per-
duram por vários anos, quando não por décadas. Mesmo
assim, percebe-se que as políticas gerais são adotadas no
direito interno brasileiro.
Verifica-se que o avanço relativo à idade mínima para o
trabalho é limitado, priorizando apenas os setores nos quais
se destacam a periculosidade, a insalubridade ou o direcio-
namento político-econômico do país, como se pode consta-
tar nas convenções ratificadas pelo Brasil até meados da
década de 60. Neste período foram estabelecidos limites de
idade mínima para o trabalho em atividades que envolvi-
am as categorias dos trabalhadores marítimos, paioleiros,
foguistas, industriários, não-industriários, pescadores, e os
trabalhos realizados em locais subterrâneos.
Segundo Oris de Oliveira, o “direito brasileiro agasalha,
nas grandes linhas, as normas das convenções da OIT sobre
a matéria, embora não tenha ratificado todas”.162 Neste con-
texto, ganha especial importância o estudo das Convenções
162
OLIVEIRA, Oris. O Trabalho Infanto-Juvenil no Direito Brasileiro. São Paulo: LTr, 1994. p. 54.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
192 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

no 138, sobre idade mínima para o trabalho e a no 182, sobre


piores formas de trabalho infantil e ações imediatas para
sua eliminação, recentemente ratificadas pelo Brasil.
A ratificação das Convenções no 138, sobre idade míni-
ma de admissão ao emprego, editada em 1973 e promulga-
da no Brasil em 15 de fevereiro de 2002 pelo Decreto no 4.134,
e a Convenção no 182 sobre a proibição das piores formas
de trabalho infantil e a ação imediata para sua eliminação,
editada em 1999 e promulgada pelo Decreto no 3.597, de 12
de setembro de 2000, ambas da Organização Internacional
do Trabalho, trouxeram novos instrumentos político-jurí-
dicos para o fortalecimento das ações de prevenção e erra-
dicação do trabalho precoce.

6.10 A Convenção no 138 e a Recomendação no 182,


da Organização Internacional do Trabalho, sobre
limites de idade mínima para o trabalho

A Convenção no 138, sobre idade mínima para o traba-


lho, integra o rol das sete Convenções da Organização In-
ternacional do Trabalho sobre direitos fundamentais. Em-
bora sua adoção ainda esteja restrita a um pequeno número
de países, suas normativas representam um avanço signifi-
cativo em defesa dos direitos da criança e do adolescente
em todo o mundo. No Brasil, a recente ratificação trouxe
mais um instrumento jurídico importante articulado com
os avanços no campo infanto-juvenil.
A magnitude da Convenção no 138 é tal, que o Fórum
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
193

Nacional para Prevenção e Erradicação do Trabalho Infan-


til, em seu Plano de Ação, elaborado em novembro de 1998,
definiu como necessidade articular, em curto prazo, apoio
à ratificação da Convenção 138 da Organização Internacio-
nal do Trabalho163, tendo, no ano de 1999, elaborado pare-
cer conclusivo em favor da ratificação dessa convenção.
No mesmo sentido, em documento elaborado pela Co-
missão Preparatória do Tribunal Internacional contra o Tra-
balho Infantil, realizado em São Paulo, no mês de maio de
1999, indicava que no ano de 1995 milhares de assinaturas
foram entregues ao governo federal solicitando a imediata
ratificação da Convenção 138 da OIT.164
Por sua vez, o Ministério do Trabalho e Emprego instituiu
a Comissão Tripartite apenas em 27 de maio de 1999, através
da Portaria no 341, com a finalidade de efetuar a análise da
Convenção 138 e da Recomendação 146 da OIT, sobre idade
mínima de admissão ao emprego, que finalizou os trabalhos
apresentando parecer favorável à ratificação.
A Convenção no 138 foi editada com o objetivo de con-
centrar em um único instrumento limites gerais de idade
mínima para o trabalho, que pudessem ser adotados pelos
países-membros da Organização. Para que medida de tal
abrangência fosse possível foram inseridas duas ordens de
normas: as gerais, de aplicabilidade necessária pelos países
que viessem a ratificar a convenção, estabelecendo requisi-

163
BRASIL. Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Plano de Ação.
Brasília: mimeo, 1998.
164
COMISSÃO PREPARATÓRIA DO TRIBUNAL INTERNACIONAL CONTRA O TRABALHO
INFANTIL Relatório do Trabalho Infantil no Brasil. s.l.: mimeo, 1999.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
194 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

tos e compromissos mínimos que os países pudessem vir a


assumir; e flexíveis, que se prestassem à adaptabilidade das
realidades locais mediante o compromisso de persecução
de políticas nacionais que fornecessem condições aos paí-
ses para que se atingissem os limites propostos pela con-
venção.
Dentre as normas de aplicabilidade necessária, a Con-
venção no 138 determina, em seu artigo 1o, a todo país-mem-
bro o comprometimento em assegurar uma política nacio-
nal de erradicação do trabalho infantil e em elevar, progres-
sivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou a
trabalho a um nível adequado ao pleno desenvolvimento
físico e mental do jovem.
Este é o núcleo fundamental da Convenção no 138, a par-
tir do qual todo o mais decorre. É ele que fixa os parâmetros
de balizamento na definição da idade mínima de admissão a
emprego ou a trabalho, assentando-se em três pontos funda-
mentais: a) política nacional de abolição do trabalho infantil;
b) elevação (e fixação) progressiva da idade mínima; c) ga-
rantia ao pleno desenvolvimento físico e mental.
Em relação à política nacional de eliminação do trabalho
infantil, o Brasil tem demonstrado um crescimento nos esfor-
ços relativos ao tema, em destaque a elaboração de documen-
to pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Traba-
lho Infantil denominado “Diretrizes para a Formulação de uma
Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil”.165
165
BRASIL. Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Diretrizes para
Formulação de uma Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil. Brasília: FNPETI, OIT,
UNICEF, 2000.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
195

Quanto ao critério de elevação progressiva da idade mí-


nima para o trabalho, o próprio processo histórico-legislati-
vo brasileiro é suficiente para demonstrar que a preocupa-
ção com a elevação destes limites esteve sempre presente,
culminando com a promulgação da Emenda Constitucio-
nal no 20, de 15 de dezembro de 1998.
No entanto, a riqueza da Convenção no 138 não se esgota
na elevação progressiva dos limites de idade mínima para
o trabalho, vai mais além, ao vincular a elevação a limites
às necessidades de pleno desenvolvimento de crianças e
adolescentes, e também, a garantia de acesso ao ensino pú-
blico e gratuito.
Nesse sentido, é imperioso resgatar os elementos do art.
227 da Constituição da República Federativa do Brasil, que
em essência demonstra como as políticas nacionais, já estão
sendo direcionadas para o mandamento do art. 1o da con-
venção, necessitando, contudo, o aperfeiçoamento das po-
líticas públicas em busca da efetividade dos direitos de cri-
anças e adolescentes, que a partir do compromisso do go-
verno e da sociedade civil poderão ser devidamente imple-
mentadas de modo eficaz.
Cabe, ainda, registrar algumas diretrizes propostas na
Recomendação no 146, complementar à Convenção no 138,
tais como as previstas no item 2: “a) o firme compromisso
nacional com o pleno emprego, a promoção do desenvolvi-
mento voltado para o emprego rural e urbano; b) a exten-
são progressiva de medidas econômicas e sociais destina-
das a atenuar a pobreza; c) a garantia de padrões de vida e
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
196 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

renda às famílias para que se torne desnecessário o recurso


à atividade econômica das crianças; e) o desenvolvimento e
a progressiva extensão, sem qualquer discriminação, de
medidas de seguridade social e de bem-estar familiar desti-
nadas a garantir a manutenção da criança, instituindo, in-
clusive os diversos tipos de abonos de família; f) o desen-
volvimento e a progressiva extensão de meios adequados
de ensino, de orientação e formação profissional adequa-
das, na sua forma e conteúdo, às necessidades das crianças
e adolescentes; g) o desenvolvimento e a progressiva exten-
são de meios apropriados à proteção e ao bem-estar de cri-
anças e adolescentes, inclusive dos adolescentes emprega-
dos, e à promoção do seu desenvolvimento. Destaca-se, ain-
da, a importância da garantia e obrigatoriedade da freqüên-
cia escolar em tempo integral e a participação em progra-
mas de orientação profissional ou de formação, ao menos
até a idade mínima para o trabalho, estabelecida nas leis.”
Cabe salientar que na formulação das políticas públicas,
crianças e adolescentes devem ser considerados como por-
tadores de uma universalidade de direitos que promovam
o desenvolvimento em condições de igualdade, superan-
do-se, assim, as políticas de caráter meramente assistencia-
lista destinadas a apenas uma parcela estigmatizada/mar-
ginalizada da população que, até então, poucos resultados
positivos trouxeram. Deve ser dada atenção especial, a uma
formação isenta de riscos, pois se a lei proíbe o trabalho em
atividades perigosas, insalubres, penosas e igualmente pro-
íbe a realização de formação profissional nessas condições.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
197

Para a efetiva aplicação da Convenção no 138 devem ser


tomadas medidas para: o fortalecimento da fiscalização do
trabalho, inclusive com a formação de fiscais para a detecção
e correção nos abusos cometidos no emprego de crianças e
adolescentes; o fortalecimento de serviços para a melhoria
dos treinamentos realizados em empresas e a sua fiscaliza-
ção; o destaque ao papel que pode ser desempenhado pelos
fiscais no fornecimento de informações e no assessoramen-
to para a aplicação das disposições da convenção; a coorde-
nação entre as fiscalizações no trabalho e em treinamento
realizados em empresas, devendo o poder público articular
as ações e políticas voltadas para a educação, a formação, o
bem-estar e orientação de crianças e adolescentes.
As convenções internacionais voltadas para a promoção
social encontram parâmetros de legitimidade exatamente
no momento em que procuram estabelecer mecanismos para
a melhoria do desenvolvimento humano, mediante a ga-
rantia de direitos que promovam a proteção integral de to-
dos os seres humanos.
Portanto, um dos princípios elementares das convenções
internacionais, em especial aquelas voltadas aos direitos
humanos, encontra sustentação na progressividade e aper-
feiçoamento das medidas atinentes à proteção humana.
Assim, na interpretação das convenções deve ser conside-
rada, necessariamente, a perspectiva de ampliação no es-
pectro de abrangência a partir do princípio da dignidade
da pessoa humana, nunca o contrário.
A Convenção no 182 traz a integração da concepção de
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
198 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

piores formas de trabalho infantil que deve ter um signifi-


cado na ampliação da proteção das crianças e adolescentes
e, ainda, servir como suporte para uma maior facilidade
quanto à realização de direitos.
A aplicação e a interpretação da Convenção no 182 de-
vem estar profundamente articuladas com os princípios da
Doutrina da Proteção Integral elencados na Convenção In-
ternacional dos Direitos da Criança, na Constituição da Re-
pública Federativa do Brasil de 1988, no Estatuto da Crian-
ça e do Adolescente e na Convenção no 138 da Organização
Internacional do Trabalho, pois são normas de proteção
complementares.
A Convenção no 182, articulada com a Convenção no 138,
veio possibilitar novos instrumentos para a eliminação do
trabalho precoce. A Convenção no 138 exige que, mediante
a ratificação, os países deverão especificar em declaração
anexa uma idade mínima para admissão a emprego ou tra-
balho, envolvendo inclusive os meios de transporte
registrados no território, de acordo com o art. 2o, item 1,
tarefa realizada por meio de declaração de previsão da ida-
de mínima básica para o trabalho. No entanto, não deve-
mos acreditar que uma questão desta complexidade, que é
a da exploração do trabalho infantil, resolve-se tão somente
com fiscalizações, multas, autuações. Na concepção de Joélho
Ferreira de Oliveira, para que, efetivamente, obtenha-se um
resultado positivo, “a fiscalização do trabalho tem que se
aliar com outras entidades, especialmente os conselhos tu-
telares, com o Ministério Público, com os juizados da infân-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
199

cia e da adolescência, com os sindicatos dos empregadores


e dos empregados e com organizações não-governamentais,
sobretudo as que têm atuação destacada em defesa da cri-
ança e do adolescente. Experiências bem sucedidas têm
demonstrado que tudo isso pode ser feito sem abrir mão da
autoridade e da imparcialidade de que os agentes da inspe-
ção do trabalho estão investidos para fiscalizar.”166
Uma segunda norma de aplicabilidade necessária consis-
te no art. 2o, item 3, que exige a fixação da idade mínima num
limite superior à idade de conclusão da escolaridade obriga-
tória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos.
Desse modo, a Convenção no 138 estabelece dois critéri-
os de exigência quanto à idade mínima para o trabalho: que
não seja inferior à idade de conclusão da escolaridade obri-
gatória ou, em qualquer hipótese, inferior a quinze anos. A
finalidade desse dispositivo destina-se à fixação de limites
mais elevados de idade mínima para o trabalho, estabele-
cendo-se o patamar mínimo em quinze anos.
Portanto, a norma convencional coaduna-se com a ordem
constitucional brasileira, pois em razão do art. 208, I, da Cons-
tituição da República Federativa do Brasil, o término da es-
colaridade obrigatória é o referente ao ensino fundamental,
o que em condições normais ocorre aos quatorze anos.
Sendo o limite de idade mínima estabelecido, por força
do já citado art. 7o, XXXIII, em dezesseis anos, compreende-
se este limite, denominado básico, como o referencial a se
fixar como o limite de idade mínima para o trabalho, não
166
OLIVEIRA, Joélho Ferreira de. Op. Cit. p. 04.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
200 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

existindo contradição entre o dispositivo constitucional e a


Convenção, pois as duas previsões se complementam, eis
que o limite fixado pela Constituição brasileira é superior
ao estabelecido na Convenção.
A Convenção no 138 situa-se, também, como norma de
aplicabilidade necessária e refere-se ao limite de idade mí-
nima superior, estabelecendo que não será inferior a dezoi-
to anos a idade mínima para a admissão a qualquer tipo de
emprego ou trabalho que, por sua natureza ou circunstân-
cias de execução, possa prejudicar a saúde, a segurança e a
moral do jovem, conforme está disposto no art. 3o, item 1.
O referido artigo, ao estabelecer o limite de idade míni-
ma de 18 (dezoito) anos para qualquer emprego ou traba-
lho que possa prejudicar a saúde, a segurança e a moral do
jovem, encontra perfeita harmonia com o art. 7o, XXXIII, da
Constituição Federal, quando esta preceitua a proibição de
trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18
(dezoito) anos e também com o artigo 67, do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Por sua vez, o artigo 6o da Convenção especifica regras
de inaplicabilidade dos limites de idade mínima (básico e
superior) para os trabalhos realizados em regime de apren-
dizagem e orientação vocacional desde que realizados com
maiores de quatorze anos, após consulta às organizações
de empregadores e trabalhadores, estando, assim, em per-
feita consonância com o limite estabelecido no art. 7o, XXXIII,
da Constituição Federal, que permite a aprendizagem a
partir dos quatorze anos de idade.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
201

A previsão do artigo 9o e dos seguintes classifica-os como


normas de aplicabilidade necessária, pois tratam das medi-
das que deverão ser tomadas para a garantia da efetiva vi-
gência das disposições da Convenção, da revisão de diver-
sas Convenções anteriores sobre o tema, das obrigações dos
países-membros e da entrada em vigor da Convenção, já
ocorrida em 19 de junho de 1976.
A Convenção no 138 incorporou, como já foi dito, uma
série de normas de caráter flexível, com vistas à ratificação
do tratado por um maior número de países. Tais normas
não exigem sua aplicabilidade, mas os países cujas condi-
ções de desenvolvimento educacional e econômico não es-
tiverem suficientemente desenvolvidos, poderão utilizá-las
por determinado prazo e mediante condições específicas,
devendo haver o compromisso de adaptar-se às regras ge-
rais dentro de determinado período temporal.
Por força das alterações constitucionais ocorridas com a
promulgação da Emenda Constitucional no 20, atualmente
o Brasil não mais precisa, de modo geral, fazer uso dessas
prerrogativas, uma vez que os parâmetros de idade míni-
ma para o trabalho estão em condições superiores às exigidas
pela convenção.
Nesse contexto, insere-se o art. 2o, 4, que permite ao país-
membro, cuja economia e condições do ensino não estive-
rem suficientemente desenvolvidas, mediante a consulta às
organizações de empregadores e de trabalhadores concer-
nentes, definir, inicialmente, uma idade mínima de quatorze
anos.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
202 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

No mesmo sentido, estabelece o art. 2o, item 5, que deve-


rá todo país-membro que definir uma idade mínima de
quatorze anos, incluir em seus relatórios a serem apresen-
tados sobre a aplicação da Convenção, que subsistem os
motivos da providência ou que renuncia ao direito de se
valer da disposição a partir de uma determinada data.
Importa registrar que, após a elevação dos limites de ida-
de mínima para o trabalho, promovida pela Emenda Cons-
titucional no 20, não se faz mais necessário o uso da prerro-
gativa prevista nesse artigo e que possibilita a adoção de
um limite de idade mínima de quatorze anos.
No mesmo diapasão, apresenta-se o artigo 3o, 3, como
norma de caráter flexível ao estabelecer que poderão as leis,
os regulamentos nacionais ou as autoridades competentes,
mediante consulta às organizações de empregadores e de tra-
balhadores concernentes, autorizar emprego ou trabalho a
partir da idade de dezesseis anos, desde que estejam plena-
mente protegidas a saúde, a segurança e a moral dos jovens
envolvidos e lhes seja proporcionada instrução ou formação
adequada e específica no setor da atividade pertinente.
Tal norma reflete essa característica importante da Con-
venção 138 que é a sua flexibilidade, de modo a permitir
que os países-membros se adaptem aos seus comandos.
Quando a convenção utiliza-se do verbo “poder” abre ao
país-membro uma faculdade que pode ou não ser aprovei-
tada, não se tratando, assim, de uma obrigatoriedade. Des-
sa forma, estabelece a possibilidade de, progressivamente,
e conforme a necessidade de cada país-membro, autorizar
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
203

o trabalho perigoso ou insalubre a partir de 16 dezesseis


anos em determinadas atividades. Para o Brasil, tal neces-
sidade de redução não mais se faz presente, eis que a pró-
pria constituição estabeleceu em dezoito anos a idade míni-
ma para trabalhos insalubres ou perigosos, sendo desne-
cessário o uso da prerrogativa.
Quando o artigo 4o, 1, fixa que a autoridade competente,
após consulta às organizações de empregadores e de traba-
lhadores concernentes, poderá, na medida do necessário,
excluir da aplicação desta Convenção um limitado número
de categorias de emprego ou trabalho, a respeito das quais
se levantarem reais e especiais problemas de aplicação, apre-
senta mais um dispositivo de caráter flexível, que faculta
sua adoção se realmente existirem problemas especiais de
aplicação da Convenção em determinados setores da ativi-
dade econômica, não sendo necessário o Brasil valer-se desta
disposição, eis que ausentes os reais e especiais problemas
de aplicação.
No mesmo sentido, apresentam-se as disposições cons-
tantes nos artigos 4o, 2, 3, e 5o que se caracterizando como
normas flexíveis representam faculdades que podem ou não,
serem adotadas pelos países-membros da Organização In-
ternacional do Trabalho conforme suas conveniências e
oportunidades. Não se fazendo necessário o uso dessas prer-
rogativas de limitação de alcance da Convenção previstas
nesse artigo em face da determinação constitucional brasi-
leira de limites de idade mínima, que não permitem a dife-
renciação por setores de atividade econômica e apenas por
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
204 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

condições de segurança, saúde e moralidade do trabalho. E


apresentam-se mais abrangentes que as exigências mínimas
da Convenção.
É oportuno ressaltar a norma prevista no artigo 7o, 1, que
permite a leis e regulamentos nacionais a autorização de
serviços leves a partir dos treze anos de idade, desde que
não prejudiquem a saúde e o desenvolvimento, bem como
a freqüência escolar. Esta norma insere-se, sem dúvida al-
guma, dentro do caráter flexível da Convenção no 138. É de
se ver que, existindo norma constitucional que disponha
expressamente sobre o tema, com a definição precisa de seus
contornos, tal faculdade não se fará necessária, mantendo-
se os atuais níveis de idade.
Por sua vez, reveste-se de extrema importância a previ-
são do art. 7o, 2, ao estabelecer que as leis ou regulamentos
nacionais poderão permitir emprego ou trabalho a pessoas
que não tenham ainda concluído a escolaridade obrigató-
ria, mas que já superaram o limite de idade mínima básica.
Portanto, o disposto neste art. 7o, parágrafo 2o, permite a
flexibilização do critério de conclusão de escolaridade obri-
gatória, quando ultrapassado o limite de idade mínima bá-
sica, no caso do Brasil, 16 anos, para que a possibilidade de
atraso escolar não seja impedimento para a aquisição da
capacidade jurídica para o trabalho, não apresentando, qual-
quer contradição com o texto constitucional, devendo, no
entanto, a autoridade competente definir atividades em que
o emprego ou trabalho poderá ser permitido e ainda o nú-
mero de horas e as condições que serão desempenhadas.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
205

Em relação à Recomendação no 146, digno de registro é o


preâmbulo sobre Convenções e Recomendações, editados
pela Organização Internacional do Trabalho, pois esclarece
que a Recomendação, por sua vez, embora não imponha
obrigações, complementa a Convenção e, como expressa o
próprio termo, recomenda medidas e oferece diretrizes com
vistas à viabilização da implementação, por leis e práticas
nacionais, das disposições da Convenção.
Por sua vez, a Convenção no 138 da Organização Inter-
nacional do Trabalho trouxe em seu núcleo a definição de
políticas nacionais de abolição do trabalho infantil, a eleva-
ção (e fixação) progressiva da idade mínima e a garantia ao
pleno desenvolvimento físico e mental do jovem.
Estando o Brasil firme nos mesmos propósitos através
de sucessivas e constantes atualizações de sua legislação e
nas ações promovidas pelo Fórum Nacional de Prevenção
e Erradicação do Trabalho Infantil em conjunto com os Con-
selhos de Direitos da Criança e do Adolescente, que apoia-
ram a decisão favorável à necessidade histórica de ratifica-
ção da Convenção no 138, que muito poderá contribuir com
a erradicação do trabalho precoce no Brasil.
Esgotados os principais pontos da Convenção no 138, resta
uma análise da Recomendação no 146, editada conjuntamen-
te com a respectiva Convenção, que embora esta não impo-
nha obrigações, recomenda medidas e oferece diretrizes com
vistas à implementação por leis e práticas nacionais das dis-
posições das Convenções.
A análise e o estudo da Recomendação no 146 da Organi-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
206 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

zação Internacional do Trabalho ganham relevância no exato


momento em que o país passa a implementar a Convenção
no 138. A importância da recomendação eleva-se, pois as
suas diretrizes fornecem subsídios concretos para a efetivi-
dade das políticas indispensáveis à erradicação do trabalho
precoce e a conseqüente proteção dos direitos das crianças
e adolescentes.
A Recomendação no 146 parte do pressuposto de que a
efetiva abolição do trabalho infantil e a progressiva eleva-
ção da idade mínima para admissão em emprego constitu-
em apenas um aspecto de proteção e do progresso de crian-
ças e adolescentes. Indica, portanto, a necessidade de arti-
culação das diversas políticas públicas, em especial aquelas
que visam efetivar os direitos infanto-juvenis.
Destacou-se como um dos pontos fundamentais da Con-
venção no 138 a formulação de uma política nacional de com-
bate ao trabalho infantil. Nesse âmbito, a Recomendação no
146 salienta que deve ser conferida destacada prioridade “à
identificação e ao atendimento das necessidades de crian-
ças e adolescentes na política em programas nacionais de
desenvolvimento e à progressiva extensão das medidas
correlacionadas para criar as melhores condições possíveis
para o desenvolvimento físico e mental das crianças e dos
adolescentes”.
A Recomendação no 146 indica algumas medidas exigidas
para a efetivação desses direitos, tais como: o firme com-
promisso nacional com o pleno emprego, a promoção do
desenvolvimento voltado para o emprego rural e urbano; a
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
207

extensão progressiva de medidas econômicas e sociais des-


tinadas a atenuar a pobreza; a garantia de padrões de vida
e renda às famílias para que se torne desnecessário o recur-
so à atividade econômica das crianças; o desenvolvimento
e a progressiva extensão, sem qualquer discriminação, de
medidas de seguridade social e de bem-estar familiar desti-
nadas a garantir a manutenção da criança, instituindo, in-
clusive, os diversos tipos de abonos de família; o desenvol-
vimento e a progressiva extensão de meios adequados de
ensino, de orientação e formação profissional adequadas,
na sua forma e conteúdo, às necessidades das crianças e
adolescentes; o desenvolvimento e a progressiva extensão
de meios apropriados à proteção e ao bem-estar de crianças
e adolescentes, inclusive dos adolescentes empregados, e à
promoção do seu desenvolvimento, de acordo com o item 1
da referida Recomendação.
Destaca, em seu item 4, a importância da garantia e obri-
gatoriedade da freqüência escolar em tempo integral e a
participação em programas de orientação profissional ou
de formação, ao menos até a idade mínima para o trabalho
estabelecida nas leis.
A Recomendação no 146 estabelece no item 3 que “de-
vem ser objeto de especial atenção às necessidades de cri-
anças e adolescentes sem família ou que não vivam com
suas próprias famílias, e de crianças e adolescentes
migrantes que vivem e viajam com suas famílias. As medi-
das tomadas nesse sentido devem incluir a concessão de
bolsas de estudo e formação profissional.”
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
208 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Ressalta-se que, na aplicabilidade deste dispositivo da


recomendação, deve-se considerar especialmente os prin-
cípios da Doutrina da Proteção Integral, abstendo-se da re-
alização de políticas sociais discriminatórias.
Em relação às medidas necessárias para a implementa-
ção dos limites de idade mínima para o trabalho, a Reco-
mendação no 146 pouco avança, restringindo-se, apenas, a
recomendar medidas aos países que optarem pela adoção
das normas de caráter flexível.
No tocante aos trabalhos perigosos, a Recomendação
destaca duas medidas relevantes: - o reexame periódico da
lista dos tipos de emprego ou trabalho perigosos, conside-
rando-se em particular os progressos científicos e tecnoló-
gicos; segundo o item 10, 2, e também a consideração das
normas internacionais do trabalho referentes a substâncias,
agentes ou processos perigosos, envolvendo as radiações
ionizantes, o levantamento de cargas pesadas e o trabalho
subterrâneo, conforme o item 10, 1.
Em relação às condições de emprego, no caso do Brasil,
de adolescentes, a Recomendação indica no item 12, (1)
que: devem ser tomadas medidas para que sejam assegu-
radas condições de trabalho satisfatórias, que sejam
mantidas estas condições e, ainda, realize-se um rígido
controle.
Também recomenda o item 12 que devem ser tomadas
medidas para proteger e fiscalizar as condições em que são
fornecidos orientação profissional ou treinamento dentro
das empresas, instituições de formação e escolas de ensino
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
209

profissional ou técnico, estabelecendo-se padrões para a sua


proteção e desenvolvimento.
Em relação às condições de emprego, destaque especial
é destinado pelo item 13, 1: “a) ao provimento de uma justa
remuneração, e sua proteção, tendo em vista o princípio do
salário igual para trabalho igual; b) à rigorosa limitação das
horas diárias e semanais de trabalho, e à proibição de horas
extras, de modo a deixar tempo suficiente para a educação
e formação (inclusive o tempo necessário para os deveres
de casa), para o repouso durante o dia e para atividades de
lazer; c) à concessão, sem possibilidade de exceção, salvo
em situação de real emergência, de um período consecuti-
vo mínimo de doze horas de repouso noturno, e de costu-
meiros dias de repouso semanal; d) à concessão de férias
anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas e, em
qualquer hipótese, não mais curtas do que as concedidas
aos adultos; e) à cobertura de planos de seguridade social,
inclusive de acidentes de trabalho, assistência médica e pla-
nos de auxílio-doença, quaisquer que sejam as condições
de emprego ou de trabalho; f) à manutenção de padrões
satisfatórios de segurança e saúde e de instrução e controle
adequados.”
Para a garantia da aplicação da Convenção no 138 devem
ser tomadas medidas para: o fortalecimento da fiscalização
do trabalho, inclusive com a formação de fiscais para a
detecção e correção nos abusos cometidos no emprego de
crianças e adolescentes (item 14, 1, a); o fortalecimento de
serviços para a melhoria dos treinamentos realizados em
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
210 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

empresas e a sua fiscalização (item 14, 1, b); o destaque ao


papel que pode ser desempenhado pelos fiscais no forneci-
mento de informações e no assessoramento para a aplicação
das disposições da convenção (item 14, 2); a coordenação entre
as fiscalizações no trabalho e em treinamento realizados pe-
las empresas, devendo o poder público articular as ações e
políticas voltadas para a educação, a formação, o bem-estar e
orientação de crianças e adolescentes (item 14, 3).
A Recomendação no 146 propõe que especial atenção seja
dispensada: à aplicação de disposições referentes a empre-
go em tipos perigosos; à proibição de emprego e trabalho
de crianças e adolescentes durante as horas de aula, enquan-
to forem obrigatórios o treinamento e a educação. Disposi-
ções estas já completamente incorporadas pela legislação
pátria, nos artigos 7o, XXXIII, da Constituição da República
Federativa do Brasil e no art. 67 do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
A Recomendação no 146 destaca, no item 16, a e b, a ne-
cessidade de adoção de medidas facilitadoras para a verifi-
cação das idades mediante a manutenção de registros pú-
blicos de nascimento, que inclua a emissão de certidões; a
obrigatoriedade dos empregadores manterem registros e
documentos com indicação de nomes e idades à disposição
das autoridades competentes, incluindo o registro referen-
te aos adolescentes que desenvolvem atividades de forma-
ção profissional.
Por fim, indica, em seu item 16, c, que medidas especiais
devem ser tomadas para a verificação de idade de “crian-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
211

ças e adolescentes que trabalham nas ruas, em bancas, em


lugares públicos, no comércio ambulante ou em outras cir-
cunstâncias que torne impraticável a verificação de regis-
tros de empregadores.”

6.11 A Convenção no 182 e a Recomendação no 190,


da Organização Internacional do Trabalho, sobre
piores formas de trabalho infantil

A Convenção no 182, da Organização Internacional do


Trabalho trata das piores formas de trabalho infantil e ações
para a sua eliminação. O aspecto mais relevante localiza-se
na definição das “piores formas de trabalho infantil”. A
adoção desta expressão resultou em muita discussão e deba-
te, principalmente, por parte de organizações da sociedade
civil, a partir do entendimento de que não existem formas
piores de trabalho infantil, pois todas as formas são igual-
mente prejudiciais ao desenvolvimento das crianças. No en-
tanto, a expressão não pretende dar margem a possíveis in-
dicações de qualquer forma de trabalho infantil que seja
melhor, mas estabelecer prioridades de ação para aquelas
formas que exigem uma ação enérgica e imediata, pois se
estas não forem tomadas poderiam provocar prejuízos irre-
versíveis ao desenvolvimento das crianças e adolescentes.
Torna-se importante destacar que as ações e prioridades
voltadas para as chamadas piores formas de trabalho in-
fantil não excluem a necessidade, também prioritária, de
eliminação de toda e qualquer forma de trabalho precoce
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
212 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

que prejudique o desenvolvimento físico, psicológico e bio-


lógico de crianças, já que a terminologia utilizada está fun-
damentada no conceito internacional de criança, que com-
preende toda pessoa com idades entre zero e dezoito anos.
Deve-se destacar que a adoção da Convenção 182 não
substitui a Convenção no 138, por se entender esta última
como norma fundamental da Organização Internacional do
Trabalho, que dispõe de instrumentos para a efetiva aboli-
ção do trabalho infantil.
A abolição das piores formas de trabalho infantil deve
levar em conta a importância da educação fundamental e
gratuita e a necessidade de promover a reabilitação e inte-
gração social das crianças, atendendo-se ao mesmo tempo,
às necessidades econômicas e sociais das famílias.
Para tratar da questão, o Ministério do Trabalho e Em-
prego constituiu Comissão Tripartite, através da Portaria
no 143, de 14 de março de 2000, nos seguintes termos: “com-
pete à Comissão definir a lista dos tipos de trabalho consi-
derados como piores formas de trabalho infantil, encami-
nhando suas conclusões, no prazo de sessenta dias a partir
de sua constituição, para apreciação do Ministro do Traba-
lho e Emprego.”
A integração da concepção das piores formas de traba-
lho infantil pressupõe o estabelecimento dos princípios sob
os quais devem estar assentados os novos conceitos, bem
como, a sua inter-relação com os demais institutos jurídi-
cos. Não se reinventa o direito na adoção de cada nova nor-
mativa internacional, apenas se incorpora ao ordenamento
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
213

mediante a submissão aos princípios e normativas gerais,


fazendo-se a sistematização e correlação com o sistema ju-
rídico existente. O conhecimento e a delimitação dos prin-
cípios norteadores de qualquer sistema jurídico torna-se
fundamental para a compreensão adequada da nova dimen-
são proporcionada pelas diretivas internacionais. Portanto,
faz-se necessário a análise destes princípios para a compre-
ensão do tema.
A Convenção no 182 dispõe em seu preâmbulo que se
trata de uma convenção complementar à Convenção no 138.
Assim, o princípio previsto na Convenção no 138 da “eleva-
ção progressiva dos limites de idade mínima para o traba-
lho” deve ser o norte na formulação das diretrizes e ações
políticas. Em segundo lugar, a política nacional de combate
ao trabalho infantil é um compromisso que os governos as-
sumem com a adoção da Convenção no 138, devendo esta
ser direcionada para toda e qualquer forma de trabalho in-
fantil, realizada abaixo dos limites de idade mínima para o
trabalho.
Nesse contexto, a Convenção no 182 vem estabelecer al-
gumas prioridades de ações que deverão estar inseridas nos
programas de combate ao trabalho infantil. Jamais as pio-
res formas de trabalho infantil devem ser o único referencial
para a formulação dos programas, pois sendo assim, esta-
ria adotando-se apenas a Convenção complementar e ex-
cluindo-se a geral. Aplicar o complemento do que não exis-
te é promover a inversão das prioridades. Não mais se pode
admitir que o Brasil paute suas em políticas compensatóri-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
214 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

as e isoladas, que normalmente custam muito caro e pou-


cos resultados apresentam.
A aplicação e a interpretação da Convenção no 182 de-
vem estar profundamente articuladas com os princípios da
Doutrina da Proteção Integral elencados na Convenção In-
ternacional dos Direitos da Criança, na Constituição Fede-
ral de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na
Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho.
De outro modo, estar-se-á correndo o risco na concentração
de esforços para o ressurgimento da Doutrina da Situação
Irregular, já por muitos anos implementada no Brasil, da
qual os prejuízos provocados ainda hoje se fazem sentir por
toda a sociedade.
Assim como a Convenção no 138, a Convenção no 182 foi
editada com o objetivo de estabelecer limites abrangentes
que pudessem ser adotados pelo maior número de países-
membros da Organização Internacional do Trabalho. Essa
flexibilidade ocorre porque, em decorrência do avanço e
aperfeiçoamento já alcançado no ordenamento jurídico de
alguns países, como é o caso do Brasil, em muitos momen-
tos são encontradas diretrizes nas convenções internacio-
nais que já foram adotadas ou seus patamares mínimos su-
perados anteriormente pelos países signatários. Como uma
convenção consiste num instrumento genérico, deve ser
capaz de atender às diversidades encontradas nas mais va-
riadas regiões do planeta, em muitas situações, com a ado-
ção de uma convenção internacional, poderia se ter a im-
pressão de que a convenção estaria significando ou provo-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
215

cando um retrocesso na legislação protetiva, conquistada a


duras lutas pela sociedade. Entretanto, realizando-se uma
análise profunda sobre a questão, não é isso o que acontece.
Ao adotar uma convenção internacional, o país está acei-
tando as normas e disposições que ampliem o âmbito de
abrangência da proteção, no caso da infância e adolescên-
cia, principalmente, em razão da superioridade dos princí-
pios estabelecidos na Doutrina da Proteção Integral. Seria
um contra-senso a adoção de uma convenção internacional
que significasse um prejuízo ao desenvolvimento, conquis-
ta e realização de direitos num determinado país. Daí a
importância dos princípios na interpretação e implementa-
ção das convenções. São os princípios que estabelecerão o
norte para a integração das disposições convencionais no
ordenamento jurídico.
A Convenção no 182 tratou de definir, no seu art. 3o, qual
o entendimento a ser dado às piores formas de trabalho in-
fantil, entendidas como: “a) todas as formas de escravidão
ou prática análogas à escravidão, como venda e tráfico de
crianças, sujeição por dívida ou servidão, trabalho forçado
ou compulsório, inclusive recrutamento forçado ou com-
pulsório de crianças para serem utilizadas em conflitos ar-
mados b) os trabalhos subterrâneos, debaixo d’água, em
altura perigosas ou em espaços confinados; c) os trabalhos
com máquinas, equipamentos e instrumentos perigosos ou
que envolvam manejo ou transporte manual de cargas pe-
sadas; d) os trabalhos em ambiente insalubre que possam,
por exemplo, expor as crianças a substâncias, agentes ou
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
216 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

processamentos perigosos, ou a temperaturas ou a níveis


de barulho ou vibrações prejudiciais a sua saúde; e) os tra-
balhos em condições particularmente difíceis, como traba-
lho por longas horas ou noturno, ou trabalho em que a cri-
ança é injustificadamente confinada às dependências do
empregador.”
Especialmente nos últimos anos houve no Brasil um pro-
fundo debate sobre as chamadas formas intoleráveis de tra-
balho infantil, chegando-se ao consenso de que toda forma
de trabalho infantil é intolerável. Por outro lado, ampliou-
se o conhecimento relativo às piores formas de trabalho in-
fantil. Nesse processo alguns consensos foram estabeleci-
dos, como o reconhecimento de que todas as formas de es-
cravidão ou práticas análogas são consideradas como pio-
res formas de trabalho infantil.
A Convenção no 182 fez questão de exemplificar algu-
mas formas características, mas não exaustivas para
referenciar que tipo de trabalho se pretende abordar. Em-
bora a Convenção sobre Trabalho Forçado, de 1930, e a Con-
venção Suplementar das Nações Unidas sobre Abolição da
Escravidão, do Tráfico de Escravos e de Instituições e Práti-
cas Similares à Escravidão, de 1956, já tenham tratado do
assunto, a Convenção no 182 ressaltou sua importância ao
apresentar referência a este tipo de trabalho ou exploração
no tocante às crianças e aos adolescentes.
Todas as formas de exploração sexual podem ser enqua-
dradas como piores formas de trabalho infantil. Mesmo es-
tando a exploração sexual num âmbito que nem sempre
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
217

pode ser perfeitamente caracterizada como trabalho, mas


realmente como exploração, o destaque da Convenção no
182, conferido para a utilização, procura e oferta de criança
para fins de prostituição, produção de material pornográfi-
co ou espetáculos pornográficos, tem sua importância es-
pecialmente com o aumento desse tipo de exploração, no-
tadamente em redes como a internet. Nada mais são do que
trabalhos não apenas prejudiciais ao desenvolvimento, como
também, à moralidade.
Considera-se, também, como piores formas de trabalho
infantil, todas as atividades consideradas ilícitas pela legis-
lação penal. E, ainda, todos os trabalhos que, por sua natu-
reza ou pelas circunstâncias em que são executados, são
susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral
da criança, podem ser considerados como piores formas de
trabalho infantil. Refere-se a Convenção aos trabalhos insa-
lubres, perigosos e, mais uma vez, prejudiciais à moralida-
de, ampliando, dessa forma, a abrangência na classificação
das piores formas de trabalho infantil, incorporando, assim,
os princípios norteadores da Doutrina da Proteção Integral
das Nações Unidas.
A Recomendação no 190, da Organização Internacional
do Trabalho, que acompanha a convenção em análise, des-
taca atenção especial aos trabalhos que expõem as crianças
aos abusos físicos, psicológico ou sexual; os trabalhos sub-
terrâneos, debaixo d’água, em alturas perigosas ou em es-
paços confinados; os trabalhos com máquinas, equipamen-
tos e instrumentos perigosos ou que envolvam o manejo ou
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
218 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

transporte manual de cargas pesadas; os trabalhos em am-


biente insalubre que possam, por exemplo, expor as crian-
ças a substâncias, agentes ou processamentos perigosos, ou
a temperaturas ou a níveis de barulho ou vibrações preju-
diciais a sua saúde; e os trabalhos em condições particular-
mente difíceis, como trabalho por longas horas ou noturno,
ou trabalho em que a criança é injustificadamente confina-
da às dependências do empregador.
A definição dos tipos de trabalho considerados como
piores formas de trabalho infantil foi tarefa de grande res-
ponsabilidade, pois havia a preocupação de ser excluída
alguma atividade relevante. Por isso, na formulação da lis-
ta incluiu-se o maior número de atividades conhecidas atu-
almente como prejudiciais ao desenvolvimento de crianças
e adolescentes, fundamentadas nas normas de segurança e
medicina do trabalho, em especial a experiência acumula-
da pelos Auditores Fiscais em suas atividades cotidianas.
As Convenções da Organização Internacional do Traba-
lho relativas ao trabalho da criança e do adolescente vêm
consolidar o arcabouço jurídico sobre o trabalho precoce no
Brasil, disponibilizando, desse modo, instrumentos capa-
zes de fortalecer o combate às piores e a todas as demais
formas de trabalho infantil.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
219

7. ASPECTOS DESTACADOS DO PROCESSO DE


CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE
PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO
INFANTIL NO BRASIL

A construção de um conjunto de políticas públicas capa-


zes de prevenir e erradicar do trabalho infantil na realidade
brasileira está em construção. Podem ser destacados como
protagonistas nesse processo a constituição dos Fóruns
Nacional e Estaduais de Prevenção e Erradicação do Traba-
lho Infantil, bem como a constituição de Diretrizes para uma
Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, exigida
pelo conjunto da sociedade brasileira e integrada no orde-
namento jurídico a partir da ratificação das Convenções nos
138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho.

7.1 Os Fóruns de Prevenção e Erradicação do


Trabalho Infantil

A constatação das conseqüências do trabalho infantil,


aliada aos novos conceitos vinculados à doutrina da prote-
ção integral, previsto no art. 227, da Constituição da Repú-
blica Federativa do Brasil, bem como, o reconhecimento de
crianças e adolescentes como sujeitos de direitos proporci-
onaram um novo olhar sobre a infância e adolescência bra-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
220 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

sileira, constituindo avanços como a aprovação do Estatuto


da Criança e do Adolescente.
No entanto, é oportuno recordar que até a metade da
década de 80, ainda que a legislação proibisse o trabalho
infantil, havia uma tolerância dessa prática exploratória tan-
to por parte da sociedade quanto por parte do Estado. O
que assistimos durante muitos anos na área da infância re-
sumia-se, como já analisamos nos capítulos precedentes, em
“preparar” os “menores” para atuar no mercado de traba-
lho em funções que não exigiam um grande preparo esco-
lar e, portanto, mal remuneradas, ou, a inserção de crianças
e adolescentes nos chamados “programas sociais” que com-
punham a estrutura assistencialista dos Municípios e uni-
dades federadas. Somente a partir da década de 90 é que se
consolida uma nova dinâmica, com vistas a uma real elimi-
nação do trabalho infantil.
A necessidade de uma maior mobilização social capaz
de pressionar as diversas instituições em torno da preven-
ção e erradicação do trabalho infantil veio constituir um
importante movimento social em defesa dos direitos da cri-
ança e do adolescente, consolidando a constituição do Fórum
Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.
Em novembro de 1994, foi criando o Fórum Nacional de
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, tendo o apoio
da OIT e do UNICEF. A instituição do referido Fórum tinha
por objetivo a união da sociedade e do poder público, como
um espaço aberto de discussão, articulação e busca de al-
ternativas para tão complexo tema.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
221

O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação Infantil


passou a desenvolver suas atividades visando à concentra-
ção de esforços dos três níveis de governo e de organiza-
ções representativas da sociedade civil.
O desenvolvimento da metodologia de ações integradas
proporcionou a mobilização das organizações locais para
realizar um levantamento da situação do trabalho da crian-
ça e do adolescente, visando sensibilizar os participantes
dos Fóruns e governos para a criação de Comissões e Fóruns
Regionais, compostos por representantes da sociedade ci-
vil e do poder público.
Como primeira etapa desse trabalho foram constituídos,
gradativamente, nos diversos estados da federação, Fóruns
Estaduais de Combate ao Trabalho Infantil que, de acordo
com o Fórum Nacional, foram criados para atuarem como
“instância aglutinadora e articuladora dos agentes sociais
envolvidos em políticas e programas, que atuam na formu-
lação de medidas que previnam e erradiquem o trabalho
infantil no País.”167
Como a metodologia de constituição dos Fóruns Estadu-
ais resultou em intensa participação dos diversos segmen-
tos do Estado e da sociedade civil, foi constituída uma Rede
Nacional de Combate ao Trabalho Infantil que passou a
aglutinar diversas instituições de abrangência nacional e os
respectivos Fóruns Estaduais.
O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Tra-
balho Infantil estabeleceu como metas “elaborar diagnósti-
167
BRASIL. Fórum Nacional. A metodologia, Cit.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
222 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

co, contemplando dados qualitativos e quantitativos, com


vistas a promover estudo de alternativas econômicas para
cada região e promover o planejamento estratégico para
identificar as propostas de projetos e atividades nos dife-
rentes setores.”168
A partir daí, passou a identificar a disponibilidade de
recursos técnicos e financeiros dos membros do Fórum
Nacional, do governo federal, estadual e municipal e de
outras entidades locais, para a implementação de projetos e
atividades, elaborando documentos, consolidando as pro-
postas identificadas pelas entidades locais.
Outrossim, procurou selecionar e detalhar, por setor, os
projetos e atividades necessárias à execução das ações inte-
gradas. Para tanto, foram negociadas parcerias entre os par-
ticipantes do Fórum Nacional com o governo federal, esta-
dual e municipal com o fim de obter recursos para o finan-
ciamento dos projetos e definir mecanismos de acompanha-
mento, monitoramento e avaliação.
Quando iniciou suas atividades, o Fórum Nacional de
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, estabeleceu
como objetivos: a) elaborar e socializar estratégias de atua-
ção na prevenção e erradicação do trabalho infantil; b) pro-
mover por parte de empregadores, empregados e respecti-
vas associações uma mobilização com vistas ao estabeleci-
mento por negociações coletivas, regras que determinem a
eliminação do trabalho infantil; c) conjugar esforços
(integralizando-os) com os diversos atores e áreas na defe-
168
BRASIL. Fórum Nacional. A metodologia, Cit.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
223

sa dos direitos da criança e do adolescente; d) influir nos


meios de comunicação de massa com o objetivo de sensibi-
lizar a sociedade e instâncias de poder, dando visibilidade
ao problema do trabalho infantil; e) criar e manter um ban-
co de dados que contenha e divulgue informações a todas
as pessoas envolvidas com o assunto e, com isto, facilitar e
orientar a implantação de políticas de erradicação do traba-
lho infantil em todo o território nacional.
O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Tra-
balho Infantil é constituído por uma Coordenação Colegiada
e as demais entidades participantes da Rede Nacional de
Combate ao Trabalho Infantil. O Fórum ainda conta com o
apoio da Organização Internacional do Trabalho e o UNICEF
- Fundo das Nações Unidas para a Infância.
Em 1998, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação
do Trabalho Infantil participou da criação, a partir da Cam-
panha “Criança no Lixo, Nunca Mais”, que tem por meta
erradicar o trabalho infantil no lixo em todo o Brasil. A refe-
rida campanha se constituía como convite à toda a socieda-
de brasileira, para que esta não mais permitisse o uso da
mão-de-obra infantil nos lixões e catação de lixo nas ruas.169
Além das ações referentes ao Plano de Ações Integradas,
formulado pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradica-
169
FÓRUM NACIONAL LIXO E CIDADANIA. Criança no Lixo, Nunca Mais. Brasília: FNLC,
1998. Segundo Cristina Porto, Iolanda Huzak e Jô Azevedo, em 1999 foi “criado para retirar as
crianças dos lixões, o Fórum Lixo e Cidadania reúne hoje 49 instituições governamentais e não-
governamentais do país todo. Naquela época, o escritório de Brasília do Unicef identificou 45 mil
crianças e jovens trabalhando nos lixões. Desde então, 17 estados organizaram seus fóruns, e
o sistema de bolsa-escola e jornada ampliada já retirou mais de 13 mil crianças dos lixões de
194 municípios brasileiros.” (PORTO, Cristina, HUZAK, Iolanda, AZEVEDO, Jô. Trabalho infan-
til, o difícil sonho de ser criança. São Paulo: Ática, 2003. p.18.)
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
224 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

ção do Trabalho Infantil, destaca-se como de extrema impor-


tância a elaboração do documento Diretrizes para Formula-
ção de uma Política Nacional de Combate ao Trabalho Infan-
til, resultado do trabalho conjunto com vinte e sete Fóruns
Estaduais reunidos em Brasília no mês de julho de 2000.
O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Traba-
lho Infantil tem realizado reuniões itinerantes pelas diversas
regiões do Brasil, como forma de aglutinar os agentes respon-
sáveis pela formulação e execução das políticas públicas de
combate ao trabalho precoce, em torno de ações concretas.

7.2 As Diretrizes para uma Política Nacional de


Combate ao Trabalho Infantil

As diretrizes para uma política nacional de combate ao


trabalho infantil estabelecem que uma política pública ca-
paz de erradicar o trabalho precoce, foi definida inicialmente
em seis eixos básicos: “1. integração e sistematização de
dados sobre trabalho infantil; 2. análise do arcabouço jurí-
dico relativo ao trabalho infantil; 3. promoção da articula-
ção institucional quadripartite (governo, organizações de
trabalhadores e de empregadores e organizações não-go-
vernamentais); 4. garantia da escola pública gratuita de
qualidade para todas as crianças e adolescentes; 5. imple-
mentação dos efetivos de controle e fiscalização do traba-
lho infantil e; 6. melhoria da renda familiar e promoção do
desenvolvimento local integrado e sustentável.”170
170
BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, cit. 2000. p. 09.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
225

Como já foi apontado anteriormente, há grandes dificul-


dades de aferição precisa deste fenômeno multifacetário
caracterizado como trabalho infantil. Ainda que um signifi-
cativo número de pesquisas e estudos vem sendo realizado
nos últimos anos, o Brasil carece de uma política de inte-
gração e sistematização dos dados sobre o trabalho preco-
ce, existe, portanto, uma imprecisão de informações.
A abrangência de pesquisas importantes como a Pesqui-
sa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Institu-
to Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nas áreas ru-
rais da Região Norte durante a década de 1990, também con-
tribuiu para o acirramento das desigualdades regionais, pois
a ausência de dados tem provocado a dificuldade de propo-
sição de alternativas ao trabalho infantil naquela região.
Existem, também, poucos dados relativos aos impactos
e resultados dos programas, projetos e ações desenvolvi-
das pelas diversas instituições, especialmente em relação à
continuidade de tais experiências. É mister que as pesqui-
sas sobre trabalho infantil procurem uma visão mais global
e articulada com os diversos campos do saber.
Análises qualitativas sobre a dimensão do trabalho in-
fantil, seus fatores determinantes e a correlação com o
arcabouço jurídico e as políticas públicas desenvolvidas,
ainda são muito raros. A inserção de critérios como etnia e
gênero podem trazer respostas significativas para o enfren-
tamento do problema.
Se um dos principais fatores determinantes do trabalho
infantil reside na situação de pobreza familiar, nada mais
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
226 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

adequado que as pesquisas identifiquem e analisem as ati-


vidades econômicas ou não-econômicas realizadas por cri-
anças e adolescentes e a relação destas atividades com a
cultura e a tradição familiar, como subsídio para a supera-
ção da reprodução do ciclo intergeracional de pobreza.
A sistematização e a integração de dados sobre o traba-
lho infantil requerem, portanto, a definição de conceitos e
metodologias de pesquisa para a produção e melhoria dos
dados e informações; o fortalecimento das instituições exis-
tentes, responsáveis pela realização de pesquisas primári-
as; a classificação dos fatores determinantes ou interferen-
tes na realização do trabalho precoce, o estabelecimento de
um sistema de monitoramento e avaliação.
Uma política pública efetivamente comprometida com a
prevenção e erradicação do trabalho infantil deve estar
amparada num conjunto de dados suficientes para identifi-
car a realidade social, econômica e cultural das crianças,
adolescentes e famílias.
O segundo eixo, apontado nas Diretrizes para a Formu-
lação de uma Política Nacional Combate ao Trabalho In-
fantil, consiste na análise do arcabouço jurídico relativo ao
trabalho infantil. As recentes transformações no arcabouço
jurídico trouxeram um novo patamar à questão que merece
análise cuidadosa embasada nos princípios da doutrina da
proteção integral.
O sistema de garantia de direitos previstos no Estatuto
da Criança e do Adolescente constitui um poderoso instru-
mento de inclusão social. O desafio está colocado no reco-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
227

nhecimento social desses novos direitos e das estratégias


necessárias a sua operacionalização.
De acordo com as diretrizes, “o arcabouço jurídico dis-
ponível no Brasil, que trata do trabalho infantil, pode ser
considerado de um grande pragmatismo, isto é, pode ser
implementado sem grandes dificuldades pela forma como
é proposto e atribui competências e responsabilidades aos
diversos atores sociais e políticos que devem estar envolvi-
dos de forma conjunta e integrada em sua proteção e erra-
dicação.”171
Nesse sentido, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradi-
cação do Trabalho Infantil e os Fóruns Estaduais têm pres-
tado uma contribuição relevante ao promoverem um nú-
mero crescente de seminários, colóquios, encontros para a
discussão e esclarecimento de temas jurídicos voltados à
proteção dos direitos da criança e do adolescente.
Chamar os diversos segmentos da sociedade e do Esta-
do para assumirem um conjunto de responsabilidades com-
partilhadas, estabelecendo espaços de decisão democráti-
cos e participativos, proporcionando o fortalecimento de
todo o processo de formulação, execução e gestão das polí-
ticas públicas é o processo eficaz quando se pretende a ga-
rantia de direitos da criança e do adolescente.
A articulação interinstitucional quadripartite, considera-
da como terceiro eixo das diretrizes, visa promover esse
processo. Tal articulação entre organizações de trabalhado-
res e de empregadores, do governo e de organizações da
171
BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit., 2000. p. 26-27.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
228 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

sociedade civil se constitui em um instrumento de conscien-


tização social, de um espaço de reivindicação, de garantia da
eficácia e efetividade das ações, de concentração e legitima-
ção de esforços comuns, de superação de dificuldades e di-
vergências por meio do trabalho coletivo e de sensibilização
dos diversos setores sobre a questão do trabalho infantil.
A ampliação da articulação institucional requer a identi-
ficação e sensibilização das diversas instituições interessa-
das e capazes de contribuir para a efetiva eliminação do
trabalho infantil.
Evidentemente, existe um conjunto de políticas públicas
básicas essenciais à realização dos direitos da criança e do
adolescente. A garantia de uma escola pública de qualida-
de é apontada pelas diretrizes como uma ação central na
erradicação do trabalho infantil.
A garantia de acesso igualitário entre meninas e meninos
na escola, o fornecimento de condições de freqüência, per-
manência e sucesso escolar são desafios colocados à escola
pública brasileira. O Brasil permanece com um elevado índi-
ce de defasagem série/idade, e alta evasão escolar, especial-
mente das crianças e adolescentes trabalhadores, como se
depreende na análise da dimensão do trabalho infantil.
Nesse sentido, as diretrizes registram que “esse déficit
educacional é mais qualitativo do que quantitativo, no sen-
tido de que a escola não consegue atender às reais necessi-
dades das crianças e, muito menos, oferecer alguma pers-
pectiva razoável de futuro.”172
172
BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit. 2000. p. 32-3.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
229

O fortalecimento de uma educação de qualidade, que


tenha condições de contribuir com a erradicação do traba-
lho infantil, requer a consolidação de programas que per-
mitam a complementação da renda familiar, como também
a implantação/desenvolvimento de programas sócio-
educativos no período complementar à escola.
As diretrizes consideram ainda imprescindíveis algumas
ações básicas, notadamente nas regiões que utilizam o tra-
balho infantil em larga escala, que visem:
a) Reavaliação do modelo de escola multisseriada;
b) Garantia de pontualidade e de merenda escolar com
qualidade;
c) Investimento nos programas de alfabetização de jo-
vens e adultos;
d) Estabelecimento de parcerias entre a escola e outras
instituições com o objetivo de constituição de programas
educativos complementares à escola;
e) Ampliação do número de creches e pré-escolas;
f) Melhoria e ampliação da rede de escolas existente.
Ao fazermos referência à melhoria da educação, deve-
mos estar atentos que, para falarmos em freqüência e per-
manência do alunado na escola, é preciso que se criem pro-
gramas de aceleração de aprendizagem; que os professores
e demais agentes educacionais tenham formação continua-
da e melhores salários; elaboração e implantação de proje-
tos pedagógicos adequados à criança e ao adolescente; oferta
de transporte, vestuário e material escolar; incentivo “às
famílias por meio de programas de orientação psicossocial,
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
230 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

de melhoria da renda, de formação e qualificação profissio-


nal, de apoio técnico e com linhas de financiamento para al-
teração das bases produtivas onde as atividades econômicas
perderam a rentabilidade e competitividade no mercado.”173
Outro aspecto relevante demarcado pelas diretrizes está
concentrado na implementação dos efetivos de controle e
fiscalização. A articulação interinstitucional estabelecida
pelo Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público
Federal, Ministério Público do Trabalho e Ministérios Pú-
blicos Estaduais, tem representado um significativo impac-
to no afastamento do trabalho infantil.
Já em 1995, em função da gravidade do problema, o Go-
verno brasileiro instituiu, mediante a participação de vári-
os Ministérios, o Grupo Executivo de Repressão ao Traba-
lho Forçado, tendo este grupo o objetivo de combater o tra-
balho forçado e o trabalho infantil, bem como criou o Gru-
po Móvel de Fiscalização, coordenado pelo Ministério do
Trabalho, com a finalidade de repressão ao trabalho infan-
til e forçado.
Posteriormente, o Ministério do Trabalho e Emprego
criou no âmbito das Delegacias Regionais do Trabalho nos
estados da federação, Grupos Especiais de Combate ao Tra-
balho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente –
GECTIPAS. Estes grupos, além da atividade de controle e
fiscalização, realizaram diagnósticos claros da situação da
criança e do adolescente trabalhador nos diversos setores

173
BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit. 2000. p. 40.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
231

de atividade econômica, proporcionando uma maior aten-


ção à formulação e execução das políticas públicas.
O Ministério Público do Trabalho, por sua vez, tem atu-
ado junto aos sindicatos de trabalhadores e empregadores
e firmado Termos de Ajustamento de Conduta, comprome-
tendo o setor empresarial e suas respectivas cadeias produ-
tivas a não utilizarem o trabalho de crianças e adolescentes
em idade proibida, estabelecendo, inclusive, sanções pecu-
niárias em favor dos Fundos da Infância e da Adolescência
em caso de descumprimento do termo.
O Conselho Tutelar como “órgão permanente e autôno-
mo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar
pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescen-
te...”, conforme garante o art. 131, da Lei 8.069/90, tem con-
tribuído na fiscalização e erradicação do trabalho precoce.
Nesse sentido, as diretrizes recomendam que os Conselhos
Tutelares devem “ser criados em todos os municípios; ser
capacitados para atuarem em relação às irregularidades no
trabalho de crianças e adolescentes; ser instrumentalizados
para promover estratégias e procedimentos para a punição,
pelos órgãos competentes, dos infratores que utilizam o tra-
balho infantil.”174
Combater o trabalho infantil não implica somente o mero
afastamento da criança ou do adolescente do trabalho. Ques-
tionar o trabalho precoce, representa uma tentativa de su-
peração do status quo. Se a pobreza familiar consiste no prin-
cipal fator determinante do trabalho precoce, é imprescin-
174
BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit. 2000. p. 45.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
232 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

dível uma política pública comprometida com a melhoria


da renda familiar e a promoção do desenvolvimento local
integrado e sustentável.
Diante dessa preocupação, as diretrizes ressaltam que
“...não se pode esperar muito mais tempo para oferecer e
implementar alternativas de mudança das situações que
provocam a pobreza das famílias e que impõem a ocorrên-
cia do trabalho infantil. A adoção de medidas imediatas e
eficazes no atendimento às necessidades sociais básicas das
famílias deve ter caráter de urgência.”175
Deve ser garantida, também, a facilitação do acesso a fon-
tes de financiamento, micro-crédito, crédito popular, fortale-
cendo a iniciativa e a constituição de novos empreendimen-
tos como formas de geração de renda, que deveriam, alcan-
çar, especialmente, as famílias mais vulnerabilizadas. A qua-
lificação profissional articulada com o resgate do processo
educacional fortalece a capacidade de desenvolvimento hu-
mano e superação das condições de diversidade atuais.
O acesso a terra e a valorização do trabalho no campo
são reivindicações importantes que merecem ser atendidas.
“A reforma agrária é um componente fundamental da es-
tratégia de desenvolvimento rural e está intimamente liga-
da à política de redistribuição de terras e valorização do
trabalho rural.”176
Recomenda-se, ainda, “o fomento à criação e desenvol-
vimento de empreendimentos ou iniciativas de grupos de

175
BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit. 2000. p. 51.
176
BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit. 2000. p. 54.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
233

trabalhadores ou de comunidades, seja do mercado infor-


mal urbano, seja do meio rural, constitui um incentivo im-
portante para a geração de empregos e de renda, quando
orientados e estimulados ao melhor aproveitamento das
novas oportunidades abertas no mercado.”177
Programas de renda mínima são iniciativas importantes
e, segundo Cristovam Buarque, “faz parte de uma idéia ób-
via: se as crianças serão adultos pobres porque não estu-
dam no presente, e se não estudam porque são pobres, a
solução é quebrar o círculo vicioso da pobreza pagando às
famílias pobres para que seus filhos estudem, no lugar de
trabalharem.”178
Os programas de transferência de renda para as famílias
mais fragilizadas têm apresentado resultados positivos, seja
através do antigo Programa Bolsa Escola, hoje Bolsa Famí-
lia, ou do próprio Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (PETI).
Por fim, resta assinalar que “esta nova maneira de olhar
o desenvolvimento aponta para novos modelos de gestão e
de institucionalização das políticas públicas e, conseqüen-
temente, de erradicação do trabalho infantil, que prioriza
investimentos capazes de incrementar a economia local e
melhorar a qualidade de vida das famílias, por meio de uma
gestão participativa,”179
O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)

177
BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit. 2000. p. 55.
178
BUARQUE, Cristovam. A segunda abolição. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 59.
179
BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit. 2000. p. 57.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
234 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

foi uma resposta do Ministério da Previdência e Assistên-


cia Social, através da Secretaria de Estado de Assistência
Social (SEAS), às necessidades apresentadas pela socieda-
de com vistas à erradicação do trabalho infantil.
O Programa focaliza a família mais vulnerabilizada pela
pobreza e exclusão social e destina-se a crianças e adolescen-
tes com idade entre 07 e 14 anos, submetidas ao trabalho in-
salubre, degradante, perigoso e ou penoso, ou seja, atende
apenas as chamadas piores formas de trabalho infantil.
As crianças e adolescentes participantes do Programa
devem freqüentar a escola e, no contraturno, ou seja, no
horário oposto ao da escola, devem ser encaminhadas à Jor-
nada Ampliada, que consiste em programa sócio-educativo
em meio aberto. A Jornada Ampliada desenvolve ativida-
des em dois núcleos, denominados básico e específico.
O núcleo básico busca o enriquecimento do universo
informacional, cultural, lúdico, de crianças e adolescentes
por meio de atividades complementares e articuladas entre
si, destacando aquelas voltadas ao desenvolvimento da co-
municação, da sociabilidade, de habilidades para a vida,
de trocas culturais e atividades lúdicas; apoio à criança e ao
adolescente em seu processo de desenvolvimento, fortale-
cendo a auto-estima, em estreita relação com a família, a
escola e a comunidade.
O núcleo específico está voltado para o desenvolvimen-
to de uma ou mais atividades artísticas, desportivas e de
aprendizagem, tais como: atividades artísticas, em suas di-
ferentes linguagens, que favoreçam a sociabilidade e pre-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
235

encham as necessidades de expressão e trocas culturais;


práticas desportivas que favoreçam o autoconhecimento
corporal, a convivência grupal e o acesso ao lúdico; ativida-
des de apoio ao processo de aprendizagem por meio de re-
forço escolar, aulas de informática, línguas estrangeiras;
educação para a cidadania e os direitos humanos, educação
ambiental e outros, de acordo com os interesses e as de-
mandas, especificidades locais e capacidade técnico-profis-
sional de cada município; ações de educação para a saúde,
priorizando o acesso a informações sobre riscos do traba-
lho precoce, a sexualidade, gravidez na adolescência, uso
de drogas, DST/AIDS, entre outros.
Apesar da riqueza desta experiência que está sendo im-
plantada no Brasil, o Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil ainda encontra como desafios: o atendimento de
todo o tipo de trabalho precoce, bem como, a toda criança
que esteja submetida a qualquer tipo de trabalho. Isto im-
plica a responsabilidade dos governos em parceria com a
sociedade civil, para que o país tenha condições de superar
esta enorme chaga social.
Ainda, o referido Programa não deve ser executado como
uma nova forma de institucionalização de crianças e ado-
lescentes oriundos das famílias de baixa renda, uma vez
que esta perspectiva constitui-se como discriminatória e
excludente. O Programa de Erradicação do Trabalho Infan-
til deve estar orientado como um novo conjunto de oportu-
nidades à criança e ao adolescente, privilegiando o direito à
convivência familiar e comunitária.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
236 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Ismael Francisco de Souza ainda destaca que pactos setoriais


têm sido assinados por setores empresariais consoante suas
atividades econômicas com vistas a prevenir e erradicar o
trabalho infantil em suas cadeias de produção. Neste con-
texto, “as organizações de trabalhadores têm realizado mo-
bilizações, programas e projetos voltados à proteção da cri-
ança e do adolescente contra a exploração do trabalho. As
ONGs têm executado um conjunto de programas e projetos
inovadores, tais como as políticas de atendimento do Mo-
vimento de Organizações Comunitárias da Bahia (MOC), o
Programa Empresa Amiga da Criança da Fundação Abrinq
e ações de mobilização para prevenção e erradicação do tra-
balho precoce do Instituto Ócio Criativo no Estado de Santa
Catarina.”180
Neste processo é indispensável o fortalecimento da par-
ticipação da sociedade civil. O estímulo para a constituição
e manutenção de organizações comunitárias, especialmen-
te àquelas orientadas sob a perspectiva da defesa de direi-
tos constitui-se em um salto qualitativo nas ações neste cam-
po e poderão ser referências importantes na construção de
um mundo livre do trabalho precoce e, portanto, que efeti-
ve os direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

180
SOUZA, Ismael Francisco de. As ações dos Conselhos Tutelares na Prevenção e Erradica-
ção do Trabalho Precoce: a experiência do Município de Criciúma. (Relatório de Pesquisa).
Criciúma: Universidade do Extremo Sul Catarinense, Diretoria de Pesquisa, Programa de Inici-
ação Científica (PIC), 2005. p. 17.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
237

8. A PROFISSIONALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE

8.1 Considerações Iniciais

Ainda que o tema da profissionalização do adolescente


seja usualmente analisado junto às questões relativas ao tra-
balho precoce, sua abordagem merece uma análise indivi-
dualizada, pois caminha em outra direção.
A necessidade de profissionalização, hoje, é elemento
freqüente na discussão sobre políticas sociais e vista com
simpatia pela opinião pública. A profissionalização é apre-
sentada como a solução para as diversas mazelas sociais.
Assim, diz-se que: a prisão não ressocializa porque os
detentos não têm acesso à profissionalização, que as pesso-
as portadoras de deficiências devem ser profissionalizadas
para sua integração social, da mesma forma os adolescen-
tes devem ser profissionalizados para terem seu futuro ga-
rantido. Repete-se diuturnamente que jovens devem ser
educados, qualificados, formados, devem aprender um
novo ofício ou profissão como se essa fosse a salvação de
todos os problemas.
Entendemos que essas afirmativas parecem dizer o ób-
vio, no entanto não é tão fácil de ser analisada e, muito me-
nos, aceita como uma verdade inconteste. A necessidade
da profissionalização é um destes “totalitarismos” que es-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
238 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

magam a mais entusiástica voz que a ela se oponha. Pode-


mos indagar que elementos, interesses e concepções de so-
ciedade escondem-se por detrás da profissionalização, que
lhe dá este vigor para suplantar inclusive modelos históri-
cos, econômicos e sociais? Para compreender é necessária
uma inserção histórica, no sentido como a questão tem sido
posta no tempo e no espaço.
A profissionalização tem sua origem nas Corporações
de Ofício, nas quais crianças e adolescentes eram coloca-
dos em contato com o “mundo do trabalho” por meio da
aprendizagem, ou seja, a constante observação e o acom-
panhamento do trabalho dos pais era o modo de aquisi-
ção do conhecimento. Na fase adulta, os então aprendizes
transformavam-se em profissionais. Esse modelo propor-
cionava a reprodução das classes sociais com base na
predeterminação profissional conforme a tradição famili-
ar. Assim, as aptidões, os interesses e os potenciais ineren-
tes à personalidade de cada criança eram suplantados em
detrimento de um valor superior da coletividade: a repro-
dução do modelo econômico social.
A reprodução da estrutura social corporativamente rígi-
da era mantida através da profissionalização, desenvolvi-
da especificamente conforme a classe social do aprendiz.
Eram as Corporações de Ofício, detentoras do poder políti-
co, que garantiam a inserção das crianças na aprendizagem
desde muito pequeninas, para iniciar o relacionamento com
as técnicas e procedimentos de sua futura atividade. Dessa
forma, era substituída a formação humanística em detrimen-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
239

to do aprendizado exclusivo de técnicas que possibilitari-


am, apenas, o correto e adequado exercício de uma ativida-
de futura. A aprendizagem servia para a continuidade das
desigualdades econômicas, sociais e culturais e para cres-
cente desumanização do homem. Situação que todos indis-
tintamente estavam sujeitos.
Com a formação do Estado moderno e a concentração
do monopólio da força política, esse novo modelo toma para
si a atribuição de definir a atuação de cada classe social e o
espaço a ser ocupado na produção, distribuição e consumo
das riquezas. Assim, a vontade do soberano garantia a rigi-
dez da escala social. A tradição familiar e as condições obje-
tivas de subsistência constituíam o fator determinante de
quem seria nobre, guerreiro, sacerdote ou comerciante. A
partir daí a própria estrutura tratava de educar (profissiona-
lizar) o indivíduo para o exercício de sua função.
Com o advento da Revolução Industrial e o conseqüente
fortalecimento da burguesia, a profissionalização se sujeita
às características do novo modelo industrial. As especifici-
dades de cada máquina e a necessidade de controle e manu-
seio das mesmas passam a estabelecer o conhecimento váli-
do a ser distribuído aos homens. Os interesses do capitalis-
mo industrial definem o modelo de profissionalização a ser
empreendido, executando-o através de precário treinamen-
to para adultos e crianças em suas próprias fábricas, resul-
tando numa valorização social do conhecimento conexo a
profissionalização dos trabalhadores, isto é, o indivíduo deve
saber o necessário para a execução do trabalho nas fábricas.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
240 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

O ser humano busca o conhecer. Ocupar as massas com


conhecimentos técnicos ou meros procedimentos é uma for-
ma de apaziguar os ânimos, impedir o auto-conhecimento
humano, dificultar a conscientização política era reproduzir
a necessária alienação. A profissionalização torna-se adequa-
da como meio de alienação e controle, fundamentais para a
exploração capitalista industrial que se constituía.
Do acirramento das relações entre capital e trabalho emer-
ge o chamado Estado do Bem Estar Social. O avanço do Es-
tado nas relações privadas pretendia a proteção do cidadão
garantindo-lhe o atendimento a suas necessidades básicas.
Juntamente com os Direitos Sociais, o Estado diante da nova
ordem estabelece, também, como sua atribuição a garantia
da profissionalização em parceria com as indústrias. O en-
tendimento consistia em garantir a subsistência do indiví-
duo que, inexoravelmente, teria que se sujeitar ao “mundo
do trabalho”. Proporcionar a aquisição de conhecimentos
específicos era a forma de facilitar o acesso aos espaços pro-
dutivos. É com base nestes princípios que na década de 1940,
o Brasil institucionalizou a aprendizagem aos adolescentes.
Com a instituição da aprendizagem o Estado passou a
investir, seus limitados recursos, também, na profissionali-
zação, atendendo sobremaneira aos interesses dos detento-
res do capital, que passam a dispor de uma mão-de-obra
qualificada, sem precisar fazer investimentos próprios. Esta
postura entra em contradição com os próprios princípios
do Welfare State, pois destina-se recursos oriundos de im-
postos de toda população, para uma atividade - a profissio-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
241

nalização - que, em suma, apenas proporciona o aumento


de lucros de uma pequena classe social, prejudicando o aten-
dimento em outras áreas de interesse público como educa-
ção e saúde.
É neste contexto que surge o modelo de aprendizagem a
ser aplicado aos jovens, já que desde sua origem no Brasil
seu propósito sempre foi muito claro: a domesticação dos
filhos do operariado.

8.2 Considerações conceituais

Pensar a questão da profissionalização do adolescente


importa, inicialmente, em definir e precisar o âmbito de
abrangência de seus conceitos. O Brasil, assim como a mai-
oria dos países do mundo, adotou o critério etário para a
caracterização jurídica das etapas de desenvolvimento hu-
mano.
Para a adequada compreensão do objeto principal desta
análise é necessária a precisa definição da profissionaliza-
ção. Para tanto classificaremos a expressão visando à cons-
trução de um conceito, destacando suas características prin-
cipais.
A doutrina apresenta divergências na classificação das
formas, procedimentos ou modalidades que colocam o ado-
lescente em contato com o “mundo do trabalho”. Contudo,
inicialmente podemos definir que a relação entre o adoles-
cente e o trabalho constitui-se de duas maneiras: a primeira
através da profissionalização, ou seja, através da prepara-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
242 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

ção para a inserção em determinado trabalho, profissão ou


atividade econômica; a segunda por meio da efetiva inser-
ção na atividade laboral produtiva, nos limites estabeleci-
dos na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do
Adolescente e na Consolidação das Leis do Trabalho. Neste
capítulo, nos interessa exclusivamente a profissionalização
e suas modalidades.
A profissionalização é uma garantia constitucional que têm
amplo espaço de abrangência e compreende diversas moda-
lidades previstas na legislação ordinária em vigor. Assim, o
Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8.069/90: prevê a
aprendizagem, o trabalho educativo e a capacitação profis-
sional; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9.394/
96 traz a figura da educação profissional e o ensino técnico.
Todas estas modalidades têm suas peculiaridades específi-
cas que visam, efetivamente, implementar o princípio da
profissionalização. Neste sentido entendemos a profissio-
nalização como gênero composto por determinadas espéci-
es que se diferenciam entre si pela metodologia aplicada,
os objetivos que pretende atingir, a adequação a realidade
dos atores envolvidos e o momento histórico de sua execu-
ção. Assim, esquematicamente, temos a profissionalização
como categoria ampla que envolve variadas modalidades
específicas que a torna efetiva. O gênero profissionalização
exprime um princípio com finalidade determinada que é o
acesso ao mundo produtivo do trabalho. Algumas espécies
de profissionalização atendem de maneira mais completa
as finalidades desta garantia. Entretanto, cada uma tem suas
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
243

características próprias e adequadas à realidade e ao mo-


mento histórico de sua execução. Nesta obra serão
aprofundados os estudos em torno de três categorias
conceituais importantes: a capacitação profissional, a apren-
dizagem e o trabalho educativo.

8.3 A capacitação profissional do adolescente

A capacitação profissional é uma dimensão específica da


profissionalização. Na verdade, os conceitos das espécies
de profissionalização são análogos, ou seja, têm em comum
ponto de semelhança já que todos pretendem atingir a efe-
tiva profissionalização.

8.3.1 A construção de um conceito de capacitação


profissional

A definição de certos limites conceituais acerca da


capacitação profissional pode ser estabelecida a partir da
análise dos termos baseado no conceito de “capacidade pro-
fissional” de José Cretella Junior, que a considera como “o
conjunto de conhecimentos necessários e suficientes para
que alguém seja julgado apto à prática de alguma profis-
são, pública ou privada”.181
Inicialmente, compreende-se que capacidade é uma ap-
tidão, uma qualidade que a pessoa tem de satisfazer um

181
CRETELLA JR. José. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, v. 1,
1993. p. 281.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
244 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

fim, ou ainda, o volume que preenche o interior de um cor-


po. A capacitação entendida como aptidão seria o processo
de absorção de conhecimentos mínimos e necessários para
que o sujeito esteja apto a desenvolver uma atividade. Sob
tal perspectiva a capacitação profissional seria o processo
que proporcionaria a aptidão para o desenvolvimento de
determinada atividade laboral. Portanto, a finalidade da
capacitação profissional está intimamente vinculada à apti-
dão inicial para o exercício de atividade que proporcione
geração de trabalho ou renda.
Pode ser compreendida, também, como o volume de co-
nhecimentos que se adquire visando o desenvolvimento de
determinado tipo de trabalho. Estes conhecimentos não são
quaisquer tipos de saber, mas sim técnicas e procedimentos
ensinados sistematicamente visando o exercício de deter-
minado trabalho.
A capacitação profissional pode ser entendida, ainda, em
dois sentidos: um lato e outro estrito. A capacitação lato
sensu, seria a aquisição de conhecimentos básicos para o
exercício de qualquer atividade profissional. Esta aquisição
inicia desde os primeiros anos de vida, fortalece-se com a
escola, a TV, a família, enfim todos os meios de ensino e
aprendizagem. Aqui a capacitação profissional faz parte do
processo educativo da criança, do adolescente e do adulto
em toda sua complexidade e abrangência.
Em stricto sensu, a capacitação profissional consiste na
aquisição de conhecimentos técnicos específicos adquiridos
através de cursos ou programas voltados à profissionaliza-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
245

ção com as finalidades de proporcionar a geração de renda


ou acesso ao mercado de trabalho. A capacitação visa pos-
sibilitar um primeiro contato com conhecimentos técnicos e
procedimentais visando transformar os sujeitos sem prepa-
ração ou formação profissional e escolar em mão-de-obra
capaz de integrar o mercado produtivo.

8.3.2 Algumas reflexões sobre a capacitação


profissional

Há alguns aspectos característicos da capacitação profis-


sional que a diferencia das demais espécies de profissiona-
lização. São estes elementos que estabelecem os limites ide-
ais para a implementação de programas/projetos de
capacitação profissional. Os elementos destacados a seguir
não estão expressamente previstos no ordenamento jurídi-
co, não são obrigatórios, mas se constituem no resultado da
acumulação histórica das experiências desenvolvidas sobre
a questão e por isso devem ser considerados.
Normalmente, no Brasil, a capacitação profissional é tra-
tada como uma medida emergencial destinada a atender
uma população em estado de precariedade econômica e que
tem seu acesso restrito às condições mínimas de subsistên-
cia e a fontes de geração de renda, devido a um mercado de
trabalho competitivo e limitado. É neste sentido uma ação
política compensatória, ou de integração, que se desenvol-
ve em um modelo de Estado que proporciona efetivas pos-
sibilidades de inclusão social e de inserção do sujeito na
esfera da vida cidadã.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
246 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

A ausência das políticas públicas básicas por parte do


Estado, exige que este mesmo Estado estabeleça medidas
ou ações compensatórias, no intuito de garantir um míni-
mo de capacidade de integração ao denominado mercado
capitalista. Este tipo de ação, de caráter meramente assis-
tencialista, oculta a incapacidade política de integração so-
cial da população neste mercado capitalista globalizado.
Contudo, o acesso de todos a esta inserção é limitado pelas
condições próprias do capitalismo dominante em conseqü-
ência do desemprego conjuntural, estrutural e tecnológico.
A manutenção destas expectativas de capacitação como es-
tratégia de inserção consolida uma forma particular de con-
trole social de uma população excluída historicamente para
que diante da situação de exclusão não provoque um pro-
cesso instabilidade social.
O discurso da competitividade, que mitifica a exclusão,
legitimando a reprodução e a desigualdade de classes no
Brasil. No mercado capitalista não há espaço para todos.
Neste contexto, os programas e projetos de capacitação pro-
fissional perdem seus referenciais, pois não apresentam
condições efetivas de inserção social por uma questão es-
trutural do sistema.
No entanto, mesmo assim as propostas de capacitação
profissional tradicionalmente realizadas no Brasil, insistem
na possibilidade de consolidarem-se como estratégias que
forneçam condições semelhantes para competir.
Por outro lado, estas medidas compensatórias têm sido
pautadas pelo princípio da emergencialidade, ou seja, na
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
247

necessidade urgente de atendimento de uma significativa


população em situação de risco pessoal e social. Não se deve
desconsiderar a importância das medidas compensatórias
e emergenciais, já que as mesmas são necessárias como
mecanismos de inclusão e pelas características de formação
do Estado brasileiro, mas a política de estado não pode ser
resumida apenas a este tipo de ação. Ainda nos dias atuais
o discurso e a prática da profissionalização adolescente con-
tinua a ser mais abrangente do que a preocupação com a
geração de emprego e renda para os adultos.
Em relação ao tema, é de se destacar que as experiências
de capacitação profissional estão cada vez mais atentas à
questão da acessibilidade, qual seja: sua realização das ativi-
dades de profissionalização diretamente nas próprias comu-
nidades. A realização de cursos e programas comunitários
locais facilita a participação, fortalece as ações, suprimindo a
dificuldades como deslocamento e transporte, eliminando
despesas consideráveis, que normalmente são colocadas
como um obstáculo à participação da população mais exclu-
ída em outras modalidades de profissionalização.
Da mesma forma, o desenvolvimento dos cursos nas pró-
prias comunidades traz aspectos inovadores e essenciais: a
integração, a organização e a participação comunitária. O
local de realização dos cursos de capacitação, geralmente
centros comunitários ou espaços próprios do município,
estabelece um locus privilegiado que proporciona a partici-
pação mais efetiva na decisão dos problemas locais e na
organização, de maneira a constituir uma instância legíti-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
248 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

ma, com o poder de exigência ao poder público do atendi-


mento as reais necessidades daquela comunidade. É neste
sentido que a capacitação profissional pode ser constituída
como elemento integrante e formador da cidadania.
Outro aspecto a ser ressaltado é a liberdade procedimen-
tal dos cursos de capacitação profissional. Esta liberdade
procedimental é o que garante a execução de projetos ade-
quados à realidade comunitária, respeitando-se as peculia-
ridades locais, fazendo-se que se desenvolvam atividades
conexas ao perfil de cada comunidade, que deve ser cons-
tatado através de estudos e diagnósticos prévios, proporci-
onando a constante avaliação dos projetos, bem como, a
adaptação sistemática as rápidas transformações produti-
vas do mercado. Nesse sentido, na visão de Oris de Oliveira,
seria mais adequada a “formação de base polivalente que
propicie maior versatilidade para passar do exercício de um
ofício para outro, sobretudo nas épocas de crise e desem-
prego. O bom senso exige que qualquer implantação de um
programa de profissionalização seja precedida de um estu-
do sobre as condições do mercado de absorver a mão-de-
obra qualificada que dele sairá.182
A capacitação profissional do adolescente é uma espécie
de garantia mínima que o poder público deve garantir ao
cidadão, contudo a implementação de projetos nesta área
deve observar alguns cuidados como, o respeito às diretri-
zes gerais do ordenamento jurídico e, principalmente, aos
182
OLIVEIRA, Oris. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - Comentários Jurídicos
e Sociais. Coord. Munir Cury, Antônio Fernando do Amaral e Silva e Emílio Garcia Mendez. São
Paulo: Malheiros, s. d., p. 204.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
249

princípios da Doutrina da Proteção Integral, normatizados


no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Portanto, através do reconhecimento do adolescente
como sujeito de direitos e, que a profissionalização é um
direito subjetivo em virtude da garantia da proteção inte-
gral, a análise a seguir será direcionada na verificação da
real garantia destes direitos na legislação.

8.4 Aspectos legais da capacitação profissional do


adolescente

A capacitação profissional do adolescente tem gênese em


diversos institutos normativos e, portando, este item está
voltado à análise sistemática das previsões legais, conside-
rando, as Convenções e Recomendações internacionais, a
Constituição Federal, assim, como a legislação infraconstitu-
cional de modo a localizar e constituir o objeto jurídico em
questão. Para uma melhor sistematização foram mantidas
algumas referências do direito brasileiro, já analisadas ante-
riormente visando proporcionar maior clareza ao texto.

8.4.1 A capacitação profissional no direito


internacional

Assim, como na questão da idade mínima para o traba-


lho, é a Organização Internacional do Trabalho que estabe-
lece através de Convenções e Recomendações as diretrizes
para a profissionalização no âmbito internacional. Além da
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
250 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

capacitação profissional, também são utilizados nos diplo-


mas internacionais os termos: orientação profissional, for-
mação profissional e aprendizagem.
Diversas Recomendações conexas aos princípios da
capacitação profissional foram emitidas pela Organização
Internacional do Trabalho.183 Entretanto, como é caracterís-
tico de uma recomendação não gerar obrigatoriedade no
cumprimento de suas normas, fixando apenas diretrizes
políticas para os seus países-membros, esta análise será con-
centrada nas Convenções ratificadas pelo Brasil e na Reco-
mendação no 150, considerada mais importante para este
estudo.
A primeira convenção internacional a tratar especifica-
mente sobre capacitação profissional foi adotada em 1936,
sob o número 82, e versava sobre a capacidade profissional
mínima para os capitães e oficiais da Marinha Mercante. A
matéria somente foi entrar em pauta novamente na Organi-
zação Internacional do Trabalho em 1948 com a organiza-
ção do serviço de emprego, firmado na Convenção 88 de
São Francisco. Já em 1958 foi editada a Convenção no 111
sobre a discriminação em matéria de emprego e profissão.

183
Sobre o tema foram elaboradas as seguintes Recomendações: 1921 - no 15 - Desenvolvi-
mento do ensino técnico na agricultura, 1935 - no 45 - Desemprego de menores, 1937 - no 56 -
Ensino profissional para a construção de edifícios, 1939 - no 57 - Formação profissional e n o 60
- Aprendizagem, 1946 - no 77 - Organização da formação profissional para o serviço do mar,
1949 - no 87 - Orientação profissional, 1956 - n o 101 - Formação profissional na agricultura e no
102 - Serviços sociais para os trabalhadores, 1958 - no 111 - Discriminação em matéria de
emprego e ocupação, 1962 - no 117 - Formação profissional, 1964 - no 122 - Política de emprego,
1966 - no 126 - Formação profissional de pescadores, 1970 - no 136 - Programas especiais de
emprego e de formação de juventude e sua participação no desenvolvimento e no 137 - Forma-
ção profissional de tripulantes marítimos, 1975 - n o 150 - Orientação profissional e formação
profissional no desenvolvimento de recursos humanos.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
251

Matéria abordada, também, na Convenção 117, de 1962, que


estabelecia os objetivos e as normas da política social.
No interesse de incentivar as nações do mundo a alcan-
çarem o pleno emprego e a elevação dos níveis de vida, em
1964 a Conferência Geral da Organização Internacional do
Trabalho, em sua 48a sessão, adota a Convenção no 122, fi-
xando diretrizes para a política de emprego mediante a ga-
rantia de acesso à população de qualificações necessárias
para ocupar um emprego conveniente.
Em 1966, a Convenção no 125 adotou normas suplemen-
tares a Convenção sobre capacidade profissional mínima
para capitães e oficiais da Marinha Mercante (1936), defi-
nindo critérios para a emissão de certificados de capacida-
de dos pescadores.
Por fim, no ano de 1975 são formuladas a Convenção no
142 e a Recomendação no 150 que tratam da orientação pro-
fissional e formação profissional no desenvolvimento de
recursos humanos.
A Conferência da Organização Internacional do Traba-
lho, reunida em 6 de outubro de 1936, resolveu adotar di-
versas proposições relativas ao estabelecimento, por cada
um dos países marítimos, de um mínimo de capacidade
profissional dos oficiais da marinha mercante através da
Convenção no 53 que entrou em vigor no âmbito internaci-
onal em 29 de março de 1937, tendo o Brasil depositado o
instrumento de ratificação a 12 de outubro de 1938.
Este é o marco inicial mais importante da concepção acer-
ca do discurso sobre a capacitação profissional. O art. 3 pre-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
252 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

via que ninguém poderia ser contratado para exercer a fun-


ção de oficial da marinha mercante sem possuir certificado
probatório de sua capacidade para o exercício daquelas fun-
ções. Percebe-se que a preocupação não está voltada somente
para o aprimoramento dos conhecimentos individuais da-
queles trabalhadores, mas principalmente para a elevação
do nível profissional da atividade sob o controle da autori-
dade pública do território em que o navio estivesse matri-
culado.
É nesse sentido que o art. 4o determina que ninguém re-
ceberia certificado de capacidade se não atendesse os re-
quisitos fixados em suas alíneas a, b e c. A alínea “a” requer
o alcance da idade mínima exigida, para o exercício da fun-
ção. Isso porque a própria Organização Internacional do
Trabalho já havia adotado, em 1920, a Convenção de no 7
que estabelecia a idade mínima em 14 anos para a admis-
são no trabalho marítimo.
O segundo requisito para a aquisição de capacidade pro-
fissional era a experiência profissional que deveria alcançar
um mínimo exigido para a aquisição do certificado, fican-
do a cargo de cada país estabelecer quais eram as experiên-
cias profissionais mínimas.
A alínea “c”, vinculava a capacidade profissional a apro-
vação em exames organizados e fiscalizados pelas autori-
dades competentes, visando comprovar a aptidão necessá-
ria para o exercício da função.
Essas diretrizes servem, inicialmente, para fixação de três
aspectos a serem considerados na execução de projetos de
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
253

capacitação profissional de adolescentes. Nesse sentido


deve-se observar o limite de idade mínima para o trabalho,
ou seja, é adequado que somente os adolescentes a partir
de 14 anos sejam submetidos as atividades de capacitação
profissional. Da mesma forma, deve ser considerada a im-
portância da escolaridade, seja a permanência do adoles-
cente na escola ou a reintegração aos bancos escolares da-
queles que não tiveram acesso ou foram vítimas da evasão.
E também, a realização de exames, não só para avaliar o
conhecimento profissional adquirido pelo adolescente, mas
verificar a adequação dos projetos as necessidades do mer-
cado de trabalho.
Em 1946, a Organização Internacional do Trabalho ado-
ta a Declaração de Filadélfia, que destaca entre seus fins e
objetivos a busca efetiva pela justiça social, afirmando que
todos os seres humanos, sejam qual for sua raça, credo ou
sexo, têm direito ao progresso material e desenvolvimento
espiritual em liberdade e dignidade, em segurança econô-
mica e com oportunidades iguais. No mesmo caminho des-
te alvorecer humanitário do pós-guerra é que em 1948 é
editada pela Organização das Nações Unidas, com o voto
de 46 países, incluso o Brasil, a Declaração Universal dos
Direitos do Homem.
Visando o efetivo comprimento das diretrizes afirmadas
nestas declarações a Organização Internacional do Traba-
lho, em 1948, decidiu adotar diversas disposições relativas
organização do serviço de emprego através da convenção
no 88, realizada na cidade americana de São Francisco. Esta
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
254 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

convenção entrou em vigor no âmbito internacional em 27


de fevereiro de 1951, sendo aprovada pelo Congresso Naci-
onal brasileiro em maio de 1956, através do Decreto Legis-
lativo no 24, depositando os instrumentos de ratificação junto
a OIT em 25 de abril de 1957.
A Convenção no 88 estabelece em seu art. 6o que o serviço
de emprego deve ser organizado de maneira a assegurar a
eficácia de recrutamento e da colocação de trabalhadores,
mediante o registro de pretendentes a empregos, a anota-
ção de suas qualidades profissionais, ajudando-os a obter,
caso necessário, orientação, formação ou readaptação pro-
fissional. No mesmo sentido, o art. 8o, garante a adoção de
medidas especiais visando os adolescentes na integração
desses no quadro de serviços e empregos e de orientação
profissional.
Assim, a referida convenção proporcionará a estrutura-
ção, no Brasil, do Serviço Nacional de Emprego (SINE), que
passou a formular iniciativas próprias e características vi-
sando não só o encaminhamento ao mercado de trabalho,
mas também, a formação e a capacitação profissionais de
adultos e adolescentes. Atendendo, inclusive, aqueles que
se encontram em situação de desemprego.
Outra importante Convenção, que irá através dos anos
refletir nos ordenamentos jurídicos dos países-membros da
OIT, é a de número 111, que trata da discriminação em
matéria de emprego e profissão, que entrou em vigor, no
âmbito internacional em 15 de junho de 1960 e, após ter sido
aprovada pelo Congresso Nacional em 1964, possibilitou
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
255

que o Brasil depositasse o instrumento de ratificação em 26


de novembro de 1965.
No intuito de garantir os direitos humanos fundamen-
tais, o art. 1o, “a”, o direito internacional optou por vetar:
“toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça,
cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou
origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igual-
dade de oportunidade ou de tratamento em matéria de
emprego ou profissão.”
Da mesma forma pretende garantir, em sua alínea “b”, o
direito de igualdade de acesso, proibindo: “qualquer dis-
tinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito des-
truir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamen-
to em matéria de emprego ou profissão...”
Entretanto, o item 2, fixa que: “as distinções, exclusões
ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um
determinado emprego não são consideradas como discri-
minação”. Esta foi uma forma de se garantir o acesso a pro-
fissões mais especializadas, somente àqueles que suprissem
os requisitos mínimos de qualificação obtidos através do
sistema educacional de cada país. Este princípio, posterior-
mente, difundiu-se pelos ordenamentos jurídicos que ao
garantirem a liberdade de trabalho, ofício ou profissão res-
salvavam o requisito da capacitação profissional adequada
ao mercado de trabalho.
No mesmo momento, houve a preocupação da definição
de políticas para a redução das desigualdades no acesso a
capacitação profissional, com vistas a implementar o direi-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
256 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

to à igualdade. O art. 2o, da Convenção no 111 estabelece


que: “qualquer membro para o qual a presente convenção
de encontre em vigor compromete-se a formular e aplicar
uma política nacional que tenha por fim promover, por
métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais,
a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria
de emprego e profissão, com o objetivo de eliminar toda
discriminação nessa matéria”.
Portanto, a capacitação ou a qualificação profissional
pretende ser o mecanismo adequado para promover a re-
dução das diferenças e discriminações relativas ao trabalho
e emprego, proporcionando, assim, a acesso de todos ao
tipo de profissão mais recomendado conforme suas apti-
dões pessoais.
No ano de 1964, entrou em vigor a Convenção no 117,
sendo que o Brasil depositou seus instrumentos de ratifica-
ção apenas em 24 de março de 1969. A referida convenção
definia os objetivos e normas da política social. Na sua par-
te V, firmou como um dos fins da política social a supres-
são de qualquer discriminação em oportunidades de for-
mação profissional.
A Convenção no 117 trouxe um importante marco teóri-
co para a capacitação profissional do adolescente, já que
destinou sua parte VI à educação e formação profissional.
Determina o art. XV: “serão tomadas as disposições ade-
quadas, na medida em que o permitam as circunstâncias
locais, a fim de desenvolver progressivamente um amplo
programa de educação, de formação profissional e de apren-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
257

dizado, de modo a preparar eficazmente as crianças e os


adolescentes de ambos os sexos para ocupações úteis”.
Cumpre salientar que a formação profissional foi previs-
ta não só para os adolescentes, mas também, para as crian-
ças. A diretriz internacional deve ser adotada com ressal-
vas, sendo considerada válida sua pretensão mediante o
respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimen-
to físico e intelectual que é a criança.
Nesse sentido, o item 2, da citada convenção ao determi-
na que: “as leis e os regulamentos nacionais fixarão a idade
de término do período de escolaridade, bem como a idade
mínima e as condições de emprego”. Estes limites já foram
objeto de análise no estudo das Convenções no 138 e 182 da
Organização Internacional do Trabalho.
O art. XVI, item 2, é o referencial da distribuição de com-
petência na definição de políticas públicas para o trabalho e
emprego, que hoje no Brasil, dispõe de legislação própria,
inclusive com fundos e conselhos específicos para a ques-
tão. O texto internacional originário fixava que: “as autori-
dades competentes se encarregarão da organização ou do
controle de tal formação profissional, após consultarem as
organizações de empregadores e empregados do país de
onde provêm os candidatos e do país onde se realiza a for-
mação em apreço”.
A partir da constituição de uma série de convenções re-
lacionadas ao emprego, a Organização Internacional do tra-
balho adotou a Convenção no 122 unificando, num instru-
mento apenas, a política de emprego. A principal garantia
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
258 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

procurava garantir que, conforme o Art. 1, item 2, alínea


“c”: “haja livre escolha de emprego e que cada trabalhador
tenha todas as possibilidades de adquirir qualificações ne-
cessárias para ocupar um emprego que lhe convier e de uti-
lizar, neste emprego, suas qualificações, assim como seus
dons, qualquer que seja sua raça, cor, sexo, religião, opi-
nião política, ascendência nacional ou origem social.”
Com a formulação da Convenção no 125 sobre os Certifi-
cados de Capacidade para os pescadores estabeleceu-se um
outro princípio básico e necessário da capacitação profissi-
onal em todas as áreas, ou seja, a garantia da emissão de
certificados comprobatórios da participação em cursos pro-
fissionalizantes.
Entretanto é a Convenção no 142, ratificada pelo Brasil
por meio do Decreto Legislativo no 46, de 23 de setembro de
1981, o marco mais importante referente à profissionaliza-
ção, pois definiu especificamente diretrizes para a orienta-
ção e formação profissional no desenvolvimento de recur-
sos humanos.
É nesse momento que os países signatários da Organiza-
ção Internacional do Trabalho assumem o compromisso
internacional de adotar e desenvolver políticas e progra-
mas coordenados e abrangentes de orientação profissional
e de formação profissional, estreitamente ligado ao empre-
go. O art. 1o, item 2, destaca que na execução dessas políti-
cas devem ser considerados: “a) as necessidades de empre-
go, oportunidades e programas em âmbito regional, b) o
estágio e o nível de desenvolvimento econômico, social e
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
259

cultural, c) o relacionamento recíproco entre o desenvolvi-


mento de recursos humanos e outros objetivos econômicos,
sociais e culturais.”
Reafirma, também, que os sistemas devem ser abertos,
flexíveis e complementares de educação vocacional, técni-
ca e geral, de orientação profissional e educacional e de for-
mação profissional conexas ou não ao sistema de educação
formal. Possibilitou, dessa forma, a compreensão da
capacitação profissional lato sensu e stricto sensu, ou seja, a
execução de capacitação envolvendo todos os meios de en-
sino e aprendizagem e, também, a capacitação profissional
destinada especificamente para a execução de determinada
atividade, ensinada através de cursos dissociados do ensi-
no formal.
Outro aspecto a ser salientado, é a garantia de informa-
ção à população sobre os seus direitos e deveres referentes
às leis trabalhistas e acordos coletivos estarem conexos com
os conteúdos de capacitação profissional, que efetivamen-
te, seriam muito mais apropriados se estivessem inseridos
no currículo comum do ensino fundamental.
Como é característico de toda convenção ter uma reco-
mendação que lhe acompanhe, será analisada a seguir a
Recomendação no 150, emitida conjuntamente com a Con-
venção no 142, que também trata da orientação e formação
profissional.
No mês de outubro do ano de 1975 foi apresentado um
documento provisório para a apreciação na Reunião Con-
junta da Organização Internacional do Trabalho e da
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
260 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

UNESCO sobre a recomendação no 150 que, a partir das dis-


cussões elaboradas nesta reunião tomou forma definitiva.
Nesse sentido, o Departamento Nacional do Serviço Nacio-
nal da Indústria elaborou o documento de no 3 que estabe-
lece as idéias básicas sobre a formação e a orientação profis-
sional recomendadas pela Organização Internacional do
Trabalho. É com base neste documento que será analisada
a capacitação profissional a partir das diretrizes da forma-
ção profissional, bem como, os princípios da orientação,
visando integrar o conteúdo da profissionalização.
No âmbito das Disposições Gerais da referida Recomen-
dação é estabelecido em seu item 1, o princípio de aplicação
geral, ou seja, é direcionada sua aplicação tanto a jovens
como para os adultos e em todos os ramos de atividade eco-
nômica.
Para a Organização Internacional do Trabalho os termos
orientação e formação profissional têm o objetivo de: “des-
cobrir e desenvolver as aptidões humanas para o trabalho e
que, em união com as diferentes formas de educação, tem
também por objeto desenvolver as aptidões individuais e
coletivas para compreender e dominar o ambiente de tra-
balho e o meio social.”
Esta disposição destaca o fundamento segundo o qual
deve se desenvolver todo projeto de orientação e capacitação
profissional que é a articulação das diferentes formas de
educação, ou seja, a integração da educação escolar com os
conteúdos técnicos e indispensáveis ao exercício de uma
profissão ou atividade econômica.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
261

O segundo aspecto a ser destacado é a intenção interna-


cional do desenvolvimento de aptidões, não só individu-
ais, mas também as coletivas visando dominar o ambiente
de trabalho e o meio social, através da compreensão. Este
aspecto deve ser efetivamente observado pelos formulado-
res e aplicadores dos projetos de profissionalização de ado-
lescentes, já que habitualmente o que ocorre é o inverso, ou
seja, a dominação e o controle do sujeito pelo ambiente de
trabalho e, também, pelo meio social a partir da manuten-
ção e reprodução da ignorância quanto aos direitos básicos
e fundamentais do homem. A aplicação prática desta dis-
posição no cotidiano dos participantes de cursos de
capacitação é o que proporcionará a construção da autono-
mia dos sujeitos do meio de opressão resultantes do cres-
cente processo de exclusão social.
É recomendado aos países-membros a adoção de políti-
cas e programas completos e coordenados estabelecendo
uma relação entre os projetos e a oferta de emprego, através
dos serviços públicos. Portanto, estabelece-se a necessidade
prévia de pesquisa e diagnóstico com o objetivo de verifi-
car quais as áreas oferecem oportunidades de emprego e, a
partir daí, elaborar os conteúdos programáticos visando a
capacitação dos sujeitos para a futura integração no espaço
produtivo em questão. Contudo, destaca-se como um dos
pontos essenciais verificar se aqueles espaços produtivos
são adequados a condição peculiar de pessoa em desenvol-
vimento de que dispõe o adolescente.
A Organização Internacional do Trabalho recomenda que
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
262 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

as políticas e os programas deveriam: “animar e ajudar to-


das as pessoas, sobre uma base de igualdade e sem discri-
minação alguma, a desenvolver e utilizar suas aptidões para
o trabalho em seu próprio interesse e de acordo com suas
aspirações.” Neste sentido deve ser considerado o avanço
tecnológico, a superação da exclusão digital e do acesso aos
meios de informação.
Atenta ao tema, a Organização Internacional do Traba-
lho destaca que seus países-membros deveriam: “assegu-
rar o acesso ao emprego produtivo, incluindo o trabalho
independente, que corresponda às aptidões e aspirações
pessoais do trabalhador e facilitar ao mesmo tempo a mobi-
lidade no mercado de empregos.”
Devem, portanto, as propostas de capacitação profissio-
nal serem geradoras de oportunidades capazes de promo-
ver a efetiva inserção social e ao mesmo tempo garantir a
ampliação do desenvolvimento das capacidades e habili-
dades profissionais.

8.4.2 A capacitação profissional no direito brasileiro

A compreensão da capacitação profissional no direito


brasileiro envolve a análise do direito constitucional que
enseja a compreensão de dois aspectos fundamentais: a li-
berdade de exercício de trabalho ofício e profissão e o direi-
to à profissionalização.
A busca da natureza jurídica da capacitação profissional
comporta a análise da evolução histórica da liberdade de
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
263

exercício de trabalho, ofício e profissão. A gênese desse ins-


tituto encontra-se já na primeira constituição brasileira. Em
1824, o art. 179, XXIV, da Constituição Política do Império
determinava que: “nenhum gênero de trabalho, de cultura,
indústria ou comércio pode ser proibido, uma vez que não
se oponha aos costumes públicos, á segurança, e saúde dos
Cidadãos”.
Em 1891, a Constituição Republicana, por sua vez, trou-
xe inovação ao trato da matéria, reflexo dos pensamentos
positivistas, vigentes. Segundo Pontes de Miranda, “o Apos-
tolado Positivista do Brasil opunha, peremptoriamente: ‘a
República não admite privilégios filosóficos, científicos, ar-
tísticos, clínicos ou técnicos, sendo livre no Brasil o exercí-
cio de todas as profissões, independente de qualquer título
escolástico, acadêmico ou outro, seja de que natureza for’.”184
Assim, à época, a Constituição demarcou em seu artigo
72, § 24, que: “é garantindo o livre exercício de qualquer
profissão moral, intelectual e industrial”. Não se exigindo
qualquer pressuposto ou requisito legal.
Foi a partir da necessidade de se estabelecer pressupos-
tos, requisitos e condições para o exercício de profissão, que
em 1934, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, no
art. 113, no 13, determinou que: “é livre o exercício de qual-
quer profissão, observadas as condições de capacidade téc-
nica e outras que a lei estabelecer, ditados pelo interesse
público.”

184
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Borsoi, 3 ed.
1960. p 480.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
264 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

É com base neste princípio que se fundam os marcos ini-


ciais de exigências de capacitação profissional para o exer-
cício de emprego ou profissão, já que o legislador constitu-
inte passou a valorá-la enquanto elemento distintivo no aces-
so a algumas profissões. A distinção, com base na capaci-
dade técnica, tinha seu sentido estreitamente vinculado a
difusão de cursos de nível superior no país, e visava a re-
serva e destinação adequada, das profissões liberais, em
difusão naquele momento histórico.
A Constituição do Estado Novo, decretada em 10 de no-
vembro de 1937, pelo governo de Getúlio Vargas, em seu
art. 122, no 08, alterou a redação do texto anterior, mas pre-
servou seu conteúdo, assegurando aos brasileiros e estran-
geiros residentes no país o direito à liberdade, à segurança
individual e à propriedade, mediante: “a liberdade de es-
cola de profissão ou do gênero de trabalho, indústria ou
comércio, observadas as condições de capacidade e as res-
trições impostas pelo bem público, nos termos da lei.” Há
de se ressaltar que além das condições de capacidade, con-
cede-se, agora, o poder ao Estado, de restrição ao exercício
de atividades contrárias aos seus interesses, diga-se de pas-
sagem, notadamente fascistas.
Em 1946 foi promulgada a nova Constituição democráti-
ca que, igualmente, mantinha os princípios da previsão an-
terior. Entretanto, estabelece que, caberia à lei indicar quais
as condições de capacidade para o exercício de atividades
laborais. Nesse sentido, enuncia o art. 141, parágrafo 14; o
qual dispõe que: “é livre o exercício de qualquer profissão,
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
265

observadas as condições de capacidade que a lei estabele-


cer”; sendo que, esta mesma redação foi mantida pela Cons-
tituição de 1967, em seu art. 150, § 23, assim como na Emen-
da Constitucional no 1, de 1969, no art. 153, § 23.
A exigência de capacidade, para a ocupação de determi-
nadas profissões, não é mero critério excludente àqueles que
não possuíam os requisitos necessários, uma vez que, tal
norma apresenta, em seu anverso, um princípio muito im-
portante, qual seja, a necessidade de capacitação profissio-
nal dos cidadãos, visando possibilitar o livre acesso às pro-
fissões aspiradas, de acordo com as aptidões individuais.
Essas possibilidades de acesso poderiam ser proporcio-
nadas das mais variadas formas, seja pela educação formal,
seja por cursos específicos de capacitação ou, ainda, através
do instituto da aprendizagem previsto na Consolidação das
Leis do Trabalho. No entanto, a interpretação extensiva dada
ao princípio legal e a efetiva implementação prática não foi
genericamente adotada, encontrando-se, muito mais a car-
go do esforço e das condições sócio-econômicas individu-
ais a responsabilidade de escolha da profissão ou trabalho
almejado.
A Constituição Federal de 1988 não traz expressamente
a referência à capacitação profissional, já que a redação dos
dispositivos, até então, em análise, foram alterados. O art.
5o, XIII estabelece que: “é livre o exercício de qualquer tra-
balho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações pro-
fissionais que a lei estabelecer”. Como se pode perceber, a
Emenda Constitucional no 1, de 1969, utilizava o termo
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
266 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

capacitação, mas o legislador constituinte entendeu por bem


substituí-la por qualificação.
Nesse sentido, pode-se considerar que a interpretação
extensiva dada à capacitação profissional nas legislações
anteriores, entendendo-a, também, como um direito à pro-
fissionalização, que poderá ser exercido mediante a qualifi-
cação e capacitação profissional.
Contudo, existem divergências acerca do conteúdo de
tal dispositivo, já que pode ser considerado, segundo José
Afonso da Silva: “um simples direito individual, não aquilo
que a doutrina chama de liberdade de conteúdo social, pois
que ali não se garante o trabalho, nem tampouco as condi-
ções materiais para a investidura num ofício ou para a aqui-
sição de qualquer profissão.” 185 E ainda: “O dispositivo con-
fere liberdade de escolha de trabalho, de ofício e de profis-
são, de acordo com as propensões de cada pessoa e na me-
dida em que a sorte e o esforço próprio possam romper as
barreiras que se antepõem à maioria do povo.”186
Aspecto merecedor de destaque funda-se na fixação de
limites ao exercício de determinadas profissões, auferidas
pelo referido artigo, quando dispõe sobre a exigência do
atendimento às qualificações profissionais impostas em lei.
Garante, dessa forma, o exercício de profissões regulamen-
tadas apenas àqueles que atenderem os pressupostos legais
estabelecidos pela norma federal, ou seja, fixa a competên-

185
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 13. ed.,
1997. p. 249.
186
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 13. ed.,
1997. p. 249.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
267

cia privativa da União legislar sobre o exercício de profis-


sões, de acordo com o art. 22, XVI. No mesmo sentido ex-
plica José Cretella Júnior que no nosso país, é da competên-
cia da União, por meio de lei federal, estabelecer “as condi-
ções de capacidade para o exercício de profissões liberais, como
as profissões de médico, advogado, engenheiro, cirurgião
dentista. Entre essas condições, verdadeiro pressuposto para
o exercício, é o diploma expedido por estabelecimento de
ensino superior credenciado.”187
Por fim considera-se que, a capacitação profissional do
adolescente não encontra sua natureza jurídica no art. 5o,
XIII, por este ser um direito meramente individual (e não
um direito social) ou ainda por ser uma regra restritiva que
tem por escopo garantir o exercício de determinadas pro-
fissões àqueles que atenderem os requisitos legais ou já se
encontram em idade necessariamente produtiva.
É de se destacar que a profissionalização nem sempre foi
entendida como direito subjetivo do cidadão. A análise da
evolução constitucional indica que esta, em alguns momen-
tos, sequer foi considerada e, em outros era compreendida
como um dever do cidadão para com o Estado.
As constituições de 1824 e 1891 não fazem referências a
qualquer espécie de profissionalização, sendo que a única
menção acerca da formação dos jovens é direcionada para a
prestação de assistência do Estado quanto ao acesso às es-
colas e às condições mínimas de ensino primário.

187
CRETELLA JR. José. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, v. 1,
1993. p. 208.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
268 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

No mesmo sentido, a Constituição de 1934 preocupa-se


com o acesso ao ensino. Contudo, em seu art. 138 incumbe
concorrentemente à União, aos Estados e aos Municípios:
“a) assegurar amparo aos desvalidos, criando serviços es-
pecializados e animando os serviços sociais, cuja orienta-
ção procurarão coordenar; b) estimular a educação eugênica;
c) amparar a maternidade e a infância; d) socorrer às famí-
lias de prole numerosa; e) proteger a juventude contra toda
exploração, bem como contra o abandono físico, moral e
intelectual; [...]; g) cuidar da higiene mental e incentivar a
luta contra os venenos sociais.”
O texto apreciado não importa necessariamente na exe-
cução de qualquer prática de profissionalização, mas as in-
dicações possibilitaram a constituição de um sistema
assistencial à criança e ao adolescente, fundamentados tan-
to nas diretrizes internacionais, quanto no Código de Me-
nores adotado em 1927.
A Constituição do Estado Novo de 1937, ampliou as ga-
rantias para a assistência por parte do Estado em relação às
crianças e aos adolescentes. Previa o art. 127: “a infância e a
juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especi-
ais por parte do Estado, que tomará todas as medidas desti-
nadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã
e de harmonioso desenvolvimento de suas faculdades...”
Além da garantia de manutenção do direito a educação
primária, surge aqui a primeira referência a profissionali-
zação, considerando-a como dever prioritário do Estado,
sendo destinada às classes menos desfavorecidas e imple-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
269

mentada através de instituto do ensino profissionalizante


e, subsidiando, inclusive às iniciativas individuais e de as-
sociações particulares e profissionais. Esta é a previsão do
art. 129: “[...]O ensino pré-vocacional e profissional desti-
nado às classes menos favorecidas é, em matéria de educa-
ção, o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução
a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e
subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e
dos indivíduos ou associações particulares ou profissionais.
É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar,
na esfera de sua especialidade, escolas de aprendizes, des-
tinadas aos filhos de seus operários ou de seus associa-
dos[...]”
Este modelo de assistência e profissionalização é o exe-
cutado rotineiramente nos dias de hoje, mesmo diante das
diversas transformações legais acerca da matéria. A profis-
sionalização, a contrário sensu, do princípio de igualdade no
tratamento de crianças e adolescentes garantidos na atual
constituição, ainda se destina aquelas classes menos
favorecidas, ou como se refere na atualidade, em situação
de risco social e econômico. Da mesma forma, também são,
em sua maioria, as organizações não governamentais que
executam projetos nesta área. Cumpre ressaltar a institui-
ção naquele momento histórico dos princípios da aprendi-
zagem considerando-a como um dever das indústrias e dos
sindicatos.
Por sua vez, a Constituição promulgada em 1946, não se
referiu expressamente a profissionalização, dedicando ape-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
270 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

nas um inciso à aprendizagem no capítulo dedicado à edu-


cação e cultura. Assim, o art. 168, IV, diz que a legislação de
ensino adotará o princípio que determina: “as empresas
industriais e comerciais são obrigadas a ministrar, em coo-
peração, aprendizagem aos seus trabalhadores menores,
pela forma que a lei estabelecer[...]”.
A obrigatoriedade dada à aprendizagem, em 1946, é
mantida na Carta Constitucional de 1967, sob o art. 170,
Parágrafo Único, com a seguinte redação: “as empresas co-
merciais e industriais são ainda obrigadas a ministrar, em
cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores meno-
res”. A consolidação do instituto da aprendizagem, vale lem-
brar, uma modalidade da profissionalização, deve-se às di-
retrizes da Recomendação no 60, de 1939, editada pela Or-
ganização Internacional do Trabalho.
Da mesma forma, a Emenda Constitucional no 1, mante-
ve a obrigatoriedade das empresas comerciais e industriais
na manutenção da aprendizagem, referindo-se também a
qualificação de seus trabalhadores e, portanto, ampliando
o âmbito de abrangência constitucional da profissionaliza-
ção, conforme prevê o parágrafo único do art. 178: “as em-
presas comerciais e industriais são ainda obrigadas a asse-
gurar, em cooperação, condições de aprendizagem aos seus
trabalhadores menores e a promover o preparo de seu pes-
soal qualificado.”
Para compreender a real dimensão do direito à profissi-
onalização, cumpre recordar que em 1959, a Assembléia
Geral da Organização das Nações Unidas enunciou a De-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
271

claração dos Direitos da Criança, sendo reconhecida na


Declaração Universal dos Direitos Humanos e no pacto In-
ternacional de Direitos Civis e Políticos, instrumentos que
influenciaram profundamente a Constituição Federal bra-
sileira de 1988 no sentido instituir um efetivo direito à pro-
fissionalização.
No mesmo sentido, em 20 de novembro de 1989, a As-
sembléia Geral das Nações Unidas adotou a Convenção In-
ternacional dos Direitos da Criança, que gerou obrigatorie-
dade de aplicação daqueles princípios aos seus países-mem-
bros. O Brasil ratificou esta Convenção em 26 de janeiro de
1990, devido a consonância da nova constituição com os
princípios internacionais. A regulamentação dos direitos
infanto-juvenis, ainda naquele ano, através da Lei 8.069 - o
Estatuto da Criança e do Adolescente - foi outro reflexo
importante das diretrizes universais.
Os princípios internacionais articulados à mobilização e
participação dos mais variados meios representativos da
sociedade civil brasileira, influíram sobremaneira, na ga-
rantias constitucionais referentes à criança e ao adolescente
em 1988. Essa grande mobilização que resultou no já citado
art. 227, também cuidou de prever o direito à profissionali-
zação como direito fundamental.
Portanto, a profissionalização é entendida como um di-
reito subjetivo, que tende a ser implementado através de
suas diversas modalidades como a aprendizagem e o tra-
balho educativo orientados pelos princípios da capacitação
profissional.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
272 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

O legislador constituinte optou por não definir no Texto


Maior as respectivas modalidades da profissionalização,
deixando a cargo do legislador ordinário fixá-las. Assim,
em outubro de 1990, através da Lei 8.069 - o Estatuto da
Criança e do Adolescente, dedicou um capítulo ao direito à
profissionalização e à proteção no trabalho, envolvendo os
artigos 60 a 69.
Neste contexto, interessa, sobremaneira, o art. 69 do Es-
tatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece: “o ado-
lescente tem direito à profissionalização e à proteção no tra-
balho, observados os seguintes aspectos, entre outros: I -
respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimen-
to; II - capacitação profissional adequada ao mercado de
trabalho.”
O primeiro ponto a ser destacado é que a diretriz legal
fixa a atenção no respeito à condição peculiar da pessoa em
desenvolvimento, ou seja, os executores dos programas de
profissionalização devem estar atentos a adequação das
metodologias e das estruturas locais às características pe-
culiares dos adolescentes, de modo a não prejudicar o de-
senvolvimento físico, moral e psicológico daqueles que es-
tão em processo de formação.
O segundo aspecto a ser ressaltado é a capacitação pro-
fissional adequada ao mercado de trabalho, prevista no
inciso II, do art. 69. Justamente, nesta previsão legal que se
reconhece a importância da capacitação profissional do ado-
lescente. No entanto, o enunciado pode ser compreendido
de duas maneiras. A primeira forma visualiza a capacita-
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
273

ção profissional como um fim em si mesma, ou seja, a capa-


citação seria desenvolvida através de um curso específico
que possibilitaria o acesso ao mercado de trabalho, confor-
me as aptidões e potencialidades individuais de cada ado-
lescente.
Já a segunda forma entenderia a capacitação como o meio
através do qual os princípios gerais da profissionalização
seriam implementados visando atingir um objetivo final,
ou seja, a formação integral do sujeito, visando não só
capacitá-lo profissionalmente, mas também, fazer com que
esta capacitação tenha efeitos práticos mediatos e imedia-
tos no acesso à fontes de geração de renda.
Considerando a capacitação profissional como meio e, não
como fim, surgem diversas possibilidades de integrá-la às
demais modalidades de profissionalização, fazendo-se, as-
sim, cumprir a intenção do princípio legal superior e satisfa-
zem de forma mais abrangente os interesses coletivos.
Dessa forma, a capacitação profissional é requisito não
só da profissionalização, mas também, da proteção ao tra-
balho do adolescente, fazendo-se entender que o trabalho
do adolescente deve, necessariamente, estar vinculado ao
pleno desenvolvimento de suas aptidões. Lembra Antonio
Carlos Flores de Moraes que: “[...] de nada adiantará o seu
trabalho, se o futuro adulto não receber uma formação que
o capacite para a realidade do mercado de trabalho”.188
Também, nesse sentido Wilson Donizeti Liberati ao relaci-
188
MORAES, Antonio Carlos Flores de. O direito à profissionalização e a proteção no trabalho.
In: Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8.069 - “Estudos Sócio-Jurídicos”. Coord. Tânia
da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 240.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
274 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

onar os artigos 60 e 69 do Estatuto da Criança e do Adoles-


cente destaca: “nota-se o direito à profissionalização do
adolescente e à sua proteção no trabalho, observados o res-
peito à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento
e sua capacitação profissional adequada. Aí está a chave de
toda a estrutura para salvaguardar a idade mínima para o
início da atividade laboral.”189
Portanto, o trabalho do adolescente deve estar ampara-
do na garantia dos elementos necessários a sua capacitação.
Assim, o adolescente exercerá a faculdade, que lhe é típica,
de trabalhar ou não. Se o trabalho for importante para a sua
formação deve desenvolvê-lo, caso contrário deverá dedi-
car-se as melhores oportunidades de desenvolvimento so-
cial e humano.
Se a profissionalização é o direito fundamental do ado-
lescente, cabe defini-la. Baseado na Convenção 142 e na
Recomendação 117 da OIT, Ricardo Tadeu Marques da Fonse-
ca diz que: “a profissionalização é definida como um pro-
cesso metódico em que se alternam experiências teóricas e
práticas com uma sucessão de tarefas gradualmente mais
complexas e tendentes à aquisição de um trabalho qualifi-
cado ou de uma profissão”.190
Coloca-se como requisito da profissionalização a alter-
nância de experiências, bem com a crescente complexidade

189
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Pau-
lo: Malheiros, 3. ed., s.d. p. 41.
190
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O direito à profissionalização: corolário da proteção
integral das crianças e adolescentes. In: Revista de Direito do Trabalho. São Paulo: RT. out/
dez, 1996. n. 96. p. 17.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
275

no desenvolvimento de tarefas, não se justificando como


experiência de profissionalização, àquelas atividades
repetitivas ou rotineiras. Destacando-se, ainda, a capacita-
ção profissional adequada ao mercado de trabalho.
Percebemos, também neste contexto, que o Estatuto da
Criança e do Adolescente se posiciona no rompimento de
paradigmas, ou seja, rompe com a “cultura” do assistencia-
lismo e propõe uma nova leitura: a da profissionalização e
a da proteção do trabalho do adolescente enquanto política
pública. Sob esta perspectiva, tal profissionalização e pro-
teção, segundo Eliane A. Maranhão de Sá devem ser compre-
endidas “em sua interface como o caminho para a emanci-
pação humana, considerando que a primeira tem sua di-
mensão política global (social, política, cultural), negando o
treinamento e o domínio de habilidades como etapas isola-
das da educação básica.”191
Portanto, entende-se que os instrumentos legais para a
efetiva profissionalização estão claramente definidos, caben-
do ao poder público e a sociedade destinar esforço para
implementá-los, visando adequar a realidade econômica e
produtiva aos princípios fundamentais da legislação. Não
se pode esquecer, porém, que nesta preparação profissio-
nal “devem ser integrados paradigmas com o foco no mer-
cado de trabalho e não no posto de trabalho, na garantia da
empregabilidade real e no vínculo estreito com o ensino
básico. A Escola fundamental é universal e deve garantir a
191
SÁ, Eliane A. Maranhão de. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - Comentári-
os jurídicos e sociais. Coord. Munir Cury, Antônio Fernando do Amaral e Silva e Emílio Garcia
Mendez. São Paulo: Malheiros. 2. ed. s.d. p. 205.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
276 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

satisfação das necessidades básicas das crianças e adoles-


centes. Devemos considerar o potencial de cada um, sua
história, sua cultura e as possibilidades da comunidade lo-
cal. Torna-se emergente que a escola efetive uma proposta
curricular atualizada com a nova realidade, apresentando
a interface com a profissionalização.192
O poder público deve, também, garantir os mínimos so-
ciais às famílias, para que os jovens possam dedicar-se a
escola e a profissionalização, evitando o ingresso precoce
no mercado de trabalho.193
A execução dos projetos sociais de profissionalização
devem estar atentos e fundamentados nos princípios pre-
vistos na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do
Adolescente, na Consolidação das Leis do Trabalho, assim
como, nas leis de assistência social e do trabalho e emprego.
A capacitação profissional deve priorizar o aspecto edu-
cativo colocando o adolescente como sujeito e, não mais,
como objeto do ensino profissionalizante. Nesse sentido as
atividades devem ser direcionadas não só para a popula-
ção carente, mas deve ser pensada de maneira adequada
para que possa ser ampla e atingir a todos. Assim, certa-
mente, estaria se definindo as políticas públicas conforme
os princípios da doutrina atual da proteção integral.
Por fim, resta destacar a importância da conexão entre a
capacitação profissional e os currículos escolares, priorizan-

192
CONANDA. Relatório Síntese Assembléia Ampliada sobre o Trabalho Infanto-Juvenil. Brasília:
mimeo, abril, 1996. p. 4.
193
CONANDA. Relatório Síntese Assembléia Ampliada sobre o Trabalho Infanto-Juvenil. Brasília:
mimeo, abril, 1996. p. 05.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
277

do, acima de tudo, a formação básica e humanística, atra-


vés da diversidade de conteúdos e a adaptação das estrutu-
ras administrativas às necessidades dos educandos, propi-
ciando uma escola mais criativa e inovadora que estes no-
vos tempos estão a pedir.

8.5 A aprendizagem

O instituto da aprendizagem é o mais tradicional ins-


trumento de profissionalização do adolescente no Brasil.
Anteriormente à análise propriamente dita desta questão,
são necessárias algumas considerações de ordem genérica
que diz respeito a esse instituto de origens suficientemen-
te complexas.
O avanço tecnológico decorrente do processo de indus-
trialização e concorrência passou a exigir dos trabalhado-
res uma melhor qualificação para o desempenho de suas
funções. Mais do que cursos profissionalizantes específicos,
o novo “mundo do trabalho” está a exigir trabalhadores com
formação escolar ampla e diversificada, a capacitação vol-
tada ao protagonismo juvenil, ao empreendedorismo, bem
como, o acesso às estratégias educacionais articuladas com
geração de renda e a garantia de condições de pleno desen-
volvimento. Diretrizes necessárias para a formulação de
políticas públicas de atenção à adolescência.
Apesar de o sistema educacional constituir-se muitas
vezes como um instrumento de exclusão social, no momen-
to em que não fornece condições adequadas para a forma-
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
278 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

ção escolar daqueles que mais necessitam, faz-se necessária


a inversão no processo de definição das políticas públicas
com vistas a ampliar o âmbito de atuação das políticas edu-
cacionais em relação ao adolescente trabalhador.
As políticas públicas endereçadas ao adolescente não
podem se restringir ao mero conjunto de ações emergenciais
e compensatórias que visam a integração do adolescente no
mercado de trabalho. Devem, antes de tudo, ser instrumen-
tos capazes de fornecer os subsídios indispensáveis ao seu
pleno desenvolvimento.
A profissionalização deve proporcionar a aquisição de
um conjunto de conhecimentos necessários para que alguém
seja julgado apto à prática de alguma profissão pública ou
privada. Esses conhecimentos devem ser definidos segun-
do as condições e necessidades do novo mundo do traba-
lho, voltados, principalmente, àquelas atividades que re-
queiram uma formação mais diversificada.
Portanto, qualquer atividade laboral em que o adoles-
cente esteja envolvido deve priorizar a sua capacitação pro-
fissional adequada ao mercado de trabalho. A operaciona-
lização desta capacitação profissional pode ser realizada
mediante o instituto da aprendizagem.
Para Oris de Oliveira, este instituto se constitui na “fase
primeira de um processo educacional (formação técnico-
profissional) alternada (conjugam-se ensino teórico e práti-
co), metódica (operações ordenadas em conformidade com
um programa em que se passa do menos para o mais com-
plexo), sob orientação de um responsável (pessoa física ou
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
279

jurídica) em ambiente adequado (condições objetivas: pes-


soal docente, aparelhagem, equipamento).194
A aprendizagem ganha relevância, no contexto estabele-
cido a partir da promulgação da Emenda Constitucional no
20, de 15 de dezembro de 1998, no exato momento em que é
a única modalidade de trabalho permitida ao adolescente
com idade entre quatorze e dezesseis anos.
A nova redação do art. 7o, inciso XXXIII, da Constituição
Federal, ao não permitir a realização de aprendizagem abai-
xo dos quatorze anos de idade, revogou o art. 64 do Estatu-
to da Criança e do Adolescente, eliminando do ordenamento
a chamada “bolsa de aprendizagem”, em face da garantia
dos direitos trabalhistas e previdenciários para os aprendi-
zes maiores de quatorze anos previsto no art. 65.195
Do mesmo modo, está revogado o art. 80 da Consolida-
ção das Leis do Trabalho, que possibilitava o pagamento de
meio salário mínimo ao adolescente aprendiz196, pois ao se
assegurar os direitos trabalhistas e previdenciários, está se
garantindo, também, o direito constitucional quanto à proi-
bição de diferença de salários por motivos de idade, previs-
to no art. 7o, XXX. Se a lei maior não faz discriminações, não
cabe a lei infra-constitucional fazê-la.

194
OLIVEIRA, Oris. Op. Cit., p. 89.
195
Determinava o art. 64 da Lei 8.069/90: “Ao adolescente até 14 (quatorze) anos, de idade é
assegurada bolsa de aprendizagem.” Determina o art. 65 da Lei 8.069/90: “Ao adolescente apren-
diz, maior de 14 (quatorze) anos, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários”.
196
Estabelecia o art. 80 da CLT: “Ao menor aprendiz será pago salário nunca inferior a ½ (meio)
salário mínimo regional durante a primeira metade da duração máxima prevista para o aprendi-
zado do respectivo ofício. Na segunda metade passará a perceber, pelo menos, 2/3 (dois terços)
do salário mínimo”.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
280 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 62,


a aprendizagem consiste em “formação técnico-profissio-
nal ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação
de educação em vigor.” No entanto, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação, Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
não trouxe tratamento específico à modalidade da aprendi-
zagem, optando pela adoção do amplo instituto da educa-
ção profissional.197
No entanto, visando um novo disciplinamento da maté-
ria, foi aprovada a Lei no 10.097, de 19 de dezembro de 2000,
referente à aprendizagem. De acordo a nova lei, o art. 428,
da Consolidação das Leis do Trabalho passou a definir que
“contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especi-
al, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o
empregador se compromete a assegurar ao maior de
quatorze e menor de dezoito anos, inscrito em programa de
aprendizagem, formação técnico-profissional metódica,
compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psi-
cológico, e o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as
tarefas necessárias a essa formação.”
O contrato de aprendizagem caracteriza-se como contrato
especial, realizado pelo adolescente com idade entre 14 e 18
anos e requer a anotação na Carteira de Trabalho e Previ-
dência Social. Caso o aprendiz não tenha concluído o ensi-
no obrigatório, ou seja, o fundamental, deverá estar matri-
culado e freqüentando à escola. Faz-se necessário para o

197
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Senado Federal: Brasília, 1996. Capítulo III, arts. 39-42.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
281

desenvolvimento da aprendizagem, inscrição em progra-


ma específico, sob orientação de entidade que detenha qua-
lificação em formação metódica técnico-profissional, de
acordo com a Lei 10.097/00 e a nova redação do art. 428, §
1o da Consolidação das Leis do Trabalho.
Em razão da proibição constitucional, do art. 7o, XXX,
referente à discriminação salarial por critério de idade, ao
adolescente é garantido, ressalvada condição mais favorá-
vel, o salário mínimo hora, nos termos da nova redação do
art. 428, § 2o, da Consolidação das Leis do Trabalho, bem
como, os direitos trabalhistas e previdenciários, garantidos
no Estatuto da Criança e do Adolescente no art. 65. Como a
aprendizagem destina-se à formação técnico-profissional
não poderá ser realizada por período superior a dois anos,
por disposição do art. 428, § 3o, da Consolidação das Leis
do Trabalho atualizado pela Lei 10.097/90.
A formação técnico-profissional exigida para caracteri-
zar a aprendizagem realiza-se segundo a Consolidação das
Leis do Trabalho, no art. 428, § 4o, por “atividades teóricas e
práticas, metodicamente organizadas em tarefas de com-
plexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de tra-
balho.”
Para tornar possível a realização da aprendizagem pelo
significativo contingente de adolescentes brasileiros, a nova
lei da aprendizagem estabeleceu na Consolidação das Leis
do Trabalho, art. 428, § 4o, que “os estabelecimentos de qual-
quer natureza são obrigados a empregar e matricular nos
cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
282 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e


quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes
em cada estabelecimento, cujas funções demandem forma-
ção profissional.”
A nova redação do art. 430, da Consolidação das Leis do
Trabalho dispõe: “na hipótese de os Serviços Nacionais de
Aprendizagem não oferecerem cursos ou vagas suficientes
para atender à demanda dos estabelecimentos, esta poderá
ser suprida por outras entidades qualificadas em formação
técnico-profissional metódica, a saber: I - Escolas Técnicas
de Educação; II - entidades sem fins lucrativos, que tenham
por objetivo a assistência ao adolescente e à educação pro-
fissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos
da Criança e do Adolescente.”
Como a nova lei passou a permitir a realização de apren-
dizagem por organizações da sociedade civil, exigindo a
qualificação para tal, essas entidades deverão contar com
estrutura própria para o desenvolvimento da aprendizagem,
visando manter a qualidade do processo de ensino, acom-
panhando e avaliando os resultados. Tais entidades, ao con-
tratar adolescentes, estão dispensadas do cumprimento da
quota de aprendizes, já que, em sua maioria, são entidades
de caráter meramente assistencial. Ao concluir o curso de
aprendizagem, o adolescente receberá um certificado, con-
forme dispõe o art. 429, § 1o da Consolidação das Leis do
Trabalho.
Em referência a este tema, Benedicto Rodrigues dos Santos
destacava, em 1997, um problema resolvido hoje pela nova
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
283

lei: “uma visão, mesmo que panorâmica, sobre o sistema de


formação profissional no País pode nos deixar perplexos e
reafirmar a necessidade de fazer mudanças substanciais
neste quadro. Desde Getúlio Vargas, quando se criou, em
1942, o SENAI e SENAC, se tem delegado à classe patronal
a tarefa de formação de mão-de-obra especializada e neces-
sária às indústrias e ao comércio. Hoje, estes dois órgãos
detêm a exclusividade da formação ou da supervisão dessa
formação profissional, e isso significa que o regime de apren-
dizagem só pode ser instituído sob a sua chancela.”198
Com as recentes alterações, o aprendiz poderá ser con-
tratado por empresa ou qualquer das entidades das organi-
zações qualificadas para o desenvolvimento de atividades
técnico-profissionais, segundo o art. 431, da Lei 10.097/2000.
A duração do trabalho do aprendiz está limitada ao máxi-
mo de seis horas diárias, não sendo possível prorrogação
ou compensação de jornada. Aos adolescentes que já con-
cluíram o ensino fundamental, a jornada poderá ser de até
oito horas diárias, desde que computadas as horas destina-
das à aprendizagem teórica.
Oris de Oliveira ressalta que “a condição de aprendiz
deixa de existir quando terminado o curso em que esteja
matriculado, quando esgotado o prazo de duração da
aprendizagem ou quando o adolescente completa 18 anos
de idade.”199

198
SANTOS, Benedicto Rodrigues dos. A regulamentação do trabalho educativo. In: Cadernos
ABONG – Subsídios à Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, São
Paulo, no 18, 1997. p. 184-5.
199
OLIVEIRA, Oris. Op. Cit. p. 193.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
284 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Sem dúvida alguma, a alteração substancial que a Emen-


da Constitucional no 20 trouxe ao regulamento do trabalho
do adolescente foi o pleno reconhecimento dos direitos tra-
balhistas e previdenciários ao adolescente aprendiz, medi-
ante o reconhecimento da capacidade jurídica a todos os
adolescentes trabalhadores, pois além de valorizar a edu-
cação na faixa etária compreendida entre os quatorze e de-
zoito anos, mediante o instituto da aprendizagem, elimi-
nou a discriminação em função da idade200 ao extirpar do
ordenamento a bolsa de aprendizagem, já potencialmente
inconstitucional, que servia, muitas vezes, ao mascaramento
da relação trabalhista e a exploração laboral dos adolescen-
tes com idade entre doze e quatorze anos, período em que
normalmente deveriam estar se dedicando ao cumprimen-
to da escolaridade obrigatória.

8.6 O trabalho educativo

O trabalho educativo enquadra-se na modalidade apren-


dizagem escolar. Em face das constantes distorções ocorri-
das na execução de tais programas será realizada uma aná-
lise pormenorizada desta modalidade de profissionaliza-
ção, de modo a explicitar o seu conteúdo face os limites
determinantes da capacidade jurídica.
A devida caracterização do “trabalho educativo” previs-
ta no art. 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente colo-

200
Estabelece o art. 7o, XXX da Constituição Federal a proibição da diferença de salário, de
exercício de funções e critérios de admissão em função da idade.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
285

ca-o predominantemente no âmbito da educação e profissi-


onalização, não se desconsiderando que parte de seu con-
teúdo localiza-se no âmbito do trabalho. Consiste na verda-
de num instrumento voltado especificamente para a profis-
sionalização.
Alguns autores indicam que suas raízes históricas remon-
tam ao ano de 1986, quando foi instituído pelo Governo
Federal, através do Decreto-Lei 2.318, de 30 de dezembro
de 1986, o Programa Bom Menino, com o objetivo de propi-
ciar a execução de serviços a título de iniciação de trabalho
e em locais apropriados na empresa. O Decreto-Lei citado
previu, igualmente, a criação de um Conselho Nacional de
Promoção Social e de comitês municipais encarregados do
cadastramento e conseqüente encaminhamento dos meno-
res considerados em situação irregular aos programas de
bolsa de iniciação ao trabalho.
Vale lembrar que a Constituição em vigor naquela época
estabelecia a aquisição da capacidade jurídica relativa para
o trabalho em doze anos, mas o referido Decreto-Lei, des-
considerando a norma constitucional, passou a compreen-
der que o trabalho do “menor assistido” não caracterizava
relação de emprego e, portanto, o menor trabalhador, por
ser assistido, não gozaria dos direitos trabalhistas e previ-
denciários, percebendo apenas pelo trabalho prestado a
chamada “bolsa de iniciação ao trabalho”. Desse modo,
“criou-se uma discriminação não em razão da idade, sexo,
cor, credo religioso, mas fundamentada na pobreza, rotula-
da de situação irregular. A época um industrial observou
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
286 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

muito bem: quem admitisse menores assistidos e não-assisti-


dos, aos quais se atribuíam as mesmas tarefas, teria a difícil
incumbência de explicar aos primeiros porque não recebi-
am a gratificação natalina, o amparo previdenciário, por
exemplo, quando a única explicação objetiva era afirmar
que não tinham tais direitos só porque assistidos, porque
eram mais pobres e necessitados”.201
Na verdade, o referido programa, baseado nas idéias de
trabalho e ensino para o “menor”, teve resultado diverso do
pretendido, pois criou uma figura atípica, o trabalho na em-
presa sem vínculo empregatício, ou seja, havia na relação os
requisitos do liame laboral (subordinação, pessoalidade, ha-
bitualidade e onerosidade), mas não era garantida a contra-
partida: o reconhecimento na integralidade dos direitos tra-
balhistas e previdenciários.
O Programa Bom Menino através da ampla divulgação
pela mídia como a solução para os menores em situação irre-
gular difundiu-se através de milhares de projetos por todo
o país. E era sinal indicativo da preocupação social com a
crescente miserabilidade das camadas sociais.
Contudo, os novos paradigmas firmados pela nova Cons-
tituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescen-
te determinando precisamente a capacidade jurídica para o
trabalho da criança e do adolescente, evidenciaram as dis-
torções provocadas pelo Programa Bom Menino, de modo
que, em 10 de abril de 1991, deu-se a revogação expressa do

201
OLIVEIRA, Oris. O trabalho da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1994. p. 166.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
287

Dec. 94.338/87 e, conseqüentemente, do Programa Bom


Menino.
A partir da extinção do Programa Bom Menino, as enti-
dades que desenvolviam programas de profissionalização
e encaminhamento de adolescentes ao mercado de traba-
lho passaram a vislumbrar que o trabalho educativo pre-
visto no art. 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente
consistia na verdade numa possibilidade de continuidade
de seus projetos.
Por consistir num instituto inovador, o trabalho educativo
passou, a partir daí, a ter interpretações diversas, sendo até
compreendido (equivocadamente) como o ressurgimento
do Programa Bom Menino, ocultando muitas vezes uma
típica relação de emprego. No entanto, Antônio Carlos Go-
mes da Costa adverte que “O trabalho educativo, embora
historicamente tenha sua raiz no trabalho social, com crian-
ças e adolescentes encontrados em estado de necessidade,
não pode e não deve, de maneira alguma, ser reduzido a
este aspecto de sua evolução.”202
Houve, também, aqueles que diante da possibilidade de
flexibilização da legislação se viesse a abrir caminho à ex-
ploração da mão-de-obra infanto-juvenil, defendiam que o
ideal seria a própria revogação do dispositivo. Por outro
lado, a aprovação da nova lei 10.097/00 atualizando a apren-
dizagem, tornou desnecessária a regulamentação do dispo-

202
COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Capítulo V - Do direito à profissionalização e à proteção
no trabalho. In: CURY, Munir; SILVA, Antônio Fernando do Amaral e; MENDEZ, Emílio García.
Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - Comentários Jurídicos e Sociais. 2. ed. São
Paulo: Malheiros, 1996. p. 203.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
288 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

sitivo, pois deslocou o trabalho educativo para o âmbito


exclusivo da aprendizagem.
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece,
no art. 68, os requisitos para o desenvolvimento de pro-
grama social que tenha por base o trabalho educativo: 1)
que a responsabilidade do programa deva ser de entida-
de governamental ou não-governamental sem fins lucra-
tivos e 2) assegure ao adolescente que dele participe con-
dições de capacitação para o exercício de atividade regu-
lar remunerada.
Quando a lei estabeleceu como uma das possibilida-
des o requisito da realização de programa de trabalho
educativo por entidades não-governamentais sem fins lu-
crativos, tornou-se evidente que estão excluídas as pos-
sibilidades de execução de tais programas por entidades
com fins lucrativos e, deste modo, as empresas. Nesse
sentido destaca Viviane Colucci: “o trabalho educativo
insere-se exatamente na modalidade escola, não admi-
tindo, segundo a doutrina que se edificou em relação ao
tema, a sua execução em empresas, exatamente porque o
caráter produtivo não pode, a teor do dispositivo legal
que o regula, sobrepor-se ao aspecto pedagógico. No
âmbito da empresas, o que se almeja não é precipuamen-
te formar profissionalmente o adolescente, mas produzir
[...] Não vislumbra a lei, pois, outra hipótese de trabalho
no espaço físico da empresa que não seja a do estágio
(modalidade de profissionalização considerada escolar)
ou a que se realiza através dos Serviços Sociais, em que a
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
289

empresa promove a aprendizagem com a supervisão dos


Serviços Nacionais...” 203
Portanto, o dispositivo não pretende permitir o exercício
de atividade regular remunerada sem o liame contratual de
vínculo empregatício, mas dar condições - formação técni-
co-profissional - para futuramente o adolescente, mediante
a aquisição de capacidade jurídica para o trabalho, desen-
volver atividade laborativa nos termos da legislação.
Para evitar possíveis controvérsias, o próprio legislador
tratou de conceituar o trabalho educativo, no art. 68, §1º, da
Lei 8.069/90: “Entende-se por trabalho educativo a ativida-
de laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao
desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem
sobre o aspecto produtivo”. Desse modo, o trabalho
educativo somente será caracterizado naqueles projetos de
cunho pedagógico em que as atividades educacionais su-
perem as atividades laborativas, sendo incompatível sua
realização no âmbito de qualquer empresa, pois esta somen-
te existe em função da lucratividade oriunda do trabalho
realizado. O que o artigo 68 do Estatuto da Criança e do
Adolescente veio regulamentar foi o trabalho das entida-
des que atuam como escolas-produção.
Oris de Oliveira esclarece que “os processos produtivos
de uma empresa e de uma escola-produção são radicalmente
diferentes, porque na empresa visa-se aos lucros em condi-
ções de concorrência, ao passo que na escola produção a

203
COLUCCI, Viviane. Considerações sobre o Programa de Trabalho Educativo instituído pelo
Município de Blumenau. Florianópolis: mimeo, 1996.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
290 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

preocupação fundamental é a transmissão de uma qualifi-


cação profissional.”204
A realização de programa de trabalho educativo deve
estar direcionada para a educação e encontra-se no âmbito
da profissionalização, que não se confunde com trabalho,
pois é etapa de preparação para este. Desse modo, a forma-
ção do adolescente em programa de trabalho educativo não
requer a existência de um contrato de trabalho educativo,
mas sim inscrição no respectivo programa de profissionali-
zação que deve ser realizado numa escola ou entidade
congênere.
O fato do instituto se situar no âmbito da profissionali-
zação e não do trabalho não impede que o adolescente rece-
ba remuneração pelo trabalho efetuado ou tenha participa-
ção na venda dos produtos de seu trabalho, o que não des-
figura o caráter educativo do programa, nos termos da Lei
8.069/90, art. 68, § 2o., devendo, em qualquer caso, prevale-
cer o aspecto educativo sobre o produtivo.
Segundo Antônio Carlos Gomes da Costa, para a determi-
nação da preponderância do aspecto educativo sobre pro-
dutivo dois critérios devem ser observados: “o primeiro diz
respeito ao número de horas de atividades orientadas para
a produção e aquelas voltadas para a formação do educan-
do; o segundo, à natureza, ou seja, o caráter das atividades
laborais realizadas em termos de ritmo e estruturação de
modo a permitir uma real aprendizagem por parte do tra-

204
OLIVEIRA, Oris de. Capítulo V - Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho. cit.,
p. 193.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
291

balhador educando, ou seja, as atividades laborais devem


ajudar e não prejudicar o processo aprendizagem/ensi-
no”.205
Viviane Colucci adverte que, freqüentemente, “tais pro-
gramas nominados ‘educativos’ prestam-se ao mascaramen-
to do contrato de trabalho, porque presentes os requisitos
configuradores do liame laboral...” 206 . Nesse sentido, ain-
da, adverte o parecer do Ministério Público do Trabalho: “a
predominância do aspecto produtivo no desempenho do
trabalho dito “educativo” acarreta os efeitos do vínculo
empregatício, aos quais englobam o registro na CTPS, o re-
colhimento de encargos sociais, além do pagamento de ver-
bas trabalhistas previstas na Consolidação das Leis do Tra-
balho (CLT) e legislação complementar.”207
Cabe, destacar, também, que determinada corrente dou-
trinária entende que o trabalho educativo deve ser destina-
do àqueles “adolescentes que não tiverem condições pesso-
ais (por analfabetismo, despreparo mínimo na esfera disci-
plinar ou educativa ou de outra natureza)” de se beneficiar
da modalidade da aprendizagem.
No entanto, um dos méritos do Estatuto da Criança e do
Adolescente foi o amparo, sem qualquer tipo de distinção,

205
COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Capítulo V - Do direito à profissionalização e à proteção
no trabalho. In: CURY, Munir; SILVA, Antônio Fernando do Amaral e; MENDEZ, Emílio García.
Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - Comentários Jurídicos e Sociais. 2. ed. São
Paulo: Malheiros, 1996. p. 203.
206
COLUCCI, Viviane. Regulamentação ao art. 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Florianópolis: Ministério Público do Trabalho - 12a Região/mimeo, 1996. s.p.
207
COLUCCI, Viviane. Regulamentação ao art. 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Florianópolis: Ministério Público do Trabalho - 12a Região/mimeo, 1996. s.p.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
292 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

a todas as crianças e adolescentes, revogando-se a doutrina


da situação irregular segundo a qual as políticas sociais
deveriam ser direcionadas apenas aos então chamados me-
nores em situação irregular. Assim, não há porque diferen-
ciar o público alvo do programa de trabalho educativo com
base nas condições pessoais do adolescente, pois assim se
estariam utilizando princípios atualmente incabíveis.
Outra característica importante do Trabalho Educativo é
o sentido de complementação do processo educativo de
ensino e educação regular, que deve ser prioritário na for-
mação do adolescente. Portanto, os Programas não devem
ser considerados como medida punitiva aos adolescentes
com atraso escolar ou que se evadiram da escola, mas como
um meio de (re)integração ao sistema educacional, estímu-
lo e acompanhamento das atividades escolares.
Além disso, o programa de trabalho educativo deve ter
uma função emancipadora, na qual o adolescente deve ser
compreendido como o sujeito do processo de aprendiza-
gem, evitando, como tem sido prática, “a utilização do tra-
balho como controle social e/ou como função disciplinadora
na socialização da criança.”208
O regime de trabalho educativo diz respeito ao trabalho
que “o adolescente executa numa entidade governamental
ou não governamental que o capacita para o exercício de
uma atividade regular remunerada. Nessa circunstância, o
adolescente não trabalha para a entidade como se essa fos-

208
SANTOS, Benedicto Rodrigues dos. Capítulo V - Do direito à profissionalização e à proteção
no trabalho, cit., p. 184-5.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
293

se sua empresa empregadora; a relação jurídica que se esta-


belece entre ambos é a de aluno-escola, embora o Estatuto
[...], não exija, sem excluir o desejável, que a entidade assu-
ma formalmente a condição de escola regularmente inscri-
ta como tal. Basta que efetivamente promova a capacitação.
E para que a caracterização de escola apareça bem distinta,
as exigências pedagógicas devem prevalecer sobre o aspec-
to produtivo”.209
Não se configura, desta feita, como trabalho educativo, a
atividade desenvolvida pelo adolescente em empresa, pois
nesta o adolescente pode estar apenas em duas situações: como
empregado a partir dos dezesseis anos ou como aprendiz a
partir dos quatorze anos, nos termos da Lei no 10.097/00.
Programas de entidades, sejam elas governamentais ou
não governamentais sem fins lucrativos, e que tenham por
objetivo o encaminhamento de adolescentes para empresas
com a finalidade de realizar atividade sob a denominação
de trabalho educativo estão desenvolvendo ações flagran-
temente ilegais, pois não se espera que o trabalho educativo
se realize nas empresas e nem que estas entidades funcio-
nem como “bancos de emprego”. Aquelas que assim agi-
rem devem ser responsabilizadas e os adolescentes terão
seus direitos trabalhistas e previdenciários reconhecidos, e
se estes ainda não atingiram os limites de idade mínima
para o trabalho devem ser, também, afastados imediatamen-
te da atividade.

209
OLIVEIRA, O. O trabalho da criança e do adolescente. cit., p. 140.
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
294 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Ora, o dispositivo que prevê o trabalho educativo vem


permitir que estas entidades desenvolvam programas e pro-
jetos de profissionalização e capacitação profissional, po-
dendo inclusive comercializar os produtos ou serviços pro-
duzidos, desde que não sejam oriundos dos trabalhos de-
senvolvidos pelos adolescentes, pois a finalidade lucrativa
não deve e nem pode ser seu objetivo principal, pois a prio-
ridade é a formação do adolescente.
Segundo Viviane Colucci “englobam-se, ainda, na moda-
lidade de trabalho educativo, as cooperativas escolas, regu-
ladas pela lei no. 5.471/71, que têm por fim educar os alu-
nos dentro dos princípios do cooperativismo.”210
Segundo Antônio Carlos Gomes da Costa, a instituição do
trabalho educativo no Estatuto da Criança e do Adolescen-
te, “nos dá a base legal para a organização de escolas-coo-
perativas, escolas-oficinas, escolas-empresas, dirigidas a
qualquer tipo de educando e não apenas às crianças e ado-
lescentes em situação de risco pessoal e social”.211 Essa idéia,
ainda que presente, deve ser tomada com o devido cuidado
sob pena de violar os princípios fundamentais de proteção
contra a exploração no trabalho.
Outro aspecto importante é que o regime de trabalho
educativo superou os referenciais paradigmáticos da edu-

210
COLUCCI, Viviane. A erradicação do trabalho infantil e a proteção ao trabalho do adolescen-
te. Caderno 1. Florianópolis: Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do
Adolescente no Trabalho/SC, 1997. p 15.
211
COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Capítulo V - Do direito à profissionalização e à proteção
no trabalho. In: CURY, Munir; SILVA, Antônio Fernando do Amaral e; MENDEZ, Emílio García.
Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - Comentários Jurídicos e Sociais. 2. ed. São
Paulo: Malheiros, 1996. p. 203.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
295

cação pelo trabalho e educação para o trabalho. Nesse sen-


tido dispõe a parte final do art. 68 indicando que o progra-
ma “deve assegurar ao adolescente que dele participe con-
dições de capacitação para o exercício de atividade regular
remunerada”. O texto legal é bastante claro ao evidenciar
que o programa deve priorizar a capacitação profissional,
ou seja, um processo alternativo entre as atividades de edu-
cação e trabalho com a finalidade de garantir o exercício
futuro de atividade regular remunerada.
Estabelecendo-se como finalidade o exercício de ativida-
de regular remunerada, o programa de trabalho educativo
não se deve restringir a atividades mecânicas e repetitivas
que, geralmente, contribuem muito pouco no preparo para
a qualificação e o acesso às oportunidades do mercado de
trabalho. As rápidas transformações no modelo econômico
de produção, decorrentes do avanço tecnológico, devem ser
consideradas na definição do modelo de capacitação a ser
adotado, priorizando uma formação diversificada pautada
em conteúdos que facilitem a inserção futura no mercado
produtivo.
Outro critério de cunho educativo importante é a neces-
sidade de elaboração e acompanhamento do projeto de equi-
pe interdisciplinar formada preferencialmente por
pedagogo, assistente social e psicólogo, respeitando e esti-
mulando a participação dos adolescentes em todas as fases
de planejamento, execução e avaliação.
Deve haver uma preocupação constante por parte dos
aplicadores e fiscalizadores da lei para que o Programa de
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
296 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

Trabalho educativo não faça renascer os equívocos consta-


tados pela execução do antigo Programa Bom Menino.212
A garantia do adequado desenvolvimento educacional
nos programas de trabalho educativo deve, primeiramen-
te, ser das entidades governamentais e não governamen-
tais sem fins lucrativos que executam os programas, pois
têm a atribuição de executar suas ações fundadas nos prin-
cípios da doutrina da proteção integral adotada no direito
brasileiro.
Quis o legislador proporcionar através desse instituto a
ampliação das formas e metodologias necessárias à devida
preparação para a capacitação profissional que atenda às
necessidades sociais, sem desconsiderar a importância quan-
to à formação educacional dos adolescentes, que teriam
mediante o instituto do trabalho educativo uma pos-
sibilidade de capacitação muito rica e transformadora, po-
dendo, inclusive, conhecer novas técnicas e procedimentos,
que normalmente podem ser realizadas mediante o institu-
to da aprendizagem, neste caso aprendizagem escolar.

212
Segundo Pedrinho Guareschi este programa referia-se: “exclusivamente ao trabalho aliena-
do, como se fosse o único tipo de trabalho, isto é: - onde a pessoa trabalha no que não é dela;
- onde o fruto de seu trabalho não lhe pertence; onde ela não planeja, não possui visão do todo,
apenas executa tarefas; onde ela não decide, apenas obedece; onde ela não se dá conta das
relações de dominação e exploração a que está sujeita; e finalmente, trata-se dum trabalho que,
por todas esses características, leva à alienação mental, pois destrói o específico do homem,
que é a iniciativa, a espontaneidade, originalidade, criatividade, isto é, a vida, transformando a
pessoa em mera peça autômata duma grande linha de montagem.” GUARESCHI, Pedrinho A.
O “Programa do Bom Menino” ou de como preparar mão-de-obra barata para o capital. In:
Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 27, out., 1988., p. 131.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
297

CONCLUSÃO

Esta obra reflete um compromisso com a proteção inte-


gral da criança e do adolescente, em consonância com os
direitos fundamentais amparados pela Constituição da Re-
pública Federativa do Brasil e a Convenção Internacional
dos Direitos da Criança.
O objeto de estudo focalizou a compreensão do trabalho
infantil como um fenômeno interdependente de complexas
relações culturais e sociais, nas quais o Direito se apresenta
como um dos elementos constitutivos da realidade. A pers-
pectiva teórica apontada evidencia as relações políticas, eco-
nômicas, culturais e jurídicas subjacentes à realidade histó-
rica pela qual se consubstanciou o direito de proteção à cri-
ança e ao adolescente contra a exploração do trabalho in-
fantil .
A origem etimológica da palavra trabalho está associada
à versão latina tripalium, um instrumento usado para tor-
tura dos escravos. O conceito de trabalho envolve comple-
xas e diferenciadas acepções. Já a origem etimológica da
palavra infância está associada à idéia daquele “que não
pode falar”. No entanto, Rousseau, desde o século XVIII,
definia este período em limites mais abrangentes relacio-
nando a um tempo de preparação para a vida adulta. Nos
ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO
298 JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

dias atuais, a idéia de infância está associada à condição


peculiar de pessoa em desenvolvimento das quais são por-
tadores crianças e adolescentes. Embora o conceito interna-
cional de infância esteja perfeitamente correlacionado ao
sujeito criança, no Brasil, a partir da edição do Estatuto da
Criança e do Adolescente, são reconhecidos dois períodos
de desenvolvimento distintos, definindo crianças como sen-
do as pessoas até doze anos e os adolescentes como pessoas
com idade compreendida entre doze e dezoito anos.
Nos últimos dez anos, em atividades que desenvolve-
mos no Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e
do Adolescente – NEJUSCA - da Universidade Federal de
Santa Catarina, foram produzidos uma série de pesquisas
sobre o trabalho infantil no Brasil. Muitas dessas constru-
ções acadêmicas contribuíram para a transformação con-
creta da vida de muitas crianças e adolescentes brasileiros,
tais como àquelas exploradas na produção do fumo, maçã,
madeira, móveis, sapatos, bem como nas olarias e na mon-
tagem de prendedores de roupas. São estudos, portanto, que
não ficaram isolados a uma mera discussão, alienada da
realidade concreta, vez que denunciam as perversas condi-
ções de exploração em que se encontram milhares de crian-
ças, que têm a sua infância sendo roubada com a realização
de funções que não deveriam ser por elas realizadas e sim
pelos adultos.
Sabemos que a erradicação do trabalho infantil não se
dará somente com o afastamento da criança e do adoles-
cente do trabalho, pois esta ação precisa estar articulada com
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
299

um conjunto de medidas jurídicas e políticas de proteção e


atendimento às crianças, aos adolescentes bem como às suas
famílias.
A investigação jurídica sobre o tema encontra a sua justi-
ficativa na necessidade de compreensão e sistematização
das alternativas e caminhos para a erradicação do trabalho
infantil no Brasil, resgatando os princípios e regras do Di-
reito da Criança e do Adolescente e analisando o sistema de
garantias de direitos como instrumento efetivo e indispen-
sável para a transformação social.
Por fim resta expormos que a prática da exploração da
mão-de-obra infantil implica em roubarmos de nossas cri-
anças e adolescentes algo que lhe é inerente: o direito de
brincar, pois é no mundo das brincadeiras, do faz-de-con-
tas que a criança desenvolve a sua criatividade. Criativida-
de esta que é fundamental se pensarmos mais adiante, em
uma sociedade que pretenda ser desenvolvida, emancipa-
tória, enfim, uma sociedade efetivamente cidadã.
TRABALHO INFANTIL:
a negação do ser criança e adolescente no Brasil
301

REFERÊNCIAS

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