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A Criança e o adolescente no brasil: uma

história de tragédia e sofrimento


Resumo
Este artigo aborda do tratamento dado a criança e ao adolescente no Brasil colônia,
destacando o quão estes foram desrespeitados e humilhados, atingindo o status tão
somente de objeto perante a sociedade. Descreve o Brasil império, percorrendo pelas
nomenclaturas estigmatizantes e rotulatórias em relação a meninas e meninos. Analisa o
Brasil república, bem como a transformação lenta e gradual que ocorreu com a promulgação
da Constituição da República Federativa do Brasil e Estatuto da Criança e do Adolescente.
O método de abordagem é o dedutivo. O método de procedimento é monográfico.
Palavras – Chave: Adolescente. Criança. História. Sofrimento.

Abstract
This article discusses the treatment of child and adolescent in colonial Brazil, highlighting
how they were disrespected and humiliated, attaining the status as only object to the society.
Describes Brazil empire, going by classifications and stigmatizing rotulatórias for girls and
boys. Brazil analyzes the republic, as well as the slow and gradual transformation that
occurred with the promulgation of the Constitution of the Federative Republic of Brazil and
the Children and Adolescents. The method of approach is deductive. The method of
procedure is monograph.
Words - Key: Adolescent. Child. History. Suffering.

Introdução

O artigo tem como escopo analisar a trajetória da criança e do adolescente no Brasil colônia,
tendo como base alguns autores que foram de extrema importância no entendimento de que
a infância, fase que deveria ser desfrutada pela criança e respeitada por todos, foi ao
contrário, negada e ignorada durante tanto tempo.
Em seguida, buscar-se-á com a bibliografia atualizada, textos doutrinários e legislação
específica descrever qual o tratamento dado à criança e ao adolescente no Brasil imperial.
Por fim, o artigo ora proposto, abordará a criança e o adolescente no Brasil república
tratando de pontos relevantes tais como o abandono da nomenclatura de menoridade, que
foi de vital importância para a consolidação e respeito da teoria da proteção integral.

1. As crianças e os adolescentes no Brasil Colônia

No Brasil colônia, a idéia de proteção e sentimento em relação a criança não existia, ou seja,
as crianças eram consideradas animais que deveriam ter aproveitada sua força de trabalho
enquanto durassem suas curtas vidas, ou seja, a expectativa de vida era de 14 anos de
idade, onde metade dos nascidos vivos morriam antes de completar os 7 anos de idade
(PRIORE, 2000, p. 20).
Meninas e meninos viviam em extrema pobreza, então, uma das alternativas encontradas
nessa época para livrar as crianças da pobreza e consequentemente ganhar dinheiro, era
entregá-los para a marinha.
Nesse contexto, nas embarcações portuguesas em 1500, estiveram presentes os grumetes,
pagens e as órfãs do rei, onde os grumetes eram os que tinham as piores condições de vida,
atuando nos trabalhos mais arriscados e sendo vítimas de inúmeras tragédias a bordo, além
da péssima alimentação.
Os pagens por sua vez, eram os acompanhantes das famílias, tinham um cotidiano menos
árduo, pois cabia a eles servir a mesa dos oficiais, arrumar os camarotes e as camas. Tais
pagens trabalhavam menos que os grumetes e eram considerados superior a estes, porém
estavam sujeitos a má alimentação e exploração sexual (RAMOS, 2000, p. 19)
Sendo assim, enquanto os meninos pobres menores de 16 anos eram embarcados como
grumetes e pagens nas naus portuguesas do século XVI, e alguns dos filhos dos oficiais,
mesmo não sendo pagens, embarcavam simplesmente como acompanhantes de seus pais
a fim de aprender seu ofício, as meninas órfãs de pai e pobres eram arrancadas à força de
sua família e embarcadas sob a categoria de órfãs do rei.” (PRIORE, 2000, p.32).
Desse modo, as órfãs do rei eram as meninas brancas, pobres, menores de 16 anos de
idade, que tinham o pai falecido e eram utilizadas para venda, onde algumas eram virgens
e outras prostitutas (PRIORE, 2000, p.33).
Enfim, chega-se a conclusão de que a história do cotidiano infantil a bordo das embarcações
portuguesas quinhentistas,foi uma história tão somente de tragédias pessoais e coletivas.
Assim,

em 29 de março de 1549 desembarcaram na Vila de Pereira, quatro padres e dois irmãos


liderados pelo padre Manuel de Nóbrega, onde vinham com o objetivo de ensinar as crianças
a doutrina, mas também os modos de vida, ler, escrever, cantar, trabalhar, tudo através da
Companhia de Jesus (CHAMBOULEYRON, 2000, p.56).

A Companhia de Jesus, além das ordens missionárias, se encarregava de orientar na


formação de crianças e adolescentes e influenciou muito na criação de colégios, onde
vinham inclusive pessoas “de fora” para receber não somente os ensinamentos mas também
vigilância e enquadramento.
Nesse sentido, os padres tinham a difícil missão de perseverar os bons costumes, fazendo
com que as crianças influenciassem seus pais na efetivação e implementação de tais
condutas.
Logo, as crianças foram no Brasil, instrumento de propagação da fé cristã, ou seja, eram
objetos de convencimento e influência aos pais e aos mais velhos que devido a idade, não
poderiam comparecer à igreja (CHAMBOULEYRON, 2000, p.63).
Porém, com o passar do tempo, os padres, foram percebendo a dificuldade de evangelizar
os nativos, onde chegou-se a conclusão que pelo medo os índios se converteriam mais
rápido do que pelo amor, por estarem afastados de seus abomináveis costumes e da fé
cristã.
Assim, nas aldeias administradas pelos jesuítas, Mem de Sá mandara fazer tronco e
pelourinho, que por sua vez eram utilizados sempre que as crianças ou adolescentes
fugissem da escola (CHAMBOULEYRON, 2000, p.63).
Entretanto, embora o castigo físico fosse normal, os padres tinham o cuidado de não o
aplicar pessoalmente, delegando a tarefa, de preferência, a alguém fora da companhia.
Posteriormente em 1726 surgiu a então denominada roda dos expostos, que foi uma das
instituições brasileiras de mais longa vida, sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa
história. Criada na Colônia perpassou e multiplicou-se no período imperial, conseguiu
manter-se durante a República e só foi extinta definitivamente na recente década de 1950
(MARCÍLIO, 2000, p. 51).
Sendo assim, quase por século e meio a roda de expostos foi praticamente a única
instituição de assistência à criança abandonada em todo o Brasil.
O sistema de rodas de expostos foi inventado na Europa medieval, onde seria ele um

meio encontrado para garantir o anonimato do expositor e assim estimulá-lo a levar o bebê
que não desejava para a roda, em lugar de abandoná-lo pelos caminhos, bosques, lixo,
portas de igreja ou de casas de família, como era o costume, na falta de outra opção. Assim
procedendo, a maioria das criancinhas morriam de fome, de frio ou mesmo comidas por
animais, antes de serem encontradas por almas caridosas (MARCÍLIO, 2000, p.52).

O nome roda, provém do dispositivo onde se colocavam os bebês que se queriam


abandonar. Sua forma cilíndrica, dividida ao meio por uma divisória, era fixada no muro ou
na janela da instituição, onde no tabuleiro inferior e em sua abertura externa, o expositor
depositava a criancinha que enjeitava. A seguir, ele girava a roda e a criança já estava do
outro lado do muro. Puxava-se uma cordinha com uma sineta, para avisar a vigilante ou
rodeira que um bebê acabava de ser abandonado e o expositor furtivamente retirava-se do
local, sem ser identificado (MARCÍLIO, 2000, p. 55).
A origem desses cilindros rotatórios de madeira vinha dos átrios ou vestíbulos de mosteiros
e de conventos medievais, usados então como meio de se enviar objetos, alimentos e
mensagens aos seus residentes. A finalidade era a de se evitar todo contato dos religiosos
enclausurados com o mundo exterior, garantindo-lhes a vida contemplativa escolhida.
Como os mosteiros medievais recebiam crianças doadas por seus pais, para o serviço de
Deus, muitos pais que queriam abandonar um filho utilizaram a roda dos mosteiros para nela
depositarem o bebê. Esperavam eles que o pequeno não só teria os cuidados dos monges,
como seria batizado e poderia receber uma educação aprimorada.
Desse uso indevido das rodas dos mosteiros, surgiria o uso da roda para receber os
expostos, fixada nos muros dos hospitais.
Entretanto, em meados do século XIX, seguindo os rumos da Europa liberal, que fundava
cada vez mais sua fé do progresso contínuo, na ordem e na ciência, começou forte a
campanha para a abolição da roda dos expostos. Esta passou a ser considerada imoral e
contra os interesses do Estado.
Aqui no Brasil, igualmente iniciou-se movimento para a extinção da Roda dos Expostos, que
partiu

inicialmente dos médicos higienistas, horrorizados com os altíssimos níveis de mortalidade


reinantes dentro das casas dos expostos, entretanto, o movimento insere-se também na
onda da melhoria da raça humana, levantada com base nas teorias evolucionistas pelos
eugenistas ( MARCÍLIO, 2000, p. 66).

Logo, percebe-se que a roda dos expostos surgiu na verdade para proteger de alguma forma
os senhores, a burguesia, pois muitas vezes tais enjeitados eram filhos destes, que de forma
bem cômoda colocavam na roda, para não se dividir a herança, para não abalar a imagem
da “nobre” família e para poder continuar explorando a mãe dessa criança.
Porém, a Santa Casa de Misericórdia (nome dado ao local onde se localizava a Roda dos
Expostos) não poderia acolher todas as crianças, pois não teria lugar para tantas. Então,
preocupada com essa situação, a Roda buscava casas de famílias que pudessem receber
as crianças como aprendizes no caso dos meninos de algum ofício ou ocupação e das
meninas como empregadas domésticas.
Em Santa Catarina a roda dos expostos surgiu em 1828 e se extinguiu em 1990. As
primeiras rodas dos expostos foram instaladas em Salvador, Rio de Janeiro, Recife e São
Paulo (MARCÍLIO, 2000, p.64).
Dessa maneira, poder-se concluir que a criança e o adolescente no Brasil imperial foram
tratados como meros objetos perante a sociedade, onde tais consequências irão refletir em
épocas posteriores, ocasionando barreiras para efetivação dos direitos de meninas e
meninos.

2. As crianças e os adolescentes no Brasil Império

Em 1822, século XIX, o Brasil foi marcado pela rígida divisão de classes, onde a nobreza
descobriu a infância de suas crianças, mas os escravos terão que esperar algumas décadas
para esse reconhecimento (CUSTÓDIO, 2009, p.11).
Assim, no período imperial brasileiro, é instituído um modelo de governo centralizado, onde
a primeira Constituição brasileira não apresentava uma atenção especial em relação à
criança, refletindo o papel ainda periférico da infância na legislação neste período.
A Constituição Política do Império do Brasil preocupava-se com questões relativas à
menoridade do príncipe, por tratar de uma questão de interesse para a manutenção das
condições hereditárias de poder, mas não faz qualquer referência significativa em relação à
infância ou ao desenvolvimento da criança.
Desse modo, no período imperial brasileiro, a constituição de 1824 não apresenta uma
atenção especial em relação à criança, onde esta era vista tão somente como um ser
marginal que deveria ser submetido ao controle policial (VERONESE, 1999, p. 19). Nesse
sentido, havia grande preocupação nessa época com a higiene e educação, quando foram
criadas as primeiras escolas de primeiras letras com vistas a atender as crianças oriundas
de famílias com melhor condição econômica.

No período imperial, é muito evidente a preocupação relativa à educação, à saúde e à


assistência das crianças, mas não se pode desconsiderar que a herança político-social das
raízes coloniais brasileiras e a manutenção da escravidão foram fortes componentes numa
estrutura hierarquizada que visava, antes de tudo, a unificação do território nacional com a
defesa e a afirmação de fronteiras, mediante um poder centralizador, no qual a criança
pouco importava.(VERONESE, 1999, p. 26).

Percebe-se que gradativamente reconhecia-se a infância como etapa específica do


desenvolvimento, no entanto, esta descoberta não significou imediatamente a valorização
indistinta da criança como elemento prospectivo da humanidade. Antes disso, serviu para
demarcar uma radical diferença de classe, privilegiando as crianças da elite mediante o
reconhecimento de uma identidade própria e particular que se afirmou diante dos demais
segmentos estigmatizados como órfãos, expostos, menores (MAUAD, 2000, p.25).
Desse modo, durante o império a criança e o adolescente foram ignorados, não tendo
qualquer direito assegurado, sendo à exploração no trabalho frente ao modelo liberal que
surgia em busca do progresso com a instauração da república.
Ou seja, a dinâmica era a seguinte: quanto mais pobres, mais delinquentes, quanto mais
delinquentes mais se recolhiam tais crianças, quanto mais se recolhia, mais se fazia elas
trabalharem, quanto mais se trabalhasse, mais se enriquecia o país.
Enfim, em 1888, a abolição da escravidão não viria significar a abolição da exploração das
crianças no trabalho, mas substituir um sistema por outro, considerado mais legítimo e
adequado aos princípios norteadores da chamada modernidade. O trabalho infantil
continuará como instrumento de controle social da infância e de reprodução social das
classes, surgindo, a partir daí, outras instituições fundadas em novos discursos.

3. As crianças e os adolescentes no Brasil República

Com a proclamação da república e a abolição da escravidão, crianças circulavam pelas


cidades em busca de comida, casa, na total miséria. Porém, estas eram tidas como
“baderneiras”, ou seja, a presença da pobreza incomodava a classe alta, pois tais crianças
traziam consigo a “criminalidade”, furtando a beleza e a paz social (CUSTÓDIO, 2009, p14).
Dessa forma, na “defesa da sociedade”, e como forma de “solucionar” esse “problema”, foi
aprovado o código penal da República inserindo a criança num âmbito criminal, reduzindo
sua condição na de marginal, objeto vazio de direitos.
O Brasil tinha nessa época um ideal muito claro: “a criança é o futuro do país”, nesses
termos, tinha-se que corrigir suas condutas e ações enquanto fosse tempo para que no
futuro esta criança se tornasse um bom e honesto adulto.
Logo, o Estado com base em tal objetivo acabou construindo uma prática de intervenção
sobre a criança pela via da criminalização, inaugurando o modelo menorista.
Nesses termos, em 1927 foi aprovado o Código de Menores, que inseriu o Direito do Menor
no ordenamento jurídico brasileiro e em 1979 um “novo” Código de Menores, no qual de
novo não tinha absolutamente nada, baseado na ideia de situação irregular (VERONESE,
1999, p. 26).
O então código de menores de 1927 representava a elite da época, sendo carregado de
conteúdo moral, surgindo para resolver os ditos “incômodos da delinquência” e ignorando
por completo a desigualdade social e a exploração econômica.
Assim, pode-se considerar que a infância acaba sendo descoberta através da negação, ou
seja, por aquilo que não pode, não sabe, não é capaz, enfim através de cláusulas de barreira
de direitos.
Assim tal Código institucionalizou o dever do Estado em assistir os menores que, em face
do estado de carência de suas famílias, tornavam-se dependentes da ajuda ou mesmo da
proteção pública, para terem condições de se desenvolver ou, no mínimo, subsistirem no
caso de viverem em situações de pauperização absoluta, ou seja, não era qualquer criança
que estava submetida a tal Código.
A tônica predominante desta legislação menorista era corretiva, isto é,

fazia-se necessário educar, disciplinar, física, moral e civicamente as crianças oriundas de


famílias desajustadas ou da orfandade. O código instituía uma perspectiva individualizante
do problema do menor: a situação de dependência não decorria de fatores estruturais, mas
do acidente da orfandade e da incompetência de famílias privadas, portanto culpabilizava
de forma quase que exclusiva a desestrutura familiar (VERONESE, 1999, p.28).

Em 1941 foi organizado o SAM, Serviço de Assistência a Menores, através do Decreto-Lei


nº 3779, com a tarefa de prestar, em todo território nacional, amparo social aos menores
desvalidos e infratores, isto é, tinha-se como meta centralizar a execução de uma política
nacional de assistência, desse modo, portanto o SAM se propunha ir além do caráter
normativo do Código de Menores de 1927 (VERONESE, 1999, p.32).
Acoplado à perspectiva corretiva, tinha o SAM alguns objetivos de natureza assistencial,
quando enfatizava a importância de estudos e pesquisas, bem como o atendimento
psicopedagógico às crianças e adolescentes carentes e com problemas de conduta, os
quais eram denominados desvalidos e delinqüentes.
No entanto, o SAM não conseguiu cumprir suas finalidades, devido à sua estrutura
emperrada, sem autonomia e sem flexibilidade e a métodos inadequados de atendimento,
que geraram revoltas naqueles que deveriam ser amparados e orientados. (VERONESE,
1999, p.32).
Assim, no dia 1º de dezembro de 1964 é criado a FUNABEM, Fundação Nacional do Bem
Estar do Menor, pela Lei nº 4513, onde veio responder ao “clamor público” que passou a
exigir, por parte do Governo, alguma solução diante do descrédito que se tornou o SAM
(VERONESE, 1999, p.33).
A FUNABEM era voltada para uma parcela estigmatizada da sociedade, ou seja, para os
marginais.
Sendo assim, o estado preocupado com o oferecimento das necessidades básicas,
esquecia-se das necessidades integrais e utilizava a família desestruturada como a principal
causa da marginalização da criança.
Dessa forma, o estado se resumia por meio do assistencialismo, em criar instituições
próximas de famílias para “cuidar” das crianças, ou seja, estas eram retiradas de suas
famílias “desestruturadas” e colocadas a conviver com pessoas que não conheciam tudo
pelo “bem da nação” (CUSTÓDIO, 2009, p.19).
O menor era um problema que o estado com toda sua “bondade” tentava resolver de sua
forma, remetendo a culpa a família desestruturada da criança, se livrando por completo de
qualquer responsabilidade.
Destarte, no final da década de 1970 a FUNABEM era alvo de profundas críticas, o governo
brasileiro então cria em 11 de dezembro de 1978 a Comissão Nacional do Ano Internacional
da Criança, que serviria de base para a declaração da Doutrina do Menor em Situação
Irregular no Brasil, ou seja, o segundo Código de Menores de 1979 (VERONESE, 1999, p.
33).
Dentro desse panorama surge o Código de Menores de 1979, lei nº 6697, de 10 de outubro
de 1979, no Ano Internacional da Criança,

onde com tal Código se dá o estabelecimento de um novo termo: “ menor em situação


irregular”, que dizia respeito ao menor de 18 anos de idade que se encontrava abandonado
materialmente, vítima de maus-tratos, em perigo moral, desassistido juridicamente, com
desvio de conduta e ainda o autor de infração penal (CUSTÓDIO, 2009, p.35).

Sendo assim, o Código de Menores de 1979 nada mais foi que um Código de Menores de
1927 com novas roupagens, onde a verdadeira vítima (criança) era a protagonista de um
palco marcado pela violência, humilhação, estigmas e rótulos, reduzindo-a a objeto “vilão”
da história.
Dessa forma, em consonância com o Código de Menores, uma criança ou adolescente,
sobre a qual se entendeu como tendo uma conduta desviante, mesmo que jamais tivesse
cometido ato anti-social, poderia ser privada de sua liberdade de ir e vir, e perder vínculos
familiares e comunitários, pelo simples fato de estar em situação irregular.
Destarte, a Doutrina da Situação Irregular caracterizou-se pela imposição de um modelo que
reduzia a criança a mero objeto, não se reconhecendo dessa forma nenhum direito a ela,
pois esta tinha como característica elementar a incapacidade.
Nesse contexto, seguindo tal Código, o poder judiciário se aliou inclusive à polícia, apoiando-
a nas práticas violentas contra crianças por serem estas pobres e destituídas de poderes
políticos, facilitando então a retirada de sua dignidade e a negação de seus direitos.
Com o fortalecimento dos movimentos sociais, o Brasil passa de um cenário estático e
autoritário para crítico e democrático, onde diversos setores da sociedade passam a exigir
a mudança de modelo.
A miséria, desigualdade social, as precárias condições de vida da maioria das crianças
foram alguns dos fatores que contribuíram para a transição da Doutrina da Situação Irregular
pela Teoria da Proteção Integral.
Dessa forma, a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 5 de
outubro de 1988 inseriu a concretização do novo direito, trazendo a democracia participativa
e a formulação de políticas públicas como ferramentas no combate à exclusão social
(BRASIL, 2010).
Desse modo, a Constituição da República Federativa do Brasil trouxe em seu artigo 6º os
direitos sociais, tais como o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à segurança, à
previdência social, à proteção a maternidade e à infância, bem como à assistência aos
desamparados (BRASIL, 2010).
Nesse sentido, o artigo 227 dispõe que é dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança, ao adolescente, e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão
(BRASIL, 2008).
Seguindo tais direitos, no dia 13 de julho de 1990 surge a Lei 8.069, denominado Estatuto
da Criança e do Adolescente, com votação expressiva nas duas casas do Congresso
Nacional, trazendo o Direito da Criança e do Adolescente como ramo jurídico autônomo.
Tal Estatuto trouxe um conjunto de normas disciplinadoras dos direitos fundamentais de
meninos e meninas, destinando-se a implantação do sistema de garantias, assumindo a
responsabilidade de assegurar e efetivar os direitos fundamentais de crianças e
adolescentes, não devendo mais atuar como antes, com repressão e força, mas com
políticas públicas de atendimento, promoção, proteção e justiça.

Considerações finais

A história do direito da criança e do adolescente no Brasil foi marcado por um sem número
de tragédias, sofrimentos e humilhações, onde meninas e meninos até praticamente a
promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil foram considerados meros
objetos de fácil manipulação na sociedade.
Baseado nisso, percebe-se que o processo de concretização dos direitos fundamentais de
crianças e adolescentes no Brasil precisa superar as práticas históricas de disciplinamento,
violência e exclusão a que foram submetidas pelas instituições por longo período.
Com o surgimento da Constituição da República Federativa do Brasil e Estatuto da Criança
e do Adolescente, e consequentemente com a incorporação do Direito da Criança e do
Adolescente no ordenamento jurídico brasileiro, ocorreu a oportunidade de reconhecimento
de novos direitos fundamentais a meninas e meninos até então não instituídos.

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo:


Saraiva, 2010.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do


Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília,
DF, 16 de jul. 1990.

CHAMBOULEYRON, Rafael. Jesuítas e as crianças no Brasil quinhentista. In: PRIORE,


Mary Del (Org). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999.

CUSTÓDIO, André Viana. Direito da criança e do adolescente. Criciúma: UNESC, 2009.

MAUAD, Ana Maria. A vida das crianças de elite durante o Império. In:PRIORE, Mary Del
(Org). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000.

MARCÍLIO, Maria Luisa. A roda dos expostos e a criança abandonada na história do Brasil
1726-1950. In: FREITAS, Marcos Cezar de. (Org). História social da infância no Brasil. São
Paulo: Ed. Cortez, 1999.
PRIORE, Mary Del (Org.) História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto.1999.

RAMOS, Fábio Pestana. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações


portuguesas do século XVI. In: PRIORE, Mary Del (Org). História das Crianças no Brasil.
São Paulo: Contexto, 2000.

VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo: LTR,
1999.

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