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doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.

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AS REPRESENTAÇÕES DA INFÂNCIA NA IDADE MÉDIA

CORTEZ, Clarice Zamonaro (PLE/UEM-GTSEAM)

A Idade Média, considerada desde o Romantismo a época mais importante na


formação da civilização européia, caracteriza-se por valores culturais de inspiração
clássica, mas cristianizados pela ética e religiosidade. Os conventos, difusores da cultura
monástica (escrita e erudita), inicialmente em latim, expressam-na por meio de obras
religiosas, morais e filosóficas. Há, porém, uma convivência com a cultura laica ou
profana, em língua vulgar, refletindo a atmosfera cavaleiresca, aspirando a um novo ideal,
além de afirmar um conceito de vida alheio aos valores religiosos: a escola poética
provençal, que influencia o lirismo galego-português. Fundamental é destacar o legado da
literatura e da arte mais pormenorizadamente nessas culturas, enfatizando a poesia
trovadoresca que, na Península Ibérica, engloba composições líricas e satíricas, fontes
importantes para o estudo da construção da sociedade moderna e a arte pictórica medieval.
Autores clássicos como Aristóteles, Cícero e Virgílio tiveram suas obras estudadas,
porém, adaptadas à nova mentalidade de inspiração cristã, assimilando os seus valores
culturais adequados aos princípios morais e religiosos da época. O estudo da Teologia
ocupa o primeiro lugar – o ideal de vida do homem é essencialmente teocêntrico. Os
primeiros centros difusores da cultura são os conventos, onde o latim, língua da Igreja e
língua culta por excelência, serve de veículo à cultura monástica (obras religiosas, morais e
filosóficas).
Philippe Ariès (1981) explica que a concepção atual da infância vem evoluindo e se
desenvolvendo desde o século XV e várias mudanças foram registradas no final desse
mesmo século. Até então, o que denominamos de primeira infância (três ou quatro anos), a
criança era acompanhada pelos pais e tinha seus momentos de lazer isoladamente ou
brincando e jogando com outras crianças. Logo depois, praticam os jogos de adultos,
participando das festividades. As famílias não desenvolviam afetividade pelas crianças e
não havia a preocupação com os cuidados e sentimentos fraternos. Na Idade Média, a

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infância terminava para a criança ao ser desmamada, o que acontecia por volta dos seis ou
sete anos de idade. A partir dessa idade, ela passava a conviver definitivamente com os
adultos, acompanhando-os no trabalho e freqüentando ambientes noturnos.
A concepção de infância que conhecemos hoje vem evoluindo e se desenvolvendo
desde o século XV; foi no fim desse século que começaram a acontecer as mudanças. Até
então, o que denominamos de primeira infância (três ou quatro anos), a criança era
acompanhada pelos pais e tinha seus momentos de criança, isoladamente ou brincando e
jogando com outras crianças. Logo depois, passam a jogar e brincar com os adultos e com
jogos de adultos; até mesmo das festividades esses pequenos participavam até acabar. As
famílias não desenvolviam afetividade pelas crianças e não havia a preocupação em cuidar
deles com sentimentos fraternos.
Na Idade Média, a infância terminava para a criança ao ser esta desmamada, o que
acontecia por volta dos seis a sete anos de idade. A partir dessa idade, ela passava a
conviver definitivamente com os adultos. Acompanhava sempre o adulto do mesmo gênero
e fazia o mesmo que eles: trabalhava, freqüentava ambientes noturnos, bares etc.
Ainda não havia o conceito de escolas. O que existia eram as salas de estudo livres,
freqüentadas por qualquer pessoa que necessitasse aprender a ler e escrever: crianças,
adolescentes e adultos. Lembrando que, se a infância era curta, a adolescência não existia.
Além disso, não existia um trabalho pedagógico diferenciado de acordo com cada faixa
etária; as classes podiam conter até 200 alunos. Estudavam pessoas de qualquer classe
social; nessa época, não se fazia distinção entre eles. O convívio entre as classes sociais era
normal em qualquer lugar da sociedade.
As meninas não iam para essas salas; elas eram educadas nas casas em que moravam
e recebiam a educação que seus pais ou responsáveis lhe proporcionavam. Era costume
mandar seus filhos para casa de amigos mesmo nobres, ou de um mestre em algum ofício,
para aprenderem a ser adultos. Acreditavam que seus filhos precisavam aprender na prática
suas funções; todos enviavam seus filhos para outra família cuidar. Alguns afazeres eram
sempre feitos por aprendizes, crianças; nem mesmo os empregados da casa os
desempenhavam, como, por exemplo, servir a mesa.. Até os 18 anos, eles moravam em
outras casas. As meninas também eram trocadas entre as famílias para aprenderem a serem
donas de casa até que casassem, por volta dos 13 a 14 anos.

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No final do século XV e começo do XVI, começa-se a cobrar da sociedade o cuidado
com a criança e a necessidade de se desenvolver afetividade fraterna pelos filhos.
Lentamente, esse processo passa a mudar e as crianças adquirem o direto de estar mais
próximas de seus pais. Começam a aparecer mais escolas populares, onde todos do gênero
masculino podem freqüentar, independente da classe social. Muitos meninos freqüentam
essas escolas, onde já se faz um trabalho pedagógico diferenciado, nas quais havia classes
separadas por idades.
No começo, eram internatos, ou os alunos moravam em pensionatos e freqüentavam
as escolas. Mas as famílias sentem necessidade de estar mais próximas de seus filhos e
começam a existir os externatos.
No entanto, essas escolas eram muito rígidas e não havia preocupação com a
formação integral das crianças; o foco estava na educação para a moral e bons costumes,
para que possam ser bons trabalhadores.
É a partir do princípio do século XX que a escola começa a mudar sua postura
perante a educação das crianças, percebendo a sua importância para o seu desenvolvimento
como ser humano.
Historicamente, não havia o conceito de escola. O que existia eram as salas de
estudo livres, freqüentadas por qualquer pessoa que necessitasse aprender a ler e a
escrever: crianças, adolescentes e adultos. Lembrando que, se a infância era curta, a
adolescência não existia. Além disso, não há notícia de um trabalho pedagógico
diferenciado de acordo com cada faixa etária.
As meninas não tinham o direito de frequentar escola e eram educadas nas casas em
que moravam, recebendo a educação que seus pais ou responsáveis lhe proporcionavam.
Era costume mandar seus filhos para casa de amigos mesmo nobres, ou de um mestre em
algum ofício, para aprenderem a ser adultos. Alguns afazeres eram sempre feitos por
crianças como, por exemplo, servir a mesa. Até os 18 anos, eles moravam em outras casas.
As meninas também eram trocadas entre as famílias para aprenderem a ser donas de casa
até que se casassem, por volta dos 13 ou 14 anos. Somente no final do século XV e
princípio do XVI, o cuidado com a criança e a necessidade de se desenvolver afetividade
fraterna pelos filhos começam a ser cobrados pela sociedade. Lentamente, esse processo
passa a mudar e as crianças passam a adquirir o direto de estarem mais próximas de seus
pais.

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Os registros da situação da criança na Idade Média encontram-se justamente nos
livros conventuais e nas ilustrações encontradas em missais, iluminuras e manuscritos dos
séculos XII a XVI, hoje, acervo de bibliotecas e museus de países que, historicamente,
viveram a Idade Média. Na literatura, as cantigas de Santa Maria registram várias situações
da infância que a Virgem Maria operou um milagre de salvação com ilustrações temáticas
denominadas miniaturas.
Retomando a concepção medieval da criança, a visão teocêntrica de mundo (a
cristianização) influenciou desde o nascimento e batismo até a questão do trabalho e da
educação infantil. O menino Jesus representa o modelo de criança que deveria ser imitado
pelas suas virtudes, além das histórias de santos jovens que percorriam toda a Idade Média,
que eram lembrados como exemplos vivos de bondade e seus milagres eram contados às
crianças como modelos de uma infância maravilhosa. Como as crianças eram expostas aos
perigos, particularmente, beneficiavam-se da proteção natural dos anjos e dos santos.
A arte medieval registra temas bíblicos como o episódio relatado no evangelho de
Mateus “Massacre dos Inocentes”, retratado por Giotto, século XV (1302-1303), no
afresco da Capela da Arena, em Pádua, na Itália. Exemplifica a questão da inocência
infantil, requisito bíblico para o homem ser recebido no paraíso.

A cristianização da sociedade valorizou e protegeu a mãe e, sobretudo, a criança. A


razão principal do casamento é o nascimento dos filhos, justificando a proteção desde a
gravidez. Os movimentos da criança no ventre materno anunciavam presságios de
felicidade, a gestante poderia estar gerando um futuro santo. Quando os bebês nasciam
disformes ou doentes, interpretavam como intervenção do diabo ou de uma punição divina.

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A mãe estava em pecado e deveria fazer inúmeras penitências para obter o perdão divino,
uma vez que a Igreja condenava severamente o infanticídio, mas autorizava o abandono
para a adoção, se a família não tivesse recursos financeiros. As igrejas, hospitais e
mosteiros abrigavam as crianças.
A produção artística da Era Medieval, segundo Ângela Vaz Leão (2007, p. 263), foi
marcada pelo anonimato. No entanto, na Baixa Idade Média, a figura do autor assumiu
certo relevo, pois passou a assinar sua obra, mesmo que não tivesse comprometimento com
qualquer tipo de originalidade temática e formal. No caso de Afonso X, embora tivesse
colaboradores, teria planejado e revisado toda a coletânea das cantigas de Santa Maria,
além de haver composto grande parte dos poemas e das músicas. Dessa forma, apesar das
discussões que envolvem a autoria desses textos, esta ficaria comprovada pelos inúmeros
poemas em primeira pessoa, em que fala de seu amor à Santa Maria, de sua família e
empreendimentos.
Essas cantigas compõem uma rica variedade de formas métricas e uma vasta
compilação de legendas medievais, derivam em sua maioria da tradição mariana européia,
apesar de algumas se referirem aos milagres que o rei diz ter presenciado. Escritas em
galego-português, há, na maioria de seus versos, vários detalhes de ações entre lugares
comuns, sempre repetidos, sobre as excelências de Maria e a eficácia de sua devoção. São
pertencentes ainda a dois conjuntos: as “cantigas de loor” (louvor), que equivalem a uma
versão a lo divino (ao divino) da cantiga de amor e as “Cantigas de miragre” (milagre), em
maior número, que correspondem a narrações de milagres realizados por intermédio de
Santa Maria.
Dentre as cantigas que se referem aos milagres da Santa Maria, a cantiga de número
122 refere-se à temática infantil, especificamente, à criança prometida a Deus, ao nascer,
considerando que na idade adulta ela abraçaria a vida monástica. Os dados históricos
registram os perigos que a criança era constantemente exposta, resultando a morte, mas, na
cantiga, milagrosamente, ela foi ressuscitada pelo poder da Virgem Maria.
A cantiga intitula-se Miragres muitos pelos reis faz e relata o milagre da Virgem,
ao ressuscitar uma menina pertencente à nobreza que mais tarde, torna-se monja e uma
santa mulher:

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Miragres muitos pelos reis faz

Como Santa Maria resucitou ha infante, filla dun rei, e pois foi monja e
mui santa moller

Miragres muitos pelos reis faz


Santa Maria cada que lle praz.

Desto direi un miragre que vi


que en Toled' a Virgen fez ali
na ssa capela, e creed' a mi
que faz y outros miragres assaz.

Miragres muitos pelos reis faz


Santa Maria cada que lle praz.

Esta capela no alcaçar é


da Santa Virgen u ficou a fe,
e dentro ha ssa figura sé
feita como quando pariu e jaz.

Miragres muitos pelos reis faz


Santa Maria cada que lle praz.

Esta fez pintar o Emperador,


o que de tod' Espanna foi sennor;
mas o bon Rei Don Fernando mellor
a pintou toda, o corp' e a faz.

Miragres muitos pelos reis faz


Santa Maria cada que lle praz.

A este Rei ha filla naceu


que a Santa Maria prometeu,
des i aa orden offereceu
de Cistel, que é santa e de paz.

Miragres muitos pelos reis faz


Santa Maria cada que lle praz.

Esta mena ssa madre criar


a fez pera às Olgas a levar
de Burgos; mais la men' a[n]fermar
foi e morreu, de que mao solaz

Miragres muitos pelos reis faz


Santa Maria cada que lle praz.

Toda a noite ssa ama levou,

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ca de doo a matar-se cuidou;
e a sa madre logo o contou,
e ela fez como a quen despraz

Miragres muitos pelos reis faz


Santa Maria cada que lle praz.

De lle morrer sa filla. E enton


foy-a fillar e diss' assi: «Pois non
quis a Virgen, a que te dei en don,
que vivesses, mais quiso que na az

Miragres muitos pelos reis faz


Santa Maria cada que lle praz.

Dos mortos fosses por pecados meus,


poren deitar-t-ey ant' os pees seus
da ssa omagen da Madre de Deus.»
E fez-lo logo, par San Bonifaz.

Miragres muitos pelos reis faz


Santa Maria cada que lle praz.

A todos da capela fez sayr,


des i mandou ben as portas choyr;
e as donas fillaron-ss' a carpir,
e ela chorando pos seu anfaz

Miragres muitos pelos reis faz


Santa Maria cada que lle praz.

E disse: «Ja mais non me partirei


daquesta porta, ca de certo sey
que me dará a Madre do bon Rei
mia filla viva; senon, de prumaz

Miragres muitos pelos reis faz


Santa Maria cada que lle praz.

Tragerei doo ou dun anadiu.»


E esto dizendo, chorar oyu
a menynna, e as portas abryu
e fillou-a nos braços mui viaz,

Miragres muitos pelos reis faz


Santa Maria cada que lle praz.

Chorand' e dizendo: «Beita tu


es, mia Sennor, que pariste Jhesu
Cristo; e poren, cada logar u
for ta eigreja, ben ata en Raz,

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Miragres muitos pelos reis faz
Santa Maria cada que lle praz.

Darei do meu.» E ben assi o fez;


e levou ssa filla daquela vez,
que deu nas Olgas, logar de bon prez,
malgrad' end' aja o demo malvaz.

Miragres muitos pelos reis faz


Santa Maria cada que lle praz.

A cantiga, de autoria de Alfonso X, o Sábio, composta de treze estrofes com


variação métrica de nove e dez sílabas, acompanhada de refrão (“Miragres muitos pelos
reis faz / Santa Maria cada que lle praz”) relata um milagre de Santa Maria que ressuscitou
a filha do rei D. Fernando.
Quando a menina nasceu, foi prometida à Santa Maria: “A este Rei há filla naceu /
que a Santa Maria prometeu, / dês i aa orden offereceu / de Cistel, que é santa e de paz”.
Os versos expõem que uma grave enfermidade acometeu a menina, levando-a à morte:
“Esta mena ssa madre criar / a fez pêra às Olgas a levar/ de Burgos; mais la men’
a[n]fermar/ foi e morreu, de que mão solaz”.
A morte provocou grande comoção na família, principalmente à mãe que, numa
atitude desesperada, ordena a saída de todos da capela e, deitando-se aos pés da Virgem,
clama pelo milagre da ressurreição da filha: “Ja mais non me partirei / daquesta porta, ca
de certo sey / que me dará a Madre do bon Rei / mia filla viva; senon, de prumaz / Tragerei
dôo ou dun anadiu.” Logo em seguida, ouviu o choro da menina que abre as portas e
abraça a mãe.
Historicamente, esse relato refere-se à grande mortalidade infantil, resultado de
vários fatores, dentre eles, a falta de higiene, epidemias, desnutrição e até de maltrato. Os
dados históricos atestam que a disenteria e a febre nos recém-nascidos foram os principais
motivos de morte nos séculos XIII e XIV, na Europa.
O manuscrito do final do século XV, da Biblioteca Nacional de Paris, também
registrou o perigo da morte que rondava tanto as mães como os filhos nesse período1:

1
DELOBBE, Karine. Des enfants au Moyen Âge. Paris, 1999., p.16/17.

8
Georges Duby (1991), pensando na relação em manifestações artísticas medievais,
expõe que no texto é possível remeter a subentendidos, ao não-dito, deixando para o leitor
a construção mental da narrativa. Por sua vez, a imagem tem o recurso da exposição, ela se
deixa ver. Assim, as imagens seriam mais “representativas” que as palavras. No entanto,
nos dois casos, trata-se de uma construção de uma narrativa, de um ambiente e de
personagens, realizadas por um sujeito em um determinado tempo e lugar.
Segundo Martine Joly (1996, p. 61), como um significante pode ter vários
significados, a interpretação de uma imagem, assim como do texto, deve ser relativizada
pelo contexto de produção e recepção da mensagem. Desse modo, temos que ter em mente
a noção de expectativa na recepção de uma mensagem, o que está também, intimamente,
relacionado à noção de contexto, pois essas condicionam a interpretação do material
literário e iconográfico.
Do ponto de vista do léxico, as Cantigas apresentam uma riqueza imensa, pois não
se limitam à tópica amorosa como as cantigas de amigo e de amor. Ao contrário, nos falam
não só da vida religiosa, mas também da vida em toda a sua complexidade, constituindo
talvez o mais rico documento para o conhecimento da mentalidade, costumes, infância,

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doenças, profissões, prostituição, jogo e hábitos monásticos, de todos os aspectos, enfim,
do quotidiano medieval na Ibéria.

REFERÊNCIAS

ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2ª. ed. Trad. de Dora
Flaksman. Rio de Janeiro: LTC, 1981.
DELOBBE, Karine. Des enfants au Moyen Âge. Paris, 1999.
DUBY, Georges; PERROT, Michelle. (Org.). História das Mulheres no Ocidente.
Volume 2 – A Idade Média. Trad de Maria Helena da Cruz Coelho. Lisboa: Afrontamento,
1991.
FRANCO, Angela. Las Cantigas de Santa Maria de Alfonso X, el Sábio. Texto e
imagem. Música. Relaciones con la plástica y la pintura. Disponível em:
<http://www.florin.ms/beth2.html>. Acesso em: 07/06/2008
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Trad. Marina Appenzeller. Campinas,
São Paulo: Papirus, 1996.

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