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DIREITOS

HUMANOS

Guérula Mello Viero


Revisão técnica:

Renato Selayaram
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais
Especialista em Ciências Políticas
Mestre em Direito

A658d Arakaki, Fernanda Franklin Seixas.


Direitos humanos [recurso eletrônico] / Fernanda Franklin
Seixas Arakaki, Guérula Mello Viero [revisão técnica: Renato
Selayaram]. – Porto Alegre : SAGAH, 2018.

ISBN 978-85-9502-537-0

1. Direitos humanos I. Viero, Guérula Mello. II.Título.


CDU 342.7

Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin — CRB 10/2147


Revolução Francesa de
1789 e os direitos de
primeira dimensão
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever o momento histórico francês anterior à Revolução Iluminista.


 Reconhecer a importância da Revolução Francesa para os direitos
fundamentais.
 Explicar o que são os direitos de primeira dimensão originados a partir
da Revolução Francesa.

Introdução
A Revolução Francesa de 1789 é considerada um marco no processo revo-
lucionário. Com o fim da revolução, a burguesia se consolidou, permitindo
abolir a servidão e os direitos feudais e proclamar os princípios universais de
liberdade, igualdade e fraternidade. A partir da queda da Bastilha, diversos
direitos fundamentais passaram a ser consagrados na França, sendo positiva-
dos pela primeira Constituição francesa, que seria promulgada pouco depois.
Neste capítulo, você vai ler sobre o contexto histórico em que a Re-
volução Francesa estava envolta, sua importância para a consagração
de direitos fundamentais e os direitos que se originaram a partir desse
momento histórico.

Contexto histórico da Revolução Francesa


O absolutismo monárquico era o modelo vigente na França até o século XVIII.
Os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário eram personificados na figura
do rei francês Luís XVI, tornando os cidadãos seus súditos (FERNANDES,
2018). Nesse período, a França contabilizava cerca de 25 milhões de habitantes,
2 Revolução Francesa de 1789 e os direitos de primeira dimensão

que eram separados em três níveis de Estado. O primeiro Estado contava com
cerca de 120 mil pessoas, que possuíam cargos na Igreja e eram detentoras
de 10% das terras do reino: o clero. Além disso, eram isentos de impostos,
serviço militar e julgamento em tribunais comuns.
O segundo Estado englobava a nobreza, composta por cerca de 400 mil
nobres, residentes em seus próprios castelos ou na corte real de Versalhes,
os quais também não pagavam impostos. O terceiro Estado abarcava o povo
(burguesia, trabalhadores urbanos, camponeses e sans-culottes), que somava
um pouco mais de 24 milhões de pessoas, representando em torno de 98% da
população. Esse setor era responsável por sustentar o primeiro e o segundo
Estados. Cerca de 80% das suas rendas eram destinadas ao pagamento dos
impostos (PISSURNO, 2018).

Na época da Revolução Francesa, a nobreza possuía uma vestimenta típica: o culote, um


tipo de calção justo que ficava mais apertado na altura dos joelhos. Em contrapartida,
os artesãos, trabalhadores e pequenos proprietários vestiam uma calça comprida, de
algodão grosseiro, vestuário tradicional dos burgueses. Assim, esses grupos passaram
a ser chamados de sans-culottes pelos aristocratas.

A França se envolveu em diferentes guerras ao longo do século XVIII, entre


as quais a Guerra dos Sete Anos (1756–1763) contra a Inglaterra, além do auxílio
destinado aos Estados Unidos na Guerra da Independência (1776). Paralelo a
isso, a corte francesa possuía um alto custo de vida, financiado pelo Estado,
que também tinha um alto custo para se manter em funcionamento. Ainda, para
agravar a situação, a França teria pela frente mais duas crises: a primeira seria
no campo, devido às péssimas colheitas ocorridas nas décadas de 1770 e 1780,
que ocasionou uma inflação de 62%; a segunda, na esfera financeira, decorrente
da dívida pública que se acumulava pela falta de modernização, principalmente
em relação aos investimentos no setor industrial (FERNANDES, 2018).
A inflação elevou brutalmente os preços dos alimentos, fazendo a fome
se alastrar. Milhares de pedintes passaram a vagar pelo país. Alguns eram
mais extremos e começaram a roubar e destruir castelos. Grande parte do
povo culpava a nobreza pela miséria que havia se instalado no reino. Greves e
manifestações contra a política econômica, por parte de operários e artesãos,
tornaram-se comuns em Paris (PISSURNO, 2018).
Revolução Francesa de 1789 e os direitos de primeira dimensão 3

Influenciados pelos pensamentos iluministas e por panfletos que propaga-


vam ideias de liberdade e igualdade distribuídos entre a população, os membros
do terceiro Estado passaram a ser os mais afetados pela crise. Assim, no final
da década de 1780, começaram a exigir uma resposta do rei para a crise, além
de reivindicar direitos mais amplos e maior representação na política francesa
(FERNANDES, 2018). Para tentar solucionar o grave déficit nas contas, o
ministro das finanças Jacques Necker propôs que o clero e a nobreza passassem
a pagar impostos, contudo, a ideia foi rejeitada.

O movimento iluminista defendia o pensamento racional diante da visão teocêntrica


que dominava a Europa. A razão era a melhor forma para conquistar a emancipação,
liberdade e autonomia. Pensadores como John Locke, Montesquieu, Voltaire e Jean-
-Jacques Rousseau encabeçavam esse movimento cultural, filosófico, político e social,
que era contrário ao absolutismo predominante no país. Para os filósofos, o pensamento
era a única luz capaz de iluminar as trevas em que a sociedade se encontrava.
Fonte: Kerdna (2018).

Com o agravamento da crise, em 1788, Luís XVI convocou os Estados


Gerais, primeira vez em 200 anos, para deliberar sobre a situação política
da França, momento em que o conflito de interesses entre os três Estados se
acirrou. Assim, em 5 de maio de 1789, o rei estabeleceu a Assembleia dos
Estados Gerais (FERNANDES, 2018). Cada Estado tinha direito a um voto
por cada matéria colocada em pauta. No entanto, como clero e nobreza tinham
interesses similares, votavam juntos, o que ocasionava o ganho de todas as
votações. Porém, no dia da abertura dos Estados Gerais, o terceiro Estado
pediu que a contagem fosse realizada de forma individual (PISSURNO, 2018).
Um mês depois, após muitos impasses, a burguesia (que liderava o terceiro
Estado) propôs uma Assembleia Nacional, em 10 de junho de 1789, para for-
mular uma nova Constituição para a França. A proposta não foi aceita pelo rei,
pela nobreza e pelo clero. Os burgueses, trabalhadores e demais integrantes do
terceiro Estado reuniram-se, em 17 de junho, para formular uma Constituição
(FERNANDES, 2018). Ao mesmo tempo, vendo que não conseguiria dissolver
a assembleia paralela do povo, o rei ordenou que o primeiro e segundo Estados
se unissem a ele, além de convocar o exército para conter o levante popular
em Paris (PISSURNO, 2018).
4 Revolução Francesa de 1789 e os direitos de primeira dimensão

Em 14 de julho de 1789, o povo invadiu os arsenais do governo, apoderando-


-se de cerca de 30 mil mosquetes. O primeiro alvo foi a Bastilha, prisão
desativada, mas que representava um dos maiores símbolos do absolutismo. A
população tomou o local, desencadeando a Queda da Bastilha, evento conside-
rado o marco do início do processo revolucionário (ALBUQUERQUE, 2018).
A Assembleia Nacional, liderada pelos burgueses, estabeleceu uma série de
decretos, em 4 de agosto, cortando os privilégios da nobreza, entre os quais,
a isenção de impostos e o monopólio das terras cultiváveis. A mesma Assem-
bleia também instituiu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
documento que reivindicou a condição de cidadão aos franceses, deixando
de ser súditos do rei. A nova Constituição francesa teve sua promulgação em
setembro de 1791, a qual assegurava a cidadania a todos e pressionava o rei
Luís XVI a aceitar as condições impostas. Tal Constituição também estipu-
lava a “[...] igualdade de todos perante a lei, o voto censitário, a confiscação
de terras eclesiásticas, o fim do dízimo, a constituição civil do clero, dentre
outros pontos” (FERNANDES, 2018, documento online). Esse momento deu
início ao esboço do primeiro tipo de novo governo que se instalaria na França:
a monarquia constitucional, que durou de 1791 a 1792.
Os jacobinos integravam a ala mais radical da revolução e defendiam que
deveria haver uma ampliação da perspectiva revolucionária, não se submetendo
às decisões da burguesia, a qual se articulava com a nobreza e o monarca.
O objetivo dos jacobinos era aumentar a pressão contra os nobres e o clero,
instituindo uma república revolucionária, eliminando qualquer resquício
de monarquia. O rei Luís XVI, prevendo os rumos que a revolução estava
tomando, articulou um levante contrarrevolucionário, tendo como apoiadores
as monarquias da Áustria e da Prússia. A Áustria invadiu a França em 1792,
momento no qual ambos declararam guerra. O povo parisiense, sabendo dos
planos monárquicos, invadiu o palácio real e prendeu o rei e toda a sua família
(FERNANDES, 2018).
Com a prisão do rei, o Conselho Executivo Provisório assumiu o governo,
liderado pelo advogado George-Jacques Danton. A Assembleia Nacional foi
dissolvida e substituída pela Convenção Nacional. A Convenção sofria uma
disputa. De um lado, os jacobinos — defensores da república e representantes da
pequena e média burguesia — e, de outro, os girondinos – políticos moderados
que procuravam negociar com a monarquia. Em 22 de setembro de 1792, foi
proclamada a primeira república. No ano seguinte, o rei Luís XVI e sua esposa,
Maria Antonieta, tiveram suas cabeças decepadas pela guilhotina, mesmo
ano em que a monarquia constitucional chegou ao fim (PISSURNO, 2018).
Revolução Francesa de 1789 e os direitos de primeira dimensão 5

O período de disputas da Convenção ficou caracterizado pelo forte radica-


lismo presente no comando dos jacobinos, momento conhecido por fase do ter-
ror, devido ao uso indiscriminado da guilhotina. Maximilien de Robespierre,
George-Jacques Danton e Louis Antoine Léon de Saint-Just figuravam como
os principais líderes jacobinos. Com medo de que a revolução se alastrasse
pelos seus territórios, Áustria e Prússia prosseguiram com a guerra contra a
França. Durante esse confronto, nasceu o exército nacional francês, que, pela
primeira vez, era composto pelo povo, não mais por mercenários e aristocratas
(FERNANDES, 2018).
A burguesia conseguiu retomar o poder, instituindo uma nova Constituição,
a qual dava início a uma nova fase da revolução, chamada de Diretório, órgão
composto por cinco membros indicados pelos deputados. No entanto, a crise
social na França se intensificava, exigindo um contorno político eficaz para
evitar a volta da radicalização dos jacobinos. Napoleão Bonaparte, um dos
generais mais jovens e com maior destaque na revolução, era o nome que a
burguesia apostava para colocar ordem na situação política em que a França
se encontrava. Ao regressar do Egito, em 1799, Napoleão deparou-se com
um cenário de conspiração contra o governo do Diretório. Nesse contexto,
o general passou a figurar como ditador, tendo em vista o golpe de 18 de
Brumário e, em seguida, assumiu o posto de imperador da França. “O Período
Napoleônico durou de 1800 a 1815 e mudou o cenário político do continente
europeu, ao passo que expandiu o ideal nacionalista para várias regiões do
mundo” (FERNANDES, 2018, documento online).

O 18 de Brumário foi um golpe de Estado comandado por Napoleão Bonaparte na


França. Na época, vigia o calendário revolucionário francês. O golpe ocorreu em 18
de Brumário do ano VIII, o equivalente ao dia 9 de novembro de 1799, no calendário
gregoriano. Mas como era o calendário da Revolução Francesa?
Na fase mais extremista do processo da Revolução, entre 1792 e 1794, os revolucio-
nários pretendiam romper com qualquer resquício do passado monárquico, feudal
e cristão que vigorava na França. Uma das propostas foi alterar o antigo calendário
gregoriano (baseado em eventos cristãos) por um que representasse a visão de mundo
da burguesia, fundado no racionalismo.
O ano I do calendário francês passou a ser considerado o ano da instauração da
república, em 1973, não mais o ano de nascimento de Cristo, assim como o primeiro
dia do calendário, que passou a corresponder ao dia 22 de novembro de 1973.
6 Revolução Francesa de 1789 e os direitos de primeira dimensão

As semanas passaram a ter 10 dias, com três semanas em cada um dos 12 meses,
com cada mês fechando em 30 dias. Dessa forma, eram eliminados os domingos,
por serem de celebração a Deus, bem como os feriados cristãos. Os meses foram
nomeados da seguinte forma:
 Outono — vindimário (22 de setembro a 21 de outubro); brumário (22 de outubro
a 20 de novembro); frimário (21 de novembro a 20 de dezembro).
 Inverno — nivoso (21 de dezembro a 19 de janeiro); pluvioso (20 de janeiro a 18
de fevereiro); ventoso (19 de fevereiro a 20 de março).
 Primavera — germinal (21 de março a 19 de abril); florial (20 de abril a 19 de maio);
prairial (20 de maio a 18 de junho).
 Verão — messidor (19 de junho a 18 de julho); termidor (19 de julho a 17 de agosto);
frutidor (18 de agosto a 21 de setembro).
Os dias passaram a ser numerados de um a dez: primidi, duodi, tridi, quartidi, quintidi,
sextidi, septidi, octidi, nonidi e décadi. Cada dia tinha 10 horas, cada hora contava com
100 minutos e, cada minuto, com 100 segundos. Essa base decimal de elaboração
do calendário buscava evidenciar o racionalismo e a matemática, contrapondo-se à
influência religiosa.
O calendário da Revolução francesa foi abolido em 1805, quando Napoleão Bonaparte
estava no poder.
Fonte: Pinto (2018).

Revolução Francesa e os direitos fundamentais


Com o fim da Revolução Francesa, a hegemonia da burguesia consolidou-se,
fato que permitiu abolir a servidão e os direitos feudais e proclamar os prin-
cípios universais de liberdade, igualdade e fraternidade. Conforme Norberto
Bobbio (1992), esses ideais consolidaram-se a partir da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, instituída pela Assembleia Nacional, em 1789. A
partir desse momento histórico, os indivíduos passavam a ter direitos frente
ao Estado, que tinha o dever de cuidar das necessidades de seu povo, sejam
elas individuais ou coletivas, fazendo os cidadãos deixarem de ter apenas
deveres em relação ao Estado.

O político francês Jean Nicolas Pache (1746–1823) foi o idealizador dos princípios universais
proclamados após a Revolução Francesa. Liberdade, igualdade e fraternidade (liberté,
égalité, fraternité) foram estampados nas bandeiras de lutas dos burgueses (Silva, 2013).
Revolução Francesa de 1789 e os direitos de primeira dimensão 7

Composta por 17 artigos, a inspiração da Declaração dos Direitos do Ho-


mem e do Cidadão veio da Declaração de Independência dos Estados Unidos,
ocorrida em 4 de julho de 1776. E, logo no art. 1º já definia: “[...] os homens
nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-
-se na utilidade comum” (DIRETORIA DE POLÍCIA COMUNITÁRIA E DE
DIREITOS HUMANOS , 2016, documento online). Para José Afonso da Silva
(2000), o artigo inicial da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:

Cunhou o princípio de que os indivíduos nascem e permanecem iguais em


direito. Mas aí firmara a igualdade jurídico-formal no plano político, de caráter
puramente negativo, visando a abolir os privilégios, isenções pessoais e regalias
de classe. Esse tipo de igualdade gerou as desigualdades econômicas, porque
fundada numa visão individualista do indivíduo, membro de uma sociedade
liberal relativamente homogênea (SILVA, 2000, p. 217).

Entre as previsões trazidas pela Declaração, Alexandre de Moraes (2011,


p. 9) destaca os seguintes direitos humanos fundamentais:

[...] princípio da igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à


opressão, associação política, princípio da legalidade, princípio da reserva
legal e anterioridade em matéria penal, princípio da presunção de inocência,
liberdade religiosa, livre manifestação de pensamento.

Alguns direitos sociais, principalmente os trabalhistas, apareceram somente


após a Revolução Francesa de 1789. Entretanto, como disciplina Sarlet (2004),
até no início do século XX, os direitos humanos e os direitos fundamentais
predominavam na sua forma individualista, necessitando de intervenção do
Estado para realizar a justiça.
Como leciona Silva (2013), a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, que é marcante até os dias atuais, influenciou a vida constitucional
dos povos do Ocidente e Oriente, pois representou o progresso na história da
afirmação dos valores fundamentais da pessoa. No entanto, por ser resultado
do liberalismo do século XVIII, possuía um cunho nitidamente individualista,
subordinando a vida social ao indivíduo e atribuindo ao Estado o dever de
conservar os direitos individuais.
Com a Declaração, a afirmação dos direitos fundamentais foi comple-
mentada e recebeu apoio para conscientizar sobre a necessidade de proteger
judicialmente os direitos do ser humano, “[...] por meio de um processo de
positivação voltado à organização da vida social e o reconhecimento do direito
8 Revolução Francesa de 1789 e os direitos de primeira dimensão

à dignidade da pessoa humana” (SILVA, 2013, documento online). Segundo


o entendimento de Paulo Bonavides (1997, p. 562):

A vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade


humana, enquanto valores históricos e filosóficos nos conduzirá sem óbices
ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa
humana. A universalidade se manifestou pela vez primeira, qual descoberta
do racionalismo francês da Revolução, por ensejo da célebre Declaração dos
Direitos do Homem, de 1789.

Ainda conforme Silva (2013, documento online), à época, “[...] os direitos


humanos eram definidos como direitos naturais, inalienáveis, imprescrití-
veis e sagrados, e refletiam o conceito amplo de liberdade, englobando a
propriedade, a segurança e a resistência à opressão”. Em setembro de 1791,
a Constituição francesa trazia novas formas de controlar o poder estatal, no
entanto, somente com a Constituição francesa de 1793 os direitos humanos
fundamentais obtiveram uma melhor regulamentação, como fica evidente no
preâmbulo (tradução livre):

O povo francês, convencido de que o esquecimento e o desprezo dos direitos


naturais do homem são as causas das desgraças do mundo, resolveu expor,
numa declaração solene, esses direitos sagrados e inalienáveis, a fim de que
todos os cidadãos, podendo comparar sem cessar os atos do governo com a
finalidade de toda a instituição social, nunca se deixem oprimir ou aviltar
pela tirania; a fim de que o povo tenha sempre perante os olhos as bases da
sua liberdade e da sua felicidade, o magistrado a regra dos seus deveres, o
legislador o objeto da sua missão. Por consequência, proclama, na presença
do Ser Supremo, a seguinte declaração dos direitos do homem e do cidadão
(TORREMOCHA JIMÉNEZ, 2018, documento online).

Entre as diversas previsões que a Constituição francesa trouxe, algumas


consagrações merecem destaque, como (TORREMOCHA JIMÉNEZ, 2018):

 art. 1º — o Estado deve garantir que o homem goze de seus direitos


naturais e imprescritíveis;
 art. 2º — os direitos são de igualdade, liberdade, segurança e propriedade;
 art. 3º — todos os homens são iguais por natureza e perante a lei;
 art. 4º — a lei é a expressão livre e solene da vontade geral, é a mesma
para todos;
 art. 5º — todos os cidadãos têm igualdade para a admissão em cargos
públicos;
Revolução Francesa de 1789 e os direitos de primeira dimensão 9

 art. 7º — livre manifestação de pensamento e liberdade de imprensa;


 arts. 13º e 15º — presunção de inocência e proporcionalidade entre
delitos e penas;
 art. 14º — direito ao devido processo legal e ampla defesa.

Conhecida popularmente como bleu, blanc, rouge, a bandeira da França representa a


ideologia da Revolução Francesa. Azul significa liberdade; branco, igualdade; vermelho,
fraternidade.

Direitos de primeira dimensão


Antes de identificarmos os direitos de primeira dimensão, vamos abordar
os direitos fundamentais e suas características. Como leciona Alexandre de
Moraes (2000, p. 40):

[...] inúmeros e diferenciados são os conceitos de direitos humanos fundamen-


tais [...] não é fácil a definição de direitos humanos [...] qualquer que seja a
tentativa pode significar resultado insatisfatório e não traduzir para o leitor,
à exatidão, a especificidade de conteúdo e a abrangência.

Conforme Silva (2002, p. 175), um dos principais pontos destacados pela


doutrina como problema para conceituar os direitos fundamentais se encontra
nas várias expressões utilizadas para designá-los, como:

 direitos naturais;
 direitos humanos;
 direitos do homem;
 direitos individuais;
 direitos públicos subjetivos;
 liberdades fundamentais;
 liberdades públicas;
 direitos fundamentais do homem.
10 Revolução Francesa de 1789 e os direitos de primeira dimensão

No entanto, por não haver unanimidade no termo adequado a ser empre-


gado, Silva (2002) defende a utilização de direitos fundamentais, conforme
a sua justificativa:

Para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições


que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de
todas as pessoas, no qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que
se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza,
não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no
sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas reconhecidos, mas
concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como o macho da espécie,
mas no sentido de pessoa humana (SILVA, 2002, p. 178).

Ou seja, os direitos fundamentais são todos aqueles inerentes ao ser humano,


positivados nos códigos ou em leis. Esses direitos e garantias surgiram ao longo
dos anos, por meio das constituições escritas, com o intuito de proteger os
cidadãos do poder do Estado. Os direitos fundamentais foram aparecendo de
acordo com a necessidade de cada época, de maneira progressiva e sequencial, o
que originou sua classificação em gerações. No entanto, como as novas gerações
não extinguiram as anteriores, utilizamos também o termo dimensão, visto
que os direitos não foram sucedidos, mas passaram a coexistir (LFG, 2017).

Características dos direitos fundamentais


As características dos direitos fundamentais são consideradas princípios
norteadores, uma vez que antecedem qualquer positivação do ordenamento
jurídico. São elas (LFG, 2017, documento online):

Universalidade — os direitos fundamentais são dirigidos a todo ser humano,


sem restrições, independentemente de sua raça, credo, nacionalidade ou con-
vicção política.

Imprescritibilidade — os direitos fundamentais não estão sujeitos à prescri-


ção, ou seja, não se perdem com o decorrer do tempo. Entretanto, há direitos
que podem ser prescritos, como é o caso da propriedade, que poderá ser atingida
pela usucapião quando não exercida. Por não estarem sujeitos à prescrição, os
direitos fundamentais podem ser agregados a outros direitos, sem que isso os
afete de qualquer forma, não permitindo que os direitos já adquiridos sejam
prejudicados ou eliminados.
Revolução Francesa de 1789 e os direitos de primeira dimensão 11

Historicidade — os direitos fundamentais são parte de um processo histórico,


adquiridos por meio de inúmeras revoluções no desdobrar da história.

Irrenunciabilidade — os direitos fundamentais são irrenunciáveis pelo titular.


Entretanto, existe a possibilidade de renúncia temporária, podendo ser vista,
por exemplo, nos programas de televisão conhecidos como reality shows,
em que as pessoas participantes, por desejarem receber o prêmio oferecido,
renunciam, durante a exibição do programa, à inviolabilidade da imagem, da
privacidade e da intimidade.

Inalienabilidade — os direitos fundamentais são intransferíveis, inegociáveis


e indisponíveis, não podendo ser desertados. Contudo, existe a possibilidade
de sua não atuação. Podemos exemplificar a inalienabilidade com a distinção
entre capacidade de gozo, que são os direitos irrenunciáveis, e a capacidade
de exercício, em que se pode optar por sua execução.

Inexauribilidade — o art. 5º, § 2º, da Constituição Federal explica que os di-


reitos e as garantias expressos na Carta Magna não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Concorrência ou interdependência — os direitos fundamentais interagem


entre si, influenciando-se, havendo, assim, uma mútua dependência, visto que
seus conteúdos se vinculam e, por vezes, necessitam ser complementados por
outros direitos fundamentais. Exemplificando essa característica, podemos
dizer que a liberdade de locomoção concorre com a garantia do habeas corpus
e com o devido processo legal, ou seja, podem ser usadas conjuntamente.

Aplicabilidade — os direitos fundamentais têm aplicabilidade imediata, não


podendo, sob nenhuma hipótese, ser postergados. A Constituição Federal
determina ser da competência dos poderes públicos a aplicabilidade imediata
dos direitos e das garantias previstos em lei.

Constitucionalização — são os direitos positivados na Constituição de um


país. Os direitos fundamentais influem em todo o Direito, não só quando tem
por objeto as relações jurídicas dos cidadãos com os poderes públicos, mas
também quando regulam as relações jurídicas entre os particulares. Em tal
medida, servem de pauta tanto para o legislador quanto para as demais instân-
12 Revolução Francesa de 1789 e os direitos de primeira dimensão

cias que aplicam o Direito, as quais, ao estabelecer, interpretar e colocar em


prática normas jurídicas, deverão considerar o efeito dos direitos fundamentais.

Vedação ao retrocesso — uma vez estabelecidos, os direitos fundamentais


não podem ser protelados. Apesar de o princípio do não retrocesso social não
estar explícito, assim como o direito de resistência e o princípio da dignidade
da pessoa (para alguns, questão controvertida), tem plena aplicabilidade. Uma
vez que é decorrente do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma
lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado
direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser
absolutamente suprimido.

Primeira dimensão
Os direitos de primeira dimensão foram os primeiros a ser reconhecidos e
protegidos, originários do século XVIII. Dizem respeito às liberdades públicas,
que antigamente eram chamadas de direitos individuais. São direitos que, em
sua origem, estão vinculados ao jusnaturalismo (FERREIRA FILHO, 2005).
Bobbio (1999, p. 70) leciona que a primeira dimensão corresponde aos direitos
de liberdade ou um não agir do Estado. Essa ideia inerente de liberdade evoluiu
junto com o princípio de igualdade, uma vez que, ao se estabelecer que todos
os homens são iguais, entende-se que são iguais no gozo da liberdade, “[...]
no sentido de que nenhum indivíduo pode ter mais liberdade que o outro”.
Ainda, como destaca Bonavides (2003), há uma universalidade formal nos
direitos de primeira dimensão, visto que estão consagrados formalmente, de
modo que é impossível haver o reconhecimento de uma Constituição sem que
eles estejam presentes.
Os direitos de primeira dimensão dizem respeito ao homem em abstrato;
ao homem singularmente considerado; são direitos de resistência do indivíduo
em face ao Estado (TOSE, 2006). Esses direitos são considerados direitos
individuais com caráter negativo, pois exigem diretamente uma abstenção
do Estado, que é o principal destinatário. Podemos citar alguns exemplos de
direitos fundamentais de primeira geração (LFG, 2017), entre outros:

 direito à vida;
 direito à liberdade;
 direito à propriedade;
Revolução Francesa de 1789 e os direitos de primeira dimensão 13

 direito à liberdade de expressão;


 direito à participação política e religiosa;
 direito à inviolabilidade de domicílio;
 direito à liberdade de reunião.

O direito à vida é um direito fundamental de primeira dimensão, pois exige uma postura
negativa do Estado: “[...] a não promoção da morte e, consequentemente, a não aplica-
ção da pena de morte”. Dessa forma, impede-se que “[...] sejam perpetrados malefícios
pelo poder estatal (uma atitude má não se justifica com outra; violência atrai violência;
o Estado deve propagar a paz e a harmonia social)” (Tose, 2006, documento online).

ALBUQUERQUE, C. História da Revolução Francesa. Estudo prático, 2018. Disponível


em: <https://www.estudopratico.com.br/historia-da-revolucao-francesa/>. Acesso
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BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BOBBIO, N. A era dos direitos. 10. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
BONAVIDES, P. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
BONAVIDES, P. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003
DIRETORIA DE POLÍCIA COMUNITÁRIA E DE DIREITOS HUMANOS. Declaração dos
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