Hoje foi um dia muito especial. Acordei cedo como cada
dia que vou trabalhar na escola. Não tinha vontade de me levantar, estava com muito sono, cansada e triste. Às vezes os dias são difíceis e a tristeza tem essa capacidade de chegar na casa das pessoas e entrar sem permissão. Ela não diz quando vai chegar, ela só chega e a gente pouco tem para fazer. Mesmo que fechemos as janelas, mesmo que as portas fiquem trancadas, ela chega, se acomoda na poltrona y fica lá muito tempo. Às vezes penso que ela acha que mora na minha casa, que janta com meu marido e comigo e que está tão à vontade que se esquece de sair. O dia estava cinzento, mais cinzento do que nunca. As núbeis estavam no céu, nos meus olhos e no meu coração. Antes de sair para pegar o ônibus, procurei na minha biblioteca um livro para ler com meus alunos. Todas semanas, além dos textos que lemos e trabalhamos nas aulas, leio um conto para, como falam os meninos do primeiro ano, voltar a casa com a imaginação desperta. Eu acendi a luz que incomodava meus olhos. Quando os olhos puderam ver, um livro se destacou por encima dos outros. Peguei ele e toda minha vida passou na minha frente. Lembrei do dia em que meu padrinho me deu esse livro de presente por meu aniversário. Eu tinha só seis anos e ainda lembro a emoção que senti ao ver na tapa do livro um grande elefante cor-de-rosa. Eu mal conseguia ler, cada palavra e cada linha era muito esforço para mim, mas li o livro inteiro em poucos dias. Não sabia por que eu sentia essa emoção, mas alguma coisa tocava meu coração. E agora, a emoção voltava a aparecer. Peguei o libro e guardei-o na mochila. Sonhava que meus alunos teriam a mesma emoção do que eu quando eu lesse para eles. Cheguei na escola y disse a meus alunos que o livro que trouxe hoje é um livro muito especial para mim porque os contos que contém foram proibidos por muito tempo e muitas crianças um pouco mais velhas do que eu, não tinham podido desfrutar das suas histórias. Me emociona muito saber que tenho nas minhas mãos a primeira edição de “Un elefante ocupa mucho espacio” feita em democracia. Limos o conto e falamos da liberdade, dos direitos dos trabalhadores, dos direitos dos alunos a ler o que quiserem. Imaginamos um mundo onde não é possível dizer o que pensamos, onde alguém decide o que podemos e não podemos ler e ficamos felizes ao saber que nós sim podemos fazê-lo. Uma menina, ao final da aula, falou para mim: “Obrigada, profa, por sempre trazer para nós estas histórias tão bonitas”. O dia já não estava cinzento; o sol estava brilhando alto. Voltei para minha casa e a hóspede que costuma ficar à vontade na minha poltrona, já tinha saído. Sei que vai voltar, sei que ela gosta de ficar perto de mim; mas quando ela o fizer, eu vou lembrar da alegria que sinto toda vez que um aluno com um sorriso no rosto me agradece por aproximá-los a uma nova história, a um novo conto que deixa a imaginação desperta.