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JULIANA CARLA DA PAZ ALVES

MEMORIAL ACADÊMICO

SÃO PAULO, 2023


JULIANA CARLA DA PAZ ALVES

MEMORIAL ACADÊMICO

Memorial apresentado como pré-requisito para


inscrição em concurso para docente na área
de Didática da Fundação Universidade Virtual
do Estado de São Paulo – UNIVESP.

SÃO PAULO, 2023


1. Primeiras memórias...

“Era verão e o sol brilhava.” Essa é a primeira frase do livro infantil1 predileto
do meu filho mais novo. Leio este livro para ele, atualmente cerca de cinco vezes por
dia. Mas só neste momento de escrita, percebo que “Era verão e o sol brilhava!”
poderia ser a primeira frase do texto sobre minha trajetória acadêmica-profissional-
maternal.

Em um dia lindo de sol em Maceió, minha terra carnaval, onde minhas raízes
de planta aquática nunca se pregaram definitivamente, mas meu coração de água
sabe onde foi gerado, uma menina de oito anos brigou na escola e foi parar na sala
da coordenadora. Depois de explicar à mulher, que bateu no menino porque ele a
havia apelidado e mangado2 do seu rosto muito redondo, foi liberada mais cedo para
ir embora.

Quando saiu da coordenação deu de cara com a sala de leitura na qual


ninguém podia entrar. Olhou ao redor e, certificando-se que não havia ninguém por
perto, entrou caladinha e escolheu o livro que tinha estampado na capa, um rosto
redondo enfeitado com uma franja, olhos bem pretos, nariz muito pequeno e um
chapéu amarelo grandão.

Tirando o fato de a garota ter uma pele muito mais amarronzada, a capa era
espelho e ela não resistiu. Tal qual Oxum faria, pegou o espelho e foi ver se por dentro
elas eram também tão parecidas. Não era o primeiro livro literário que lia, não era a
primeira leitura que fazia na escola, pois já lia há anos, mas era a primeira vez sozinha,
escondida, subversiva, proibida e mágica a leitura de um livro feito para crianças, com

O Livro “O patinho feio” versão da Melhoramentos com ilustração do Atílio.

.
2
MANGAR - Verbo transitivo indireto e intransitivo

Escarnecer fingindo seriedade; caçoar.


ilustrações que lhe tocaram, com texto que lhe encantou, deixou marcas na sua
subjetividade para sempre.

A Chapeuzinho amarelo3 de dentro da Juliana4 nunca mais deixou ninguém


dizer que ela não podia entrar na sala de leitura, e de certa forma, também fez com
ela descobrisse que nenhuma criança poderia estar fora daquela sala de leitura, e eu
sinto que foi aí que começou minha trajetória acadêmica: dentro da sala de leitura de
uma escola pública de Maceió.

As instituições públicas de educação foram, em toda minha trajetória, meus


lugares de oportunidades como formanda e formadora. Nos capítulos que se seguem,
vou descrever e analisar, seguindo o caminho que percorri no mundo: o período
histórico de julho de 1984 a janeiro de 2023. Nele estarão relatadas minhas vivências
acadêmicas e minhas experiências profissionais entrelaçadas a alguns capítulos da
história do nosso país que ajudaram a desenhar a pessoa-profissional que me tornei.

Os caminhos – pessoais, profissionais, acadêmicos – certamente vão se cruzar


muitas vezes para tecer minha conduta, mas num intento didático de tornar sempre
mais claro a quem lê, vou dividir em tópicos que vão mapear cada trajetória, como
numa Renda de Filé alagoano5, que enleando linhas de todas as cores, desenham
figuras na rede do pescador.

5
2. Minha formação: em defesa da escola pública!

Comecei a frequentar a escola só depois dos três anos de idade. Era uma creche
no meu bairro. Minha mãe precisava pagar para que minha irmã, então com cinco
anos, eu com três anos, e meu irmão com dois anos, ficássemos lá durante o período
que ela trabalhava como costureira em uma empresa que confeccionava camisas
masculinas.

O espaço da escola era constituído de uma casa com portões verdes, com duas
salas, dois quartos, uma cozinha, um quintal e um banheiro. Na minha memória eram
cômodos amplos, mas em nada parecidos com um espaço pedagógico, com móveis
adequados à estatura das crianças, pensados para sua segurança, sendo um
elemento formativo no desenvolvimento. Definitivamente era uma educação infantil
domiciliar, mas nos divertíamos bastante.

Era o ano de 1987 e, no Brasil, a Educação Infantil de 0 a 3 anos ficava relegada


à rede particular ou ao assistencialismo. Lá nós brincávamos com massa de modelar,
fazíamos colagem com grãos e bolinhas de papel, corríamos no quintal cimentado,
víamos TV, almoçávamos e, por fim, voltávamos para casa. Minha mãe sempre conta
que nos primeiros dias eu chorava da hora que eu entrava até a hora de ir embora.
Não deixava ninguém encostar em mim até minha mãe voltar. E mesmo meses
depois, quando já havia me adaptado, sentia muito ter que ficar na creche ao invés de
estar em casa.

Certa tarde uma tia minha passou em frente ao local e eu estava, como em
todas as tardes, segurando a grade do portão da creche e olhando a rua para ver se
minha mãe chegava mais rápido. Ela se compadeceu e perguntou à minha mãe se eu
não poderia passar os dias úteis da semana na casa dela ao invés de ir para a creche.
Minha mãe fez um acordo comigo e me buscava aos fins de semana.

Eu tinha entre três e quatro anos e tenho muitas cenas desse processo na
memória. Um percurso curto e muito marcante, mostra a necessidade da reflexão
sobre nossa classe social, sobre o papel da mulher na família e na sociedade e, claro,
de se olhar para a história recente da Educação Infantil do nosso país.
Observando como as creches eram/são lugares de deixar as crianças para as
mulheres poderem trabalhar fora de casa, percebo como o acolhimento dos bebês e
crianças precisam ser momento de sensibilidade, apoio e, ainda, como muitas creches
eram e tendem a ser ainda hoje, apenas um espaço físico minimamente adaptado
para se tornar local de cuidados das crianças de mães trabalhadoras.

O lugar onde eu estava, me faz entender por experiência e leitura de mundo


que uma mulher pobre, preta como a minha mãe, precisou ser além de inteligente e
astuciosa, feroz para conseguir oportunizar às suas crianças o mínimo de acesso aos
direitos cidadãos.

Trago o lugar da mulher porque eram elas que me rodeavam e se dispunham


a cuidar de mim, mesmo sendo filha de um homem que morou toda a vida conosco.
Eu também tinha muitos tios e primos mais velhos na família, já fui sendo formada
para ser uma mulher que nunca foi cuidada por um deles.

É sobre essa base educacional que se forja nossa sociedade, se forjam as


condutas de nossas meninas e meninos. E que, portanto, ainda precisaremos debater
por muito tempo dentro do contexto da pedagogia, pois tem o poder de atravessar
nossa subjetividade de tal modo, que faz uma criança de três anos, jamais esquecê-
la.

Fiquei, deste modo, vivendo com minha tia por um tempo e frequentando uma
escolinha de bairro em meio período, na qual fui alfabetizada aos cinco anos de idade.
Lembro que decorava o alfabeto na pequena cartilha e tentava dizê-lo o mais rápido
possível, como se isso fosse um superpoder. Depois que cresci, achava muita graça
nisso.

O ano seguinte, 19886, foi muito importante para a educação brasileira: foi
promulgada a constituição que diz que a educação é um direito de todos. Minha mãe
passou a noite sentada em uma fila de famílias, em frente à Escola Marco Maciel, em

6Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
nosso bairro, para conseguir matricular as três crianças, pois não havia vaga para
todos.

Eu fui para a turma de alfabetização, mas como já estava alfabetizada, fui para
primeira série. Senti bastante, pois na sala cheia de crianças, não recebia a mesma
atenção da professora do ano anterior. No quadro verde-escuro só havia letras
cursivas, e uma professora que me beliscou quando eu disse que não sabia a
diferença entre vogal e consoante.

Ainda não consigo contar tal fato sem rir, pois, tive a sorte de gritar e ser ouvida
por uma pessoa da gestão que passava no mesmo momento. Fui retirada da sala e
fiz cena de choro. Afinal, de algum direito meu, já havia me apropriado: uma
professora não poderia tocar meu corpo daquela forma e aquela escola me confirmou
que eu estava certa. Isto foi muito importante.

Na Escola Marco Maciel eu estudei até a quarta série. Era um local amplo com
um pátio central e várias salas ao redor, bem no estilo do panóptico descrito por
Foucault (2009). Quando cheguei, o espaço e os móveis eram bem conservados, na
hora do recreio tinha um lanche gostoso e minha tia – aquela com a qual morei – era
uma das merendeiras. Eu adorava a sopa de almôndegas, brincar de pega-pega e o
cheiro das laranjas que eram vendidas num canto do pátio, sendo descascadas em
uma máquina engenhosa.

Passando pelas séries, fui me tornado admiradora das professoras que tive.
Sempre lembro como a professora Solange era carinhosa e gentil conosco e como
tentava me dizer para organizar melhor as escritas no caderno. Eu era péssima para
realizar cópias no caderno. Depois foi descoberto que eu era só míope mesmo.

Um dia ela entregou uma cestinha feita de cartolina com quatro bombons dentro
para cada criança da turma. Eu nunca havia recebido nada assim na escola e
estranhei muito, me questionando o porquê daquela atitude.

Na terceira série, era a professora Fátima. Todos tinham medo dela. Falavam
que era muito brava. Eu não achei. Ela vestia blusas de tecido leve e bermudas de
linho. Passava maquiagem e cuidava muito do cabelo ondulado, curto, sempre pintado
e bem penteado. Sempre me pedia para ler os textos do dia. Em cada capítulo do
livro, havia uma letra de música para iniciar. Lembro muito do dia que ela perguntou
quem na sala sabia cantar “Asa Branca” do Luís Gonzaga, que estava no livro. Eu
sabia e cantei. Ela sorriu gostando muito. Ficamos amigas.

Era uma escola pública que se configurava totalmente dentro de um padrão


das teorias tradicionais7, com as docentes como centro do processo ensino-
aprendizagem, uma organização espacial em fileiras, com a professora diante de nós,
que promovia a individualização e classificação das crianças, uma hierarquia entre os
saberes livrescos e o saber popular, que colocava o sabre científico como verdade
absoluta, aulas primordialmente expositivas, avaliações baseadas na memorização
do que a professora nos ensinou. Um modus operandi, que remete ao ensino Jesuíta,
pois, para além de todo o descrito acima, mesmo que não houvesse a sacralização
do currículo formal, explícito, os valores cristãos se sobressaíam.

Para além de muitas problemáticas bem comuns à educação pública brasileira,


em Alagoas, a conjuntura continha suas especificidades na década de 1990, foi
cenário de uma crise econômica que se transformou em uma crise política sem
precedentes, durante o terceiro Mandato de Divaldo Suruagy como governador do
Estado, quando ele tomou a seguinte decisão:

Diante desse quadro, assina um acordo com a Secretaria do Tesouro


Nacional no qual o Estado passa para a União parte dos seus débitos e,
durante 360 meses, deve transferir 15% da sua receita corrente líquida, além
de reduzir o seu quadro de pessoal e vender empresas estatais (LIRA, 2016,
p. 195–196). Com isso, criou um Plano de Desligamento Voluntário (PDV)
que favoreceu a demissão de cerca de 25 mil dos seus 50 mil servidores,
sendo quase 13 mil da educação, o que resultou num caos para esse setor,
já que esse montante representava cerca de 59% do quadro efetivo da
Secretaria Estadual de Educação. (SILVA, 2022, p. 23).

7 SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas, São Paulo, Autores Associados,
2007.
Lembro-me bem que, quando estava na quarta série, como era a denominação
da época, fiquei cerca de seis meses sem aula e quando voltei, conheci o termo
“professora contratada”, mesmo sem saber direito o que significava. Era a professora
Lourdes. Utilizava-se das mesmas metodologias e métodos já citados, mas naquele
ano a escola estava com menos recursos de materiais que antes com livros didáticos
muito danificados pelo uso dos estudantes de anos anteriores, goteiras nos tetos das
salas de aula e mobiliário estragado.

No ano seguinte, fui para outra escola para cursar as séries finais do Ensino
Fundamental, dentro do CEPA – Centro Educacional de Pesquisa Aplicada –
conhecido por ser um dos maiores polos educacionais da América Latina, abrigando
11 escolas, 1 Instituto de Educação (magistério), o Observatório de Astronomia,
ginásios, teatro e o Instituto Zumbi dos Palmares de Comunicação (rádio e TV), mas
que dentro do cenário descrito, também se encontrava com seu funcionamento
prejudicado por falta de manutenção, recursos humanos e materiais.

Me recordo que nos três semestres que estudei lá, docentes e estudantes,
inclusive eu, descíamos a Av. Fernandes Lima em direção ao Palácio do Governo, em
protestos contra a precarização instalada e reivindicando o pagamento dos salários
dos funcionários. Essa formação política, na prática, foi único ponto positivo que
consigo ressaltar de toda a situação.

Ainda em 1996, a crise no estado de Alagoas, fez minha família mudar para a
cidade de São Paulo, onde morei até 2001, onde cursei da sexta série do Ensino
Fundamental ao primeiro ano do Ensino Médio, na Escola Estadual Dona Zulmira
Cavalheiro Faustino.

Em termos de conteúdo e formação docente, não havia muita diferença na


qualidade da educação ofertada, mas as condições materiais e a quantidade dos
recursos humanos, foram sem dúvida, ampliadas em relação às minhas experiências
anteriores. E isso fez a diferença na forma como os docentes ensinavam.

Embora a maioria de nossos formadores continuassem a priorizar aulas


expositivas, sem recursos tecnológicos, focando no repasse de conteúdos, avaliando
pontualmente o processo com provas objetivas, apoiando-se basicamente em livros
didáticos e paradidáticos, foi possível, ao menos, a concretização de uma boa
educação básica tradicional.

Retornando à Maceió por motivos pessoais voltei a estudar no CEPA, já em


condições melhores, e terminei o Ensino Médio em 2002. Naquele período, em
Alagoas, o vestibular havia se transformado no PSS – Processo Seletivo Seriado8.
Como fiz o primeiro ano em São Paulo, tive que realizar as três provas de uma vez ao
fim do terceiro ano. Passei com média suficiente para entrar no curso de Pedagogia
da Universidade Federal de Alagoas - UFAL.

A escolha do curso foi muito influenciada pelas minhas experiências escolares,


nas observações que amigos faziam sobre a facilidade em explicar alguns conteúdos,
nos grupos de estudo que criávamos antes das provas, na realização dos trabalhos
em grupo. Fiz cerca de três testes vocacionais em revistas, na internet, livros e todos
apontavam para a área da escrita, da educação, da pesquisa. Observei o mercado de
trabalho e as notas de corte do vestibular e fui para a Pedagogia.

Para além da formação escolar, eu vivenciei outros espaços que me levaram à


Pedagogia. As instituições filantrópicas como a Associação Cultural Monte Azul, onde
fiz teatro, oficinas de arte em geral e tive acesso à Pedagogia Waldorf; a Associação
Trópis, onde frequentei a OCA – Oficina de Conhecimentos e Artes, participava de
debates sobre o cenário político do país e do grupo Submundo de Teatro; os Saraus
da Zona Sul de São Paulo, ambiente formador, me trouxeram outra visão sobre
produção de conhecimento, cultura e o papel de uma professora.

Penso que eu via que a escola pública foi meu lugar de aprendizagem básica,
e a defendia desde muito cedo, por exemplo, quando aos dez anos participava dos
protestos em Maceió, mas quando saía e frequentava as outras instituições, via que
a escola poderia e deveria melhorar e me via capaz de ajudar nesse processo e muito
do “me sentir capaz”, veio da educação extraescolar que tive acesso.

8Processo de seleção que consistia em avaliar ao final de cada ano do Ensino Médio os estudantes
deste nível de ensino, realizando a contabilização de suas notas ao fim do terceiro ano e designando
uma média entre a somatória das três provas.
Quando estava participando do X ENA - Encontro Nacional de Adolescentes
para estudar e debater sobe o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, ou nas
oficinas de teatro, nos cursos gratuitos de espanhol, nos debates sobre identidade de
gênero e sexualidade, sempre me perguntava por que isso não acontecia na escola?

Por outro lado, me emociona observar que as professoras e professores que


encontrei pelo caminho, me fizeram sempre amar aprender, saber mais, conhecer.
Sempre estimularam meu relacionamento com o conhecimento. Isso, sem dúvidas, é
motivação até hoje! Por isso, viva à escola pública!

Então, escolher pedagogia foi me comprometer um pouco com a ampliação dos


horizontes da educação pública do meu país, fazendo o que estivesse ao meu alcance
para alargar a passagem de outras crianças e famílias da minha classe social ao
conhecimento escolar, ao reconhecimento do valor do que pode produzir seu próprio
território.

Eu tinha 18 anos, uma bagagem de vivências escolar e extraescolar que me


possibilitou estar na faculdade, numa Universidade Federal, em condições de me
tornar uma boa professora. Isso com certeza era mais do que eu tinha pensado
conseguir. Nunca estive perto de achar que seria eu a primeira pessoa da minha
família a ter um curso superior.

O curso de Pedagogia foi um divisor de águas. Me ofereceu boa parte do que


precisava para entrar no mercado de trabalho como professora. Foram quatro anos
muito intensos. Eu entendi que era a hora e o lugar onde sempre quis estar, a área de
conhecimento realmente me interessava e me tornei frequentadora assídua da
biblioteca, tentando dar conta do muito que me faltava para ser uma pedagoga segura.

Busquei por estágios, fui monitora na disciplina de Pesquisa Educacional,


participei como ouvinte do Grupo de Pesquisa em Currículos, Atividade Docente e
Subjetividades e fui convidada para publicar meu primeiro artigo na semana de
pedagogia da UFAL.

Era 2005, eu tinha 19 anos e escrevi sobre “A emancipação humana x versus


a emancipação política”. Tudo era um tatear ainda, mas já dava para sentir que era
lugar de produção de conhecimento, de trocar com a comunidade, de crescer e ajudar
a crescer.

Durante a graduação recebi muito incentivo de professoras muito especiais


para mim. Passei em um concurso e precisei entregar meu TCC9 antes do período da
formatura, então recebi todo o apoio da minha orientadora Maria Alba Correia. Ela
olhou para mim certa manhã e falou: “Você vai participar da seleção para o mestrado,
não vai?”. Eu disse que estava cansada e preferiria esperar para o próximo ano. Ela
insistiu que eu deveria tentar.

Suspirei e fui trabalhar feliz de encontrar pessoas que me apoiavam e


acreditavam em mim. Falei com a Laura, professora da disciplina de Currículo no
Mestrado e líder do grupo que participava como ouvinte e ela disse: “Mas você está
aqui para isso!”.

Fui fazer a prova e passei com a nota mínima, fiz um projeto que era
continuidade da minha monografia. Estava com tudo fresco no juízo e fui
surpreendentemente bem na entrevista, pois estava muito nervosa e desacreditava
que em tão pouco tempo, poderia ter preparado algo que me fizesse passar.

Entrei na turma de 2008, me formei mestra em educação em 2010 com a


dissertação “Currículo, Cultura escolar e Disciplinamento”. O mestrado foi um período
incrivelmente produtivo para mim. Comecei a estudar os conceitos Foucaultianos, os
estudos culturais de forma mais aprofundada. Realizei um estudo de caso sobre o
disciplinamento e o controle das condutas das professoras e crianças por meio da
cultura escolar. Fiz a pesquisa na escola onde trabalhava. Foi fantástico, pois recebi
total apoio da equipe da escola João Sampaio, muito querida comigo sempre.

A essa altura já sabia que o mestrado era o meio do caminho e precisava me


preparar para o Doutorado. O fiz! Em 2012 fui uma das selecionadas e sabia que
queria ser doutora em infâncias, mas os delineamentos de como chegar ao objetivo
foram se desenhando no caminho.

9 Políticas públicas para a educação: o currículo do Ensino Fundamental em Alagoas.


A professora Laura Cristina Vieira Pizzi foi minha orientadora no Mestrado e no
Doutorado e me ajudou muito quando me apoiou e me deixou livre para redesenhar
meus caminhos metodológicos para enfim, chegar à tese “Cidadania e poesia na
escola: estudo sobre o exercício da cidadania da infância em uma escola pública de
Ensino Fundamental de Maceió”.

A realização desta pesquisa recebeu financiamento do Fundo de Amparo à


Pesquisa do Estado de Alagoas, nos seus últimos dois anos. E se tornou uma
verdadeira imersão, junto com as crianças e professoras, no tema da cidadania. E o
caminho escolhido para chegar ao que pensavam, sentiam e tinha a dizer essas
crianças sobre suas vivências cidadãs, foi a poesia.

Construímos um caminho didático que começou com rodas de conversa sobre


cidadania, passou pelo estudo do gênero literário da poesia em oficinas poéticas, e se
concluiu em momentos de composição poética coletiva e individual de poesia sobre
as vivências cidadãs das crianças. A culminância, no entanto foi a colagem de lambe-
lambes com textos de autoria das crianças pelo bairro, e a realização da I Expoesia –
I Exposição de Poesia da Escola João Sampaio. Foram três meses de ação com as
turmas do primeiro, terceiro e quinto anos.

As crianças e eu indo colar as


poesias compostas
coletivamente pelo bairro!

Distribuição das poesias


compostas pelas crianças para a
comunidade.
Visitação dos murais com as
poesias compostas pelas crianças

A comunidade escolar se
divertindo com os jogos poéticos.

Apresentação do projeto para


toda a escola.
Ao fundo as crianças se
preparando para cantar suas
poesias que transformamos em
RAP’s
Nós terminamos a I Expoesia com a apresentação de RAPs, que se
transformaram as poesias compostas. O envolvimento das crianças foi algo imenso!
A felicidade em distribuir uma produção delas pelo bairro onde moravam, a satisfação
em fazer parte da produção de um evento, em ver suas vozes gritadas nas paredes
da escola, dos pontos de ônibus, das casas vizinhas, nos olhos e nos ouvidos de suas
famílias foi lindo!

Defendi a tese em agosto de 2017, com seis meses de atraso, pois engravidei
do meu primeiro filho no meio do doutorado, o que me deixou mais sensível e atenta
ao que realmente interessava no trabalho: o direito ao lugar de fala, que toda criança
cidadã tem!

E que uma escola pública de qualidade foi o item mais reivindicado por elas
durante o processo todo de debate sobre cidadania. Então pude ver que temos, desde
que eu era criança, e muito antes ainda, uma infância que demanda essa defesa da
escola pública para todas/os, cada vez melhor, laica e forte!

Nesse percurso acadêmico, apresentei trabalhos em congressos, produzi


artigos, capítulos de livros e anais, resultantes desse longo e fértil período na UFAL.
No meio do caminho, fiz muitos cursos livres que considerei importantes para minha
formação como cursos de mediação de leitura, aulas de idiomas, de teatro, oficinas
de escrita e enquanto isso trabalhava muito também! É sobre o que vou escrever nas
próximas linhas.

3. Trabalhando na academia e na periferia: dois lados da minha moeda

A primeira experiência profissional na educação da minha vida foi aos


dezenove anos, em 2004. Estava no segundo ano da faculdade de pedagogia e
sempre brinco que nunca saí da escola. Com dezoito, ainda era aluna e no ano
seguinte, volto como professora. Aconteceu por meio de um convênio da SEMED -
Secretaria de Educação do Município de Maceió com a UFAL. Tornei-me professora
de uma turma de quarta série. A diretora olhou para mim e disse: “Ah! É você?” e riu.
Foi constrangedor, mas hoje eu a entendo.
Como toda primeira turma, foi inesquecível. Os desafios de encontrar os
caminhos para encontrar as crianças e suas aprendizagens. Já era mês de junho e a
classe estava com uma professora contratada até então. E para aumentar a
precarização do ensino e pagar menos ainda, a SEMED contratou estagiárias e as
colocou para assumir turmas sozinhas. Eu fui uma dessas estagiárias.

Foi um verdadeiro túnel do tempo, de uma época da minha vida que não
gostaria de reviver, mas as crianças fizeram valer a pena. Precisei alfabetizar muitos
deles. Realizamos projetos pedagógicos muito legais, que tinham a ver com a história
do nosso bairro, que desenvolveram a autoestima da turma, que nos ensinaram a
trabalhar em grupo, que me faziam voltar todos os dias para a escola no dia seguinte,
apesar de não sentir vontade.

A falta de recursos humanos e materiais na escola me desesperava. A minha


falta de experiência gritava nos meus ouvidos toda noite, enquanto eu ficava até tarde
procurando soluções para chegar a algum termo com as crianças. Em algum momento
descobrimos que diante de tudo, o pacto a ser fundado precisaria ser entre nós: eu e
as crianças. Éramos a quarta série B e precisávamos fazer andar.

Deu certo. Chegamos ao fim do ano e ficamos amigos. Fizemos o nosso


melhor. Naquele momento tive que fazer as escolhas entre olhar para lista de
conteúdo e para as reais necessidades das crianças. Escolhi o meio termo e levava
propostas de alfabetização e letramento baseado nos conteúdos básicos, ou
indispensáveis. Aqueles que sabemos, por conta de estar há muito tempo num
sistema educacional que não poderão faltar para o ano seguinte.

Claro que não alcancei todas as crianças do jeito que eu gostaria. Na verdade,
foi tudo muito diferente e inusitados no que diz respeito às relações. Mas a realização
veio quando percebi que fiz o meu melhor. E que isso mudou a relação de muitas
crianças com a escola.

No ano seguinte, passei na seleção para estagiar em uma Unidade Escolar do


SESC de Maceió e fui viver uma experiência que pudesse ser chamada de estágio,
realmente.
Em 2007, tornei-me professora efetiva da SEMED. As mudanças de governo
trouxeram mais investimento na educação. Eu voltei para a mesma escola onde havia
estagiado em 2004, mas havia melhorias no prédio, no acervo literário e nos recursos
humanos.

Foram sete anos trabalhando lá e me tornando a professora que sempre quis


ser. A gestão motivava a realização de projetos criativos, que envolvessem toda a
comunidade, com participação efetiva das crianças. Eu cheguei na escola junto com
a implementação do Ensino Fundamental de nove anos e me tornei a professora do
primeiro ano, responsável por fazer a transição das crianças da Educação infantil para
o nível subsequente de ensino. E meu maior objetivo, era fazer as crianças gostarem
de aprender, o que parece ser algo inerente à infância, mas eu queria que elas
gostassem de aprender dentro dos processos educativos escolares.

Nessa escola realizei minha pesquisa de mestrado que, para além da


dissertação, gerou interesse das professoras pela área de estudo. Então elas pediram
que eu organizasse uma formação com o grupo para estudarmos sobre o currículo da
nossa escola e reformulássemos o nosso PPP- Projeto Político Pedagógico.

Foi um processo muito rico que rendeu ótimas reflexões e transformações no


documento, com mais integração entre as áreas do conhecimento nos projetos
realizados na escola e maior interação entre as turmas de diferentes faixas etárias.
Foi importante entender as concepções de educação que regia o trabalho de cada
professora. Isso aproximou o grupo de docentes. Essa era uma proposta, que na
época, acontecia em poucas escolas da rede.

Em 2014 eu já estava no doutorado e sentia necessidade de buscar novos


locais e novas práticas. Comecei a lecionar no Ensino Superior em uma instituição
particular de Maceió. Foram três semestres intensos, aprendendo a lidar com um
público diferente, em cursos noturnos.

Foi preciso, em pouco tempo, tentar conhecer o perfil daqueles estudantes, um


pouco do que os movia, conhecer um tanto da sua bagagem para, com minha história,
com minha bagagem, dialogar e construir um percurso formativo. Nesse período
também tive a primeira experiência como professora de ministrar alguns conteúdos
online. Precisava, de acordo com o programa da faculdade, postar no sistema
propostas complementares ao que fazíamos na sala para as turmas.

Em 2015 pedi licença da SEMED e voltei à São Paulo. Trabalhei na Associação


Comunitária Monte Azul. Escolhi uma vaga de educadora social, no pontinho de
cultura, dentro da Favela Monte Azul. Era um trabalho bem diferente de tudo que já
tinha feito, mas muito parecido com muito do que recebi nas instituições fora da
escola.

O foco era oferecer atividades culturais e recreativas para as crianças e


adolescentes no horário das dezessete às vinte horas, quando não estavam nem na
escola, nem no contraturno escolar. Também oferecíamos alimentação e
realizávamos festas pontuais aos fins de semana, como o Dia das Crianças. Tudo
muito influenciado pela filosofia antroposófica que rege a instituição.

Sair das paredes da escola foi desafiador, porém, mais uma vez, foi incrível!
Terminei minha jornada de cinco meses na Monte Azul, realizando, junto com as
crianças o Primeiro Concurso de Poesia do Pontinho de Cultura.

Flyer do 1º Concurso do Pontinho de


Cultura

Crianças do Pontinho em uma Oficina


Poética
Sem falar que foi estupendo voltar à uma instituição que teve tanta influência
na minha formação, mas agora como doutoranda e formadora.

Quando pedi demissão da Monte Azul, descobri que estava grávida e precisava
terminar a escrita da tese para qualificar e defender o mais breve possível. Então voltei
a Maceió e qualifiquei. Após o nascimento do Joaquim e passada a licença
maternidade, voltei a dar aulas na rede municipal. Fui para uma escola diferente e me
ofereceram uma turma de crianças e pré-adolescentes do programa Se liga10.

Mas meus planos não eram mais ficar me Maceió. Meu companheiro conseguiu
um emprego em São Paulo, e conforme mencionei, meu intuito era vivenciar outras
experiências profissionais, fora da escola. Dessa forma, defendi a tese em agosto de
2017, em fevereiro de 2018 mudei novamente.

Banca de defesa da tese de doutorado


na UFAL.

Deixei a SEMED e comecei a dar aulas em uma universidade particular em São


Paulo, em turmas presenciais e híbridas. Foi um semestre intenso! Lecionei as
disciplinas de Pesquisa em educação I e II; Teorias do Currículo, Fundamentos e
Práticas no Ensino de Ciências e Fundamentos Históricos, Filosóficos e Sociológicos
da Educação. Fiquei um Semestre, apenas, pois o fluxo de trabalho presencial em
unidades e horários diferentes, diariamente, me cansavam mais que a aulas e suas
preparações, além de me deixar muito tempo longe do meu filho.

10Programa de correção de fluxo, resultado da parceria do Instituto Ayrton Senna e as SEMED, para
a promoção da alfabetização na idade certa.
FESTA DE DESPEDIDA COM UMA DAS TURMAS FOTO EM UMA DAS BANCAS DE TCC QUE
DO CURSO DE PEDAGOGIA
PARTICIPEI

Nesse período recebi uma proposta linda, para trabalhar como coordenadora
pedagógica no Programa Tanscidadania11. E fui. Minha função era organizar
atividades pedagógicas para as usuárias do programa no nosso Centro de
Cidadania12, cuidar para que a vida escolar delas corresse da melhor maneira. Fiquei
no Trans até março de 2019. Apesar do pouco tempo que passei lá, foi importante ter
vivido! Fizemos amizade, realizamos excelentes debates sobre a condição da
população trans, sobre educação, sobre a sociedade de maneira geral. Experiência
extremamente rica!

Em março de 2019, mudei novamente de emprego/trabalho. Fui para a


VOCAÇÂO – Ação Comunitária do Brasil, instituição mais próxima da minha casa,
trabalhar em um programa voltado à formação de profissionais da Assistência Social:
o PDI13. Foi a primeira vez que trabalhei prestando consultoria para outras instituições,
de outra rede que não a de educação. Um super desafio! Mas, no decorrer desta
escrita começo a perceber que é disso que eu gosto!

Em uma equipe multidisciplinar, eu precisei participar da elaboração de planos


de formação do PDI – VOCAÇÃO; auxiliar na execução das formações nos encontros
com profissionais da assistência; cuidar da comunicação com os grupos de
formandos; auxiliar na elaboração de materiais (apresentações em PPT, games
formativos e material para as dinâmicas) utilizados nos encontros de formação; visitar

11 O Programa Transcidadania promove a reintegração social e o resgate da cidadania para travestis,


mulheres transexuais e homens trans em situação de vulnerabilidade.
12 Centro de Cidadania Luiz Carlos Ruas.
13 Programa Desenvolvimento Integral (PDI), responsável por articular ações para fortalecer projetos

de vida dos beneficiários nos diversos ciclos de vida, unidades de assistência do SUAS.
as unidades atendidas na formação para conhecer mais de perto sua realidade; fazer
relatórios das visitas, das histórias de vidas de seus gestores por meio da cartografia
de si, gerando um portfólio da unidade.
Terminamos o percurso formativo com a Primeira 1ª Feira de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos 14, destacada na foto abaixo e a entrega de relatórios de
prestação de contas para SMADS - Secretaria Municipal de Assistência e
Desenvolvimento Social.

A feira foi no dia oito de dezembro e em janeiro de 2020, me tornei professora


efetiva de Educação Infantil da SME/SP – Secretaria Municipal de Educação de São
Paulo. A decisão veio pensando na minha realidade como mãe, pois a jornada de
trabalho era de 30 horas apenas, e eu sempre tive a curiosidade sobre a prática com
bebês.

Foi resultado de um concurso que eu havia feito em 2015, enquanto ainda


estava em São Paulo. Assumi em 2020, como professora regente de uma turma de
berçário II, com 12 bebês, com idade entre 07 e 14 meses. A experiência com os
bebês e suas famílias, no presencial, foi curta e rica de novas descobertas. Misturava-
se um pouco com minha maternidade, pois meu primeiro filho tinha três anos e eu
havia recém passado por aquele processo de acompanhamento dos saltos de
desenvolvimento, da descoberta da linguagem verbal, do aprender a brincar com o
próprio corpo, com os outros.

14 https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/assistencia_social/noticias/?p=288030
Quando se trabalha com bebês são mudanças muito rápidas e significativas o
tempo todo. É uma palavra nova, um gesto novo na música, um dente nascendo
agora, mais dois semana que vem! E eu me motivei a estudar muito sobre tudo aquilo.

Contudo, em março de 2020, muitos casos de COVID-19 tomaram conta da


Cidade de São Paulo e iniciou o isolamento social das famílias. Nós começamos a
atendê-las virtualmente. Conversando sobre sua situação, enviando propostas por
meio das redes sociais e Classroom.

Nesse mesmo período ficamos sem nosso coordenador pedagógico, que pediu
exoneração do cargo. Então precisamos também organizar nossa própria formação.
Fui convidada pela gestão da escola a auxiliar nesse sentido. Sugeri que
formássemos um grupo de estudo, escolhendo um tema pertinente naquele momento
em que o atendimento estava tão diferenciado. Propus estudarmos as Metodologias
das Narrativas na Educação, o grupo aceitou e fizemos uma bonita caminhada por um
roteiro de nove encontros.

Todos os encontros formativos foram online. O primeiro encontro se deu a partir


de um vídeo15 introdutório sobre o tema com uma conversa sobre a conceituação das
narrativas (CLANDININ e CONNELLY, 2011). Nos encontros subsequentes
estudamos as narrativas autobiográficas, as ferramentas de registros das narrativas,
fizemos leitura coletiva do livro “Mini-histórias: rapsódias da vida cotidiana nas escolas
do Observatório da Cultura Infantil” (FOCHI, P.S. 2015). Fizemos uma oficina de
escrita literária com o escritor Sacolinha e análise de algumas mini-histórias,
produzidas pelos agrupamentos dos quais éramos professoras regentes. No último
encontro, fomos convidadas a apresentar nosso processo de autoformação, como
relato de experiência para uma turma de pedagogia da Universidade Federal de
Sergipe.

Relatar nossa prática autoformativa para estudantes de pedagogia, tornou


nosso caso um ponto de reflexão real sobre o fazer docente, o que é muito importante

15
https://www.youtube.com/watch?v=UY2DTvpgg6o&t=154s
para quem está começando a entender a dinâmica de uma escola, pois não estamos
nela apenas para ensinar, mas para fazer parte de um processo pedagógico conjunto.

A troca de experiência entre as professoras proporcionou que identificássemos


como nossa formação primária é trazida conosco, no nosso fazer pedagógico atual,
como as reconfigurações, às vezes, acontecem nas nossas narrativas por meio da
reflexão e como esses momentos são importantes para crescer profissionalmente.

Divulgação do encontro com os estudantes de Cena do vídeo sobre as metodologias das


pedagogia narrativas

Eu pedi remoção do CEI Jardim São Joaquim em 2021, para trabalhar em uma
escola mais perto da minha casa, pois engravidei do meu segundo filho. E exatamente
por conta da gestação na pandemia, fiquei afastada até o fim da licença maternidade,
realizando apenas, trabalho remoto.

Quando voltei um dos maiores desafios da minha carreira me encontrava lá, no


CEI Eufrida Zukowiski Jardim. Um agrupamento com 24 crianças entre 2 e 3 anos no
período pós-pandemia. Todo o processo de desenvolvimento comprometido pela falta
de interação social. Um tema a ser seriamente estudado pela neurociência, pelas
ciências sociais das infâncias.

Foi o ano de trabalho mais árduo para mim dentro de uma escola. Encontrar
caminhos para romper as sequelas que o isolamento deixou em mim e principalmente,
nas crianças. Todos os saltos de desenvolvimento interrompidos ou acontecendo bem
depois do previsto. Cheguei a duvidar se daria conta, comecei a pesquisar sem parar,
iniciei um especialização EAD básica em Neurociência aplicada à educação e a fala
do pediatra Daniel Becker no Café Filosófico16 me mostrou que não estava pensando
sobre isso sozinha.

Enfim, o ano de 2022 findou e muita coisa foi superada com ajuda da arte, da
pedagogia e do conhecimento sobre a educação de crianças de 0 a 3 anos que
construi nesse período.

A literartura, minha amiga desde sempre, mais uma vez se fez caminho para
alcançar as crianças e dessa experiência nasceu o projeto “Lendo Com Bebês”17. Uma
tentativa de fazer com o mundo o que fiz com minha turma e meu filho Vicente,
também um bebê nascido na Pandemia.

O Projeto é uma tentativa de compartilhar com as famílias, ou de formar de


maneira leve a população leiga em pedagogia, como formar bebês leitores, quais os
benefícios a literatura pode trazer para a relação familiar, criação de vínculo entre os
membros de uma família, a ligação da literatura com as brincadeiras etc.

Esse é um trabalho que já fazia há muito tempo nas escolas por onde passei
trabalhando com a primeira infância, e como produtora das FELISZ – Feira Literária
da Zona Sul, entre 2018 e 2020. Com os meus fillhos em casa, pude acompanhar o
trabalho integral, de quem pode começar desde a barriga esse processo de aquisição
da leitura literára como habito e afeto.

Entretanto, após começar a pesquisar a primeiríssima infância com mais


enfoque, fui convidada a fazer algumas consultorias. A primeira delas foi com a
Associação Vaga-Lume, que realiza projetos há 20 anos para apoiar a organização
de bibliotecas comunitárias na Amazônia Legal.

Neste trabalho, prestei assessoria para implementação do projeto de


bibliotecas comunitárias com foco na primeira infância financiado pelo Edital Criança
Esperança de 2021; realizar curadoria dos livros que foram enviados para fortalecer o
acervo das bibliotecas comunitárias com foco em Primeira Infância (60 títulos por

16
https://www.youtube.com/watch?v=EXY8mzs_MrA
17
https://www.instagram.com/lendocombebes/
biblioteca); pesquisar e definir o mobiliário a ser produzido e enviado às bibliotecas
contempladas com foco em Primeira Infância; desenvolver material pedagógico
impresso e apoiar desenvolvimento do material audiovisual para formação de
mediadores de leitura com foco em Primeira Infância (as capacitações com duração
média de 24 a 40 horas e direcionadas aos educadores da rede pública local e pais
ou responsáveis das crianças de 0 a 6 anos das comunidades contempladas); e
desenvolver um guia sobre como deve ser a constituição do espaço de bibliotecas
para a faixa-etária (0 a 6 anos).

Participando do vídeo usado para formação de Contra-capa e capa do guia de formação dos mediadores.
mediadores de leitura

Em 2022, por conta desta parceria com a Vaga-Lume, fui chamada para
participar da curadoria do Projeto Leia para uma criança, do Itaú. Fiz parte da etapa
que seleciona os 40 livros que iriam para a curadoria final e conduzi uma mediação
de leitura com as crianças de uma escola pública de São Paulo, para observar as
preferências das crianças sobre as obras que selecionamos.
Algumas vivências com famílias em escolas, SESC, e Casa de Cultura
começam a ser articulados. E isso tem me motivado a continuar.
A FELIZS18 foi outro projeto que me deixa muito satisfeita em ter participado. É
um evento que movimenta a arte da Zona Sul com programação que envolve música,

18
http://www.felizs.com.br/
dança, teatro, artes plásticas, formação de professores, ações em escolas, e
sobretudo, literatura produzida na periferia. Em 2020, 2021 foi uma feira totalmente
online. Abaixo algumas imagens desse processo19.

Apresentando uma mesa na FELIZS de Produção da FELIZS 2019 trabalhando


2020

Enfim, meus conhecimentos acadêmicos estão sempre construídos com um pé


na academia, a quem devo títulos e o aprendizado em pesquisas, outro pé nas escolas
públicas, onde realizo meus estudos e um terceiro pé em projetos sociais onde posso
exercitar uma pedagogia fora dos muros da escola. Claro que, como coloquei no início
do meu texto, essas linhas se cruzam em muitos momentos, esses pés fazem passos
de forró, street dance e balet. Misturam academia e periferia valorizando os dois
mundos que para mim não se distinguem e senguem formando a consumidora-
produtora-disseminadora de conhecimento que me tornei.
A partir disso vou mostrar um pouco do que tenho produzido em termos de
trabalho acadêmico – literário no tópico abaixo.

4. Minha literatura acadêmica em seus variados formatos.

Toda a minha jornada de estudos e trabalho, mistura-se muito, pois estudo é


trabalho e vice-versa, essa mistura pode ser revista nos textos, palestras, mesas, lives
e livros que publiquei também.

19
https://www.youtube.com/@felizs-feiraliterariadazon8930
Não organizarei cronologicamente. Vou classificar pelo meio de publicação:
Tenho três artigos publicados em periódicos20. São trabalhos derivados das pesquisas
do mestrado e do doutorado.
Publiquei cerca de quinze21 artigos em eventos nacionais e internacionais. Vou
citar os que mais têm relevância para mim: “Vai votar na Dilma, Tia?”22 Publicado em
2017 quando estava no início da minha pesquisa de doutorado com as crianças e já
ficava nítido como os discursos políticos acenavam para os últimos quatro anos de
governo.
Organizei dois livros, junto a colegas do Grupo de Estudos “Currículo, atividade
docente e subjetividades”, com produções remanescentes de nossas pesquisas:
“Poesia e cidadania na escola: essa rima cola” e “Currículo. Atividade docente e
subjetividades na escola contemporânea”. Nos dois eu tenho artigo publicado e assino
o prefácio.
Ministrei mini-cursos, participei de mesas e lives falando sobre minhas
pesquisas, cujo os dados estão no meu Currículo Lattes, lá serão encontradas as
datas de nascimento dos meus filhos, com uma possível baixa na produção
acadêmica, um vez que sabemos o tempo que criar um filho requer.
Como já visto, sempre há um trabalho literário paralelo no meu caminho, nas
publicações não seria diferente. Tenho um livro de poesia23 e um de crônicas
24publicados pela Vicença Editorial e pelo Selo Sarau do Binho. Publiquei cerca de
trinta textos no Blog “Elas contra Tebas25.
Penso que uma lista de produção deve valer mais pela sua relevância que pelo
seu tamanho, e defendo aqui o posicionamento que sempre tomei diante da pesquisa

20 https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rec/article/view/9092/4780 (Cultura, currículo e


disciplinamento)
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/rec/article/view/14065/7999 (Cultura, currículo e gênero em
uma escola alagoana)
https://www.seer.ufal.br/index.php/debateseducacao/article/view/13372 (Crianças cidadãs e sua ação
política na escola e comunidade.
21 http://lattes.cnpq.br/9040343583671054 (Lattes)
22 http://www.2017.sbece.com.br/resources/anais/7/1495679124_ARQUIVO_VaivotarnaDilma,tia1.pdf
23 Um ano sem roupa: textos sobre como amar é difícil e bom. (Vicença Editorial)
24 Seria Cômico se eu não fosse a mãe. (Selo Sarau do Binho)
25 https://elascontratebas.wordpress.com/blog-2/
em educação: esses trabalhos são todos, fruto de um esforço e efetivação do principal
pilar da universidade brasileira, que é o tripé Ensino, Pesquisa e Extensão.
Teorizações refletidas diretamente na prática escolar, com reverberações em textos
publicados e ações nas escolas e outras instituições públicas.
Espero que a leitura deste texto tenha sido prazerosa. Para mim foi uma
experiência nova e um profundo desafio! Pensar, repensar, escrever sobre a minha
própria trajetória, formativa e profissional, as memórias, as pessoas, os diversos
contextos e ainda refletir sobre o que devo ou não deixar passar no funil dessas trinta
páginas... Não foi tarefa fácil, mas o desafio que foi, eu gostei!
REFERÊNCIAS

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Dissertação. (Mestrado em Educação Brasileira) – Universidade Federal de Alagoas,
Maceió, 2010.

_______, Juliana C. P. CIDADANIA E POESIA NA ESCOLA: estudo do exercício


da cidadania na infância em uma escola pública de ensino fundamental de
Maceió/AL. (Doutorado em Educação Brasileira) – Universidade Federal de
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_______, J. C. P., et al (Org.). Cidadania e poesia na escola: essa rima cola.
Maceió: EDUFAL, 2015.
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