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Minhas Memórias Literárias

Me chamo Fabiana Libni, tenho 27 anos e estou cursando a primeira graduação numa
área que considero de grande valor. Sempre tive muita estima por educação e acredito
que o ensinar precisa de muita dedicação e seriedade, mas também de amor e da
leveza que só o amor pode nos trazer. Desde a adolescência trabalho com crianças em
projetos sociais voluntários e em contexto da igreja da minha comunidade. A leveza
que eu aprendo com as crianças fez parte de minha formação e, logo cedo, tudo que
eu aprendia ao ensinar clareou-se para mim e desenvolvi um amor pelo ensino e
desde então trabalho com toda alegria.
Falar de memorias literárias é um grande desafio, acredito que a memoria mais antiga
é de meu pai, que estudou formalmente até a quarta serie, lendo pra mim uma
historia que eu vi no meu livro de alfabetização; pedi tanto pra ele ler para mim que
ele resolveu ceder. Deitei em seu ombro e ouvi uma historia sobre sopa de letrinhas
que se juntavam para formar palavras inteirinhas!
Eu amava ouvir estórias e sempre quis aprender a ler. Desde que me lembro, sempre
quis a liberdade de ler e de contar minhas próprias historias do meu próprio jeito.
Não tenho muita lembrança de como aconteceu o processo de alfabetização, mas as
palavras “parada obrigatória” foram as primeiras que eu me lembro de ter falado em
voz alta. Era uma espécie de carrinho de lanches que eu via todos os dias no caminho
da escola. Naquela altura já havia, em minha cabeça, juntado algumas silabas da sopa
de letrinhas que era meu pensamento infantil mas dizer, falar e em voz alta era um
passo muito grande. Um dia, eu disse.
“PA-RA-DÁ O-BRI-GA-TO-RIA”
Lembro como se fosse hoje, como se já não tivesse passado mais de 20 anos desse dia.
Li.
Li e perguntei ao meu pai : “O que significa “paradá”?
O olhar brilhante de orgulho dele encheu meu coração. Queria aquele olhar sempre.
Ele disse que o certo era parada e que esse era só o nome do carrinho. Não fiquei
satisfeita, ele ficou.
Após isso, num domingo, estávamos assistindo todos juntos, um programa de
auditório (acho que era domingo legal). Vi que tinha algo escrito na tela e perguntei
para meu irmão: O que significa “A-O VI-VO”? ele me perguntou onde eu tinha visto
essas palavras e eu apontei na TV, com muito orgulho.
Ele chamou minha mãe e disse: “Olha, ela sabe mesmo ler!” Ela sorriu e não disse mais
que duas palavras e mais que as palavras “AO VIVO” li no olhar dela e do meu irmão a
alegria e o mesmo brilho que já conhecera através do meu pai.
O ato de ler, além de t não tudo, se tornou um habito e não escapava nada:
embalagem de Xampu, placas na rua, bulas de remédio. Muitas vezes nem entendia o
que queriam dizer, não importava, eu queria conhecer, saber, treinar essa nova e
fascinante habilidade.

Lembro-me da escola onde estudava, lá tínhamos uma biblioteca tímida e que vivia
fechada.

(Costumava imaginar que os livros teriam uma vida secreta e que quando não eram
lidos, ficavam muito tristes)
Uma vez, na época da minha maior obsessão, já tinha lido todos os textos e tirinhas e
anedotas do meu livro didático, pedi a professora para irmos à biblioteca. Queria
escolher outro tipo de coisa para ler, pois as placas da rua também já tinham acabado
(pelo menos as da minha rotina).
Ela disse que eu devia falar com a diretora pois ela poderia abrir a biblioteca e eu que
era bem tímida, ensaiei em minha cabeça, criei coragem e fui. A resposta não podia ser
mais frustrante: “Tem que pedir a professora”.
Essa situação deu um nó em minha cabeça. “ E agora? ”
Um ou dois dias depois, na hora da saída, vi no corredor o Sr. João. “Seu João”, como o
chamávamos, era um senhor bem idoso que trabalhava na escola como um tipo de
inspetor. Não costumava falar com ele. Era muito calada, mas os livros não podiam
esperar. Fui em sua direção com toda a minha coragem e perguntei como fazia para
pegar um livro na biblioteca com essas palavras:
“Eu falei com a professora e ela pediu para falar com a diretora. A diretora disse pra
falar com a professora. Desse jeito eu não vou conseguir ler nunca! ”

Essa fala sem ensaio de uma criança indignada foi o que fez o Sr. Joao me olhar. Me
olhou de verdade, quase com pena e disse para eu procura-lo no dia seguinte. Sorri.
No dia seguinte, nem precisei procurar, ele abriu a biblioteca para a nossa turma e eu
peguei meu primeiro livro emprestado.

O ato de ler em minha vida sempre foi muito incentivado e por isso, creio que hoje sou
quem sou. Entendo que grande parte disso, deve-se à possibilidade e privilegio de ser
tão ouvida e incentivada.

Hoje, aos 27, tenho um filho de 7 anos de idade, desde de cedo procuro incentivar
nele a leitura de tudo, cantando cantigas, contando contos de minha infância, lendo
para ele sempre que possível, deitado em meu ombro, como meu pai fez comigo. Tive
a alegria de acompanhar e ajuda-lo ativamente em seu processo de alfabetização e
pude perceber que mesmo quando você acompanha o processo de tão perto, é uma
alegria quando os olhos de alguém que você ama se abre para novas possibilidades
através da leitura. Hoje ele lê tudo e ama, especialmente Gibis da Turma da Mônica e
assim como eu, ele faz tantas perguntas... A maioria eu respondo, outras eu não sei
como responder, mas me alegra ser para ele alguém que também o escute.
“Mamãe, ali tá escrito CA-SA? ”
Um dia ele me perguntou e meu olho brilhou de alegria.

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