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RANGEL A Olímpiada e As Políticas Públicas para o Ensino e Aprendizagem de Língua Portuguesa
RANGEL A Olímpiada e As Políticas Públicas para o Ensino e Aprendizagem de Língua Portuguesa
Orientado pela reflexão de Mikhail Bakhtin as orientações oficiais para o ensino da lín-
a esse respeito, o projeto da Olimpíada parte gua portuguesa. E não por acaso. É que, tanto
do pressuposto de que as diversas esferas da quanto os Parâmetros Curriculares Nacio-
atividade humana estão, necessária e indisso- nais, os princípios e critérios para a avaliação
luvelmente, relacionadas ao uso da linguagem. dos livros didáticos do PNLD, os parâmetros
Assim, cada esfera de nossas atividades – levados em conta para selecionar livros para
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o PNBE, e até mesmo os descritores com Já as mudanças relativas ao como ensi-
base nos quais se formulam as provas de nar devem-se às conquistas propiciadas pelas
sistemas de avaliação como o Saresp e o teorias da aprendizagem, especialmente a par-
Saeb, a Olimpíada se insere num movimento tir das grandes sínteses produzidas na década
histórico que costumo chamar de “virada de 1980. Desde então, dispomos de descrições,
pragmática” no ensino da língua materna ou mesmo “modelos”, bastante plausíveis
(Rangel, 2002). da aprendizagem, tanto no que diz respeito à
Exatamente como a expressão sugere, forma como ela se processa na mente do indi-
essa virada pode ser caracterizada como uma víduo quanto no papel fundamental que o
brusca e radical mudança na concepção tanto contexto, a cultura, as situações e os esque-
do que seja uma língua quanto de como se mas de interação em jogo têm para o sucesso
deve ensinar a língua materna. Apesar de brus- do aprendiz.
cas e radicais, essas mudanças não se deram
da noite para o dia. Foram fruto de transforma-
ções paulatinas ocorridas em pelo menos dois
vastos campos do conhecimento científico di-
retamente relacionados à educação escolar e
ao ensino de línguas.
As mudanças relativas à concepção de lín-
gua devem-se à inflexão das ciências da lingua-
gem, desde os anos 1930, para os usos linguísti
cos e para a dimensão social e histórica da
língua. A concepção de que a língua é, essen-
cialmente, um sistema de signos destinados a
representar coisas e ideias passou a ser ques-
tionada pelas pesquisas e reflexões que reve-
lavam aspectos antes negligenciados:
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Esta é a razão pela qual procedimentais. Devem-se ensinar usos,
afirmei que orais e escritos, da língua. Não por acaso,
[...] a história recente da educação pode tanto os PCN do Ensino Fundamental quan-
ser dividida, grosso modo, em dois gran- to os princípios e critérios de avaliação de
des momentos. O primeiro deles, que cha- livros didáticos do PNLD definem como ob-
maremos de tradicional, foi dominado pe- jetivo do ensino do português o desenvolvi-
las preocupações praticamente exclusivas mento da proficiência oral e escrita do aluno
com o ensino. As grandes questões, para e, em particular, sua inserção qualificada no
os educadores, eram o que e como ensinar, mundo da escrita.
considerando-se os saberes disponíveis e Se retomarmos agora o conjunto deste ar-
os objetivos socialmente perseguidos em tigo, veremos facilmente que o projeto da
cada nível de ensino. Olimpíada se insere na mesma virada prag-
mática que dá origem às orientações oficiais
No segundo momento, é a apren- para o ensino do português:
dizagem, ou melhor, o que já sa-
bemos a respeito dela, que comanda • ao eleger o gênero como unidade de trabalho, traz a
o ensino. Atentos aos movimentos, língua em uso para a sala de aula;
estratégias e processos típicos do
aprendiz numa determinada fase • ao eleger Vygotsky como referência teórica para a sua
de sua trajetória e num certo con- concepção de ensino e aprendizagem, mostra-se em dia
texto histórico e social, os educa- com as conquistas propiciadas pelas pesquisas em
dores procuram organizar situa- aprendizagem;
ções e estratégias de ensino o • ao se organizar em sequências de atividades inspira-
mais possível compatíveis e ade- das na noção de sequência didática, organiza a leitura,
quadas. Nesse sentido, o esforço a oralidade e a reflexão sobre a língua e a linguagem
empregado no planejamento do en em torno das demandas de produção textual geradas
sino e na seleção e emprego de es- por um concurso de redação de escala nacional. Nesse
tratégias didático-pedagógicas em sentido, a Olimpíada constitui, por si só, todo um con-
sala de aula acaba tomando o pro- texto de uso da escrita.
cesso da aprendizagem como prin
cípio metodológico de base (Rangel,
2009; com adaptações). Participar da Olimpíada não é, portanto,
apenas participar de um jogo entre outros,
Por todos esses motivos, os objetos de por mais divertidas que as oficinas também
ensino e aprendizagem, no contexto da vira- possam ser. É, antes de tudo, envolver-se
da pragmática, têm sido concebidos como numa proposta de trabalho que pode se cons-
tituir, para o professor, como uma referência
interessante para, até independentemente do
concurso, articular e moldar as atividades de
ensino e aprendizagem de língua portuguesa.
Referências
Benveniste, Émile. 1958. “Da subjetividade na linguagem”, in: Pro-
blemas de linguística geraI I. 2ª- ed. Campinas: Pontes/Editora da
Unicamp, 1988.