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planejamento-deve-ser-direcionado-a-aprendizagem

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 27, 09 de Outubro | 2016

Branca Jurema Ponce | Fala, Mestre!

"O planejamento deve


ser direcionado à
aprendizagem"
A professora de pós-graduação em Educação e Currículo
afirma que um bom trabalho na escola só é possível com a
formação de professores
Diego Braga Norte

Branca Jurema Ponce,


especialista em Currículo e Políticas Públicas e professora na PUC, em São
Paulo

Formada em Filosofia pela Pontíficia Universidade Católica de São Paulo (PUC-


SP), Branca Jurema Ponce escolheu a Educação como seu tema de pesquisa
ao cursar o mestrado e o doutorado. Leciona na PUC, em São Paulo, com a
preocupação permanente de deixar claro que não existem respostas prontas
ou fórmulas mágicas para o planejamento de um currículo e a definição dos
conteúdos programáticos que devem ser ensinados aos alunos. Adepta de
uma linha de pensamento mais abrangente, ela trabalha para apontar
caminhos e direcionamentos que devem ser trilhados em busca de soluções
contemporâneas e adequadas à realidade das escolas brasileiras. Sua
maneira de pensar a Educação engloba não só as unidades de ensino e o
poder público, como se apenas essas duas instituições fossem responsáveis
diretas pelo sucesso ou pelo fracasso do ensino, mas também todo o
contexto social em que estamos inseridos. E sua preocupação maior é com a
formação dos educadores, que coloca ao lado dos alunos como
protagonistas no direcionamento e planejamento de um programa
educacional mais eficiente.

Quais são as principais dificuldades no planejamento de um currículo


que seja eficiente?
BRANCA JUREMA PONCE Uma questão importante é a própria compreensão
do significado da palavra currículo. Na verdade, ele não é mais considerado
apenas o documento de base no qual se pauta a Educação durante o ano
letivo, mas é visto como um processo completo, que passa pela sala de aula e
pela relação entre todos os envolvidos: professor, aluno, gestor e família,
tendo como resultado a aprendizagem. Há alternativas para diferentes
necessidades, desde aqueles que são superdirecionados até outros que
pautam apenas diretrizes curriculares e preveem espaço para a discussão no
cotidiano dos professores.

Há mecanismos para aferir a eficiência de um currículo?


BRANCA Sim. O que ele traz de aprendizagem e não o que ele produz de
números ou metas. Para realizá-lo, é preciso traçar um diagnóstico da
situação da turma e só então desenvolver um caminho que seja capaz de
envolver todos os sujeitos. Podemos fazer um documento primoroso do
ponto de vista lógico e redacional, mas que, quando posto em prática em
classe, fracassa porque não tem relação com as características dos alunos e
do professor. De acordo com o senso comum, os problemas do processo de
aprendizagem são de responsabilidade de quem está na sala de aula.
Ouvimos muito frases do tipo: "O currículo é bom. O professor é que não
sabe ensinar e o aluno é que é ruim". Espera aí! Se você não previu no
processo como são os estudantes e os educadores com quem vai lidar, é
impossível fazer um bom documento. Ele não pode ser produzido fora da
escola, por um especialista externo. É essencial que seja fruto de um trabalho
coletivo da equipe escolar.

No caso brasileiro, com diretrizes curriculares preestabelecidas, como


incluir o direcionamento vindo da Secretaria no trabalho realizado em
sala de aula?
BRANCA Temos diretrizes norteadoras, mas temos também um instrumento
que se chama projeto político pedagógico, que dá a cada escola a
oportunidade de decidir como quer se organizar. Cada equipe tem de
desenvolver seu plano. É preciso se questionar "como nós, aqui, na escola, ou
nós, aqui, nessa rede, vamos nos organizar para o nosso próximo ano
letivo?". Todos os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem devem
tomar parte: os gestores, os professores e os alunos. Aí, sim, dá para tecer
uma linha para o trabalho cotidiano.
É certo que num país de dimensões continentais como o nosso os
contrastes são imensos. Não dá para comparar, por exemplo, a
realidade de um garoto de uma metrópole como São Paulo com a de
outro que integra uma população ribeirinha do Amazonas. Mas nosso
sistema de ensino não se ressente da falta de um currículo mínimo
nacional?
BRANCA Em primeiro lugar, ninguém pode ter dúvida de que os dois garotos
têm de saber ler e escrever. E na idade certa. Mas é claro que temos de nos
basear na realidade de cada um. É importante trabalhar as disciplinas do
garoto do Amazonas, relacionando-as com os rios, a floresta e a fauna locais.
Ou seja, de acordo com o universo dele, para evitar distorções. Fiquei
sabendo que uma cidade pequena do interior paulista adotou a Educação no
Trânsito como disciplina. Só que lá quase não há trânsito. Soubemos então
que o prefeito e o secretário de Educação estiveram em São Paulo, se
impressionaram com a situação maluca das ruas da cidade e resolveram criar
a disciplina. Acontece que, para isso, tiraram horas do ensino de História,
Geografia e Língua Portuguesa, que são muito mais relevantes. Temos de
levar em consideração a realidade global ou local? A local é essencial como
ponto de partida, mas nem por isso podemos abrir mão de aspectos globais
importantes.

Como combater a fragmentação do conhecimento?


BRANCA Temos muitas iniciativas interessantes, bem-sucedidas, mas nossos
currículos, em geral, ainda são disciplinares, divididos e fragmentados.
Precisamos, por exemplo, promover discussões de questões que permeiem
várias disciplinas. Temos de trabalhar com as relações do conhecimento, que
não pode ser morto, enciclopédico e técnico. Não se trata de qualquer
aprendizagem. O ensino deve promover a criança, emancipá-la e fazer com
que ela saiba refletir e discutir as questões de seu tempo. Precisamos de
instrumentos para nos sentir à vontade em nosso mundo. Temos de
trabalhar as relações entre professores e alunos e entre os próprios
professores. Em muitas escolas, há docentes que se reúnem em torno de
uma mesma questão e fazem diferentes abordagens. Por exemplo, dengue e
aquecimento global. Aí entra o trabalho dos professores de Ciências, de
Geografia e de História. Todo mundo pode participar coletivamente e
promover um conhecimento que não seja fragmentado, mas relacionado
com as diferentes áreas.

Qual a importância de os currículos respeitarem os critérios de


continuidade e diversidade?
BRANCA Temos estudado na nossa linha de pesquisa como os currículos
prescritos ou apostilados impactam a Educação. Há um número enorme de
municípios do Brasil que, por falta de estrutura, têm comprado materiais de
empresas privadas. Esses materiais são alheios à rede, pois não consideram a
formação de professores nem os conhecimentos anteriores dos alunos,
muito menos a diversidade étnica e social locais. Em casos como esse, a
implementação da proposta costuma ser problemática. Como falei
anteriormente, se não for levado em conta o público específico para a qual se
direciona, mesmo a melhor proposta tende a fracassar. O material produzido
no interior da rede leva mais em consideração algumas dessas questões
citadas. Eu tenho acompanhado as apostilas produzidas pela Secretaria de
Estado da Educação de São Paulo, tenho pesquisas de orientandos sobre isso.
O material é extremamente linear. Às vezes, no entanto, o professor está tão
carente que esse material acaba ajudando.

A revisão constante dos currículos não abre a possibilidade de tornar


rapidamente obsoleto o que foi inicialmente acordado?
BRANCA Não adianta fazer revisão do material se não se realiza a
capacitação docente. Precisamos investir pesado na formação dos
professores, que é o que melhor atualiza o conhecimento e os currículos
anualmente. Durante muito tempo, o país deixou de fazer formação de
qualidade e hoje está pagando um preço caro por isso.

A leitura e a escrita devem ser os objetivos prioritários da escola?


BRANCA Essa é uma condição primordial. Tenho visto resultados de
pesquisas que indicam, por exemplo, que jovens cursando o 7º e o 8º ano não
sabem ler direito. Isso é uma tortura! Já pensou como é passar anos da sua
vida num lugar em que tudo é intermediado pela leitura e pela escrita sem
saber ler? Isso não pode ser apenas discurso. Claro que os estudantes têm de
saber ortografia e a regra culta, mas escrever bem vai além disso: é conseguir
desenvolver um raciocínio lógico, que tenha começo, meio e fim, conseguir
expor essas ideias e argumentar com propriedade sobre elas. A cidadania
passa por isso. Como exercê-la sem essas habilidades?

No Brasil, as aulas nos primeiros anos da Educação Básica são


ministradas por um professor generalista. Os especialistas são
contratados, prioritariamente, para lecionar do 6º ao 9º ano. Qual a
importância deles? A partir de que idade os alunos devem ter aulas com
eles?
BRANCA Todo professor é um especialista. No caso, um especialista em
ensinar. Essa questão sobre que tipo de professor é mais adequado para
cada faixa etária é complexa, não existem fórmulas prontas. O importante é
estar bem preparado. Não é porque ele leciona nas séries iniciais que nas
aulas de Matemática, por exemplo, vai ficar restrito à aritmética pura simples,
do tipo "2 + 2 = 4". Não basta também ensinar fórmulas. É preciso ensinar
raciocínio lógico, uma instrumentação teórica poderosa.

No mundo e no Brasil, cada vez mais a Educação é tratada como um


processo de mão dupla, que deve envolver a troca constante de
experiências entre professores e estudantes. Essa troca tem sido
produtiva?
BRANCA Eu aposto sempre numa coisa chamada diálogo. Essa palavra está
desgastada, mas precisa ser resgatada. Ela vem do grego dialogos, que quer
dizer "entendimento por meio da conversa". Essa é uma expressão muito
bonita. É saber ouvir o outro para elaborar algo coletivo, em comum. Isso não
é brincadeira. Numa sala de 40 alunos, é um processo que pode se tornar
muito trabalhoso, mas que também é fantástico quando bem-sucedido. A
criação das condições necessárias para que o diálogo aconteça é
fundamental. O ambiente escolar tem de cultuar isso e o aluno tem de ser
visto como um participante importante do processo de ensino e
aprendizagem.

A falta de diálogo não é uma das causas da violência crescente?


BRANCA Há muita confusão com o conceito "violência escolar". Há violência
na escola, à escola e da escola. As três são complementares, mas distintas. A
escola também é violenta com os estudantes. Por exemplo, quando põe
alguém anos numa carteira fazendo de conta que ele sabe ler e escrever e
nem se preocupa em conversar! Mas a única manifestação que parece
preocupar é quando esse mesmo menino, cansado e frustrado, chuta a
carteira. Não vemos a violência da escola, que tem sido imensa. Felizmente,
há também belíssimas experiências escolares nas redes públicas.

A universidade brasileira tem contribuído para a melhoria da qualidade


da Educação Básica?
BRANCA Menos do que poderia. Eu não vejo outro jeito senão um diálogo
cada vez mais franco e aberto entre a universidade e a escola pública. As boas
universidades, pois hoje é necessário ressaltar isso. Há um grande
contingente de pessoas que abraçam o Magistério como profissão, mas sai
do Ensino Superior com formação precária. Eu aposto alto na formação
continuada. Aliás, prefiro a expressão formação permanente. O diálogo da
universidade com as escolas tem de ser aprofundado para alimentar a
academia, que não pode ficar falando de si mesma. O alimento dela é a
sociedade, mas ela precisa dar uma devolutiva. O diálogo alimenta os dois
lados. Com base nele, podemos buscar soluções.

Quer saber mais?

Contato

Branca Jurema Ponce

Bibliografia

A Escola Tem Futuro? Das Promessas às Incertezas, Rui Canário, 160


págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 40 reais
Ideologia e Currículo, Michael W. Apple, 288 págs., Ed. Artmed, 57 reais
Políticas de Currículo em Mútiplos Contextos, Alice Casimiro Lopes e
Elizabeth Macedo, 272 págs., Ed. Cortez, tel. (11) 3611-9616, 39 reais

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