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coordenador-pedagogico-pode-ser-o-melhor-formador-de
professores

Publicado em GESTÃO ESCOLAR 26 de Março | 2018

Blog Coordenação

Por que o coordenador


pedagógico pode ser o
melhor formador de
professores
A formação do professor está muito vinculada à ideia de que ele
deve ser o especialista de sua disciplina, mas isso precisa mudar
Ewerton de Souza

Ilustração: Getty Images

A formação de professores é uma das estratégias mais apontadas quando se fala em


qualidade educacional. As possibilidades de viabilizar tal formação são inúmeras, mas
aqui vou me ater a uma delas: o papel do coordenador pedagógico na formação
continuada de docentes.

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Em conversas com colegas percebi que é mais comum que o coordenador pedagógico
se enxergue como multiplicador ou articulador dessas formações. Defendo o contrário.
Creio que os coordenadores pedagógicos têm muito a contribuir para a formação
continuada de docentes. Ninguém melhor que esse profissional conhece o perfil de sua
equipe docente, as demandas dos educandos e o contexto da escola.

LEIA MAIS A verdadeira função do coordenador pedagógico

Vejo o coordenador pedagógico como aquele intelectual que, ao mesmo tempo em que
põe a mão na massa, é capaz de compreender como a teoria e os debates em torno da
Educação estão perto ou longe do chão da escola. É um ótimo termômetro da
aplicabilidade das políticas públicas e das propostas pensadas pela universidade em
cursos de pós-graduação, além de outras propostas das redes pública e privada.

LEIA MAIS Sua escola tem projeto?

Na elaboração da proposta de formação de professores, o coordenador pedagógico


não pode perder de vista dois aspectos: sua posição como aquele que é detentor do
saber e a solidão de seu trabalho docente.

Como detentor do saber, ainda é muito comum que os professores sejam formados
pelas faculdades para ser tudo, exceto educadores. O desejo de torná-los altamente
capazes de dominar os saberes próprios de sua disciplina, bem como de entupi-los de
teorias sem propor sua articulação com a prática faz sair dos cursos de graduação
profissionais que não estão preparados para a sala de aula.

Falo por mim. Pouco ou nada sabia da efetiva aprendizagem em sala de aula até pisar
em uma como professor. Minha experiência era a de aluno e meu fazer pedagógico
inicial se baseou naquilo que vi meus professores fazerem, para o bem e para o mal.
Mas como desejamos ir, parafraseando Nietzsche, além do bem e do mal, a prática me
mostrou que ou buscava formação mais específica e adequada, ou jamais conseguiria
desempenhar meu papel de professor no século XXI.

Não há novidades quanto a isso, há mudança de postura. A minha – e a de muitos


outros – veio com Paulo Freire, descoberto por mim décadas depois. Embora seja nosso
Patrono da Educação e seja sempre citado aqui e acolá, suas ideias ainda não
impactaram a sala de aula satisfatoriamente. Não precisamos dizer muito sobre isso a
não ser aquilo que foi exaustivamente dito por ele: “Quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender”.

A formação do nosso professor ainda está muito vinculada à ideia de que ele deve ser
o especialista dominador de sua disciplina como alguém encerrado em uma torre de
marfim. Nosso professor sente-se muito desconfortável com a incerteza. E com razão:
a sociedade – e os educandos – também esperam dele respostas para tudo.

E esse é um ponto no qual o coordenador pedagógico pode atuar para desconstruir.


Sem dúvida enfrentará resistência, pois nesse caso trata-se de autodefesa, justa
inclusive. No entanto, ninguém melhor que ele pode (de)formar seus colegas
professores.

O outro aspecto que pode ser alvo do processo formativo proposto pelo coordenador
pedagógico é o fazer docente como ato solitário. Permitam-me o trocadilho, mas
precisamos tornar nossos professores solidários.
A prática docente, como bem o dizem Lessard e Tardif, em um belo e minucioso livro
chamado O Trabalho Docente, tem sido um ato isolado. O professor entra na sala de
aula, fecha a porta e esse espaço passa a ser um microcosmo alheio ao restante da
escola, à comunidade e à sociedade em geral.

Iniciativas como a docência compartilhada, a organização curricular em projetos e


práticas interdisciplinares mostram-se saídas para esse isolamento, mas é preciso
atacar no ponto fulcral desse ostracismo: o discurso da minha aula. Infelizmente, o
professor se construiu enquanto profissional como dono da aula que, assim, deixa de
ser um tempo e um espaço para a troca e a construção compartilhada de
conhecimento, com alunos e outros colegas, e passa a ser um feudo impenetrável.
Como seria bom se um grupo de professores pudesse dizer “nossa aula de hoje”,
como de fato há experiências relatadas Brasil afora.

Mas como fica o coordenador diante desse feudo? Aqui acredito que seu papel
formativo associado à sua função como articulador do projeto da escola é a melhor
forma de quebrar esse isolamento – melhor e única, pois as demais formações estão
fora da escola e não reúnem aquele grupo de docentes.

Algumas redes têm garantido efetivamente o tempo de coletivo para o professor fora
da sala de aula. Ainda há muitas dificuldades pela própria condição dos professores
que, em vista de baixos salários, são forçados a acumular aulas em duas ou três
escolas, além das obstruções burocráticas colocadas pelos sistemas para negar ao
professor o acesso ao tempo de horário coletivo. No entanto, também ouvimos de
colegas educadores discursos de pouca valorização desse tempo, como se o horário de
formação em serviço fosse um fardo a ser carregado.

Por isso é importante que os coordenadores pedagógicos garantam a efetividade


desse horário, e garantir sua efetividade significa:

Conscientizar a equipe de que o horário coletivo é o coração do processo para


qualificação e articulação da proposta curricular da escola;
Cobrar o devido respeito de todos os profissionais aos tempos previstos para
essa formação e planejamento da proposta da escola, considerando que
assiduidade e pontualidade são fundamentais;
Construir uma pauta formativa e de planejamento que seja significativa para
todos, em que teoria e prática estejam intimamente relacionadas; Propor
uma bibliografia que não subestime os professores em sua dimensão
intelectual, afinal o professor também deve ser um pesquisador;
Avaliar constantemente o processo de formação, de modo que se possa perceber
sua articulação à sala de aula e sua efetividade na transformação da escola.

Não é trabalho que se faça em um mês. Como disse em outro artigo, tudo que mexe
com a cultura instituída em uma comunidade exige paciência para mudar, mas
também coragem para fazê-lo. Afinal, é tão importante compreender como questionar.
Até a próxima!

Ewerton Fernandes de Souza é coordenador geral no CIEJA Clóvis Caitano


Miquelazzo, escola da prefeitura de São Paulo que lida exclusivamente com
Educação de Jovens e Adultos, especialmente na faixa etária dos 15 aos 18 anos.
Foi um dos 50 finalistas do Prêmio Educador Nota 10 de 2017.

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