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Coordenação Albertina Maria Rocha Salazar

Graduada em Pedagogia. Foi Assessor-Técnico do Conselho Estadual de


MARINA RODRIGUES BORGES ACÚRCIO Educação de Minas Gerais. Coordenou o processo de discussão e implan-
Graduada em Letras (PUC-MG), autora de livros didáticos, Diretora de tação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei Fed. nº 9394/
Produtos e Serviços da Rede Pitágoras / Belo Horizonte. 96, em Minas e nos demais estados.
Organização e Introdução Gilma Alvarenga
Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Ciências Humanas da Fundação
ROSAMARIA CALAES DE ANDRADE
Mineira de Educação e Cultura (FUMEC) com especialização em orientação,
Pedagoga, com especialização em Psicopedagogia, Supervisão Escolar e supervisão e administração escolar. Desde 1986 é diretora do Instituto “Casa da
Metodologia do Ensino Superior. Autora de livros e artigos na área educacio-
Criança” e professora dos cursos optativos do C.O.L.E.G.U.I.U.M , desde 2002.
nal, consultora pedagógica da Rede Pitágoras / Belo Horizonte.
Lúcio de Andrade Fonseca
Autores Graduado em Pedagogia e Letras pela Universidade Federal de Minas e
Pós-graduado em Tecnologia Aplicada à Educação e Treinamento. Foi
Aída Linhares Barbosa Diretor de unidades escolares e de Tecnologia do Grupo Pitágoras. É con-
Graduada em Educação Física e Pedagogia (UFMG). Pós Graduada em sultor e palestrante sobre educação, qualidade e tecnologia. É editor da
Metodologia do Ensino Superior (CEPEMG/Newton de Paiva). Coordena- seção Tecnologia na Escola no site www.redepitagoras.com.br.
dora e professora do Curso Superior de Educação Física do Instituto Supe-
rior da Fundação Helena Antipoff. Professora de Educação Física do Colé- Pedro Faria Borges
gio Pitágoras - Unidade Mangabeiras Graduado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
com pós-graduação em Gestão da Qualidade Total pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV). Autor de livros didáticos na área de português e de livros
para formação de educadores.

G393 A gestão da escola/ coord. Marina Rodrigues Borges Acúrcio;


org. Rosamaria Calaes de Andrade – Porto Alegre/Belo Horizonte :
Artmed/Rede Pitágoras, 2004.
(Coleção Escola em Ação; 4.)

ISBN 978-85-363-0333-8
1. Educação – Métodos de investigação educacional – Observações pedagógicas.
I. Acúrcio, Marina Rodrigues Borges. II. Andrade, Rosamaria Calaes de. III. Título.
CDU 37.012

Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto – CRB 10/1023


Coleção Escola em Ação 17

Gestão Escolar: Guia do


Diretor em Dez Lições
1
Pedro Faria Borges

FUNDAMENTOS

Lição 1: A Escola como Sistema


Eu era um bom professor de língua portuguesa. Tal fato teve como conseqüência o convite para coordenar o
departamento de língua portuguesa do sistema no qual trabalhava. Como coordenador, também me saí bem, e me
tornei vice-diretor de uma das unidades da instituição. Na vice-diretoria, tive também um bom desempenho, e a
conseqüência foi tornar-me diretor de uma escola da instituição.
Acredito que esse caminho foi trilhado por muitos daqueles que estão na direção de escolas brasileiras. Basta
mudar o nome da disciplina. Tenho colegas de matemática, história, educação física, química, biologia, inglês, geo-
grafia que são ou foram diretores de escola. Sabe-se, no entanto, que dirigir uma instituição educacional é muito
diferente de ser professor, e que, embora haja algumas coincidências, ser diretor exige competências e habilidades
distintas daquelas que são necessárias para o exercício do magistério. Acontece, com certa freqüência, de um ótimo
professor tornar-se um diretor medíocre. Há excelentes vice-diretores que, ao se tornarem diretores, “metem os pés
pelas mãos”. E também ocorre, embora menos freqüentemente, de professores medianos se tornarem ótimos diretores.
A direção de uma escola, por menor que esta seja, não é uma função apenas pedagógica. Sei que ser professor,
principalmente nos dias de hoje, também não é uma função só pedagógica, mas há uma diferença, não de natureza, mas
18 A gestão da escola

de grau. Tanto o professor quanto o diretor têm uma função administrativa muito importante, mas, enquanto aquele
administra a sala de aula, este se responsabiliza pela escola como um todo. O diretor é professor de professores, ele cuida
de um sistema bem mais complexo, com vários subsistemas – partes inter-relacionadas que constituem a escola.
O contato permanente com vários tipos de escolas, na maioria das regiões brasileiras, mostra que as instituições
educativas bem-sucedidas têm, inevitavelmente, um equilíbrio permanente entre o pedagógico e o administrativo, e
essa harmonia decorre, quase sempre, da compreensão de que a escola é um sistema.
No entanto, o conhecimento de que a escola é um sistema nem sempre permeia o dia-a-dia das instituições
educativas e as perdas que daí decorrem são enormes.
Segundo Deming, um sistema é um conjunto de funções ou atividades que interagem em um organismo em prol do
objetivo desse organismo. As partes mecânicas e elétricas que funcionam juntas, em um automóvel ou um aspirador de pó,
constituem um sistema. Há três idéias fundamentais que Deming coloca em destaque na sua visão do que é um sistema:

1. Sem objetivo não se pode dizer que existe um sistema.


2. Existe, em quase todos os sistemas, interdependência entre os múltiplos componentes.
3. Os componentes de um sistema são necessários, mas não suficientes por si mesmos para realizar o objetivo
do sistema, e por isso precisam ser administrados.

O primeiro passo de um diretor é definir, ou redefinir, com bastante precisão, o objetivo da escola. Embora isso
pareça óbvio, na maioria das vezes, a escola não sabe o que quer, não sabe o porquê de sua existência. Ao conversar
separadamente com alunos, pais, funcionários, professores, diretores, tem-se, com muita freqüência, a impressão de
estar-se tratando de diversas escolas. Cada segmento acredita que os seus objetivos são os da escola; como não há
clareza em relação ao que se pretende, surgem muitos conflitos desnecessários e perde-se muita energia.
Algumas escolas, em sintonia com os ensinamentos da Gestão da Qualidade, buscaram definir a visão, a missão,
os valores, mas muita coisa ficou apenas no papel. Em alguns casos, houve incoerência entre o escrito e o que se vivia
no cotidiano da escola. Poucas instituições conseguiram identificar o que estava errado e buscar as soluções, aprimo-
rando os processos da escola e melhorando as condições de trabalho.
O segundo passo é considerar, em todas as decisões, a interdependência entre os múltiplos componentes do siste-
ma, pois é quase impossível mexer com uma peça só. A imagem que me ocorre é a do horário de aulas. Com ele pronto,
qualquer alteração pedida por um professor desencadeia uma avalanche de mudanças. Um professor, quando pune
um aluno, mexe com todos os alunos, com as famílias, com a escola toda. Uma instituição, quando escolhe o seu diretor,
dá muitos sinais. A demissão de um professor quase sempre mexe mais com o grupo que fica do que com o demitido.
Um diretor que não compreende a interdependência entre os componentes do sistema passa grande parte do seu
tempo apagando incêndios e corre o risco de levar a escola ao fracasso. Vendo apenas árvores isoladas, sem competência
para ver a floresta, cria insatisfações, focos de resistência, desgastes desnecessários. Cada solução sua origina outros problemas.
Coleção Escola em Ação 19

O desempenho de cada componente deve ser avaliado em termos de sua contribuição para o alcance do objetivo
do sistema. É o critério menos pessoal e, nas escolas, esse critério raramente é considerado. Tanto para o bem quanto
para o mal, as simpatias, os apelos emocionais, o medo dos conflitos, os laços familiares, o tempo de casa falam mais alto
que qualquer contribuição para o objetivo do sistema.
O terceiro e último passo é reconhecer que as falhas de um sistema decorrem fundamentalmente das ações administrati-
vas. Se uma escola não vai bem, é possível encontrar muitas justificativas, mas nenhuma exime a direção da responsabilidade.
O diretor precisa pensar suas ações, mas não deve ter medo de agir. A administração é que permite o exercício
de todas as profissões. Para que o professor realize o seu trabalho, é necessário que alguém esteja administrando a
escola, criando condições para que as pessoas possam ser produtivas. Encontrar culpados para as mazelas da escola
não revela competência alguma. Quanto maior o poder de uma pessoa, maior a sua responsabilidade pelos resulta-
dos. O salário de um diretor deve recompensar não o seu trabalho, mas a responsabilidade pelos resultados da
instituição. Chegar à escola às seis horas da manhã e sair às dez da noite não é o que importa na avaliação de um
diretor. Em resumo, não é a quantidade de trabalho que distingue o diretor, mas a qualidade de sua administração.
Compreender a escola como um sistema facilita a abordagem de determinados aspectos. Como melhorar a esco-
la é um desses aspectos. Numa visão mais superficial, podem-se afirmar que quase todo sistema apresenta três compo-
nentes principais:

1. Parte física – instalações, materiais, equipamentos que constituem a infra-estrutura do sistema.


2. Tecnologia, o “como fazer” – conjunto de procedimentos operacionais (especificação de tarefas, atividades,
rotinas), próprio de cada sistema.
3. Elemento humano – pessoas que operam o sistema.

As escolas apresentam esses componentes. Nem sempre os procedimentos operacionais estão explicitados, mas eles
existem. Prova disso é o fato de dizer-se, com freqüência, para os novatos: “Aqui, fazemos assim; aqui, isto não é possível”.
Na melhoria de uma escola, há possibilidade de duas ações distintas: investimentos na parte física, ou investi-
mentos em educação, no desenvolvimento das pessoas.

1. Investimentos na parte física:


Por meio desses investimentos, pode-se melhorar prédios, instalações, equipamentos, materiais de trabalho.
Essa ação tem retorno imediato – a parte física sofre uma melhoria visível com as novas aquisições ou construções.
Quando há um desequilíbrio entre o administrativo e o pedagógico, com predominância daquele sobre
este, a escola se transforma num canteiro de obras. Ainda quando os recursos são parcos, acontecem
melhorias, porque todos os investimentos são canalizados para a parte física.
20 A gestão da escola

A experiência demonstra que essa ação sozinha não implica o aperfeiçoamento da escola como um todo. Isto
significa que grandes melhorias nas instalações escolares, sem treinamento e capacitação de funcionários e pro-
fessores, não resultam, necessariamente, em maior qualidade de ensino, em garantia de aprendizagem.
2. Investimentos em educação:
Essa ação tem retorno somente a longo prazo, mas o seu alcance é profundo e duradouro, resultando em
ganhos visíveis na qualidade e na produtividade. Educação e treinamento melhoram o desempenho das
pessoas e, conseqüentemente, os procedimentos operacionais (estes dependem diretamente da eficiência
do elemento humano e de seus conhecimentos).
Para que a pessoa assimile os resultados dessa ação, é necessário que esteja motivada e que seu potencial mental
seja explorado no sentido do pleno aproveitamento e desenvolvimento. Para os investimentos na parte física, não
há barreiras, mas, para os investimentos no desenvolvimento de pessoas, há dois obstáculos a serem considera-
dos: o potencial intelectual e a motivação. Pode-se criar o melhor programa de desenvolvimento e nada funcio-
nar, se as pessoas não estiverem motivadas, ou se o programa não levar em conta o potencial intelectual delas.

Nas situações de vida real, o cargo de diretor de escola tem funções e características bem diferentes de uma instituição
para outra. Em alguns casos, ainda que se compreenda que a escola é um sistema, é muito difícil que a prática reflita essa
compreensão.
Ocorre-me a lembrança de escolas que têm como mantenedoras cooperativas educacionais, nas quais o diretor
cuida apenas (como se isso fosse possível) do pedagógico, sem autonomia até mesmo para mudar a cantina de lugar.
Lembro-me, ainda, de escolas de alguns sistemas de ensino ou de congregações religiosas em que há um diretor
pedagógico e outro administrativo no mesmo nível de poder. Se se trata de pessoas imaturas, vaidosas, com ambição
de poder, competitivas (e isto acontece com muita freqüência), quase toda a energia dessas pessoas é gasta na
competição e pouco se realiza em prol do objetivo do sistema. A escola corre risco, quando cada parte pensa ser o
todo, e isto acontece freqüentemente quando se fragmenta a função do diretor. Na escola, o diretor (sem adjetivações)
deve ser a última palavra em todos os aspectos, administrativos ou pedagógicos.
As mantenedoras podem e devem ter o controle das decisões e das ações do diretor, mas tão somente no nível estraté-
gico, nunca no nível operacional. Os instrumentos para esse controle são os planejamentos, os orçamentos e os resultados.

Lição 2: A Liderança como Serviço


A liderança pode ser considerada sob vários ângulos. Pretendo abordá-la como serviço, porque as palavras que
fazem parte do campo semântico de serviço, tais como serviçal, servidor, servente, serventia, têm uma carga pejora-
tiva muito grande.
Coleção Escola em Ação 21

Nas organizações autoritárias, aqueles que ocupam os cargos mais importantes têm, com freqüência, os demais
a seu serviço. Em muitas escolas, ainda hoje, supervisores, coordenadores, orientadores educacionais, secretárias
escolares vivem em função do diretor; a serviço dos técnicos, estão os professores; estes têm como súditos os alunos.
É bem verdade que essa situação vem sendo modificada e, às vezes, de maneira desastrosa.
Ao colocar o aluno no centro do processo educacional, numa sociedade mais democrática, algumas escolas
passaram do autoritarismo para o anarquismo; equivocadamente destruíram a hierarquia, contribuindo para a falta
de respeito nas relações, para o caos na rotina de trabalho, para a baixíssima produtividade no ambiente escolar.
Não se passou da heteronomia para a autonomia, mas para a anomia; não se passou do medo para a compreen-
são, mas para o desrespeito; não se passou da submissão para a liberdade, mas para a agressividade; não se passou do
silêncio para a participação, mas para a revolta ou para a indiferença; não se passou da dominação para o serviço, mas
para a subserviência.
A compreensão do que é servir talvez seja a única possibilidade de evitar tantos equívocos. Há um poema de
Gabriela Mistral, poetisa e educadora chilena laureada com o Prêmio Nobel de Literatura de 1945, em que se lê:

(...) Uns criticam, outros constroem. Seja você o que serve. Servir não é faina de seres inferiores. Seja
você o que remove a pedra do caminho, o ódio entre os corações e as dificuldades do problema. Há
a alegria de ser puro e a de ser justo. Mas há, sobretudo, a maravilhosa e imensa alegria de servir.

Servir não é trabalho de gente pequena, de seres inferiores. O bom diretor é aquele que não precisa do cargo de
diretor; é aquele que não fica preso a uma posição, a um título. O cargo de diretor lhe cai bem, porque ele pode viver
sem ele. Há uma alegria no servir que só os seres superiores conseguem usufruir. Os fracos, os pequenos, os incompe-
tentes, quando podem, são autoritários; quando não podem, tornam-se subservientes, jamais servidores.
Na convivência com muitos grupos de educadores, foi possível perceber que o poder maior não é o que emana
do cargo, mas o que procede da capacidade de servir. Entre os professores, são aqueles que servem os mais conside-
rados, os mais respeitados pelo grupo. Nem sempre são os diretores.
A capacidade de servir é a verdadeira fonte do poder. No evangelho de São Mateus, capítulo 20, versículo 25 e
seguintes, pode-se ler:

Mas Jesus os chamou a si, e lhes disse: Sabeis que os príncipes das gentes dominam os seus vassalos; e
que os que são maiores exercitam o seu poder sobre eles. Não será assim entre vós outros. Entre vós,
todo o que quiser ser o maior, esse seja o que vos sirva, e o que entre vós quiser ser o primeiro, esse
seja o vosso servo.

A lição é antiga, mas a vaidade e a ambição exacerbada cegam, e os mais famintos são levados cada vez para
mais longe daquilo que tanto querem. Robert Lamp, educador norte-americano, dizia que o diretor deve ser extre-
22 A gestão da escola

mamente forte, para se tornar suficientemente fraco, para que o professor possa ser forte. Só o maior é capaz de se
tornar o menor; a recíproca jamais é possível. Para servir, procure ser grande: não há outro caminho.
E o que é ser grande? As exigências, as necessidades, as expectativas são próprias de cada época, de cada lugar.
Há, no entanto, um conjunto de características e de habilidades que garante um desempenho, no mínimo, razoável
de alguém que esteja à frente de uma escola.
Quanto maior o desenvolvimento tecnológico, maior a necessidade de líderes verdadeiramente humanos. Eles
é que fazem a diferença. O acesso às inovações tecnológicas não é privilégio de nenhuma empresa. O líder capaz de
criar esperanças, de ter valores e crenças que empolguem as pessoas, de fazer com que as pessoas queiram fazer, esse
líder é que faz a diferença e que dá uma dimensão transcendental à organização a que pertence.
Em um artigo de Marco Aurélio Ferreira Vianna, sócio-diretor do Instituto Marco Vianna de Estudo e Humanismo,
sobre os programas de qualidade, lemos no prefácio:

Estamos começando uma pesquisa sobre as características de liderança na ótica de cerca de 15 auto-
res (Crosby, Gardnes, Bennis, Kouzes, Handdy, Motomura, Vianna, Fischer e outros) e, ainda que de
maneira preliminar, conclui-se que 85% dos atributos colocados por esses estudiosos são de natureza
humana, e não empresarial. A título de exemplo cabe citar as “características dos líderes” indicadas
por Philip B. Crosby: ansiosos por aprender, éticos, disponíveis, determinados, cheios de energia,
confiáveis, sensatos, humildes, intensos, agradáveis. Vale também exemplificar um conjunto de carac-
terísticas dos “líderes superiores” pesquisados por Kouses/Posner. Em um estudo feito com base na
visão de quem é liderado, estes esperam de seu líder o seguinte conteúdo de atributos: honesto,
competente, olhar para adiante, inspirador, inteligente, justo, liberal, direito e fidedigno.

A grandeza de uma pessoa é determinada pelo equilíbrio entre três fatores:

1. Natureza de caráter.
2. Relacionamento humano.
3. Conhecimento.

Crosby diz que a integridade do indivíduo determina o seu sucesso com antecedência. Os líderes são responsáveis
pela ética das instituições; eles devem assumir um papel de destaque no desenvolvimento e na defesa de princípios e de
valores. Não há como desempenhar esse papel sem honestidade, sem o desejo de ser justo, sem decência, sem nobreza de
caráter. Dar poder a um mau-caráter, principalmente quando se trata de alguém competente, é arruinar a vida de muitas
pessoas. Felizmente, no meio educacional, quando acontece de um mau-caráter assumir uma diretoria, freqüentemente
seu mandato tem sido transitório. Os líderes, segundo o grego Tucídides, são conscientes de seus deveres e honrados no agir.
Coleção Escola em Ação 23

Uma dada situação se modifica quando as relações existentes nessa situação se modificam. O autoritarismo e a
democracia se expressam principalmente nos relacionamentos, pois falar de relações é tratar da essência. É no campo
das relações que mais aumentaram as exigências em relação ao trabalho do diretor de escola. A função de representar
a escola, interna e externamente, como cabeça da instituição, é uma responsabilidade cada vez mais necessária e
crítica. Trata-se de uma função importantíssima que não pode apenas ser tolerada ou delegada a outra pessoa.
A visibilidade e a acessibilidade são inerentes ao cargo de diretor. Muitos infortúnios são evitados, quando o
diretor se torna visível, presente entre os alunos, os professores, os funcionários, os pais. Muito se aprende, muita
dúvida é eliminada, quando o diretor é uma pessoa a que se pode chegar, quando as portas da diretoria se encon-
tram freqüentemente abertas. É preciso que o diretor tenha gosto pelo relacionamento humano, que não tenha
medo de atritos, que veja nos embates oportunidades de aprimoramento. Minha opinião é de que a demanda por
visibilidade e contatos diretos crescerá muito. O exercício de uma diretoria será um tormento, uma tarefa altamente
desgastante, para quem não tiver uma expectativa positiva em relação aos relacionamentos humanos.
“Para ir adiante dos demais, é necessário ver mais que eles” são palavras do cubano José Martí. Um diretor de escola
precisa ter convicções, idéias, projetos. O conhecimento técnico é imprescindível, mas não é suficiente para que se garan-
ta uma gestão proficiente. Respeitadas as exigências legais, o melhor processo de escolha de um diretor seria o de pedir a
todos os interessados que apresentassem propostas para a administração da escola nas quais falassem de suas convicções,
idéias, projetos. Esse processo vale para escolas públicas e particulares, para escolas confessionais e laicas.
Tenho presenciado muitos equívocos na nomeação de diretores. Poucos, por falta de nobreza de caráter dos esco-
lhidos; muitos, por carência de habilidade nos relacionamentos humanos; e a maioria, por falta de conhecimento, pela
ausência de convicções, de idéias, de projetos, de capacidade de ver adiante, de enxergar mais que os liderados.
E o que é servir? Posso ser um servidor sem perder a autoridade, sem me tornar subserviente? É possível inverter
a pirâmide organizacional sem provocar o caos? É possível ter um modelo participativo sem perder agilidade nas
decisões? É possível solicitar a contribuição das pessoas sem mostrar fraqueza, indecisão?
Sim é a resposta para as questões colocadas no parágrafo anterior, mas é mister lembrar que o conhecimento
sobre o grupo de liderados é que permitirá ao diretor definir acertadamente o ritmo e as prioridades. Nada substitui
o conhecimento da realidade e da cultura de cada escola, pois não basta o desejo de servir, não é suficiente a
convicção de que o exercício do cargo de diretor é instrumento de desenvolvimento do grupo.
Em situações reais, as características mais importantes para um líder estão intimamente relacionadas com o grupo
de liderados. Para o cumprimento de uma tarefa, para a consecução de um objetivo, dois fatores são muito importan-
tes: competência e comprometimento. O papel da liderança varia dependendo do nível dos liderados em relação a
esses fatores.
24 A gestão da escola

Nível dos Liderados Papel da Liderança

Grupo competente, sem comprometimento. O líder cobra, fiscaliza, exige.


Grupo comprometido, sem competência. O líder treina, ensina, acompanha.
Grupo sem competência, sem comprometimento. Se houver tempo, o líder educa, treina, cobra; não havendo
tempo, demite o grupo ou se demite.
Grupo competente e comprometido. Situação ideal. O líder delega e cuidará do crescimento
da organização e das pessoas que nela trabalham.

É importante ressaltar que, em situações reais, não se encontram grupos bem-definidos, como o esboçado.
Nenhum grupo é totalmente competente ou incompetente, comprometido ou não-comprometido. Um grupo pode
ter predominantemente pessoas comprometidas ou não, profissionais competentes ou não; o papel da liderança é
conhecer bem o grupo, trabalhar as suas necessidades e inspirá-lo.
Vale a observação de Sergiovanni e Carver:

É preciso conhecer em que nível estão os professores e os funcionários de uma escola. Não faz sentido
querer motivá-los ao nível de autonomia, se eles estão inseguros, ou querer motivá-los ao nível de
segurança, quando professores e funcionários buscam autonomia. Se superestimamos o nível de ne-
cessidade de operação de professores e de funcionários, e os amedrontamos com uma administração
ultraparticipativa e auto-realizadora, somos tão ineficientes quanto os que negam satisfação significa-
tiva aos professores e funcionários, subestimando os níveis de necessidade de operação.

De modo geral, pode-se dizer que o papel principal de um líder não é o de controlar, mas o de liberar energias,
o de apoiar e orientar. O líder exerce três papéis fundamentais:

1. De projetista.
2. De professor.
3. De administrador.

Como projetista ele cria a realidade a partir dos anseios, dos objetivos pessoais seus e de seus liderados. O líder tem
obrigação de introduzir mudanças que melhorem a qualidade de vida do grupo; precisa ter visão, inspirar o grupo.
Como professor, prepara o grupo e se prepara para mudanças. Uma das principais preocupações do líder deve ser a de
Coleção Escola em Ação 25

educar e treinar. O treinamento é que garante, na prática, os resultados das grandes idéias. As pessoas trabalham mal,
na maioria das vezes, não por falta de motivação, preguiça ou deslealdade, mas por falta de competência. Os compo-
nentes de um sistema são necessários, mas não suficientes por si mesmos para realizar o objetivo de um sistema, e por
isso precisam ser administrados. O líder tem um compromisso com as pessoas que lidera e com a missão da empresa em
termos de resultados práticos. Uma administração incapaz traz prejuízos econômicos, emocionais e espirituais para as
pessoas e para as organizações. Ter consciência disso desperta, naturalmente, uma maior responsabilidade nos líderes.
Tenho percebido que o professor, talvez, seja a pessoa mais parecida com o aluno. É um ser paradoxal: ele é a
instituição (principalmente na relação com o aluno), mas ele a desafia constantemente; tem uma relação conflituosa
com o aluno, mas é o seu maior aliado; exige do aluno respeito à sua autoridade, mas é quem lhe ensina o
questionamento, o desafio; é forte quando se torna fraco e permite que seus alunos sejam fortes; quanto mais compar-
tilha seus conhecimentos mais se torna sábio; é adulto na relação com crianças e adolescentes e, na relação com
adultos, preserva a criança que há em cada um de nós.
Com essas características, o “bom” professor precisa de um ambiente:

• Sem muita formalidade, sem muita burocracia.


• Democrático, sem opressão.
• Aberto, que lhe permita ousar, errar sem culpa.
• Instigante, de diálogo, de troca.
• De trabalho sério, mas sem casmurrice.

O professor espera e quer de seu diretor:

• Lucidez, clareza de objetivos.


• Coerência, lealdade.
• Alegria, bom humor, capacidade de rir dos próprios erros.
• Compreensão, apoio, orientação.
• Capacidade de formar uma equipe.
• Abertura, diálogo.
• Paciência, mas não complacência, tolerância.

O diretor deve ser um bom ouvinte. Precisa escutar as idéias, conhecer as necessidades e expectativas de seus
professores, funcionários, estar sintonizado com as aspirações de seus alunos e, para que não se perca no meio da
diversidade de desejos e convicções, o diretor precisa de lucidez, de firmeza nos objetivos e constância de propósito.
Servir não é fazer o que o outro quer, mas empenhar-se na realização do que é necessário para o bem de todos.
26 A gestão da escola

A arte da liderança, segundo Max De Pree, consiste em libertar as pessoas para fazerem o que lhes cabe, da
maneira mais eficiente e humana possível. O líder é o servidor dos seus seguidores, pois afasta os obstáculos que os
impedem de executar tarefas. Os líderes que sobrecarregam as pessoas, em vez de capacitá-las, não estão a serviço,
mas se servindo da liderança.

Lição 3: A Escola Tem uma Responsabilidade Social


Assumir a responsabilidade social é um dos indicadores da qualidade de uma organização. Uma escola realiza as
suas atividades dentro de uma sociedade composta por seres humanos. Ela interage com pessoas, quer sejam alunos,
pais, funcionários, fornecedores, vizinhos, acionistas, outras escolas, a comunidade. Não há como não ter responsabili-
dade social. Assumir consciente e competentemente essa responsabilidade é que é a maior necessidade de nossos dias.
A educação, por si mesma, não tem sentido. Educação é meio, e não fim, pois a escola não trabalha para si mesma.
Em As novas realidades, Peter Drucker afirma que a educação moderna rejeitou os valores morais, e essa rejeição trouxe
como conseqüência a transmissão de valores errados: indiferença, irresponsabilidade, cinismo. Não há educação sem
valores morais. O trabalho mais significativo, em nossos dias, diz ele, será definir quais são os valores morais da educa-
ção numa sociedade instruída, educar com esses valores e estar fortemente comprometido com eles.
Escola para todos e sucesso de todos na escola não darão garantia de uma sociedade justa, fraterna, democráti-
ca, se a educação não tiver um propósito social. Os grandes corruptos deste país não são analfabetos. São pessoas
instruídas, “competentes”, que estudaram em “boas” escolas e foram bem-sucedidos como alunos. Formar pessoas
competentes não é suficiente; é necessário que sejam também íntegras. Mas ainda não é suficiente; é preciso que
sejam competentes, íntegras e socialmente responsáveis.
Bernardo Toro, educador colombiano, enumera sete aprendizagens básicas para a convivência social:

1. Aprender a não agredir o semelhante – Fundamento de todo modelo de convivência social.


2. Aprender a comunicar-se – Base da auto-afirmação pessoal e grupal.
3. Aprender a interagir – Base dos modelos de relação social.
4. Aprender a decidir em grupo – Base da política e da economia.
5. Aprender a cuidar-se – Base dos modelos de saúde e de seguridade social.
6. Aprender a cuidar do ambiente – Fundamento da sobrevivência.
7. Aprender a valorizar o saber social – Base da evolução social e cultural.

Se se quiser ter novas formas de convivência social, em que a proteção da vida e a felicidade sejam possíveis,
deve-se construí-las. A convivência se aprende, se constrói e se ensina. É uma tarefa de toda a vida de uma pessoa e de
uma sociedade.
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O Dr. Humberto Maturana – médico da Universidade do Chile, biólogo graduado na Inglaterra e nos Estados
Unidos, em Biología del fenómeno social – afirma:

O ser humano é, na sua constituição, social. Não existe o humano fora do social. O genético não
determina o humano, somente fundamenta o que é humanizável. Para ser humano, é preciso crescer
humano entre humanos. Ainda que isso pareça óbvio, esquece-se de que se é humano somente na
maneira de ser humano das sociedades a que se pertence.
Se pertencemos a sociedades que valorizam, com a conduta diária de seus membros, o respeito aos
mais velhos, a honestidade consigo mesmo, a serenidade na ação e a verdade na linguagem, esse será
nosso modo de ser humano e o de nossos filhos.
Pelo contrário, se pertencemos a uma sociedade cujos membros valorizam, com uma conduta cotidiana, a
hipocrisia, o abuso, a mentira e o auto-engano, esse será nosso modo de ser humano e o de nossos filhos.

Mais do que aquilo que fala, a escola ensina aquilo que faz. Os alunos não apenas ouvem o que dizem os professo-
res, mas observam como se relacionam, o que valorizam, como trabalham, como se organizam, como vivem, quais são
seus valores, suas crenças. Aprendem como a escola resolve os problemas, como trata seus funcionários, que importân-
cia dá às disciplinas, aos setores, aos eventos, ao trabalho, ao lucro, ao bem-estar e à satisfação das pessoas.
Educar é mais que instruir, transmitir conhecimentos, dar competência. Educar é dar um sentido ao conheci-
mento, é inspirar projetos de vida, é despertar o projeto de viver em fraternidade, é humanizar, é formar cidadãos, e,
para isso, é preciso direcionar esforços, ter lucidez em relação ao que se quer e ao melhor caminho para chegar lá.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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