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PRÁTICA PEDAGÓGICA VIII

Profa. Maria de Lourdes Correia Pimentel

2a edição | Nead - UPE 2013


Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

xxxx, xxxxxxxxxxxx
xxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx. –
Recife: UPE/NEAD, 2011

36 p.

ISBN -

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

xxxxxxxx
REITOR

Universidade de Pernambuco - UPE


Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado

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Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque

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Prof. José Thomaz Medeiros Correia

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NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


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Edição 2013
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PRÁTICA PEDAGÓGICA VIII

Profa. Maria de Lourdes Correia Pimentel Carga Horária | 30 horas

Ementa
A dimensão prática reflexiva da prática pedagó-
gica. A sala de aula como espaço de aprendiza-
gem e formação. A prática pedagógica inclusiva:
abordagem multicultural/intercultural. A Educa-
ção Especial na perspectiva inclusiva: comparti-
lhando responsabilidades, reconfigurando faze-
res pedagógicos.

Objetivo geral
Compreender princípios da prática pedagógica
numa perspectiva de reflexão crítica sobre esta
bem como na perspectiva inclusiva, destacando
em ambas a categoria do diálogo e do respeito à
diferença na busca de educação para todos com
qualidade, equidade e ética.

Apresentação
Vivemos um tempo histórico em que a luta pelo respeito e pela valorização da pluralidade nos
convida, como protagonistas, a contribuir com nossas diferenças, nossas inquietações, nossa
consciência sociopolítica e nossas competências pessoais e profissionais.

Acredita-se que, em um curso de licenciatura a distância para formação de professores, em que se


busca construir competências para o ensino de qualidade para todos, não se pode deixar de pri-
vilegiar reflexões sobre práticas pedagógicas comprometidas com a inclusão de todos os alunos.
Há muitas opções teóricas que podem servir de ponto de partida para tais reflexões. Nesta disci-
plina, ao construir o 1º Capítulo, optamos por uma abordagem que privilegia discussões sobre a
atuação crítico reflexiva do professor em suas práticas pedagógicas, colocando o diálogo como
categoria que permeia essas práticas.
No 2º Capítulo, serão apresentados os principais marcos teóricos e legais da proposta inclusiva,
que levaram à ressignificação de aluno, de deficiência, do papel da escola e do professor. A abor-
dagem será feita compreendendo as dimensões humanista e reflexiva – já iniciada no 1º Capítulo -
de uma pedagogia que tem a pluralidade como eixo da reflexão e da ação pedagógica. Emprega-
-se a palavra humanista na perspectiva de respeito à dignidade do homem e ao seu direito de ser
diferente. O reconhecimento do outro, o diálogo entre os diferentes grupos culturais presentes
nas escolas e o respeito às alteridades permearão, explícita ou implicitamente, as discussões em
ambos os Capítulos.

Com a proposta da educação inclusiva, surgiram novas terminologias. Surgirão, também, novas
práticas pedagógicas?

Caros alunos, convido-os a empreendermos juntos essa jornada. O processo de inclusão, como
tal, precisa mais de perguntas do que de respostas. Inquiete-se! Faça suas perguntas! Dialogue-
mos durante esta Disciplina.

Estarei sempre presente no Fórum Tira-Dúvidas.

A gente se encontra lá, tá combinado?


A PRÁTICA
PEDAGÓGICA

Profa. Maria de Lourdes Correia Pimentel OBJETIVOS ESPECÍFICOS


• Refletir sobre os aspectos relativos à práti-
Carga Horária | 15 horas ca pedagógica pensada numa perspectiva
emancipadora;

• Compreender a prática pedagógica como


atividade teórico-prática e como prática
social;

• Compreender a relevância da prática críti-


ca reflexiva e do diálogo;

• Compreender a sala de aula como espaço


de formação e transformação.

INTRODUÇÃO
Olá! Este capítulo dá início à disciplina Prática Pedagógica VIII e propõe que esta seja pensa-
da, considerando os desafios postos pela contemporaneidade, marcada por profundas e velozes
transformações a partir dos últimos anos do século XX até os dias atuais. Os movimentos sociais,
em especial aqueles que mobilizam interesses e ideias relativas à educação, indicam que esta deve
voltar-se, cada vez mais, para a formulação de objetivos e ações com vistas à inclusão de todos os
alunos. A escola, como instituição social, não pode ficar alheia a essas mudanças e às respectivas
novas exigências. Assim, o papel da escola e o dos que a fazem são constantemente revisitados e
suas funções, analisadas, criticadas e redefinidas.

Dos profissionais da escola espera-se que assumam, cada vez mais, sua autonomia e compromisso
político em oposição a uma educação secularmente autoritária e distante dos anseios populares.
Mas, sabemos, há um longo caminho a ser percorrido. E esse caminho exige deles comprometi-
mento crítico reflexivo que se expresse em formas de pensar e desenvolver práticas pedagógicas
na perspectiva da emancipação dos educandos.

Ademais, caros alunos, compreendemos que a formação docente compreende não só a rica e
indispensável experiência do estágio curricular mas também a reflexão crítica sobre a prática do-
cente, considerando a articulação da teoria com a prática e vice-versa e, ainda, a complexidade da
sala de aula. Esse espaço, onde ocorre o processo ensino-aprendizagem, bem como o confronto

capítulo 1 7
de ideias e sentimentos de alunos e de profes-
sores, põe continuamente em cheque o fazer
pedagógico, aspectos que serão considerados Figura 01 - Desenho de Alice conversando com o gato.
Fonte: http://pensador.uol.com.br/frase/NTU4NTE/
neste capítulo.

Para efeito de organização didática, a dis-


cussão sobre o papel do professor permeará “Podes dizer-me, por favor, que caminho devo
seguir para sair daqui?
várias partes do texto, enquanto as reflexões
sobre sala de aula estarão em um subitem, ok? Isso depende muito de para onde queres ir -
respondeu o gato.
Fiz uma seleção de autores cujos pensamentos
Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice.
confluíssem para a defesa e discussão de ele-
mentos teóricos que explicitam uma perspecti- Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas
vava crítico-reflexiva e humanista das práticas - replicou o gato.”
pedagógicas.
Lewis Carroll
Enfim, gostaria de esclarecer que optei pelo
uso do substantivo “aluno”, mas, por favor, O gato foi de uma objetividade desconcertan-
prezadas alunas, sintam-se contempladas to- te! E agora, Alice?
das as vezes que nos referirmos a “caros, pre-
zados alunos”. Estamos combinados? Então, Veja, a primeira ideia que me veio à mente foi
vamos iniciar esta caminhada? de um jeito improvisado de ensinar. Ocorreu-
-lhe também esse pensamento? Quando a
professora improvisa e “dá certo”, os alunos
aprendem. Mas, e se não dá certo? Como ela
1. A prática redireciona sua prática? Qual seu conceito de
pedagógica aprendizagem? De avaliação? Enfim, sobre
quais fundamentos teóricos ela constrói sua
compreendida prática? Quais os sentidos – educativos, so-
como atividade ciais, humanos - de tal prática? A partir des-
se relato, convidamos você a pensar conosco
teórico-prática sobre as relações entre teoria e prática, à luz
do pensamento de Vásquez (1977) e Veiga
Quero iniciar trazendo o relato que ouvi, anos
(1989), procurando estabelecer um diálogo
atrás, de uma professora recém-formada, em
entre os dois.
fase inicial de carreira: “Eu não sei bem por-
que eu ensino desse jeito... só sei que tem
A atividade docente não pode ser compreen-
dado certo... meus alunos - todos não, sabe?
dida como um conjunto de ações desarticula-
– aprendem... gostam de mim. Não sei... sigo
das, apenas observável. Ela envolve consciên-
minha intuição, vou testando, sabe?” Possivel-
cia, definição de objetivos, intencionalidade,
mente essa professora, no ato de ensinar, mo-
reflexão sobre as atividades desenvolvidas bem
biliza seus saberes, suas experiências. Mas, e
como análise e reflexão da realidade na qual
quanto aos saberes pedagógicos? Quanto aos
ela acontece.
seus objetivos?

8 capítulo 1
A prática pedagógica precisa ser compreendida
como atividade teórico-prática, que considera
os determinantes sociopolíticos da sociedade,
os posicionamentos políticos dos que fazem
a escola, suas concepções de educação – e,
também, de aprendizagem, avaliação, plane-
jamento, etc - e de ser humano como também
as teorias que a respaldam e que se refletem
na prática docente.

Nesse sentido, não é suficiente que a atividade


docente seja intencional e planejada. Em sua
atuação, o professor, ao transformar a reali-
dade, também transforma a si mesmo e aos Saiba Mais
outros, precisando ter consciência disso. Se-
gundo Vásquez1 (1977), toda atividade prática PRÁXIS: Conceito de prática fundamentada numa
concepção filosófica de base materialista dialética.
“[...] é a transformação real, objetiva, do mun-
do natural ou social [...]” (p.194).

Segundo esse autor, existem quatro maneiras


de se exercitar a práxis. O que diferencia uma Apesar de o pensamento de Vásquez ser di-
das outras é o grau de consciência que se tem rigido para contextos educativos não escola-
delas e do resultado por elas obtido. Com base res – ONGs, partidos políticos, sindicatos – ele
nessa referência, ele faz a seguinte distinção tem contribuído para a análise de práticas pe-
entre elas: dagógicas, levando em conta os processos de
ensino-aprendizagem que neles se efetivam.
1. a práxis criativa: consiste na ação livre, cria- Consideramos sua classificação de práxis uma
tiva e criadora, que se apresenta diferente interessante contribuição para nossas reflexões
do padrão moral, político e legal vigente, sobre como exercemos nossa docência.
sendo, portanto, o seu maior exemplo a
ação revolucionária, pois produz algo radi- Vou contar outra história pra vocês. Gosto de
calmente novo; contá-las porque a gente, por meio da refle-
xão, pode aprender muito com as experiências
2. práxis reiterativa ou repetitiva: ação que re- dos outros, não acha? Certa vez, há alguns
pete gestos mecanicamente consolidados, anos, uma aluna me contou ter presenciado
como a que é exercida pelo burocratismo o seguinte diálogo entre duas professoras da
de Estado, que também guarda possibili- educação infantil. Observe:
dades de criar;
• Não aguento essa história, essa invenção
3. práxis mimética: ação que segue um mo- de construtivismo. Isso é balela!
delo pré-determinado, que pode ser vista
como uma variação da práxis reiterativa e • Não é balela. É algo fundamentado em
que pode criar, mas sem saber ao certo por Piaget, em Vygotsky. Fala da construção
que e como. do conhecimento, do aluno como sujeito
ativo dessa construção, da importância do
4. antipráxis: expressa-se na ação pela qual outro, da interação...
o sujeito, conscientemente, visa destruir
a práxis criativa (VÁZQUEZ, 1977, p. 376, • Conversa! Um pirralho desses constrói al-
apud MARTINS, 2001). guma coisa? Importante é que ele aprenda

1 Adolfo Sanchez Vásquez. Segundo este autor, práxis é a “[...] atividade material do homem que transforma o mundo natural e social para fazer dele um
mundo mais humano”.

capítulo 1 9
a ler e escrever. Meus alunos aprendem. Minha aula
é tranquila, “meus alunos comem aqui, ó, na minha
mão.”

E, dizia a aluna, os alunos, de fato, aprendiam: pela repeti-


ção, treino, memorização, após longos exercícios de pron-
tidão motora. A professora tinha sua competência como
alfabetizadora, mas nos parece que não pensava critica-
mente sobre sua prática docente. Pensava e agia de for-
ma autoritária, utilitarista. O relato da aluna sugere que a
referida professora exercia uma prática de ensino descon-
textualizado, sem considerar o interesse dos alunos, sua
curiosidade e suas possíveis perguntas sobre o mundo que
os cerca. Não se trata aqui de emitirmos julgamentos, mas
de tentarmos compreender os diferentes níveis de consci-
ência da práxis docente tal como colocado por Vásquez.

Figura 02.
Fonte: http://espacoeducaploliza.blogspot.com.br/2012/07/tirinhas-da-mafalda-reflexoes-sobre.html

Sem consciência das finalidades da educação e prevalece a teoria, incorre-se no idealismo; se


de suas relações com a cultura, como pode o prevalece a prática, no utilitarismo.
professor exercer sua função social, sua missão
histórica? Ou seja, como pode ele criar e pôr em Fazendo alusão àquela professora do início
ação estratégias de ensino capazes de despertar deste texto, seria o caso de lhe perguntar: sem
o senso crítico, ético e criativo dos alunos? saber o que quer, onde quer chegar, como en-
tão traçar um plano de aula, um projeto didá-
A prática pedagógica expressa as atividades tico, uma sequência didática, não é mesmo?
cotidianas desenvolvidas na escola. Elas po- Tem razão Veiga quando adverte:
dem ter sido planejadas com o objetivo de
favorecer a transformação ou podem ser ativi- Na prática pedagógica repetitiva, em que a cria-
ção é regida por uma lei estabelecida a priori, a
dades do tipo “bancárias”, no sentido freiria-
consciência se faz presente de forma debilitada,
no, cuja característica central é ser depósito de tendendo a desaparecer [...] Assim, a prática
conteúdos. pedagógica em que há uma débil intervenção
da consciência faz com que o professor não re-
Então, caros alunos, reflitamos que como di- conheça nenhum sentido social em suas ações.
mensão da prática social, marcada pela intencio- (VEIGA, 1989, p. 28)
nalidade, “[...] a prática pedagógica orienta-se
por objetivos, finalidades e conhecimentos...]” Essa “consciência que se faz presente” permite
(VEIGA, 1989, p.17) e se constitui em uma ati- ao educador um agir consciente sobre a rea-
vidade teórico-prática, indissociável, sem que a lidade, com vistas à sua transformação. Mas
teoria prevaleça sobre a prática e vice-versa. Se não podemos esquecer que tal transformação

10 capítulo 1
não acontece apenas no nível dos discursos:
ela torna-se concreta através do processo en-
sino-aprendizagem. Então, em uma prática
dialógica e crítica, subjaz a clareza de que a
intencionalidade também precisa ser questio-
nada, ajustada, reformulada. Assim, ela pode
adequar-se à realidade do cotidiano escolar, no
qual se dá o encontro de professores e alunos
que trocam, entre si, saberes, experiências, sig-
nificados, afetos.

Para que aconteçam essas trocas de saberes,


de significados e saberes, o profissional da
educação, em seu cotidiano escolar, precisa Falamos, há pouco, sobre “prática social.” Va-
estar atento às solicitações, explícitas ou im- mos pensar um pouco sobre ela? Para discuti-
plícitas, do meio social. Freire, ao referir-se aos -la, achamos pertinente trazer o pensamento
saberes necessários à prática educativa, desta- de Contreras, ao referir-se ao ensino. Ele diz
ca que “[...] a disponibilidade curiosa à vida, a que “[...] uma das características mais marcan-
seus desafios, são saberes necessários à prática tes de uma prática social é o fato de esta buscar
educativa” (FREIRE, 1996, p.153). Estar aberto constantemente a realização das pretensões
à vida implica, do ponto de vista da educação, para as quais foi criada.” (CONTRERAS, 1990,
uma prática pedagógica criativa, dialógica, Apud LISITA, 2006, p. 45) O ensino, como prá-
conscientizadora, na perspectiva da transfor- tica social, explicita pretensões e busca realizá-
mação social, tendo-se, porém, a clareza de -las. Segundo esse autor, compreender o ensi-
que a escola, sozinha, não promove essas mu- no formal como prática social significa:
danças. Ou seja, a prática pedagógica, como
toda prática social, tem limites. “Enquanto • Entender o contexto institucional em que o
prática desveladora, gnosiológica, a educação ensino ocorre e suas demandas;
sozinha, porém, não faz a transformação do
mundo, mas esta a implica.” (FREIRE, 2002, p. • Reconhecê-lo como um processo público,
32). Importante – sempre atual - essa adver- em um meio social que lhe exige significa-
tência de Paulo Freire, não acha? do e lhe confere legitimidade;

• Compreender que as pretensões do ensino


são assumidas por pessoas concretas, edu-
cadores que partem da tradição de suas
práticas, das quais interpreta seus signifi-
cados e propósitos num dado contexto de
atuação.

Mas, diz Contreras, o ensino é também uma


prática moral e ética. Estimado aluno, veja
como é interessante a discussão de Contreras!
Acho-a relevante no momento em que, num
curso de formação de professores, estamos
tematizando prática pedagógica. Segundo
esse autor, em sua dimensão moral, o ensino é
uma possibilidade de realização dos valores e
das intenções socialmente instituídos. Em sua
dimensão ética, o ensino exercita a crítica de
tais valores e intenções. Discussões e reflexões
Figura 03. na sala de aula precisam ser bem contextua-
Fonte: http://espacoeducar-liza.blogspot.com.br/2012/07/tirinhas-
-da-mafalda-reflexoes-sobre.html lizadas e planejadas, de forma a despertar o

capítulo 1 11
gica como o lugar da fala, do rompimento dos
silêncios, do protagonismo dos alunos. Assim,
o aluno deixa de ser mero objeto da ação do
professor e da escola e passa a ser interlocutor,
tendo sua experiência de vida e seus saberes
assim como seus anseios eticamente valoriza-
dos e respeitados.

As discussões sobre ética exigem leituras e refle-


xões. É, de certa forma, comum associá-la a jul-
gamentos de valor: bom e mau. Porém, ética tem
a ver com a dimensão criativa relacional do ho-
mem. Ela acontece nos relacionamentos sociais
senso de responsabilidade e respeito de uns
com pessoas concretas, que agem e transformam
para com os outros, sem que se constitua mo-
o mundo e com ele, são também transformadas.
ralismo prescritivo. O moralista, de maneira
geral, é aquele que é só prescritivo, aquele
São muitas as oportunidades que temos de
que prescreve o que as pessoas devem se-
sermos éticos em nosso relacionamento com
guir. Esse tipo de moralismo funciona mais por
os alunos. É muito comum, por exemplo, que
pressão do que por adesão, o que fere a auto-
durante a aula – às vezes, os mesmos alunos
nomia do outro. A propósito da discussão sobre
– perguntem ao professor, mostrando-lhe
valores, a imagem abaixo é sugestiva de uma situ-
o caderno “Professor, tá certo?” O que esse
ação bastante comum nas salas de aula. Deve ser
comportamento pode revelar? Insegurança?
utilizada como mote para discussões sobre ética
Talvez, necessidade de atenção? Necessida-
por meio de várias atividades, podendo, inclusive,
de de reconhecimento? Ou tudo isso junto?
ter sua discussão ampliada na escola como um
Costumo pensar que essa é uma oportunida-
todo, num trabalho de parceria com os colegas e
de para conhecermos mais esse aluno. Se lhe
com pessoas da comunidade. Que acha?
damos atenção – dentro do limite que os de-
mais alunos não se sintam negligenciados – ele
pode, com um breve esclarecimento do pro-
fessor - a ajuda do outro - compreender algo
que ele não compreendia, se essa aproximação
é afetiva, respeitosa, discreta, ética.

Mas, também é muito comum que o aluno,


por timidez, não fale ao professor sobre suas
dificuldades para aprender, para participar das
atividades nos grupos. Geralmente, o profes-
sor percebe e toma algumas iniciativas para
ajudar esse aluno. Mas, há exceções. Sabemos
Figura 04.
Fonte: walnyvianna.blogspot.com que grande parte dos professores trabalham
com salas lotadas de alunos, salas cuja preca-
Queremos agora retomar, brevemente, o diá- riedade de condições físicas e materiais, soma-
logo tal como pensado por Freire: como prin- da a contextos sociais adversos, traz grandes
cípio ético. Como tal, o diálogo ocupa um lu- obstáculos ao atendimento individualizado.
gar de destaque na relação aluno-professor, Entretanto, em muitos desses profissionais, “o
haja vista sua dimensão ético-política, pois é sangue ainda pulsa”: eles acreditam que seus
ele que permite dar voz aos silenciados, entre alunos podem aprender, investem neles, não
estes, os alunos repetentes, como veremos no os deixam à própria mercê. Oportunizar ao
2º Capítulo. O diálogo constitui uma das ma- aluno se expressar traduz nosso compromisso
neiras de sermos éticos em nossos relaciona- político com o outro, reconhecendo-lhe o di-
mentos. Pressupõe respeito recíproco e, nessa reito à voz, à fala. E, às vezes, o professor tem
perspectiva, nos faz pensar a prática pedagó- cada surpresa!

12 capítulo 1
Figura 05.
fonte: : http://espacoeducar-liza.blogspot.com.br/2012/07/tirinhas-da-mafalda-reflexoes-sobre.html

Caro aluno, como prática política, o fazer pe-


dagógico exige compromisso com a educação
em seu sentido amplo, não apenas informativo
mas também formativo. Nesse sentido, espe- “[...] a tarefa educacional não se esgota na
ra-se que o professor acredite nos seus alunos, aquisição intelectual de conhecimentos” nos
demonstre uma real preocupação com eles, alerta RHOR (2006, p. 431). “Abrange, tam-
respeite suas diferenças. Essa atitude, ética, re- bém, as ações, o lado afetivo, as posturas,
vela um compromisso que extrapola os limites convicções e tudo o que as sustenta”. (Idem)
da sala de aula e mesmo da escola.
A propósito me lembrei, agora, do relato de
Você é professor/professora? Já pensou nesses uma aluna na pesquisa que realizei por oca-
aspectos que estou pontuando aqui? A sua sião do curso de mestrado. Conversando com
prática pedagógica explicita, direta ou indire- uma aluna multirrepetente, ela destacava a
tamente, as influências exercidas pelas suas re- importância da afetividade demonstrada pela
presentações de aluno, de escola pública; suas sua professora, a importância do “chegar per-
concepções de aprendizagem, de currículo, de to” no momento em que ela sentia dificuldade
avaliação, etc.? em uma determinada atividade:

Meu caro, até agora temos reiterado que toda O aluno se interessando... e a professora conver-
sando com ele direitinho, ele aprende. (Amarilis)
prática pedagógica tem uma base teórica,
mesmo quando o professor dela não se aper-
Sabemos que a educação é um processo in-
cebe. Contudo, “Pode ser que a ação docente
tencional. Mas, o que caracteriza uma inten-
seja, muitas vezes, pouco reflexiva, até ingê-
ção educacional? “Em termos abstratos” - diz
nua. Mas nem por isso deixa de ser uma prá-
Rhor: - “educar é contribuir na humanização
tica política, que evidencia valores.” (CUNHA,
do homem.” (RHOR, 2005, p. 430) Ora, sabe-
1981, p.151)
mos que ao nascer, cada criança já é um ser
humano, isto é, pertence à espécie humana.
E é com base nesses valores que o professor
E, como tal, ele passará pelas fases de cresci-
faz suas escolhas metodológicas, suas inter-
mento biológico, desenvolvimento cognitivo,
venções, e confere significado à sua prática em
estruturação da personalidade, etc. Mas, além
sala de aula. Do mesmo modo, gestores, co-
disso, Rhor, referindo-se ao educando, ser úni-
ordenadores e demais profissionais da escola
co e insubstituível, diz que ele deve ser o prin-
precisam refletir sobre seus valores e as ações
cipal beneficiado pela educação. “Em outras
desenvolvidas na escola. Os modos de pensar
palavras, a meta educacional deve estar con-
e agir têm importância fundamental para as
centrada nele. (educando)” (RHOR, 2006, p.
práticas pedagógicas que nela acontecem.
430) Podemos dizer então: a escola existe para
os educandos e deve dar conta deles pedago-
Mas não somos ingênuos e sabemos que só os
gicamente, respeitando-o em sua integridade,
valores e as escolhas metodológicas não são
reconhecendo seu direito às várias oportunida-
suficientes ao exercício do magistério porque
des de aprendizagem.

capítulo 1 13
Caro aluno, até aqui, vimos que a educação é
Figura 06.
uma prática social e um processo intencional. Fonte: www.agravo.blog.br
Vimos também que a escola sozinha não dá
conta das transformações sociais em curso na
sociedade brasileira. Contudo não podemos E, agora, observe com muita atenção esta ou-
esquecer que ela é uma instituição social onde tra foto:
ocorre a educação escolar.

Logo, a escola, e nesta, a sala de aula é, por


excelência, lugar onde se aprende e se constrói
conhecimentos. É aí que os alunos se apro-
priam do conhecimento produzido pela huma-
nidade, didaticamente organizado nas diver-
sas disciplinas. É na escola que se realizam, de
modo sistemático e formal, as aprendizagens
escolares, condição fundamental à cidadania.
Ademais, é nela que acontece a socialização, é
por meio dela que os alunos aprendem regras
de convivência em grupo e o respeito às dife-
renças. Muito bem. Vamos agora pensar um Figura 07.
Fonte: trabalhoeducacao.blogspot.com
pouco sobre esse espaço vital que é a sala de
aula.
As duas fotos apresentam detalhes que nos fa-
zem identificá-las como salas de aula de comu-
2. Algumas reflexões nidades diferentes. Na primeira foto, notamos
que se trata de uma sala situada numa escola
sobre sala de aula indígena. O empenho em preservar sua cultura
se apresenta nas marcas do próprio corpo por
A sala de aula é mais do que um espaço físico meio de grafismos neles desenhados. O cená-
na escola. É um espaço socialmente instituí- rio não deixa dúvida: as duas fotos mostram
do, historicamente construído: ela expressa a salas de aula onde professores ensinam algo a
conquista dos povos em diversas culturas, em seus alunos.
diversos tempos, sendo reconhecida pela so-
ciedade como espaço de socialização do saber. E quanto a segunda foto, que leituras você
A sala de aula é, fundamentalmente, ocupa- faz? Observe bem os detalhes...
da pelo professor e pelos alunos. Geralmente,
pela disposição dos móveis, pela especificida- Percebeu que é uma sala de aula de um acam-
de das atividades aí desenvolvidas, enfim, pela pamento do Movimento dos Sem Terra (MST)?
sua configuração, a gente logo a reconhece: é Está situada em área rural, sem paredes, com
uma sala de aula. alguns bancos tosos e mesas idem. Nelas se
sentam os alunos maiores. Observe que, no
Agora, observe a foto a seguir: primeiro grupo de alunos, à esquerda, os alu-

14 capítulo 1
nos são maiores do que os do segundo grupo,
à direita. E, sentados no chão, os pequenos. A
professora lhes entrega um material.

Caro aluno, o que essa distribuição de alunos


lhe sugere? Será uma classe multisseriada? A
professora os distribuiu possivelmente pelo ní-
vel de escolaridade e abaixou-se para instruir
os alunos da Educação Infantil. Tudo isso num
único espaço físico, em precárias condições.
O que distingue uma sala da outra é a espe-
cificidade do que nelas acontece, a dinâmica
adotada pelo professor, a estratégia realizada.

A sala de aula é espaço de desafios, de exigên- Prezado aluno, a sala de aula, lugar de ensino
cias. Do aluno em relação ao professor e deste, e de aprendizagem, precisa ser compreendi-
em relação aos alunos. A sala de aula é o es- da e vivida pelo professor, considerando-se as
paço de decisões mais imediato do professor. É dimensões ética, moral e crítica de sua ação
aí que as interações entre professor-aluno, alu- docente porque o que está em jogo, implicita-
no-aluno, aluno-conhecimento exigem deste mente, é a formação pessoal de seus alunos.
profissional a tomada de decisões e atitudes.
Muitas vezes, é um espaço de dúvidas e tam- O tempo todo, mesmo sem perceber, o profes-
bém de possibilidades. A sala de aula retrata- sor está emitindo juízos valorativos, expressando
da na segunda foto nos mostra exemplos das seus sentimentos, valores, afetos, e - como não?
possibilidades de atuação ante a pluralidade - também suas incertezas, receios. Sim, porque
de níveis dos alunos, não lhe parece? o ensino é uma prática social humana. É na sala
de aula que acontece o encontro/desencontro de
Criatividade, ludicidade, pesquisas, parcerias, pessoas numa relação de troca interpessoal, nem
tecnologias, projetos, essas são algumas das sempre intensa, que, às vezes, converge, outras
possibilidades que o professor e sua turma diverge, como em todo processo relacional inter-
podem buscar juntos quando a grande mo- pessoal. Assim como na vida.
tivação é a aprendizagem. Quando o grande
desejo é aprender As dimensões citadas acima são imprescindí-
veis, uma vez que, na sala de aula, estão alunos
“O professor, no limite de sua autonomia e con- oriundos de famílias com situações financeiras
trole que exerce sobre seu processo de trabalho,
diversas, múltiplas opções de religião, diferen-
organiza e direciona, juntamente com seus alu-
nos, a dinâmica da sala de aula, cujos efeitos vão tes expectativas socioculturais, experiências e
além dos muros da escola.” (AZIZ, 2002, p.37) saberes os mais diversos. O aluno traz para a
escola sua bagagem de valores, saberes e cren-
Mas a prática pedagógica desenvolvida na es- ças. Nesse contexto múltiplo, como obter um
cola não se restringe à ação do professor, ela ensino de qualidade, como formar cidadãos?
acontece no contexto coletivo. Ela precisa da Segundo Macedo,
participação de todos durante o processo de
ensino-aprendizagem. Administrar conflitos, “[...] dialogar autenticamente com essas diferen-
ças, criar meios de mobilizá-las para implementar
organizar ideias coletivas, tomar decisões são o aprendizado, no qual o princípio didático fun-
ações que devem ser compartilhadas com to- damental é se aproximar o máximo possível das
dos para que se sintam participantes e não cosmovisões dos alunos [...] trabalhar ativamente
meros espectadores. A atividade coletiva, com elas [...]. A riqueza humana é a sua diver-
sidade e a educação, principalmente, não deve
quando todos sabem quais os objetivos a
desprezá-la, mas potencializá-la, ética e politica-
serem alcançados, mantém os envolvidos mente, [...] através dos seus recursos pedagógi-
motivados. É preciso que todos assumam a cos comunicacionais e relacionais.” (MACEDO,
intencionalidade do processo que se vivencia 2006, p.62.)
na escola.

capítulo 1 15
uma sociedade em crescente complexida-
de. Novas responsabilidades são atribuídas
à escola No passado, tínhamos uma escola
pública para poucos – alunos da classe mé-
dia, majoritariamente; hoje, temos uma es-
cola para muitos. Para todos? Ainda não.
Principalmente quando a gente sabe que
só na Educação Infantil, por exemplo, se-
gundo dados publicados na Revista Nova
Escola, há, no Brasil, 1.419.981 brasileiri-
nhos – faixa etária de 4 e 5 anos – excluí-
dos da pré-escola.

Como tornar nossa escola pública – sim, é essa


escola que estamos tomando como referência
neste livro - capaz de realizar a inclusão so-
cial, via educação, de todas as crianças? Diante
dessa realidade,

“[...] será preciso, a partir da análise e da valori-


O diálogo é categoria presente, necessaria- zação das práticas existentes, criar novas práticas
no trabalho em sala de aula, na elaboração do
mente, numa sala de aula em seus diversos currículo, na gestão e no relacionamento entre a
momentos, quando há uma real preocupação equipe escolar, alunos, pais e comunidades.” (LEI-
em acolher e compreender o aluno. Para tal, o TE, 2006, p. 67)
professor mobiliza seus saberes, cria situações
de interação e não abre mão da crença de que Analisar e valorizar as práticas desenvolvi-
seu aluno pode aprender. Essa capacidade de das na sala de aula e mesmo fora dela, dis-
articular o aparato teórico-prático, de organi- cutir com os demais profissionais da escola
zar novos saberes a partir da prática estrutura questões referentes a currículo, gestão, or-
o que Santoro (2006, p. 28) chama de saberes ganização escolar, projeto pedagógico, rela-
pedagógicos. cionamento com a comunidade escolar, etc.
certamente resultará em mudanças nas práti-
Referindo-se ao diálogo, FREIRE (1996) de- cas pedagógicas.
clara que ele propicia o encontro de pro-
fessores e alunos concretos, reais, fazedo- Mudanças. Transformações. Atualmente, es-
res da História vivida como possibilidade sas são algumas das palavras sempre ouvidas.
e não como determinismo inexorável. Ora, Na sociedade contemporânea, as informa-
no determinismo, não há espaço para as ções e descobertas acontecem em frações
inquietações e transformações. Contudo, de segundos. Também em segundos, mui-
a escola de hoje compreende que se faz tas delas são divulgadas. E o acesso a elas é
necessária a reflexão permanente para que também muito rápido, por meio das mídias
os que fazem a escola possam viver essas sociais, nas quais se podem compartilhar in-
transformações e beneficiar-se delas. Ou formações, conteúdos, valores e objetivos em
seja, os profissionais da escola, atentos às comum. Elas têm constituído um grande atra-
transformações, poderão buscar novas for- tivo para a população mais jovem. Há quem
mas didáticas e metodológicas com vistas acredite que o acesso dos jovens a essas mí-
à promoção do processo ensino-aprendi- dias exerce tal fascínio sobre eles ao ponto de
zagem com qualidade. contribuírem, de certa forma, para um certo
descrédito destes, em relação à escola, mais
Em parágrafo anterior, falamos sobre os diretamente, em relação à sala de aula e à
desafios com os quais os professores se aprendizagem.
deparam. E sabemos que hoje são maiores
e mais profundos os desafios gerados por

16 capítulo 1
Figura 08.
fonte: http://edu-infantu.blogspot.com.br/2011/11/tirinhas-calvin-haroldo-e-seus-amigos.html

Mas, professores e alunos precisam entender


as diferenças fundamentais entre conhecimen-
to e informação: informações são fatos, opi-
niões que chegam informalmente às pessoas cisam ser desenvolvidas pela escola, envolven-
sem que se conheçam seus efeitos; conheci- do seus alunos. A escola, objetivando a parti-
mento implica a compreensão e a origem da cipação e a aprendizagem de todos, buscará
informação bem como suas consequências. O coletivamente o desenvolvimento de tais ativi-
conhecimento exige reflexão, atividade men- dades que podem já estar previstas no projeto
tal, capacidade de formular e avaliar conceitos. político-pedagógico. Estas, às vezes, surgidas
como demanda da sociedade, e outras, da
Enfim, diante das rápidas mudanças do mun- própria escola, geradas pelas necessidades e
do contemporâneo, a escola precisa fazer uma pelos interesses dos alunos.
reformulação pedagógica que opte por uma
prática formadora para o desenvolvimento Hoje é consensual que não há mais espaço
científico, tecnológico, cultural, humano, de para uma formação de professores baseada
forma a adequar-se e instrumentalizar-se para na racionalidade técnica, mas há, com certeza,
participar dessas transformações e também espaço para lhes assegurar uma base reflexiva
dar sua contribuição. “Diante de novos espa- na sua formação com vistas à sua atuação re-
ços de formação e de inovação, a escola mais flexiva. A racionalidade técnica nega a dimen-
do que lecionadora, deve ser gestora do co- são política da atuação docente.
nhecimento”. (GADOTTI, 2000, p. 11)
A propósito, quando falamos em projeto polí-
Considerando o que até aqui foi colocado, es- tico-pedagógico (doravante, PPP), precisamos
timado aluno, podemos perceber que se am- refletir quanto “político” ele é. Ora, o PPP bus-
pliam as competências exigidas do profissional ca um rumo e constitui, ele mesmo, um rumo,
da educação - professores, gestores, coorde- uma direção. “É uma ação intencional, com
nadores – ou seja, as responsabilidades da es- um sentido explícito, com um compromisso
cola, em seu conjunto, enquanto instituição definido coletivamente”. (VEIGA, 2004, p. 13).
social destinada à educação de gerações. Daí Dizemos que ele é político, porque tem uma
porque mais e mais se evidencia a necessida- intenção declarada de compromisso com a
de da reflexão sobre a ação pedagógica. Nessa formação de cidadãos e com a inserção social
perspectiva, diversificam-se as intervenções e e transformadora destes. Daí porque o cuida-
mediações dos professores, dos gestores e de do de não valorizar, apenas, o pedagógico em
todos os profissionais da escola. detrimento do “político” posto lá no PPP. As
circunstâncias, os fatos ocorridos no cotidiano
Parcerias, articulação com recursos da comuni- escolar quando discutidos, tendo como base
dade, projetos, uso de tecnologias midiáticas, o projeto político-pedagógico – referência in-
enfim, novas práticas do trabalho escolar pre- conteste para o coletivo da escola - não po-

capítulo 1 17
A reflexão crítica sobre a prática e na prática
contribui com o professor no sentido de ele
identificar e avaliar, de modo reflexivo e crí-
tico, a atual situação de sua prática docente.
Assim, ele pode, por exemplo, identificar o
saber construído e o que está em construção
na sua sala de aula. É aí que ele verifica a le-
gitimidade desse saber: ele é transformador,
significativo e apropriado ao contexto social
dos alunos? Aliás, muitas vezes, o próprio
aluno nos surpreende com seus questiona-
mentos, inclusive sobre a própria escola e o
tipo de ensino que nela ocorre. O certo é que
os alunos têm lá suas concepções de educa-
ção e de ensino.
dem, no calor dos acontecimentos, negligen-
ciar a dimensão política do PPP, por mais que O questionamento pela reflexão crítica so-
isso pareça óbvio. bre a própria prática possibilita não só
que esta melhore mas também favoreça a
Por julgarmos pertinente, vamos agora trazer aprendizagem dos alunos. Para tanto, por
o pensamento de Henry Giroux, (1997, p.163, meio da autoavaliação, o professor irá redi-
apud LEITE, 2006, p.70), segundo o qual “[...] recionar ou reconstruir sua prática docente.
o essencial para o professor é a necessidade de Mas avaliar o próprio desempenho não é
tornar o pedagógico mais político e o político tarefa fácil, por isso esse profissional deverá
mais pedagógico”. atuar, nesse momento, com franqueza, se-
riedade e objetividade.
É muito interessante a discussão de Giroux.
Veja: ao tornar o pedagógico mais político, o Queremos destacar, ainda, que o professor
objetivo é ajudar os alunos a se desenvolverem sozinho não pode realizar as mudanças pre-
de forma que possam superar as injustiças eco- tendidas. Claro, ele sozinho não dá conta dos
nômicas, políticas e sociais. Tornar o político objetivos que guiam essas transformações. Daí
mais pedagógico implica o uso de formas de a necessidade de uma ação coletiva que reúna
ensinar que “incorporem os interesses políticos gestores, coordenadores, demais funcionários,
de natureza emancipadora.” (Idem, Ibidem) pais e alunos. Em tal contexto e nesse sentido,
a reflexão crítica, necessariamente, se vale dos
Na perspectiva do pensamento de Giroux, vale recursos teóricos, articulando-os com a prática
destacar a contribuição de Zeichener, que de- pedagógica. Entretanto, precisamos ter cons-
fende a atuação crítica reflexiva do professor. A ciência de que ainda estamos, predominante-
atuação reflexiva crítica sobre a realidade nor- mente, no nível do discurso quanto à prática
teia a atuação do professor e pode ser, segun- crítico-reflexiva. Ela depende, em grande par-
do Zeichener, “o caminho que permitiria aos te, das experiências pessoais dos professores,
docentes a não aceitação automática de uma de suas características individuais, de sua for-
visão baseada no censo comum.” (ZEICHENER, mação intelectual.
1993, apud LEITE, 2006, p.70.)
Sabemos que o mundo escolar e as práticas
pedagógicas nele desenvolvidas são permea-
das por circunstâncias sociais muito próprias
Saiba Mais da sociedade brasileira: forte exclusão, desi-
gualdade social, relações de poder, situações
Como texto complementar, leia mais sobre o pen- de violência, etc. Ao mesmo tempo, verifica-se,
samento de Zeichener em http://repositorio.ul.pt/
handle/10451/3700
em grande número de escolas, uma organiza-
ção ainda fragmentada, homogeneizadora,
burocratizada a despeito das heterogeneida-

18 capítulo 1
des do seu cotidiano. O que a escola pode fa-
zer para atender, com qualidade, a diversida-
de de alunos que a ela chegam? Ânimo! Ela
pode, sim, fazer muito. Estimado aluno, esse
é o mote para nossas discussões no próximo
capítulo. Até lá!

RESUMO
Em oposição a uma escola em cujas práticas
pedagógicas predominava a transmissão de
informações, sem que apresentasse consciên-
cia de seus determinantes sociopolíticos, a es- Atividades
cola hoje é antenada com as transformações
de uma sociedade crescentemente complexa. 1. A prática docente é intencional. Comente.
Hoje a escola entende que pode e deve tam-
bém promover transformações com vistas à
2. Por que dizemos que os determinantes socio-
políticos têm influência na prática pedagógica?
formação da cidadania dos seus alunos. Ao
compreender a educação como uma prática 3. “A racionalidade técnica nega a dimensão
social, os profissionais da educação tornam-se política da atuação docente.” Comente, fun-
mais questionadores, mais engajados com as damentando-se no texto deste Capítulo.
lutas por um mundo mais justo. Têm, além dis-
so, cada vez mais, a clareza de que sua prática 4. O que você entendeu sobre “tornar o peda-
gógico mais político.”?
docente deve, necessariamente, articular a te-
oria com a prática. Nos cursos de formação, o
professor se depara com variado arcabouço te-
órico. Ao planejar suas aulas, esse profissional
fará suas escolhas teóricas e metodológicas e,
a depender dos princípios e intenções destas, REFERÊNCIAS
ele desenvolverá ou não práticas pedagógicas
emancipatórias. AZZI, Sandra. Trabalho docente: autonomia di-
dática e construção do saber pedagógico. In:
Refletir criticamente sobre a prática oferece PIMENTA, Selma Garrido (Org). Saberes peda-
ao professor condições para retomar ativi- gógicos e atividade docente. 3. ed. São Paulo:
dades, redirecioná-las, sem descuidar que a Cortez. 2002.
formação escolar é também humanização
dos educandos. Dinamizar sua sala de aula, BRANQUINHO, Lívia Alves. A Prática Pedagó-
compartilhar com o coletivo da escola, suas gica da Educação Atual. BRASIL ESCOLA. Dis-
descobertas e suas intervenções, sem jamais ponível em> >http://meuartigo.brasilescola.
esquecer que o aluno é um ser humano em com/pedagogia/a-pratica-pedagogica-educa-
formação; eis o desafio diário com que se de- cao-atual.htm Acesso em: 03 julho 2013.
fronta o professor. Aquelas crianças, aqueles
adolescentes, ali sentados na sala, querem CARROL, Lewis. Alice no País do Espelho. 1.
aprender, têm interesses, planos de vida. En- ed. Coleção L&PM Pocket, Porto Alegre, agos-
fim, as ações pedagógicas desenvolvidas na to, 2004.
escola devem ser norteadas pelo respeito à
dignidade do aluno. Este deve ser um com- CUNHA, M. Izabel da. O bom professor e sua
promisso ético. prática. Campinas, São Paulo: Papirus, 1989.

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20 capítulo 1
A prática
pedagógica
inclusiva
Profa. Maria de Lourdes Correia Pimentel OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Compreender a inclusão educacional como
Carga Horária | 15 horas uma das dimensões da inclusão social;

• Conhecer os princípios e marcos legais


que resultaram na política de inclusão
educacional;

• Compreender a Educação Especial numa


perspectiva inclusiva;

• Refletir sobre os conceitos de diferen-


ça e multiplicidade numa perspectiva
interculturalista.

INTRODUÇÃO
Prezado aluno, este capítulo, como enunciado anteriormente, tratará das práticas pedagógicas
inclusivas. Acredito que, em disciplinas anteriores, você já tenha construído um bom nível de co-
nhecimentos acerca da educação inclusiva. Sabe, então, que essa é uma das dimensões da política
da inclusão social, paradigma que propõe grandes desafios à sociedade como um todo. Nesse
sentido, a escola inclusiva se configura como um espaço onde a pluralidade e a equidade são fios
condutores de reflexões e práticas pedagógicas.

Julgo pertinente iniciar este capítulo falando, embora de modo bastante sucinto, dos contextos
históricos que ensejaram a produção de alguns subsídios legais, internacionais e nacionais os
quais fundamentam a proposta da educação inclusiva. Feita essa contextualização, abordarei as
especificidades da Educação Especial, por dois motivos que considero de grande relevância:

1. Trata-se de uma modalidade de ensino, que perpassa todos os níveis de ensino: da Educação
Infantil ao Ensino Superior;

2. Essa modalidade implica especificidades de atendimento pedagógico aos alunos a que ela se
destina: alunos com deficiência ou superdotação/altas habilidades, merecendo um enfoque
mais detalhado.

Para mim, esses motivos ou justificativas precisam ser consideradas num curso de formação de
professores. Concorda comigo? Bem, as discussões, neste Capítulo, farão referências ora a todos
os alunos, ora aos alunos da Educação Especial, tendo como fio condutor a concepção de multi-
plicidade e o princípio da equidade.

capítulo 2 21
Estimado aluno, para falarmos sobre inclu-
são, devemos, primeiro, reconhecer seus de-
terminantes sociopolíticos. Reconhecer, por
exemplo, que a crescente democratização da
sociedade deve-se às lutas pelo respeito aos di-
reitos humanos que reclamavam a construção
de espaços sociais menos excludentes. Assim,
ao contrário do que se propaga, a defesa da
inclusão social não se deve exclusivamente às
iniciativas governamentais neoliberais. Shiro-
ma (2001) fala sobre isso com muita proprie-
Num segundo momento, discutiremos práti- dade e nos adverte: não podemos ignorar que,
cas pedagógicas, contextualizando-as à luz do a partir da década de 90, o discurso oficial
multiculturalismo em sua acepção intercultu- apropriou-se de algumas expressões e concei-
ral, por reconhecer a importância de reflexões tos defendidos pelos discursos oposicionistas
acerca de diversidade – conforme expressão dos anos 80, em diversos momentos reivindi-
utilizada nos documentos oficiais - e multi- catórios no Brasil e em diversos países.
pluralidade numa concepção interculturalista.
Nesse sentido, também discutiremos deficiên- Segundo essa autora, as lutas e os temas que
cia e diferença. caracterizaram os movimentos populares - ex-
clusão social, autonomia, cidadania, distribui-
Caro aluno, antes de iniciar as discussões, ção de renda e qualidade, entre outros - rea-
quero fazer uma ressalva: sempre que eu me parecem nos anos 90, articulados a objetivos
refiro ao professor, faço-o considerando que econômicos de grupos restritos. Hoje, é fato
a pessoa que desempenha a função de ges- que a política de inclusão de todos permeia to-
tão e coordenação é também um educador. das as instâncias da sociedade. Mas, atenção:
E não poderia ser outra a minha perspectiva, dizer que é um fato não é o mesmo que di-
considerando que professores, gestores, coor- zer que já está consolidado. Sabemos que não
denadores devem exercitar coletivamente sua está, não é mesmo? A sociedade brasileira ain-
prática educacional, orientando-se por refle- da não tem estrutura nem organização institu-
xões e mediações dialogantes, respeitando as cional suficientemente eficaz e eficiente para a
identidades dos alunos, seus diferentes modos inclusão social de todos os brasileiros. Diante
de ser e estar no mundo. dessa realidade, precisamos estar atentos para
que possamos ser testemunhas e protagonis-
Meu desejo sincero é contribuir para a sua for- tas de uma inclusão com qualidade.
mação. Isso posto, convido-o a iniciarmos jun-
tos esta caminhada. Vamos? Quanto aos marcos teóricos e legais, que cul-
minaram com a formulação da proposta inclu-
siva, resgatemos, inicialmente, a Constituição
Brasileira que, em 1988, elegeu como funda-
1. Princípios e mentos da República a cidadania e a dignidade
da pessoa humana. O art. 205 da nossa Carta
Marcos Legais refere-se ao direito de todos à educação.
da Inclusão
Dois anos após, em 1990, realizou-se a Con-
“A diferença proveniente da pluralidade abre a ferência Mundial sobre Educação, realizada em
chance de renovar periodicamente os objetivos
da educação...” (HERMANN, 2001, p. 134).
Jomtien, Tailândia, da qual resultou a Declaração
Mundial de Educação Para Todos. Essa Declara-
Inicio com essa epígrafe para enfatizar a rique- ção representa o consenso mundial acerca dos
za da pluralidade no contexto educacional, a objetivos da educação fundamental e expressa
qual coloca muitos desafios para uma socieda- o compromisso com a garantia de atendimento
de que ainda insiste em defender e privilegiar escolar às necessidades básicas de aprendiza-
discursos e práticas homogeneizadoras. gem a todos: crianças, jovens e adultos.

22 capítulo 2
Caro aluno, a partir desse ponto, discutiremos
inclusão, procurando fazer uma articulação
com as especificidades do atendimento pró-
prio da Educação Especial numa perspectiva
inclusiva, por causa dos motivos já explicitados
na Introdução.

À Conferência de Jomtien seguiu-se a Confe-


rência Mundial sobre Necessidades Educativas
Especiais, realizada em Salamanca, Espanha,
em 1994. Aí foi reafirmado o direito de todos
à educação, respeitando-se os direitos e as di- alunos com necessidades especiais, situam-se
ferenças individuais. Essa Declaração, além de alunos com deficiência e com superdotação.
reafirmar o direito à educação de cada pessoa,
aponta para a necessidade de reestruturação Pois bem, em sua primeira versão, essa Decla-
do sistema comum de ensino. Esta tem ocorri- ração expressava o princípio da integração.
do aos poucos, mas ainda distante do que se Mas, opondo-se a esse conceito, entendido
deseja, especialmente quando se considera a como adaptação dos alunos aos espaços es-
universalização do acesso à educação escolar colares, houve um consenso pela adoção do
em nosso país. Desde então, os conceitos de termo inclusão.
deficiência, de educação, de educação espe-
cial, de “portador de deficiência” bem como o A educação inclusiva, fundamentada no prin-
papel da escola e das práticas escolares foram cípio da equidade e orientada pela crença de
revistos, ressignificados. que todos podem aprender, questiona e bus-
ca superar a tradicional organização do siste-
Saiba Mais ma educacional, até então em prática. Neste,
existiam as políticas especiais para pessoas
GLOSSÁRIO - A expressão acima aspeada foi,
com superdotação e defendia-se o modelo
a partir da Resolução nº 5, substituída pela ex- de integração de tais alunos. Você já deve ter
pressão “pessoa com deficiência”. O termo “por- ouvido falar desse modelo, não é? Optei por
tador” caiu em desuso, pois indica algo de que apresentá-lo aqui, em confronto com o con-
se pode desvencilhar e destaca a deficiência da
ceito de inclusão porque ainda há muita con-
pessoa como sua principal marca, sem considerar
suas demais características. fusão quanto à compreensão de ambos. E é
fundamental que o professor tenha clareza em
relação a essas diferenças. Por quê? Porque é
muito comum ouvir pessoas fazerem um dis-
Saiba Mais curso pró-inclusão e dizerem que “devemos
nos empenhar com a integração dos alunos...”
Como texto complementar, veja a Portaria nº
Além disso, a inclusão remete a escola à revi-
2.344, de 3/11/2010 no site: http://www.to- são conceitual e prática. Vejamos, então, qual
dosnos.unicamp.br:8080/lab/portaria-no-2- a diferença entre integração e inclusão?
-344-de-3-de-novembro-de-2010-oficialmente-
-deixamos-de-ser-portadores
Inicialmente o atendimento às necessidades
educacionais especiais de pessoas com defici-
ência era definido por teorias, em sua maioria,
A Declaração de Salamanca propõe à comu- herdadas da medicina, em que o diagnóstico
nidade mundial a adoção das Linhas de Ação clínico predominava: alunos eram encaminha-
sobre Necessidades Educativas Especiais, cujo dos às escolas ou classes especiais, ficando
princípio orientador é de que todas as escolas numa situação de isolamento, de segregação.
devem acolher todas as crianças, independen- Na tentativa de romper com essa segregação,
temente de suas condições físicas, intelectuais, surgiu o movimento de integração que reve-
sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Re- lava uma intenção de normalização, de cura.
cordemos que, dentro da classificação geral de Cabia ao aluno adequar-se à escola, dando

capítulo 2 23
nos de suas condições ou limitações, geral-
mente apontadas como responsáveis pela
não aprendizagem, para o contexto social,
considerando suas diversas variáveis;

3. O enfoque passa a ser de cunho social: as di-


ferenças individuais são inerentes ao ser hu-
mano e devem ser acolhidas e valorizadas.

provas de que tinha condições de acompanhar


o currículo ali desenvolvido. Caso contrário, ele
2. Práticas
era encaminhado – ou voltava - para a escola pedagógicas
especial ou para a sala especial. Quanto à es- inclusivas:
cola, em nada mudava.
Entretanto, veremos que o conceito de inclu-
alguns pontos
para reflexão
A educação inclusiva implica, necessariamente,
práticas pedagógicas diferenciadas. Aliás, res-
salte-se que tais práticas estendem-se a todos
os alunos da escola, cuja marca inescapável é
a diversidade/multiplicidade. Discutir multipli-
cidade exige ressignificar o conceito diferença,
aqui compreendida segundo a abordagem de
Silva (2000, apud ROPOLI, 2010, p.8):

A diferença vem de múltiplo e não, do diverso. Tal


como ocorre na aritmética, o múltiplo é sempre
um processo, [...] uma ação. A diversidade é es-
tática, é um estado, é estéril. A multiplicidade é
uma máquina de produzir diferenças [...]. A diver-
sidade reafirma o idêntico. A multiplicidade esti-
mula a diferença que se recusa a se fundir com o
idêntico (SILVA, 2000, pp. 100 e 1001).

Parece complicado? Vejamos: a escola inclusi-


va rejeita classificações binárias do tipo alunos
“normais”/alunos especiais. Mas, existe algo
Figura 01.
Fonte: TONUCCI, 2003, p.138 que os torna iguais: o que existe de igual entre
eles é que são diferentes. Não, não é um troca-
são é bem mais amplo que o de integração: dilho. Veja: as diferenças não existem apenas
é a escola que deve adaptar-se aos alunos, em alguns indivíduos, uma vez que ser múlti-
provendo os meios necessários à sua escolari- plo é a grande característica do ser humano.
zação. A inclusão coloca algumas atribuições Nesse viés de discussão, a deficiência é enten-
para a escola: dida como uma construção política e cultural.

O discurso da deficiência tende a mascarar a


1. Identificar as dificuldades comuns ao pro- questão política da diferença; nesse discurso, a
cesso ensino-aprendizagem, tendo o cui- diferença passa a ser definida como diversidade,
dado para que as diferenças socioeconô- que é entendida quase sempre como a variante
micas, culturais, individuais e de gênero aceitável e respeitável do projeto hegemônico da
não se transformem em desigualdades normalidade (SKLIAR, 2001, p. 95).
educacionais; Esse discurso, diz o autor, oculta o problema da
2. Deslocar o foco das dificuldades dos alu-

24 capítulo 2
identidade, da alteridade. Trata-se de um dis-
curso falsamente científico, falsamente neutro.
Assim, na escola inclusiva, não há espaço para
privilegiar e eleger a identidade “normal” como
parâmetro para avaliar as outras identidades ali
presentes. O mesmo se aplica quando conside-
ramos a sociedade e seus diversos cenários.

A respeito de identidade, verifica-se que é, de


certa forma, comum alguém diante de uma anterior. Esse é um aspecto muito importante,
pessoa que tem dificuldade de locomoção, por considerando o caráter de documento nortea-
exemplo, ignorar suas outras identidades: pro- dor construído pela escola e para a escola.
fessora/professor, mãe/pai, autor/autora, etc.
Você já percebeu isso? Agora, observe a cena Pela sua pertinência, resgato, neste momen-
retratada na imagem abaixo: to, alguns dos 10 objetivos da Declaração de
A imagem ilustra o exemplo de uma mulher Salamanca. Carvalho (1997, p.41) destaca os
seguintes:

• Art. 1º - satisfação das necessidades bási-


cas de aprendizagem;

• Art. 4º - concentração das atenções na


aprendizagem;

• Art. 5º - ampliação dos meios e do raio


de ação da educação básica, calcando-os
na diversidade, complexidade e no caráter
mutável das necessidades básicas de apren-
Figura 02 dizagem de crianças, jovens e adultos;
Fonte: www.inclusivas.com

• Art. 6º - oferecimento de um ambiente


grávida que não é reconhecida como alguém adequado à aprendizagem.
que tem plenas condições biológicas para ges-
tar um filho. O olhar do outro a reduz a uma Caro aluno, observe que:
mulher que tem uma deficiência. Isto é, ela é
vista apenas em sua identidade “deficiente”. 1. a ênfase na aprendizagem é um grande
No dia a dia, podemos observar diversas situ- diferencial;
ações semelhantes. Aliás, quem já não ouviu
alguém, referindo-se aos seus alunos, dizer, 2. a ênfase privilegia uma pedagogia centra-
por exemplo: “Hoje tive uma conversa bacana da no educando.
com meus deficientes.” Eles foram reduzidos
a uma única identidade entre as outras possí- Os artigos acima mencionados fornecem pis-
veis: amigos, vizinhos, alunos, filhos. tas ao professor quanto ao planejamento e de-
senvolvimento de suas aulas, percebeu?
Bom, após esse recorte, voltemos a falar sobre
práticas pedagógicas inclusivas. Elas só podem Queremos destacar, ainda, o Art. 3, que tra-
se tornar concretas, reais, se a escola dirigir ta da universalização do acesso à educação e
intencionalmente suas ações pedagógicas no promoção da equidade. O princípio da equi-
sentido de construir e dar respostas educacio- dade refere-se ao direito à igualdade de opor-
nais, com qualidade, às demandas de apren- tunidades diferenciadas no contexto escolar,
dizagem dos seus alunos. Aliás, tais intenções considerando-se as necessidades específicas
devem estar expressas no projeto político-pe- de cada aluno.
dagógico da escola, como vimos no capítulo Equidade

capítulo 2 25
uma sociedade inclusiva implica responsabilida-
des nas diferentes áreas da ação pública. Quais
são essas áreas? São aquelas responsáveis pela
saúde, transporte, moradia, emprego, justiça,
trabalho, etc. Ou seja, a educação sozinha não
dá conta de todas as responsabilidades e con-
quistas que aspiram à sociedade inclusiva.

A educação inclusiva privilegia o desenvolvi-


mento de práticas pedagógicas, partindo da
identificação das reais condições dos alunos.
Mas, para que tais práticas sejam efetivas, só
a atuação do professor não é suficiente: toda
a escola é responsável pela inclusão. Assim, a
inclusão ocorre na medida em que a escola
se adapta às necessidades demandadas pelos
seus alunos e constrói respostas educativas,
Princípio da Justiça, que, aplicado à educação, com qualidade, a estas.
significa que, na escola, todos os alunos têm
direito de igualdade de acesso ao conhecimen- E o que são práticas pedagógicas diferencia-
to por meio de oportunidades diferenciadas, das? São aquelas que respeitam a heteroge-
considerando suas necessidades específicas. neidade dos alunos e, consequentemente,
Sabemos que ainda existe resistência à inclusão favorecem a igualdade de oportunidades.
Importante, estimado aluno, é compreender
que igualdade de oportunidades é diferen-
Saiba Mais te de oportunidades iguais, percebe? Ora, se
respeitamos as diferenças e singularidades dos
Para conhecer, na íntegra, o texto da Declaração alunos, as oportunidades de aprendizagem
de Jontiem, acesse o site: unesdoc.unesco.org/
– é disso que se trata – serão também dife-
renciadas. Alguns alunos precisam de recursos
específicos para ter acesso ao currículo, para
no meio escolar, o que é compreensível, uma participarem de momentos de avaliação. Eles
vez que a maioria dos profissionais da educação têm direito a tais recursos. Na charge abaixo,
não foi preparada para atuar na perspectiva da está representada uma situação de avaliação
inclusão. Mesmo que já tenha conhecimento em que se verifica total falta de respeito à di-
do assunto no nível do discurso, o desafio para ficuldade de comunicação do aluno. Observe:
eles é a construção de práticas pedagógicas Na área da Educação Especial, trata-se de
inclusivas. Tradicionalmente, “As intervenções
escolares desconstroem uma identidade cultu-
ral para imputar um modelo homogeneizan-
te e positivista, notadamente dentro de uma
educação unilateral.” (SANTOS, 2008, p. 23)
Mas, hoje, trata-se de desconstruir tais práticas
homogeneizantes para construir novas práticas
nas quais as diferenças não sejam negadas, ao
contrário, sejam valorizadas.

Caro aluno, é necessário que compreendamos Figura 03


http://edmarciuscarvalho.blogspot.com.br/2011/06/pensando-educa-
a inclusão escolar como uma das dimensões da cao-especial-por-meio-de.html
inclusão social e, esta, do ponto de vista polí-
tico, deve ser a expressão de avanços conquis- adaptar o ensino – currículo, metodologias,
tados pela sociedade. Importa também que avaliação, etc - às possibilidades de compreen-
tenhamos a compreensão de que a opção por são do aluno com vistas à sua aprendizagem

26 capítulo 2
e participação. “[...] as salas de aula inclusivas
podem permitir aos alunos se situarem em
contextos de aprendizagem funcionais e signi-
ficativas.” (MITTLER, 2003 apud MAGALHÃES,
2006, p. 359).

A respeito do que fala Mittler, gostaria de fa-


lar um pouco sobre minha experiência em uma
escola onde trabalhei recentemente. Ali acom-
panhei diversas situações em que os professo-
res adotavam práticas de ensino diferenciadas
junto com os alunos com deficiência. Por exem-
plo: uma aluna do 8º ano, com Síndrome de
Down, dizia ao seu professor de Ciências: “Pro-
fessor, eu não vou aprender isso!” Ela referia-
-se às funções reprodutoras das plantas e aos jeito como ser dialogante e pensante, capaz
conceitos de angiospérmicas, espermatófitas, de intervir em sua própria realidade, proble-
etc.. “Eu sei cuidar de uma planta.” Na verda- matizando-a, transformando-a, assumindo-se
de, era como se ela quisesse dizer: “que impor- como ser social e histórico.
tância tem esses conceitos para a minha vida
prática?” Eles não lhe pareciam nem funcionais Mas, voltando ao caso a que me referia acima:
nem significativos. Nos casos em que não há professor e aluna avaliaram o que daquele as-
comprometimento intelectual, claro, a apren- sunto? Era significativo para ela? Isso aconte-
dizagem dos alunos transcorre, sem que essas cia sempre que ele identificava as dificuldades
adaptações no currículo sejam necessárias. apresentadas pelos alunos com deficiência de
suas turmas. Na elaboração de exercícios avalia-
“Ah! Quer dizer que na escola inclusiva o aluno tivos, esse professor os ilustrava com desenhos,
é quem decide o que quer e o que não quer o que facilitava a compreensão dos alunos. De
aprender?” Não se trata disso. Assim, como todos eles. Da mesma forma, procedia o pro-
em algumas disciplinas, os alunos apresentam fessor de Geografia e as professoras de Mate-
uma maior identificação por motivos diversos; mática e de História. Sem prejudicar os alunos
há também situações e desafios que os alunos em suas interações com os colegas, eles utili-
não podem enfrentar com chance de ser bem zavam estratégias de ensino que possibilitasse
sucedido, se não receber um apoio diferencia- aos educandos o acesso ao conhecimento.
do. O que há numa escola inclusiva – e que a
diferencia de escolas que não consideram a di- Não podemos esquecer que a aquisição e a
versidade em sala de aula – é a negociação de construção do conhecimento devem ser per-
significados por meio de uma relação dialógi- meadas pelo estabelecimento de relações mar-
ca, na qual o instituído pode ser questionado e cadas pelo acolhimento, pela ética. Além dis-
modificado. Ou seja, aí é dada ao aluno – com so, precisamos reconhecer que
ou sem deficiência – a possibilidade de sair da
condição de assujeitamento para ser sujeito “[...] as práticas pedagógicas de cunho segrega-
de sua aprendizagem e, num sentido amplo, cionista não abarcam as diversidades humanas
de suas experiências como ser criativo, crítico, presentes na escola que se pretenda instituição
favorecedora da superação das desigualdades so-
com plenas condições de exercer sua cidadania ciais no Brasil, no início do século XXI.” (MAGA-
no meio social em que se insere. LHÃES, p. 359)

Também é fundamental que no processo de Inclusão escolar corresponde à minimização


inclusão escolar, no qual buscamos minimizar da exclusão com a maximização da participa-
a exclusão, os sujeitos da inclusão se reconhe- ção e das potencialidades. O olhar dos edu-
çam como tal – sujeitos - e não, como objetos. cadores e a prática pedagógica excludente
Nossa concepção de sujeito apoia-se teorica- tendem a só ver no aluno o que lhe “falta”.
mente em Paulo Freire, que compreende o su- A tendência à classificação revela geralmente

capítulo 2 27
res que já avançaram em sua prática docente
inclusiva. Aprendemos, também, refletindo
a forma de organização escolar – currículos,
projetos, programas, hierarquias, etc. – na sua
maioria, historicamente elitistas, excludentes.
Magalhães (2006), anteriormente citada, re-
fere-se às práticas pedagógicas diferenciadas
que, opondo-se à chamada homogeneização
das salas de aula, defende o respeito à hetero-
geneidade dos alunos.

Ora, o que temos em nossas escolas? A diversi-


dade de alunos, segundo a autora, ou a multi-
plicidade deles, na perspectiva de Silva (2000).
Enfim, turmas heterogêneas que exigem práti-
cas diversificadas, as quais se efetivam na me-
dida em que a escola, coletivamente, constrói
respostas educativas para atender às deman-
das dos educandos.
uma pretensão de “identificar as dificuldades
dos alunos.” Muito bem, mas... classificar pra No capítulo anterior, comentamos sobre as
quê? A resposta a essa pergunta pode revelar diferentes etnias, situações socioeconômicas,
o compromisso ou a falta dele com a educação orientações sexuais, aspirações, etc., presentes
de todos. na escola. A diferença sempre esteve presente
em nossas salas de aula. Sempre soubemos dis-
E você, quais são suas representações sobre so. Qual professor nunca ouviu, nos cursos de
educação inclusiva? Sabe, de um modo geral, formação inicial e continuada, que “devemos
ainda há muito equívoco sobre esse paradig- respeitar e atender as diferenças individuais?”
ma. Isso se justifica porque A educação inclusiva quer chamar atenção
para as diferentes condições dos alunos, para
“[...] urge esclarecer que a Educação Inclusiva su-
põe práticas pedagógicas diferenciadas, baseadas os diferentes códigos e linguagens que eles
na noção de que ao educador cabe desenvolver utilizam para se comunicarem, instituírem-se
seu trabalho a partir das condições efetivamente como seres culturais para ter acesso ao currí-
existentes na clientela atendida.” (MAGALHÃES, culo e à produção de bens culturais. O mesmo
2006, p.359) dizemos em relação aos alunos da Educação
Especial. Esses códigos e linguagens – Braille,
Essas práticas pedagógicas diferenciadas sur- para os cegos, Libras, para os surdos – repre-
gem da percepção e do reconhecimento de sentam recursos que favorecem sua inclusão
que os alunos aprendem de acordo com suas nos ambientes de ensino, trabalho, entrete-
possibilidades. Assim, o professor se organiza- nimento, etc. e precisam estar nas escolas,
rá para ensinar a todos, consciente e atento à apoiando a prática docente e a aprendizagem
variação dessas possibilidades. Para tal, a es- dos alunos. É uma questão de reconhecimento
cola, coletivamente, não só reconhece as dife- de direitos.
renças dos alunos mas também busca meios
para motivar e apoiar a participação de todos. A imagem a seguir ilustra uma situação de des-
Estamos falando de algo que não acontece de respeito aos códigos a que me refiro. Destaco
uma hora para outra, ou de súbito. E mudar, que não há qualquer intenção de culpar pro-
a gente sabe, dá trabalho, demanda um cer- fessores, pois, como gosto de repetir, o aluno
to tempo. Estamos falando de um processo é da escola, não exclusivamente do professor.
em que muitas mudanças vão acontecendo. E O que a inclusão escolar defende é exatamente
processo, nós sabemos, não se ensina. Vive-se,
experiencia-se. Aprendemos trocando expe-
riências, observando o trabalho de professo-

28 capítulo 2
Figura 04
Fonte: http://edmarciuscarvalho.blogspot.com.br/2011/06/pensando-educa-
cao-especial-por-meio-de.html

o estabelecimento de diálogo com essas dife-


renças. Como fazer isso? Não há receita, pois
cada universo escolar é único, pois cada con-
texto escolar também é único. Mas, há alguns • Adaptação de currículo e acesso a ele sem-
indicadores. Assim, podemos falar em valores pre que os alunos dele necessitem;
e práticas que norteiam a prática pedagógica
de educadores comprometidos com o respeito • Incentivo à participação das aulas de edu-
à singularidade dos alunos. Alguns deles: cação física e de modalidades de esporte
diversas;
• Respeito à multiplicidade de alunos pre-
sentes em sua sala de aula; • Discussão com os demais profissionais da
escola sobre situações de conflito vividas
• Relação acolhedora e afetiva com os alunos; em sala de aula e as saídas adotadas.

• Planejamento de atividades curriculares e Estimado aluno, a educação inclusiva e suas


estratégias de ensino norteado pelas sin- práticas pedagógicas diferenciadas ressigni-
gularidades individuais; ficam o papel do professor, retirando-o, por
exemplo, da “camisa de força”, representada
• Valorização das possibilidades e não, das pela transmissão de conhecimentos, a cha-
impossibilidades; mada “transmissão de conteúdos” aos alunos
no mesmo tempo e do mesmo jeito, de forma
• Respeito aos modos e tempos de aprendi- padronizada.
zagem de cada aluno; Ao diversificar o atendimento aos alunos e va-

• Valorização da heterogeneidade em
detrimento da homogeneidade;

• Valorização das respostas diversifi-


cadas em detrimento de respostas
padronizadas;

• Incentivo e apoio à aprendizagem


colaborativa;

• Proposta e incentivo aos trabalhos


em grupo;

• Avaliação contínua e qualitativa da Figura 05


aprendizagem; Fonte: http://espacoeducar-liza.blogspot.com.br/2012/07/tirinhas-da-mafalda-
-reflexoes-sobre.html
• Proposta de trabalhos diversificados;

capítulo 2 29
Figura 06
Fonte: http://espacoeducar-liza.blogspot.com.br/2012/07/tirinhas-da-mafalda-reflexoes-sobre.html

2005), cujo objetivo era investigar o que pen-


sam alunos repetentes sobre a repetência, ficou
lorizar suas possibilidades, o professor contri- evidenciado que eles pensam sim e de modo
bui, também, para a visibilidade do aluno com bastante crítico sobre essa experiência. Os su-
deficiência no ambiente escolar. Ele se deso- jeitos dessa pesquisa – crianças entre 9 e 12
culta. E isso representa um importante ganho anos – expressam, inclusive, suas concepções
para eles, pois melhora sua autoestima, com sobre o que é ser professor/professora: “Por-
repercussões muito favoráveis à aprendizagem. que ela (professora) também aprende, né? Ela
não esta ali só para ensinar, está para apren-
Gostaria, ainda, de comentar que a represen- der também. Ninguém sabe tudo.” (Amarilis)1.
tação das famílias sobre escola é bastante po- Como adivinhar nessa aluna multirrepetente
sitiva e valorizada em qualquer classe social. tamanha capacidade de inferir criticamente
Matricular um filho na escola regular então, sobre o papel da professora?
para uma família na qual um de seus membros
tem uma deficiência, é para eles, verdadeira- De um modo geral, os alunos pensam na esco-
mente, um acontecimento a ser comemorado. la que têm e o que nela acontece. Refletem so-
Isso me faz lembrar o comentário da mãe de bre a prática pedagógica, criticam-na, compa-
uma criança surdocega de 6 anos de idade. ram práticas docentes, sugerem alternativas.
Muito alegre, ela dizia: “É, minha filha é de- Determinado aluno, referindo-se à diferença
ficiente, mas tá na escola. Agora, quero ver o existente entre as aulas de duas professoras,
que meus vizinhos vão falar! Pensavam que ela diz que “Agora as aulas tão sendo boas.” E ex-
não podia ser aluna? Ela pode sim, do jeitinho plica por que: “Porque... (nome da professora)
dela, devagarzinho, mas pode...!” não...não...como é...? Não esperava, não in-
centivava. Agora essa, ela incentiva! (Narciso)
Mas, estimado aluno, ao falarmos sobre inclu- Explica o que é incentivo:
são, não podemos nos furtar de falar sobre os
alunos repetentes, históricos excluídos da es- Incentivar... é ela fazer...como essa de (nome de
cola. Excluídos, mas, muitas vezes, conscien- um colega) mesmo. Se ele dissesse “não sei ler
tes do processo de exclusão que vivenciam. Há não”, ela (a outra professora) botava uma nota...
coisada (baixa). Mas essa professora aí ela diz:....
quem diga: “O aluno repetente não tá nem aí, “fulano, leia, eu tô lhe pedindo...” Aí ele até ten-
ele não tem consciência do que significa uma tou ler... Quer dizer que isso aí é um incentivo.
repetência.” Mas, será que isso é regra geral? (Narciso)1.
Em pesquisa por mim realizada (PIMENTEL, O aluno aponta para a importância do víncu-

1 Os alunos desta pesquisa receberam nome de flores para terem suas identidades preservadas.

30 capítulo 2
lo afetivo entre professores e alunos, no qual
está implícito um tempo de espera, que é o
respeito ao tempo do aluno, diferente de um
para outro. O respeito, a compreensão e a va-
lorização do aluno fazem-no sentir-se acolhi-
do, aceito, e isso é particularmente importante
para a formação de um autoconceito positivo
e para a aprendizagem, seja esse aluno repe-
tente ou não, tenha ele deficiência ou não.

A experiência do ensino inclusivo tem demons-


trado – e já vivi essa experiência como profes-
sora da escola pública - que a diferença dos
alunos faz a diferença: institui formas diferen-
tes de ensinar, de interagir – aluno/aluno, alu-
no/professor, aluno/conhecimento – e estimula
a criatividade do professor na busca de estra-
tégias de ensino que deem respostas educati-
vas adequadas às demandas de aprendizagem renças e integrá-las em processos interativos
dos alunos. Concordo plenamente com Santos que não as anule. A diferença é entendida, en-
(Ibid., p. 14): quando ela diz que “Levar em tão, como uma produção cultural permeada
conta as diferenças faz com que elas se trans- pelo poder em diversos momentos da história
formem em recursos [...].” Essa frase merece da humanidade. Portanto, não se trata, ape-
ser debatida entre colegas, você não acha? nas, de tolerar o outro diferente de mim, mas
de reconhecê-lo e construir projetos nos quais
Ao levar em conta as diferenças e transformá- haja integração das diferenças por meio do
-la em recursos, o professor se institui como diálogo entre os diversos grupos sociais. Tam-
professor-pesquisador, pois ele é provocado a bém nesse sentido, ao se discutir diferença,
ampliar seus conhecimentos por meio de leitu- coloca-se a necessidade de discutir igualdade.
ras, pesquisas, interlocução com outros educa-
“A relação entre ambas – igualdade e diferença
dores, etc. Contudo, para que a escola regular
– não é de oposição. Igualdade se opõe à desi-
se torne inclusiva, ela precisa não só reconhe- gualdade e não, à diferença. Diferença se opõe à
cer as diferenças dos alunos mas coletivamen- padronização [...] O que queremos não é nem a
te buscar meios que garantam a participação e padronização nem a desigualdade, mas igualda-
o progresso de todos os seus alunos. de e diferença como reconhecimento dos direitos
básicos para todos. Porém, esses todos têm de ter
suas diferenças reconhecidas.” (CANDAU, 2001,
Prezado aluno, neste momento, quero trazer a apud LIMA, 2006, p. 267)
contribuição do multiculturalismo, no sentido do
interculturalismo, que, ao discutir criticamente a O que dizer, então, sobre o conceito “defici-
diferença, a considera em sua relação de depen- ência”? Ele é também uma construção social e
dência com a história, a cultura e o poder. não, algo natural e inevitável. Como tal, é ge-
radora de preconceito, de intolerância. Ainda
Segundo Candau sobre o conceito de “diferença”, é interessante
o pensamento de Silva (2000) para quem esse
A interculturalidade orienta processos que têm
conceito expressa o desejo dos diferentes gru-
por base o reconhecimento do direito à diferença
e a luta contra todas as formas de discriminação pos sociais de garantir o usufruto privilegiado
e desigualdade social. Tenta promover relações dos bens sociais em detrimento de outros gru-
dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos pos socialmente desprivilegiados. Segundo o
que pertencem a universos culturais diferentes, autor, do ponto de vista biológico, podemos
trabalhando os conflitos inerentes a essa realida-
de. (2003)
falar em diversidade, mas da perspectiva da
Nessa perspectiva, trata-se de respeitar as dife- diversidade cultural, não. Essa é o resultado fi-
nal de um processo de diferenciação marcado
pela luta entre opostos: surdo/ouvinte, branco/

capítulo 2 31
do em nossas escolas.

Concluindo, gostaria de acrescentar que, no


contexto amplo de uma sociedade inclusiva, o
reconhecimento das diferenças implica a for-
mulação de políticas públicas que visem à in-
clusão nas diversas instâncias sociais: trabalho,
saúde, lazer, transporte e, claro, no campo da
educação, nosso enfoque preferencial neste
livro-texto.

RESUMO
As discussões sobre práticas pedagógicas in-
clusivas não podem ignorar o contexto his-
tórico que resultou na proposta mundial de
educação inclusiva, entendida como uma di-
mensão, entre outras, da inclusão social. Nes-
ta disciplina, priorizou-se a Educação Especial
negro, homem/mulher, pobre/rico, etc. e seus princípios, compreendidos como rele-
vantes em um curso de formação de profes-
Estudar o tratamento dispensado às pessoas sores. Igualmente, priorizaram-se alunos com
com deficiência ao longo da história, desde deficiência, retirando-os da classificação geral
a Antiguidade até o advento do Iluminismo de necessidades educacionais especiais sem,
(Século XVIII), fornece-nos a exata noção da contudo, detalhar particularidades das refe-
construção cultural da deficiência caracteriza- ridas deficiências. Entendemos que, se assim
da principalmente por relações de poder. Em procedêssemos, correríamos o risco de nos dis-
vários momentos da história da humanidade, tanciarmos dos objetivos gerais traçados para
em diversos contextos culturais, as represen- esta Disciplina.
tações das deficiências e dos “deficientes” fo-
ram determinadas pela perspectiva da religião: Também os alunos repetentes, historicamente
como vontade divina, maldição, castigo. Em excluídos, mereceram uma abordagem, ainda
Esparta, só para exemplificar, as pessoas com que sucinta, com o objetivo de chamar a aten-
deficiência eram simplesmente eliminadas, ção sobre a necessidade de se reverem mitos e
pois o estado julgava que elas não lhe seriam preconceitos sob os quais eles têm sido anali-
úteis e, portanto, não mereciam sobreviver. Sé- sados e avaliados.
culos depois, Vygotsky (1924-1929) iria criticar
teorias subjetivistas e idealistas, colocando-se Conceitos usualmente utilizados na Educação
a favor de conceber o homem pela sua poten- Especial, como diversidade e deficiência, foram
cialidade e não, pela sua defectologia2. ressignificados com o aporte do intercultura-
lismo, buscando-se uma reflexão crítica sobre
Espero que você se detenha a estudar e refle- eles, no intuito de que possam alavancar in-
tir sobre o que aqui foi exposto, tendo como quietações que resultem em redirecionamen-
horizonte a apropriação crítica de discursos e tos das práticas pedagógicas, de modo que
práticas realmente inclusivas em oposição às aprendizagem e a inclusão possam se efetivar.
práticas que submetem os alunos ao conserva-
dorismo que, historicamente, tem predomina-
REFERÊNCIAS

2 Termo empregado para referir-se ao estudo e à educação de pessoas com impossibilidades e impedimentos.

32 capítulo 2
Atividades
1. Diferencie integração de inclusão.

2. A “ênfase na aprendizagem é um grande dife-


rencial e privilegia uma pedagogia centrada no
educando. Comente com base no livro-texto.

3. O que você entende por: “A deficiência é


uma produção cultural”?

4. “A diferença na sala de aula pode ser trans-


formada em recurso.” Sobre isso, faça seu
comentário.

5. A professora Amélia não acredita que consi-


derar a multiplicidade de alunos seja relevan-
te em sua prática pedagógica. E, você, o que
pensa sobre isso? Justifique sua resposta.

segundo o aluno repetente: um discurso feito


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34 capítulo 2

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