ENTREVISTA

EDUCAÇÃO
SOCIOCONSCIENCIAL

P
artindo do princípio de que a escola é o principal
Para além espaço formativo e de socialização do indivíduo,
das emoções, qualquer proposta para a educação deve contri-
buir para a organização das escolas na articu-
especialistas lação de suas ações educativas que visam legitimar
um modelo educacional baseado no desenvolvimento
falam sobre a das competências socioemocionais apresentadas pela
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como impor-
importância tantes para o enfrentamento dos desafios do século
das relações XXI. Para além das competências socioemocionais, de-
ve-se avançar a um patamar ainda maior: as compe-
interpessoais e o tências socioconscienciais. Assim, o desenvolvimento
da educação por consciência desde a infância propor-
desenvolvimento ciona ao indivíduo o descobrimento de seus valores in-
trínsecos, bem como o reconhecimento da importância
do bem comum de seus semelhantes em sua vida; as suas responsa-
entre os alunos bilidades perante o mundo e as habilidades e compe-
tências que devem exercer na exemplificação do bem
comum; os seus deveres para com a sociedade em que
vive, combatendo a desigualdade e a injustiça.

Em entrevista à Presença Pedagógica, os educadores

Ana Lúcia Meneghel e Ricardo Magalhães falaram sobre
a temática. Meneghel é doutoranda e mestre em Edu-
cação (Psicologia da Educação) pela Universidade Esta-
dual de Campinas – UNICAMP, especialista em Relações
Interpessoais na Escola e na Construção da Autonomia
Moral e pesquisadora do Laboratório de Psicologia Ge-
nética – Unicamp. Além disso, é coordenadora pedagó-
gica e de desenvolvimento do Programa Educacional
Pensamentos Mágicos – Pepemágicos, criado por Ri-
cardo Magalhães – escritor romancista e pesquisador
da psicologia humana, com livros indicados pela Uni-
versidade de São Paulo (USP), e diretor-presidente da
Pensamentos Mágicos Produções. Confira!

10 Revista Presença Pedagógica

 Redação Presença Pedagógica

Arquivo pessoal

Ricardo Magalhães, pesquisador da psicologia

humana e diretor-presidente da Pensamentos Mágicos
Produções. Ana Lúcia Meneghel, doutoranda e mestre
em Educação e especialista em Relações Interpessoais
na Escola e na Construção da Autonomia Moral

Revista Presença Pedagógica 11

ENTREVISTA
É fato que o trabalho da educação ultrapassa
o mero ato de transmitir conteúdos e conceitos
registrados em livros e apostilas. Nesse sentido,
qual é o papel da escola e como ela pode atuar
para se tornar um ambiente onde todos apren-
dam a viver em sociedade?
ANA LÚCIA – É bem verdade que a verdadeira
educação, a de formação de caráter, “se aprende
em casa”, como se costuma dizer – no entanto a
escola, bem formada, tem papel fundamental no
desenvolvimento cognitivo e moral de crianças
e adolescentes.
Segundo a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, artigo 26.2: “A instrução será orien-
tada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do
respeito pelos direitos humanos e pelas liber-
dades fundamentais. A instrução promoverá a
compreensão, a tolerância e a amizade entre
todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e
coadjuvará as atividades das Nações Unidas em
prol da manutenção da paz”.
E é dessa forma que a escola deve promover
condições de educação especializada na for-
mação de seus professores, aprimorando assim
esta função importantíssima e indispensável
que pode inspirar os princípios da boa convi-
vência e propiciar oportunidades para que os
valores éticos-morais aconteçam, no desenvol-
vimento da sensibilidade e da percepção hu-
mana para seus educandos. Enfim, o ambiente
escolar deve e precisa assegurar às crianças e
aos jovens a possibilidade de exercer a sua au-
tonomia com base na consciência.
As mudanças sociais e culturais promovidas
pela revolução científica e tecnológica têm de-
sempenhado um papel importante na crise da
hierarquia de valores e dos sistemas de crenças
da sociedade de hoje. Como a escola deve tra-
balhar também nesse cenário?
RICARDO – Diante de tantos avanços tecno-
lógicos e científicos e com uma enxurrada de
informações contraditórias e muitas vezes per-
niciosas, a sociedade sofre a inversão de valores
em detrimento dela própria. A instrução aliada
à educação por formação de valores éticos-mo-
rais que as escolas podem oferecer para seus
alunos é a chave das possibilidades de supe-
12 Revista Presença Pedagógica
ração e equilíbrio de qualquer sociedade. Esse
trabalho minucioso é cada vez mais percebido
pela própria sociedade como o mais importante
mecanismo na solução no combate à inversão
de valores e o desperdício do próprio tempo, no
que concerne à evolução igualitária do cresci-
mento humano, que proporcionará um ambiente
de trocas edificantes entre crianças e jovens. É
a partir dessas trocas, das relações de respeito
mútuo, de cooperação e de humanismo entre as
pessoas que surgirá um novo e saudável cená-
rio social no qual o “joio” e o “trigo” serão sepa-
rados conscientemente.
Hoje muito se fala do aprendizado das compe-
tências socioemocionais. Como essas compe-
tências estão relacionadas à consciência, estru-
turando, assim, a educação socioconsciencial?
RICARDO – A educação socioemocional favo-
rece a construção dos valores pessoais (autoes-
tima) devendo gerar um melhor relacionamento
consigo mesmo e com o outro, abrindo caminho
para a compreensão das adversidades no desen-
volvimento da autoconfiança, o que se espera
para se enfrentar os desafios da vida. A termino-
logia é usada por pesquisadores da área de psi-
cologia e educação desde 1990, mas foi a partir
de 2019 que o assunto passou a fazer parte do
currículo obrigatório nacional das escolas priva-
das e públicas através da normativa da BNCC.
É preciso que se diga que não é a educação
socioemocional que estrutura a educação so-
cioconsciencial, e sim o contrário. Para que as
competências propostas pela educação socio-
emocional possam ter sustentação e continui-
dade efetiva, objetivando o desenvolvimento
intencional da inteligência emocional – o que se
chama de habilidades socioemocionais, como a
proatividade, a autoconfiança e o senso crítico
–, há que se ter compreensão e entendimento
dos sentimentos íntimos e alheios. Convencer
alguém apenas pela emoção é o mesmo que al-
guém explicar algo de que não se tenha domínio
– de que não se tenha conhecimento. Na maior
parte das vezes, as pessoas que não desen-
volveram a consciência, seus poderes e ações,
agem mais por impulsos emocionais do que
pela razão. E os resultados também, em grande
parte, são inoportunos, para não dizer desas-
trosos. As emoções são reflexos dos impulsos
mentais que, se não controlados e percebidos,
 “
Para que as competências propostas pela
educação socioemocional possam ter
sustentação e continuidade efetiva, objetivando
o desenvolvimento intencional da inteligência
emocional – o que se chama de habilidades
socioemocionais, como a proatividade, a
autoconfiança e o senso crítico –, há que se ter
compreensão e entendimento dos sentimentos

”
íntimos e alheios

podem se perder. Contudo, as competências da O fluxo do pensamento, na maior parte das

educação socioemocional, quando alicerçadas
na educação por consciência, o que a partir de
agora chamamos de socioconsciencial, ganham
estruturação de base e de definição. Numa ana-
logia ao ditado popular “o que vem primeiro – o
ovo ou a galinha?”, permita-nos fazer uma per-
gunta em nosso assunto: o que vem primeiro
– a consciência ou a emoção? Nesse caso, res-
pondemos sem pestanejar: a emoção! Mas aí é
que está o “pulo do gato”. Para que as emoções
possam gerar o bem-estar e o equilíbrio inte-
rior, são indispensáveis o estudo e o desenvol-
vimento da consciência. O que vale afirmar que
o socioconsciencial é para o socioemocional o
que o sol é para a vida.
Ainda sobre a consciência, Piaget diz que to-
mar consciência não é falar da coisa, mas com-
preendê-la, ou seja, coordenar, no plano do
pensamento, sua estrutura, sua lei de compo-
sição. Como podemos caracterizar essa cons-
ciência no campo da educação?
RICARDO – Observar para perceber, porque
ninguém conseguirá perceber sem antes ob-
servar. Isso quer dizer: não se deve falar de
uma coisa sem antes ter consciência dela; e
a consciência denota conhecimento e domí-
nio. Infelizmente, é comum falar de uma coisa
sem a consciência dela e se sentir apto. Por
essa razão, observamos a composição de tan-
tos equívocos, falhas e desequilíbrios.
vezes, é produzido pelos impulsos emocio-
nais, o que não se pode dizer que a pessoa
não tenha, de certa maneira, consciência dele.
Aí chamamos de consciência primária ou par-
cial. Nesse caso, a consciência está, por assim
dizer, em andamento. Por isso, o estudo e o
desenvolvimento da consciência são indis-
pensáveis para a conquista do bem-estar e do
progresso humano.
Quando falamos de tomada de consciência se-
gundo Piaget, caracteriza-se que a criança, o
adolescente, os jovens e os adultos aprendam
por si mesmos tudo aquilo que for possível,
construindo por seus próprios meios estruturas
intelectuais cada vez mais elaboradas, as quais
correspondem a níveis de julgamentos e ações
morais gradualmente mais elevados.
O Brasil tem elevadíssimos índices de violência
envolvendo jovens, sendo que a maior causa de
morte desses, segundo a Organização Mundial
da Saúde (OMS), é a violência interpessoal. Que
relação podemos estabelecer entre o processo
de resolução de conflitos e a adesão dos alunos
ao valor de convivência, levando em considera-
ção a educação socioconsciencial?
RICARDO – O modelo que se estabeleceu até o
presente momento e insiste em permanecer é o
da educação por conveniência e o da desigual-
dade social que gera o desequilíbrio sistêmico,

Revista Presença Pedagógica 13

ENTREVISTA
incentivadores dos crimes e dos suicídios pro-
vocados pelos constrangimentos e pela falta
de humanismo.
As interações sociais interferem na aquisição
do conhecimento lógico-matemático, ocor-
rendo perturbações, quando o sujeito tem
pontos de vista divergentes sobre determinado
fato, representando um desajuste pelo qual
milhares de jovens são acometidos à violência
e ao distúrbio emocional. Tais conflitos preci-
sam ser vistos com atenção e cuidados para
que se tornem oportunidades para a constru-
ção de valores éticos-morais e que sejam re-
forçados por uma educação por consciência
nas escolas, objetivando, em conjunto com
as famílias, promover eventos e diálogos en-
tres educadores e jovens para uma convivência
acertada a fim de que crianças e jovens apren-
dam a argumentar sobre suas opiniões livres
de presunções, respeitando a opinião do seu
semelhante.
É hora de mudança firme no modelo de edu-
cação nas escolas e nas famílias, buscando a
implantação de políticas igualitárias para que
seja deportada a educação por conveniência,
que perturba, e substituída pela educação so-
cioemocional em conjunto com a educação
socioconsciencial, que liberta e transforma.
A BNCC traz a preocupação e o movimento pela
busca de novas perspectivas educacionais em
que os estudantes vivenciem experiências que
ultrapassam as fronteiras disciplinares. Assim,
de que forma a Base está relacionada à edu-
cação socioconsciencial, trazendo à tona te-
mas contemporâneos e a questão da transver-
salidade?
ANA LÚCIA – A BNCC é um documento im-
portante para a promoção da igualdade no
sistema educacional, colaborando para a for-
mação integral e para a construção de uma
sociedade mais justa, democrática e inclusiva.
Quando a escola trabalha pensando em temas
que validam a contemporaneidade relacionada
com a transversalidade, tendo como objetivo
o desenvolvimento integral da criança e do
jovem, favorece as condições para o autoco-
nhecimento, bem como o autodescobrimento
e, dessa maneira, o exercício da educação so-
cioconsciencial, a educação da nova era.
14 Revista Presença Pedagógica
O Programa Educacional Pensamentos Mági-
cos – Pepemágicos propõe uma maneira de
fazer a educação resgatando os valores uni-
versais. Como esse programa é desenvolvido
pensando a educação socioconsciencial?
ANA LÚCIA – A proposta do Programa Edu-
cacional Pensamentos Mágicos, criado pelo
escritor, romancista e pesquisador da psico-
logia humana, Ricardo Magalhães, a partir de
sua obra infantil A turma dos pensamentos
mágicos, é a de oferecer uma educação que
desenvolva as competências do sociocons-
ciencial desde a tenra idade, para que os valo-
res trabalhados de maneira natural permeiem
o processo educacional das crianças e passem
a guiar o desenvolvimento delas ao longo da
vida, transformando-as em adultos plenos, no
exercício de suas profissões, de sua cidadania
e na relação com o seu semelhante.
Desde 1994, o autor Ricardo Magalhães vem
desenvolvendo um tratado de Educação Trans-
formadora, alicerçado na consciência, por meio
de pesquisas e estudos sobre a psicologia hu-
mana. Com a publicação do seu primeiro livro,
o autor seguiu seus estudos e escreveu mais
de 18 títulos sobre o pensamento, seus po-
deres e ações, ganhando notoriedade e reco-
mendações de críticos e especialistas. E foi
assim que, após 25 anos na literatura e ins-
pirado em sua obra infantil da série As aven-
turas dos pensamentos mágicos, organizou
um programa educacional, cuja ideia central é
contribuir para a formação de valores e prin-
cípios em um processo educacional, para que
crianças e adultos possam desenvolver e aper-
feiçoar suas habilidades sociais, emocionais e
conscienciais.
O projeto pedagógico desenvolvido tem as
sete virtudes essenciais que compõem os per-
sonagens da Turma dos Pensamentos Mágicos
como base. Elas estão caracterizadas individu-
almente em cada um dos sete: Flor – amor,
Fraterninho – amizade, Encantado – curiosi-
dade, Vitória – confiança, Norminha – disci-
plina, Serijus – respeito e o Elozinho – família.
Embora cada personagem represente apenas
uma virtude, a Turma dos Pensamentos Má-
gicos atua sempre em conjunto, trazendo, do
Reino das Possibilidades, soluções conscien-
 “
Queremos que as crianças e os adolescentes
se desenvolvam com pleno conhecimento e
domínio de seus sentimentos em relação a si
próprios e aos outros, bem como com uma
consciência ampla de si, do seu papel e de

”
suas escolhas na vida; é o saber sentir!

tes, que são o resultado da ponderação de cada
um. Essas soluções transformam-se em ação no
mundo real por meio do menino Felipe e seu in-
separável amiguinho, o ursinho Tchã-Tchã.
O Pepemágicos reúne diversificados recur-
sos para a ação educativa por meio da litera-
tura, música e arte em geral, que envolvam a
criança, os jovens, os pais, as famílias, os edu-
cadores e os gestores na edificação de uma
sociedade melhor, mais preparada para alcan-
çar o bem-estar mútuo, mais igualitária e cen-
trada no relacionamento humano sadio.
em desenvolvimento, como sujeitos ativos, que
aprendem ao longo da vida, capazes de cons-
truir seus próprios conhecimentos, potenciali-
zar e equilibrar suas emoções e desenvolver
um estado amplo de consciência, por meio da
interação com as pessoas (família, cuidadores,
amigos e familiares) e com os objetos de co-
nhecimento que fazem parte de seu ambiente
social e cultural.
Que mensagem podemos deixar aos educado-
res, gestores escolares e pais de alunos diante
da ideia da educação socioconsciencial?

Criamos um estilo lúdico de refletir, fazer, sig-
nificar e ressignificar a educação em valores
e desenvolvimento de habilidades do socio-
emocional alicerçado pelo socioconsciencial.
Queremos que as crianças e os adolescen-
tes se desenvolvam com pleno conhecimento
e domínio de seus sentimentos em relação a
si próprios e aos outros, bem como com uma
consciência ampla de si, do seu papel e de
suas escolhas na vida; é o saber sentir!
O Programa propõe uma maneira de fazer a
educação resgatando os valores universais, tri-
lhando caminhos para que os educandos sejam
capazes de atuar na sociedade com valores éti-
cos em todas as situações do cotidiano, con-
tribuindo, assim, para a reconstrução de uma
humanidade mais íntegra e digna. Reconhece
a criança e o adolescente como seres humanos
ANA LÚCIA – Sendo as escolas e as famílias for-
ças preponderantes na formação de personalida-
des humanas para o futuro, o trabalho de cada
uma delas só terá sustentação e perenidade para
resultados promissores, acadêmico, profissional
e humano se for pela unificação consciencial da
parceria. Famílias – crianças – escolas: o tripé do
real progresso social e humano.
A união dessas instituições, sem sombra de
dúvida, é o sustentáculo da superação dos
problemas da sociedade. Unidas em trabalho
consciente e sistemático, terão como promo-
ver para as crianças e os jovens uma nova fase
do crescimento individual e conjunto, na qual
todos são os artífices do progresso interior e
de sua sociedade em que a igualdade de direi-
tos abrirá caminhos à consciência integral para
a nova era da educação no mundo. 

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