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Mariana Faria Teixeira

O Conselho de Saúde da Unasul e os desafios para a construção de soberania sanitária

Rio de Janeiro
2017
Mariana Faria Teixeira

O Conselho de Saúde da Unasul e os desafios para a construção de soberania sanitária

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Saúde Pública, da Escola
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, na
Fundação Oswaldo Cruz, como requisito
parcial para obtenção do título de Doutora em
Ciências.
.

Orientadora: Ligia Giovanella

Rio de Janeiro
2017
Catalogação na fonte
Fundação Oswaldo Cruz
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
Biblioteca de Saúde Pública

T266c Teixeira, Mariana Faria


O Conselho de Saúde da Unasul e os desafios para a
construção de soberania sanitária. / Mariana Faria Teixeira. --
2017.
222 f. : graf.

Orientadora: Ligia Giovanella.


Tese (Doutorado) – Fundação Oswaldo Cruz, Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro,
2017.

1. Cooperação Internacional. 2. Saúde Global. 3. Conselhos


de Saúde. 4. Mercosul. 5. Relações Interinstitucionais.
6. América do Sul. I. Título.

CDD – 22.ed. – 362.1

Mariana Faria Teixeira


O Conselho de Saúde da Unasul e os desafios para a construção de soberania sanitária

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Saúde Pública, da Escola
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, na
Fundação Oswaldo Cruz, como requisito
parcial para obtenção do título de Doutora em
Saúde Pública.
Aprovada em: 04 de abril de 2017

Banca Examinadora

Dra. Deisy de Freitas de Lima Ventura


Universidade de São Paulo – Faculdade de Saúde Pública

Dr. José Francisco Nogueira Paranaguá de Santana


Fundação Oswaldo Cruz - Gerência Regional de Brasília

Dr. José Gomes Temporão


Fundação Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca

Dra. Cristiani Vieira Machado


Fundação Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca

Dra. Ligia Giovanella (Orientadora)


Fundação Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca

Rio de Janeiro
2017
Às cinco pessoas sem as quais essa tese
jamais seria possível.

À mamãe e ao Beto por sempre me


apoiarem e torcerem por mim e por
serem meu Arraial d’Ajuda (que é muito
melhor que porto seguro).

À minha filha, Cecília. Você será sempre


a melhor parte de mim.

Ao meu amor, Yuri, por acreditar em


mim, mesmo quando eu já desisti. E por
me amar, mesmo quando eu não mereço.

E à minha orientadora, Ligia Giovanella,


não apenas por sua imensa sabedoria,
mas, e especialmente, por sua coragem.
AGRADECIMENTOS

Meu pai tem uma teoria de que a cada 10 anos uma pessoa pode ter uma vida completamente
diferente. Aprender uma nova língua e mudar de país; se apaixonar, casar e ter filhos; fazer
uma faculdade e ingressar em uma nova profissão. São várias as possibilidades de, conforme
ele, a cada 10 anos ser/fazer da sua vida uma nova história.

O meu doutorado conclui uma história que eu comecei a escrever 10 anos atrás, em setembro
de 2007, quando me mudei para o Rio de Janeiro para trabalhar no CEBES (Centro Brasileiro
de Estudos em Saúde). Naquele momento eu tinha 28 anos, uma filha de dois anos, um
diploma de Direito e uma carteirinha da OAB, e uma trajetória profissional que variava entre
professora, empresária, garçonete, guia de turismo, advogada e organizadora de eventos.
Havia morado em Belo Horizonte, Brasília, Arraial d’Ajuda e Vila Velha.

Sobre saúde eu conhecia muito pouco. Basicamente o que eu lia nos jornais ou assistia no
Jornal Nacional. O SUS era um caos! Mesmo assim eu me lancei. Me mudei pro Rio para
iniciar ali os próximos 10 anos da minha vida, escrevendo uma nova história, de amor pelo
direito à saúde, de dedicação, de estudo e de muito trabalho. E pelas linhas dessa história
passaram tantas pessoas fundamentais, sem as quais eu não teria chegado até aqui. E por isso,
é hora de agradecer.

A primeira delas será sempre a minha Tia Sonia. Porque foi através das suas mãos que as
portas dessa estrada se abriram para mim. Foi através do seu sexto sentido aguçado (como ela
mesma gosta de dizer), que sempre sente que alguém da família está precisando de uma
ligação, um conselho, uma palavra de consolo ou de uma proposta de emprego, que eu fui
trabalhar no CEBES e conhecer o mundo da saúde pública. Obrigada hoje e sempre, Tia.

Ali no CEBES eu conheci os “grandes” da saúde pública: Nelsão, Paulo Amarante, Lenaura,
Roberto, Ligia Giovanella, Ligia Bahia, Luizinho, Ana Costa, Mario Scheffer, Chico. Quanta
honra! Eu ali, recém-chegada naquele mundo tão fascinante e já sentada à mesa com os
mestres da saúde pública. Foram meus mestres, os que me ensinaram que o conhecimento
acadêmico é muito importante, que é preciso estudar muito, mas que a saúde é um espaço
político, um espaço de luta, de democracia e de cidadania. Afinal a saúde é um direito de
todos e um dever do Estado! Aos meus grandes mestres, deixo minha eterna admiração e
gratidão.
Nesse caminho conheci amigos e companheiros de luta no campo da saúde pública. Uma
delas virou também minha irmã, que levarei para sempre, em todas as vidas que for viver
daqui pra frente. Suelen, obrigada pela amizade, a sinceridade, a lealdade e por sempre estar
ao meu lado.

O capítulo seguinte dessa história começou a ser escrito no CRIS: era o meu ingresso na
saúde global. Já com uma especialização e um mestrado na bagagem, novamente fechei os
olhos e pulei em uma nova e desconhecida aventura. No CRIS encontrei pessoas abertas a me
receber, mesmo eu estando ali só de passagem, e a me ensinar sobre tudo o que era novo para
mim. Obrigada, Claudia Parente, Anderson, Lili, Bárbara, Ana Paula.

Foi no CRIS que ouvi pela primeira vez sobre a UNASUL. Ali começamos a construir o
ISAGS: o nome, o estatuto, as cores, a logo, a primeira sede física. E foi ali também que
conheci o Paulo Buss, o Jouval, o Temporão, o Oscar Feo e o Sebastian Tobar e me
reencontrei com a Ligia Giovanella. Novamente, quanta gratidão, eu iniciando outra jornada
cercada dos grandes mestres. Novamente momento de aprender, estudar e trabalhar muito.
Muito obrigada por acreditarem em mim e me darem a possibilidade de construir junto com
vocês o ISAGS.

Já no ISAGS construí uma família: Laura, Mari, Luana, Camilla, Flávia, Bia, Felippe, Felipe,
Jana, Nança, Manoel, Beth, Ana Paula, Jorge, Sr. Márcio. Essa tese também é de cada um de
vocês. Sem o apoio, o carinho e a força de vocês eu jamais teria chegado até aqui. Obrigada,
do fundo do meu coração.

Durante os cinco anos na Unasul eu fui abraçada e recebida por cada um dos doze países da
linda América do Sul. Quanta diversidade, quanta beleza, quantos sabores e também,
infelizmente, quanta iniquidade. Aos amigos queridos, de cada cantinho da nossa América do
Sul, obrigada por fazerem parte da minha história e principalmente, por terem me permitido
ser parte da de vocês. Gracias, Thank You, Dunk U Well, Obrigada!

Nos dois últimos anos do doutorado, depois da qualificação, eu morei em três países
diferentes: Brasil, Equador e Estados Unidos.

Em Quito, no primeiro semestre de 2015, trabalhei no coração da Unasul: na Secretaria Geral.


Ali entendi o tamanho desse projeto de integração e suas fragilidades também. Fue para mí un
honor trabajar con mi querido Presidente Samper y todo el equipo de la Secretaria General en
la Mitad del Mundo!

O último ano do Doutorado, momento de concentração, pesquisa, trabalho de campo e muita


escrita, foi também o ano de mudar de casa, de país, de trabalho e de missão. 2016 foi um ano
intenso, com acontecimentos pessoais e globais que mudaram minhas percepções e exigiram
muita força para seguir adiante e terminar a tese. No meu primeiro ano na OPAS tive a alegria
de ter ao meu lado pessoas que me apoiaram e me ajudaram a encarar de frente todos os
desafios. Lauren and Isa, thank you for our lunch talks, without them I would have gone mad,
for sure. You guys are the best friends I could ever wish for! My dear Maite, thank you for
your smile and kindness, my daily life is sweeter with you around. Mi jefe, Dr. De Francisco,
gracias por apoyar mi jornada en medio al caos.

Essa caminhada só foi possível porque tenho uma família que me inspira e me apoia
incondicionalmente. Obrigada vovó Cora por ser sempre meu maior exemplo de superação e
coragem. Aos meus quatro pais, meus irmãos, tias e tios, primos e sobrinhos, fica a gratidão
diária e o amor incondicional por tudo o que vocês representam para mim.

Duda, obrigada por fazer nossas vidas mais felizes com sua presença.

Laura, minha filhinha, minha irmã, minha amiga, minha companheira de jornada e de valores,
nunca terei como te agradecer suficientemente por tudo. Meu amor por você é infinito.

Os agradecimentos finais precisam ir para a banca, que tão gentilmente aceitou meu convite.
Novamente me vejo cercada por mestres e privilegiada por poder aprender e compartilhar.
Soy,
Soy lo que dejaron
Soy toda la sobra de lo que se robaron
Un pueblo escondido en la cima
Mi piel es de cuero
Por eso aguanta cualquier clima

(…)

Soy el desarrollo en carne viva


Un discurso político sin saliva

Las caras más bonitas que he conocido


Soy la fotografía de un desaparecido
La sangre dentro de tus venas
Soy un pedazo de tierra que vale la pena

Soy lo que me enseño mi padre


El que no quiere a su patria
No quiere a su madre
Soy América Latina
Un pueblo sin piernas pero que camina

(…)

Vamos caminando
Aquí se respira lucha
Vamos caminando
Yo canto porque se escucha

Vamos dibujando el camino


Estamos de pie
Vamos caminando
Aquí estamos de pie

Rafael Ignacio Arcaute, Eduardo Cabra, Rene Perez


Trechos da música Latinoamérica, Calle 13
RESUMO

Este estudo analisa as características da integração regional em saúde da União de Nações


Sul-Americanas (Unasul), a construção de soberania sanitária regional na América do Sul e
define um conceito de soberania sanitária. A metodologia de estudo de caso incluiu diversas
fontes de informação: revisão bibliográfica e documental, entrevistas semiestruturadas com
atores-chave dos países-membros da Unasul (20 entrevistas) e a observação participante em
reuniões do Conselho de Saúde da Unasul e do Instituto Sul-Americano de Saúde (ISAGS). O
período estudado foi de 2008 a 2015. As informações das diferentes fontes foram trianguladas
para descrição e análise da criação, estrutura, governança, atuação e formulação de agenda do
Conselho Sul-Americano de Saúde. As características de integração regional da Unasul foram
delimitadas a partir do estudo de modelos históricos de integração da América Latina e do
contexto político presente na criação da Unasul. As iniciativas em saúde nos processos de
integração regional da América Latina foram identificadas e caracterizadas. O estudo da
Unasul demonstrou que a América do Sul deu início a um novo modelo de integração
regional, no começo do século XXI, que não está focado na integração econômica, como os
modelos anteriores, mas busca uma integração política e social, aliando o desenvolvimento
econômico ao desenvolvimento social. Como expressão da integração regional sul-americana
em saúde, a Unasul criou o Conselho de Saúde, que é formado pelos ministros de saúde dos
doze países membros, um Comitê Coordenador, Grupos Técnicos, Redes e o Isags. Na
governança do Conselho de Saúde observaram-se múltiplos espaços onde ocorrem as relações
e os arranjos entre os atores envolvidos nos processos de tomada de decisão, tanto entre
instâncias internas, como em espaços que incorporam atores externos à Unasul. As atuações
mais destacadas do Conselho de Saúde foram a criação do Isags, como catalizador das ações
do Conselho de Saúde, e o papel desempenhado como ator da Diplomacia da Saúde, em
especial na Assembleia Mundial da Saúde da Organização Mundial da Saúde, com
apresentação conjunta de proposições. Na experiência do Conselho de Saúde constatou-se que
os Estados membros da Unasul optaram por reivindicar sua soberania sanitária frente a
agentes relevantes do sistema internacional que historicamente ditaram as políticas de saúde
na região, por meio da construção de um processo de integração regional que tanto promoveu
soberania sanitária regional, como fortaleceu individualmente as soberanias sanitárias
nacionais de cada país membro. A continuidade desse processo de integração em saúde e
construção de soberania sanitária na América do Sul depende de um equilíbrio entre as
coalizões políticas e as coalizões técnicas. O estudo conclui que a soberania sanitária
estabeleceu um mecanismo regional de resistência à medida que reforçou a independência e a
autonomia em saúde dos países sul-americanos.

Palavras-chave: cooperação internacional, saúde global, América do Sul.


ABSTRACT

This study analyzes the characteristics of regional integration in health within the Union of South
American Nations (Unasur), the construction of regional health sovereignty in South America and
defines a concept of health sovereignty. The methodology of case study included a variety of sources
of information: literature and document review, semi-structured interviews with key-actors from
Unasur member countries (20 interviews) and participant observation in meetings of Unasur’s Health
Council and the South American Health Institute (ISAGS). The studied period was from 2008 to 2015.
The South American Health Council’s creation, structure, governance, actions and agenda formulation
have been described throughout triangulation and cross-verification of the collected information from
various sources. The characteristics of Unasur’s regional integration have been determined based on
the study of historical integration models in Latin America and on the political context at the time of
Unasur creation. Health initiatives in regional integration processes within Latin America have been
identified and characterized. The analysis of Unasur has demonstrated that South America has
inaugurated a new regional integration model, at the beginning of the 21st century, which does not
focus on economic integration, as did previous models, but aims at social and political integration,
combining economic and social development. As an expression of the South American regional health
integration, Unasur has created the Health Council, which is formed by the 12 member countries
ministers of health, a Coordinating Committee, Technical Working Groups, Networks and the Isags.
In the Health Council’s governance, there are multiple spaces where relationships and arrangements
between actors involved in the decision-making processes occur, both between internal instances and
spaces that incorporate actors that are external to Unasur. The most noteworthy actions of the Health
Council are the creation of Isags, as a hub for the health Council actions, and the bloc’s role as a
Health Diplomacy actor, particularly during the World Health Assembly, where the countries
presented joint positions. From the experience of the Health Council, it was evinced that Unasur
member States have chosen to claim for their health sovereignty before relevant agents of the
international system, which have historically dictated health policies in the region, through the
construction of a regional integration process that has both promoted regional health sovereignty and
individually strengthened the national health sovereignties of each member country. The continuity of
this integration process in health and sanitary sovereignty building in South America depends on a
balance between political coalitions and technical coalitions. The study concludes that health
sovereignty has established a regional resilience mechanism as it strengthened the independence and
autonomy in health of the South American countries.

Key-words: international cooperation, global health, South America.


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.................................................................................................. 12

1.1. Justificativa e problema de estudo ................................................................. 13

1.2. Objetivos ................................................................................................. 14

1.3. Perguntas de pesquisa e pressuposto ......................................................... 15

1.4. Organização da tese ................................................................................. 15

2. MARCO TEÓRICO E CONCEITUAL ............................................................... 18

2.1. Cooperação internacional e integração regional ........................................ 19

2.2. Integração regional: características e modelos .......................................... 23

2.2.1. Modelos de integração econômica .............................................................. 23

2.2.2. Supranacionalismo e intergovernamentalismo......................................... 26

2.2.3. Modelos de integração regional na América Latina ................................. 31

2.3. Saúde global e diplomacia da saúde .......................................................... 42

2.4. Soberania regional ................................................................................... 46

2.4.1. Soberania e integração regional ................................................................. 46

2.4.2. Soberania limitada, soberania negociada e soberania regional .................... 50

3. METODOLOGIA .............................................................................................. 55

4. INTEGRAÇÃO REGIONAL EM SAÚDE NA AMÉRICA LATINA................... 72

5. A UNASUL: CRIAÇÃO E ESTRUTURA ........................................................... 80

5.1. Criação da Unasul: contexto histórico e conjuntura política........................... 80

5.2. A estrutura da Unasul ................................................................................... 91

6. A UNASUL E A SAÚDE ............................................................................... 103

6.1. Criação e estrutura do Conselho de Saúde Sul-Americano ........................... 104

6.2. Governança do Conselho de Saúde .............................................................. 122

6.3. A atuação do Conselho de Saúde ................................................................. 141


6.4. A agenda em saúde da Unasul ..................................................................... 155

6.4.1. Análise da formulação da agenda em saúde da Unasul ............................. 157

7. SOBERANIA SANITÁRIA............................................................................... 167

7.1. O Conselho de Saúde da Unasul e a construção de soberania sanitária


regional..............................................................................................................171

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 186

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 200

LISTAS DE QUADROS, FIGURAS E GRÁFICOS .............................................. 211

LISTA DE ANEXOS ............................................................................................ 216

ANEXO I: ROTEIRO PARA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE ......................... 217

ANEXO II: ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA .................... 218


1. INTRODUÇÃO

A globalização reclama ações coletivas mais efetivas por parte dos governos e de outros
atores não governamentais (Kickbusch e Berger, 2010). O fim da Guerra Fria e a aceleração
da globalização no final do século XX ampliaram a necessidade de ações coletivas eficazes
para abordar desafios comuns entre os países, como alterações climáticas e epidemias
(McInnes e Lee, 2012). Como forma de responder a essa crescente demanda à cooperação
entre os países, a integração regional e a formação de blocos tornam-se cada vez mais
presentes. Inicialmente centrados na integração comercial e econômica, os modelos
vigentes de integração e cooperação passam a ser questionados (Ruiz, 2007).

Kickbusch e Berger (2010, p.19) destacam que a saúde apresenta desafios que ultrapassam
fronteiras e que precisam ser resolvidos de forma conjunta pelos países, “as questões de
saúde estão ultrapassando o reino puramente técnico e se tornando um elemento essencial
da política externa”. Segundo McInnes e Lee (2012), a saúde há muito se relaciona com as
políticas externas dos Estados, porém, nos últimos anos, os problemas de saúde têm se
tornado globais, o que ampliou a relação entre a saúde e a política internacional.

Na América Latina, a constituição de organismos regionais amplos, comprometidos com


o desenvolvimento social com vistas à equidade de cada país e da região como um
todo, marca os entendimentos multilaterais vigentes no início do século XXI (Riggirozzi,
2012) (Sanahuja, 2012).

O Embaixador Simões (2011) afirma que apesar das diferenças políticas e econômicas dos
países da América do Sul, a criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul)
representa o amadurecimento da região de trilhar um caminho comum para fortalecer a
região frente aos desafios de um mundo multipolar. A proposta inovadora da Unasul de
buscar acelerar, não apenas o desenvolvimento econômico regional, mas o
desenvolvimento social de seus países-membros e do bloco, inauguraria um novo
paradigma para as relações internacionais (Simões, 2011). Segundo Sanahuja (2011) a
Unasul expressa um regionalismo anti ou pós-neoliberal e não deve ser considerada uma

12
iniciativa de integração do sentido clássico visto que não pretende ser uma integração
econômica nem pressupõe atribuir competências a órgãos supranacionais.

1.1. Justificativa e problema de estudo

Scotti (2013) afirma que a integração regional ocupa lugar de destaque na agenda política dos
Estados e é um dos fenômenos internacionais de maior importância do século XXI.

Segundo Legler (2013) existe atualmente uma proliferação de publicações que fazem
afirmações e suposições sobre os processos de integração regional na América Latina e em
particular na América do Sul e sobre a influência desses processos na soberania nessas
regiões. Contudo, são raros estudos sistematizados que analisam e avaliam o impacto desses
processos de integração regional no significado e nas práticas da soberania na América do
Sul.

Riggirozzi (2012) destaca que as pesquisas sobre integração floresceram nas últimas décadas
em todo o mundo, porém a ênfase desses estudos permanece no campo da segurança e da
economia, enquanto as questões políticas e sociais na construção regional possuem pouca
visibilidade no campo acadêmico.

No contexto da integração regional sul-americana, a saúde emerge como um eixo aglutinador


e propulsor do processo de cooperação e integração entre os países da região (Buss e Ferreira,
2011).

Este estudo buscou aprofundar as bases teóricas e ampliar o conhecimento acumulado sobre a
importância da saúde no processo de integração regional na América do Sul, especificamente
a partir do estudo de caso do Conselho de Saúde Sul-americano (CSS) da Unasul. O tema
requer uma aproximação interdisciplinar, reunindo conteúdo produzido em distintas áreas do
conhecimento, visando à complementaridade a fim de cerrar lacunas conceituais, como
relações internacionais, ciência política, direito internacional público e saúde pública.

Além de reunir a produção acumulada em distintas áreas do conhecimento, buscou-se


desenvolver contribuição original ao analisar o papel da saúde no processo de integração sul-
americana a partir do modelo de integração proposto pela Unasul e discutir, nesse cenário, a
13
construção de soberania sanitária regional.

A escolha por estudar o Conselho de Saúde da Unasul foi oportuna visto que o primeiro Plano
Quinquenal do Conselho Sul-Americano de Saúde esteve válido até o final do ano de 2015,
encerrando um ciclo de cinco anos de trabalho do Conselho de Saúde. Um dos propósitos
deste trabalho de doutorado é contribuir com subsídios para os profissionais envolvidos na
tomada de decisão no CSS.

Frente a essas questões, este estudo buscou delimitar e descrever distintos modelos de
integração regional, com o objetivo de identificar as características que compõem o processo
de integração regional da Unasul, para então analisar o papel que desempenha a saúde nesse
processo de integração, através da criação e atuação do Conselho Sul-Americano de Saúde e
examinar se nesse marco está se construindo uma soberania sanitária regional.

1.2. Objetivos

Objetivo Geral

O objetivo deste estudo de doutorado foi analisar a atuação do Conselho de Saúde da Unasul

de modo a contribuir com os debates sobre a integração regional em saúde e sobre construção

de soberania sanitária.

A partir do objetivo geral foram desenvolvidos cinco objetivos específicos que guiaram esta

pesquisa e a elaboração deste trabalho.

Objetivos Específicos

I. Identificar as características e modelos da integração regional em saúde na América do

Sul;

II. Examinar a construção histórica do processo de integração que deu origem à Unasul;

III. Analisar o processo de criação e a institucionalização do Conselho Sul-Americano de

14
Saúde e caracterizar a atuação do CSS em duas esferas: interna aos países da América

do Sul e no cenário global/fóruns multilaterais;

IV. Analisar o processo de construção da agenda de saúde sul-americana;

V. Discutir a construção de uma soberania sanitária regional no marco do modelo de

integração em saúde da Unasul.

1.3. Perguntas de pesquisa e pressuposto

Segundo Minayo (2013), toda pesquisa inicia-se por uma pergunta, uma dúvida, um problema

a ser investigado. Assim, algumas perguntas foram formuladas, sem a pretensão de serem

exaustivas, a fim de orientar a pesquisa:

• Quais são as características da Unasul como processo de integração regional?


• Quais são as características e os campos de atuação do Conselho Sul-Americano de
Saúde?
• Existe na atualidade uma agenda sul-americana de saúde? Como se conforma esta
agenda?
• O que significa soberania sanitária?

A partir das perguntas elencadas, foi definida a questão que se buscou responder nesta tese: A

atuação do Conselho de Saúde da Unasul pode construir soberania sanitária regional na

América do Sul?

1.4. Organização da tese

A tese está organizada em um capítulo que apresenta o marco teórico e conceitual, um


capítulo sobre a metodologia e quatro capítulos de análise que se propõem a sistematizar as
15
informações recolhidas e responder aos objetivos e perguntas deste estudo, além de um
capítulo final que apresenta as considerações finais sintetizadas.

O capítulo 2 é o marco teórico e conceitual e trata identificar as características e modelos da


integração regional em saúde na América do Sul, respondendo ao primeiro objetivo
específico. São estabelecidos o grupo de conceitos que serão explorados ao longo da tese. O
capítulo é dividido em quatro partes. A primeira identifica as características que aproximam
e diferenciam os conceitos de cooperação internacional e integração regional. A segunda
parte explora as características dos diversos processos de integração regional e apresenta
modelos teóricos. A fim de identificar as características que marcam o modelo de integração
regional proposto pela Unasul, apresenta as características do modelo de integração
econômica, com destaque para o processo inicial da União Europeia, aponta distinções entre
o intergovernamentalismo e o supranacionalismo e delimita características dos modelos
históricos de integração regional na América Latina. A terceira parte trata de esclarecer os
conceitos de Saúde Global e Diplomacia em Saúde que foram utilizados durante o estudo.
Finalmente, a quarta e última parte examina brevemente o conceito de soberania, sua
evolução histórica e debate o conceito de soberania regional, explorando as relações entre
soberania e integração regional.

O capítulo 4 examina a presença do tema saúde nos processos de cooperação e integração


nas Américas. Para esse capítulo foi realizada revisão da literatura com incursão no campo
das relações internacionais e do direito, além da saúde, compreendendo a
interdisciplinaridade da questão.

O capítulo 5 está dividido em duas partes que abordam a Unasul como processo de integração
regional, sua construção histórica e sua estrutura.

O capítulo 6 analisa a criação do Conselho Sul-Americano de Saúde, sua, governança, atuação


e finaliza com a análise da formulação da agenda em saúde na Unasul.

O capítulo 7 busca responder o último objetivo específico deste estudo. Analisa a construção
de uma soberania sanitária regional a partir da atuação do Conselho Sul-Americano de Saúde.

Finalmente as considerações finais articulam as principais conclusões da tese e levantam a


questão dos desafios futuros e da continuidade do Conselho de Saúde da Unasul. Dois

16
anexos com os instrumentos utilizados na pesquisa de campo estão incluídos na presente
tese.

17
2. MARCO TEÓRICO E CONCEITUAL

O conceito de integração regional é central para o desenvolvimento deste estudo, e será


abordado a partir da identificação de características que conformam distintos modelos e, mais
adiante, será qualificado pela integração regional em saúde. Contudo, outros conceitos são
fundamentais para dar base de sustentação ao estudo e orientar a definição das dimensões de
análise da pesquisa.

O primeiro grupo de conceitos a se relacionar com o de integração regional (Figura 1) é


composto pela cooperação internacional e pela cooperação sul-sul, conceitos do campo das
relações internacionais. O segundo grupo trata do vínculo que será traçado entre o campo das
relações internacionais e o campo da saúde pública – cooperação em saúde, diplomacia em
saúde, saúde global e integração regional em saúde. Finalmente, a fim de contribuir com a
formulação do conceito de soberania sanitária, serão delimitados os conceitos de soberania e
soberania regional na perspectiva do direito internacional público (Jo e Sobrinho, 2004)
(Figura 1).

Figura 1 – Conceitos relacionados ao tema integração regional em saúde a explorar

18
2.1. Cooperação internacional e integração regional

A cooperação internacional ao longo do século XX apresentou diferentes características. Após


a Segunda Grande Guerra, com o objetivo de ajudar a reconstrução da Europa devastada e
coordenar ações de colaboração internacional, o Plano Marshall (European Recovery
Program) marcou o início da cooperação para o desenvolvimento na Europa e nos EUA. Este
Programa de Recuperação Europeu inovou ao impor aos países aderentes o cumprimento de
regras, o que implicou compromissos inéditos de cooperação no continente europeu (Sato,
2000). O início da integração europeia “foi amplamente beneficiada por recursos externos
provenientes do Plano Marshall”, como ressalta a pesquisadora Sonia Camargo1 (Giovanella
e Guimarães, 2007, p. S306).

Outro elemento importante desse período foi a Conferência Monetária e Financeira das
Nações Unidas, que reuniu delegados de 44 países na cidade de Bretton Woods, estado de
New Hampshire, nos Estados Unidos, em 1944, com o objetivo de “reconstruir o capitalismo
mundial, a partir de um sistema de regras que regulasse a política econômica internacional”
(Desiderá Neto, 2014, p.115). O acordo de Bretton Woods instituiu um conjunto de regras
para regular a política econômica dos países, dentre as quais o atrelamento em base fixa do
dólar norte-americano ao ouro e a obrigatoriedade dos demais países de manter a taxa de
câmbio de suas moedas nacionais vinculada ao dólar. Além do pacote de medidas, foram
criadas instituições multilaterais encarregadas de acompanhar esse novo sistema financeiro
internacional: o Banco Mundial (1944) e o Fundo Monetário Internacional (1945) (Desiderá
Neto, 2014). Outras instituições no campo da cooperação internacional foram criadas neste
período, como a Organização das Nações Unidas (1945) e a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (1948) (Matta, 2005).

Nos anos de 1950 e 1960 o crescimento do comércio internacional e da interdependência


econômica, impulsionado em grande medida pelo sistema de Bretton Woods (1944),
estimulou a aparição de visões alternativas referentes às possibilidades de cooperação entre os
países no ambiente internacional (Desiderá Neto, 2014). Segundo Almeida (2010), a
cooperação internacional neste período tinha por finalidade preencher lacunas de

1
Cientista política, com mestrado pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO, Chile),
doutorado pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado pela Associação de Investigação e Especialização em
Temas Ibero-americanos (AIETI, Espanha), Sonia de Camargo dirigiu de 1992 a 2004 o Instituto de Relações
Internacionais do Centro de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio de
Janeiro), onde foi professora por três décadas.
19
desenvolvimento por meio do fornecimento de inputs, humanos e tecnológicos.

A cooperação internacional sofreu uma reorientação a partir da década de 1970. Marcada até
então pela verticalidade, unilateralidade, por “pacotes prontos” e pela relação “norte-sul”,
inicia-se a construção de alianças entre países em desenvolvimento, “países do Sul” a hoje
denominada Cooperação Sul-Sul (Almeida et al, 2010). A cooperação sul-sul se dá entre
países do denominado “sul global” ou “sul geopolítico”, que não faz referência à localização
geográfica do país no globo, mas à sua condição de país periférico ou em desenvolvimento
(Leite, 2012). A definição de cooperação sul-sul não é homogênea, porém alguns elementos
são comuns. Segundo Oliveira e Luvizotto (2011, p.14), a cooperação sul-sul se realiza por
“ações de cooperação entre países em via de desenvolvimento” com características
horizontais, deixando de ser exclusivamente um “mecanismo de interação Norte-Sul,
passando a existir também no sentido Sul-Sul”. Buss e Ferreira (2010, p.106) definem a
cooperação sul-sul como “o processo de interação econômica, comercial, social que se
estabelece com vantagens mútuas entre parceiros de países em desenvolvimento, geralmente
localizados no hemisfério sul”.

A Conferência de Bandung (1955) é considerada o primeiro marco político da relação entre


países do sul. O Movimento dos Não-Alinhados, e o Grupo dos 77, ambos estabelecidos no
início da década de 1960, durante a Guerra Fria, somam-se aos marcos políticos que nas
décadas seguintes serão as bases para o desenvolvimento da Cooperação Sul-Sul (Leite,
2012). Essas mobilizações dos países do Sul Global, com objetivo de ressignificar a
cooperação internacional, a partir da relação entre países em desenvolvimento, almejava
“superar a etapa histórica em que a cooperação para o desenvolvimento, no caso os seus
próprios desenvolvimentos nacionais, são moldados e conduzidos de fora para dentro”
(Santana, 2011, p.2996).

Marcada por iniciativas de dentro para fora e pela horizontalidade, a cooperação entre países
em desenvolvimento se estabeleceu como alternativa à relação de cooperação “Norte-Sul”
caracterizada por doadores e a imposição de condicionalidades. O objetivo maior da
Cooperação Sul-Sul é construir projetos de cooperação que se enquadrem nos desígnios de
desenvolvimento dos próprios países participantes.

Nas décadas seguintes, as condicionalidades e prioridades da cooperação internacional


mudaram e se adaptaram aos processos políticos e econômicos vigentes. Com o fim da guerra
20
fria, o processo de globalização promoveu fortes mudanças econômicas, políticas, sociais,
tecnológicas e culturais que se estenderam também sobre a cooperação internacional.
Kickbusch e Berger (2010) destacam que a globalização aprofundou a necessidade por ações
coletivas por parte dos governos, como também da sociedade civil e do setor privado.

Diferenciar cooperação internacional de integração regional é fundamental para avançar neste


estudo. A distinção entre cooperação e integração é antiga e vem sendo discutida por vários
autores na busca de “compreender o verdadeiro alcance e o significado da integração, que é
processo distinto da cooperação” (Celli Junior, 2006, p.22).

Celli Junior (2006, p. 22) relata que “para autores clássicos, como Bela Balassa, a
cooperação incluiria várias medidas destinadas a harmonizar políticas econômicas e
diminuir a discriminação entre os países”. Como veremos adiante, Bela Balassa descreve as
etapas do processo de integração econômica, que, diferentemente da cooperação, “encerraria
medidas que obrigam efetivamente a supressão de algumas formas de discriminação”,
levando, por exemplo, à “abolição de restrições de intercâmbio”.

Para além das distinções clássicas, entendidas a partir das relações econômicas entre países, a
cooperação internacional e a integração regional também podem ser compreendidas como
processos de escopo distinto a partir do nível de interdependência, não apenas econômica,
mas também política entre os países (Celli Junior, 2006).

Para Malamud (2012) a integração regional é um processo no qual há perda de certos


atributos da soberania de cada estado-membro em benefício de novas técnicas de solução de
conflitos que são construídas conjuntamente, a partir da vontade de seus estados-membros. A
definição de Malamud utiliza como base a definição clássica de Ernst Haas. Porém a
definição clássica de Hass inclui o elemento da “supranacionalidade, a criação de instituições
comuns e permanentes, capazes de tomar decisões vinculantes para os membros”. Haas
define que sem a supranacionalidade, outros elementos, como fortalecimento da
comunicação, criação de símbolos e até o trânsito livre de pessoas pelas fronteiras podem
“tornar mais provável a integração, mas não são equivalentes a ela” (Malamud, 2012, p. 10).

Conforme nos informa Celli Junior (2006) a distinção entre integração e cooperação no atual
cenário de crescente interdependência comercial e econômica entre os países não é muito
clara e os conceitos frequentemente se sobrepõem e contêm elementos estruturais muito
21
similares. Mecanismos de cooperação podem servir como complemento de processos de
integração e processos de integração podem caracterizar-se mais como acordos de
concertação ou coordenação entre países que propriamente como mecanismos de integração
regional.

Apesar de compreendermos que os conceitos de cooperação e integração se sobrepõem,


buscamos delinear algumas distinções entre eles. Segundo Santana (2011, p.2994) “a
associação entre dificuldades comuns e interesses compartilhados para seu enfrentamento
caracteriza oportunidades de cooperação entre países” que podem ocorrer bilateral ou
multilateralmente. A cooperação internacional pode se dar entre países de distintos
continentes e pode ser uma estratégia contextualizada e ser abandonada de acordo com a
conveniência (Mariano e Mariano, 2002). Já a integração regional segundo Farrell (2007,
p.306) envolve “um processo de interação crescente e interdependência na arena política e
econômica entre um grupo de países”. Desta forma a integração é mais ampla que a
cooperação porque pode resultar em novas unidades ou entidades políticas e, portanto, é
menos flexível, promovendo mudanças significativas nos Estados envolvidos (Mariano e
Mariano, 2002).

Na literatura predominam a visão comercial e econômica da integração regional (Celli Júnior,


2006). O campo das relações internacionais define modelos de integração regional, nos quais
elementos como abolição de restrições ao intercâmbio comercial e supranacionalidade estão
presentes e serão explorados e aprofundados na próxima seção para compreender as
características presentes na integração regional proposta pela Unasul. Contudo entende-se que
esses modelos são quadros paradigmáticos idealizados e que os processos reais de integração
regional são conformados por características de vários modelos, incluindo abordagens
clássicas e alternativas.

No presente estudo será utilizada a terminologia processo de integração regional. Segundo


Mallmann é válido diferenciar a “integração como situação dada” e a “integração como
processo”, percebendo que no primeiro caso a institucionalização já está avançada a ponto de
inviabilizar um retrocesso. Os processos de integração, por outro lado, podem ser percebidos
pela existência de “iniciativas levadas a termo em diversas frentes, pela adesão dos estados e
de outros agentes a variados regimes internacionais”, gerando dependências recíprocas entre
os atores envolvidos no processo (Mallmann, 2010, p.13). Os termos regionalismo e união

22
são também amplamente utilizados na literatura para descrever aspectos similares aos dos
processos de integração.

2.2. Integração regional: características e modelos

É possível identificar nos distintos processos de integração regional características específicas


que os diferenciam entre si. A partir dessas especificidades se constroem modelos teóricos da
integração regional.

O primeiro modelo teórico que será descrito é o clássico modelo de integração regional
econômica de Bela Balassa (1960), que descreve as etapas do processo de evolução da
integração econômica europeia e que servirá, algumas décadas mais tarde, de base para alguns
dos processos de integração na América do Sul.

As características que diferenciam os processos de integração regionais supranacionalistas e


aqueles com base intergovernamentalista conformam dois outros possíveis modelos
conceituais utilizados para definir os processos de integração.

Na América Latina a integração regional reflete características dos modelos conceituais


previamente descritos, porém a partir da forma como os processos se estabelecem, possui
também características específicas que dão origem a três diferentes tipologias de integração
regional com recortes temporais.

2.2.1. Modelos de integração econômica

No campo das relações internacionais, diversos autores (Farrell, 2007; Lazarou, 2013; Legler,
2013) apresentam o processo de integração da União Europeia como um modelo global para a
integração regional. Segundo Lazarou (2013, p.106) “no estudo da integração regional
nenhuma entidade figura de forma tão proeminente quanto a União Europeia”. Segundo
Guimaraes e Giovanella (2006) a União Europeia representa a modalidade mais profunda de
integração regional, portanto, suas significativas conquistas a tornam um exemplo de
governança eficaz e legítimo para outros países e regiões. Ainda que reconhecendo a

23
importância da União Europeia para o estudo da integração regional e de que outros processos
posteriores de integração se inspiraram no mesmo, crises de “legitimidade e eficácia” são
recorrentes no processo de integração da Europa e a crise financeira de 2008 “atingiu os
Estados-membros de forma desigual, com alguns países conseguindo seguir crescendo e
outros afundando em uma recessão prolongada”, o que gerou implicações para a estabilidade
e solidariedade no processo de integração europeu (Lazarou, 2013, p.114). Contudo a União
Europeia é o único caso de integração regional funcional envolvendo governança
supranacional, competências compartilhadas e partilha de soberania e, portanto, seu estudo é
fundamental para debater processos de integração regional (Keohane e Hoffmann, 1991).

Estudos clássicos que orientam a análise do modelo de integração econômica baseiam-se nas
obras “Integração Econômica Internacional”, de Tinbergen (1954) e “Teoria da Integração
Econômica”, de Bela Balassa (1960). Ambos clássicos da literatura sobre integração
econômica estabelecem as etapas para a integração e surgem no início da conformação da
Comunidade Europeia (Farrell, 2007).

As etapas/estágios do processo de integração apresentadas por Tinbergen e Bela Balassa


podem, de certa forma, ser considerados como a descrição do próprio processo de evolução da
integração econômica europeia.

Assim, considero importante apresentar o modelo de Tinbergen e Bela Balassa como o


primeiro modelo teórico da integração regional, visto que, além de ser uma teoria clássica da
integração, inspirou, juntamente com a experiência de integração europeia, alguns dos
processos de integração na América do Sul, como veremos mais adiante (Farrel, 2007).

Segundo Tinbergen (1954) e Bela Balassa (1960) o processo de integração econômica entre
países ocorre em quatro estágios: Zona de Livre Comércio; União Aduaneira; Mercado
Comum e; União Econômica e Monetária.

A Zona de Livre Comércio caracteriza-se pelo estabelecimento de tarifas preferenciais


seguido da eliminação completa das barreiras interiores à circulação de mercadorias, sejam de
natureza aduaneira ou não. O objetivo desta primeira etapa é desenvolver o comércio entre os
países membros e, ao mesmo tempo, proteger os meios de produção da concorrência de
mercados externos. A União Aduaneira é a substituição de dois ou mais territórios aduaneiros
por um só território aduaneiro. Ou seja, avança-se estabelecendo uma tarifa exterior comum
24
às importações de produtos oriundos de países externos ao processo de integração (Tinbergen,
1954) (Bela Balassa, 1960).

A etapa seguinte, o mercado comum, exige a liberalização de todos os fatores produtivos, não
somente das mercadorias, objetivo já atingido nas duas etapas anteriores. O Mercado Comum
estabelece a livre circulação de mercadorias, trabalhadores, serviços e capitais entre os
Estados-membros. Essa etapa da integração demanda a constituição de regras e instituições
que definam deveres, direitos e benefícios, assegurando que estes sejam distribuídos de forma
equitativa entre todos os Estados-membros e setores sociais integrados ao projeto (Giovanella
e Guimaraes, 2007).

O último dos estágios da integração seria a União Econômica e Monetária, que decorre da
harmonização e unificação de políticas e instituições econômicas. O objetivo a ser alcançado
seria a atribuição da política monetária e cambial para uma autoridade comunitária
supranacional que obrigue com suas decisões os Estados-membros a implementar suas
decisões (Mello, 2004).

A última das fases da integração regional, conforme Tinbergen e Bela Balassa chama atenção
para a questão da supranacionalidade como um aprofundamento necessário do processo de
integração regional. Para efetivar os acordos europeus foram constituídos organismos que
conformam espaço institucional supranacional de integração (Guimarães e Giovanella, 2006).

A União Europeia é o resultado, singular na história mundial, de integração pacífica de


Estados soberanos que contempla a transferência de competências, e cessão de parte das
soberanias nacionais, a instâncias supranacionais, porém sem que essas instâncias substituam
os governos nacionais. A UE, tendo atingido o último dos estágios do modelo de integração
econômica, constitui o maior mercado comum de circulação de pessoas, bens, serviços e
capitais entre países do mundo. Por ser a mais antiga e profunda experiência de integração
regional, a União Europeia e os impactos de sua integração são tomados como lições
históricas e modelo comparativo para outros processos de integração em distintas partes do
globo (Guimarães e Giovanella, 2006).

25
2.2.2. Supranacionalismo e intergovernamentalismo

O supranacionalismo e o intergovernamentalismo não são propriamente modelos de


integração regional, mas sim modelos teóricos de análise de relações internacionais que
podem ser aplicados em distintos processos de integração regional, dependendo de como se
organizam as institucionalidades e, especialmente, do papel exercido pelos Estados em cada
processo (Mariano e Mariano, 2002).

O supranacionalismo é marcado pela transferência parcial de parte da soberania nacional dos


Estados-membros a instituições supranacionais (Figura 2). Segundo Saraiva (2011) o
supranacionalismo levaria ao aumento progressivo da integração entre países até atingir a
integração política. No modelo supranacional ocorre ampliação do comprometimento dos
países no âmbito regional pela criação de mecanismos de solução de contenciosos que
garantem mais estabilidade ao sistema e aos acordos entre os países (Caeni-USP, 2013).

O modelo supranacional garantiria a estabilidade dos acordos e compromissos de âmbito


regional e amplia o engajamento dos países participantes através de mecanismos jurídicos de
solução de contenciosos. Porém, a falta de flexibilidade e capacidade adaptativa a situações
específicas deste modelo pode gerar disfuncionalidade e dificuldade de implementação dos
compromissos adotados nas sociedades participantes da integração (Caeni-USP, 2013).

Segundo Lazarou (2013), a União Europeia é hoje o único caso de integração regional que
implica em competências compartilhadas e com transferência de soberania dos tomadores de
decisão nacionais para as instituições supranacionais e intergovernamentais, caracterizando-
se, assim, como um modelo supranacionalista de integração regional.

Diferentemente dos autores das ciências políticas, os autores das relações internacionais e do
direito internacional público, como Sweet e Sandholtz (1997), Perotti (1999) e Quadros
(1991), argumentam que o supranacionalismo não seria caracterizado pela transferência de
soberania, mas pela delegação de determinadas competências políticas, em áreas específicas.
Segundo Sweet e Sandholtz (1997) a classificação das organizações internacionais em
supranacionais ou intergovernamentais é falha, já que elas em geral contêm elementos de
ambos e são, portanto, híbridas.

Sobre a União Europeia, Sweet e Sandholtz (1997) afirmam que em termos econômicos o

26
bloco possui características supranacionais, enquanto que em termos políticos a UE se
aproxima mais do intergovernamentalismo. Quadros (1991) complementa que não há
transferência definitiva de competências soberanas na União Europeia, pois os Estados
membros conservam originalmente seus poderes soberanos, delegando, temporariamente,
competências sobre matérias específicas. A delegação de competências decorre de um ato
soberano dos países, que decidem delegar poderes aos organismos comunitários, podendo a
qualquer tempo retomá-los, como no caso da decisão de um Estado de se desligar da UE.

Bauman (2005) alerta que o modelo supranacional não é necessariamente melhor que o
modelo intergovernamentalista. A supranacionalidade excessiva causa conflitos no momento
da implementação e a evolução da integração europeia mostra que um caminho para reduzir
conflitos pode ser a adoção de flexibilidades para a os países buscarem, autonomamente, os
melhores caminhos para atingirem os objetivos e metas definidos no processo de integração.

O intergovernamentalismo é mais flexível e possui maior capacidade de adaptação a situações


específicas. Neste modelo não há cessão de soberania e a integração regional seria a forma
dos Estados gerenciarem a interdependência (Saraiva, 2011). O intergovernamentalismo pode
ser entendido, segundo Mariano e Mariano (2002), como as relações e negociações entre
Estados nacionais soberanos (Figura 2) dentro de um esquema de cooperação multilateral, no
qual a integração regional funcionaria como forma de coordenação política entre os Estados.
Contudo, por conta da ausência de instituições supranacionais, o que gera baixa
institucionalidade, as negociações intergovernamentais são necessariamente longas e os
compromissos políticos tendem a ser modestos e geram baixo nível de comprometimento dos
países, tornando os acordos mais instáveis (Caeni-USP, 2013).

Apesar do menor grau de institucionalidade, o intergovernamentalismo gera compromissos


por parte de seus Estados membros, que são expressos em decisões, resoluções e declarações
conjuntas, acarretando aos países necessidade de manutenção desses compromissos a fim de
manter-se como parte do processo de integração e mesmo de sustentar uma boa relação com
os demais países envolvidos.

27
Figura 2 – Supranacionalismo e Intergovernamentalismo

Fonte: Elaboração própria.

O modelo do intergovernamentalismo traz em si a gestão da interdependência. Para melhor


entender esse modelo teórico é necessário compreender o conceito de interdependência nas
relações internacionais. Nogueira e Messari (2005) relatam que a interdependência já era tema
de reflexão de autores das relações internacionais desde o início do século XX que
consideraram que o aumento da complexidade da economia internacional ultrapassaria a
capacidade de controle dos Estados sobre as redes produtivas e as cadeias de circulação.

No entanto, foi na década de 1970 que as reflexões sobre a interdependência tomaram força,
respaldadas na emergência de diversos eventos. A crise do petróleo e a internacionalização do
sistema financeiro dominaram a atenção dos analistas internacionais, ampliando o âmbito de
análise da interdependência, até então focada apenas nas questões de segurança relativas à
Guerra Fria. O avanço nas comunicações, o crescimento do comércio e a atuação de empresas
multinacionais ampliou progressivamente as relações entre as economias nacionais (Nogueira
e Messari, 2005).

Essas interações mudaram o caráter do sistema internacional, ampliando o grau de


interdependência entre os países. Isso significa que, cada vez mais, os acontecimentos
ocorridos em um país têm efeitos concretos sobre outros países e que problemas, econômicos,
políticos ou sociais, causados por decisões ou fatos que tiveram lugar em um determinado
país geram consequências para tantos outros. (Nogueira e Messari, 2005).

28
A interdependência é um conceito que explica as relações entre Estados ou entre atores de
diferentes Estados incorporando outras esferas como a econômica, a social e a ambiental, para
além das questões clássicas de segurança.

Um elemento que caracteriza a interdependência é a reciprocidade, que significa que


decisões tomadas e acontecimentos ocorridos em um país, impactam na política externa, na
economia e na sociedade do outro. Outra característica específica é o aspecto que Mariano e
Mariano (2002) denominam de restritivo, que a diferenciaria da globalização por restringir os
efeitos da interdependência a uma região específica do globo ou à relação entre dois países,
tornando este fenômeno delimitado, localizado, enquanto que a globalização é um fenômeno
que relaciona todos os países do mundo.

Kickbusch e Berger (2010, p.22) ressaltam que a globalização ampliou os níveis de


interdependência no mundo e que a “política externa e a diplomacia oferecem importantes
ferramentas, atuando como extensões das iniciativas da política nacional” dos Estados, nas
relações entre eles.

No caso da União Europeia, Sonia Camargo concluiu que a relação entre


“intergovernabilidade e supranacionalidade foi relativamente bem resolvida por meio de
combinações e formas de articulação variadas entre diferentes instâncias, níveis de atuação e
competências” (Giovanella e Guimarães, 2007, p. S309).

Um dos elementos de intergovernamentalismo que foi incorporado à abordagem


supranacional da União Europeia é o Método Aberto de Coordenação (MAC). O Tratado de
Maastricht ampliara os mecanismos de controle da burocracia supranacional e o MAC,
definido enquanto instrumento intergovernamental da Estratégia de Lisboa em 2000, é um
mecanismo voluntário de harmonização que intervém em certos domínios da competência dos
Estados-membros como o emprego, a proteção social, a inclusão social, a educação, a
juventude e a formação. Uma vez definidos objetivos e prioridades da integração, os países
têm como prerrogativa buscar, autonomamente, os melhores caminhos para atingirem essas
metas (Caeni-USP, 2013).

O Método Aberto de Coordenação engloba quatro elementos centrais. Primeiro são fixadas
orientações para o desenvolvimento de áreas específicas de uma política e são determinados
objetivos a curto, médio e longo prazo. Na sequência, o bloco estabelece indicadores e
29
referenciais qualitativos e quantitativos para facilitar a comparação entre os países com o
objetivo de estabelecer padrões desejáveis. Em seguida os países-membros adotam as
orientações da UE para suas políticas nacionais através do estabelecimento de objetivos
concretos e medidas apropriadas. Finalmente, o monitoramento e a avaliação são um
elemento fundamental do MAC. Através de monitoramento mútuo entre os Estados-membros,
os países acompanham o desenvolvimento e o progresso de cada um (Gerlinger e Urban,
2007).

O MAC poderia ser um mecanismo estratégico para o processo de integração da Unasul.


Mantendo a relação intergovernamental do bloco, o MAC serviria como indutor da
convergência das políticas nacionais, com vista à realização de determinados objetivos
comuns, especialmente nas áreas sociais, como é o caso da saúde. Segundo Gerlinger e Urban
(2007, p. S137), “o MAC avança no processo de coordenação e aprendizagem entre os
países, mas mantém a autoridade formal dos Estados-membros intacta”, ou seja, não há
cessão de soberania. Esses autores denominam esse método de regulação soft ou terceira via,
como uma opção entre a harmonização de normas e políticas e os acordos
intergovernamentais.

Os processos de integração da América do Sul, como o Mercosul e a Comunidade Andina de


Nações (CAN) são, por sua vez, caracterizados como intergovernamentalistas, por não terem
avançado na constituição de instituições supranacionais e não delegarem parte de sua
soberania, mantendo os Estados-membros como centrais no processo decisório na integração
regional (Sanahuja, 2012).

Segundo Sonia Camargo, uma das maiores diferenças entre os processos de integração na
Europa e na América do Sul (comparando a UE e o Mercosul) está na relação entre
intergovernabilidade e supranacionalidade (Giovanella e Guimarães, 2007). Apesar da
diferença na organização das institucionalidades no Mercosul e na UE, é importante destacar
que o modelo de integração regional do Mercosul é inspirado no europeu e, ainda que na
atualidade se caracterize como união alfandegária o objetivo final é constituir um mercado
comum, com a livre circulação de pessoas, bens e serviços, aproximando-se da modalidade de
integração da União Europeia (Guimarães e Giovanella, 2006).

Isso significa que o Mercosul tenderia a constituir instituições supranacionais como parte da
evolução e aprofundamento de seu processo de integração regional, porém a pesquisadora
30
Sonia Camargo aponta que a questão da supranacionalidade, concretizada na criação de
instrumentos e procedimentos que possam dar um marco de legitimidade e assegurar a
uniformidade e coesão do processo de integração sul-americano, possui pouca prioridade nos
debates oficiais, o que mantém o Mercosul com características de um processo de integração
intergovernamental (Guimarães e Giovanella, 2007).

No caso especifico da Unasul, Ventura (2013, p. 12) a classifica como “puramente


intergovernamental”, dada sua “modéstia institucional”. A Unasul se caracteriza como um
espaço para a concertação política dos países da região, um fórum intergovernamental para
discussão de agendas políticas comuns em diferentes temas, sem pretender ter uma burocracia
independente (Ventura, 2013).

2.2.3. Modelos de integração regional na América Latina

Ao longo de décadas, os países sul-americanos mantiveram o nacionalismo e a defesa da


soberania, como discurso e prática da política exterior e doméstica (Mallmann, 2010). Essa
característica tem se demonstrado um obstáculo para a construção de organizações regionais
fortes, com competências próprias e soberania compartida no processo de integração da
região. Por outro lado, a defesa da soberania também tem sido ideologia comum e fator de
mobilização frente ao imperialismo e à dominação exterior, em relação aos países do Norte e
em especial aos Estados Unidos (Fiori, 2011). Essa tradição emancipadora é um importante
elemento constitutivo das aspirações de autonomia da região. Essas aspirações são o motor
que há mais de sessenta anos impulsiona distintas iniciativas integracionistas no continente,
segundo Legler (2013).

Desde a década de 1950, observam-se movimentos internacionais de esforços de integração


regional econômica na América Latina (Caeni-USP, 2013). A partir da iniciativa dos países,
em 18 de fevereiro de 1960 os representantes dos governos da Argentina, Bolívia, Brasil,
Chile, México, Paraguai e Peru firmaram o Tratado de Montevidéu, que criou a Associação
Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC). O objetivo da ALALC era a implementação
de uma área de livre comércio no prazo de doze anos. O processo de formação da ALALC
inspirou a criação do Pacto Andino (hoje conhecido como Comunidade Andina - CAN) no
final da década de 1960. Como durante os anos 1970, a ALALC não havia conseguido atingir
31
seu principal objetivo, a Associação foi reestruturada e adaptada a metas mais flexíveis. Nos
anos 1980, a ALALC tornou-se a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) com
a assinatura do segundo Tratado de Montevidéu.

A ALADI é composta por 12 países, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba,
Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, e passou por um processo de
expansão com a adesão da Nicarágua, em 2011, e do Panamá, em 2012. Dentre alguns
alcances da ALADI, estão os Acordos de Complementação Econômica (ACEs), que são
essenciais para as relações econômico-comerciais dos países-membros.

O Mercosul foi criado com o Tratado de Assunção, assinado em 1991 pela Argentina, Brasil,
Paraguai e Uruguai. Tem como objetivo a criação de um mercado comum e a integração dos
Estados Membros, através da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos e; o
estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC), entre outros (Kume e Piani, 2005).

Em 1994, o Mercosul conquistou institucionalidade plena e personalidade jurídica


internacional com a aprovação do Protocolo de Outro Preto. Sua estrutura orgânica, naquele
momento, era formada por dois órgãos: o Conselho do Mercado Comum, integrado pelos
Ministros de Relações Exteriores e da Economia dos quatro países- membros e o Grupo de
Mercado Comum, órgão executivo, formado por delegados dos Ministérios de Relações
Exteriores e de Economia e do Banco Central de cada país.

O Mercosul tem como objetivo principal a integração dos Estados-partes por meio da livre
circulação de bens, serviços e fatores produtivos, do estabelecimento de uma Tarifa Externa
Comum, da adoção de uma política comercial comum, da coordenação de políticas
macroeconômicas e setoriais, e da harmonização de legislações nas áreas pertinentes. No
Mercosul, como proposta de implementação de um mercado comum, os aspectos econômicos
predominam sobre a agenda social, uma vez que num modelo aberto de integração, rege
explicitamente a lógica de mercado (Acosta, 2007) (Saludjian, 2013).

O Mercosul conta com diversas instituições regionais, das quais três, uma no âmbito jurídico,
uma no legislativo e uma no econômico merecem ser destacadas. Com sede na cidade de
Assunção, o Tribunal Permanente de Revisão (TPR), criado em 2002, substituiu o anterior
sistema de negociações intergovernamentais diretas para a solução de controvérsias que
vigorava desde 1991. Com o estabelecimento do TPR os Estados-parte do Mercosul recorrem
32
aos árbitros nomeados por cada país-membro que trabalham para garantir a correta
interpretação, aplicação e cumprimento dos instrumentos fundamentais do processo de
integração (Mercosur.int). Além da instância jurídica, o Mercosul conta também com uma
instituição legislativa. Em 2006, os Parlamentos Nacionais dos Estados-membros aprovaram
o Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul. Sediado na cidade de Montevidéu, no
Uruguai, o Parlamento do Mercosul é composto por 18 representantes por país, indicados
pelos seus respectivos Parlamentos Nacionais, com reuniões ordinárias previstas para ocorrer
uma vez por mês (Mercosur.int). No âmbito econômico foi criado o Fundo para a
Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), que é um fundo destinado a financiar
programas para promover a convergência estrutural; desenvolver a competitividade;
promover a coesão social, em particular das economias menores e regiões menos
desenvolvidas e apoiar o funcionamento da estrutura institucional e o fortalecimento do
processo de integração. O Focem opera com contribuições voluntárias dos países-membros
(Mercosur.int).

Contudo, a visão da integração regional a partir de uma perspectiva predominantemente


econômica, segundo Celli Junior (2006, p.34), “reduz a possibilidade de se debaterem outros
fatores e temas que podem levar a um desenvolvimento sustentável das regiões ou países que
pretendem se aproximar.” O autor sugere que os países em desenvolvimento se beneficiariam
mais de um modelo de integração que não estivesse exclusivamente focado no comercial,
econômico e nas regras do mercado, mas que incluíssem áreas e programas que “tivessem
como beneficiários últimos as populações abrangidas” (Celli Junior, 2006, p.36).

A partir da análise específica dos processos de integração latino-americanos autores como


Baumann (2005), Esteves (2005), Sanahuja (2012), Riggirozzi e Tussie (2012), Legler (2013)
e Saludjian (2013) classificam, baseados no período histórico e nos componentes políticos e
ideológicos, três modelos teóricos de integração regional na América Latina.

Caldentey (2014, p. 156), em estudo realizado para a Cepal, resume os três modelos do
regionalismo latino-americano:

“América Latina muestra un panorama marcado por la convivencia de tres


dinámicas de regionalismo: la de los procesos nacidos en el marco de la
integración regional de los años 1950 y 1960; la de las iniciativas que se
explican a partir del regionalismo abierto de la década de 1990 y la de los
33
acuerdos que lo hacen ahora sobre la propuesta del regionalismo
posliberal.”

Segundo Baumann (2005), na década de 1950, a América Latina, influenciada pela


assinatura do tratado que criara a Comunidade Econômica Europeia, procurou promover a
integração de suas economias, visando superar diversas das barreiras ao desenvolvimento.
Este cenário histórico caracterizaria o primeiro modelo, denominado de
desenvolvimentista, protecionista ou velho regionalismo (Esteves, 2008) (Sanahuja, 2012).
Este modelo de integração desenvolvimentista esteve intrinsecamente relacionado com a
criação, em 1948, da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal).

A Cepal lançou, em 1957, o documento intitulado “O Mercado Comum Latino


Americano” que apresentava a integração econômica regional como o meio mais adequado
de promover o desenvolvimento latino-americano (Baumann, 2005). Os principais
objetivos eram a inserção no comércio internacional de modo competitivo e sustentável,
substituindo as importações pela industrialização a partir de políticas resultantes da ação
consciente e planejada do Estado, que deveria levar ao desenvolvimento nacional
autônomo (Bresser-Pereira, 2005) (Saludjian, 2013).

Segundo Bresser-Pereira (2005, p.201), para a Cepal o subdesenvolvimento da América


Latina não era decorrente “apenas de sua colonização mercantil, mas também dos
interesses do centro imperial em manter os países em desenvolvimento produzindo bens
primários”. A Teoria da Dependência, desenvolvida pela Cepal, afirmava que as empresas
coloniais e o comércio internacional não foram úteis para o desenvolvimento econômico
dos países em desenvolvimento, mas que ao contrário, geraram dependências das
exportações e um crescimento desequilibrado. Os países da América Latina caíram em um
estado de dependência dos países desenvolvidos, convertendo-se em produtores de
matérias-primas em uma relação desigual entre “centro-periferia” (Bresser-Pereira, 2005).

Para o modelo desenvolvimentista (Quadro 1), a integração teria um papel estratégico na


superação da dependência e no desenvolvimento econômico da América Latina. A
integração econômica atuaria em dois âmbitos: interno e externo. Dentro da região deveria
romper com baixo crescimento produtivo e insuficiente dinamismo econômico regional e
deveria contribuir com a ampliação do mercado consumidor e aumentar a diversidade de
produtos produzidos (Baumann, 2005). No âmbito internacional, por sua vez, a integração
34
latino-americana aumentaria o poder dos países nas negociações comerciais e financeiras
junto aos países centrais e organizações internacionais e serviria como etapa anterior a uma
maior globalização da economia dos países envolvidos, com ampla abertura ao livre-
comércio mundial (Saludjian, 2103). Para esse fim, seria necessário o estabelecimento de
uma política comum em relação aos países industrializados e às instituições financeiras e
de crédito internacionais.

Como resultado da proposta cepalina, os países da região iniciaram processos de


integração econômica. Em 1958 iniciou-se a formação do Mercado Comum Centro-
americano (MCCA), dois anos depois sete países criaram a Associação Latino-Americana
de Livre Comércio (ALALC). Foi criado também nesta época o Grupo Andino, que mais
tarde se transformaria na Comunidade Andina de Nações (CAN) (Esteves, 2008).

Na década de 1970, o modelo desenvolvimentista e seus processos de integração


arrefeceram (Baumann, 2005). Vários foram os fatores para o fracasso desse modelo na
região, dentre eles, Esteves (2005) destaca a falta de envolvimento das elites políticas
nacionais, conformadas naquele momento, em sua maioria, por regimes ditatoriais e a
ausência de reformas estruturais que seriam imperativas para as mudanças de caráter
econômico e social necessárias ao desenvolvimento regional.

O período de apatia durou até o final da década de 1980, quando os movimentos


integracionistas foram retomados na América Latina, porém não mais sob a proposta
desenvolvimentista. A nova etapa do integracionismo regional foi fortemente marcada pela
ideologia neoliberal e pelas resoluções advindas do Consenso de Washington. O segundo
modelo de integração regional é denominado por Esteves (2008), por tanto, de neoliberal e
por Sanahuja (2012) e Saludjian (2013) de aberto ou novo regionalismo.

Segundo Fiori (1997, p.115), o início da década de 1980, foi marcado pela “restauração
conservadora mais extensa e radical da história moderna”. Liderado pelos governos
Reagan (EUA) e Thatcher (Inglaterra) todos os países industrializados adotaram políticas
de desregulação e deflação, que genericamente ficaram conhecidas por políticas
neoliberais (Fiori, 1997). Segundo Camargo, a conjuntura econômica internacional dos
anos 1980 era amplamente desfavorável à América Latina, que “sofria a pressão da crise
econômica dos países centrais entrelaçada com a própria crise interna de suas economias
nacionais” (Giovanella e Guimarães, 2007, p. S306).
35
O Consenso de Washington (1989) representaria uma nova alternativa de crescimento
econômico para a América Latina, visto que para parte dos empresários, políticos e
intelectuais a crise enfrentada pela região seria em grande medida consequência da
demasiada interferência do Estado na economia (Esteves, 2008).

Com o Consenso de Washington chegavam à “periferia capitalista endividada e, em


particular, à América Latina” as políticas neoliberais já difundidas nos países
desenvolvidos (Fiori, 1997, p. 122). As principais medidas propostas pelo Consenso de
Washington foram diminuir o déficit fiscal através da redução do gasto público
principalmente na área social, aplicar políticas monetárias restritivas para combater a
inflação, manter uma taxa de juros real positiva e o câmbio valorizado, transformar as
exportações em uma das bases do crescimento, liberalizar o comércio exterior, reduzir as
regulações estatais através de privatizações e concentrar o investimento no setor privado
(Fiori, 1997).

Conforme relata Chomsky (2007, p.3), essas medidas acarretaram, nos diversos países da
América Latina, uma série de efeitos negativos:

“A América Latina, mais do que qualquer outra região no mundo, à exceção


do sul da África, aderiu rigorosamente ao assim chamado Consenso de
Washington, o que levou aos programas neoliberais, fora dos Estados
Unidos, nos últimos 25 ou 30 anos. E onde eles foram rigorosamente
aplicados, quase sem exceção, eles levaram ao desastre. Uma correlação
muito marcante. Redução aguda das taxas de crescimento e de outros
índices macroeconômicos, com todos os efeitos sociais que acompanham.”

Segundo Tavares (1992), a aplicação de políticas monetárias restritivas para conter a inflação
provocou elevação das taxas de juros que contribuíram para o aumento das dívidas externa e
interna, deteriorando as contas públicas e resultando em menos recursos para os setores
sociais. Já a abertura comercial e a integração ao mercado internacional, em vez de tornar
as empresas mais competitivas e propiciar a modernização da estrutura produtiva, prevista
pela tese neoliberal, resultou na desintegração das indústrias nacionais, na desnacionalização
produtiva e na quebra de empresas o que, finalmente, ampliou o desemprego.

Com a crise na economia mundial do final dos anos 1980 a integração regional surgia como

36
uma alternativa aos mercados dos países centrais que tendiam a se fechar (Giovanella e
Guimarães, 2007), e a resposta dos países da América Latina veio em forma de integração
baseada em modelos econômicos, alinhados à vitória do “liberalismo pós-guerra fria”
(Saludjian, 2013, p.7). O modelo de integração aberto ou neoliberal (Quadro 1) esteve
embasado em acordos comerciais regionais que objetivavam dar aos mercados internos maior
eficiência competitividade internacional frente ao crescente processo de globalização da
economia (Sanahuja, 2012). Neste contexto o governo norte-americano lançou em 1990 a
Iniciativa para as Américas, que estabelecia como meta final a formação de uma zona de livre
comércio da qual fizessem parte todos os países do continente americano, a Área de Livre
Comércio das Américas (ALCA) (Esteves, 2008).

Para além da forte influência norte-americana, emergiram nesse período quatro processos de
integração econômica na América Latina.

Segundo Saludjian (2013), a ênfase dos processos de integração no período do modelo aberto
era eminentemente comercial e os processos eram regidos pela lógica de mercado. Esses
processos ocorreram no final dos períodos de ditadura na região, a partir da retomada dos
acordos setoriais de coordenação produtiva entre Argentina e Brasil.

Na América Central e Caribe foi criado a Comunidade e Mercado Comum Caribenho


(Caricom) e o MCCA foi retomado para se transformar no Sistema de Integração Centro-
americano (SICA), que em poucos anos estabeleceu uma área de livre comércio que
recuperou o comércio inter-regional. A América do Sul foi o berço de outros dois processos
de integração. O Grupo Andino foi reativado como CAN objetivando restaurar uma zona de
livre comércio entre seus membros e no cone sul foi estabelecido em 1991 o Mercado
Comum do Sul (Mercosul) com objetivo imediato de se criar uma união aduaneira (Sanahuja,
2012).

Este ciclo de integração regional neoliberal continuou até os anos 2000 e marcou um período
relativamente consistente da integração regional latino-americana (Sanahuja, 2012). O
aprofundamento dos níveis de desigualdade social na América Latina, ocasionado pelas
políticas neoliberais de ajuste estrutural levou a uma reação de segmentos sociais há muito
alijados do cenário político. Segundo Saludjian (2013, p.3) a partir da primeira década do
século XXI a integração regional foi vista como “forma de melhorar a competitividade
sistêmica, aproveitando as economias de escala a nível regional em situação econômica
37
favorável” em um momento no qual os países da região buscavam encontrar alternativas aos
modelos de desenvolvimento implementados nas décadas de 1960 a 1980, enquanto os
governos de esquerda ou progressistas que ocuparam a arena política na América do Sul
demostravam rejeição às estratégias neoliberais.

Neste contexto, o modelo mais recente de integração regional latino-americano foi


denominado por autores como Sanahuja, (2012), Riggirozzi e Tussie (2012), Legler, (2013) e
Saludjian (2013) de “pós-liberal” ou “pós-neoliberal”. Riggirozzi e Tussie (2012) ressaltam
que esses novos processos de integração regional nascem da recusa dos governos
progressistas, eleitos em vários dos países sul-americanos, em dar continuidade à ALCA,
tencionando a hegemonia dos Estados Unidos sobre os países da região. Segundo Fiori (2011,
p.2) “todos os novos governos mudaram, quase imediatamente, a política externa do período
anterior e passaram a apoiar ativamente a integração autônoma da América do Sul, opondo-
se ao intervencionismo norte-americano no continente”.

Marcado pelo rechaço às políticas neoliberais e pelo retorno da valorização de um Estado


forte e eficaz, no modelo “pós-neoliberal”, a integração regional volta a ser um instrumento
de desenvolvimento e não mais um meio de gerenciar a entrada dos países da América Latina
no mercado internacional (Quadro 1). Saludjian (2013, p.16) destaca que “em escala sul-
americana, pode-se falar de um esgotamento do referencial legitimador do modelo liberal”.
Essa mudança política de direção na integração regional “coincidiu com a mudança da
política externa americana, da nova administração republicana, de George Bush, que
engavetou, na prática, o “globalismo liberal”, da Administração Clinton, e o seu projeto de
criação da ALCA” (Fiori, 2011, p. 2). Reunidos os países da América do Sul tiveram forças
para ultrapassar os obstáculos e minaram a continuidade da ALCA (Sanahuja, 2012).

Desde os anos 2000, três projetos de integração têm-se configurado na América Latina com
características do modelo “pós-neoliberal”: a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa
América - Tratado de Comércio dos Povos (ALBA-TCP), a Comunidade de Estados Latino-
Americanos e Caribenhos (Celac) e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) (Legler,
2013).

38
Quadro 1 – Modelos históricos de integração regional na América Latina
Modelo Desenvolvimentista Aberto ou Neoliberal “Pós-neoliberal”

Período Décadas 1950 e 1960 Década 1990 Décadas 2000 e 2010

Marco Criação da Consenso de Cúpula de Mar Del


Comissão Econômica Washington 1989 Plata que recusou a
para a América Latina concretização da ALCA
(CEPAL) 1948 2005

Particularidade Considera a participação Retomada do interesse Predominância de


do Estado como condição estadunidense pela governos de esquerda e
indispensável para o região; distanciamento centro-esquerda na
desenvolvimento do México da região; América do Sul;
econômico; Teoria da Retomada dos acordos Mudança na política
Dependência; Integração entre Argentina e externa, mas
vista como etapa prévia Brasil manutenção da política
ao livre-comércio global macroeconômica
ortodoxa
Foco Integração econômica Integração econômica Integração política e
social
Objetivos Impulsionar o Desestatização; Retomada da agenda de
desenvolvimento dos Abertura dos mercados; desenvolvimento;
países da região; Garantir a soberania do Desenvolvimento
Complementaridade mercado auto regulável econômico e social;
econômica; nas relações Fortalecimento dos
Industrialização latino- econômicas, atores estatais nas
americana; tanto internas como relações internacionais.
Desenvolvimento externas.
equitativo.

Projeto Mercado Comum Latino- Zona de livre comércio Blocos regionais de


Americano hemisférica cunho político

Concepção de Garantias de direitos dos Seletividade e Direito social universal


política social trabalhadores focalização

Fonte: Elaborado a partir de Baumann (2005), Esteves (2008), Sanahuja (2012), Riggirozzi e Tussie (2012) e
Legler (2013).

Legler (2013) analisa os processos de integração regional “pós-neoliberais” a partir de duas


vertentes de autores: os otimistas e os céticos.

Os otimistas, como Sanahuja, Riggirozzi e Tussie, sugerem que está emergindo desses
processos de integração um novo regime de soberania, especialmente na América do Sul, que
ultrapassa as fronteiras nacionais e está relacionada à construção de um sistema de
governança regional. Sistema esse que inclui não apenas os chefes de Estado, mas integra
39
organizações intergovernamentais, a sociedade civil transnacional e os cidadãos.

Os céticos, como Legler e Saludjian, por sua vez, reconhecem que os processos de integração
mais recentes, “pós-neoliberais”, trouxeram mudanças, contudo, consideram que estas foram
acompanhadas de práticas persistentes e tradicionais. Esses autores destacam a manutenção e
constância dos antigos padrões institucionais e práticas políticas, e, portanto, não veem grande
avanço dos processos de integração “pós-neoliberais” em relação aos modelos anteriores
(Legler, 2013). Outra questão observada é a grande dispersão e fragmentação desses
processos de integração, que em vez de criar um único espaço regional coerente e fortalecido,
leva à segmentação da integração regional sul-americana (Malamud, 2013).

Para os céticos, a integração regional latino-americana permanece restrita ao


interpresidencialismo, ou seja, apenas a autoridade dos chefes de Estado foi reforçada e
projetada regionalmente (Legler, 2013). A falta de institucionalidade nos processos de
integração leva esses autores a caracterizarem os processos de integração “pós-neoliberais”
mais como concertações ou diálogos interpresidenciais do que de fato processos de
integração.

Ademais, apesar das mudanças observadas na política externa dos países Sul-Americanos,
com apoio à integração autônoma do subcontinente, e do discurso de oposição às ideias e
políticas neoliberais do período anterior, os novos governos progressistas mantiveram a
política macroeconômica anterior e o modelo tradicional de inserção da economia sul-
americana (Saludjian, 2013).

Entretanto, otimistas e céticos convergem em pontos importantes em suas análises sobre os


processos latino-americanos de integração regional mais recentes. Concordam que essas
iniciativas foram marcadas pelo declínio do modelo neoliberal e pela reação da coligação de
governos de esquerda e centro-esquerda que decidiram reafirmar sua autonomia econômica e
política frente às investidas norte-americanas. Outro importante ponto de concordância é que
este modelo mais recente de integração não visa uma integração econômica, como os modelos
anteriores, mas busca uma integração política e social. Finalmente, otimistas e céticos
convergem na questão de que o modelo “pós-neoliberal”, em contraposição com o anterior,
reforçou as soberanias nacionais, a partir da redefinição da relação do Estado com o mercado
privado, e da região com os Estados Unidos, reafirmando e fortalecendo os interesses do
Estado no primeiro caso e da América Latina no segundo (Legler, 2013).
40
Apesar de mostrar resultados políticos visíveis, como por exemplo, a atuação da Unasul nos
casos do Equador (2010) e do Paraguai (2012) com objetivo de manutenção da democracia,
os processos de integração de modelo “pós-neoliberal” não tiveram a capacidade de
influenciar as políticas econômicas nacionais e regionais na América do Sul. Apesar de
questionar politicamente os fundamentos da visão liberal do modelo aberto de integração, a
transmissão entre a vontade política e os efeitos econômicos não é automática, nem tampouco
o modelo econômico vigente é revertido com facilidade (Saludjian, 2013).

Durante as primeiras duas décadas dos anos 2000, os Acordos de Livre Comércio entre países
da América do Sul e mesmo com países externos à região – como Canadá, Estados Unidos e
México – continuaram a ser assinados bilateralmente. A multiplicação desses acordos
bilaterais no período mostrou que “não existe incompatibilidade entre acordos de livre
comércio e os períodos de avanços retóricos e institucionais na integração sul-americana”
(Saludjian, 2013, p.18).

Os processos de integração na América do Sul do modelo “pós-neoliberal” foram fortemente


estimulados, como visto, pela vitória de governos progressistas, porém o crescimento
generalizado das economias regionais durante a década de 2000 também foi um fator
fundamental para impulsionar esses processos (Fiori, 2011) (Cardoso e Foxley, 2009).

A segunda década do século XXI inicia-se na região com limitações fiscais e restrições em
financiar projetos econômicos e sociais anteriormente concebidos, devido aos reflexos da
crise internacional de 2008. Saludjian (2013, p.26) chama atenção para que “sem instituições
referentes à força de trabalho, sem seguridade social, sem geração própria de bens de
capitais ou tecnologia” não é possível dinamizar o mercado interno dos países e torna “o
modelo de desenvolvimento insustentável e muito vulnerável às oscilações do mercado
mundial” (Saludjian, 2013, p.27).

Neste cenário de instabilidade externa e com a falta de mudanças estruturais que refletissem a
vontade política expressada pelos governos progressistas da região, o avanço dos processos de
integração sul-americanos do modelo “pós-neoliberal” está ameaçado. Segundo Fiori (2011,
p.9) a segunda década do século XXI é marcada pela “desaceleração do projeto de
integração sul-americana” devida à interrupção do período de convergências políticas e da
descontinuação do crescimento econômico da região. Os resultados das eleições em países
como Chile (2010), Argentina (2015) e do processo de impeachment no Brasil (2016) indicam
41
uma nova fase de governos de alinhamento à direita na região e desafiam a continuidade dos
processos de integração “pós-neoliberais”, indicando que esse modelo pode estar datado e que
os processos de integração que se constituíram no início dos anos 2000 podem ter sido viáveis
apenas em um curto período de tempo.

Outra indicação da descontinuidade do modelo de integração regional “pós-neoliberal” e de


uma retomada do modelo de integração econômica na região foi a entrada em vigor em 20 de
julho de 2015 do Acordo Marco da Aliança do Pacífico, que havia sido assinado em junho de
2012 por Chile, Colômbia, Peru e México, e visa promover o livre comércio e a integração de
mercados (Coral e Reggiardo, 2016). Ademais a Aliança do Pacífico traz para o processo de
integração o México, desafiando assim uma proposta de integração sul-americana, bem como
a liderança do Brasil na região (Malamud, 2013). Processo este ameaçado com o início do
governo Trump em 2017.

2.3. Saúde global e diplomacia da saúde

Os blocos regionais têm papel protagônico na arena da governança global em saúde. O atual
cenário da saúde global abarca uma “gama diversificada de interlocutores e interesses –
articulando atores estatais e não estatais” (Kickbush e Berger, 2010, p.20). E nessa arena de
múltiplos atores, os blocos regionais ocupam, formal ou informalmente, papel central, ao lado
dos Estados, nas negociações que dirigem o ambiente da política global em saúde (Scotti,
2013) (Kickbush e Berger, 2010).

Desde meados do século XIX a saúde tornou-se um desafio para as relações internacionais e a
diplomacia. A primeira Conferência Sanitária Internacional foi realizada em Paris no ano de
1851. Os objetivos da conferência estavam concentrados na tensão entre saúde e comércio
(Ventura, 2013). Almeida et al (2010, p.27) indicam o início da cooperação internacional em
saúde a partir desta data, impulsionada pelos “avanços sobre as doenças infecciosas e as
tecnologias de transporte”, o que ampliou as fronteiras das relações comerciais.

Da cooperação internacional em saúde até a diplomacia da saúde global as conexões entre


saúde e relações internacionais passaram por três séculos e distintos termos que visaram
conceituar essa relação. Kickbusch e Berger (2010) explicam que a expressão saúde
42
internacional, que vigorava desde o início da cooperação internacional em saúde, foi sendo
paulatinamente substituída pelo termo saúde global, que foi amplamente adotado desde o
início do século XXI, tanto na academia como no discurso político. Segundo Brown et al
(2006, p. 625) o termo “saúde internacional referia-se especialmente a um foco no controle
de epidemias ultrapassando fronteiras entre nações, ou seja, internacionalmente”.

Saúde global considera as necessidades de saúde da população de todo o planeta, não se


restringe a fronteiras e a relações entre nações e amplia temas e também o rol de atores
envolvidos (Quadro 2). Para além dos países e organizações governamentais e
intergovernamentais, inclui, por exemplo, a mídia, corporações privadas transnacionais e
organizações não governamentais (Brown et al, 2006). A saúde global se diferencia “de
outros termos comumente utilizados, tais como saúde internacional e saúde pública na
perspectiva que transcende fronteiras e se caracteriza pelo sentido de responsabilidade
coletiva pela saúde” (Kickbusch e Berger, 2010, p.19). Apesar das características específicas,
“os termos 'internacional' e 'global' não são mutuamente excludentes e, de fato, podem ser
entendidos como complementares” (Brown et al, 2006, p.625).

Quadro 2 – Saúde pública, internacional e global: características

Características Saúde Pública Saúde Internacional Saúde Global

Alcance Concentra-se em questões Concentra-se em questões de Concentra-se em questões


geográfico, que afetam a saúde da saúde de fronteiras ou de que afetam direta ou
fronteiras e população de uma outros países, especialmente indiretamente a saúde,
populações comunidade ou país nos países em transcende fronteiras
desenvolvimento
Nível de Desenvolvimento e Desenvolvimento e Desenvolvimento e
Cooperação implementação de implementação de soluções implementação das soluções
soluções geralmente não geralmente requer muitas vezes requer
requer cooperação global cooperação binacional cooperação global
Objetivos A vigilância Cooperação técnica entre A consideração das
epidemiológica, o controle nações e vigilância necessidades de saúde da
de agravos e a equidade epidemiológica de fronteiras população de todo o
em saúde dentro de uma planeta, acima dos
nação ou comunidade interesses de nações em
particular
Atores Governos nacionais e Relações entre governos de Além dos atores da saúde
locais, sociedade civil, nações soberanas, inclui internacional, inclui mídia,
academia, agências e agências e organizações fundações influentes
organizações governamentais internacionalmente e
governamentais corporações transnacionais
internacionais
Fonte: Elaborado a partir de Brown et al (2006) e Kickbusch e Berger (2010)

43
Atualmente a saúde assume certo protagonismo nas relações internacionais e nos temas
globais, figurando como uma negociação política de primeiro plano (Ventura, 2013). É certo
que essa crescente importância continua atrelada a questões centrais da política externa, como
segurança – como é o caso das armas biológicas e do bioterrorismo – e à defesa dos interesses
econômicos – como pandemias afetam a circulação de mercadorias, por exemplo (Kickbush e
Berger, 2010).

Em relações internacionais classicamente divide-se os temas políticos entre high e low


politics. A alta política é referente à segurança, à defesa, e mais recentemente incorporou os
temas econômicos. A baixa política, por sua vez, está relacionada às demais questões, como
tecnologia e ambiente (Nogueira e Messari, 2005). A alta política está relacionada com a
política e a paz, enquanto que a baixa política concentra esforços para melhorar a qualidade
de vida (McInnes e Lee, 2012). A saúde, a partir dessas perspectivas, figura claramente como
low politic.

A high politics figurou tradicionalmente com primazia em relação ao low politics nas relações
internacionais. Porém, nos últimos anos, dado o novo contexto da necessidade de governança
global, há um crescente reconhecimento da importância dos temas da baixa política e de sua
capacidade de intervenção na alta política (Kickbush e Berger, 2010) (Nogueira e Messari,
2005). Ventura e Perez (2014, p.53) acrescentam que “na primeira década do século XXI, a
saúde ascende à agenda de instâncias como o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral
da ONU [e] torna-se tema das “great power conferences”.

McInnes e Lee (2012) destacam que apesar de saúde ser tradicionalmente vista pela política
de relações exteriores como uma área de cooperação multilateral limitada, existe uma
percepção crescente de que a globalização contemporânea causa a proliferação de
determinantes de saúde transfronteiriços e reduz a capacidade dos Estados-nacionais de
proteger a saúde de suas populações através de políticas domésticas. Consequentemente, a
globalização tem intensificado a necessidade de novas estruturas de governança global em
saúde que possam promover e coordenar ações intergovernamentais.

Governança global da saúde é um conceito que começou a ser usado na década de 1990, na
discussão sobre as deficiências da cooperação internacional em saúde e os impactos
crescentes da globalização sobre os determinantes da saúde. Governança pode ser entendida
como arranjos institucionais constituídos por autoridade reconhecida, regras acordadas para a
44
tomada de decisão e transparência no processo que envolve atores estatais e não estatais. A
governança global ocorre quando os arranjos institucionais e os atores envolvidos ultrapassam
as fronteiras dos países e as ações propostas derivam de objetivos comuns. Assim, a
governança global em saúde caracteriza-se por uma estrutura policêntrica e uma preocupação
com questões que afetam populações em todo o mundo, seja diretamente, através da
propagação global de doenças infecciosas, ou indiretamente – por exemplo, a instabilidade
política e insegurança global decorrentes da extrema desigualdade socioeconômica (McInnes
e Lee, 2012).

Segundo Kickbush e Berger (2010) a governança global em saúde exige no momento atual
uma profunda transformação, para acomodar os crescentes desafios da saúde em um mundo
definido por intensa globalização e estreitamento dos laços entre a governança global e
regional. A globalização da saúde traz novos desafios que não podem mais ser resolvidos de
forma isolada, mas dependem de ações conjuntas e coordenadas dos países.

Os esforços de negociações múltiplas, necessários para impulsionar mudanças que promovam


globalmente a saúde das populações são denominados de diplomacia da saúde global. Esses
processos de negociação ocorrem em distintos níveis e envolvem a participação dos mais
variados atores (Almeida et al, 2010) (Kickbush e Buss, 2011).

O processo de globalização promoveu mudanças importantes que afetaram diversas áreas e a


saúde também absorveu sua parcela. A saúde pública que permanecia como uma questão de
política doméstica passou por transformações influenciadas pela crescente interdependência
global e passou a ser encarada como uma questão de política externa, “importante para a
busca dos países pelos seus interesses e valores nas relações internacionais” (Fidler, 2007,
p.53 apud Kickbush e Berger, 2010).

Contudo, Ventura (2013, p.2) alerta que “quase a metade da população do planeta vive hoje
em condições sanitárias precárias, amiúde agravadas por uma situação de pobreza extrema”.
Portanto, é necessário que as ações da diplomacia da saúde, em especial dos países em
desenvolvimento, onde se concentra a maior parte dessa população negligenciada, promovam
uma reorganização na condução dos temas da saúde global.

45
2.4. Soberania regional

Os conceitos e elementos convencionais da soberania sempre foram contestados, e mais


recentemente a entrada de novos atores no cenário global demandam a revisão da aplicação da
soberania. A globalização e o advento de normas transnacionais impactam na concepção de
soberania e em como os Estados nacionais exercem, interna e externamente, sua soberania.
Krasner (2001, p.20) alerta para o fato de que “a soberania nunca foi tão vibrante”, e que
“aqueles que proclamam que a soberania morreu, não compreenderam a história”, o que
existe é uma necessidade de adaptação do conceito e dos elementos convencionais da
soberania.

Nessa perspectiva, Nogueira e Messari (2005, p.152) alertam para a importância de


“desenvolver métodos e conceitos que reflitam as variações de significado que a definição de
soberania assumiu ao longo da história, para não naturalizar aquilo que é artificial, ou seja,
produto da ação humana”.

Os processos de integração regional, na arena global atual, podem representar o


fortalecimento, não apenas de uma região frente a outros países e atores, como dos próprios
Estados nacionais. A integração regional poderia ser, então, um instrumento tanto para o
fortalecimento das soberanias nacionais, como para originar uma soberania regional.

2.4.1. Soberania e integração regional

O tema da soberania é central nas relações internacionais, já que o Estado como ator
internacional é o objeto principal de estudo. Contudo, debates contemporâneos das relações
internacionais e da ciência política têm revisado os conceitos e práticas da soberania, em
perspectiva crítica a partir de enfoques não-estadocêntricos e com a inclusão de variáveis
como a cooperação entre Estados, as agendas globais e os atores internacionais e
transnacionais (Cardozo da Silva, 2007). Conforme a separação entre o interno e o externo se
torna cada vez mais permeável, menos legitimidade parece ter a representação política do
mundo que prevaleceu desde a fundação do sistema westfaliano (Legler, 2013). Diante desse
cenário, a revisão das teorias e conceitos sobre a soberania possui grande implicância nos
estudos sobre integração regional.

46
Bobbio et al (1998, p.1179), no Dicionário de Política, apresentam dois conceitos para
soberania, um lato e um restrito:

“Em sentido lato, o conceito político-jurídico de Soberania indica o poder


de mando de última instância, numa sociedade política e,
consequentemente, a diferença entre esta e as demais associações humanas
em cuja organização não se encontra este poder supremo, exclusivo e não
derivado.(...) Em sentido restrito, na sua significação moderna, o termo
Soberania aparece, no final do século XVI, juntamente com o de Estado,
para indicar, em toda sua plenitude, o poder estatal, sujeito único e
exclusivo da política.”

No sentido lato, o que se observa é a transformação da força em poder legítimo, do poder de


fato em poder de direito, que será exercido e organizado de formas distintas ao longo da
história e dependendo das características de cada sociedade, porém sempre estará presente a
figura da autoridade suprema (Bobbio et al, 1998). Já o sentido restrito expressa o conceito
moderno da soberania, a partir do final do século XVI, que emerge juntamente com o
surgimento do próprio Estado, quando se dá a unificação do poder da igreja e do império em
uma unidade única de poder. O Estado soberano detém o monopólio da força num
determinado território e sobre uma determinada população (Bobbio et al, 1998).

A noção de soberania atrelada ao Estado, nesse caso representando um território, só se firmou


a partir do século XVI. Antes disso a soberania estava ligada ao governante, ao soberano, que
podia exercer sua autoridade sobre populações localizadas em distintos territórios (Nogueira e
Messari, 2005). Segundo Legler (2013) a soberania é formada por três elementos: o soberano,
agente ou instituição que exerce autoridade, a autoridade e o território.

Levando em consideração o soberano, podem-se distinguir dois tipos básicos de soberania. A


soberania do príncipe legitima o monarca absoluto, que recebe a autoridade pela tradição e
pelo poder divino. Após as revoluções liberais, em especial a Revolução Francesa, a
autoridade foi transferida ao povo (Contrato Social, segundo Rosseau). A soberania do povo e
o elo entre cidadania, território e governo conformam as bases do conceito moderno de
Estado (Nogueira e Messari, 2005) (Voigt, 2013).

Através de ondas históricas de democratização, na maioria dos países o soberano


transformou-se em um chefe de Estado ou de governo eleito pelo povo, ou seja, um presidente
47
ou primeiro-ministro, que governa acompanhado do aparato burocrático do Estado. Nas bases
democráticas da soberania popular, vinculada com valores relacionados com a cidadania e
participação política, a autoridade política pode ainda ser compartilhada, ou contestada, via
mecanismos formais ou informais, por atores não estatais, que incluem atores da sociedade
civil e do mercado privado nacional e multinacional (Legler, 2013).

O segundo elemento da soberania é a autoridade. A soberania implica no relacionamento


entre os que governam – investidos de autoridade, o soberano – e aqueles que são governados.
A autoridade é construída e desconstruída socialmente ao largo do tempo e enfrenta
continuamente desafios, formas distintas de resistência e tentativas de rompimento. Esta
relação é parte da soberania interna de cada país (Legler,2013) (Voigt, 2013).

Segundo Voigt (2013, p.105) “a soberania significa o direito do Estado à decisão última,
tanto com referência a questões internas quanto externas”. As fronteiras, segundo Nogueira e
Messari (2005, p.152) separam a esfera doméstica da internacional com o objetivo maior de
“proteger cidadãos, governo e território das ameaças sempre presentes do mundo”. A questão
territorial, a delimitação das fronteiras para com o exterior, seria precondição imprescindível
para a manutenção da paz doméstica.

A soberania interna significa, do ponto de vista do Direito Internacional, o reconhecimento


do direito único e universal do Estado em promulgar suas regras legais dentro de seu território
e que vincule seus cidadãos (soberania territorial e pessoal), ou seja, o reconhecimento do
poder de tomar a decisão final sobre as pessoas e as coisas em seu território e decidir sobre as
normas. Já a soberania externa refere-se ao reconhecimento de que todos os Estados são
iguais perante o Direito Internacional e, portanto, nenhum Estado deve se submeter a outro em
suas relações internacionais (Mello, 2004),

O território completa os três elementos do conceito de soberania, que segundo Nogueira e


Messari (2005) tem seu marco em 1648 com a constituição do sistema estatal europeu, o
sistema westfaliano, que consolidou o Estado Nacional – em desenvolvimento, em estágios
diferenciados, em Portugal, Espanha, Inglaterra e França, vinculado às Monarquias
Absolutistas desde o século XV – inaugurando o princípio da soberania estatal. É a partir do
reconhecimento da equivalência entre os Estados que surge um equilíbrio entre os países do
continente europeu que “para além dos conflitos bélicos entre os soberanos, estabelece as
condições para um âmbito de paz e de ordem no mundo” (Voigt, 2013, p.107). Segundo
48
Mattli (2000), o Estado westfaliano é um sistema de autoridade política baseado no território e
na autonomia, sendo território definido pelo espaço geográfico no qual a autoridade é exercida
e autonomia significando que nenhum ator externo goza de autoridade dentro das fronteiras do
Estado.

Assim como a questão do soberano e da autonomia, o elemento territorial também sofre


modificações ao longo da história. A ascensão do ativismo transnacional desde o fim da
Segunda Guerra Mundial, a expansão global e regional da governança multilateral através da
proliferação de organizações internacionais e a emergência de um mundo cada vez mais
interdependente alterou a relação da soberania e do território.

No cenário global contemporâneo, de forte influência do mercado privado transnacional nas


decisões de governos nacionais e da entrada de novos atores com influência na governança
global, a noção rigidamente centrada no Estado e metodologicamente nacionalista de
soberania não mais responde aos atuais desafios globais (Voigt, 2013). Habermas (2001)
alerta para a perda de autonomia dos países a partir de eventos internacionais/globais sobre os
quais um país não possui a capacidade de tomar decisões “soberanamente” e tampouco é
capaz de produzir, sozinho, os resultados necessários para a proteção de seus cidadãos e de
suas fronteiras:

“La pérdida de autonomía significa, entre otras cosas, que un Estado ya no


puede por sí solo proteger adecuadamente a sus ciudadanos frente a los
efectos de las decisiones que toman otros actores o frente a los efectos
subsecuentes de procesos que se originan fuera de sus fronteras. Nos
referimos con ello, por un lado a las “violaciones espontáneas de las
fronteras”, tales como la contaminación, el crimen organizado, el tráfico de
armas, las epidemias y las amenazas para la seguridad asociadas a las
tecnologías a gran escala, y por otro, a las consecuencias, toleradas con
renuencia, de las políticas calculadas de otros Estados, que afectan tanto a
aquellos que no ayudaron a formularlas como a los que sí lo hicieron (…)”
(Habermas, 2001, p.5)

O aumento da interdependência entre os países tem sido multiplicado devido aos avanços
contínuos na área de logística e o aumento do estabelecimento de tratados internacionais,
fatores que influenciaram o comércio entre países a nível mundial, acompanhado por um

49
processo de internacionalização das relações econômicas e políticas (Krasner, 2001).

Esse cenário de interdependência crescente transforma a relação entre soberania e integração


regional em um grande dilema para os tomadores de decisão (Almeida, 2013). Isso ocorre
porque por um lado os processos de integração econômicos ou políticos violam o conceito
westfaliano de soberania quando estabelecem estruturas de autoridade que extrapolam as
fronteiras do território nacional e violam a autonomia a partir da cessão da autoridade a atores
supranacionais (Mattli, 2000). Nesse sentido, poder-se-ia considerar que os processos de
integração regional que conformam instituições supranacionais pressupõem em renúncia,
ainda que parcial, da soberania do Estado nacional, como é o caso da União Europeia (Legler,
2013). Por outro lado, se um Estado estiver receptivo à abertura das economias e a
liberalização recíproca do comércio com parceiros selecionados, deverá renunciar a parcelas
de soberania exclusiva sobre certas políticas públicas (Almeida, 2013).

Krasner (2001) acredita que os tomadores de decisão encontram-se não diante de um dilema,
mas de forma mais severa, em uma situação paradoxal, pois a única forma de manter a
autoridade do Estado e o seu mais eficaz elemento de justificação (a ideia de soberania)
consiste no reconhecimento de suas limitações imanentes. E é a consciência do paradoxo que
faz com que os Estados passem a perceber a integração regional como um mecanismo para
aumentar seu reconhecimento internacional e capacidade de influenciar no sistema
internacional, o que em última instância fortalece sua soberania.

2.4.2. Soberania limitada, soberania negociada e soberania regional

Os processos de globalização e de interdependência entre os Estados e a entrada de novos


atores com influência na governança global atingem a concepção estruturante de soberania no
seu elemento mais central, qual seja na capacidade de decisão sobre suas políticas. Voigt
(2013) aponta para a limitação ou relativização do conceito convencional de soberania no
cenário atual:

“Mas é inquestionável, em todo caso, que a questão da soberania de cada


povo, diante do pano de fundo de uma política que apenas cumpre as
determinações do sistema financeiro global – e mesmo assim com retardo
temporal –, torna-se relativizada.” (Voigt, 2013, p. 111)
50
Os processos de integração regional alteraram profundamente o conceito convencional de
soberania, que já não pode mais ser visto como indivisível e independente, e nesse contexto,
definir os limites da soberania é cada vez mais complexo. O estabelecimento de processos de
integração regional provocou uma reconfiguração do sistema internacional e da capacidade
dos Estados exercerem sua soberania em questões econômicas e também políticas. O dilema e
o paradoxo entre a soberania e a integração regional convergem para a constatação de que a
fim de se manter operativa a fórmula soberana deve-se atenuar sua condição absoluta a partir
de alguns recursos conciliatórios como as noções de soberania compartilhada ou soberania
negociada (Krasner, 2001).

A União Europeia é o processo de integração regional entre países mais antigo e consolidado
do mundo, portanto é importante observar a construção de soberania regional europeia.

Segundo Canotilho (2000) as relações entre as nações na Europa, como o advento da União
Europeia e a necessidade de harmonização das legislações internas dos países pertencentes ao
bloco, dão origem ao Direito Comunitário, que é parte do Direito Internacional, porém possui
caráter supranacional. O Direito Comunitário da UE apresenta o conceito de soberania
compartilhada, na qual os Estados membros do bloco, na busca pela integração, transferem
parcelas de sua soberania, que passam a ser exercidas por todos da comunidade, a partir dos
órgãos supranacionais. Na soberania compartilhada, os países membros do processo de
integração não renunciam à sua soberania, tão somente passam a exercê-la de forma
compartilhada com os outros países naquelas matérias expressamente previstas nos tratados.

A soberania compartilhada pode ser considerada um novo modelo de governança regional,


porém somente é válido para a União Europeia, criado por seus tratados constitutivos.
Krasner (2001) atenta para o fato de que a União Europeia é um produto da soberania dos
países, já que foi criada através de acordos voluntários entre os seus estados membros, porém,
a o exercício da soberania compartilhada contradiz fundamentalmente a compreensão
convencional da soberania, porque limitam o exercício individual da soberania de seus
membros.

A soberania negociada (sovereignty bargains em inglês) é um conceito mais amplo que o da


soberania compartilhada e pode ser aplicado em distintos processos de integração regional,
como uma revisão do conceito convencional de soberania. Segundo Mattli (2000, p.150) “os
elementos constitutivos do conceito de soberania negociada são a autonomia, o controle e a
51
legitimidade”. Autonomia é a independência que possui um Estado de definir suas próprias
políticas e de executá-las; Controle é a habilidade que o Estado possui de produzir um
resultado e; Legitimidade é o direito que detém um Estado, reconhecido pelos demais, de
ditar as regras.

É fundamental salientar que negociar a soberania não a reduz necessariamente, visto que a
soberania é construída socialmente ao longo da história, a soberania negociada se baseia na
relação entre seus elementos constitutivos. A redução da autonomia, por exemplo, pode ser o
preço necessário para aumentar controle e legitimidade (Mattli, 2000). No caso dos países da
União Europeia, por exemplo, mesmo antes de sua entrada no bloco, muitos ajustes eram
necessários, impostos pelas regras do bloco. Mattli (2000, p.166) explica que nesses casos a
“autonomia política nacional permaneceu intacta de jure [na lei], mas de facto [na realidade]
perdeu muito do seu valor.”

Seria mais fácil visualizar a aplicação da soberania negociada em um processo


supranacionalista de integração regional, visto que neste caso os países negociam parte de sua
autonomia, controle e legitimidade e cedem parte dessas competências a instituições
supranacionais que definiram políticas regionais, ou definiram regras para todos os países.
Nos modelos de integração intergovernamentalistas pode parecer, a princípio, que como não
há cessão de soberania, não haveria aplicação para o conceito de soberania negociada.
Contudo, segundo Mattli (2000) essa primeira impressão está equivocada.

Nos processos de integração regional da América Latina, por exemplo, seja nos processos que
visam à integração econômica ou nos mais recentes, que objetivam a integração política e
estratégica, existe algum nível de negociação sobre a autonomia, o controle ou a legitimidade.
A negociação não termina na constituição de uma instituição supranacional com delegação de
soberania, mas em acordos ou posicionamentos comuns em fóruns multilaterais, nos quais os
países precisam ceder, por exemplo, parte de sua legitimidade em ditar as regras, a fim de
consensuar e fortalecer assim a posição do bloco no sistema internacional, seja política ou
economicamente. A soberania negociada impõe limitações aos países, mas sempre traz
benefícios aos envolvidos e é essa a razão pela qual os Estados optam por fazer parte de
processos de integração regional (Mattli, 2000).

Na América Latina a defesa da soberania é uma tradição de muitos séculos. Nos processos de
independência essa defesa buscava a proteção dos países da região contra intervenções da
52
Europa e mais recentemente o alvo se tornou especialmente os Estados Unidos. Dentro dessa
tradição, a construção social da soberania na região tem forte associação com a defesa de
direitos humanos nacionais e da democracia (Legler, 2013).

Carrillo Roa e Santana (2012) destacam a cooperação Sul-Sul como ferramenta para a
consolidação e fortalecimento das identidades regionais no âmbito da nova ordem geopolítica
global, ou seja, os processos de cooperação e integração regional não possuem agendas
meramente técnicas, mas constituem um objetivo político estratégico de fortalecer a
identidade regional ou sub-regional dentro do sistema internacional.

Segundo Legler (2013), um traço comum dos processos de integração regional sul-americanos
mais recentes, é o fortalecimento dos Estados e a reorientação da relação com o mercado
privado e com os Estados Unidos. Esses processos atuariam de forma a fortalecer a soberania
nacional, pois a autoridade soberana nacional seria reforçada e protegida pela criação de um
escudo regional contra as forças extra regionais do mercado privado e da interferência dos
EUA e o reposicionamento regional fortaleceria a soberania de toda a América do Sul no
sistema internacional, construindo assim uma dupla soberania, na qual a soberania nacional e
a soberania regional se reforçam mutuamente.

Considerando a autonomia, o controle e a legitimidade como atualização dos elementos


clássicos da soberania – o soberano, a autoridade e o território – pois melhor se aplicam ao
atual cenário global e respondem com maior propriedade aos desafios da governança global,
Legler (2013) chega ao conceito de soberania regional. A soberania regional opera na nova
governança global das relações internacionais que inclui como atores as organizações
intergovernamentais, multilaterais, públicas e privadas, e os blocos regionais, para além das
relações exclusivas entre Estados.

Analisando a soberania em sua perspectiva interna e externa no atual cenário de globalização,


interdependência e livre ação de empresas transnacionais no mercado global, compreende-se
que os processos de integração regional estão construindo uma soberania regional (Legler,
2013).

Krasner (2001) desconstrói o conceito convencional de soberania externa, proveniente do


Direito Internacional, segundo o qual existiria no sistema internacional uma igualdade e uma
autonomia nas relações entre as nações. Segundo o autor, poucos países, dentre os quais
53
destaca os Estados Unidos, tiveram autonomia, controle sobre suas próprias políticas e
reconhecimento internacional durante a maior parte de sua existência. Para a maioria dos
países a realidade é que suas políticas têm sido persistentemente penetradas ao longo da
história. Mesmo grandes nações, como China, Japão e Alemanha, não foram imunes à
influência externa.

A soberania regional se manifesta na relação da região em espaços multilaterais, com outros


Estados, externos ao bloco regional, e com atores privados transnacionais (Legler, 2013).
Atua assim no campo da soberania externa, buscando equilibrar as relações de poder entre
países e outros atores no sistema internacional e, ao fortalecer a soberania externa no nível
regional, possibilita que os países membros do bloco possam exercer sua soberania interna de
forma mais autônoma, com maior controle e legitimidade, fortalecendo assim a soberania
nacional, em uma perspectiva renovada de soberania, de cada um de seus Estados partes.

Sobre a construção de soberania regional na região, Legler (2013, p.327) aponta que os
autores que ele classificou como otimistas sugerem que “um novo regime de soberania está
emergindo, especialmente na América do Sul, que vai além da soberania nacional, está
ligada à construção de um sistema de governo regional”, seria uma nova governança sul-
americana, que viria a fortalecer a concepção de uma soberania regional sul-americana.

Hakin (2015) anuncia que uma América Latina dividida será um ator débil em uma economia
global cada vez mais competitiva, com dificuldades de vencer as desvantagens que possui em
relação a países como os Estados Unidos e China, assim como em relação à União Europeia.
É necessário que a região construa uma visão cada vez mais unificada e um enfoque
coordenado, o que requererá que os países da região expressem sua vontade política “to
temper their demands of absolute sovereignty over their internal affair and turn to collective
regional action when valued regional norms and interests are at stake” (Hakin, 2015, p.5).

54
3. METODOLOGIA

“A investigação qualitativa requer como atitudes


fundamentais a abertura, a flexibilidade, a capacidade de
observação e de interação com o grupo de investigadores e
com os atores sociais envolvidos. Seus instrumentos
costumam ser facilmente corrigidos e readaptados durante o
processo de trabalho de campo, visando às finalidades da
investigação” (Minayo, 2004, p.101).

O desenvolvimento metodológico do estudo foi baseado nos princípios da abordagem


qualitativa de pesquisa. Para Minayo (2004) a pesquisa qualitativa possibilita trabalhar com
os universos dos significados e atitudes dos sujeitos, dando ênfase à maneira como os
fenômenos ocorrem. Estes métodos representam a possibilidade de operacionalização
das concepções que emergem dos novos paradigmas, em especial os que salientam a
subjetividade humana em suas crenças, valores e práticas, em determinado contexto, e as
repercussões em sua qualidade de vida.

A abordagem metodológica qualitativa e sistematizada foi desenvolvida como um estudo


de caso que enfocou a atuação do Conselho Sul-Americano de Saúde. Para Minayo
(2002), os estudos de caso ajudam a compreender os esquemas de referência e as
estruturas de relevância relacionadas ao evento ou fenômeno e permitem o exame
detalhado de processos organizacionais ou relacionais para esclarecer fatores que
interferem em determinados processos. Além disso, podem apresentar modelos de
análise replicáveis em situações semelhantes e até possibilitar comparações.

O período de estudo foi de 2008 a 2015, iniciando-se com a criação do Conselho de Saúde,
em 16 de dezembro de 2008, até o final da vigência do primeiro Plano Quinquenal 2010-2015
do Conselho de Saúde Sul-Americano. Apesar do recorte temporal definido até o final do ano
de 2015, como parte deste estudo se desenvolve no ano de 2016, e dados os acontecimentos
55
políticos na América do Sul e no mundo, com impacto no processo de integração da Unasul,
reuniões ocorridas em 2016 e documentos publicados nesse ano foram estudados e
mencionados na análise, além disso, as considerações finais deste estudo fazem referência
também aos acontecimentos do ano de 2016.

A revisão bibliográfica foi realizada em textos provenientes dos campos da saúde coletiva,
das relações internacionais e do direito internacional público, dado que o tema é
interdisciplinar e os campos do conhecimento que foram explorados se complementam para
o melhor desenvolvimento do estudo e compreensão do tema.

Com o objetivo de definir um conceito para soberania sanitária, foi realizada revisão de
literatura na LILACS e na SCIELO, utilizando os descritores “soberania” AND “sanitária”.
A pesquisa na LILACS apresentou 10 resultados, sendo cinco textos em espanhol, quatro
em português e um em inglês. Na leitura dos 10 textos, apenas os quatro textos do autor
Paz-Soldán, em espanhol, continham o termo soberania sanitária, os demais continham as
palavras soberania e sanitária, porém sem relação. A pesquisa da Scielo resultou em apenas
seis textos, dos quais nenhum continha o termo soberania sanitária.

Múltiplas fontes de evidência foram utilizadas e a triangulação dessas fontes de informação


foi realizada com os objetivos de superar as deficiências que emanam de um único técnica,
contribuir com a validação da pesquisa, ampliar o universo de informação em torno do
objeto e desenvolver linhas convergentes de investigação. Segundo Minayo (2010, p.28-29)
a análise do “contexto, da história, das relações, das representações [...], visão de vários
informantes e o emprego de uma variedade de técnicas de coleta de dados que acompanha
o trabalho de investigação” no estudo de caso permite a combinação e cruzamento de
múltiplos pontos de vista, o que maximiza a validade das conclusões e confere mais
qualidade à pesquisa. A triangulação das fontes utilizou informações obtidas por meio de
revisão bibliográfica, análise documental, entrevista com atores-chave e observação
participante.

Análise documental

A análise documental foi realizada sobre os Tratados, Decisões, Resoluções, Atas e outros

56
documentos emanados das instâncias da Unasul relacionadas com o objeto do estudo. A
principal base documental utilizada neste estudo foi a da Secretaria Geral da Unasul,
Archivo Digital de Unasur (http://docs.unasursg.org). Outros sites foram utilizados para
encontrar documentos da Unasul que não puderam ser localizados na base principal, com
destaque para a biblioteca virtual do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde
(http://www.isags-unasur.org/biblioteca.php?cat=1&lg=1), os sites do Organismo Andino
de Saúde (http://www.orasconhu.org), da Oficina de Cooperación y Asuntos
Internacionales do Ministério de Saúde do Chile (http://www.ocai.cl) e do Ministério de
Relações Exteriores do Brasil (http://www.itamaraty.gov.br).

O Archivo Digital de Unasur (http://docs.unasursg.org), contém documentos oficiais de


todas as instâncias da Unasul e possui um sistema de busca com sete filtros: nome do
documento; palavra ou frase contida no documento; nome da reunião; tipo de documento;
instância da Unasul que emitiu o documento; país no qual foi realizado a reunião; e período
no qual o documento foi emitido. Utilizando as informações obtidas através da revisão
bibliográfica, das entrevistas realizadas e da observação participante, foram levantados e
analisados 489 documentos, sendo 120 do Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de
Governo; 132 do Conselho de Ministras e Ministros de Relações Exteriores; 91 do
Conselho de Delegadas e Delegados; 91 do Conselho Sul-Americano de Saúde e; 55 dos
demais Conselhos Setoriais da Unasul. Os 489 documentos foram lidos em busca de dados
e fatos que pudessem complementar ou corroborar as demais fontes de informação e os
diferentes filtros disponíveis na base de dados foram utilizados para auxiliar na busca dessas
informações. Os documentos são, em sua grande maioria, curtos, com extensão de duas a
três páginas, e possuem um padrão de apresentar no início do documento informações sobre
a reunião, local, datas, países que participaram, e no final do documento estão contidos os
encaminhamentos ou decisões tomadas. As informações encontradas nesses documentos
foram utilizadas descrever o processo de criação e estruturação da Unasul. A narrativa
histórica e cronológica e a identificação de datas, locais e atores envolvidos foi possível a
partir da leitura e análise desses documentos.

Com o objetivo levantar informações para a descrição do Conselho de Saúde, sua estrutura,
atuação e governança, a palavra “salud” (todos os documentos disponíveis são em
espanhol) foi utilizada como filtro no sistema de busca digital na base de documentos da
Secretaria Geral da Unasul, em cada uma das cinco instâncias da Unasul analisadas. O
57
resultado encontrado foi que a palavra saúde aparece em: 25 documentos do Conselho de
Chefas e Chefes de Estado e de Governo; 34 do Conselho de Ministras e Ministros de
Relações Exteriores; 25 do Conselho de Delegadas e Delegados e; 44 dos demais Conselhos
Setoriais da Unasul. Esses documentos juntamente com os documentos do Conselho de
Saúde, o Tratado Constitutivo e o Regulamento Geral da Unasul foram os documentos
analisados com maior profundidade e recorrência ao longo da pesquisa, totalizando 221
documentos.

Os 221 documentos foram lidos e arquivados digitalmente a partir das cinco categorias
utilizadas para analisar o Conselho de Saúde: (i) criação; (ii) estrutura; (iii) governança; (iv)
atuação; e (v) formulação da agenda. As informações obtidas por meio desses documentos
orientaram a análise do Conselho de Saúde.

A análise documental serviu para validação de fatos informados pelos entrevistados, bem
como para complementar informações obtidas na literatura e a partir das observações
participantes.

Observação participante

Para o levantamento das informações, além da revisão bibliográfica e da análise


documental, como exercício de interpretação e análise do objeto de estudo, se utilizou da
observação participante como método de coleta, que foi realizada durante as reuniões
ordinárias e extraordinárias do Conselho Sul-Americano de Saúde, Comitê
Coordenador, Grupos Técnicos e Redes e eventos do Isags, nas modalidades presencial e
virtual.

A observação participante é reconhecida como técnica de pesquisa no início do século XX,


no campo da antropologia, a partir do trabalho de campo desenvolvido por Malinowski
(Fernandes, 2011). De acordo com Fernandes (2011) a técnica da observação participante
“efetivamente, implica em estar e observar aonde a ação acontece” (p.264).

Rodrigues Júnior (2005) enfatiza a importância da inserção do pesquisador no sistema de


relações sociais:

58
[...] “a observação participante, cuja característica principal é a inserção
do pesquisador no sistema de relações sociais, políticas e culturais da
organização ou comunidade que investiga, considera a dimensão
subjetiva do pesquisador uma condição sine qua non para a constituição
de significados e, consequentemente, para a obtenção de dados que
expressem, com mais espontaneidade e naturalidade, as intenções e
opiniões de seus informantes”. (Rodrigues Júnior, 2005, p.135).

Goffman (2011) aponta que a observação participante depende da inserção do pesquisador no


contexto pesquisado, sendo necessário criar uma relação de proximidade entre observador e
observados. O observador precisa fazer-se “nativo” frente aos observados, uma pessoa igual a
eles, alguém que está realmente a par das coisas, destacando a inserção social do observador
na cultura observada.

A possibilidade da minha “naturalização” como observadora (“observador nativo”) se deu


pela participação nesses espaços fechados, como representante do Instituto Sul-Americano de
Governo em Saúde (ISAGS), onde exerci a função de Coordenadora de Relações
Internacionais, entre os anos de 2011 e 2015. O que me permitiu ser uma observadora
participante, um “igual”, “alguém que estava por dentro das coisas”.

Nunes (1993) orienta que a subjetividade não emerge do tipo de interação em si, mas "da
relação entre a interação e as condições estruturais – o quadro (frame) – que a organiza"
(p.42). Os quadros de análise – frame – objetivam analisar a interação, a experiência dos
participantes, em situações sociais. Assim, é necessário ao pesquisador/observador definir a
situação (O que está acontecendo aqui?) e articular a situação com o conteúdo da interação,
tornando-os acessíveis à observação e mais, possíveis de serem registrados e descritos. A
mesma sequência de acontecimentos é interpretada de maneira diferente se tiver lugar no
trabalho ou em uma festa, por exemplo (Nunes, 1993).

Além da definição dos quadros de análises e da necessidade de gerar uma relação de


proximidade com o observado, Goffman (2011) destaca a importância de que sejam
pontuados os "registros pertinentes" ou “rotina de registros”. A aplicação do método implica
num conjunto de procedimentos de observação/descrição e análise das situações, baseados na
especificação de dimensões identificáveis em qualquer sequência de atividades ou episódio de
interação social.

59
O período da observação participante foi de 8 meses, entre abril e dezembro de 2015,
contados a partir da liberação do Comitê de Ética (Projeto CAAE 43941915.8.0000.5240,
aprovado em 01/04/2015). Durante esse período foram acompanhadas cinco reuniões, sendo
duas do Conselho de Ministros, uma extraordinária, realizada em Genebra, em 17 de maio, e
uma ordinária, realizada em Montevidéu, em 11 de setembro; uma do Comitê Coordenador,
realizada em Montevidéu, nos dias 09 e 10 de setembro; uma reunião da Presidência Pro
Tempore do Conselho de Saúde, ocupada pelo Uruguai, com os representantes dos Grupos
Técnicos e das Redes, realizada na sede do ISAGS, no Rio de Janeiro, no dia 01 de julho e;
uma reunião do Conselho Consultivo do ISAGS, realizada no Rio de Janeiro, nos dias 02 e 03
de julho2.

Para manter a rotina de registros, foi utilizado um instrumento denominado de “Roteiro de


Observação Participante” (Anexo I), que foi preenchido durante e após cada uma das
reuniões, permitindo que ao final do período esses instrumentos fossem analisados,
considerando o frame/descrição da cena, os atores/personagens envolvidos e suas
interações/formas de participação.

Entrevistas com informantes-chave

Minayo (2013, p.61) ressalta que “embora haja muitas formas e técnicas de realizar o
trabalho de campo, dois são os instrumentos principais desse tipo de trabalho: a observação
e a entrevista”. A entrevista é uma forma privilegiada de interação social que tem como
objetivo construir informações pertinentes para um objeto de pesquisa. Compreendendo a
importância dessa técnica para a pesquisa social qualitativa, foram entrevistados atores-
chave no processo de integração em saúde na América do Sul.

A delimitação do universo de sujeitos que foram entrevistados buscou incluir os indivíduos

2
Além das reuniões relatadas que foram parte da pesquisa como observação participante sistemática, após a
aprovação do Comitê de Ética, no período em que participei das reuniões da Unasul como representante do
ISAGS, entre 2011 e 2015, estive presente em cerca de 10 reuniões do Conselho de Ministros de Saúde, 15 do
Comitê Coordenador do CSS, cinco do Conselho Consultivo do ISAGS, seis reuniões por ano dos distintos
Grupos Técnicos e Redes do Conselho de Saúde, além de duas reuniões de Chefes de Estado, duas do Conselho
de Chanceleres e cerca de três por ano do Conselho de Delegados. Dos demais conselhos setoriais, estive
presente em duas reuniões do Conselho de Ministros de Desenvolvimento Social, uma do CEED e uma reunião
de alto nível de recursos naturais. Apesar dessas reuniões não serem fontes de informação sistematizada desta
tese elas informaram o meu olhar como pesquisadora, facilitando a seleção, leitura e interpretação dos
documentos, bem como a seleção e o contato com os entrevistados.
60
sociais que tivessem maior vinculação com o tema e que possibilitassem, por sua diversidade
abranger a totalidade do problema investigado em suas múltiplas dimensões (Minayo, 2004).
Nesse sentido foi elaborada a lista de atores-chave considerando, inicialmente quatro
categorias: (i) Delegados dos países que ficaram responsáveis por acompanhar o Conselho
de Saúde na Secretaria Geral (SG) e/ou delegados dos países que participaram de reuniões
do Conselho de Saúde e/ou do Conselho Consultivo do Isags; (ii) Funcionários dos
Ministérios das Relações Exteriores (MRE) dos países-membros da Unasul, membros do
Conselho de Delegados e/ou representantes dos países nas missões em Genebra que
participaram de reuniões do Conselho de Saúde; (iii) Coordenadores nacionais e/ou
coordenadores alternos que estão ou estiveram por pelo menos dois anos da posição,
garantindo a representatividade equitativa de um entrevistado por país e; (iv) Coordenadores
e/ou coordenadores alternos dos Grupos Técnicos e Redes que estão ou estiveram por pelo
menos dois anos da posição e participaram de pelo menos duas reuniões do GT ou da Rede
e/ou do Conselho Consultivo do Isags. Considerando as quatro categorias inicialmente
determinadas, deveriam ser entrevistados 32 atores-chaves.

Contudo, as duas primeiras categorias, conformadas por funcionários dos Ministérios das
Relações Exteriores dos países membros da Unasul, tiveram que ser abandonadas ao longo
da pesquisa de campo, visto que os possíveis entrevistados contatados informaram que
somente poderiam dar entrevistas sobre a Unasul se obtivessem liberação dos Ministros de
Relações Exteriores de seus países. Apenas dois dos representantes dessa categoria
concordaram em dar entrevista, e foram incorporados na nova categoria de atores-chave.

Considerando as dificuldades encontradas com as duas primeiras categorias iniciais, a lista


de atores-chave foi reavaliada e as categorias iniciais (iii) e (iv) foram mantidas e uma nova
categoria foi criada, totalizando assim três categorias e 25 possíveis entrevistados, dos quais
20 foram entrevistados.

A primeira categoria contempla os membros do Comitê Coordenador do Conselho de Saúde,


titulares ou alternos, que estiveram por pelo menos dois anos representando seu país. Nessa
categoria foram entrevistados um representante por país, com o objetivo de garantir
representatividade equitativa dos diferentes países. Após diversas tentativas de contato por e-
mail, telefone e encontros presenciais, não foi possível entrevistar nenhum representante do
Chile e da Venezuela para essa categoria. Desta forma 10 dos 12 países da Unasul estiveram

61
representados nesta categoria de entrevistados.

Compreendendo que o Conselho de Saúde atua não apenas na instância ministerial e de alto
nível, mas possui estrutura ramificada com atuação no nível técnico de suas Redes e Grupos
Técnicos, entrevistei também alguns coordenadores, coordenadores alternos ou secretários
dos Grupos Técnicos e Redes que estiveram por pelo menos dois anos na posição e
participaram de pelo menos duas reuniões do GT ou da Rede e/ou do Conselho Consultivo
do Isags, que configuram a segunda categoria de entrevistados. Por questões de limitação
temporal da pesquisa, bem como pela atividade dos próprios GTs e Redes, nessa categoria
foram realizadas cinco entrevistas.

Finalmente, a terceira categoria foi composta de atores-chave no processo de integração


regional em saúde da Unasul. Foram entrevistados cinco atores, incluindo ex-ministros da
saúde, diretores de organismos regionais e sub-regionais em saúde e diplomatas. A
identificação desses atore-chave foi realizada pelos entrevistados das duas categorias
anteriores, que citaram os nomes dos atores e sua importância no processo.

As entrevistas foram realizadas mediante instrumento semiestruturado elaborado para esse


fim (Anexo II). O roteiro para realização de entrevistas foi organizado em quatro dimensões:
processos de integração regional; integração regional e saúde; atuação do Conselho de Saúde
da Unasul e; soberania sanitária. Essa divisão apoiou na análise posterior dos dados
coletados. Contudo, as perguntas foram adaptadas em cada entrevista, visto que alguns
entrevistados tinham mais informação sobre o processo de criação do Conselho de Saúde,
enquanto outros não haviam participado desse período, mas tinham bastante conhecimento
sobre a atuação do CSS e da construção da agenda, por exemplo. O objetivo foi extrair de
cada entrevistado o maior nível de informação possível sobre as dimensões das quais o
mesmo declarou ter conhecimento e, no momento da análise, complementar as informações
entre as diversas entrevistas.

O roteiro para a realização de entrevistas possui como parte inicial nove perguntas para a
identificação do entrevistado, que além de nome, contato e país ou instituição que
representa, também questiona sobre relação do entrevistado com a Unasul, quanto tempo
ocupou ou ocupa essa função, sua profissão, local de trabalho atual e finalmente de quantas
reuniões da Unasul participou. O Quadro 3 evidencia três das categorias do perfil dos
entrevistados: profissão, instituição onde trabalha atualmente e número de reuniões da
62
Unasul que participou.

Quadro 3 – Perfil dos entrevistados


Quantas
Número de
Tipo de Instituição onde reuniões da
entrevistados por Profissão
entrevistado trabalha Unasul
país
participou
Argentina 2 Médico 5 Ministério da
Membros do 5
Bolívia 2 Sanitarista 2 Saúde Menos
Comitê 1
Brasil 8 Diplomata 2 Organismo de 5
Coordenador 10 4
Chile 0 Farmacêutico 2 Internacional
do Conselho
de Saúde 1 Comunicador/ 2
Colômbia Fiocruz 4
Jornalista
Coordenador 1 Bacharel/ 2 De 5 a
Equador Setor Privado 2 3
ou Secretário Mestre em RI 10
Executivo de Guiana 1 1
5 Economista Ministério das
Grupos Paraguai 1
Relações 2
Técnicos e 1 1
Peru Professor Exteriores
Redes
Suriname 1 Enfermeiro 1 Mais
Atores-chave Outros órgãos 16
Uruguai 1 Sociólogo 1 2 de 20
(ex-ministros, 5 governamentais
diplomatas)
Venezuela 1 Advogado 1 Universidade 1
Fonte: Elaboração própria a partir das entrevistas.

A coluna das profissões mostra que apesar de os médicos ainda serem maioria no campo da
integração em saúde na América do Sul, representando um quarto dos entrevistados, há uma
diversificação importante nas profissões que atualmente representam países ou instituições
neste campo. A coluna seguinte mostra a importância da Fiocruz dentro das instituições que
formam o Conselho de Saúde da Unasul.

Ao serem questionados sobre quantas reuniões da Unasul já haviam participado, a reação


inicial dos entrevistados era contar as reuniões do Conselho de Ministros, ou dizer que não
haviam realmente estado em nenhuma reunião dos ministros de saúde. Na sequência eu
então perguntava o que o entrevistado entendia por “reunião da Unasul”, apesar de essa não
ser uma pergunta prevista no roteiro, ela se tornou necessária. Nesse momento, os
entrevistados passavam a rever sua resposta anterior e dizer que entendiam que todas as
reuniões dos Grupos Técnicos, Redes, ISAGS, outros Conselhos, Secretaria Geral, Comitê
Coordenador do Conselho de Saúde, presencial ou virtual, eram realmente reuniões da
Unasul. E nesse contexto ampliado, 16 dos vinte entrevistados informaram ter participado de
mais de 20 reuniões da Unasul.

As entrevistas foram realizadas presencialmente com os entrevistados brasileiros, por


63
telefone e por Skype com os estrangeiros, em três idiomas: português, espanhol e inglês.
Todas as entrevistas foram transcritas em seus idiomas originais e compõem os arquivos
deste estudo de doutorado. Contudo, com o objetivo de manter a confidencialidade dos
entrevistados, os trechos das entrevistas que foram literalmente transcritos neste trabalho
foram todos traduzidos pela autora para o português.

As entrevistas foram analisadas a partir de sete categorias temáticas: criação da Unasul;


criação do Conselho de Saúde; estrutura do Conselho de Saúde; Governança do Conselho de
Saúde, atuação do Conselho de Saúde, formulação da agenda em saúde na América do Sul; e
soberania sanitária. Das sete categorias, seis estavam originalmente propostas no roteiro das
entrevistas. A formulação da agenda foi uma categoria emergente, que surgiu a partir da fala
dos entrevistados e foi incorporada no momento da análise. A categoria temática da
governança foi analisada a partir da definição de duas subcategorias: processos decisórios e
espaços nos quais ocorrem a articulação entre os atores.

Análise da governança do Conselho de Saúde da Unasul

O conceito de governança possui diferentes interpretações na literatura. Nosso objetivo neste


trabalho não é detalhar todas abordagens ou aprofundar no tema da governança, porém será
necessário tratar de algumas dessas interpretações a fim de definir o sentido que terá o
conceito de governança neste estudo. Dessa forma, o primeiro esclarecimento a fazer é que
não se trata do conceito de “governança corporativa”, amplamente utilizado na área da
administração de empresas. O enfoque de governança para fins da análise do CSS, parte de
sua dimensão política e sua importância no campo das relações internacionais e na gestão
pública.

O conceito clássico de governança foi estabelecido pelo Banco Mundial na década de 1990,
que a definiu como “a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos
econômicos e sociais do país, com vistas ao desenvolvimento” (Banco Mundial, 1992, apud
Borges, 2003, p. 126). O conceito do Banco Mundial destaca a forma pela qual o governo
exerce o seu poder e os procedimentos e práticas governamentais utilizados na consecução
das metas governamentais.

64
Com vistas a ampliar o conceito de governança apresentado pelo Banco Mundial, que aborda
exclusivamente os aspectos gerenciais, a maneira como se dão os processos para o
funcionamento estatal, Bresser-Pereira (2001, p.8) define governança como “um processo
dinâmico pelo qual se dá o desenvolvimento político e através do qual a sociedade civil, o
estado e o governo organizam e gerem a vida pública”. A governança aqui se vê ampliada e
inclui os mecanismos de organização entre diversos atores com objetivo de gerir a vida
pública. Santos (1997, p. 341) expande os processos dinâmicos entre os atores e conceitua
governança como “padrões de articulação e cooperação entre atores sociais e políticos e
arranjos institucionais que coordenam e regulam transações”.

Hufty, Báscolo e Bazzani (2006, pS37) assumem a governança como uma “herramienta
analítica para la comprensión de los procesos de acción colectiva que organizan la
interacción de actores, la dinámica de los procesos y las reglas del juego, con las cuales la
sociedad toma e implementa sus decisiones (...)”. Os autores afirmam que a utilização da
governança como uma ferramenta analítica pode ser aplicada em diferentes níveis, desde o
local até o global. Para analisar a governança em saúde eles definem quatro categorias
analíticas ou dimensões: os atores; as normas sociais formais e informais; os pontos nodais,
que são os espaços, presenciais ou virtuais, onde convergem vários processos, atores e
normas, e onde se produzem efeitos na tomada de decisão; e, os processos de mudanças que
ocorrem nos padrões de evolução dos pontos nodais, na interação entre os atores e sua relação
com a mudança das regras e normas.

Os mecanismos de tomada de decisão existentes (exercício do poder), e a identificação dos


espaços (pontos nodais) nos quais ocorrem as relações e os arranjos entre os atores envolvidos
nos processos foram as categorias utilizadas para análise da governança do Conselho de
Saúde Sul-americano.

Análise das resoluções da Assembleia Mundial da Saúde

Na parte que descreve e analisa a atuação do Conselho de Saúde, o desempenho do CSS


como um ator da diplomacia da saúde global, com enfoque especial na atuação da Unasul
na Assembleia Mundial da Saúde, a metodologia incluiu um extenso estudo sobre as
resoluções da Assembleia Mundial da Saúde (AMS).
65
Foram analisadas as resoluções das Assembleias Mundiais da Saúde realizadas no período
compreendido entre 2010 e 2014. Para ter acesso aos textos finais das Resoluções da AMS
no período estudado realizou-se pesquisa no site da OMS
(http://www.who.int/mediacentre/events/governance/wha/en/). Entre o conjunto das
resoluções das cinco AMS estudadas foram selecionadas aquelas relativas aos
posicionamentos comuns apresentados pelo Conselho de Saúde da Unasul.

As fontes de informação utilizadas para identificar as Resoluções da AMS sobre as quais a


Unasul apresentou posicionamentos comuns foram: (1) informes de atividades das
Presidências Pro-Tempore (PPTs), do CSS, dos anos de 2010 e 2011; (2) acervo de
documentos do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (ISAGS), sobre a
participação dos Estados-membros da Unasul na AMS, de 2012 a 2014.

Os informes das PPTs, em 2010 e 2011, permitiram identificar os posicionamentos comuns da


UNASUL na 63ª e na 64ª AMS. Estes foram elaborados pelo Ministério da Saúde do
Equador, período de 2009-2010, e pelo Ministério da Saúde do Uruguai, período de 2010-
2011, possuindo, assim, distintos níveis de informações e detalhamentos sobre os
posicionamentos comuns da UNASUL na AMS. O informe do Equador detalha a atuação do
CSS na 63ª AMS, informando desde o processo de construção de consenso e dos atores
protagonistas até o conteúdo dos posicionamentos comuns apresentados. O informe do
Uruguai apresenta menor detalhamento, menciona a atuação conjunta do bloco na 64ª AMS e
identifica os temas abordados pelos posicionamentos comuns, porém, sem citar a numeração
ou o título das Resoluções da AMS, tampouco o conteúdo dos posicionamentos comuns
apresentados. O ISAGS produz relatórios internos da Direção Executiva sobre o tema e
divulga parcialmente em seu informe de atividades anual, no informe mensal de maio e em
seu site (www.isags-unasul.org), a partir desses informes foi possível conhecer os
posicionamentos comuns da Unasul nas AMS 65, 66 e 67.

Essa análise gerou um artigo que foi publicado como parte do desenvolvimento desta tese.

Análise da formulação da agenda em saúde da Unasul

A quarta parte do capítulo 6 foi dedicada a estudar a formulação da agenda em saúde na

66
Unasul e a existência atualmente de uma agenda regional/sul-americana de saúde. Para esta
análise, os modelos teóricos de Kingdon e de Sabatier e Jenkins-Smith foram utilizados
como referencial.

John Kingdon (1995, p.3) define agenda como “a lista de assuntos e problemas sobre os quais
o governo e pessoas ligadas a ele concentram sua atenção num determinado momento” e
complementa sua definição explicando que “o processo de formulação da agenda restringe
esse conjunto de assuntos possíveis para o conjunto de temas que estará no centro das
atenções”, e serão esses temas que formarão a agenda.

De acordo com Kingdon (1995) uma questão passa a fazer parte da agenda (agenda setting)
quando há uma junção dos três fluxos do modelo (Figura 3), fluxo de problemas, fluxo de
soluções e fluxo político e encontra-se aberta uma janela de oportunidade (policy window).
Nessas circunstâncias, entram em ação os policy entrepreneurs, os atores do processo
decisório, que reconhecem o problema, sugerem soluções e se envolvem em atividades
políticas que tanto podem promover ou parar mudanças políticas. Kingdon (2015) divide os
atores do processo decisório em dois grupos: os visíveis e os invisíveis. O primeiro grupo,
formado pelo governo e políticos, define a agenda e o segundo, acadêmicos e burocracia,
define as alternativas ou soluções.

Figura 3 – Modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon

Fonte: Elaborado a partir Kingdon, 1995.

67
A convergência dos três fluxos impulsiona temas para que eles adquiram maior importância e
para que eles possam fazer parte da agenda, o que ocorre como resultado da presença de uma
janela de oportunidade que se abre quando existe uma mudança no fluxo político, e que se
mantém aberta por um curto período, oferecendo oportunidades de ação por parte dos atores
do processo decisório (Kingdon, 1995).

É interessante notar que segundo o modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon (1995), a
formulação da agenda segue um processo não intencional, ou seja, não se trata de um
processo racional, onde os formuladores listam os problemas a serem enfrentados para que
sejam elaboradas propostas de solução. A formulação da agenda envolve uma convergência
de três fluxos e atuação de atores com recursos específicos de poder, além de momentos
oportunos para sua proposição.

Inicialmente pelo surgimento ou reconhecimento de um problema (Fluxo de problemas), que


podem ser percebidos a partir de eventos, emergências ou desastres, por meio de indicadores,
ou ainda pelo resultado do monitoramento e avaliação de ações governamentais. A existência
do problema não é capaz de levar um tema para a agenda política, é necessário que os outros
elementos do modelo estejam presentes e articulados. Segundo Kingdon (1995, p.109)
“problemas surgem quando existe uma condição que as pessoas querem mudar”. O autor
também afirma que na “definição do problema, um processo informado pelos valores
fundamentais do tomador de decisão é fundamental para a formação da agenda”, ou seja, a
influência dos atores visíveis, sobre a definição do que é ou não um problema, é decisiva.

O fluxo de soluções não é consequência da identificação de um problema, uma vez que as


alternativas e propostas são elaboradas por especialistas, funcionários públicos, membros da
academia e ficam aguardando o surgimento de oportunidades para serem apresentadas como
solução para um problema identificado. Segundo Kingdon (1995, p.16) “uma alternativa
viável ou solução precisa estar disponível antes que um tema possa ser colocado na agenda”.
Segundo Kingdon (1995), na etapa de formulação de alternativas ocorre um maior confronto
de interesses em torno do problema priorizado na fase de formação da agenda. É aqui que se
constrói o apoio político entre os atores que estão envolvidos no processo de formulação da
política pública, bem como sua aprovação e validação – nesse momento os atores manifestam
suas preferências com mais clareza.

68
Finalmente é necessário que haja um contexto político ou administrativo favorável ao
desenvolvimento da ação. O fluxo político é onde ocorrem as coalizões a partir de
negociações entre os atores envolvidos na formulação da agenda. Kingdon (1995) destaca que
três elementos compõem o fluxo político e exercem influência sobre a decisão dos temas que
entram para a agenda: o “humor” nacional, a conjuntura política, econômica e social, as
forças políticas organizadas e mudanças no interior do próprio governo.

Sobre coalizões e atores envolvidos no processo de tomada de decisão, Sabatier e Jenkins-


Smith (1993, p.179) agregam a partir de seu Modelo de Coalizão de Advocacia (MCA) a
presença dos subsistemas de políticas (policy subsystems), que os autores definem como
“aqueles atores que provêm de uma variedade de organizações públicas e privadas, que estão
ativamente preocupados com os problemas políticos e que frequentemente buscam influenciar
nas políticas públicas na área na qual atuam”. Esses subsistemas de políticas não são apenas
diferentes níveis do Governo, mas são sistemas que se formam em diferentes esferas, como o
sistema legal, as comunidades de políticas públicas, na academia e incluem uma dimensão
intergovernamental (Sabatier e Jenkins-Smith, 1993).

Sabatier e Jenkins-Smith (1993) distinguem o subsistema de políticas do sistema político


macro (Figura 4). No modelo de coalizão de advocacia, o subsistema de políticas pública está
vulnerável aos efeitos externos gerados pelo sistema político macro. As mudanças de
coalizões políticas ou das condições socioeconômicas, por exemplo, influenciam na
capacidade de ação dos subsistemas. Os atores desses subsistemas trabalham para gerar
coalizões que possam ser direcionadas ao nível dos tomadores de decisão, das autoridades
governamentais, a fim de que possam entrar para a agenda política. Os autores buscam
entender a definição da agenda a partir das interdependências e interações entre problemas,
soluções/alternativas e política e a relação com o comportamento organizacional, grupal e
institucional (Sabatier e Jenkins-Smith, 1993).

69
Figura 4 – Fluxograma do Modelo de Coalizão de Advocacia de Sabatier e Jenkins-
Smith, 1993

Fonte: Sabatier e Jenkins-Smith, 1993, tradução própria.

As quatro principais premissas do MCA são as seguintes (Sabatier e Jenkins-Smith, 1993,


p.178): (1) o processo de mudança de políticas ocorre ao longo do tempo, sendo necessário
uma década ou mais; (2) a maneira mais útil de analisar a mudança de uma política ao longo
do tempo é focar nos subsistemas de política, ou seja, na interação de quem procura
influenciar no resultado do processo político; (3) os subsistemas devem incluir uma dimensão
intergovernamental, o que significa incluir todos os níveis do Governo e; (4) as políticas
públicas podem ser compreendidas da mesma maneira que os sistemas de crenças, isto é,
como conjuntos de prioridades de valor e suposições causais sobre como realizá-las. Segundo
os autores, as coalizões buscam traduzir suas crenças/valores/convicções em políticas
públicas. Os recursos existentes no subsistema de coalizão determinam a capacidade do grupo
de realizar mudanças e a disponibilidade de recursos muda ao longo do tempo, normalmente
em consequência de mudanças externas ao subsistema (Sabatier e Jenkins-Smith, 1993).

70
Sabatier (1986, p.31) chama atenção para a necessidade em distinguir a influência relativa
dos funcionários eleitos e dos funcionários públicos, na formulação das políticas e tomada de
decisão para formulação da agenda. Tema que Kingdon (1995) já havia destacado ao dividir
os atores entre visíveis e invisíveis e apontar que cada grupo possui maior capacidade de
intervenção em fases distintas da formulação da agenda.

A análise da formulação da agenda de saúde da Unasul foi inspirada nestes conceitos,


todavia não os aplica na íntegra, uma vez que a formulação da agenda é apenas uma das
categorias utilizadas para analisar o Conselho de Saúde da Unasul, não sendo o foco desta
tese. Entretanto essas abordagens teóricas serviram como recurso metodológicos para
auxiliar na compreensão dos processos presentes na formulação da agenda do Conselho de
Saúde.

Considerações éticas

Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP para avaliação dos
aspectos éticos envolvidos especialmente nas entrevistas e foi aprovado com parecer número
CAAE 43941915.8.0000.5240, aprovado em 01/04/2015. As entrevistas foram realizadas
após a assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e garantindo a
confidencialidade dos dados. O TCLE foi entregue aos entrevistados antes da entrevista. No
caso das entrevistas via Skype o termo foi enviado ao participante via correio eletrônico, para
que o mesmo pudesse assiná-lo e enviá-lo de volta ao pesquisador principal antes do início da
entrevista.

Foi também solicitada e recebida a autorização do representante da Presidência Pro Tempore


do Conselho de Saúde, neste período sob a responsabilidade do Ministério de Saúde do
Uruguai, para a observação participante durante as reuniões do Conselho de Saúde.

A pesquisa foi financiada com recursos da bolsa de estudo de doutorado do CNPq-PEC/PG


140670/2013.

71
4. INTEGRAÇÃO REGIONAL EM SAÚDE NA
AMÉRICA LATINA

Para identificar as características e modelos da integração regional em saúde na América do


Sul, este capítulo apresenta e discute a presença da saúde nos processos de cooperação e
integração regional na América Latina. Analisadas as características e os modelos de
integração regional, e considerando o relevante papel dos blocos regionais no atual cenário da
saúde global, é importante observar que, não obstante a diversidade de características e
modelos, esses processos possuem em comum a presença constante da saúde como um campo
de atuação e aglutinação dos países latino americanos.

Assim como no cenário global, a saúde foi aumentando sua presença nas relações
internacionais nos países da região das Américas (Santana, 2011). Com a expansão dos
mercados capitalistas, constitui-se em 1902 a Repartição Sanitária Pan-Americana (que mais
tarde daria origem à OPAS). Pires-Alves et al (2012, p.445) destacam que “sua criação foi
parte do processo de instituição da saúde internacional como domínio da saúde pública e
índice da crescente interdependência entre os povos”. Assim, quando a ONU criou a OMS
(1948), a cooperação internacional em saúde, regida pela OPAS, já era realidade nas
Américas há meio século.

A região das Américas possui outra particularidade neste campo, especialmente na América
Latina. Entre os países latino-americanos sobressai o fato de que a cooperação em saúde
regional e sub-regional ocorre, em grande medida, inserida em processos de integração
regional (Santana, 2011). Buss e Ferreira (2011) destacam que há vantagens em estabelecer
cooperação em saúde quando realizada dentro de blocos regionais, visto que os problemas
nacionais são, em grande parte, similares e há maior identidade política entre os grupos de
países envolvidos.

Como apresentado no marco teórico, o processo de integração regional na América Latina


passou por três períodos históricos, com distintos modelos de integração com suas próprias
características e objetivos. Como resultado foram conformados comunidades, mercados
comuns, blocos regionais e organizações internacionais. Nem todos se caracterizam como

72
processos de integração de fato, alguns são caracterizados por cooperação internacional entre
os países-membros. Contudo, independentemente das características especificas de cada um, a
saúde aparece como um eixo agregador nos processos de cooperação ou integração latino-
americana.

O Quadro 4 destaca nove organismos de cooperação internacional e integração regional que


envolvem países da América Latina. A Organização das Nações Unidas (ONU) foi
incorporada ao quadro pela importância da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)
para a região. Desde 1902 a OPAS trabalha com cooperação técnica em saúde nos países da
América Latina. Após a criação da Organização Mundial da Saúde (OMS) pela ONU, a
OPAS foi incorporada como Escritório Regional para as Américas – AMRO/OMS. A
Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) não foi apresentada no quadro porque
não possui uma agenda específica de saúde, ainda que possua resoluções e declarações que
tratem da dimensão social.

Comparando o Quadro 4 e o Quadro 13, é possível delimitar, claramente os três períodos


históricos da integração regional latino-americana. A Comunidade Andina de Nações (CAN),
a Comunidade e Mercado Comum Caribenho (Caricom) e a Organização do Tratado de
Cooperação Amazônica (OTCA), criados entre 1969 e 1978, representam o modelo
desenvolvimentista, enquanto que o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e o Sistema da
Integração Centro-Americana (SICA), criados no mesmo ano, 1991, são caracterizados pelo
modelo aberto. Os três processos de integração regional criados entre 2000 e 2010, no
momento político de predomínio dos governos progressistas na região, são representantes do
modelo “pós-neoliberal”. A Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América - Tratado
de Comércio dos Povos (ALBA-TCP), em 2004; a União de Nações Sul-Americanas
(Unasul), em 2005 e; a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), em
2010.

Logo de sua criação, esses processos regionais delimitaram a saúde como uma área
estratégica para a cooperação entre os países-membros. A OTCA e CELAC aprovaram
agendas estratégicas com objetivos comuns em saúde. Caricom, Mercosul, SICA e Unasul
criaram grupos de trabalho e conselhos ministeriais dedicados à saúde – Conselho de
Desenvolvimento Humano e Social, Reunião de Ministros de Saúde e Subgrupo de Trabalho

3
O Quadro 1 – Modelos Históricos de integração regional na América Latina foi apresentado no capítulo 2.
73
n. 11 (SGT11), Conselho de Ministros de Saúde da América Central (COMISCA) e Conselho
Sul-Americano de Saúde (CSS) – respectivamente. A CAN e o Caricom avançaram mais na
institucionalização de suas instâncias dedicadas à saúde com a conformação do Organismo
Andino de Saúde (ORAS-CONHU) e da Agência Caribenha de Saúde Pública (CARPHA),
instituições permanentes e com sede própria. A criação de uma empresa transnacional de
produtos farmacêuticos e um centro regulador de medicamentos ainda são propostas não
implementadas da ALBA-TCP, mas mostram a importância da saúde para este processo de
integração regional (Quadro 4).

São distintas as formas de institucionalização e distintos os níveis de consolidação de cada


um, mas todos os processos regionais possuem instâncias dedicadas ao tema da saúde. O
ORAS-CONHU a CARPHA e o COMISCA possuem sede permanente. Inaugurada mais de
uma década após a criação do COMISCA, sua secretaria executiva está localizada em El
Salvador. A Unasul conta com o Isags, instituto com sede no Brasil que foi criado por
resolução do CSS. No Mercosul houve a tentativa de criar uma instância de saúde permanente
em 2008, o Observatório de Sistemas de Saúde. O projeto foi financiado em seus primeiros
anos pela cooperação espanhola, contudo em 2015, por falta de financiamento próprio, o
Observatório de Sistemas de Saúde foi encerrado.

74
Quadro 4 – A Saúde nos processos de cooperação e integração nas Américas

Organismo de
Aliança do
Cooperação/ ONU CAN Caricom OTCA Mercosul SICA ALBA-TCP Unasul Celac
Pacífico
Integração

Ano de Criação 1945 1969 1973 1978 1991 1991 2004 2005 2010 2012

15 países, 8 países: Bolívia,


5 países: 33 países das
4 países: Bolívia, incluindo, além Brasil, Colômbia, 11 países do 4 países: Chile,
Argentina, Brasil, 7 países da Os 12 países da Américas (não
Membros 194 países* Colômbia, dos países do Equador, Guiana, Caribe e da Colômbia,
Paraguai, Uruguai América Central América do Sul participam EUA e
Equador e Peru Caribe, Guiana e Peru, Suriname e América do Sul México e Peru
e Venezuela Canadá)
Suriname Venezuela

Centro
Conselho de Regulador de
Reunião de
Organismo Desenvolvimento Medicamentos Agenda
Agenda Ministros da Conselho de Reunião de
Organização Andino de Saúde- Humano e Social (ALBAmed); Conselho Sul- Estratégica de
Estratégica Saúde e Ministros de Vice-Ministros e
Instância dedicada Pan-americana Convênio (COHSOD) e Empresa Americano de Coordenação
2012-2020: Subgrupo de Saúde da Subsecretários
à saúde de Saúde Hipólito Unanue Agência transnacional Saúde Regional para
Gestão Regional Trabalho n°11 América Central de Saúde
(OPAS/OMS) (ORAS- Caribenha de distribuidora e (CSS) combater à
da Saúde Saúde (COMISCA)
CONHU) Saúde Pública comercializadora pobreza e à fome
(SGT11)
(CARPHA) de produtos
farmacêuticos

Ano de Criação 1902** 1971 1973/2011 *** 1996 1991 **** 2008 *** 2015

Contou com o
Conta com o
Observatório
Sediada em A CARPHA Secretaria Instituto Sul-
Mercosul de
Washington-EUA, Secretaria possui sede em Executiva criada Americano de
Sede permanente Sistemas de
possui escritórios Executiva criada Trinidade e dois em 2007, sediada Governo em Não tem
da instância de Não tem Saúde, criado em Não tem Não tem
em 27 países, além em 1997, sediada escritórios, na na Cidade de São Saúde, inaugurado
saúde 2008 e fechado em
de oito centros em Lima-Peru Jamaica e em Salvador - El em 2011 e sediado
2015, tinha sede
científicos. Santa Lucia Salvador no Rio de Janeiro-
em Montevideo-
Brasil
Uruguai

75
COHSOD
Governança do Qualidade e
Melhoria de Promover a Criar uma empresa Consolidar a
setor saúde humanização dos
políticas e serviços melhoria da saúde, Construir um marco transnacional América do Sul
regional, a partir serviços de saúde,
públicos de saúde, incluindo o operativo e distribuidora e como um espaço
da identificação e acesso equitativo
por meio da Coordenar e desenvolvimento e instrumental comercializadora de integração em Atenção materno-
priorização dos à medicamentos,
transferência de apoiar os esforços organização de consensuado de de produtos saúde que infantil e
Harmonizar problemas possibilidade de
tecnologia e da que realizam os serviços de saúde estratégias e farmacêuticos, contribua para a oftalmológica,
legislações, regionais que contar com
difusão do países membros, eficientes e indicadores desenvolvendo o saúde de todos e atenção e proteção
promover serão abordados assistência
conhecimento individual ou acessíveis. para a comércio justo de para o dos grupos em
cooperação conjuntamente. técnica dos
acumulado por coletivamente, institucionalização medicamentos que desenvolvimento, situação de
técnica e Incentivar as organismos de
meio de para a melhoria da CARPHA da Vigilância em privilegie os incorporando e vulnerabilidade
Objetivos das coordenar ações iniciativas cooperação
experiências saúde de seus Promover a saúde Saúde Ambiental sistemas públicos integrando os por parte do
instâncias de para fomentar o regionais de saúde internacional
produzidas nos povos, dando física e mental e o na região de saúde. esforços e avanços Estado e a
saúde processo de que necessitam de multilateral,
Países-Membros, prioridade aos bem-estar das amazônica dentro Desenvolver e sub-regionais do contribuição da
integração na área cooperação regional e de
nas áreas de mecanismos que pessoas do Caribe. dos sistemas implementar um Mercosul, do difusão dos temas
de saúde e internacional. desenvolvimento
epidemiologia, impulsionam o Promover e nacionais de saúde, sistema único, Organismo de integração
compatibilizar os Seguimento, econômico dos
saúde e ambiente, desenvolvimento desenvolver que seja compatível harmonizado e Andino de Saúde regional latino-
sistemas de execução e países membros e
recursos humanos, de sistemas e medidas para a com o RSI, o Plano centralizado para o (ORAS-CONHU) americana nas
controle sanitário. avaliação dos proposta de
comunicação, metodologias sub- prevenção de Quinquenal de registro sanitário e da Organização escolas de
acordos e criação de um
serviços, controle regionais. doenças, Saúde da Unasul e dos medicamentos do Tratado de educação básica.
resoluções Grupo de
de zoonoses, preparação e com as estratégias comercializados Cooperação
emanadas do Trabalho
medicamentos e resposta a da OPS/OMS. pela empresa Amazônica
Conselho de específico para
promoção. emergências de transnacional. (OTCA)
Presidentes. saúde.
saúde pública.

Fonte: Elaborado a partir dos sites oficiais da ONU, CAN, Caricom, OTCA, Mercosul, SICA, ALBA, Unasul, Celac e Aliança do Pacífico.

* A OPAS conta com 35 membros, englobando todos os países das Américas.


**A OMS foi criada após a ONU, em 1948, e incorporou a OPAS como Escritório Regional para as Américas da Organização Mundial da Saúde.
*** No caso da OTCA e da Celac não existem instâncias permanentes que tratam do tema da saúde, mas agendas que priorizam o tema.
****Ambas em fase de desenvolvimento.

76
A proliferação das instâncias permanentes para tratar do tema da saúde nos anos mais
recentes pode estar relacionada com aumento da presença da saúde na agenda das relações
internacionais, do desenvolvimento da diplomacia da saúde e, como visto, no papel
protagônico que assumem os blocos regionais na arena da governança global em saúde.

É possível identificar algumas semelhanças nos objetivos das instâncias de saúde dos
distintos processos de cooperação e integração regional (Quadro 4). Os organismos em geral
assumem o compromisso de melhorar as condições de saúde da população das sub-regiões,
identificar as prioridades sanitárias regionais e de coordenar os esforços já realizados por seus
Estados-membros. A cooperação Sul-Sul também é um ponto de convergência e aparece
como importante ferramenta para a superação das problemáticas da saúde.

Analisadas as convergências entre os objetivos, algumas particularidades merecem atenção.

O Mercosul possui objetivos claramente distintos dos demais processos. A harmonização de


legislações de saúde e a coordenação de ações para compatibilizar os sistemas de controles
sanitários são aspirações exclusivas do SGT11 e da Reunião de Ministros da Saúde do
Mercosul. Essa especificidade pode ser explicada pelo próprio modelo de integração do
Mercosul. Com o objetivo de se tornar um Mercado Comum, que como já visto, estabelece a
livre circulação de mercadorias, trabalhadores, serviços e capitais entre os Estados-membros,
é necessário trabalhar na harmonização de regras, que no caso do Mercosul vem ocorrendo
pela harmonização gradual de normas referentes a questões de vigilância sanitária e
epidemiológica (Guimarães e Giovanella, 2006). Guimarães e Freire (2007) explicam que na
União Europeia a regulação dos produtos de saúde, como equipamentos e remédios, busca
garantir a qualidade e a segurança e estabelecer padrões comuns que ampliem o mercado e
favoreçam a livre circulação desses produtos. A compatibilização dos sistemas de controle
sanitário atende aos mesmos propósitos.

Além do Mercosul, somente a proposta de criação de um Centro Regulador de Medicamentos


(ALBAmed) possui o objetivo de desenvolver e implementar um sistema único, harmonizado
e centralizado para o registro sanitário de medicamentos (Quadro 4). Contudo, no caso do
ALBAmed essa harmonização está relacionada com o fortalecimento das capacidades de
produção nacional, e da soberania sanitária regional, e não com a livre circulação de
medicamentos.

77
Outra questão que merece ser observada é a busca pela não duplicação de esforços, a partir da
compatibilização e observância das agendas e avanços em saúde dos demais processos
regionais. Essa característica está presente nos objetivos do CSS e da Agenda Estratégica
2012-2020 da OTCA e representa um avanço em relação às demais instâncias. Como a saúde
está presente em quase todos os processos de cooperação e integração da América Latina, e
os países-membros se repetem em muitos deles, a duplicação de esforços, com os escassos
recursos que disponibilizam essas instâncias de saúde, é um desperdício e pode gerar atrasos
no desenvolvimento de ações e no alcance dos objetivos regionais em saúde.

As iniciativas de integração regional na América Latina, CAN, SICA, Mercosul, e OTCA,


anteriores à Unasul, já possuíam cooperação em saúde mais ou menos estruturada (Buss e
Ferreira, 2011) (Santana, 2011). Contudo, Santana (2011, p.2996) destaca que a “União das
Nações Sul-Americanas (Unasul) é a ilustração mais recente das relações entre saúde e
política externa na região das Américas”.

A Aliança do Pacífico

A Aliança do Pacífico é o mais recente dos processos de integração regional da América


Latina. Inaugurado em 2012 pelos Presidentes de Chile, Colômbia, México e Peru, retoma a
proposta das décadas de 1980 e 1990, com foco na livre circulação de bens, serviços, capitais,
pessoas e economia. Este novo processo de integração regional possui uma característica
bastante distinta dos anteriores, que é a proposta de integração econômica e comercial, porém
com projeção global e ênfase na integração com a região Ásia-Pacífico.

Este novo processo de integração regional descontinua a tendência do modelo “pós-


neoliberal” que caracterizou os processos de integração regional criados na América do Sul
entre os anos 2000 e 2010. A Aliança do Pacífico retoma os princípios do regionalismo
aberto, uma vez que estabelece como objetivo uma integração profunda em matéria
comercial, contudo difere dos processos de integração regional das décadas de 1980 e 1990,
como o Mercosul e a CAN, uma vez que não busca conformar esquemas intergovernamentais
ou acordar políticas comuns (Coral e Reggiardo, 2016).

A criação da Aliança do Pacífico poderá representar o início de um novo modelo de


integração regional na América Latina, com características distintas dos três modelos

78
históricos anteriores.

Apesar das marcadas diferenças, a saúde também está presente neste recente processo de
integração. A Aliança do Pacífico já realizou duas Reuniões de Vice-Ministros e
Subsecretários de Saúde, em 2015 e 2016, e nesse último encontro houve a proposta de
criação de um Grupo de Trabalho para tratar do tema da saúde. Os temas priorizados nessas
duas reuniões não inovaram muito em relação às agendas em saúde dos demais processos de
integração regional. O acesso a medicamentos e a qualidade dos serviços de saúde foram os
dois temas técnicos destacados.

79
5. A UNASUL: CRIAÇÃO E ESTRUTURA

No início do século 21 ocorreu uma vasta mudança sociopolítica na América do Sul que
impulsionou alterações no modelo de desenvolvimento, que também podem ser observadas
na abordagem da integração regional sul-americana. Novas instituições e modelos de
integração, que surgem a partir de uma renovada busca pela convergência sócio-política
regional, foram concebidos pelos líderes políticos da região com o objetivo de impulsionar
uma agenda que refletisse os valores e as proposta da América do Sul no século XXI.

Este capítulo apresenta a criação da Unasul e sua estrutura, com destaque para os Conselhos
Setoriais e para a Secretaria Geral, e analisa a conjuntura política na América do Sul presente
no momento inicial deste processo de integração regional, bem como valores e características
que dão à Unasul um caráter inovador como modelo de integração na região.

5.1. Criação da Unasul: contexto histórico e conjuntura política

Apesar das diferenças entre os países da região, algumas características comuns estão
presentes historicamente na América do Sul: a instabilidade de governantes; a disposição
dos Estados Unidos em interferir nos processos políticos da região; uma extensa relação de
governos e golpes militares; a presença constante de líderes populistas e; um capitalismo
com moldes reacionários e dependentes que deriva do passado colonial e autoritário dos
países sul-americanos (Botelho, 2005).

Com a crise da dívida externa da década de 1980, os países sul-americanos aderiram as


medidas do Consenso de Washington e as reformas realizadas nas décadas de 1980 e 1990
provocaram a deterioração da qualidade de vida da maior parte da população e geraram
extrema dependência de empréstimos e investimentos externos (Fiori, 1997; Botelho, 2005;
Chomsky, 2007). O Paraguai foi o último país a sair do regime militar, com as eleições de
1992, e com ele a região encerrou seu último ciclo de regimes militares, que teve início em
1954.

80
Nos anos 1990 os processos de integração não inovaram significativamente em relação “ao
histórico padrão de relacionamento regional que primara, até então, pelo distanciamento e
pela competição entre os países sul-americanos” (Mallmann, 2010, p.16). Iniciados os anos
2000 a região viu o começo de um novo período: transcorrida mais de uma década desde o
final do último ciclo de regimes militares e superados os períodos de transição, o PIB da
América Latina cresceu acima do PIB dos demais países em desenvolvimento por cinco
anos consecutivos e a região apresentou redução progressiva da pobreza, gerou empregos,
ampliou o gasto social per capita o que gerou melhora na qualidade de vida. Esses
resultados, segundo Cardoso e Foxley (2009), foram reflexos da combinação de dois
fatores: por um lado a expansão da economia mundial e do comércio exterior e por outro a
consolidação dos regimes democráticos em todos os países da região a partir dos anos 1980
e 1990.

O conjunto de países da América do Sul iniciou o século XXI com uma população estimada
em 349 milhões de habitantes, com um crescimento econômico em um patamar acima da
média mundial4 e com um alinhamento de “governos de orientação nacionalista,
desenvolvimentistas ou socialistas, que mudaram o rumo político-ideológico do continente”
(Fiori, 2011, p.8). Foi neste contexto de modificações políticas importantes na América do
Sul que a região teceu um novo processo de integração regional que culminou com a
criação da União de Nações Sul-Americanas – Unasul (Saludjian, 2013). Sem ter como
objetivo fundamental a integração econômica e descartando a proposta de constituir um
mercado comum, a Unasul tem suas bases no fortalecimento de uma identidade sul-
americana e na criação de um mecanismo de concertação política que busca superar
diferenças, sem desconhece-las, mantendo um espaço de interlocução entre os doze países
da América do Sul (Mariano et al, 2014).

A Unasul é um espaço no qual se busca articular as relações de aproximação e integração


entre os países da América do Sul em diversas “áreas estruturais”, conectando o diálogo
entre os campos político, econômico, energético, ambiental, de infraestrutura e das políticas
sociais (Simões, 2011). Segundo o embaixador Simões (2011, p.25), a consolidação de um
sistema integrado sul-americano é “uma oportunidade para gerar uma associação de
integração capaz de garantir maior prosperidade econômica e justiça social para todos”.

4
Segundo dados do Banco Mundial, entre 2002 e 2010, a região apresentou crescimento de 5,3% ao ano,
enquanto a média mundial, no mesmo período, foi de 3,9%.
http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG?locations=ZJ

81
Na pesquisa realizada, dos 20 entrevistados, nove falaram sobre o processo de criação da
Unasul, sendo cinco representantes do Conselho Consultivo e quatro atores-chave. Os
demais entrevistados optaram por falar apenas sobre a criação do Conselho de Saúde,
justificando desconhecimento e falta de participação no processo macro. Os nove
entrevistados que trataram da criação da Unasul descreveram experiências pessoais, a partir
da participação direta ou indireta no processo, análises a partir de conhecimento teórico,
bem como percepções de participação indireta no processo.

Três elementos sobre a constituição da Unasul estão presentes em todas as entrevistas: o


alinhamento de governos progressistas recém-eleitos na América do Sul; o caráter político
do processo de integração regional proposto pela Unasul e; o protagonismo do Brasil e da
Venezuela, especificamente dos presidentes Lula e Chávez em impulsionar a integração
sul-americana.

Alinhamento de governos progressistas na América do Sul

Na primeira década do século XXI o bom desempenho econômico da região foi


acompanhado da emergência de novas lideranças com tendências de centro-esquerda que
foram, aos poucos, constituindo uma onda de mudança política bastante diversificada, mas,
de maneira geral, no sentido contrário ao do período anterior, que havia sido marcado pelas
políticas neoliberais ditadas pelo Consenso de Washington (Coutinho, 2006; Fiori, 1997).
Dos 12 países da América do Sul, oito elegeram presidentes de partidos de centro-esquerda
entre 1999 e 2008(ver Quadro 5).

Quadro 5 – Presidentes eleitos na América do Sul com tendência centro-esquerda na


primeira década do século XXI
País Presidente Partido Mandato
Argentina Néstor Kirchner Frente para la Victoria 2003-2007
Bolívia Evo Morales Movimiento al Socialismo 2005-atual
Brasil Luís Inácio Lula da Silva Partido dos Trabalhadores 2003-2011
Chile Michelle Bachelet Partido Socialista 2006-2010
Equador Rafael Correa Alianza País 2007-atual
Paraguai Fernando Lugo Alianza Patriótica para el Cambio 2008-2012
Uruguai Tabaré Vázquez Frente Amplio 2005-2010
Venezuela Hugo Chávez Movimiento Quinta Republica 1999-2013
Fonte: Elaborado a partir dos sites oficiais dos Governos e Presidências da República dos oito países.

82
Atores-chave destacaram a ampliação da possibilidade de consensos em relação a um novo
processo de integração sul-americano, dada a prevalência de governos progressistas na
região. “Vários governos regionais apoiavam a criação da Unasul, pois tinham uma visão
de mundo parecida, o que tornava mais fácil criar consensos e pensar na integração de uma
forma mais profunda do que vinha acontecendo até então” (AC1).

Caráter político do processo de integração regional da Unasul

A I Reunião de Presidentes da América do Sul, realizada em Brasília, no ano 2000, foi


convocada pelo Brasil. A reunião reafirmou o espirito de harmonia e entendimento que
deveria marcar a relação entre os países sul-americanos a partir da nova política externa
adotada pela maioria dos países, com apoio ativo à integração autônoma da América do Sul
e opondo-se ao intervencionismo norte-americano no continente (Fiori, 2011).

Um dos representantes do Comitê Coordenador destacou a importância estratégica da


criação da Unasul para colocar a América do Sul em uma posição mais favorável a seus
interesses em relação a uma geopolítica global que se estruturaria em blocos de países “a
Unasul responde como um contrapeso a um sistema de blocos que não favorecia a região da
América do Sul” (CC6).

Nessa primeira reunião, a partir do entendimento de que o crescimento econômico e a


estabilidade política da região dependem do aprofundamento da cooperação e de uma
agenda comum entre os países, os Chefes de Estado propuseram a criação de um novo
processo de integração regional. O referencial legitimador do modelo de integração liberal
ou aberto parecia ter chegado ao “esgotamento” na região (Saludjian, 2013, p.16). Atores
entrevistados ressaltaram o caráter político da Unasul, “A Unasul é uma história
fundamentalmente política, que deriva da necessidade de contar com um organismo
político que pudesse superar as deficiências dos organismos que estavam tutelados pelos
Estados Unidos” (AC4) e “a abordagem era fundamentalmente política e provavelmente
também no âmbito econômico, mas fundamentalmente era um posicionamento político”
(AC3).

Segundo Mallmann (2010, p.16) “observa-se o surgimento de um regionalismo diferente,


não tanto comercial ou focado na integração física e produtiva, como nos anos 1990, mas

83
abarcando dimensões sociais, culturais e indenitárias”.

Apesar do destaque dado ao aspecto mais político da integração regional, os países da


América do Sul não abandonaram por completo a perspectiva do regionalismo aberto, dado
que nesta mesma reunião, foi criada também a Iniciativa para a Integração da
Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que visava promover a integração
física dos 12 países sul-americanos para a melhoria do desenvolvimento da
infraestrutura de transporte, energia e comunicação. Segundo Saludjian (2013. p.21), a
IIRSA manteve a visão do regionalismo aberto, a partir da integração econômica, geração de
comércios e ampliação da capacidade exportadora, sem considerar neste projeto questões
como o espaço, o meio ambiente e as comunidades locais. Nesse sentido, a presença de uma
dicotomia entre uma “integração política” e uma “integração econômica” teria se mantido
presente.

Nos anos seguintes foram realizadas reuniões regulares de Presidentes da América do


Sul (Quadro 6), até que em dezembro de 2004, na III Reunião de Presidentes da América
do Sul, em Cusco, Peru, foi criada a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA). A
CASA q u e tinha como objetivo a integração política, social, econômica, ambiental e
de infraestrutura do espaço sul-americano, além de aprofundar a convergência entre os
blocos regionais já existentes: Comunidade Andina (CAN) e Mercosul. A reunião
continuou no dia seguinte em Ayacucho, Peru, onde os Chefes de Estado destacaram a
importância de promover uma cultura de paz, tornar efetiva a Zona de Paz Sul-Americana
e fortalecer os mecanismos de promoção e defesa da região. A criação da CASA
institucionalizou a aproximação do Mercosul e da Comunidade Andina (Dreger, 2009;
Fiesp, 2012).

Um dos representantes do Comitê Coordenador do Conselho de Saúde da Unasul destaca a


importância dos “antecedentes” de integração sub-regional na América do Sul, que
“permitiram boas experiências de contato prévio a nível político” e que gerou um “acúmulo
de experiências que possibilitou reunir todos os atores na mesma mesa” (CC11).

No ano seguinte, 2005, foi realizada a I Reunião de Chefes de Estado da Comunidade


Sul-Americana de Nações, novamente em Brasília, Brasil. Nessa reunião, foram
definidos a agenda prioritária e os programas de ação da CASA. Dentre as áreas de
ação prioritária incluídas na agenda estavam o diálogo político, a integração física, a

84
integração energética, o meio ambiente, as assimetrias, os mecanismos financeiros sul-
americanos, entre outras (Quadro 6).

85
Quadro 6 – Reuniões de Chefes de Estado e Governo que antecederam a criação da Unasul, 2000-2008

Reunião Local, Data Avanços Documentos aprovados Menção à saúde

I Reunião de Brasília, Apenas com a ausência do Presidente do Comunicado de Brasília


Presidentes de 31 de agosto a 1 Suriname, os Chefes de Estado ressaltam a
América do Sul de setembro de necessidade de adotar enfoques específicos
2000 sul-americanos, relacionados à geografia
comum de seus países; democracia; ---
comércio; infraestrutura de integração;
drogas ilícitas e delitos relacionados;
informação, conhecimento e tecnologia.

II Reunião de Guayaquil, Integração, segurança e infraestrutura. Consenso de Guayaquil


Presidentes de Equador, 26 e
América do Sul 27 de julho de ---
2002

III Cúpula de Cusco, Peru, 8 Criação da Comunidade Sul-Americana de Declaração de Cusco sobre a Comunidade Sul-Americana Compromisso
Presidentes de de dezembro de Nações (CASA), a partir da convergência da de Nações com o acesso de
América do Sul 2004 CAN e do Mercosul. todos à saúde

I Cúpula da Brasília, 29 e Foram estabelecidas as oito áreas de ação Declaração presidencial e agenda prioritária Reuniões
Comunidade Sul- 30 de setembro da CASA: Programa de ação Ministeriais
Americana de de 2005 1. Diálogo político Declaração sobre a convergência dos processos de Setoriais serão
Nações (CASA) 2. Integração física integração da América do Sul convocadas pelos
. 3. Meio ambiente Declaração sobre integração na área de infraestrutura Chefes de Estado
4. Integração energética Decisão sobre propostas apresentadas durante o diálogo para examinar e
5. Assimetrias presidencial promover projetos
6. Mecanismos financeiros sul-americanos Decisão sobre propostas dos presidentes do Uruguai e da específicos e
7. Promoção da coesão social, da inclusão Venezuela políticas de
social e da justiça social Declaração sobre o seguimento da cúpula América do Sul integração da
8. Telecomunicações – Países Árabes América do Sul
Declaração sobre a Cúpula Comunidade Sul-Americana em áreas como a
de Nações – União Africana Declaração conjunta sobre a saúde (...)
Colômbia

86
Reunião Local, Data Avanços Documentos aprovados Menção à saúde

II Cúpula da Cochabamba, Definição do modelo de integração, dos Declaração de Cochabamba: Colocando a Pedra Aprova a Decisão
Comunidade Sul- Bolívia, 8 e 9 de princípios e objetivos da integração Sul- Fundamental para uma União Sul-Americana “Rumo à
Americana de dezembro de Americana e estabelecimento de instâncias Decisão sobre o desenvolvimento social e humano construção de uma
Nações (CASA) 2006 de institucionalidade, incluindo o Parlamento inclusivo como um dos eixos da Comunidade Sul- política e agenda
Sul-Americano. Ademais tratam de temas Americana de Nações regional em
específicos, dentre eles a decisão que instrui Decisão sobre a integração física sul-americana matéria de saúde”
aos Ministros de Saúde que elaborem uma Decisão sobre a integração educacional sul-americana
agenda regional em matéria de saúde. Declaração dos direitos dos povos indígenas da ONU
Nesta reunião, além da Declaração principal, Decisão sobre o papel dos bosques no desenvolvimento
foram aprovados 10 documentos pelos sustentável e na estabilidade climática
presidentes. Declaração sobre a questão das Malvinas
Decisão sobre a constituição de um espaço parlamentar
sul-americano
Decisão sobre o alívio da dívida com o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID)
Decisão “Rumo à construção de uma política e agenda
regional em matéria de saúde”

Reunião dos Brasília, Brasil, É criada a Unasul, com a presença dos Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas Define como um
Chefes de Estado 23 de maio de Chefes de Estado e Governo dos 12 países da Decisão sobre o Plano de Ação da Unasul 2008-2009 de seus objetivos
e de Governo da 2008 América do Sul. Decisão sobre o funcionamento transitório da Secretaria específicos o
América do Sul Geral da Unasul acesso universal
(Constituição da aos serviços de
Unasul) saúde (Artigo 3, j)

Fonte: Elaboração a partir das atas das 6 reuniões obtidas no Arquivo Digital da Secretaria Geral da Unasul (www.docs.unasursg.org)

87
Protagonismo do Brasil e da Venezuela
O fato da primeira Reunião de Presidentes da América do Sul ( 2000) e da primeira
Reunião de Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações (2005) terem
sido realizadas em Brasília demonstra o protagonismo e o impulso que o governo brasileiro
exerceu no processo de integração sul-americano no século XXI. Segundo Fiori (2011, p.9)
“o Brasil assumiu a liderança política e diplomática do processo de integração do
continente”, posição que é confirmada por todos os entrevistados. Um membro do Comitê
Coordenador destacou que “o Brasil foi muito importante para a Unasul. Eu acho que
Unasul aparece num momento que o Brasil queria exercer melhor a sua ação internacional,
a sua hegemonia na América do Sul, precisava liderar de uma forma organizada” (CC3).
Mallmann (2010, p.17) também afirmava, em 2010, que o Brasil assumiu progressivamente
“os custos da integração”, tanto materiais quanto políticos, visando a integração, o
desenvolvimento e a estabilidade regionais, bem como “os interesses de projeção externa
do país”.

Conjuntamente com o protagonismo do Brasil, os entrevistados destacaram a liderança


exercida pela Venezuela no processo de criação da Unasul. Outro representante do Comitê
Coordenador observou que a Unasul “obviamente se vê permeada pelas ideologias dos
governantes que estavam no poder no momento em que foi criada, e que era percebida
como uma iniciativa um pouco mais brasileira e venezuelana” (CC5). Alguns atores-chave
além de corroborarem com este entendimento, ressaltaram especificamente a importância
pessoal dos presidentes:
“Creio que o papel fundamental que jogaram o presidente Chávez e o
presidente Lula, que desde muito cedo, em 2002, 2003, assumiram com
muita força a ideia de um novo modelo de integração. O papel relevante
inicialmente foi do Brasil e da Venezuela, que foram os países que
tiveram mais força neste momento. ” (AC4)

“Tinha o Chávez, tinha os Kirchner, que um virou secretário geral [da


Unasul] depois, tinha o Lula, eu acho que o impulso que essas pessoas
específicas deram também é muito relevante. ” (AC1)

88
Da CASA para a Unasul

Alguns meses depois, em dezembro de 2005, durante a I Reunião Extraordinária da


Comunidade Sul-Americana de Nações, foi criada a Comissão Estratégica de Reflexão
sobre o Processo de Integração Sul-Americano com o objetivo de analisar o futuro da
integração sul-americana. Esta comissão foi constituída por altos representantes dos países
da América do Sul.

Dois anos depois da Declaração de Cusco, na qual foi criada a CASA, e um ano depois
da aprovação da agenda prioritária de Brasília, em d ezembro de 2006, os presidentes das
Nações da América do Sul se encontraram em Cochabamba, B olívia, na II Reunião de
Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações.

Um dos atores-chave entrevistados relatou a importância desta reunião para a criação da


Unasul:

“(...) Era dezembro de 2006 e foi ali que se terminou realmente de


construir a Unasul (...) porque até este momento o que os presidentes
fizeram foi consolidar a Unasul em função da presença, e estavam todos
os presidentes, incluindo alguns recém-eleitos, como foi o caso do
Correa, que havia sido eleito, mas ainda não havia tomado posse. (...)
então ali terminaram de construir o que seria a Unasul, através das
decisões. ” (AC3)

Neste encontro foi apresentado o documento final da Comissão Estratégica de


Reflexão sobre o Processo de Integração Sul-Americano, no qual o modelo para a
integração da América do Sul foi estabelecido (Unasur, 2006). Os presidentes decidiram
adotar os princípios para a integração sul-americana, destacados no Quadro 7.

89
Quadro 7 – Princípios para a integração Sul-Americana na Unasul

 Solidariedade e cooperação para uma maior igualdade regional;


 Soberania e respeito à integridade territorial e autodeterminação dos povos;
 Paz e resolução pacífica de controvérsias;
 Democracia e pluralismo que impeçam as ditaduras e a falta de respeito aos
direitos humanos;
 Universalidade, interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos;
 Desenvolvimento sustentável.

Fonte: Elaborado a partir do Tratado Constitutivo da Unasul (Unasur, 2008).

Mallmann (2010) analisa que apesar da convergência do discurso e da compatibilidade de


valores dos governos “situados à esquerda” na região, a tradução desses valores em políticas
e a concretização dos ideais de democracia, justiça social e desenvolvimento variaram
extremamente de país a país. Saludjian (2013) e Fiori (2011), destacam que apesar das
críticas, os modelos neoliberais aplicados anteriormente nos países praticamente não
sofreram alteração, pois as políticas macroeconômicas foram mantidas, especialmente na
Argentina e no Brasil. Bolívia, Equador e Venezuela operaram mudanças mais profundas no
modelo econômico, com medidas contrárias ao modelo neoliberal. Já a mudança no discurso
político e nas políticas externas foi observada em toda a região, com ênfase na integração sul-
americana autônoma, sem a intervenção dos Estados Unidos.

Em abril de 2007, durante a II Reunião Extraordinária da Comunidade Sul-Am eri cana


de Nações, foi criado o Conselho Energético Sul-Americano e o nome da comunidade foi
trocado para União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Também se acordou designar uma
Secretaria Permanente, com sede em Quito, República do Equador, e os Ministros de
Relações Exteriores foram encarregados de designar o Conselho de Delegados, o qual
seria responsável pela redação de um Acordo Constitutivo da Unasul.

A Unasul teve seu Tratado Constitutivo5 aprovado em maio de 2008 (Quadro 6), durante
a Reunião do Conselho de Chefas e Chefes de Estado e Governo, em Brasília. A
mudança da CASA para a Unasul aumentou o nível de estruturação e institucionalização
do organismo, ampliando o conteúdo das Declarações de Cusco e Ayacucho.

5
Na Declaração de Margarita, em 2007, os Presidentes instruíram os Ministros de Relações Exteriores a criar
um Conselho de Delegados Nacionais, que deveriam fazer a redação de um projeto de Acordo Constitutivo da
Unasul. Em 2008, este projeto foi aprovado e tornou-se o Tratado Constitutivo da Unasul.

90
A Unasul integra os doze países independentes da América do Sul – Argentina, Bolívia,
Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.
Segundo seu tratado constitutivo, ela é uma organização de personalidade jurídica
internacional com o objetivo de construir uma identidade e cidadania sul-americana e
desenvolver um espaço de integração e união entre seus povos nos âmbitos cultural,
social, econômico, político, ambiental, energético e de infraestrutura (Unasul, 2008).

5.2. A estrutura da Unasul

A Unasul possui uma estrutura complexa de instituições, em sua maioria conselhos


intergovernamentais conformados por representantes de seus estados membros que se reúnem
periodicamente. Além dessas estruturas a Unasul possui também estruturas com sede física e
corpo de funcionários permanentes. Conforme seu organograma (Figura 5) é possível
observar que a Unasul estrutura-se com os seguintes componentes: Conselho de Chefas e
Chefes de Estado e Governo como a instância política mais elevada; o Conselho de Ministras
e Ministros de Relações Exteriores, que formula propostas submetidas à decisão dos Chefes
de Estado e toma as decisões executivas; o Conselho dos Delegados compõe-se de
funcionários governamentais de alto nível dedicados a organizar o trabalho dos dois
Conselhos anteriormente mencionados e a implementar suas decisões; a Secretaria Geral da
Unasul, com sede em Quito, Equador e; Conselhos Setoriais e Grupos de Trabalho temáticos.
A Presidência Pro Tempore (PPT) é ocupada por um ano e alterna entre os Estados-membros
por ordem alfabética (Buss e Ferreira, 2011).

Em 2006 foi apresentado, aos Chefes de Estado, o Informe Final da Comissão


Estratégica de Reflexão para a Integração Sul-Americana. Dentre suas conclusões
destacava-se o fato de que fortes possibilidades se abriam no âmbito de cooperação
em matéria de infraestrutura, energia, complementação industrial e agrícola, meio
ambiente, combate à pobreza e à exclusão social, fontes de financiamento para o
desenvolvimento, segurança, educação, cultura, ciência e tecnologia. Além disso,
destacou-se que estas formas de cooperação exigiriam soluções institucionais integradas.

Com isso em mente, os Presidentes dos Estados Membros chegaram à conclusão que a
melhor maneira de potencializar e coordenar os esforços que já vinham sendo realizados na

91
região seria através da criação de Conselhos Setoriais e Grupos de Trabalho (Unasul,
2006). Estes Conselhos teriam natureza intergovernamental e seriam compostos em sua
maioria por Ministros dos Estados Membros das áreas de integração de seus
respectivos setores.

92
Figura 5 – Organograma da Unasul

Fonte: Extraído do site oficial da Secretaria Geral da Unasul (www.unasursg.org).

93
Conselhos Setoriais

A Unasul possui doze Conselhos Setoriais já aprovados, criados entre 2007 e 2012,
conforme mostra o Quadro 8. Os Conselhos Setoriais se reúnem periodicamente e
elaboram planos de ação identificando problemas comuns e encontrando soluções coletivas.

Os Conselhos de Defesa e de Saúde da Unasul foram criados na mesma data, em dezembro


de 2008, quando o Conselho de Presidentes se reuniu pela primeira vez após a criação da
Unasul, na I Cúpula da América Latina e do Caribe, no Brasil.

Quadro 8 – Conselhos setoriais da Unasul


Conselho Objetivo Criação

Conselho Energético Sul- Promover o desenvolvimento de infraestruturas Nueva Esparta,


Americano (CES) energéticas dos países como base para a Venezuela, 17 de
sustentabilidade da integração sul-americana. abril de 2007.
Conselho de Defesa Sul- Consolidar a região como zona de paz; construir I Cúpula da
Americano (CDS) uma identidade sul-americana em matéria de América Latina e
defesa; fortalecer a cooperação regional em do Caribe,
matéria de defesa. Salvador, Bahia,
Brasil, 16 e 17 de
dezembro de 2008.
Conselho de Saúde Sul- Consolidar a América do Sul como um espaço I Cúpula da
Americano (CSS) de integração em saúde que contribua para a América Latina e
saúde de todos e para o desenvolvimento, do Caribe,
integrando os esforços e as conquistas dos Salvador, Bahia,
mecanismos sub-regionais MERCOSUR, ORAS- Brasil, 16 e 17 de
CONHU e OTCA. dezembro de 2008.
Conselho Sul-Americano Proporcionar a aplicação de políticas de Decisão de Quito,
de Desenvolvimento desenvolvimento social integral que permitam 10 de agosto de
Social (CSDS) superar a pobreza e as desigualdades na região. 2009.
Conselho Sul-Americano Promover a construção de redes de Decisão de Quito,
de Infraestrutura e infraestrutura, transporte e telecomunicação, 10 de agosto de
Planejamento atendendo a critérios de desenvolvimento social 2009.
(COSIPLAN) e econômico sustentáveis e preservando o
equilíbrio dos ecossistemas.
Conselho Sul-Americano Instância permanente da Unasul de consulta, Decisão de Quito,
sobre o Problema Mundial cooperação e coordenação para enfrentar o 10 de agosto de
das Drogas (CSPMD) problema mundial das drogas. 2009.
Conselho Sul-Americano Aprofundar a coordenação na área econômica e Decisão de
de Economia e Finanças financeira entre os países da Unasul e Georgetown, 26 de
(CSEF) estabelecer uma instância de diálogo, reflexão, novembro de 2010.
consulta e cooperação nesses temas.
Conselho Eleitoral (CEU) Constitui uma instância setorial responsável por Decisão Lima,
acompanhar os processos eleitorais na região, a Peru, 30 de
partir da solicitação de um estado membro. novembro de 2012.
Propiciar o desenvolvimento, uso e aplicação de
tecnologias para o aperfeiçoamento dos sistemas
eleitorais, mediante a transferência de inovação
e de boas práticas dos processos eleitorais.

94
Conselho Objetivo Criação

Conselho Sul-Americano Garantir e promover o direito à educação de Decisão Lima,


de Educação (CSE) todas e todos; implementar políticas para Peru, 30 de
melhorar a equidade, qualidade e acesso à novembro de 2012.
educação e; promover a redução das assimetrias
regionais e sub-regionais.
Conselho Sul-Americano Reconhecer e promover o valor central da Decisão Lima,
de Cultura (CSC) cultura como base para o desenvolvimento e a Peru, 30 de
superação da pobreza e das desigualdades e; novembro de 2012.
promover a redução das assimetrias regionais e
sub-regionais na promoção e acesso universal à
cultura.
Conselho Sul-Americano Promover e fortalecer a cooperação científica, Decisão Lima,
de Ciência, Tecnologia e tecnológica e de inovação e; fomentar a Peru, 30 de
Inovação (COSUCTI) mobilidade para a execução de projetos e novembro de 2012.
promover o desenvolvimento, acesso,
transferência e uso de tecnologias sociais em
benefício dos setores mais necessitados.
Conselho Sul-Americano Promover a articulação de posições comuns Decisão Lima,
em Matéria de Segurança sobre temas da agenda internacional Peru, 30 de
Cidadã, Justiça e relacionados com segurança cidadã e justiça; novembro de 2012.
Coordenação contra a promover a participação cidadã e; promover o
Delinquência Organizada intercâmbio de experiências e boas práticas para
Transnacional (DOT) fortalecer a cooperação judicial, policial e de
agências e inteligência.
Fonte: Elaborado a partir do site oficial da Secretaria Geral da Unasul (www.unasursg.org).

Apesar de todos os conselhos setoriais existirem formalmente e possuírem planos de trabalho


e objetivos, nem todos se desenvolvem com a mesma velocidade ou expressão. Um dos
atores-chave destacou que o Conselho de Saúde e o Conselho de Defesa são os conselhos
“mais desenvolvidos” com “projetos conjuntos que vem sendo trabalhados” (AC1). O
entrevistado realçou ainda a importante atuação da Unasul na “construção e defesa da
democracia” especialmente nas “situações de crises regionais”, quando a Unasul atua como
mediador (AC1).

Um dos membros do Comitê Coordenador entrevistado informou que a criação do Conselho


de Defesa apareceu no momento em que no final do governo Bush se anunciou a reativação
da IV Frota Naval dos Estados Unidos, a Frota do Atlântico Sul, ou seja, uma área
desmilitarizada na qual os Estados Unidos decidiram, por causa da Venezuela, organizar uma
frota poderosa com aviões e tropas (CC3). A reativação da IV Frota foi anunciada pelo chefe
de Operações Navais da Marinha do governo Bush em 12 de julho de 2008 com o objetivo de
intensificar a militarização para manter um cerco mais intensivo sobre a Venezuela, o que
imediatamente causou reações de descontentamento de presidentes da região como Luiz

95
Inácio Lula da Silva (Brasil), Néstor Kirchner (Argentina), Hugo Chávez (Venezuela) e Evo
Morales (Bolívia) (Silva, 2016).

Contudo, apenas quatro meses depois do anúncio, em 4 de novembro de 2008 o democrata


Barack Obama ganhou as eleições presidenciais nos Estados Unidos e como critério central
em sua ação internacional, a administração Obama buscou diferenciar-se de seu antecessor.
No caso da América Latina, a vitória de Obama despertou esperanças sobre a possibilidade
de “construir uma relação interamericana mais estreita em termos de cooperação” (Colombo
e Frechero, 2012, p. 191).

O mesmo entrevistado falou sobre como essa mudança de governo nos Estados Unidos
impactou na decisão dos Chefes de Estado da Unasul em relação à criação do Conselho de
Defesa:

“A Unasul respondeu [ao anúncio da reativação da IV Frota] com a


criação do Conselho de Defesa, mas no meio do caminho essa coisa dá
para trás, pois ficaria muito ruim uma primeira reunião com o Obama
anunciando a criação de um Conselho de Defesa na região. [Após a eleição
do Obama] ficou parecendo uma coisa muito deslocada, já que ele era
muito mais pacífico do que o Bush. Então se decide criar também um
Conselho de Saúde. Era uma coisa complicada ter um Conselho de Defesa
em uma conjuntura política já transformada. Aí é preciso criar algo de
natureza social para balancear. ” (CC3)

A defesa e a saúde foram consideradas áreas estruturantes para a Unasul e além da criação
dos dois conselhos setoriais em 2008, também foram criados em 2009 e em 2010,
respectivamente, dois centros de pensamento estratégico para essas áreas. O Centro de
Estudos Estratégicos de Defesa do Conselho de Defesa Sul-Americano (CEED-CDS) da
UNASUL foi criado em março de 2009. Com sede fixa em Buenos Aires, Argentina, o
CEED-CDS foi inaugurado em maio de 2011. Já o Conselho de Saúde aprovou em 2010 a
criação do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (ISAGS), que teve sua sede
inaugurada em 25 de julho de 2011, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil.

O Conselho de Defesa se reúne anualmente de forma ordinária e realiza também reuniões


virtuais e de sua instância executiva. Além do CEED-CDS o Conselho de Defesa aprovou em
2014 a criação da Escola de Defesa da Unasul, com sede na Secretaria Geral, em Quito,
Equador. O Conselho de Defesa desenvolve diversos projetos conjuntos como, por exemplo,
o Atlas Sul-Americano de Mapas de Risco de Desastres ocasionados por Fenômenos
Naturais, o Curso Sul-Americano de Direito Internacional Humanitário e Direitos Humanos e

96
o desenvolvimento, produção e comercialização do Avião EPB UNASUR I.

Os detalhes sobre a organização e atuação do Conselho de Saúde da Unasul serão tema de


capítulo específico que apresentarei em seguida.

Além dos Conselhos de Saúde e de Defesa, outro conselho da Unasul que merece destaque
pela atuação e a relação com a construção e manutenção da democracia na região é o
Conselho Eleitoral. A primeira missão eleitoral da Unasul nasceu com o Grupo de
Acompanhamento Eleitoral Internacional (GAEI), que foi solicitado pelo Paraguai para o
Referendum Constitucional de 09 de outubro de 2011. O GAEI participou do processo de
votação desse referendum por convite do Tribunal Supremo de Justiça Eleitoral do Paraguai.
A partir desta experiência os Conselho de Chefes de Estado e Governo criou em 2012 o
Conselho Eleitoral. Desde 2011 até outubro de 2016 foram realizadas pelo Conselho Eleitoral
20 missões eleitorais em oito países membros.

O objetivo das missões eleitorais da Unasul é apoiar os organismos eleitorais de seus países
membros para que as etapas dos processos eleitorais sejam realizadas com imparcialidade,
objetividade, independência, legalidade e transparência.

As missões eleitorais acompanham tanto eleições gerais ou nacionais, como eleições


municipais, departamentais, parlamentares e referendos constitucionais e plebiscitos. Em
2016, a Unasul foi convidada pela República Dominicana para realizar sua primeira missão
eleitoral fora da região da América do Sul. O Conselho Eleitoral acompanhou as eleições
gerais do país em maio de 2016.

Um dos entrevistados destaca como positivo a possibilidade dos países sul-americanos


poderem recorrer a mecanismo regional para garantir que o processo eleitoral ocorra de
maneira correta e siga as regras estabelecidas “e os países recorrem a esse mecanismo com
frequência e há momentos onde essas missões [eleitorais] da Unasul têm um peso político
muito grande” (AC1). O mesmo entrevistado exemplifica com a missão eleitoral da Unasul
nas eleições parlamentares da Venezuela em dezembro de 2015, “ aquela missão foi parte da
pacificação do país naquele momento” (AC1).

O Conselho de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) é o que possui a maior carteira de


projetos concretos e uma agenda definida até 2020. Apesar do COSIPLAN ter sido criado em

97
2009 (Quadro 8) ele teve como antecedente estruturante a Iniciativa para a Integração da
Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que foi criada pelos Chefes de Estado no
ano 2000, quando ainda se iniciavam as negociações para a CASA. Em 2011 a IIRSA foi
incorporada ao COSIPLAN.

“O COSIPLAN tem uma carteira com 31 projetos e um investimento de 200


bilhões de dólares, que já tem entre 20% a 25% de implementação dos
projetos. Existe também uma agenda para 2020 com metas específicas de
execução de projeto e as coisas realmente caminham. Eles têm projetos de
infraestrutura, onde o lado financeiro pesa muito, como construir pontes,
hidrovias, estrada. Acredito que as coisas andam no COSIPLAN muito por
conta do apoio técnico da IIRSA, que já existia antes e é bem estruturada.”
(AC1)

Todos os conselhos setoriais da Unasul mantêm reuniões periódicas (ver Quadro 9) de suas
instâncias, que podem ser a reunião dos ministros daquele setor, ou a reunião de técnicos dos
ministérios indicados para representarem os países nas instâncias executivas de cada
conselho, como é o caso do Comitê Coordenador do Conselho de Saúde, ou em instâncias
técnicas, como grupos de trabalho para temas específicos. Essas reuniões podem ser
presenciais ou virtuais, segundo o Regulamento Geral da Unasul (2012), e necessitam contar
com um quórum mínimo de países para terem validade, a regra diz que o número mínimo é
metade dos países membros mais um.

As atividades de cada conselho variam, assim como a estrutura de cada um e a frequência


com que suas instâncias se reúnem. No Quadro 9 é possível observar que enquanto alguns
conselhos estão realizando a segunda ou terceira reunião, outros já realizaram mais de uma
dezena delas. Outro tema que vale observar é o protagonismo do país que possui a
Presidência Pro Tempore (PPT) da Unasul na organização das reuniões dos conselhos. O
Uruguai deteve a PPT entre abril de 2015 e abril de 2016 e nesse período oito das 12 reuniões
realizadas ocorreram na capital deste país. Finalmente, os temas e atividades de cada
conselho são bastante variados, não apenas por que cada um trata de uma temática específica,
mas porque possuem estágios de desenvolvimento distintos e níveis de interesse dos estados
membro também diferentes. Contudo, apesar das marcadas diferenças, alguns temas são
recorrentes e podem ser destacados: (1) a convergência de agendas com outros mecanismos
sub-regionais; (2) a definição de posições comuns da região para serem apresentadas em

98
fóruns globais (ex.: AMS e UNGASS); (3) o tema de gestão de riscos e desastres naturais e;
(4) o intercâmbio e boas práticas entre os países membros (Quadro 9).

Quadro 9 – Últimas reuniões realizadas pelos conselhos setoriais da Unasul

Reuniões
ordinárias
Conselho Última reunião, local, data Principais temas
Ministros
2008-2016
Conselho V Reunião do Conselho Aumentar o uso de recursos renováveis,
Energético Sul- Energético, Quito, Equador reduzindo os efeitos do câmbio climático e
Americano (CES) 5 1 de julho de 2016 assegurando o papel do desenvolvimento
energético como elemento fundamental da
inclusão social
Conselho de XII Reunião da Instância Plataforma web SIGRID CDS-UNASUR,
Defesa Sul- Executiva do Conselho de Atlas Sul-Americano de Mapas de Risco
5
Americano (CDS) Defesa, Montevidéu, de Desastres ocasionados por Fenômenos
Uruguai Naturais, CEED e Escola de Defesa
16 de dezembro de 2015
Conselho de Saúde XXII Reunião Posições comuns do bloco na 69 AMS;
Sul-Americano Extraordinária do Conselho Designação Diretora ISAGS; Terremoto
9
(CSS) de Saúde, Genebra, Suíça no Equador
23 de maio de 2016
Conselho Sul- VII Reunião de Ministras e Apresentação do Plano de Ação 2015-
Americano de Ministros do Conselho Sul- 2017, focado nos temas: desenvolvimento
Desenvolvimento Americano de com inclusão; segurança alimentar e luta
Social (CSDS) 7 Desenvolvimento Social, contra a fome; economia social, solidária e
Montevidéu, Uruguai inclusão produtiva; e participação social
29 de maio de 2015

Conselho Sul- VI Reunião Ordinária de Integração Territorial Transfronteiriça;


Americano de Ministros do COSIPLAN, Terminais de carga aérea em aeroportos
Infraestrutura e Caracas, Venezuela dos países membros; Conectividade aérea
Planejamento 6 03 de dezembro de 2015 entre os países do Eixo do Escudo
(COSIPLAN) Guianês; transporte de cargas e logística;
Riscos e Desastres e; Integração comercial
por envios postais
Conselho Sul- V Reunião do Conselho Sul- Definição de posições comuns para serem
Americano sobre o Americano sobre o apresentadas na Sessão Especial da
Problema Mundial Problema Mundial das Assembleia Geral das Nações Unidas
das Drogas Drogas, Montevidéu, (UNGASS) em abril de 2016: Princípio da
(CSPMD) 5 Uruguai responsabilidade comum e compartida;
19 de fevereiro de 2016 enfoque integral, equilibrado,
multidisciplinar e sustentável; enfoque de
Direitos Humanos e; mecanismos de luta
contra o narcotráfico e o crime organizado
Conselho Sul- IV Reunião Ordinária do Arquitetura financeira regional;
Americano de Conselho Sul-Americano de cooperação e integração monetária e
Economia e 4 Economia e Finanças, financeira e; Solução de Controvérsias em
Finanças (CSEF) Buenos Aires, Argentina Matéria de Investimentos
25 de julho de 2014
Conselho Eleitoral II Reunião Ordinária do Implementação e promoção de boas
(CEU) Conselho Eleitoral da práticas eleitorais; fortalecimento dos
2 Unasul, Montevidéu, sistemas eleitorais dos países membros e
Uruguai da região e; missões eleitorais
16 de março de 2016

99
Reuniões
ordinárias
Conselho Última reunião, local, data Principais temas
Ministros
2008-2016
Conselho Sul- VI Reunião da Instância Sinergias entre Unasul e Mercosul;
Americano de Executiva do Conselho Sul- Combate ao tráfico ilícito de bens culturais
Educação (CSE) 2 Americano de Educação, e; empoderamento dos jovens estudantes
Montevidéu, Uruguai
14 e 15 de abril de 2016
Conselho Sul- III Reunião do Conselho Convergência de agendas entre blocos da
Americano de Sul-Americano de Cultura, região; prevenção e luta contra o tráfico
Cultura (CSC) 3 Montevidéu, Uruguai ilícito de bens culturais e patrimoniais;
4 de setembro de 2015 Bienal Internacional de Arte Unasul;
programas audiovisuais Expreso Sur
Conselho Sul- Reunião de Altos Delegados Estratégias socioeducativas e sócio
Americano de do COSUCTI, Montevidéu, tecnológicas em soberania e segurança
Ciência, Uruguai alimentar; doenças transmitidas por
Tecnologia e 13 e 14 de abril de 2016 vetores; apoio científico e tecnológico a
1
Inovação projetos de outros conselhos da Unasul;
(COSUCTI) restrições financeiras na região e;
necessidade de contar com um estado de
situação da CTI da região
Conselho Sul- III Reunião do Conselho Criação da Rede Unasul contra a
Americano em Sul-Americano em Matéria delinquência organizada transnacional;
Matéria de de Segurança Cidadã, Justiça regras mínimas da Unasul sobre acesso à
Segurança Cidadã, e Coordenação contra a justiça e; relação com a União Europeia
Justiça e Delinquência Organizada
Coordenação 3 Transnacional, Montevidéu,
contra a Uruguai
Delinquência 30 de outubro de 2015
Organizada
Transnacional
(DOT)
Fonte: Elaboração a partir das atas das 12 reuniões obtidas no Arquivo Digital da Secretaria Geral da Unasul
(www.docs.unasursg.org)

Além da estrutura interna de cada conselho setorial, a Secretaria Geral da Unasul possui um
corpo de funcionários dedicados ao acompanhamento das atividades de cada conselho.

Secretaria Geral da Unasul

A Secretaria Geral da Unasul, com sede em Quito, Equador, é o órgão técnico e de apoio que
executa os mandatos que recebe do Conselho de Chefas e Chefes de Estado e Governo, bem
como mandatos provenientes das demais autoridades da Unasul. A Secretaria Geral possui
um corpo de funcionários misto: funcionários representantes de seus estados membros, em
grande parte funcionários dos Ministérios das Relações Exteriores dos países alocados na em
Quito por um período determinado; funcionários internacionais que passam por processo de

100
concurso internacional e se dedicam exclusivamente a atividades da Secretaria Geral da
Unasul e; funcionários nacionais, em geral para cargos de apoio, como administração,
informática e eventos. Todas os funcionários respondem ao Secretário Geral da Unasul, que é
designado para um mandato de dois anos pelo Conselho de Chefas e Chefes de Estado e
Governo.

A Unasul já teve quatro Secretários Gerais desde a criação da Secretaria Geral: o ex-
presidente argentino Néstor Kirchner foi o primeiro designado e assumiu a função em 4 de
maio de 2010. Após sua morte a embaixadora e ex-ministra de relações exteriores da
Colômbia María Emma Mejía assumiu como Secretária Geral (maio de 2011 a junho de
2012) e por impossibilidade de um acordo entre seu país e a Venezuela, dividiu o mandato
com o também embaixador e ex-ministro das relações exteriores venezuelano Alí Rodríguez
Araque (junho de 2012 a agosto de 2014). Após extensos debates, que levaram mais de um
ano, os países membros da Unasul conseguiram chegar ao consenso de um nome para
assumir a Secretaria Geral e nomearam o ex-presidente colombiano Ernesto Samper em 22 de
agosto de 2014.

Até o ano de 2015 os Conselhos Setoriais eram monitorados pelos funcionários dos
Ministérios das Relações Exteriores dos países membros que trabalhavam na Secretaria
Geral. Cada país selecionava os conselhos que gostaria de acompanhar e seus funcionários
participavam das reuniões, organizavam a documentação dentro da Secretaria Geral,
mantinham uma linha de diálogo com os Ministros e representantes dos países naquela área
específica.

Em janeiro de 2015 foram publicados os concursos para as cinco Direções Técnicas da


Secretaria Geral da Unasul, criadas pela Resolução 01/2015 do Conselho de Ministras e
Ministros de Relações Internacionais. Os concursos foram realizados e os diretores
assumiram suas funções em meados do ano de 2015. Cada uma dessas Direções Técnicas é
hoje responsável por acompanhar um grupo de conselhos setoriais (ver Quadro 10).

101
Quadro 10 – Direções Técnicas da Secretaria Geral da Unasul
Direção Técnica Diretor, país Conselhos que acompanha
Direção de Assuntos Pedro Silva Barros, Brasil COSIPLAN - Infraestrutura e Planejamento;
Econômicos CSEF - Economia e Finanças;
CES - Energético; COSUCTI - Ciência, Tecnologia
e Inovação
Direção de Assuntos Mariano Nascone, CSC - Cultura;
Sociais Argentina CSDS - Desenvolvimento Social;
CSE - Educação;
CSS - Saúde e o ISAGS
Direção de Assuntos Mauricio Dorfler Ocampo, CSD – Defesa;
Políticos e Defesa Bolívia CEU – Eleitoral
Direção de Segurança David Álvarez Veloso, CSPMD - Problema Mundial das Drogas;
Cidadã e Justiça Chile DOT - Segurança Cidadã, Justiça e Coordenação de
Ações contra a Delinquência Organizada
Transnacional
Direção de Cooperação Ricardo Malca Alvariño, Conselho de Ministras e Ministros de Relações
Internacional e Agenda Peru Exteriores;
Técnica Convergência com organismos sub-regionais;
Cooperação internacional e relacionamento com
terceiros
Fonte: Elaborado a partir do site oficial da Secretaria Geral da Unasul (www.unasursg.org).

A Unasul como um modelo inovador de integração regional

Entre as prioridades da Unasul estão o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a


energia, a infraestrutura, o financiamento e o meio ambiente, com o objetivo de eliminar a
desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã,
fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias, a partir do fortalecimento da soberania dos
Estados.

A forte ênfase nas questões sociais, na eliminação de iniquidades e no fortalecimento das


soberanias nacionais apontam para a inovação no modelo de integração regional proposto
pela Unasul. Segundo o embaixador Simões (2011, p.26), a Unasul rompe com um
paradigma histórico de integração na região sul-americana, pois o objetivo declarado do
bloco “não é converter-se em um bloco comercial no curto prazo, senão ampliar as
possibilidades de cooperação em áreas como infraestrutura, energia, defesa política social,
educação e saúde”.

O modelo de integração regional proposto pela Unasul não tem como objetivo a
constituição de estruturas supranacionais ao longo da consolidação de seu processo de
integração, mas o fortalecimento das soberanias nacionais. A integração na Unasul deve

102
ocorrer pelo exercício da diplomacia dos doze Estados-membros em identificar
oportunidades e negociar acordos oportunos em distintas áreas definidas como estruturais
pelos Chefes de Estado da América do Sul, com o objetivo final de alcançar crescimento
econômico e justiça social para a região (Sanahuja, 2012) (Simões, 2011). Essa
característica, que é criticada pelos autores céticos, por considerarem que desta forma não
se chega de fato a um processo de integração regional, mas a uma instância de concertação
política, pode representar uma inovação no modelo de integração.

Saludjian (2013) questiona essa “inovação” do modelo de integração regional da Unasul, e


cita um trecho da Declaração de Cusco (2004) que inclui entre os aspectos presentes no
momento da criação da CASA “a convergência entre Mercosul e Chile através do
aperfeiçoamento da zona de livre comércio”, elemento que, segundo o autor, mantém a
integração sul-americana dentro do “modelo econômico do regionalismo aberto”
(Saludjian, 2013, p.22).

Contudo, o caráter político do modelo de integração da Unasul, destacado por todos os


entrevistados, e presente na atuação de suas estruturas, demonstra que o objetivo da Unasul
não é constituir um bloco econômico, ou fortalecer a região apenas pelo aumento do fluxo
do comércio, mas visa a manutenção e o fortalecimento das democracias nacionais de seus
estados-membros, bem como a ampliação do grau de autonomia da região em relação à
intervenção de agentes externos, em particular os Estados Unidos, e a defesa dos interesses
e necessidades da região. Na atuação no campo da saúde, a Unasul inovou através do
exercício da diplomacia em saúde, da defesa dos interesses regionais e do fortalecimento
das soberanias sanitárias.

6. A UNASUL E A SAÚDE
103
A saúde não aparece diretamente nas prioridades elencadas nos objetivos do Tratado
Constitutivo da Unasul de 2008. Porém, a letra j do artigo 3 do mesmo tratado inclui entre
os objetivos específicos da UNASUL “o acesso universal à seguridade social e aos
serviços de saúde” (Unasur, 2008). O Tratado constitutivo da Unasul não volta a mencionar
a saúde, contudo, segundo Ventura (2013, p. 12) “a prática dos Estados-membros fez dela
[a saúde] um dos mais dinâmicos domínios da integração regional”.

Este capítulo apresenta como a saúde está inserida no processo de integração regional da
Unasul e está dividido em quatro partes. A primeira descreve o processo de criação do
Conselho de Saúde e todas as instâncias que compõem a estrutura do CSS. A segunda parte
analisa a governança do Conselho de Saúde da Unasul, a partir dos mecanismos de tomada
de decisão existentes e da identificação dos espaços nos quais ocorrem as relações e
arranjos entre os atores envolvidos. A terceira sessão deste capítulo é dedicada explorar os
campos de atuação do Conselho de Saúde entre o período entre 2008 e 2015. Finalmente a
última parte analisa a formulação da agenda em saúde da Unasul.

6.1. Criação e estrutura do Conselho de Saúde Sul-Americano

Sete meses após a criação da Unasul, em maio de 20086, os Presidentes da região voltaram
a se reunir na Costa do Sauipe, Bahia, para realizar a Cúpula Extraordinária da União de
Nações Sul-Americanas (Unasul), em dezembro de 2008. Nessa reunião foram assinadas a
Declaração da Costa do Sauipe e duas Decisões: uma criou o Conselho de Defesa Sul-
Americano e a outra o Conselho de Saúde Sul-Americano (doravante denominado
Conselho de Saúde ou CSS).

Os objetivos principais do CSS segundo a Decisão dos Chefes de Estado que criou o
Conselho de Saúde são:

 Fortalecer a União promovendo políticas comuns, atividades coordenadas e

6
Ver o Quadro 6 – Reuniões de Chefes de Estado e Governo que antecederam a criação da Unasul, no capítulo
5.

104
cooperação em saúde entre os países da Unasul;
 Identificar determinantes sociais críticos para a saúde e propiciar políticas e
ações intersetoriais, tais como: segurança alimentícia, ambiente saudável,
mudança climática, entre outros;
 Promover a resposta coordenada e solidária ante as situações de emergências e
catástrofes;
 Promover a investigação e desenvolvimento de inovações em saúde;
 Avançar no processo de harmonização e homologação de normas em saúde.

Diversos autores, Almeida et al. (2010), Bueno et al (2013), Herrero e Tussie (2015),
Riggirozzi (2014) e Ventura, 2013, examinam a criação do Conselho de Saúde a partir dos
objetivos expressados na Decisão dos Chefes de Estado, que além de afirmar a saúde como
um direito fundamental do ser humano e da sociedade e um componente vital do e para o
desenvolvimento humano, reforça a importância de que o CSS incorpore e integre os
esforços e avanços sub-regionais do Mercosul, do Organismo Andino de Saúde (ORAS-
CONHU) e da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), agindo como
um agente catalisador, capaz de consolidar a América do Sul como um espaço de
integração em saúde (Unasur, 2008b). Buss e Ferreira (2011, p.2703) acrescentam, além
das experiências do Oras-Conhu e do Mercosul, “as experiências de cooperação em saúde
desenvolvidas nos diversos órgãos de integração sub-regional na América Latina e Caribe,
como o Sistema de Integração Centro-Americano (SICA), a Comunidade do Caribe
(Caricom), a Alba e o Projeto Mesoamérica”, como antecedentes importantes da
constituição do Conselho de Saúde da Unasul7.

A Decisão que criou o Conselho de Saúde declara também o consenso de que a saúde é
propulsora da integração regional, opera como instrumento de redução de iniquidades entre
os sistemas de saúde dos países-membros e indica a necessidade de impulsionar a
participação cidadã nas discussões em saúde (Unasur, 2008).

A partir das entrevistas realizadas foi possível ampliar as circunstâncias da criação do


Conselho de Saúde. Além da informação já descrita sobre a necessidade de criar outro
conselho setorial conjuntamente com o Conselho de Defesa, devido às mudanças na política
dos Estados Unidos, que teria dado origem à criação do Conselho de Saúde na mesma
7
Esse acúmulo de experiências em cooperação e integração em saúde na região está descrito no Quadro 4, no
Capítulo 4.

105
reunião de presidentes, agrupando as informações oferecidas pelos entrevistados, foi possível
identificar diversos fatores que influenciaram na criação do CSS:

 Articulações prévias em fóruns multilaterais;


 Saúde como um eixo aglutinador;
 Somatório entre alinhamento político e acúmulo de experiências

Articulações prévias em fóruns multilaterais

A presença da cooperação e da integração em saúde na Região das Américas e especialmente


na América Latina já foi explorada no Capítulo 4 e todos os autores que escrevem sobre a
criação do Conselho de Saúde citam a importância do acúmulo de experiências dos
mecanismos sub-regionais. O próprio texto da Decisão dos Presidentes que cria o CSS
destaca as experiências anteriores do Mercosul, CAN e OTCA. Ou seja, esse acúmulo
certamente facilitou o processo de integração em saúde entre os países sul-americanos para
propiciar a criação do CSS.

O que as entrevistas agregaram foi o elemento dessa coordenação entre Ministros e


funcionários dos Ministérios da Saúde da América do Sul em fóruns multilaterais, como
reuniões da OMS e da OPAS, anos antes da criação do Conselho de Saúde. Essas articulações
anteriores entre os atores construíram uma base inicial que em 2008 deu aos Presidentes
insumos suficientes para a criação do CSS.

“O pessoal da saúde desde 2007 se reunia paralelamente nas reuniões da


AMS [Assembleia Mundial da Saúde – OMS] lá em Genebra. A gente já
pensava nessa época em integração em saúde na região. Eu me lembro do
pessoal da Venezuela organizando uma reunião dos ministros de saúde da
América do Sul em Genebra, dois anos antes do Conselho de Saúde [da
Unasul] ser criado.” (CC3)

“Antes da criação do Conselho de Saúde já existiam movimentos de


integração, especialmente em atuações na Organização Mundial da Saúde,
onde já estávamos negociando conjuntamente umas políticas dentro da OMS,
que estavam relacionadas com desenvolvimento de patentes. Argentina,
Bolívia, Brasil e Suriname estavam negociando em 2006 uma posição

106
conjunta e outros países foram se somando e formamos um grupo.” (CC9)

“Creio que entra no pacote os antecedentes que já tinham os países, de


trabalho com os processos de integração sub-regionais, especialmente com
as relações estabelecidas no Mercosul e no Organismo Andino. Acredito que
essas são experiências particularmente positivas de contato prévio.” (CC10)

“A gente já vinha amadurecendo a ideia de um conselho de saúde nas


reuniões de Genebra [OMS] e nas reuniões de Washington [OPAS]. Então
na reunião da Costa do Sauipe, os chanceleres e os presidentes puderam
lançar além do Conselho de Defesa, também o Conselho de Saúde, porque a
gente já tinha criado uma estrutura mínima para isso acontecer.” (CC3)

Saúde como um eixo aglutinador

Alguns entrevistados afirmaram que o próprio foco de integração da Unasul, que estabeleceu
em seu Tratado Constitutivo o objetivo de construir um espaço de integração e união no
âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos, priorizando o diálogo político,
as políticas sociais (...) poderia ser a resposta para a criação do CSS, uma vez que a saúde
estaria necessariamente contemplada nessa visão.

“A saúde é um eixo aglutinador e serve para aproximar as


populações.”(CC5)

“O foco da integração na Unasul não era tanto a integração econômica,


como é o caso do Caricom, mas está mais direcionado para a integração
política e o bem-estar dos povos, o que está muito ligado à saúde. Uma visão
política de melhorar a existência dos nossos povos precisa passar pela
saúde.” (CC9)

Contudo o Tratado Constitutivo da Unasul fala explicitamente em educação e infraestrutura,


Conselhos Setoriais que foram criados em anos posteriores ao da saúde8. Esses dois setores

8
Ver o Quadro 8 – Conselhos Setoriais da Uansul, no capítulo 5.

107
também já haviam sido tema de Declarações específicas dos Chefes de Estado9. Assim, ainda
que a saúde seja fundamental para eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a
inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias,
objetivo maior do processo de integração da Unasul, conforme seu Tratado Constitutivo, a
decisão de criar o CSS parece haver dependido de mais elementos do que apenas a natureza
aglutinadora da saúde.

Somatório entre alinhamento político e acúmulo de experiências

Os fatores que influenciaram a criação do Conselho de Saúde não são excludentes


mutuamente, mas ao contrário se somam para criar um cenário singular para a criação do
CSS. O alinhamento político dos países da região, o acúmulo de experiências de cooperação e
integração em saúde na região e o potencial aglutinador da área da saúde constroem uma
conjuntura propícia para a Decisão dos Presidentes de criar o CSS.

“A semelhança dos ideais e políticas da maioria dos países da região sul-


americana, somados ao desejo de buscar um mecanismo comum de
integração regional que permitisse avançar em políticas nacionais em
saúde.” (CC2)

“Foi um momento muito singular, no qual havia uma série de governos que
se poderia chamar de corte progressista, digamos assim, ou de ênfase nas
políticas sociais, e a saúde exatamente por esse enfoque dos governos e pelo
acúmulo de processos do passado, é uma área que se organiza e se estrutura
de maneira mais consistente.” (AC2)

Apesar do alinhamento político, nem todos os países se sentiram incluídos no processo de


criação do Conselho de Saúde e outros tiveram papel protagônico. Os entrevistados destacam
o envolvimento da Argentina, da Bolívia, do Brasil e do Chile, que detinha a Presidência Pro
Tempore da Unasul (maio de 2008 a agosto de 2009), além da Secretaria do Organismo
Andino de Saúde, na pessoa de seu Secretário Executivo à época, Oscar Feo (AC 2, AC3,
AC4 e CC3).

9
Ver o Quadro 6 – Reuniões de Chefes de Estado e Governo que antecederam a criação da Unasul, no capítulo
5.

108
Um dos representantes do Comitê Coordenador destacou, porém que seu país não participou
tão ativamente do processo de criação do Conselho de Saúde, pois via no processo de
integração da Unasul um componente ideológico muito diferente do seu Governo, além disso,
no próprio âmbito da saúde “se incluem de início alguns aspectos, como por exemplo,
sistemas universais de saúde, enquanto que o meu país tem um sistema de asseguramento e,
portanto, não se vê tão representado” (CC4). Outro representante do Comitê Coordenador
entrevistado diz que na criação do Conselho de Saúde o seu país não participou ativamente,
pois o Tratado Constitutivo da Unasul somente foi ratificado pelo parlamento em outubro de
2010 e apenas a partir desta data é que o Ministério de Saúde passou a se incorporar nos
debates da Unasul (CC10).

Pressão dos movimentos populares

Ainda que secundária, a pressão dos movimentos sociais foi também um elemento no
processo de criação do Conselho de Saúde da Unasul destacado por entrevistados.
Movimentos sociais da América Latina se reuniram na Bolívia com o objetivo de influenciar
nos debates dos Presidentes da América do Sul que estavam reunidos no país. Segundo
atores-chave entrevistados, uma das recomendações dos movimentos sociais foi a elaboração
de uma agenda regional em saúde.

Ocorreu em Cochabamba, entre os dias 6 e 9 de dezembro de 2006, de maneira simultânea à


II Cúpula da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA) (Figura 6), a Cúpula Social
pela Integração dos Povos. A Cúpula Social foi convocada e organizada pela Alianza Social
Continental e pelo Movimiento Boliviano por la Soberanía e Integración Solidaria de los
Pueblos. Os objetivos desta Cúpula eram reforçar a luta e a resistência ao livre comércio, ao
neoliberalismo, à militarização e lutar por uma integração regional sul-americana que
estivesse à serviço de seus povos. O Manifesto de Cochabamba, documento que emergiu da
Cúpula Social tratou de temas como soberania alimentar, equidade de gênero, participação
popular e direitos humanos.

“O elemento central para a constituição do Conselho Sul-Americano de


Saúde foi a reunião que os presidentes tiveram na Bolívia, em 2006. Essa
reunião de Chefes de Estado foi acompanhada de uma cúpula social, e a

109
recomendação fundamental desta cúpula foi a construção de uma agenda
sul-americana para a saúde. E essa recomendação foi levada pela Ministra
de Saúde da Bolívia, Nila Heredia, e pelo Secretário do Organismo Andino
de Saúde, Oscar Feo, até a reunião dos chanceleres e depois a dos
presidentes. E a reunião de presidentes a assumiu. O que quero ressaltar
com isso é que o Conselho Sul-Americano de Saúde não surge como uma
iniciativa dos Ministérios de Saúde, mas sim como uma iniciativa dos
movimentos populares assumida pelos presidentes.” (AC4)

“Em realidade a segunda reunião da CASA aconteceu na Bolívia, em


Cochabamba, em dezembro de 2006. E a saúde também fez uma reunião
paralela de Ministérios de Saúde com movimentos sociais de saúde para
definir os primeiros critérios sobre o que deveria fazer a região em âmbito
de saúde. Então a partir das conclusões dessa reunião, que levamos até os
presidentes que estavam também reunidos, se aprovou uma recomendação
para que os Ministros de Saúde elaborassem uma estratégia regional. (...) O
tema da saúde não formava parte inicialmente do documento da reunião de
presidentes, mas havia na Bolívia, naquele momento, um terreno fértil para
que os presidentes e até os chanceleres pudessem compreender que havia
uma presença dos grupos sociais e que eles estavam preocupados com a
incorporação do tema da saúde nessa posição política da região.” (AC3)

Como mostra o Quadro 610, os presidentes aprovaram na II Cúpula da CASA a Decisão


“Rumo à construção de uma política e agenda regional em matéria de saúde”, que afirma que
“com o objetivo de alcançar um compromisso sul-americano pela equidade e inclusão social
que garanta o acesso universal aos serviços de saúde a todos os habitantes da região”
solicitam que Ministros de Saúde elaborem uma agenda de saúde regional. O texto da
Decisão explicita que essa agenda seja elaborada em articulação com o Mercosul, com a
CAN e a OTCA e assegure “um fluido diálogo com os movimentos sociais”.

Apesar de somente na Cúpula Extraordinária da União de Nações Sul-Americanas (Unasul),


realizada na Costa do Sauipe, Bahia, em dezembro de 2008, os Chefes de Estado terem
aprovado a Decisão que criou o Conselho de Saúde, existiram uma série de reuniões e ações

10
O Quadro 6 – Reuniões de Chefes de Estado e Governo que antecederam a criação da Unasul foi
apresentado no Capítulo 5 desta tese, quando se analisou a criação da Unasul.

110
que ocorreram entre Cochabamba (2006) e Costa do Sauipe (2008) que foram parte da
institucionalização do Conselho de Saúde e da definição de sua estrutura inicial (ver Figura
6).

Dos 20 entrevistados, apenas cinco participaram desse período de criação e


institucionalização inicial do Conselho de Saúde. Isso se deve à grande rotatividade de
dirigentes nos Ministérios da Saúde da região, tema que será tratado mais adiante quando a
governança do CSS for analisada. Destes cinco, três fizeram menção a este período
preparatório que durou dois anos, de 9 dezembro de 2006 a 23 de dezembro de 2008 (Figura
6). O próprio Plano Quinquenal do Conselho de Saúde 2010-2015, em seu capítulo de
apresentação faz menção apenas à criação do CSS em 2008, não mencionando as etapas
anteriores.

Os três entrevistados que descreveram essa etapa preparatória destacaram a liderança da


Bolívia, do Brasil, do Chile e da Secretaria Executiva do Oras-Conhu no processo de
elaboração do documento (AC3, AC4 e CC3).

O protagonismo do Brasil já havia sido identificado em todo o processo de criação da Unasul,


contudo, é importante observar que no mesmo período da criação do Conselho de Saúde, o
Brasil também estava assumindo globalmente ascendência nos esforços de construir relações
mais consistentes entre saúde e política externa. Na primeira década do século XXI o Brasil
reconhece a saúde “como tema predominante na agenda nacional de cooperação Sul-Sul,
revelando uma aproximação sem precedentes entre os Ministério das Relações Exteriores e
da Saúde” (Almeida et al, 2010, p. 26).

O destaque para a Bolívia e o Chile nessas etapas está relacionado com o fato dos dois países
estarem na PPT da Unasul durante esse período. O presidente da Bolívia, Evo Morales,
exerceu a Presidência Pro Tempore da ainda CASA entre dezembro de 2006 até maio de
2008, quando a entregou à presidente do Chile, Michelle Bachelet.

A Agenda Sul-Americana de Saúde foi elaborada nesse período prévio à criação do Conselho
de Saúde (Figura 6). Nela foram definidos os “cinco eixos prioritários” (AC3), que mais
tarde foram incorporados ao Plano Quinquenal e deram origem aos Grupos Técnicos.

A Figura 6 ilustra oito momentos fundamentais que antecederam a criação do Conselho Sul-

111
Americano de Saúde. O processo levou dois anos: desde a II Cúpula da CASA em
Cochabamba, Bolívia, em dezembro de 2006, onde os Chefes de estado da América do Sul
aprovaram a Decisão “Rumo à construção de uma política e agenda regional em matéria de
saúde”, que solicitou aos Ministros de Saúde que elaborassem uma agenda sul-americana em
saúde; até a criação do Conselho de Saúde em dezembro de 2008. Após a solicitação dos
Presidentes, os Ministros de e autoridades dos Ministérios de Saúde se reuniram sete vezes
para avançar na elaboração de uma agenda sul-americana de saúde. Das sete reuniões, cinco
foram realizadas aproveitando outros espaços técnicos, sub-regionais, continentais e globais,
nos quais os países da América do Sul estavam presentes. A Assembleia Mundial da Saúde,
da OMS, a Conferência Sanitária Pan Americana de Saúde, da OPAS e a Reunião de
Ministros de Saúde da Área Andina, da CAN, foram alguns desses espaços.

112
Figura 6 – De Cochabamba à Costa do Sauipe: constituindo o Conselho de Saúde da Unasul

Fonte: Elaborado a partir de informações obtidas através das entrevistas e do documento SELA, 2010 e ORAS-CONHU, 2009.

113
A criação do Conselho de Saúde da Unasul decorreu de um somatório de fatores, que reúnem
a identificação da saúde como um campo propulsor da integração regional e que opera como
instrumento de redução de iniquidades; o histórico de cooperação em saúde nas Américas,
que foi iniciado pela OPAS e está presente em todos os processos de integração regional da
América Latina; a conjuntura política de alinhamento dos governos da região, que propiciou a
criação da própria Unasul e possibilitou o consenso em temas relacionados com a saúde,
como o reconhecimento da saúde como um direito universal e; a pressão de movimentos
populares para a elaboração de uma agenda regional em saúde, que foi recebida pelos
governos da região, por se tratarem de governos que possuíam uma proximidade e um
diálogo com esses movimentos.

Estruturação do CSS e elaboração do Plano Quinquenal

A partir da criação do Conselho de Saúde, em dezembro de 2008, começaram os processos


de planejamento conjunto dos próximos passos e a definição da estrutura (CC3 e CC5).

Na Decisão da Costa do Sauipe (Unasur, 2008b) que criou o Conselho de Saúde os


presidentes haviam definido a instância máxima decisória, conformada pelos Ministros de
Saúde, um Comitê Coordenador que deveria ser constituído por um representante titular e
um alterno por cada estado membro, designado pelos Ministros e Ministras e um
representante do Mercosul, do Oras-Conhu, da OTCA e da OPAS na qualidade de
observadores, em forma transitória. Além destas duas instâncias, a Decisão também
esclarece que a Presidência Pro Tempore do Conselho de Saúde deve ser exercida pelo
Ministro da Saúde do país que detiver a PPT da Unasul e que o Ministério que estiver
desempenhando a PPT será responsável pela Secretaria Técnica do Conselho, apoiado
pelos Ministérios da PPT passada e seguinte. Finalmente o documento aponta para a
criação de Grupos Técnicos para áreas de trabalho definidas com a coordenação a cargo
de um país e com outro país como coordenador alterno.

“Na Costa do Sauipe foram anunciadas as intenções políticas, com a


criação dos dois conselhos [Conselho de Defesa e Conselho de Saúde],
mas a estrutura se arruma em abril de 2009, em Santiago do Chile. O
Chile, que era a Presidência Pro Tempore da Unasul, convoca a reunião
e os Ministros de Saúde comparecem. Vão também altos funcionários dos

114
Ministérios, que também se reúnem e dão início ao que seria o Comitê
Coordenador.” (CC3)

A Reunião Constitutiva do Conselho de Saúde Sul-Americano, como foi denominada a


primeira reunião do CSS, foi realizada no dia 21 de abril de 2009, em Santiago, Chile.
Nesta reunião, os Ministros e representantes dos países membros aprovaram quatro
acordos, a partir dos quais definiram as funções do Comitê Coordenador; os cinco Grupos
Técnicos e suas coordenações (ver Figuras 5 e 6); as orientações para o Plano de Trabalho
2009-2010 e; acordaram alto compromisso político regional em relação ao combate à
dengue na América do Sul.

Essa reunião foi precedida por uma reunião do Comitê Coordenador, que foi realizada no
dia anterior da reunião dos Ministros. Essa reunião preparou toda a documentação que foi
aprovada pelos Ministros e definiu o padrão para reuniões ordinárias do Conselho de
Saúde, que passaram sempre a serem precedidas por uma reunião do Comitê Coordenador.

Alguns entrevistados destacaram a facilidade nas negociações entre os representantes dos


Ministérios da Saúde nessa primeira reunião do Comitê Coordenador. Os entrevistados
esclareceram que como os atores envolvidos já se conheciam e possuíam um histórico de
trabalho conjunto prévio, tanto nos espaços multilaterais, OPAS e OMS, como nos
organismos sub-regionais, o que facilitou o consenso no âmbito da Unasul (CC3, CC5 e
CC7). A Figura 6 mostra como esses atores utilizaram os encontros de outros organismos
para trabalhar na elaboração da Agenda de Saúde Sul-Americana.

A estrutura do Conselho de Saúde composta dos Ministros de Saúde dos 12 estados


membros da Unasul, um comitê coordenador, formado por representantes dos Ministérios,
uma secretaria técnica e os cinco Grupos Técnicos (GTs) foi então definida. Um dos
representantes do Comitê Coordenador entrevistado afirma que “é neste momento que o
Conselho de Saúde passa a ter uma vida institucional” (CC7).

“Nós olhamos como era a estrutura do Conselho de Presidentes –


Presidentes, Ministros de Relações Exteriores e os Conselhos Setoriais –
e decidimos rebater essa estrutura para dentro do Conselho de Saúde. Os
Ministros, o Comitê Coordenador e as áreas setoriais com os temas mais
importantes dentro do setor saúde [Grupos Técnicos].” (CC3)

115
A Figura 7 exibe o organograma do Conselho de Saúde com todas as instâncias criadas até o ano de
2016. Os Grupos Técnicos foram todos criados na mesma ocasião, em 2009, enquanto que as Redes
forma sendo criadas em anos diferentes, como mostra a figura.

Figura 7 – Organograma do Conselho Sul-Americano de Saúde

Fonte: Adaptado de ISAGS/Unasur, 2013.

Outra definição desta reunião que marcou definitivamente a estrutura do Conselho de


Saúde são as áreas de trabalho dos Grupos Técnicos. Dois representantes do Comitê
Coordenador destacam que os GTs foram criados nesse momento e permaneceram com a
mesma divisão, “(...) naquele momento foram definidas cinco áreas prioritárias que deram
origem a cinco grupos técnicos, que hoje seguem exatamente os mesmos, inclusive os
países que foram designados para coordenar cada grupo” (CC7). “Os grupos foram
determinados, podemos dizer, de maneira meio arbitrária, mas de alguma forma
correspondiam um pouco à estrutura da saúde pública” (CC3).

Na determinação das cinco áreas prioritárias de trabalho, que deram origem aos GTs, é
importante destacar que ainda que vigilância em saúde e recursos humanos fossem temas

116
clássicos da saúde pública, áreas como Sistemas Universais de Saúde e Determinantes
Sociais da Saúde somente entraram para a agenda regional de saúde devido ao projeto de
integração com enfoque social e de redução de inequidades, que, como apresentado no
capítulo anterior, caracterizou o modelo de integração regional da Unasul.

A Figura 8, a seguir, apresenta os cinco Grupos Técnicos com os países que possuem a
coordenação titular e alterna de cada um dos temas. Os países foram definidos em 2009 e
mantidos sem alteração. Os países que detém a coordenação titular e alterna dos Grupos
Técnicos revezaram anualmente essas funções. A única exceção foi o Grupo de Acesso
Universal a Medicamentos (GAUMU) que manteve a coordenação titular com a Argentina
e a alterna com o Suriname desde sua criação.

Figura 8 – Países Coordenadores e Alternos dos Grupos Técnicos do CSS

Fonte: Elaborado a partir do documento UNASUR/CONSEJO DE SALUD SURAMERICANO/ ACUERDO


N°01/09 – 21/04/2009 – ANEXO II

Os Ministros e o Comitê Coordenador se reuniram novamente em Guayaquil, Equador, em


novembro de 2009, sete meses após a reunião de constituição do Conselho de Saúde. O

117
Presidente do Equador, Rafael Correa, havia recebido a Presidência Pro Tempore em
agosto do mesmo ano.

A Resolução 01/09 do Conselho de Saúde formulou o Plano Quinquenal, e criou uma


comissão ad hoc formada pelas coordenações titulares e alternas dos cinco Grupos
Técnicos para elaborar o plano. O Ministério de Saúde do Equador, como PPT do CSS
ficou responsável pela coordenação do processo de elaboração do Plano Quinquenal.

A segunda reunião do CSS iniciou a fase de planejamento e avançou na estruturação. Um


dos membros do Comitê Coordenador entrevistado ressaltou que “o Conselho de Saúde foi
o primeiro conselho a se organizar, a planejar conjuntamente da forma como fez, ou seja,
através de seu Plano Quinquenal”. O Plano Quinquenal 2010-2015 do Conselho de Saúde
foi mencionado por todos os entrevistados, com críticas e contradições, mas sempre como
um pilar na estruturação e institucionalização do CSS.

Em Guayaquil foram criadas as duas primeiras Redes Estruturantes do CSS (Redes) (ver
Figura 7): a Rede Sul-Americana de Oficinas de Relações Internacionais/ Cooperação
Internacional em Saúde (REDSSUR-ORIS) (Resolução 10/09) e a Rede de Escolas
Técnicas de Saúde (RETS-UNASUL). A Resolução 07/09 além de reconhecer a existência
Rede de Escolas Técnicas de Saúde e criar o “capítulo” da Unasul, também definiu o
conceito e a importância das redes de instituições estruturantes em saúde, enfocando essas
instituições no campo da “formação de pessoal para os sistemas de saúde” e por essa razão
orienta a coordenação destas redes ao GT de Recursos Humanos.

Finalmente, foi nesta reunião também que os Ministros resolveram criar o Instituto Sul-
Americano de Governo em Saúde (ISAGS), por meio da Resolução 05/09 (ver Figura 7). O
GT de Recursos Humanos, coordenado pelo Brasil (Figura 8), havia se reunido entre os
dias 24 e 25 de setembro de 2009 no Rio de Janeiro para discutir a proposta de criação de
uma Escola Sul-Americana de Governo em Saúde, que foi aprovada pelos Ministros em
Santiago, como parte do Plano de Trabalho 2009-2010. Em Guayaquil, os resultados dessa
reunião do GT de Recursos Humanos foram aprovados e o ISAGS foi criado, com a
definição da sede na cidade do Rio de Janeiro e uma estrutura inicial de Conselho Diretivo,
Conselho Consultivo e Direção Executiva.

118
Um dos entrevistados destaca o protagonismo do Brasil e em especial da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) na criação das Redes e do ISAGS:

“O ano de 2009 foi muito importante para o Conselho de Saúde, porque é


quando a gente define o Plano Quinquenal, as Redes e o ISAGS. E acho
que todo esse processo foi puxado bastante pelo Brasil e pela Fiocruz,
porque a Fiocruz é uma estrutura bastante ativa, e o Brasil coordenava o
Grupo de Recursos Humanos. Então ali identificamos que o conceito de
cooperação estruturante e instituições estruturantes em saúde deveria
estar presente na Unasul. Assim como definitivamente a Fiocruz é uma
instituição estruturante da saúde. E o Instituto de Governo estava ligado
com a garantia da democracia, era uma instituição que pudesse
colaborar para o aperfeiçoamento dos Governos sul-americanos na área
de saúde” (CC3)

Diversos autores destacam o ISAGS como uma instituição pioneira (Herrero e Tussie,
2015), extremamente dinâmica (Ventura, 2013), fundamental para assegurar a
implementação de políticas e a promoção dos sistemas universais de saúde (Bianculli e
Hoffman, 2016) e como centro de pesquisa e desenvolvimento da Unasul (Riggirozzi,
2015). Entre os entrevistados a criação e existência do ISAGS, sua atuação e importância
para o Conselho de Saúde é uma unanimidade11.

A reunião seguinte do Conselho de Saúde ocorreu em Cuenca, entre os dias 27 e 30 de abril


de 2010 no Equador, que foi PPT da Unasul até novembro de 2010. Novamente naquela
ocasião, primeiramente se reuniu o Comitê Coordenador (27 e 28) e em seguida ocorreu a
reunião dos Ministros (29 e 30.04). A agenda da Segunda Reunião Ordinária do Conselho
de Saúde (como ficou conhecida, já que a do Chile foi considerada a reunião de
constituição, a de Guayaquil foi considerada a primeira reunião ordinária) foi marcada por
quatro grandes temas: Desastres, Haiti e Chile; Doenças transmissíveis, H1N1, Dengue e
Chagas; definição de posição comum da Unasul sobre medicamentos na 63ª AMS e; a
aprovação do Plano Quinquenal 2010-2015 do CSS. Nesta ocasião o CSS cria sua terceira
Rede, a de Institutos Nacionais de Saúde (RINS) (ver Figura 8).

O Plano Quinquenal do Conselho de Saúde estabeleceu seis objetivos e 28 resultados a


serem cumpridos pelos Grupos de Trabalho durante os cinco anos. O Plano Quinquenal
11
Os conflitos de governança e as críticas sobre a atuação do ISAGS serão explorados em outras sessões.

119
avança também no detalhamento de indicadores para controlar os progressos dos resultados
e no orçamento e modalidades de financiamentos para operacionalizar cada um dos 28
resultados. Entretanto, foi somente em 2012, dois anos após a aprovação do Plano
Quinquenal, que a Unasul aprovou seu orçamento global e suas regras para financiamento,
que não contemplavam, contudo, orçamentos específicos para os Conselhos Setoriais, nem
tampouco para todas as atividades aprovadas pelo Conselho de Saúde (Bueno et al, 2013).

A importância do planejamento conjunto, de contar com uma visão compartilhada e uma


missão que desse um olhar comum às grandes questões de saúde identificadas pelos países
membros é ressaltada por três dos entrevistados (CC3, CC5 e CC7).

Porém o Plano Quinquenal deixou de fora as Redes do CSS (Figura 7). Ainda que naquele
momento três das seis redes já tivessem sido criadas, a RETS, a ORIS e a RINS, nem
mesmo essas foram contempladas pelo plano. Essa ausência de menção sobre essas
estruturas no Plano Quinquenal, que ainda que não estivessem todas conformadas, já
haviam sido anunciadas pela Resolução 07/09, gerou problemas para que o trabalho dessas
redes pudesse ser reconhecido e apoiado pelas demais estruturas do CSS nos anos seguintes
como apontam dois dos entrevistados representantes de Redes (GTR1 e GTR3).

“Nossa relação com as outras estruturas do Conselho [de Saúde] no


início foi muito complicada pelo fato das Redes não estarem identificadas
no Plano Quinquenal. (...) A participação das Redes no Conselho de
Saúde ficou muito complicada, pois não estava prevista em nenhum
documento, nem mesmo no Plano Quinquenal, ela foi se dando a partir
da participação em reuniões e das nossas reivindicações.” (GTR1)

A próxima Rede a ser criada pelo Conselho de Saúde foi a Rede de Escolas Públicas de
Saúde (RESP), instituída em 2011, no Paraguai. Neste mesmo ano, o ISAGS foi inaugurado
na cidade do Rio de Janeiro, em 25 de julho. Nesta data além da cerimônia de inauguração
que nomeou o ex-Ministro da Saúde do Brasil, José Gomes Temporão, como primeiro
Diretor Executivo do instituto, e da inauguração de sua sede física, o ISAGS realizou a
primeira reunião de seu Comitê Diretivo, com a presença dos Ministros da Saúde e de seus
representantes.

Apesar de inicialmente as Redes terem sido criadas com uma proposta de agrupar
instituições estruturantes na formação de recursos humanos em saúde para os países

120
membros da Unasul (Resolução 07/09), o escopo de atuação das Redes foi ampliado com a
criação das Redes de Instituições Nacionais de Câncer (RINC) em 2011, no Rio de Janeiro,
Brasil, e da Rede de Gestão de Riscos e Mitigação de Desastres em 2012, na VI Reunião
Ordinária do Conselho de Saúde, realizada em Assunção, no Paraguai.

Como apontado por um dos entrevistados, o papel protagônico da Fiocruz na criação do


ISAGS e das Redes pode ser observado na coordenação dessas instituições. Diferentemente
dos GTs que possuem praticamente a representação de 100% dos países membros em sua
coordenação, com exceção do Equador que era a PPT no momento da definição e da
Guiana que esteve ausente em todas as reuniões iniciais do CSS (ver Figura 8), a
coordenação das Redes está quase que exclusivamente com o Brasil e com predomínio de
unidades da Fiocruz, como é possível observar na Figura 9. Além da primeira Direção
Executiva do ISAGS ser ocupada por um ex-ministro brasileiro.

Com a criação da Rede de Gestão de Riscos e Mitigação de Desastres a estrutura atual do


Conselho de Saúde da Unasul se completa (ver Figura 7).

Figura 9 – Coordenadores e Secretaria Executiva das Redes do Conselho de Saúde


Sul-americano

Fonte: Elaborado a partir do site oficial do ISAGS (www.isags-unasur.org)

121
6.2. Governança do Conselho de Saúde

Entendendo que a governança possui diversas interpretações, neste trabalho tomarei os


mecanismos de tomada de decisão existentes (exercício do poder), e a identificação dos
espaços (pontos nodais) nos quais ocorrem as relações e os arranjos entre os atores
envolvidos nos processos, como as categorias para análise da governança do Conselho de
Saúde Sul-americano.

Mecanismos de tomada de decisão

A complexidade da estrutura do Conselho de Saúde (Figura 7) e da própria Unasul (Figura 5)


fez com que os mecanismos formais de tomada de decisão sejam diversificados e produzindo,
em alguns casos, superposições. A multiplicidade de Conselhos, Grupos Técnicos, Redes e a
existência de estruturas fixas, como a Secretaria Geral e o ISAGS, fizeram com que o
estabelecimento de regras formais fosse uma necessidade fundamental para que o
funcionamento e, em especial, a tomada de decisão nessas instâncias, seja possível.

A tomada de decisão por consenso e as modalidades de documentos emitidos para a tomada


de decisão do Conselho de Saúde serão analisados nesta seção.

O primeiro tema a ser observado é a tomada de decisão por consenso. O Tratado Constitutivo
(Unasur, 2008, p.16) em seu Artigo 12, que trata da aprovação da normativa, informa que
“Toda a normativa da UNASUL será adotada por consenso”. Isso significa que
diferentemente de organismos multilaterais como a OPAS e a OMS, ou outras agências das
Nações Unidas, na Unasul não existe decisão tomada por votação. Todas as decisões
precisam do acordo de todos os países membros para serem aprovadas. No dia 5 de dezembro
de 2014, no ato de inauguração da sede da Secretaria Geral da Unasul em Quito, Equador, o
presidente Rafael Correa criticou a necessidade do consenso para a tomada de decisão na
Unasul, citando o fato do atraso de quase um ano para definir o nome do ex-presidente da
Colômbia, Ernesto Samper, para o cargo de Secretário Geral da Unasul:

“(…) una institucionalidad de origen de Unasur absolutamente disfuncional


– y que se dijo en su momento en Brasilia -, donde cada cosa debe decidirse

122
por consenso, y veremos que todo estaba listo para que la integración se
estanque y fracase”. (Rafael Correa, Presidente do Equador)

Apesar da crítica do Presidente Correa, a decisão por consenso não é uma característica
exclusiva da Unasul, mas uma característica dos processos de integração regional na América
Latina, como é o caso, por exemplo, do Mercosul, da CAN e do SICA, segundo seus
regulamentos. Na União Europeia algumas decisões não requerem unanimidade e são
definidas por votos e são aprovadas por maioria qualificada ou dupla maioria (de cidadãos e
de Estados-Membros). Por outro lado, questões que envolvem impostos, política social,
defesa e política externa dependem do consenso entre os Estados membros da União
Europeia para serem aprovadas (União Europeia, 2007).

Em espaços multilaterais, como as agências das ONU, onde não há uma proposta de gerar
integração, como regra a decisão é por maioria de votos. Na OMC, por exemplo, o consenso
é recomendado, no entanto, quando o consenso não é possível, os procedimentos de votação
demandam uma regra de maioria de 2/3 ou de 3/4, cada membro correspondendo a um voto
(Acordo Geral sobre Aduanas e Comércio, GATT, 1947). Já na OPAS, OMS e Organização
dos Estados Americanos (OEA), os Diretores Gerais são eleitos pelos votos dos estados
membros.

A regra do consenso é comum a todas as instâncias da Unasul e a qualquer tipo de decisão.

A definição de mecanismos para tomada de decisão ou como nomeia o Tratado Constitutivo


da Unasul, para a aprovação da normativa, está presente em uma diversidade de documentos
emanados pelas mais distintas instâncias da Unasul, e ainda que o propósito desta seção seja
examinar apenas os mecanismos de governança do Conselho de Saúde, documentos
emanados de instâncias superiores da Unasul, como os Conselhos de Chefes de Estado, de
Ministros de Relações Exteriores e de Delegados, e ainda, normativas da Secretaria Geral
impactam nos mecanismos do CSS.

O Tratado Constitutivo (Unasur, 2008) é o primeiro documento a definir os mecanismos e


procedimentos de governança da Unasul. Contudo, naquele momento, segundo o Artigo 4 do
Tratado Constitutivo, somente o Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de Governo, o
Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores, o Conselho de Delegadas e
Delegados e a Secretaria Geral eram órgãos da UNASUL. A partir desta concepção, o

123
Tratado Constitutivo define as responsabilidades de cada um de seus quatro órgãos. Apesar
de não definir especificamente mecanismos para outras instâncias, o Artigo 5 trata da
possibilidade de serem convocadas reuniões setoriais ou de grupos de trabalho de matérias
específicas e determina que “Essas instâncias prestarão conta do desempenho de seus atos
por meio do Conselho de Delegadas e Delegados, que o elevará ao Conselho de Chefas e
Chefes de Estado e de Governo ou ao Conselho de Ministras e Ministros das Relações
Exteriores, conforme o caso”.

Somente quatro anos depois da criação da Unasul, em 11 de junho de 2012 o Conselho de


Ministros de Relações Exteriores aprovou o Regulamento Geral da Unasul (Unasur, 2012),
que organiza os mecanismos de tomada de decisão de todas as estruturas da Unasul, define
regras para a adoção de políticas, criação de instituições, organizações e programas; define a
estrutura e funcionamento da Secretaria Geral da Unasul; regulamenta a sistematização dos
atos normativos de todas as instâncias, bem como os procedimentos para reuniões da Unasul,
em todos os níveis e; estabelece regras para as questões orçamentárias.

Esse documento foi aprovado quatro anos depois da criação do Conselho de Saúde, dois anos
depois da aprovação do Plano Quinquenal e um ano depois da inauguração do ISAGS, que
teve seu estatuto aprovado na data de sua inauguração. Por essa razão houve uma série de
acomodações que foram necessárias por parte do Conselho de Saúde e de suas instâncias para
atender às novas regras e mecanismos de tomada de decisão impostas pelo novo
Regulamento Geral da Unasul.

Uma questão interessante de observar nos documentos emitidos pelo Conselho de Saúde é a
nomenclatura. Nas primeiras reuniões realizadas pelo CSS, em Santiago (abril, 2009),
Genebra (maio, 2009) e Quito (agosto, 2009), os documentos emitidos pelos Ministros de
Saúde eram denominados de “Acordos” ou “Declarações” e cada reunião possuía uma “Ata”
ou “Informe”. A partir da Reunião de Guayaquil (novembro, 2009), os documentos emitidos
pelo Conselho de Ministros passaram a ser registrados como “Resoluções” e as reuniões são
registradas por meio de “Atas”, tanto das reuniões de Ministros, como das reuniões do
Comitê Coordenador. Essa forma de registrar os documentos do CSS perdurou até o advento
do Regulamento Geral da Unasul. A VII Reunião Ordinária do Conselho de Saúde, realizada
em setembro de 2012, em Lima, Peru, foi a última que teve uma Resolução emitida pelo
Conselho de Saúde.

124
A partir da aprovação do Regulamento Geral da Unasul ficou definido que o Conselho de
Chefes de Estado se manifesta por meio de Decisões; o de Ministros de Relações Exteriores
por meio de Resoluções e; o Conselho de Delegados por meio de Disposições. As demais
instâncias da Unasul (incluído aqui o Conselho de Saúde), passaram a se manifestar por meio
de Atas e Declarações. Essa mudança fez com que o Conselho de Saúde, bem como os
demais Conselhos Setoriais, ficasse subordinado ao Conselho de Ministros de Relações
Exteriores, uma vez que para emitir uma Resolução, os ministros de saúde precisam submeter
uma Proposta de Resolução, que será apreciada pelo Conselho de Ministros de Relações
Exteriores e, posteriormente, uma Resolução poderá ser emitida por este Conselho.

Todos os documentos aprovados pelo Conselho de Saúde são emitidos a partir de reuniões
realizadas. De acordo com o Regulamento Geral da Unasul as reuniões podem ser presenciais
ou realizadas por meio de teleconferência ou videoconferência (Artigo 61). O Quadro a
seguir mostra que o CSS se reuniu 11 vezes de forma ordinária, considerando as nove
reuniões ordinárias, a reunião constitutiva do Conselho de Saúde e a reunião preparatória que
elaborou a Agenda Sul-Americana de Saúde (reuniões marcadas em azul). Além dessas
reuniões, foi possível localizar nos bancos de documentos pesquisados atas de mais oito
reuniões extraordinárias (marcadas em branco), das quais duas foram realizadas de forma
virtual, uma durante o Conselho Diretivo da OPAS (2009) e quatro durante as sessões da
Assembleia Mundial da Saúde (AMS) em Genebra. A numeração das reuniões
extraordinárias do CSS não segue uma ordem, algumas inclusive não possuem numeração,
são identificadas nas Atas apenas como “Reunião Extraordinária”. A última Ata pesquisada
foi a da reunião extraordinária realizada em Genebra, no dia 11 de maio de 2015. Essa ata
identifica a reunião como sendo a vigésima primeira extraordinária do Conselho de Saúde,
porém, infelizmente, como mencionado, foram encontradas Atas de apenas oito reuniões
extraordinárias.

Quadro 11 – Reuniões do Conselho de Saúde da Unasul, 2008-2015


Data Reunião Local
Reunião Preparatória da Agenda Sul-
28 de novembro de 2008 Americana de Saúde e proposta de criação Rio de Janeiro, Brasil
do CSS
Reunião Constitutiva do Conselho de
21 de abril de 2009 Santigo, Chile
Saúde Sul-Americano
20 de maio de 2009 Reunião Extraordinária do CSS Genebra, Suíça

125
Data Reunião Local
8 de agosto de 2009 I Reunião Extraordinária do CSS Quito, Equador
Washington DC,
28 de setembro de 2009 II Reunião Extraordinária do CSS
Estados Unidos
24 de novembro de 2009 I Reunião Ordinária do CSS Guayaquil, Equador

27 de janeiro de 2010 IV Reunião Extraordinária do CSS Sessão Virtual

29 e 30 de abril de 2010 II Reunião Ordinária do CSS Cuenca, Equador

20 a 22 de agosto de 2010 III Reunião Ordinária do CSS Quito, Equador

14 de abril de 2011 IV Reunião Ordinária do CSS Montevidéu, Uruguai

8 de dezembro de 2011 V Reunião Ordinária do CSS Montevidéu, Uruguai

20 de abril de 2012 VI Reunião Ordinária do CSS Assunção, Paraguai

21 de maio de 2012 XX Reunião Extraordinária do CSS Genebra, Suíça

7 de setembro de 2012 VII Reunião Ordinária do CSS Lima, Peru

20 de março de 2014 VIII Reunião Ordinária do CSS Paramaribo, Suriname

21 de maio de 2014 Reunião Extraordinária do CSS Genebra, Suíça


Reunião Extraordinária do CSS sobre o
2 de dezembro de 2014 Sessão Virtual
Ebola
11 de setembro de 2015 IX Reunião Ordinária do CSS Montevidéu, Uruguai

17 de maio de 2015 XXI Reunião Extraordinária do CSS Genebra, Suíça


Fonte: Elaborado a partir das Atas das Reuniões.

Um dos atores-chave entrevistados destaca o Conselho de Saúde como um dos mais ativos
dentre os Conselhos Setoriais, especialmente pelo número de reuniões que realiza (AC1).
Como foi possível observar anteriormente12, os Conselhos Setoriais da Unasul possuem um
número bastante diferente de reuniões realizadas. A média de reuniões realizadas pelos
Conselhos Setoriais desde sua criação até dezembro de 2016 é de quatro reuniões ordinárias
por Conselho. O Conselho de Saúde realizou nove reuniões ordinárias e mais de vinte
reuniões extraordinárias.

Em cada uma dessas reuniões do Conselho de Saúde é aprovado um número diferente de


documentos. Em algumas delas, especialmente nas extraordinárias realizadas na AMS, o foco

12
Ver o Quadro 9 – Últimas reuniões realizadas pelos Conselhos Setoriais da Unasul, no capítulo 5.

126
é menor na aprovação de Declarações e Resoluções e maior na construção de posições
comuns que serão depois apresentadas pelos países durante a AMS. As reuniões de caráter
ordinário emitem uma grande quantidade de documentos, sobre os mais diversos temas.
Tomando como exemplo a última Reunião Ordinária, realizada em 2015 no Uruguai (Quadro
11), foram aprovadas sete Declarações pelos Ministros de Saúde: três relativas ao
funcionamento do ISAGS; uma aprovando um Memorando de Entendimento com a OPAS;
uma sobre negociação conjunta de medicamentos de alto preço para compras regionais; uma
sobre projeto da RINC para o controle de câncer de colo de útero do Fundo de Iniciativas
Comuns da Unasul (FIC) e; uma declaração política de rechaço à mudança realizada pela
OMS na metodologia de cálculo da mortalidade materna.

Espaços nos quais ocorrem as relações e arranjos entre os atores

A tomada decisão do Conselho de Saúde ocorre em diferentes espaços e dimensões. A análise


das entrevistas, dos roteiros de observação participante e documentos emitidos nas reuniões
das distintas instâncias da Unasul, permite identificar diversos espaços nos quais ocorrem
relações e arranjos entre distintos atores, podendo-se apontar duas dimensões da governança
do Conselho de Saúde: uma específica/própria e outra geral/abrangente correspondente à
Unasul como um todo (Quadro 12).

Dentro dessas dimensões, é possível identificar os espaços e atores envolvidos no processo de


governança do Conselho de Saúde. A dimensão específica inclui todos os espaços integrantes
da Unasul: o Conselho de Saúde, as demais instâncias da Unasul e os países-membros. Os
espaços da dimensão abrangente compreendem o âmbito regional, o continental, o global e os
atores não estatais, conforme sintetizado no quadro a seguir.

127
Quadro 12 – Espaços da governança do Conselho de Saúde da Unasul
GOVERNANÇA DO CONSELHO DE SAÚDE DA UNASUL

Específica/Própria Geral/Abrangente

Espaços Atores envolvidos Espaços Atores envolvidos


PPT
Organismos sub-
Conselho de Ministros
Regional regionais de integração
Conselho de Comitê Coordenador
entre países
Saúde Grupos Técnicos
Redes
ISAGS
Continental OPAS
Conselho de Presidentes
Conselho de Chanceleres
Unasul Conselho de Delegados
Conselhos Setoriais
Global OMS
Secretaria Geral
Ministérios da Saúde
Países
Ministérios das Relações Exteriores
Membros Atores não estatais
Missões MRE em Genebra
Fonte: Elaborado a partir das entrevistas e Regulamento Geral da União de Nações Sul-Americanas (Unasur,
2012)

Dimensão específica ou própria da governança do CSS

O principal espaço da governança específica é o próprio Conselho de Saúde (Quadro 12) e


envolve todas as instâncias de sua própria estrutura: o Conselho de Ministros, o Comitê
Coordenador, os cinco Grupos Técnicos, as seis Redes e o ISAGS.

O papel do ISAGS como agente catalisador será considerado, a seguir, na análise do espaço
do Conselho de Saúde, enquanto que o compromisso dos países e a rotatividade da PPT e a
tradução de agendas técnicas em decisões políticas será considerada no espaço de governança
da relação entre os estados membros e o CSS.

128
O Conselho de Saúde

O Conselho de Ministros é a instância que, de acordo com os mecanismos formais da Unasul,


toma as decisões na área da saúde, contudo o ISAGS e algumas Redes também possuem
mecanismos de tomada de decisão. O ISAGS possui um Estatuto que foi aprovado por todas
as instâncias da Unasul e define os órgãos que o conformam e as regras para a tomada de
decisões. O mesmo ocorre com a RETS, a RESP, a RINS e a RINC. Contudo, todas as
decisões tomadas nessas instâncias, precisam de aprovação formal do Conselho de Ministros,
para que possam ser válidas e consideradas pelos países membros.

As relações entre os atores envolvidos na governança específica do Conselho de saúde é um


tema presente nas falas de todos os entrevistados. Uma crítica marcante é a complexidade da
estrutura do Conselho de Saúde. Um dos representantes do Comitê Coordenador entrevistado
afirma que “(...) tantas redes, tantos grupos, a própria diferença entre um grupo e uma rede,
quem pode participar de cada instância, o papel que o ISAGS deveria ter em tudo isso, um
centro de pensamento ou uma secretaria técnica de todo o Conselho, todas essas questões
complexificam e tornam tudo mais difícil.” (CC4)

A dificuldade de comunicação entre as instâncias do CSS é outra crítica dos entrevistados


(CC1, CC4, GTR e GTR4). Um representante de Grupo Técnico exemplifica “A gente ficava
sabendo sobre as decisões dos ministros muito a reboque, não existia participação do GT no
Conselho [de Ministros]” (GTR4) e o representante de uma das Redes aponta que “falta um
processo de comunicação entre as instâncias [do Conselho de Saúde], ainda que o ISAGS se
esforce, que haja uma reunião das Redes, GTs e das coordenações nacionais todos os anos,
falta uma integração maior” (GTR1). O papel do ISAGS como um agente que busca facilitar
essa comunicação também é destacada por outros entrevistados (CC2 e GTR4).

As reuniões entre o representante da Presidência Pro Tempore do CSS e os representantes dos


GTs e das Redes não formam parte dos mecanismos formais do Conselho de Saúde, mas
passaram a ocorrer em 2012, na ocasião da II Reunião do Conselho Consultivo do ISAGS,
realizada no Rio de Janeiro, em março de 2012, quando o Paraguai detinha a PPT da Unasul.
O Conselho Consultivo do ISAGS, segundo o Artigo VII de seu Estatuto (Unasur, 2011) é
conformado pelos coordenadores titulares dos Grupos Técnicos, especialistas indicados pelo
Diretor Executivo e pelos representantes das diferentes redes que se conformem no interior
do Conselho de Saúde da Unasul. Na prática, como é possível observar nas listas de

129
participantes presentes em todas as atas das reuniões do Conselho Consultivo do ISAGS, os
membros desse Conselho são os representantes dos GTs, das Redes, da PPT do CSS e da
Secretaria Geral da Unasul.

A partir da segunda reunião do Conselho Consultivo, o ISAGS passou a coordenar com a


PPT do CSS uma reunião no dia anterior ou imediatamente posterior à Reunião do Conselho,
para que a PPT do Conselho de Saúde pudesse se reunir com os representantes das Redes e
GTs. Segundo os entrevistados, essas reuniões facilitaram a comunicação entre essas
instâncias do Conselho de Saúde, já que a presença de representantes de GTs e Redes não
está prevista nem nas reuniões do Comitê Coordenador, nem nas do Conselho de Ministros.

Um dos atores-chave entrevistados afirma que o ISAGS precisou “empurrar o processo de


integração dos Ministérios [da Saúde]” em momentos nos quais houve trocas de Ministros
e/ou funcionários dos Ministérios que afetaram a continuidade das ações do Conselho de
Saúde (AC4). Outro ator-chave complementa dizendo que “A existência de uma Presidência
Pro Tempore é muito complexa, porque obrigatoriamente existem altos e baixos. Há
Ministros mais comprometidos, mais interessados e outros que o tema não está na agenda.
Nesses casos o ISAGS teve que dar um apoio muito forte, para a coisa se viabilizar.” (AC2)

O representante de um dos grupos técnicos falou sobre as disputas de exercício de poder


dentro do Conselho de Saúde, a partir da perspectiva de uma instituição que ainda está em
formação e, por tanto, está ainda construindo sua governança interna:

“Existem disputas entre as instâncias do Conselho [de Saúde]. Os Grupos


Técnicos e as Redes possuem níveis de performance diferentes, e isso ocorre
porque o nível de liderança e de participação dos integrantes também tem
sido diferentes. O Comitê Coordenador deveria exigir que essas estruturas
trabalhem, mas o Comitê Coordenador não se reúne o suficiente e falha em
expressar liderança sobre os processos técnicos e também não as traduz em
ações políticas. O Comitê coordenador precisa se fortalecer, pois sua falta
de ação fez com que o ISAGS assumisse esse papel, e isso gerou tensões.
Mas as tensões também são parte do crescimento e desenvolvimento do
Conselho e hoje se nota que há mais sinergia que competição.” (GTR5)

130
A Unasul

Outro espaço da dimensão específica da governança do Conselho de Saúde está no âmbito da


Unasul como um todo (Quadro 12), incluindo a Secretaria Geral e todos os Conselhos,
todavia este é ainda um espaço incipiente. Os entrevistados que falaram sobre as articulações
entre os Conselhos Setoriais e o CSS concordam que “as coordenações são muito escassas” e
que “o Conselho de Saúde deveria tem uma presença muito maior em vários temas que se
discutem em outros Conselhos [Setoriais], mas a verdade é que ele não tem” (CC1 e CC10).
Alguns projetos na área da saúde que são desenvolvidos por outros Conselhos Setoriais são
citados pelos entrevistados, como o de “medicamentos estratégicos do Conselho de Defesa” e
o de “pesquisa sobre doenças em populações desatendidas do Conselho de Ciência e
Tecnologia” (CC1). O Quadro a seguir, ilustra que quatro outros Conselhos Setoriais
aprovaram projetos na área de saúde. De acordo com as atas e planos de trabalho
pesquisados, os Conselhos de Defesa e de Ciência, Tecnologia e Inovação previram a
articulação com o Conselho de Saúde para a realização das ações propostas. De acordo com a
informação fornecida pelos entrevistados essa coordenação não ocorreu, portanto, os projetos
desses outros atores que envolvem temas de saúde não contaram com os aportes técnicos do
CSS e tampouco foram incorporados nos debates políticos da área da saúde. Em alguns casos,
como na área de medicamentos (Conselho de Defesa) e na área de vigilância epidemiológica
(Conselho de Ciência, Tecnologia e Inovação) geraram duplicação de esforços com ações já
desenvolvidas pelo Conselho de Saúde.

Quadro 13 – Projetos na área de saúde realizados por outros Conselhos da Unasul, 2012-
2015
CONSELHO PROJETO DOCUMENTO/ANO
Conselho Sul-Americano Sistematizar as experiências em torno da difusão e Plano de Ação 2012-
de Desenvolvimento promoção de práticas saudáveis em matéria de 2014
Social Segurança Alimentar e Nutrição.

Conselho Sul-Americano Elaborar um estudo e formular uma proposta para Plano de Ação 2013
de Defesa a criação de um programa sul-americano de
produção de medicamentos no âmbito da defesa
em consulta como o Conselho Sul-Americano de
Saúde e o Instituto de Governo em Saúde sobre
essa matéria.

Conselho Sul-Americano Rede sul-americana de pesquisa para o Projeto aprovado pelo


de Ciência, Tecnologia e desenvolvimento tecnológico, transferência de Fundo de Iniciativas
Inovação tecnologia, controle e vigilância epidemiológica de Comuns da Unasul
doenças transmitidas por vetores, com ênfase em (FIC) em 2013 –
dengue, febre amarela e malária. Resolução 03/2013

131
CONSELHO PROJETO DOCUMENTO/ANO
Conselho Sul-Americano Realização do Encontro Regional "Gestão e Ata da II Reunião do
em Matéria de Administração Penitenciária com Enfoque de Grupo de Trabalho de
Segurança Cidadã, Direitos Humanos e Segurança Integral", Quito, 10 Justiça, 23 e 24 de abril
Justiça e Coordenação a 12 de setembro de 2014. de 2014
contra a Delinquência Tema 4: Direito à saúde no sistema penitenciário.
Organizada
Transnacional
Conselho Sul-Americano Fomentar o desenvolvimento de novos processos Plano de Ação 2014-
de Ciência, Tecnologia e de gestão na saúde pública mediante o 2015
Inovação aproveitamento da telemedicina.
Fonte: Elaboração a partir dos documentos disponíveis no Arquivo Digital da Secretaria Geral da Unasul
(www.docs.unasursg.org)

A relação do Conselho de Saúde com a Secretaria Geral foi bastante inconstante ao longo do
tempo, dependendo do próprio dinamismo da Secretaria Geral que, por sua vez, esteve
sempre fundado na pessoa do Secretário (a) Geral da Unasul. Um representante do Comitê
Coordenador considera que a Secretaria Geral deveria realizar um acompanhamento mais
próximo do Conselho de Saúde e dar seguimento às decisões tomadas pelos Ministros e aos
planos de trabalho aprovados. Informa que atualmente existe uma “presença física da
Secretaria Geral nas reuniões do Conselho de Saúde, porém não fica claro qual o seu papel”
(CC1). Como anteriormente mencionado, no ano de 2015 ocorreu uma mudança na Secretaria
Geral da Unasul com a incorporação de Diretores. Por ser uma mudança ainda muito recente,
esta não pode ser avaliada por este trabalho.

A instabilidade na forma de atuação da Secretaria Geral também foi apontada por dois dos
entrevistados. A personalidade e o potencial de cada Secretário Geral marcaram a capacidade
de gerir e influenciar da Secretaria Geral nos processos da Unasul, transitando entre uma
instância política e uma instância apenas burocrática:

“O papel mais político que tinha a Secretaria Geral com a Dra. Mejia teve
grandes retrocessos com a figura do Dr. Alí Rogriguez, e agora começamos
a vislumbrar novamente uma posição mais política com o atual Secretário
Geral [Ernesto Samper].” (CC1)

“A Secretaria Geral só começa mesmo a operar de fato, ou sua presença é


realmente percebida, como o [Ernesto] Samper, porque antes o Alí
Rodriguez, por conta da doença dele, estava muito distante. E também não
existia a estrutura que existe hoje, com a inauguração da sede e o prestígio
de voltar a ter um Secretário Geral e é um ex-presidente.” (AC2)

132
Países Membros

Organismos de países membros e sua relação com o Conselho de Saúde da Unasul são outros
espaços da governança específica (Quadro 12). A primeira questão a ser observada é que não
apenas os Ministérios da Saúde são atores de articulação e cooperação, mas também os
Ministérios das Relações Exteriores, as Missões dos países em Genebra e até as Presidências
possuem níveis de relação que impactam nos mecanismos de tomada de decisão, no exercício
do poder e no alcance de resultados do Conselho de Saúde da Unasul.

O primeiro tema nessa relação que vale ser destacado é o impacto da própria criação do
Conselho de Saúde nos Ministérios de Saúde dos países da região. Dois representantes do
Comitê Coordenador relatam que naquele momento foi necessário organizar estruturas
internas nos Ministérios para acompanhar os trabalhos do CSS (CC7 e CC10). Um deles
descreve “organizamos a equipe de trabalho, a coordenação interna, com todas as direções
gerais que tinham a responsabilidade de participar nos diferentes Grupos Técnicos”. Por
outro lado, outro membro do Comitê Coordenador expressou a dificuldade de acompanhar
tantos temas diferentes, dos Grupos Técnicos e das Redes, dadas as diferenças que existem
nos sistemas de saúde de cada país, que por vezes não possuem as mesmas estruturas,
“encontrar a pessoa apropriada para representar o país em uma Rede, por exemplo, é um
grande desafio, porque nosso sistema é organizado de forma diferente” (CC6).

As relações do Conselho de Saúde com os estados membros estão influenciadas pelo nível de
compromisso político dos países; pelas mudanças constantes de autoridades e
funcionários nos Ministérios de Saúde que geram descontinuidades nos trabalhos do
Conselho de Saúde e; pela ideologia política dos governos de cada Estado membro. Esses
fatores que interferem na dinâmica da governança nestes espaços foram apontados por todos
os entrevistados.

O nível de compromisso político dos países membros afeta a atuação do Conselho de Saúde.
Dependendo do país que detém a Presidência Pro tempore, a dinâmica da Unasul é
diferenciada. A Presidência Pro tempore pode ser de um país que possui interesse na Unasul
e, portanto, convoca reuniões e propõe temas de agenda ou, caso a Unasul não seja uma
prioridade política na agenda do país que detém a PPT, a Unasul pode passar um ano inteiro
sem nenhuma atividade e gerar perda de acúmulo institucional. O compromisso dos países é
muito heterogêneo, “Alguns países só cumprem burocraticamente o que lhes chega da

133
Unasul [Conselho de Saúde], gerando uma perda de vigor em relação ao seu funcionamento
e à concretização do Plano [Quinquenal] (CC1).

Além de afetar o desempenho do CSS como um todo, dependendo do país que ocupa a PPT,
o nível de compromisso dos países também influencia no avanço das ações dos Grupos
Técnicos e Redes. O nível do compromisso político do país que possui a coordenação ou a
secretaria técnica de um GT ou uma Rede também determina em grande medida se as
iniciativas acordadas nessas instâncias avançam ou não (CC1, CC9 e GTR4).

O compromisso se expressa também na qualidade dos representantes que cada país envia para
participar das reuniões dos GTs, Redes e ISAGS e, às vezes, até do Comitê Coordenador e do
Conselho de Ministros. Muitas vezes esses representantes não possuem conhecimento técnico
ou não tem capacidade de decisão. “A falta de priorização dos países no CSS impossibilita
avançar com as ações que foram propostas” (CC1)

Além do protagonismo já enunciado do Brasil na criação da Unasul e do CSS, quatro dos


entrevistados destacam que o Brasil foi um país membro fundamental também para o
desenvolvimento do Conselho de Saúde (AC1, CC3, GTR2 e GTR4). Um representante do
Comitê Coordenador aponta que “Mesmo nos momentos de maior marasmo, algumas coisas
aconteciam, como as reuniões do ISAGS e das Redes coordenadas pela Fiocruz, mas
puxadas pelo Brasil, era o Brasil que dava ímpeto para [o Conselho de Saúde] da Unasul”
(CC3).

Por outro lado, países como Peru, Chile e Guiana foram apontados por alguns entrevistados
como possuindo baixo compromisso com o Conselho de Saúde, sendo que a razão dos dois
primeiros estaria relacionada à falta de alinhamento político desses países com a Unasul,
enquanto que no caso da Guiana seu envolvimento mais ativo com os compromissos Caricom
seria o fator principal para o baixo envolvimento com a Unasul (CC1, CC3 e CC6).

A grande rotatividade das autoridades, desde Ministros até funcionários técnicos, é apontada
como “uma das maiores debilidades do Conselho de Saúde” (CC2). Segundo um ator-chave,
“é fácil perceber que a expectativa de vida ao nascer dos Ministros da América do Sul é
muito baixa. Então toda hora chega um novo Ministro que primeiro precisa dar conta da
mortalidade infantil, enfrentar o caos do acesso a medicamento, a epidemia A B e C para
depois descobrir o que é Unasul” (AC2).

134
“Em alguns momentos os Ministros [de Saúde] não tinham uma
compreensão do que era a integração, de qual era o seu papel. (...) Quando
havia Ministros que entendiam as coisas caminhavam, quando havia
Ministros que não entendiam, tudo parava. Então estávamos
permanentemente à deriva.” (AC4)

As constantes mudanças de autoridades geram falta de continuidade nos planos e ações


acordadas. Como visto, não há efetivamente um acompanhamento e monitoramento das
ações e planos do Conselho de Saúde, nem por parte da Secretaria Geral, nem por parte do
Comitê Coordenador. Como indicaram alguns entrevistados (AC2, CC4, CC9, GTR1 e
GTR4) o ISAGS vem buscando exercer essa função de “secretaria executiva” do CSS, porém
com alguns conflitos com outras instâncias do próprio Conselho de Saúde. Um membro do
Comitê Coordenador sugeriu que “talvez a criação de uma Secretaria Técnica mais
permanente para o Conselho [de Saúde] poderia ser um mecanismo para evitar a perda de
oportunidades” (CC1).

A ideologia política dos governos de cada Estado membro também figura como uma barreira
para a integração em saúde. Os entrevistados apontam que há temas em que a disparidade e
divergências entre os países é muito grande e, nesses casos, é muito difícil chegar a um
denominador comum para poder avançar. Há momentos em que países “tentam impor
ideologias políticas sobre as decisões técnicas” e isso impediria o avanço do consenso no
Conselho de Saúde (CC8). Um dos membros do Comitê Coordenador descreve alguns desses
momentos:

“Em determinados momentos os conflitos que existem têm muito a ver com
as visões dos governos dos países. Teve um momento, durante o governo do
Presidente Piñera, que o Chile se retraiu muito em relação a algumas
questões, como medicamentos, por exemplo. A Venezuela também teve
atuações de excesso de burocratização do Conselho [de Saúde] em razão
dos conflitos com a Colômbia e com o próprio Chile. As posições políticas
no âmbito mais geral da Unasul repercutiam também na área da saúde.
Teve também a suspensão do Paraguai, por causa do afastamento do
[Presidente] Lugo. São questões que vem de fora, é uma repercussão de
conflitos e choques de interesse mais de fora do que propriamente do campo
da saúde” (CC3).

135
Apesar das ideologias políticas serem apontadas como uma dificuldade no processo de
integração em saúde na Unasul, três membros do Comitê Coordenador destacaram uma visão
diferente, da possibilidade de se chegar a consensos mesmo quando os países possuem
posições políticas divergentes. Eles denominaram essa posição de “coalizão técnica”, que
ocorre quando surgem iniciativas desde o nível técnico sobre um tema específico e os países
trabalham sobre essa temática com objetivo de gerar resultados concretos (CC2, CC4 e
CC10). Nesse caso, a construção técnica a partir de um problema comum e a necessidade de
criar uma solução que possa ser compartilhada entre os diferentes países pode superar as
diferenças ideológicas.

“Por exemplo, tratemos do tema de medicamentos, que é o tema mais


importante no qual a Unasul alcançou um resultado concreto, neste caso as
coalizões que ocorreram foram de países que compartilhavam inquietudes
técnicas e que vinham construindo políticas similares para enfrentar o
problema e por isso foi possível superar as diferenças ideológicas que nesse
momento a Argentina e o Brasil tinham uma mesma visão ideológica, mas
que era diferente da Colômbia. Mas foi possível superar e criar uma
coalizão técnica.” (CC6)

A relação entre os Ministérios de Saúde, os Ministérios de Relações Exteriores e com as


missões dos países em Genebra também foi apontada por alguns entrevistados como um
ponto de conflito na governança do Conselho de Saúde (AC5, CC6, CC10 e GTR4). Essa
dificuldade de articulação se expressava tanto entre os membros do Comitê Coordenador e os
membros do Conselho de Delegados, como nas discussões de cada delegação de país.
Durante as reuniões que observei, era clara a diferença de posição entre os países que
estavam representados por funcionários dos Ministérios da Saúde e aqueles que estavam
representados por funcionários de seus Ministérios de Relações Exteriores, seja por membros
do Conselho de Delegados (caso da Venezuela) ou por funcionários das Embaixadas no país
onde a reunião era realizada. Existe uma linguagem própria de cada área, “uma coisa é a
linguagem comum das discussões entre atores dos Ministérios de Saúde e outra coisa é
quando intervêm atores dos Ministérios de Relações Exteriores” (CC10). Dentro dos próprios
países essa dificuldade de coordenação entre a Saúde e as Relações Exteriores também foi
indicada pelos entrevistados, seja na relação entre os Ministérios dentro do país onde às vezes
“a posição da Saúde é uma e a posição da Chancelaria é outra”, seja na relação entre o
Ministério da Saúde e as missões dos Ministérios de Relações Exteriores em Genebra. Neste

136
último caso, a dificuldade de articulação ficava muito latente nos momentos em que o
Conselho de Saúde se reuniu durante as Assembleias Mundiais de Saúde para coordenar
posições comuns (AC5 e CC10).

Três temas da governança própria do CSS foram praticamente consenso entre os


entrevistados:

 O papel do ISAGS como um agente catalisador de interlocução entre as distintas


instâncias do Conselho de Saúde;
 A irregularidade de funcionamento e atuação do Conselho de Saúde gerada pela
rotatividade da Presidência Pro Tempore, somada ao diferente nível de compromisso
que cada país tem com a Unasul e;
 A necessidade do Comitê Coordenador traduzir as discussões técnicas em decisões
políticas para aprovação pelos Ministros de Saúde.

A multiplicidade de atores e espaços existentes na dimensão específica da governança do


Conselho de Saúde somada à juventude e fragilidade institucional do CSS e da própria
Unasul se beneficiaram da existência de uma instância permanente que foi capaz de articular
as interações entre os distintos atores, que ocorreram nos diferentes espaços. Ainda que o
ISAGS não tenha inicialmente sido criado com o objetivo de atuar como uma espécie de
“secretaria geral” do Conselho de Saúde, o Instituto assumiu essa função ao longo dos anos e
foi capaz de apoiar os processos decisórios do Conselho de Saúde. A estabilidade oferecida
pelo ISAGS foi especialmente importante, considerada a irregularidade do funcionamento do
CSS que dependeu do impulso dado pelo país que detinha a Presidência Pro Tempore; o que
variou ao longo dos anos, de acordo com os interesses políticos do país à frente da PPT. A
grande rotatividade dos Ministros de Saúde, uma característica presente na região, gerou a
necessidade de uma atuação técnica potente, capaz de gerar coalizões técnicas que foram
elevadas na sequência ao nível político para serem transformadas em tomada de decisão pelo
CSS.

137
Dimensão geral ou abrangente da governança

A existência das demais instâncias dedicadas à saúde na região faz com que o Conselho de
Saúde precise permanentemente estabelecer alianças e coordenar agendas com essas
estruturas. Essas interações com outras agências conformam a dimensão abrangente da
governança do CSS, que é composta por quatro espaços: regional, continental, global e a
relação com os atores não estatais (Quadro 12).

As relações do Conselho de Saúde com os organismos sub-regionais correspondem ao espaço


regional. A resolução que criou o Conselho de Saúde e o Plano Quinquenal do CSS indicam
que a relação do CSS deveria ser com as outras iniciativas sub-regionais de integração entre
países: Mercosul, o Organismo Andino de Saúde (Oras-Conhu) e a Organização do Tratado
de Cooperação Amazônica (OTCA). Na prática, os entrevistados informaram que as relações
do CSS foram estabelecidas com Mercosul, Oras-Conhu e Caricom. Nove dos entrevistados
abordaram a articulação entre esses três processos de integração e o Conselho de Saúde. Um
ator-chave contou que ainda nas discussões que antecederam a criação do CSS, alguns
Ministros de Saúde haviam proposto diluir as organizações sub-regionais dedicadas à saúde e
constituir apenas o Conselho de Saúde da Unasul, mantendo a sede do Oras-Conhu,
localizada em Lima, Peru, como secretaria executiva do CSS. Contudo quando essa proposta
foi apresentada a todos os Ministros não houve consenso (AC3).

Os entrevistados citaram momentos nos quais ocorreu ação coordenada entre o Conselho de
Saúde e as instâncias sub-regionais, como a incorporação das cinco áreas prioritárias
definidas pela Agenda Sul-Americana de Saúde (2009) no plano de trabalho do Oras-Conhu;
a lista única e consensuada de patologias e doenças de notificação obrigatória que unificou as
listas do Mercosul e da Comunidade Andina e criou uma lista válida para todos os países da
Unasul e; mais recentemente a adesão do Conselho de Saúde da Unasul ao Acordo do
Mercosul de "Criação do Comitê Ad Hoc para Negociação de Preços de Medicamentos no
Mercosul e Estados Associados" (CSS/Unasur, 2015) (AC3 e CC7).

O fato de os países membros desses três processos de integração sub-regional serem os


mesmos que compõem a Unasul exige coordenação entre agendas e compromissos, já que a
falta de articulação gera duplicação de esforços e excesso de compromissos para os países
membros (AC3, CC6, CC7 e CC8).

138
Outros espaços em que se processa a ação do CSS são mais amplos: de abrangência
continental, na relação com a OPAS, e global, com a OMS (Quadro 12).

O vínculo com a OPAS pode ser observado desde o início dos diálogos para a criação do
Conselho de Saúde. Como é possível verificar na Figura 6, a OPAS esteve representada na
Reunião do Grupo de Trabalho, outubro de 2008, Chile, que elaborou a proposta de criação
do CSS. Na mesma direção, a Decisão da Costa do Sauipe (2008) que criou o Conselho de
Saúde indica que a OPAS é parte do Comitê Coordenador, na qualidade de observador.

Contudo a relação entre o CSS e a OPAS foi marcada por conflitos, conforme apontam
alguns entrevistados. Um ator-chave conta que na Reunião de Cuenca (2010) a OPAS propôs
funcionar como secretaria técnica do Conselho de Saúde (AC2), o que voltou a ocorrer na
Reunião de Assunção (2012), segundo um representante do Comitê Coordenador (CC7). A
OPAS também tentou, segundo outro ator-chave, “boicotar a criação do ISAGS, propondo
que o ISAGS fosse um organismo de apoio à OPAS na América do Sul”, o que foi
imediatamente rejeitado pelo Conselho de Ministros (AC2).

Outro ponto de conflito na relação com a OPAS envolve as Redes coordenadas pelo Brasil e
o Grupo de Recursos Humanos, também coordenado pelo Brasil (GTR1, GTR2, GTR3 e
GTR4). Como não há recurso destinado para as atividades dos Conselhos Setoriais, o Brasil
destinou orçamento para essas instâncias através de termos de cooperação estabelecidos com
a representação da OPAS no Brasil. A partir destes mecanismos, reuniões dessas Redes e do
GT de Recursos Humanos foram financiadas através da OPAS. Segundo os entrevistados que
abordaram este tema, alguns estados membros, como a Bolívia e a Venezuela, “não viam a
OPAS como um agente muito neutro” e criticavam a relação do CSS com a organização.

Apesar dos conflitos existentes na coordenação entre o Conselho de Saúde e a OPAS, na


última reunião ordinária do Conselho de Saúde, realizada em Montevidéu, em 11 de setembro
de 201513, foi assinado o “Memorando de Entendimento de Cooperação entre a União de
Nações Sul-Americanas e a Organização Pan-Americana da Saúde”, com objetivo de
estabelecer um marco de cooperação entre as duas instituições. A Declaração N° 05/2015 do
Conselho de Ministros de Saúde aprovou o memorando e elevou o mesmo para aprovação do
Conselho de Ministros de Relações Exteriores, como prevê o Regulamento Geral da Unasul
no que tange ao relacionamento com terceiros. Esse memorando visa apoiar a execução do

13
Ver o Quadro 9 – Últimas reuniões realizadas pelos Conselhos Setoriais da Unasul, no capítulo 5.

139
Acordo do Mercosul de "Criação do Comitê Ad Hoc para Negociação de Preços de
Medicamentos no Mercosul e Estados Associados" (CSS/Unasur, 2015), tendo no Fundo
Estratégico da OPAS o agente viabilizador da compra conjunta de medicamentos para a
região sul-americana.

Já a relação com a OMS esteve mais marcada pela atuação do Conselho de Saúde nos
Conselhos Executivos e nas Assembleias Mundiais de Saúde a partir da apresentação de
posicionamentos conjuntos que defendiam os interesses da região. Um dos atores-chave
ilustra que “... antes existia tradicionalmente a reunião dos Ministros das Américas [Região
das Américas GRUA-GRULAC], normalmente presidida pela OPAS, mas não existia essa
figura de representação do bloco sul-americano, e agora existe a Unasul” (AC2)14.

Finalmente, as relações do Conselho de Saúde com atores não estatais, ainda que muito
incipientes, são identificadas como mais um espaço da governança abrangente (Quadro 12).
Esse tema é complicado para a Unasul como um todo, pois depende das regras estabelecidas
no Regulamento Geral da Unasul (2012) sobre o relacionamento com terceiros. O
representante de uma das Redes contou sobre a impossibilidade de receber fundos para o
projeto de controle do câncer que já haviam sido negociados com a Agência Internacional
para a Pesquisa do Câncer (IARC, sigla em inglês), pelo acordo não ter passado pelos
mecanismos formais de aprovação de relacionamento com terceiros que estabelece o
Regulamento Geral da Unasul (GTR1). Um depoimento que chamou atenção foi sobre a
ausência de relacionamento do Conselho de Saúde com os movimentos sociais, que tiveram
grande importância na criação do próprio CSS. Segundo o ator-chave, “...não existe diálogo
com os movimentos sociais, não há espaço no Conselho de Saúde, nem no ISAGS, para a
presença formal e a expressão de opinião dos movimentos sociais” (AC4).

Apesar das dificuldades, em manter essas relações, o ISAGS e algumas Redes tem buscado
estabelecer relações com a academia dentro e fora da América do Sul e com algumas
organizações não governamentais, como a Associação Latino-Americana de Medicina Social
(ALAMES), a Iniciativa para Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi por sua
sigla em inglês), Médicos sem Fronteira, Médicos do Mundo, South Centre, entre outras.

14
Esta tese possui uma seção específica, paresentada adiante, sobre a atuação do Conselho de Saúde como
um ator da diplomacia da saúde no âmbito da AMS.

140
6.3. A atuação do Conselho de Saúde

De acordo com a Decisão dos Chefes de Estado que cria o Conselho de Saúde15, o objetivo
do CSS é construir um espaço de integração em saúde, incorporando os esforços e as
conquistas dos outros mecanismos de integração sub-regionais, promovendo políticas comuns
e atividades coordenadas entre os países membros da Unasul. O Plano Quinquenal acrescenta
que a importância da conformação do CSS está na constituição de uma instituição política
sul-americana com competências em temas de saúde e problemas ou desafios comuns e que
possa facilitar a interação das autoridades sanitárias dos estados membros da Unasul (Unasur,
2010).

Autores como Ventura (2013), Buss e Ferreira (2011) abordam a atuação do Conselho de
Saúde a partir da concepção regional de políticas públicas com objetivo de construir respostas
para problemas comuns.

A atuação do Conselho de Saúde é tratada pelos entrevistados a partir de uma perspectiva


binária, porém complementar: a atuação política e a atuação técnica. Um dos entrevistados,
membro do Comitê Coordenador, considera que existem dois pilares de sustentação no CSS,
um que é “o órgão colegiado forte e potente, que debate o que é necessário fazer e toma
decisões”, seria a atuação política do Conselho de Saúde, e o outro “é o espaço técnico, que
muitas vezes é plurinacional e produz tecnicamente para sustentar o fórum político”, que
seria a atuação técnica (CC10).

A partir das entrevistas nove tópicos foram identificados como as principais ou mais
destacadas atuações do Conselho de Saúde ao longo de seus primeiros oito anos de existência
entre 2008 e 2015. O Gráfico 1 mostra que a criação do ISAGS e a atuação do Conselho de
Saúde como um ator da diplomacia da saúde global foram as atuações mais relevantes na
opinião dos entrevistados. A atuação específica do GT de Acesso Universal a Medicamentos
(GAUMU) e da Rede de Instituições Nacionais de Câncer (RINC) também foram ressaltadas
pelos entrevistados. A elaboração do Plano Quinquenal e a criação das Redes Estruturantes
do Conselho de Saúde foram apontadas por alguns como outras conquistas importantes.
Finalmente, a atuação do CSS transformada em impacto concreto para os países membros,
seja pela realização de acordos bilaterais entre países que são parte da Unasul, seja pelo

15
Ver o Quadro 8 – Conselhos Setoriais da Unasul, no capítulo 5.

141
impacto direto nas políticas nacionais, aparece de forma mais tímida, porém também
presente.

Gráfico 1 – Principais campos de atuação do Conselho de Saúde da Unasul, 2008 – 2015

Fonte: Elaborado a partir das entrevistas realizadas.

A criação do ISAGS

Dos 20 entrevistados, 16 destacaram a criação do ISAGS como uma das iniciativas e campo
de atuação mais importantes do Conselho de Saúde. Como já visto o ISAGS foi criado pelos
ministros de saúde em 2009 e inaugurado em 2011 e, segundo Bermudez (2016, p.62) tinha
como objetivo inicial uma “escola de governo que pudesse trabalhar com a questão da
governança em saúde na região”, um “centro de pensamento crítico com a finalidade de
capacitar quadros de liderança da saúde (...) para fortalecer a governança dos processos
políticos, sociais, econômicos nos países membros da Unasul”. Contudo, Bermudez (2016)
adverte que essa concepção original dos ministros da saúde sofreu modificações ao longo do
tempo, uma vez que não houve muita clareza inicialmente sobre como seria a dinâmica do
cotidiano do instituto.

Autores como Ventura (2013), Riggirozzi (2015), Bianculli e Hoffman (2016) e Herrera e
Tussie (2015) destacaram a importância da existência e da atuação do ISAGS. Entre os
entrevistados 16 concordam que a criação do instituto foi a ação/atuação mais relevante do

142
Conselho de Saúde, contudo, as perspectivas sobre as funções e a atuação do ISAGS são
divergentes. Existem três grandes visões sobre a atuação do instituto:

 Instância executiva e de apoio às demais estruturas do Conselho de Saúde;


 Uma instância estratégica, que se consolida como referente regional e global em
saúde;
 Uma instância criada para gerar inovações no campo da saúde na região, mas que não
conseguiu alcançar os objetivos propostos.

O papel do ISAGS como um agente catalisador das interlocuções entre as distintas instâncias
do Conselho de Saúde foi destacado na seção anterior na análise da governança do Conselho
de Saúde.

A atuação do ISAGS como uma “secretaria executiva” do CSS foi relatada por diversos
entrevistados (AC2, CC4, CC9, GTR1 e GTR4). Essa atuação, como instância executiva,
surgiu por uma necessidade de coordenar as ações de todas as instâncias do Conselho de
Saúde, bem como destas com as demais instâncias da Unasul. O ISAGS preencheu um vazio
existente na governança do CSS.

Por outro lado, a atuação como instância executiva e de apoio às demais estruturas do CSS foi
favorecida pela existência de orçamento próprio e de uma sede física, com funcionários
próprios e exclusivamente dedicados aos temas do ISAGS, do Conselho de Saúde e da
Unasul, característica que o diferencia do Conselho de Ministros, do Comitê Coordenador,
dos Grupos técnicos e das Redes.

Os entrevistados destacam também a atuação do ISAGS como uma instância de apoio aos
países membros da Unasul, que facilitou a comunicação e possibilitou a realização de
atividades.

“O ISAGS atua através do apoio à gestão do conhecimento dos Ministérios


da Saúde sul-americanos, o que é vital para poder executar planos e
estratégias. Por outro lado, ele também articulou as atividades entre os
países para apoiar o cumprimento dos objetivos e metas do Plano
Quinquenal”. (CC2)

143
“O ISAGS é uma ferramenta que atuou diretamente com os países, e por
possuir mais dedicação, uma estrutura, uma forma de trabalho e um
orçamento organizados, pode ter uma continuidade cotidiana de seu
trabalho e apoiar com que as outras estruturas do Conselho de Saúde
dessem continuidade ao trabalho”. (CC10)

“Penso que a criação do ISAGS foi algo bastante positivo, principalmente no


que diz respeito à agilidade dos processos e possibilidade de continuidade de
alguns projetos. Como instituição, estrutura de caráter permanente, num
contexto que é sempre muito volátil, traz uma certa segurança e estabilidade
para quem tem que atuar de alguma forma no âmbito do CSS”. (GTR3)

“O ISAGS teve um papel catalisador importante de fazer justamente uma


amálgama das posições e levar isso junto à PPT, junto ao Comitê
Coordenador, e as decisões do Conselho de Ministros [de Saúde] foi em
muitos casos uma expressão desse trabalho”. (GTR4)

“O ISAGS é um complemento sumamente importante para a Unasul, porque


lhe permite trabalhar no âmbito científico e de pesquisa para respaldar os
acordos de políticas conjuntas, já que a Unasul em si não é um organismo
executivo e, portanto, tem dificuldades de concretizar ações”. (AC3)

“O ISAGS como um pivô, um vetor que busca se alimentar das Redes e GTs
que estão no seu Conselho Consultivo”. (AC2)

A perspectiva do Isags como uma instância estratégica, um think tank, que se consolida como
referente regional e global em saúde, não exclui a visão de uma secretaria executiva do CSS e
é possível observar que, em alguns casos, o mesmo entrevistado destaca a atuação do ISAGS
nas duas esferas.

Entre 2011, ano de sua inauguração, e 2015 o ISAGS realizou 15 oficinas com objetivo de
fomentar o debate e a troca de experiências entre os estados membros da Unasul e algumas
delas resultaram em publicações e posicionamentos comuns em foros internacionais.

Um dos entrevistados destacou ainda a capacidade do ISAGS em expandir sua atuação para
além do CSS e levar as temáticas da saúde para outros Conselhos Setoriais. Das 15 oficinas
realizadas pelo ISAGS, seis foram intersetoriais e contaram com a presença dos

144
representantes dos Ministérios da Saúde e de outros Ministérios como Desenvolvimento
Social e Ciência e Tecnologia dos países membros da Unasul.

“A construção do ISAGS como um think tank progressista em saúde, que


realizou eventos fundamentais, como a preparação do Conselho de Saúde
para participar da Cúpula de Determinantes Sociais do Rio, em 2011”.
(AC4)

“Uma das missões importantes do ISAGS é atuar no espaço de produção de


evidências, de sistematização de iniciativas, de monitoramento do que
acontece no mundo em termos de saúde global e transformar isso em
documentos que possam assessorar os órgãos de saúde internacional de
cada Ministério e os próprios Ministros.” (AC2)

“O ISAGS foi construindo um trabalho que teve seu ápice em 2014 e agora
tem seus frutos, começa a ser identificado como uma referência técnica
regional e a nível global em matéria de saúde.” (CC4)

“O ISAGS está posicionado como um ator importante na Unasul, para além


do Conselho de Saúde, porque conseguiu ter relações com outros atores e
levar os temas da saúde para além do Conselho, levando para um nível mais
político, da Secretaria Geral e de alguns outros Conselhos.” (CC10)

“Hoje temos o ISAGS como uma instância altamente estratégica para gerar
massa crítica e evidências de trabalho que possam apoiar as políticas
públicas dos países da Unasul.” (CC7)

Outra interpretação para a atuação do Isags é de ser uma Instância criada para gerar
inovações no campo da saúde na região, mas que não teria conseguido alcançar os objetivos
propostos. Dois dos entrevistados, membros do Comitê Coordenador, ressaltam que o início
do ISAGS foi vigoroso e respondeu às expectativas que os países-membros tinham em
relação ao instituto, contudo, com o passar do tempo, as dificuldades para a
institucionalização completa do ISAGS e o baixo compromisso dos países, a capacidade de
atuação e impacto do Instituto teria diminuído, frustrando os objetivos para os quais foi
criado.

145
“O ISAGS teve um papel de muito protagonismo em seus anos iniciais, mas
pouco a pouco vem perdendo o brilho, pela falta de recursos e pela falta de
uma institucionalização completa.” (CC1)

“Existiu uma visão do que o ISAGS poderia representar que não se


concretizou. Que era de gerar inovações para os processos dos governos,
para a construção de métodos de planificação e avaliação, algo que não
aconteceu. O que ocorreu foi um grande momento, como os estudos dos
sistemas de saúde e de vigilância, que não tiveram continuidade, não
resultaram em ação, em compromissos políticos, em campos de conceitos e
métodos inovadores que pudessem ser tomados pelos países.” (CC3)

Existe, claramente, uma visão predominante sobre o ISAGS da posição de uma instância
catalisadora e de apoio na execução das ações do CSS, por parte dos entrevistados que
representam as Redes e os Grupos Técnicos. Essa perspectiva está em parte relacionada com
a governança do Conselho de Saúde, pois como visto as Redes e os GTs não têm participação
nas reuniões do Comitê Coordenador, nem nas reuniões do Conselho de Ministros. Entretanto
encontra-se também relacionada com a questão orçamentária, destacada por vários dos
entrevistados como uma das maiores barreiras para a atuação efetiva das Redes e
especialmente dos Grupos Técnicos. Como o ISAGS possui orçamento anual, a partir das
cotas pagas pelos países membros da Unasul (Artigo IX, Estatuto do ISAGS, 2011), que pode
financiar uma estrutura fixa e pessoal com dedicação exclusiva, além de atividades como
oficinas, cursos, pesquisas e publicações, o Instituto termina sendo fundamental para
financiar as atividades também das demais estruturas do Conselho de Saúde.

Na literatura pesquisada, os autores dão destaque para a atuação do ISAGS como centro de
capacitação de gestores para os sistemas de saúde, além de anunciar sua atuação como
catalisador das relações entre as demais instâncias do Conselho de Saúde. Buss e Ferreira
(2010) anunciam, antes de sua inauguração, a atuação do ISAGS na capacitação de recursos
humanos para a condução e liderança dos sistemas de saúde da região, na produção e gestão
de conhecimento e já prevê a relação do instituto com as Redes do Conselho de Saúde.
Ventura (2013), destaca que apesar de ter sido recém-criado, o ISAGS é uma instituição
inovadora e dinâmica que além de atuar na formação de gestores para os sistemas de saúde
sul-americanos, o instituto contribui para a tomada de decisões conjuntas entre os Ministros
da Saúde da região. Segundo Riggirozzi e Grugel (2015) e Bermudez (2016), o ISAGS atua

146
no desenvolvimento de capacitação para os profissionais dos estados membros, bem como na
área de pesquisa e intercâmbio de informações entre especialistas e representantes dos países.
Os autores destacam também o caráter inovador do Instituto que emerge como espaço de
construção de consensos e difusão de boas práticas.

Diplomacia da Saúde

A atuação do CSS como um ator da diplomacia da saúde global é citada como a ação de
maior destaque por 15 dos 20 entrevistados e aparece como a segunda mais relevante. Além
de ser regional, a ação do Conselho de Saúde avança na formulação e na negociação política
em fóruns multilaterais. Segundo Riggirozzi (2012) o CSS teria a capacidade de projetar os
objetivos regionais no âmbito da diplomacia regional em saúde e defender a região como um
espaço geoestratégico na formulação de política internacional.

O Conselho de Saúde da Unasul, ao apresentar uma proposta de integração regional baseada


na definição da saúde como direito social vinculado à inclusão e à cidadania, marca uma
diferença normativa em relação às experiências do Mercosul e da CAN. No Mercosul, os
objetivos centrais da Reunião de Ministros da Saúde (RMS) e do SGT 11 são harmonizar
legislações e regulamentações, e eliminar obstáculos e barreiras não alfandegárias ao
comércio regional de produtos de saúde, enquanto na CAN a saúde foi encarada como uma
questão basicamente epidemiológica, focada em problemas entre fronteiras (Riggirozzi,
2012; Guimarães e Giovanella, 2011).

O CSS tem atuado na formulação e na negociação política em diversos fóruns globais, como
o Conselho Diretivo da OPAS e as conferências globais realizadas por agências
especializadas, como a VI Conferência Internacional das Autoridades Reguladoras de
Medicamentos (ICDRA), 2014; o III Fórum Global sobre Recursos Humanos em Saúde,
2013; a VIII Conferência Global em Promoção da Saúde: Saúde em Todas as Políticas; e a
Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde, 2011.

Contudo, a atuação do CSS na Assembleia Mundial de Saúde (AMS) através da apresentação


de posicionamentos comuns, iniciada em 2010, estabelece um marco histórico para a
representação da América do Sul no cenário da diplomacia da saúde global. Através de

147
posicionamentos comuns na AMS, o Conselho de Saúde contribui para o fortalecimento do
processo de integração regional na América do Sul, para a construção de uma agenda
regional em saúde e para a consolidação da própria Unasul como um player global na
definição de pautas, na agenda mundial da saúde, que possam contribuir para a redução de
iniquidades em saúde.

A Assembleia Mundial da Saúde é um dos órgãos executivos da Organização Mundial da


Saúde, que possui ainda o Conselho Executivo; e seu corpo de funcionários permanente, o
Secretariado (Ventura e Perez, 2014). A AMS ocorre anualmente em maio, com a
participação das delegações de todos os Estados-membros da OMS, bem como dos
organismos intergovernamentais e das organizações não governamentais convidadas. A AMS
se organiza em Plenária, Comitê A e Comitê B. Além dessas três estruturas fixas, podem ser
organizadas pelos participantes, durante a AMS, sessões de informação técnica sobre temas
específicos (side events), cujo objetivo é apresentar os últimos avanços em distintas áreas,
servir de espaço para o debate e facilitar o intercâmbio de informações16.

O CSS vem ocupando todos os espaços da OMS a partir de distintas estratégias de atuação.
Além da apresentação de posicionamentos comuns na AMS, em ambos os Comitês, a Unasul
reforçou sua representatividade no Conselho Executivo da OMS. Em 2014, das seis vagas
destinadas à região das Américas, Estados-membros da Unasul atualmente ocupam metade.
Fortalecer a presença do bloco no Conselho Executivo foi estratégico para garantir que os
temas definidos como prioridade pelos países da América do Sul pudessem entrar na agenda
da AMS seguinte. A Unasul ainda não organizou nenhum side event como bloco, mas vários
dos temas que foram alvos de posicionamentos comuns tiveram side events organizados por
um ou mais Estados-membros.

Quatro blocos regionais – a União Africana (UA), a Comunidade do Caribe (Caricom), o


Sistema de Integração da América Central (SICA) e, especialmente, a União Europeia (UE) –
já se utilizavam dos posicionamentos comuns entre os países do bloco para apresentar temas
de interesse regional na AMS. A UNASUL, diferentemente desses quatro blocos regionais
que possuem posições de observadores permanentes, como organismos intergovernamentais

16
Para obter mais detalhes sobre a estrutura e funcionamento dos órgãos da OMS e especificamente sobre a
Assembleia Mundial da Saúde, recomenda-se o artigo A Unasul na Assembleia Mundial da Saúde:
posicionamentos comuns do Conselho de Saúde Sul-Americano, de autoria de Faria M, Giovanella L, Bermudez
L., produto deste doutorado, que foi publicado na revista Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 107, p.
920-934, Dec. 2015. http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v39n107/0103-1104-sdeb-39-107-00920.pdf

148
OMS, não é ainda reconhecida como um bloco de países e, portanto, não possui
representação oficial na AMS. Isso significa que não há um assento na AMS destinado à
UNASUL e que nenhum representante do bloco pode credenciar-se ou falar na AMS como
representante da UNASUL. Assim, ainda que os 12 Estados-membros do bloco entrem em
consenso e preparem uma proposta de Resolução a partir de um posicionamento comum, e
que esta seja apresentada nos Comitês pela PPT e em nome da UNASUL, apenas o país ao
qual pertence o representante que apresente a proposta de Resolução será considerado como
autor da mesma. Os outros 11 países precisam manifestar posteriormente sua concordância
em relação ao posicionamento apresentado, individualmente.

A Unasul também avançou em relação aos outros processos de integração da América do Sul.
CAN, Mercosul e OTCA, mais antigos do que a Unasul, não se organizaram para uma
atuação conjunta na AMS, o que resultou no não reconhecimento da região sul-americana
como um ator importante nessa arena. Contudo, a partir de 2010, com a atuação constante e
crescente da Unasul na AMS, esse cenário começa a ser alterado (Riggirozzi, 2012).

Chegar ao consenso em relação a um tema demanda trabalho prévio, e a elaboração dos


posicionamentos comuns ocorre tanto em reuniões presenciais como em reuniões virtuais. Os
encontros presenciais ocorrem nas reuniões ordinárias e extraordinárias do CSS e do comitê
coordenador, em especial, nas reuniões ordinárias realizadas no primeiro semestre, que, em
geral, ocorrem em março ou abril e antecedem a AMS, e nas extraordinárias realizadas em
Genebra, durante a própria Assembleia. Além das reuniões do CSS, reuniões dos GTs,
Oficinas do ISAGS e outros fóruns multilaterais também são utilizados. Além dos espaços
presenciais, o Comitê Coordenador e os GTs realizam várias reuniões virtuais nos meses que
antecedem a AMS, a fim de discutir, em detalhes, os textos das Resoluções propostas e de
suas intervenções comuns (Faria et al, 2015).

Os temas que entram para o debate e posterior consenso do bloco possuem duas portas de
entrada: podem partir de uma das estruturas do CSS, como um Grupo Técnico, ou são
apresentados por um país, que tem determinado tema como prioridade nacional e busca, em
seus companheiros de bloco, o apoio necessário para avançar com o tema no cenário global.
O primeiro movimento foi o que iniciou o processo de consenso para a AMS, mas, nas
assembleias seguintes, os países foram se apropriando desse espaço favorável de negociação,
que é o processo de integração.

149
A Unasul defendeu seu primeiro posicionamento comum na AMS em 2010, ano no qual o
CSS fortaleceu sua institucionalização com a aprovação do Plano Quinquenal e com a criação
dos GTs (Unasur, 2010). O impacto dos direitos de propriedade intelectual sobre o acesso a
medicamentos e o poder de monopólio das empresas farmacêuticas na fixação de preços e
decisões sobre genéricos foi o tema do posicionamento. No período de 2010 a 2014, foram
apresentados posicionamentos comuns da UNASUL relativos a 25 Resoluções da Assembleia
(Quadro 14).

Ao longo dos anos, além do aumento no número de resoluções, ocorreu diversificação nos
temas das resoluções que foram objeto de posicionamento comum da UNASUL (Quadro 14).
Em 2010, as duas resoluções objetos de posicionamento comum do CSS estavam
relacionadas com a produção de medicamentos. Nos anos seguintes, esse tema se manteve no
foco dos posicionamentos comuns do bloco, mas passou a ser acompanhado por diversos
outros, como o Regulamento Sanitário Internacional, em 2011 e 2014; a Reforma da OMS,
em 2012 e 2013; e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), em 2013 e 2014,
entre outros.

Quadro 14 – Resoluções da AMS que a Unasul apresentou posicionamento comum,


2010-2014
Ano e Nº Nº de
Resolução
AMS resoluções
2010 2 A63/6 - Saúde pública, inovação e propriedade intelectual: estratégia
63ª AMS mundial e plano de ação
A63/23 - Falsificação de produtos médicos

2011 5 A64/4 - Financiamento da OMS no futuro


64ª AMS
A64/9 - Implementação do RSI (2005)

A64/13 - Trabalhando para reduzir a mortalidade perinatal e neonatal

A64/16 - Produtos médicos de baixa qualidade, espúrios, com etiquetas


enganosas, falsificados ou de imitação
A64/21 - Prevenção e controle de doenças não transmissíveis

2012 2 A65/5 - Reforma da OMS: Informe consolidado da Diretora Geral


65ª AMS
A65/24 - Grupo consultivo de especialistas para pesquisa e
desenvolvimento: financiamento e coordenação (CEWG)

150
Ano e Nº Nº de
Resolução
AMS resoluções
2013 6 A66/4 - Reforma da OMS
66ª AMS A66/7 - Projeto de Orçamento por Programas 2014-2015
A66/12 - Deficiência
A66/13 - Monitoramento dos ODM relacionados com a saúde

A66/22 - Produtos médicos de baixa qualidade, espúrios, com etiquetas


enganosas, falsificados ou de imitação
A66/23 - Continuação do informe do Grupo consultivo de especialistas
para pesquisa e desenvolvimento: financiamento e coordenação (CEWG)

2014 11 A67/7 - Marco para o relacionamento com atores não-estatais


67ª AMS A67/12 - "Plano de ação mundial sobre vacinas"
A67/16 - "Plano de ação mundial da OMS sobre a deficiência 2014-
2021"
A67/19 - Monitoramento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
ligados à saúde: informe da secretaria
A67/20 - Monitoramento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
ligados à saúde: a saúde na agenda para o desenvolvimento pós 2015

A67/24 - Repercussões da exposição ao mercúrio e aos compostos


mercuriais na saúde pública
A67/25 - Contribuição para o desenvolvimento social e econômico

A67/27 e A67/28 - Continuação do informe do Grupo consultivo de


especialistas para pesquisa e desenvolvimento: financiamento e
coordenação (CEWG)

A67/30 - Acesso aos medicamentos essenciais


A67/32 - Fortalecimento do sistema de regulamentação
A67/34 - Continuação da Declaração Política de recife sobre recursos
Humanos para a Saúde
Fonte: Elaborado a partir dos documentos analisados.

O tema de medicamentos, além de inaugurar os posicionamentos comuns em 2010, se


manteve constante em todas as AMS. Dos 25 posicionamentos comuns apresentados pela
UNASUL entre 2010 e 2014, oito foram sobre Resoluções que tratavam do tema de
medicamentos. Essa concentração dos posicionamentos comuns no tema de medicamentos
pode ser explicada por dois fatores: o primeiro é o trabalho contínuo do GAUMU, que, dos

151
cinco GTs do CSS, é o único que, ao longo dos anos, manteve reuniões periódicas e
acompanhamento das agendas internacionais. O outro fator é o desabastecimento de
medicamentos, que têm sido uma preocupação global, mas, em especial, dos países em
desenvolvimento e não produtores de medicamentos, além da incorporação de tecnologias
que vêm gradativamente desfinanciando os sistemas de saúde dos países da região (Gray e
Manasse, 2013).

GAUMU e RINC

O destaque dado para a atuação do Grupo Técnico de Acesso Universal a Medicamentos


(GAUMU) está, como visto, muito relacionado com o tema anterior, da atuação do CSS
como ator da diplomacia da saúde, em especial nas Assembleias Mundiais da Saúde, já que
um terço das posições comuns apresentadas pela Unasul na AMS foram sobre medicamentos,
além de ter sido o tema que inaugurou a atuação do Conselho de Saúde na AMS, o que
mostra a relevância que o problema de acesso a medicamentos tem para os ministros sul-
americanos (CC1). Contudo, além dessa atuação, os entrevistados deram destaque também
aos dois projetos financiados pelo Fundo de Iniciativas Comuns da Unasul (FIC) que foram
elaborados e estão sendo implementados pelo GAUMU, com o apoio do ISAGS. Essa
atuação conecta o GAUMU com a RINC, outro campo de atuação destacado, uma vez que a
Rede de Instituições Nacionais de Câncer também possui um projeto aprovado pelo FIC.

O Fundo de Iniciativas Comuns (FIC) tem por objetivo financiar projetos com um alto
impacto no território da América do Sul (Artigo 44, Regulamento Geral da Unasul, 2012). Os
recursos do FIC provêm de contribuições voluntárias dos estados membros da Unasul
(Unasur, 2012b). O Conselho de Saúde tem dois projetos elaborados pelo GAUMU e
financiados pelo FIC: Mapeo de producción de medicamentos e Banco de precios de
medicamentos17 (Unasur, 2012c). Em dezembro de 2015 o Conselho de Saúde teve
novamente um projeto aprovado pelo Conselho de Ministros de Relações Exteriores para ser
financiado com recursos do FIC. Desta vez o projeto foi elaborado pela RINC e novamente
contou com o apoio do ISAGS para sua implementação (Unasur, 2015). O Projeto
Plataforma de intercambio de experiencias y asistencia técnica para prevención y control del

17
Os dois projetos totalizando 320.733,00 dólares foram aprovados pelo Conselho de Ministros de Relações
Exteriores em novembro de 2012 para serem executados a partir de 2013 (Unasur, 2012c).

152
cáncer de cuello uterino en Suramérica, foi orçado em 200 mil dólares e deverá ser
implementado no prazo de dois anos.

A possibilidade de contar com recursos do FIC apoia a concretização de projetos das Redes e
GTs, que como visto sofrem com a falta de orçamento próprio, porém os três projetos
aprovados serão executados em parceria com o ISAGS, que é a única instância do Conselho
de Saúde que possui personalidade jurídica e estrutura de pessoal para receber e executar os
recursos.

Outras formas de atuação

O intercâmbio de informação, a troca de experiências e boas práticas entre os países membros


foram mencionados por quatro dos entrevistados como uma das atuações mais relevantes do
Conselho de Saúde (Gráfico 1). As oficinas realizadas pelo ISAGS foram citadas como
espaços privilegiados para esse intercâmbio (CC2, CC6, CC7, AC2 e GTR4). O representante
de um dos Grupos Técnicos relata que “sempre houve uma vontade muito grande em trocar
experiências, não no sentido copiar modelos, mas de pegar o que funciona no Brasil, somar
com o que funciona na Argentina, no Uruguai etc. e tentar aplicar no seu respectivo país”
(GTR4). Apesar da visão positiva de alguns entrevistados, um ator-chave questiona a troca de
experiências como um mecanismo efetivo, apesar de reconhecer que a juventude da Unasul é
um fator que deve ser levado em consideração:

“Às vezes tenho a impressão de que a coisa fica só no nível do dito e do


escrito (...) é como se fosse apenas para construir conhecimento, mas sem
nunca chegar ao ponto de aplicar esse conhecimento. Então não sei se
existe integração de fato, se existem medidas conjuntas de fato, ou é apenas
para se conhecer. Não que se conhecer seja uma coisa descartável, mas
deveria ser o início de um processo. (...) A Unasul é recente, então existe
muita coisa para evoluir ainda.” (AC1)

A relevância dada pelos entrevistados ao Plano Quinquenal (Gráfico 1) não reflete a


implantação de seus objetivos e metas, mas a própria existência do plano, a capacidade que
os países tiveram de, logo no início do processo de integração da Unasul, planejarem juntos e
chegarem a um produto concreto, com valores, áreas prioritárias, metas e mecanismos de

153
monitoramento (CC1, CC5, CC10 e AC4). A falta de financiamento e a falta de uma entidade
ou sistema que permitisse o monitoramento do cumprimento do Plano Quinquenal
impuseram limitações às ações que os GTs deveriam executar de forma a cumprir com o
instrumento desenvolvido. Além disso, como visto, o interesse ou desinteresse político dos
estados membros também foi uma barreira ao cumprimento das metas e objetivos. Três
entrevistados também destacaram a “personificação do trabalho” dos Grupos de Trabalho e
Redes, afirmando que a realização ou não do trabalho “depende da qualidade das pessoas
que estão tanto coordenando como representando cada país” em determinado GT ou Rede
(CC1, GTR3 e GTR5). Um dos representantes do Comitê Coordenador destaca que o
GAUMU teve uma atuação tão positiva porque “sempre teve liderança em sua coordenação
e os representantes dos estados membros que participavam dinamizaram sua performance,
com destaque para Argentina, Suriname, Brasil, Colômbia e Equador” (CC1).

A criação das Redes Estruturantes do Conselho de Saúde (ver Figura 7) também mereceu
destaque para três dos entrevistados. Um representante do Comitê Coordenador expressa a
importância da existência das Redes:

“A criação das Redes, que continuam funcionando até hoje, a criação do


ISAGS e a presença internacional da Unasul, do Conselho de Saúde, são
algumas expressões de uma alta qualidade técnica. Porque dar vida a
Redes de instituições, estruturar um think tank regional e ter uma
participação importante no cenário internacional não é algo tão simples ou
tão fácil de conseguir, foram expressões de uma alta densidade política e
técnica.” (CC3)

Impacto da atuação do CSS nos países

Finalmente, os dois últimos destaques da atuação do Conselho de Saúde, segundo os


entrevistados, são os dois temas de impacto mais concreto: impacto nas políticas nacionais e
acordos bilaterais realizados entre países membros da Unasul, ambos resultados da
participação dos países no Conselho de Saúde. Os relatos de impacto nas políticas nacionais
trazem exemplos tais como “mudança nos mecanismos de controle do câncer após participar
de oficina do ISAGS e reunião da RINC” (CC6); “reestruturação dos Institutos Nacionais
dos países membros, dando mais segurança e continuidade às políticas de saúde, não

154
ficando tão dependentes da ideologia do Governo, a partir da ação da RINS” (GTR2) e; “a
ENSP/FIOCRUZ está ofertando 17 vagas de doutorado e 9 de mestrado preferenciais para
candidatos da América do Sul” (CC3).

Já a realização de acordos bilaterais entre países membros da Unasul mostra que a


aproximação de países do Cone Sul e da Região Andina ocorreu a partir das articulações e
encontros promovidos pela Conselho de Saúde da Unasul. Um representante do Comitê
Coordenador oferece como exemplo a cooperação entre Uruguai e Equador:

“O Uruguai não tinha um diálogo cotidiano com o Ministério de Saúde do


Equador, então começou a ser desenvolvida uma série de contatos
bilaterais, graças ao trabalho da troca de Presidência Pro Tempore da
Unasul [entre 2010 e 2011] e a partir daí diretamente entre os dois
Ministérios de Saúde. Muitos projetos de cooperação sul-sul foram
desenvolvidos e chegou um momento em que o Equador se tornou o sócio
com o qual o Uruguai mantinha maior nível de cooperação sul-sul.”
(CC10)

Apesar do que aponta um representante do Comitê Coordenador, de que “o trabalho em


saúde leva tempo, quando se dedica a realizar projetos em certas áreas da saúde não é
possível ver resultados imediatos, mas nessa base diária de trabalho as mudanças levam
muito tempo, mas são sustentáveis” (CC9) é possível ver resultados concretos a partir das
diversas frentes de atuação do Conselho de Saúde. Segundo o representante de uma Rede, “o
trabalho que temos feito nos países não teriam sido feitos sem as estruturas da Unasul”
(GTR2).

6.4. A agenda em saúde da Unasul

Em dezembro de 2008 o Conselho de Chefes de Estado aprovou a Agenda Sul-Americana de


Saúde. Em novembro de 2010 o Conselho de Saúde aprovou o Plano Quinquenal 2010-2015
do CSS. Além desses dois instrumentos que direcionaram o trabalho dos Grupos Técnicos, o
ISAGS submeteu à aprovação de seu Conselho Diretivo, desde sua inauguração em 2011, um
Plano Anual Operacional (POA). As Redes também possuem planos de trabalho, em alguns
casos anual e outros bianual. Esses documentos estabelecem, como já visto em relação ao

155
Plano Quinquenal, objetivos, metas e atividades que devem ser cumpridas por cada instância
do Conselho de Saúde. Apesar da existência desses instrumentos formais de planejamento,
existe uma Agenda política do Conselho de Saúde que não está necessariamente expressa ou
contida nesses planos e que possui, como agenda política que é, um processo de formulação
complexo que envolve atores, negociação, tomada de decisão, clima político e momentos de
oportunidade que definem que temas entram ou não para a agenda.

A compreensão do processo de formulação da uma agenda política requer análises que tratem
da dimensão política, do exercício do poder e da racionalidade na escolha de prioridades
(Gottems et al, 2013). O uso de modelos teóricos como base desta análise possibilita a
compreensão da realidade, os sentidos e os significados dos processos envolvidos.

Para analisar a formulação da agenda do Conselho de Saúde, foram utilizados dois modelos
teóricos: o Modelo de múltiplos fluxos de Kingdon e o Modelo de Coalizão de Advocacia
(MCA) de Sabatier e Jenkins-Smith. Enquanto o modelo de Kingdon trata especificamente do
processo de formulação da agenda, o MCA trata ciclo de políticas públicas completo, e ainda
que este não seja o foco deste estudo, o modelo é útil, pois amplia a compreensão de
processos políticos complexos, com as suas múltiplas dimensões e inclui a presença dos
subsistemas de políticas (policy subsystems).

Os dois modelos teóricos oferecem recursos metodológicos que podem auxiliar na


compreensão dos elementos presentes no processo de formulação da agenda política, como,
por exemplo, que a entrada ou exclusão de assuntos da agenda pode ocorrer em função da
base de apoio, da qualidade das políticas formuladas, pela natureza do problema ou pela
coalizão dos atores envolvidos na tomada de decisão.

Ainda que essas abordagens sirvam para analisar todas as fases do ciclo da política pública –
formulação da agenda, formulação da política, tomada de decisão, implementação, avaliação
e reimplementarão (Howlett e Ramesh, 1995) – nosso foco foi na fase inicial de formulação
da agenda.

Apesar de terem sido elaborados originalmente para compreender regimes nacionais, essas
três abordagens teóricas podem auxiliar na análise da formulação de agendas de processos de
integração regional “porque esses demonstram um caráter híbrido, que mistura
características domésticas e internacionais” (Dri e Paiva, 2016). Autores como Princen e

156
Rhinard (2006) e Dri e Paiva (2016) utilizaram diferentes teorias das ciências políticas,
inicialmente concebidas para explicar a formulação de agendas em Estados nacionais, para
criar um quadro teórico que pudesse analisar a formulação da agenda na União Europeia e no
Mercosul, por exemplo. Nesses estudos os autores elaboraram quadros teóricos a partir das
teorias utilizadas para analisar a formulação de agendas nacionais, e os aplicaram a dinâmicas
semelhantes encontradas nos processos de integração.

6.4.1. Análise da formulação da agenda em saúde da Unasul

Assim como nos estudos citados, neste trabalho o processo de formulação de agenda no
Conselho de Saúde da Unasul foi analisado utilizando um marco teórico construído a partir
de teorias inicialmente geradas para analisar a formulação de agendas políticas nacionais,
identificando as dinâmicas análogas presentes na formação da agenda do CSS.

Normativamente o Plano Quinquenal do CSS é a agenda regional de saúde. O plano definiu


as cinco áreas prioritárias que deveriam ser trabalhadas de forma conjunta pelos 12 países da
América do Sul. O Plano Quinquenal esteve válido até dezembro de 2015. Em fevereiro de
2015, a PPT do Conselho de Saúde, que estava nesse momento com o Uruguai, convocou
uma reunião do Comitê Coordenador com o objetivo específico de discutir conjuntamente a
dinâmica de trabalho cotidiano do Conselho de Saúde, a definição de um novo plano de
trabalho e de responsabilidades em diferentes níveis, além de aspectos estruturais pendentes
do CSS. Os Coordenadores Nacionais presentes também avaliaram a implementação do
Plano Quinquenal 2010-2015 e o trabalho específico de cada Rede e Grupo Técnico.

Um dos destaques da reunião foi a busca de convergência entre as agendas dos distintos
processos de integração regional em saúde na América do Sul. A representante do Brasil, que
detinha a Presidência Pro Tempore do Mercosul, naquele momento, fez uma apresentação
sobre a experiência do bloco e propôs áreas possíveis para a convergência de agendas com a
Unasul, como a negociação conjunta de medicamentos de alto preço. Tema que foi aprovado
meses depois, em setembro de 2015, na IX Reunião Ordinária do Conselho de Saúde
(CSS/Unasur, 2015).

157
Os coordenadores nacionais não avançaram muito na elaboração do novo plano do Conselho
de Saúde e o tema voltou a ser pauta da reunião do Comitê Coordenador que antecedeu a IX
Reunião Ordinária do Conselho de Saúde, realizada em setembro de 2015, em Montevidéu.
Ao final da reunião foi definido e ficou plasmado na Ata que:

“Con respecto a los lineamientos estratégicos del nuevo Plan Quinquenal,


los Coordinadores con el apoyo del ISAGS, se reunirán, en el último
trimestre de 2015 (Oct-Dic), a fin de abordar específicamente este tema y
elaborar un documento que contenga estos lineamientos. Se considera
relevante la evaluación del Plan anterior, la priorización de temas,
estableciendo que son ejes transversales DDHH, Género y Medio Ambiente.
El nuevo Plan Quinquenal contemplará los temas que se están discutiendo
actualmente como parte de la agenda de salud global, en particular los
Objetivos de Desarrollo Sostenible (ODS).” (Ata de la Reunión del Comité
Coordinador del Consejo de Salud Suramericano, Montevideo, 9 y 10 de
setiembre de 2015)

Entre 30 de novembro e 2 de dezembro de 2015 em Montevidéu, foi então realizada uma


Reunião Extraordinária do Comitê Coordenador, com o objetivo de iniciar a elaboração do
novo plano do Conselho de Saúde. A reunião contou com a participação de representantes
dos Ministérios da Saúde dos países membros da Unasul, representantes de Grupos Técnicos,
das Redes e do ISAGS. Além disso, a Secretaria Geral da Unasul esteve representada pelo
Diretor de Assuntos Sociais.

Novamente não foi possível elaborar um plano estratégico, ou poderíamos chamar da nova
agenda formal do Conselho de Saúde. O coordenador nacional do CSS no Uruguai e
representante da PPT nesta reunião, Gilberto Ríos, declarou que “os tempos são outros” e no
novo plano será necessário “considerar a priorização política, factibilidade e possibilidade
de convergência” (Isags/Unasul, 2015, p.2).

A dificuldade de elaborar ou consensuar um novo plano para o Conselho de Saúde e a


declaração de que estamos em outro momento político, feita pelo representante da PPT
uruguaia do CSS mostra que a janela de oportunidade que esteve aberta em 2009 para
consensuar o Plano Quinquenal 2010-2015 pode ter se fechado. Certamente não é a ausência
do problema, mas como indicado por Kingdon (1995), o problema isolado é incapaz de
colocar um tema na agenda política. Por outro lado, as alternativas continuam sendo geradas

158
pelos atores invisíveis. Existem Redes, GTs e o ISAGS trabalhando e gerando possibilidades
de soluções. Contudo o Fluxo político, ou seja, o contexto político ou administrativo
favorável, não está presente.

Segundo dois entrevistados, existe um “esfriamento” da dinâmica interna da Unasul, causada


pelas mudanças políticas que ocorreram nos países da América do Sul na segunda década do
século XXI (CC3 e AC2). Um deles afirma que “se não houver uma clara decisão de que a
Unasul é uma prioridade, que parta dos Presidentes, dos Chanceleres e dos Ministros de
Saúde não há como manter a intensidade” (CC3). Ou seja, apesar das dinâmicas entre os
atores invisíveis (Kingdon, 1995) ou entre a rede de atores/subsistemas (Sabatier e Jenkins-
Smith, 1993) permanecer ativa, gerando coalizões, existe a ausência da tomada de decisão
autoridades governamentais e as mudanças no sistema político macro influenciam fortemente
na possibilidade de formulação da agenda18.

No início da criação do Conselho de Saúde e da elaboração de suas primeiras agendas havia


claramente uma decisão/um mandato da alta política que movia a formulação da agenda, as
coalizões políticas estavam fortalecidas e ativas. No momento atual, aparentemente o
movimento está ocorrendo na direção inversa, a partir das redes de atores, a partir das suas
áreas específicas de atuação, por meio das coalizões técnicas estabelecidas, buscando mover
para o nível da decisão política seus temas como o objetivo de elaborar uma nova agenda
regional. Um dos representantes de um Grupo Técnico afirma que “a agenda regional ainda
está em construção, é preciso haver mais discussão, dos Ministros de Saúde, que são os que
de fato formam o Conselho de Saúde. Hoje falta envolvimento político no nível dos
Ministros.” (GTR5)

Apesar da ausência de uma nova agenda formal (considerando o período deste estudo), uma
agenda política, não plasmada em um documento único, segue direcionando as ações do
Conselho de Saúde. Já foi visto que existem em curso o Plano Anual Operativo do ISAGS,
projetos do GAUMU e da RINC financiados pelo FIC, além da atuação no âmbito da
diplomacia da saúde por parte do CSS nos fóruns multilaterais, em especial na AMS.
Considerando que não existe uma ausência de ação nas distintas estruturas do CSS, ainda que
seja apontado um esfriamento, também é possível ponderar que existe uma agenda política
vigente.

18
Ver Figura 4 – Fluxograma do Modelo de Coalizão de Advocacia (MCA), apresentada na Metodologia,
capítulo 3.

159
Dos 20 entrevistados 13 responderam objetivamente à pergunta “Existe hoje uma agenda sul-
americana de saúde?”, dos quais oito responderam não considerarem que exista uma agenda
sul-americana de saúde na atualidade e cinco consideram que essa agenda existe (Quadro 15).
Dos oito que responderam que não existe hoje uma agenda regional em saúde, todos
afirmaram que o grande problema é a falta de envolvimento político (Fluxo Político/tomada
de decisão) para a definição de prioridades. Contudo, mesmo entre os entrevistados que
disseram não existir neste momento uma agenda regional de saúde, há a indicação de temas
como prioritários entre os países membros da Unasul.

Quadro 15 – Agenda sul-americana de saúde


Existe hoje uma agenda sul-americana de saúde?
Sim Não
5 8
Temas da Agenda Regional
Vigilância epidemiológica 8
Medicamentos 8
Doenças não transmissíveis 3
Articulação de prioridades sub-regionais 2
Sistemas universais de saúde 1

Fonte: Elaborado a partir das entrevistas.

O primeiro destaque foi dado ao tema da Vigilância Epidemiológica (Quadro 15), que não
coincidentemente é o tema que no final do século XIX e início do século XX estabelece o
processo de internacionalização da saúde, ou da cooperação internacional em saúde com o
objetivo de controlar o quadro de transmissibilidade de doenças contagiosas, agravado pelo
aumento do comércio marítimo e do trânsito entre as nações (Rosen, 1994). A Vigilância
Epidemiológica também figura entre os cinco eixos do Plano Quinquenal 2010-2015 e possui
um GT dedicado ao tema. Para os entrevistados que alegam não existir uma agenda regional,
mas destacam o tema como uma prioridade sul-americana criticam a “reatividade
conjuntural” do Conselho de Saúde, e a falta de uma “pauta clara” que possa guiar o
trabalho de todas as instâncias do CSS (GTR2 e AC4). Esses entrevistados, que criticam a
agenda do CSS como “conjuntural e responsiva”, alegam que as prioridades são
estabelecidas por atores externos, como os Estados Unidos, a OPAS e a indústria
farmacêutica (GTR2 e AC4). Por outro lado, a reação do CSS às epidemias de Zika,
Chickungunha e até a possibilidade de uma epidemia de Ebola, foram citadas pelos

160
entrevistados que acreditam na existência de uma agenda regional como uma fortaleza que
demonstra a capacidade que foi construída na região de reagir em conjunto quando existem
interesses comuns entre os países (CC5, CC6, CC7 e CC8). Um representante do Comitê
Coordenador relata a experiência da reação do CSS à epidemia de Zika, que ele denomina de
“agenda propositiva da Unasul em saúde”:

“Existe uma agenda propositiva no Conselho de Saúde, que ocorre a partir


da liderança de distintos países em temas específicos. O caso do Zika, por
exemplo, como se dispara a reunião Unasul-Celac? Se dispara por
iniciativa da Presidenta Dilma, uma preocupação transmitida ao Ministro
da Saúde do Brasil e aí transmitida ao Vice-Presidente do Uruguai, Raúl
Sandic, que nesse momento era Presidência Pro Tempore da Unasul. O
Uruguai então aciona o mecanismo Unasul, e convoca a reunião sobre o
Zika. Era uma emergência regional pesada, que como sempre ocorre
existem países mais afetados, que nesse caso eram Brasil e Colômbia, e
sempre um tem que impulsionar o tema e depois os demais dão apoio,
avaliam a situação e se adotam medidas conjuntas.” (CC10)

O mesmo comportamento é visto sobre o tema de medicamentos. O tema aparece como


prioridade entre os dois grupos de entrevistados: os que afirmam haver uma agenda de saúde
regional e os que negam sua existência.

Dentre os entrevistados que afirmam não existir atualmente uma agenda regional de saúde,
dois disseram que existe uma forte pressão da indústria farmacêutica e que as ações tomadas
pelo CSS de negociação conjunta de preços para medicamentos de alto preço (CSS/Unasur,
2015), ao invés de fortalecer a região sul-americana, responderia a esses interesses (GTR2 e
AC4). Essa é uma posição parcial/isolada, que defende uma abordagem mais holística da
saúde, enfocada nos determinantes sociais da saúde, mais social e menos biomédica e
medicalizada.

O grupo de entrevistados que defende a existência de uma agenda de saúde sul-americana,


expressa que as prioridades atuais são “resultado do acúmulo de experiências vividas pelos
países” a partir do Plano Quinquenal, do trabalho de articulação e complementação entre a
Unasul e os blocos sub-regionais, de forma a responder às “linhas ou áreas estratégicas
determinadas pelos Ministros de Saúde”. O tema de negociação conjunta de medicamentos
de alto preço estaria exatamente nesta categoria, visto que é um acordo de

161
complementaridade entre Unasul e Mercosul e também era uma das áreas prioritárias
definidas pelo Plano Quinquenal (CC2, CC5, CC7 e CC8). O desabastecimento de
medicamentos na Colômbia e na Venezuela foram citados como eventos que colocaram o
tema de medicamentos na agenda política da Unasul, por iniciativa dos Ministros da Saúde
dos dois países (CC10).

A partir da análise dessas duas prioridades, vigilância epidemiológica e medicamentos, é


possível observar claramente os múltiplos fluxos de Kingdon (1995)19, atuando para a
abertura de uma janela de oportunidade e consequentemente para a entrada do tema na
agenda política do Conselho de Saúde da Unasul. Os eventos ou emergências – epidemias ou
desabastecimento de medicamentos – impulsionaram o fluxo de problemas. A presença dos
atores invisíveis em trabalho permanente, neste caso os Grupos Técnicos de Vigilância e
Resposta e o GAUMU, para gerar soluções, alternativas, que pudessem ser escolhidas pelos
atores visíveis no momento oportuno, movendo o fluxo de soluções. E finalmente o fluxo
político, disparado por atores da alta política, dentro do contexto da própria existência do
mecanismo de integração regional que é o Conselho de Saúde da Unasul, que propicia um
espaço de negociação e convergência dos atores dos distintos países, possibilitando a tomada
de decisão dos atores visíveis e a entrada do tema na agenda.

A terceira prioridade apontada pelos entrevistados com um tema que compõe a agenda sul-
americana em saúde são as doenças não transmissíveis. Dos três entrevistados que
mencionaram o tema, dois citaram expressamente a questão do controle do câncer, o trabalho
realizado pela RINC e o projeto da Rede financiado pelo FIC (GTR1 e CC8). Esse tema foi
colocado na agenda do CSS através do trabalho técnico da RINC, que reúne os representantes
das instituições nacionais de câncer dos países da América do Sul e que através do exercício
da advocacia em reuniões do Conselho Consultivo do ISAGS, do Comitê Coordenador e do
Conselho de Ministros, foi capaz de elevar aos atores políticos/tomadores de decisão o tema
do controle do câncer de colo do útero (GTR1). Como já visto, o trabalho das redes não está
incluído no Plano Quinquenal, ou seja, formalmente o controle do câncer não figurou na
agenda do CSS.

Além dos temas elencados como prioridades da agenda sul-americana de saúde (Quadro 15),
a reação do Conselho de Saúde às agendas global e continental é citada como um mecanismo

19
Ver Figura 3 – Modelos dos múltiplos fluxos de Kingdon, apresentada na Metodologia, capítulo 3.

162
de formulação e definição dos temas da agenda regional. A agenda do CSS é descrita como
reativa, conjuntural, responsiva, oportunista e fragmentada (CC4, CC9, CC10, GTR2 e
AC4). Um dos representantes do Comitê Coordenador afirma que a agenda é “90% reativa e
10% propositiva”, e considera que o CSS reage à agenda global, uma agenda na qual os
países sul-americanos possuem baixa incidência e, portanto, “a região recebe os pacotes
marcados desde o nível global e reage” (CC10). Os exemplos citados, considerando que as
agendas que vem do nível global e continental, são absorvidas pela agenda regional, são a
reforma da OMS; o tema de produtos médicos de baixa qualidade, espúrios, falsamente
rotulados, falsificados, fraudados (SSFFC); a Cobertura Universal em Saúde e; a epidemia de
Ebola. Como mencionado anteriormente, a capacidade de reagir conjuntamente às agendas
global e continental, apesar de criticada por alguns entrevistados, é vista como uma fortaleza,
que é resultado do trabalho conjunto propiciado pela existência da Unasul (CC5, CC7, GTR5
e AC3).

A Figura 10 procura mostrar os fluxos de influência entre as múltiplas agendas em saúde


existentes. O impacto das agendas global e continental sobre a agenda regional e sobre as
agendas nacionais é ilustrado a partir de uma seta continua, enquanto que os casos iniciais de
influência da agenda sul-americana nas agendas global e continental são ilustrados por setas
pontilhadas.

Figura 10 – Direção das influências das múltiplas agendas em saúde

Fonte: Elaboração própria a partir das entrevistas

163
Um dos exemplos da influência da agenda global/continental citado foi a consigna da
Cobertura Universal em Saúde, lançada pela OMS. Um ator-chave entrevistado relata que a
reação do Conselho de Saúde a essa agenda global mostrou a capacidade da região de
influenciar na agenda continental, traçando o fluxo inverso ampliando o escopo da
universalidade proposta (Figura 10):

“A América do Sul, junto com a América Central, foram os dois lugares


onde mais se debateu e se confrontou o tema da Cobertura Universal com o
que são os Sistemas Universais de Saúde. Então o papel da Unasul foi fazer
com que a OPAS, na reunião dos Ministros, acabasse aprovando a
Cobertura Universal, mas incorporando, na região das Américas, o Acesso
Universal. Cobertura e Acesso Universal à Saúde! Essa foi uma conquista
muito importante.” (AC3)

A fragilidade em traduzir os problemas nacionais em propostas para uma agenda regional que
possa, ao mesmo tempo, fortalecer a agenda regional, através da busca por soluções comuns
e, orientar-se a influenciar as agendas continental e global, é apontada como uma debilidade
dos países sul-americanos (CC9 e CC10). Segundo os entrevistados existe uma agenda
técnica nos países e até regionalmente é possível verificar essa agenda técnica, porém há uma
incapacidade de traduzi-la para uma agenda política. Tomando o modelo de múltiplos fluxos
de Kingdon20, é possível compreender que o fluxo de problemas e o fluxo de soluções estão
presentes, mas como o fluxo político não está alinhado, não se abre a janela de oportunidade,
o que inviabiliza a entrada de um determinado tema na agenda.

Essa ausência do Fluxo Político, ou no Modelo de Coalizão de Advocacia (MCA), de


Sabatier e Jenkins-Smith21, o impacto dos eventos externos, ou do sistema político macro, é
explorada por dois entrevistados que afirmaram que hoje já não existe uma agenda sul-
americana de saúde (CC3 e AC2). Ambos responsabilizam as mudanças ocorridas no sistema
político macro da América do Sul pela ausência de um “conjunto de prioridades regionais”.
As mudanças presidenciais que ocorreram na Argentina e no Paraguai, além do processo de
impeachment sofrido pela presidente do Brasil em 2016 “são processos muito complexos, que
colocam à prova as jovens democracias da região. E hoje é difícil dizer se o conjunto de

20
Ver Figura 3 – Modelos dos múltiplos fluxos de Kingdon, apresentada na Metodologia, capítulo 3.
21
Ver Figura 4 – Fluxograma do Modelo de Coalizão de Advocacia (MCA), apresentada na Metodologia,
capítulo 3.

164
Ministros que representa os 12 países pode reafirmar, por exemplo, um dos princípios
basilares da Unasul que é a questão da universalidade [dos sistemas de saúde].” (AC2).

As mudanças políticas ocorridas no Brasil foram destacadas com preocupação por cinco dos
entrevistados (CC3, GTR2, AC1, AC2 e AC4). Assim como o Brasil teve uma posição
decisiva na criação da Unasul e depois na estruturação do Conselho de Saúde, as mudanças
na política brasileira podem impactar fortemente a possibilidade de haver uma nova agenda
regional em saúde na América do Sul. Um representante do Comitê Coordenador afirma que
“o Brasil mudou, o que foi definido em um determinado momento com muita clareza pelo
Lula e pelo Celso Amorim teve um declínio nítido. Houve uma mudança na orientação das
políticas exteriores iniciada pela Dilma, que demonstrou um desapetite pela coisa. E o Brasil
tem um peso muito forte nessa região” (CC3).

Sobre a fragmentação da agenda, levantada por alguns dos entrevistados, surge uma segunda
questão, que é se existe apenas uma, ou se existem várias agendas em saúde na Unasul.
Todos os representantes das Redes e dos GTs entrevistados falaram sobre a agenda específica
da instância que representavam. Agendas que são aprovadas pelos representantes dos países
membros que participam dessas Redes e GTs. Dessas agendas surgem, como no caso da
RINC e o GAUMU, temas que são capazes de surgir das coalizões técnicas e receber
aprovação das autoridades políticas, expressados pelos projetos financiados pelo FIC, por
exemplo. Porém outros tantos seguem seu caminho, mais ou menos vitorioso, dentro dos
próprios subsistemas22. Um dos entrevistados diz que “é a manutenção dos contatos entre
esses micropoderes que foi capaz de manter o Conselho de Saúde vivo, atuante, apesar do
declínio da intensidade da dinâmica interna” (CC3).

Sabatier e Jenkins-Smith (1993, p.178) definem como premissas de seu Modelo de Coalizão
de Advocacia a necessidade do tempo, do longo prazo, para que ocorra mudanças nas
políticas e que se deve focar nos subsistemas a fim de observar as mudanças, ou seja, que se
deve analisar a interação de quem procura influenciar no resultado do processo político.
Nesse sentido, observar as mudanças que ocorrem por meio da interação dos atores
representantes dos países membros, dentro dos subsistemas que são as Redes, os GTs e as
reuniões, oficinas e cursos realizados pelo ISAGS podem apresentar maior potencialidade de
perceber as construções e as modificações que ocorrem na agenda regional de saúde, ou nas

22
Ver Figura 4 – Fluxograma do Modelo de Coalizão de Advocacia (MCA), apresentada na Metodologia,
capítulo 3.

165
múltiplas agendas regionais que se constroem dentro de cada subsistema. Como os recursos
de cada subsistema são o que determinam a capacidade de cada um influenciar nas políticas
(Sabatier e Jenkins-Smith,1993), os resultados obtidos pela RINC e pelo GAUMU, por
exemplo, demonstram que alguns subsistemas dentro do Conselho de Saúde possuem maior
nível de recursos que outros.

Com o fim da vigência do Plano Quinquenal 2010-2015 do Conselho de Saúde em 2015, a


Unasul deixou de ter uma agenda formal de saúde para a região. Desde fevereiro de 2015
reuniões têm sido convocadas com o objetivo de aprovar uma nova agenda em saúde para a
América do Sul, contudo um novo consenso ainda não foi possível. A janela de oportunidade
que esteve aberta em 2009 para consensuar o Plano Quinquenal 2010-2015, quando o fluxo
dos problemas, o fluxo das alternativas e o fluxo político se encontravam alinhados,
permitindo que a janela se abrisse. As mudanças de governos em países como Argentina,
Brasil e Paraguai alteraram o contexto político favorável que existia na região em 2009, e a
ausência do fluxo político inviabiliza o consenso sobre uma nova agenda regional em saúde.

Por outro lado, se a formulação de uma nova agenda formal do Conselho de Saúde tem sido
inviabilizada pela falta de uma conjuntura política favorável, a Unasul possui múltiplas
agendas em saúde. Essas agendas possuem, na maioria das vezes, caráter conjuntural e
reativo estabelecido por agentes externos, na qual as agendas global e continental ditam as
prioridades da agenda regional.

Contudo o fortalecimento da capacidade dos países em defender seus interesses gerado pela
integração regional através da Unasul é destacado por vários entrevistados. A possibilidade
de contar com o bloco de países em fóruns continentais e globais e frente a atores externos,
como os agentes de mercado, habilitou os países da América do Sul a formular agendas em
temas específicos, desde o nível técnico, passando pela aprovação política e, em alguns casos,
se manifestando em espaços externos à própria região.

Apesar do impacto dos eventos externos da macro política na região na dinâmica do Conselho
de Saúde, a presença dos subsistemas políticos representados especialmente pelas Redes,
Grupos Técnicos e pelo ISAGS, tem podido formular e avançar com agendas temáticas como
medicamentos, controle de câncer e vigilância epidemiológica, fortalecendo a capacidade
regional e nacional de resposta em saúde.

166
7. SOBERANIA SANITÁRIA

Construir soberania sanitária por meio de processos de integração regional pode ser uma via
de fortalecimento da autonomia, controle e legitimidade nacionais, ao mesmo tempo em que
pode ampliar o espaço de atuação do bloco regional como ator no sistema global, uma vez
que a saúde figura como uma arena privilegiada para a cooperação entre países e o exercício
da diplomacia. Segundo Kickbusch e Berger (2010, p.19) “a saúde global é uma das áreas
em que uma nova abordagem da diplomacia no século vinte e um é mais evidente”. A
construção de soberania sanitária regional pode ser uma escolha especialmente positiva para
países do sul global.

O presente capítulo revisa o conceito de soberania sanitária com diferentes abordagens, e


evidencia os enfoques conceituais de dois autores sul-americanos – Paz-Soldán (1949) e
Rovere (2011). A partir da análise das entrevistas e da revisão teórica objetiva-se contribuir
com a delimitação de um conceito contemporâneo de soberania sanitária e analisar a
construção de uma soberania sanitária no âmbito do processo de integração regional da
Unasul.

As primeiras referências ao termo soberania sanitária na região das Américas remontam ao


período de criação da OMS.

Em dezembro de 1948, oito meses após a criação da Organização Mundial da Saúde, o


sanitarista peruano Carlos Enrique Paz-Soldán (1949, p.13), escreveu sobre a “defensa de la
soberanía sanitária de las Américas” em relação ao advento da OMS. O autor esclarece que
o termo soberania sanitária é novo e, portanto, é necessário conceituá-lo e explica a “relação
natural” entre a soberania e a saúde e as mudanças ocorridas pelo próprio conceito de
soberania ao longo da história:

“La soberanía no se ha aplicado específicamente a las cosas relacionadas


con el gobierno de la salud, pero es evidente que siendo la salud hoy uno de
los objetivos preferentes y fundamentales del poder público no puede
escapar a los condicionamientos de la soberanía de las naciones.

167
Históricamente la noción de soberanía ha experimentado cambios
profundos. De la soberanía divina a la humana, transferida de Dios a los
hombres: al monarca, a las aristocracias, al pueblo.

La soberanía sanitaria puede ser concebida como un sistema orgánico,


natural, que reposa en el reconocimiento de principios ideológicos
superiores, doctrina que codifica la Higiene para dar derrotero al pleno
disfrute de la vida sana del individuo y del grupo, y que al mismo tiempo
implica la voluntad de hacer obra política para aplicar esos principios al
bienestar biosocial de un pueblo” (Paz-Soldán,1949, p.175).

O conceito de soberania sanitária ainda é pouco explorado no campo acadêmico, como foi
possível observar na revisão realizada da LILACS e SCIELO, e possui abordagens bastante
distintas tanto de órgãos oficiais como de movimentos da sociedade civil.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, “soberania sanitária é o exercício do poder


soberano do Estado de proteger e promover a saúde e prestar serviços de saúde para suas
populações” (Who.org). A OMS complementa o conceito de soberania sanitária informando
que existe um debate centrado no questionamento de se os acordos comerciais da
Organização Mundial do Comércio (OMC) apoiam ou dificultam o exercício da soberania
sanitária dos Estados-Membros da OMS. O conceito da OMS está diretamente ligado ao de
Estado-soberano, e do conceito de soberania que se conforma pela tríade soberano-
autoridade-território.

Outro conceito para soberania sanitária é construído por organizações não governamentais
que defendem, entre outros valores, a medicina tradicional. Para eles a soberania sanitária
garante a cada cidadão seu direito inalienável de decidir sobre os métodos para obter sua
cura, incluindo a capacidade de escolher os medicamentos que são sociocultural e
ecologicamente adequados, e a ele devem ser oferecidas as opções de tratamento que
respeitem sua ideologia (SINAPSIS, 2014) (United Plant Savers).

O termo soberania sanitária passou também a aparecer com frequência em jornais e sites que
noticiam medidas sobre medicamentos dos Ministérios da Saúde de países da América do
Sul, especialmente Argentina e Colômbia. No colombiano El Telespectador (2014), por
exemplo, a matéria tratou da aprovação de um decreto que regularia a produção de
medicamentos biológicos e biotecnológicos no país a fim de reduzir os preços, possibilitando

168
maior acesso pela população. A matéria termina incitando o Presidente a “(...) construir un
país digno, que ejerza plenamente el derecho de soberanía sanitaria”.

Dois sanitaristas sul-americanos, em diferentes momentos da história, buscaram conceituar a


soberania sanitária aplicada aos países das Américas e em contexto regional.

O primeiro autor, citado no início deste capítulo, Paz-Soldán (1949), publicou seu livro “La
OMS y la soberanía sanitaria de las Américas” no período pós-criação da OMS, quando a
então Oficina Sanitária Pan-Americana (OSPA), que em 1958 se tornou OPAS, negociava
com a organização de nível global sua integração como oficina regional da OMS nas
Américas. Além da necessidade, fortemente marcada no livro, de definir os limites da
autonomia da OPAS em relação à OMS, demonstrava também a necessidade de reafirmar
uma independência em relação à Europa, aos países que haviam colonizado as nações das
Américas, especialmente Espanha, Inglaterra, França e Portugal.

O conceito de soberania sanitária de Paz-Soldán (1949, p. 176) conjuga a legislação, que ele
denomina de Direito Sanitário Internacional Americano, e capacidade de execução das
normas a partir da administração que “comprueba y perfecciona la norma, bajo el imperio de
la experiencia social”. A soberania sanitária, segundo o autor, possui três elementos
essenciais, as Leis/Normas, o Poder e o Povo. A norma é o saber positivo, enquanto que o
poder é a aplicação da norma, é o que a torna concreta e acessível ao povo, que poderá então
disfrutar de uma vida saudável, sendo assim, esses três elementos são indissociáveis. O
objetivo final da aplicação da soberania sanitária seria obter a saúde do indivíduo, da família,
da tribo, da etnia, da cidade e da nação inteira.

Apesar de ter um objetivo final similar ao conceito da OMS, com foco no Estado Nação, o
conceito de soberania sanitária elaborado por Paz-Soldán possui o componente da soberania
regional, ausente na definição da OMS, que destaca o papel dos Estados soberanos. O autor
fala de uma “soberanía continental” que abarca não apenas uma, mas segundo ele, todas as
Américas, “la Inglesa, la Española, la Portuguesa, la Francesa y las indigenas” (Paz-
Soldán, 1949, p.193). A Soberanía Sanitaria de las Américas é, segundo Paz-Soldán, a
expressão concreta das vontades livremente acordadas entre as nações de unir suas
experiências e conhecimentos no campo da saúde de seus povos dentro dos princípios
comuns da doutrina médico-social. O autor destaca ainda que dentro desse conceito, a
soberania sanitária continental “sería lo contrario de dependencia sanitaria, ayer mediante

169
los funcionarios de las metrópolis [fazendo referência aos países europeus que colonizaram a
América] para velar por la salud de las colônias (...)” (Paz-Soldán, 1949, p.178).

A independência em relação à interferência dos países europeus na região caracteriza o


conceito da soberania sanitária continental/regional que começa a ser construída no início do
século XX. As Conferências Sanitárias Pan-Americanas são ressaltadas no texto como
instrumento decisivo para a manutenção da soberania das Américas em relação aos seus
problemas de saúde pública (Paz-Soldán, 1949).

Seis décadas depois, Mário Rovere, sanitarista argentino, retoma a discussão sobre a
definição de soberania sanitária, a partir de uma perspectiva regional. Rovere (2011, p.27)
expressa que soberania sanitária é alcançada a partir do “fortalecimento da capacidade do
Estado de garantir o direito à saúde e de prover bens e serviços públicos”. Em um contexto
global completamente diferente de seu antecessor, Rovere mantém o objetivo final de
garantir a saúde da população, porém destaca três elementos: o fortalecimento da capacidade
do Estado; a saúde reconhecida como direito e; a provisão dos bens/produtos em saúde por
parte do Estado. Para Rovere (2011) uma política de saúde baseada na recuperação da
soberania sanitária tem que contemplar o financiamento do sistema público de saúde, a
produção de conhecimento, a inteligência epidemiológica, a avaliação de tecnologias, a
regulação democrática e o desenvolvimento de uma produção pública de medicamentos.

O cenário das Américas no século XXI já não comporta, segundo Rovere (2014), o
pensamento de uma soberania continental, como apresentado por Paz-Soldán em 1949, pois a
busca da independência já não se dá em relação aos países da Europa, como colonizadores
das Américas, mas está no alinhamento político dos governos da América do Sul em relação,
especialmente, à influência dos Estados Unidos na região:

“La confluencia de gobiernos progresistas desalineados del Consenso de


Washington que había dominado la política hemisférica durante la década
de los ’90 y las resistencias al intento de estabilizar y ampliar ese “orden
internacional” a través de tratados de libre comercio ALCA o NAFTA está
en la base de un acuerdo político con pocos antecedentes en la región”.
(Rovere, 2014, p.109)

Ainda segundo Rovere (2011), a soberania não está mais associada com o isolacionismo, mas
necessita buscar alianças e fontes de inovação na esfera internacional e desenvolver

170
capacidade de negociação e de análise crítica das propostas externas para aproveitar as
oportunidades, por um lado, e se proteger de manipulações, por outro. Nesse contexto, a
construção de uma soberania sanitária regional pode servir para os países da América do Sul
como “eje para redefinir las políticas de salud y construir nuevas capacidades de
negociación en el marco de una salud internacional alternativa” (Rovere, 2011, p.27).

A conjuntura global sobre a qual escreve Rovere não é a de um mundo saindo de uma guerra
mundial, como era o de Paz-Soldán, quando a intervenção externa, decorrente das relações
entre os Estados, que geravam mudanças nas políticas internas envolviam sempre a força
física, a intervenção militar. No século XXI as distintas modalidades de intervenções
transnacionais limitam a capacidade dos Estados em definir as estruturas políticas e
econômicas para a organização de sua política interna e terminam por interferir na soberania
nacional ou interna dos países.

Rovere (2014) destaca a capacidade de “diplomacia direta” da Unasul, que é expressada


através das reuniões/cúpulas de Presidentes, Chanceleres e Ministros que se pronunciam
sobre aspectos estruturais e reagem rapidamente para responder a questões políticas
regionais. Além de conceber a forma de atuação da Unasul como uma vantagem em relação a
outros processos de integração regional, Rovere (2011) também destaca que este processo de
integração tem mostrado grande dinamismo no enfrentamento da agenda da saúde, incluindo
iniciativas para resgatá-la das políticas neoliberais dos anos 90 que tinham objetivo claro de
incentivar a privatização gradual dos serviços de saúde na região. Essas características
colocariam a Unasul como um ator com papel de destaque na construção de uma soberania
sanitária regional ou sul-americana, segundo esse autor.

A partir da análise das entrevistas realizadas e do estudo feito sobre a atuação do Conselho de
Saúde da Unasul, o presente capítulo busca contribuir com o desenvolvimento do conceito de
soberania sanitária regional, utilizando como base os elementos oferecidos por Paz-Soldán e
Rovere, em uma perspectiva sul-americana.

7.1. O Conselho de Saúde da Unasul e a construção de soberania sanitária regional

Ao serem questionados sobre o que entendiam por soberania sanitária todos os entrevistados

171
manifestaram desconhecer o significado ou conceito “correto” e 18 dos 20 entrevistados
afirmaram que era a primeira vez que ouviam o termo. Incentivados a conceituar soberania
sanitária a partir de seus conhecimentos e práticas, os entrevistados citaram diversos
componentes, valores e temas que em sua percepção estariam associados ao conceito de
soberania sanitária. O Gráfico 2 apresenta e ordena os elementos que foram identificados nas
falas dos entrevistados como categorias emergentes do conceito de soberania sanitária.

Gráfico 2 – Categorias emergentes componentes do conceito de soberania sanitária

Fonte: Elaborado a partir das entrevistas.

O componente que apareceu com maior frequência nas respostas dos entrevistados, foi a
relação entre soberania sanitária e a capacidade dos Estados em garantir saúde para seus
cidadãos por meio de políticas públicas, é “a possibilidade de construção de políticas
públicas baseadas nas características e necessidades do próprio país” (CC10). Um ator-
chave disse que “não somos soberanos se não somos capazes de satisfazer nossas próprias
necessidades, as necessidades de nossos sistemas de saúde” (AC4). A capacidade do Estado
em garantir a saúde de seus cidadãos também está presente nos conceitos de Paz-Soldán e de
Rovere, e mesmo no conceito da OMS, figurando assim como elemento essencial do conceito
de soberania sanitária.

172
A independência/autonomia aparece muito relacionada à questão da capacidade dos países
em definir suas próprias políticas. É possível observar a relação entre esses dois elementos
como dois lados da mesma moeda: a capacidade do Estado é parte da soberania interna,
enquanto que a independência/autonomia seria o componente da soberania externa. Os dois
elementos são mutuamente dependentes, ou seja, quanto mais independente um país é, da
influência e interesses de agentes externos, maior é a sua capacidade de definir suas próprias
políticas e garantir a saúde para seus cidadãos e vice-versa. Dois representantes das Redes
trataram dessa relação ao conceituar a soberania sanitária a partir de sua perspectiva,
destacando às imposições que sofrem os países “dos interesses mercadológicos” e das “leis
de mercado definidas pelas empresas visando o lucro” e que limitam a capacidade dos países
em ter “controle sobre seu papel na proteção social, no desenvolvimento das sociedades da
região, norteado pelos conceitos de igualdade, equidade, universalidade e integralidade”
(GTR1) (GTR3).

Ainda acerca da relação entre esses dois elementos da soberania sanitária, um membro do
Comitê Coordenador relata a influência da própria cooperação internacional na soberania
sanitária de seu país:

“A soberania sanitária é realmente ser capaz de analisar e determinar o


que é melhor para a população do seu país e também é ter os recursos
adequados e poder alocá-los da forma correta, recursos internos, que não
dependam de ninguém fora do próprio Estado. O que aconteceu com nosso
país no caso da AIDS, por exemplo, mostra a falta de soberania sanitária.
Quando os Estados Unidos nos dão dinheiro para políticas de controle da
AIDS eles já vêm com um programa pronto, eles são os que determinam o
que o recurso vai poder financiar. A gente recebe o recurso para se
encaixar no programa deles. Se tivéssemos soberania sanitária, seríamos
nós, os países, que determinaríamos qual é a prioridade e onde os recursos
precisam ser investidos.” (CC6)

A sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde é um componente que permeia, como no


caso anterior, as falas de diversos entrevistados, mas que foi explicitamente citado por dois.

“A soberania sanitária está relacionada com a capacidade que os países ou


as regiões têm de financiar autonomamente a pesquisa, a ciência e a
tecnologia, a inovação, o desenvolvimento de recursos humanos, a

173
construção de políticas e a produção de medicamentos que satisfaçam as
necessidades dos sistemas de saúde”. (AC 4)

A capacidade de formação de recursos humanos em saúde também foi destacada como um


elemento importante para a soberania sanitária. Como um eixo estruturante dos sistemas de
saúde em si, a formação de pessoal em saúde deve ser marcada por uma visão da saúde como
direito, o que impõe aos países “desafios muito fortes, especialmente sobre os temas
orçamentários, uma vez que é o que determina em muitos casos a sustentabilidade dos
sistemas” (CC5).

A concepção de saúde como um direito é apontada mais do que como um componente, um


princípio sobre o qual se deve fundar a soberania sanitária sul-americana. Um membro do
Comitê Coordenador ressalta que “a soberania sanitária tem relação com uma ação política
muito clara dos países, a partir da determinação da saúde como um direito que deve ser
garantido pelos Estados, de maneira que essa possa contribuir para o desenvolvimento
pessoal e em seguida social” (CC7).

Deixamos propositalmente por último o acesso e produção de medicamentos, apesar deste


elemento ter sido citado por metade dos entrevistados. Isso porque este não é propriamente
um componente do conceito de soberania sanitária, mas uma expressão/manifestação da
soberania sanitária (ou de sua ausência) na região. A garantia da saúde aos cidadãos
pressupõe a capacidade do Estado, através de seus sistemas de saúde, de garantir também o
acesso aos medicamentos e produtos que necessite a população. Contudo vários países da
América do Sul passaram e passam por desabastecimento de medicamentos e talvez seja, de
todas as facetas da saúde, essa onde ficam mais explícitos os interesses do mercado em
detrimento das necessidades das pessoas e dos países.

O tema do acesso adequado a medicamentos aparece como um problema, expressado na


dependência externa da região sul-americana e na falta de produção, investimento em
pesquisa e desenvolvimento e inovação. Porém o maior enfoque apontou os medicamentos
como expressão atual da possibilidade de aumentar a soberania sanitária dos países da
América do Sul através de ações conjuntas/regionais que possam promover a independência
dos países, sua “autossuficiência em relação ao complexo produtivo da saúde, auto
abastecendo-se e não dependendo dos países desenvolvidos” (CC1).

174
Nesse sentido foram destacados os dois projetos do Grupo Técnico de Acesso Universal a
Medicamentos (GAUMU), financiados pelo Fundo de Iniciativas Comuns da Unasul (FIC), e
o Acordo entre Mercosul, Unasul e OPAS para negociação e compra conjunta de
medicamentos de alto preço e a atuação da Unasul na AMS em temas relacionados a
medicamentos, como expressões do trabalho do Conselho de Saúde no sentido de fortalecer a
soberania sanitária regional. O representante de uma Rede destacou a importância do tema no
momento atual da região:

“Hoje a gente usa muito esse termo [soberania sanitária] especificamente


para tratar do tema de medicamentos, porque estamos em uma etapa muito
importante de construção na Unasul, que tem enfatizado, fortalecido e
reforçado muito a soberania regional como uma prioridade quanto à
aquisição de medicamentos através do banco de preços e das compras
conjuntas. A Unasul tem mostrado capacidade de mobilização e efetividade
de resultado com essas ações”. (GTR1)

Assim como o tema dos medicamentos, as fronteiras, a migração e a capacidade de reagir a


ameaças sanitárias globais não são exatamente elementos do conceito de soberania sanitária,
mas são a expressão, a manifestação concreta da soberania sanitária em exercício. A reação
às ameaças sanitárias globais é, possivelmente, a primeira manifestação concreta do exercício
da soberania sanitária, através da qual os Estados nacionais exercem sua soberania a fim de
evitar a disseminação de determinadas doenças transmissíveis em seu território. Esse tema
está ligado à defesa e à vigilância epidemiológica, que como visto figura entre as prioridades
da agenda em saúde da Unasul, juntamente com o tema de acesso de medicamentos. A
capacidade dos países em reagir a epidemias, em garantir o acesso a medicamentos ou a
serviços de saúde em suas fronteiras ou a populações migrantes são manifestações em
diferentes áreas da saúde da capacidade do Estado em exercer a soberania sanitária.

175
Quadro 16 – Componentes da soberania sanitária sul-americana nas dimensões interna
e externa

Soberania Interna Soberania Externa

Estado Nacional Processo de Integração Regional

Independência/Autonomia/Autossuficiência
Capacidade do Estado de garantir saúde para seus
cidadãos através de políticas públicas
Defesa dos interesses do país

Medicamentos (acesso e produção) Capacidade de negociação política no âmbito


internacional

Saúde como um direito Cooperação internacional/Integração

Sistema Universal de Saúde (implementação) Fronteiras (oferta de serviços de saúde)

Sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde Migração (acesso e impacto nos sistemas)

Capacidade de formação de Recursos Humanos em


saúde Ameaças sanitárias globais

Fonte: Elaborado a partir das entrevistas.

Na dimensão externa da soberania sanitária (Quadro 16), além do elemento da


Independência/Autonomia/Autossuficiência, os entrevistados destacaram também a
capacidade de negociação política nos espaços internacionais, como espaços multilaterais, e a
defesa dos interesses do país, em relação a agentes externos como outras nações, empresas
multi e transnacionais e organizações internacionais, com ênfase para o Banco Mundial e a
indústria de medicamentos e produtos médicos. Esse componente, sem dúvida, é onde a
atuação do Conselho de Saúde se vê refletido de forma mais clara e concreta e, é onde
também, a dimensão regional da soberania sanitária, uma soberania regional que fortalece as
soberanias nacionais, se expressa de forma mais objetiva. A importância da capacidade de
negociação política no âmbito internacional para a soberania sanitária regional é
especialmente destacada pelos membros do Comitê Coordenador que representam países
menores, como Bolívia, Equador, Guiana, Paraguai e Suriname, que relatam a importância da
“voz regional” nos espaços multilaterais para que as necessidades nacionais pudessem ser
ouvidas.

176
Apesar da maior importância à atuação do Conselho de Saúde como ator da diplomacia da
saúde global ter sido conferida por países menores da região, o representante de um dos GTs
relatou como a os grandes países do bloco podem também ser beneficiados. Um exemplo é a
maior estabilidade de decisões políticas, gerada pelo compromisso regional, realizado frente
aos outros países do bloco, que mesmo com a alta rotatividade de Ministros da Saúde é
mantido, preservando assim decisões sobre políticas de saúde, como é o caso da garantia do
acesso a medicamentos:

“O Brasil teve uma mudança grande de ministros de setembro [de 2014] pra
cá. Saiu o Padilha, entrou o Chioro, depois saiu o Chioro e entrou o Marcelo
Castro, que já saiu também. E mesmo assim foi possível aprovar no
Conselho de Saúde o acordo de compra conjunta de medicamentos. E isso é
um passo gigantesco, porque comprando como América do Sul o preço
diminui, e isso garante que cada país individualmente e a região em geral
tenha uma cobertura maior e uma capacidade de resposta muito maior. Isso
representa uma grande economia para o país e também representa acesso da
população e a sustentabilidade do sistema.” (GTR4)

O destaque para a cooperação internacional/integração mostrou que os entrevistados


entendem que a soberania sanitária se constrói e se fortalece também através dos processos de
integração regional (CC5, CC7, GTR4 e AC4). A necessidade de articular e compatibilizar
agendas entre os distintos processos sub-regionais com a Unasul também apareceu como um
elemento que pode fortalecer o componente regional da soberania sanitária na América do
Sul, como a Unasul integra Estados que pertencem a todos os demais esquemas de integração
regional, coordenar as relações intra-regionais, bem como da região sul-americana com o
exterior, pode gerar um importante impacto e pode significar uma ação de empoderamento
soberano (AC3 e GTR1).

Dezessete dos vinte entrevistados afirmaram que a Unasul, através de seu processo de
integração, pode construir soberania sanitária regional. A soberania sanitária sul-americana é
vista pelos entrevistados como “necessidade da independência da região”, como “um
mecanismo de resistência”, como “uma exigência de confrontar a hegemonia global do
capital e do mercado” e como “a possibilidade de desenvolver ações e missões comuns”
(AC4, CC1, AC3, CC10). Dois atores-chave apontam que na atualidade nenhum país pode
resolver sozinho seus problemas de saúde, não apenas pelas epidemias, mas porque gerir seu

177
próprio sistema de saúde está muito relacionado com as relações internacionais, os países não
podem se isolar, a cooperação e o contato externo na área da saúde são necessários e a
integração regional pode fortalecer os países para essas relações externas que impactam em
suas políticas domésticas (AC1 e AC2).

Segundo um dos membros do Comitê Coordenador, existe uma busca do equilíbrio entre o
que os países estão dispostos a abrir mão em prol de benefícios que possam vir a receber. “Na
construção da soberania sanitária regional os países da América do Sul negociam partes de
sua soberania nacional, para que projetos e ações comuns possam ser desenvolvidos,
melhorando a qualidade dos serviços e o acesso das pessoas à saúde” (CC9).

Apesar de afirmarem acreditar na construção de uma soberania sanitária sul-americana, dois


entrevistados, disseram que hoje essa construção é um “sonho distante” (CC9 e GTR2).

Outros três entrevistados expressaram posições diferentes quanto às perspectivas para a


soberania sanitária regional: a construção de uma soberania regional sul-americana é um
passo que deverá ser dado no futuro, quando o processo de integração da Unasul estiver
completo (CC4); as diferenças entre os países que compõem a Unasul são substantivas e
construir uma soberania sanitária regional, unificando critérios políticos, não seria possível
(AC3) e; a conjuntura política atual dos países membros da Unasul coloca em dúvida o
próprio processo de integração e portanto também questiona a possibilidade de se construir
uma soberania sanitária regional (CC3).

O membro do Comitê Coordenador que considerou que a conjuntura política atual dos países
membros da Unasul coloca em dúvida o processo de integração apontou para a existência de
conflitos políticos não superados entre países da região, como por exemplo Argentina com o
Brasil no comércio no Mercosul; a fronteira entre o Chile e o Peru; da Bolívia e do Peru pela
saída para o mar e; o conflito ideológico entre Venezuela e Colômbia. Esses conflitos não
estão no campo da saúde, porém impedem um melhor fluxo da cooperação entre os países e,
portanto, a possibilidade de construção de interesses comuns. Nesse cenário a construção de
soberania sanitária regional também não seria viável. Além dos “conflitos históricos”, o
entrevistado disse que no contexto de crise que vive a região no momento, “a tendência dos
países é se fechar cada vez mais, é se defender” (CC3).

178
Embora alguns entrevistados tenham expressado a dificuldade de se construir uma soberania
sanitária regional no âmbito da Unasul, especialmente no cenário atual, a maioria das
opiniões indicou que a soberania sanitária sul-americana está em construção.

Os elementos identificados na literatura e nas entrevistas realizadas, possibilitam a elaboração


do conceito de soberania sanitária que será discutido em seguida sob a perspectiva da atuação
do Conselho de Saúde da Unasul:

A soberania sanitária se expressa em duas dimensões, uma interna e outra externa, que
são complementares e se retroalimentam. Na dimensão interna, que se expressa no âmbito
do Estado nacional, a soberania sanitária é a capacidade de definir políticas públicas a
partir da concepção de que a saúde é um direito humano e de que as necessidades das
pessoas devem ser atendidas por sistemas de saúde sustentáveis. Na dimensão externa, que
se expressa no âmbito regional e se fortalece a partir da integração entre os países, a
soberania sanitária é a capacidade de defender os interesses em saúde de sua população
em espaços multilaterais e frente aos interesses transnacionais mercadológicos. A
soberania sanitária estabelece um mecanismo regional de resistência à medida que reforça
a independência e a autonomia em saúde dos Estados.

Essa abordagem do conceito de soberania sanitária reforça componentes previamente


enunciados por Paz-Soldán (1949) e por Rovere (2011), como a independência e autonomia
dos países e a capacidade dos Estados na definição de suas políticas de saúde. Além desses
elementos também a construção de uma soberania regional, defendida por ambos autores, é
destacada nessa abordagem.

O que essa definição agrega é a delimitação clara de que a soberania sanitária se expressa em
duas dimensões distintas, a interna e a externa, uma que se manifesta na ação do Estado
Nacional e outra que se constrói no âmbito regional, a partir da integração regional entre os
países. Ademais apresenta a relação de complementaridade e benefício mútuo que essas duas
dimensões da soberania sanitária possuem. A Figura 11 ilustra que a partir da cooperação
entre os países e da integração regional, a região se fortalece e amplia a capacidade de
negociar e defender seus interesses em espaços multilaterais, frente ao mercado e outras
organizações internacionais e transnacionais, o que gera maior autonomia dos países que
pertencem ao processo de integração regional em relação à influência desses atores. Esse
exercício da soberania sanitária regional fortalece, não apenas a região no âmbito da

179
soberania externa, como também individualmente cada um dos países que pertencem ao
processo de integração regional, aumentando assim a capacidade desses países em definirem,
com menor nível de influência externa, suas políticas de saúde, elevando assim o grau da
soberania sanitária interna dos Estados nacionais. À medida que os países definem suas
políticas, com base nas necessidades de sua população, fortalecem também seus sistemas de
saúde o que fará com que a região integrada, tenha maior capacidade de negociar
externamente, fortalecendo assim a soberania sanitária regional.

Figura 11 – Relação de benefício mútuo entre a soberania sanitária nacional e regional

Fonte: Elaboração própria.

A soberania sanitária regional entendida como prática compartida e negociada entre os países
se desenvolve a partir da percepção que a integração pode aumentar a capacidade de decidir
de forma autônoma e romper com condições assimétricas historicamente estabelecidas da
região sul-americana com o exterior. Quanto menor a autonomia de uma região em relação ao
sistema internacional, maior é a importância dos fatores externos na definição de suas
políticas. Os países da América do Sul são altamente sensíveis e vulneráveis aos

180
acontecimentos e pressões do sistema internacional, consequentemente, sua autonomia
dentro desse cenário externo é limitada, forçando-os a privilegiar os espaços criados pelas
instituições multilaterais para poder atingir seus objetivos (Mariano, 2007, p.140).

Ainda que os países da América do Sul sejam vulneráveis e historicamente tenham sofrido
pressões externas que comprometeram sua capacidade de exercer sua soberania sanitária,
tanto na dimensão interna como na externa, o impacto da influência externa é diferente em
cada Estado. Países maiores, com economias mais expressivas, possuem individualmente
maior capacidade de exercer sua soberania sanitária, tanto no tangente à definição de suas
prioridades e políticas internas, como na negociação e defesa de seus interesses frente a
atores externos. Na América do Sul, por exemplo, o Brasil, além de possuir essas
características, ainda agrega a participação em outros blocos, como o BRICS e a CPLP, que
possibilitam com que o país aumente sua capacidade de exercer sua soberania sanitária
externa. Países menores, com economias mais frágeis, dependem mais da “voz regional” para
defender seus interesses. Contudo, os compromissos assumidos no âmbito dos processos de
integração regional podem manter determinadas prioridades na agenda, mesmo quando há
mudança de governo ou de dirigentes nos Ministérios da Saúde. Este último elemento é
observado também nos países maiores.

Ventura e Perez (2014, p.53) ressaltam que “houve uma mudança radical nas últimas
décadas: as empresas transnacionais e os imperativos de mercado passaram a desempenhar
um papel importante, por vezes perverso, na formulação de políticas de saúde”. Os Estados
membros da Unasul optaram por reivindicar a soberania sanitária frente a agentes relevantes
do sistema internacional, o que inclui não apenas países e organizações que notadamente
ditaram políticas de saúde na região, mas incorpora o mercado, as empresas transnacionais,
em especial a indústria farmacêutica.

A Unasul é ainda um ator jovem na arena global e sua atuação e resultados produzidos são
ainda incipientes. Contudo, é possível afirmar que os dois principais campos de atuação da
soberania sanitária regional na Unasul foram o exercício da diplomacia da saúde em espaços
multilaterais e o acesso a medicamentos.

Kickbush e Buss (2011) destacam que o mundo está passando por uma mudança geopolítica e
os países em desenvolvimento, que antes não tinham como expressar suas necessidades
diante dos países desenvolvidos, agora possuem uma voz na arena internacional através da

181
diplomacia da saúde. O exercício da diplomacia da saúde busca captar tanto o sistema quanto
o método dos processos de negociações em relação aos diversos níveis e atores que modelam
e gerem o ambiente político global no âmbito da saúde.

Nesse contexto o Conselho de Saúde da Unasul inaugurou o exercício dessa diplomacia com
foco na saúde como impulsor para a construção de soberania sanitária regional, a partir da
formação de consenso entre seus Estados membros e da definição de posicionamentos
comuns nos foros internacionais. A Unasul compreendeu que agregar os países em torno de
interesses comuns pode fortalecer as posições da região em foros internacionais multilaterais
e ampliar as possibilidades de defender os interesses dos países da América do Sul frente aos
desafios transnacionais de saúde.

Existe na Unasul um processo de construção de capacidade de decisão regional, que busca


fortalecer a América do Sul e instituir a região como espaço de decisão autônoma em saúde.
O estabelecimento de mecanismos de convergência de posições comuns, seja a partir das
coalizões técnicas ou das coalizões políticas, geradas nas distintas estruturas que compõem o
Conselho de Saúde, indicam o grande potencial da região sul-americana de estabelecer-se
como uma entidade no contexto internacional, o que pode impulsionar uma certa coesão de
práticas políticas e fortalecer a integração regional como um espaço gerador de capacidades e
complementaridades entre os países membros.

O exercício da soberania regional através da atuação da Unasul como um ator da diplomacia


da saúde global fortaleceu a capacidade da região de defender seus interesses frente a atores
externos, mas também reforçou a soberania sanitária dos Estados membros individualmente.
A possibilidade de contar com a fortaleza do bloco regional para defender interesses
nacionais foi importante especialmente para os países pequenos do bloco que não conseguem,
isoladamente, sustentar suas posições em espaços globais.

O tema do acesso a medicamentos tem se expressado como a grande prioridade do Conselho


de Saúde da Unasul e, portanto, um campo fundamental de atuação da soberania sanitária.
Nesse tema se observa mais claramente a inter-relação crucial entre as dimensões interna e
externa da soberania sanitária. A ausência de soberania sanitária nacional, ou seja, a
incapacidade dos Estados em prover o acesso a medicamentos, de definir os preços, ou ainda
de poder comprar os medicamentos necessários, exigiu dos países reconhecer suas limitações
e perceber o processo de integração regional como um mecanismo para aumentar seu

182
reconhecimento internacional e sua capacidade de negociação nos espaços da saúde global. A
ação conjunta dos países por meio do Conselho de Saúde da Unasul fortalece a soberania
sanitária nacional ao mesmo tempo que constrói soberania sanitária regional para a América
do Sul.

A atuação do Conselho de Saúde no campo do acesso a medicamentos se expressou através


de posicionamentos comuns na AMS, na elaboração dos dois projetos de iniciativas comuns
financiados pelo FIC – o Banco de Preços e o Mapa de Capacidade de Produção – e, mais
recentemente, pelo acordo entre Mercosul, Unasul e OPAS para negociação e compra
conjunta de medicamentos de alto preço. Todas essas ações buscam aumentar a capacidade
dos países de definir suas políticas de medicamentos e fortalecer a sustentabilidade dos
sistemas de saúde, elementos base da soberania sanitária nacional, não obstante, todas elas
ocorrem no âmbito da integração regional, através da atuação da Unasul como um ator da
diplomacia da saúde global e um ator capaz de influenciar no sistema internacional,
negociando e defendendo os interesses da região, componentes da soberania sanitária
regional.

Esses dois exemplos da atuação da Unasul corroboram o conceito de soberania apresentado


neste capítulo, que afirma que a soberania sanitária se expressa em duas dimensões, uma
interna e outra externa, ou seja, a soberania sanitária nacional e a soberania sanitária regional,
e que a relação entre essas duas dimensões é complementar e de benefício mútuo. Em última
instância, o que se pode observar a partir da atuação do Conselho de Saúde é que o exercício
da soberania sanitária na América do Sul estabeleceu um mecanismo regional de resistência à
intervenção de atores externos– mercado transnacional e outros Estados – nas políticas
nacionais à medida que reforçou a independência e a autonomia em saúde dos Estados-
membros da Unasul.

Ainda que a atuação da Unasul no campo da saúde tenha construído soberania sanitária
nacional e regional, é necessário ponderar se é possível construir soberania em saúde sem que
a soberania em geral seja construída pelos países individualmente e pela região. As políticas
de saúde não são isoladas das demais políticas, seja, elas econômicas ou sociais. Os
determinantes sociais da saúde evidenciam a relação direta entre outras políticas e a saúde. O
exercício pleno da soberania sanitária depende claramente do exercício da soberania como
um todo, a partir da concepção atualizada de soberania como autonomia, controle e
legitimidade dos países. Neste sentido, a Unasul é um espaço privilegiado para o diálogo com
183
as demais áreas políticas, visto que reúne os Ministros de Educação, Desenvolvimento Social,
Cultura, Economia, entre outros em seus Conselhos, além dos Ministros das Relações
Exteriores e dos próprios Presidentes dos países. Por outro lado, a saúde também é, em si, um
campo privilegiado para a construção de soberania externa, uma vez que conta com espaços
continentais e globais multilaterais de negociação e exercício de soberania, que outras áreas
sociais não possuem.

As possibilidades existem, tanto no setor saúde como dentro da Unasul, para a articulação
com outros setores e a construção de soberania para a região sul-americana. Contudo os
limites do setor saúde também são claramente marcados, tanto na governabilidade interna da
Unasul, como nos fóruns globais. No primeiro caso, a subordinação do Conselho de Saúde ao
Conselho de Ministros de Relações Exteriores com o advento do Regulamento Geral da
Unasul em 2012 expressa o limite de atuação do setor saúde dentro da Unasul. Nos espaços
globais os limites impostos ao setor saúde por acordos realizados no âmbito da Organização
Mundial do Comércio (OMC) são outro exemplo dos limites da construção de soberania
sanitária.

A influência e interferência dos acordos multilaterais firmados na OMC, que definem regras
sobre patentes, propriedade intelectual e sobre o comércio de produtos da saúde geram
impacto direto na definição de políticas em saúde nos países e nos sistemas de saúde
nacionais (Esquivel e Friedrich, 2015) (Woodward et al, 2001). O Acordo Geral sobre
Comércio de Serviços (GATS por sua sigla em inglês), o Acordo sobre Aspectos dos Direitos
de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs por sua sigla em inglês) e o
Acordo sobre Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (AMSF) são exemplos de
acordos multilaterais vinculantes da OMC que possuem impacto direto no exercício da
soberania sanitária dos países. Diferentemente dos acordos da OMC, as Resoluções emanadas
pela Organização Mundial da Saúde não possuem caráter vinculante.

Uma das formas que os países da América do Sul podem expressar sua soberania sanitária
externa e ao mesmo tempo fortalecer sua soberania interna é pressionar a OMS para que a
Assembleia Mundial da Saúde (AMS) possa avançar na aprovação de acordos vinculantes
para determinados temas, que são prioritários e necessitam de mais força normativa do que as
Resoluções são capazes de propiciar. A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco
(CQCT), que entrou em vigor em fevereiro de 2005, após 40 países a terem ratificado, é o
primeiro e único tratado internacional de saúde pública da história. Diferentemente das
184
Resoluções, que apenas produzem diretrizes em políticas de saúde em nível global, o CQTC,
por se tratar de um tratado mundial, é juridicamente vinculante, o que significa que seu
cumprimento é obrigatório a partir de sua entrada em vigor.

Apesar das duas dimensões de soberania sanitária serem complementares e mutuamente


benéficas, é certo que existe um grau de negociação das soberanias nacionais entre os países
membros da Unasul para que o consenso sobre certos temas seja possível e para que a defesa
dos interesses regionais, o mecanismo regional de resistência às influências externas, possa
operar. Essa soberania negociada não ocorre em todos os temas e existem aqueles que ficam
fora da agenda regional. É preciso que haja um alinhamento político e o reconhecimento de
que o problema em questão é compartilhado por todos os países, em maior ou menor grau, e
o reconhecimento de que a capacidade nacional de solucionar o problema é limitada.

Oliveira et al (2005, p.2380) destacam que “Embora o medicamento tenha se tornado


imprescindível para a sociedade e o Estado, sua produção tem sido capturada por poucas
empresas líderes. De grande porte, atuam de forma globalizada em segmentos específicos
(...)”, essas empresas são transnacionais e multinacionais. O Brasil, que se destaca na
produção de medicamentos entre os países da América do Sul, possui forte dependência da
importação de fármaco-químicos e de matérias-primas pela indústria farmacêutica (Oliveira
et al, 2005). Essa dependência compartilhada entre todos os países e a necessidade de
responder à demanda pelo acesso a medicamentos fez com que o esse tema se tornasse o mais
relevante no exercício da soberania externa do Conselho de Saúde da Unasul.

Na Unasul existe certa negociação da soberania sanitária nacional, que termina em acordos
ou posicionamentos comuns em fóruns multilaterais, nos quais os países precisam ceder, por
exemplo, parte de sua legitimidade em ditar as regras, a fim de consensuar e fortalecer assim
a posição do bloco no sistema internacional, seja política ou economicamente. A construção
de soberania sanitária regional pressupõe a negociação da soberania sanitária nacional, o que
impõe limitações aos países, mas sempre traz benefícios aos envolvidos e é essa a razão pela
qual os Estados optam por serem membros da Unasul.

185
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Não há prática educativa indiferente a valores. Ela não pode ser


indiferente a um certo projeto, desejo ou sonho de sociedade”.
(Freire, 1991, p.21)

Os temas examinados em cada capítulo deste estudo são retomados e relacionados aqui a fim
de responder à questão inicialmente proposta: A atuação do Conselho de Saúde da Unasul
pode construir soberania sanitária regional na América do Sul?

Com o intuito de responder essa pergunta, este trabalho de doutorado identificou os processos
de integração regional presentes na América Latina e procurou destacar as características de
cada processo e seus objetivos no campo da saúde. A partir dessa identificação foi possível
delimitar as características próprias da Unasul como um processo de integração regional, suas
semelhanças e diferenças com os demais processos da América Latina. O passo seguinte foi
descrever o processo de criação da Unasul e compreender o contexto histórico e político do
momento de sua criação, para então determinar os elementos que propiciaram a criação do
Conselho Sul-Americano de Saúde. A estrutura, a governança, a atuação e a formação da
agenda do Conselho de Saúde da Unasul foram analisadas em detalhe. Finalmente esse
conjunto de informações foi relacionado com o conceito de soberania sanitária definido neste
estudo.

A cooperação internacional e a integração regional em saúde, apesar de possuírem


sobreposições, são processos distintos. Tanto a cooperação como a integração possibilitam o
estabelecimento de objetivos comuns entre países, facilitam a criação de consenso entre os
atores e promovem intercâmbio de informações. Porém, nos processos de integração regional
existe um nível de interação crescente e de interdependência na arena política e econômica
entre um grupo de países que possuem um objetivo político estratégico comum, que visa, em
última instância, fortalecer a identidade regional dentro do sistema global.

186
A integração é também mais ampla que a cooperação porque pode resultar em novas
unidades ou entidades políticas e é menos flexível, promovendo mudanças significativas nos
Estados envolvidos. A questão da criação de novas unidades ou entidades remete aos
processos de integração supranacionais, onde há transferência de soberania para um ente
supranacional. No caso da América Latina não existem processos de integração
supranacionais. Todos os processos de integração da região são intergovernamentais, o que os
torna mais frágeis institucionalmente e gera críticas no sentido de serem considerados mais
processos de concertação presidencial que realmente processos de integração regional.
Entendemos que essas críticas advêm da comparação com o processo da integração da
Europa. Por ser o processo mais antigo de integração regional, a União Europeia é utilizada
como modelo e são comuns os estudos comparativos entre os processos de integração
regional da América Latina e a União Europeia. Contudo, os processos latino-americanos
possuem características históricas próprias que demarcam suas particularidades e que
respondem às necessidades regionais.

Os processos de integração regional têm exercido um papel protagônico nas negociações que
dirigem o ambiente da política global em saúde. Neste estudo entende-se a saúde global como
um espaço ampliado da saúde, que não se restringe a fronteiras e a relações entre nações, mas
acrescenta temas e atores envolvidos para além dos países e organizações governamentais e
intergovernamentais, e como esses novos atores interferem nas decisões em saúde. A
acentuação dos processos de interdependência associados à globalização contemporânea
amplia os determinantes de saúde transfronteiriços e reduz a capacidade dos Estados
Nacionais de proteger isoladamente a saúde de suas populações, exigindo novas estruturas de
governança global em saúde que possam promover e coordenar ações intergovernamentais.
Os processos de negociações múltiplas, que ocorrem nos distintos níveis e envolvem a
participação dos mais variados atores e visam impulsionar mudanças que promovam
globalmente a saúde, constituem o campo da diplomacia da saúde.

Verifica-se a perda da autonomia dos países e a redução de sua soberania a partir de eventos
globais sobre os quais um país não possui a capacidade de tomar decisões e tampouco é capaz
de produzir, sozinho, os resultados necessários para a proteção de seus cidadãos e de suas
fronteiras. Nesse contexto, o conceito de soberania, classicamente centrado no soberano, no
território e na autoridade, precisa ser revisitado, dada a entrada de novos atores no cenário

187
global e do advento de normas transnacionais que impactam na maneira como os Estados
nacionais exercem, interna e externamente sua soberania.

Observa-se assim que a noção rigidamente centrada no Estado e metodologicamente


nacionalista de soberania não mais responde aos atuais desafios globais. Em um cenário de
interdependência crescente entre os países a integração regional pode representar uma
alternativa conveniente para países do sul global. Contudo a relação entre soberania e
integração regional apresenta-se como um paradoxo para os tomadores de decisão. A
integração regional pode ser um mecanismo para aumentar o reconhecimento internacional e
a capacidade de um Estado de exercer influência no sistema internacional, o que em última
instância fortalece sua soberania. Não obstante, a decisão de fazer parte de um processo de
integração regional pressupõe a negociação de parte de sua soberania e, em alguns casos,
quando o processo é supranacional, até a cessão de soberania.

Uma vez, entendida a soberania como a autonomia que possui um Estado de definir e
executar suas próprias políticas, de controlar a produção de resultados e de ter a legitimidade
para determinar as regras, reconhecida por atores externos, a integração regional pode ser
uma alternativa especialmente favorável ao fortalecimento da soberania dos países da
América Latina e de outros países do sul-global.

Para países que historicamente tiveram suas políticas persistentemente penetradas pela
influência externa, a integração regional pode representar o caminho para equilibrar as
relações de poder entre países e outros atores no sistema internacional. O processo de
integração fortalece a soberania externa no nível regional, e promove o exercício da soberania
interna de forma mais autônoma, com maior controle e legitimidade, consolidando assim a
soberania nacional de cada um dos Estados-membros.

A América Latina possui uma história de seis décadas de processos de integração regional.
Entre 1950 e 2012 foram criados na região nove distintos processos de integração regional: a
Comunidade Andina de Nações – CAN (1969); a Comunidade e Mercado Comum Caribenho
– Caricom (1973); a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – OTCA (1978); o
Mercado Comum do Sul – Mercosul (1991); o Sistema da Integração Centro-Americana –
SICA (1991); a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América - Tratado de Comércio
dos Povos – ALBA-TCP (2004); a União de Nações Sul-Americanas – Unasul (2005); a
Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos – Celac (2010); e a Aliança do

188
Pacífico (2012). Cada processo possui características próprias e se alinha, em maior ou menor
grau, com os três modelos históricos de integração regional latino-americanos:
desenvolvimentista, aberto/neoliberal e “pós-neoliberal”. Esses modelos não representam
uma evolução histórica da integração regional latino-americana, mas delimitam
características específicas dos distintos processos de integração que foram criados em
determinado momento e sob conjunturas políticas diversas. Esses processos de integração
permanecem vigentes e são adaptados às novas conjunturas, convivendo entre si.

O modelo desenvolvimentista esteve vigente entre as décadas de 1950 e 1960 e produziu


como resultado três processos de integração regional: o Mercado Comum Centro-americano
(MCCA), em 1958 – que em 1991 foi transformado no SICA; a Associação Latina de Livre
Comércio (ALALC); e o Grupo Andino, que deu origem à CAN. Esses processos de
integração tiveram duas importantes influências: a constituição da União Europeia
influenciou os países da América Latina para buscar a integração de suas economias e dentro
da região; e a criação da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) com a proposta
de promover o desenvolvimento latino-americano a partir da integração econômica regional.

O objetivo desses processos de integração era alcançar a integração econômica entre os


países membros e apontava para a necessidade da região superar a dependência em relação
aos países industrializados. Nesse sentido o modelo desenvolvimentista adotou uma
estratégia para gerar maior independência dos países da região, atuando no âmbito interno e
externo, buscando fortalecer a soberania nacional e regional dos países membros. Essa
estratégia se expressou apenas por meio da integração econômica, limitando a dependência
dos países da região a uma questão de expansão de mercados e aumento do poder de
negociação financeira e comercial, ou seja, buscando inserir os países da região com maior
capacidade de atuação no sistema econômico existente.

A década de 1980 foi marcada pelas políticas neoliberais, com forte desregulação e políticas
de austeridade fiscal adotadas nos países industrializados. Essa conjuntura foi muito
desfavorável para os países da América Latina, que em 1989, com o advento do Consenso de
Washington iniciaram a implementação das políticas neoliberais. Nas décadas de 1980 e
1990 houve acentuada redução do gasto público, especialmente na área social. A
liberalização do comércio, a redução das regulações, as privatizações, o aumento das
exportações e a concentração de investimentos no setor privado passaram a ser considerados
como os principais indutores do desenvolvimento, no lugar do Estado.
189
Nesse período foram criados o Caricom e o Mercosul. O Mercado Comum Centro-americano
(MCCA) foi transformado no Sistema da Integração Centro-Americana (SICA) e o Grupo
Andino na CAN. A ênfase desses processos de integração regional era puramente comercial e
eles eram regidos pela lógica de mercado. Esse período coincide com o final dos governos
ditatoriais na região e a retomada do interesse dos Estados Unidos pelos países da América
Latina.

Observou-se que a pluralidade de processos de integração regional na América Latina e a


passagem, ao longo do tempo, por distintos modelos estão relacionadas tanto com a
fragilidade desses processos, quanto com às mudanças políticas, dificuldades e crises
enfrentadas por cada país. Contudo, os processos de integração regional também foram
adaptados às mudanças do cenário regional e internacional. Mantêm-se operantes apesar da
criação de novos processos de integração, que visam responder de forma mais adequada à
conjuntura política de cada momento. O que resultou em grande dispersão e fragmentação
desses processos, impedindo uma integração regional latino-americana forte e coerente.

No início do século XXI, observou-se o esgotamento do referencial legitimador do modelo


neoliberal, o crescimento generalizado das economias regionais, e a vitória de governos
alinhados de esquerda e centro-esquerda que defendiam o fortalecimento das soberanias
nacionais a partir do forte rechaço ao modelo neoliberal, e da redefinição da relação do
Estado com o mercado privado, e da relação da região sul-americana com os Estados Unidos.

Nessa conjuntura política e econômica, a América do Sul deu início a um novo modelo de
integração regional, que não estava focado na integração econômica, como os modelos
anteriores, mas buscava uma integração política e social, com a retomada da agenda
desenvolvimentista, porém aliando o desenvolvimento econômico ao desenvolvimento social.

Esse novo modelo de integração foi denominado de “pós-neoliberal” e se manifestou na


criação da Unasul, ALBA-TCP e Celac.

As características que diferenciam a Unasul de outros processos de integração regional e


conferem a ela um caráter inovador que puderam ser observadas neste estudo são: a ênfase na
ação política; a manutenção da democracia em seus Estados membros; a importância dada às
questões sociais e à eliminação de iniquidades; o desenvolvimento de uma agenda inovadora;
e a defesa do fortalecimento das soberanias nacionais.

190
Distintamente dos processos de integração anteriores, como Mercosul e a CAN, que tinham
como objetivo a conformação de um mercado comum, com livre circulação de pessoas, bens,
serviços e capitais e eliminação das barreiras comerciais e alfandegárias, a Unasul busca
constituir-se como um contrapeso a um sistema de blocos regionais que não estava
favorecendo a região sul-americana.

A agenda proposta pelos Chefes de Estado da Unasul enfatizou dimensões sociais, culturais e
identitárias, extrapolando os temas clássicos das agendas dos processos de integração da
região, que estiveram focados na integração comercial e produtiva.

O elemento da defesa do fortalecimento das soberanias nacionais aponta para um modelo de


concertação política, que visa a integração de agendas políticas e a busca de soluções para
problemas comuns, através do exercício da diplomacia entre seus Estados membros.

Apesar das suas debilidades institucionais, de sua juventude e dos desafios futuros, a Unasul
faz parte de um processo de reconfiguração dos padrões de cooperação e integração na
América do Sul. O avanço desse novo modelo de integração regional foi fortemente
impulsionado pelos Presidentes dos três maiores países da região: Argentina, Brasil e
Venezuela, com especial destaque para os presidentes Lula e Chaves. Essa personificação do
processo de integração é uma característica permanente da Unasul. A Unasul esteve, desde
sua criação, dependente de personalidades que levassem o processo adiante. Essa
característica esteve presente tanto na esfera presidencial como em relação à Secretaria Geral
da Unasul que teve um desempenho oscilante e dependente da pessoa do Secretário Geral.
Assim, o processo de integração regional conduzido pela Unasul depende muito da vontade
do líder de cada Estado, o que fragiliza o processo de integração a médio e longo prazos,
como pode ser observado na segunda década do século XXI.

Apesar das diferenças entre os processos de cooperação e integração regional da América


Latina, a saúde é um tema que está presente em todos eles. Essa multiplicidade de processos
gera muita sobreposição entre as prioridades das agendas em saúde, além de duplicação de
esforços e pouca coordenação entre as ações realizadas pelos distintos processos de
integração regional. Ainda assim a saúde é considerada um eixo aglutinador e um campo dos
mais propício para a cooperação e integração entre os países.

191
A criação do Conselho de Saúde na Unasul respondeu a uma tradição regional da cooperação
em saúde na América Latina, iniciada pela Organização Pan Americana da Saúde (OPAS) há
mais de um século, e absorvida por todos os processos de integração existentes na região.

Além do histórico de cooperação em saúde nas Américas e da identificação da saúde como


um campo propulsor da integração regional, o ambiente favorável de alinhamento político
dos governos da região, que propiciou a criação da própria Unasul, foram fatores que
favoreceram a criação do Conselho de Saúde Sul-Americano e possibilitaram o consenso em
temas relacionados com a saúde, como o reconhecimento da saúde como um direito universal
e a necessidade do fortalecimento de sistemas universais de saúde, objetivos propulsores do
Conselho de Saúde da Unasul.

A pressão de movimentos populares para a elaboração de uma agenda regional em saúde foi
um elemento adicional ao processo de criação de uma instância regional em saúde, que teve
relevância por se tratarem de governos que possuíam uma proximidade e um diálogo com
esses movimentos. A preexistência de um espaço de trabalho e confiança entre as autoridades
dos Ministérios da Saúde da América do Sul, construído nos fóruns sub-regionais, continental
e global foi também fundamental para criação do Conselho de Saúde. O processo de
elaboração da agenda sul-americana em saúde demonstrou que todos os espaços de encontro
foram utilizados para avançar com o projeto regional.

O estudo da estrutura, governança e atuação do Conselho de Saúde da Unasul mostrou que


apesar de possuir menos de uma década de existência e, portanto, ser um processo bastante
jovem, o CSS possui uma estrutura complexa. A multiplicidade de instâncias reproduz, no
caso do Conselho de Ministros e dos Grupos Técnicos temáticos, instâncias existentes em
outros processos de integração da região, mas também inova com a criação de Redes de
instituições e do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags), uma instância que
atua tanto como think tank regional em saúde e como um hub que apoia o exercício da
governança específica do Conselho de Saúde.

O Isags, além de um articulador que apoia a governança específica das instâncias da própria
Unasul, foi capaz de mobilizar regionalmente outros setores, como o de desenvolvimento
social e o de tecnologia e inovação para debater com a saúde soluções para temas que
requerem atuação intersetorial. Também foi capaz de aumentar o reconhecimento das
políticas de saúde da América do Sul, entre os países da região, bem como globalmente. A

192
realização de oficinas, seminários, reuniões, publicação de livros e geração de dados e
evidências sobre as prioridades regionais em saúde, permitiram aos países membros da
Unasul compartilhar informações, conhecimentos, desafios e boas práticas sobre os
problemas de saúde e a transferência de conhecimento.

Fortalecer a região por meio de políticas e ações intersetoriais é uma opção viável para a
Unasul, que conta com outros 11 conselhos setoriais além da saúde. Quando essa estrutura
começar a coordenar suas ações e atuar em conjunto, em diferentes arenas globais, o bloco
poderá melhorar muito sua posição de player global.

As Redes inovaram por estabelecer espaços de intercâmbio, aprendizagem e ação


colaborativa em saúde entre os países, por meio de suas instituições. Diferentemente dos
Grupos Técnicos, presentes também em outros processos de integração regional sul-
americanos (como o SGT11 do Mercosul), as Redes possuem maior estabilidade, por serem
representadas pela instituição e não por um funcionário específico do Ministério da Saúde. A
grande assimetria entre os países da região é visível no protagonismo que o Brasil, em
especial a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), possui na coordenação das Redes.

O Conselho de Saúde atua nas vertentes política e técnica, de forma complementar. Os


Grupos Técnicos, as Redes e o Isags atuam através de coalizões técnicas produzindo
conhecimento e evidências e fortalecendo as capacidades nacionais e regionais através do
intercâmbio de melhores práticas. Ao Comitê Coordenador cabe o papel de “tradutor” entre
as coalizões técnicas e o Conselho de Ministros, na busca de coalizões políticas necessárias à
tomada de decisões, que é a forma como o Conselho de Ministros se expressa politicamente.

A criação do Isags e o desempenho do Conselho de Saúde como um ator da diplomacia da


saúde global foram destacadas pelos entrevistados como as atuações mais relevantes do CSS.

A juventude do processo de integração em saúde da Unasul justifica o fato do processo de


criação e institucionalização do Isags, uma instância permanente, ser a atuação mais
destacada do Conselho de Saúde, uma vez que o instituto representa um avanço no próprio
processo de integração regional.

Uma diferença marcante em relação a outros processos de integração na região, é que o


Conselho de Saúde da Unasul, desde sua criação, investiu com ímpeto no campo da

193
diplomacia da saúde, utilizando os espaços de negociação continental e global, com destaque
para a Assembleia Mundial da Saúde (AMS), como palco da defesa de interesses regionais. A
atuação do Conselho de Saúde na diplomacia da saúde alterou o reconhecimento da região
sul-americana como um ator importante na governança da saúde global. CAN, Mercosul e
OTCA, processos mais antigos do que a Unasul, não se organizaram para uma atuação
conjunta em espaços multilaterais de saúde. Essa atuação diferencia a Unasul dos demais
processos de integração da América do Sul.

Apesar de ainda iniciais e tímidos, já foi possível observar impacto nas políticas nacionais e a
realização de acordos bilaterais entre países membros da Unasul como resultados da
participação dos países no Conselho de Saúde. A existência de espaços para o intercâmbio de
boas práticas e a crescente confiança construída nas diversas interações entre os
representantes técnicos e políticos dos Ministérios da Saúde possibilitou repercussões nas
políticas nacionais. Exemplos concretos foram a mudança nos mecanismos do controle de
câncer de um país membro; a restruturação dos Institutos Nacionais da Saúde de alguns
países; e a oferta de vagas de doutorado e mestrado no Brasil preferenciais para candidatos da
América do Sul. A aproximação de países andinos com países do cone-Sul, que antes da
Unasul estavam mais restritos aos espaços sub-regionais da CAN e do Mercosul, gerou
oportunidades para acordos bilaterais, por exemplo, entre Equador e Uruguai.

A complexa estrutura criada dentro do Conselho de Saúde – com cinco Grupos Técnicos, seis
Redes, um Instituto, um Comitê Coordenador e um Conselho de Ministros –, aliada à também
complexa estrutura da Unasul – com seus 12 Conselhos Setoriais, uma Secretaria Geral, um
Conselho de Delegados, um Conselho de Ministros de Relações Exteriores e um Conselho de
Chefes de Estado – e finalmente incluídos os países membros, gera uma multiplicidade de
espaços de articulação e de tomada de decisão entre os atores, o que, somado à juventude e
fragilidade da Unasul, pode produzir um efeito negativo de dificultar a ação e estancar os
processos do Conselho de Saúde e do processo de integração como um todo.

Apesar da multiplicidade de instâncias, presentes tanto no Conselho de Saúde como na


Unasul, com exceção do Isags e da Secretaria Geral, as demais estruturas são espaços de
concertação política intergovernamental, o que caracteriza a Unasul como um processo de
integração altamente intergovernamental e com uma grande fragilidade institucional. A
subordinação do Conselho de Saúde ao Conselho de Ministros de Relações Exteriores, gerada

194
pelo Regulamento Geral da Unasul, a partir de 2012, enfraqueceu a capacidade de tomada de
decisão dos Ministros de Saúde.

A Unasul, assim como outros processos de integração regional (Mercosul, CAN e SICA), têm
como característica, a tomada de decisão por consenso. Esse mecanismo que difere dos
processos decisórios em espaços multilaterais, como, por exemplo, da Assembleia Mundial
da Saúde e do Conselho Diretivo da OPAS, onde a decisão é por maioria de votos, evidencia
a necessidade de construir um espaço no qual todos os Estados-membros se sintam
confortáveis com as decisões tomadas e que amplie a confiança entre os envolvidos. O
consenso certamente faz com que o processo de tomada de decisão seja mais lento e, em
alguns casos, impeditivo. Porém, parece ser a via possível para se construir, de fato, a
integração entre países.

No atual cenário da saúde global, que incorpora uma multiplicidade de interlocutores e


interesses, articulando atores estatais e não estatais, os processos de integração regional têm
ocupado, formal ou informalmente, papel central, ao lado dos Estados, nas negociações que
dirigem o ambiente da política global em saúde. O exercício da integração em saúde na
Unasul ocorre por meio da coordenação entre os Estados-membros com o objetivo de
fortalecer seu poder de negociação e capacidade de atuar como um ator da diplomacia da
saúde no cenário global.

Os países percebem, no processo de integração, a possibilidade de encontrar soluções em


áreas nas quais os problemas são comuns e nas quais eles, individualmente, podem se
beneficiar do exercício da diplomacia da saúde do Conselho de Saúde.

Ainda que a atuação do Conselho de Saúde como um importante ator da diplomacia da saúde
seja um dos destaques positivos da Unasul no campo da saúde, há questões nas quais o CSS
pode avançar, com o objetivo de ampliar e qualificar sua atuação na arena global.

A primeira questão é a informalidade da representação da Unasul na Assembleia Mundial da


Saúde (AMS), o que ainda limita sua atuação. O reconhecimento do bloco como um
observador, com assento garantido na AMS, poderá ser o próximo passo na consolidação da
Unasul como um player na arena da saúde.

195
A Unasul necessita também construir alianças com outras regiões e países que possam
fortalecer as posições e valores defendidos pelo bloco, e somar votos. A Unasul representa
apenas 12 votos em um universo total de 194. O sul global deve ser o parceiro principal
buscado pela Unasul, especialmente outros processos de integração, tais como: como a União
Africana; o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (Brics); a
Comunidade do Caribe (Caricom); o Conselho de Ministros de Saúde da América Central e
Republica Dominicana (Comisca); a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e
a Southern Africa Development Community (SADC).

A diplomacia sanitária exercida pelo Conselho de Saúde da Unasul poderá agregar também
países da Europa e o Canadá, por exemplo, vistos os valores e princípios que aparecem
transversalmente em seus posicionamentos comuns, em questões de saúde global.

A ampliação da capacidade da Unasul em influenciar nas decisões políticas da saúde global,


dependerá de sua capacidade de interagir com atores externos à região, estabelecendo bases
comuns para a implementação de políticas que defendam os interesses da região sul-
americana.

A soberania regional não é a negação da soberania nacional. Ela deve ser entendida como
prática compartilhada e negociada entre os países membros de um processo de interação.
Desenvolve-se a partir da percepção de que a integração aumenta a capacidade de decidir de
forma autônoma e de romper com condições assimétricas, historicamente estabelecidas entre
a região e o exterior. No caso da Unasul, por se tratar de um processo de integração
intergovernamental, não há cessão de soberania a um órgão supranacional, mas a concertação
de ideias e propósitos.

Os Estados nacionais encontram-se inseridos em uma estrutura global que reduz sua
autonomia e capacidade de tomar decisões. Uma motivação para buscar o processo de
integração regional, como porta-voz das necessidades do Estado Nacional, é a percepção de
que a soberania interna de um país foi afetada pela intervenção de agentes externos, mediante
práticas e decisões que alteraram a configuração das políticas nacionais.

Para os países do sul-global a relação entre a manutenção da soberania nacional e a


construção de uma soberania regional consiste em um paradoxo: é o reconhecimento de suas
limitações imanentes que faz com que os Estados passem a perceber a integração regional

196
como um mecanismo para aumentar seu reconhecimento internacional e sua capacidade de
influenciar no sistema internacional, o que em última instância fortalece sua soberania
nacional, ao mesmo tempo que constrói a soberania regional.

No campo da saúde, soberania sanitária é um conceito que começou a ser discutido nas
Américas já no período da criação da Organização Mundial da Saúde (OMS). A soberania
sanitária partiu de uma abordagem continental, que defendia a autonomia das Américas frente
a seus colonizadores europeus e da OPAS frente à OMS, e foi redefinida para um contexto
global do século XXI com uma abrangência regional, da defesa dos interesses da América do
Sul no campo da saúde.

A contribuição desse estudo para definição de soberania sanitária foi delimitar claramente as
duas dimensões nas quais a soberania externa se expressa: uma interna, que se manifesta na
ação do Estado Nacional e outra que se constrói no âmbito regional, a partir da integração
regional entre os países. As duas dimensões são complementares e se beneficiam mutuamente
uma da outra.

A partir dessa delimitação, esta tese apresenta uma proposta de conceito para soberania
sanitária: a soberania sanitária se expressa em duas dimensões, uma interna e outra externa,
que são complementares e se retroalimentam. Na dimensão interna, que se expressa no
âmbito do Estado nacional, a soberania sanitária é a capacidade de definir políticas públicas a
partir da concepção de que a saúde é um direito humano e de que as necessidades das pessoas
devem ser atendidas por sistemas de saúde sustentáveis. Na dimensão externa, que se
expressa no âmbito regional e se fortalece a partir da integração entre os países, a soberania
sanitária é a capacidade de defender os interesses em saúde de sua população em espaços
multilaterais e frente aos interesses transnacionais mercadológicos. A soberania sanitária
estabelece um mecanismo regional de resistência à medida que reforça a independência e a
autonomia em saúde dos Estados.

Com base nesse conceito de soberania sanitária, as análises realizadas neste estudo de tese
concluíram que os Estados membros da Unasul optaram por reivindicar a soberania sanitária
frente a agentes relevantes do sistema internacional, o que inclui não apenas países e
organizações que notadamente ditaram políticas de saúde na região, mas incorpora o
mercado, as empresas transnacionais, em especial a indústria farmacêutica.

197
A Unasul possibilitou a efetivação de um processo de integração regional em saúde que tanto
construiu soberania sanitária regional, como fortaleceu individualmente as soberanias
sanitárias nacionais de cada país membro.

A soberania de cada Estado nacional se manifesta na dimensão externa da soberania sanitária


e na definição dos temas que entram ou não na agenda regional. Nem todos os temas
propostos pelos Estados membros são consensuados no Conselho de Saúde e apenas aqueles
que são de interesse de todos os países são tratados como temas regionais. O tema da
aquisição de medicamentos de alto preço tem sido uma prioridade regional, uma vez que
afeta a todos os países, independentemente das assimetrias observadas entre eles.

Questões que dependem de um alinhamento político foram consensuadas entre o bloco, como
no caso da atuação do Conselho de Saúde na Conferência Mundial sobre os Determinantes
Sociais da Saúde, realizada no final de 2011. Porém tornam-se cada vez mais difíceis, dadas
as mudanças políticas ocorridas na região a partir de 2010.

A América do Sul ingressou na segunda década do século XXI com desaceleração do


crescimento econômico e com a interrupção do período de convergências políticas, dois dos
fatores que marcaram a criação da Unasul.

O resultado das eleições da Argentina (2015) e o processo de impeachment no Brasil (2016)


indicam uma nova fase de governos de alinhamento à direita na região. Ademais, no cenário
global a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia e a vitória de Donald Trump nos
Estados Unidos produzirão efeitos ainda não conhecidos no mundo, na integração regional e
na América do Sul. Soma-se a essa conjuntura política a baixa institucionalidade dos
processos de integração do modelo “pós-neoliberal”, que os autores céticos caracterizaram
como sendo mais concertações ou diálogos interpresidencias do que de fato processos de
integração, o que faz com que esses processos sejam mais dependentes dos alinhamentos
ideológicos e das posições políticas dos governantes. É possível que a continuidade dos
processos de integração do modelo “pós-neoliberal”, que se constituíram no início dos anos
2000, seja pouco viável neste novo cenário regional e mundial.

A dificuldade de se obter consenso sobre uma nova agenda em saúde na Unasul, com o fim
do Plano Quinquenal 2010-2015, expõe a fragilidade do processo de integração em saúde na
América do Sul.

198
Entretanto, os processos de integração regional na América do Sul, criados em outros
cenários e sob uma ótica política diversa, sobreviveram e foram sendo adaptados para
responder às crises e mudanças na região ao longo de décadas, o que resultou em uma
convivência de diversos processos de integração na região. Os países membros da Unasul
poderão optar por um realinhamento conservador para o processo de integração sul-
americano, respondendo ao projeto político que vem ganhando espaço na América do Sul.
Por outro lado, as medidas tomadas pelo recém-eleito Presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, poderão funcionar como um novo estímulo para a integração Latino-americana, com
protagonismo do México e dos países da Aliança do Pacífico, ampliando a atuação da Unasul
ou reativando a Celac.

Ainda que o futuro da Unasul seja incerto, é possível afirmar que integração sul-americana
em saúde produziu importantes resultados políticos e técnicos em seus primeiros oito anos de
existência. A continuidade deste processo de integração em saúde depende de um equilíbrio
entre as coalizões políticas e as coalizões técnicas: se uma das duas se enfraquece a outra
precisa se fortalecer para manter o processo vivo. Em conjunturas políticas complicadas e
desfavoráveis, como as enfrentadas na região, a partir da segunda década dos anos 2000, o
fortalecimento das coalizões técnicas impulsionadas pelos Grupos Técnicos, Redes e ISAGS
pode contribuir para mitigar o enfraquecimento da integração sul-americana em saúde,
mantendo o fluxo de informações sobre o que ocorre na região; o intercâmbio de boas
práticas; e a capacidade de desenvolver políticas. A manutenção de uma agenda regional em
saúde para a América do Sul é fundamental para evitar que a região perca autonomia e,
consequentemente, veja sua soberania sanitária enfraquecida, passando a ter uma agenda de
saúde completamente reativa à agenda externa.

199
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210
LISTAS DE QUADROS, FIGURAS E GRÁFICOS

211
Quadros

Capítulo 2 – Marco teórico e conceitual

Quadro 1 – Modelos históricos de integração regional na América Latina............................39

Quadro 2 – Saúde pública, internacional e global: características...........................................43

Capítulo 3 – Metodologia

Quadro 3 – Perfil dos entrevistados.........................................................................................63

Capítulo 4 – Integração regional em saúde na América Latina

Quadro 4 – A Saúde nos Processos de Cooperação e Integração nas Américas......................75

Capítulo 5 – A Unasul: Criação e Estrutura

Quadro 5 – Presidentes eleitos na América do Sul com tendência centro-esquerda na


primeira década do século XXI...............................................................................................82

Quadro 6 – Reuniões de Chefes de Estado e Governo que antecederam a criação da Unasul,


2000-2008.............................................................................................................................86

Quadro 7 – Princípios para a integração Sul-Americana na Unasul......................................90

Quadro 8 – Conselhos Setoriais da Unasul...........................................................................94

Quadro 9 – Últimas reuniões realizadas pelos Conselhos Setoriais da Unasul.....................99

Quadro 10 – Direções Técnicas da Secretaria Geral da Unasul...........................................102

Capítulo 6 – A Unasul e a Saúde

Quadro11 – Reuniões do Conselho de Saúde da Unasul, 2008-2015.................................125

Quadro12 – Espaços da governança do Conselho de Saúde da Unasul..............................128

Quadro13 – Projetos na área de saúde realizados por outros Conselhos da Unasul, 2012-
2015......................................................................................................................................131

212
Quadro 14 – Resoluções da AMS que a Unasul apresentou posicionamento comum, 2010-
2014......................................................................................................................................150

Quadro 15 – Agenda sul-americana de saúde......................................................................160

Capítulo 7 – Soberania Sanitária

Quadro 16 – Componentes da soberania sanitária sul-americana nas dimensões interna e


externa...................................................................................................................................176

213
Figuras

Capítulo 2 – Marco teórico e conceitual

Figura 1 – Conceitos relacionados ao tema integração regional em saúde a


explorar.....................................................................................................................................18

Figura 2 – Supranacionalismo versus intergovernamentalismo...............................................28

Capítulo 3 – Metodologia

Figura 3 – Modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon..............................................................67

Figura 4 – Fluxograma do Modelo de Coalizão de Advocacia (MCA)..................................70

Capítulo 5 – A Unasul: Criação e Estrutura

Figura 5 – Organograma da Unasul.........................................................................................93

Capítulo 6 – A Unasul e a Saúde

Figura 6 – De Cochabamba à Costa do Sauípe: constituindo o Conselho de


Saúde......................................................................................................................................113

Figura 7 – Organograma do Conselho Sul-Americano de Saúde..........................................116

Figura 8 – Países Coordenadores e Alternos dos Grupos Técnicos do CSS.........................117

Figura 9 – Coordenadores e Secretaria Executivas das Redes do Conselho de


Saúde......................................................................................................................................121

Figura 10 – Direção da influência das múltiplas agendas em saúde......................................163

Figura 11 – Relação de benefício mútuo entre a soberania sanitária nacional e


regional...................................................................................................................................180

214
Gráficos

Capítulo 6 – A Unasul e a Saúde

Gráfico 1: Principais campos de atuação do Conselho de Saúde da Unasul, 2008-


2015.......................................................................................................................................142

Capítulo 7 – Soberania Sanitária

Gráfico 2: Categorias emergentes componentes do conceito de soberania


sanitária..................................................................................................................................172

215
LISTA DE ANEXOS

I – ROTEIRO PARA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

II – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

216
ANEXO I: ROTEIRO PARA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

Data: ___/___/_____

1. Nome da Reunião:
______________________________________________________________

2. Local da Reunião:
______________________________________________________________

I. Participação

3. Esfera: Ministerial Comitê Coordenador GT ou Rede* Outra*

*Especificar:________________________________________________________

4. Número de países participantes:__________

5. Países ausentes:_________________________________________________

6. Países com representação não setorial (representação apenas diplomática):


__________________________________________________________________

II. Temas da Agenda

7. Além das representações setoriais e diplomáticas dos países, houve a participação de


outros atores? Quais?
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________

8. Em caso afirmativo, na questão anterior, esses atores eram representantes dos países
membros da Unasul de outro Conselho? Ou representantes de outro organismo internacional?
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________

III. Dinâmica

9. Houve solicitação de inclusão de algum tema à agenda preliminar? Em caso afirmativo,


qual foi o tema e qual o país que o propôs? O tema foi aceito? Em caso negativo, qual o país
que recusou?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
________________________________________________

10. Os temas da agenda representavam prioridades regionais ou nacionais? Se nacionais, de


que países especificamente?
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________

217
11. Quais foram os temas da agenda aprovada que geraram maior debate?
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________

12. Quais foram os principais conflitos? Houve algum conflito que não foi solucionado?
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________

13. Quais foram os encaminhamentos da reunião?


___________________________________________________________________________
_________________________________________________________

14. Formaram-se coalizões de países? Em caso afirmativo, essa(s) coalizão foi de forma
generalizada ou em torno de algum tema específico?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
________________________________________________

IV. Diplomacia da saúde

15. Dentre os encaminhamentos houve propostas de levar a posição comum da Unasul para
fóruns multilaterais? Qual tema? Qual fórum?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
________________________________________________

16. Quais os países que tiveram atuação mais marcante? Por quê?
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________

ANEXO II: ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

218
Data da entrevista: ____/____/_______

Identificação do entrevistado

 Nome do entrevistado: _________________________________________

 Contato do entrevistado:________________________________________

 País que representa: ___________________________________________

 Profissão: ____________________________________________________

 Instituição na qual trabalha: ______________________________________

 Função que ocupa:_____________________________________________

 Há quanto tempo ocupa essa função:_______________________________

 Qual o envolvimento com a Unasul?

 De quantas reuniões da Unasul já participou?

Questões-chave:
_________________________________________________________________________
_______________________________________________________

Enunciado chave (aspas do entrevistado):


________________________________________________________________

1. Unasul

1.1. Histórico da Constituição da Unasul

 Você participou do início do processo de constituição da Unasul? Como foi sua


participação? Qual foi a primeira reunião que você participou?

 Como você descreveria o processo de constituição da Unasul?

 Houve países que se destacaram nesse processo? Quais? Por que eles tiveram
atuações destacadas?

 Houve conflitos nesse processo inicial? Quais eram os atores envolvidos nesses

219
conflitos? Como eles foram superados?

1.2. Criação do Conselho de Saúde Sul-Americano (CSS)

 Quais foram as circunstâncias que levaram à criação do CSS logo no início do


processo de constituição da Unasul?

1.3. Atuação e resultados da Unasul

 Quais são os Conselhos da Unasul que tem atuação mais marcante/efetiva? Como
esses Conselhos atuam?

 Quais são os tipos de atuação da Unasul?

 Qual foi a atuação da Unasul que teve maior resultado? Quais são os resultados
concretos da Unasul?

1.4. Características da Unasul

 Quais são as principais características da Unasul como um processo de integração


regional?

1.5. Características da Unasul em comparação com o Mercosul e a União


Europeia

 Você destacaria alguma(s) característica como exclusiva da Unasul, que a diferencia


do Mercosul?

 Você destacaria alguma(s) característica como exclusiva da Unasul, que a diferencia


da União Europeia?

1.6. A Unasul e a política externa nacional

 A Unasul é uma prioridade para o seu país?

 Algum conselho da Unasul possui maior prioridade no seu país? Por quê?

2. Conselho de Saúde da Unasul

2.1. Atuação do CSS

 Como o CSS tem atuado?

 Qual foi a atuação do CSS que teve maior resultado? Quais são os resultados
concretos do CSS?

 Quais estruturas do CSS – Conselho de Ministros, Comitê Coordenador, GTs,


Redes e/ou Isags – tem tido atuação mais efetiva? Por quê?

220
2.2. Dinâmica das Reuniões do CSS

 Que tipo de debates você considera mais importantes?

 Quais os principais conflitos que existem dentro do CSS?

 Há conformação de coalizões de países dentro do CSS? Como se formam essas


coalizões? Com que objetivo? Quais são os países envolvidos?

 O que você destacaria positivamente na atuação do Conselho de Saúde da Unasul?

 E negativamente?

2.3. Relação dos países com o CSS

 Como o seu país se prepara para participar das reuniões do CSS?

 O seu país busca apoio junto aos demais países membros da Unasul para defender
prioridades nacionais em fóruns multilaterais/globais? Em quais temas? Que tipo
de iniciativas seu país espera do CSS?

2.4. CSS e governança da saúde global

 De que forma o CSS atua para levar as prioridades em saúde da América do Sul
para a arena global? O CSS é capaz de influenciar na governança da saúde global?
2.5. CSS e Diplomacia da Saúde

 O CSS é atualmente um ator da diplomacia da saúde global? Por quê?

3. Integração regional e saúde

 A saúde é uma agenda presente nos processos de integração regional na América


Latina? Por quê?

 Qual o papel da saúde no processo de integração da América do Sul?

 Quais são as prioridades em saúde na América do Sul na atualidade? Existe uma


agenda sul-americana em saúde?

 Qual o papel dos processos de integração regional na melhoria da condição de vida


das populações dos países-membros?

4. Soberania

4.1. A Unasul e a soberania dos países-membros

 A Unasul, em seu processo de integração regional, fortalece as soberanias


nacionais? De que forma?

221
4.2. Soberania regional

 Você acredita que é possível existir soberania regional?

 Qual a diferença da soberania nacional para a regional?

 A Unasul, em seu processo de integração, constrói soberania regional?

 Como se manifesta essa soberania regional na Unasul?

4.3. Soberania sanitária

 O que você entende por soberania sanitária?

 Os países da América do Sul possuem soberania sanitária? Essa é uma prioridade


do seu país?

4.4. Unasul e soberania sanitária

 A Unasul, como processo de integração regional, tem potencial para construir


soberania sanitária regional?

 Que tipo de ação propicia essa construção?

4.5. CSS e soberania sanitária

 O Conselho de Saúde da Unasul tem atuado para fortalecer as soberanias sanitárias


dos países da América do Sul? De que modo?

222

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