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Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):46-55 PESQUISA / ORIGINAL

RESEARCH / ORIGINAL

PROMOÇÃO DE HABILIDADES SOCIAIS EM PRÉ-ESCOLARES

PROMOTION OF SOCIAL SKILLS PROMOTION IN PRESCHOOL CHILDREN

Caroline G. De Salvo*
Ingrid H. K. Mazzarotto**
Suzane S. Löhr***

Salvo CGd, Mazzarotto IHK, Löhr SS. Promoção de habilidades sociais em pré-escolares. Rev
Bras Cresc Desenv Hum 2005(1):46-55.

Resumo: A promoção de habilidades sociais nas relações da criança, a um nível preventivo,


proporciona o desenvolvimento e melhoria da competência social, resultando em maior
adaptabilidade ao meio social. Esta pesquisa teve por objetivo verificar a eficácia de um programa
preventivo de desenvolvimento de habilidades sociais em crianças de 4 a 6 anos e seus pais. Os
resultados refletem o desempenho de 9 crianças, de ambos os sexos, com idade entre 5 e 6 anos.
Como instrumento de análise utilizou-se o Child Behavior Check-List (CBCL), respondido pelos
pais em relação aos comportamentos dos filhos, antes e após a participação do programa. A partir
desta análise, foi possível observar que existe uma diferença estatística entre os resultados do
CBCL pré e pós-intervenção, indicando mudanças na percepção dos comportamentos das crianças
pelos pais e provável aumento dos comportamentos facilitadores de interação social.

Palavras-chaves: Habilidades sociais. Programas preventivos.

INTRODUÇÃO turas, propondo intervenções e evitando proble-


mas que possam vir a se instaurar2, 3, 4. Dentre as
Durante muito tempo, o foco das pesqui- diversas razões para a existência de trabalhos pre-
sas sobre desenvolvimento da criança e do ado- ventivos, duas são fundamentais: 1- resultados
lescente foi o comportamento anti-social e ou- mais positivos a longo-prazo; 2- menores cus-
tros aspectos negativos do comportamento. Atu- tos, o que torna viável para o Estado e a socie-
almente, vem crescendo o interesse pelo estudo dade o financiamento de tais medidas5.
de natureza positiva do comportamento da cri- A sociedade ocidental não está habitua-
ança e do adolescente, como os comportamen- da com trabalhos preventivos, o que pode le-
tos pró-sociais1. Neste sentido, a psicologia tem var a um agravamento das situações, antes da
se voltado com maior freqüência para trabalhos busca de ajuda. Existe ainda uma cultura de
preventivos uma vez que o conhecimento psico- procura por atendimento, não só psicológico,
lógico pode auxiliar a identificar dificuldades fu- mas também médico, odontológico, etc. somen-

*
Acadêmica do curso de Psicologia da Universidade Federal do Paraná. Autor responsável por correspondências. Rua
Sudão, 196. Curitiba-PR. 82960-150. e-mail: carolineguisantes@yahoo.com.br
**
Acadêmica do curso de Psicologia da Universidade Federal do Paraná
***
Psicóloga, Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Professora Adjunta da Universidade Federal
do Paraná, Departamento de Psicologia- Praça Santos Andrade, 50 / 1º andar- Curitiba-PR - 80060-000. Centro
Universitário Positivo

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te após o problema estar instaurado. Este tipo com crianças do jardim da infância, que envol-
de cultura impossibilita a atuação em preven- veu pais, pares e professores das crianças. Este
ção primária nas comunidades, pois há baixa programa apontou para melhoras tanto no âm-
adesão a intervenções deste tipo6. Ainda assim, bito social como no afetivo e escolar das crian-
os programas preventivos têm se mostrado uma ças. Cabe ressaltar que este programa procu-
estratégia eficiente para interromper a progres- rou, por meio de treinamento em habilidades
são do comportamento anti-social e /ou desen- sociais, auxílio acadêmico, treinamento de pais
volver comportamentos pró-sociais2. e visitas domiciliares, desenvolver competênci-
Muitos programas preventivos5,7, 8 vol- as na família, o que provavelmente constitui um
tam-se para crianças pré-escolares ou em seus importante fator de manutenção dos ganhos,
anos iniciais na escola, já que muitas crianças pois envolve diferentes contextos de convívio
têm seus primeiros contatos sociais com pares da criança. Outra pesquisa que encontrou re-
fora do ambiente familiar com a entrada na es- sultados positivos a longo prazo foi a pesquisa
cola. Este é um dos fatores que contribui para longitudinal realizada por Hawkins e col.8 com
que esta fase do desenvolvimento tornar-se foco adolescentes da quinta série de colégios norte-
de projetos voltados à prevenção primária em americanos, envolvendo orientação aos pais e
psicologia preventiva9,7,10. Alguns projetos que professores dos participantes e treinamentos em
procuram atender a criança de forma integral, competência social para os adolescentes. A
propondo ações dirigidas aos principais con- pesquisa obteve resultados positivos imediatos,
textos em que esta vive: família, escola e pares. como maior compromisso e ligação com a es-
Para Ingberman11, o trabalho conjunto entre cola e menos comportamentos inapropriados do
criança, pais e escola permite uma maior adap- que no grupo controle, sendo que a avaliação
tabilidade das crianças às exigências da socie- no follow up de seis anos pós-intervenção
dade, já que propicia mais contextos onde os mostrou que esses adolescentes envolveram-se
comportamentos adequados possam ser refor- em menos atos delinqüentes, tiveram menores
çados. Um exemplo de trabalho no Brasil nesta índices de gravidez precoce, obtiveram melho-
direção é o de Melo5 no qual a autora desen- res notas escolares e tiveram menos evasão es-
volveu um projeto voltado a crianças da segun- colar. Webster-Stratton13 trabalhou com um
da série de uma escola pública, envolvendo as programa de treinamento parental, no qual 296
crianças, os pais e os professores em grupos famílias fizeram parte do grupo experimental. As
de treinamento. As crianças e professores par- mães receberam treinamentos com foco no uso
ticiparam de grupos semanais, sendo que o foco de estratégias disciplinares positivas e o desen-
do trabalho com as crianças voltou-se para o volvimento de habilidades parentais efetivas.
desenvolvimento de habilidades sociais. Em um Após um ano, os resultados obtidos ainda se
follow up de nove meses, os resultados alcan- mantinham, sendo que as mães tornaram-se mais
çados na pós-intervenção ao final da participa- efetivas em suas práticas educativas; professo-
ção no programa apontavam melhoras nos ní- res relataram que as mães pós-intervenção pas-
veis de competência social, nas relações com saram a se envolver mais com a vida escolar
pares sendo que as habilidades acadêmicas se das crianças, e essas se tornaram mais compe-
mantiveram. tentes socialmente. Em outro estudo, de Webs-
Um outro exemplo de resultados positi- ter-Stratton e Hammond14, foi comparada a efi-
vos decorrente de participação em programas cácia de treinamentos envolvendo crianças de
é o programa preventivo realizado pelo Con- 4 a 8 anos, seus pais ou ambos. Para o grupo
duct Problems Prevention Research Group12 infantil foram enfocados aspectos referentes ao

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desenvolvimento de habilidades sociais e habi- ção não clínica19. Atualmente, os programas de


lidades para resolução de conflitos; no grupo aprendizagem de habilidades sociais focalizam-
de pais, o foco foi o desenvolvimento de habili- se no desenvolvimento máximo das capacida-
dades interpessoais e práticas educativas efeti- des pessoais e relacionais, bem como da gene-
vas. Os resultados apontaram para uma maior ralização dessas aquisições para o contexto
efetividade do treinamento envolvendo pais e social do indivíduo20.
crianças, sendo que este treinamento combina- Segundo Hops21, o desenvolvimento so-
do foi o que obteve resultados mais significati- cial do indivíduo inicia-se no nascimento e o
vos no follow up de um ano pós-intervenção. repertório de habilidades sociais torna-se mais
Baseado no pressuposto de que crian- elaborado ao longo da infância. Ao longo do
ças agressivas podem caminhar para compor- seu desenvolvimento, o repertório da criança
tamentos anti-sociais mais graves, o “Early Ri- vai se transformando e se adaptando, de acor-
sers Program”15 é outro exemplo de programa do com suas experiências e necessidades. No
preventivo. Nele, pais e crianças recebem trei- contexto familiar, por meio do modelo dos pais,
namento de habilidades sociais, além de haver as primeiras habilidades sociais são desenvol-
intervenções dirigidas aos professores e crian- vidas e alguns valores culturais são reconheci-
ças. Participaram do programa 124 crianças dos como importantes fatores de competên-
avaliadas como de risco e suas famílias. Em fo- cia social pela criança16;22. Assim, o contato
llow up após dois anos da intervenção, ainda com os pais estabelece as principais oportuni-
observavam-se melhoras em relação a desem- dades para a criança pequena aprender habi-
penho escolar e comportamentos na escola. As lidades e valores necessários a uma boa inte-
crianças mais agressivas ainda mostravam mu- ração social. Posteriormente, na escola, ela irá
danças em seus comportamentos de autoregu- avaliar as próprias habilidades, bem como sua
lação, e os pais mantinham as mudanças em suas aceitação no grupo, ao se comparar com os
práticas educativas. colegas20. Neste sentido, vários estudos23-32
Como pode ser observado, nas pesqui- têm correlacionado as práticas educativas ado-
sas acima citadas, muitos projetos voltados à tadas pelos pais e o posterior desenvolvimen-
prevenção têm como um dos focos o desen- to de comportamentos pró e anti-sociais. En-
volvimento de habilidades sociais, já que estas gles e col.33 apontam que um dos anteceden-
têm sido relacionadas à melhor qualidade de vida, tes para o adequado desenvolvimento de ha-
à realização pessoal e à profissional, além de bilidades sociais é um grande apego parental
ser um antecedente para comportamentos so- que se refletirá, no futuro, em bons relaciona-
cialmente reforçadores 16,17. Bedell e Lennox18 mentos com pares. Ao ingressar em um novo
revisaram uma variedade de estudos que de- grupo social, a criança precisa adquirir novas
monstraram a efetividade do Treinamento em habilidades9. Com a entrada na escola, a cri-
Habilidades Sociais em problemas conjugais, ança tem a oportunidade de construir novos
problemas de escolaridade, orientação vocaci- conhecimentos e ampliar sua compreensão
onal, transtornos de ansiedade, dependência social16. Segundo Casares e Cabalo34, o rela-
química, transtornos de personalidade, depres- cionamento entre pares na infância, além de
são e esquizofrenia. Entretanto, o treinamento proporcionar oportunidades únicas na apren-
em habilidades sociais não se destina apenas dizagem de habilidades específicas, contribui
ao tratamento de problemas clínicos, uma vez significativamente para o adequado desenvol-
que os comportamentos sociais inadequados vimento interpessoal da criança, sendo este um
também podem ser manifestados pela popula- importante contexto onde as habilidades soci-

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ais se desenvolvem. Além disso, as interações to das crianças e dos pais. Desta etapa mais
com pares influem na construção do autocon- controlada em que a pesquisa em clínica for-
ceito da criança. O desenvolvimento de pro- nece subsídios para a intervenção, definiu-se
gramas visando o desenvolvimento de habili- o modelo do programa, composto por nove
dades sociais no próprio ambiente escolar sessões semi-estruturadas de intervenção gru-
aponta, portanto, para possibilidades concre- pal com as crianças, acompanhadas de nove
tas de um trabalho preventivo, já que estimula sessões de orientação a pais, abordando os
a competência social, a construção de relaci- mesmos temas do grupo de crianças. Na se-
onamentos positivos e condutas socialmente mana que precedeu o programa, os pais parti-
mais ajustadas9. ciparam com suas crianças de uma sessão em
Falar em habilidades sociais pressupõe que desenvolviam jogos e atividades com a
situações nas quais mais de uma pessoa esteja criança. Ao final do programa (após a nona
envolvida interagindo com outra. No caso de sessão) novamente os pais e as crianças fo-
crianças, grupos de pares onde estas possam ram convidados para um encontro de jogos e
testar e aprender novas habilidades sociais. brincadeiras envolvendo a díade. De 1999 até
Assim, observa-se que os trabalhos em grupo o presente momento já foram realizados dez
são indicados para o desenvolvimento de habi- grupos. A principal dificuldade encontrada foi
lidades sociais. Falcone17 aponta algumas van- a adesão ao programa por parte dos pais. Esta
tagens de procedimentos para o desenvolvimen- deveu-se tanto ao custo do deslocamento da
to de habilidades pró-sociais em grupo: gene- criança e seu responsável até a clínica escola,
ralização mais rápida dos ganhos, maior varie- quanto à crença de que se a criança não tinha
dade de ensaios comportamentais com maior nenhum problema clinicamente comprovado,
número de pessoas, redução da ansiedade e não necessitando participar até o final em um
aumento das habilidades; maior quantidade de projeto de caráter preventivo. Melo3 mostra a
feedback efetivo (reforço social); maior núme- dificuldade da adesão ao tratamento por pais
ro de situações-problema e mais suporte para quando problemas clinicamente relevantes não
sua solução; maior disponibilidade de modelos são encontrados; como já salientado, vigora a
múltiplos. Del Prette e Del Prette22 indicam ain- cultura da procura de auxílio psicológico ape-
da a maior oportunidade de o participante de- nas quando os problemas aparecem e fogem
cidir entre diferentes tipos de respostas, maior ao controle dos pais. A baixa adesão dos pais
envolvimento motivacional e maiores oportuni- ao programa foi solucionada a partir do de-
dades de aprendizagem observacional. senvolvimento do projeto na própria escola no
Com o objetivo de estruturar e imple- último grupo em 2003. Nesta ocasião, todos
mentar grupos preventivos de desenvolvimen- os pais que concordaram em participar do pro-
to de habilidades sociais em pré-escolares sur- grama compareceram a todas as sessões pre-
giu, na Universidade Federal do Paraná, em vistas pelo projeto (100% de adesão).
1999, um projeto de pesquisa e extensão di- Este artigo enfoca os resultados de três
recionado a crianças das escolas públicas e grupos de desenvolvimento de habilidades so-
municipais de Curitiba, com atendimento para ciais, apresentando os resultados de dois gru-
as crianças, os pais e os professores. Este pro- pos desenvolvidos na clínica-escola da UFPR
jeto foi inicialmente desenvolvido na própria e um na comunidade durante o ano de 2003.
clínica escola da instituição, onde se tinha mai- Consiste, pois, em um estudo da verificação da
or controle de variáveis, possibilitando filma- eficácia de um programa preventivo de inter-
gens e observações diretas do comportamen- venção, cujo objetivo foi aumentar a compe-

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tência social das crianças participantes. abaixo de 60.

MÉTODO Procedimento

Participantes As crianças, cada qual com um respon-


sável (pai / mãe), participaram de onze encon-
tros, dos quais o primeiro caracterizou-se como
Os resultados discutidos a seguir refle-
pré-intervenção e o último como pós-interven-
tem o desempenho de 9 crianças, de ambos os
ção. Os Grupos A e B foram atendidos sema-
sexos, com idade entre 5 e 6 anos, 5 das quais
nalmente na clínica escola da UFPR, em 11 se-
participaram dos grupos realizados na clínica
manas consecutivas, sendo cada encontro com
escola da universidade (Grupo A, 3 crianças, e
duração de uma hora e trinta minutos. Nestes
Grupo B, 2 crianças); as outras 4 foram aten-
encontros, por meio de atividades lúdicas, as
didas na sua escola de origem (Grupo C). A
crianças foram levadas a experienciar e analisar
análise dos dados será feita em conjunto, pois
situações envolvendo a temática das habilida-
ambos os grupos seguiram a mesma estrutura-
des sociais; estas atividades exigiram gradati-
ção, descrita por Löhr7.
vamente um repertório mais acurado das cri-
anças, o qual foi se constituindo no decorrer
Instrumentos das sessões. As atividades desenvolvidas junto
às crianças focaram prioritariamente os traba-
Para analisar o comportamento das cri- lhos cooperativos em grupo, conforme descri-
anças antes e após a participação no progra- ção de Lohr7.
ma, utilizou-se o Child Behavior Check-List Ao mesmo tempo em que as crianças
(CBCL)35, respondido pelos pais em relação eram atendidas em grupo por uma terapeuta e
aos comportamentos dos filhos. O CBCL per- uma co-terapeuta, em outra sala os pais das
mite agrupar os resultados em dois âmbitos: crianças recebiam sessões de orientação em
1- competência social e 2- problemas de com- grupo. Estas sessões de orientação seguiram a
portamento. A competência social é agrupada estruturação descrita por Lohr7 onde, por meio
em 3 escalas: atividade, sociabilidade e esco- de discussões dirigidas e materiais de apoio
laridade. Os problemas de comportamento, desenvolvidos pela própria equipe, os pais fo-
por sua vez, são agrupados nas escalas inter- ram levados a analisar as situações que vivenci-
nalização e externalização. A soma dos esco- am com seus filhos bem como, de forma con-
res brutos obtidos em todas as escalas com- junta, encontrar soluções para as questões le-
portamentais leva ao Distúrbio total de pro- vantadas.
blemas de comportamento. Os resultados pon- O Grupo C se diferenciou dos outros por
derados no CBCL permitem classificar as cri- ter sido desenvolvido diretamente na escola das
anças em: não clínica, limítrofe e clínica36. Para crianças. Nesse grupo, as sessões foram reali-
as escalas sociais, são considerados: clínicos zadas logo após as aulas, seguindo a mesma
- escores abaixo de 30; limítrofes - entre 30 e estruturação dos outros dois grupos.
33; e não clínico - acima de 33. Para as esca- Nos dois encontros pré e pós-interven-
las comportamentais: clínico - acima de 70; li- ção, as mães ou responsáveis responderam o
mítrofe - entre 67 e 70; e não-clínico - inferior Child Behavior Check-List (CBCL), no qual
a 67. Para o escore Total: clínico - acima de pontuaram suas percepções sobre o compor-
63; limítrofe - entre 60 e 63; e não-clínico - tamento dos filhos. Durante este período, as

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crianças eram levadas a uma sala de grupo com Tabela 2.


brinquedos, onde aguardavam os pais e tinham
o primeiro e último contato respectivamente com Tabela 2: Médias do Pré e Pós-intervenção das escalas de Problemas
de Comportamento.
as demais crianças. Pré-intervenção Pós-intervenção
Após o término do grupo, o CBCL foi Interna Externa Total Interna Externa Total

corrigido em software específico e seus resul-

Grupo A
1 55 64 62 52 53 52
tados submetidos à análise estatística. 2 63 62 60 52 58 55
3 64 72 71 55 67 63
4 55 67 61 46 59 56

Grupo B
RESULTADOS 5 61 70 66 60 66 60

6 43 56 51 51 56 53
A comparação dos escores do CBCL

Grupo C
7 59 54 55 49 53 51
obtidos na pré e pós-intervenção em relação às 8 55 58 56 48 50 47
9 70 63 68 59 58 60
escalas atividades e socialização, pode ser vi-
sualizado na Tabela 1.
Média 58,33 62,89 61,11 52,44 57,78 55,22

Tabela 1: Médias do Pré e Pós-intervenção das escalas de competência social.


Pré-intervenção Pós-intervenção
Ativid. Social Ativid. Social Quanto aos escores internalizantes e ex-
1 38 28 51 41
ternalizantes, o ponto de corte para escore não-
Grupo

2 38 28 49 34
3 36 45 42 51 clínico é de 67, ou seja, crianças que pontuam
A

4 40 41 44 53
acima desta pontuação são consideradas clíni-
Grupo B

5 42 36 51 43
cas. Observa-se assim, que algumas crianças
foram consideradas clínicas no pré-intervenção.
6 42 48 46 48 Porém, na pós-intervenção, nenhuma criança
7 42 48 51 52
Grupo

8 31 43 31 51 encontrava-se na faixa clínica. Na média, os


C

9 33 23 38 39
média 38 37,78 44,78 45,78 escores da pós-intervenção foram mais baixos
do que os da pré-intervenção, o que aponta
para melhor desempenho social após a partici-
Observa-se, de forma geral, que todas pação no programa de desenvolvimento de ha-
as médias da pós-intervenção são mais altas bilidades sociais. Quanto ao escore Total, o
do que as da pré-intervenção. O ponto de ponto de corte para escore clínico é de 60. No
corte, nas escalas atividade e socialização, pré-intervenção, várias crianças encontravam-
para escores clínicos é de 30, ou seja, esco- se na faixa clínica, ou seja, escore maior que
res abaixo deste ponto de corte indicam que 60. Já na pós-intervenção, apenas uma criança
a criança precisa de atendimento psicológi- se encontrava na faixa clínica. Na média do gru-
co. As crianças 1, 2 e 9, que no pré-inter- po, o escore pré-intervenção estava na faixa
venção estavam na faixa clínica, no pós-in- clínica (61,11). Já na pós-intervenção a média
tervenção já se encontravam fora desta fai- do escore Total localizou-se na faixa não-clíni-
xa. De forma geral, os escores da maioria das ca (55,22).
crianças subiram no segundo momento de Os escores da pré e da pós-intervenção
avaliação. foram comparados, verificando-se o grau de
Quanto às escalas de problemas inter- significância estatística por meio do teste não-
nalizantes, externalizantes e total, indicadas paramétrico Wilcoxon. Compararam-se os es-
pelo CBCL, estas podem ser observadas na cores de cada escala separadamente, aceitan-

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do-se p d•0,05. Os resultados podem ser ob- pel da prevenção na sociedade e se esta estaria
servados na Tabela 3. disposta a engajar-se em ações preventivas.
Bayes6 já destacou o quanto, muitas vezes, op-
Tabela 3: Comparação das médias dos escores nas escalas do
CBCL através do Teste de Wilcoxon tamos pelo reforço a curto-prazo de compor-
Escore Ativid 1 - Social 1 Internaliz 1 External 1 Total 1 tamentos de risco, ao mesmo tempo em que
Médio Ativid 2 Social 2 Internaliz 2 External 2 Total 2
deixamos de nos engajar em ações preventi-
Wilcoxon -2,527 -2,524 -2,196 -2,530 -2,552
- W vas, uma vez que a conseqüência de ações pre-
P 0,012* 0,012* 0,028* 0,011* 0,011* ventivas é sentida apenas a longo-prazo.
* significativo ao nível de p 0,05 A comparação dos escores no CBCL
antes e após a participação no programa de
Os resultados comparando pré e pós-in- desenvolvimento de habilidades sociais mostrou
tervenção, descritos na Tabela 3, mostram que, que, após a participação em sessões de desen-
nas cinco escalas avaliadas, houve diferença volvimento de habilidades sociais, a maioria das
estatisticamente significativa dos resultados nos crianças foi percebida pelos seus pais como
dois momentos de avaliação, ou seja, houve desempenhando mais comportamentos apropri-
mudanças do primeiro para o segundo momen- ados e pró-sociais do que antes de participar
to da avaliação. do mesmo; ou seja, parece ter havido aumento
de comportamentos facilitadores de interação
social.
DISCUSSÃO Nas escalas de Atividade e Socialização
- escalas componentes da primeira parte do
Os dados obtidos foram analisados caso CBCL referente à competência social -, todas
a caso, avaliando a percepção dos pais quanto as crianças tiveram escores mais altos ao térmi-
à conduta de seus filhos antes e após a partici- no das sessões do grupo de atendimentos. Nas
pação no programa voltado para o desenvolvi- escalas de problemas internalizantes e externa-
mento preventivo de habilidades sociais, ado- lizantes, componentes da segunda parte do
tando o delineamento de sujeito único. A ob- CBCL, referente aos Problemas de Compor-
servação dos escores obtidos na avaliação an- tamento, todas as crianças tiveram decréscimo
tes da implementação do programa mostra que, na pontuação, inclusive havendo casos em que,
embora o convite para a participação no mes- na pré-intervenção, a criança apresentava o
mo tenha ressaltado a sua natureza preventiva, escore equivalente ao de uma população clíni-
quatro das nove crianças obtiveram pontuação ca e, na pós-intervenção, apresentou um esco-
passível de classificação clínica em alguma das re mais baixo, equivalente à população não-clí-
escalas. Assim, a afirmação de Melo5 e de Ri- nica. Pode-se perceber com isso que a inter-
bes4 quanto à busca de atendimento psicológi- venção no grupo de crianças e pais (combina-
co apenas quando problemas estão instaurados da) em curto prazo teve efeitos positivos sobre
confirma-se em quatro dos nove casos. Quase o comportamento das crianças, colaborando
metade das crianças que participaram do pro- para o aumento de atividades e socialização e
grama, embora não tivessem ainda sido enca- para o decréscimo de comportamentos inter-
minhadas para atendimento psicológico, emiti- nalizantes e externalizantes. Este dado corro-
ram comportamentos com freqüência, intensi- bora diversas pesquisas da área de psicologia13,14
dade ou topografia, que poderiam, na seqüên- que apontam para a efetividade de trabalhos
cia, indicar necessidade de acompanhamento. combinados de intervenção com crianças e de
Tal constatação leva-nos a refletir sobre o pa- orientações a pais.

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Apesar das mudanças verificadas a cur- vimento e melhoria da competência social da


to-prazo, é necessário ainda um maior controle criança, o que resulta em maior adaptabilidade
de follow up com as crianças participantes da ao meio social. O desenvolvimento de condu-
intervenção para se verificar se a manutenção tas socialmente mais adequadas se relacionam
das mudanças persistem com o passar do tem- com a saúde mental, uma melhor qualidade de
po, como indicam outras pesquisas de caráter vida, realização pessoal e profissional, além de
semelhante5,8,12,14. O atual formato do progra- serem um antecedente para comportamentos re-
ma ainda não abarcou tal acompanhamento; forçadores socialmente16,17. Daí a importância
porém, para os grupos de 2005, essa medida de projetos preventivos na área de desenvolvi-
será implantada para verificar os ganhos, a lon- mento de habilidades sociais na infância que
go prazo, da intervenção. proporcionem e facilitem a aquisição dessas ha-
bilidades já em fases iniciais da vida.
O último grupo, desenvolvido em 2003,
CONSIDERAÇÕES FINAIS ampliou as possibilidades de intervenção, indo
até a comunidade oferecer atendimento psico-
Esta pesquisa teve por objetivo verificar lógico, pois uma das prioridades da psicologia
a eficácia de um programa de prevenção de é oferecer trabalhos diretamente na comunida-
desenvolvimento de habilidades sociais em cri- de, em locais que apresentam grande carência
anças de 4 a 6 anos e seus pais, partindo do de serviço psicológico mas onde este dificilmen-
pressuposto da necessidade do atendimento te chega36. No ano de 2004, em continuidade a
combinado de pais e crianças para maior efeti- esta proposta, o programa está sendo amplia-
vidade do programa14. Envolver tanto pares do para atender uma turma inteira de pré-esco-
quanto familiares (pais), permite abordar as re- la de uma comunidade carente. Esperamos, as-
lações das crianças nos principais âmbitos de sim, estar abrindo novas frentes de trabalho e
relação interpessoal desta faixa etária. A pro- pesquisa em psicologia clínica-comunitária e
moção de habilidades sociais nessas relações, auxiliando na democratização da psicologia no
a um nível preventivo, proporciona o desenvol- Brasil.

Abstract: Social skills promotion in the child’s relationships, in a preventive level, provides the
development of and improvement in social competence, resulting in greater adaptability to the
social environment. This research aimed to verify the effectiveness of a preventive program of
social skills development in children between 4 and 6 years old and their parents. The results
reflect the performance of 9 children of both sexes, with age between 5 and 6 years. CBCL
(Achenbach, 1991) was used as the analysis instrument, answered by parents about the children’s
behaviors, before and after the participation in the program. Based on this analysis, it was possible
to observe that there is a statistical difference between CBCL results before and after intervention,
indicating changes in parents’ perception about their children’s behaviors and the probable
increase in behaviors that facilitate social interaction.

Key words: social skills, preventive programs.

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Recebido em 19/11/2004
Modificado em 18/01/2005
Aprovado em 20/01/2005

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