Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Guy de Maupassant
O último dos soldados franceses tinha justo cruzado o Sena a caminho de Pont-
Audemer, através de Saint-Sever e Bourg-Achard, e em sua retaguarda, o
2 Boule de Suif (Bola de Sebo)
general vencido, sem poder para fazer nada os restos de seu exército, ele
mesmo desanimado com a derrota final de uma nação acostumada à vitória e
batida desastrosamente apesar de sua bravura legendária, caminhava entre dois
ordenanças.
primeiro momento de terror, a calma foi restaurada mais uma vez. Em muitas
casas o oficial prussiano comia na mesma mesa com a família. Ele era
freqüentemente bem nascido e, além da polidez, expressava simpatia com a
França e repugnância e em ser compelido a tomar parte na guerra.
Este sentimento foi recebido com gratidão; adicionalmente, sua proteção poderia
ser necessária algum dia ou outro.
Mas havia algo no ar, um algo estranho e sutil, uma atmosfera estrangeira
intolerável, como um odor penetrante - o odor da invasão. Ela permeava
moradias e lugares públicos, mudava o gosto dos alimentos, fazia as pessoas
imaginar-se em terras distantes, entre tribos bárbaras perigosas.
Não obstante, a seis ou sete milhas da cidade, ao longo do curso do rio que flui
na direção de Croisset, Dieppedalle e Biessart, barqueiros e pescadores
frequentemente traziam à superfície o corpo de um alemão, inchado em seu
uniforme, morto por um golpe de faca ou do taco, sua cabeça esmagada por
uma pedra, ou por chance, empurrado de alguma ponte no córrego abaixo. A
lama do leito do rio engolia estes atos obscuros de vingança selvagem, contudo
legítima; estas ações de bravura não registradas; estes ataques silenciosos
feitos com perigo maior do que batalhas travadas à luz do dia, e cercadas, além
4 Boule de Suif (Bola de Sebo)
disso, com nenhum halo de romance. Pois o ódio ao estrangeiro arma sempre
algumas almas intrépidas, prontas para morrer por uma idéia.
Os cavalos tinham sido arreados ainda. Uma lanterna pequena carregada por
um garoto empregado do estábulo, emergia de quando em vez através de um
pórtico escuro para desaparecer imediatamente em outro. O bater dos cascos
dos cavalos, amortecidos pelo esterco e pela palha do estábulo, era ouvido de
tempo em tempo, e dentro do edifício ouvia-se a voz de um homem, falando aos
animais fazendo juras aos mesmos. Um tinido fraco de sinos mostrou que os
arreios estavam ficando prontos; este tinido tornou-se logo um tilintar contínuo,
mais ruidoso ou mais suave de acordo com os movimentos dos cavalos,
parando às vezes completamente, a seguir explodindo repentinamente,
acompanhado do bater no solo de cascos com ferraduras.
O homem reapareceu com sua lanterna, conduzindo por uma corda a um cavalo
de olhar melancólico, evidentemente sendo conduzido contra sua inclinação. O
cavalariço colocou-o ao lado do poste, apertou os nós, e gastou algum tempo
andando em volta dele para certificar-se de que os arreios estavam em ordem;
pois ele podia usar apenas uma mão, a outra ocupada em segurar a lanterna.
Quando ele estava a ponto de buscar o segundo cavalo, observou o grupo
viajantes imóveis, já branco com neve, e disse-lhes: "por que vocês não entram
na carruagem? Vocês estariam abrigados, ao menos."
Afinal, seis cavalos em vez de quatro foram atrelados à diligência, em razão das
estradas pesadas, uma voz do lado de fora perguntou: "Está todo mundo a
bordo?" À qual uma voz do interior respondeu: "Sim," e eles partiram. O veículo
moveu-se lentamente, lentamente, no ritmo de um caracol; as rodas afundavam-
se na neve; a estrutura inteira da carruagem estalava e gemia; os cavalos
deslizavam, sopravam, expeliam vapor, e o longo chicote do cocheiro estalava
incessantemente, voando aqui e ali, rebobinando-se e então arremetendo em
todo comprimento como uma serpente delgada, como quando chicoteava algum
flanco arredondado, que imediatamente tornava-se tenso ao se esforçar em um
esforço adicional.
Mas o dia avançou. Aqueles flocos claros que um viajante, um nativo de Rouen,
tinha comparado a uma chuva de algodão não caíram mais por muito tempo.
Uma luz difusa, filtrada através das nuvens escuras, pesadas, que faziam o
campo mais branco pelo contraste, uma brancura quebrada às vezes por uma
fileira de árvores altas salpicadas com orvalho congelado, ou por um telhado da
casa de campo encapuzado de neve.
que faliu no negócio, Loiseau tinha comprado o negócio do seu mestre, e tinha
feito uma fortuna própria. Vendia vinho muito ruim a preços muito baixos aos
varejistas no país, e tinha a reputação, entre seus amigos e conhecidos, de ser
um vilão astuto, um normando verdadeiro, cheios de observações sarcásticas.
Seu caráter era tão bem estabelecido como um fraudador que, na boca dos
cidadãos de Rouen, o nome de Loiseau se transformou em sinônimo de práticas
"afiadas".
Acima e além disso, Loiseau era notado por suas piadas de todo tipo - seus
truques, de boa ou má natureza; e ninguém podia mencionar seu nome sem
adicionar logo: "É um homem extraordinário - Loiseau." Era baixo e barrigudo,
tinha uma cara florida com suíças cinzentas.
Sua esposa alta, forte, determinada, com uma voz alta e uma maneira decidida -
representava o espírito da ordem e da aritmética nos negócios da casa, que
Loiseau dava vida com sua atividade jovial.
Madame Carre-Lamadon, muito mais jovem que seu marido, era a consolação
de todos os oficiais de boa família aquartelados em Rouen. Bonita, delgada,
graciosa sentava-se ao lado de seu marido, enroscada em suas peles, e
olhando tristemente para o pesaroso interior da carruagem. Seus vizinhos, o
Conde e a Condessa Hubert de Breville, possuíam um dos nomes mais nobres e
antigos da Normandia. O Conde, um nobre avançado nos anos e de nascimento
aristocrático, lutava para realçar por cada artifício da toalete, sua semelhança
natural ao rei Henrique IV, que, de acordo com uma lenda da qual a família era
desordenadamente orgulhosa, tinha sido o amante favorito de uma dama de De
Breville, e pai de sua criança - o frágil marido tendo, em reconhecimento a este
fato, tendo sido feito Conde e governador de uma província.
acesso não era fácil. A fortuna do Brevilles, toda de propriedades, atingia, dizia-
se, quinhentos mil francos por ano.
Aconteceu por acaso que todas as mulheres estiveram sentadas lado a lado; e a
condessa tinha, além disso, como vizinhas duas freiras, que gastavam seu
tempo dedilhando seus longos rosários e murmurando padre-nossos e ave-
marias. Uma delas era velha, e profundamente marcada com catapora que ela
parecia para todo mundo como se tivesse recebido uma carga de tiro de
espingarda no rosto. A outra, de aparência adoentada, tinha um rosto bonito,
mas desgastado, e um peito consumido, cavado por aquela fé devoradora que é
própria dos mártires e dos visionários.
Cerca de uma hora Loiseau anunciou que tinha positivamente um grande buraco
em seu estômago. Todos estavam sofrendo da mesma maneira por algum
tempo, e os acessos crescentes de fome tinham posto fim a toda conversação.
Guy de Maupassant 9
Aqui e ali alguém bocejava, outro seguia seu exemplo, e cada um por sua vez,
de acordo com seu caráter, nascimento e posição social, bocejavam quieta ou
ruidosamente, colocando sua mão frente ao buraco por onde a respiração
emitida condensava em vapor. Diversas vezes Boule de Suif inclinara-se, como
se procurando por algo sob suas vestes. Ela hesitava um momento, olhava seus
vizinhos, e então se sentava quietamente verticalmente outra vez. Todas as
faces estavam pálidas e desgastadas. Loiseau declarou que daria mil francos
por uma junta de presunto. Sua esposa fez um gesto rápido e involuntário de
protesto. Feria-a sempre ouvir sobre dinheiro sendo desperdiçado, e não poderia
mesmo compreender gracejos sobre tal assunto.
"De fato, eu não me sinto bem," disse o conde. "Por que eu não pensei em
trazer provisões?" Cada um se repreendeu de forma similar. Cornudet,
entretanto, tinha um frasco de rum, que ofereceu a seus vizinhos. Todos
friamente recusaram exceto Loiseau, que tomou um trado, e devolveu o frasco
com agradecimentos, dizendo: "Isso é coisa boa; aquece-nos e engana o
apetite." O álcool o deixou de bom humor, e ele propôs que eles deveriam como
os marinheiros fizeram na canção: comer o mais gordo dos passageiros. A
alusão indireta a Boule de Suif chocou os membros respeitáveis do grupo.
Ninguém respondeu; somente Cornudet sorriu. As duas boas irmãs tinham
cessado de murmurar seu rosário, e, com mãos enfiadas em suas longas
mangas, permaneciam sentadas imóveis, seus olhos voltados para baixo,
indubitavelmente oferecendo como sacrifício aos Céus o sofrimento ele as tinha
enviado. Finalmente, às três horas, enquanto estavam no meio de uma planície
aparentemente ilimitada, com nenhuma única vila à vista, Boule de Suif inclinou-
se rapidamente, e extraiu de debaixo do assento uma cesta grande coberta com
um guardanapo branco. Desta extraiu primeiramente um pequeno prato de
cerâmica e um copo de prata, a seguir um prato enorme contendo duas galinhas
inteiras cortadas nas juntas embebidas em geléia. A cesta aparentava conter
outras coisas boas: tortas, frutas, guloseimas de todos os tipos - provisões finas
para uma viagem de três dias, deixando seu proprietário independente de
estalagens na estrada. Os gargalos de quatro garrafas projetavam-se entre os
alimentos. Pegou uma asa de galinha, e começou a comê-la saborosamente,
junto com um daqueles rolinhos chamados na Normandia "Regence." Todos os
olhares se voltaram para ela. Um odor do alimento encheu o ar, fazendo com
que as narinas se dilatassem, as bocas ficarem molhadas, e as maxilas a
contrair-se dolorosamente. O desdém das senhoras para com esta fêmea de
baixa reputação cresceu positivamente feroz; gostariam de matá-la ou jogar seu
copo sua cesta, e suas provisões, fora da carruagem na neve da estrada. Mas o
olhar de Loiseau estava fixado gananciosamente no prato de galinha. Disse:
"bem, bem, esta senhora teve mais previsão do que o resto de nós todos.
Algumas pessoas pensam em tudo." Ela olhou para ele. "Você gostaria de
algum, senhor? É duro fastiar o dia inteiro." Ele curvou-se em agradecimento.
"Pela minha alma, eu não posso recusar; eu não posso me segurar por outro
minuto. Tudo é justo em tempo de guerra, não é, madame?" E, dando uma
olhada naqueles ao redor, adicionou: "Em tempos como este é muito agradável
10 Boule de Suif (Bola de Sebo)
Elas hesitavam ninguém sendo audaz para ser o primeiro a aceitar. Mas o conde
estabeleceu a questão. Girou para a jovem confusa, e em sua maneira mais
distinta disse: "Nós aceitamos agradecidamente, madame." Como usual, era
Guy de Maupassant 11
somente o primeiro passo que era custoso. Este Rubicão uma vez cruzado, eles
partiram para trabalhar com vontade. A cesta foi esvaziada. Ela ainda continha
paté de foie gras, uma torta da cotovia, uma peça de lingua defumada, peras de
Crassane, pão de centeio de Pont-Leveque, bolos da fantasia, e de um pote
cheio de picleds de gherkins e de cebolas - Boule de Suif, como todas as
mulheres, sendo muito afeiçoada a coisas indigestas.
Não poderiam comer provisões da garota sem lhe falar. Assim começaram a
falar, duramente no início; então, como ela pareceu de nenhuma maneira em
seguida, com maior liberdade. Mesdames de Breville e Carre-Lamadon, que
eram mulheres realizadas do mundo, eram graciosas e demonstrava tato. A
condessa especialmente demonstrou essa condescendência amigável
característica das grandes damas para quem nenhum contato com mortais mais
baixos pode contaminar, e foi absolutamente charmosa. Mas a resiliente
madame Loiseau, que tinha a alma de um gendarme, continuou morosa, falando
pouco e comendo muito.
Mas Boule de Suif estava indignada, porque era uma Bonapartista ardente. Ela
ficou vermelha como uma cereja, e gaguejou em sua ira: "Eu gostaria apenas a
vê-o em seu lugar - você e os outros como você! Haveria um agradável mistura.
Oh, sim! Foi você que traiu esse homem. Seria impossível viver na França se
nós fôssemos governados por bandidos como você!"
Cornudet, não comovido por esta tirada, sorrido ainda um sorriso superior,
condescendente; e podia-se sentir que palavras elevadas estavam para sair,
quando o conde se interpôs, e, não sem dificuldade, foi bem sucedido em
acalmar a mulher exasperada, dizendo que todas as opiniões sinceras deveriam
ser respeitadas. Mas a condessa e a esposa do fabricante, imbuídas do ódio
irracional das classes superiores pela República, e o instinto, além disso, com a
afeição sentida por todas as mulheres pela pompa e circunstância do governo
despótico, foram atraídas, a despeito delas mesmas, para esta dignificada jovem
mulher, cujas opiniões coincidiam tão proximamente com suas próprias.
A cesta estava vazia. As dez pessoas tinham acabado com seu conteúdo sem
dificuldade, entre o pesar geral que não sobrou mais. A conversação prolongou-
se um pouco mais, embora tenha decaído um tanto depois que os passageiros
acabaram de comer.
A noite caiu, a escuridão tornou-se mais e mais profunda, e o frio fêz Boule de
Suif tiritar, apesar de sua gordura. Assim a madame de Breville ofereceu-lhe seu
aquecedor de pés, o combustível tinha sido renovado diversas vezes desde a
manhã, e aceitou a oferta em uma vez, porque seus pés estavam frios como
gelo. Mesdames Carre-Lamadon e Loiseau ofereceram os seus para as freiras.
O condutor acendeu suas lanternas. Elas moldaram uma luz brilhante sobre uma
nuvem de vapor que pairava sobre os flancos suados dos cavalos, e na neve da
beira da estrada, que parecia desenrolar-se enquanto eles iam adiante à luz
cambiante das lâmpadas.
Então eles tomaram seus lugares em volta de uma elevada terrina de sopa, que
emitia um odor de repolho. A despeito dessa coincidência, o jantar foi alegre. A
cidra era boa; os Loiseaus e as freiras a beberam por motivo de economia. O
outros pediram vinho; Cornudet demandou cerveja. Ele tinha seu próprio modo
de desarrolhar a garrafa e de fazer a espuma da cerveja, olhando para ela ele
inclinou seu copo e o levantando então para uma posição entre a lâmpada e seu
olho podia julgar sua cor. Quando bebeu, sua grande barba, que combinava com
a cor de sua bebida favorita, pareceu tremer com afeição; seus olhos apertaram-
se decididamente no esforço não perder de vista do amado copo, e olhou para
todo o mundo como se ele estivesse cumprindo a única função para a qual ele
nasceu. Pareceu ter estabelecido em sua mente uma afinidade entre as duas
grandes paixões de sua vida - cerveja clara e revolução - e seguramente não
poderia provar de uma sem sonhar com a outra. Monsieur e madame Follenvie
jantaram na extremidade da mesa. O homem, bufando como uma locomotiva
quebrada era demasiado curto de fôlego para falar quando estava comendo.
Mas a esposa não estava silenciosa um momento sequer; disse como os
Prussianos a tinham impressionado em sua chegada, o que eles fizeram o que
eles disseram; execrando-os em primeiro lugar porque lhe custaram o dinheiro,
e em segundo lugar porque tinha dois filhos no exército. Dirigia-se
principalmente à condessa, lisonjeada pela oportunidade de falar a uma senhora
de qualidade. Então abaixou sua voz, e começou a mencionar assuntos
delicados. Seu marido a interrompia de tempo em tempo, dizendo: "Você faria
Guy de Maupassant 15
bem em prender sua língua, madame Follenvie." Mas ela não tomava notícia
dele e continuava: "Sim, madame, estes alemães não fazem nada além de
comer batatas e carne de porco, e então carne de porco e batatas. E não
imagine nem por um momento que eles são limpos! Não, certamente! E se
apenas você os visse cavando por horas, certamente por dias, juntos; todos
coletam no campo, a seguir não fazem nada mas marcham para a frente e para
trás, e rodam desta maneira e daquela. Se pelo menos cultivassem a terra, ou
permanecessem em casa e trabalhassem em suas estradas! Realmente,
madame, estes soldados não são de nenhum uso na terra! Pessoas pobres têm
que alimentá-los e mantê-los, apenas a fim de que possam aprender como
matar! Verdadeiramente, eu sou somente uma mulher velha com nenhuma
instrução, mas quando eu os vejo se desgastando ao marchar desde a manhã
até a noite, eu digo a mim mesma: Enquanto existem pessoas que fazem as
descobertas que são úteis para o povo, por que devem outros fazer tanto
esforço para causar danos? Realmente, não é uma coisa terrível matar as
pessoas, sejam elas prussianas, ou inglesas, ou polonesas, ou francesas? Se
nós nos vingamos em qualquer que nos fira, nos trate injustamente, e são
punidos por isso; mas quando nossos filhos são alvejados como perdizes, isto é
certo, e as condecorações são dadas ao homem que mata mais. Não,
certamente, eu nunca poderei compreender isto." Cornudet elevou sua voz: a "A
guerra é um procedimento bárbaro quando nós atacamos um vizinho pacífico,
mas é um dever sagrado quando empreendido na defesa de seu país."
A velha senhora olhou para baixo: "Sim; é um outro assunto quando se age em
defesa própria; mas não seria melhor matar todos os reis, sabendo-se que
fazem a guerra justamente para se divertir?" Os olhos de Cornudet se
acenderam. "Bravo, cidadãos!" disse.
uma camisola de casimira azul aparada com um laço branco. Ela segurava uma
vela em sua mão, e dirigiu seus passos à porta numerada na extremidade do
corredor. Mas uma das portas laterais estava parcialmente aberta, e quando, no
fim de alguns minutos, ela retornou Cornudet, em mangas de camisa, seguiu-a.
Eles falavam em tons baixos, e então pararam subitamente. Boule de Suif
parecia negar-lhe fortemente a admissão a seu quarto. Infelizmente, Loiseau
não podia no início ouvir o que disseram; mas mais para o fim da conversação
suas vozes se elevaram, e ele capturou algumas palavras. Cornudet estava
ruidosamente insistente. "Como você é estúpida! O que isso lhe importa?" disse.
Ela parecia indignada, e respondeu: "Não, meu bom homem, existem vezes em
que uma pessoa não faz esse tipo de coisa; adicionalmente, neste lugar seria
vergonhoso." Aparentemente ele não compreendeu, e pediu a razão. Então ela
perdeu sua paciência e seu cuidado, e, levantando sua voz ainda mais elevada,
disse: "Por quê? Não pode você compreender por quê? Quando houver
Prussianos na casa! Talvez no quarto ao lado!" Ele ficou silencioso. A vergonha
patriótica deste descuidado, que não sofreria ao ser acariciado na vizinhança do
inimigo, deve ter acordado sua dignidade dormente, porque após dando nela um
simples beijo rastejou maciamente de volta a seu quarto. Loiseau, muito
edificado, aventurou-se de volta ao quarto, antes de tomar seu lugar ao lado de
sua esposa que dormia. Então o silêncio reinou por toda a casa. Mas logo se
elevou de alguma parte remota - poderia facilmente ter sido a adega ou sótão -
um ressonar estertório, monótono, regular, um rumor maçante, prolongado,
variado por tremores como aqueles de uma caldeira sob a pressão do vapor.
Monsieur Follenvie tinha ido dormir.
Como eles tinham decidido em partir às oito horas da manhã seguinte, cada um
estava na cozinha a essa hora; mas a carruagem, seu teto coberto de neve,
permanecia no meio do quintal, sem os cavalos ou o condutor. Procuraram o
último nos estábulos, nos cocheiras e nos celeiros, mas em vão. Assim os
homens do grupo resolveram pesquisar o lugar em sua busca, e partiram
adiante. Encontraram-se na praça, com a igreja ao fundo, e à direita e à
esquerda casas de telhados baixos onde havia alguns soldados prussianos. O
primeiro soldado que viram descascava batatas. O segundo, mais distante,
estava lavando uma loja de barbeiro. Um outro, com barba até nos olhos,
acalentava uma criança chorando, colocando-a em seus joelhos para acalmá-la;
e as robustas camponesas, cujos homens estavam a maioria na guerra,
estavam, por meio de sinais, dizendo a seus conquistadores obedientes que
trabalho deviam fazer: cortar a madeira, preparar a sopa, moer o café; um deles
estava lavando roupas para sua hospedeira, uma avó velha e fraca. O conde,
surpreso com o que viu, questionou o fiel que saía do presbitério. O velho
homem respondeu: "Oh, aqueles homens não são de modo nenhum uma má
gente; não são Prussianos, a mim foi dito; vêm de em algum lugar mais além, eu
não sei exatamente de onde. E todos deixaram suas esposas e crianças para
trás; não são afeiçoados à guerra tampouco, você pode estar certo! Eu estou
certo de que estão enlutados pelos homens de onde eles vêm justamente como
nós fazemos aqui; e a guerra lhes causa tanta infelicidade como faz conosco. De
Guy de Maupassant 17
fato, as coisas não estão tão más aqui agora, porque os soldados não provocam
nenhum dano, e trabalham como se estivessem em suas próprias casas. Você
vê senhor, as pessoas pobres sempre se ajudam; são os grandes deste mundo
que fazem as guerras”.
palavras: "O oficial disse-me, apenas isto: ' Monsieur Follenvie, você vai proibi-
los de arrear o coche para aqueles viajantes amanhã. Não devem partir sem
uma ordem minha. Você ouviu? Isso é suficiente. '" Então eles pediram para ver
o oficial. O conde mandou-lhe seu cartão, no qual Monsieur Carre-Lamadon
escreveu também seu nome e títulos. O prussiano mandou dizer que os dois
homens seriam admitidos para o ver após seu almoço - quer dizer,
aproximadamente a uma hora da tarde. As senhoras reapareceram, e todas
comeram pouco, apesar de sua ansiedade. Boule de Suif aparentava estar
doente e muito, muito preocupada. Eles estavam terminando seu café quando o
ordenança veio buscar os cavalheiros. Loiseau juntou-se aos outros dois; mas
quando tentaram fazer com que Cornudet os acompanhasse de modo a
adicionar maior solenidade à ocasião, ele declarou orgulhosamente que nunca
teria qualquer coisa a fazer com os alemães, e, reassumindo seu assento no
canto da chaminé, pediu outra jarra de cerveja.
Os três homens foram para o andar de cima e foram levados para o melhor
quarto da estalagem, onde o oficial os recebeu bem à vontade em uma poltrona,
seus pés no topo da lareira, fumando um longo cachimbo de porcelana, e
envolvido em um elegante robe, sem dúvida roubado da moradia deserta de
algum cidadão destituído de gosto no vestuário. Ele nem se levantou,
cumprimentou-os, ou mesmo olhou de relance em sua direção. Ele permitiu um
fino exemplo dessa insolência de ser que parece natural ao soldado vitorioso.
Após o lapso de alguns momentos disse em seu francês atravessado: "O que
vocês querem?" "Nós desejamos continuar nossa viagem," disse o conde.
"Não." "Posso perguntar a razão de sua recusa?" "Porque eu não escolho." "Eu
chamaria respeitosamente sua atenção, monsieur, ao fato que seu General em
comando nos deu uma licença para prosseguir até Dieppe; e eu não penso que
nós fizemos qualquer coisa para merecer esta dureza em suas mãos." "Eu não
escolho - isso é tudo. Vocês podem ir." Curvaram-se, e se retiraram. A tarde foi
miserável. Não podiam compreender o capricho deste alemão, e as idéias mais
estranhas vieram a suas cabeças. Todos se congregaram na cozinha, e falaram
o assunto à morte, imaginando todos os tipos de coisas improváveis. Talvez
devessem ser mantidos como reféns - mas por qual razão? Ou para serem
extraditados como prisioneiros de guerra? Ou possivelmente seriam presos por
uma recompensa? Eles estavam tomados pelo pânico com esta última
suposição. Os mais ricos entre eles eram os mais alarmados, já se vendo
forçados para esvaziar sacos do ouro nas mãos do soldado insolente a fim
comprar de volta suas vidas. Submetereram seus cérebros a criar mentiras
plausíveis por meio das quais pudessem esconder o fato de que eram ricos, e se
passar por pobres - muito pobres. Loiseau retirou seu relógio de corrente, e o
pôs em seu bolso. A aproximação da noite aumentou sua apreensão. A lâmpada
foi acesa, e enquanto ainda faltavam duas horas para o jantara madame Loiseau
propôs um jogo de trinta e um. Ele iria distrair seus pensamentos. O restante
concordou, e Cornudet ele mesmo juntou-se às pessoas, primeiramente pondo
de lado seu cachimbo a guisa de polidez. O conde embaralhou as cartas -
distribuiu-as - e Boule de Suif teve trinta e um para começar; logo o interesse
Guy de Maupassant 19
pelo jogo aumentou a ansiedade dos jogadores. Mas Cornudet observou que
Loiseau e sua esposa estavam no jogo para trapacear. Estavam a ponto de
sentar-se para o jantar quando Monsieur Follenvie apareceu, e em sua voz
estridente anunciou: "o oficial prussiano manda perguntar a mademoiselle
Elisabeth Rousset se já mudou de idéia." Boule de Suif manteve-se rígida, pálida
como a morte. Então, de repente, tornando-se vermelha de raiva, falou: "Diga
amavelmente a esse vilão, esse "cur", essa carniça de um prussiano, que eu
nunca consentirei - você entende? - nunca, nunca, nunca!" O gordo estalajadeiro
saiu do quarto. Boule de Suif foi então cercada, questionada, solicitada por todos
os lados para revelar o mistério de sua visita ao oficial. Recusou no início; mas
sua ira logo tirou o melhor dela. "Que ele quer? Quer fazer-me sua amante!"
gritou. Ninguém ficou chocado com a palavra, tão grande era a indignação geral.
Cornudet quebrou sua jarra ao bater com ela na mesa. Um alto protesto
levantou-se contra este soldado baixo. Todos estavam furiosos. Eles juntaram-
se na resistência comum contra o inimigo, como se uma parte do sacrifício
exigido de Boule de Suif tivesse sido exigida de cada um. O conde declarou,
com aversão suprema, que aquelas pessoas se comportavam como os antigos
bárbaros. As mulheres, sobretudo, manifestaram uma simpatia vívida e suave
para com Boule de Suif. As freiras, que apareciam somente para as refeições,
abaixaram seus olhos, e não disseram nada.
Recusou-se a ir alojar-se quando sua esposa, vencida pelo sono, o veio buscar.
Assim ela foi-se sozinha, porque era uma ave madrugadora, sempre acordando
com o sol; enquanto que ele era viciado às altas horas, sempre disposto a
passar a noite com amigos. Ele disse meramente: "Ponha meu “egg-nogg” junto
da lareira," e continuou com o jogo. Quando os outros homens notaram que
nada seria extraído dele declararam que era hora de ir para seus aposentos, e
cada um procurou seu quarto.
nunca de partir, e o terror de ter que passar outro dia nesta abjeta pequena
estalagem. Alas! Os cavalos permaneciam no estábulo, o cocheiro estava
invisível. Gastaram seu tempo, desejando encontrar algo melhor para fazer,
vagueando em volta da carruagem.
O almoço foi um evento depressivo; e havia uma frieza geral para com Boule de
Suif, pios a noite, que traz conselhos, tinha de algum modo modificado o
julgamento de seus companheiros. Na luz fria da manhã eles demonstravam
quase como um ressentimento contra a menina por não ter secretamente
procurado o prussiano, que o resto do grupo poderia receber uma surpresa
alegre quando acordassem. Que poderia ser mais simples?
À tarde, vendo que todos estavam entediados até a morte, o conde propôs uma
caminhada pelas vizinhanças da vila. Cada um abrigou-se bem, e o pequeno
grupo partiu, deixando para trás somente Cornudet, que preferiu ficar diante do
fogo, e as duas freiras, que tinham por hábito passar o dia na igreja ou no
presbitério.
O frio, que ficava mais intenso a cada dia, quase congelou os narizes e as
orelhas dos pedestres, seus pés começaram a causar-lhes dor, assim cada
passo era uma penitência, e quando eles alcançaram o campo aberto ele
aparentava tão sombrio e depressivo com seu manto ilimitado de branco que
todos refizeram apressadamente seus passos, com corpos com a sensibilidade
perdida e os corações pesados.
Elas então começaram a falar sobre ele, sua figura, e sua cara. Madame Carre-
Lamadon, que tinha conhecido muitos oficiais e os julgava como uma
“connoisseur” pensava que ele não era de modo nenhum de má figura; lamentou
mesmo que não fosse um francês, porque nesse caso faria um Hussardo muito
bonito, por quem todas as mulheres seguramente cairiam de amor.
Quando estavam mais uma vez mais entre quatro paredes não sabiam mais o
que fazer com eles mesmos. Palavras afiadas eram trocadas mesmo acerca dos
mais meros assuntos. O jantar silencioso terminou rapidamente, e cada um foi
se alojar cedo na esperança de dormir, e assim de matar o tempo.
Essa tarefa foi passada ao Monsieur Follenvie, mas ele retornou quase
imediatamente. O alemão, que conhecia a natureza humana, tinha-lhe mostrado
a porta. Ele pretendia manter todos os viajantes até que sua condição fosse
aceita. Aí o temperamento vulgar da madame Loiseau excedeu seus limites.
"Nós não vamos morrer de velhos aqui!" gritou. "Desde que o negócio daquela
raposa (piranha) comportar-se assim com os homens eu não vejo como ela
pode ter direito de recusar um a mais. Eu posso também dizer que ela teve
22 Boule de Suif (Bola de Sebo)
A atenção de todos estava tão absorta que a entrada de Boule de Suif passou
quase despercebida. Mas o conde sussurrou um "hush" delicado o qual fez os
outros olhar para cima. Ela estava lá.
A garota, ainda sob a tensão da emoção, falou sobre o que tinha visto e ouvido,
descreveu os rostos, as atitudes dos presentes, e mesmo a aparência da igreja.
Ela concluiu com as palavras: "Às vezes rezar faz bem."
Tudo isso foi dito com a devida moderação e a consideração pelo decoro, o
efeito salientado aqui e ali por uma explosão de entusiasmo forçado, calculado
para excitar a emulação.
Durante a tarde inteira foi deixada para suas reflexões. Mas em vez de a chamar
"madame" como tinham feito até então, seus companheiros dirigiram-se a ela
simplesmente como "mademoiselle," sem exatamente saber porque, mas como
se desejosos de a fazer descer um degrau na estima que tinha ganho, e forçá-la
a entender sua nova posição mais baixa. NO momento em que a sopa foi
servida, Monsieur Follenvie reapareceu, repetindo sua frase da noite anterior: "O
oficial prussiano manda perguntar se mademoiselle Elisabeth Rousset mudou de
idéia." Boule de Suif respondeu rapidamente: "Não, monsieur."
Elas tinham sido mandadas para o Havre para servirem como enfermeiras de
centenas de soldados que estavam nos hospitais, atingidos por catapora.
Descreveu aqueles inválidos dignos de dó e seus males. E, enquanto elas
estavam detidas em sua viagem pelos caprichos do oficial prussiano, inúmeros
franceses poderiam estar morrendo, os quais elas poderiam de outra maneira ter
salvado! Pois os cuidados aos soldados era a especialidade da freira mais velha;
tinha estado na Criméia, na Itália, na Áustria; e enquanto ela contava a história
de suas campanhas ela se revelou como uma daquelas santas da gaita e do
tambor que parecem designadas pela natureza para seguir acampamentos,
arrebatar os feridos no meio dos conflitos da batalha, e subjugar com uma
palavra, mais efetivamente do que o general, as tropas duras e insubordinadas -
uma mulher magistral, sua face enrugada e erodida era uma imagem das
devastações da guerra.
Ninguém falou quando ela terminou com medo de estragar o efeito excelente de
suas palavras. Assim que a refeição terminou os viajantes retiraram-se para
seus quartos, de onde emergiram no dia seguinte em uma hora mais tardia da
manhã.
Todos ficaram de pé, e brindaram com aclamação. Mesmo as duas boas irmãs
boas renderam-se às solicitações das senhoras, e consentiram umedecer seus
lábios com o vinho espumante, que nunca antes tinham provado. Declararam
que era como limonada efervescente, mas com um sabor melhor. "É uma pena,"
disse Loiseau, "que nós não tenhamos nenhum piano; nós poderíamos ter tido
uma 'quadrille'." Cornudet não tinha falado uma palavra nem não tinha feito
nenhum movimento; parecia mergulhado nos sérios pensamentos, e de vez em
quanto puxava furiosamente sua grande barba, como se tentando aumentar
ainda mais seu comprimento. Finalmente, perto da meia-noite, quando estavam
a ponto de separar, Loiseau, cujo andar estava longe de ser constante,
subitamente golpeou-o nas costas, dizendo grosseiramente: "Você não está
alegre hoje à noite; porque você está assim tão silencioso, velho homem?"
Guy de Maupassant 27
Cornudet jogou a cabeça para trás, elevou um olhar rápido e desdenhoso sobre
a assembléia, e respondeu-o: "Eu digo a vocês todos, que vocês fizeram uma
coisa infame!"
Um frio caiu sobre todos. O próprio Loiseau pareceu tolo e desconcertado por
um momento, mas logo recuperou sua compostura, e, contorcendo-se de riso,
exclamou: "Realmente, você demasiado verde para qualquer coisa!"
Estavam esperando apenas por Boule de Suif. Finalmente ela apareceu. Parecia
bastante envergonhada e embaraçada, e avançou com passos tímidos na
direção de seus companheiros, que de comum acordo viravam-se de lado como
se não a tivessem visto. O conde, com muita dignidade, pegou sua esposa pelo
braço, e removeu-a do contato sujo. A garota permaneceu parada, estupefata e
surpresa; então, extraindo coragem de si, abordou a esposa do fabricante com
um humilde "Bom-dia, madame," ao qual a outra respondeu meramente com um
rápido insolente e árido assentimento de cabeça, acompanhado por um olhar de
virtude ultrajada. Todo mundo repentinamente parecia extremamente ocupado, e
mantendo-se tão longe de Boule de Suif como se ela estivesse infectada com
alguma doença mortal. Então se apressaram em entrar no coche, seguidos pela
desprezível cortesã, que, entrando por último, sentou-se silenciosamente do
lugar que tinha ocupado durante a primeira parte da viagem.
O restante parecia nem vê-la nem conhecê-la - todos exceto madame Loiseau,
que, olhando de relance desdenhosamente em sua direção, observou meio alto
para seu marido: "Que graça que eu não estou sentada ao lado dessa criatura!”.
O lento veículo deu partida, e a viagem começou mais uma vez. No princípio
ninguém falou. Boule de Suif não ousou sequer levantar os olhos. Sentia-se ao
mesmo tempo indignada com seus vizinhos, e humilhada em ter-se rendido ao
prussiano em cujos braços a tinham jogado assim tão hipocritamente. Mas a
condessa, virando-se para madame Carre-Lamadon, quebrou logo o silêncio
doloroso: "Eu acho que você conhece 'Madame d'Etrelles'?" "Sim; ela é uma
amiga minha." "Uma mulher tão charmosa!" "Deliciosa! Excepcionalmente
talentosa, e uma artista até a ponta dos dedos. Ela canta maravilhosamente e
desenha à perfeição."
O fabricante estava conversando com o conde, e entre o tinido dos vidros das
janelas uma palavra de sua conversação era de vez em quanto distinguível:
"Ações - maturidade - prêmio - tempo limite”.
Ao fim de três horas Loiseau recolheu as cartas, e observou que estava com
fome. Sua esposa pegou um pacote amarrado com barbante, do qual extraiu
uma peça de vitela fria. Então a cortou em fatias finas e arrumadas, e ambos
começaram a comer.
As duas boas irmãs trouxeram à luz uma peça de salsicha cheirando fortemente
a alho; e Cornudet, mergulhando ambas as mãos de uma só vez nos bolsos
enormes de seu sobretudo frouxo, tirou de um quatro ovos cozidos e do outro
uma crosta de pão. Removeu as cascas, jogou-as no feno abaixo de seus pés, e
começou a devorar os ovos, pedaços da gema amarelo brilhante cair em sua
braba gigantesca, onde pareciam como estrelas.
Ninguém olhou para ela, ninguém pensou nela. Ela sentiu-se engolida pelo
desdém destas criaturas virtuosas, que a tinham primeiramente sacrificado, e
rejeitaram então como uma coisa inútil e suja. Então recordou sua cesta grande
completamente das coisas boas que eles devoraram tão gananciosamente: as
duas galinhas revestidas de geléia, as tortas, as peras, as quatro garrafas de
claret; e sua fúria explodiu como um cabo que está sob alta tensão, e ela estava
no limite das lágrimas. Fez esforços terríveis para controlar-se, levantou-se,
engoliu os soluços que lhe irrompiam; mas as lágrimas apareceram não
obstante, brilhando nas bordas de suas pálpebras, e logo duas gotas pesadas
percorreram lentamente por suas bochechas. Outras se seguiram mais
rapidamente, como a água que é filtrada de uma rocha, e caiu, uma após outra,
em seu seio arredondado. Sentou verticalmente, com uma expressão fixa, sua
cara pálida e rígida, esperando desesperadamente que ninguém tivesse a visto
desistir. Mas a condessa observou que ela estava chorando, e com um sinal
chamou a atenção do seu marido para o fato. Ele encolheu seus ombros, como
se para dizer: "Bem, que é que há? Não é minha falha”.
30 Boule de Suif (Bola de Sebo)
As duas freiras tinham voltado mais uma vez mais a suas orações, envolvendo
antes o restante de suas salsichas em papel.
Então Cornudet, que digeria seus ovos, esticou seus pés longos sob o assento
oposto, jogou-se para trás, dobrou seus braços, sorriu como um homem que
tivesse justo pensado em um bom gracejo, e começou a assobiar a Marseillaise.
A carruagem progredia mais rapidamente, a neve agora mais dura; e indo direto
para Dieppe, durante as longas e monótonas horas da viagem, primeiramente
no crepúsculo, então na escuridão total, levantando sua voz acima do rumor do
veículo, Cornudet continuava com obstinação feroz seu assobiar vingativo e
monótono, forçando seus cansados e exasperados ouvintes a seguir a canção
de ponta a ponta, para recordar cada palavra de cada linha, na medida em que
cada uma foi repetida e repetida com incansável persistência.
E Boule de Suif ainda chorava, e às vezes um suspiro que não podia conter era
ouvido na escuridão entre dois versos da canção.
Traduzido por:
osnaldoaraujo@hotmail.com