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A Pesquisa Etnográfica e As Especificidades Da Observação Participante
A Pesquisa Etnográfica e As Especificidades Da Observação Participante
Resumo
Abstract
1
Jornalista, Mestre em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB; Doutoranda em
Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG e Professora do Curso de
Comunicação Social – Hab. em Jornalismo das Faculdades Integradas de Patos – FIP. E-mail:
ada.guedes@gmail.com
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Introdução
2
Vale mencionar a observação de James Clifford ao afirmar que o trabalho de campo não pode mais ser
associado apenas à Antropologia e que tais associações não devem ser consideradas permanentes, pois
na atualidade “os estilos de descrição cultural são historicamente limitados e estão vivendo importantes
metamorfoses”.
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para, numa relação de troca, comparar suas próprias teorias e representações com as
deles a fim de obter um modelo inédito de entendimento, ou pelo menos um caminho
para estes, não previsto anteriormente. Mas, na verdade, ao observar relatos e
monografias modelos desta prática, percebe-se a complexidade dos vários aspectos,
imprevistos e desafios que cercam o trabalho do etnógrafo.
O que na prática se apresenta como tarefa difícil, pois as “interpretações
culturais” realizadas pelo pesquisador constituem ao final um relato escrito que deve
ser reconhecido e legitimado pela academia. Neste sentido, Clifford Geertz (1978, p.
15) ao definir o método, afirma que:
Geertz ilustra sua afirmação com o exemplo das piscadelas e enfatiza que uma
das características cruciais da descrição etnográfica é a interpretação, “o que ela
interpreta é o fluxo do discurso social e a interpretação envolvida consiste em tentar
salvar o ‘dito’ num tal discurso da sua possibilidade de extinguir-se e fixá-lo em formas
pesquisáveis”. (GEERTZ, 1978, p. 15).
Conforme destaca James Clifford (1998), tal exercício subjuga as dificuldades a
partir de seu lugar de autoridade como mecanismo científico de observação:
universidades e capacitados para de forma legítima relatar dados sobre povos exóticos.
Mais especificamente a partir da década de 30 esta definição de que as descrições
culturais deviam ser realizadas apenas por pesquisadores com formação acadêmica, já
se difundira internacionalmente de maneira consensual.
Já na década de 20, Malinowski marcara a validade e autoridade da experiência
de campo 3. Este autor trás como técnica diferenciada dos cientistas naturais o método
da observação participante compondo o perfil do novo “teórico-pesquisador de campo”
e do exercício etnográfico como modelo científico e literário, reconhecido e que
delegava ao pesquisador não apenas um lugar de tradutor de costumes, mas também
de provedor de teorias dentro da antropologia.
James Clifford (1998, p. 28) pontua quais foram as principais inovações
institucionais e metodológicas que promoveram um conhecimento mais rápido e
específico de outras culturas ao mesmo tempo em que assegura a autoridade científica
desta atividade na época. “Figuras de proa como Malinowski, Mead e Marcel Griaule,
transmitiram uma visão da etnografia como cientificamente rigorosa ao mesmo tempo
que heróica.” Mencionou a aceitação da presença em campo por um período menor
“que raramente excedia a dois anos” e concentrada em um domínio ou conteúdo
específicos, técnicas empregadas por Margaret Mead; igualmente destaca a inovação
da observação-participante como norma de pesquisa; e por fim a busca do
conhecimento não através de um relato completo e complexo dos costumes, mas do
conhecimento do todo através de descrições de uma ou mais de suas partes.
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Vale mencionar que a etnografia profissional começa a se delinear bem antes com a atuação de
cientistas naturais em pesquisas de campo se contrapondo ao trabalho de administradores, missionários
e demais religiosos. Com Franz Boas; A. C Haddon e Baldwin Spencer em fins dos anos 1890, o caráter
científico começa a permear estas práticas.
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2. A observação participante
trabalho como este constitui tarefa científica que deve constar em qualquer relato.
Sirkanda, o local da pesquisa é uma aldeia camponesa do baixo Himalaia onde viviam
os Paharis das montanhas, um local de sociedade extremamente fechada e
estratificada 4
na qual estranhos eram abertamente rejeitados ou ignorados. Este fato
decorria geralmente da figura do estranho estar relacionada a missionários ou a
agentes do governo que cobravam impostos sobre as produções e terras. Os primeiros
impasses decorreram de suspeitas de que o pesquisador representava uma dessas
“ameaças” aos aldeões.
Mesmo desfeitas estas primeiras suspeitas, o pesquisador conta que meses se
passaram até obter certa confiança por parte dos moradores. Acompanhado de seu
assistente-interprete, um brâmane de origem humilde e já experiente neste tipo de
trabalho, encontrou resistências por parte da população local até que em um dado
episódio pôde se apresentar como pesquisador a partir de um discurso que aferiu o
orgulho dos aldeões como paharis indianos de uma nação independente, geradora de
recursos e mundialmente respeitada, após 1947. Mesmo depois de tal discurso a
aceitação do interlocutor seguiu-se aos poucos e sem maior entusiasmo, baseado
muito mais num episódio específico que consistiu na aceitação deste por parte de um
brâmane que se mostrava hostil no momento do impasse e o aceitou publicamente.
Este ato é que surtiu o efeito esperado muito mais devido ao contexto em que
aconteceu, ou seja, publicamente e depois de um bom espaço de tempo da presença
dos pesquisadores na aldeia. O curioso é que o autor afirma que o ato do brâmane que
o desafiou o fez por necessidade de reconhecimento público, pois ao se opor ao
pesquisador publicamente e exigir deste uma explicação ganhara automaticamente
notoriedade da mesma forma que aceitando sua explicação justificava sua suposta
imponência.
Outro fato importante e que o autor bem o faz ao enunciar, foi a preocupação
que se seguiu, dos homens da aldeia em relação às mulheres, fato que só se encerrou
4
Na aldeia viviam pessoas de castas altas (rajput e brâmanes) e de castas baixas (achut, os intocáveis).
Os primeiros expressamente numerosos dominam o poder político, os recursos econômicos e a diferença
de castas através dos rituais. Vale mencionar que entre estes aldeões as diferenças sociais, políticas e
rituais são grandes, porém a diferença econômica é relativamente nula.
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descritivo analítico quanto as nuances do controle das impressões e de como lidar com
os atores e seus segredos em campo.
O outro trabalho aqui mencionado “Sociedade de esquina: a estrutura social de
uma área urbana pobre e degradada” de William Foote-Whyte originalmente publicado
em 1943 diferencia-se sobremaneira do texto anterior por se tratar de uma pesquisa
realizada no espaço urbano, em meio ao tempo e espaço do pesquisador 5. Consiste
numa extensa pesquisa de campo com observação participante em um distrito de
pequeno porte localizado em Boston nos Estados Unidos. Este estudo traz uma
brilhante apreensão da realidade vivida por um grupo situado numa região marcada
pela imigração italiana e pelas condições de vida precárias em relação ao resto da
sociedade. Neste cenário o autor desvenda a relação das pessoas com o mundo da
política e do crime. Tendo como enfoque as redes sociais, o autor percebe os vínculos
de lealdade dentro da esfera política, a peculiar relação destes indivíduos com os
favores e o dinheiro e ainda as práticas eleitorais e de corrupção e obrigações mútuas
que cercavam os atores sociais.
De duração maior, esta pesquisa foi realizada em três anos, o autor muda-se
para o bairro e é necessário um longo período de negociação para sua inserção nesse
“grupo”. Com redefinição de objetivos, o pesquisador comete algumas gafes
reincidentes a este tipo de trabalho e como tantos outros, percebe que é fundamental a
presença de um intermediário para realizar sua observação. Apresenta de maneira
clara a importância de um "Doc", termo empregado para definir um informante-chave,
que constitui neste trabalho uma espécie de mediador, capaz de garantir o acesso à
localidade revelando-se também um conselheiro e protetor, alertando e defendendo o
pesquisador de eventos inesperados próprios ao trabalho de campo.
A entrada do autor no grupo estudado a princípio não carecia de explicações
enquanto esse esteve acompanhado de seu informante. Diferente da experiência de
Berreman no Himalaia, em “Cornerville”, nome fictício dado ao local da pesquisa de
Foote-White, havia um certo desinteresse pelo motivo real daquele estranho no bairro.
5
Trata-se do versado exercício pontuado por Da Matta de transformar o familiar em exótico, na intenção
de se distanciar, “tirar a capa de membro de uma classe e de um grupo social específico” para então
perceber o exótico, dentro do que é tão facilmente assimilado pela familiaridade e constância no cotidiano
de nossas instituições.
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Desta forma, é possível afirmar que cada experiência traz suas especificidades e
que o cuidado com a observação dos costumes e a inserção do pesquisador no grupo
ou localidade deve ser de maneira apropriada. Neste caso, o autor declara: “aprendi, a
importância crucial de obter o apoio de indivíduos-chaves em todos os grupos ou
organizações que estivesse estudando”. Foote-Whyte percebeu que explicar sua
presença a líderes dos grupos e ganhar a confiança destes surtia um melhor efeito, pois
seu próprio “Doc” ao ser questionado sobre ele, respondia as perguntas e restabelecia
a confiança no que fosse preciso. Aos poucos seu informante passou desta para a
qualidade de colaborador da pesquisa ao contribuir com discussões e idéias sobre as
propostas e finalidades do trabalho e particularmente sobre como se aproximar dos
moradores, como e quando deveria perguntar ou calar.
Apesar de se tratar de uma pesquisa urbana e ter uma certa familiaridade com
os costumes dos moradores, nota-se uma série de nuances e contratempos que
permeiam o contato do pesquisador com os moradores de uma região marcada pela
presença de grupos internos e consequentemente de líderes e questões adversas
como questões políticas e presença de pessoas ligadas a máfia italiana.
Mas, uma questão que carece ser mencionada foi o grau de envolvimento do
pesquisador com os hábitos dos moradores, Foote-Whyte conta o quanto seu
comportamento foi afetado por este convívio.
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Este relato ensina que o pesquisador não deve querer se mostrar igual ao grupo
pesquisado e ter em mente que também é constantemente observado. Com o tempo, a
aproximação se fez inevitável, a ajuda a certas tarefas dos moradores como o auxílio
perante uma entrevista de emprego ou companhia a uma incubência passa a tornar-se
rotina, porém, o empréstimo de dinheiro por parte do pesquisador, pode prejudicar o
crescimento da ligação.
A observação participante implica saber ouvir, escutar, ver, fazer uso de todos os
sentidos. É preciso ponderar sobre o momento certo para perguntas e por vezes
esperar mais do que o imaginado. As entrevistas formais são muitas vezes
desnecessárias, devendo a coleta de informações não se restringir a isso. Com o tempo
os dados podem vir ao pesquisador sem que ele faça qualquer esforço para obtê-los e
isto pode ajudar significativamente na manutenção do relacionamento estabelecido.
Este trabalho é referência nos estudos da chamada “antropologia da política” 6
e
é perpassado pela observação participante e como visto, de ensinamentos sobre esta
atividade. Sabe-se que diversos trabalhos podem ser mencionados como modelos de
estudos sobre temas urbanos, o que faz deste um exemplo, é exatamente a capacidade
de desvendar o que aparentemente não está escondido, mas que o autor consegue
desnudar em seu relato, como a relação entre os políticos e suas bases; as nuances da
disputa entre candidatos e particularmente os resultados obtidos com a observação dos
6
Termo utilizado atualmente em vez da expressão “antropologia política” na qual o termo política podia
ser confundido com uma adjetivação enquanto o termo antropologia da política refere-se exatamente a
um campo específico de investigação e não a uma posição ideológica. Ver em: KUSCHNIR, Karina.
Antropologia da política. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
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A realidade, seja esta familiar ou exótica, como em outros termos pontuado pelos
autores aqui mencionados, é sempre filtrada sob algum ponto de vista do observador,
ou seja, a investigação etnográfica é sempre interpretativa.
4. Considerações finais
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Dois grupos cercavam o cotidiano do pesquisador em Cornerville: Os “Nortons” e o “clube comunidade
Italiana”. Em uma partida de boliche entre os dois grupos, a torcida do pesquisador se evidenciou para os
Nortons. Igualmente quando defendeu os rapazes deste grupo de provocações de outro rapaz e ainda ao
participar de uma disputa de baseball ganhando a confiança e identificação dos mesmos.
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Referências bibliográficas
WHYTE, William Foote. Sociedade de Esquina: a estrutura social de uma área urbana
pobre e degradada. Tradução de Maria Lucia de Oliveira. Rio de Janeiro, Jorge Zahar,
2005.