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VISAGISMO

Ana Carla Happel


Introdução, princípios
e linguagem visual
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Definir o conceito e os princípios do visagismo e da linguagem visual.


„„ Identificar os símbolos arquétipos da imagem.
„„ Relacionar a imagem visual com a imagem pessoal.

Introdução
Depois de décadas de padrões de beleza, o conceito do visagismo surge
para acabar com a padronização do conceito de beleza, pois busca a
adequação da imagem conforme a personalidade e profissão de cada
pessoa, destacando os pontos fortes e deixando menos evidentes os
pontos fracos, pois cada indivíduo pode ser belo e único.
O visagismo permite que o profissional use do seu conhecimento téc-
nico para ajudar o seu cliente a definir o que ele quer expressar através da
sua imagem. O rosto é a identidade da pessoa e qualquer mudança visual
altera essa concordância. Por isso, a importância do papel do visagista,
pois o profissional que não trabalha com os conceitos do visagismo pode
influenciar negativamente na vida profissional ou pessoal do indivíduo.
Por outro lado, o profissional que se baseia neste conceito pode mudar
a vida das pessoas para melhor, e, para que se obtenha êxito, ele deve
estar aberto ao novo, deixando de lado seus gostos pessoais e traba-
lhando seus conhecimentos para criar a imagem pessoal mais adequada
para seu cliente. Para tal, é de suma importância que o profissional tenha
bem consolidados os conceitos e princípios do visagismo para aplicar as
técnicas de forma prática e assertiva em seus atendimentos.
2 Introdução, princípios e linguagem visual

Visagismo: conceitos e princípios


Apesar de muito se ouvir falar sobre visagismo, boa parte dos brasileiros ainda
desconhecem o conceito e seus benefícios. O termo visagismo foi primeira-
mente utilizado pelo cabeleireiro e maquiador Fernand Aubry, em 1937, na
França. Há muito tempo, antes de existir o conceito, algumas tribos indígenas
já aplicavam o visagismo de forma intuitiva, os quais modificavam a sua
imagem para que através da pintura facial se parecessem com seus deuses ou
até mesmo com animais, o que fazia seus adversários se sentirem ameaçados
(HALLAWELL, 2010a).
O termo visagismo deriva de visage, que em francês significa rosto. O
visagismo busca, através do rosto, adequar a imagem de modo a expressar
uma mensagem específica conforme as necessidades da pessoa.

Segundo Fernand Aubry, “não existe mulher sem beleza, somente belezas que não
foram reveladas. Cada rosto é único”. Confira um exemplo da prática do visagismo
na Figura 1.

Figura 1. A prática do visagismo.


Fonte: Bulbo Raiz ([201-]).
Introdução, princípios e linguagem visual 3

No Brasil, o visagismo começa a ganhar ênfase somente a partir de 2003,


através do primeiro livro de Philip Hallawell, artista plástico paulista, que
foi educado na Inglaterra e nos Estados Unidos, sendo o pioneiro a trazer o
conceito para o Brasil através das suas artes plásticas. Ele começou a rela-
cionar a linguagem visual das artes com a imagem pessoal, e percebeu que
as formas geométricas presentes no rosto de uma pessoa são símbolos, os
quais são absorvidos de maneira inconsciente e subliminar por quem os vê
(HALLAWELL, 2010a).
O visagismo não é um método intuitivo, ele se baseia na ciência e em
conhecimentos milenares, como: fundamentos da linguagem visual, estética,
física óptica, geometria, antropologia, psicologia e neurobiologia para auxiliar
na hora da entrevista com a cliente.

Hoje, Hallawell continua sendo uma referência no Brasil, onde ministra cursos, participa
com workshops em feiras e seu livro, Visagismo: harmonia e estética é uma verdadeira
bíblia para os visagistas, pois explica todo o conceito, uma obra que vale muito a
pena a leitura.

Qual seria este padrão de beleza o qual foi imposto por gerações? A pro-
porção áurea ou número de ouro define o conceito de beleza, que foi criado
na antiga Grécia, sendo uma constante real algébrica irracional, na qual nunca
existirá algo que tenha rigorosamente o mesmo valor do número de ouro. Nesse
conceito, o belo é definido pelo equilíbrio geométrico, ou seja, a harmonia
das partes do rosto, quanto mais as medidas de um rosto chegarem próximas
do número de ouro mais simétricas e proporcionais serão.
Hoje, o cabeleireiro francês Claude Juillard, discípulo de Fernand Aubry,
viaja o mundo todo popularizando o visagismo através do método que desen-
volveu ao longo de 10 anos. A seguir, na Figura 2, um exemplo das proporções
ideais de um rosto para o visagismo.
4 Introdução, princípios e linguagem visual

Figura 2. Proporções faciais.


Fonte: JulsyJul/Shutterstock.com.

Mas, afinal, o que é o visagismo? O visagismo é a uma arte, a arte de


criar uma imagem pessoal que transmita as reais qualidades daquela pessoa,
em conjunto com as características físicas e princípios da linguagem visual
(harmonia e estética) e utilizando, dentre vários outros recursos, a maquiagem,
o corte, a coloração, o design das sobrancelhas e o penteado do cabelo.
Para que o profissional consiga exercer o visagismo ele terá que criar um
método de trabalho onde ele desenvolva a sua criatividade, não se limitando
a ser apenas um profissional competente e de bom gosto, do tipo que utiliza
fórmulas prontas muitas vezes somente pelo medo de errar. Mas para ser cria-
tivo o primeiro passo é definir o que significa criatividade. Criativo é aquilo
que é totalmente novo (inovação) ou aquilo que é transformado (melhorado,
modificado). Depois disso, você precisa ter conhecimento técnico, dominar
as técnicas da sua área de atuação e ter conhecimento de linguagem visual,
porém de nada vai adiantar tudo isso se você não tiver inteligência interpessoal
(HALLAWELL, 2010b).
A inteligência interpessoal é fundamental no processo criativo do visa-
gista, portanto, seja curioso, questione o cliente, seja um bom ouvinte e bom
observador, pois ninguém é capaz de criar uma solução sem saber o porquê
ou para quê. Além disso, muitas áreas podem se beneficiar aplicando o conhe-
Introdução, princípios e linguagem visual 5

cimento do visagismo. Essas são algumas das áreas que podem e já aplicam
os conceitos do visagismo: beleza, estética, cirurgia plástica, consultores de
imagem, moda, entre várias outras.

Linguagem visual
A linguagem visual é todo tipo de comunicação não verbal, ou seja, uma
comunicação que se apresenta através de imagens e símbolos. E essas imagens
e símbolos são compostos por vários elementos, sendo alguns deles: linhas,
formas, cor, textura, direção e proporção. Esses elementos são sempre usados
para transmitir alguma sensação (HALLAWELL, 2010a).
Na linguagem visual se utiliza apenas do contato visual, sem qualquer tipo
de comunicação oral, verbal nem movimentos.
Reagimos emocionalmente às linhas e seus significados, é uma linguagem
visual básica e comum a todos, não necessita ser ensinada, afetando seu
comportamento e seus relacionamentos (HALLAWELL, 2010a).
No modelo demonstrado na Figura 3, é possível verificar um exemplo de
linguagem visual.

Figura 3. Direções das linhas.


Fonte: N1chEZ/Shutterstock.com.

Por que o profissional visagista precisa entender de linguagem visual?


Somente conhecendo a linguagem visual você poderá identificar o que as
linhas e traços faciais de cada pessoa transmitem, podendo então modificar
ou não essa imagem.
6 Introdução, princípios e linguagem visual

O conhecimento da linguagem visual habilita o profissional a criar uma


imagem pessoal conscientemente, sabendo o que os traços daquela pessoa
têm um significado e não apenas agindo instintivamente. Dessa forma, os
elementos da linguagem visual podem ser: ponto, linha, forma/plano, cor,
textura, movimento, luz e sombra, entre outros; contudo, os mais importantes
são as formas geométricas (HALLAWELL, 2010b).

Você sabia que o visagismo masculino está em alta? Os homens estão mais preocupados
com a imagem pessoal e hoje já existem barbearias com profissionais visagistas que
aplicam os conceitos para a escolha do melhor corte e formato de barba, conforme
os traços do rosto e as necessidades do cliente (Figura 4).

Figura 4. Exemplos de visagismo masculino.


Fonte: Adaptada de Zahir (2014).

Símbolos arquétipos
Os símbolos arquétipos são modelos ideais que possuímos em nosso inconsciente
e esses modelos podem ser positivos ou negativos, sendo milenares e podem
ser muito úteis em nossa vida pessoal, como profissional. Eles funcionam como
“gatilhos naturais”, antes que possamos pensar sobre a imagem que estamos vi-
sualizando, reagimos emocionalmente ao seu significado arquétipo. Os símbolos
arquétipos da imagem de uma pessoa afetam a maneira como os outros reagem
a essa pessoa. Reagimos emocionalmente não somente às linhas e formatos
geométricos que percebemos no rosto, mas também as feições, corte de cabelo,
sobrancelhas, barba, bigode, maquiagem e acessórios (HALLAWELL, 2010a).
Introdução, princípios e linguagem visual 7

Então, mesmo que você desconheça os símbolos arquétipos eles interferem


em sua vida, em como você vê as outras pessoas e como elas veem você, por
isso é tão importante conhecê-los.
As formas geométricas são os símbolos arquétipos mais simples e univer-
sais, os quais são formados por quatro tipos de linhas: verticais, horizontais,
inclinadas e curvas, cujas figuras arquetípicas são utilizadas por grandes
empresas e também por vários países do mundo para representar as caracte-
rísticas do seu povo (HALLAWELL, 2010b).

Linhas e formas
Conforme Hallawell (2010a), as linhas e formas são assim classificadas:

„„ Linhas verticais: são linhas de força, controle e estrutura, consideradas


linhas “masculinas” associadas à liderança e à autoconfiança. São linhas
“frias” que não expressam emoções.
„„ Linhas horizontais: são linhas fixas que expressam poder e segurança,
também são linhas “frias” e “masculinas”. Proporcionam sensação de
conforto e segurança.
„„ Linhas inclinadas: são dinâmicas, dramáticas, instáveis e criam mo-
vimento em uma única direção, trazendo sensação de insegurança.
Essas linhas, quando direcionadas para cima, dão sensação de leveza,
já quando direcionadas para baixo criam “peso” ao visual.
„„ Linhas curvas: podem ser de vários tipos, mas todas “quentes” e “fe-
mininas”, ou seja, emotivas. Quando longas e onduladas, proporcionam
paz, sensualidade e romantismo. A curvas fechadas estão relacionadas
às emoções conturbadas.
„„ O quadrado: suas linhas retas transmitem poder, segurança, frieza
e intelectualidade. Um exemplo muito claro é quando chamamos as
pessoas de “quadradas”, porque o quadrado transmite sensação de
resistência a mudanças.
„„ O triângulo: sua base horizontal proporciona estabilidade, enquanto os
outros lados proporcionam dinamismo. Suas linhas inclinadas dirigem
o olhar para cima, representando a divindade, o sagrado. Já o triângulo
invertido é o símbolo do perigo, imagem instável que traz sensação de
insegurança.
„„ O círculo: é símbolo do Sol, uma forma estável, mas em constante
movimento. Gira em volta de um ponto fixo e proporciona sensação
de continuidade.
8 Introdução, princípios e linguagem visual

„„ A lemniscata: o símbolo do infinito, é instável, transmite lirismo, su-


avidade, paz, romantismo e sensualidade.

Apesar de as figuras geométricas poderem ter as mais diversas formas,


o visagismo baseia-se nas suas formas mais simples e universais (Figura 5).

Figura 5. Formas geométricas.


Fonte: Softulka/Shutterstock.com.

Para o visagista, é muito importante ter as formas geométricas sólidas em


sua memória, pois para o processo de criação é necessário imaginar a forma
antes de executá-la, principalmente identificar estas formas na figura humana
(HALLAWELL, 2010b). Observando o rosto, a cabeça, o pescoço e os ombros,
identificamos diferentes formas geométricas.

„„ Esfera ovoide (cabeça)


„„ Oval (rosto)
„„ Cilindro (pescoço)
„„ Esfera e círculo (olho)
„„ Retângulo (testa)
„„ Pirâmide (nariz)
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„„ Triângulo (parte central do rosto)


„„ Triângulo (boca)
„„ Triângulo (ombros)

Agora você pode ver o quanto o profissional visagista é importante para


a personalização e adequação da imagem pessoal. Somente sabendo qual
emoção vai causar com a imagem que vai criar poderá expressar a verdadeira
personalidade da cliente.

Você sabia que hoje já se aplicam os conceitos do visagismo nas técnicas de extensão
de cílios? Faz muita diferença quando o profissional usa o visagismo para escolher o
formato e tamanho de cílios que vai valorizar mais aquele rosto e também para que
transmita a imagem escolhida pela cliente.
Na ilustração da Figura 6 podemos ver os formatos de cílios e seus efeitos, que podem
ser naturais, sensuais, aumentar o olhar e até mesmo levantar o olhar.

Figura 6. Efeitos e tipos ciliares.


Fonte: VETOCHKA/Shutterstock.com.
10 Introdução, princípios e linguagem visual

Imagem pessoal
A imagem pessoal é composta por símbolos universais que estão em todos
os traços faciais, cabelo, roupas e acessórios e que são compreendidos por
todos da mesma maneira, os símbolos arquétipos. Quando você olha para uma
pessoa a primeira coisa que faz é reagir emocionalmente às linhas e formatos
que compõem o seu rosto, cabelos e acessórios. Você deve lembrar de ter tido,
em alguma situação, uma impressão de uma pessoa sem ao menos ter falado
com ela, e depois de trocarem algumas palavras você percebeu que ela era
totalmente diferente do que você tinha “imaginado”. Pois bem, na verdade
você estava reagindo emocionalmente aos traços e linhas que você identificou
inconscientemente naquela pessoa. O que acontece na maioria das vezes é que a
sua imagem exterior não reflete a sua imagem interior (HALLAWELL, 2010b).
Por isso, de certa forma, a imagem pessoal é uma máscara, e essa máscara
pode ser positiva ou negativa, estabelecendo identidade, destacando pontos
fortes, mas também esconde parte da pessoa (MOLINOS, 2011). A maquiagem,
por exemplo, que deriva da palavra masque e significa máscara em francês, nos
possibilita formar essa “máscara” através de linhas e formas que expressem
as emoções que desejamos.
Ao criar uma imagem pessoal, o profissional deve ter total domínio da lin-
guagem visual, para que expresse algo realmente fiel à sua personalidade, pois
caso contrário não conseguirá uma imagem pessoal atrativa. Estabelecer uma
identidade própria é fundamental, pois esta imagem afeta o comportamento, as
relações e a autoestima de qualquer pessoa. Para que o profissional visagista
consiga criar uma imagem pessoal única e de acordo com a personalidade
desta pessoa, ele precisa saber o que ela deseja expressar, o que ela gostaria de
exteriorizar (HALLAWELL, 2010a). Além disso, ainda temos a autoimagem,
que nada mais é do que como cada pessoa se enxerga diante do espelho.
Em alguns casos, a autoimagem de uma determinada pessoa pode estar
totalmente destorcida devido a problemas psicológicos e de baixa autoestima,
e isso de certa forma dificulta o trabalho do profissional, pois por mais que
ele mude, mesmo que ele transforme a sua imagem, ela sempre vai enxergar
os mesmos defeitos que lhe incomodam. O equilíbrio da imagem do próprio
rosto com a autoimagem que a pessoa tem de si eleva a autoestima, o que é
extremamente necessário para a saúde mental, emocional e física (HALLA-
WELL, 2010a).
Introdução, princípios e linguagem visual 11

Imagine uma pessoa que não se sente bem em frente ao espelho, não gosta do que
vê e não se reconhece diante da imagem refletida. Essa pessoa provavelmente não
tem um bom desempenho em suas atividades, pois não se sente confortável consigo
mesma. O visagista tem o papel muito importante de encontrar uma imagem pessoal
que reflita a verdadeira personalidade da pessoa.

É muito importante relacionar as formas à função que irá exercer, pois em


1918, na escola de artes Bauhaus, o arquiteto Louis Sullivan já seguia o conceito
de que a forma sempre segue a função, e essa tem sido a maior dificuldade
para o profissional exercer o visagismo, pois primeiro ele deve conhecer o
cliente, suas necessidades, e só depois criar uma solução, já que normalmente
se quer logo criar uma imagem para se reproduzir (HALLAWELL, 2010a).
Alguns profissionais acreditam que imagem pessoal é somente um serviço
estético e evitam conhecer o cliente mais a fundo porque não querem se envolver
com questões psicológicas, porém, quando estamos lidando com a imagem da
pessoa não tem como não envolver tais questões, pois nossa imagem pessoal
interfere no psicológico e na autoestima da pessoa.

No link ou código a seguir, é possível visualizar a autoima-


gem conforme os diferentes temperamentos.

https://qrgo.page.link/d7U9v
12 Introdução, princípios e linguagem visual

BULBO RAIZ. Visagismo: tudo que você precisa saber sobre ele. [201-]. Disponível em:
https://bulboraiz.com.br/sem-categoria/visagismo-o-que-voce-precisa-saber. Acesso
em: 21 maio 2019.
HALLAWELL, P. Visagismo: harmonia e estética. 6. ed. São Paulo: SENAC, 2010a.
HALLAWELL, P. Visagismo integrado: identidade, estilo e beleza. 2. ed. São Paulo: SENAC,
2010b.
MOLINOS, D. Maquiagem. 11. ed. São Paulo: SENAC, 2011.
ZAHIR, I. Implante de barba “hipster” é nova mania entre britânicos e americanos. 2014.
Disponível em: https://gq.globo.com/Corpo/Cuidados/noticia/2014/03/implante-
-de-barba-hipster-e-nova-mania-entre-britanicos-e-americanos.html. Acesso em:
21 maio 2019.
PROJETO DE
INTERIORES
COMERCIAIS

Vanessa Guerini
Scopell
Identidade e
comunicação visual
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar os fundamentos de comunicação e identidade em projetos


de interiores comerciais.
 Relacionar a comunicação e a identidade de um projeto com o seu
apelo emocional.
 Analisar os elementos de comunicação e identidade de um interior
comercial.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar os conceitos de identidade e comunicação
visual, entendendo a sua importância e relação com o design de interiores
em espaços comerciais. Além disso, identificará quais são os aspectos e as
formas de comunicação visual que podem gerar sensações nos usuários,
contribuindo para um espaço comercial adequado.

Relação entre a comunicação visual


e os projetos de interiores comerciais
A comunicação visual é um aspecto muito presente no dia a dia das pessoas. No
espaços externos, essa comunicação acontece o tempo todo, por meio das placas
e dos semáforos no trânsito, dos outdoors e de diversos símbolos espalhados pela
cidade, e engloba a mensagem — aquilo que se deseja transmitir — e o receptor
— aquele que deve receber a mensagem. Assim como nos espaços externos,
a comunicação visual é muito importante nos espaços internos e comerciais.
Tanto a elaboração quanto a comunicação de uma identidade visual estão
diretamente ligadas ao design. A área de design voltada para a comunicação
e identidade visual está associada à criação de mensagem, com o objetivo de
2 Identidade e comunicação visual

agregar valor comercial. Segundo Caina (2013), esse campo do design abrange
vários modelos de comunicação, aproximando-se, por vezes, do marketing, e
envolve anúncios nos jornais, artes de rua, fachadas de loja, entre outros. Para
aliar as identidades visuais a um espaço comercial, entra em cena o design
de interiores, ou a própria arquitetura. É nessa interação que a comunicação
visual deve ser mais efetiva, visando atingir os seus propósitos e chegar de
forma eficaz aos seus consumidores.
Onofre (2012, p. 11) afirma que:

[...] desde o início do século XX as empresas têm adotado o design como um


dos principais elementos para a elaboração de suas imagens. Neste contexto,
a identidade visual é particularmente popular: logotipos, cores, embalagens,
papelaria, são recursos que várias delas têm adotado para reforçar as suas
presenças no ambiente.

Ademais, o autor acrescenta que a identidade visual é resultado de fatores


sociais, econômicos e culturais, e não se limita somente à adição de aparatos
gráficos, mas tem relação com um planejamento de gestão (ONOFRE, 2012):

Entre os meios que podem ser utilizados para comunicar a identidade visual,
está o espaço construído; a imagem de uma empresa pode ser muito bem
representada através de seus ambientes de comércio e serviços. [...] Pressupõe-
-se, portanto, que numa sociedade em que a cultura do consumo ainda está
fortemente embasada nas experiências, o ambiente deve ser considerado um
fator digno de reflexão no contexto da identidade visual (ONOFRE, 2012, p. 11).

De acordo com Costa (2011), a identidade corporativa é formada por


seis componentes:

 identidade cultural;
 identidade verbal;
 identidade visual;
 identidade objectual;
 identidade ambiental;
 identidade comunicacional.

Ao explicar esses aspectos da identidade empresarial, Costa (2011) inclui


vários fatores, como os valores da instituição e a própria conduta dos que nela
trabalham, o nome da empresa, os signos visuais, os produtos fabricados, a
arquitetura e a comunicação como um todo. O autor ressalta, principalmente,
Identidade e comunicação visual 3

a importância do que chama de design global, que tem como principal carac-
terística a integração com várias disciplinas, e defende que esse conceito pode
se manifestar de maneira muito significativa nas empresas.
Para Peón (2009, p. 12), a identidade visual “[...] é um dos veículos que
geram a imagem corporativa”. A autora afirma que qualquer coisa que possui
componentes que a identificam visualmente pode ser uma identidade visual,
a qual pode ser mais fraca ou mais forte, dependendo do nível de atenção que
desperta. Entretanto, Peón ressalta que, profissionalmente, “[...] considera-se
identidade visual aquele componente de singularização visual que é formado
por um sistema expressamente enunciado, realizado voluntariamente, planejado
e integrado por elementos visuais de aplicação coordenada” (PEÓN, 2009,
p. 10). Outro aspecto levantado por Peón (2009) diz respeito ao objetivo da
identidade visual de uma empresa, que, segundo a autora, deve influir no
posicionamento da instituição junto aos similares ou à concorrência.
Tratando-se da identidade e comunicação visual voltada para espaços
comerciais, é importante relacionar uma marca a um lugar. Mourão e Ca-
valcante (2011, p. 208) afirmam que “[...] a construção da identidade de lugar
está relacionada à percepção de um conjunto de cognições e ao estabeleci-
mento de vínculos emocionais e de pertencimento relacionados aos entornos
significativos para o sujeito”. Nesse sentido, as identidades dos espaços podem
influenciar a identidade do próprio usuário.
Com isso, pode-se afirmar que a arquitetura tem importante papel na cria-
ção da identidade visual desses ambientes. Hertzberger (1996, p. 169) afirma
que “[...] recursos arquitetônicos permitem sensações graduais de maior ou
menor interioridade ou exterioridade, se prestam a evocar imagens e estimular
determinado tipo de uso”. Por isso que, segundo o autor, o arquiteto deve criar
espaços comerciais nas proporções e com equilíbrio adequados, considerando
alguns fundamentos e aspectos na hora de propor esses locais internos.
Para Onofre (2012), uma arquitetura voltada para a valorização da identidade
visual deve ser especial, com elementos interativos que possam atrair e persuadir
o usuário e comprador. Segundo ele, os espaços comerciais elaborados estrate-
gicamente se tornam interessantes e passam a ser pontos turísticos, pois além
de oferecerem produtos, possuem áreas de experimentação, equipamentos e
mobiliários adequados, entretenimento e descanso, promovendo o movimento e
o dinamismo no espaço. Para o autor, esses projetos devem valorizar os produtos,
destacá-los, de maneira a torná-los mais vivos e convidativos. Outro fundamento
importante é a utilização de cores, materiais e revestimentos do mesmo estilo
da identidade visual; ou seja, o espaço comercial deve traduzir perfeitamente os
valores da marca, o estilo, a sua visão e o seu posicionamento de mercado. Para
4 Identidade e comunicação visual

Slompo (2016), a aplicação da identidade visual em um espaço comercial deve


estar em harmonia com o projeto, comunicando exatamente aquilo que propõe.
Nesse sentido, é preciso propor uma comunicação visual que permita ao
usuário entender e assimilar as informações dispostas por meio de elementos
gráficos. As cores são elementos que devem servir como fundamentos na hora
da proposição dos espaços comerciais; afinal, cada cor tem um significado
específico, podendo servir para tranquilizar as pessoas, tornar o espaço mais
aconchegante, abrir o apetite, entre outras sensações. Ainda conforme Slompo
(2016), dependendo do propósito, até a logomarca influencia a cor da obra e dos
materiais utilizados. A iluminação pode ser utilizada para destacar o logotipo da
empresa, e a relevância do nome pode influenciar toda a concepção do projeto.
Outro ponto importante a ser considerado é que a comunicação visual
precisa ser pensada como parte do ambiente, não como um elemento à parte.
Conforme Slompo (2016, documento on-line), “[...] itens como iluminação,
distância visual e posição dos elementos de comunicação visual são fundamen-
tais. Por exemplo: um totem não deve esconder algum ponto focal ou elemento
essencial do projeto de arquitetura”. Um projeto de interiores comercial vai
muito além de criar apenas um ambiente para abrigar uma loja, um restaurante,
ou algum outro tipo de negócio. Ele deve estar aliado a uma identidade visual,
comunicando-a de maneira eficaz, transmitindo junto com ela os mesmos
valores da empresa e utilizando fundamentos que valorizem ainda mais esse
espaço, tornando-o harmonioso e adequado ao serviço que ele oferece.

Identidade visual se trata do conjunto de elementos que representa uma marca visual-


mente. O protagonista dessa história é o logotipo da marca. Ele pode ser simples, apenas
com tipografia, ou misto, acrescentando formas gráficas, que serão o símbolo da marca.
A criação de um logotipo deve ser feita de forma cuidadosa por um profissional
da área de publicidade e propaganda, visto que esse processo se expande para algo
essencial para uma marca de qualidade: o manual de identidade visual. Esse manual
engloba todo o processo de desenvolvimento e conceitos inseridos em um logotipo,
incluindo as formas corretas de utilizá-lo e aplicá-lo em papelarias e demais produtos
e objetos de comunicação visual.
A identidade visual é o que torna possível uma boa comunicação e é por meio dessa
ferramenta que será possível influenciar o ponto de vista de clientes e de potenciais
clientes, além de todos os participantes dos processos da sua empresa, até mesmo
os concorrentes. É uma questão de saber passar a impressão correta sobre o seu
negócio (ENTENDA..., [2018]).
Identidade e comunicação visual 5

Apelo emocional nos projetos


de interiores comerciais
Como vimos, a identidade visual pode ser entendida como a representação do
nome, das ideias e dos valores de uma empresa. Quando essa identidade vai
além da logomarca e da papelaria, inserindo-se no espaço físico, a comunicação
é muito mais eficiente e a marca se torna mais presente na vida das pessoas.
Segundo Tagliani ([2018], documento on-line):

A comunicação visual está totalmente relacionada com o setor da construção


e reforma de edificações e interiores. A tradução da personalidade de uma
empresa, através de elementos visuais, facilita o entendimento dos clientes
sobre quais os produtos ou serviços oferecidos. Se essa mensagem é emitida
de forma clara, o público-alvo é atraído, aumentando possivelmente o fatu-
ramento dos lojistas.

As organizações, incluindo empresas, têm na arquitetura um dos principais


recursos para constituir as suas imagens. Forty (2007) ressalta que a arqui-
tetura vem sendo usada há séculos para fortalecer identidades políticas em
determinadas áreas, estabelecendo mensagens por meio de códigos visuais.
Para Onofre (2012, p. 25):

As questões diretamente ligadas à economia, transformações sociais e ao


marketing, aliadas ao próprio desenvolvimento da tecnologia, da arquitetura
e do design são fatores que interferem diretamente na formação dos ambientes
de comércio ou prestação de serviços. Dessa mesma maneira, os fenômenos
econômicos das décadas recentes também causaram impactos em como o
mercado se comportaria, assim como na arquitetura que o acompanha; um
tópico que recebe bastante atenção nesse assunto é a “experiência” ligada ao
ambiente da loja.

Para Klingman (2007), a maioria dos espaços comerciais da atualidade


valorizam a identidade e a arquitetura e usam isso como diferenciação,
voltando-se para públicos que buscam estilos de vida específicos. Um exemplo
é a rede de cafés americana Starbucks (Figura 1), que utiliza uma série de
recursos sensoriais, como música, aromas e elementos visuais, para construir
uma experiência completa para os usuários, apelando também para o aspecto
emocional. Segundo Saddi (2008), utilizar esses recursos nos ambientes
internos comerciais faz com que o usuário tenha uma experiência dentro
desse espaço. Isso é conhecido como design de experiência, pois eleva a
6 Identidade e comunicação visual

vivência de compra a mais do que uma simples relação de troca e, com isso,
acaba fidelizando os clientes.

Figura 1. Espaço comercial da rede de cafés Starbucks.


Fonte: Sorbishttps/Shutterstock.com.

Ao abordar o tema das marcas, Adamson (2006) afirma que a experiência


está relacionada com a propriedade de todos os elementos serem percebidos
como um só pelos usuários. Klingmann (2007) sintetiza o assunto ao afirmar
que o design de espaços voltado para a experiência diz respeito à associação
da arquitetura a valores subjetivos do usuário, ou, nas palavras da autora, aos
seus “[...] sonhos e desejos pessoais” (KLINGMAN, 2007, p. 19). Para Lopes
(2015), o ser humano é naturalmente movido por emoções, daí o recurso da
linguagem emocional ser uma técnica utilizada pela publicidade, a fim de
uma marca conseguir criar uma identidade forte perante os olhos dos seus con-
sumidores. Conforme Pinto (2001, p. 15), a emoção pode ser entendida como:

[...] uma experiência subjetiva que envolve a pessoa toda, a mente e o corpo. É
uma reação complexa desencadeada por um estímulo ou pensamento e envolve
reações orgânicas e sensações. É uma resposta que envolve diferentes com-
ponentes, nomeadamente uma reação observável, uma excitação fisiológica,
uma interpretação cognitiva e uma experiência subjetiva.

Por isso, pode-se dizer que a publicidade emocional trabalha na cabeça


do consumidor com um intuito transformativo, pois, segundo Lopes (2015,
Identidade e comunicação visual 7

p. 17), “[...] provoca uma série de associações psicológicas que [...] criam
um sentimento de familiarização com a marca”. De acordo com Cardoso
(2004, p. 501), a publicidade, em geral, pode ser dividida em duas categorias,
racional e emocional, isto é, o pensar e o sentir. O uso do apelo emocional em
uma publicidade desperta mais a atenção do público do que apenas o apelo
racional. Segundo Lopes (2015), é possível atribuir às emoções as decisões
que tomamos, assim como muitos dos nossos comportamentos. “As emoções
são instintivas e o processo de reação emocional envolve várias reações:
orgânicas, bioquímicas e comportamentais. É de salientar que estas são
possíveis de observar externamente”, conforme afirma Lopes (2015, p. 17).
Saad (2011) destaca pelo menos seis componentes que, quando utilizados nos
projetos de interiores comerciais, aliados à identidade visual da empresa, têm
forte apelo às emoções dos indivíduos. Esses condutores do apelo emocional
são mostrados na Figura 2.

Figura 2. Condutores do apelo emocional.


Fonte: Adaptado de Saad (2011).

Segundo Lopes (2015), todos esses componentes têm objetivos próprios e


podem causar sensações às pessoas; porém, o mais interessante é usá-los de
maneira combinada, com alguns cuidados. A mensagem é aquilo que se quer
8 Identidade e comunicação visual

transmitir ao consumidor e deve ser de fácil memorização. Na escolha das


palavras e das imagens, é preciso equilibrar o racional e o emocional. O som
cria estímulos e, aliado a outros aspectos, tem o poder de elaborar um cenário
na mente do consumidor. Esses sons devem sempre estar relacionados com o
estilo do espaço, reforçando a mensagem. As cores auxiliam na construção
de uma publicidade emocional devido aos significados que lhe são atribuídos,
à percepção que o consumidor tem de uma determinada cor, aos estímulos
ou às sensações que esta vai despertar neles. Os últimos dois aspectos são as
personagens e a imaginação. Segundo Lopes (2015, p. 18):

As personagens que entram numa publicidade emocional são pessoas com


capacidade de expressão emocional, que consigam transmitir e desencadear
emoções, ou seja, que tenham uma forte presença emocional. Por último,
mas não menos importante, a imaginação, que para além de ser necessária na
criação de uma publicidade emocional, é também no que vai resultar a soma
de todos os aspetos mencionados anteriormente.

A partir dessas afirmações, nota-se que apelar para o emocional das


pessoas, gerando sensações a partir de recursos arquitetônicos, é uma
alternativa que ajuda a promover boas sensações dentro dos espaços comer-
ciais. A partir da composição e do uso de alguns elementos na arquitetura,
como as cores, os materiais, o som e as luzes, como pode-se observar na
Figura 3, é possível fazer com que os usuários se sintam pertencentes aos
espaços comerciais.

Figura 3. Interior da joalheria Vivara.


Fonte: Vivara... ([2018]).
Identidade e comunicação visual 9

Elementos de comunicação visual


de espaços internos comerciais
Dentro dos espaços comerciais é possível notar vários elementos que são
percebidos pelos usuários e geram estímulos. Davidson (1988, p. 304) afi rma
que “[...] o usuário forma a imagem de uma loja por meio da percepção
de sua personalidade, o que já sugere que a apreensão do espaço inclui
valores subjetivos”. Assim, pode-se dizer que a imagem ou identidade de
um comércio é um ponto importante para sua diferenciação, devendo ser
pensada de forma única, com elementos integrados que constituam um
resultado harmônico.
Rifkin (2001) afirma que o arquiteto projetista deve compreender as
questões dos negócios do varejo e suas particularidades e conhecer seus
conceitos, de modo a finalizar um projeto com o total entendimento da
finalidade, dos objetivos e das metas de seu cliente. Para isso, o autor destaca
alguns pontos que devem ser considerados em um projeto de interiores
comerciais:

 conhecer os fundamentos para a adoção da geometria mais adequada


para o leiaute dos espaços de circulação;
 ter sensibilidade para o uso de cor, luz e materiais que transmitam a
ideia da marca;
 apresentar soluções que combinem tecnologias e materiais inovadores,
detalhes construtivos e decorativos inteligentes, mobiliário interativo
e estrategicamente arranjado, permitindo flexibilidade na exposição
dos produtos;
 pensar na comunicação visual e propaganda, na localização dos pro-
dutos, na sinalização e nas vitrines;
 formular mobiliários e equipamentos que estejam adequados às neces-
sidades dos clientes e aos seus objetivos perante o espaço comercial.

Um bom exemplo de um espaço interno comercial projetado de acordo


com a visão da empresa é o projeto da loja de roupas femininas Self+ do
Rio de Janeiro (Figura 4), elaborado pela arquiteta Juliana Neves. Segundo
a arquiteta, a marca tem por objetivo valorizar mulheres corajosas e com
personalidade, que “[...] buscam sempre se reinventar e descobrir coisas novas
sobre o mundo e sobre si e isso se reflete na maneira como ela se apresenta
para o mundo” (NEVES, 2018, documento on-line). Por isso, a loja foi toda
desenvolvida com mobiliários flexíveis e modulados, que podem se adequar
10 Identidade e comunicação visual

conforme as transformações da marca e da personalidade de suas clientes.


Segundo Neves (2018, documento on-line):

A arara principal, por exemplo, possui estrutura principal em ferro e prateleiras


em madeira com encaixes, podendo ser montada de acordo com a coleção e
com as peças a serem expostas, colocadas de acordo com a necessidade. A
vitrine também é modular, com dois tablados que se encaixam e podem ser
dispostos de formas diferentes devido à diferença de altura entre eles.

Figura 4. Fachada da loja Self+.


Fonte: Neves (2018).

Além do estilo original e contemporâneo dos mobiliários, que remete


à ideia da marca, como nas mesas metálicas, a madeira, os troncos de
árvores e as vegetações aproximam a loja da natureza (Figura 5), tornando-
-se também um ponto de comunicação visual do projeto. Esses elementos
foram combinados com quadros e frases que afirmam o posicionamento
da marca e a sua visão (Figura 6). Além disso, conforme Neves (2018,
documento on-line):

[...] o piso em granilite foi escolhido para associar as lembranças da infância,


para uma conexão com o seu passado e sua história, pois é um material muito
utilizado em décadas passadas, como nas casas dos avós. O mesmo material
segue para o balcão caixa, feito em madeira e revestido externamente em
granilite, dando unidade à loja.
Identidade e comunicação visual 11

Figura 5. Composição de geometrias e vegetações.


Fonte: Neves (2018).

Figura 6. Mobiliários e materiais da proposta.


Fonte: Neves (2018).

As cores também têm forte apelo visual no projeto. Segundo a arquiteta


responsável, “[...] as paredes foram pintadas com formas geométricas em
diferentes cores, como uma metáfora às diversas formas de se expressar de
uma mesma pessoa” (NEVES, 2018, documento on-line).
12 Identidade e comunicação visual

Na criação do ambiente comercial, deve ser considerado o efeito físico e


psicológico que ele terá sobre o seu público-alvo. A criação da imagem desses
ambientes abrange a localização, o design de interiores, a apresentação dos
produtos, o preço e as relações públicas. Para cada produto ofertado, deve ser
elaborado um espaço específico, que apresenta adequadamente a mercadoria,
realçando-a e permitindo a interação do consumidor.

Um espaço de interiores comercial, mais do que mostrar os seus produtos, deve


estar adequado para receber os seus consumidores, oferecendo a eles ambientes
confortáveis e aconchegantes. Uma proposta elaborada de forma adequada garante
que toda a composição estará integrada e inserida no contexto da marca, valorizando-a
e permitindo que sua comunicação visual seja eficaz.

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Conteúdo:
EDUCAÇÃO FÍSICA
ADAPTADA

Juliano Vieira da Silva


Deficiência visual
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Avaliar os conceitos de deficiência visual.


 Reconhecer os diferentes graus de deficiência visual.
 Programar atividades físicas inclusivas para pessoas com deficiência
visual.

Introdução
A educação para cegos, no Brasil, começou no século XIX, com a criação do
Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Nos mais de 150 anos que se passa-
ram desde então, vemos que esse tipo de educação é um processo ainda
em discussão e que apresenta muitas dificuldades no contexto brasileiro.
A partir da Declaração de Salamanca, em 1994, os deficientes visuais
passaram a integrar escolas regulares e, com isso, os educadores passaram
a buscar a melhor forma de atingir esse público. A Educação Física, nesse
contexto, é vital e salutar para os deficientes visuais, que precisam participar
de suas aulas tanto pelo aspecto motor quanto pelo cognitivo e pelo social.
Neste capítulo, você vai compreender os conceitos de deficiência
visual, bem como reconhecer os seus diferentes graus e, ainda, programar
atividades físicas inclusivas para pessoas com esse tipo de deficiência.

O que é deficiência visual?


Dentre todas as deficiências, a visual é a mais recorrente no Brasil. No último
Censo Demográfico, realizado em 2010, mais de 35,7 milhões dos entrevistados
responderam ter algum grau de dificuldade para enxergar mesmo usando lente
ou óculos. Desse total, mais de 6 milhões afirmaram ter grande dificuldade
para enxergar e mais de 500 mil são pessoas que não enxergam de modo
algum, sendo consideradas cegas.
2 Deficiência visual

Dados mundiais divulgados pela Organização Mundial da Saúde revelam


que há 39 milhões de pessoas cegas e outras 246 milhões com baixa visão.
Estudos recentes da World Report on Disability (2010) e do Vision 2020
revelaram que até 2020 o número de pessoas com deficiência visual pode
dobrar no mundo. Esse levantamento ainda aponta que, a cada 5 segundos, 1
pessoa se torna deficiente visual (FUNDAÇÃO..., 2018).
No que se refere ao Brasil, pode-se dizer que o marco inicial da inclusão dos
cegos se deu a partir da criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em
1854, por Dom Pedro II, devido à forte influência de José Alvares de Azevedo,
um cego brasileiro que havia sido aluno do Instituto de Jovens Cegos em Paris
e trouxe essa ideia ao Brasil, colocando-a em prática ao educar a filha de um
médico da família imperial.

O Imperial Instituto dos Meninos Cegos passou a se chamar Instituto Benjamin Constant
(IBC) (Figura 1) em 1891. Além de ser uma referência no atendimento a deficientes visuais,
o Instituto oferece cursos de formação relacionados à área para profissionais da saúde
e da educação. Também oferece consultas oftalmológicas, serviços de reabilitação e
produção de materiais pedagógicos para a área da deficiência visual.

Figura 1. Instituto Benjamin Constant.


Fonte: Pereira (2013, documento on-line).
Deficiência visual 3

Apesar de o IBC ser uma inspiração para a criação de mais escolas para
deficientes visuais no Brasil, o atendimento, nessa e em outras instituições, nem
sempre foi o adequado. Por muito tempo, os cegos foram excluídos das escolas
regulares ou segregados, podendo frequentar apenas as classes especiais.
Apenas nos anos 1950, em São Paulo, de forma experimental, surgiu “[...]
a primeira sala de recursos para deficientes visuais estudarem em classes
comuns” (MASINI, 2013, p. 50 apud PIRES, 2014). Pires (2014) aponta que,
nessa mesma década, em 1958, criou-se a Campanha Nacional de Educação
e Reabilitação de Deficientes da Visão, inspirada na campanha iniciada pelo
IBC, posteriormente chamada de Campanha Nacional de Educação de Cegos
(CNEC), vinculada diretamente ao gabinete do ministro da Educação. Essa
campanha visava fortalecer a formação de professores para trabalhar com os
deficientes visuais.
Esses movimentos educacionais ganham força e aliados importantes no
campo social nos anos 1980, buscando, assim, a inclusão dos deficientes visuais
tanto nas escolas quanto nas demais áreas. A inclusão efetiva dessas pessoas
na escola passou a ser garantida apenas em 1994, a partir da promulgação da
Declaração de Salamanca, na Espanha.
Mas, afinal, você sabe o que é deficiência visual exatamente? Vamos,
agora, ver alguns conceitos relativos a esse tema.
Segundo Van Munster e Almeida (2008), há uma enorme variedade de
definições que, frequentemente, geram dúvidas sobre o que é deficiência visual,
sobre quando uma pessoa possui, ou não, essa deficiência. Conforme os mesmos
autores, “[...] a deficiência visual é caracterizada pela perda parcial ou total da
capacidade visual em ambos os olhos, levando o indivíduo a uma limitação
em seu desempenho habitual” (VAN MUNSTER; ALMEIDA, 2008, p. 29).
O Decreto 5.296/04 define que, no Brasil, uma pessoa é considerada de-
ficiente visual quando se enquadra em uma das seguintes características:
cegueira, na qual a acuidade visual — capacidade do olho de distinguir detalhes
como forma, cores e tamanhos —, medida via exame oftalmológico, é igual
ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; baixa visão,
que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor
correção óptica; casos nos quais a somatória da medida do campo visual — o
quanto o olho consegue perceber em extensão angular de um ambiente, também
medido via exame oftalmológico —, em ambos os olhos, é igual ou menor
que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores
(BRASIL, 2004).
4 Deficiência visual

Van Munster e Almeida (2008) ressaltam que a simples utilização de óculos


ou lentes de contato não é suficiente para caracterizar a deficiência visual,
pois essas correções podem garantir ao indivíduo a condição visual ideal.
Na mesma linha, Ampudia (2011) afirma que pessoas com miopia, astigma-
tismo ou hipermetropia não são deficientes visuais, pois essas características
podem ser corrigidas com uso de lente ou cirurgia. Diehl (2006) afirma que,
para que uma pessoa seja considerada deficiente visual, além de apresentar
comprometimento em relação à acuidade visual, também deverá ter seu campo
de visão restrito.
Van Munster e Almeida (2008) apontam que as diferentes causas da defi-
ciência visual podem ser congênitas (desde o nascimento) ou adquiridas (ao
longo da vida). Gil (2000) destaca as principais causas dos defeitos de visão:

 retinopatia da prematuridade causada pela imaturidade da retina em


decorrência de parto prematuro ou de excesso de oxigênio na incubadora;
 catarata congênita em consequência de rubéola ou de outras infecções
na gestação — consiste na alteração da transparência da lente (Figura 2);
 glaucoma congênito, que pode ser hereditário ou causado por infecções;
 atrofia óptica;
 degenerações retinianas e alterações visuais corticais;
 diabetes;
 descolamento da retina;
 traumatismos oculares.

Figura 2. Comparação entre olho normal e olho com catarata


Fonte: Há Saúde (2016, documento on-line).

Nesta seção, você conferiu o conceito de deficiência visual, um breve


histórico da educação de cegos no Brasil e as causas das lesões visuais. Na
sequência, você acompanhará as classificações desse tipo de deficiência.
Deficiência visual 5

Diferentes graus de deficiência visual


Van Munster e Almeida (2008) apontam que, embora haja algumas classi-
ficações relativas à área de deficiência visual, no campo da aprendizagem,
costuma-se utilizar duas formas para classificar os deficientes visuais: a clas-
sificação educacional e a classificação esportiva.
A classificação educacional é dividida em pessoas com baixa visão e pessoas
com cegueira, segundo a Organização Mundial da Saúde, em publicações
feitas pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde (CID).

A CID foi criada pela Organização Mundial de Saúde e é um referencial no campo


médico para diagnósticos relativos a pessoas com deficiência.

A seguir, confira as características de cada uma das classificações educacionais:

Baixa visão
Corn apud Van Munster e Almeida (2008) definem as pessoas com baixa visão
como aquelas que têm dificuldade para desempenhar tarefas visuais, mesmo
com a prescrição de lentas corretivas, mas que podem aprimorar sua capacidade
de realizar tais tarefas com a utilização de estratégias visuais compensatórias
e modificações ambientais. Gil (2000) sublinha que, na baixa visão, as pessoas
possuem um rebaixamento significativo da acuidade visual, no campo visual,
na sensibilidade de contrastes e de limitação de outras capacidades.
Segundo Coicev (2018, documento on-line):

[...] baixa visão se aplica aos casos em que, com a melhor correção, [o indi-
víduo] tenha ainda no máximo 30% da visão normal, mesmo com o uso de
lentes convencionais, ou após tratamento clínico e/ou cirúrgico, utilizando
recursos visuais especiais para leitura e escrita.

Outra característica é que pessoas com essa dificuldade apresentam pro-


blemas na visão central.
6 Deficiência visual

Gil (2000) aponta que uma pessoa com baixa visão tem dificuldade para
enxergar com clareza suficiente, para contar os dedos da mão a uma distância
de três metros, à luz do dia — ou seja, apresenta apenas resíduos de visão.
A autora aponta que, nos tempos atuais, tem havido uma modificação no
pensamento referente a essas pessoas:

Até recentemente, não se levava em conta a existência de resíduos visuais; a


pessoa era tratada como se fosse cega, aprendendo a ler e escrever em braile,
movimentar-se com auxílio de bengala, etc. Hoje em dia, oftalmologistas, te-
rapeutas e educadores trabalham no sentido de aproveitar esse potencial visual
nas atividades educacionais, na vida cotidiana e no lazer (GIL, 2000, p. 6).

A partir disso, inúmeros recursos e técnicas foram criados e propostos para


se trabalhar esse resíduo visual existente na busca pela melhora da qualidade
de vida dessa pessoa. Entre esses recursos, Van Munster e Almeida (2008)
destacam os auxílios ópticos e os auxílios não ópticos.

Como exemplo de auxílios ópticos, temos diferentes tipos de óculos, lupas (Figura 3)
e telescópios. Os auxílios não ópticos podem ser, por exemplo, a ampliação de livros e
cadernos com pautas mais grossas. Também se destaca o avanço da tecnologia, como
no caso da informática, com a criação de programas que favorecem a visualização
e a leitura.

Figura 3. Lupas auxiliam pessoas com baixa visão.


Fonte: Feng Yu/Shutterstock.com.
Deficiência visual 7

Gil (2000) ainda aponta que as pessoas com baixa visão apenas distinguem
vultos, a claridade ou objetos a pouca distância, pois a visão se apresenta
embaçada, diminuída e restrita.

Cegueira
A pessoa cega é aquela cuja percepção de luz, embora possa auxiliá-la em seus
movimentos e orientações, é insuficiente para a aquisição de conhecimento
por meios visuais, necessitando utilizar o sistema braille em seu processo
de ensino-aprendizagem (BARRAGA apud VAN MUNSTER; ALMEIDA,
2008, p. 37).
Já para Coicev (2018, documento on-line), “[...] cegueira é a ausência total
de visão, até a perda da capacidade de indicar projeção de luz, utilizando o
sistema braille como principal recurso para leitura e escrita”. Para Diehl (2006,
p. 62), “[...] cegueira é ausência ou perda da visão em ambos os olhos, ou um
campo visual inferior a 0,1 graus no melhor olho, mesmo após a correção,
não excedendo a 20 graus no maior meridiano do melhor olho, mesmo com o
uso de lentes para a correção”.
A cegueira, assim como a baixa visão, pode ser congênita ou adquirida, e
isso pode resultar em diferenças ao longo da vida:

O indivíduo que nasce com o sentido da visão, perdendo-o mais tarde, guarda
memórias visuais, consegue se lembrar das imagens, luzes e cores que conhe-
ceu, e isso é muito útil para a sua readaptação. Quem nasce sem a capacidade
da visão, por outro lado, jamais pode formar uma memória visual ou possuir
lembranças visuais (GIL, 2000, p. 8).

O impacto da cegueira, tanto do ponto de vista individual quanto do psico-


lógico, varia muito entre os indivíduos, segundo a mesma autora. Essa variação
ocorre conforme a idade, a dinâmica em que a pessoa vive, a família e a
própria personalidade. Gil (2000) ainda aponta que, além da visão, essa pessoa
pode ter perdas emocionais, de atividade profissional, de comunicação e de
habilidades básicas (como a locomoção e a realização das atividades diárias).
Sobre a orientação e a mobilidade, a pessoa cega utiliza outros sentidos,
como o tato, o olfato e a audição, assim como equipamentos como a bengala
ou os cães-guias.
8 Deficiência visual

Apesar de serem bastante indicados como condutores de pessoas cegas, os cães-guias


apresentam número reduzido no Brasil. Para as 6 milhões pessoas com deficiência
visual, há apenas 160 cães-guia no país. Acesse o link a seguir e confira como se dá o
treinamento desses cachorros para desempenhar essa função importante.

https://goo.gl/4g8TD4

Sobre a aprendizagem dessas pessoas, Van Munster e Almeida (2008)


afirmam que ela ocorre baseada no sistema braille, que, diferentemente da
língua de sinais para surdos, é uma língua universal.

O método desenvolvido por Louis Braille permite a leitura e a escrita tátil a


partir da combinação de unidades denominadas células Braille. Entende-se
por células Braille o agrupamento de seis pontos em relevo, dispostos três a
três em alinhamento vertical adjacente, em uma superfície aproximada de 3
x 5 mm, que podem ser simultaneamente percebidos pela polpa sensível do
dedo. Cada ponto da célula Braille é identificado por uma referência numérica,
cuja combinação permite obter 63 sinais gráficos diferentes, aos quais foram
atribuídas significações fonéticas, matemáticas e musicais, para proporcionar
às pessoas cegas o acesso direto à leitura e à escrita de diferentes idiomas, da
ciência e da música (VAN MUNSTER; ALMEIDA ,2008, p.37-39).

Van Munster e Almeida (2008) apontam que, além dessa classificação


educacional, há ainda a classificação esportiva, que tem o objetivo de evitar
desigualdades durante a competição. Como o nome sugere, ela é utilizada em
competições e reconhecida pelas federações. Os competidores são divididos
em B1, B2 e B3 (VAN MUNSTER; ALMEIDA, 2008). A letra “b” refere-se
à palavra blind, cuja tradução significa cego, em português.

 B1: vai desde a inexistência de percepção luminosa, mas com incapa-


cidade para reconhecer a forma de uma mão a qualquer distância ou
direção;
 B2: desde a capacidade de reconhecer a forma de uma mão até acuidade
visual entre 2/60 metros ou campo visual inferior a 5º;
 B3: acuidade visual entre 2/60 metros e 6/60 metros ou um campo
visual entre 5º e 20º.
Deficiência visual 9

Os atletas são classificados (Figura 4) pela International Blind Sport As-


sociation (2005) a partir de seu melhor olho.

Figura 4. Atletas cegos são divididos em categorias.


Fonte: Udesc (2012, documento on-line).

Nesta seção, você viu os graus de classificação das deficiências visuais,


que são divididas em educacionais e esportivas, e as características que cada
pessoa com essas deficiências apresenta. A seguir, apresentaremos exemplos
de atividades físicas para pessoas com deficiência visual, bem como estratégias
que podem ser utilizadas.

Atividades físicas para pessoas


com deficiência visual
Sobre exercícios físicos para pessoas com deficiência visuais, Van Munster
e Almeida (2008) sublinham que a primeira atitude do professor é buscar
uma aproximação ao aluno. Assim, o professor deve antecipar suas ações,
verbalizando-as para não surpreender ou assustar o aluno, e, caso seja neces-
sário, deve tocá-lo, avisá-lo.
Os autores ainda apontam que é importante promover a interação de pes-
soas cegas ou de baixa visão com pessoas sem deficiência. Até que os alunos
tenham um razoável domínio corporal, as atividades podem ser feitas em
filas, círculos ou colunas e, acima de tudo, o professor deve ser claro em
suas explicações, podendo utilizar a percepção auditiva, tátil ou cinestésica
10 Deficiência visual

para que o aluno consiga perceber o movimento. Também é fundamental a


presença do silêncio em atividades em que o som é um elemento importante
para a execução da tarefa.
No entanto, antes de apresentarmos esses exercícios, é necessário discutir
as possíveis estratégias para lidar com esses alunos. Essas estratégias são
adaptações e cuidados que o professor precisa ter na hora de se dirigir a
esses discentes, já que, na criança cega ou com baixa visão, o processo de
conhecimento se dá de forma diferente, pois essa criança utiliza outros sen-
tidos — principalmente a audição e o tato —, de modo que o professor deve
explorar bastante os sons, as formas e as texturas.
Sobre as estratégias a utilizar com aluno de baixa visão, destaca-se:

Evitar a incidência de claridade diretamente nos olhos da criança.


Adaptar o trabalho de acordo com a condição visual do aluno.
Ter clareza de que o aluno enxerga as palavras e ilustrações mostradas.
Evitar iluminação excessiva em sala de aula.
Observar a qualidade e nitidez do material utilizado pelo aluno: letras, nú-
meros, traços, figuras, margens, desenhos com bom contraste figura/fundo.
Explicar, com palavras, as tarefas a serem realizadas (SÁ; CAMPOS; SILVA,
2007, p. 20).

Para os alunos com cegueira, são recomendadas as seguintes estratégias:

Utilize materiais com diferentes texturas na elaboração de material didático e


estimule todos os sentidos do seu aluno cego, através de diferentes atividades.
Ao orientar ao seu aluno cego sobre que direções seguir, faça-o do modo
mais claro possível. Diga “à direita”, “à esquerda”, “acima”, “abaixo”, “para
frente” ou “para trás”, de acordo com o caminho que ele necessite percorrer
ou voltar-se. Nunca use termos como “ali”, “lá” [...].
Nunca exclua o aluno cego de participar plenamente das atividades de campo
e sociais, nem procure minimizar tal participação. A cegueira não se constitui
em problema para tais atividades. Permita que o aluno decida como participar.
Proporcione ao aluno cego a chance de ter sucesso ou de falhar, tal como
outra pessoa que tem visão.
Busque estratégias diferenciadas para o trabalho com seus alunos, viabilizando
a imaginação, a criatividade e outros canais de percepção e expressão (tátil,
auditiva, olfativa, gustativa, cinestésica e vestibular), além da reflexão, da
manipulação e exploração dos objetos de conhecimento (SILVA, 2010 apud
UNIVERSIDADE..., 2018, documento on-line).
Nas aulas práticas, utilize a descrição do experimento realizado e, quando
possível, possibilite a exploração tátil-olfativa do material utilizado, desde
que não ofereça riscos à segurança do estudante (UNIVERSIDADE..., 2018,
documento on-line).
Deficiência visual 11

Van Munster e Almeida destacam que ainda são necessárias adaptações


ao meio físico no local da atividade (como demarcação da quadra, campos,
piscinas), nos locais que cercam o espaço da atividade (como acessos e be-
bedouros), de possíveis obstáculos. Também é preciso adaptar os recursos
utilizados (usando cores chamativas, objetos brilhantes e guizos — quando
não estiverem à disposição, pode-se utilizar sacolas plásticas).
Agora, acompanhe algumas atividades que podem ser realizadas nas aulas
de educação física com o objetivo de incluir a pessoa com deficiência visual,
trabalhando aspectos motores, cognitivos e sociais e os sentidos (Figura 5).
Além disso, para o aluno sem deficiência visual, a participação nessa atividade
pode trazer-lhe a realidade da deficiência, desenvolver a empatia e o espírito
de equipe:

 Adivinhe pelo tato


Número de participantes: livre.
Material: vendas e objetos como lápis, frutas, livro, brinquedos, etc.
Descrição do jogo: os alunos deverão ser divididos em dois ou três
grupos. Cada participante terá a oportunidade de sentir, com os olhos
vendados, os objetos que serão dados pelo professor. O grupo que mais
objetos acertar será o grupo vencedor (DIEHL, 2006).

 Fala que eu faço


Número de participantes: livre.
Material: vendas e bola com guizo.
Descrição do jogo: os alunos formarão duplas, e um dos componentes
da dupla estará com venda (um deles será o vidente). O professor fará
uma espécie de ninho do tesouro em alguns cantos da quadra, utili-
zando bolas com guizo. O colega vidente da dupla se separa e fica em
um lugar próximo dos ninhos para auxiliar o outro colega a chegar ao
ninho. As dicas poderão ser de forma simbólica. Exemplo: “10 passos
de elefante para frente”, “20 passos de formiga para o lado direito”,
etc. (DIEHL, 2006). Deve-se evitar que o colega vidente fique a uma
distância muito longa do aluno com deficiência visual. O professor pode
optar por dividir a turma em dois ou três grupos para jogar. Além disso,
o professor deve orientar os alunos a que se movam de forma lenta e
com os braços à frente do corpo, visando evitar acidentes e choques
entre os alunos que estão vendados.
12 Deficiência visual

 Nó no lenço
Número de participantes: livre.
Material: apitos e vários lenços ou fitas.
Local: quadra ou sala.
Formação dos alunos: colunas ou fileiras.
Descrição do jogo: os alunos ficam sentados em seus lugares, em
colunas ou fileiras com igual número de integrantes, representando
as equipes. O último de cada coluna ou fileira estará segurando um
lenço e o primeiro, um apito. Ao sinal dado, aqueles que têm o lenço
na mão atam-no ao braço direito do colega da frente, fazendo um nó
entre o cotovelo e o ombro; o aluno desata o nó do seu braço com a
mão esquerda, ata-o no colega da frente e, assim, sucessivamente,
até que o primeiro dê o sinal de que sua equipe terminou. Vence a
equipe que apitar primeiro.
Em situação de inclusão: o aluno não deficiente visual não poderá olhar
quando for amarrar o lenço ou a fita nem quando for desamarrá-los,
mantendo o rosto voltado para o outro lado (DIEHL, 2006).

 Passa a bola
Números de participantes: livre.
Material: bolas com guizo (caso não tenha bola com guizo, a bola poderá
ser colocada dentro de sacolas plásticas).
Descrição do jogo: são formadas duas ou mais colunas com o mesmo
número de participantes. O primeiro integrante de cada coluna deverá
estar com a bola, que deverá ser passada entre as pernas ao colega
de trás até chegar ao último da coluna; esse irá devolver por cima da
cabeça até chegar ao primeiro da coluna. Na mesma ordem, logo em
seguida, deve passar a bola pelo lado direito, retornando pelo lado
esquerdo. Vence a coluna que terminar a sequência em primeiro lugar,
gritando o nome de sua equipe. Os alunos videntes auxiliarão os alunos
cegos e com baixa visão a pegar a bola por meio de comunicação
verbal (DIEHL, 2006).
Deficiência visual 13

Figura 5. Atividades lúdicas para integração dos alunos


deficientes visuais.
Fonte: Coelho (2013, documento on-line).

Neste capítulo, vimos um pouco da trajetória da deficiência visual no Brasil


e seus conceitos. As pessoas com essa deficiência têm algum impeditivo na
visão que pode ter causas congênitas (desde o nascimento) ou adquiridas (ao
longo da vida).
Além disso, foram apresentadas as classificações da deficiência visual,
que, no nível educacional, é feita entre pessoas com baixa visão (dificuldades
para desempenhar tarefas visuais, mesmo com prescrição de lentas correti-
vas) e pessoas com cegueira (percepção de luz insuficiente). A classificação
esportiva, por sua vez, divide-se em B1, B2 e B3 e serve para dar igualdade
às competições.
Por fim, você conheceu estratégias para ter um melhor aproveitamento
da aula para o aluno com deficiência visual, como o uso de sons, formas,
texturas e a necessidade de adaptações físicas e de recursos materiais, assim
como atividades adaptadas para esses indivíduos.
14 Deficiência visual

AMPUDIA, R. O que é Deficiência Visual? 01 ago. 2011. Disponível em: <http://novaescola.


org.br/conteudo/270/deficiencia-visual-inclusao>. Acesso em: 9 set. 2018.
APTOMED. [Lupas]. 2018. Disponíve em: <http://www.aptomed.com.br/userfiles/image/
Picture5.jpg>. Acesso em: 9 set. 2018.
BRASIL. Decreto n.º 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis n.º 10.048, de
8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especi-
fica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios
básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou
com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Brasília, DF, 2004. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5296.htm>.
Acesso em: 9 set. 2018.
COELHO, P. Como Integrar o Aluno Deficiente Visual na Aula de Educação Física? 13 abr. 2013.
Disponível em: <http://www.deficienciavisual.pt/txt-Integrar_aluno_DV_aula_EF.htm>.
Acesso em: 9 set. 2018.
COICEV, W. O que é Visão Subnormal? Cegueira x Baixa Visão. 2018. Disponível em: <http://
www.subnormalvision.com.br/blank>. Acesso em: 9 set. 2018.
DIEHL, R. M. Jogando com as Diferenças: jogos para crianças e jovens com deficiência.
São Paulo: Phorte, 2006.
FUNDAÇÃO DORINA NOWILL PARA CEGOS. Estatísticas da deficiência visual. 2018. Dis-
ponível em: <https://www.fundacaodorina.org.br/a-fundacao/deficiencia-visual/
estatisticas-da-deficiencia-visual/>. Acesso em: 9 set. 2018.
GIL, M. (Org.). Deficiência visual. Brasília, DF: MEC, 2000. Disponível em: <http://portal.
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HÁ SAÚDE. Cirurgia de Catarata Recupera Visão, Conheça o Tratamento. 01 maio 2016.
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www.ibsasport.org>. Acesso em: 9 set. 2018.
PIRES, R. Um olhar sobre a história da educação do deficiente visual no município
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Dez2014_57_v2_Art4.doc>. Acesso em: 9 set. 2018.
Deficiência visual 15

SÁ, E. D.; CAMPOS, I. M.; SILVA, M. B. C. Atendimento Educacional Especializado: deficiência


visual. Brasília: SEESP/SEED/MEC, 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/
arquivos/pdf/aee_dv.pdf>. Acesso em: 9 set. 2018.
UDESC. Atleta da Udesc Heitor Sales busca nova conquista. 2012. Disponível em: <http://
www1.udesc.br/agencia/arquivos/5094/images/Heitor_Sales.jpg>. Acesso em: 9 set.
2018.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECONCAVO DA BAHIA. Orientações para professores e
alunos cegos. 2018. Disponível em: <https://www1.ufrb.edu.br/nupi/images/docu-
mentos/Orientaes%20para%20professores%20de%20Alunos%20Cegos.pdf>. Acesso
em: 14 set. 2018.
VAN MUNSTER, M. A.; ALMEIDA, J. J. G. Atividade física e deficiência visual. In: GORGATTI,
M. G.; COSTA, R. F. (Org.). Atividade física adaptada: qualidade de vida para pessoas com
necessidades especiais 2. ed. Barueri: Manole, 2008.
VIRALES. Sistema Braille celebra su día mundial. 04 jan. 2018. Disponível em: <https://
www.diariodemorelos.com/noticias/sistema-braille-celebra-su-d%C3%ADa-mundial>.
Acesso em: 9 set. 2018.

Leitura recomendada
GORGATTI, M. G.; COSTA, R. F. Atividade física adaptada: qualidade de vida para pessoas
com necessidades especiais. 2. ed. Barueri: Manole, 2008.
SILVA, L. G. S. Orientações para atuação pedagógica junto a alunos com deficiência:
intelectual, auditiva, visual, física. Natal: WP, 2010.
Conteúdo:
PRODUÇÃO DE
IMAGEM NA
PROPAGANDA

Juliane do Rocio Juski


Conceitos de
percepção visual
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Analisar o uso da fotografia como elemento de percepção visual na


propaganda.
„„ Descrever o uso da ilustração como elemento de percepção visual
na propaganda.
„„ Identificar o uso de novas linguagens gráficas.

Introdução
A imagem publicitária é uma ferramenta eficaz e rápida para divulgação
de produtos, serviços, conteúdo organizacional, entre outros, que esta-
belece uma ligação direta entre marca e público. A presença da imagem
no contexto publicitário demonstra a importância da percepção visual,
pois, para a compreensão da ideia, é preciso um esforço complexo, rela-
cionado ao modo de transmitir a mensagem e à experiência e à bagagem
cultural do receptor.
Neste capítulo, você compreenderá o conceito de percepção visual
e verá quais os principais elementos que compõem esse processo inter-
pretativo, bem como analisará fotografias, ilustrações e outras linguagens
gráficas a partir dos conceitos de percepção visual, principalmente sob
a ótica da Gestalt e da semiótica.
2 Conceitos de percepção visual

1 Fotografia e percepção visual


A preocupação com o ver e o enxergar é uma questão muito antiga e, desde
o surgimento das pinturas rupestres, o ser humano se preocupa em registrar
os acontecimentos, o que se intensificou ao longo da história. Desse modo, a
questão da percepção visual está presente nas mais diversas áreas do conhe-
cimento, como a biologia, a antropologia e a publicidade.
O ver, relacionado à capacidade da visão, é um ato simples, biológico; já
a percepção visual vai além desse processo natural do ser humano. A per-
cepção é um ato complexo, que envolve não apenas enxergar, mas interpretar
e compreender o que se vê. Um exemplo disso são os ocidentais, que, sem
conhecimentos linguísticos sobre o alfabeto oriental, são capazes de ver apenas
símbolos, pois não possuem o conhecimento necessário para interpretar e dar
sentido àquelas imagens.
Conforme destaca Oliveira (2009), no começo do século XX a percepção
visual ganhou destaque nas pesquisas científicas. O contexto positivista fez
emergir uma série de questionamentos, as proposições básicas do ser humano
eram questionadas sob a ótica da ciência e a percepção visual foi foco de
diversas vertentes de estudo, principalmente da psicologia, com os estudos
da Teoria da Gestalt, e da linguística, com a semiótica.

Percepção visual sob a perspectiva da Gestalt


No início do século XX, um grupo de psicólogos começou a estudar o processo
de percepção visual com relação às formas, quais eram mais agradáveis e
os resultados dessas sensações. A partir desse estudo, desenvolveram uma
corrente teórica conhecida como Gestalt. Segundo Gardner (2003), embora o
principal nome dessa corrente seja Ehrenfels, pelo seu papel de precursor na
aplicação das leis da Gestalt, o verdadeiro fundador do movimento foi Marx
Wertheimer: “Esta honra pertence a Marx Wertheimer, que em 1912 publicou
um artigo sobre a percepção visual do movimento” (GARDNER, 2003, p. 126).
Os psicólogos gestaltistas realizaram extensos estudos sobre a qualidade
e a percepção da forma, e propuseram leis que pretendiam explicar como
a percepção visual estava organizada. Em pouco tempo, as leis da Gestalt
passaram a ser utilizadas em diversos campos, não apenas na psicologia. Elas
serviram para explicar a forma e a harmonia visual na arte, na estética, na
arquitetura e no design.
Conceitos de percepção visual 3

De acordo com os princípios da Gestalt, a arte e a estética se fundam no


princípio da pregnância da forma, ou seja, na composição de imagens, fatores
de equilíbrio, clareza e harmonia constituem os princípios indispensáveis
para a percepção visual (GOMES FILHO, 2009). Esses princípios podem
ser observados em uma obra de arte, em um produto, um edifício, uma peça
gráfica, ou seja, em qualquer tipo de manifestação visual.
De acordo com Dondis (2003), captamos a informação visual de inúmeras
maneiras, utilizando forças perceptivas e sinestésicas de natureza fisiológica
que compõem os fatores impactantes em percepção e interpretação das men-
sagens. Assim, de acordo com a teoria da Gestalt, a mente humana desenvolve
esses mecanismos diversos para classificar e compreender as imagens.
Dondis (2003) destaca, ainda, que vivemos uma predominância da visuali-
dade nos meios de comunicação, além da intensificação do fenômeno visual,
pois as cores e as formas possuem uma fixação maior em relação às práticas
de recepção do conteúdo, diferente do texto.
Segundo Gomes Filho, “O movimento gestaltista atuou principalmente no
campo da teoria da forma, com contribuição relevante aos estudos de percep-
ção, linguagem, inteligência, aprendizagem, memoria, motivação, conduto
exploratória e dinâmica de grupos sociais” (GOMES FILHO, 2009, p. 18), ou
seja, por meio de numerosos estudos, essa escola de psicologia experimental
formulou teorias acerca de todos os campos mencionados. Assim, a teoria
da Gestalt sugere respostas sobre porque algumas formas agradam mais do
que outras: “A psicologia da forma se apoia na fisiologia do sistema nervoso,
quando procura explicar a relação sujeito-objeto no campo da percepção”
(GOMES FILHO, 2009, p. 18).

Leis da Gestalt

Para entender melhor como funciona o princípio das Leis da Gestalt e todas
as suas principais propriedades, veja, a seguir, cada uma dessas preposições
e observe a Figura 1.

„„ Pregnância da forma: é a lei básica da percepção visual e se refere


às forças de organização da forma e como elas tendem a se organizar
no sentido da harmonia, da ordem e do equilíbrio. Ao olhar para uma
composição visual enxergamos, à primeira vista, o todo, e após esse
contato aprofundamos o olhar nos detalhes e elementos mais complexos.
Por isso, os gestaltistas perceberam que existem composições e imagens
que o cérebro humano consegue ler rapidamente e com clareza, pois
4 Conceitos de percepção visual

são harmônicas e homogêneas. Os objetos e as composições que pos-


suem essas características são classificados como de alta pregnância.
Contudo, outras composições que apresentam uma organização visual
mais complexa e confusa são caracterizadas como de baixa pregnância.
Portanto, quanto maior for o grau de pregnância, mais eficiente será
a comunicação.
„„ Unidade: o primeiro conceito da Gestalt, a unidade é considerada o
principal elemento de interpretação da forma. Pode ser compreendida
como todo elemento possível de ser interpretado como um só e separado
daquilo que o cerca, mesmo que a unidade seja composta por outras
partes. A lei da unidade, portanto, afirma que a percepção visual de
um elemento pode ser constituída por uma ou mais partes. O conceito
da unidade é um princípio utilizado em diversas criações publicitárias,
por exemplo, o logo da marca Adidas, em que as faixas retangulares
são unidades separadas que compõem a imagem.
„„ Segregação: refere-se à capacidade de separar as unidades de uma
imagem, ou seja, estabelecer a capacidade perceptiva de isolar ou
identificar um objeto, mesmo que ele esteja sobreposto ou dentro de
uma composição visual. Isso ocorre quando há variações estéticas
de um elemento em relação a outro, como cores diferentes, texturas,
contraste entre os elementos ou brilho. No âmbito da publicidade e do
design gráfico, é possível verificar a aplicação da lei da segregação
com a utilização de contrastes e diferenças entre cores como forma de
estabelecer níveis de segregação, ou seja, hierarquizando os objetos
da imagem com o intuito de obter uma leitura visual mais impactante
e mais compreensível.
„„ Unificação: refere-se à igualdade ou ao equilíbrio de estímulos em
relação a todos os elementos que compõem a imagem, ou seja, é a
capacidade perceptiva de unificar as unidades como pertencentes a
um mesmo grupo, percebendo-as complexas e compostas. Assim, a
composição visual se torna um objeto coerente e harmonizado.
„„ Fechamento: baseia-se na interpretação visual realizada pelo cérebro
humano, que tende, naturalmente, a estabelecer unidades, mesmo em
elementos com espaços vazios, para facilitar o entendimento de uma
forma. Essa lei estabelece que a percepção visual será baseada na
capacidade de fechamento de imagens inacabadas ou silhuetas. É um
princípio extremamente utilizado na publicidade, como se observa nos
logos famosos do Carrefour, NBC ou Johnnie Walker.
Conceitos de percepção visual 5

„„ Continuidade: trata-se da forma como uma sucessão de elementos é


percebida e como o cérebro interpreta o fluxo dessas informações. Diz
respeito à tendência de que os objetos acompanham outros, no sentido
de dar forma a composição. Essa continuidade pode ser estabelecida
pelo uso de cores, texturas ou formas estruturalmente estáveis. A mente
humana busca preferencialmente por formas ininterruptas, garantindo
assim mais fluidez à imagem e facilitando a antecipação do movimento
da forma, parecendo visualmente mais agradável.
„„ Proximidade: baseia-se na tendência de interpretação de elementos
próximos como pertencentes a um mesmo grupo ou conjunto. Elementos
diferentes que se posicionam próximos tendem a ser percebidos como
juntos ou como uma unidade. Essa interpretação é ainda mais forte
quando esses elementos são semelhantes, facilitando a interpretação
da forma. Um exemplo de aplicação da lei de proximidade no campo da
publicidade é o logo da IBM, no qual todas as unidades em conjunto,
próximas umas das outras, auxiliam na percepção que compõe uma
unidade que pode ser interpretada.
„„ Semelhança: é outro fator que compõem a percepção visual, pois a
semelhança das formas, cores ou aparência contribuem para a unifica-
ção de elementos e facilitam sua interpretação. Características visuais
idênticas ou próximas induzem a percepção de pertencentes a uma
mesma classe ou categoria.

Figura 1. Leis da Gestalt.


Fonte: Paula (2015, documento on-line).
6 Conceitos de percepção visual

Análise das leis da Gestalt na publicidade


Os princípios estabelecidos pela Gestalt auxiliam na percepção visual e facilitam a
interpretação do receptor. Como exemplo, vamos analisar o anúncio das linhas aéreas
equatorianas Tame. Com o objetivo de instigar os passageiros a conhecer a ilha de
Galápagos, um conjunto de ilhas pertencentes ao Equador, a peça traz ao centro
um mergulhador rodeado de animais. Na imagem, é possível encontrar o primeiro
princípio da Gestalt, que considera a pregnância um fator de influência na percepção
visual, ou seja, ao observá-la, enxergamos o todo, mas, depois, nosso olhar se atenta
aos detalhes que a compõem. Outro princípio presente é o da proximidade, ou seja,
conseguimos ver um grupo de animais como pertencentes a um mesmo conjunto,
vemos uma unidade. O princípio da segregação também está presente, pois é possível
notar diferentes grupos de animais, incluindo o ser humano.

Fonte: Melo (2017, documento on-line).


Conceitos de percepção visual 7

Percepção visual sob a perspectiva da semiótica


Como esclarecem Santaella e Nöth (2008), a investigação das imagens não pos-
sui uma ciência própria; ela se distribui por várias disciplinas, como história da
arte, antropologia, sociologia, psicologia, estudos de mídia e semiótica visual.
O estudo da imagem se caracteriza, portanto, por ser interdisciplinar. Além
disso, os conceitos de percepção visual não apenas são aplicados à pintura ou
à fotografia (composições imagéticas tradicionais), mas incluem também novas
mídias, como a holografia, infografia, ilustração, grafite e fotografia digital.
No campo da linguística, buscou-se ultrapassar as barreiras da interpretação
verbal e textual para compreender como se dá a percepção da linguagem visual.
Essa vertente de estudos ficou conhecida como semiótica.
Segundo Santaella e Nöth (2008), sob a perspectiva da semiótica, as imagens
são caracterizadas como um sistema semiótico ao qual falta a metassemiótica.
Isso significa que a língua possui um caráter metalinguístico, no qual ela
própria serve como meio de comunicação sobre si mesma; já a imagem não
possui a capacidade de manter um discurso autorreflexivo, sendo necessário
um discurso verbal.
A semiótica se refere à teoria geral dos signos, ou seja, é uma corrente teórica
que estuda todos os elementos que possuem, de alguma forma, significado e
sentido, abrangendo linguagens verbais e não verbais. Portanto, a semiótica
investiga todos os signos, suas relações e operações sígnicas, que são usadas
de forma implícita, intuitiva ou até automática (FERNANDES, 2011).
Existem duas principais teorias gerais do signo: a semiologia, ligada às
ideias de Ferdinand de Saussure, e a semiótica, associada aos estudos de
Charles Sanders Peirce. Embora seja comum a utilização da semiologia e a
da semiótica como sinônimos, elas são concepções diferentes que possuem
alguns aspectos convergentes, principalmente em relação aos modelos estru-
turais do signo. Segundo Fernandes (2011, p. 162), “São dois modelos que se
propõem a validar toda a variedade de signos que compõem a linguagem, e
são construídas a partir de conceitos próprios, que ambas construíram para si”.
Ainda de acordo com Fernandes (2011), a semiótica é um campo científico
que permite analisar o movimento interno das mensagens e da linguagem,
observando o modo como elas se processam e os recursos utilizados para isso.
Ao analisar as mensagens e os produtos da comunicação sob a perspectiva da
semiótica, é possível averiguar o contexto em que as mensagens foram criadas
e recebidas, ou seja, permite captar os vetores de referencialidade, afinal, o
processo de signos é construído e tem deixado marcas na história, tanto pela
própria técnica como pelo sujeito que as produz.
8 Conceitos de percepção visual

Com relação à teoria semiótica, há alguns conceitos fundamentais que nos


auxiliam na compreensão da percepção da realidade. São eles: signo, signifi-
cado e representação. Segundo Pierce (1990 apud FERNANDES, 2011), o signo
pode ser definido como algo que está no lugar de alguma coisa ou alguém,
é um elemento que possui alguma relação ou qualidade com o outro. Além
disso, o signo apresenta três elementos fundamentais para sua compreensão:
o ícone, o índice e o símbolo. Desse modo, o signo mantém uma relação em
três polos distintos:

„„ a face perceptível do signo ou significante;


„„ o que ele representa, ou seja, o referente;
„„ o que ele significa, o seu significado.

Assim, é possível compreender que o signo por si só não apresenta um


significado próprio, e sua interpretação será construída pelos atores sociais
dentro de um contexto, de uma experiência historicamente dada. A percepção
visual não é algo dado a priori, mas uma construção e convenção social. Como
conclui Fernandes (2011, p. 168) “a semiótica, portanto, é a ciência que estuda
a vida dos signos no interior da convivência social. Ela vai das mecânicas
relativas ao conhecimento até as reorientações formais e, por consequência,
às apropriações de conteúdo, ou de sentido”.
Santaella e Nöth (2008, p. 15) destacam que “desenhos, pinturas, gravuras,
fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas, holo e infográficas” são
todas formas possíveis de representação visual, pois as imagens representam
aquilo que existe no mundo físico e se referem aos sentidos e às percepções
construídos mentalmente por meio de sua inserção no ambiente. Para os autores,
a percepção visual acontece primeiro na cabeça do receptor, mas essa decodi-
ficação só terá um resultado concreto se já existir algum parâmetro de imagem
mental referenciada no mundo físico. A imagem de uma cadeira, por exemplo,
só será interpretada como cadeira se a pessoa já conhecer o que é uma cadeira.
Portanto, a pessoa possui um referencial mental de algo que existe no mundo
material. Santaella e Nöth (2008) ressaltam a questão da interdependência dos
domínios externos e internos da visualidade, porque as representações visuais
são construções que possibilitam múltiplas interpretações.
Conceitos de percepção visual 9

Percepção visual no âmbito da publicidade


O processo de criação da publicidade é construído, basicamente, por meio da
combinação entre as linguagens visual e verbal, utilizando, para isso, imagens,
que são manipuladas com uma infinidade de possibilidades de composição e
usando elementos que tragam sentido ao objetivo da mensagem. Além disso,
o processo de criação publicitária mescla os interesses de mercado com as
habilidades da comunicação para divulgar produtos, serviços ou estabelecer
uma relação entre a marca e o seu público. Segundo Dondis (2003), esse pro-
cesso acontece em polaridades duplas: de um lado a mensagem publicitária une
forma e conteúdo; do outro, busca construir uma relação entre o articulador e
o receptor, para que a mensagem seja interpretada. Essas interações entre as
partes do processo publicitário resultam em uma experiência visual.
Conforme explica Dondis (2003), a composição visual acontece por meio
da integração entre elementos como ponto, direção, linha, forma, dimensão,
textura e movimento, que podem resultar em uma expressão por imagens.
A construção de uma imagem é feita por meio desses elementos básicos.
Além disso, a soma dessas partes irá culminar em uma forma que sempre está
associada a um conteúdo específico. Assim, a composição imagética evoca em
seus receptores uma interpretação emocional, com inúmeras significações.
Essas significações serão construções social, cultural e histórica, que aliarão
o conhecimento da linguagem e as capacidades de interpretação do sujeito que
a recebe. Portanto, as mensagens publicitárias têm como objetivo transmitir
uma mensagem ao público-alvo, buscando despertar algum tipo de sentimento
específico. De acordo com Dondis (2003, p. 105), “Para que a mensagem
seja compreendida com mais eficácia, é necessário um reforço mútuo entre
“propósito e composição, e entre estrutura sintática e substância visual”.
O autor destaca, ainda, o paradoxo que as mensagens publicitárias carregam,
afinal, ao mesmo tempo em que essas composições imagéticas são construídas
objetivamente, elas possuem uma carga subjetiva, pois sua interpretação acon-
tece de maneira individual, mas baseada em valores culturalmente construídos
de forma coletiva.
Vejamos agora como é possível analisar a percepção visual nos mais di-
versos formatos gráficos.
10 Conceitos de percepção visual

Fotografia como elemento de percepção visual


A fotografia pode ser considerada a primeira imagem técnica que incluiu
em seu funcionamento as leis da visibilidade, permitindo que a realidade
visível fosse capturada e interpretada (SANTAELLA; NÖTH, 2008). Assim,
a fotografia é a forma mais simples e prática de eternizar uma imagem, um
fato histórico ou registrar qualquer momento no tempo e no espaço. Além de
ser considerada uma linguagem visual mundial, pois está presente nos mais
diversos campos, desde a moda, o jornalismo, a publicidade e, também, como
hobby e atividade de lazer.
As imagens possuem a capacidade de revelar fatos ou fantasias, além de
expressar sentimentos e emoções. Tornam-se, portanto, a concretização de
um objeto no campo visual e mental, afinal, tudo que vemos e pensamos é
construído por meio de imagens, mesmo que elas sejam representações mentais.
Como destacam Santaella e Nöth (2008), a comunicação visual é um pro-
cesso que reúne tudo que nossos olhos veem por meio dessa linguagem. As
imagens transmitidas irão possuir significados distintos, dependendo do
contexto no qual estão inseridas. Assim, o processo de percepção visual está
intrinsecamente ligado ao processo de comunicação. É preciso haver uma
interpretação do signo, ou seja, ele precisa comunicar algo para construir
um sentido.
Um exemplo desse processo é a aplicação da fotografia na propaganda. Uma
mesma imagem pode apresentar múltiplos significados, além de ser passível
de análise sob diversas perspectivas. Para contextualizar seu uso, pressupõe-se
que a utilização de uma fotografia em uma composição imagética tenha como
objetivo comunicar uma ideia. Para que essa ideia seja transmitida é preciso
usar elementos e pressupostos da linguagem visual.
Assim, em uma análise da linguagem visual, seus elementos são utilizados
segundo os princípios e pressupostos da percepção visual. A composição
e a estética fotográfica são, na verdade, unidades visuais que auxiliam na
compreensão da mensagem pelo espectador. Desse modo, a fotografia, no
contexto da propaganda, é usada como forma interpretativa e, para que essa
interpretação aconteça, normalmente, seu posicionamento está seguindo os
princípios da Escola Gestalt.
Conceitos de percepção visual 11

Campanha publicitária baseada na Gestalt


Um caso que ilustra bem como a fotografia pode ser construída nos princípios da
Gestalt e resultar em uma campanha publicitária eficaz é a proposta veiculada pela
agência McCann, na Índia, cujo intuito foi incentivar a conscientização sobre a adoção
de animais. Para isso, os publicitários basearam suas criações nos princípios da Gestalt
e criaram a campanha intitulada "There's always room for more. Adopt.", que, em
tradução livre, pode significar "Sempre existe espaço para mais um. Adote.”. Com isso,
a agência conseguiu aumentar em mais de 150% o número de adoções de animais
dos abrigos de Mumbai.
A fotografia a seguir (TELMO, 2017, documento on-line) utiliza a lei da Gestalt de
fechamento, pois permite enxergar a silhueta de um animal. Além disso, a imagem
retrata o princípio da semelhança, em que agrupamos as pessoas como pertences ao
mesmo grupo, bem como os conceitos de unificação e proximidade. O contraste entre
as cores e o jogo de luzes faz a percepção visual encontrar uma imagem completa
de um animal, mas também, nos detalhes, perceber as unidades que compõem a
fotografia, como o homem, a mulher e o bebê.
Não são apenas os princípios da Gestalt que estão presentes nesse exemplo. Se
analisarmos sob a perspectiva da semiótica, será possível perceber que a interpretação
da mensagem só acontece se o signo for interpretado como um animal, o interlocutor
compreender o conteúdo da mensagem e ser impactado pelo sentimento de comoção
em relação aos animais.
12 Conceitos de percepção visual

A fotografia, sob a perspectiva da Gestalt, organiza as explicações funda-


mentais da percepção visual, pois se baseia, primeiro, na pregnância da forma,
afinal, para compreender seu significado é preciso vê-la em sua completude,
apenas partes isoladas não produzem sentido.

2 Ilustração como elemento de percepção visual


Assim como a fotografia pode ser analisada como um elemento que compõe
a percepção visual, tanto pela perspectiva da semiótica como pela da Gestalt,
outras linguagens gráficas também podem. Um exemplo bastante comum
na publicidade é a ilustração. Ramos (2007) explica que a ilustração é um
recurso da comunicação que combina desenhos, gravuras ou imagens que
acompanham um texto. As ilustrações atuam para dar suporte à comunicação
de uma mensagem.
Para Fonseca (1990), a ilustração pode ser compreendida como um desenho
ou uma pintura, ou seja, qualquer forma de desenho, diagrama ou imagem
em cor que acompanhe o texto de um livro, de um jornal ou qualquer outro
tipo de material impresso. Assim, segundo o autor, quando essas imagens
são utilizadas com o intuito de comunicar uma informação completa, essa
arte passa a ser chamada de ilustração, “A ilustração adiciona à mensagem
escrita um forte poder de atração, estimulando a imaginação e valorizando
esteticamente a aparência visual de qualquer texto. É também uma forma
visual de esclarecer palpavelmente para o leitor conceitos que, escritos, podem
parecer abstratos” (FONSECA, 1990, p. 57).
Ramos (2007) destaca que as ilustrações são um importante recurso
publicitário, pois atuam para complementar o sentido da mensagem e/ou atuar
no esclarecimento, na descrição viva e enérgica do conteúdo. Desse modo, a
ilustração é capaz de ampliar o potencial informativo da composição visual da
qual faz parte, incluindo uma dimensão imagética que amplie as possibilidades
de interpretação da mensagem. Além disso, a ilustração pode atuar de maneira
independente, sem suporte textual e sem perda de sentido.
Fonseca (1990) afirma que a ilustração é um recurso muito útil e que faci-
lita a compreensão do texto, além de esclarecer conceitos que possuem uma
descrição complexa quando transcritos em palavras. A ilustração direciona o
pensamento para uma formulação visual do conteúdo, ou seja, baseia-se nos
princípios da semiótica de que signos adquirem sentido quando são apreen-
didos pelo sujeito e fazem referência ao acerco histórico e cultural que ele
possui para interpretá-los. A ilustração exerce, portanto, um grande impacto
Conceitos de percepção visual 13

convidativo, funcionando com ponto de atenção e relevância e enriquecendo


a mensagem a ser promovida.
Sua origem, segundo Fonseca (1990), está ligada a manuscritos da idade
média. Esse recurso gráfico, isolado ou acompanhado de um texto, é uma
técnica de expressão visual que ultrapassa barreiras geográficas, linguísticas
e temporais. A ilustração é um recurso que se destaca por sua universalidade,
sendo, portanto, um importante elemento da percepção visual.
É interessante destacar, conforme apontam Ambrose e Harris (2009),
que a ilustração possui muitos recursos superiores à fotografia, principal-
mente em um cenário de saturação imagética. As fotografias, nos meios de
comunicação, estão atreladas aos fatos, ao passo que a ilustração cria uma
mensagem aparentemente mais original, expressando ideias de forma mais
objetiva, mesclando elementos e criando personalidade para a imagem. Isso
ocorre, segundo os autores, porque a fotografia se utiliza de um dispositivo
automático que capta os movimentos ao redor, sem controle do ambiente, ao
passo que os ilustradores têm total controle das etapas de criação, além de
demonstrarem as suas percepções por meio de suas criações. Assim, ela já
nasce contendo uma perspectiva interpretativa. Dondis (2003) observa que o
significado apreendido pelo público é a resposta da combinação do conteúdo
em uma forma, por meio do controle exercido pela técnica.
Com relação às funções da ilustração no âmbito da publicidade, Ramos
(2007) define uma função descritiva, responsável por representar e identificar
elementos como cenário e personagens; uma função narrativa, que conta uma
história por meio de imagens; e uma função estética, que revela a estrutura
da imagem e sua forma.
Desse modo, assumindo a função descritiva, a ilustração se aproxima das
leis da Gestalt, pois atua no sentido de apresentar, por meio de imagens, ob-
jetos, pessoas, ambientes e características da linguagem visual. Na ilustração,
portanto, é necessário se atentar a alguns princípios de pregnância da forma,
realizando composições que sejam equilibradas, harmônicas e com alto teor
de clareza, para que atuem no sentido descritivo.
Quando a ilustração assume a função narrativa, ela se aproxima mais dos
conceitos defendidos pela semiótica, pois é preciso que os elementos sígnicos
que compõem sua imagem tenham significado para o público. Apenas com
essa carga de significados será possível construir uma história e torná-la
passível de interpretação.
14 Conceitos de percepção visual

Santaella e Nöth (2008) explicam a imagem figurativa, ou a ilustração, como


aquela que faz relação explícita com o referencial, sugerindo e designando
objetos e situações. Para uma mensagem publicitária ser eficaz, é necessário
que seja redundante, acumulando signos sobre si, a fim de enviar uma men-
sagem clara e que provoque a ação por parte do consumidor. A imagem que
se baseia em um referencial assume a classificação de representativa, essa
função demonstra sua capacidade imagética de contar uma história, seja ela
estática ou em movimento.

Coca-Cola e seu histórico de ilustrações em campanhas publicitárias


A Coca-Cola é famosa não apenas por sua fórmula secreta de refrigerante, mas também
por usar estratégias de comunicação e marketing que se tornaram referência de boas
práticas na publicidade. A ilustração é um recurso visual utilizado com frequência em
suas campanhas.
A marca realizou uma campanha completa apenas com ilustrações que faziam alusão
sobre a diversidade de ritmos musicais no Brasil e como a Coca-Cola complementa
esses momentos. Além disso, com o slogan “viva o lado Coca-Cola da música”, a
empresa buscou aplicar recursos imagéticos para demonstrar a explosão de cores
e sabores que sua bebida proporciona, conforme a imagem a seguir (OTUZI, 2007,
documento on-line):
Conceitos de percepção visual 15

A ilustração da campanha valeu-se dos princípios da semiótica, com o intuito de


auxiliar na compreensão da mensagem e atribuir sentido aos elementos visuais, bem
como se baseou na bagagem sociocultural dos receptores para construir seus signi-
ficados. Outra característica semiótica das ilustrações utilizadas pela Coca-Cola são
a multiplicidade de sentidos, afinal, há diversas possibilidades de interpretação para
cada imagem.
Com relação às leis da Gestalt, as ilustrações são exemplos de sua aplicabilidade, pois
se fundamentam nos princípios da semelhança, da proximidade e da segregação. Para
compreender a ilustração como um todo, em um primeiro momento, percebe-se o
conjunto da obra e, posteriormente, os elementos unitários que a compõem. Ou seja,
a ilustração utiliza a pregnância da forma de maneira bem explícita.

A ilustração é um recurso visual que auxilia na interpretação da linguagem,


mas, conforme estabelece os princípios semióticos, para que essa associação
aconteça, é preciso que os elementos visuais se conectem com os aspectos
culturais do receptor que a interpretará com base em seus critérios subjetivos.
A leitura de uma ilustração se dá por meio da combinação entre conteúdo,
elementos visuais, construção da narrativa e estrutura estética. Desse modo,
conteúdo e técnica são os pilares essenciais da composição imagética e, no
âmbito da publicidade, são utilizados com o objetivo de tornar a comunicação
mais eficaz.
Portanto, a capacidade da ilustração em atribuir sentido está diretamente
ligada ao domínio, tanto do comunicador em conhecer os elementos da imagem,
os princípios estéticos e linguísticos que auxiliam em uma melhor percepção
visual, como do conhecimento cultural e histórico do receptor, que se baseará
em símbolos e signos já referenciados para interpretar a mensagem.

3 Novas linguagens gráficas como


elementos de percepção visual
Não são apenas fotografias ou ilustrações que integram a linguagem visual.
Na atualidade, há diversas outras formas gráficas que auxiliam na percepção
visual, como os infográficos ou o grafite.
16 Conceitos de percepção visual

No contexto da convergência midiática, as novas linguagens mesclam ele-


mentos visuais na composição das mensagens transmitidas. A publicidade vem
se valendo desse recurso em diversas campanhas, em particular, no ambiente
digital. Para a produção de uma mensagem, o conteúdo é adaptado para as
diferentes mídias, e, na internet, esses elementos acabam sendo mesclando,
produzindo novas linguagens gráficas. Um exemplo disso é a ampliação do
uso das impressoras 3D, que produzem materiais mais realísticos, com o
intuito de propiciar uma experiência sensorial mais completa. O aspecto da
tridimensionalidade ganhou bastante espaço no ambiente digital, resultando
em campanhas de realidade virtual aumentada, imagens em 360º e até imagens
táteis. Todas essas ampliações das possibilidades imagéticas trouxeram novas
perspectivas para o campo de estudo da percepção visual, afinal, essas novas
propostas não atuam apenas nesse aspecto, mas com os diversos sentidos.
Trata-se de experiências que permitem vivenciar e adentrar ao universo da
imagem, ou seja, tornar-se parte daquela linguagem e apropriar-se, fisicamente,
dos elementos que a compõem.

Infográfico como elemento de percepção visual


Paiva (2016) define infográfico como textos visuais, explicativos e informati-
vos que, em geral, estão associados a elementos verbais e não verbais, como
imagens, sons e gráficos no ambiente virtual em hiperlinks. Os infográficos
são recursos visuais utilizados a bastante tempo no jornalismo, no entanto,
na era digital, eles voltaram ao centro das atenções.
No âmbito da publicidade e do marketing digital, os infográficos trans-
formaram-se em elementos-chave para chamar a atenção do público, cati-
var seu interesse e auxiliar no processo argumentativo no funil de vendas.
Os infográficos têm o intuito de esclarecer conceitos e ideias que podem pa-
recer complexas. Na publicidade, são utilizados para enumerar, por exemplo,
as qualidades e os benefícios de um produto ou para resumir as principais
características de um serviço.
Seja no jornalismo ou na publicidade, o infográfico assume a função de
informar o público. Assim como qualquer texto no cenário da convergência
midiática, apresenta sua unidade de sentido de forma multimodal, ou seja,
combinando princípios semióticos de signo e significado, além de elementos
verbais e visuais para construir sua mensagem (PAIVA, 2016).
Conceitos de percepção visual 17

Campanha de combate à dengue do Ministério da Saúde


Como já mencionado, a principal função do infográfico é informar ou auxiliar na
compreensão e interpretação de uma mensagem. Normalmente utilizada no campo
do jornalismo, a infografia invadiu os anúncios publicitários como recurso visual eficaz
no esclarecimento de assuntos complexos. Um exemplo de boas práticas utilizando
a infografia como linguagem que auxilia na percepção visual foi a campanha promo-
vida pelo Ministério da Saúde, em combate aos focos do mosquito transmissor da
dengue, como você pode ver na imagem a seguir (ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE BRAS,
2017, documento on-line):

Reunindo elementos visuais e textuais, a imagem faz um resumo dos principais


sintomas da doença, além de trazer dados que auxiliam nessa compreensão.
18 Conceitos de percepção visual

Grafite como elemento de percepção visual


Definido como um tipo de arte urbana ligada ao movimento hip-hop, o grafite
é uma linguagem visual inovadora, caracterizada pela produção de imagens,
desenhos e ilustrações em locais públicos, como paredes, muros, edifícios
e ruas. A consolidação do grafite como arte ocorreu na década de 1970, na
periferia de Nova York, como forma de crítica social do movimento negro, que
utilizou recursos visuais para intervir de maneira direita no espaço urbano,
democratizando, assim, os espaços públicos da cidade.
O grafite, surge, portanto, no cenário mundial, como um tipo de arte
transgressora e que ultrapassa os limites dos muros e das paredes, para se
mostrar e emergir como uma linguagem da rua e da periferia, que narra seus
incômodos por meio de imagens. A partir desse cenário, o grafite assume
uma função importante como veículo de comunicação e linguagem visual,
colaborando para a amplificação das vozes das minorias.
A arte do grafite representa a linguagem de um movimento cultural com-
plexo e saiu das ruas para ganhar espaços em galerias. Ao assumir o status de
arte contemporânea urbana, passou a ser utilizado inclusive como linguagem
visual no âmbito da publicidade. Com características que exaltam as cores
vibrantes e o tom de protesto, muitas vezes contido nas entrelinhas, as mani-
festações artísticas do gênero passaram a chamar a atenção das marcas e, aos
poucos, foram integradas como recursos dialéticos no campo da propaganda.
São inúmeros os exemplos de campanhas que se usaram o grafite para
alavancar suas mensagens de cunho publicitário.

Os gêmeos e Gol Linhas Aéreas Inteligentes


Um dos exemplos mais emblemáticos do uso do grafite na publicidade foi a campanha
promovida pela companhia aérea Gol, que convidou os artistas grafiteiros, conhecidos
internacionalmente como Os Gêmeos, para ilustrar a parte externa das aeronaves. A
campanha buscou novas linguagens para se aproximar do seu público-alvo, mas tam-
bém como forma de valorizar a cultura brasileira e associar a companhia a essas raízes.
A dupla de irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo são reconhecidos internacionalmente
por seus feitos, com trabalhos feitos em países como nos Estados Unidos, Inglaterra,
Alemanha, Grécia, Cuba e outros.
Conceitos de percepção visual 19

A parceria surgiu com a proposta de apresentar a arte das ruas para as pessoas em
espaços que fugiam do convencional. Para alcançar essa missão, os irmãos foram
convidados a transformar uma aeronave em tela. Eles já haviam pintado áreas extensas,
como edifícios, mas nunca em um formato tão inusitado. Segundo Os gêmeos, o projeto
precisou de 100 horas para ser concluído e foi uma das experiências mais difíceis da
carreira dos artistas. Como resultado, o avião se transformou em uma obra de arte
voadora e ganhou mais visibilidade ainda por ser a aeronave que transportou a seleção
brasileira de futebol durante a Copa do Mundo de 2014, no Brasil. O trabalho d’Os
gêmeos pode ser contemplado na figura a seguir (BORGES, 2014, documento on-line):

AMBROSE, G.; HARRIS, P. Imagem. Porto Alegre: Bookman, 2009. 176 p. (Coleção Design
Básico).
ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE BRAS. Saiba Diferenciar Dengue, Zika e Chikungunya. Medium,
[S. l.], 9 dez. 2016. Disponível em: https://medium.com/@ambr/saiba-diferenciar-dengue-
-zika-e-chikungunya-f432abdf0136. Acesso em: 5 mar. 2020.
BORGES, B. A seleção voará em avião pintado pelos grafiteiros Os Gêmeos. El País,
Madrid, 26 maio 2014. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2014/05/26/
cultura/1401128429_325663.html. Acesso em: 5 mar. 2020.
DONDIS, D. A. Sintaxe da linguagem visual. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 236 p.
20 Conceitos de percepção visual

FERNANDES, J. D. C. Introdução à semiótica. In: ALDRIGUE, A. C. S.; LEITE, J. E. R. (org.). Lin-


guagens: usos e reflexões. João Pessoa: UFPB, 2011. v. 8. p. 159–185. Disponível em: http://
www.cchla.ufpb.br/clv/images/docs/modulos/p8/p8_4.pdf. Acesso em: 5 mar. 2020.
FONSECA, J. Comunicação visual: glossário. Porto Alegre: EdUFRGS; Artes e Ofícios,
1990. 124 p.
MELO, R. As teorias de Gestalt na Publicidade. Design Culture, [S. l.], 25 ago. 2017. Dispo-
nível em: https://designculture.com.br/as-teorias-de-gestalt-na-publicidade. Acesso
em: 5 mar. 2020.
OTUZI, R. Viva o lado Coca-Cola das ilustrações. Ehduca, [S. l.], 1 fev. 2007. Disponível
em: http://ehduca.blogspot.com/2007/02/viva-o-lado-coca-cola-das-ilustraes.html.
Acesso em: 5 mar. 2020.
PAIVA, F. A. Leitura de imagens em infográficos. In: COSCARELLI, C. V. (org.). Tecnologias
para aprender. São Paulo: Parábola, 2016. p. 43–58.
PAULA, H. Gestalt: Um resumo das oito leis da psicologia da forma. Heller de Paula, São
Paulo, 23 fev. 2015. Disponível em: http://www.hellerdepaula.com.br/gestalt/. Acesso
em: 5 mar. 2020.
RAMOS, P. V. Artistas ilustradores: a editora Globo e a constituição de uma visualidade
moderna pela ilustração. Orientador: José Augusto Costa Avancini. 2007. 480 f. Tese
(Doutorado em Artes Visuais, ênfase em História, Teoria e Crítica de Arte) – Instituto
de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. Disponível
em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/12110. Acesso em: 5 mar. 2020.
SANTAELLA, L.; NÖTH, W. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras,
2008. 222 p.
TELMO, M. Baseada na gestalt, campanha aumenta adoções de animais. Designer
Mão de Vaca, [S. l.], 15 abr. 2017. Disponível em: https://designermaodevaca.com/post/
baseada-na-gestalt-campanha-aumenta-adocoes-de-animais. Acesso em: 5 mar. 2020.

Leituras recomendadas
GARDNER, H. A nova ciência da mente: uma história da revolução cognitiva, 3. ed. São
Paulo: Edusp, 2003. 456 p.
GOMES FILHO, J. Gestalt do objeto: sistema de leitura visual da forma. 9. ed. São Paulo:
Escrituras, 2009. 133 p.
OLIVEIRA, S. R. Imagem também se lê. São Paulo: Rosari, 2009. 194 p.
Conceitos de percepção visual 21

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TEORIA E
PRÁTICA DA COR

Carolina Corso
Rodrigues Marques
O papel do sistema visual
e a temperatura de cor
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„ Reconhecer as características da cor.


„ Identificar matiz, luminosidade, saturação e temperatura da cor.
„ Construir escalas tonais, de saturação e temperatura.

Introdução
Neste capítulo, você verá que o sistema visual é considerado, entre os
sistemas sensoriais, o mais complexo. Seu funcionamento envolve várias
estruturas e mecanismos para a obtenção de informações ambientais,
que são obtidas por meio da refração da luz, proveniente das superfícies,
objetos, plantas, animais, etc. Constante em projetos luminotécnicos, a
temperatura de cor de uma fonte luminosa é uma importante caracte-
rística, pois está diretamente ligada a sua aplicação. A temperatura de
cor expressa a aparência da cor emitida pela fonte de luz.

Características da cor
As cores são impressões de faixas luminosas captadas pelos olhos, ou seja,
elas designam uma sensação visual que ocorre na presença de luz. A palavra
cor vem do latim color e significa cobrir, ocultar. As cores correspondem
aos fenômenos físicos gerados pela luz, na qual a cor branca, responsável por
originar a luz, representa a união das sete cores do espectro (vermelho, laranja,
amarelo, verde, azul, anil e violeta) e, a cor preta, representa a ausência de
cor ou de luz (LEÃO, 2017).

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2 O papel do sistema visual e a temperatura de cor

Todas as cores apresentam cinco importantes características:

„ Matiz: é o que define as tonalidades das cores — por exemplo, o ama-


relo, o verde e o roxo são matizes. Todas as cores são matizes, sejam
primárias, secundárias ou terciárias.
„ Tom: corresponde à quantidade de luz presente na cor, classificada em
tonalidades claras e escuras. Dessa forma, quando se acrescenta preto a
um matiz, ela fica com uma tonalidade mais escura; se acrescentarmos
branco a uma cor, ela fica com uma tonalidade mais clara. Por exemplo,
quando misturamos o vermelho e o branco, atingimos uma tonalidade
mais clara, ou a matiz rosa.
„ Intensidade: a intensidade determina a presença de brilho na cor e
pode ser considerada fraca (baixa) ou forte (alta). Por exemplo, a cor
amarela possui intensidade forte ou alta em comparação com a cor
marrom, mais opaca, e, portanto, de fraca intensidade.
„ Tonalidade: é a característica mais evidente de uma cor. É o que a
maioria das pessoas quer dizer quando diz a palavra “cor”. Há um
número infinito de tonalidades possíveis; por exemplo, entre o vermelho
e o amarelo há infinitas possibilidades de tonalidades de laranja.
„ Croma: refere-se à pureza de uma cor, sua intensidade ou saturação.
Cores de croma alto parecem ricas e cheias; cores de croma baixo
podem parecer sombrias ou pálidas. Cores pastel são de croma baixa,
enquanto tons intensos são de croma alta.

Uma das mais importantes ferramentas que o designer de interiores


dispõe é a cor. Pessoas de diferentes culturas respondem à cor de manei-
ras diferentes; embora não percebamos, as cores estimulam fisiológica e
psicologicamente o usuário do ambiente. A cor é um importante elemento
na concepção espacial do projeto de ambientação, pois, visualmente, pode
alterar as dimensões e formas do espaço, ressaltando ou disfarçando im-
perfeiçoes arquitetônicas.
Não podemos falar de cor sem mencionar a iluminação: a incidência da
luz altera a cor. Podemos notar que, no decorrer do dia, as cores são vistas e
sentidas de formas diferentes, isso por causa da tonalidade e da quantidade e
tipo de luz que incidem sobre a cor (LEÃO, 2017).

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O papel do sistema visual e a temperatura de cor 3

Matiz, luminosidade, saturação e temperatura


da cor

Matiz
Matiz é o estado puro da cor, sem o branco ou o preto agregado. É um atributo
associado com a longitude de onda dominante na mistura das ondas lumino-
sas. O matiz se define como um atributo de cor que nos permite distinguir o
vermelho do azul, e se refere ao percurso que faz um tom para um ou outro
lado do círculo cromático, pelo qual o verde amarelado e o verde azulado serão
matizes diferentes do verde, por exemplo (MORENO, 2008).

Figura 1. Matizes no círculo cromático.


Fonte: Moreno (2008, documento on-line).

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4 O papel do sistema visual e a temperatura de cor

O matiz se define pela qualidade da luz predominante que a superfície


reflete, ou seja, pelos comprimentos de onda que predominam na luz que a
superfície reflete e na luz que absorve. Por exemplo, há muitos azuis: mais
luminosos ou mais escuros, desbotados ou intensos etc. Eles podem diferir
em luminosidade e em pureza, mas pertencem ao mesmo matiz: azul.

Figura 2. Matizes de azul.


Fonte: Estudo da Cor (2018, documento on-line).

Luminosidade ou brilho
A luz é formada por um grande número de minúsculas partículas elementares
denominadas fótons. A luminosidade ou brilho de uma cor é proporcional
ao número de fótons da luz que a superfície reflete ou emite. Ela se refere à
quantidade de luz, que determina quão clara ou escura é a cor. A luminosidade
ou brilho corresponde a um valor: um tom pertencente a uma escala acromática
entre o branco (luminosidade máxima) e o preto (luminosidade mínima), ao
qual a cor corresponde ao se considerar apenas o brilho, desconsiderando o
matiz. Trata-se do tom que a cor assumiria em uma versão em preto e branco
(MORENO, 2008).
Matizes diferentes podem refletir a mesma energia luminosa e assim
corresponder ao mesmo valor. À medida que se agrega mais preto a uma cor,
intensifica-se essa obscuridade e se obtém um valor mais baixo. À medida
que se agrega mais branco a uma cor, intensifica-se a claridade da mesma,
obtendo-se valores mais altos. Duas cores diferentes (como o vermelho e o
azul) podem chegar a ter o mesmo tom, se consideramos o conceito como o
mesmo grau de claridade ou obscuridade com relação à mesma quantidade de
branco ou preto que contenha segundo cada caso (MORENO, 2008).

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O papel do sistema visual e a temperatura de cor 5

Figura 3. Azuis de luminosidades variadas e seus valores.


Fonte: Estudo da Cor (2018, documento on-line).

A descrição clássica dos valores corresponde a claro (quando contém


quantidades de branco), médio e escuro (quando contém quantidades de
preto). Quanto mais brilhante for a cor, maior será a impressão de que o
objeto está mais perto do que em realidade está. Essas propriedades da
cor deram lugar a um sistema especial de representação, como o sistema
HSV. Para expressar uma cor nesse sistema, parte-se das cores puras e se
expressa suas variações nessas três propriedades, mediante um tanto por
cento (MORENO, 2008).
Escala de tons, valor tonal ou escala de valores referem-se à mesma coisa.
Em uma escala em tons de cinza, com gradações entre o preto e o branco, os
tons mais claros são os valores tonais mais altos e os tons mais escuros são
os valores tonais baixos. O valor tonal refere-se ao grau de luminosidade.

Figura 4. Escala tonal de cinzas.


Fonte: Amo Pintar (2017, documento on-line).

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6 O papel do sistema visual e a temperatura de cor

Prestando atenção na escala do exemplo e olhando para ela a distância,


conseguimos perceber que as gradações de cinza-claros parecem distantes e
as escuras parecem mais próximas, como mostrado na Figura 5.

Figura 5. Perspectiva ilusória.


Fonte: Amo Pintar (2017, documento on-line).

Podemos assim chegar a uma conclusão: Uma das principais utilizações que
se desprendem deste estudo é a capacidade de representar profundidade mediante
a correta utilização dos valores de cinzas ou valores de cor numa pintura.

Saturação ou croma
A saturação ou croma define o grau de pureza da cor. É o máximo que uma cor
pode conter de si mesma. Entretanto, nos materiais de cor, o estado de pureza
absoluta se reduz a uma hipótese abstrata, uma vez que eles não refletem apenas
um raio luminoso, mas um conjunto de radiações luminosas, com predomínio
daquela que especifica o seu matiz. Cores “puras” mescladas com branco ou
com cinza ou com preto ficam empobrecidas em sua saturação. Misturadas
com outros matizes, mesmo que em pequenas quantidades, desviam-se da
sua cor original, alterando, inclusive, a sua luminosidade. O nível mais baixo
de saturação se obtém mesclando uma cor com a sua cor complementar, em
partes iguais.
A sensação de pureza de uma cor não se explica somente em termos
físicos: os fatores que afetam a percepção visual como os contrastes, a aco-
modação, as relações entre figura e fundo, também interferem na saturação
(LEÃO, 2017).
Para obter maior pureza de um pigmento, convém aplicá-lo sobre uma
superfície branca, em uma camada de espessura tal que a luz incidente possa
penetrar até o plano do fundo e retornar. A superposição de camadas poderá

Identificação interna do documento K8W3A37HWR-PBZOYP1


O papel do sistema visual e a temperatura de cor 7

aumentar a espessura, mas não, necessariamente, a pureza nem a intensidade


da cor. Com isso, pode dificultar tanto a chegada da luz incidente ao plano do
fundo (que reflete toda a luz, posto que seja branco) quanto o seu retorno, pro-
vocando maior absorção de luz e, consequentemente, estimulando a percepção
de cor menos vibrante e menos luminosa, sem garantir maior saturação, como
se poderia esperar. Além disso, os aglutinantes e solventes também podem
reduzir a pureza dos pigmentos (LEÃO, 2017).

Figura 6. Saturação de cores.


Fonte: Moreno (2008, documento on-line).

A saturação também pode ser definida pela quantidade de cinza que contém
uma cor: quanto mais cinza ou mais neutra for, menos brilhante ou menos
“saturada” é. Igualmente, qualquer mudança feita a uma cor pura automa-
ticamente baixa sua saturação. Por exemplo, dizemos “um vermelho muito
saturado” quando nos referimos a um vermelho puro e rico. Porém, quando
nos referimos aos tons de uma cor que tem algum valor de cinza, as chamamos

Identificação interna do documento K8W3A37HWR-PBZOYP1


8 O papel do sistema visual e a temperatura de cor

de menos saturadas. A saturação da cor se diz que é mais baixa quando se


adiciona seu oposto (chamado complemento) no círculo cromático. 
Para não saturar uma cor sem que varie seu valor, é preciso mesclá-la
com um cinza de seu mesmo valor. Uma cor intensa como o azul perderá sua
saturação à medida que se adiciona branco e se converta em celeste (MO-
RENO, 2008).

Figura 7. Saturação da cor vermelha.


Fonte: Moreno (2008, documento on-line).

Temperatura da cor
Cores quentes e frias são cores que transmitem a sensação de calor ou de
frio. São muitas vezes usadas para causar sensações diferentes nas pessoas
que as visualizam. Vários estudos comprovam que as cores têm um efeito
psicológico nas pessoas e, por esse motivo, diferentes cores são usadas para
despertar sentimentos e estados de espírito. Cores quentes como o vermelho,
laranja e amarelo remetem para a luz solar e calor, enquanto cores frias como
roxo, azul e verde são associadas ao mar e ao céu e têm o efeito de acalmar
(MORENO, 2008).
No design de interiores, as cores quentes costumam ser usadas em grandes
salas para criar um ambiente mais acolhedor; por outro lado, cores frias como
o azul e verde são ideais para salas pequenas, para criar a sensação de que
são maiores.

Identificação interna do documento K8W3A37HWR-PBZOYP1


O papel do sistema visual e a temperatura de cor 9

Figura 8. Círculo cromático.


Fonte: Cores frias (2016, documento on-line).

Como você pode ver na Figura 8, as cores frias estão localizadas do lado
esquerdo do círculo cromático, enquanto as cores quentes estão situadas do
lado direito. Note que as três cores frias básicas (primárias e secundárias) são
o verde, o azul e o violeta (roxo ou púrpura); as cores terciárias que surgem da
mistura entre elas são azul-esverdeado e azul-arroxeado. Da mesma maneira,
as cores quentes básicas são o vermelho, o laranja e o amarelo, e as cores
terciárias resultantes da mistura entre elas são o vermelho-alaranjado e o
amarelo-alaranjado (MORENO, 2008). O vermelho-arroxeado e o amarelo-
-esverdeado resultam da mistura de cores frias e quentes — violeta e vermelho
e verde e amarelo, respectivamente.

Cores quentes

Cores que pertencem à família quente evocam uma sensação de calor de


alguma forma — vermelho é apaixonado e ardente, e laranja e amarelo são
de verão, como o sol. As três principais cores quentes, situadas no lado direito

Identificação interna do documento K8W3A37HWR-PBZOYP1


10 O papel do sistema visual e a temperatura de cor

do círculo, são o amarelo, o laranja e o vermelho, e as cores terciárias que


surgem da mistura entre elas, vermelho-alaranjado amarelo-alaranjado, além
do amarelo-esverdeado.

Figura 9. Cores quentes básicas: amarelo, laranja e vermelho.


Fonte: Cores quentes (2016, documento on-line).

Cores frias

As cores que pertencem à família mais fria são os azuis, verdes e roxos do
círculo cromático. Esses naturalmente evocam um sentimento mais calmo
do que as outras cores, são mais subjugados do que as cores mais quentes,
ligando-se mais de perto à água, à natureza etc.

Figura 10. Cores frias: azul, verde e violeta.


Fonte: Cores frias (2016, documento on-line).

Identificação interna do documento K8W3A37HWR-PBZOYP1


O papel do sistema visual e a temperatura de cor 11

AMO PINTAR. Valor tonal das cores. Para que serve e como se utiliza? 2017. Disponível
em: <http://www.amopintar.com/valor-tonal-das-cores/>. Acesso em: 30 out. 2018.
CORES frias. Toda Matéria, 11 mar. 2016. Disponível em: <https://www.todamateria.
com.br/cores-frias/>. Acesso em: 30 out. 2018.
CORES quentes. Toda Matéria, 11 mar. 2016. Disponível em: <https://www.todamateria.
com.br/cores-quentes/>. Acesso em: 30 out. 2018.
ESTUDO DA COR. Dimensões da cor. 2018. Disponível em: <https://estudodacor.wor-
dpress.com/aspectos-fisicos/dimensoes-da-cor/>. Acesso em: 30 out. 2018.
LEÃO, F. G. Psicologia das cores no design de interiores. Design Culture, 7 abr. 2017.
Disponível em: <https://designculture.com.br/psicologia-das-cores-no-design-de-
-interiores>. Acesso em: 30 out. 2018.
MORENO, L. Teoria da cor: propriedades das cores. Criarweb, 28 fev. 2008. Disponível
em: <http://www.criarweb.com/artigos/teoria-da-cor-propriedades-das-cores.html>.
Acesso em: 30 out. 2018.

Leitura recomendada
KLEINER, A. F. R.; SCHLITTLER, D. X. C.; SÁNCHEZ-ARIAS, M. R. O papel dos sistemas visual,
vestibular, somatosensorial e auditivo para o controle postural. Revista Neurociências,
v. 19, n. 2, p. 349-357, 2011.

Identificação interna do documento K8W3A37HWR-PBZOYP1


Conteúdo:
TEORIA
DA IMAGEM

Rafaela Queiroz
Ferreira Cordeiro
Revisão técnica:

Deivison Campos
Bacharel em Filosofia
Mestre em Sociologia da Educação

T314 Teoria da imagem / Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro... [et al.] ;


[revisão técnica: Deivison Campos]. – Porto Alegre :
SAGAH, 2018.
240 p. : il. ; 22,5 cm

ISBN 978-85-9502-320-8

1. Jornalismo. I. Cordeiro, Rafaela Queiroz Ferreira.

CDU 070

Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147


Funções da imagem e
descoberta do visual
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Reconhecer a imagem como linguagem e discurso.


„„ Elencar os elementos básicos que compõem a imagem.
„„ Identificar funções da imagem.

Introdução
Uma das características comunicacionais marcantes da sociedade atual
é o uso abundante de imagens. Ora, você vive na sociedade mediada
pelo imperativo da imagem, na qual todos de alguma forma acabam por
“se mostrar” por numerosos discursos visuais. Você precisa, assim, diante
dessa profunda imersão no universo visual, compreender a imagem
como linguagem e discurso dotado de heterogeneidade e valor próprio.
Embora a leitura de uma imagem pareça ser à primeira vista fácil, é
importante você saber que as imagens não somente informam e co-
municam. Elas representam o mundo e a relação das pessoas com a
“realidade” de inúmeras formas. Desse modo, compreender alguns dos
elementos básicos e das funções da imagem é fundamental para uma
leitura crítica do visual.
Neste texto, você vai reconhecer a imagem como linguagem e
discurso. Também vai estudar os elementos básicos que compõem a
imagem e identificar algumas das funções relacionadas a ela.

A imagem como linguagem e discurso


Você vive numa sociedade da imagem; ou, pelo menos, cada vez mais da
ordem da imagem. Tudo e todos querem se mostrar, se expor, se apresentar
em uma coletânea de discursos imagísticos. Isso ocorre muitas vezes porque
198 Funções da imagem e descoberta do visual

a imagem parece dizer e expressar tudo por “si só”. Mas essa noção é um
engano. A imagem, assim como a escrita, é composta por linguagens que
apresentam especificidades e, por isso, têm valor próprio (LENCASTRE;
CHAVES, 2007). Essas linguagens podem ser empregadas conjuntamente —
uma em direção à outra, como uma legenda que acompanha uma fotografia
— e frequentemente o são. Contudo, você deve compreender a imagem como
uma linguagem específica. Ora, o que a imagem informa e comunica, isto é,
representa se dá por meio de recursos visuais como cores, tons, ângulos,
posições dos atores, deslocamentos de objetos, sombreados, margeação,
etc. Esses recursos, por sua vez, nem sempre são empregados em outras
formas de linguagem, como pela escrita cotidiana. Tais elementos poucas
vezes são tão facilmente compreendidos, embora pareçam o ser. Assim,
não é só porque a imagem “fala com a sua visão”, chamando facilmente a
sua atenção, que ela deve ser lida como um texto claro, pronto e que diz
tudo “mostrar”.
Ler uma imagem exige uma análise da sua especificidade como linguagem
e discurso, pois ela é, assim como o discurso verbal, parcial, textual e um
corte no tempo e no espaço. Ela também não deve ser definida em oposição à
linguagem verbal, uma vez que a distinção entre verbal e não verbal pouco
ajuda a situar o uso interativo de ambas. A esse respeito, você deve saber
ainda que a linguagem escrita, como a scriptovisual, pode fazer — e faz, em
abundância, no universo social das redes — uso de muitos desses recursos. Ora,
quantas vezes você se depara com manchetes jornalísticas na cor vermelha?
Apesar de essa pergunta ser simples, a resposta a ela já dá pistas de que muito
provavelmente a notícia ou a matéria referida faz parte do universo do crime.
Ou, caso não faça, há uma analogia possível a se inferir pelo uso da cor. Tudo
isso só comprova a necessidade de um aprendizado, um ensino que se volte
para a imagem. Para aprender a ler o texto escrito, desde pequeno você é
convidado a ser alfabetizado, isto é, a ler e a escrever de forma “consciente”.
É preciso, assim, instituir práticas de alfabetização que incluam a imagem,
como as que foram sócio-historicamente inseridas quanto à necessidade e à
importância de ler um discurso verbal.
Portanto, é imperativo também saber ler a imagem como uma linguagem
para entender como funciona e o que representa. As pessoas levam anos para
aprender a ler e a escrever, bem como para desenvolver uma leitura e uma
escrita funcionalmente críticas. Com a imagem, isso não é diferente. Estudá-
-la é dilatar o seu olhar sobre o mundo, sobre a análise da informação e da
comunicação. Além disso, e não menos importante, é compreender que um
discurso pode reunir vários sentidos.
Funções da imagem e descoberta do visual 199

Cloutier (1975 apud LENCASTRE; CHAVES, 2007) propõe o uso da expressão audios-
criptovisual para evitar a comum confusão entre linguagem e media, e também
a distinção entre linguagem escrita e linguagem audiovisual. Na sua perspectiva,
há as linguagens de base — tais como a auditiva e a visual, que são caracterizadas
como naturais, e ainda a scripto. Esta última se relaciona ao mundo da “significação”
e às suas associações, chamadas pelo teórico de sintéticas ou compostas, tais como
a audiovisual, a scriptovisual e a audioscriptovisual.
Tal como concebe Cloutier (1975 apud LENCASTRE; CHAVES, 2007), a linguagem de
áudio é percebida pelo ouvido. Ela é temporal, pois se desenvolve ao longo do tempo,
e linear, uma vez que cada som é percebido em cadeia, associado a outro anterior.
Quando é produzida, é escutada simultaneamente, embora possa ser conservada ao
longo do tempo por meio da gravação. Já a linguagem scripto é percebida pela
visão. Ela é caracterizada como híbrida e linear, pois, além de se desenvolver ao longo
do tempo, o som é representado pela grafia. Ademais, a escrita constitui um conjunto
de símbolos arbitrários, os quais só têm sentido para os sujeitos que compartilham
uma língua específica. A linguagem visual, como é sabido, destina-se a ser percebida
também pela visão. Os objetos do mundo são representados espacialmente em três
dimensões, desse modo ela é espacial e global. Seja por meio da representação do
objeto (a imagem), seja por meio do próprio objeto, você o percebe a partir de formas,
luzes, cores, linhas, movimentos, perspectivas, etc.
Quanto às linguagens tidas como compostas, Cloutier (1975 apud LENCASTRE;
CHAVES, 2007) afirma que elas se originam da fusão de linguagens de base e dão origem
a uma forma de comunicação nova. A partir do que expõe o autor, é possível resumir
essas linguagens da seguinte forma: (i) a audiovisual diz respeito à comunicação
que é percebida pela visão e pela audição; (ii) a scriptovisual se refere aos modos de
comunicação gráfica cuja palavra se funde com a imagem; e (iii) a audioscriptovisual
se constitui como uma comunicação cujas diversas linguagens estão “aglutinadas”.
Neste último caso, destaca-se a própria atividade humana da comunicação, a qual
se dá nas quatro dimensões básicas que abarcam o espaço-tempo (altura, largura,
profundidade e tempo).
A ideia é que você não encare essa identificação como um operador restritivo e
fechado. Você pode ver essa mesma classificação como uma forma de ajudá-lo a pensar
sobre a diversidade de linguagens humanas possíveis, e não como um arcabouço
teórico fechado e predeterminado.

A imagem como discurso, o discurso como imagem


Além de observar a imagem como linguagem, dotada de um valor específico,
você precisa compreendê-la como discurso. Bakhtin (2003), Bakhtin e Volochí-
nov (2006) são teóricos russos que estudaram o funcionamento da linguagem.
200 Funções da imagem e descoberta do visual

As reflexões deles permitem entender a imagem, assim como o verbal, como


um enunciado, um discurso, um texto. Dito de outro modo, tanto a linguagem
visual como a linguagem verbal têm um papel fundamental na produção dos
efeitos de sentido do que está sendo representado. Esse é um ponto de vista
importante a ser considerado pelos estudos da imagem.
Em Brait (2013), é possível encontrar uma excelente discussão sobre a
contribuição dos estudos de Bakhtin e do dito “Círculo” para o desenvol-
vimento de uma teoria geral da linguagem e do discurso. Nesse sentido, os
estudiosos russos trabalham com os enunciados situados no contexto, anco-
rados socialmente e em relações dialógicas. Os sentidos do discurso visual, os
quais parecem estar postos na imagem, são construídos no momento em que
esse discurso é lido/visto. Além disso, como a linguagem verbal e oral, esse
discurso é social e carrega valores ideológicos, os quais variam conforme os
participantes envolvidos e a situacionalidade comunicativa.
Algumas das reflexões elaboradas pelos teóricos, de grande importância
para a cultura visual (BRAIT, 2013), se destacam. Uma delas é a do signo
enquanto materialidade ideológica — seja uma palavra, seja uma mímica, seja
uma imagem, todas são ideológicas. Também há a reflexão sobre a relação
existente entre signo e consciência — não há como se pensar senão por meio
de signos. Existe ainda o debate quanto às noções que unem o campo ético
ao estético — como a importante conceituação sobre a imagem exterior, o
processo criativo, a atividade criadora, o autor/herói-personagem e o excedente
de visão do autor —, entre muitos outros.

Elementos da imagem
Para ampliar a sua compreensão da imagem como linguagem, você deve
identificar quais elementos visuais são importantes na construção dessa ima-
gem. A esse respeito, é possível partir da discussão elaborada por Lencastre
e Chaves (2007). Retomando Dondis (1999 apud LENCASTRE; CHAVES,
2007), esses dois estudiosos indicam o ponto, a linha, a forma, a direção, o
tom, a cor, a textura, a escala, a dimensão e o movimento como alguns dos
elementos essenciais para construir as formas visuais. Villafañe (1985 apud
LENCASTRE; CHAVES, 2007) acrescenta a essa perspectiva mais outros
elementos e os reúne em três grandes grupos, que são os (1) morfológicos,
(2) dinâmicos e (3) escalares. O primeiro e o segundo se caracterizam pela
natureza qualitativa dos elementos; o terceiro, pela natureza quantitativa e
relacional dos elementos.
Funções da imagem e descoberta do visual 201

Elementos morfológicos
Desse primeiro grupo fazem parte o ponto, a linha, o plano, a textura, a cor, a
forma e o tom. Tais elementos apresentam a característica de espacialidade e,
assim, compreendem a estrutura do espaço. O ponto, por exemplo, é o ícone mais
simples da comunicação visual, conforme explicam os autores supracitados. Ele
pode ser representado de forma bem diversificada, desde um pequeno círculo
a uma representação próxima do quadrado. Já a linha (Figura 1) se dá quando
os pontos estão muito perto um do outro. Esta pode ser caracterizada também
como um ponto em movimento. Uma vez que é formada por pontos, também
pode ser representada em inúmeras formas, estilos e expressões — de nítida à
sombreada. O plano tem um aspecto especialmente espacial, como você talvez
já tenha imaginado. Ele corresponde à superfície — com duas linhas horizontais
e verticais — em que se organiza a representação da imagem.

Figura 1. A partir do ponto, há numerosas possibilidades de se constituir uma linha. E,


assim, você pode indagar: o que ela representa? Há aquela frenética, a que se assemelha
a uma onda, a bem fina, a torneada e grossa, a tracejada, a pontilhada, a generosamente
marcada, a sombreada e a quase imperceptível.
Fonte: Vdant85/Shutterstock.com.
202 Funções da imagem e descoberta do visual

Há ainda a textura, que funciona como um substituto do tato. Ela se dá quando


o traço sobre o plano se constitui em uma repetição ou progressão sistemática.
Dependendo da forma em que o traço for elaborado no plano — seja em tracejado,
seja em pontilhado, por exemplo —, a textura é um elemento importante para
indicar o relevo atribuído a certos objetos (atores) nas imagens. Já a cor é um
elemento bem interessante. Ela se dá por meio de uma excitação das “[...] células
fotorreceptoras da retina [...]” (LENCASTRE; CHAVES, 2007, p. 1.167), pois as
cores não existem. Ou, ainda, não há cor nas coisas. Quando você vê as cores
e as identifica, tal coloração diz respeito ao reflexo da luz que incidiu sobre
o objeto. Desse modo, quando você vê um vestido vermelho, o que realmente
observa é o reflexo de ondas vermelhas e a absorção de ondas de outras cores.
Você pode também observar que o vestido da cor vermelha compreende uma
coloração quente, a qual se opõe àquelas de propriedades frias — tais como o
azul e o verde (LENCASTRE; CHAVES, 2007).
Portanto, as cores são fundamentais na leitura de uma imagem, podendo
ainda, a partir da mistura, da conjunção entre elas e da forma como são apre-
sentadas numa peça imagística — por trás, do lado, na diagonal, pela frente,
etc. —, representar distintos sentidos. Além disso, em diversas culturas, as
cores apresentam valores simbólicos. Isso é importante para a compreensão da
imagem. Além da cor, há ainda dois elementos importantes: a forma e o tom.
Você pode compreender a forma como articulada ou construída pela linha.
É a linha que constitui a forma da imagem. Já o tom constitui a intensidade
da luz que incide sobre o objeto, pois aquela não se dá de maneira uniforme
e contínua ao longo do objeto em determinado espaço. Logo, as gradações
de luz e de tom em um espaço, que podem ser várias, são informações que
auxiliam você a diferenciar a composição visual de uma imagem (LENCAS-
TRE; CHAVES, 2007).

Elementos dinâmicos
Nesse segundo grupo, você encontra os elementos relacionados à dinamici-
dade da imagem. São eles: o movimento, a tensão, o ritmo e a direção (LEN-
CASTRE; CHAVES, 2007). É interessante refletir sobre tal explanação pelo
seguinte: se a imagem constitui um corte do “real”, do que está se realizando
em um momento e um espaço únicos, essa imagem será estruturalmente
uma representação que foi “retirada” da dinamicidade e da organicidade da
vida, não é mesmo? No entanto, a reflexão sobre esses elementos dinâmicos
não parece ser tão simples assim. Afinal, uma imagem aparentemente fixa
pode apresentar dinamicidade, por exemplo. Imagine uma foto de um casal
retirada no dia do seu casamento. Em tal imagem, há apenas os dois a se
Funções da imagem e descoberta do visual 203

beijarem no plano principal. O olhar de um em direção ao outro e a projeção


da boca a ser tocada pelo outro podem representar o movimento de um
parceiro indo de encontro ao outro para beijar, a direção em que o beijo se
dará (mais para cima do queixo, mais para baixo do nariz, mais perto do
canto do lábio inferior direito ou esquerdo, etc.), o ritmo do beijo (um beijo
calmo, apressado, vagaroso, veloz, excitante, etc.) e a tensão entre o casal
no momento desse encontro íntimo a ser registrado pelo fotógrafo. São
muitas as possibilidades de significar essa mesma imagem que aparenta ser
“estática”, mas é constitutivamente viva e dinâmica.
Conforme Lencastre e Chaves (2007), o movimento constitui uma das
formas de construir ilusão em uma imagem “fixa”. Isso pode se dar quando
tenta-se fotografar um objeto a certas velocidade e distância durante um
período de tempo, como um carro numa estrada rodeado de outros veículos.
Ao se fazer isso, foca-se no objeto principal (o carro) e os outros aparecem
com um efeito de arraste (os veículos ao redor). Quanto à tensão, ela pode
ser obtida por meio de proporções, orientações, oposição entre cores e ainda
profundidade. Já o ritmo é naturalmente dinâmico, no sentido de sua própria
estrutura e repetição de elementos. Por fim, há a direção, a qual pode ser
horizontal, vertical, oblíqua, curva, etc. Seja qual for, cada uma tem um
sentido muito importante para a interpretação de imagens. Por exemplo,
as noções de direção horizontal e vertical estão relacionadas à estabilidade
visual, em virtude da referência primária que o homem tem desses conceitos.
A diagonal já apresenta um sentido contrário ao daquelas noções, isto é, de
instabilidade, inconstância. E há ainda a direcionalidade curva, a qual diz
respeito à “abrangência e repetição” dos objetos representados nas imagens
(DONDIS, 1999 apud LENCASTRE; CHAVES, 2007).

Elementos escalares
Nesse terceiro grupo, você encontra os seguintes elementos: escala, proporção,
formato e dimensão. Eles dizem respeito à caracterização quantitativa da
representação da imagem. Embora nem sempre sejam valorizados, conforme
explicam Lencastre e Chaves (2007), ao se fazer uma análise da comunicação
visual observa-se também a sua natureza relacional: na escala, há uma relação
entre a imagem e o real; na proporção, entre as partes com o todo da obra;
no formato, entre a verticalidade e a horizontalidade; e na dimensão, entre o
tamanho da imagem e a sua legibilidade.
De maneira geral, a escala é uma noção que possibilita aumentar ou di-
minuir o objeto sem modificar substancialmente as propriedades estruturais
204 Funções da imagem e descoberta do visual

do que está sendo representado na realidade. Como é o caso das plantas de


uma casa ou de mapas, a escala é fundamental para se construir uma relação
adequada — e, para isso, tomam-se como referência sistemas de escalas
específicas — entre a imagem e a realidade alcançada. Já a proporção diz
respeito a “[...] uma relação entre as partes de uma grandeza [...]” (LEN-
CASTRE; CHAVES, 2007, p. 1.169). A importância desse conceito se dá em
virtude também de outro que você já conheceu, que é o ritmo: uma vez que a
proporcionalidade considera a composição, o arranjo e a organização entre seus
elementos e o todo, essa noção auxilia na ordenação interna da representação,
seja na estruturação ou na repetição (ou não) de informações visuais — e aqui
se encontra a sua correlação com o ritmo.

Os gregos usavam uma escala bastante conhecida até os dias de hoje: a chamada
seção áurea. A razão áurea ou razão de ouro é um número especial que foi encontrado
dividindo-se a linha em duas partes. A parte mais longa dividida pela parte menor
é também igual a todo comprimento dividido pela parte mais longa. Essa razão é
comumente simbolizada pelo número phi (π), após a vigésima primeira letra do
alfabeto grego.
Empregada no desenho de plantas e templos, a razão áurea ficou famosa por cons-
truir a noção de simetria matemática do que se considerava belo. Conforme explica
Hom (2013), em 1509 o matemático italiano Luca Pacioli (1447–1517), colaborador de
Leonardo Da Vinci (1452–1519), escreveu um livro em que se referia ao número como a
“proporção divina”. Tal proporção foi retomada e ilustrada por Da Vinci (1452–1519) na
sua famosa ilustração chamada Homem de Vitrúvio. Além de Da Vinci, artistas famosos
como Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni (1475–1564), Raffaello Sanzio da
Urbino (1483–1520), mais conhecido como Raphael, Rembrandt Harmenszoon van Rijn
(1606–1669), Georges-Pierre Seurat (1859–1891) e Salvador Dalí (1904–1989) fizeram
uso dessa razão.
Fonte: Hom (2013), Lencastre e Chaves (2007).

Sobre o formato, essa noção se refere à proporção entre os lados da imagem.


Embora o formato possa ser redondo, triangular, oval, etc., muitas das imagens
são compostas basicamente entre os lados vertical e horizontal, uma vez que
esse é um dos formatos mais usados. Por fim, há a dimensão. Essa noção,
também chamada de tamanho relativo, se relaciona à profundidade da imagem,
uma vez que, quando os objetos são representados numa maior dimensão, estes
Funções da imagem e descoberta do visual 205

estão necessariamente mais próximos do olho humano. Assim, no processo de


constituição da imagem, a dimensão apresenta traços da profundidade, organiza
os elementos que fazem parte da composição imagística e, ao organizá-los,
confere maior peso a algumas informações visuais em detrimento de outras
(LENCASTRE; CHAVES, 2007).
Por fim, embora tais elementos supracitados apresentem maior importância
plástica quando a imagem é também um ícone, todos são pontos de partida
fundamentais para você elaborar uma compreensão crítica sobre a linguagem
visual.

Funções da imagem
Quando você pensa em imagens, provavelmente vem à sua mente uma
questão em especial, que diz respeito ao uso ou à utilidade da imagem.
Ora, para que serve uma imagem? Conforme Aumont (2002), as funções
da imagem têm sido as mesmas de todas as produções humanas realizadas
ao longo da história. Essas funções envolvem estabelecer uma relação
com o mundo. Há, no entanto, três modos principais de se trabalhar essa
relação, que são: o (1) modo simbólico, o (2) modo epistêmico e o (3)
modo estético.

O modo simbólico
Segundo explica Aumont (2002), no início as imagens apresentavam uma forte
relação com a esfera do sagrado. Como símbolos religiosos, tais ícones —
uma vez que boa parte das imagens se caracterizava dessa forma — tinham
como efeito sugerir o divino ou aproximá-lo do indivíduo por meio de uma
manifestação dessa mesma presença divina. As primeiras esculturas gregas,
por exemplo, eram ídolos que foram produzidos e venerados como formas de
manifestações das divindades. Assim como Zeus representou a máxima divin-
dade grega masculina, Buda e Jesus Cristo também são exemplos de imagens
iconográficas religiosas. Além delas, há algumas imagens que apresentam um
simbolismo religioso — sem uma necessária relação de iconografia —, tal
como a cruz cristã e a suástica hindu.
Há, contudo, outras formas de manifestar a função simbólica para além
do modo religioso: valores ideológicos como a liberdade, a democracia, o
progresso, entre outros, são representados também por meio de símbolos
imagísticos.
206 Funções da imagem e descoberta do visual

A palavra iconografia tem origem na união de dois termos gregos que são eikon
(imagem) e grafia (escrita), os quais significam de forma literal a escrita da imagem.
De maneira geral, a iconografia diz respeito aos estudos de vários tipos de imagens,
tais como estátuas, pinturas, gravuras, retratos, ilustrações, etc. Entretanto, até o século
XVI, a iconografia abrangia somente imagens relacionadas ao contexto religioso, tais
como esculturas e pinturas de anjos, santos e Jesus Cristo. Inclusive, o surgimento da
própria expressão ícone veio da relação implícita entre a imagem e o sagrado.
No Brasil, a iconografia tem por objetivo analisar a construção do país antes do
seu descobrimento. Afinal, os índios produziram pinturas e esculturas que são de
importância fundamental para compreender os costumes, os hábitos e as tradições
que influenciaram a constituição do País.
Fonte: Significados (c2011-2018).

O modo epistêmico
A função epistêmica está relacionada ao conhecimento (o termo episteme
também vem do grego). Essa função se dá uma vez que as imagens veiculam
informações sobre os objetos, as pessoas, o mundo, as culturas, as relações
sociais e históricas, etc. Essa função também foi atribuída desde cedo: as
imagens ao longo da história representam as “realidades” e, ao fazer isso,
nos informam, por meio de numerosas maneiras sempre parciais, a geografia
de uma região (um mapa, por exemplo), o ponto turístico de uma cidade (um
cartão postal, por exemplo), o número de uma conta bancária (um cartão do
banco, por exemplo), o tipo de uma planta (um pôster botânico, por exemplo),
uma espécie animal (uma cartilha da medicina veterinária, por exemplo), etc.
Há muitos tipos de imagens e, desse modo, existem muitas maneiras de levar
o conhecimento e construí-lo com as pessoas (AUMONT, 2002).
Desde os manuscritos da Idade Média, essa função já estava relacionada
às imagens. A partir das eras moderna e pós-moderna, tal modo passou a ser
cada vez mais ampliado e desenvolvido. Isso ocorre principalmente com os
gêneros paisagem e retrato fotográfico, conforme explica Aumont (2002).

O modo estético
Por último, mas não menos importante, a imagem tem a função de agradar
ao público, de oferecer sensações específicas. Essa modalidade é também
Funções da imagem e descoberta do visual 207

antiga. Apesar disso, se acredita que o sentimento estético do espectador


diante da obra de arte tenha variado, isto é, tenha sido elaborado de forma
diferente ao longo do tempo e da história. Atualmente, contudo, essa função
parece ser preponderante e indissociável da contemplação da obra de arte
(AUMONT, 2002).
É comum as pessoas pensarem que a arte pertence ao domínio oposto ao
da ciência e que, desse modo, a experiência estética não pode ser reduzida,
expressa ou trazida pelo verbal. Isso leva a um movimento de exaltação da
complexidade artística, como se houvesse uma tentativa de explicar que no
estético existe uma necessidade de reafirmar e preservar o seu segredo, o seu
mistério, o seu tom complexo (JOLY, 2007). Tal análise, assim, tenta inter-
rogar o artista e o seu imaginário. É muito como consequência dessa via que
se passou, historicamente, a valorizar o mundo artístico, a sua criatividade
e o caráter genial do artista. Além disso, se passou a considerar o nome do
sujeito por trás da obra de arte, o qual adquire um estatuto de importância na
contemplação, na leitura e na análise de uma imagem.
Dentro dessa abordagem, há uma discussão crucial que leva ao que você
viu no início do capítulo: o debate sobre a necessidade de compreender a
imagem como uma linguagem própria para melhor compreender o visual.
O hábito adquirido por meio da aprendizagem sobre o verbal, o visual e o
verbovisual não aniquila ou rompe com o modo estético gerado pela arte,
como alguns poderiam pensar. Segundo Joly (2007, p. 52), a prática pode,
com o tempo, estimular e aumentar a fruição estética, aguçando os sentidos,
os quais passam a ir além de uma leitura inicialmente espontânea. Além de
proporcionar o acesso a mais informações sobre o universo do imagístico, a
análise constitui um passo importante ao interagir com os numerosos tipos de
obras visuais. Assim, auxilia na compreensão e também no prazer quando se
estabelece contato com esses outros universos representados imagisticamente.
208 Funções da imagem e descoberta do visual

Uma das funções primordiais atribuídas à imagem é a pedagógica, conforme explica


Joly (2007). Embora não seja discutida diretamente por Aumont (2002), essa função
merece sua atenção. Além de se dar em uma escola ou universidade, isto é, num
espaço institucionalizado, ela também pode ocorrer nos meios de comunicação que
fazem uso da imagem. Nesses espaços, inclusive, um ensino voltado para a leitura
da imagem é fundamental, uma vez que possibilita ferramentas de análise crítica
ao que está sendo veiculado como imagem noticiada em termos de “factualidade”
pelos media. A imagem, como linguagem específica, com valor próprio e dotada de
heterogeneidade, não é a “realidade”; ela é um signo, uma representação valorativa e
orientada desse mesmo real. Possibilitar a sua interpretação é, portanto, uma iniciativa
ética e de liberdade intelectual.

1. Qual das alternativas quantitativa da imagem.


a seguir caracteriza b) Os elementos escalares, os quais
corretamente a imagem? constituem o movimento, a
a) A imagem é uma linguagem tensão, o ritmo e a direção, estão
específica que se opõe à verbal. relacionados à caracterização
b) A imagem é uma linguagem quantitativa da imagem.
específica e clara, que c) Os elementos dinâmicos,
diz e mostra tudo. os quais constituem o
c) A imagem é um discurso movimento, a tensão, o ritmo
verbovisual oposto à escrita. e a direção, estão relacionados
d) A imagem é um discurso à espacialidade da imagem.
que representa um sentido d) Os elementos morfológicos,
e uma perspectiva. os quais constituem o ponto, a
e) A imagem é uma linguagem linha, o plano, a textura, a cor,
que apresenta especificidade a forma e o tom, apresentam a
e valor próprio. característica de espacialidade.
2. A respeito dos elementos básicos e) Os elementos escalares, os
que constituem a imagem, marque a quais constituem a escala,
alternativa correta. a proporção, o formato e a
a) Os elementos morfológicos, dimensão, estão relacionados
os quais constituem o ponto, à dinamicidade da imagem.
a linha, o plano, a textura, a 3. A respeito dos elementos
cor, a forma e o tom, estão morfológicos que constituem a
relacionados à caracterização imagem, marque a alternativa correta.
Funções da imagem e descoberta do visual 209

a) A escala, a proporção, o horizontal, vertical,


formato e a dimensão oblíquo, curvo, etc.
constituem os elementos d) A direção, assim como a forma,
morfológicos da imagem. o tom e a cor, é um elemento
b) O ponto, que é um elemento dinâmico básico da imagem.
morfológico, constitui o e) A tensão, que é um elemento
ícone mais complexo da dinâmico, constitui uma
comunicação visual. das formas de construir
c) O plano, que é um elemento ilusão na imagem fixa.
morfológico, corresponde à 5. A respeito dos modos ou
superfície em que se organiza funções das imagens, marque
a representação da imagem. a alternativa correta.
d) A linha, que é um elemento a) O modo simbólico se dá em
morfológico, se caracteriza imagens que apresentam
como um ponto estático uma relação basicamente
e sem movimento. religiosa com a divindade.
e) A cor, que é um elemento b) O modo estético diz respeito
morfológico, se caracteriza ao conhecimento que é
por meio da união de informado e comunicado pelas
diversos pontos. imagens para o público.
4. A respeito dos elementos dinâmicos c) O modo epistêmico está
que constituem a imagem, relacionado ao caráter de
marque a alternativa correta. contemplação do público
a) São elementos dinâmicos os diante da imagem.
seguintes: o ponto, a cor, a forma, d) O modo simbólico se dá em
o movimento, a direção e o ritmo. imagens que representam
b) O movimento, que é um uma relação ideológica com
elemento dinâmico, se os objetos e o mundo.
dá também em imagens e) O modo epistêmico está
fixas e estáticas. relacionado ao caráter
c) O ritmo, que é um elemento sagrado das imagens que
morfológico, pode ser representam as divindades.
210 Funções da imagem e descoberta do visual

AUMONT, J. A imagem e seu espectador. In: AUMONT, J. A imagem. 7. ed. Campinas:


Papirus, 2002. p. 78-81.
BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso [1952-1953]. In: BAKHTIN, M. M. Estética da
criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 261-306.
BAKHTIN, M. M.; VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas
fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 12. ed. São Paulo:
Hucitec, 2006. (Linguagem e Cultura, 3).
BRAIT, B. Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana, São
Paulo, v. 8, n. 2, p. 43-66, jul./dez. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
bak/v8n2/04.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2017.
HOM, E. J. What is the golden ratio? [S.l.]: LiveScience, 2013. Disponível em: <https://
www.livescience.com/37704-phi-golden-ratio.html>. Acesso em: 10 dez. 2017.
JOLY, M. Introdução à análise da imagem. 11. ed. Campinas: Papirus, 2007.
LENCASTRE, J. A.; CHAVES, J. H. A imagem como linguagem. In: BARCA, A. et al. Libro
de actas do Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía. Coruña: Uni-
versidade da Coruña, 2007. p. 1162-1173. Disponível em: <http://repositorium.sdum.
uminho.pt/bitstream/1822/26093/1/Lencastre_A_imagem_como_linguagem_Ga-
laico2007.pdf>. Acesso em: 05 dez. 2017.
SIGNIFICADOS. Significado de iconografia. Matosinhos: 7Graus, c2011-2018. Disponível
em: <https://www.significados.com.br/iconografia/>. Acesso em: 05 dez. 2017.

Leituras recomendadas
BRAIT, B. A palavra mandioca do verbal ao verbo-visual. Bakhtiniana, São Paulo, v. 1, n.
1, p. 142-160, 2009. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/
article/view/3004>. Acesso em: 10 dez. 2017.
DONDIS, D. A. Sintaxe da linguagem visual. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2015.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Conteúdo:
Literatura
Infantojuvenil

Lúcia Regina Lucas da Rosa


O leitor fotógrafo
ou o fotógrafo leitor
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Comparar o processo fotográfico ao processo de leitura da literatura.


 Reconhecer a importância da liberdade de expressão do aluno e do
seu posicionamento frente aos textos literários.
 Desenvolver habilidades e estratégias para a leitura, partindo dos
recursos visuais e verbais dos textos literários.

Introdução
O ensino de literatura e os seus objetivos na educação básica têm sido
amplamente debatidos. Nesse contexto, está em jogo tanto a forma do
texto quanto o seu conteúdo. A comparação do leitor com o fotógrafo
se dá na medida em que a leitura é feita considerando os detalhes, os
recortes de ideias e a aproximação da escrita com as imagens. Nesse
sentido, é possível considerar o formato das letras, a sua disposição gráfica
na página e o potencial que as palavras têm de “criar imagens” a partir
da descrição de espaços e pessoas e do uso de figuras de linguagem.
Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a leitura compre-
ende as práticas de linguagem que se desenvolvem a partir da interação
com textos escritos, orais e multissemióticos, bem como da interpretação
desses textos. Assim, é necessário pensar sobre o imaginário suscitado
pelas histórias e sobre as condições de ensino. Como você sabe, existe
uma imensa quantidade de publicações, porém nem todas são adequa-
das para a aprendizagem. É desde a formação do professor no curso de
licenciatura que se definem as possíveis leituras a serem realizadas na
educação básica e os critérios de escolha que levam a elas.
2 O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor

Neste capítulo, você vai aprofundar os seus conhecimentos acerca


da comparação do leitor com o fotógrafo. Além disso, vai conhecer es-
tratégias de ensino que levam à expressão do aluno ao ler e estudar
literatura. Por fim, vai ver quais habilidades são necessárias ao professor
para a organização das aulas de literatura.

Ler e fotografar como processos da leitura


Para compreender a relação entre a leitura e a fotografia, você deve levar em
conta as possibilidades e peculiaridades de cada um desses processos. Quanto
à fotografia, há um universo visual mais definido, que instiga cada espectador
a conceber um imaginário próprio. Nessa perspectiva, o olhar de quem produz
a fotografia nem sempre coincide com o olhar de que a contempla e analisa.
Ao discorrer sobre o surgimento da fotografia, Walter Benjamin (2010)
afirma que essa técnica de reprodução de imagens leva à perda da aura que
caracteriza a pintura. O autor compara as artes do início dos anos 1890 e
estabelece algumas críticas: “[...] elas sugam a aura da realidade como uma
bomba suga a água de um navio que afunda” (BENJAMIN, 2010, p. 101). Em
síntese, Benjamin preocupava-se com a transformação do real que a fotografia
estava levando a cabo; a perda da aura significa a reprodução em detrimento
da originalidade. Ou seja, com a possibilidade de realizar cópias, o autêntico
formato perdia-se na multiplicidade de imagens iguais, feitas em série.
A aura de uma obra de arte decorre de ela ter sido criada de forma única,
exclusiva, sem a possibilidade da cópia. Isto é, cada original tem uma aura,
uma característica única. O que Benjamin (2010) defendia era o fato de que
a arte fotográfica perdia a sua singularidade ao reproduzir o mesmo objeto
ou cena inúmeras vezes. Por outro lado, ao constatar a multiplicidade de
imagens iguais, Benjamin (2010, p. 107) verifica que “[...] a câmara se torna
cada vez menor, cada vez mais apta a fixar imagens efêmeras e secretas, cujo
efeito de choque paralisa o mecanismo associativo do espectador”. Nesse
sentido, hoje, tanto a fotografia quando a literatura podem ser reproduzidas,
ou seja, podem ser feitas muitas cópias, porém ambas, no momento de sua
criação, estão conectadas a condições de produção específicas. Ou seja,
ambas são também “irrepetíveis”, porque uma nova obra de arte se liga ao
novo momento em que surge, de forma que já não é exatamente a mesma
criada anteriormente.
O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor 3

Benjamin também analisou a perda da aura do livro a partir do surgimento


da imprensa e da possibilidade de se realizarem cópias em tipografias. A
difusão do livro, assim como a da fotografia, permite olhares múltiplos sobre
as obras artísticas. Para a apreensão do fenômeno literário, é preciso ativar
vários mecanismos de reconhecimento, compreensão e percepção das formas
de escrita. Por isso, justamente, cada texto é único e ao mesmo tempo pode ser
reproduzido, como também cada leitura pode gerar entendimentos diferen-
ciados. A leitura é múltipla em suas funções, como afirma Baldi (2009, p. 9):

Podemos pensar a leitura de literatura como uma das formas de acesso a ou-
tras referências que nos permitem sonhar ou sair de uma situação de controle
racional, sem medo de nos perdermos, ou seja, que nos permitem os desloca-
mentos, a liberdade, o exercício da curiosidade e do espírito aventureiro de
que tanto precisamos para enriquecer nossa vida e nos mantermos saudáveis.

Essa liberdade é essencial para o leitor, principalmente se ele for com-


parado ao fotógrafo, cuja atividade volta-se para o fazer artístico e para a
compreensão de uma realidade sob o recorte de um autor. Na visão de um
leitor fotógrafo, vislumbram-se as impressões e análises de quem está diante
de um texto literário e colhe impressões pessoais a partir da leitura e da
ativação de seus conhecimentos prévios. Ativando a sua visão de mundo,
o leitor, de antemão, prevê os desdobramentos das situações do texto que
tem diante de si. Ou seja, antes de ler todo o texto, ele já imagina e pensa
a continuidade da escrita, para, em seguida, confrontar seus pressupostos
com a escrita em si, com o todo do texto. Isso significa que cada parte da
escrita serve para predizer a parte seguinte; a leitura se faz pela visão e pela
decifração do código, mas também pelo encadeamento de ideias e sequên-
cias cabíveis. Nesse sentido, alguns itens de leitura devem ser observados,
e a leitura deve ser planejada e orientada pelo professor a partir de alguns
questionamentos, como os listados a seguir.

 Em que lugar se passa a história? Que locais são descritos no texto?


 Quem narra a história?
 Quem participa mais ativamente da narrativa e como se relacionam
todas as personagens?
 Quando tudo ocorre, os eventos são próximos ao tempo da narração
ou possuem distanciamento histórico?
4 O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor

 Qual é o evento mais marcante e que coloca alguma personagem em


conflito máximo? Quais são os desdobramentos desse evento marcante?
 Como é o desfecho e que tipo de final acontece?
 A situação é adequada para a visão de mundo do leitor, ou é incom-
patível com ela?
 A leitura suscita emoção? Há previsibilidade ou imprevisibilidade dos
fatos narrados, e como esses fatos dialogam entre si?

Esses são alguns dos elementos que possibilitam uma leitura proficiente e
de qualidade. Realiza-se, assim, uma leitura mais ampla, de um ponto de vista
mais macro, e forma-se uma ideia geral dos acontecimentos e da história em si.
Já para o fotógrafo leitor, cada detalhe do texto precisa ser captado, muitas
vezes por meio de um recorte do todo, da análise de um fragmento e da poste-
rior retomada do texto por inteiro. Assim como o fotógrafo, que divide a cena
captando o momento exclusivo com sua lente, o leitor capta frases de efeito
para relacioná-las com a íntegra do texto. Por isso, em muitas situações, só é
possível compreender a história após o seu término. Afinal, em sua análise, o
leitor somente consegue compreender os motivos das ações e intervenções das
personagens após juntar todas as cenas confrontadas com o seu imaginário. O
leitor fotógrafo é aquele que não deixa escapar os detalhes e sabe que eles são
partes importantes para a compreensão do todo. Ele junta fragmentos que vão
aparecendo no decorrer da leitura e une-os com base em algum significado
que atribui. Assim, realiza uma leitura mais pormenorizada, do ponto de
vista mais micro, formando várias ideias minuciosas dos acontecimentos e
juntando-as para a compreensão global.
Todo texto possui referências externas que proporcionam complemen-
taridade de ideias e melhor compreensão ao leitor, que pode conhecer mais
detidamente os fatos do texto e relacioná-los à realidade. O caminho pode
ser escolhido pelo professor e nem sempre é necessário seguir os mesmos
passos. Afinal, uma leitura precisa atender às peculiaridades do próprio
texto, e não a categorias de análise. Por outro lado, é necessário que o pro-
fessor conheça e proponha itens de análise, enfoques a serem observados
na leitura. Na perspectiva do fotógrafo, o leitor se desenvolve cada vez mais
quando mantém o foco em algo, que pode ser variado, desde que atente
para onde está focando em suas impressões, de modo a não cair no vazio
de informações sem significado.
O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor 5

O leitor é, ao mesmo tempo, decifrador, analisador, descritor e reconhecedor de


significados. Tanto o escritor quanto o fotógrafo captam imagens da realidade e as
transformam em texto (escrito ou visual).

Assim, o leitor (do romance, da fotografia, do quadro, do filme, etc.) é


aquele que percebe, de forma ampla ou minuciosa, os componentes do texto
e as relações entre ele e o seu contexto, isto é, a realidade da qual se partiu
para que fosse criado. Além disso, todo leitor sempre percebe os textos a
partir de sua própria perspectiva. Ou seja, seleciona uma “versão” do texto,
uma forma de interpretá-lo, assim como o fotógrafo escolhe uma forma de
ver o mundo e a capta em uma imagem, a partir da perspectiva escolhida.
Isso ocorre, na leitura da literatura, porque todo texto é formado por lacunas,
que são preenchidas pelos leitores de uma forma específica, a partir de suas
experiências prévias e de suas expectativas. Essas lacunas são parte dos textos:
nunca é possível (nem desejável) dizer tudo de uma vez só; sempre fica algo
“não dito”, que também possui significados. A cada vez que se lê, pode-se
perceber sentidos diferentes para as mesmas palavras, ou formas diferentes
de entender a mesma imagem. Isso ocorre porque os sujeitos mudam ao longo
do tempo e porque cada texto tem múltiplas camadas de sentido.

A liberdade de expressão do leitor


A liberdade de expressão é um tema muito debatido atualmente. Pessoas das
mais variadas classes sociais e profissões defendem a liberdade de expressão
como direito fundamental na sociedade contemporânea, mas muitas vezes
tal direito é deixado de lado. Assim, com frequência, em vez de se promover
a união entre os diferentes, acirram-se ainda mais as disputas e os desenten-
dimentos, o que ocasiona atritos contínuos e impossibilita o diálogo entre
pessoas com pensamentos divergentes.
Entre os espaços de expressão, há um que possui especial relevância de-
vido à sua finalidade: a sala de aula. É nesse ambiente que se exercita a troca
de experiências e se reelaboram pensamentos, confirmando, ampliando e
6 O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor

retificando ideias numa constante roda de conversas, leituras e estudos. No


contexto docente, o exercício de compreender outras formas de pensamento é
essencial. Os professores devem se empenhar em promover o debate de ideias
e o respeito a posições distintas.
A leitura é um ponto-chave para a realização de tudo o que foi mencionado,
integrando vários conhecimentos adquiridos e levando os alunos a adquirirem
novos conceitos e a se depararem com as complexidades advindas deles. Um
dos principais aspectos relacionados a isso é a atribuição de significações que o
leitor faz ao realizar as suas leituras. Veja o que afirma Micheletti (2006, p. 15):

Ler um texto (me refiro especialmente, embora não só, ao texto verbal) é
atribuir significações, atribuir significações pressupõe uma re-construção
do texto que nos é apresentado. Esse processo envolve um mecanismo de
descodificação e ativação de todos os conhecimentos de que o leitor dispõe.
Assim, ler um texto põe em ação todo o conhecimento de mundo (aqui enten-
dido como o conjunto de todas as experiências que se possui). Através desse
processo, atribuem-se significações a um texto que ultrapassam aquelas de
superfície, as quais poderiam ser reconhecidas por qualquer pessoa treinada
para ler na língua em que está o texto.

Essa atribuição de significações é a ferramenta principal da leitura. Se ela


não ocorre, o entendimento do texto fica prejudicado. Reconstruir um texto é
compreendê-lo e repensá-lo à luz de outros conhecimentos já adquiridos pela
experiência do leitor. No momento da leitura, são ativados os conhecimentos
prévios de forma tão automática, que o leitor nem percebe que está realizando
uma operação mental de rememoração. Para ler, é preciso imergir no mundo
das palavras e no mundo pessoal, para, juntando as duas dimensões, concretizar
uma experiência de mundo única, que diz respeito a cada leitor individualmente.
Assim, o leitor estabelece um diálogo com o texto, deixando-o mais vivo e
dinâmico, em um movimento de reconstrução e renovação de significados,
fortalecendo alguns e recompondo outros. A leitura é um caminho dinâmico
que faz um imbricamento entre leitor e texto, propiciando a ambos renovação
no campo das ideias e dos sentimentos. Mexer com a emoção é outro aspecto
relevante que envolve a leitura e o leitor, tanto pelos sentimentos explícitos no
texto quanto pelos implícitos, de caráter mais relacional. Nessa perspectiva,
os sentimentos do leitor vão ao encontro da narrativa ou da descrição presente
no texto.
Como você pode notar, a leitura é um ato interativo. Ela envolve o leitor e
abre espaço para que ele, além de dialogar consigo mesmo, interaja com outros
leitores e outras significações possíveis. Ler além da superfície textual leva
O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor 7

a uma tarefa colaborativa em sala de aula. Nessa tarefa, os procedimentos


leitores são essenciais para a conjunção de interações e a produção de sentidos.
Por isso, a liberdade de expressão é necessária no processo de elaboração de
ideias e de possibilidades reconstrutivas, não havendo regras fixas de chaves
de leitura nem conclusões padronizadas. É pelo exercício diário da leitura que
se aprimora a compreensão e, como consequência, aumenta-se a interação
entre texto e leitor e entre leitores, juntamente com o professor. O leitor é,
dessa forma, “[...] sujeito do processo de leitura e não objeto” (MICHELETTI,
2006, p. 17).
A partir da posição de sujeito do leitor e da noção de que o texto literário
possui múltiplos significados, é importante destacar o papel do livre pensar
proporcionado pelo professor nas leituras realizadas em sala de aula. Com
a mediação do professor, é possível construir análises diferenciadas com o
estudo do mesmo texto, indo ao encontro das significações possíveis. Igual-
mente importante é o ato do professor de propor ao aluno que se posicione
frente ao que foi lido, não apenas compreendendo o texto, mas indo além,
posicionando-se frente às situações apresentadas.
Ao aprofundar o tema de como ensinar literatura na escola, Todorov (2009),
historiador e ensaísta nascido na Bulgária, aborda, entre outros aspectos, o
efeito da literatura sobre as pessoas. Ele afirma:

A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos pro-
fundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres
humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos
ajudar a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para
com a alma; porém, revelação do mundo, ela pode também, em seu percurso,
nos transformar a cada um de nós a partir de dentro. [...] O leitor comum,
que continua a procurar nas obras que lê aquilo que pode dar sentido à sua
vida, tem razão contra professores, críticos e escritores que lhe dizem que
a literatura só fala de si mesma ou que apenas pode ensinar o desespero. Se
esse leitor não tivesse razão, a leitura estaria condenada a desaparecer num
curto prazo (TODOROV, 2009, p. 76–77).

Como você pode perceber, para Todorov, a literatura está ligada ao conhe-
cimento do mundo, realizando a integração do leitor consigo mesmo e com
a sociedade na qual ele está inserido. A possibilidade de a literatura levar
à compreensão do mundo e a sua influência na forma de vida dos sujeitos
podem transformar as pessoas. Tal poder fica marcado pela ligação e pelo
exercício de análise do texto literário, apontando para a relevância do papel do
professor no ensino de literatura. Nesse sentido, a condição humana é colocada
8 O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor

em evidência e analisada sem preceitos rígidos. A ideia é explorar possibili-


dades de leitura a fim de refazer percursos e estabelecer novos olhares para
a situação que se apresenta. Reunindo textos que provocam encontros entre
as pessoas, a literatura reafirma a liberdade de expressão na medida em que
possibilita o repensar de forma livre a partir das provocações que emergem
da leitura — com base na escrita do texto. Além disso, ela faz surgirem novas
leituras de mundo, levando o leitor tanto a “sair do texto” quanto a retornar
a ele para a análise textual.
Quando o leitor “completa” o texto com as suas significações, ele reforça a
leitura realizada, ou percebe novas possibilidades interpretativas. Isso ocorre
a partir da identificação de ambiguidades, por exemplo. Assim, o leitor nota
que algumas situações de vida podem ter caminhos diversos, ou ser vistas de
formas diferentes. Para Todorov (2009, p. 81), a participação do leitor se dá
não por um novo saber, mas por “[...] uma nova capacidade de comunicação
com seres diferentes de nós; nesse sentido, eles participam mais da moral
do que da ciência”. O autor ressalta o quanto a leitura de um romance pode
propiciar em relação aos sentimentos, e não, necessariamente, à busca da
verdade absoluta. Tal leitura põe em cena a ligação que une os homens de
forma intimista e pode, até mesmo, melhorar comportamentos.
O discurso literário está diretamente ligado ao discurso abstrato. Por isso,
não é possível privar o leitor de sua expressão pessoal, baseada na experiência,
que é individual e que somente quem a viveu consegue compreender e con-
verter em ações. Essa expressão pessoal é mutável, seja devido à realização
de novas leituras, seja devido a outras vivências que provocam o repensar. A
cada leitura, surgem novas provocações que suscitam o estabelecimento de
novos pensamentos, fazendo da literatura um universo abrangente e passível
de ampliações.
A liberdade de expressão do aluno provoca a reflexão sobre a verdade
contida no texto literário. No entanto, essa verdade existe em uma obra literária
porque está associada à ficção; portanto, é uma verdade ficcional, alegórica
e, por vezes, metafórica. Por meio de uma representação do real, a literatura
promove uma aproximação com a realidade, não chegando a ser ela própria.
É próprio da literatura criar a sensação de realidade a fim de conquistar os
leitores para a leitura, perpetuando-se na memória coletiva da sociedade à
qual pertence ou se faz pertencer. Não há lugar único e demarcado para o
campo do literário; há pistas e indícios para conduzir o leitor por ele e dar
um caráter verdadeiro às exposições. Contudo, não está em jogo uma única
verdade, ou seja, há verdade na pluralidade. Por isso, a liberdade de expressão
precisa ser incentivada e jamais coibida. Representar a existência humana é o
O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor 9

caráter essencial da literatura. Ao lado disso, todas as contradições e ajustes


sociais e pessoais em negociações do homem consigo mesmo e com o meio
social aparecem nos textos, principalmente quando há personagens vivendo
situações verossímeis.
O campo literário conduz o leitor a perceber o sentido da existência humana,
que, em essência, é plural. Dessa forma, é necessário considerar diferentes
sentidos, que dizem respeito aos significados que cada um atribui a si e aos
outros. Pode-se caracterizar como sentidos a solidariedade, a amizade, o
amor, o afeto e tantos outros. Se os sentidos são plurais, então as expressões
advindas deles igualmente o são. Assim, os alunos devem se expressar livre-
mente e buscar quantos sentidos lhes seja possível afirmar e justificar. Para
isso, o professor pode promover atividades em sala de aula que propiciem a
compreensão múltipla dos sentidos da vida. Por exemplo: recriação/reescrita
do texto, mudando os argumentos ou o final da história; continuação de uma
narrativa acrescentando personagens ou conflitos; criação de textos sobre
situações polêmicas, levando os alunos a se posicionarem; produção de vídeos
ou podcasts, simulando programas de TV ou de rádio. Enfim, a ideia é simular
situações para as quais os estudantes precisem realizar novas leituras de temas
já trabalhados em sala de aula.
Quanto ao conteúdo a ser ensinado, a literatura deve ser entendida em
seu sentido amplo, a partir do estudo da condição humana e de sua comple-
xidade. É por meio do texto literário que o leitor vivencia experiências que
não são as dele. No entanto, cada leitor pode senti-las de modo distinto e
pensar-se personagem da narrativa que está lendo. Ao inserir-se no contexto
literário, ele considera o porquê de cada situação, toma posição frente às
necessidades e problemas e busca alternativas para a sua resolução. Nesse
processo, para decidir por uma resolução, o leitor perpassa todo o cenário e
opta por um posicionamento. Assim, nos estudos escolares, cabe ao estudante
expressar-se livremente sobre o que pensa. O papel do professor é mediar o
aprofundamento dos estudos, não sendo o portador da resposta final, única e
definitiva. Promover o debate e proporcionar momentos de posicionamento,
passando pela dúvida, seria a situação ideal em termos de aprendizagem por
meio da dimensão literária.
As abordagens de um texto literário são complementares, desde que não se-
jam afirmações absurdas, completamente desvinculadas do contexto. Convém
que o professor considere a análise feita pelos alunos e conduza-os ao exercício
das hipóteses e à confirmação ou rejeição de determinadas ideias. Só assim
é possível que os alunos pensem por si mesmos e construam opiniões com
base em suas experiências e leituras. Quanto mais realizam leituras, mais os
10 O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor

estudantes têm condições de pensar de forma profunda e de ter ideias próprias.


A literatura é um veículo para isso e provoca a expansão de ideias e de visões
de mundo. A condição prioritária da literatura consiste em estar aberta aos
leitores e provocar-lhes expressões que revelem as suas ideias e a si mesmos.

Para saber mais sobre a relação entre leitor e texto literário, leia a introdução do livro Uma
superfície de gelo ancorada no riso: a atualidade do grotesco em Hilda Hilst, de Reginaldo
Oliveira Silva. Nessa introdução, o autor explica como o público leitor recebe a obra
de Hilda Hilst e também aborda a estética da recepção, citando o nome de Hans
Robert Jauss. Essa vertente de estudo investiga as formas de recepção e atualização
dos textos no momento da leitura. Acesse o texto no link a seguir.

https://qrgo.page.link/QXtbf

O ensino de literatura
No currículo escolar, a disciplina de literatura por vezes é relegada a segundo
plano, sem receber o tratamento pedagógico merecido. Ao longo do tempo,
o ensino de literatura tem privilegiado a história e o contexto social, com
destaque para a classificação de obras e escolas literárias, associando as suas
características. Com isso, o caráter peculiar de cada texto e as suas relações
subjetivas ficam em último plano, ou até mesmo não são considerados. Contudo,
a proximidade entre autor e leitor é um meio importante para a aprendizagem,
na medida em que torna possível ao leitor ampliar a sua visão de mundo e
vivenciar emoções novas, aprendendo a superá-las em situações reais seme-
lhantes. Segundo Abdala Junior (2003, p. 14),

A história literária faz-se de impactos sobre o leitor, de forma análoga aos


motivos de sedução do canto épico. Sensibiliza aqueles que têm ouvidos e que
aceitam o desafio. [...] Autores e obras também constroem seus espaços de in-
tersecção. Contexto e ruptura, formas previsíveis e imprevisíveis, redundância
e informação nova. [...] Na literatura, como noutras séries de nossa cultura,
temos repertórios dessas formas que provocaram impactos. São experiências
da práxis social que podem ser atualizadas, transformadas.
O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor 11

É esse impacto sobre o aluno que fará dele um leitor proficiente e capaz de
compreender os obstáculos e entraves da vida. Para isso, a literatura precisa
ser tratada em sala de aula como um espaço plural, com possibilidades de
leituras e releituras mais interiores do que exteriores ao próprio texto literário.
A partir das marcas linguísticas e de vocabulário, construções e formas de
elocução, pode-se realizar uma leitura com mais complexidade e compreensão
não só do tema, mas também da apropriação das formas de escrita e de seus
significados. É pelo leitor que o texto adquire mais sentido e se faz conhecer.
A percepção plural do texto literário torna os estudos de tal texto mais consis-
tentes. Ao jogar com o previsível e o imprevisível, estabelece-se o momento
de aceitação e de repulsa de certas situações e oportunizam-se reações por
parte do leitor. Essas reações podem ser repetidas, renovadas ou eliminadas
a qualquer momento, conforme o estado emocional e de percepção em que se
encontra o leitor. Portanto, a leitura torna o texto vivo e o faz compreensível
e próximo na relação autor–texto–leitor.
A BNCC (BRASIL, 2018), documento que norteia o ensino básico no
Brasil, fornece indicações de como os professores devem proceder, entre outros
aspectos, quanto à leitura em sala de aula. O texto menciona a complexidade
textual e como ela influencia o ensino da leitura e da escrita. No eixo da
análise linguística e semiótica, a imagem é bastante valorizada na produção
oral, escrita e multissemiótica, o que mostra o impacto dela nos efeitos de
sentido produzidos pelo texto. Esse impacto se dá no momento de leitura e
releitura do texto, considerando o seu gênero e a sua forma de composição
ao encontro da significação. Quanto ao aspecto multissemiótico, a análise
textual considera a linguagem das imagens visuais ditas estáticas a partir do
ângulo, do lado, da figura, do fundo, da profundidade, do foco, da cor e da
intensidade. Assim, o ensino de leitura compreende os seguintes aspectos:
[...] as práticas de leitura/escuta e de produção de textos orais, escritos
e multissemióticos oportunizam situações de reflexão sobre a língua e as
linguagens de uma forma geral, em que essas descrições, conceitos e regras
operam e nas quais serão concomitantemente construídos (BRASIL, 2018,
documento on-line).
A leitura em profundidade se dá a partir de estratégias e metodologias
adotadas pelo professor em sala de aula. A BNCC orienta e sugere atividades
para garantir as análises macro e microestrutural dos textos, explorando as
suas potencialidades. Por exemplo, no poema a seguir, de Estrela Leminski
(2011, p. 22), é importante ficar atento à disposição gráfica das palavras.
12 O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor

mesmo sendo uma folha,


uma mísera parte
e duma infinitésima árvore,
a folha tomou coragem.

ba
lan
çou
ca
iu
mas ninguém
viu

Observe que, no sentido macroestrutural, o poema trata da queda de uma


folha de uma árvore como um ato comum a todas as folhas, pois é uma ação da
natureza que ocorre todos os anos no outono. A linguagem é simples e conta
uma ação fácil de entender. Além disso, o poema é curto, de rápida leitura e
possui um campo semântico coeso ao utilizar as palavras “folha”, “árvore” e
“caiu” em uma sequência comum, dando coerência ao todo. Por outro lado,
em uma análise microestrutural, percebe-se que a disposição gráfica confere
um ritmo especial ao texto, associando-se ao significado, reforçando-o.
Os verbos “balançar” e “cair” estão dispostos graficamente na página,
mostrando os seus significados e facilitando o ritmo de leitura. A expressão
“tomou coragem” valoriza o ato da folha ao cair, atribuindo a iniciativa da
ação à folha, e não a um mero movimento da natureza. O uso dos adjetivos
“mísera” e “infinitésima” conferem um tom de importância à folha e à árvore,
o que valoriza a ação de desprendimento, uma ação audaciosa por si só. Po-
rém, o poema desmonta a audácia ao finalizar com o uso do conector “mas”
e anunciar a falta de espectadores. Ou seja, de que adianta ser tão audaciosa
se isso não for reconhecido? Essa é a reflexão que instiga o leitor e o faz ler
mais de uma vez o poema.
Dessa forma, o professor precisa promover e incentivar os seus alunos a
lerem o poema de forma rítmica, seguindo o movimento da disposição gráfica.
Uma sugestão é ler normalmente a primeira parte, com voz pausada; ler a
segunda parte mais devagar, dando ideia do movimento da folha pela voz
quase cantada; e, no final, ler de forma mais rápida e definitiva, demonstrando
O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor 13

que não há mais o que fazer e que a ação terminou, daí os verbos no pretérito
perfeito, ou seja, não há continuidade da ação. Esse exemplo condiz com a
organização de um ensino de literatura de qualidade, que leve em conta todos
os aspectos envolvidos no estudo literário. É imprescindível que tal estudo
seja articulado aos conteúdos previstos para os diversos anos da escolaridade,
associados a metodologias e práticas didáticas, a fim de tornar relevantes e
produtivos os momentos de aula.
A escola é a agente por excelência da formação e da manutenção de leitores.
Ela “[...] exerce sobre a família e a comunidade um papel de centro irradiador
de livros, de leituras e do gosto literário” (CEREJA, 2005, p. 22). Por sua vez,
o professor é um orientador e um mediador das leituras; é ele quem indica
quais textos devem ser lidos, com qual frequência e para quê. Quanto mais
convicto estiver o professor de sua influência sobre a formação de leitores,
mais a sua ação será eficiente e contínua. O que se espera da escola é a for-
mação de um leitor cidadão e conhecedor de sua cultura, de sua identidade e
das demais culturas e identidades existentes. A adesão dos alunos às leituras
depende da habilidade e das metas estabelecidas pelo professor, uma vez que
ele é o condutor das aulas. As propostas didáticas devem estar alinhadas a
objetivos que levem ao conhecimento do texto literário e de suas múltiplas
possibilidades, como também à escrita de um texto próprio, perseguindo a
forma apresentada e analisada em aula. Segundo resultados de uma pesquisa
realizada por Cereja (2005, p. 23):

[...] a forma como o professor encaminha o trabalho com a leitura extraclasse


pode estar relacionada com o grau de adesão dos alunos à leitura das obras
indicadas, mas não é determinante. Há outros fatores que também são respon-
sáveis pelo envolvimento do aluno com o projeto de leitura da escola; entre
eles, talvez os mais importantes sejam a empatia dos alunos com o professor
e o reconhecimento da seriedade desse profissional e seu compromisso com
o projeto de leitura.

A formação docente é crucial para o bom desenvolvimento das aulas de


literatura, de forma a levar os textos literários ao conhecimento e à aproximação
dos alunos. Conceitos de teoria da literatura de nada adiantam se distanciarem
o estudante daquilo que deveria ser o seu principal objetivo: interagir com o
texto literário, conhecendo-o de forma profunda e com múltiplas visões. Os
livros didáticos, em geral, mantêm o padrão de leitura, e as suas propostas
14 O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor

de aprendizagem preservam condições essenciais para quem já é um leitor


habituado a conviver com livros literários, mas não para os iniciantes, faltando
o aspecto da sedução para a arte literária.
Muitas vezes, os professores consideram erroneamente a literatura como
uma forma de aprender a escrever melhor e se apropriar da escrita do portu-
guês padrão, sequer levando em conta autores que podem estar antecipando
novas formas desse padrão a partir da versatilidade e da atualidade da língua.
Tampouco consideram a aproximação de certos textos com a oralidade e com
formas típicas de regiões específicas do Brasil. Ao equívoco de reduzir a
amostragem da língua a um certo número de autores, principalmente aqueles
de outro século, corresponde o desconhecimento da função da literatura e da
função do próprio aprendizado da língua.

Leia o texto de Fernando Rodrigues de Oliveira “O ensino da literatura infantil na forma-


ção de professores: quais sentidos? (à guisa de conclusão)”, disponível no link a seguir.

https://qrgo.page.link/sF5A3

Para a realização de propostas pedagógicas, é preciso, em primeiro lugar,


que o professor seja um leitor proficiente e que conheça diversos autores da
literatura brasileira. Ao ler e reler os textos a serem propostos aos alunos,
ele deve se deixar envolver pela forma de escrita e perceber as suas especi-
ficidades, aquilo que torna o texto único. Após, o docente tem de ler sobre a
biografia do autor, a fim de colher subsídios para a proposta pedagógica. De
posse desse conhecimento, basta planejar atividades que evidenciem a forma
de escrita, o tema abordado e os seus desdobramentos, fazendo anotações
sobre tudo isso. Para as atividades, é aconselhável iniciar com algo que faça
o leitor imaginar a situação, perceber a cena descrita ou narrada, a fim de que
visualize o problema enfrentado ou a sua solução. Nessa introdução, que busca
instigar o leitor a inserir-se na cena da história, já ocorre uma aproximação
entre ele e o texto, o que facilita a compreensão. Por fim, as atividades devem
ser elaboradas com base nos aspectos listados a seguir.
O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor 15

 Introdução ao tema abordado a partir de uma pergunta que coloque o


leitor dentro da cena do texto (de preferência, essa atividade deve ser
feita apenas de forma oral, provocando debate na turma; se a atividade
for realizada em mais de um dia, pode-se solicitar que os alunos levem
para a aula objetos mencionados no texto).
 Atividades de leitura e compreensão geral do texto.
 Atividades para o conhecimento do vocabulário e dos objetos que
compõem a cena (significados e ortografia), buscando incorporá-los
ao repertório dos alunos.
 Atividades sobre as especificidades da escrita do texto, expressões
com significados novos, algo típico da história, analogia de termos e
expressões.
 Proposta de escrita a partir do tema desenvolvido no texto, como mudar
o enfoque para outro personagem como protagonista, alterar o tempo
e/ou espaço, inserir um personagem novo, alterar o rumo de alguma
ação, criar o cenário onde tudo acontece.
 Reescrita do texto com correções indicadas pelo professor.
 Leitura do texto para a turma ou encenação dele — podem ser apre-
sentados apenas alguns textos a cada proposta de escrita/encenação.
A ideia é garantir que ao longo do ano o trabalho de todos os alunos
seja apresentado.
 Organização de exposições dos textos escritos ou publicação deles em
um livro, revista ou página da internet.

A proposta anterior se adequa melhor a textos narrativos. Para outros


tipos de texto, é preciso adaptar as atividades. No caso de textos poéticos, há
outros aspectos a serem contemplados, como a essência poética do texto, a
presença de figuras de linguagem, o ritmo, a estrutura poética e o imaginário
que ela potencializa.
Em um estudo sobre os gêneros literários e a sala de aula, Gregorin Filho
(2012, p. 154) afirma o seguinte:

Para que o ensino de literatura não se torne mais um componente curricular


desvinculado totalmente da vida do aluno, a escolarização da leitura literária
e da literatura deve trazer a possibilidade de o indivíduo conhecer e interagir
de maneira mais autônoma com um mundo construído de linguagem — não
apenas decorar textos, seguir padrões e reproduzir conteúdos. A literatura
na sala de aula deve promover um diálogo com outras artes e com outras
formas de produção do conhecimento, ou seja, pela relação da literatura com
outros tipos de texto.
16 O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor

Considerar a literatura como arte, não apenas da palavra mas também das ima-
gens, abre caminho para se pensar a sua relação com as demais artes, viabilizando
um percurso cultural em sala de aula. A representação imagética propiciada pelo
olhar atento do professor, que busca instigar os alunos, é um elemento diferenciador
para as aulas, trazendo significações novas e abrangentes. No planejamento de
ensino, é vital que o professor realize atividades interdisciplinares, possibilitando
uma visão mais ampla do estudo literário. Isso deve proporcionar:

[...] saberes essenciais para a vida do aluno num universo social que se mostra
cada vez mais diverso e múltiplo para, assim, evitar o acúmulo de conheci-
mentos empilhados que distanciam o indivíduo da vivência social e das trocas
culturais (GREGORIN FILHO, 2012, p. 155–156).

Entre as habilidades necessárias ao professor de literatura para formar


bons leitores, destaca-se a própria habilidade leitora, imaginativa e aprecia-
dora de bons textos. Perceber as peculiaridades de cada texto como únicas e
irrepetíveis é importante para um leitor responsável pela formação de leitores
e, quem sabe, de consumidores vorazes de textos literários. Aprender com os
alunos é igualmente importante para a mediação e o crescimento de docentes
e discentes. Os professores precisam estar atentos ao modo como os alunos se
deixam tocar pela subjetividade e pelas marcas poéticas presentes na literatura.

ABDALA JUNIOR, B. História literária e o ensino das literaturas de língua portuguesa.


In: BECKER, P.; BARBOSA, M. H. S. (org.). Questões de literatura. Passo fundo: UPF, 2003.
BALDI, E. Leitura nas séries iniciais: uma proposta para formação de leitores e literatura.
Porto Alegre: Projeto, 2009.
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 2010.
BRASIL. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018, Disponível em: http://
basenacionalcomum.mec.gov.br. Acesso em: 15 set. 2019.
CEREJA, W. R. Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com literatura.
São Paulo: Atual, 2005.
GREGORIN FILHO, J. N. (org.). Literatura infantil em gêneros. São Paulo: Mundo Mirim, 2012.
LEMINSKI, E. Poesia é não. São Paulo: Iluminuras, 2011.
O leitor fotógrafo ou o fotógrafo leitor 17

MICHELETTI, G. Leitura e construção do real: o lugar da poesia e da ficção. 4. ed. São


Paulo: Cortez, 2006.
TODOROV, T. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.

Leitura recomendada
OLIVEIRA, F. R. O ensino da literatura infantil na formação de professores: quais senti-
dos? (à guisa de conclusão. In: HISTÓRIA do ensino da literatura infantil na formação
de professores no estado de São Paulo (1947-2003). São Paulo: UNESP; São Paulo:
Cultura Acadêmica, 2015. Disponível em: http://books.scielo.org/id/8q7yj/pdf/oli-
veira-9788579836688-06.pdf. Acesso em: 15 set. 2019.
SILVA, R. O. Uma superfície de gelo ancorada no riso: a atualidade do grotesco em Hilda
Hilst. Campina Grande: EDUEPB, 2013. Disponível em: http://books.scielo.org/id/wwfpz/
pdf/silva-9788578792848.pdf. Acesso em: 15 set. 2019.
FOTOJORNALISMO:
TÉCNICAS E
LINGUAGENS

Rafael Sbeghen Hoff


Fotografia e seus
aspectos simbólicos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir semiologia e sua aplicação na fotografia.


 Identificar elementos conotativos e denotativos da fotografia.
 Reconhecer a intencionalidade da fotografia.

Introdução
Leitura é mais do que identificar aquilo que é visível, trata-se de entender
e produzir sentido. Esse exercício mental articula experiências anteriores,
elementos culturais e capacidade criativa dos sujeitos. Assim, a leitura
de imagens é um processo de significação complexo e de fundamental
importância para quem produz imagens profissionalmente.
Neste capítulo, você vai ver, a partir dos conceitos de semiologia, que
é possível identificar níveis diferentes de leitura da imagem. Além disso,
vai reconhecer pistas do ponto de vista de quem produz a imagem sobre
um determinado tema ou quais referências um fotógrafo utiliza para
compor seu discurso. Por fim, identificando a intencionalidade contida em
cada imagem, poderá fazer uma leitura crítica sobre o próprio trabalho e
sobre o campo da fotografia a partir de um olhar que mescla elementos
técnicos e teóricos para orientar as produções.

Elementos básicos de semiologia


Semiologia advém do termo grego sêmion, que significa “signo”. Pela semio-
logia, a palavra assume o sentido de uma teoria dos signos ou dos sentidos e
dos processos interpretativos em na sociedade. Já o termo semiótica é usado de
forma análoga para uma teoria geral dos signos e suas relações no pensamento,
2 Fotografia e seus aspectos simbólicos

mas a partir de uma outra vertente de autores (Pearce, Eco e outros). Neste
capítulo, teremos como base teórica os conceitos do francês Roland Barthes
e, portanto, o termo utilizado a seguir será semiologia.

Semiologia se difere de semiótica com base nas proposições teóricas e conceituais


de pesquisadores como Charles Sanders Peirce e, no Brasil, de Lucia Santaella. Na
prática, os pontos divergentes entre as teorias se encontram na conceituação de signo
e como ele se articula com outros elementos no processo de significação. Ambas as
perspectivas têm como matriz os estudos linguísticos.

No caso do fotojornalismo, conhecer as relações entre aquilo que compõe


a imagem e os processos de decodificação da mensagem visual contribui para
a reflexão e para a prática profissional. A partir do uso de signos, o fotógrafo
articula elementos para direcionar, tanto quanto possível, os processos de
leitura e de entendimento das mensagens a partir da composição fotográfica.
No texto de Barthes (2001) intitulado A cozinha dos sentidos, o autor explica
a forma como a leitura dos signos que nos rodeiam impacta a nossa vida. O
autor francês enfatiza que as pessoas estão o tempo todo realizando a atividade
mental de ler o mundo que as cerca, extraindo daí sentidos e significados,
seja de peças de vestuário, manchetes de jornal, anúncios publicitários em
um outdoor, um filme, uma música ou os gestos de um casal de namorados.
Tudo é passível de leitura por se tratar de linguagem, constituída a partir de
signos. O semiólogo explica o processo:

[...] tal carro me diz o status social do proprietário, tal roupa me diz exatamente
a dose de conformismo ou de excentricidade do seu portador, tal aperitivo
(uísque, pernod ou vinho branco com cassis), o estilo de vida do meu hóspede.
Mesmo quando se trata de um texto escrito, é-nos continuamente proposta
uma segunda mensagem nas entrelinhas da primeira: se leio, em manchete
com letras garrafais: Paulo VI tem medo, isso quer dizer também: se você ler
Fotografia e seus aspectos simbólicos 3

a continuação, saberá por quê. Todas essas "leituras" são importantes demais
na nossa vida, implicam demasiados valores sociais, morais, ideológicos para
que uma reflexão sistemática não tente assumi-Ias: é essa reflexão que, por
enquanto pelo menos, chamamos de semiologia (BARTHES, 2001, p. 177-178).

A semiologia, segundo o autor, trata de encontrar um elemento comum a


todas essas expressões de linguagens e unificá-las sob o tratamento científico
por meio daquilo que ele chama de sentido. Em outras palavras, Barthes (2001,
p. 179) diz que a função dessa ciência é “[...] estudar essa operação misteriosa
pela qual uma mensagem qualquer se impregna de um sentido segundo, difuso,
em geral ideológico, a que se chama ‘sentido conotado’”.

 Conotação: sentido ampliado pela articulação entre vários signos, que toma forma
e expressão pelo uso, pelo contexto e pela articulação com outros discursos; a
mensagem sem código.
 Denotação: sentido restrito do signo utilizado a partir de um sistema de significantes
em relação direta a esse sistema; a mensagem com código.

O estudioso de Barthes e pesquisador brasileiro Rodrigo Fontanari (2016,


documento on-line) amplia as explicações dos dois conceitos semiológicos:

A denotação refere-se ao sentido usual ou literal que é dado a uma determinada


palavra ou significante, enquanto a conotação é a capacidade que o signo
linguístico tem de receber novos significados que acoplam ao seu sentido
original em decorrência do seu uso pelos falantes da língua, como se fossem
notas, anotações. Daí o termo co-notar, notar duas vezes.

Esses conceitos são facilmente identificáveis em fotografias como a da


Figura 1, registrada por Alfred Eisenstaedt e imortalizada pela revista norte-
-americana Life, em 1945.
4 Fotografia e seus aspectos simbólicos

Figura 1. O Beijo — Alfred Eisenstaedt.


Fonte: Ballard (2019, documento on-line).

Na imagem, o sentido denotativo é o que a figura mostra, ou seja, um casal


formado por um homem vestido como um marinheiro beijando uma mulher
(identificada em 1970 como Edith Shain) em uma rua movimentada de um
centro urbano. A conotação amplia o sentido da imagem, uma vez que o ano é
1945 e o beijo remete às comemorações pelo fim da Segunda Guerra Mundial.
O homem, então, torna-se um signo que remete a todos os jovens convocados à
guerra naquele período. A mulher da fotografia remete a todas as pessoas que
aguardavam pelo fim da guerra para ver o retorno de irmãos, pais, amigos ao
seu convívio. O beijo, por fim, traz à leitura da imagem o sentido de prazer,
felicidade, celebração. Dessa maneira, a fotografia de Alfred Eisntaedt registra
mais do que um encontro casual entre dois jovens e passa a significar o fim da
guerra, o alívio das famílias que aguardavam os jovens retornarem do front
e um ponto de vista dos vitoriosos sobre o período.
Na obra Elementos de Semiologia, também de Roland Barthes (2006), são
explicados os elementos básicos da semiologia: signo, significado e signifi-
cante. Signo, como já foi dito, é tudo aquilo colocado no lugar de outra coisa
para referenciá-la.
Fotografia e seus aspectos simbólicos 5

Cabe, então, conceituar os outros dois elementos. Quando explica o significado,


Barthes (2006) parte da linguagem e da linguística para falar sobre as formas de
expressão e comunicação entre as pessoas. O autor diz que toda linguagem se
utiliza de signos, que, quando postos em relação de acordo com regras e códigos
compartilhados entre os interlocutores, formam um sintagma. A partir dos sintag-
mas, ou seja, da formação de sentido sobre os corpos de signos articulados dentro
de um processo comunicativo, ele explica a formação do significado:

Esses corpos de significados implicam, por parte de consumidores de sistemas


(isto é, “de leitores”), diferentes saberes (segundo as diferenças de “cultura”),
o que explica uma mesma lexia (ou grande unidade de leitura) possa ser dife-
rentemente decifrada segundo os indivíduos, sem deixar de pertencer a certa
“língua”; vários léxicos – e, portanto, vários corpus de significados — podem
coexistir num mesmo indivíduo, determinando, em cada um, leituras mais
ou menos “profundas” (BARTHES, 2006, p. 50).

Em uma aplicação prática desse conceito, podemos imaginar a imagem


de um punho cerrado, em um enquadramento fechado (plano de detalhe),
com o fundo borrado (sem profundidade de campo). Para um leitor envolvido
com questões políticas e sindicais, a imagem pode produzir a significação de
luta, de reivindicação por direitos dos trabalhadores, um protesto. Para outra
pessoa, a mão erguida pode remeter ao voto, a um passo de dança ou, ainda, à
letra A da linguagem de sinais. Portanto, podemos entender que o significado
depende do contexto cultural de quem lê a imagem.
O reforço sobre o processo de leitura e dos significados implica, na lógica
de Barthes, o entendimento sobre as partes do processo. Se, de um lado, temos
o significado, de outro, temos o significante: é a parte material do significado,
usado para referenciar algo que não é ele em si mesmo. “Tudo o que se poderia
dizer do significante é que este seria um mediador (material) do significado”
(BARTHES, 2006, p. 52).
Outra vez, na tentativa de exemplificar, vamos pensar em uma aplicação
prática. Uma bandeira de um país não é o país em si, mas remete a ele. Esse
elemento físico (bandeira) está no lugar do território, da cultura, das pessoas
e da política de um país. A bandeira é um significante do signo país, que tem
por significado os elementos descritos.
6 Fotografia e seus aspectos simbólicos

Entre o significante e o significado de um signo, existe um processo de com-


paração, aproximação e relação sobre essas partes, o que o teórico chama de
significação. “A significação pode ser concebida como um processo; é o ato que
une o significante e o significado, ato cujo produto é o signo” (BARTHES, 2006,
p. 51). A significação é marcada por questões de um tempo e um lugar específicos,
onde estão inseridos o locutor e o interlocutor de um processo comunicacional.
A leitura da Figura 2 pode facilitar o entendimento do conceito de sig-
nificação. Para uma pessoa que nasceu nos anos 1970 no Brasil e viveu, na
década de 1990, o processo de impeachment do então presidente Fernando
Collor de Melo, o rosto pintado com as cores da bandeira do país simboliza
um processo de exercício de cidadania e austeridade política.

Figura 2. Cara pintada.


Fonte: Prostock-studio/Shutterstock.com.

Para alguém que nasceu na década de 1980 e viveu nos anos 2000 a Copa
do Mundo, a mesma imagem pode remeter à torcida organizada pela seleção
brasileira na competição. Assim, percebe-se que a leitura da imagem depende
do contexto, ou seja, do lugar e do tempo em que se encontra o decodificador
da mensagem (ou a quais elementos sócio-histórico-culturais ele tem acesso)
durante o processo de significação.
Fotografia e seus aspectos simbólicos 7

Se um signo linguístico é arbitrário de início, pela significação, ele pode


adquirir outros significados. Assim, Barthes (2006, p. 53-54) abre a classifi-
cação dos signos a partir da significação para as seguintes classes:

[...] diremos que um sistema é arbitrário quando seus signos se fundam não por
contrato mas por decisão unilateral: na língua, o signo não é arbitrário, mas
o é na moda; e diremos que um signo é motivado quando a relação entre seu
significante e seu significado é analógica, [...] poderemos ter então sistemas
arbitrários e motivados; outros não-arbitrários e imotivados.

Desse modo, fica mais fácil entender como uma bandeira é um signo
arbitrário de um país, ou seja, alguém elegeu que a bandeira seria “esta” e não
“aquela”, de maneira unilateral, e, a partir dessa convenção, foi adotada pelos
demais integrantes daquele processo comunicacional. Para o autor, existem
quatro tipos de sistemas de significação: motivados, imotivados, arbitrários
e não arbitrários (Quadro 1).

Quadro 1. Sistemas de significação

Motivados Imotivados

Relação de correspondência Relação de correspondência sem


por analogia, ou seja, pelo signo analogia, ou seja, o signo não
parecer-se com o significante. tem relação com o significante.
Exemplo: o desenho de um tubarão Exemplo: o silvo do apito de
em uma placa na praia apontando um guarda de trânsito para
que aquela é uma área de ocor- indicar que o motorista deve
rência de ataques de tubarões. parar ou seguir em frente.

Arbitrários Não arbitrários

Decisão unilateral de correspon- Correspondência dada por con-


dência entre signo e significante. dições sociais e participativas
Exemplo: a cor do uniforme dos entre locutor e interlocutor.
funcionários de uma fábrica indi- Exemplo: o entardecer como
cando a qual setor eles pertencem. sinalização do término do expe-
diente de trabalho no campo.
8 Fotografia e seus aspectos simbólicos

Barthes aponta, ainda, que toda ciência pode, em resumo, ser tratada como
metalinguagem dos seus objetos de estudo. “A noção de metalinguagem não
deve ficar restrita às linguagens científicas; quando a linguagem articulada,
em seu estado denotado, se incumbe de um sistema de objetos significantes,
constitui-se em ‘operação’, isto é, em metalinguagem” (BARTHES, 2006, p. 98).

Quando um livro fala de literatura, um filme mostra como se faz cinema, um programa
de rádio trata de jornalismo radiofônico, quando um artigo científico registra o estado
da arte de um campo ou área de estudo ou quando uma fotografia mostra fotografias
e o ato de ler imagens, esses elementos configuram metalinguagem.

A partir das conceituações, Barthes (2006), em suas análises em busca de


desconstruir e tornar acessíveis esses conhecimentos, aplicou parte deles à
leitura das fotografias. É disso que trataremos no tópico a seguir.

Semiologia e a fotografia
Na obra A câmara clara, Barthes (1984) define três elementos básicos do
processo de construção imagética: o fotógrafo (Operator), o leitor da imagem
(Spectator) e o assunto a ser fotografado (Spectrum). Em suas palavras, a
imagem tem o poder de perenizar e trazer os mortos de volta à relação com os
vivos. Em uma construção textual que flerta com a poesia, fala que o sujeito
que se deixa fotografar é transformado em objeto, ou seja, morre como sujeito
na fotografia. É a partir dessas digressões que o autor vai formulando suas
questões e sensibilizações a respeito da imagem fotográfica.
Apresentando outros conceitos de semiologia aplicados à produção fo-
tográfica, tratamos agora das categorias de Punctum e Studium de Barthes,
também explanadas no livro A câmara clara. Quando escreve sobre as imagens
fotográficas, o autor relata que algumas dessas são consumidas de forma
passageira, sem se fixarem diante do olhar. Porém, algumas imagens provocam-
-no a ponto de que se detenha diante delas. No processo de significação, ele
divide e classifica essas imagens especiais em dois tipos: Punctum e Studium.
Fotografia e seus aspectos simbólicos 9

As do primeiro tipo, Punctum, são definidas como imagens que possuem algo
no enquadramento, um elemento (ou um conjunto deles) na composição que parece
“saltar” da imagem e atingi-lo como uma flecha, uma punção. Essas imagens
provocam afetos como desconforto ou prazer a partir daquilo que mostram.
De outro lado, ele classifica as imagens do tipo Studium, que também
provocam o processo de significação, mas não a partir de algo específico na
imagem, e, sim, a partir do diálogo que ela provoca com as experiências, os
traumas, a cultura do espectador. Para Barthes, essa significação se dá em
um outro lugar para além da imagem.

Reconhecer o studium é fatalmente encontrar as intenções do fotógrafo, entrar


em harmonia com elas, aprová-las, desaprová-las, mas sempre compreendê-las,
discuti-las em mim mesmo, pois a cultura (com que tem a ver o studium) é um
contrato feito entre os criadores e os consumidores. O Studium é uma espécie
de educação (saber e polidez) que me permite encontrar o Operator, viver
os intentos que fundam e animam suas práticas, mas vive-las de certo modo
ao contrário, segundo o meu querer de Spectator (BARTHES, 1984, p. 48).

Em sua crítica à fotografia nesse livro, o semiólogo aponta que a teatrali-


zação diante da lente do fotógrafo é o que torna a prática fotográfica uma arte.
“Por mais viva que nos esforcemos por concebê-la (e esse furor de ‘dar vida’
só pode ser a denegação mítica de um mal-estar de morte), a Foto é como um
teatro primitivo, como um Quadro Vivo, a figuração da face imóvel e pintada
sob a qual vemos os mortos” (BARTHES, 1984, p. 53-54). Esse pensamento
expressa o poder que a fotografia exerce em trazer à presença e ao conhecimento
dos vivos elementos que não se modificam, não expressam um grau mínimo
de imprevisibilidade e pulsação que caracteriza os seres vivos. Poeticamente
falando, a fotografia, segundo Barthes, inerte, é a expressão de algo que nunca
mais será do jeito que ela nos apresenta, assim como, se entrarmos duas vezes
em um rio, ele nunca será o mesmo. Uma pessoa nunca mais terá aquele tempo
de vida pois, no mínimo, estará segundos mais velha do que a fotografia mostra.
A partir da forma como são produzidas ou consumidas as imagens, podemos
ampliar os sentidos dos discursos imagéticos ou ancorá-los a situações marcadas
em um determinado tempo e espaço. De qualquer maneira, como linguagem,
Barthes (1984, p. 62) afirma: “No fundo, a Fotografia é subversiva, não quando
aterroriza, perturba ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa”.
10 Fotografia e seus aspectos simbólicos

Intencionalidade e a fotografia
“Fotografar é colocar na mesma alça de mira o olho, a cabeça e o coração”. Essa
frase é atribuída a Henri Cartier-Bresson (1908–2004), importante fotógrafo
francês e um dos pioneiros da fotografia de rua, e reforça a ideia de que o
fotógrafo, ao praticar o ato fotográfico, trabalha com a sensibilidade sobre o
instante e aquilo que se coloca diante do olho e da câmera, assim como com
os afetos, os lugares de fala, as experiências, a ética que lhe são próprios e
que o conduzem a uma abordagem específica sobre o tema.
Mesmo escolhas técnicas que parecem sem grande importância podem
afetar a forma como se lê uma imagem. Dois exemplos são o ângulo e o
enquadramento. No caso do ângulo, existem três possibilidades de registro
da imagem:

 o ângulo reto, em que a câmera é colocada na linha dos olhos e a


perspectiva da imagem é a de uma pessoa, de pé, diante do assunto;
 o ângulo alto (plongée, que em francês significa “mergulho”), quando
a perspectiva do “olhar” da câmera é de cima para baixo;
 o ângulo baixo (contra-plongée), quando a câmera é colocada abaixo
da linha dos olhos, permitindo visualizar o assunto de cima para baixo.

Quando a câmera assume um ângulo alto, torna o assunto distante do


espectador, como se esse assumisse um ponto de vista do onisciente e onipre-
sente, que assiste a tudo sem interferir. Já quando a câmera toma o assunto em
ângulo baixo, torna-o onipotente, forte e grandioso ao olhar do espectador.
Não é a à que a história afirma: Hitler, um homem de baixa estatura para a
média alemã, orientava que seus fotógrafos optassem pelo ângulo baixo para
apresentá-lo sempre como um grande estadista (Figura 3).
Fotografia e seus aspectos simbólicos 11

Figura 3. Adolf Hitler — Segunda Guerra Mundial.


Fonte: Everett Historical/Shutterstock.com.

No caso dos enquadramentos, acontece o mesmo impacto sobre a significa-


ção e influência sobre a linguagem cinematográfica, por exemplo. É por meio
da fotografia que se percebem planos ou enquadramentos mais fechados, que
mostram o personagem bem próximo, que se reforçam aspectos emocionais
e psicológicos do retratado. Por outro lado, planos mais abertos inserem o
personagem em um contexto, servindo melhor para descrever a ambientação
das cenas ou os locais dos fatos em que os personagens são registrados.
Acessar a intencionalidade por trás do ato fotográfico torna-se, então, um
jogo de conectar elementos técnicos com elementos culturais e estilísticos.
A composição — distribuição e hierarquização dos elementos dentro do
plano — fotográfica revela, por vezes, muito mais do que apenas aquilo que
mostra. Expressa as escolhas do fotógrafo sobre o que deveria ser fotografado
(aquilo que ele elegeu fotografável) e o que ficou fora do enquadramento. Se
ampliarmos a leitura de um único fragmento para um conjunto de fotografias,
teremos, então, um discurso imagético, revelando posições ideológicas sobre
os temas e sobre o próprio ato de fotografar.
12 Fotografia e seus aspectos simbólicos

Outro importante fotojornalista, Robert Capa (1913–1954), influenciou forte-


mente o que conhecemos por fotografia jornalística a partir da cobertura de guerras.
Com uma câmera portátil, de filme, com objetivas pouco potentes, registrou, por
exemplo, o dia do desembarque dos aliados na costa da Normandia — evento
conhecido como Dia D — que, segundo historiadores, daria início ao processo de
vitória contra as tropas nazistas na Segunda Guerra Mundial. A esse profissional
é atribuída outra frase de impacto sobre o processo de significação fotográfica:
“Se a fotografia não está boa é porque você não chegou perto suficiente”.
O sentido mais imediato da fala atribuída à Capa é o de que, com lentes
pouco potentes (de pequena distância focal — 50 mm), fica difícil conseguir
foco sobre os assuntos. Assim, é preciso chegar perto (literalmente) para
dar visibilidade e legibilidade àquilo que se quer registrar. De outro modo, é
possível interpretar que o fotojornalista, para fazer um bom trabalho, precisa
“mergulhar” na pauta e apropriar-se do tema para noticiá-lo. Sem essa aproxi-
mação, essa apropriação sobre o tema, o profissional corre o risco de registrar
apenas a superficialidade dos fatos a partir do senso comum.

O fotojornalismo esportivo é um exemplo de situação em que o fotógrafo precisa apropriar-


-se da pauta para, a partir dela, realizar seu trabalho. Em uma partida, a situação daquele
evento se impõe à lente como assunto principal. Porém, na ordinariedade cotidiana de
treinos táticos e físicos de um time de futebol, se o fotógrafo não souber da situação
de saúde dos jogadores, históricos de lesão, reconhecer táticas futebolísticas, regras e
campeonatos, a fotografia poderá registrar apenas a superficialidade de um treino sem
dar a ver as nuances mais específicas e os detalhes mais interessantes à pauta jornalística.

O fotógrafo Lalo de Almeida fez um vídeo com o making of da sua cobertura em dois
conclaves (momento em que a Igreja Católica reúne os bispos para a escolha de um
novo papa). No vídeo, ele compara as imagens que conseguiu obter e mostra como as
condições do evento a ser coberto (locais de acesso, ritualística) restringem o trabalho
fotojornalístico. A partir dessas imagens, ele propõe que o mais interessante para uma
redação que paga a um fotojornalista para cobrir um evento desses seja a orientação
em busca do exclusivo, do diferencial, do inusitado.
Fotografia e seus aspectos simbólicos 13

Lalo de Almeida exemplifica que, com lentes mais potentes do que as que dispunha e
com um local reservado mais estrategicamente posicionado, os fotógrafos das agências
de notícias internacionais conseguiam imagens (que são vendidas ao mundo todo)
com maior qualidade técnica e informativa que as dele. Em uma provocação, o autor
das imagens sugere que, para encontrar esses elementos diferenciais e exclusivos para
o jornal em que trabalha, talvez seja importante ter a coragem de voltar as costas para
o evento e fotografar o que ninguém vê: as pessoas que se reúnem na Praça de São
Pedro à espera do anúncio de um novo Sumo Sacerdote.
Para assistir ao vídeo Conclaves por Lalo de Almeida, acesse o link a seguir.

https://qrgo.page.link/RPUUP

A intencionalidade do fotógrafo, então, estará expressa com maior clareza ou


menos legibilidade conforme o domínio de técnicas fotográficas associadas ao
processo de significação que este profissional quer orientar com suas imagens.
Sem o domínio dessa linguagem e dessas ferramentas, talvez até seja possível
estabelecer uma comunicação, mas, com elas, certamente o processo se dará com
menor ruído e maior expressão. É por esse conjunto de razões que a semiologia
de Roland Barthes é estudada — a fotografia como linguagem em um processo
de comunicação faz uso de signos que buscam orientar processos de signficação.

BALLARD, K. Alfred Eisenstaedt: V-J Day at Times Square, New York City. Internatio-
nal Cener of Photography, 2019. Disponível em: https://www.icp.org/browse/archive/
objects/v-j-day-at-times-square-new-york-city. Acesso em: 4 nov. 2019.
BARTHES, R. A aventura semiológica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
BARTHES, R. A câmara clara: notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
BARTHES, R. Elementos de semiologia. 16. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
FONTANARI, R. Como ler imagens? A lição de Roland Barthes. Galaxia, n. 31, p. 144-155,
2016. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/gal/n31/1982-2553-gal-31-0144.pdf.
Acesso em: 4 nov. 2019.

Leitura recomendada
MOTTA, L. T.; FONTANARI, R. Roland Barthes diante do signo fotográfico. Comunicação
& Educação, v. 17, n. 1, p. 31-37, 2012. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/comue-
duc/article/view/45436. Acesso em: 4 nov. 2019.
14 Fotografia e seus aspectos simbólicos

Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu
funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto,
a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de
local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre
qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.
FOTOJORNALISMO:
TÉCNICAS E
LINGUAGENS

Rafael Sbeghen Hoff


Fotojornalismo e
mercado de trabalho
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever o papel do fotojornalista em veículo de comunicação.


 Reconhecer o papel do fotojornalista em agência de notícias.
 Definir o trabalho do fotojornalista free-lancer.

Introdução
O mercado da fotografia jornalística é amplo e exige um equilíbrio entre
técnicas e capacidade de contar histórias. Além disso, o próprio campo do
jornalismo tem especificidades internas que exigem habilidades particulares
para diferentes pautas. Mais do que isso, o processo jornalístico por imagens
exige que o profissional se envolva com as fotografias muito antes de em-
punhar a câmera e também muito depois do disparo que registra o assunto.
Neste capítulo, você vai se aprofundar nas particularidades do campo
do fotojornalismo como mercado de trabalho e na atuação do fotojor-
nalista nesse contexto, vendo suas possibilidades de prática em veículos
de comunicação, agências de notícias e como free-lancer.

O papel do fotojornalista
O fotojornalismo pode ser visto como uma linguagem, com especificidades
técnicas, mas também como prática profissional e campo de atuação do jornalista.
Essa segunda perspectiva privilegia o processo, ou seja, as etapas de produção,
edição, circulação e consumo da imagem. Segundo o fotógrafo e professor Jorge
Pedro Sousa (2002), a finalidade primeira do fotojornalismo é informar. Porém,
nessa atividade, o profissional se insere no universo das redações e da formatação
da notícia, em que os assuntos são agrupados e divididos por afinidade. Essas
2 Fotojornalismo e mercado de trabalho

classificações são chamadas tecnicamente de editorias e, para cada uma delas,


existem particularidades técnicas no registro de imagens.
O fotojornalista acaba desenvolvendo maior desenvoltura dentro de uma
ou de outra editoria a partir das questões técnicas e da própria aproximação
com pauta. No entanto, de modo geral, todos os profissionais partem de um
mesmo conjunto de habilidades e/ou características para o trabalho cotidiano:

 apropriação da pauta;
 atenção e capacidade de antecipar os fatos;
 sensibilidade e busca do diferencial criativo pelo domínio da linguagem;
 alta velocidade de resposta técnica.

Apropriação da pauta
Todo fotojornalista deve participar da reunião de pauta e/ou definição da abor-
dagem sobre o tema que será retratado. Quanto mais informação ele obtiver
previamente, mais “munição” para direcionar o olhar e produzir imagens signi-
ficativas ele terá. Além disso, sem essa regulagem prévia entre o tema e o que se
pretende dizer sobre ele, é possível que a visão do fotógrafo não coincida com
a abordagem do repórter de texto, por exemplo. O resultado dessa dissonância
tende a ser desastroso, com serviço dobrado (por exemplo, voltar ao local para
novos registros) ou desperdício de recursos (tempo, dinheiro, etc.). Outra van-
tagem da apropriação da pauta é municiar o fotógrafo para direcionar a atenção
aos detalhes, ao inusitado, ao excepcional. Se ele não sabe o que é ordinário e
o que é extraordinário, pode deixar de registrar algo que se tornaria manchete.

Atenção e a capacidade de antecipar os fatos


Refere-se ao envolvimento do fotojornalista com a pauta. Não basta apenas ir
até o local e fazer o registro básico dos personagens, é preciso acompanhar o
desenrolar da pauta até o final (e talvez um pouco além disso) para que a cober-
tura esteja completa. Um exemplo desse envolvimento é a cobertura esportiva
de partidas de futebol. Se o fotógrafo sabe que será publicada apenas uma
imagem na contra-capa do jornal e uma imagem na página interna da editoria
de esportes, pode registrar um gol de um time, outro gol do time adversário
e ir embora pra casa? Afinal, não importa o resultado, ele já tem o registro de
Fotojornalismo e mercado de trabalho 3

gols dos dois times e o resultado vai aparecer no texto, não é mesmo? Errado.
Pode ser que, naquela partida, o lance mais importante não seja o gol desse ou
daquele time, mas uma falta mais violenta, um erro de arbitragem ou, ainda, a
reação da torcida fora do campo. Por isso, o trabalho do fotojornalista é narrar,
contar histórias através de imagens para além do superficial e óbvio.

Sensibilidade e busca do diferencial criativo


pelo domínio da linguagem
Segundo Sousa (2002, documento on-line), “Sensibilidade, capacidade de
avaliar as situações e de pensar na melhor forma de fotografar, instinto, rapi-
dez de reflexos e curiosidade são traços pessoais que qualquer fotojornalista
deve possuir, independentemente do tipo de fotografia pelo qual enverede”.
A busca do diferencial criativo está associada à sensibilidade do fotógrafo
no exercício de antecipar as imagens, pensar e planejar o registro de forma a
mostrar situações às vezes comuns aos olhos da maioria da população, mas
feitos de maneira inusitada, criativa, inédita. É quando o profissional pode
explorar todo o seu conhecimento técnico buscando maior plasticidade ao fato
narrado, aliando a força informativa ao impacto estético da imagem.

Alta velocidade de resposta técnica


Esse envolvimento com a pauta no momento da cobertura permite ao fotógrafo
antever possibilidades e preparar-se para eventuais situações que possibilitem
imagens diferenciadas. Não há como negar o valor do flagrante dentro do contexto
jornalístico, mas registrá-lo não é apenas uma questão de sorte. Em um show musi-
cal, no qual o artista brinca e sacode o microfone no palco fazendo acrobacias, existe
uma grande chance de o microfone ser atirado ao chão, cair sobre o próprio artista
ou sobre a plateia. Prever essas possibilidades permite ao fotógrafo preparar-se e
posicionar-se de maneira a registrar o fato, caso aconteça. Se esse planejamento
e essa plasticidade coincidirem com uma resposta rápida ao desenrolar dos fatos,
então teremos um registro rico e a possibilidade de acompanhar a posteriori uma
narrativa mais precisa e longitudinal sobre os acontecimentos.
Sousa (2002) propõe uma tipologia para imagens fotojornalísticas a partir
de características oriundas do assunto, da leitura das imagens ou do modo de
produção — confira-a no Quadro 1, a seguir.
4 Fotojornalismo e mercado de trabalho

Quadro 1. Gêneros fotojornalísticos

Spot news Imagens únicas que sintetizam a notícia, com impacto informativo e
visual, sobre assuntos que não são agendados ou previstos (associa-
dos ao flagrante). Exemplo: acidente de trânsito.

Notícias Imagens que trabalham com pautas agendadas, de alto controle


em geral técnico e caráter documental. Exemplo: coletiva de imprensa.

Features De interesse humano: imagens que trabalham com o inusitado, o


engraçado, o flagrante surpreendente, revelando aos olhos aquilo que
a visão humana é incapaz de registrar pela velocidade dos aconteci-
mentos. Exemplo: bote de uma cobra.
De animais: momento em que animais expressam reações humanas,
engraçadas ou curiosas. Exemplo: cão envergonhado que coloca as
patas sobre o focinho, tapando os próprios olhos.
De interesse pictográfico: imagens com grande impacto visual pela
beleza do registro, sem grande força informativa. Exemplo: pôr do sol.

Desporto Imagens que se caracterizam por expressar as particularidades das


modalidades, suas regras, seus aparatos e vestimentas, regras, etc.
Tem como particularidade a capacidade sintética da modalidade.
Exemplo: a concentração de dois jogadores de xadrez em uma
partida, com o relógio marcando o tempo das jogadas.

Retrato Deve registrar mais do que a fisionomia da pessoa, buscando revelar


traços de personalidade e/ou contextualizá-las em seus momentos de
vida. Podem ser individuais, coletivos ou do tipo mug shots (retratos em
plano fechado, registrando na sequência e mesmo ângulo e enquadra-
mento as diferentes reações e expressões de um entrevistado). Exemplo:
fotografia de uma banda para a fanpage em uma mídia social digital.

Ilustrações São fotografias atemporais, que trabalham com signos para ex-
pressar ideias e sentimentos, podendo ser utilizadas em diferentes
contextos. Exemplo: cofre de porcelana em formato de porco, com
um cifrão desenhado na lateral e algumas moedas empilhadas ao
lado para significar economia.

Histórias As histórias em fotografias são caracterizadas por um conjunto de


em imagens que, juntas, formam uma narrativa. Essas narrativas são
fotografias divididas em dois tipos: a) fotorreportagem: busca contextualizar
um fato a partir de personagens, ambientações e/ou desenrolar de
acontecimentos, com objetividade e diversidade de abordagens
(múltiplas vozes representadas); b) foto-ensaio: é o exercício de sub-
jetividade e criatividade do fotógrafo sobre uma pauta, com caráter
opinativo e posicionamento sobre os fatos retratados.

Fonte: Adaptado de Souza (2002).


Fotojornalismo e mercado de trabalho 5

Essa classificação proposta por Sousa (2002) abarca grande parte das
imagens produzidas cotidianamente nas redações jornalísticas brasileiras.
Se algumas pautas são acontecimentos inesperados, outras permitem um
planejamento e uma antecipação dos fatos. Não raro, o fotojornalista precisa
produzir imagens para acontecimentos que ainda estão por vir, mas que
necessitam ilustrações imagéticas colocadas nas páginas do jornal no dia
anterior (fechamento da edição antes de encaminhar à gráfica). Entre o fla-
grante e a fotografia posada, o registro das imagens exige dos fotojornalistas
um espectro de habilidades técnicas e uma capacidade de traduzir assuntos
diversos em imagens.

Fotojornalismo: espaços de circulação


e consumo
Ao longo da história, a fotografia jornalística constituiu uma aura em
torno de si que privilegia aspectos como o flagrante (chamado por Cartier-
-Bresson de “instante mágico”) e a verdade. Durante muito tempo, ela foi
vista como “reflexo da realidade” e até mesmo como “a realidade pintada
por si mesma”, já que o dispositivo técnico — a máquina — não exigia
a manipulação direta de uma pessoa e, por conta disso, não deveria ser
considerada arte, e, sim, técnica. Esse aspecto de verdade registrada pela
fotografia, e em especial pelo fotojornalismo, está presente no imaginário
das pessoas até hoje, em pleno século XXI.
O fotógrafo e teórico da fotografia Joan Fontcuberta (1997) ressalta que
a produção imagética exige de quem manipula o equipamento uma série de
escolhas: o ângulo, o enquadramento, a composição (o que fica no quadro e
o que fica fora dele), a profundidade de campo, a fotometragem, entre outras.
Todas essas escolhas imprimem sobre a imagem um olhar, um direcionamento
à leitura. Por conta disso, Fontcuberta (1997, p. 15) afirma que não há verdade
absoluta na imagem:

[...] a fotografia sempre mente, mente por instinto, mente porque sua natureza
não lhe permite fazer outra coisa. Mas o importante não é essa mentira ine-
vitável. O importante é como o fotógrafo a usa, para que intenções serve. O
importante, em resumo, é o controle exercido pelo fotógrafo para impor uma
direção ética à sua mentira. O bom fotógrafo é o que mente bem a verdade.
6 Fotojornalismo e mercado de trabalho

A mentira, no caso do fotojornalismo, está justamente ligada à noção de


que a imagem é uma narrativa e, como tal, carrega em si o ponto de vista do
narrador, e não uma verdade absoluta, incontestável. Essa manipulação ou
escolha inerente à narrativa não deve perder de vista o compromisso ético
da profissão, que goza de um reconhecimento social, sobre a preservação
da veracidade e da verossimilhança. A veracidade está associada à verdade
a partir daquilo que se conhece ou a que se tem acesso e implica não dis-
torcer ou manipular, esconder ou exagerar nas informações jornalísticas.
Já a verossimilhança está associada ao conceito de parecer-se com uma
verdade credível, em que as pessoas possam depositar confiança, ainda
que seja uma versão dos fatos.
A mídia tradicional, em suporte impresso ou digital, reconhece a impor-
tância do trabalho jornalístico e dedica espaço às notícias. Mesmo que as
empresas jornalísticas dependam de patrocinadores e da venda de espaços
publicitários ou assinaturas para garantirem seus modelos de negócio, em sua
grande maioria, privilegiam o interesse público na veiculação dessas infor-
mações. Sabemos de casos em que interesse privados de grupos de pressão
(igreja, partidos políticos, movimentos sociais, etc.) influenciaram formas de
abordagem ou silenciamentos sobre temas de interesse público. No entanto, a
sociedade também conta com artifícios como os sindicatos, os observatórios
de mídia e órgãos de proteção dos direitos dos cidadãos para reivindicar o
cumprimento da lei e da ética. O jogo de poder sobre a mídia é intenso e
contínuo: ora a balança pende para o lado dos interesses privados, ora para o
lado do interesse público.
Nessas disputas, a audiência tem papel importante, pois o modelo de negó-
cios jornalísticos no Brasil privilegia a venda de assinaturas ou a visibilidade
dos espaços publicitários como métrica para definição de preços a pagar pelos
anunciantes. Com isso, a notícia, por vezes, ganha um viés mercadológico e
sua constituição passa por um processo de estetização, ou seja, adequação às
condições que favoreçam sua “venda” e aceitação do público-alvo. O resultado
disso são manipulações sensacionalistas, manchetes apelativas e informações
que atendem à curiosidade e ao voyeurismo, sem, no entanto, promover a
cidadania e a dignidade humana. Um exemplo típico é a exploração da inti-
midade de pessoas públicas pelos fotógrafos conhecidos popularmente como
paparazzi (Figura 1).
Fotojornalismo e mercado de trabalho 7

Figura 1. Trabalho dos paparazzi.


Foto: Andrea Raffin/Shutterstock.com.

Com o deslocamento da linha editorial de um veículo de comunicação


do interesse público para o interesse do público, temos um serviço voltado à
curiosidade e não àquilo que Bill Kovac e Tom Rosenstiel (2003) defendem
como função do jornalismo: tornar públicas informações que auxiliem as pes-
soas a tomarem decisões sobre as próprias vidas de maneira livre e autônoma.
As editorias, como subdivisões temáticas dentro de uma publicação, ganha-
ram espaço e tornaram-se autônomas a partir da percepção sobre possibilidades
de ganhos com conteúdos e publicidade dirigidos. Isso significa que muitas
empresas jornalísticas optaram por tornar editorias em publicações a partir do
potencial financeiro desses seguimentos. É o caso de revistas especializadas
em notícias sobre produtos televisivos e de cinema, voltados aos esportes e
lançamentos automotivos, dedicados às técnicas e aos equipamentos fotográ-
ficos, entre muitos outros. São categorizados como jornalismo especializado
e voltados para temas/públicos específicos, mantendo as premissas do foto-
jornalismo no que diz respeito a produção e consumo imagéticos.
Outra fonte de contratação para os fotojornalistas são os trabalhos pontuais
prestados para organizações não governamentais (ONGs), assessorias de
imprensa e projetos editoriais específicos. Nesses casos, o trabalho aproxima-
-se do fotodocumentarismo, já que permite um planejamento e um tempo de
pesquisa maiores sobre o assunto a ser fotografado. Exemplos dessas contra-
tações estão na produção de imagens durante uma campanha eleitoral ou na
documentação de ações desenvolvidas em uma área de difícil acesso, na qual
8 Fotojornalismo e mercado de trabalho

não há fotojornalistas profissionais disponíveis. Nesses casos, o profissional


é contratado como free-lancer, ou seja, sem vínculo empregatício, mas com
vínculo de prestação de serviço por tempo determinado firmado em contrato.

Veja, no link a seguir, um exemplo de documentário patrocinado por assessoria de


imprensa de organização privada, mesclando fotografias e vídeo.

https://qrgo.page.link/xPXQ3

As assessorias de imprensa de organizações privadas tendem a contratar


fotógrafos free-lancer ou agências de fotografia para projetos específicos. Nesses
casos, o profissional participa de reuniões e lhe repassam o projeto (objetivos,
período de execução, finalidade, recursos disponíveis, etc), usado para dimen-
sionar o custo. Em geral, a partir do fechamento do contrato, os valores são
disponibilizados para a execução do projeto, sendo o último pagamento realizado
após a entrega do material editado. O material bruto e editado costuma ficar com
a contratante e o profissional remunerado pelo serviço. Mas também é possível
que a organização queira somente o material editado e, nesse caso, é preciso
especificar se o profissional pode, ou não, fazer uso do material excedente.
As agências de notícias ou de imagens também apostam em algumas
pautas, ou seja, financiam coberturas jornalísticas de antemão para depois
comercializá-las. Nesses casos, são privilegiadas pautas de interesse mundial
(como desastres ambientais e acidentes aéreos) e a venda se dá, em grande
parte, para veículos fora do país. Os profissionais, nesse caso, podem ser
remunerados para o trabalho de registro fotográfico da pauta e ainda ganhar
um percentual sobre as imagens, quando vendidas pela agência.

Nichos em expansão e o fotojornalismo


A fotografia jornalística e suas características também influenciam a produção
imagética em outros campos, como, por exemplo, a fotografia de casamento e
a social. Como vimos anteriormente, existem muitos tipos de fotografia jorna-
Fotojornalismo e mercado de trabalho 9

lística segundo Sousa (2002). No caso da fotografia de casamento, temos uma


junção de características do processo fotojornalístico: cobertura de eventos,
fotografia social (retrato) e fotografia documental.

Para conhecer melhor as especificidades de cada ramo da fotografia, pesquise sobre eventos,
canais de dicas e tutoriais na internet, leia livros e consulte artigos científicos sobre o ramo.
Mergulhar no ramo que se quer investir é o primeiro e mais importante passo para evitar os
erros que outros fotógrafos já cometeram (várias dicas nesse sentido estão disponíveis em
vlogs e blogs). A partir do seu envolvimento e conexão com o meio, uma rede de relações
vai se construindo e, a partir delas, indicações sobre valor a cobrar, tipos de equipamentos
com vantagens e desvantagens e outras várias situações serão compartilhadas.

A cobertura de eventos exige a já mencionada velocidade de resposta, uma


vez que o evento se desenvolve à revelia da vontade do fotógrafo. Por isso,
fotojornalistas são frequentemente convidados a registrar casamentos e festas
sociais, tendo em vista que os contratantes querem a fluidez e a naturalidade
do acontecimento registrada em sua “verdade”, ou seja, sem que seja neces-
sário “construir” uma realidade para a câmera ou interferir no desenrolar das
situações. É claro que a própria dinâmica dos casamentos, hoje em dia, prevê
momentos de um registro privado do casal, em que são pensados o cenário, as
poses e a interação entre eles. Nesse momento, a fotografia social se mostra
pelo domínio técnico e pela plasticidade das imagens. Ao final, o envolvimento
com o acontecimento exige do fotógrafo um levantamento geral da ambiência
(decoração), dos convidados e das etapas desse ritual, constituindo um registro
documental imagético de situações e pessoas que nunca mais estarão naquele
lugar, daquela forma, com a mesma disposição.
A fotografia de recém-nascidos também envolve os aspectos da fotografia
de retrato e das spot news. No registro da barriga da gestante, nos preparativos
para a chegada do bebê, no envolvimento dos familiares com a expectativa, são
utilizadas técnicas da fotografia social, em que é possível planejar os cenários e o
tipo de equipamento utilizado pelo profissional. Já no momento do parto, a equipe
médica precisa de espaço e a gestante não quer perceber a presença do fotógrafo,
pois está envolvida em uma questão mais importante: o nascimento da criança.
10 Fotojornalismo e mercado de trabalho

Nesse sentido, a não interferência do fotógrafo é conquistada pela planificação


do espaço e dos procedimentos (adquiridos da experiência ou de uma conversa
prévia com o médico) associada com a sensibilidade sobre o quê e como registrar,
evitando situações constrangedoras e captando os sentimentos, as reações emotivas
e o trabalho envolvido no ato, tal como o registro de acontecimentos em que não
se pode prever ou controlar a pauta. Depois do nascimento, muitos fotógrafos
comercializam pacotes de serviços que incluem o acompanhamento fotográfico
da criança por um, dois ou mais anos, constituindo o álbum da família.
A fotografia social ou de retrato (Figura 2) é outro nicho em expansão. Com as
mudanças no mercado de trabalho advindas das reformas trabalhistas pelas quais
o Brasil passa nos últimos anos, assistimos ao crescimento das relações autônomas
e do empreendedorismo. Essa condição exige um trabalho de “venda” da própria
imagem por parte desses profissionais, já que eles precisam destacar-se em meio à
concorrência e estabelecer seus critérios de cobrança em contextos competitivos.
Tudo isso passa pela forma como as pessoas veem o profissional, seja a partir do seu
histórico, seja a partir do primeiro contato em uma página na Web ou um perfil em
uma rede social digital. Assim, cada vez mais os fotojornalistas são convidados a
produzir imagens ora institucionais, ora pessoais desses trabalhadores que buscam
imprimir pela qualidade técnica um aspecto “profissional” à imagem pública.

Figura 2. Retrato institucional.


Fonte: Rido/Shutterstock.com.
Fotojornalismo e mercado de trabalho 11

Além dos nichos, também são várias as funções desempenhas pelo fotojor-
nalista em redações ou mesmo na administração de uma carreira autônoma,
como arquivo, edição de imagens, redação de contratos, publicação. Em cada
uma dessas funções, há desdobramentos sobre o trabalho fotojornalístico,
como possibilidades de ganho e/ou comprometimentos jurídicos e éticos.
O arquivamento de imagens, por exemplo, é um trabalho exaustivo e
extremamente necessário ao fotojornalista. A partir do material “bruto” (sem
tratamento) que chega de uma cobertura jornalística, cabe ao profissional
fazer a seleção do que deve ser mantido e o que será descartado dos cartões
de memória. Uma vez apagados, esses conteúdos serão substituídos por outros
e não poderão mais ser recuperados. Além disso, é de suma importância o
preenchimento de metadados das imagens para identificação das pessoas, das
circunstâncias e das datas de registro. Essas informações, inclusive, podem
ser utilizadas como “prova” de um acontecimento em casos judiciais.
Alguns fotógrafos de ensaios (Figura 3), por exemplo, comercializam
com suas modelos um “pacote” com um número determinado de imagens.
Durante o ensaio, são registradas várias fotografias para além daquelas que
serão escolhidas, mas que serão armazenadas e ficarão à disposição da modelo
para uma aquisição futura se ela assim desejar. Com o intuito de realizar uma
“limpeza” nos espaços de armazenamento de trabalhos, vários fotógrafos
oferecem “pacotes promocionais” um ou dois anos após a realização do ensaio,
comercializando todo o material (sem tratamento) por um preço mais acessível.
É uma forma de rentabilizar o arquivo sem grande esforço e talvez sensibilizar
um cliente sobre a possibilidade de um novo ensaio, mais atualizado.

Figura 3. Fotógrafo de casamento em ensaio pré-nupcial.


Fonte: bearmoney/Shutterstock.com.
12 Fotojornalismo e mercado de trabalho

A edição digital de imagens tem ganhado destaque no mercado da foto-


grafia, em que a estetização das imagens ganha impulso por modismos ou
pela simples impressão de uma marca técnica sobre o trabalho fotográfico.
Desde simples passagem das imagens para preto e branco até a supressão de
marcas, manchas ou modificação de cores, a edição digital de imagens ganha
a todo momento atualização de ferramentas e dispositivos impulsionados por
uma indústria focada no consumo imagético. Canais, tutoriais em vídeo e
apostilas com dicas de edição proliferam pela internet, mas o teor profissional
das manipulações exige compromisso ético, uma vez que a verossimilhança
e a veracidade são valores importantes para o papel social do fotojornalismo.
Por fim, cabe cada vez mais ao fotojornalista colocar em circulação as suas
imagens e rentabilizá-las. É por isso que faz parte do conjunto de atividades a
ele creditado o trabalho de postagem e/ou inscrição de suas obras em concur-
sos e editais públicos. A partir deles, é possível receber prêmios pecuniários
e colocar o nome do autor em evidência, o que serve como uma espécie de
“vitrine” para o profissional. Muitos trabalhos podem se originar dessa visi-
bilidade e, por conta disso, os profissionais autônomos têm maior atenção à
potencialidade oferecida por esses espaços. Além dos governos (municipal,
estadual, federal), várias fundações e entidades promovem premiações para
fotografias jornalísticas em pautas específicas aos seus campos de atuação.

O caso do fotógrafo Narciso Contreras é um exemplo no qual a manipulação digital


extrapola os limites éticos e afronta o trabalho fotojornalístico. Em 2013, Contreras fazia
a cobertura fotojornalística da troca de tiros entre o governo e opositores na vila de
Telata, em Idib, província da Síria. Com o intuito de “melhorar” as imagens, “limpou” a
fotografia original, na qual aparecia sua câmera filmadora próxima ao homem armado,
reproduzindo parte das pedras do chão. O fotógrafo free-lancer foi demitido e a agência
Associated Press (AP) fez uma retratação pública, assumindo o erro de “construir uma
verdade diferente dos fatos” a partir do trabalho do seu colaborador. O caso pode ser
tomado como um exemplo de distorção da realidade pela edição digital de imagens.
Fotojornalismo e mercado de trabalho 13

Fonte: Ganhador... (2014, documento on-line).

Os trabalhos desenvolvidos pelo fotojornalista devem compreender etapas e


procedimentos específicos. Por conta disso, esses profissionais são remunerados
de maneira diferenciada. Em alguns casos, os contratos trabalhistas exigem
que todas as funções sejam desempenhadas pela mesma pessoa, o que abre a
possibilidade de uma negociação salarial maior do que a de um fotógrafo que
tem a função de registrar e arquivar as imagens. Além disso, o profissional não
deve exercer todas as funções sem pensar no tempo necessário a cada uma,
14 Fotojornalismo e mercado de trabalho

extrapolando os limites sadios de uma jornada de trabalho. Se todas as funções


a serem desempenhadas não puderem ser exercidas com qualidade no tempo
estabelecido por lei para a carga horária do profissional, é hora de os gestores
avaliarem a necessidade de ampliar a equipe em vez de saturarem o fotógrafo.

Confira, no link a seguir, as dicas sobre como começar no ramo da fotografia e escolher
o nicho de mercado para atuar que o fotógrafo Eduardo Vanassi oferece.

https://qrgo.page.link/6dY3c

BILL, K.; ROSENSTIEL, T. Elementos do jornalismo: o que os jornalistas devem saber e o


público exigir. São Paulo: Geração Editorial, 2003.
FONTCUBERTA, J. El beso de Judas: fotografía y verdade. Barcelona: Gustavo Gili, 1997.
GANHADOR do Pulitzer é demitido da agência por manipular imagem. Terra, 2014.
Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/mundo/ganhador-do-pulitzer-e-
-demitido-de-agencia-por-manipular-imagem,394c091ec94c3410VgnVCM1000009
8cceb0aRCRD.html. Acesso em: 4 nov. 2019.
SOUSA, J. P. Fotojornalismo: uma introdução à história, às técnicas e à linguagem da fo-
tografia na imprensa. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, 2002. Disponível em:
http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-pedro-fotojornalismo.pdf. Acesso em: 4 nov. 2019.

Leituras recomendadas
BENTES, D. Hiperfotografia e questões deontológicas para o fotojornalismo e a fotografia
documental: reflexões sobre o comunicacional na imagem digital. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 41., 2018, Joinville. Anais [...]. Santa Cata-
rina, 2018. Disponível em: http://portalintercom.org.br/anais/nacional2018/resumos/
R13-0283-1.pdf. Acesso em: 4 nov. 2019.
PEREIRA, S. C. Caçado, coletado, plantado ou construído: as várias faces do retrato no
fotojornalismo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 41., 2018,
Joinville. Anais [...]. Santa Catarina, 2018. Disponível em: http://portalintercom.org.br/
anais/nacional2018/resumos/R13-0859-1.pdf. Acesso em: 4 nov. 2019.
Fotojornalismo e mercado de trabalho 15

Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu
funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto,
a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de
local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre
qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.
FOTOJORNALISMO:
TÉCNICAS E
LINGUAGENS

Candice Kipper Klemm


Fotografia de natureza
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar equipamentos, acessórios e técnicas para fotografar a flora


e a fauna.
 Reconhecer o papel da fotografia na preservação ambiental.
 Descrever aspectos da fotografia aérea e submarina.

Introdução
A fotografia de natureza se configura enquanto atividade não só criativa,
mas também de cunho crítico social, já que tem um papel de conectar os
indivíduos e pode ser uma ferramenta de conscientização coletiva. Além disso,
essa prática se segmenta em diversas outras, como fotografia de paisagem,
fotografia ambiental, fotografia macro, fotografia selvagem, aérea e submarina.
Neste capítulo, você vai se aprofundar na fotografia de natureza,
conhecendo as técnicas e os equipamentos mais apropriados para a reali-
zação dessa atividade, bem como os elementos de composição indicados.
Além disso, você vai ver destacado o papel da fotografia na preservação
ambiental, vendo como utilizá-la como meio de conscientização social.
Por fim, verá aspectos específicos da fotografia aérea e submarina.

A natureza da fotografia
Considerando que a fotografia de natureza se enquadra como uma técnica do
fotojornalismo, nada é mais apropriado do que utilizarmos as palavras de Henri
Cartier Bresson, considerado o pai do fotojornalismo (ZATZ, 2004) e conhecido
pela máxima “momento decisivo”, que “[...]seria o momento crucial em que todos
os assuntos interligados no mesmo espaço interagem de maneira harmônica e
dão à fotografia um significado único” (MARÇAL, [201-?], documento on-line).
Bresson detinha um olhar apurado e nada precipitado. Suas fotografias eram
construídas com lógica e muita paciência, resultando no momento decisivo, uma
2 Fotografia de natureza

perfeita conjunção entre os três elementos essenciais da fotografia: fotógrafo,


espaço e tempo. Essa harmonia nos fatores fizeram com que ele construísse
imagens perfeitas técnica e criativamente, inspirando muitos outros fotógrafos.
Ao iniciarmos os estudos sobre da fotografia de natureza, são necessário
termos em mente que essa área exigirá do fotógrafo muito mais do que apenas
técnica, mas, também, sensibilidade no olhar. A fotografia de natureza desperta
emoção, fascinação e encantamento, além de uma consciência ecológica muito
mais apurada que em outros segmentos da foto.

A fotografia estabelece comunicação imediata, é uma linguagem universal


que atrai a atenção das pessoas e que pode gerar um movimento em direção
a mudanças. A expressão estética da fotografia pode colaborar na hora de
chamar a atenção para questões ambientais. As imagens de paisagem são
democráticas e podem levar as pessoas a pensar relações entre o homem e
os fenômenos naturais. Ela é uma ferramenta na educação ambiental. No
contato com a fotografia, o sujeito é conduzido a novas linguagens, inclusive
à dimensão política dos fenômenos representados. As imagens informam, re-
presentam, surpreendem e transmitem um significado. As fotografias fascinam
e convidam o espectador a senti-las, percebê-las, julgá-las e interpretá-las
(FOTOGRAFIA..., [201-?], documento on-line).

Dentro da fotografia de natureza, consideramos relevante mencionar que


técnicas específicas são fundamentais para que o objetivo desejado seja al-
cançado. O fotógrafo de natureza pode querer especializar-se e, além disso,
como vimos, essa área da fotografia compreende subsegmentos, e para cada
um deles são necessários equipamentos específicos.
De modo geral, entre os equipamentos mais versáteis para se ter, destaca-se
uma câmera com recursos. O que significa isso? É uma câmera que possibilita
ao fotógrafo ter uma interferência de atuação no que diz respeito à velocidade,
à profundidade de campo, ao ISO da câmera, a trocas de lentes. Nem todas as
câmeras possuem essas característica: existem câmeras compactas nas quais
as funções são reduzidas, não permitindo ao fotógrafo fazer, por exemplo,
um zoom ou, então, abrir bem o diafragma. Assim, é necessário o uso de
câmeras reflex, cujas lentes podem ser trocadas, permitindo compor diferentes
características dentro da fotografia (BUSSELLE, 1993).
Confira, a seguir, as objetivas mais utilizadas para a fotografia de natureza.

 Grande angulares: por serem objetivas que ampliam o ângulo de


captura, essas lentes são muito utilizadas da fotografia de paisagem e
aéreas (Figura 1). Variam de 10 mm a 35 mm.
Fotografia de natureza 3

Figura 1. Grande angular.


Fonte: Cardoso (2018, documento on-line).

 Teleobjetivas: normalmente utilizadas para fotografia selvagem e flora,


pois possibilitam limitar o campo de visão (Figura 2). São objetivas
que vão de 60 mm a 1000 mm.

Figura 2. Teleobjetivas.
Fonte: Cardoso (2018, documento on-line).
4 Fotografia de natureza

 Normal: a grande vantagem das objetivas normais é que são extremamente


luminosas, ou seja, a sua abertura do diafragma é bem grande, o que possibi-
lita a obtenção de uma profundidade de campo muito pequena, sem alterar o
ângulo de visão, que se configura por ser o mesmo do olho humano (Figura 3).

Figura 3. Normal.
Fonte: [Lente 50mm] ([2018, documento on-line).

 Macro: objetivas cuja característica é proporcionar pouca profundidade


de campo, trazendo destaque para o objeto fotografado (Figura 4). As
mais comuns são 60 mm, 100 mm, 105 mm.

Figura 4. Macro.
Fonte: [ENCRYPTED] ([200-?], documento on-line).
Fotografia de natureza 5

Outro aspecto importante a ser considerado na fotografia de natureza são


os acessórios necessários, como tripés, essenciais quando fotografamos em
baixa velocidade, e filtros, que podem substituir objetivas, trazendo efeitos
de contrastes acentuados ou mesmo transformando as objetivas em macro.

Fotografia de natureza: uma ferramenta


de conscientização
Todos já ouvimos muitas vezes o velho ditado popular que diz que “uma imagem
vale mais que mil palavras”. Nesse sentido, podemos destacar que, além disso,
uma fotografia pode representar um instrumento de alerta e conscientização
social, visto que, por trás das capturas imagéticas, podemos retratar com precisão
aspectos que, muitas vezes, ficam à margem das informações. Pesquisas vêm
sendo desenvolvidas sobre a adequação dessa linguagem não verbal ao contexto
da educação e a criação de uma conscientização social e ecológica nos sujeitos.

A visão é um dos sentidos mais importantes nos humanos e, por isso, a


fotografia pode ser uma excelente opção para driblar a falta de recursos na
educação ambiental, sensibilizando e ensinando por meio de sua informa-
ção e beleza (BORGES, ARANHA, SABINO, 2010, documento on-line).

As imagens geram um impacto instantâneo, despertando a atenção e criando


conexões com informações anteriormente recebidas. Quando o indivíduo é exposto
a uma imagem, consegue ter uma dimensão maior do que está sendo abordado e
estabelecer opiniões cujo embasamento é respaldado não somente por palavras,
mas por demonstrações concretas dos fatos. Assim, estabelece-se uma dimensão
entre o tempo e o espaço, proporcionando sensibilizações mais efetivas.
No que diz respeito à utilização da fotografia de natureza como ferramenta
de educação ambiental, por exemplo, podemos afirmar que, diferentemente da
linguagem escrita ou verbal, a linguagem imagética proporciona uma cadeia
de informações que, mesmo detalhadamente explicitadas em um texto, não
conseguem provocar a mesma dimensão e impacto.
Recorremos ao um exemplo altamente relevante acontecido no ano de 2019,
em Brumadinho, no Estado de Minas Gerais, quando uma barragem cedeu e
6 Fotografia de natureza

um povo, de um minuto para o outro, viu suas vidas serem destruídas. Por mais
fortes que fossem as palavras usadas para descrever a tragédia, o impacto não
seria o mesmo sem a dimensão e a força da imagem do local antes e depois
do desastre ambiental (Figura 5).

Figura 5. Imagens mostram o antes e depois da tragédia em Brumadinho.


Fonte: Tragédia... (2019, documento on-line).

O mesmo podemos relacionar com as queimadas da Amazônia, também


no ano de 2019 (Figura 6). Dada a dimensão dessa área, fica muito difícil
dimensionar o real impacto ambiental que as queimadas deste ano provocaram.
Quando ouvimos falar de milhares de focos de incêndio, milhares de quilômetros
de mata devastados, não conseguimos, por mais informações que tenhamos,
precisar exatamente o que isso representa e o real poder de destruição. Palavras
perdem a força e o impacto que a imagem fotográfica representa.
Diante disso, a fotografia de natureza representa, hoje, uma ferramenta de
construção de uma consciência cultural/ambiental coletiva, e é a partir dela que
Fotografia de natureza 7

podemos dar voz ao que de mais precioso temos, nosso hábitat. De acordo com
Borges, Aranha e Sabino (2010), educar o indivíduo por meio da percepção
ambiental faz com que se crie um pensamento socioambiental permanente.

Figura 6. Queimadas na Amazônia.


Fonte: Queimadas... (2019, documento on-line).

Construção de imagens aéreas e aquáticas


Assim como na captura de imagens de animais selvagens ou simples paisa-
gens, precisamos ter em mente que a fotografia de natureza aérea ou aquática
requer uma precisão de detalhes que o fotógrafo deve levar em consideração.
Os retratos desses “mundos” ainda pouco explorados requerem habilidades
como paciência, precisão e conhecimentos de luz.
Diante desse contexto, apresentaremos alguns elementos de construção
essenciais para as capturas fotográficas. Um dos elementos que devemos
considerar no momento em que estamos construindo a imagem fotográfica
é o papel das linhas (Figura 7). Isso significa que toda e qualquer imagem é
constituída por esse elemento visual, e a sua abordagem correta implica na
conquista do objetivo da imagem, ou seja, na conquista do direcionamento
certo do olhar ao que se quer apresentar.
8 Fotografia de natureza

Figura 7. Linhas.
Fonte: [Drone] ([201-?], documento on-line).

Outro aspecto que se torna fundamental na prática da fotografia especial-


mente aérea e aquática é a simplicidade. O que isso significa de fato? Manter a
simplicidade significa eliminarmos elementos que possam distrair a atenção do
nosso foco principal. Como em fotografias aéreas temos sempre a presença de
muitos elementos, optar pelo que chamamos de composição aberta ou fechada
é de fundamental importância.
Uma composição fechada seria o mesmo que dispor as imagens dentro de
uma moldura, de um quadro, dando destaque ao assunto principal e isolando
os demais elementos que possam comprometer nosso foco de atenção. Na
Figura 8, podemos perceber que o fotógrafo optou por isolar o objeto prin-
cipal, estabelecendo uma espécie de quadro por meio das áreas de sombra.

Figura 8. Arraia como objeto isolado.


Fonte: [SNORKELING] ([2019, documento on-line).
Fotografia de natureza 9

No que se refere a uma composição aberta, diferentemente da fechada,


estabelece-se como um aporte mais dinâmico para imagem. Isso não significa
o movimento da cena, mas, sim, a sensação de movimento. A imagem pode ser
dinâmica sem ter, necessariamente, movimento, basta despertar o movimento
no olhar do espectador, fazendo com que ele circule seu olhar pela imagem,
criando um movimento contínuo. Nas Figuras 9 e 10, as imagens provocam
no espectador uma circulação do olhar por toda a imagem.

Figura 9. Composição aberta e fechada.


Fonte: [KLINGER] (2015, documento on-line).

Figura 10. Amazônia.


Fonte: Mcleod ([201-?], documento on-line).
10 Fotografia de natureza

Para saber mais sobre a fotografia de paisagem, acesse o link a seguir e confira algumas dicas.

https://qrgo.page.link/YEYPL

BORGES, M. D.; ARANHA, J. M.; SABINO, J. A fotografia de natureza como instrumento


para educação ambiental. Ciência & Educação, v. 16, n. 1, 2010. Disponível em: http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-73132010000100009. Acesso
em: 29 out. 2019.
BUSSELLE, M. Tudo sobre fotografia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 1993.
CARDOSO, P. As melhores lentes para fotografia de paisagem e vida selvagem. In: ZOOM
DIGITAL. [S. l.: s. n.], 2018. Disponível em: http://www.zoomdigital.com.br/as-melhores-
-lentes-para-fotografia-de-paisagem-e-vida-selvagem/. Acesso em: 29 out. 2019.
[DRONE]. [S. l.: s. n., 201-?]. Disponível em: https://c.pxhere.com/photos/b5/be/drone_
view_aerial_view_road_building_tree-1388202.jpg!s. Acesso em: 29 out. 2019.
[ENCRYPTED]. [S. l.: s. n., 200-?]. Disponível em: https://encrypted-tbn0.gstatic.com/
images?q=tbn:ANd9GcSlq4z_csnX_-Eq8yMCSWMmGh-4AQTt5ywNPwxJBSEY4Qd7
6A7RTQ&sr. Acesso em: 29 out. 2019.
FOTOGRAFIA de natureza é instrumento para educação e a luta contra crimes ambien-
tais. In: ECYCLE. [S. l.: s. n., 201-?]. Disponível em: https://www.ecycle.com.br/component/
content/article/7-eba/4015-fotografia-de-natureza-e-instrumento-para-educacao-
-ambiental-e-luta-contra-crimes-ambientais.html. Acesso em: 29 out. 2019.
[KLINGER]. In: CLICANDO E ANDANDO. [S. l.: s. n.], 2015. Disponível em: https://i1.wp.
com/www.clicandoeandando.com/wp-content/uploads/2015/02/Philipp-Klinger-02.
jpg?fit=550%2C389&ssl=1&resize=350%2C200. Acesso em: 29 out. 2019.
[LENTE 50MM]. In: FOTOGRAFIA MAIS. [S. l.: s. n.], 2018. Disponível em: https://fotogra-
fiamais.com.br/wp-content/uploads/2018/12/lente-50mm-retrato.jpg. Acesso em:
29 out. 2019.
MARÇAL, R. M. O estilo fotográfico de Henri Cartier-Bresson e Robert Doisneau. Focus,
out. [201-?]. Disponível em: https://focusfoto.com.br/relatorio-o-estilo-fotografico-de-
-henri-cartier-bresson-e-robert-doisneau/. Acesso em: 29 out. 2019.
Fotografia de natureza 11

MCLEOD, B. [S. l.: s. n., 201-?]. Disponível em: https://i.pinimg.com/originals/9f/fc/c6/9


ffcc6b517c041088000e816aa4331e3.jpg. Acesso em: 29 out. 2019.
OLIVEIRA, E. Amazônia em chamas? O que se sabe sobre a evolução das queimadas no
Brasil. G1, ago. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/08/23/
amazonia-em-chamas-o-que-se-sabe-sobre-a-evolucao-das-queimadas-no-brasil.
ghtml. Acesso em: 29 out. 2019.
QUEIMADAS na Amazônia criam batalha política internacional. In: RFI. [S. l.: s. n.], 2019.
Disponível em: http://br.rfi.fr/brasil/20190823-queimadas-na-amazonia-criam-batalha-
-politica-internacional. Acesso em: 29 out. 2019.
SELWAY, N. Stop motion. [S. l.: s. n., 201-?]. Disponível em: https://encrypted-tbn0.gstatic.
com/images?q=tbn:ANd9GcSlq4z_csnX_-Eq8yMCSWMmGh-4AQTt5ywNPwxJBSEY4
Qd76A7RTQ&sr. Acesso em: 29 out. 2019.
[SNORKELING]. [S. l.: s. n.], 2019. Disponível em: https://www.viator.com/pt-BR/tours/
Negombo/SNORKELING-WHALE-and-DOLPHIN-WATCHING-PRIVATE-BOAT-TOUR-
-KALPITIYA-FROM-NEGOMBO/d33888-145816P22. Acesso em: 29 out. 2019.
TRAGÉDIA em Brumadinho. In: COMPRO OURO BH. [S. l.: s. n.], 2019. Disponível em: http://
www.comproourobh.com.br/tragedia-em-brumadinho/. Acesso em: 29 out. 2019.
ZATZ, M. O homem sob nova perspectiva. Jornal da USP, ago. 2004. Disponível em:
http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2004/jusp696/pag16.htm. Acesso em: 29 out. 2019.

Leitura recomendada
BENTO, P. 10 dicas para fotografia de paisagem. In: FOTOGRAFIA DG. [S. l.: s. n.], 2018.
Disponível em: https://www.fotografia-dg.com/10-dicas-para-fotografia-de-paisagem/.
Acesso em: 29 out. 2019.

Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu
funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto,
a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de
local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre
qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.
COMUNICAÇÃO E
REALIDADE
SOCIOCULTURAL

Domingos Sávio da Silva Oliveira


Antropologia da
comunicação visual
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Definir a antropologia como disciplina e ciência.


„„ Identificar a imagem como objeto da pesquisa antropológica.
„„ Reconhecer a presença da cultura nas manifestações visuais.

Introdução
A partir de um olhar antropológico, é possível compreender a visuali-
dade e sua importância nas manifestações culturais e, por consequência,
na formação identitária de uma sociedade.
Neste capítulo, você identificará o conceito de antropologia e sua
importância nos estudos sociais, principalmente os aplicados à comuni-
cação como área do saber. Reconhecerá, ainda, a relevância das imagens
para o estudo da pesquisa antropológica na sociedade contemporânea,
sobretudo, considerando como objeto de estudo os aspectos inerentes
ao cinema e à fotografia. Por fim, verá o quanto as manifestações visuais
e as expressões artísticas estão impregnadas da cultura de determinado
povo, de suas raízes e matriz cultural.

1 Antropologia — um olhar da ciência sobre


a visualidade em nossa sociedade
É fundamental definir o conceito científico de antropologia, antes de rela-
cionar suas apropriações na área da comunicação visual. Do ponto de vista
etimológico, trata-se de um termo de origem grega, formado pelo prefixo
anthopos, que significa homem/ser humano, e pelo sufixo logos, que significa
conhecimento. Portanto, antropologia é o estudo ou conhecimento sobre o ser
2 Antropologia da comunicação visual

humano. Já pela perspectiva científica, podemos defini-la como a ciência que


estuda e procura compreender a diversidade cultural humana.
Conforme Bunge (2006, p. 31), trata-se da mais básica e abrangente ciência
do ser humano, pois estuda os sistemas de todas as espécies, em todos aspectos
e tamanhos e todos ambientes (econômico, biológico, político e cultural).
Embora a antropologia seja definida como a ciência que estuda o ser hu-
mano em seus diferentes ambientes, pode, também, ser vista de forma mais
abrangente, incluindo aspectos da evolução humana e sendo dividida em
quatro ramos:

„„ biológico ou físico;
„„ arqueológico;
„„ linguístico;
„„ cultural.

A antropologia foi reconhecida como ciência a partir do século XVIII, com


o Iluminismo. Os movimentos de deslocamentos humanos, ocorridos nesse
período, e as experiências dos viajantes em contato com o “novo mundo”
trouxeram subsídios para os estudos europeus e, consequentemente, sua evo-
lução como disciplina. A integração entre as diferentes culturas e povos é
essencial para que os estudos antropológicos avancem, pois seu objeto de
estudo é o ser humano.
Ciência e disciplina têm diferenças conceituais pertinentes. A disciplina
pode ser entendida como um conjunto de regras ou, do ponto de vista científico,
uma área específica do conhecimento. Já a ciência é um conjunto de proce-
dimentos, cujo intuito é comprovar, por meio da observação e da aplicação
de um método, uma determinada teoria e/ou conceito. O objetivo principal
da ciência é a construção do conhecimento. Contudo, vale ressaltar que a
ciência não produz verdades absolutas e imutáveis, pelo contrário, uma das
suas principais características é a possibilidade de refutação, ou o que veio a
ser denominado como falseabilidade.
Entre os diversos pensadores que se dedicaram a definir filosofica-
mente a ciência e sua evolução, temos como um dos principais, Karl Popper.
Popper (2019) definia como ciência tudo aquilo que fosse passível de obser-
vação e teorização e que toda teoria tivesse a possibilidade da falseabilidade.
A falseabilidade significa ter a possibilidade de ser refutável.
Antropologia da comunicação visual 3

Definidos os conceitos de ciência, disciplina e antropologia, devemos


ressaltar a etnografia, que é o método de pesquisa próprio da antropologia
e consiste em compreender e descrever as vidas dos indivíduos por meio da
observação. De acordo com Guerra ([201-?], documento on-line), o método
etnográfico é “um estudo e registro descritivo das características culturais de
um determinado grupo social”.

2 Representação imagética como


objeto da antropologia cultural
A antropologia cultural tem por objetivo estudar as interações culturais do ser
humano ao longo de sua história, a fim de compreender como as diferentes
culturas foram formadas. Como cultura, compreendemos os hábitos, os cos-
tumes, os valores, a religião, entre outros aspectos formadores da identidade
de uma sociedade.
As pesquisas desenvolvidas nessa área convergem para a linguística e
para as imagens, dando origem à antropologia visual e à antropologia oral.
A seguir, vamos nos ater à antropologia visual, a fim de compreender a função
das imagens nas manifestações culturais.

Antropologia visual
A antropologia visual procura esclarecer como as imagens interferem na
formação cultural de um povo. Desde a antiguidade, a linguagem visual serve
como ferramenta de representação da atividade humana, a fim de registrar as
mais diferentes experiências cotidianas e em contato com a natureza. Esses
registros imagéticos carregam simbolismos e servem como objeto de estudo
para compreensão acerca dos hábitos, dos costumes e das crenças dos ante-
passados. Diversos são os exemplos de como a linguagem visual foi usada
para registrar e expressar a percepção do ser humano sobre o universo e
aquilo que o cercava, sobretudo, o que ensejava o subjetivo. Entre esses exem-
plos, podemos citar a arte pré-colombiana, com as pinturas Maias e Astecas,
ou as pinturas rupestres.
4 Antropologia da comunicação visual

A partir da segunda metade do século XIX, a fotografia passou a ser in-


corporada nas pesquisas antropológicas. Os pesquisadores começaram a usar
essa técnica a fim de reproduzir, de forma mais fidedigna, o cotidiano dos
povos estudados. Nesse sentido, a antropologia visual passou a desempenhar
maior importância nos estudos relativos à compreensão do modo de vida de
uma determinada sociedade.

Nas últimas décadas, a Antropologia Visual no Brasil vem sendo alvo de


estudos e atenção, ampliando gradativamente o número de pesquisadores
empenhados em defender e demonstrar que a imagem pode ser uma peça fun-
damental enquanto fonte primária de pesquisa científica, capaz de evidenciar a
diversidade social em seu contexto histórico e cultural (CAMPOS, 1996, p. 6).

Para saber mais sobre a importância da fotografia como ferramenta na antropologia


visual, pesquise pelo artigo “As potencialidades do estudo da imagem fotográfica na
antropologia visual”, de Sofia Caldeira.

Contudo, não é apenas a fotografia que serve como ferramenta para o estudo
da antropologia visual, o cinema, desde o século XX, vem corroborando para
as pesquisas etnográficas desenvolvidas por antropólogos culturais.
A pesquisa etnográfica tem como premissa desvendar a realidade diária de
uma determinada população a partir de perspectiva cultural, procurando com-
preender a produção simbólica por meio dos hábitos e costumes e elementos de
identidade desse grupo. A etnografia utiliza o método observação-participante,
que consiste na interação entre o pesquisado e o pesquisador, possibilitando
uma resposta mais fidedigna da realidade cotidiana dessa sociedade.
Considerando as manifestações visuais culturais contemporâneas, o cinema
é, certamente, umas das principais formas de expressão. Conforme Reyna
(2017, p. 2), em 1895 ocorreram os primeiros encontros do cinema com a
antropologia. Um deles foi quando Louis-Félix Regnault filmava com um
“fuzil cronofográfico” do fisiologista Etienne-Jules Marey e registrava uma
mulher Wolof fabricando potes de argila na Exposição Colonial de Paris.
Antropologia da comunicação visual 5

O gênero fílmico que marca o encontro entre cinema e antropologia é


denominado filme etnográfico, normalmente produzidos por antropólogos
e cineastas independentes que usam o cinema como ferramenta para suas
observações. Como pressupõe o objetivo da etnografia, os filmes etnográfi-
cos visam identificar elementos culturais, como crenças, religião, hábitos e
costumes, por meio de métodos interativos. É uma contribuição significativa
à antropologia cultural e à antropologia visual.

Consulte o artigo “A imagem como método de pesquisa antropológica: um ensaio de


Antropologia Visual”, escrito por Sandra Maria C. T. Lacerda Campos, para conhecer
aspectos relacionados à adoção da imagem como método de pesquisa por parte da
investigação científica da antropologia brasileira.

3 Imagens e identidade cultural


Para abordar de forma mais precisa a presença da cultura nas manifestações
visuais, é fundamental relembrar que o ser humano é o único ser capaz criar
símbolos. Muitas vezes, esse processo simbólico encontra nas manifestações
visuais o seu significante, seja por meio da fotografia, cinema, pintura, etc.
Entre as manifestações citadas está a fotografia e, nesse contexto, é possível
incluir a fotografia publicitária, uma vez que ela carrega elementos culturais
e simbolismo em suas peças. Conforme Barthes (1964), as fotografias pu-
blicitárias são carregadas de mensagens denotativas e conotativas, sendo a
interpretação conotativa da afetada pela ambiência cultural a qual o indivíduo
foi exposto.
Barthes (1990) faz uma importante contribuição acerca da interpretação
das imagens publicitárias e a sua relação com os signos:

(...) em publicidade, a significação da imagem é, certamente, intencional: são


certos atributos do produto que formam a priori os significados da mensagem
publicitária, e estes significados devem ser transmitidos tão claramente quanto
possível; se a imagem contém signos, teremos certeza que, em publicidade,
esses signos são plenos, formados com vistas a uma melhor leitura: a mensa-
gem publicitária é franca, ou pelo menos enfática (BARTHES, 1990, p. 28).
6 Antropologia da comunicação visual

De acordo com o conceito estabelecido pela antropologia cultural, pode-


-se considerar como manifestação cultural as diferentes formas de expressão
humana, que, de certa forma, revelam suas crenças, valores, entre outros. Nesse
sentido, as peças publicitárias se enquadram no conceito, pois são carregadas
de elementos culturais explicitados em sua linguagem verbal e não verbal.
O discurso publicitário, por essência, é um discurso icônico-imagético,
no qual as imagens servem para fixar a mensagem verbal. Os estudos de Barthes
(1990), cujo intuito era analisar estruturalmente as imagens publicitárias e o
processo de significação de suas mensagens a partir de um sistema de deno-
tação e conotação, trouxeram importantes contribuições para compreensão
do discurso verbal e não verbal.
Em uma proposta diferente a de Barthes, sobre o estudo da linguagem verbal
e não verbal e das imagens publicitárias, Umberto Eco faz uma importante
contribuição com a análise do registro entre o verbal e o visual. Conforme
Eco (1997), é possível dividir a imagem em camadas menores, a fim de uma
melhor compreensão, ou seja, as imagens publicitárias podem ser decompostas
em camadas.
Com propostas distintas, podemos afirmar que, tanto Barthes como Eco,
contribuíram para o estudo da linguagem verbal e não verbal, em especial
para à análise das mensagens publicitárias.

Manifestação visual na sociedade contemporânea


O logotipo da Apple é o símbolo de um objeto de desejo para muitas pessoas
em nossa sociedade contemporânea, porque nessa cultura a marca carrega
valores que são aspirações das pessoas, como status, poder, modernidade,
etc. O exemplo da Apple pode ser considerado uma apropriação cultural por
meio de uma manifestação visual, que serve perfeitamente como objeto de
estudo para a antropologia cultural.
Considerando o exemplo citado, podemos lembrar as críticas feitas pelos
pensadores da Escola de Frankfurt, quando aludem ao uso da arte para elevar
as mercadorias à condição de objetos de arte. Nesse sentido, a obra de arte
ou manifestação visual está imbricada com a indústria cultural, da qual a
publicidade faz parte.
Pode-se afirmar que as imagens publicitárias carregam caráter ideológico,
pois o seu discurso icônico-imagético confere valor simbólico para quem as
consome. Portanto, a publicidade trata-se de um simulacro da vida real, e suas
peças são manifestações visuais que expressam o padrão cultural e a formação
identitária de determinado grupo social.
Antropologia da comunicação visual 7

BARTHES, R. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, 1964. 116 p.


BARTHES, R. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
284 p.
BUNGE, M. A. Dicionário de filosofia. São Paulo: Perspectiva, 2006. 407 p. (Coleção Big
Bang).
CAMPOS, S. M. C. T. L. A imagem como método de pesquisa antropológica: um ensaio
de Antropologia Visual. MAE – Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo,
n. 6, p. 275–286, 1996. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revmae/article/
view/109274. Acesso em: 17 ago. 2020.
ECO, U. A estrutura ausente: introdução à pesquisa semiológica. 7. ed. São Paulo:
Perspectiva, 1997. 426 p. (Estudos, 6).
GUERRA, L. A. Antropologia. Info Escola – Navegando e Aprendendo, [S. l.], [201-?]. Dispo-
nível em: https://www.infoescola.com/ciencias/antropologia. Acesso em: 17 ago. 2020.
POPPER, K. R. A lógica da pesquisa científica. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 2019. 454 p.
REYNA, C. P. Antropologia do Cinema: as narrativas cinematográficas na pesquisa an-
tropológica. Teoria e Cultura, Juiz de Fora, v. 12, n. 2, p. 37–51, jul./dez. 2017. Disponível
em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/TeoriaeCultura/article/view/12376. Acesso
em: 17 ago. 2020.

Leituras recomendadas
CALDEIRA, S. As potencialidades do estudo da imagem fotográfica na antropologia
visual. Vista – Revista de Cultura Visual, Lisboa, n. 1, p. 165–180, 2017. Disponível em: http://
vista.sopcom.pt/ficheiros/20170519-165_180.pdf. Acesso em: 17 ago. 2020.
KOTTAK, C. P. Espelho para a humanidade: uma introdução à antropologia cultural.
Porto Alegre: AMGH; Penso, 2013. 388 p.

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cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a
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GEOPROCESSAMENTO

Letícia Roberta Amaro Trombeta


Fotogrametria e
fotointerpretação
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Sintetizar conceitos, características e etapas do desenvolvimento


tecnológico da fotogrametria.
 Desenvolver a definição de escalas e cálculo de área de recobrimento
em fotografias aéreas.
 Diferenciar alvos com base em elementos-chave para interpretação
de imagens.

Introdução
As fotografias e imagens aéreas permitem enxergar e analisar o terreno
de forma sistêmica (em conjunto) e multitemporal (em diferentes datas)
de áreas de interesse para diversas aplicações, sendo bastante utilizada
na produção de mapeamentos e extração de dados topográficos.
Neste capítulo, você vai aprender conceitos fundamentais para aplicar
de maneira correta a fotogrametria e fotointerpretação, as quais são
amplamente utilizadas para a análise e a identificação de objetos e fenô-
menos que ocorrem na superfície terrestre. Assim, você verá os conceitos
fundamentais em fotogrametria, conhecendo a importância da escala e
do seu cálculo, necessário para determinar o recobrimento do terreno
pelas fotografias aéreas. Por fim, vai aprender sobre os procedimentos
e elementos utilizados para estabelecer chaves de interpreção para as
fotografias e imagens aéreas.

Fotogrametria e observação de terreno


A fotogrametria surge no final do século XIX, na Europa, como método
utilizado para fotografar monumentos de grande valor arquitetônico, porém,
2 Fotogrametria e fotointerpretação

com o nome de fotopografia, iconometria ou metrofotografia. Somente mais


tarde, no ínicio do século XX, é empregada como técnica para o mapeamento
da superfície terrestre.
O considerado “pai” da fotogrametria foi Aimé Laussedat (1819–1907),
oficial do Corpo de Engenheiros do exército francês que se baseou nos princí-
pios geométricos da perspectiva, utilizando fotografias no lugar de desenhos
(ROCHA et al., 2010). Em 1858, Gaspard Felix Tournachon (1820–1910),
conhecido como Nadar, iniciou a prática de utilizar fotografias aéreas para
mapeamentos, quando, a bordo de um balão, a 80 metros de altura da superfície,
obteve as primeiras fotografias aéreas das proximidades de Paris (Figura 1).
Além de balões, também foram utilizados pombos e pipas para fotografar o
terreno entre o final do século XIX e o início do século XX.

Figura 1. Caricatura de Nadar tirando foto-


grafias aéreas — “Nadar elevando a fotografia
à altura da Arte”, de Honoré Daumier (1863).
Fonte: Minkoff (2011, documento on-line).

Com a 1ª Guerra Mundial (1914–1918), as fotografias áreas ganharam


notoriedade e começaram a ser intensamente usadas para fins militares, com
o objetivo de reconhecer o terreno em campo inimigo por meio das fotografias
do seu território.
Fotogrametria e fotointerpretação 3

A fotogrametria é a arte, a ciência e a tecnologia utilizada para obter


informações qualitativas de objetos, elementos e fenômenos do ambiente,
estabelecida por um conjunto de técnicas e processos de registros, medições e
interpretações fidedignas de fotografias e padrões de energia eletromagnética
de imagens de satélite (THOMPSON, 1966; FITZ, 2008).
Com isso, a fotogrametria permite executar medições precisas utilizando
fotografias métricas, sendo sua maior aplicação no mapeamento topográfico
e na fotointerpretação para determinar a forma, a dimensão e a posição dos
objetos contidos na imagem (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
E ESTATÍSTICA, 1999).
Ou seja, a fotografia e a imagem de satélite são capazes de apresentar
detalhes do terreno que são utilizados para interpretá-lo e medi-lo. As imagens
da superfície terrestre podem ser obtidas a partir de sensores portáteis insta-
lados em plataformas terrestres, aéreas e orbitais, e esses sensores podem ser
câmeras fotográficas, câmeras de vídeo, radiômetros, sistemas de varredura
e radares (FLORENZANO, 2011) (Figura 2).

Figura 2. Níveis de obtenção de imagens por sensoriamento remoto.


Fonte: Florenzano (2011, p. 48).

O termo fotogrametria, etimologicamente, deriva de três raízes gregas:


photós, que significa luz; gramma, que significa gravar ou escrever; e metria,
que significa medida ou medição. Portanto, sua correspondência etimológica
é “medições gráficas por meio da luz”. Cientificamente, a American Society
of Photogrammetry define fotogrametria como a ciência e a arte de obter
medidas dignas de confiança utilizando-se fotografias (PAREDES, 1987).
4 Fotogrametria e fotointerpretação

Inicialmente, a análise do terreno se deu a partir das fotografias aéreas,


por meio de câmeras embarcadas em pombos, balões e, mais tarde, aviões.
Posteriormente, evoluiu para as imagens formadas a partir de respostas espec-
trais, captadas por sensores que orbitam a Terra e captam essas informações
por meio dos satélites artificiais.
Em termos conceituais, a fotografia aérea é um registro instantâneo dos
detalhes do terreno, determinada, principalmente, pela distância focal da lente
da câmera, pela altura de voo do avião no momento da captura e pelos tipos
de filmes e filtros utilizados. A fotografia aérea é uma perspectiva geome-
tricamente relacionada com o tipo de câmera usada. As fotografias aéreas se
dividem em fotografia vertical, tirada com o eixo da câmera apontado para
baixo (ponto nadir; extremidade inferior de uma direção que coincide com a
linha de gravidade), essencialmente na vertical; e fotografia oblíqua, tirada com
o eixo da câmera inclinado em relação à vertical do lugar (linha de gravidade).
Antes de iniciar a prática de interpretação de imagens de sensores remotos,
é necessário destacar suas diferentes posições de tomada, que resultarão em
visões diferentes do objeto na superfície terrestre.
Com isso, as imagens com visão vertical, também chamadas de visada
nadir, são registradas por sensores a bordo de aeronaves ou satélites, nos quais
o objeto ou lugar é visto do alto, de cima para baixo. As imagens com visão
oblíqua apresentam uma visada lateral, com ângulos de inclinação, com o
objeto ou lugar visto de cima e um pouco de lado; e as imagens horizontais,
quando se está no chão, com o olhar no mesmo nível do objeto ou lugar
(FLORENZANO, 2011) (Figura 3).

Figura 3. Exemplos de (a) visão horizontal; (b) vertical e (c) oblíqua.


Fonte: Florenzano (2011, p. 43).
Fotogrametria e fotointerpretação 5

As fotografias aéreas podem ser influenciadas por dois grupos de fatores:

 pelo ser humano, tais como distância focal da lente, altura de voo,
combinações de filmes, filtros e ângulo da lente;
 pela natureza, a exemplo da cor dos objetos fotografados, da posição
do objeto com relação ao ângulo de incidência do sol, da bruma atmos-
férica, entre outros.

A qualidade da fotografia pode ser controlada pela sensibilidade do filme


utilizado. Isso dependerá da seleção do espectro visível (todo ou partes) que
será registrada ou, ainda, de parte do espectro invisível, como a luz infraver-
melha (Quadro 1 e Figura 4).

Quadro 1. Relação de tipos de filmes utilizados e as fotografias resultantes

Sensibilidade Fotografias
Tipo de filme do filme resultantes

Preto e branco Faixa do visível Preto e Fotografias


pancromático branco ou com os objetos
pancromáticas representados em
tonalidades de cinza

Preto e branco Infravermelho Preto e branco Fotografias com os


infravermelhas objetos representados
em tonalidades de
cinza com realces

Colorido Faixa do visível Coloridas ou Fotografias com os


naturais objetos representados
nas mesmas
cores vistas pelo
olho humano

Colorido Infravermelho Coloridas Fotografias em que


próximo infravermelhas os objetos não são
ou falsa-cor representados com
suas cores verdadeiras
6 Fotogrametria e fotointerpretação

Figura 4. Fotografias aéreas com diferentes tipos de filmes: (a) preto e branco pancromático;
(b) preto e branco infravermelho; (c) colorido natural; (d) colorido falsa-cor.
Fonte: Florenzano (2011, p. 20).

Alguns estados e municípios possuem acervos próprios de fotografias


aéreas com a utilização de filmes diversos, que podem ser utilizados, por
exemplo, para reconstituição de cenários, avaliação das mudanças ocorridas
no território ao longo do tempo, entre outras aplicações.
Nos levantamentos aerofotogramétricos atuais, o mais comum é que se use
câmeras fotográficas digitais, e não mais filmes. O software Google Earth
oferece, para algumas regiões do mundo, uma série histórica de imagens de
diferentes anos, gratuitamente.

O vídeo no link a seguir mostra mudanças no território de algumas cidades do mundo


com base na análise de diferentes imagens disponibilizadas no Google Earth.

https://qrgo.page.link/u1HW1
Fotogrametria e fotointerpretação 7

A fotogrametria se divide em fotogrametria métrica e fotogrametria inter-


pretativa. A fotogrametria métrica define as medidas precisas na determinação
de formas e dimensões de objetos no terreno, sendo utilizada em levantamentos
planimétricos e topográficos e podendo determinar distâncias, ângulos, volume,
área, elevação, tamanho e formas dos objetos.
A fotogrametria interpretativa é responsável pelo reconhecimento dos
objetos dispostos na superfície terrestre, sendo dividida em fotointerpretação
e sensoriamento remoto.
Com os avanços da tecnologia e da informática, a fotogrametria digital
ganhou espaço e passou a ser integrada com dados de laser scanner terrestre
e aéreo, imagens de satélites de alta resolução, possibilitando o processamento
e a geração de modelos digitais de superfície (MDS), extração automática de
feições do terreno e integração com os sistemas de informações geográficas
(SIGs) (GRUEN, 2008).
Atualmente, a fotogrametria tem sido muito empregada partir de drones.
O que antes era feito com câmeras enormes a bordo de aviões com pilotos e
equipes, hoje, com drones, é feito sobrevoando um terreno de forma autônoma
com um objeto voador acoplado com câmeras e guiado por um sistema GPS.

No vídeo do link a seguir, você pode saber mais sobre a regulamentação para utilização
de drones no Brasil.

https://qrgo.page.link/YTv3X

Essa tecnologia permitiu o ganho de tempo e a diminuição das despesas


na aquisição de fotografias aéreas. Para a utilização de fotografias aéreas em
aparelhos estereoscópicos, emprega-se técnicas da aerofotogrametria, como
a esteroscopia, na elaboração de cartas e mapeamentos topográficos e na
identificação de feições do relevo.

Estereoscopia
Em 1901, o alemão Pulfrich introduziu na fotogrametria o chamado índice
móvel ou estereoscopia, utilizando um par de fotografias aéreas, sendo possível,
8 Fotogrametria e fotointerpretação

além de observar o relevo, medir as variações de nível do terreno, utilizando


visão binocular (permite a percepção de profundidade).
O equipamento utilizado para dar a perspectiva de imagem tridimensional
é o estereoscópio (Figura 5) a partir de pares de fotografias estereoscópicas.
Com os avanços da informática e o desenvolvimento de novas tecnologias,
os estereoscópios têm sido substituídos por hardwares, softwares e óculos
especiais para serem utilizados em pares de fotografias estereoscópicas digitais
por meio do computador.

Figura 5. Estereoscópio de mesa.


Fonte: G.I.S. Ibérica (2003, documento on-line).

Esse par de fotografias aéreas ou por estereoscópico é tomado em ângulos


diferentes, permitindo que um mesmo objeto apareça nas duas fotografias,
sucessivamente; com a fusão entre elas, tem-se a percepção estereoscópica
ou tridimensional.
O mesmo objeto aparece nas duas fotografias pelo método que tem que
ser seguido na linha de voo, com sobreposição das fotografias aéreas em
60% na direção longitudinal ao longo da linha de voo e sobreposição de 25
a 30% entre as linhas de voo para a obtenção da percepção estereoscópica
(Figura 6).
Fotogrametria e fotointerpretação 9

Figura 6. Linha de voo de recobrimento para obtenção de pares de


fotografias aéreas estereoscópicas.
Fonte: Adaptada de Fontes (2005).

Com essas fotografias e a aplicação da estereoscopia, é possível analisar


e extrair o modelado do relevo, suas formas e feições, bem como identifi-
car com maior facilidade os elementos do terreno por meio da perspectiva
tridimensional.

Escalas e cálculo da área de recobrimento


em fotografias aéreas
A escala da fotografia aérea é decorrente da relação entre a distância focal
da câmera e a altura de voo da aeronave. Entende-se ainda que, quando a
distância focal aumenta, a escala das fotografias torna-se maior; logo, para
qualquer altura de voo, as câmeras com lentes de distância focal longa podem
produzir fotografias de escala maior do que as de distância focal curta. Se uma
fotografia for ampliada ou reduzida, a distância focal para essa fotografia será
também mudada em proporção direta com o valor da ampliação ou redução.
Quando o objetivo for analisar o terreno, a informação da escala é essencial.
No caso das fotografias aéreas, a escala é importante e informativa; a partir dela,
é possível determinar a área de recobrimento da superfície terrestre na imagem.
Para calcular a escala da fotografia aérea, são necessários dois dados: altura
do voo no instante em que se tirou a foto e a distância focal da câmera para a
obtenção da foto (valor fixo, a depender da câmera).
10 Fotogrametria e fotointerpretação

Atenta-se para o fato de que a altura de voo não é uma variável constante,
sendo diferente em todos os pontos da fotografia aérea, justamente pelas
ondulações do terreno provocadas pelo relevo. Por isso, adota-se uma altura
de voo média, definida a partir da média aritmética entre a menor e a maior
altura de voo da área fotografada. Essa variação de escala tem um limite e
não pode ultrapassar 10% das diferenças de altura de voo em cada imagem.
Na identificação da escala, aplica-se a seguinte relação matemática:

E=f/H

Onde:
E = escala da fotografia aérea;
f = distância focal da câmera;
H = altura de voo.

Uma fotografia aérea obtida numa altura de voo de 1.224 m (metros), utilizando uma
câmera com objetiva grande angular de 153 mm (milímetros), apresenta uma escala
de 1:8.000.
Resolução:

1) E = 153 mm
1.224 m
2) E = 0,153 m
1.224 m

A operação deve estar na mesma unidade de medida.

3) E = 0,153 m (0,153 / 0,153 = 1)


1.224 m (1.224 / 0,153 = 8.000)

Se o objetivo é identificar a escala da fotografia aérea, esta deve sempre ter seu
numerador igual a 1, então, divide-se o numerador por ele mesmo (para obter valor
igual a 1) e, na sequência, o denominador pelo numerador.

4) E = 1:8.000
Fotogrametria e fotointerpretação 11

De posse da escala e das dimensões da fotografia aérea, é possível calcular a área


coberta por essa imagem, que tem uma dimensão útil de 23 cm (excluindo as áreas
de sobreposição). Para calcular a área, aplica-se a seguinte relação matemática:

L=IxE

E, em seguida,

Áreafoto = L2

Onde:
L = medida do lado da foto;
I = dimensão útil da fotografia aérea;
E = escala da fotografia aérea.

Considere uma fotografia aérea com dimensão útil de 23 cm e escala de 1:8.000.


Resolução:

1) L = 0,23 x 8.000 = 1.840 m


2) Áreafoto = 1,842 = 1,84 x 1,84 = 3,4 km2

Outra informação importante sobre as fotografias aéreas é a área de recobrimento do


terreno, utilizada para definir o número de fotografias correspondentes à cobertura de
uma área de interesse, como, por exemplo, quantas fotografias deverão ser utilizadas
na sua área de estudo.
Considerando que a cobertura aérea deve atender a sobreposição longitudinal de
60% e de 30% entre as faixas laterais, a área de cobertura única de uma fotografia (sem
sobreposição) corresponde ao produto da dimensão representativa de 40% (100%
menos 60%) longitudinalmente e 70% (100% menos 30%) de faixa lateral.
Com isso, para estabelecer a área de cobertura única da fotografia, aplica-se a
seguinte relação matemática:

Áreaúnica = 28% x Áreafoto


12 Fotogrametria e fotointerpretação

Sendo 28% uma constante, que representa o percentual útil do modelo.


Tem-se:

Áreaúnica = 0,28 x 3,4 = 0,95 km2

Para definir a quantidade de fotos necessárias para cobrir uma área, por exemplo,
de 100 km2, é preciso somente dividir o valor da área de interesse pelo valor da área
de cobertura única da foto e acrescentar 15% no número de fotos por segurança.
Assim:

Nfotos = Áreaint = 100 = 105 fotos + 15% de segurança


Áreaúnica 0,95

Com esses valores, é possível fazer todo o planejamento do estudo da área de


interesse, bem como estabelecer os custos necessários, na aquisição das imagens, e
o tempo estimado na interpretação e na análise das fotografias aéreas.

Elementos para interpretação de imagens


As imagens obtidas por meio dos sensores remotos registram a energia captada
do objeto observado no terreno. Independentemente da resolução ou da escala
das imagens, apresentam elementos básicos para sua interpretação e análise,
permitindo o estabelecimento de chaves de interpretação para as fotografias
e imagens.
Observar a superfície da Terra a partir de uma perspectiva aérea permite
identificar objetos, padrões, fenômenos e interações que ocorrem no Planeta
e que dificilmente seriam compreendidos com um visada terrestre por conta
do alcance do olho humano.
O desafio é observar e interpretar ao mesmo tempo uma área extensa de
vários metros quadrados ou quilômetros quadrados; portanto, esse exercício
de análise de fotografias e imagens aéreas requer treinamento e prática.
A partir dos elementos ou variáveis de tonalidade, cor, textura, tamanho,
forma, sombra, altura, padrão e localização, é possível extrair informações
de objetos, áreas e fenômenos das fotografias e imagens, mudando apenas o
seu significado.
A tonalidade em diferentes níveis de cinza (do preto ao branco) está
relacionada com a quantidade de energia refletida ou absorvida por um
Fotogrametria e fotointerpretação 13

determinado objeto do terreno. Ou seja, se o objeto reflete mais energia do


que absorve, a sua tonalidade será próxima do branco e, se absorver mais
energia do que refletir, tenderá ao preto, conforme apresenta a Figura 7.

Figura 7. Diferenças de tonalidades dos objetos na superfície terrestre.


Fonte: Florenzano (2011, p. 53).

Nota-se, na Figura 7, que a área urbana, a qual está refletindo muita


energia, apresenta tonalidades claras, enquanto a água do mar e a vegetação
densa, que absorvem muita energia, são representadas por tonalidades
mais escuras.
Com isso, é necessário ter habilidade e muito treino na observação e na
interpretação das imagens e fotografias aéreas pancromáticas (tons de preto
ao branco). Embora o olho humano possa diferenciar muitos tons de cinza, não
está acostumado a enxergar os objetos nessas tonalidades. A cor é o elemento
que permite a análise das variações de energia refletida ou emitida pela su-
perfície fotografada ou imageada a partir de diferentes cores. As fotografias
e imagens aéreas coloridas são mais facilmente interpretadas, havendo um
grande ganho de informação visual na composição colorida. Também podem
apresentar combinações de cores que representam a cor real do objeto ou de
cores distintas, que destacam algum elemento de interesse de forma mais
evidente, chamadas de composição falsa-cor (Figura 8).
14 Fotogrametria e fotointerpretação

Figura 8. Imagem de satélite de alta resolução de Dubai, obtida com o satélite Sentinel e
composição das bandas para a obtenção de falsa-cor.
Fonte: TommoT/Shutterstock.com.

A textura é outro elemento muito importante na interpretação e refere-


-se ao aspecto liso (uniforme) ou rugoso dos objetos visualizados, contendo
informações em relação às variações (frequência de mudanças) de tons, níveis
de cinza ou cor de uma imagem.
Na Figura 9, pode-se observar a textura em relação ao relevo, onde as áreas
que apresentam mais rugosidade têm relevo mais ondulado, com declividades
mais fortes, enquanto áreas com representação de uma textura mais lisa têm
relevo mais plano.

Figura 9. Imagem de satélite de alta resolução do parque nacional do Grand


Canyon com diferentes texturas obtida com o satélite Sentinel.
Fonte: TommoT/Shutterstock.com.
Fotogrametria e fotointerpretação 15

O tamanho é o elemento que tem relação com a escala da fotografia ou


imagem aérea. Possibilita realizar a distinção dos objetos do terreno avaliando
a sua extensão, medindo comprimento (m), largura (m), perímetro (m), área
(m²) e/ou volume (m³), e comparar aos objetos vizinhos (Figura 10).

Figura 10. Tamanho do estádio do Maracanã em relação à sua vizinhança.


Fonte: Florenzano (2011, p. 56).

Jensen (2009) afirma que o tamanho de um objeto é uma das características


mais distintivas e importantes durante a interpretação do terreno, de modo
que o analista pode excluir ou inferir muitas alternativas possíveis.
A forma é também um elemento de grande relevância na interpretação, e
alguns objetos, feições e superfícies são identificados apenas com base nesse
elementos ao descrever sua forma (linear, curvilínea, circular, triangular,
elíptica, radial, retangular, etc.). É o caso de estruturas ou elementos lineares,
como estradas e rios, identificados facilmente, e áreas de agricultura com
presença de pivôs centrais para irrigação, com forma circular, ou talhões de
culturas, entre outras (Figura 11).
16 Fotogrametria e fotointerpretação

Figura 11. Formas geométricas de uma área de agricultura com diferentes


culturas.
Fonte: Budimir Jevtic/Shutterstock.com.

Florenzano (2011) salienta, ainda, que formas irregulares indicam objetos


naturais (matas, relevo, etc.) e formas regulares, objetos artificiais (constru-
ídos pelo homem), como indústrias, aeroportos, áreas de reflorestamento e
agrícolas, etc.
Outro elemento que auxilia a interpretação é a sombra, que pode apresentar
características da forma e dos tamanhos dos objetos no terreno. No entanto,
também pode causar algumas complicações, pois esconde a superfície, podendo
prejudicar a interpretação desses objetos. Por isso, a tomada das fotografias e
imagens aéreas deve ser realizada por volta do horário de meio-dia, para que
apresente a menor sombra possível.
O padrão é o elemento que se refere ao arranjo espacial e à organi-
zação na superfície, demonstrando como os objetos estão dispostos no
terreno e quais podem estar de maneira aleatória ou ordenada. A partir
desse elemento, também podem ser observados os padrões espaciais das
unidades residenciais e o arruamento de um bairro, que podem auxiliar
na aferição do nível socioeconômico de seus moradores, como pode ser
observado na Figura 12.
Fotogrametria e fotointerpretação 17

Figura 12. Diferenças no padrão de ocupação em uma área no município do Rio de


Janeiro/RJ.
Fonte: Google Earth. Data da imagem: 30/06/2018.

Por fim, a localização geográfica pode auxiliar na resolução de dúvidas


quanto à interpretação dos objetos, sendo um critério de exclusão para objetos
que não estariam dispostos em determinada porção do terreno de acordo com
a sua localização — por exemplo, na identificação de tipos de vegetação que
são predominantes em localidades específicas da superfície terrestre.
As observações dos elementos em fotografias ou imagens auxiliam no esta-
belecimento de chaves de interpretação para os objetos ou alvos da superfície
terrestre. Cada tipo de fotografia e imagem, a depender das suas características
específicas, pode ter uma chave de interpretação construída por seu intérprete.

As chaves consistem na descrição de um conjunto de elementos de interpre-


tação que caracterizam um determinado objeto. Elas sintetizam e orientam o
processo de análise e interpretação de imagens. Utilizadas como guia, essas
chaves ajudam o intérprete na identificação correta de objetos e feições repre-
sentados em uma fotografia aérea ou imagem orbital de maneira consistente
e organizada (FLORENZANO, 2011, p. 61)
18 Fotogrametria e fotointerpretação

Com isso, devem ser caracterizadas as formas, os padrões, as tonalidades


ou cores, o tamanho e a textura dos elementos identificados na fotografia ou
imagem específica para a montagem de uma chave de interpretação única,
sendo que cada produto pode apresentar chaves de interpretação diferentes.

FITZ, P. R. Cartografia básica. 2. ed. São Paulo: Oficina de Textos, 2008.


FLORENZANO, T. G. Iniciação em sensoriamento remoto. 3. ed. São Paulo: Oficina de
Textos, 2011.
FONTES, L. C. A. A. Fundamentos de aerofotogrametria aplicada à topografia. Salvador:
Universidade Federal da Bahia, 2005. Disponível em: http://www.topografia.ufba.br/
nocoes%20de%20aerofotogrametriapdf.pdf. Acesso em: 29 out. 2019.
G.I.S. IBÉRICA. Estereoscopos. 2003. Disponível em: http://www.gisiberica.com/estere-
oscopos/estere6.jpg. Acesso em: 26 out. 2019.
GRUEN, A. Scientific-technological developments in photogrammetry and remote
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Book. Londres: Taylor & Francis, 2008. Cap 2, p. 21-25.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Noções básicas de cartografia.
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PAREDES. E. A. Introdução à aerofotogrametria para engenheiros. Maringá: UEM, 1987.
ROCHA, C. H. O. et al. Uma discussão histórica sobre a fotogrametria. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE CARTOGRAFIA, 21., Anais [...]. 2010.
THOMPSON, M. M. (Ed.). Manual of Photogrammetry. Falls Church: American Society
of Photogrammetry, 1966.
PRODUÇÃO DE
IMAGEM NA
PROPAGANDA

Ana Carolina Rodrigues Spadin


A linguagem audiovisual
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Identificar aspectos estéticos na linguagem verbal.


„„ Descrever aspectos estéticos na linguagem sonora.
„„ Explicar aspectos estéticos na linguagem visual.

Introdução
A linguagem influencia a sociedade e o indivíduo inserido nela, e conheci-
mentos sobre a linguagem verbal e a presença da estética nas construções
textuais de prosa e poesia auxiliam na compreensão dessa influência. A
linguagem visual também é uma forma de comunicação eficiente, que
usa uma série de recursos como linhas e cores para transmitir mensagens
e atrair a atenção do público.
Neste capítulo, você conhecerá mais sobre as linguagens verbal,
sonora e visual, que possuem correlações entre si e podem criar ritmos
e canções que influenciam a vida humana.

1 Linguagem verbal como forma de


comunicação
O ser humano é naturalmente comunicativo e foi possível encontrar indícios
de suas tentativas de comunicação, bem como do início da linguagem, por
meio de estudos antropológicos. É possível considerar que a pintura rupestre
foi o início da comunicação humana e a precursora da linguagem verbal.
A partir desse ponto, a necessidade de comunicação e a vontade de registrar a
história humana só cresceu, dando origem à linguagem por meio dos símbolos
e à linguagem verbal atual. Os primeiros alfabetos surgiram simultaneamente
em três pontos do mundo: entre o antigo povo sumério, na China da antigui-
dade e entre os povos da Mesoamérica. A descoberta da escrita aconteceu
com o intervalo de alguns anos entre esses locais. Porém, seu surgimento
2 A linguagem audiovisual

é considerado simultâneo, uma vez que não havia conexão entre esses três
lugares e o mundo não era globalizado como hoje.
A linguagem verbal se relaciona com os seres humanos de duas formas:
oral ou escrita. A linguagem é uma característica puramente humana e a
possibilidade de os seres se comunicarem de forma oral entre si causou gran-
des mudanças na história, pois é a linguagem que permite o contato com o
passado, o presente e o futuro.
A linguagem verbal falada facilita a comunicação entre as pessoas inseridas
em uma sociedade e com o conhecimento da mesma língua, permitindo que
se transmitam conhecimentos de geração em geração, por exemplo. A lingua-
gem verbal depende de alguns fatores decodificadores, sendo os principais
o conhecimento da língua, a percepção dos sotaques e o conhecimento dos
regionalismos.
Para compreender totalmente uma mensagem oral, o indivíduo precisa
estar inserido na cultura a qual a língua pertence, ou não entenderá a mensa-
gem por completo. Dessa forma, considera-se que a linguagem falada é viva
e transitória (p. ex., o uso das gírias e de interjeições), se transforma com o
passar do tempo e carrega elementos que a escrita não apresenta.
Além disso, está na oralidade a presença dos sotaques, que variam de região
para região de um mesmo país, como é o caso do Brasil e dos Estados Unidos,
em razão, principalmente, da colonização, mas que também está presente nos
países Europeus, devido à proximidade geográfica com outros países.
A invenção da linguagem escrita é o que transforma de vez a linguagem
e as características da comunicação. O texto escrito surge da necessidade de
guardar todos os conhecimentos adquiridos ao longo dos anos, já que muitos
deles eram perdidos por não haver uma maneira de registrá-los.
A escrita foi desenvolvida a partir da resolução de símbolos colocados
em código para transmitir uma mensagem. No mundo ocidental, são usadas
as letras do abecedário, que foi inspirado no alfabeto grego, porém existem
diversas codificações, como os hieróglifos, os pictogramas, o alfabeto árabe
e os ideogramas chineses.
De acordo com Bakhtin (1997, p. 329–330), “[...] onde não há texto, também
não há objeto de estudo e de pensamento [...]”. O autor sugere que é pelo texto
que surgem os estudos, e por meio dele que se repassa o conhecimento e se
criam possibilidades de estudar. A partir disso é que surgem o pensamento, a
reflexão e, por fim, as novas ideias, pois “[...] quaisquer que sejam os objetivos
de um estudo, o ponto de partida só pode ser o texto [...]” (BAKHTIN, 1997,
p. 329–330).
A linguagem audiovisual 3

Para o texto, também é necessário estar inserido em uma cultura e ter


códigos compreensíveis a quem recebe a mensagem. O principal é a estrutura,
mas também é necessário interpretar aquilo que está sendo dito, portanto, as
palavras precisam ser postas em uma sentença de maneira que possam ser
entendidas. Sem interpretação, a linguagem verbal é composta apenas de
palavras.
Bakhtin (1997) afirma também que por trás de todos os textos existe o
sistema da língua, seus códigos a serem decifrados, seu sistema de letras e
números e todas as ferramentas feitas para o entendimento dos usuários.
Porém, ao mesmo tempo, todo texto é individual e único, não podendo ser
reproduzido, a não ser por plágio exato de todas as letras, o que continua
fazendo o texto pertencer ao seu primeiro autor. Para ele, é nessa lógica que
se constrói o sentido e, com isso, o texto remete à verdade, a tudo aquilo que
é verdadeiro e histórico, pois a construção do raciocínio se baseia na ideia do
autor do texto e seu pensamento jamais pode ser reproduzido.

Estética na comunicação verbal


É com base no pensamento de Bakhtin (1997) que podemos pensar na estética
presente na linguagem verbal. Como o autor alega, é possível encontrar no
texto escrito as características inerentes ao seu autor.
Estruturas, interjeições e organização das ideias são características que
podem dar grandes sinais sobre a autoria de um texto. Um texto pode ser
reproduzido mecanicamente por meio da impressão, como acontece com os
livros de literatura, as revistas e tantos outros formatos, mas a essência do
autor do texto não pode ser copiada.
Gabriel Garcia Márquez, colombiano considerado um dos maiores escrito-
res do século XX, por exemplo, tem um jeito muito característico de escrita,
que não pode ser comparado a nenhum outro. Isso se deve a diversos fatores,
como o seu modo de escolher e organizar as palavras, mas também a como
expõe seu raciocínio e cria uma essência para os textos, colocando sempre
em seu contexto a realidade da América Latina, na época em que escreveu,
e abordando principalmente a solidão. Qualquer um que tente escrever como
Gabriel Garcia Márquez conseguirá apenas um eco do autor, pois ele tem sua
própria estrutura, organização de pensamentos e essência.
A escrita de um autor funciona como uma impressão digital: podem existir
semelhantes, mas nunca nenhuma igual. Contudo, não é necessário ser um
grande autor para ter essa essência, basta apenas escrever.
4 A linguagem audiovisual

É a essência da escrita que traz o fundamento da estética para o texto. A


partir das características básicas, segundo Munhoz e Zanella (2008, p. 290):

[...] a linguagem escrita revela-se como possibilidade de criação, a partir da


síntese entre aspectos que traz consigo, em relação ao que já foi, ao que é
mais deixa e não deixa de ser, ao ser apropriado pelo outro, e ao que virá a
ser, a partir desse novo olhar [...].

Ao ler um texto, um indivíduo absorve a mensagem, a intencionalidade, a


estrutura e, a partir do seu entendimento, torna-se capaz de criar outro texto,
tornando a linguagem verbal infinita em criações e possibilidades.
A estética individual pode ser encontrada nas características primárias
da linguagem verbal, mas também existem formas propositais de organizar a
escrita para tornar a leitura mais confortável ou trazer alegorias para o texto.
Tudo que é estético tem ligação com a beleza, aquilo que é socialmente
considerado como positivo e que não causa incômodo, mesmo que surpreenda.
A estética está presente na arte, na música, na simetria, na assimetria e é con-
siderada uma das primeiras relações criadas entre a humanidade e o mundo. A
capacidade de apreciar aquilo que o agrada é algo pertencente ao ser humano,
mesmo que ele não tenha um entendimento profundo sobre um assunto.
Uma vez que a escrita faz parte das relações humanas e é usada com
frequência, existe uma preocupação com a sua qualidade. O primeiro aspecto
estético do texto é aquele que parece ser o mais simples, mas nem sempre é
atingido: a organização. Para ser compreendida, é necessário que a linguagem
verbal tenha coerência, ou seja, o receptor da mensagem deve ser capaz de
compreender aquilo que ouve ou lê.
A partir desse início, é possível estruturar o texto de forma estética, que
é o que acontece com a poesia. Esse tipo de estrutura da linguagem verbal
é organizado especificamente para que haja estética e sonoridade na leitura,
procurando palavras com estrutura, tamanho e sonoridade ideais para compor
uma leitura em versos.
A linguagem audiovisual 5

A organização, no caso da poesia, não é a mesma do texto convencional,


na literatura chamado de prosa, pois dá preferência para a divisão dos ver-
sos, de forma que possam ser lidos de forma ritmada, mesmo que não haja
uma música a guiando. Por conta disso, muitas vezes, a poesia não carrega o
mesmo sentido do texto e pode causar interpretações diversas. Você já deve
ter reparado, por exemplo, o uso a palavra “poético” para aquilo que é dito
com uma linguagem mais rebuscada ou afetiva, dando uma profundidade
maior para a linguagem verbal. A estrutura da poesia também se difere da do
texto em prosa, pois, em geral, é organizada em versos, buscando o efeito de
sonoridade com as palavras.
A organização dos versos na poesia pode ser dividida em categorias, como
é o caso do soneto, que tem uma forma de construção fixa, montada em quatro
estrofes de quatro linhas, seguidas por mais três estrofes de três linhas. Além
disso, o soneto se caracteriza-se pela utilização de decassílabos, que usa a
acentuação ou as sílabas tônicas de cada verso para aumentar a sonoridade
entre os versos.
A linguagem poética também pode ser usada sem relação com o senti-
mentalismo, como ocorre no estilo do Parnasianismo, surgido em meados
do século XIX, em que a preocupação dos poetas não estava em expressar
sentimentos, mas sim a objetividade e a rigidez da forma poética, tratando,
inclusive, de objetos inanimados.
No Parnasianismo, os poemas têm formas fixas e seus versos carregam
o que é chamado de rima rica. Esse tipo de rima usa palavras de categorias
gramaticais diferentes, criando combinações rimadas entre substantivos e
adjetivos ou entre verbos e substantivos alternadamente. Os poetas parnasianos
eram comparados a ourives de palavra, pois trabalhavam as palavras de uma
forma muito minuciosa, como se fossem preciosas.
A construção da poesia é algo que exige raciocínio, além de um grande
conhecimento de vocabulário da língua em que é escrita. Caso o autor não
tenha esse conhecimento, o risco de a poesia ser vaga ou expressar de forma
rasa a mensagem é grande. Além disso, outros elementos para a construção de
uma poesia é a sensibilidade do autor e sua forma de expressar sentimentos,
bem como sua visão de mundo e capacidade de atribuir densidade e elegância
aos versos, fatores que vão além da organização e contribuem para a estética
da poesia.
6 A linguagem audiovisual

2 Linguagem sonora e sua influência


na sociedade
Tanto a linguagem verbal como a sonora se misturam no momento da fala.
Quando um indivíduo fala, está manifestando a sua linguagem verbal por
meio de sons.
A linguagem sonora, no entanto, não está somente na fala humana; os
animais também mantêm entre suas espécies maneiras de se comunicar por
meio dos sons que emitem, inclusive a grandes distâncias, para informar sua
presença e avisar sobre a incidência de predadores, por exemplo.
A comunicação tem como um de seus pilares a linguagem sonora, pois foi
por meio da fala que a maioria dos povos passou seus conhecimentos entre
as gerações antes da criação da escrita. É pela fala também que até hoje as
pessoas conversam, interagem e passam a estabelecer relacionamentos umas
com as outras.
Porém, não é somente de fala que a linguagem sonora é composta, há
outros sons importantes e parte do cotidiano da sociedade, servindo como
uma forma de comunicação que ultrapassa as barreiras de línguas diferentes.
A buzina de um carro, por exemplo, serve para indicar que há algo errado no
trânsito ou para alertar os motoristas e pedestres ao redor quando cometem
alguma imprudência. O som de um grito serve como um alerta, entendido
por qualquer pessoa que ouvi-lo, podendo indicar medo, susto e até que seu
autor se feriu de alguma forma.
A linguagem sonora está presente na entonação de voz das pessoas e isso
tem a ver com os aspectos psicológicos que envolvem os sons. De acordo com
Guerra (2013, p. 23), “Para a psicologia [...], o som é observado como uma
espécie de experiência que o cérebro extrai de seu meio ambiente. Noutras
palavras, é uma sensação auditiva [...]”. Sendo assim, é por meio da sensação
auditiva e da capacidade que cada indivíduo tem de reconhecer os sons que
se pode perceber a intensão do emissor da mensagem apenas pelo seu timbre
de voz.
Quando alguém faz uma pergunta, é possível identificar a interrogação
pela entonação da última palavra dita, que é diferente da entonação usada para
uma afirmação. Não é possível ver a pontuação usada na língua portuguesa
quando há a comunicação sonora entre indivíduos, mas é possível identificar
o que está sendo dito.
A linguagem audiovisual 7

Apesar de existir uma convenção, a partir dos indicadores da linguagem


sonora, cada indivíduo tem uma percepção sonora diferente, alguns com
uma capacidade maior para identificar sons, tons de voz e até a música que
os rodeia. Isso ocorre porque, para existir a compreensão completa do que
se está ouvindo, a atenção do indivíduo precisa ser estimulada. A linguagem
sonora é usada por muitos comerciantes como forma de atrair a atenção dos
clientes a partir dos estímulos auditivos. É comum que se use carros de som
para divulgar a abertura de novos pontos comerciais ou grandes liquidações,
bem como se utiliza música para animar o ambiente e trazer evidência para
uma loja em relação à sua concorrência. Em supermercados, por exemplo, é
comum que haja um locutor anunciando as ofertas do dia. Essa estratégia,
geralmente usada no varejo, é considerada mais popular. Nem sempre agrada
a todas as pessoas, mas existe efetividade no seu uso.
O silêncio faz parte da linguagem sonora, apesar de muitas vezes passar
despercebido. Com ele, é possível captar e transmitir alguns tipos de men-
sagens. A convenção de que o silêncio também fala é verdadeira, pois ele é
capaz de comunicar, como na expressão popular “quem cala, consente”: se
uma pessoa não é capaz de negar, é porque a está consentindo por meio de
seu silêncio, por exemplo.
Usar o silêncio para comunicar é eficaz no minuto de silêncio que se faz
para expressar o luto, que carrega o peso da perda de uma pessoa. É também
usado no cinema e na música, expressando momentos dramáticos ou aconte-
cimentos grandiosos, como uma forma de captar a atenção do espectador ou
ouvinte, que naquele momento espera ouvir estímulos.

Sonoridade musical e seus aspectos estéticos


Outro elemento sonoro importante e muito presente na vida humana é a música,
uma mistura de arte e ciência capaz de combinar sons de forma a agradar os
ouvidos. Conforme Guerra (2013, p. 25), “[...] a música pode ser usada para
relaxar, estimular a memória e a imaginação, melhorar a capacidade de atenção
e aprendizagem, bem como o senso de movimento e de expressão corporal [...]”.
É dessa capacidade de ser versátil que a música se torna, para muitas
pessoas, uma forma de se entreter, além de fazer parte de diversos momentos
de suas vidas. A música pode estar presente na religião, motivando cânticos e
danças em diversas religiões, desde o cristianismo até as de matriz africana.
8 A linguagem audiovisual

Sua linguagem sonora também pode ser usada para embalar momentos de
entretenimento e lazer, com canções dançantes ou românticas, ou como trilha
para danças e espetáculos profissionais. A música é uma linguagem que carrega
seus próprios aspectos estéticos, sendo compreendida como uma forma de
arte. Dos sons clássicos e instrumentais ao rock, a música sempre apresenta
elementos de sonoridade que agradam aos ouvidos de um determinado público.
A estética presente na música não é a mesma presente nas artes visuais, que
mexem diretamente com a interpretação de cada indivíduo, mas tem relação
direta com a linguagem verbal e a estruturação poética das palavras. Como
você já viu, na linguagem verbal é possível organizar as palavras em versos e
combiná-las a partir de sua sonoridade fonética. Uma parte da música é levar
essa sonoridade a outros níveis, usando instrumentos musicais e ritmando as
palavras para que se tornem parte da composição.
A construção da música (com letra e não apenas instrumental) passa por
diversas etapas que necessitam da estética para que tenha uma boa aceitação do
seu público. A primeira delas é a composição, semelhante à poesia, que precisa
das palavras certas para que haja uma primeira harmonia. Nesse momento, é
importante que elas tenham uma estrutura parecida e sejam distribuídas de
forma a rimarem entre si, dando aos versos o máximo de fluidez possível.
Enquanto o músico ou autor compõe, vai testando a sonoridade da música e
pensando em uma melodia que as palavras escolhidas possam seguir. No pro-
cesso criativo passa-se, então, a pensar em um ritmo ideal para que as palavras
soem de maneira agradável, não sejam cortadas ou saiam do ritmo proposto.
Existem muitos gêneros musicais e muitas pessoas dispostas a procurar
por mais daquilo que gostam, assim como também existem muitas finalidades
diferentes para a música. Cada gênero musical carrega as suas próprias carac-
terísticas e seu próprio conceito de estética. Para que uma música pertença a
determinado gênero, precisa carregar os mesmos aspectos sonoros. A estética
aparece na maneira de organizar as melodias e sua sonoridade, assim como
os instrumentos e recursos corretos para seu pertencimento ao gênero, além
de agradar ao público fã desse tipo de música.
Os instrumentos escolhidos para a execução da música também têm muito a
ver com seus aspectos estéticos e com os estímulos sonoros que a canção terá.
Alguns instrumentos, convencionalmente, não funcionam para determinados
gêneros, por exemplo, dificilmente se verá a música clássica usando recursos
da música eletrônica, seja pela incompatibilidade de instrumentos ou por não
agradar seu público.
A linguagem audiovisual 9

Portanto, é possível perceber que uma parte das escolhas para esse aspecto
da linguagem sonora é movida pelos gostos de seu público, que influencia
nas composições, na aprovação e no sucesso de uma música. A estética é
importante para a harmonia do som, sendo necessário criatividade, intuição
e inteligência para composição.
A linguagem sonora também pode ser usada para vender produtos, estando
presente na publicidade, desde que ela começou a ser veiculada no rádio e,
depois, na televisão. Não é incomum que as marcas escolham alguns aspectos
estéticos da sonoridade para que suas campanhas façam sucesso.
Os jingles, peças publicitárias criadas para o rádio e que, mais recente-
mente, foram adaptadas para a televisão e Internet, são ótimos exemplos do
uso da estética sonora revertida para a venda de produtos. Neles, uma música
é composta com a finalidade de divulgar um produto e suas qualidades. As
notas da produção têm um alto poder de fixação na mente de seus receptores.
No Brasil, nos anos de 1990, um dos maiores sucessos nessa área foi uma
criação para o Guaraná da Antarctica, que associava o consumo do refrigerante
com a pipoca. O jingle é conhecido e usado como exemplo de sucesso até hoje.
Outro jingle que marcou sua época foi o do McDonald’s, também nos
anos de 1990, desenvolvido especialmente para divulgar o lanche que era
carro chefe da lanchonete, o Big Mac. Na letra da composição eram descritos
todos os ingredientes do sanduíche, e a marca aproveitou o seu sucesso para
aumentá-lo, com uma ação promocional que consistia em fazer os clientes
pedirem o lanche no balcão cantando o jingle. A empresa de fast food fez uma
releitura do jingle para promover a venda dos lanches em 2019, em uma ação
de arrecadação de fundos.
Na política, também é comum usar os jingles para promover os candida-
tos, que podem ser releituras ou composições inéditas, geralmente na época
de eleições. Alguns são tão marcantes que continuam sendo lembrados por
muito tempo, como o jingle do candidato Eymael, candidato à presidência do
Brasil desde 1998.
Considerando todas as formas de criação e execução da linguagem sonora,
é possível perceber que há uma infinidade de possibilidades para o emprego de
seus aspectos estéticos. A estética sonora, assim como a arte em geral, também
é controversa e subjetiva, pois existem muitas possibilidades e alternativas
de combinação. Nem sempre os recursos escolhidos para uma composição
sonora serão considerados bons por todo o seu público.
10 A linguagem audiovisual

3 Linguagem visual
A linguagem visual está presente na sociedade desde o início dos tempos e
é com ela que parte da comunicação pode ser consolidada. Agora que você
já leu a respeito da linguagem verbal e da linguagem sonora, pode perceber
que ambas se integram e se encontram uma na outra, com a linguagem visual
não é diferente.

Nenhuma das linguagens (visual, verbal e sonora) pode ser considerada mais efetiva
do que a outra. Todas elas estão presentes no cotidiano da sociedade. O importante
é escolher qual delas tem mais funcionalidade para comunicar de acordo com a
necessidade que se tem.

Quando uma pessoa nasce, seu primeiro contato com o mundo acontece
a partir do tato. Os bebês precisam tocar em tudo para perceber aquilo que
os cerca. Em seguida, vão se desenvolvendo o olfato, a audição e o paladar.
A visão, no entanto, é mais complexa, se desenvolve de uma maneira diferente
e continua se desenvolvendo e armazenando informações ao longo de toda
a vida humana.
A visão é um conjunto, que reúne diversos significados que vão se juntando
para formar o todo da realidade do indivíduo. A partir dessa conjunção, uma
leitura das informações recebidas é feita, gerando a compreensão.
A linguagem visual, portanto, demonstra a importância de todos os ele-
mentos de forma individual, fazendo as pessoas os processarem e encontrarem
beleza estética naquilo que veem.
Os principais elementos da linguagem visual são linhas, formas, planos,
padrões, volumes e cores. A combinação de um ou mais desses elementos faz
surgirem imagens, concretas ou abstratas, em forma de desenho ou inseridas
em uma representação da realidade, como as placas de trânsito, que transmi-
tem uma mensagem ao motorista sem o uso de palavras. O motorista deve,
contudo, ter conhecimento prévio para entender e interpretar a informação,
para evitar acidentes ou se comportar de uma determinada forma no trânsito.
A linguagem audiovisual 11

A leitura da mensagem visual está diretamente ligada à interpretação das


imagens e da inserção do indivíduo em uma cultura, assim como a quantidade
de informações que ele adquiriu ao longo da vida. No mesmo exemplo das
placas de trânsito, o motorista precisa de um curso para entender a linguagem
do trânsito, que é composta por linhas, formas e cores. Sem essas informações,
o indivíduo não é considerado apto a dirigir, porque pode ser um perigo para
si mesmo e para os outros motoristas.
Segundo Dondis (2003, p. 2) “[...] a expressão visual significa muitas coisas,
em muitas circunstâncias e para muitas pessoas. É produto de uma inteligência
humana de enorme complexidade [...]”. Isto significa que a linguagem visual
e sua estética possuem muitas possibilidades, dependendo da capacidade e
da criatividade humana para existirem e, principalmente, para se renovarem.
Dondis (2003, p. 2) diz também que a linguagem é um recurso de comu-
nicação próprio do ser humano, que foi evoluindo da forma auditiva até a
capacidade de ler e escrever. Essa evolução acontece com todas as capaci-
dades humanas, como as visuais, que envolvem o planejamento, o desenho
e a fabricação de objetos. Assim como diversos outros setores da sociedade,
a linguagem visual também evolui, e a tecnologia permitiu que as pessoas
passassem de receptoras a produtoras e se comunicassem visualmente com
outras por meio da Internet e da facilidade de acesso às câmeras, disponíveis
atualmente nos smarthphones. Com os recursos disponíveis na atualidade, não
é necessário que um indivíduo tenha um vasto conhecimento em fotografia ou
precise operar uma máquina com muitas técnicas, embora isso seja necessário
para ser fotógrafo profissional, a maioria das pessoas tem acesso a câmeras
simplificadas e podem aprender técnicas básicas com facilidade.
A compreensão das mensagens visuais que o indivíduo recebe está dire-
tamente ligada à construção de seu próprio repertório, ou seja, cada pessoa
constrói em sua mente uma espécie de arquivo com todas as mensagens
visuais que recebe e julga importante, sendo capaz de reconhecê-las caso
as veja novamente. Nenhuma pessoa tem o repertório de mensagens visuais
igual a outra, pois possuem experiências e cotidianos diferentes, recebendo e
construindo diariamente as interpretações conforme os estímulos que recebem.
12 A linguagem audiovisual

Os seres humanos são seres visuais, e a estética está presente na linguagem


visual. A linguagem visual pode ser entendida como tudo aquilo que mostra uma
mensagem e requer o uso da visão para ser entendido. Conforme Dondis (2003,
p. 85), “[...] a visão define o ato de ver em todas as suas ramificações. Vemos com
precisão de detalhes, e aprendemos e identificamos todo material visual elementar
de nossas vidas para mantermos uma relação mais competente com o mundo [...]”.
Assim, o ser humano pode, a partir da visão, compreender de forma instintiva
sobre o mundo em que vive e a sociedade que o cerca, bem como apreender as
informações que recebe e guardá-las em sua mente. Grande parte do aprendizado
humano, em geral, é realizado a partir da visão, e muitas pessoas costumam afirmar
que aprenderam algo só olhando o trabalho de outras pessoas.
A visão pode ser complexa em suas construções de significados, por exem-
plo, com apenas uma imagem pode-se identificar um objeto, um elemento, seu
simbolismo e significado. A visão de um pássaro pode não se expandir e ficar
apenas no reconhecimento de um ser com penas e bico que é capaz de voar,
porém, para um especialista no assunto, por exemplo, o pássaro tem nome,
espécie, medidas e características muito mais demarcadas.
Quando falamos de significado, a visão traz simbolismos relacionados ao
que se enxerga, construídos a partir de elementos culturais de uma sociedade
ou um grupo de pessoas. Ainda usando o exemplo dos pássaros, uma pomba
branca pode representar ou ser associada à paz para muitas pessoas.
Portanto, para falar de estética na linguagem visual é necessário explicar
sua relatividade. A estética está diretamente ligada ao conceito de beleza e
harmonia, mas não há um consenso sobre o que é belo. Apesar disso, há alguns
fatores que facilitam a compreensão do que é considerado belo. O primeiro
desses fatores é o equilíbrio. A forma mais fácil de uma imagem ser conside-
rada bela é distribuir as informações de forma equilibrada e simétrica em seu
plano. É possível fazer isso em uma fotografia, em uma criação gráfica e até
em uma placa de loja. O jeito mais fácil de criar equilíbrio em uma imagem é
centralizando as informações ou distribuindo de formas iguais dos dois lados.
Porém, pode haver beleza e harmonia em formas assimétricas e na distri-
buição de informações irregulares nas imagens (Figura 1). Isso não significa
que elas carregam formas tortas ou distorcidas, mas sim que os elementos
não são distribuídos de forma equilibrada na imagem.
A linguagem audiovisual 13

Figura 1. Imagem com elementos assimétricos, com as linhas circulares do edifício se


abrindo no lado direito, porém sem o efeito incômodo, pois é possível perceber que a foto
foi tirada intencionalmente dessa forma.
Fonte: jamesteohart/Shutterstock.com.

A estética na composição visual é tão complexa quanto em todos os outros


âmbitos em que aparece. É possível usá-la para compor fotografias, imagens
digitais, desenhos, símbolos, na criação publicitária e no design de produtos,
assim como na composição de vídeos.
No cinema, por exemplo, a necessidade de estética é muito mais ampla, uma
vez que aparece nos cenários, na caracterização de figurino, na maquiagem
dos atores e atrizes e em todos os planos e formas das sequências de imagens,
que precisam mostrar exatamente o que foi planejado para que a mensagem
seja transmitida de forma adequada.
A escolha das cores tem uma influência muito grande na composição da
imagem e existe um estudo completo sobre seus usos e combinações mais
acertadas para uma comunicação visual mais efetiva. A cor azul, por exem-
plo, está associada à confiança, tranquilidade e estabilidade, por isso muitos
especialistas indicam a escolha por uma peça de roupa nessa cor no dia de
uma entrevista de emprego.
14 A linguagem audiovisual

As cores quentes, por outro lado, estão associadas à energia ou à força, não
sendo incomum ver a combinação do amarelo e do vermelho nos logotipos de
empresas do ramo da alimentação, como o Burger King e a Pizza Hut, pois a
associação de ambas está relacionada à sensação de fome.
A estética visual, portanto, está relacionada ao sucesso na composição de
todos os elementos usados para comunicar uma mensagem. Esses elementos
incluem combinação de linhas, pontos de atenção, uso inteligente de cores,
escolha de tipografia e distribuição de informações, de maneira que sejam
aceitas e bem compreendidas pelo receptor da mensagem.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.


DONDIS, D. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
GUERRA, G. Music branding. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
MUNHOZ, S. C. D.; ZANELLA, A. V. Linguagem escrita e relações estéticas: algumas
considerações. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 13, n. 2, p. 287–295, 2008. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/pe/v13n2/a11v13n2.pdf. Acesso em: 16 jan. 2020.

Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun-
cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a
rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de
local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade
sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.
SOM PARA JOGOS

Adriano Miranda Vasconcellos de Jesus


Introdução ao áudio digital
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Definir áudio digital e as suas peculiaridades.


„„ Descrever os principais componentes do áudio digital.
„„ Criar um processo de conversão de sinais analógicos e digitais.

Introdução
Estudar os fundamentos do áudio digital, desde a geração do som ele-
troacústico até os processos de conversão do áudio digital, é essencial,
pois, em qualquer processo de produção sonora atual, é preciso lidar
com temas como formatos dos arquivos de áudio, taxas de compressão,
qualidade sonora e tamanho de arquivos. Além disso, é preciso saber
como as medições e o processo de conversão do sistema eletroacústico
ao digital são realizados, considerando perdas ou não de qualidade. Ainda,
é importante compreender a linguagem binária do computador aplicada
à conversão do sinal sonoro em digital, para identificar formatos digitais
de compressão do som.
A breve história do sistema digital aponta os desafios dos pioneiros
em transmitir uma grande quantidade de dados sonoros em mídias limi-
tadas, algo que nos desafia até os dias atuais. Para que essa transmissão
de dados seja concluída com sucesso, faz-se necessário conhecer os
principais componentes do áudio digital, como amostragem, quantização
e compressão, bem como sua relação com os processos de gravação.
Os tipos de suportes e mídias de armazenamento de gravação digital
mais utilizados abrangem desde a evolução do CD de áudio comum,
os formatos dos anos 2000, como Digital Audio Tape (DAT) e players,
até os recentes Super Audio CD (SACD) e a evolução do MP3. Outro
aspecto importante é o processo de conversão do sinal analógico para
o áudio digital, que envolve o equipamento conversor analógico-digital
(analog-digital converter).
2 Introdução ao áudio digital

Neste capítulo, você estudará sobre os fundamentos do áudio digi-


tal, bem como conhecerá os seus principais componentes. Além disso,
conhecerá os formatos de áudio digital mais utilizados: WAV, AIFF, MP3,
WMA, OGG, ALAC e FLAC. Por fim, verá como criar um processo de con-
versão de sinais analógicos e digitais.

1 Fundamentos do áudio digital


O som é produzido pela pressão sonora, porém, antes dos processos de digita-
lização, toda forma de processamento de som era eletroacústica, ou seja, o som
era “traduzido” por um sinal elétrico, que se assemelhava proporcionalmente
ao sinal acústico. Nesse processo inicial de gravação sonora, havia algumas
limitações, como as interferências de poluição eletromagnética (por meio de
antenas de transmissão de rádio e TV, celulares e até mesmo pela distribuição
de corrente elétrica) e as limitações técnicas dos equipamentos de captação e
conversão elétrica. Portanto, o processo de gravação eletroacústica era visto
como um processo de muita perda de qualidade e interferências.
Contudo, com o surgimento da linguagem digital dos computadores,
a ideia de converter um sinal analógico sonoro em sinais digitais foi objeto
de muita pesquisa e investimentos por parte de setores como o de telefonia.
A conversão digital do sinal sonoro baseia-se em medir o sinal e converter
cada medição em impulsos binários (i.e., em zero ou um), codificar o som
para gravar e, depois, decodificá-lo para reproduzir. Ao contrário do sistema
eletroacústico, esse processo de conversão em um sinal e reprodução deste
no sistema digital não tem perda de qualidade. Assim, uma vez convertido
em sinal digital, enquanto está armazenado e, depois, em sua reprodução,
o som não tem variações, pois o sinal está codificado em uma estrutura binária,
com apenas o número zero ou um.
No entanto, mesmo no processo digital, algumas etapas, como a microfona-
ção e a reprodução em caixas de som, dependem de componentes analógicos
para converter e reproduzir as pressões do ar do sinal sonoro (VALLE, 2009).
A evolução da codificação binária do som, conhecida como áudio digital,
serviu como base para os avanços no setor de telefonia, com avanços no CD,
no DVD e na computação.
Introdução ao áudio digital 3

A estrutura binária do som


A linguagem binária dos computadores e equipamentos digitais se apoia em
apenas dois algarismos: o zero e o um. O fundamento da estrutura binária
é a diferença do peso associado ao número. Sabe-se que o número 824 tem
essa forma de escrita pois são 4 unidades (4×1), duas dezenas (2×10) e oito
centenas (8×100). A numeração binária tem a mesma lógica, porém com pesos
diferentes, pois, em vez de 1, 10, 100, 1.000, 10.000, e assim por diante, tem a
seguinte forma: 1, 2, 4, 8, 16, 32, 62, 128, e assim por diante (FONSECA, 2012).
Uma fórmula simples para se obter o número binário é dividir um número
sucessivamente por dois, anotar o resto (será sempre 0 ou 1) e, na sequência,
pegar o coeficiente dessa divisão e dividi-lo por dois novamente. Por fim,
deve-se pegar as sequências de números do final para o começo para obter
o número binário. Por exemplo, para transformar o número 39 em binário,
realiza-se o seguinte cálculo:

39/2: 19, resto = 1


19/2 = 9, resto = 1
9/2 = 4, resto = 1
4/2 = 2, resto = 0
2/2 = 1, resto = 0
1/2 = 0, resto = 1

Ao ler de baixo para cima, o resultado é o número 100111. Portanto, 39 em


notação decimal torna-se 100111 em notação binária. No caso da conversão
da onda sonora em sistema binário, é realizada uma sequência de amostras
de variações da frequência do sinal sonoro acústico. No exemplo da Figura 1,
a seguir, observe que há um intervalo entre as amostras e uma indicação de
volts para cada amostra coletada.
4 Introdução ao áudio digital

Intervalo entre
as amostras

3,0
3
2,5 2,4
2
Volts

1
0,9
0,6
0
Figura 1. Sequência de amostras de variações da frequência do
sinal sonoro acústico.

Em seguida, são determinadas as amostras, quantizados por aproximação


e convertidos em números binários.

Valores da amostra 2,5 0,6 0,9 3,0 2,4

Valores quantizados 2 0 1 3 2

Valores convertidos em dígitos binários 10 00 01 11 10

Nesse sentido, a partir da amostragem, os valores são arredondados para o


número mais próximo da escala definida e, depois, convertidos para um número
binário (formado por “uns” e “zeros”) para serem armazenados digitalmente.

A história científica do áudio digital


Os princípios do áudio digital são aplicados a quase todos os aplicativos e
dispositivos utilizados atualmente, sejam eles para sampling, sintetização
do som, gravação digital ou reprodução de CD ou MP3. Novas formas de
reprodução, formatos de arquivo, compactação e armazenamento de dados
estão em constante evolução, mas a fórmula inicial para converter o som do
Introdução ao áudio digital 5

mundo real em números binários e armazenar os dados de reprodução em som


não variou muito desde que Max Mathews desenvolveu o MUSIC N, em 1957,
nos Bell Labs (laboratórios de pesquisa da AT&T, empresa estadunidense de
telefonia fundada pelo próprio inventor do telefone Alexander Graham Bell),
um dos primeiros computadores a reproduzir digitalmente uma música.
A base teórica que permitiu aos pioneiros da música digital, como Max
Mathews, desenvolver programas de áudio digital remonta há mais de um
século. É importante ressaltar que os estudos e posteriores avanços nessa
área foram impulsionados pelos Bell Labs no início do século XX, o mesmo
laboratório que desenvolveu pesquisas que resultaram nas seguintes inven-
ções: o fac simile (fax), em 1925; a primeira transmissão de longa distância
da televisão, em 1927; a rádio astronomia, em 1933; o Vocodes — primeiro
sintetizador de fala, em 1937; e as células fotovoltaicas, em 1940.
Os Bell Labs estavam preocupados em transmitir grandes quantidades
de dados de voz pelas linhas telefônicas já implantadas no território norte-
-americano. Contudo, para essa expansão de dados, era necessário trocar
o sistema analógico de transmissão pelo digital, pois, assim, seria possível
enviar mais dados na mesma via limitada dos cabos telefônicos. Nesse período,
as pesquisas não estavam preocupadas com a evolução da música eletrônica ou
o entretenimento, mas sim com a ampliação do serviço de telefonia. Entretanto,
esses avanços impactaram diretamente outros setores, como o fonográfico,
o rádio, entre outros.
Em 1928, o físico sueco Harry Nyquist, também da AT&T e dos Bell Labs,
apresentou, pela primeira vez, uma teoria da transmissão telegráfica, que
apresentava os princípios da amostragem de sinais analógicos e os intervalos
de tempo que permitiam duplicar a taxa de frequência de dados em um sinal
digital. No entanto, essa tecnologia não existia na época. Parte desse trabalho
é agora conhecida como “teorema de Nyquist”. Vinte anos depois, Claude
Shannon, matemático e cientista da computação, desenvolveu uma prova para
a teoria de Nyquist, tornando-a um teorema. A importância de seu trabalho
para a teoria de informação, computação, redes e áudio digital é de grande
valor para o campo da comunicação, da cibernética e da computação atual.
Existem muitos debates questionando o título de primeiro programa de
música para computador do mundo. Todavia, há um consenso em afirmar que
Geoff Hill programou o CSIR MkI, desenvolvido em Sidnei, na Austrália,
um dos primeiros computadores digitais de programas armazenados, que
reproduziu a música “The Coronel Bogey Marchem”, em 1951.
6 Introdução ao áudio digital

2 Componentes do áudio digital


Os componentes do áudio digital são divididos em: amostragem, quantização,
compressão e gravação digital, os quais são descritos a seguir.

Amostragem
Para captar um sinal analógico e codificá-lo em digital, faz-se necessário
realizar medições constantes no sinal analógico. No entanto, para isso, duas
questões precisam ser respondidas: com que frequência é realizada essas
medições? Com qual precisão é preciso realizar essas medidas?
O teorema de Nyquist determina que, ao coletar os sinais sonoros a uma
determinada frequência, esta é conhecida como frequência de amostragem
(sample rate). Na prática, pode-se considerar que um áudio no ambiente so-
noro controlado utiliza uma taxa de frequência de até 20 kHz. No entanto,
é necessária uma frequência de amostragem de, no mínimo, 40 kHz para
realizar cerca de 40.000 medições por segundo. Pensando em termos de uma
margem de segurança na captação do som, foi determinada uma taxa um
pouco maior, de 44.1 kHz (frequentemente utilizada como padrão nos CDs de
áudio) ou 48 kHz. A Figura 2, a seguir, apresenta as representações analógica
e digital de uma onda sonora.

Figura 2. Representações analógica (em cinza) e digital


(em vermelho) de uma onda sonora.
Fonte: Sinal... (2006, documento on-line).
Introdução ao áudio digital 7

O segundo aspecto para a captação sonora é a precisão de cada uma das


medições. Assim, ao medir o sinal sonoro de entrada, um conversor analógico-
-digital deverá considerar a série de intervalos que corresponderão ao padrão
de mensuração sonora (IZHAKI, 2011). Para compreender a resolução da
captação sonora (também conhecida como depth), pode-se pensar em uma
régua escolar comum, por exemplo. Para medir utilizando uma régua com
base em milímetros, será preciso ter uma maior precisão de medidas do que ao
utilizar o odômetro de um carro, com base em metros. A diferença entre uma
régua com milímetros e um odômetro do carro seria equivalente ao sistema
de resolução da amostra sonora.
No áudio digital, o padrão de medidas é considerado por bits (lembre-se
de que um bit pode representar dois números: 0 e 1. Assim, quanto maior o
número de bits, maior a taxa de resolução da captação do áudio. Por exemplo,
com dois bits, o som poderá ser representado por quatro valores diferentes
(00, 01, 10, 11), e assim por diante. Em geral, a taxa de conversão utilizada
alterna em 16 e 24 bits. Com a taxa de 24 bits, é possível considerar 16.777.216
intervalos diferentes, ampliando consideravelmente a definição (bit depth) do
sinal sonoro. A Figura 3, a seguir, apresenta um sinal analógico codificando
em 4 bits de definição.

Figura 3. Um sinal analógico (em vermelho) codificado em 4 bits


de definição (bit depth). Portanto, a amplitude de cada amostra
é um dos 16 valores possíveis.
Fonte: Audio... (2013, documento on-line).
8 Introdução ao áudio digital

Quantização
As amostras coletadas recebem valores numéricos (binários), que podem ser
utilizados pelo computador ou pelo circuito digital em um processo chamado
de quantização. O número de valores disponíveis é determinado pelo número
de bits (0 e 1) utilizado para cada amostra, também chamado de profundidade
ou resolução de bits. Cada bit adicional dobra o número de valores disponíveis
(amostras de 1 bit têm 2 valores, amostras de 2 bits têm 4 valores, etc.).
Quando uma amostra é quantizada, a captura instantânea de sua amplitude
analógica deve ser arredondada para o valor digital disponível mais próximo.
Esse processo de arredondamento é chamado de aproximação ou quantização
(REESE; GROSS; GROSS, 2009). Quanto menor o número de bits utilizados
por amostra, maiores as distâncias para as quais os valores analógicos precisam
ser arredondados. A diferença entre os valores analógico e digital é chamada
de erro de aproximação ou quantização (Figura 4).

Figura 4. Exemplo de sinal sonoro quantizado.


Fonte: Quantização (2006, documento on-line).

Com um exercício de pensamento lógico, é possível considerar que um


dos objetivos de utilizar resoluções melhores é obter uma menor distorção
de quantização, pois, quanto maior for a definição, menor será o erro entre
o sinal sonoro original e o captado. Para uma melhor compreensão, imagine
que o “desenho” da onda com maior resolução terá linhas mais arredondadas,
portanto, será mais parecido com o real e terá menos resolução; ou seja, é
possível ver os pixels ou, no caso do som, pequenas distorções sonoras.
Introdução ao áudio digital 9

Compressão
O processo de digitalização do áudio iniciou-se pelas pesquisas dos Bell
Labs para utilizar o máximo de dados no menor espaço possível. Em diversas
situações, o áudio digital necessita de armazenamento de arquivo para reduzir
o espaço em quantidade de bits. Desse modo, é fundamental compreender as
duas formas de compressão: sem perda de qualidade e com perda de qualidade.
Comprimir um arquivo digital sem perda de qualidade (lossless compression)
é o resultado de um conjunto de cálculos que encontram os bits redundantes
e os salvam, preservando apenas a sua localização na sequência do som. Por
exemplo, imagine a seguinte sequência sonora em bits: 110110110110110110110.
O algoritmo indicará que a sequência 110 foi repetida 7 vezes, de modo que
salvará apenas esse algoritmo e a quantidade de repetição. Nesse caso, é
comum as taxas de redução atingirem até 50% da quantidade total de bits.
No entanto, em algumas situações, não basta uma redução de 50%, pois os
arquivos ainda continuam com uma quantidade muito grande de bits. Para
esses casos, a opção de reduzir o som com a redução de qualidade é utilizada.
A compressão do som com redução de qualidade é frequentemente utili-
zada nos arquivos MP3. Essa forma de compressão parte dos pressupostos da
psicoacústica para iludir o cérebro, retirando algumas informações sonoras
e eliminando redundâncias até mesmo quando ouvimos em canais estéreos.
A maioria dos algoritmos de compressão de áudio se baseia no fenômeno
masking (IZHAKI, 2011). Na prática, percebemos quando estamos ouvindo
algo em determinada frequência, mas não percebemos frequências inferiores
quando um som mascara outro. Os algoritmos de áudio dividem o sinal sonoro
em várias faixas de frequências. Se uma faixa de frequência não tiver um
sinal preponderante, ela será mascarada por outra, e o algoritmo subtrai essa
frequência e não a registra em bits.
Os codecs são formatos de codificação que podem utilizar áudio compri-
mido ou não, conforme o Quadro 1.
10 Introdução ao áudio digital

Quadro 1. Formatos de codificação que podem ou não utilizar áudio comprimido

Tecnologia Codec Compressão

Áudio digital normal PCM Não


sem compressão

Dolby Digital AC3 Sim

DTS DTS Coherent Acoustics Sim

MiniDisc, SDDS ATRAC Sim

SACD DSD Não

Telefones (digitais) G.711, G.720 e outros Sim

Fonte: Adaptado de Fonseca (2012).

A utilização da compressão do áudio propõe preservar as principais carac-


terísticas do áudio original sem modificá-lo. Todos os codecs de compressão
têm como objetivo reduzir o tamanho do arquivo, da banda de transmissão
ou da forma de armazenamento para melhor aproveitamento. A aplicação do
algoritmo de compressão baseado no efeito masking é um processo irreversível,
e, uma vez eliminada a faixa de frequência, não há como recuperá-la.

Padrões de gravação digital


A gravação digital é a preservação de sinais de áudio como uma série de
números binários, que podem ser armazenados em fita magnética, disco
óptico ou outra mídia de armazenamento digital. Técnicas semelhantes são
utilizadas para registrar uma ampla variedade de dados científicos, financeiros
e de engenharia.
Para fazer uma gravação digital, um conversor analógico-digital transforma
a forma de onda de áudio elétrica de um microfone ou uma imagem visual
analógica em informação digital. As imagens também podem ser geradas digi-
talmente por uma câmera digital, sem nenhum sinal analógico intermediário.
O sistema que reproduz ou lê o som ou a imagem converte o código binário
em sinais analógicos por meio de um conversor digital-analógico. Os players
digitais de CD, Video Disc e CD-ROM em computadores domésticos utilizam
conversores digital-analógicos para reproduzir os códigos de áudio e vídeo.
Introdução ao áudio digital 11

O sistema de áudio mais familiar dos últimos tempos foi o CD, que utiliza
um leitor de raios laser para ler as informações digitais codificadas em um
disco. A fita DAT tornou-se disponível no fim dos anos 80, e foi muito utili-
zada em rádios. Ela utiliza fita magnética e um gravador DAT especializado
com um microprocessador para converter sinais de áudio em dados digitais
durante a gravação e retornar os dados aos sinais analógicos para reprodução.
No início dos anos 2000, tanto a DAT quanto o CD caíram gradualmente
em desuso, em virtude de suas maiores despesas em relação à mídia ótica e
aos discos rígidos compactos de alta capacidade, como os encontrados nos
tocadores de MP3 pessoais.
Os discos compactos para gravações de vídeo foram inicialmente conside-
rados impraticáveis, devido à grande quantidade de dados a serem codificados;
assim, foram desenvolvidos discos a laser de diâmetro maior (Video Disc).
Os discos a laser (também chamados de discos de vídeo) armazenam informa-
ções de áudio em formato digital e vídeo como dados analógicos. As fitas de
vídeo analógicas nos formatos Betamax e VHS (formas analógicas) foram, por
muitos anos, mais fáceis de produzir em massa a um custo menor. Contudo, no
fim dos anos 90, a televisão de alta definição (HDTV) tornou-se disponível, e
o disco versátil digital (DVD) e os players de DVD rapidamente se tornaram
mais populares, em antecipação a uma melhor tecnologia de televisão. O DVD
pode acomodar todo o som e vídeo necessário para um filme, pois contém
cerca de 5 bilhões de bytes de dados, versões de alta densidade e multicamadas.

CD de áudio

Trata-se do formato padrão de áudio para discos óticos. O padrão é estabelecido


pelo Red Book, um livro da série Rainbow Books que determina as especifi-
cações técnicas de cada um dos formatos. O Red Book especifica os padrões
físicos, os parâmetros óticos, os desvios e as taxas de erros. Esses parâmetros
são comuns a todos os discos compactos e utilizados por todos os formatos
de leitura. O Red Book estabelece como padrão a codificação de áudio linear:
PCM linear de 16 bits e divisão em 02 canais com sample rate de 44,1 kHz.

Super Audio CD (SACD)

O Super Audio CD (SACD) é um disco ótico de alta resolução de somente leitura


para armazenamento de áudio. O SACD substitui os recursos de capacidade de
armazenamento, fidelidade, faixa dinâmica e imagem de canal do CD comum.
12 Introdução ao áudio digital

As versões SACD estão disponíveis em som estéreo ou som surround.


Embora os fluxos de áudio SACD sejam codificados em um esquema de
modulação por densidade de pulso (PDM), chamado de direct stream digital
(DSD), um fabricante também pode gravar uma “camada” de modulação
por código de pulso (PCM) compatível com players de CD convencionais.
O SACD é um disco de dimensões físicas idênticas às de um CD padrão, porém
a densidade do disco é a mesma de um DVD. A taxa de amostragem do SACD
é de 2,8224 MHz e a resolução é de um bit. Uma gravação em SACD estéreo
pode transmitir dados a uma taxa não compactada de 5,6 Mbps, quatro vezes
a taxa para o áudio estéreo do compact disc.

Confira, a seguir, os três tipos de SACDs existentes.


„„ Híbrido: os SACDs híbridos são codificados com uma camada DSD de 4,7 GB
(também conhecida como camada HD), bem como uma camada de áudio PCM
(Red Book) legível pela maioria dos players de CD convencionais.
„„ Camada única: um disco de camada única é codificado com uma camada DSD
de 4,7 GB. Os SACDs de camada única não são compatíveis com versões anteriores
dos CD players convencionais.
„„ Camada dupla: um disco de camada dupla é codificado com duas camadas DSD,
totalizando 8,5 GB e nenhuma camada PCM. Os SACDs de camada dupla podem
armazenar quase o dobro de dados que um SACD de camada única. Assim como
os SACDs de camada única, os discos de camada dupla não são compatíveis com
versões anteriores dos CD players convencionais.

Quase todos os SACDs lançados comercialmente incluem mixagens em


estéreo (canal duplo) e som surround (multicanal). A camada de CD existe
principalmente para compatibilidade com versões anteriores, mas não é ne-
cessária. Se a camada do CD for omitida, o SACD não precisará ser limitado
a um tempo de reprodução de 80 minutos. Para material estéreo, o espaço
que seria ocupado pelo programa multicanal pode ser utilizado para estender
o tempo de reprodução para quatro horas ou mais.
Os críticos e técnicos consideram o som do formato SACD é significativa-
mente melhor em comparação com as gravações do Red Book Compact Disc de
formato mais antigo. Os ouvintes podem encontrar um CD que, literalmente,
soa idêntico a uma versão de alta resolução, como SACD ou DVD-Audio, no
Introdução ao áudio digital 13

entanto, na maioria dos casos, a diferença será significativa para os ouvintes


experientes e técnicos, e, em alguns casos, a versão de alta resolução pode
realmente parecer inferior ao CD, devido a uma má masterização.

A taxa de bits em MP3

O formato MP3 é um formato de áudio com perda que compacta arquivos


de áudio para reduzir o tamanho, eliminando dados redundantes. Assim,
é possível escolher quanta informação um arquivo MP3 guardará ou perderá
durante o processo de codificação e compactação, ajustando a taxa de bits.
Uma taxa de bits mais baixa indica que o codificador descartará mais infor-
mações durante o processo de compactação, o que pode afetar a qualidade
do áudio na reprodução (HUBER; RUNSTEIN, 2009). As taxas de bits para
codificadores de MP3 variam de 16 a 320 kbps. Uma taxa de bits de 320 kbps
é a mais próxima da qualidade do áudio do CD e é semelhante ao que você
ouviria no rádio. É importante ressaltar que uma taxa de bits MP3 mais alta
fornece melhor qualidade de áudio, mas produz arquivos maiores. O Quadro 2
a seguir, apresenta uma relação entre formatos e qualidade versus tamanho.

Quadro 2. Formatos e qualidade versus tamanho

Formato Amostragem Taxa de bits Qualidade Tamanho

8.000–16.000 Hz 8 Muito baixa Muito


pequeno

32.000–44.100 16 Aceitável Médio


Wave/Aiff Hz

44.100 Hz 16 Excelente Grande

48.000 Hz e 16–32 bits Ótima Muito


superior grande

8.000–16.000 Hz 16–96 kbps Muito baixa Muito


pequeno

32.000–44.100 96–196 kbps Aceitável Pequeno


MP3 Hz

44.100 Hz 256–320 kbps Boa Médio

48.000 Hz 320 kbps Excelente Grande


14 Introdução ao áudio digital

3 O processo de conversão de analógico


para áudio digital
O processo de conversão pode ser feito de analógico para digital (A/D) e
de digital para analógico (D/A). A base do áudio digital está no processo
de conversão em digital e, posteriormente, na recomposição em analógico.
O aparelho que realiza essa operação é conhecido como conversor analógico-
-digital (ADC, analog-digital converter). A primeira etapa para a conversão
analógico-digital é passar por um filtro que elimina frequências superiores
acima da metade da frequência de amostragem. Ao utilizar a frequência de
amostragem de 44,1 kHz para captar 20 kHz, o filtro eliminará o sinal além da
frequência máxima, caso contrário, será gerado um sinal-fantasma, conhecido
como alias (FONSECA, 2012). Como é impossível ter precisão no corte do sinal
sonoro — por exemplo, em 20 kHz, não é possível ter 40 kHz de frequência
de amostragem, pois não há margem para o corte —, foi criada a frequência
de amostragem de 44.1 kHz, que, por ser um pouco superior aos 40 kHz, tem
margem para cortar o sinal sonoro em 20 kHz sem deixar sinal-fantasma.
Um conversor digital-analógico (DAC, digital analog-converter) tem a
capacidade de converter um sinal digital em analógico, e vice-versa. Ao ser
convertido em digital, o sinal sonoro não sai em uma estrutura rígida de bits,
mas as ondas são, de certa forma, “arredondadas” para uma reconstrução
sonora mais próxima do real.

A escolha do formato de áudio ideal


Para obter uma qualidade original, é importante gravar em formatos não com-
pactados, como WAV ou AIFF, a uma taxa de 44.100 kHz e 24 bits. Qualquer
processamento posterior do som, como mixagem e edição, não resultará em
perda da qualidade.
Se for necessário codificar/gravar em MP3, utilizar a taxa de 196 kbps é
o mínimo para uma qualidade satisfatória, embora 320 kbps seja sempre a
melhor opção.
Confira, a seguir, alguns pontos importantes para determinar a escolha
do formato ideal de áudio.

1. Se você estiver capturando e editando áudio bruto, use um formato não


compactado. Dessa forma, é possível trabalhar com a qualidade mais
verdadeira possível de áudio. Quando terminar, você pode exportar ou
converter para um formato compactado.
Introdução ao áudio digital 15

2. Se você estiver ouvindo música e quiser uma representação de áudio


fiel, use a compactação de áudio sem perdas. É por isso que os ouvintes
e técnicos sempre procuram álbuns FLAC, em vez de álbuns MP3.
Observe que você precisará de muito espaço de armazenamento para
isso.
3. Se você concorda com a qualidade da música “boa o suficiente”, se
o seu arquivo de áudio não possui música ou se precisa economizar
espaço em disco, use a compactação de áudio com perda. A maioria
das pessoas não consegue perceber a diferença entre a compactação
com e sem perdas.
4. Se você deseja a melhor qualidade na reprodução de músicas, observe
que os arquivos de áudio de alta qualidade não farão diferença se o
dispositivo de reprodução não conseguir recriar fielmente esses sons.
Ou seja, você precisa ter fones de ouvido ou alto-falantes de boa
qualidade.

Confira, a seguir, algumas dicas para gravação em alta qualidade e para


compressão de áudio com perda de qualidade.

„„ Formato WAV: armazena dados de áudio não compactados. É baseado


no método de formato de fluxo de bits RIFF para armazenar dados.
Como armazena dados de áudio não compactados, esse formato mantém
a qualidade de áudio 100% original e é popular entre os especialistas
em áudio. O formato WAV pode ser facilmente manipulado utilizando
software de edição.
„„ Formato AIFF: o formato de arquivo de intercâmbio de áudio (AIFF),
desenvolvido pela Apple, é um formato de áudio não compactado comu-
mente utilizado para armazenar dados de áudio nos sistemas Macintosh.
Como armazena dados de áudio não compactados, o formato AIFF
também costuma ser utilizado para aplicativos profissionais de áudio.
„„ Formato MP3: formato de áudio com compactação com perda.
Essencialmente, ele reduz o tamanho do arquivo, omitindo dados no
arquivo. Por meio da codificação de áudio perceptiva e da compressão
psicoacústica, o formato MP3 mantém a qualidade o mais próximo
possível do original. Portanto, o MP3 é o formato de áudio utilizado
para armazenar um grande número de músicas em um computador
sem ocupar muito espaço e com qualidade aceitável. No entanto, não
é recomendado gravar em MP3 — a não ser que não haja outra opção
—, pois a compressão poderá perder significativamente a qualidade.
16 Introdução ao áudio digital

Sempre grave em formatos não compactados, como WAV/AIFF, e,


então, converta para o arquivo MP3 do tamanho desejado.
„„ Formato AAC: o formato Advanced Audio Coding (AAC), outro for-
mato de áudio com compactação com perdas, foi desenvolvido para
ser o sucessor do MP3, pois oferece melhor qualidade de áudio e em
tamanhos mais baixos. É o formato de áudio padrão no iTunes e nos
iPods da Apple, e pode apresentar a extensão .m4a no nome dos arquivos.
„„ Formato WMA: o formato Windows Media Audio (WMA), projetado
pela Microsoft para competir com o MP3, é um formato de compactação
com perdas. No entanto, as músicas em MP3 mantêm o primeiro lugar
em popularidade. Também está disponível a versão compactada sem
perdas do formato WMA, denominada WMA Lossless, que reproduz
a qualidade de áudio original, com eliminação zero na descompressão
e reprodução, semelhante aos formatos WAV ou AIFF.
„„ Formato OGG (Vorbis): lançado pela primeira vez em 2000, o Vorbis
cresceu em popularidade devido a duas razões: ele adere aos princípios
do software de código aberto e executa o som significativamente melhor
que a maioria dos outros formatos de compactação com perdas (o que
significa que produz um tamanho de arquivo menor por uma qualidade
de áudio equivalente). O MP3 e o AAC têm pontos de apoio tão fortes
que o OGG teve dificuldades em entrar em cena — muitos dispositivos
não o suportam nativamente —, mas está melhorando com o tempo. Por
enquanto, ele é utilizado principalmente por defensores incondicionais
de software de código aberto.
„„ Formato FLAC: o Free Lossless Audio Codec (FLAC) tornou-se ra-
pidamente um dos formatos sem perdas mais populares disponíveis
desde a sua introdução, em 2001. O interessante é que o FLAC pode
compactar um arquivo de origem original em até 60% sem perder um
único bit de dados. Além disso, é um formato de arquivo de áudio de
código aberto e livre de royalties, para que não imponha restrições de
propriedade intelectual. O FLAC é suportado pela maioria dos pro-
gramas e dispositivos importantes e é a principal alternativa ao MP3
para músicas. Com ele, é possível obter a qualidade total do áudio não
compactado bruto com metade do tamanho do arquivo, de modo que
é visto por muitos como o melhor formato de áudio.
„„ Formato ALAC: o Apple Lossless Audio Codec (ALAC) foi desen-
volvido e lançado em 2004 como um formato proprietário, mas acabou
se tornando de código aberto e livre de royalties em 2011. O ALAC é
chamado às vezes de Apple Lossless. Embora o ALAC seja bom, é um
Introdução ao áudio digital 17

pouco menos eficiente que o FLAC no que diz respeito à compactação.


No entanto, os usuários da Apple realmente não têm escolha entre os
dois, uma vez que o iTunes e o iOS apenas fornecem suporte nativo
para o ALAC.

AUDIO bit depth. In: WIKIPEDIA: a enciclopédia livre. [San Francisco: Wikimedia Foun-
dation, 2013]. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Audio_bit_depth. Acesso
em: 12 maio 2020.
FONSECA, N. Introdução à engenharia de som. 6. ed. Lisboa: FCA, 2012. 272 p.
HUBER, D.; RUNSTEIN, R. Modern recording techniques. 7. ed. Waltham: Focal Press,
2009. 672 p.
IZHAKI, R. Mixing audio: concepts, practices and tools. 2. ed. Waltham: Focal Press,
2011. 584 p.
QUANTIZAÇÃO. In: WIKIPEDIA: a enciclopédia livre. [San Francisco: Wikimedia Founda-
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REESE, D. E.; GROSS, L. S.; GROSS, B. Audio production worktext: concepts, techniques,
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SINAL digital. In: WIKIPEDIA: a enciclopédia livre. [San Francisco: Wikimedia Founda-
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12 maio 2020.
VALLE, S. Manual prático de acústica. 3. ed. Rio de Janeiro: Música e Tecnologia, 2009.
404 p.

Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun-
cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a
rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de
local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade
sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.
PRODUÇÃO DE
RÁDIO, TV E WEB

Adriano Miranda Vasconcellos de Jesus


Edição de imagem e som
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever o processo de edição de imagem.


 Identificar os diferentes tipos de linguagens sonoras.
 Avaliar o processo de edição de áudio.

Introdução
No âmbito da produção audiovisual, o processo de edição de imagens
começa bem antes do início das gravações. Assim, o trabalho do editor
vai desde a pré-produção até as etapas mais técnicas e específicas, como
montagem inicial, corte bruto, corte final, sem contar com as etapas de
pós-produção, gradação de cores e mixagem de áudio. Já a linguagem
sonora na edição costuma ser uma peça fundamental para vídeos das
mais diversas finalidades. No mercado de trabalho, é grande a procura
por profissionais de edição de imagens e som, principalmente para as
áreas corporativa e publicitária.
Neste capítulo, você vai estudar a edição de imagem e de som como
uma etapa técnica e criativa que depende de bom planejamento e re-
pertório. É nessa etapa que o produto audiovisual assume sua forma final
que será exibida para a audiência.

1 Etapas da edição de imagem


A edição de imagem é o procedimento de seleção e reorganização de pequenos
trechos de vídeos visando contar uma história ou apresentar um conceito.
Geralmente a edição de imagem faz parte do processo de pós-produção, ou
seja, é iniciada após a captação de todo material audiovisual que será utilizado.
Na pós-produção, além da edição de imagem é feita a correção de cores, a
mixagem do som e a inserção de títulos e efeitos especiais.
2 Edição de imagem e som

Podemos considerar a edição de imagem um processo que depende tanto


de planejamento quanto de uma visão do produto desejado. Sendo assim, a
edição depende do planejamento e da decupagem prévia do roteiro, gerando
uma ordem de gravação que visa obter o máximo aproveitamento e fornecer
material audiovisual suficiente e eficaz para criar uma narrativa (ZETTL,
2011). A edição começa pela leitura do roteiro ou do briefing do cliente, que
estabelece as necessidades e as possibilidades considerando as características
específicas do produto audiovisual final. Na prática, o ato de editar consiste
em linhas gerais em:

 remover trechos indesejáveis de gravação;


 escolher a melhor versão do material gravado;
 adequar a um tempo pré-definido definido para a obra final;
 criar uma narrativa consistente;
 definir o estilo, o clima e o ritmo da narrativa;
 sincronizar e estabelecer a edição sonora;
 ajustar a colorização e outros efeitos visuais.

Vamos conhecer agora as etapas da edição de vídeo, as quais visam simpli-


ficar o processo por meio do planejamento, evitando a repetição de trabalho.

Pré-produção
O trabalho de edição, por mais estranho que pareça, inicia na etapa de pré-
-produção, antes mesmo das gravações das imagens. Antes mesmo de iniciar o
projeto, um editor de imagens experiente saberá identificar pontos importantes,
cenas que são imprescindíveis e variações que lhe poderão ajudar no ato da
edição. Para isso, é importante o editor conhecer o roteiro, o briefing, e, se
houver, o storyboard. Em um roteiro, é possível compreender aspectos como
a quantidade de linhas narrativas, personagens principais, falas importantes,
elipses temporais, descrições de lugares ou épocas importantes. Caso a pro-
dução audiovisual seja não ficcional, como um documentário, reportagem ou
vídeo institucional, é importante o editor compreender o contexto da produção
e os valores da empresa, pessoas relevantes, falas e entrevistas que merecem
destaques, bem como a linha editorial de comunicação da empresa. Nos tra-
balhos corporativos e publicitários, o mais importante é dispor de um briefing
detalhado com informações desde a concepção do projeto, o público, local
de exibição, tempo das versões finais e o objetivo de cada peça audiovisual.
Edição de imagem e som 3

Caso o editor de imagens seja contratado em uma etapa posterior à pré-


-produção, deverá ser informado pelo diretor da produção audiovisual quanto
aos objetivos e conceitos estabelecidos, além de se familiarizar em profundidade
com todo o material audiovisual captado, incluindo erros e cenas descartadas.
Um editor que ingressa somente na parte final de um projeto desse tipo deve
ter tempo suficiente para conhecer a produção e seu objetivo antes de iniciar
a edição.
Podemos perceber que a edição depende de um planejamento prévio e
de contato com os objetivos determinados da produção, mas isso não deve
limitar a criação do editor de imagens. Espera-se do trabalho de edição
de imagens soluções criativas e inovadoras, sempre ajudando a produção
a cumprir seus prazos, a tornar a narrativa clara e a manter a atenção da
audiência. Além dessa expectativa criativa, cabe ao editor consertar falhas
na gravação, ou seja, encontrar soluções para imprevistos que alteram o
planejamento inicial.
Por fim, a etapa de pré-produção será mais bem aproveitada conforme a
experiência do editor e seu repertório. Quanto ao repertório, é importante
ressaltar que um editor precisa conhecer tanto as produções audiovisuais
clássicas quanto as contemporâneas para criar suas referências. Caso o edi-
tor seja especializado em filmes publicitários, deverá conhecer as técnicas
de edição de tomadas curtas, comuns em filmes de ação, videoclipes entre
outros. Porém, caso o editor assuma um trabalho de filmes institucionais e
corporativos, se sairá bem se souber construir narrativas e aproveitar seu
repertório envolvendo documentários, reportagens especiais e outros gêneros
de produção audiovisual.

Gravação
Em geral, em uma produção audiovisual costuma ser gravada uma quanti-
dade muito maior do que será utilizada na edição final. Isso representa uma
vantagem para diretores, atores e apresentadores, mas uma desvantagem para
o editor, que deverá separar o material aproveitável do descartável, gastando
um precioso tempo. Esse tempo despendido apenas na triagem do material
pode levar dias apenas para a seleção.
Se no momento da gravação for escrito um diário técnico com a descrição
das tomadas e a indicação das melhores versões para escolha, isso reduz o
tempo da seleção do editor. Outro ponto importante para o editor é ter um
responsável acompanhando a produção e conferindo as gravações conforme
4 Edição de imagem e som

são finalizadas, indicando a partir do roteiro o que foi cumprido e o que


está faltando. Porém, em produções com baixo orçamento, as funções são
sobrepostas pelo editor.

Montagem inicial (initial assembly)


Essa revisão das gravações pode ser feita pelo editor ou por outro profissional,
visando identificar a qualidade das gravações, perceber falhas na produção
e conferir o que falta e o que já foi realizado pela produção. Caso falte cenas
importantes ou surjam novas ideias, é possível solicitar a gravação aproveitando
a equipe e as diárias de equipamentos. Com o surgimento de pacotes de software
de edição não linear, esse processo foi incorporado nas produções de forma
a agilizar a edição de imagens, pois não é necessário ter todo o material para
iniciar a edição. Nessa etapa ocorre também a digitalização e a importação
do material para a estação de trabalho que será responsável pela edição de
imagens. Atualmente são utilizadas diferentes câmeras para gravação, como
câmeras broadcast, drones, action cam, D-SLR, entre outras, o que exige a
integração das imagens para que não oscile a qualidade do material captado.

Corte bruto (rough cut)


Ao considerar que já possui um material suficiente para iniciar seus testes de
edição e verificar a ordenação estabelecida, os recursos narrativos e a relação
do material com o tempo final, o editor pode passar ao corte bruto. Trata-
-se da edição em uma versão sem acabamentos, com objetivo de comparar
o planejamento anterior e o material disponível. É uma etapa criativa que
permite ao editor realizar diferentes versões para cada cena e um tratamento
diferente considerando os objetivos iniciais. O corte bruto não se trata apenas
de selecionar melhores cenas e organizar o material gravado, mas o início do
processo de construção de uma narrativa por meio de uma ordenação sequen-
cial de imagens. A visão do diretor deverá ser considerada para as decisões
tomadas pelo editor, mantendo uma linha editorial ou um valor definido pelo
roteiro ou briefing.
Ajustes na duração de cada cena e a definição de uma duração total da obra
é fundamental para o corte bruto, pois sabemos que quanto maior o tempo
de uma cena, mais relevância ela terá na obra. Em vídeos publicitários, que
costumam contar com exíguos 30 segundos, é fundamental a distribuição
eficaz do tempo em cada tomada. O editor deve utilizar recursos de ajustes
Edição de imagem e som 5

temporais para adequar a obra, como cortes rápidos, pausas, valorização de


falas e condução a um clímax emocional. A audiência cria expectativas a
partir da distribuição do tempo em uma narrativa. Com isso, a configuração
temporal de um produto audiovisual está relacionada diretamente com seu
aspecto emocional.

O corte bruto fornece tanto ao diretor quanto aos demais da equipe uma visão
preliminar do trabalho, indicando suas possibilidades, pontos fortes e fragilidades
encontradas. Ao ser assistido de forma crítica, o corte bruto permite ajustar desde a
estrutura narrativa (tempo, descrição espacial e apresentações de personagens) até
detalhes de inserções musicais, efeitos visuais, sonoros, entre outros elementos, para
aumentar a produção de sentido da audiência (DANCYGER, 2007).

O trabalho do corte bruto deixa claro que a edição é um processo de camadas


que se sobrepõem até formarem a visão definitiva do trabalho, assim como
um quadro iniciado pelo pintor com grandes manchas de tinta, que a cada
camada ganham contornos e detalhes até atingir sua visão final. Porém, ao
contrário do pintor, o trabalho do editor é uma engrenagem em um processo
que envolve pessoas de diversas áreas. Nesse sentido, o corte bruto é a base para
aprovação do diretor, e em alguns casos do cliente final. As partes envolvidas
no processo de produção audiovisual devem primar pela comunicação e pelo
diálogo, concordando nas decisões tomadas a partir do corte bruto e cientes
das mudanças que ocorreram desde o planejamento inicial. Em diversos casos,
a versão de corte bruto é submetida à aprovação do cliente.

Corte final
O corte final de uma edição se dá quando são estabelecidas as decisões derra-
deiras de seleção, ordenação e narrativa do projeto audiovisual. Nesse estágio,
a edição passa por várias camadas de ajustes, incluindo a afinação do corte de
entrada e saída de cada tomada, a calibragem de cada transição e a definição
da duração de cada cena. Por fim, o editor bloqueia as tomadas e cenas, para
não haver alterações a partir desse estágio da edição. Com isso, a partir desse
6 Edição de imagem e som

momento o editor considera finalizada a camada de cortes e elimina elementos


desnecessários para a narrativa. Em alguns casos, cenas inteiras já finalizadas
não são aproveitadas na edição final, ao serem julgadas desnecessárias a partir
do contexto percebido.
Essa é uma etapa bastante técnica, mas também depende do empenho
criativo do editor para convencer a audiência e fazer cumprir a intenção inicial
das cenas de forma emocional. O ritmo entre as cenas deve ser pensado tanto
na microestrutura da edição (duração de tomada a tomada em uma cena)
quanto na macroestrutura (junções de cenas e sequências de cenas), tal qual
um poeta que deve escolher os tamanhos das palavras e manter um ritmo em
suas frases e parágrafos.
No corte final são finalizados os ajustes sonoros captados diretamente na
cena, como diálogos e ruídos, para posteriormente passarem por tratamento e
mixagem adequados. Os efeitos visuais e gráficos são adicionados ao produto
audiovisual, muitas vezes com o auxílio de artistas visuais para o design desses
elementos incorporados.

Gradação de cores (color grading)


Com o material audiovisual estruturado em seu corte final, inicia-se a etapa
de gradação de cores. Nela, as imagens são processadas por um colorista, que
manipula e decide quais qualidades tonais as imagens devem ter para criar o
clima ou efeito almejado. Existem pacotes de software especializados nesse
processamento que oferecem uma visualização em tempo real das alterações
de cores das cenas.

Mixagem de áudio
O corte final já com os ajustes de cores é enviado para a etapa de mixagem
e pós-produção sonora, em que todos os ruídos, falas e trilhas sonoras são
incorporados e revisados para uma experiência auditiva completa e integrada
(Figura 1). São equalizados os volumes dos diálogos e outros elementos, para
facilitar a clareza do entendimento e destacar aspectos musicais. A faixa sonora
é incorporada na imagem e, ao exportar o vídeo, teremos o produto audiovisual
finalizado e pronto para distribuir tanto em plataformas de streaming quanto
para produção de DVDs, entre outros suportes.
Edição de imagem e som 7

Figura 1. Imagem de uma timeline de edição de vídeo. Os trechos azuis são as cenas e
seus respectivos áudios. Os blocos verdes são inserções de sons. Os blocos rosas são efeitos
visuais e transições.
Fonte: ibae.chatdanai/Shutterstock.com.

2 A linguagem sonora na edição


Em uma produção audiovisual, a edição sonora consiste em ajustar, ordenar
e mixar todos os sons pertinentes para a produção de sentido. Ao falarmos de
linguagem sonora na edição, devemos considerar música não diegética, música
diegética, ruídos, efeitos sonoros e falas. Conhecer os tipos e as funções dessas
linguagens é fundamental para compreender o fluxo de trabalho, a articulação
entre a equipe e as estratégias de inserção de sons nos produtos audiovisuais.

Música e som não diegéticos


Música não diegética refere-se à música que é inserida em uma cena para
sublinhar e potencializar as emoções e a experiência da audiência. É uma
forma que o editor tem de evidenciar alguns aspectos que julga importante
para a cena. É o tipo de música que não tem ligação específica com a ação do
personagem, apenas com o contexto emocional. Sua função, além de inserir
uma tônica sonora, pode ser indicar algo que está além da visão da audiência,
fora da tela.
8 Edição de imagem e som

O editor deve compreender que a música não diegética tem a função de alterar
aspectos temporais e espaciais da narrativa. Assim, por meio da música não diegética a
audiência poderá perceber mudanças importantes da narrativa (MASCELLI, 2010). Uma
música não diegética pode criar clima de suspense, terror, expectativas emocionais,
entre outros recursos. Geralmente conhecemos as músicas e sons não diegéticos pelas
trilhas sonoras quando aplicadas a produtos audiovisuais. Nesse sentido, a audiência
sabe que aquela música ou som não é ouvido pelo personagem, pois é um mero
discurso sonoro inerente da narrativa.

A escolha do estilo musical depende de um conjunto de referências e de-


cisões tomadas no início da produção em conjunto com o diretor da produção
audiovisual. As referências previamente recebidas pode então determinar o
conceito sonoro da produção, quer priorizando temas orquestrais, contemporâ-
neos, clássicos, entre outros. Como regra, devemos estabelecer que um gênero
musical com muitas camadas sonoras, como o heavy metal, por exemplo, deve
ser utilizado com cuidado para não sobrepor narrações e diálogos. Podemos
pensar que a definição da instrumentação é como a escolha de uma paleta de
cores por um artista plástico. Essa escolha tem o poder de alterar a percepção
da audiência por meio de evocações da memória auditiva.

Música e som diegéticos


Músicas e sons diegéticos são aqueles produzidos no interior da narrativa, que
os personagens também são capazes de escutar. Se vemos na tela do produto
audiovisual um artista de rua tocando saxofone, esperamos ouvi-lo como uma
camada do som ambiente, entre ruídos urbanos e outros. A função é fornecer
realismo para as cenas e contextualizá-las de forma a compreendermos sem
questionar a fonte sonora. Imagine que você está assistindo um documentário
em que alguém está escutando rádio e mudando as estações. A edição será
responsável por inserir esse som do rádio captado diretamente ou produzido
posteriormente. Mesmo recriando os sons da realidade, a música e som die-
géticos interferem na cena e afetam os personagens.
Outro aspecto importante da linguagem sonora diegética na edição consiste
na inclusão de sons e músicas observando as formas realísticas de reverbs e
delays, ou seja, o som contextualizado em seu ambiente. Assim, uma música
Edição de imagem e som 9

inserida em uma cena na qual o personagem encontra-se no interior de um


grande teatro deverá ter ecos e reverberações sonoras que orientem o espec-
tador e levem-no a crer que o som foi gravado no local. De todo modo, como
a gravação de músicas e sons na própria locação é muitas vezes um processo
caro e demorado, uma alternativa é sua inserção posterior na edição.

Ruídos
No processo de edição sonora, é comum a necessidade de inserir ruídos para
aumentar o impacto da cena, como sons de passos, palmas, roupas, cavalos
galopando, tiros, socos, entre outros. A técnica de sonoplastia para gravar
esses ruídos é conhecida como foley (Figura 2), e consiste na criação de
sons específicos em estúdio por meio de artifícios, como ao bater cocos para
reproduzir o som de galope de um cavalo. O nome é derivado do sonoplasta
norte-americano Jack Foley, que desenvolveu técnicas de gravação de sons
desde a era do cinema mudo. Em seu trabalho, ele acrescentava ruídos comuns
que não eram gravados durante as cenas, pois no início do cinema sonoro, ao
trabalhar na Universal Studios, os filmes eram gravados sem som, e diálogos,
ruídos e músicas eram inseridos posteriormente (DANCYGER, 2007).

Figura 2. Imagem de um sonoplasta gravando pela técnica foley, que consiste


em reproduzir sons incidentais, como de passos sobre cacos de vidro.
Fonte: Luciana Carla Funes/Shutterstock.com.
10 Edição de imagem e som

Falas
Num produto audiovisual, diálogos, narradores e outros recursos de fala
humana são considerados atributos da linguagem da edição, pois visam pro-
duzir sentido na audiência. Desse modo, o editor deve primeiro trabalhar com
toda a fonte sonora captada em conjunto com as imagens, realçando timbres
e volumes. É importante que os cortes mantenham o fluxo dos diálogos e
produzam um efeito de continuidade conhecido como raccord. As narrações
utilizadas com grande frequência em vídeos publicitários e institucionais
devem ser bem captadas e previamente roteirizadas para uma adequação às
imagens da edição. É preciso levar em consideração que a voz do narrador,
bem como sua idade, seu gênero e seu timbre, suscitam um forte apelo de
identificação, representando uma importante escolha que definirá a linguagem
sonora da peça audiovisual. Quando a captação de áudio é prejudicada no ato
da gravação, ainda pode-se recorrer ao recurso da dublagem de alguns trechos.

3 Avaliação do processo de edição de áudio


O processo de edição de áudio compreende várias etapas, todas elas fundamen-
tais para gerar resultados finais satisfatórios. Espera-se da edição sonora de
um produto audiovisual sincronia de falas, ruídos e sons, ajuste adequado do
volume de cada cena e uma dinâmica sonora que cause uma boa experiência
auditiva na audiência. Nesse sentido, vamos conhecer cada uma das etapas
do processo.

Tracking
Essa etapa é o momento de gravação ou importação das músicas e vozes
na estação de trabalho digital (computador). O termo tracking diz respeito
à gravação de pistas (tracks), em que cada instrumento ou voz é gravado
individualmente. A gravação em multipistas é importante para o produtor
musical, pois lhe permite equalizar e ajustar cada item gravado e possibilita
gravar apenas um instrumento caso algo saia errado, economizando tempo
(GIBSON; CURTIS, 2019). Contudo, não é uma etapa meramente técnica, pois
representa para o editor um importante processo criativo, no qual é possível
realizar novas associações de instrumentos, incrementar a dinâmica sonora
e definir o aspecto emocional da cena.
Edição de imagem e som 11

Em vídeos institucionais e publicitários, mesmo que o editor conte com


diversos recursos tecnológicos para ajustar a narração, é importante que ela
soe natural e receba o mínimo de interferência.

Edição
A edição de som para produtos audiovisuais consiste no processo de organizar o
material gravado, os efeitos, as falas, entre outros itens sonoros, com a intenção
de produzir sentido para a audiência. Com o avanço dos programas digitais, a
etapa de edição possibilita uma infinidade de melhorias sonoras, mas não deve
substituir o processo criativo da composição e escolha das músicas diegéticas
e não diegéticas. A edição faz parte do processo de pós-produção, ou seja,
pressupõe que todo o áudio que será utilizado já foi gravado em multipistas,
seguindo as definições do roteiro. No caso de músicas, não é aconselhável
editar as cenas antes da inserção, pois pode gerar problemas de sincronia. A
edição de uma música não diegética não deve ser perceptível, ou seja, a música
não pode soar cortada.
A edição deve ser planejada em conjunto com o processo de tracking,
garantindo que todos os sons serão gravados no mesmo momento, sem exigir
novas datas de estúdio, de músicos ou de locutores. O primeiro item a obser-
var na edição de áudio é a organização dos arquivos. Depois de inseridas as
pistas na timeline, deve-se ajustar os tempos para que não reste instrumento
ou falas fora de sincronia. Em seguida, inicia-se o trabalho de limpeza dos
excessos de pistas de áudio e a seleção das melhores possibilidades sonoras
para sua produção.

Mixagem
O processo de mixagem tem como objetivo tornar clara a audição da variedade
de sons executados simultaneamente, além de valorizar, atenuar e fundir
aspectos sonoros relevantes para produzir a percepção sonora desejada. Para
muitos produtores e editores, esse estágio requer experiência e repertório para
solucionar problemas sonoros. O trabalho de mixagem exige tanto sensibilidade
artística quanto um grande conhecimento técnico, além de experiência de
mercado. A mixagem é o processo de combinar todos os instrumentos, falas
e sons que foram gravados em um arquivo estéreo, ou surround. Uma boa
mixagem amplia a percepção musical do ouvinte, permitindo soar melhor os
instrumentos e as dinâmicas musicais.
12 Edição de imagem e som

Aspectos essenciais para uma edição sonora eficiente


Com intuito de garantir a qualidade no processo de edição sonora, destacamos
a seguir alguns itens relevantes.

Utilização de software de edição sonora dedicado

Se você deseja ter mais recursos disponíveis para a edição de áudio do que
seu software de edição de vídeo pode fornecer, considere trabalhar com um
software de áudio dedicado e específico para a função. Em sua maioria, os
programas de edição de vídeo concentram-se principalmente nos recursos de
edição de imagens e podem ser limitados para trabalhos de médio e grande
porte no que se refere a som. Por sua vez, programas altamente especializados,
como o Sound Forge, proporcionam muito mais opções de edição de áudio. Se
você quiser ir além de duas trilhas de áudio em seus projetos, deve considerar
alternativas que trabalham com multipistas, como Pro Tools, Digital Performer
e Vegas Pro (VALLE, 2009).

Restauração de sons prejudicados por ruídos contínuos

São várias as circunstâncias de gravação que são prejudicadas com ruídos


contínuos, como o som de um ar condicionado, por exemplo. Um software
de restauração pode operar dentro do seu programa de edição como um
componente (plug-in) ou como um software independente. Ele pode ajudar
a reduzir situações problemáticas de áudio, como ruído de fundo, cliques,
estalos e barulho do vento. Além disso, zumbido de 60 ciclos (um termo
que os profissionais de áudio usam para se referir ao som desagradável
que a eletrônica às vezes produz), ruídos de baixa frequência e ruídos de
comutação caem na categoria de sons indesejáveis que um software de
restauração pode melhorar.

Aplicação de transições de áudio mais suaves e menos


perceptíveis

Tal como acontece com o vídeo, edições de áudio com cortes mais suaves ten-
dem a ser imperceptíveis quando executadas corretamente. Com um pouco de
prática, o editor é capaz de remover tosses indesejadas e outros sons estranhos
Edição de imagem e som 13

não planejados na gravação. Esse trabalho do editor de som é trabalhoso, pois


envolve cortar pequenos segmentos, aparar trechos e criar transições de áudio
que soem naturais para a audiência.

Equalização e mixagem para cada tipo de trabalho

Mixar adequadamente várias trilhas de áudio é um pouco mais complexo do que


simplesmente ajustar os níveis de volume e as transições entre elas. Cada elemento
no projeto audiovisual ficará em uma faixa de frequência diferente e deve ser
equalizado de acordo para preservar seu próprio espaço sônico quando combinado
com outros elementos. Diálogos, por exemplo, carregam pouco conteúdo de baixa
frequência e podem, portanto, ser “removidos” para evitar o acúmulo de baixa
frequência em outras trilhas (IZHAKI, 2010). Isso evita a interação desfavorável
com outro conteúdo de baixa frequência, como seus elementos musicais. A equa-
lização adequada pode fazer as vozes se destacarem, minimizar ruídos estranhos
e controlar um segmento de som excessivamente agudo, entre outros recursos.

Utilização adequada da reverberação

A reverberação ocorre quando o som é refletido em objetos e chega aos ouvidos


(ou dispositivos de gravação) em momentos diferentes. Se você souber adicionar
e personalizar efeitos de reverberação em um projeto audiovisual, abrirá uma
infinidade de opções criativas de edição de áudio. Uma opção, por exemplo, é usar
reverberação para replicar o som, produzindo eco na medida certa que seria encon-
trada no ambiente. Utilize sobras de reverberação para estender o som de uma cena
para outra em uma transição. Observe em filmes de ação e suspense a utilização do
reverb para criar camadas de suspense e identificar o ambiente para a audiência.

Cuidado com o looping sonoro

Em uma cena longa, é possível que a trilha sonora não seja extensa o suficiente
para cobri-la. Nesse caso, alguns editores utilizam o recurso de looping, ou
seja, a repetição de um trecho sonoro. Porém, esse recurso deve ser utilizado
com cautela, para que a audiência não perceba a repetição nem o corte, caso
contrário poderá gerar fadiga auditiva e criar uma previsibilidade inadequada
no audiovisual. Assim, tente depender o mínimo possível do looping para os
aspectos sonoros e evite o máximo que puder seu uso.
14 Edição de imagem e som

DANCYGER, K. Técnicas de edição para cinema e vídeo: história, teoria e prática. 4. ed.
Rio de Janeiro: Campus, 2007.
GIBSON, D.; CURTIS, M. The art of producing: how to create great audio projects. 2nd
ed. New York: Routledge, 2019.
IZHAKI, R. Mixing audio: concepts, pratices and tools. 2nd ed. Oxford: Focal press, 2010.
MASCELLI, J. V. Os cinco Cs da cinematografia: técnicas de filmagem. São Paulo: Sum-
mus, 2010.
VALLE, S. do. Manual prático de acústica. 3. ed. Rio de Janeiro: Música e Tecnologia, 2009.
ZETTL, H. Manual de produção de televisão. 12. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2011.

Leitura recomendada
EDGAR-HUNT, R.; MARLAND, J.; RAWLE, S. A linguagem do cinema. Porto Alegre: Book-
man, 2013.

Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun-
cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a
rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de
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sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.
TÓPICOS
CONTEMPORÂNEOS
DA COMUNICAÇÃO
SOCIAL
Formatos disruptivos
em áudio e vídeo
Jéssica de Cássia Rossi

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Identificar as novas vozes e personagens midiáticas.


>> Relacionar os dispositivos tecnológicos e os novos formatos de experi-
mentação.
>> Reconhecer os temas emergentes nos formatos contemporâneos.

Introdução
No contexto das tecnologias digitais, é possível que diferentes indivíduos sejam
agentes ativos na produção e disseminação de conteúdos que não se pautam
mais pelo interesse da mídia tradicional, mas sim dos próprios interesses que
essas pessoas possuem. Desse modo, novas vozes têm surgido, que passam a
reivindicar a discussão de temas que antes não eram pautados pelos meios de
comunicação tradicionais.
Nesse sentido, surgem então novas formas de produção de conteúdo de
áudio e vídeo, assim como novos usuários de mídia, que experimentam novos
formatos em que se discute assuntos relevantes para boa parte de um público
que nem sempre se viu representado nas plataformas midiáticas. Assim, o papel
de emissor da mensagem se amplia, possibilitando novas formas de experimen-
tação e abordagens nas plataformas digitais, em que todos se tornam emissores
e receptores da mensagem.
2 Formatos disruptivos em áudio e vídeo

Neste capítulo, você conhecerá um pouco mais sobre essas novas vozes e
personagens midiáticos possibilitados por novas tecnologias, além de identificar
como novos dispositivos permitem formas inovadoras de experimentação em
termos de comunicação. Por fim, verá muitos dos temas que são discutidos nesse
novo contexto, em consonância com interesses desse público midiático emergente.

Novas vozes e personagens midiáticas


As novas mídias redimensionaram as formas de comunicação no ambiente
contemporâneo, possibilitando mais acesso a informações e o crescimento de
produção de materiais e de formas de comunicação entre os indivíduos. Com
isso, eles podem se relacionar a partir de diferentes locais através de uma
estrutura de comunicação em rede, em que os participantes desse processo
podem ser simultaneamente emissores e receptores de informação a partir
de diferentes lugares de fala.
Essa estrutura se tornou possível graças principalmente à emergência da
internet, que na segunda metade do século XX vem reconfigurando as dinâmi-
cas sociais. À medida que a web foi se estruturando, tornou-se mais interativa
e democrática em sua participação, permitindo que indivíduos possam ser
autores de conteúdos próprios e que suas vozes sejam ecoadas. Tal situação
tem levado a uma nova relação entre os seres humanos e a tecnologia, o que
promove novos valores e comportamentos, configurando um novo contexto
cultural, chamado por alguns teóricos, como Martino (2014, p. 50), de cibercultura:

[...] um “ambiente eletrônico” para o qual convergem as diversas mídias e elemen-


tos produzidos por e através delas. No entanto, há um substrato comum a várias
ciberculturas: são culturas de consumo. Fazer parte da cibercultura é participar.

Considera-se que o cenário atual promove um ambiente mais democrático


de comunicação, permitindo que os sujeitos possam expressar suas crenças,
opiniões e conhecimentos sobre diversos assuntos. Além disso, promove novas
formas de interação entre culturas em âmbito individual e coletivo, o que forma
um ambiente cultural mais rico e diverso. Vale destacar que a cibercultura
promove a convergência midiática, que se estabelece por meio da ligação
entre veículos de comunicação, inteligência artificial e estímulo à participação.
Na convergência midiática, o público é convidado a “[...] procurar novas
informações e fazer conexões em meio a conteúdos de mídias dispersos
[...]” (JENKINS, 2009, p. 29-30). Por esse caminho, é possível que um material
disponibilizado em determinada plataforma também seja veiculado em ou-
Formatos disruptivos em áudio e vídeo 3

tras simultaneamente, alterando a lógica de produção da informação e do


entretenimento. Esse fenômeno não está relacionado diretamente à ligação
entre os aparelhos tecnológicos, e sim à capacidade cognitiva dos usuários,
suas conexões com outros participantes do ciberespaço e o intercâmbio de
informações que fomenta uma espécie de inteligência coletiva (JENKINS, 2009).
Dadas essas características, a função do receptor da comunicação se
redimensionou completamente, tornando-o atuante frente às informações
que recebe e àquelas que ele cria. Ao mesmo tempo, torna-se mais exigente
e crítico frente às mídias e à realidade ao seu redor, uma vez que está em
uma cultura participativa, cuja limitações e inatividade atribuídas ao público
receptor da cultura de massa não fazem mais sentido.
De acordo com Gonçalves e Silva (2015, p. 80), o “[...] sujeito on-line tem
ganhado voz na polifonia e no dialogismo dos múltiplos espaços da inter-
net; o crescimento desse universo, [...] [é] uma tendência muito significativa
para o exercício da democracia”. Tal situação exige que as plataformas de
comunicação encontrem novas maneiras de enxergar esses agentes, além
de modos para se relacionar com eles.
As redes sociais digitais representam um exemplo de espaços ocupados
por novas vozes que buscam se expressar e encontrar pertencimento em
grupos e suas relações. No caso do Brasil, as pessoas gostam de usar essas
plataformas, como aponta pesquisa da Qualibest (EQUIPE..., 2017, documento
on-line), que, em 2016, mostrou que as preferidas dos entrevistados eram:
“WhatsApp (81%) e Facebook (71%), sendo também as mais acessadas, em-
patando em 92%. [...] Em terceiro lugar o YouTube, com 82% dos acessos,
Messenger [do Facebook], com 71%, e Instagram, com 59%”.
Entretanto, é preciso observar que nem todos têm acesso aos dispositivos
tecnológicos. Mais do que ter um aparelho celular, por exemplo, o indivíduo pre-
cisa compreender o funcionamento desses dispositivos e ter alguma espécie de
renda para ser considerado incluído digitalmente. Dados do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE, 2020) apontam que 46 milhões de brasileiros
ainda não tinham acesso à internet no ano de 2018, principalmente na zona
rural. Entre os motivos estão: não saberem como usar as tecnologias, falta de
estrutura tecnológica para tal, falta de recursos financeiros, desinteresse, etc.
Levando-se em consideração os aspectos abordados em relação aos dis-
positivos de comunicação atuais, verifica-se a emergência de novos atores na
cena midiática. Algumas dessas vozes vêm pessoas que, de alguma forma, foram
excluídas econômica, cultural e politicamente de um contexto social ao longo da
história recente, como mulheres, negros, homossexuais, pessoas com deficiência,
residentes de periferias urbanas, indivíduos fora dos padrões de beleza, etc.
4 Formatos disruptivos em áudio e vídeo

Um exemplo dessas novas vozes é o canal do YouTube “Sá Ollebar


Preta Pariu”, em que a youtuber Sá Ollebar apresenta conteúdos
que passam por padrões sociais, receitas, maternidade, esportes, etc., temas
ligados ao seu dia a dia e que são comuns a muitas mulheres negras que se
identificam com sua voz. Seu canal no YouTube tem em torno de 75 mil inscritos,
com inúmeros vídeos sobre as temáticas escolhidas por Sá.

Na atualidade, o público não se deixa mais levar por aquilo que é pau-
tado pelas grandes mídias, e as pessoas procuram fontes de informações e
conexões que sejam de sua confiança ou preferência.

Enquanto a mídia massiva extrai seu poder da sensação de “todo mundo está
falando isso” subentendido em seu uníssono, as interfaces de usuários encon-
tram o seu poder na sensação de “meu amigo recomendou” ancorado na suposta
confiabilidade da fonte da informação (MALINI; ANTOUN, 2013, p. 158).

A credibilidade e a proximidade em relação à fonte de informação passam


a ter muito mais valor do que as grandes mídias, cujo papel e valores passam a
serem amplamente discutidos na sociedade em geral. Surgem novos agentes,
como os influenciadores digitais, como referência para as pessoas comuns
em diversos aspectos, que passam a adotar valores e hábitos estimulados
por esses novos líderes de opinião.
Conforme ocorrem as transformações na produção de conteúdos e nas
relações que envolvem os indivíduos no espaço midiático, novos atores surgem
para expressar sua visão nas plataformas digitais, ou seja, novos personagens
midiáticos que reconfiguram as formas de se produzir e discutir conteúdos
feitos por áudio e vídeo. Inúmeros materiais passam a serem produzidos por
pessoas comuns e que expressam seu olhar espontâneo frente à realidade,
fazendo emergir novos formatos de comunicação que captam temas e situ-
ações nem sempre exploradas pela mídia.

Novos formatos de experimentação


Diante de uma infinidade de recursos existentes, os novos agentes midiáticos
têm explorado novas ferramentas de comunicação de inúmeras formas. Já
não há mais receitas ou modos rígidos de produção de conteúdo, nem mesmo
padrões estanques de qualidade. Fatores como autenticidade, acessibilidade
Formatos disruptivos em áudio e vídeo 5

e identificação são alguns dos critérios mais valorizados pela audiência


contemporânea. Esses novos conteúdos também vêm ajudando profissionais
da comunicação, como jornalistas, a realizarem seu trabalho de forma mais
diversa e participativa na construção das informações.
Entre os formatos considerados mais populares de áudio estão os podcasts,
que podem ser consumidos em diferentes locais, muitas vezes com um nível
não tão alto de exigência de atenção. Os podcasts permitem a experimen-
tação de diferentes formatos e inúmeras oportunidades de monetização
(Figura 1). De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Opinião Pública
e Estatística (Ibope), 40% dos brasileiros já ouviram podcasts, e o consumo
desse formato no Brasil cresceu 67% em 2019 (QUAIS SÃO..., 2020). Diversas
pessoas os utilizam para a produção de conteúdo como influenciadores
digitais e empreendedores, mas também têm sido utilizado por empresas.
Algumas das plataformas digitais que disponibilizam podcasts, conhecidas
como agregadores de podcasts, são: SoundCloud, Spotify, Deezer, Google
Podcast, Apple Podcast e Castbox.

Figura 1. Podcasts são formatos de áudio explorados por personagens midiáticos que surfam
a onda de democratização dos meios de comunicação de massa.

Por sua vez, nos novos formatos em vídeo é possível utilizar o YouTube para
a produção por qualquer indivíduo que tenha um dispositivo de filmagem,
acesso à internet e algo para dizer. De acordo com a Pesquisa Video Vierwers,
6 Formatos disruptivos em áudio e vídeo

o YouTube vem garantindo cada vez mais presença na vida dos brasileiros,
tornando-se a plataforma favorita de quem assiste a conteúdos em vídeo, até
mesmo à frente da Netflix e da TV aberta e paga (MARINHO, 2018). Os vídeos
permitem que haja mais proximidade e confiança com seu público-alvo, já
que, muitas vezes, trata-se de uma pessoa comum que gera identificação com
a audiência. Vale destacar que o YouTube é a terceira rede social preferida
dos brasileiros, com 82% dos acessos (EQUIPE..., 2017).
No entanto, há outra plataforma de vídeo, o TikTok, cujo acesso vem
crescendo nos últimos anos, mas ainda é pouco explorado. Em entrevista,
Rodrigo Barbosa, gerente de comunidade do TikTok, afirmou:

Notamos o alto nível de criatividade na plataforma. Todas as idades estão aderindo


e inspirando outras pessoas por meio de suas experiências com o aplicativo. Temos
uma estratégia local forte, na qual incentivamos os usuários a criar conteúdo para
sua cultura e tendências regionais (OLIVEIRA, 2020, documento on-line).

Diante da concorrência, redes sociais digitais como Instagram tem ampliado


seu leque de recursos, disponibilizando a produção de vídeos curtos em
sua ferramenta Reels. Ao reproduzir vídeos criativos com áudios e efeitos, o
recurso tem despertado o interesse dos brasileiros, que também vêm experi-
mentando em produções com essa ferramenta. Ademais, novos dispositivos
tecnológicos permitiram que muitas pessoas se tornassem produtores de
informação, transformando a atividade jornalística e levando a um questio-
namento da exigência de graduação na área ou de registro profissional para
exercício da profissão. Por outro lado, isso coloca em xeque a credibilidade
do conteúdo disponibilizado pelos novos agentes informativos. Na realidade,
é preciso entender que ambos fazem parte desse novo cenário digital, todos
eles agentes participativos da rede de comunicação contemporânea.
As novas mídias ampliaram as oportunidades de atuação de empreen-
dedores individuais como jornalistas blogueiros, freelancers, entre outros.
Vale destacar também a possibilidade desses profissionais apresentarem
posicionamentos parciais, de acordo com seus valores, sem terem de ficar
engessados à pretensa neutralidade da atividade jornalística. Desse modo, o
trabalho jornalístico torna-se mais dinâmico, não sendo mais necessário muitos
profissionais e equipamentos, já que, por meio do acesso à informação e de
dispositivos como smartphones, pode-se produzir conteúdo de áudio e vídeo.
Na área jornalística, é possível elaborar e publicar acontecimentos co-
munitários aleatórios por meio de smartphones e outros dispositivos móveis
com conexão de internet rápida.
Formatos disruptivos em áudio e vídeo 7

Capazes de produzir e transmitir textos, áudios, fotos e vídeos com qualidade


técnica aceitável, os smartphones e tablets estão criando um novo repórter, o
denominado mobile journalist, e cidadãos cada vez mais interessados em parti-
cipar das notícias ou mesmo criar caminhos alternativos à imprensa tradicional
(CANAVILHAS; SANTANA, 2011, p. 54).

As tecnologias digitais possibilitaram novas práticas nas rotinas jornalís-


ticas, ao se produzir conteúdos de som e imagem e inovações no âmbito da
estética e da linguagem informativa. No entanto, ainda são usadas de forma
limitada pelos profissionais da área e com tratamento de conteúdo, para não
parecer que o material foi produzido em um aparelho portátil. Outro aspecto
relevante é que os cidadãos comuns, muitos deles donos das novas vozes
contemporâneas, podem contribuir e participar do processo de construção
da notícia. Essa presença torna o material mais genuíno, por abordar fatos
que envolvem o dia a dia dessas pessoas — o que outrora dificilmente era
veiculado pela mídia tradicional — seja por meio de um vídeo ou áudio gravado
por celular ou por cenas captadas em câmeras de segurança, retratando a
realidade sem filtros sobre uma situação de injustiça, violência ou crime.
Assim, a qualidade já não é um critério determinante para a produção de
conteúdos midiáticos, prevalecendo a participação democrática dos sujeitos, a
originalidade e a importância do conteúdo para o público-alvo da mensagem.

Novos tópicos nos formatos


contemporâneos
As diversas ferramentas tecnológicas contemporâneas, como redes sociais
digitais, aplicativos, sites, etc., aumentam as possibilidades de comunicação
entre os usuários dessas plataformas. A forma de consumir conteúdos altera-
-se significativamente, bem como a forma como passam a ser produzidos em
inúmeros formatos disponíveis, seja em áudio ou em vídeo. Por se tratar de
espaços mais comunitários e interativos, em que há liberdade de expressão,
novos assuntos ganham destaque entre os interlocutores digitais, promovendo
“um novo espaço da comunicação, inclusivo, transparente e universal, que é
levado a renovar profundamente as condições da vida pública no sentido de uma
maior liberdade e responsabilidade dos cidadãos [...]” (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 33).
A presença de novas vozes nas instâncias midiáticas, além de ter pos-
sibilitado a experimentação de novos formatos de produção de conteúdo,
trouxe à tona a discussão de temas até então poucos explorados pela mídia
tradicional. Novas vozes trazem consigo assuntos ligados à sua realidade
8 Formatos disruptivos em áudio e vídeo

social que, muitas vezes, estão relacionados a situações de dificuldades,


temas cotidianos, falta de recursos materiais ou financeiros, diferentes for-
mas de violência, a maneira como são estereotipados pela mídia ou pela
sociedade, exploração do meio ambiente, etc. Nesse sentido, um dos temas
vêm ganhando mais visibilidade em podcasts e vídeos, por exemplo, é o tema
da inclusão social. Mulheres, negros, pessoas com deficiência, homossexuais
e idosos têm reivindicado participação e representação de si próprios nos
novos formatos midiáticos.

Em meio à imersão do usuário das mídias digitais nesse ambiente no qual a circula-
ção de informação provoca uma constante necessidade de atualização e consumo de
conteúdo, podemos observar uma série de questões emergentes nesse cenário. Um
cenário no qual o usuário busca não somente informação, mas interação. Estamos
debruçados sobre uma vivência no ambiente virtual e no universo do audiovisual,
seja no âmbito das inovações e atualizações da linguagem, seja na efervescência
de conceitos e formas de produção de sentido (BERNARDAZZI; COSTA, 2017, p. 148).

A velocidade com que a informação é produzida e consumida exige que


os formatos midiáticos estejam constantemente em atualização, para acom-
panhar as demandas cada vez mais imediatas de consumo dos usuários de
mídia. Inicialmente, conforme esses espaços digitais foram surgindo, não se
conhecia ao certo suas possibilidades, e tampouco os limites que essas pla-
taformas encontrariam frente ao público internauta. O YouTube, por exemplo,
existente desde 2005, deu oportunidade aos seus usuários para utilizá-lo
de inúmeras maneiras, envolvendo, como apontam Burgess e Green (2009),
cultura popular, produção amadora e consumo criativo. Na época, muita
gente se perguntava se a plataforma serviria mais para o acesso aos produtos
culturais ou para seus usuários veicularem conteúdo próprio. No entanto, à
medida que essas tecnologias foram sendo incorporadas e conhecidas pelos
indivíduos, verificou-se que na realidade seus usos são diversos, seja para
consumo ou para a produção de informações.
Os novos dispositivos de áudio e vídeo se caracterizam por uma comu-
nicação mais segmentada, em que o público tem mais proximidade com os
temas abordados, identificando-se com os novos personagens midiáticos.
O YouTube, por exemplo:

[...] possibilita a divisão por nichos, onde não somente o jovem, mas também o
espectador do conteúdo no ambiente digital se sente confortável para consumir
no momento que achar mais adequado o conteúdo que lhe for de interesse. Dessa
maneira, os interessados por videogame consomem vídeos voltados para explica-
ção sobre jogos, pessoas que gostam de maquia­gem buscam truques e dicas de
beleza, entre diversas outras possibilidades (BERNARDAZZI; COSTA, 2017, p. 154).
Formatos disruptivos em áudio e vídeo 9

Cada segmento possibilita a emergência de temáticas que lhes são pró-


prias, sendo que aqueles usuários de mídia que conseguem captar esses
assuntos e transformá-los em conteúdo de áudio e vídeo atrativo para pessoas
desse grupo têm o potencial de ecoar as vozes de muitas pessoas que foram
silenciadas ou que não foram representadas por si próprias.

O público homossexual é um dos segmentos que mais vêm ganhando


voz na internet nos últimos anos, dada sua luta por respeito e inclusão
em diferentes espaços, como a mídia. Dessa forma, tem surgido uma série de
influenciadores digitais capazes de estabelecer proximidade e identificação
com esse público. Para conhecer alguns exemplos de produtores de conteúdo
considerados influenciadores digitais e que fazem sucesso com o público ho-
mossexual, consulte Giusti (2020).

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10 Formatos disruptivos em áudio e vídeo

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