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Crítica

23 de Novembro de 2006 ⋅ Estética

A teoria de Clive Bell acerca das obras de arte


Beryl Lake
Tradução de Vítor Silva

Interessa-me compreender que tipo de funções desempenham as asserções em estética.


Descreverão factos, como a asserção “A relva viva é verde”, factos esses que poderiam ser
diferentes, servindo por isso para refutá-las? Ou estabelecerão, como a asserção “A pantera
é um animal”, uma classificação em termos aprioristas, de tal maneira que “A arte é a forma
significante” é uma asserção irrefutável e insusceptível de ser confirmada por referência a
qualquer facto relativo às obras de arte?

O pressuposto habitual parece ser que uma teoria estética descreve a natureza da arte e da
experiência artística de um modo que não é muito diferente do modo como uma teoria
científica descreve a natureza dos fenómenos físicos; que uma teoria estética se baseia em
factos e é comprovada por factos, embora se trate de factos muito especiais e sagrados,
factos relativos à Arte. É este pressuposto que me interessa particularmente examinar.

[...]

Clive Bell é quem melhor sintetiza a sua própria teoria:

O ponto de partida de todos os sistemas de estética tem de ser a experiência pessoal de


uma emoção peculiar. Aos objectos que provocam esta emoção chamamos “obras de
arte”.1
[…] Esta emoção é chamada “emoção estética” e, se pudermos descobrir alguma qualidade
comum e peculiar de todos os objectos que a provocam, teremos solucionado o que
considero o problema central da estética. Teremos descoberto a qualidade essencial da
obra de arte […]2

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Esta qualidade essencial das obras de arte, estipula Bell, é a “forma significante”. O que
desperta as nossas emoções estéticas são certas relações entre formas, as próprias formas,
as linhas e as cores. Se perguntarmos que relações, etc., despertam essas emoções, a
resposta é: as significantes. E se perguntarmos: “Significantes de quê?”, a resposta é dada
pela “hipótese metafísica” de Bell: em última análise, significantes da realidade das coisas,
“[d]aquilo que confere a todas as coisas o seu significado individual, da coisa em si mesma,
da realidade última”.3

Primeiro, afirma-se que há emoções estéticas que apenas são despertadas pelas obras de
arte. Depois, afirma-se que o que é comum a todas as obras de arte, ou objectos que
despertam emoções estéticas, é a “forma significante”.

A asserção de que as pessoas sensíveis têm emoções estéticas é certamente empírica.


Podemos confirmá-la ou infirmá-la, perguntando às pessoas reconhecidamente sensíveis se
têm alguma emoção exclusiva das situações em que apreciam obras de arte. Não nos
interessa agora a verdade ou falsidade desta afirmação, mas apenas o seu tipo semântico,
isto é, o seu carácter empírico ou a priori. E a asserção parece empírica. Muitas pessoas
estão dispostas a admitir que há uma emoção estética, se bem que algumas gostassem de
acrescentar que esta não é suscitada apenas pelas obras de arte, mas também pelos objectos
naturais. Certamente que, mesmo que tivesse sido confrontado com desmentidos
constantes da existência da emoção estética, Clive Bell poderia continuar a afirmar, com
sinceridade, que ele próprio a tinha com frequência. Mesmo que não houvesse qualquer
outra, a sua experiência pessoal apoiaria a afirmação de que tais emoções existem
realmente e, de facto, muitos outros admitem ter emoções deste tipo. E também estamos
convencidos de que Bell diria que, se nunca tivesse tido tal experiência, a sua teoria estética
não teria surgido, porque insiste em que esta emoção pessoal é o ponto de partida. A teoria
de Bell parece, pois, ter aquilo a que podemos chamar os pés empíricos bem assentes no
chão. Mas, a partir daí, eleva-se àquilo a que podemos chamar alturas metafísicas [...].

O que é comum a todas as obras de arte ou objectos que despertam a emoção estética é a
forma significante. Bell nunca explica com clareza o que é a forma significante; a “hipótese
metafísica” sugere que não é apenas uma certa combinação (não especificada) de linhas e
cores. (Como é evidente, Bell interessa-se principalmente pela pintura.) Roger Fry, que
partilha a perspectiva de Bell, comentou que a forma significante é algo mais do que
padrões agradáveis, e por aí fora, mas que uma tentativa de explicação completa o
conduziria “às profundezas do misticismo”: “Detenho-me à beira desse abismo”. 4 Como
adverte o famoso comentário de Wittgenstein, “Acerca daquilo de que não se pode falar,
deve-se guardar silêncio”. 5

O que quer que seja a forma significante, as questões pertinentes são: “Que relevância tem
o ponto de vista segundo o qual ela é o denominador comum das obras de arte?” e “Em que
situação ficaria quem o negasse?”

Que é o mesmo que perguntar se o ponto de vista é empírico. Como poderia alguém
convencer Clive Bell de que as obras de arte (supondo, para facilitar o argumento, que têm
uma característica comum) não têm a forma significante por característica essencial, ou de
que nem sequer têm qualquer forma significante. Pode-se dizer que A Estação de
Paddington, de Frith, é uma obra de arte que, sendo puramente descritiva da realidade,
não tem forma significante, e que portanto a perspectiva de Bell é falsa. Mas sabemos qual
seria a resposta de Bell; ele próprio a dá. A Estação de Paddington não é uma obra de arte
precisamente porque não tem forma significante, precisamente porque é uma pintura
meramente descritiva.6 Os juízos críticos de Bell parecem estar de acordo com a sua teoria
estética. A propósito dos frequentes elogios que dirige a Cézanne, nas suas obras de crítica,
escreve Bell:

“Cézanne extasiou-me, antes mesmo de me ter apercebido de que a sua característica mais
determinante era a insistência na supremacia da forma significante. Quando me apercebi
de que assim era, a minha admiração por Cézanne e alguns dos seus seguidores
confirmou-me nas minhas teorias estéticas”.7
Bell deixa-se impressionar pelas qualidades formais das pinturas. Diz ele:

“O matemático puro, absorvido nos seus estudos, conhece um estado mental que presumo
que seja semelhante, se não mesmo idêntico [...] [ao da emoção estética despertada pela
forma significante]”. 8

Portanto, qualquer pintura que uma pessoa quisesse apontar como um exemplo de arte que
não tem forma significante seria recusada como obra de arte por esta mesma razão. Não é
possível apresentar qualquer exemplo de obra de arte que não tenha forma significante,
porque uma coisa que carecesse de forma significante não poderia ser considerada uma
obra de arte. A Estação de Paddington não tem forma significante; por isso, apesar da
crença popular no contrário, não é uma obra de arte. Da mesma maneira, uma vez que, na
opinião de Bell, não merece o título de “obra de arte”, A Estação de Paddington, não pode
ter forma significante. O resultado da teoria é que coisa alguma pode ser considerada uma
obra de arte, a menos que tenha forma significante. Começa a parecer que “As obras de arte
têm forma significante” funciona como “Os quadrados têm quatro lados”. Que “É uma obra
de arte” e “Tem forma significante” significam o mesmo, de modo que a segunda asserção
não explica que características deve uma coisa ter para ser considerada uma obra de arte,
excepto que deve ser uma obra de arte.

Evidentemente que quem quiser negar que todas as obras de arte têm forma significante
não será capaz de apresentar prova alguma que convença Bell. Pode apontar para um
Hogarth e dizer que carece de forma significante, mas é uma obra de arte. Ao que Bell
responderia que, ou tem forma significante, ou não é uma obra de arte. Pode apontar para
um Ben Nicholson — ou, já agora, para uma árvore — e dizer que tem forma significante,
mas não é uma obra de arte. Mas Bell está comprometido com o ponto de vista segundo o
qual, se algo possui forma significante, é uma obra de arte, e se algo é uma obra de arte, tem
forma significante. Uma vez adoptado este ponto de vista, nenhuma excepção é
teoricamente possível. Ora, esta impossibilidade não é característica de um ponto de vista
empírico.

Podemos imaginar a água a correr monte acima mas, de acordo com Bell, não podemos
sequer imaginar uma obra de arte que não tenha forma significante. Adoptar esta
concepção significa estipular que não chamamos “obra de arte” a nada a que não chamemos
também “forma significante”. [...] Parece que “Só aquelas pinturas, etc., que têm forma
significante são obras de arte” é uma asserção irrefutável, portanto não empírica, e
portanto, em certo sentido, a priori.

Evidentemente, frases como “As obras de arte têm forma significante” não expressam, em
linguagem comum, proposições a priori. Mas a verdade é que a expressão “forma
significante” não é uma expressão comum. Temos razões para supor que os filósofos da
estética têm, num certo sentido, uma linguagem especial, adaptada às finalidades das suas
próprias teorias. Por exemplo, Bell inventou esta expressão para estabelecer a sua tese de
que as obras de arte têm algo que é muito importante para ele. Mas a sua argumentação é
tal que se torna impossível apresentar um exemplo de uma coisa, mesmo que puramente
imaginária, que seja uma obra de arte mas careça de forma significante. [...]

Beryl Lake
“A Study of the Irrefutability of Two Aesthetic Theories”, de Beryl Lake, in Aesthetics and Language, ed. William
Elton (Oxford, 1959), pp. 100–130.

Notas
1. Clive Bell, Art (Londres, 1927), p. 6.
2. Ibid., p. 7.
3. Ibid., pp. 69-70.
4. Roger Fry, Vision and Design (Londres, 1920), p. 302.
5. Ludwig Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus (Londres, 1947), p. 189.
6. Bell, op.cit., pp. 17-18.
7. Ibid., pp. 40–41.
8. Ibid., p. 25.

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