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IHS Cavalaria A morte de Roland - Página 1 de 6

A morte de Roland

Fonte: Anônimo, “La Chanson de Roland”, Librairie Larousse, Paris, 1965.

O conde Roland atravessa os montes da Espanha, cavalgando em seu bom corcel


Veillantif. Lá vai o valente empunhando sua lança, cujo ferro aponta para o céu, e que
leva no alto um pendão branco, cujas pontas vêm bater-lhe as mãos. Roland tem porte
nobre, rosto claro e risonho. Segue-o Olivier, seu companheiro, e todos os francos
reconhecem Roland como seu protetor.
Lança ele um olhar ameaçador em direção dos sarracenos, e sobre os francos um
olhar doce e humilde, dizendo-lhes com grande cortesia: - “Senhores barões, cavalgai
lentamente, ao passo. Esses pagãos vêm de encontro a um imenso massacre!”
E Olivier diz: - “Combatei com fortaleza, senhores barões! Não penseis mais que
em atacar, e em dar golpe por golpe. Não esqueçamos o brado de guerra de Carlos
Magno”. Ao ouvir estas palavras, os francos bradam! Quem os ouvisse clamar:
Montjoie!, entenderia o que é a coragem.
Em seguida cavalgam - meu Deus, com quanta ufania! - e esporeiam com ardor
para avançar mais rápido. O sarraceno Aelroth cavalga o primeiro no exército pagão, e
cobre nossos francos de injúrias: -"Felões francos! Louco é o rei que vos deixou nestas
montanhas. Hoje a França perderá sua honra, e Carlos Magno seu braço direito”.
Quando Roland ouve isto, ah, que dor ele sente! Esporeia seu cavalo, lança-se à
rédea solta, e golpeia Aelroth com todas suas forças. Atravessa-lhe o escudo, desgarra a
loriga, abre seu peito, quebra seus ossos e corta sua espinha dorsal.
Com sua lança, arranca-lhe a alma do corpo. Ele crava o ferro tão fundo que
perfura o tronco, e derruba no chão o sarraceno, cujo pescoço ficou dividido em duas
metades. Mas Roland não deixa de increpá-lo: - “Vá pois, miserável! Carlos não é
louco, e a doce França não perderá hoje sua honra. Golpeai, ó francos, o primeiro golpe
é nosso!”

A batalha é imensa e maravilhosa!


O conde Roland ataca com sua lança, mas quinze golpes quebraram-na e
deixaram-na fora de uso. Ele desembainha então Durendal, sua boa espada, esporeia o
corcel e vai matar o sarraceno Chernuble; rompe-lhe o elmo onde brilham as pedrarias,
corta-lhe a cabeleira, os olhos, a face, a sua loriga branca de finas malhas, e todo o
corpo até a cintura. Através da sela, a lâmina penetra no cavalo e quebra-lhe a espinha,
abatendo juntamente homem e animal, sobre a erva verde.
E Roland diz: - “Maldito! Vieste aqui para tua desgraça. Maomé não te
socorrerá!” O conde Roland cavalga pelo campo de batalha, e empunha Durendal, que
bem corta e bem talha. Entre os sarracenos vai fazendo imenso massacre. Ó, se o
tivésseis visto jogando mortos uns sobre os outros, e o claro sangue cobrindo a terra!
Ensangüentados tem ele os braços, a loriga e o cavalo.
Olivier não é lento nos golpes, os doze pares não merecem censura alguma, e os
francos atacam com golpes redobrados. Os pagãos morrem, e muitos desmaiam. Olivier
corre através da melée; sua lança está partida; só resta lhe um toco, e com ele golpeia o
sarraceno Malon. Quebra-lhe o escudo, coberto de ouro e ornamentos, faz-lhe cair os
dois olhos da face, e o cérebro rola a seus pés; Olivier o derruba entre setecentos dos
seus. Depois mata Turin e Estorgous, mas o toco voa pelos ares, quebrando-se rente a
seu punho.
Roland exclama: - “O que fazeis, companheiro? Não precisamos de paus em
semelhante batalha; só o ferro e o aço valem alguma coisa. Onde está vossa espada, de
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nome Hauteclaire? A sua guarda é de ouro, e seu pomo é de cristal”. - “Não posso tirá-
la - responde Olivier -, pois muito ocupado estou em golpear!”
Mas o conde Olivier já tirou sua boa espada, que tanto reclamou seu
companheiro Roland, e mostra como dela se serve um bom cavaleiro. Golpeia um
pagão, Justin de Val Ferrée; corta-lhe em dois a cabeça e o corpo, a sela ornada de ouro
e pedrarias, e o próprio cavalo, abatendo no chão o animal e seu dono. E Roland diz: -
“Verdadeiramente, sois meu irmão! É por causa desses golpes que o Imperador nos
ama”.

Roland toca o olifante


A batalha é maravilhosa, entretanto é em extremo pesada. Os francos atacam
juntos, e os pagãos morrem às centenas e aos milhares. Quem não foge, nenhuma defesa
tem contra a morte; queira ou não, ali deixa sua vida. Mas os francos perdem seus
melhores combatentes. Eles não voltarão a ver nem pais nem parentes, nem Carlos
Magno, que os espera no alto dos montes.
Lá longe, na França, desata-se uma magnífica tempestade: tormenta de trovões e
vento, chuva e granizo em imensa quantidade, raios que caem sem cessar. Toda a terra
treme, do Mont Saint Michel até Colônia, de Besançon até o porto de Vissant. Não há
uma casa cujos muros não se quebrem; em pleno meio dia, as trevas são densas; não há
claridade, senão quando os relâmpagos fendem o céu. Todos se espantam, e muitos
dizem: “É o fim do mundo, a consumação dos séculos chegou!” Eles não sabem, nem
dizem a verdade; é o grande luto pela morte de Roland.
Um sarraceno de Saragoça, chamado Climborin, montando um cavalo mais
veloz que as andorinhas, esporeia-o e solta-lhe a rédea, correndo em direção ao conde
Engelier de Gascogne. Nem o escudo nem a loriga podem protegê-lo, e recebe no peito
a ponta da lança. O ferro o atravessa, e cai morto na planície. Os francos dizem: -“Ó
Deus, que desgraça, perder um tal cavaleiro!”
O conde Roland chama então Olivier: - “Senhor companheiro, eis que Engelier
está morto; não tínhamos cavaleiro mais valente”. O barão responde: - “Que Deus me
conceda a vingança!” Com as esporas de ouro estimula seu cavalo, e levanta
Hauteclaire; o aço reluz. Com todas suas forças vai golpear o pagão. A lâmina ergue-se
no ar, o pagão cai; os demônios levam sua alma. Depois matou Alfaien, cortou a cabeça
de Escarabi e derrubou seis árabes. Roland diz: - “Meu companheiro está irado. Por
esses golpes, Carlos nos ama ainda mais. Ao ataque, cavaleiros!”
Ah! Se tivésseis visto Roland e Olivier desferindo terríveis golpes de espada!
Pode-se saber o número dos que eles mataram? Está escrito em documentos e em cartas.
Diz a Gesta: mais de quatro milhares.
Nos quatro primeiros assaltos os francos levam vantagem, mas o quinto pesa-
lhes em extremo: mortos estão todos os cavaleiros francos, exceto sessenta, que Deus
reservou. E estes, antes de morrer, venderão muito caro suas vidas.
O conde Roland vê a grande mortandade dos seus, e chama seu companheiro
Olivier: -“Nobre senhor, querido companheiro! Em nome de Deus, o que pensais disto?
Vede quantos bons vassalos jazem por terra. Compadeçamo-nos da França, a doce, a
bela, que de tais barões está deserta. Ah, senhor rei, amado nosso! Por que não estais
aqui?
- “Olivier, meu irmão, o que poderemos fazer? De que maneira lhe enviaremos
notícias? Responde Olivier: - “Não sei! Antes morrer que cair na desonra!” Então diz
Roland: - “Tocarei o olifante! Ouvi-lo-á Carlos, no alto das montanhas. Eu vos prometo:
os francos voltarão!
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Carlos Magno retorna a “Roncesvaux”


O conde Roland, com pena e com esforço, com grande dor, toca seu olifante. De
seus lábios jorra o sangue claro, na sua fronte as têmporas se rompem; o som do olifante
é potente, e seu eco se estende a trinta léguas.
Ouviu-o o rei Carlos no alto das montanhas, e disse: - “Eis que ouço o olifante
de Roland; não soaria se não estivesse em pleno combate”. Responde Ganelon:
-"Batalha não há! Vós estais velho, florido e encanecido, e com tais palavras pareceis
um menino. Bem conheceis o orgulho de Roland! Por causa de uma lebre, ele é capaz
de tocar o olifante durante um dia inteiro; certamente brinca ele com seus pares. E
quem, sob o céu, ousaria apresentar-lhe batalha? Cavalgai pois! Por que vos detendes?
Muitas terras deveis ainda percorrer”.
O conde Roland tem os lábios ensangüentados, e na sua fronte romperam-se as
têmporas. Novamente toca o olifante, com angústia e com dor. Carlos o escuta, e seus
francos também. Então diz o rei: - “Esse corno tem grande fôlego”. Responde o duque
Naimes: - “Um barão está em terrível angustia. Digo-vos com certeza: trava-se batalha!
Aquele que vos aconselha é um traidor. Armai-vos, lançai vosso brado de guerra e
socorrei vossa mesnada! Pois aquilo que escutais é o lamento de Roland”.
Altos são os montes, tenebrosos e grandes; profundos são os vales e rápidas as
torrentes! Soam as trombetas na vanguarda e na retaguarda, e todos respondem ao apelo
do olifante. O Imperador cavalga com imenso furor, e os francos estão cheios de cólera
e de dor; não há um que não chore e se lamente. Eles pedem a Deus que proteja Roland
até que eles cheguem ao campo de batalha. Junto a ele, desferirão fortes golpes.
Mas de que serve tudo isto? De nada! Tardaram demais, e não podem chegar a
tempo. O rei faz prender o conde Ganelon, e entrega-o aos homens de sua cozinha, cujo
chefe se chama Begon, dizendo: - “Guardai-o como felão! Ele traiu minha mesnada”.
Begon o recebe, e põe junto dele cem moços da cozinha. Arrancam-lhe os bigodes e a
barba; cada um lhe dá quatro socos, e golpeiam-no duramente com troncos e paus.
Põem-lhe uma corrente ao pescoço, como fariam a um urso, e colocam-no
ignominiosamente sobre um cavalo de carga. Assim o guardam até o momento de
devolvê-lo a Carlos.

Morte de Olivier
Com seu olhar, Roland percorre montes e colinas. Tantos francos ele vê jazendo
mortos, que chora como nobre cavaleiro: - “Senhores barões, que Deus vos faça mercê!
Que Ele vos acolha no Paraíso! Que ele vos coloque entre suas santas flores! Jamais vi
vassalos melhores do que vós! Ó terra de França, país tão doce! Terrível calamidade vos
sepulta na tristeza! Barões francos, vejo-vos morrer por mim; não posso proteger-vos!
Olivier, meu irmão, morrerei de dor se alguém não me matar. Senhor companheiro,
voltemos e ataquemos!”
O conde Roland retorna ao campo de batalha; leva Durendal, e golpeia como
valente. Corta em dois o sarraceno Faldron e vinte e quatro dos mais famosos pagãos.
Jamais homem algum teve tanto ardor na vingança! Como os cervos diante do cão,
assim fogem os pagãos diante de Roland.
Os francos atacam novamente, intrépidos como leões, mas há grande
mortandade de cristãos. Eis que o rei Marsil golpeia Bevon, senhor de Dijon, e abate-o
morto; depois mata Ivoire e Ivon, e com eles Girard de Rousillon. O conde Roland
aproxima-se dele, e diz: - “Que o Senhor Deus te amaldiçoe, pois mataste meus
companheiros! Tu o pagarás antes que nos separemos, e conhecerás hoje o nome de
minha espada”.
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Como nobre barão vai golpeá-lo, e arranca-lhe a mão direita. Depois corta a
cabeça de seu filho Jurfaleu. Entretanto, o sarraceno Marganiz golpeia Olivier pelas
costas, quebrando as malhas de sua loriga branca, e a ponta da lança sai pelo meio de
seu peito. - “Jamais Carlos poderá alegrar-se! - diz o sarraceno - pois com a tua morte
vinguei a de todos os nossos!”
Olivier sente-se mortalmente ferido, mas ergue sua espada Hauteclaire, cujo aço
é brunido, e golpeia Marganiz em seu elmo pontudo e dourado. Florões e pedrarias
caem por terra; Olivier fende-lhe a cabeça até os dentes, sacode a lâmina dentro da
ferida, e mata-o. Depois diz: - “Maldito sejas, pagão! Não irás gabar-te em teu reino!”
Olivier jamais se cansará de vingar-se: no mais compacto da multidão ele se
atira, talhando lanças e escudos, pés e mãos, selas e troncos humanos. Quem o visse
despedaçando os pagãos, jogando cadáver sobre cadáver, saberia o que é um bom
vassalo!
“Montjoie!”, brada ele com voz alta e clara, e clama por Roland, seu amigo e seu
par: - “Senhor companheiro, vinde a mim! Com grande dor havemos de nos separar!”
Olivier está ferido de morte, e seus olhos se turvam. Nem de perto nem de longe
consegue ele distinguir um homem. Quando se encontra em face de seu fiel
companheiro, desfere-lhe um golpe tão violento que fende seu elmo até o nasal.
Ao receber a espadagada, Roland pergunta-lhe doce e suavemente: - “Senhor
companheiro, sou eu, Roland, que tanto vos ama!” Olivier diz: - “Agora vos escuto, mas
não vos vejo. Que o Senhor Deus vos veja! Eu vos golpeei? Perdoai-me!” Roland
responde: - “Não me fizestes mal. Perdôo-vos aqui diante de Deus”.
Com estas palavras, inclinam-se um diante do outro, e separam-se para sempre.
Olivier sente a morte próxima. Os olhos giram em sua cabeça, perde inteiramente a vista
e o ouvido; deixa seu cavalo, e estende-se por terra.
Em voz alta e firme clama suas culpas; eleva ao Céu suas mãos postas, e pede a
Deus que lhe abra o Paraíso, que abençoe Carlos e a doce França, e sobretudo Roland
seu companheiro. Falha-lhe o coração, seu elmo rola, todo o seu corpo cai por terra. O
conde está morto.

Vingança de Roland
O valente Roland chora e se aflige. Jamais vereis na Terra um homem tão triste.
Roland está irado, e atira-se no mais forte da melée. Abate vinte mouros da Espanha,
mas o inimigo volta ao assalto por todos os lados. O conde combate nobremente, mas
sente terríveis dores na cabeça, pois suas têmporas se romperam quando soprou o corno.
Entretanto, ele quer saber se Carlos voltará: toma o olifante, e sopra-o debilmente.
O Imperador deteve-se e escutou. - “Senhores - diz ele -, neste dia, meu sobrinho
Roland nos deixa. Pelo som do corno compreendo que ele já não viverá. Quem quiser
estar lá, apresse seu cavalo! Tocai todas as trombetas do exército!” Sessenta mil clarins
soam tão alto, que os montes ecoam e os vales respondem.
Os pagãos escutam e compreendem. Dizem uns aos outros: - “Carlos já vem
sobre nós!” Lamentam-se os sarracenos: - “Destinados fomos para a desgraça! Que dia
nefasto para nós! Perdemos nossos melhores guerreiros, e eis que volta Carlos, o
valente! Já se ouve o claro som das trombetas dos francos! Imenso é o clamor de seu
brado Montjoie! O conde Roland é tão intrépido que nenhum mortal poderá vencê-lo
jamais. Atiremos flechas contra ele, e fujamos daqui!”
Quatrocentos deles se reúnem, e assaltam duramente Roland. O conde, ao vê-los
chegar, ergue-se magnífico e forte, corajoso e ardente. Não cederá enquanto estiver
vivo! Lançam-lhe dardos e flechas, lanças e azagaias. Atravessam e quebram seu
escudo, rasgam e destroçam sua loriga, mas não conseguem atingir seu corpo. Trinta
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golpes ferem o cavalo Veillantif, abatendo o por terra. Os pagãos fogem e abandonam o
campo de batalha. O conde não pode persegui-los, pois está desmontado.
Roland percorre o campo, e encontra seu companheiro Olivier. Sobre um escudo
ele o coloca, e redobra seus prantos: - “Nobre companheiro Olivier! Para quebrar lanças
e atravessar escudos, para vencer e esmagar os orgulhosos, para ajudar e aconselhar os
valentes, e para perseguir os maus, não existiu na terra melhor cavaleiro que vós”.

Morte de Roland
Roland sente a morte próxima. Pelos ouvidos afora escorre lhe o cérebro. Por
seus pares ele reza, pedindo que Deus os acolha. Para si, implora a ajuda do Anjo
Gabriel. Toma seu olifante numa mão e Durendal, sua espada, na outra. À distância de
um tiro de besta, ele caminha em direção à Espanha, e sobe a uma colina. Lá, sob a
ramagem de duas belas árvores, há quatro rochedos de mármore. Ele cai ali, sobre a
erva verde, e desmaia, pois a morte está próxima.
Altos são os montes e altíssimas as árvores. O conde Roland está estendido por
terra, e eis que um sarraceno o espreita: ele fingiu estar morto e jazia com os outros.
Erguendo-se, aproxima-se; seu orgulho leva-o a empreender aquilo que será sua morte.
Ele toma as armas de Roland, exclamando: - “Vencido está o sobrinho de Carlos! Eis a
espada que eu levarei para a Arábia!”
Mas o conde volta a si, ao sentir que lhe roubam a espada. Abre os olhos e diz: -
“Tu não és dos nossos!” Empunha o olifante, que jamais quis abandonar, e golpeia o
sarraceno em seu elmo dourado. Quebra-lhe o aço, a cabeça e os ossos; os dois olhos
saem da cabeça. A seus pés cai morto o pagão. E diz o conde: - “Maldito sarraceno,
como ousaste levantar tua mão contra mim? Serás chamado de louco”.
Então Roland sente que perdeu a vista, e com grande esforço ergue-se de pé. Na
sua face desaparecem as cores. Diante dele há uma rocha de ágata escura que
furiosamente golpeia com a espada, por dez vezes. O aço geme, mas não se quebra nem
se fende. Quando o conde vê que ela não se quebrará, lamenta-se com doçura: - “Ah,
Santa Maria, ajudai-me! Ah, Durendal, minha boa espada, como és bela e santa, clara e
branca! Como reluzes ao sol!
Quantas relíquias há em teu pomo dourado! Um dente de São Pedro, sangue de
São Basílio, cabelos de Monseigneur Saint Denis, um pedaço das vestes de Santa
Maria! Que desgraça te espera? Já que eu morro, de ti não mais cuidarei. Tantas
batalhas campais eu ganhei, graças a ti! Tantas vastas terras eu conquistei para Carlos, o
rei da barba florida! Que não te possua nenhum homem capaz de fugir! Ó Deus, nosso
Pai, não permitais que a França sofra uma tal vergonha!”
Roland sente que a morte o invade, e que ela vai descendo da cabeça para o
coração. Aos pés de um pinheiro ele se deita de bruços, sobre a erva verde. Põe embaixo
de si a espada e o olifante, e mantém a sua face voltada para os pagãos. Assim o fez,
pois deseja verdadeiramente que Carlos diga: “O nobre conde morreu conquistando”. O
conde Roland está por terra. Muitas coisas vêm-lhe à memória: tantas terras por ele
conquistadas, a doce França, os homens de sua linhagem, Carlos Magno, seu senhor.
Não pode conter o pranto e os suspiros. Mas também não esquece de si mesmo:
clama suas culpas e pede a Deus perdão: - “Ó Pai verdadeiro, que ressuscitastes Lázaro
dentre os mortos e protegestes Daniel contra os leões, livrai minha alma de todo perigo,
pelos pecados que em minha vida cometi!” A Deus oferece seu guante direito, e São
Gabriel recebe-o em suas mãos. Com as mãos postas, aproxima-se do fim. Deus lhe
envia seu Anjo Querubim, e com ele, São Miguel Arcanjo; junto aos dois, veio também
São Gabriel. Ao Paraíso eles levam a alma do conde.
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Carlos Magno vinga Roland


Roland morreu. Deus recebe sua alma nos Céus. E a Roncesvales chega Carlos o
Imperador. Não há caminho, nem sendeiro, nem canto de terra vazio. Impossível é
andar dois passos sem encontrar um sarraceno ou um franco jazendo.
Carlos exclama: - “Onde estais, nobre sobrinho? Onde está o conde Olivier?
Onde estão Gérin e Gérier? Onde está Oton, e o conde Bérenguer? Ivon e Ivoire, que eu
tanto amava? O que sucedeu ao gascão Engelier? E o valente Anséis? Onde está Girard
de Rousillon? Os doze pares que aqui deixei?” Mas ninguém responde. -"Ó Deus - diz o
rei -, tenho grande desolação por não haver estado aqui desde o início da batalha!” E
puxa sua barba como um homem irritado. Os cavaleiros francos choram, lamentando a
morte de Roland.
O duque Naimes agiu como valente; foi o primeiro a dizer ao Imperador: -
“Olhai a poeira dos caminhos, à distância de duas léguas. Cobertos estão pela canalha
sarracena. Cavalgai, pois! Vingai a vossa dor!” - “Ó Deus! - diz Carlos – Devolvei-me o
meu direito e a minha honra! Da doce França roubaram-me a flor!” O Imperador faz
tocar as trombetas, e cavalga com seu grande exército. Todos juntos vão perseguir os
sarracenos da Espanha.
Quando o rei vê a tarde declinar, desce de seu cavalo, numa pradaria, e
prosterna-se sobre a erva verde. Pede a Nosso Senhor que detenha o percurso do sol,
que prolongue o dia e faça tardar a noite. Então um Anjo, que tinha o costume de falar-
lhe, deu lhe esta ordem: - “Cavalga, ó Carlos, pois a luz não te faltará. Perdeste a flor da
França, Deus o sabe, mas podes vingar-te da canalha criminosa!” Ao ouvir estas
palavras, o Imperador monta a cavalo.
Deus fez uma imensa maravilha em favor de Carlos Magno: eis que o sol
interrompe seu percurso. Os pagãos fogem, mas os francos perseguem-nos com firmeza
e alcançam-nos no Vale Tenebroso. Ali os atacam e vão empurrando-os em direção a
Saragoça. Golpeiam e massacram, cortam-lhes os caminhos e as estradas largas. Ei-los
diante das águas do rio Sebro; são profundas, e a correnteza é magnificamente violenta.
Não há barcas nem navios.
Os pagãos invocam seus deuses e pulam nas águas, mas não recebem socorro
algum! Aqueles que estão mais armados vão logo ao fundo, e são numerosos! Os outros
flutuam na correnteza; os menos infelizes beberam tanta água que se afogam, com
imensa angústia. O rei Carlos, ao ver que todos os sarracenos foram mortos e afogados,
desce do cavalo, prosterna-se em terra e dá graças a Deus. Quando se reergue, o sol já se
escondeu.
Depois de cumprir sua vingança e fazer justiça, o Imperador repousa na pradaria,
e põe a lança junto à sua cabeceira. Não quer desarmar-se essa noite, e dorme revestido
de sua grande loriga, de seu elmo ornado com ouro e pedrarias, e cingido de sua espada
Joyeuse, que não tem semelhante, e que muda de reflexos trinta vezes por dia.
Pela graça de Deus, Carlos possui o ferro da lança com a qual Nosso Senhor foi
transpassado na Cruz, e fê-lo encastoar no pomo dourado de sua espada. Ela foi
chamada Joyeuse, por causa desta honra e desta graça.
Seus barões não o esquecem, e deste nome tiraram seu brado de guerra:
Montjoie! E por isso nenhum povo pode resistir-lhes.

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