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A morte de Roland
nome Hauteclaire? A sua guarda é de ouro, e seu pomo é de cristal”. - “Não posso tirá-
la - responde Olivier -, pois muito ocupado estou em golpear!”
Mas o conde Olivier já tirou sua boa espada, que tanto reclamou seu
companheiro Roland, e mostra como dela se serve um bom cavaleiro. Golpeia um
pagão, Justin de Val Ferrée; corta-lhe em dois a cabeça e o corpo, a sela ornada de ouro
e pedrarias, e o próprio cavalo, abatendo no chão o animal e seu dono. E Roland diz: -
“Verdadeiramente, sois meu irmão! É por causa desses golpes que o Imperador nos
ama”.
Morte de Olivier
Com seu olhar, Roland percorre montes e colinas. Tantos francos ele vê jazendo
mortos, que chora como nobre cavaleiro: - “Senhores barões, que Deus vos faça mercê!
Que Ele vos acolha no Paraíso! Que ele vos coloque entre suas santas flores! Jamais vi
vassalos melhores do que vós! Ó terra de França, país tão doce! Terrível calamidade vos
sepulta na tristeza! Barões francos, vejo-vos morrer por mim; não posso proteger-vos!
Olivier, meu irmão, morrerei de dor se alguém não me matar. Senhor companheiro,
voltemos e ataquemos!”
O conde Roland retorna ao campo de batalha; leva Durendal, e golpeia como
valente. Corta em dois o sarraceno Faldron e vinte e quatro dos mais famosos pagãos.
Jamais homem algum teve tanto ardor na vingança! Como os cervos diante do cão,
assim fogem os pagãos diante de Roland.
Os francos atacam novamente, intrépidos como leões, mas há grande
mortandade de cristãos. Eis que o rei Marsil golpeia Bevon, senhor de Dijon, e abate-o
morto; depois mata Ivoire e Ivon, e com eles Girard de Rousillon. O conde Roland
aproxima-se dele, e diz: - “Que o Senhor Deus te amaldiçoe, pois mataste meus
companheiros! Tu o pagarás antes que nos separemos, e conhecerás hoje o nome de
minha espada”.
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Como nobre barão vai golpeá-lo, e arranca-lhe a mão direita. Depois corta a
cabeça de seu filho Jurfaleu. Entretanto, o sarraceno Marganiz golpeia Olivier pelas
costas, quebrando as malhas de sua loriga branca, e a ponta da lança sai pelo meio de
seu peito. - “Jamais Carlos poderá alegrar-se! - diz o sarraceno - pois com a tua morte
vinguei a de todos os nossos!”
Olivier sente-se mortalmente ferido, mas ergue sua espada Hauteclaire, cujo aço
é brunido, e golpeia Marganiz em seu elmo pontudo e dourado. Florões e pedrarias
caem por terra; Olivier fende-lhe a cabeça até os dentes, sacode a lâmina dentro da
ferida, e mata-o. Depois diz: - “Maldito sejas, pagão! Não irás gabar-te em teu reino!”
Olivier jamais se cansará de vingar-se: no mais compacto da multidão ele se
atira, talhando lanças e escudos, pés e mãos, selas e troncos humanos. Quem o visse
despedaçando os pagãos, jogando cadáver sobre cadáver, saberia o que é um bom
vassalo!
“Montjoie!”, brada ele com voz alta e clara, e clama por Roland, seu amigo e seu
par: - “Senhor companheiro, vinde a mim! Com grande dor havemos de nos separar!”
Olivier está ferido de morte, e seus olhos se turvam. Nem de perto nem de longe
consegue ele distinguir um homem. Quando se encontra em face de seu fiel
companheiro, desfere-lhe um golpe tão violento que fende seu elmo até o nasal.
Ao receber a espadagada, Roland pergunta-lhe doce e suavemente: - “Senhor
companheiro, sou eu, Roland, que tanto vos ama!” Olivier diz: - “Agora vos escuto, mas
não vos vejo. Que o Senhor Deus vos veja! Eu vos golpeei? Perdoai-me!” Roland
responde: - “Não me fizestes mal. Perdôo-vos aqui diante de Deus”.
Com estas palavras, inclinam-se um diante do outro, e separam-se para sempre.
Olivier sente a morte próxima. Os olhos giram em sua cabeça, perde inteiramente a vista
e o ouvido; deixa seu cavalo, e estende-se por terra.
Em voz alta e firme clama suas culpas; eleva ao Céu suas mãos postas, e pede a
Deus que lhe abra o Paraíso, que abençoe Carlos e a doce França, e sobretudo Roland
seu companheiro. Falha-lhe o coração, seu elmo rola, todo o seu corpo cai por terra. O
conde está morto.
Vingança de Roland
O valente Roland chora e se aflige. Jamais vereis na Terra um homem tão triste.
Roland está irado, e atira-se no mais forte da melée. Abate vinte mouros da Espanha,
mas o inimigo volta ao assalto por todos os lados. O conde combate nobremente, mas
sente terríveis dores na cabeça, pois suas têmporas se romperam quando soprou o corno.
Entretanto, ele quer saber se Carlos voltará: toma o olifante, e sopra-o debilmente.
O Imperador deteve-se e escutou. - “Senhores - diz ele -, neste dia, meu sobrinho
Roland nos deixa. Pelo som do corno compreendo que ele já não viverá. Quem quiser
estar lá, apresse seu cavalo! Tocai todas as trombetas do exército!” Sessenta mil clarins
soam tão alto, que os montes ecoam e os vales respondem.
Os pagãos escutam e compreendem. Dizem uns aos outros: - “Carlos já vem
sobre nós!” Lamentam-se os sarracenos: - “Destinados fomos para a desgraça! Que dia
nefasto para nós! Perdemos nossos melhores guerreiros, e eis que volta Carlos, o
valente! Já se ouve o claro som das trombetas dos francos! Imenso é o clamor de seu
brado Montjoie! O conde Roland é tão intrépido que nenhum mortal poderá vencê-lo
jamais. Atiremos flechas contra ele, e fujamos daqui!”
Quatrocentos deles se reúnem, e assaltam duramente Roland. O conde, ao vê-los
chegar, ergue-se magnífico e forte, corajoso e ardente. Não cederá enquanto estiver
vivo! Lançam-lhe dardos e flechas, lanças e azagaias. Atravessam e quebram seu
escudo, rasgam e destroçam sua loriga, mas não conseguem atingir seu corpo. Trinta
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golpes ferem o cavalo Veillantif, abatendo o por terra. Os pagãos fogem e abandonam o
campo de batalha. O conde não pode persegui-los, pois está desmontado.
Roland percorre o campo, e encontra seu companheiro Olivier. Sobre um escudo
ele o coloca, e redobra seus prantos: - “Nobre companheiro Olivier! Para quebrar lanças
e atravessar escudos, para vencer e esmagar os orgulhosos, para ajudar e aconselhar os
valentes, e para perseguir os maus, não existiu na terra melhor cavaleiro que vós”.
Morte de Roland
Roland sente a morte próxima. Pelos ouvidos afora escorre lhe o cérebro. Por
seus pares ele reza, pedindo que Deus os acolha. Para si, implora a ajuda do Anjo
Gabriel. Toma seu olifante numa mão e Durendal, sua espada, na outra. À distância de
um tiro de besta, ele caminha em direção à Espanha, e sobe a uma colina. Lá, sob a
ramagem de duas belas árvores, há quatro rochedos de mármore. Ele cai ali, sobre a
erva verde, e desmaia, pois a morte está próxima.
Altos são os montes e altíssimas as árvores. O conde Roland está estendido por
terra, e eis que um sarraceno o espreita: ele fingiu estar morto e jazia com os outros.
Erguendo-se, aproxima-se; seu orgulho leva-o a empreender aquilo que será sua morte.
Ele toma as armas de Roland, exclamando: - “Vencido está o sobrinho de Carlos! Eis a
espada que eu levarei para a Arábia!”
Mas o conde volta a si, ao sentir que lhe roubam a espada. Abre os olhos e diz: -
“Tu não és dos nossos!” Empunha o olifante, que jamais quis abandonar, e golpeia o
sarraceno em seu elmo dourado. Quebra-lhe o aço, a cabeça e os ossos; os dois olhos
saem da cabeça. A seus pés cai morto o pagão. E diz o conde: - “Maldito sarraceno,
como ousaste levantar tua mão contra mim? Serás chamado de louco”.
Então Roland sente que perdeu a vista, e com grande esforço ergue-se de pé. Na
sua face desaparecem as cores. Diante dele há uma rocha de ágata escura que
furiosamente golpeia com a espada, por dez vezes. O aço geme, mas não se quebra nem
se fende. Quando o conde vê que ela não se quebrará, lamenta-se com doçura: - “Ah,
Santa Maria, ajudai-me! Ah, Durendal, minha boa espada, como és bela e santa, clara e
branca! Como reluzes ao sol!
Quantas relíquias há em teu pomo dourado! Um dente de São Pedro, sangue de
São Basílio, cabelos de Monseigneur Saint Denis, um pedaço das vestes de Santa
Maria! Que desgraça te espera? Já que eu morro, de ti não mais cuidarei. Tantas
batalhas campais eu ganhei, graças a ti! Tantas vastas terras eu conquistei para Carlos, o
rei da barba florida! Que não te possua nenhum homem capaz de fugir! Ó Deus, nosso
Pai, não permitais que a França sofra uma tal vergonha!”
Roland sente que a morte o invade, e que ela vai descendo da cabeça para o
coração. Aos pés de um pinheiro ele se deita de bruços, sobre a erva verde. Põe embaixo
de si a espada e o olifante, e mantém a sua face voltada para os pagãos. Assim o fez,
pois deseja verdadeiramente que Carlos diga: “O nobre conde morreu conquistando”. O
conde Roland está por terra. Muitas coisas vêm-lhe à memória: tantas terras por ele
conquistadas, a doce França, os homens de sua linhagem, Carlos Magno, seu senhor.
Não pode conter o pranto e os suspiros. Mas também não esquece de si mesmo:
clama suas culpas e pede a Deus perdão: - “Ó Pai verdadeiro, que ressuscitastes Lázaro
dentre os mortos e protegestes Daniel contra os leões, livrai minha alma de todo perigo,
pelos pecados que em minha vida cometi!” A Deus oferece seu guante direito, e São
Gabriel recebe-o em suas mãos. Com as mãos postas, aproxima-se do fim. Deus lhe
envia seu Anjo Querubim, e com ele, São Miguel Arcanjo; junto aos dois, veio também
São Gabriel. Ao Paraíso eles levam a alma do conde.
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