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Keywords: Schopenhauer, Arthur; Moral; Ethics; Right; Natural Rights; State; Politics;
Human Rights;
Zusammenfassung
Das Hauptziel dieser Forschung ist die Fragestellung über die mögliche
Aktualität des Autors des Werkes Die Welt als Wille und Vorstellung, Arthur
Schopenhauer (1788-1860), in den Bereichen der Moral, Ethik, Politik und Rechtes zu
konzipieren, hauptsächlich in Bezug zu einer bestimmten Angelegenheit, in der diese
vier Bereiche scheinbar verflechtet sind, nämlich die Menschenrechte.
Dieser Einsatz umfasst vier Etappen: (i) Die Exegese der
Schopenhauer'schen Schriften, insbesondere derjenigen, die von seiner praktischen
Philosophie handeln. (ii) Die Suche nach Anmerkungen in Schopenhauers
handschriftlichem Nachlass, die als Ausgangspunkt für die Formulierung seiner Ethik
gedient haben können, und dadurch die Überwindung von möglichen Erklärungslücken
in dessen Philosophie. (iii) Die Darstellung von aktuellen hermeneutischen
Möglichkeiten, die den Aktualisierungsprozess der Schopenhauer'schen Philosophie
ermöglichen würden. (iv) Die Kontextualisierung der Fragestellungen, die sich auf die
Menschenrechte beziehen und somit auf die Ziele dieser Dissertation. (v) Die
Überprüfung der Einsetzung, Ausbreitung und Auswirkung Schopenhauers in diesen
Debatten.
Es wird gehofft, indem die oben beschriebenen Etappen ausgebaut werden,
die Beziehung zwischen Moral, Ethik, Recht und Politik in der Schopenhauer'schen
Philosophie aufzuklären, die Aktualität des Philosophen der Wille in der Debatte um
Menschenrechte darzustellen, während bedeutsame Fragestellungen zur Diskussion
aufgezeigt werden sollen, sowie die Gründe, warum andere Fragestellungen nicht
dieselbe Relevanz erreichten. Dieser Weg soll zu einem besseren Verständnis und zur
Darstellung der Wichtigkeit Schopenhauers in den gegenwärtigen Debatten der
politischen Philosophie und der Rechtsphilosophie führen.
1
Apesar de ser um capítulo do primeiro tomo dos PP, recebe uma abreviação própria.
Rousseau:
Segundo Discurso: Discours sur l'origine et les fondements de l'inégalité parmi les
hommes (Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os
Homens).
Do Contrato Social: Du Contrat Social (Do Contrato Social).
Immanuel Kant:
KrV: Kritik der reinen Vernunft (Crítica da Razão Pura).
KpV: Kritik der praktischen Vernunft (Crítica da Razão Prática).
MdS: Die Metaphysik der Sitten (Metafísica dos Costumes).
GMS: Grundlegung zur Metaphysik der Sitten (Fundamentação da Metafísica dos
Costumes).
1 Introdução
1
Adotou-se a edição das obras completas em alemão organizadas por Paul Deussen: SCHOPENHAUER,
A. Arthur Schopenhauers sämtliche Werke. Hrsg. von Paul Deussen. Munique: R. Piper, 1911-1942.
A tradução adotada de Die Welt als Wille und Vorstellung para uma leitura cotejada com a obra em
idioma alemão foi feita por Jair Lopes Barboza: O mundo como vontade e como representação, 1º
Tomo. São Paulo: Editora UNESP, 2005. Doravante abreviado como MVR, seguido da indicação de
parágrafo e página, e do tomo e da paginação em referência à edição alemã.
Doravante, faz-se referência ao segundo tomo d’O Mundo como Vontade e Representação por MVR II,
seguida da indicação de capítulo e de página na edição alemã. Quando necessidade de citação de MVR II,
a tradução para o português será de minha autoria, a partir do idioma alemão, salvo indicação contrária.
Para a obra Über die Grundlage der Moral adotou-se a tradução brasileira Sobre o fundamento da
moral. Tradução de Maria Lucia Mello Oliveira Cacciola. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Doravante
abreviado por SFM, seguido de capítulo, de página e do tomo e da paginação em referência à edição
alemã.
Para leitura da obra Parerga und Paralipomena adotou-se as traduções brasileiras do professor Flamarion
Caldeira Ramos: Sobre a filosofia e seu método. São Paulo: Hedra, 2010 (capítulos I-VII) e Sobre a
ética. São Paulo: Hedra, 2012 (capítulos VIII-XV). Doravante abreviada por PP, seguido de parágrafo,
página, e do tomo e da paginação em referência à edição alemã.
Para a leitura cotejada da tese de doutoramento de Schopenhauer, Ueber die vierfache Wurzel der Satzes
vom zureichenden Grunde, foi utilizada a tradução espanhola De la cuádruple raíz del principio de
razón suficiente. Tradução de Leopoldo-Eulogio Palacios. Madrid: Gredos, 1981. (Biblioteca Hispánica
de Filosofía – Clásicos de La Filosofía 1). Doravante abreviada por QR, seguida de parágrafo, página, e
do tomo e da paginação em referência à edição alemã.
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Para leitura dos Manuscritos Póstumos utilizamos a edição clássica SCHOPENHAUER, A. Der
handschriftliche Nachlaß in fünf Bänden. Vollständige Ausgabe in sechs Teilbänden. Herausgegeben
von Arthur Hübscher. Band 1: Frühe Manuskripte (1804 - 1818). - Band 2: Kritische
Auseinandersetzungen (1809 - 1818). - Band 3: Berliner Manuskripte (1818 - 1830). - Band 4, I: Die
Manuskriptbücher der Jahre 1830 - 1852. - Band 4, II: Letzte Manuskripte. Gracians Handorakel. - Band
5: Randschriften zu Büchern. - 5 Bände in 6 Bänden (vollständig). (= dtv klassik). München, Deutscher
Taschenbuch Verlag, 1985. Doravante abreviado como HN, seguido de indicação de Tomo,
fragmento/capítulo e página. Quando necessidade de citação dos HN, a tradução para o português será de
minha autoria, a partir do idioma alemão, salvo indicação contrária.
Para a leitura cotejada das notas de aula de 1820 (Vorlesungen) sobre a ética (Arthur Schopenhauers
handschriftlicher Nachlaß. Philosophische Vorlesungen – Metaphysik der Sitten. In: SCHOPENHAUER,
A. Arthur Schopenhauers sämtliche Werke. Hrsg. von Paul Deussen. Munique: R. Piper, 1911-1942.
v.X, p.367-584), adotou-se a tradução espanhola feita por Roberto Rodríguez Aramayo: Metafísica de las
Costumbres. Introdução, tradução e notas de Roberto Rodríguez Aramayo. Madri: Editorial Trotta SA,
2001. (Coleção Clássicos de la Cultura). Doravante abreviado como HN, Metafísica dos Costumes,
seguido de indicação de capítulo, página e da paginação em referência à numeração dos manuscritos
originais.
Após cada citação, serão apresentados em nota de rodapé os excertos utilizados em seu idioma original.
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mais completa possível dessa questão seja feita. Isso significa tentar coadunar, fazendo
confluir a exposição sintética a priori da obra principal do autor, com as exposições
analítica e sintética a posteriori de Sobre a Liberdade da Vontade (SLV) e Sobre o
Fundamento da Moral (SFM), 2 e a exposição pragmática de Parerga e Paralipomena
(PP), o que, por si só, já é um grande desafio.
A análise aqui empreendida será focada em uma das acepções assumidas
pelo conceito de justiça na obra schopenhaueriana: a justiça temporal (zeitliche
Gerechtigkeit), que tem por sede o Estado (Staat) e com a qual a doutrina do direito
(Rechtslehre) está diretamente relacionada. Questões correlatas, como a teoria da ação,
as justiças voluntária e eterna (die freiwilligen und ewigen Gerechtigkeiten), a
compaixão (Mitleid), e a ascese (Askese) serão introduzidas e explicadas na medida em
que auxiliam na resolução das questões propostas.
Para o exercício de entender a leitura que o filósofo faz da tradição foram
selecionadas algumas fontes. No que tange à fundamentação de seu sistema dos
princípios do direito, nota-se a influência do mesmo tripé teórico já conhecido pelos
leitores de Schopenhauer: (i) a filosofia oriental, quer quando Schopenhauer cita como
exemplo as Leis de Manu – um código legislativo sânscrito contido nos escritos
bramânicos –, quer quando invoca o mito da transmigração das almas para explicar de
modo mais claro e ilustrativo o conceito de justiça eterna; (ii) a filosofia kantiana, a qual
é tomada como interlocutora; e (iii) Platão, ao ter trechos de seus diálogos – tais como
Górgias, Leis, Protágoras, e a República – utilizados como referência.
Mas, como esperado, o leque de influências enunciadas e cifradas é bem
mais amplo, e não se restringe apenas às três fontes citadas. Notadamente, ao
fundamentar sua doutrina do direito e abordar o tema da política, as influências mais
diretas de Schopenhauer, além de Kant e de Platão, são Thomas Hobbes, Samuel von
2
No primeiro prefácio à obra Os Dois Problemas Fundamentais da Ética se lê: “São propriamente
explicações especiais de duas doutrinas, as quais em seus traços principais são encontradas no quarto
livro de O Mundo como Vontade e Representação, mas enquanto naquela obra são deduzidas a partir da
minha metafísica, ou seja, de modo sintético e a priori; nesta, pelo contrário, onde à questão não foi
permitido nenhum pressuposto, fundamenta-se tais explicações de forma analítica e a posteriori: por isso
o que foi ali o primeiro, aqui será o último.” E, III 433. No original alemão: „Es sind eigentlich specielle
Ausführungen zweier Lehren, die sich, den Grundzügen nach, im vierten Buche der »Welt als Wille und
Vorstellung« finden, dort aber aus meiner Metaphysik, also synthetisch und a priori abgeleitet wurden,
hier hingegen, wo, der Sache nach, keine Voraussetzungen gestattet waren, analytisch und a posteriori
begründet auftreten: daher was dort das Erste war, hier das Letzte ist.“
21
3
Aqui Schopenhauer refere-se ao pai do afamado Ludwig Feuerbach (1804–1872), Paul Johann Anselm
Ritter von Feuerbach (1775-1833), o qual figurou como grande jurista alemão, sendo o fundador da
moderna doutrina do direito penal da Alemanha. Ficou muito conhecido por ter sido o tutor legal de
Kaspar Hauser. Schopenhauer provavelmente se refere à obra Kritik des natürlichen Rechts als
Propädeutik zu einer Wissenschaft der natürlichen Rechte, de 1796, e/ou à obra Lehrbuch des Gemeinen
in Deutschland gültigen peinlichen Rechts, de 1812.
4
Por muitos séculos a disciplina de Filosofia do Direito foi designada por jus naturae ou jus naturale. Cf.
BARRETO, V. Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Unisinos; Rio de Janeiro: Renovar,
2006, Verbete Direito Natural, p.240. Doravante abreviado por Dicionário de Filosofia do Direito,
seguido de indicação de verbete e página.
5
Para uma excelente introdução às várias especificidades das teorias contratuais, Cf. BOUCHER, D.;
KELLY, P (Orgs.). The social contract from Hobbes to Rawls. London; New York, N.Y.: Routledge,
1994, e MORRIS, C.W. The social contract theorists: critical essays on Hobbes, Locke, and Rousseau.
Organização de Christopher W Morris. Lanham, Md.: Rowman and Littlefield, 1999.
6
Hugo Grotius (também conhecido por Huig de Groot, Ugo Grozio, e Hugo Grocius, dependendo das
variações linguísticas e da tradução adotada para o seu nome) é natural de Delft (Holanda). Nascido em
uma época impregnada de valores humanistas, calvinistas e aristotélicos, foi educado no auge da
influência do protestantismo e do aristotelismo (Cf. TUCK, R. Natural rights theories: their origin and
development. Cambridge: Cambridge University Press, 1981, p.58.). Aos doze anos já era considerado
um milagre intelectual, graduando-se em direito com quinze anos. Foi professor de retórica em Leiden,
tradutor, poeta, historiador, e diplomata – trabalhando em diversos governos, como os governos da
Holanda, e da Suécia. Suas principais obras são De iure belli ac pacis, De iure praedae, e De iure
sumarim potestatum circa sacia.
22
Para leitura cotejada com a obra De iure belli ac pacis adotou-se a seguinte edição brasileira: GROTIUS,
H. Direito da guerra e da paz. Santa Catarina: Unijuí, 2004. 2 v. Doravante abreviado por DGP, seguido
de indicação de livro, de capítulo, de seção, de parágrafo e da página na edição brasileira.
7
Esse é um ponto controverso. Guido Fassò e Haakonssen não concordam com essa asserção, enquanto
Richard Tuck considera Grotius um dos autores mais originais de sua época. Cf. FASSÒ, G. Historia de
la filosofia del derecho. Tradução de José F. Lorca Navarrete. Madri: Ediciones Pirámide S.A., 1979.
v.2. p.74-77 e o prefácio de TUCK, R. Philosophy and government, 1572-1651. Cambridge: Cambridge
University Press, 1993.
8
“Apesar das modificações mais ou menos moduladas, em linhas gerais a escola do direito natural
moderno permaneceu fiel às categorias epistemológicas definidas por Grotius”. GOYARD-FABRE, S.
Os fundamentos da ordem jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.XXV. Doravante abreviado por
Os Fundamentos da Ordem Jurídica, seguido de indicação de página.
9
Thomas Hobbes nasceu no ano de 1588, na aldeia de Westport, perto de Malmesbury, Inglaterra. Com a
ajuda de um tio estudou em Oxford e, em 1608, tornou-se tutor na família Cavendish, com a qual manteve
estreitas relações até o final de sua vida. Trabalhou para Francis Bacon, auxiliando-o na tradução latina de
seus Ensaios. Faleceu em 1679, aos noventa e um anos, em Hardwick Hall. Dentre suas obras publicadas
podem ser destacadas The Elements of Law (1640), De Cive (1642), De Corpore (1655), De Homine
(1657), Leviathan or the Matter, Forme, Power of a Common−Wealth Ecclesiastical and Civil (1651),
entre outras.
Para a leitura da obra De Cive, adotou-se a edição latina HOBBES, T. De cive: the latin version entitled
in the first edition elementorvm philosophiae sectio tertia de cive. A critical edition by Howard
Warrender. In: The Clarendon edition of the philosophical works of Thomas Hobbes. Oxford:
Oxford Univ., 1983. v.2. Para uma leitura cotejada com a obra latina adotou-se a tradução de Richard
Tuck: On the citizen. Edited and translated by R. Tuck and M. Silverthorne: Cambridge University Press,
1998. Doravante abreviado como De Cive, seguido da indicação de página das edições em língua latina e
inglesa. Quando houver a necessidade de citações, a tradução realizada será feita a partir da edição
inglesa, em cotejamento com a edição latina.
23
Para a leitura de Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil, adotou-se a
edição inglesa editada por C.B. Macpherson: HOBBES, T. Leviathan. Edited with an introduction by
C.B. Macpherson. New York: Penguin, 1985. A tradução adotada de Leviathan para uma leitura cotejada
com a obra em idioma inglês foi feita por João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva: Leviatã
ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civilSão Paulo: Abril Cultural, 1973. (col. Os
Pensadores). Doravante abreviado como Leviatã, seguido da indicação de página das edições em língua
inglesa, original entre colchetes, e língua portuguesa.
10
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), nascido na cidade-estado de Genebra, é conhecido como um dos
mais importantes filósofos do século XVIII, tendo exercido grande influência intelectual no que ficou
conhecido como uma das mais impactantes revoluções da história ocidental: a Revolução Francesa. Seu
pensamento político foi fortemente influenciado pela leitura de autores como Tácito, Plutarco, Hugo
Grotius e Samuel Von Pufendorf. Suas contribuições atingiram diversos ramos das ciências e das artes:
escreveu verbetes para Encyclopédie de Denis Diderot e Jean Le Rond d’Alembert, e romances de grande
sucesso, como a novela Julie, ou La Nouvelle Héloïse (Julie ou a Nova Heloísa, de 1761); no campo da
composição criou um novo tipo de notação musical – embora essa tenha sido rejeitada pela Academia de
Ciências; em 1749 venceu o concurso da Academia de Dijon com o Discours sur les sciences et les arts
(Discurso Sobre a Ciência e as Artes), que ficou conhecido como primeiro discurso e lhe garantiu fama e
projeção no meio intelectual europeu. Em 1754 escreveu o segundo discurso, Discours sur l'origine et les
fondements de l'inégalité parmi les hommes (Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da
Desigualdade Entre os Homens), e em 1762 publicou as obras Du Contrat Social (Do Contrato Social), e
Émile, ou De l’éducation (Emílio, ou Da Educação).
Adotou-se a edição das obras completas de Rousseau estabelecida por Raymond e Gagnebin:
ROUSSEAU, J. Œuvres completes. Paris: Gallimard, 1964. v.III, reimpressão de 2003. Para a leitura
cotejada com os textos em francês, adotaram-se as traduções brasileiras existentes na Coleção Os
Pensadores: ROUSSEAU, J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os
homens. São Paulo: Abril Cultural: 1973. (Coleção Os Pensadores). Doravante abreviado por Segundo
Discurso, seguido de indicação de página na tradução brasileira e da página do original francês; e
ROUSSEAU, J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural: 1973. (Coleção Os Pensadores).
Doravante abreviado por Do Contrato Social, seguido de indicação de página na tradução brasileira, e da
página do original francês.
24
11
Immanuel Kant (1724 - 1804) lecionou na Universidade de Königsberg, cidade na qual nasceu e da
qual nunca saiu. É conhecido como um dos filósofos mais importantes e revolucionários da filosofia.
Autor das três críticas – Kritik der reinen Vernunft (Crítica da Razão Pura), Kritik der praktischen
Vernunft (Crítica da Razão Prática), e Kritik der Urtheilskraft (Crítica da Faculdade do Juízo) –, entre
outras obras de grande envergadura, como Grundlegung zur Metaphysik der Sitten (Fundamentação da
Metafísica dos Costumes), Die Religion innerhalb der Grenzen der bloßen Vernunft (A Religião dentro
dos Limites da Simples Razão), Die Metaphysik der Sitten (A Metafísica dos Costumes).
Adotou-se a tradicional edição das obras completas em alemão de Kant organizadas pela Academia:
KANT, I. Kants Werke: Akademie-Textausgabe Unveranderter photomechanischer Abdruck des Textes
der von der Prenssischen Akademie der Wissenschaften 1902 begonnenen Ausgabe von
Kantsgesammelten Schriften. Berlin: W. de Gruyter, 1968. Para leitura cotejada com o texto Die
Metaphysik der Sitten da edição mencionada, escolhemos a tradução portuguesa Metafísica dos
costumes. Tradução, apresentação e notas de José Lamego. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2005.
Doravante abreviada por MdS, seguida de indicação página e numeração Becker.
Para leitura cotejada com o texto Grundlegung zur Metaphysik der Sitten da edição mencionada,
escolhemos a tradução portuguesa Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo
Quintela. Lisboa: Edições 70, 1986. p. 59, IV 421. Doravante abreviado por Fundamentação da
Metafísica dos Costumes, seguido de indicação de página e numeração Becker.
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12
Cf. MALTER, R. Arthur Schopenhauer Transzendentalphilosophie und Metaphysik des Willens.
Stuttgart-Bad Cannstatt: Fromman-Holzboog, 1991 e MALTER, R. Der Eine Gedanke: Hinführung zur
Philosophie Arthur Schopenhauers. Darmstadt: Wiss. Buchges., 2010.
26
perspectiva que possibilita uma melhor apreciação dos problemas que nos colocamos, e
a situar nossa tese, também ela, como pertencente à esquerda schopenhaueriana.
Esse percurso nos leva ao projeto de fundamentação ética de Ernst
Tugendhat, o qual avalia a questão dos direitos humanos como a questão ética mais
importante da atualidade. Tugendhat apresenta o problema e sua gravidade, mas acaba
por descartar a ética da compaixão de Schopenhauer, classificando-a como implausível
e como nem mesmo sendo uma moral. Apresentaremos as razões pelas quais a ética da
compaixão schopenhaueriana não se adequam aos propósitos de Tugendhat; tais razões
parecem ser acertadas, mas em referência à apreciação da questão de uma perspectiva
na qual a ética da compaixão schopenhaueriana não pode e não pretende se enquadrar.
Com Tugendhat introduzimos a questão dos direitos humanos e finalizamos o terceiro
capítulo e a transição da primeira parte da nossa tese para sua segunda parte, inaugurada
pelo quarto capítulo, o qual versa sobre a história e os dilemas referentes aos direitos
humanos.
A primeira questão a ser levantada acerca desse ponto é “o que são direitos
humanos fundamentais?”. Dessa primeira questão emergem outras tantas questões
igualmente complexas, tais como: “é possível fundamentá-los?”, “existe um
fundamento absoluto para eles?”, “essa fundamentação é racional, possui como pedra
angular um sentimento, ou é histórica?”, “é um tipo de direito homogêneo ou
heterogêneo – e quê isso significa?”, “como é possível legitimar tal tipo de direito?”,
“qual a significação ética dos direitos humanos?”, “qual a sua eficácia e efetividade
sócio-política?”, “qual a sua função?”, “como eles se desenvolveram historicamente?”.
Para tentar ao menos suprir essas questões mais imediatas referentes aos
direitos humanos e poder mobilizar elementos importantes para responder a essas
questões, tomaremos como nosso fio condutor a tese de origem e afirmação histórica
dos direitos humanos sustentada pelo jusfilósofo italiano Norberto Bobbio, um dos
teóricos da filosofia do direito mais importantes do século XX. As teses bobbianas nos
oferecem um terreno relativamente seguro e firme para o desenvolvimento de nossos
argumentos frente ao pantanoso terreno no qual os debates sobre os direitos humanos se
realizam.
A tese da afirmação histórica dos direitos humanos localiza a origem desses
na modernidade, juntamente com a concepção individualista de sociedade.
Reconstituiremos ao menos algumas das etapas do processo de afirmação dos direitos
27
1
HN I, Fragmento 92, p. 59, Berlin 1813, Fólio L. No manuscrito alemão: „Unter meinen Händen und
vielmehr in meinem Geiste erwächst ein Werk, eine Philosophie, die Ethik und Metaphysik in E i ne m
seyn soll, da man sie bisher trennte so fälschlich als den Menschen in Seele und Körper.“
2
MVR, Prefácio à Primeira Edição, p.19-20, I VIII. Tradução ligeiramente alterada. No original alemão:
„[…] ein einziger Gedanke muß, so umfassend er auch seyn mag, die vollkommenste Einheit bewahren.
Läßt er dennoch, zum Behuf seiner Mittheilung, sich in Theile zerlegen; so muß doch wieder der
Zusammenhang dieser Theile ein organischer, d.h. ein solcher seyn, wo jeder Theil ebenso sehr das
Ganze erhält, als er vom Ganzen gehalten wird, keiner der erste und keiner der letzte ist, der ganze
Gedanke durch jeden Theil an Deutlichkeit gewinnt und auch der kleinste Theil nicht völlig verstanden
werden kann, ohne daß schon das Ganze vorher verstanden sei. — Ein Buch muß inzwischen eine erste
29
Pois é preciso ter em mente que meus escritos, poucos que sejam, não foram
compostos ao mesmo tempo, mas sucessivamente, no decorrer de uma longa
vida e com amplos intervalos; logo, não se deve esperar que tudo o que disse
sobre um tema também apareça reunido num único lugar. 4
und eine letzte Zeile haben und wird insofern einem Organismus allemal sehr unähnlich bleiben, so sehr
diesem ähnlich auch immer sein Inhalt seyn mag: folglich werden Form und Stoff hier im Widerspruch
stehen. Es ergiebt sich von selbst, daß, unter solchen Umständen, zum Eindringen in den dargelegten
Gedanken, kein anderer Rath ist, als das Buch zwei Mal zu lesen.“
3
BARBOZA, J. A Metafísica do belo de Arthur Schopenhauer. São Paulo: USP-Humanitas, 2001, p.
137.
4
MVR, Crítica da Filosofia Kantiana, p. 663, I 633-634. No original alemão: „Denn man muß erwägen,
daß meine Schriften, so wenige ihrer auch sind, nicht alle zugleich, sondern successiv, im Laufe eines
langen Lebens und mit weiten Zwischenräumen abgefaßt sind; demnach man nicht erwarten darf, daß
Alles, was ich über einen Gegenstand gesagt habe, auch an Einem Orte zusammen stehe.“
5
É consagrada a tradução de Erscheinung como ‘fenômeno’ no que diz respeito aos estudos
schopenhauerianos. Todavia, ‘aparecimento’ e ‘aquilo que aparece’ seriam, também, boas alternativas.
30
coisa-em-si (Ding an sich) 6: em-si somos vontade, 7 unos e imutáveis; a vontade deve
ser entendida como um impulso cego e irracional que tem no desejo a expressão de sua
estrutura de movimento pela busca de um objeto de satisfação. Mas a vontade traz em si
a marca ontológica da insatisfação eterna, ou seja, por ser ontologicamente carência, ela
está condenada a sempre repetir a necessidade de satisfação; todo ato de vontade
satisfeito é apenas uma transição para um novo ato de vontade. A vontade, enquanto tal,
nunca pode ser satisfeita; ela é, portanto, eternamente padecente.
Enquanto fenômeno, somos o mais alto grau de objetivação dessa vontade
na realidade empírica, situados espaço-temporalmente em uma cadeia causal pelo
principium individuationis, o princípio de individuação, que fragmenta a vontade – una
e indivisa enquanto coisa-em-si. Por esse aspecto, ele pode ser considerado como
princípio constituinte da realidade empírica enquanto fenômeno. O princípio de
individuação também permite que a vontade se manifeste de igual modo em número
infinito de seres e, certamente, de uma maneira plena e íntegra.
O fenômeno pode ser definido como tudo aquilo que é objeto para o sujeito
que conhece enquanto indivíduo, e seu conhecimento se dá inteiramente submetido ao
princípio de razão em suas quatro figuras. 8 Tudo o que pertence ao fenômeno é causa
6
“A essência íntima do mundo, a coisa-em-si, é a vontade, a vontade para vida e esta, enquanto tal, conta
com três propriedades metafísicas: a unidade, a infundamentabilidade, e a incognoscibilidade” HN,
Metafísica dos Costumes, p.117, p.180. No original alemão: „Das innre Wesen der Welt, das Ding an sich
ist der Wille, der Wille zum Leben: als solcher hat er drei 'metaphysische Eigenschaften: Einheit,
Grundlosigkeit, Erkenntnißlosigkeit.“
7
A primeira ocorrência, embora não sistemática, registrada para o termo vontade (Wille) pode ser
encontrada no Fragmento 12 – Philosophische Aphorismen dos escritos de Juventude de Schopenhauer,
anotação número 7, de 1808-1809 (Cf. HN I, Fragmento 12 [7], Frühheste Aufzeichnungen –
Philosophische Aphorismen 1808-1809, p. 9). No Fragmento 34 – Ein Systemchen, Schopenhauer faz
novamente uma alusão ao termo vontade (Cf. HN I, Fragmento 34, Berlim 1812, Folha A 1-6, p. 21).
Contudo, apenas no Fragmento 67 de 1813 Schopenhauer identifica o termo vontade como sendo a
essência do mundo e de tudo que aparece no mundo (Cf. HN I, Fragmento 67, Berlim 1813, Folha E 1-4,
p.36).
8
O princípio de razão suficiente é definido por Schopenhauer como: nihil est sine ratione cur potius sit,
quam non sit (em tradução livre: nada é sem que haja uma razão para que seja ou sem que haja uma razão
que explique o que seja) Über die vierfache Wurzel des Satzes vom zureichenden Grund, Erstes Kapitel,
§5, III 113. Ele possui quatro figuras que explicam as relações entre as representações e unificam todo o
conhecimento racional: (i) Princípio de Razão Suficiente do vir-a-ser (Satz vom zureichenden Grund des
Werdens); (ii) Princípio de Razão Suficiente do Conhecer (Satz vom zureichenden Grund der Erkenntnis);
(iii) Princípio de Razão Suficiente do Ser (Satz vom zureichenden Grund des Seins); (iv) Princípio de
Razão Suficiente do Agir (Satz vom zureichenden Grund des Handelns). A palavra alemã Grund pode ser
traduzida para o português por fundamento, causa, motivo, além de razão. A palavra razão deve ser
entendida nessa acepção, não significando o ato de raciocinar, julgar, etc.. O princípio de razão suficiente
pode ser considerado o fundamento de todas as ciências. Ele também expressa comumente vários
31
conhecimentos dados a priori: nada existe sem uma razão de ser. Sobre o princípio de razão suficiente e
suas quatro figuras, conferir a obra de Schopenhauer Über die vierfache Wurzel des Satzes vom
zureichenden Grunde e CARTWRIGHT, D. Historical dictionary of Schopenhauer's philosophy.
Oxford: Scarecrow Press, 2005, (Coleção Historical dictionaries of religions, philosophies, and
movements, n. 55), p.138-143. Doravante abreviado por Historical Dictionary of Schopenhauer's
Philosophy, seguido de indicação de página.
9
Cf. MVR, §55, p.371, I 338.
32
10
Cf. MVR II, Kapitel 47 – Zur Ethik, II 676.
11
Apesar de não existir uma tradução única em português para o termo Wille zum Leben – ele encontra
em português, ao menos, duas traduções, vontade de viver e vontade de vida –, optei por uma forma de
tradução que não é convencional, vontade para vida. Essa última tradução teria, a meu ver algumas
vantagens, tais como (i) estar gramaticalmente correta, (ii) ser literal e, portanto, mais próxima do idioma
alemão, mantendo o sentido do dativo empregado por Schopenhauer, e de (iii) manter o sentido de ser um
impulso, exatamente aquilo que a vontade é.
12
Cf. MVR II, Kapitel 47 – Zur Ethik, II 678.
13
Cf. HN, Metafísica dos Costumes, p.4, p.58-59.
14
Cf. HN, Metafísica dos Costumes, p.21, p.76.
33
15
MVR, §54, p. 369-370, I 336. Tradução ligeiramente alterada. No original alemão: „Der Wille bejaht
sich selbst, besagt: indem in seiner Objektität, d.i. der Welt und dem Leben, sein eigenes Wesen ihm als
Vorstellung vollständig und deutlich gegeben wird, hemmt diese Erkenntniß sein Wollen keineswegs;
sondern eben dieses so erkannte Leben wird auch als solches von ihm gewollt, wie bis dahin ohne
Erkenntniß, als blinder Drang, so jetzt mit Erkenntniß, bewußt und besonnen. - Das Gegentheil hievon,
die Ver ne inu ng des Wi l le ns zu m Le be n, zeigt sich, wenn auf jene Erkenntniß das Wollen endet,
indem sodann nicht mehr die erkannten einzelnen Erscheinungen als Mo t ive des Wollens wirken,
sondern die ganze, durch Auffassung der I dee n erwachsene Erkenntniß des Wesens der Welt, die den
Willen spiegelt, zum Qu iet iv des Willens wird und so der Wille frei sich selbst aufhebt.“
34
16
Nos escritos publicados pelo autor, a temática da liberdade pode ser encontrada em MVR §23, §26, §55;
MVR II, Kapitel 19 – Vom Primat des Willens im Selbstbewußtseyn; SFM, §10; em SLV; e SVN, Capítulo
5. Cabe alusão à carta de Schopenhauer a Julius Frauenstädt, Frankfurt a. M., de 6 de agosto 1852.
17
Cf. SLV, p. 39, III 473.
18
Uma importante ressalva feita pelo autor: “Também se chama livre um povo e se entende por isso que
ele se rege de acordo com leis, mas leis que se deram a si mesmos; pois então obedecem, em todo caso,
exclusivamente a sua própria vontade. Segundo isso, a liberdade política deve se entendida junto com a
liberdade física.” SLV, p.40-41, III 4754. No original alemão: „Auch ein Volk nennt man frei, und
versteht darunter, daß es allein nach Gesetzen regiert wird, diese Gesetze aber selbst gegeben hat: denn
alsdann befolgt es überall nur seinen eigenen Willen. Die politische Freiheit ist demnach der physischen
beizuzählen.“
35
19
Talvez seja interessante ressaltar a distinção qualitativa estabelecida por Schopenhauer nas relações de
causa e efeito. Segundo o autor, aquilo que é responsável por um efeito pode se dar de três formas: (i)
como causa (Ursach), no corpo inorgânico; (ii) como estímulo (Reiz), nos vegetais; e (iii), como motivo
(Motiv), nos animais não-humanos e humanos. Cf. MVR, §23.
20
Cf. SLV, p.43, III 477 e HN, Metafísica dos Costumes, p. 22, p. 77.
21
“O conteúdo inteiro da natureza, a completude de seus fenômenos, são, portanto, absolutamente
necessários, e a necessidade de cada parte, de cada fenômeno, de cada evento, pode sempre ser
demonstrada, já que tem de ser possível encontrar a causa (Grund) do qual ele depende como
consequência.” MVR, §55, p.371, I 338. No original alemão: „Der ganze Inhalt der Natur, ihre gesammten
Erscheinungen, sind also durchaus nothwendig, und die Nothwendigkeit jedes Theils, jeder Erscheinung,
jeder Begebenheit, läßt sich jedesmal nachweisen, indem der Grund zu finden seyn muß, von dem sie als
Folge abhängt.“
22
Cf. MVR, §55, p. 372, I 339.
36
Ora, assim como cada coisa na natureza tem suas forças e qualidades que
reagem de determinada maneira em face de determinada impressão, e
constituem o seu caráter, o ser humano possui o seu CARÁTER, em virtude
do qual os motivos produzem suas ações com necessidade. Nesse modo
mesmo de agir manifesta-se seu caráter empírico; por seu turno, neste
manifesta-se de novo seu caráter inteligível, a vontade em si, da qual aquele é
o fenômeno determinado. 25
23
Segundo Schopenhauer, a terceira antinomia é uma das maiores contribuições da filosofia kantiana. Cf.
SFM, §10, p.93, III 644. “Considero esta doutrina de Kant da coexistência da liberdade com a necessidade
como a maior das realizações da profundeza humana”. SFM, §10, p.95, III 646. No original alemão:
„Diese Lehre Kants vom Zusammenbestehen der Freiheit mit der Nothwendigkeit halte ich für die größte
aller Leistungen des menschlichen Tiefsinns“.
24
Cf. MVR, §55, p.372, I 339; Ver também: Cf. MVR, §18, p.157, I 119; Cf. MVR, §54, p.357, I 323; HN,
Metafísica dos Costumes, p. 23, p.78.
25
MVR, §55, p.372, I 339. Tradução ligeiramente alterada. No original alemão: „Wie jedes Ding in der
Natur seine Kräfte und Qualitäten hat, die auf bestimmte Einwirkung bestimmt reagiren und seinen
Char akt er ausmachen; so hat auch er seinen Charakter, aus dem die Motive seine Handlungen
hervorrufen, mit Nothwendigkeit.“
37
forma, tudo o que Schopenhauer escrevera sobre as leis que regem a Natureza também
são válidas para os seres humanos, os quais têm no princípio de razão suficiente do agir
(Satz vom zureichenden Grund des Handelns), ou, de forma abreviada, na lei da
motivação (Gesetz der Motivation), a condição de inteligibilidade de suas ações.
Os caráteres inteligível e empírico podem ser definidos como:
26
HN, Metafísica dos Costumes, p.25-26, p.80-81. No original alemão: „[…] und daß sein Karakter
unveränderlich ist: welches daher kommt daß der Karakter schon Erscheinung des Willens ist; nicht der
Wille als Ding an sich. […] Der int e ll ig ible Kar akt er ist der Wille als Ding an sich sofern er in
einem bestimmten Individuo, in bestimmtem Grade erscheint. Der empirische Karakter aber ist diese
Erscheinung selbst, so wie sie sich darstellt, der Zeit nach, in der Handlungsweise, dem Raum nach,
schon in der Ko r por isat io n. “
Optei por escolher a formulação das preleções de Berlim sobre o caráter inteligível e empírico, ainda que
em polêmica e divergência aparentes com outros textos de Schopenhauer, porque ela faz alusão a um
grande problema para os leitores, intérpretes da obra do filósofo, e até mesmo para o próprio
Schopenhauer: a possibilidade de se entender que cada caráter tem o mesmo estatuto de uma Ideia. Em
última instância, em-si, tudo é vontade; mas para que cada caráter possa ser individual, ele deve possuir
um pequeno grau de individuação. Contudo, isso não precisa significar necessariamente que ele esteja
submetido ao princípio de individuação – em tempo, espaço e em uma cadeia causal; esse raciocínio
estaria em consonância com o fato de que cada indivíduo teria uma Ideia que corresponda a si mesmo.
Esse é um problema assaz espinhoso, o qual não tenho por objetivo resolver e nem mesmo expor
detalhadamente. Deixamos registrado apenas a alusão a essa possibilidade de interpretação, baseada em
evidências textuais. No §116 de PP, Schopenhauer escreve: “a individualidade não repousa unicamente
no principium individuationis e não é, portanto, inteiramente apenas fenômeno, mas enraíza-se na coisa-
em-si, na vontade do indivíduo, pois seu próprio caráter é individual. Até onde vai a profundidade de suas
raízes constitui uma das questões cuja resposta não empreendo.” PP, §116, p.71, V 249. No original
alemão: „Hieraus folgt nun ferner, daß die I nd iv i dua lit ät nicht allein auf dem principio individuationis
beruht und daher nicht durch und durch bloße E rsc he inu ng ist; sondern daß sie im Dinge an sich, im
Willen des Einzelnen, wurzelt: denn sein Charakter selbst ist individuell. Wie tief nun aber hier ihre
Wurzeln gehn, gehört zu den Fragen, deren Beantwortung ich nicht unternehme.“
Para uma apreciação cuidadosa do conceito de Ideia (Idee) na obra schopenhaueriana e das possíveis
contradições encontradas em suas várias formulações, remeto ao artigo CIRACÌ, F. Il mondo come
volontà, idee e rappresentazione: Per una possibile lettura in senso illuministico della dottrina delle idee.
in: Revista Voluntas: estudos sobre Schopenhauer, v.1, n.1, p. 71-115, 1º sem. 2010. Disponível em:
http://www.revistavoluntas.com.br/uploads/1/8/1/8/18183055/v1-n1-05-ciraci_fabio.pdf. Acesso em 22
jan. 2014.
38
27
As definições de caráter empírico e inteligível também podem ser encontradas em várias passagens da
obra schopenhaueriana, tais como: SFM,§10, p.94-96, III 645-647; MVR, §20, p.165, I 127-128; MVR,
§28, p.221-225, I 185-190; MVR, §53, p.353, I 319-320; MVR, §55, p.375, I 341-342.
28
Cf. MVR, §55, p. 375, I 341.
29
Cf. SLV, p. 88, III 521. “O que alguém fez uma vez, faria de novo, inevitavelmente, sob iguais
circunstâncias” SFM, §13, p.110, III 658. No original alemão: „was E iner ein Mal gethan hat, er unter
ganz gleichen Umständen, unausbleiblich wieder thun werde.“
Outras duas citações podem corroborar esse ponto de vista: “esperar que uma pessoa, em ocasiões
idênticas, aja uma vez assim e outra vez de forma totalmente diferente, seria como se se esperasse que a
mesma árvore que este verão deu cerejas dê peras no próximo” SLV, p.96, III 528. No original alemão:
„Folglich zu erwarten, daß ein Mensch, bei gleichem Anlaß, ein Mal so, ein ander Mal aber ganz anders
handeln werde, wäre wie wenn man erwarten wollte, daß der selbe Baum, der diesen Sommer Kirschen
trug, im nächsten Birnen tragen werde.“
“Na mesma verdade baseia-se que um indivíduo, mesmo a partir do mais claro conhecimento, sim,
mesmo a partir da aversão de suas faltas e defeitos morais, sim, mesmo a partir da intenção sincera de
melhorar, também obviamente não melhore, mas, ao contrário, a despeito das sérias intenções e
promessas honestas, deixe-se afetar, em uma nova oportunidade, mais uma vez como anteriormente pelas
mesmas veredas, para a sua própria surpresa.” SLV, p.89, III 521. No original alemão: „Auf der selben
Wahrheit beruht es, daß ein Mensch, selbst bei der deutlichsten Erkenntniß, ja, Verabscheuung seiner
moralischen Fehler und Gebrechen, ja, beim aufrichtigsten Vorsatz der Besserung, doch eigentlich sich
nicht bessert, sondern trotz ernsten Vorsätzen und redlichem Versprechen, sich, bei erneuerter
39
ele.30 E isso significa que (a) a pessoa, com o tempo, torna-se o que ela é, não podendo
escolher o que ela quer ser, 31 e (b) que o caráter é o local no qual residem todos os
vícios e virtudes, no que se segue que a virtude e o vício também são inatos. Aqui já é
possível vislumbrar o deslocamento da responsabilidade do âmbito do agir para o
âmbito do ser, ou, como Schopenhauer escreve, do operari para o esse.
A autoconsciência (Selbstbewusstsein) faz os indivíduos acreditarem que é
possível fazer qualquer coisa que se queira fazer. E, dado que o indivíduo também pode
pensar ações totalmente opostas como queridas, segue-se que ele crê que também pode
agir de forma contrária, se quiser. Contudo, como exposto acima, deve-se afastar o erro
de que o agir de um indivíduo particular e determinado não está submetido à
necessidade alguma, i.e., deve-se afastar o erro de considerar a priori que o agir é livre.
Como escreve a tradutora espanhola de Os dois Problemas Fundamentais da Ética (Die
beiden Grundprobleme der Ethik), Pilar López de Santa María, na introdução a essa
tradução: “Podemos desejar coisas diferentes e inclusive opostas; mas só podemos, em
cada caso, querer uma”. 32 Aqui se deve utilizar o exemplo tão claro que Schopenhauer
emprega em sua argumentação de SLV:
“São seis horas da tarde, a jornada de trabalho terminou. Agora posso dar
uma volta; ou posso ir ao clube; posso também subir em uma torre e ver o pôr
do sol; também posso ir ao teatro; e posso visitar esse ou aquele amigo;
posso, também, sair da cidade e nunca mais voltar. Tudo isso depende
somente de mim, tenho total liberdade para tanto; contudo, agora não faço
nada disso, e vou voluntariamente para casa ao encontro da minha mulher”. E
isso é igual ao que a água diria: “Posso formar altas ondas (sim! No mar
tempestuoso); posso correr de forma impetuosa (sim! no leito do rio); posso
precipitar-me espumosa e borbulhante (sim!, na cachoeira); posso subir livre
até o ar em forma de jato (sim!, nos chafarizes); posso, enfim, ferver e
desaparecer (sim!, a oitenta graus de calor); contudo, agora não faço nada
disso, mas permaneço voluntariamente, quieta e clara como um espelho em
um lago”. Assim como a água só pode fazer tudo isso quando se produzem
causas determinantes para uma coisa ou outra, igualmente todo indivíduo não
pode fazer o que imagina poder, a não ser, sob a mesma condição. 33
Gelegenheit, doch wieder auf den selben Pfaden wie zuvor, zu seiner eigenen Ueberraschung, betreffen
läßt.“
30
Cf. MVR, §53, p.353, I 319-320.
31
“De acordo com a tradição os indivíduos precisariam apenas ponderar COMO gostariam de ser, e assim
seriam: isto é liberdade da vontade”. MVR, §55, p.379, I 345. Tradução ligeiramente alterada. No original
alemão: „Nach dieser dürfte er nur überlegen, w ie er am liebsten seyn möchte, und er wäre es: das ist
ihre Willensfreiheit.“
32
SCHOPENHAUER, A. Los dos problemas fundamentales de la ética. Tradução, introdução e notas
de Pilar López de Santa María. Madri: Siglo XXI de España Editores, 2007, p.XXII.
33
SLV, p.79, III 512. Apesar de Schopenhauer escrever que a agua pode subir e desaparecer (evaporar) a
oitenta graus, o ponto de ebulição da água pura ao nível do mar é de 100 graus Celsius. No original
alemão: „»Es ist 6 Uhr Abends, die Tagesarbeit ist beendigt. Ich kann jetzt einen Spatziergang machen;
40
oder ich kann in den Klub gehn; ich kann auch auf den Thurm steigen, die Sonne untergehn zu sehn; ich
kann auch ins Theater gehn; ich kann auch diesen, oder aber jenen Freund besuchen; ja, ich kann auch
zum Thor hinauslaufen, in die weite Welt, und nie wiederkommen. Das Alles steht allein bei mir, ich
habe völlige Freiheit dazu; thue jedoch davon jetzt nichts, sondern gehe ebenso freiwillig nach Hause, zu
meiner Frau. « Das ist gerade so, als wenn das Wasser spräche: »Ich kann hohe Wellen schlagen (ja!
nämlich im Meer und Sturm), ich kann reißend hinabeilen (ja! nämlich im Bette des Stroms), ich kann
schäumend und sprudelnd hinunterstürzen (ja! nämlich im Wasserfall), ich kann frei als Strahl in die Luft
steigen (ja! nämlich im Springbrunnen), ich kann endlich gar verkochen und verschwinden (ja! bei 80°
Wärme); thue jedoch von dem Allen jetzt nichts, sondern bleibe freiwillig, ruhig und klar im spiegelnden
Teiche.« Wie das Wasser jenes Alles nur dann kann, wann die bestimmenden Ursachen zum Einen oder
zum Andern eintreten; ebenso kann jeder Mensch was er zu können wähnt, nicht anders, als unter der
selben Bedingung.“
34
Cf. MVR, §55, p. 374, I 340-341.
35
QR, p.208, III 253.
36
Cf. SLV, p.72, III 505.
41
Cada coisa no mundo age de acordo com aquilo que ela é, de acordo com sua
natureza, na qual, por isso, todas as suas manifestações já estão contidas
como “potentia” [segundo a possibilidade], mas acontecem como “actu” [na
realidade], quando causas exteriores as produzem. 37
37
SFM, §10, p.96, III 646. No original alemão: „jedes Ding in der Welt wirkt nach dem wie es ist, nach
seiner Beschaffenheit, in welcher daher alle seine Aeußerungen schon pot ent ia enthalten sind, act u
aber eintreten, wann äußere Ursachen sie hervorrufen;“
38
MVR, §55, p. 379, I 345. Tradução ligeiramente alterada. No original alemão: „Der Wille ist das Erste
und Ursprüngliche, die Erkenntniß bloß hinzugekommen, zur Erscheinung des Willens, als ein Werkzeug
derselben, gehörig. Jeder Mensch ist demnach Das, was er ist, durch seinen Willen, und sein Charakter ist
ursprünglich; da Wollen die Basis seines Wesens ist. Durch die hinzugekommene Erkenntniß erfährt er,
im Laufe der Erfahrung, was er ist, d.h. er lernt seinen Charakter kennen.“
42
considerar de forma mais detida a conduta humana. Essa pode, segundo o filósofo,
variar notavelmente sem que com isso se deva concluir que o caráter mesmo do
indivíduo tenha mudado. No mundo fenomênico, a única forma de se afetar a vontade é
através dos motivos. Os motivos jamais podem mudar a vontade em si mesma. Tudo o
que os motivos podem mudar é a direção do esforço da vontade, em outros termos, fazê-
la procurar o que inalteradamente procura por um caminho diferente do até então
seguido. Jamais os motivos poderiam fazer com que a vontade realmente queira de
maneira diferente do que quis até então. A ação da vontade se expõe de forma bastante
diferente em tempos diferentes, mas, por outro lado, seu querer permanece exatamente o
mesmo.
Em virtude da grande influência do conhecimento sobre o agir, apesar da
vontade ser inalterável, ocorre de o caráter desenvolver-se e suas diversas feições
entrarem em cena gradativamente. Assim, o traço do bom ou do mau caráter entra em
cena gradualmente, com cada vez mais poder no decorrer do tempo. Acerca desse
ponto, Schopenhauer escreve:
No começo somos todos inocentes, e isto apenas significa que nem nós, nem
os outros, conhecemos o mau de nossa própria natureza: este aparece apenas
nos motivos; e é só no decorrer do tempo que os motivos entram em cena no
conhecimento. Ao fim, nos conhecemos de maneira completamente diferente
do que a priori nos considerávamos, e então amiúde nos espantamos conosco
mesmos. 39
39
MVR, §55, p. 383, I 349. No original alemão: „Daher auch sind wir Alle Anfangs unschuldig, welches
bloß heißt, daß weder wir, noch Andere das Böse unserer eigenen Natur kennen: erst an den Motiven tritt
es hervor, und erst mit der Zeit treten die Motive in die Erkenntniß. Zuletzt lernen wir uns selbst kennen,
als ganz Andere, als wofür wir uns a priori hielten, und oft erschrecken wir dann über uns selbst.“
40
MVR, §55, p. 384, I 350. No original alemão: „Immer also ist die Reue berichtigte Erkenntniß des
Verhältnisses der That zur eigentlichen Absicht.“
43
diferente nos animais humanos em relação aos animais não humanos. Enquanto os
animais não humanos são determinados pelo motivo mais recente, e por um motivo de
cada vez, o ser humano, por seu turno, é dotado de representações intuitivas e de
representações abstratas. Essas representações abstratas são denominadas por
Schopenhauer conceitos (Begriffe). Isso significa que para os animais humanos existe a
possibilidade de um conflito duradouro entre vários motivos até que o mais forte
determine com necessidade a ação da vontade. Essa capacidade do ser humano é
denominada decisão eletiva (Wahlentscheidung). Contudo, essa capacidade de poder
representar abstratamente motivos possui suas desvantagens. Grande parte das dores
que os indivíduos possuem não estão situadas no presente como representações
intuitivas ou sentimento imediato, mas na razão, como conceitos abstratos, pensamentos
atordoantes. O sofrimento está, em última instância, na faculdade de razão. Os animais,
desprovidos de razão, e, por conseguinte, de decisão eletiva, estão livres desse tipo de
sofrimento, pois eles vivem apenas no tempo presente, num estado, segundo
Schopenhauer, destituído de preocupação e digno de inveja. Em SLV, Schopenhauer
explica o mecanismo dessa deliberação:
A capacidade de deliberação que dela surge não produz, de fato, nada mais
que o constante e penoso CONFLITO DOS MOTIVOS, ao que serve a
indecisão e cujo campo de batalha é constituído pelo ânimo e a consciência
humana. De fato, ele permite aos motivos pôr à prova repetidamente sua
força contra outros motivos na vontade, com o que esta cai na mesma
situação na qual se encontra um corpo sobre o qual atuam diversas forças em
direções opostas: até que, no final, o motivo decididamente mais forte vence
os demais e determina a vontade; este desenlace se chama resolução e se
produz com total NECESSIDADE, como resultado da batalha. 41
41
SLV, p.73, III 506. No original alemão: „Die durch sie entstehende Deliberationsfähigkeit giebt in der
That nichts Anderes, als den sehr oft peinlichen Ko nf l ikt der Mot ive, dem die Unentschlossenheit
vorsitzt, und dessen Kampfplatz nun das ganze Gemüth und Bewußtseyn des Menschen ist. Er läßt
nämlich die Motive wiederholt ihre Kraft gegen einander an seinem Willen versuchen, wodurch dieser in
die selbe Lage geräth, in der ein Körper ist, auf welchen verschiedene Kräfte in entgegengesetzten
Richtungen wirken, — bis zuletzt das entschieden stärkste Motiv die andern aus dem Felde schlägt und
den Willen bestimmt; welcher Ausgang Entschluß heißt und als Resultat des Kampfes mit völliger
Not hwend igke it eintritt.“
44
nosso sofrimento, bem como de nossa alegria, reside na maioria dos casos
não no presente real, mas só em pensamentos abstratos. 42
Os atos dos indivíduos sempre se dão de acordo com o caráter inteligível que eles
possuem, não sendo possível uma intelecção a priori desse caráter. Apenas a posteriori,
através da experiência, é possível aprender a conhecer a si mesmo e aos outros, uma vez
que, dessa forma, os atos dos indivíduos são um espelho deles mesmos.
O conhecimento das próprias qualidades, sejam elas boas ou más, i.e., o
melhor conhecimento possível da própria individualidade, do próprio caráter empírico,
proporciona ao indivíduo o que é denominado por Schopenhauer de caráter adquirido
(erworbener Charakter). O conhecimento mais acabado da própria individualidade
permite saber o que é querido, o que se pode ter, o que é possível exigir de si mesmo e
quais são seus próprios limites. Trata-se de um conhecimento abstrato, e por fim claro
das peculiaridades inalteráveis do próprio caráter empírico, assim como da proporção e
orientação das próprias forças, tanto corporais quanto espirituais; em síntese, trata-se do
conhecimento do conjunto de qualidades e fraquezas da própria individualidade. O
caráter adquirido é obtido na vida pelo seu uso no mundo (Weltgebrauch), 44 e é a ele ao
qual é feita referência quando se elogia uma pessoa por ter caráter, ou a censura por não
o ter. A deficiência em seu conhecimento é responsável por nem sempre nos
compreendermos, embora sempre sejamos as mesmas pessoas.
Resta, agora, levar a bom termo uma questão central para uma teoria da
ação: como responsabilizar um indivíduo por suas ações, i.e., é possível responsabilizar
moralmente o indivíduo pelas ações por ele praticadas, se no plano representacional a
lei vigente é a da causalidade?
Como a argumentação empreendida frisou por diversas vezes, a ação se
segue com absoluta necessidade do confronto entre os motivos e o caráter do indivíduo.
Isso significa que “O que se faz segue-se do que se é”, operari sequitur esse. As ações
praticadas são acompanhadas por uma consciência (Bewusstsein) da própria potência e
da originalidade, graças à qual os indivíduos sentem-se como autores reais de suas ações
e, por isso mesmo, responsáveis (verantwortlich) moralmente.45
O agir, o operari, é resultado exato do que o ser é, o esse, e por isso, quando
se diz que o indivíduo poderia agir de outra forma, segundo a argumentação de
Schopenhauer, diz-se com isso que o indivíduo poderia ser outro. A responsabilidade
moral refere-se, de um ponto de vista superficial, à ação cometida, mas, em uma
44
Cf. MVR, §55, p.391, I 357. No original alemão: „der erworbene Charakter, den man erst im Leben,
durch den Weltgebrauch.“
45
Cf. SFM, §10, p.94, III 645.
46
Gerechtigkeit)
46
Cf. SLV, p.133, III 563.
47
SLV, p.134, III 564. No original alemão: „Da, wo die Schuld liegt, muß auch die Verantwortlichkeit
liegen: und da diese das alleinige Datum ist, welches auf moralische Freiheit zu schließen berechtigt; so
muß auch die Freiheit ebendaselbst liegen, also im Charakter des Menschen; um so mehr, als wir uns
hinlänglich überzeugt haben, daß sie unmittelbar in den einzelnen Handlungen nicht anzutreffen ist, als
welche, unter Voraussetzung des Charakters, streng necessitirt eintreten. Der Charakter aber ist, wie im
dritten Abschnitt gezeigt worden, angeboren und unveränderlich.“
47
Todos
48
Essa distinção é bem notada por Annette Godart-van der Kroon no seu artigo Schopenhauer's Theory
of Justice and its Implication to Natural Law. In: Jahrbuch der Schopenhauer-Gesellschaft 2003. Band
84. Frankfurt am Main: Verlag Köningshausen & Neuman Würzburg, 2003, p. 121-145. Contudo, os
tradutores de língua portuguesa não chegaram a um consenso sobre a melhor tradução para o termo
freiwillige Gerechtigkeit. Alguns traduzem por justiça espontânea, outros por justiça livre, outros, ainda,
por justiça voluntária. Utilizaremos o termo de justiça voluntária, mas tendo em mente que esse tipo de
justiça se refere à justiça enquanto virtude cardinal.
48
49
MVR, §61, p.425-426, I 391. Tradução ligeiramente alterada. No original: „Wir erinnern uns aus dem
zweiten Buch, daß in der ganzen Natur, auf allen Stufen der Objektivation des Willens, nothwendig ein
beständiger Kampf zwischen den Individuen aller Gattungen war, und eben dadurch sich ein innerer
Widerstreit des Willens zum Leben gegen sich selbst ausdrückte. Auf der höchsten Stufe der
Objektivation wird, wie alles Andere, auch jenes Phänomen sich in erhöhter Deutlichkeit darstellen und
sich daher weiter entziffern lassen. Zu diesem Zweck wollen wir zunächst dem E go is mu s, als dem
Ausgangspunkt alles Kampfes, in seiner Quelle nachspüren.“
49
50
SFM, §14, p.121, III 667. No original alemão: „»Alles für mich, und nichts für die Andern«.“
51
Para Schopenhauer uma máxima apenas descreve, a posteriori, a regra de ligação pela qual uma causa
é relacionada ao seu efeito. No caso da ação, a máxima é a formulação do princípio que dá regularidade à
conduta do agente. Ela é a explicitação do padrão de ações nas mais variáveis circunstâncias. Pode-se
dizer, assim, que para Schopenhauer a máxima é, em última instância, a expressão da constância, da
regularidade, a regra que permanece imutável na observação de um certo conjunto de fenômenos que são
referidos ao agir humano, e assim ao caráter dessas ações. Para Kant, contudo, máxima seria um princípio
subjetivo da vontade que contém a regra prática determinada pela razão de acordo com o sujeito, i.e., ela
é o princípio de acordo com o qual o sujeito age; em outras palavras, é a tradução da regra autoelaborada
a priori para a condução da maneira habitual de agir; a ação moral passa pelo teste das máximas, em
confronto com o imperativo categórico, sendo que, desse modo, a máxima prescreve a forma pela qual o
indivíduo deve agir.
52
Cf. SFM, §7, p.72, III 628. Essa máxima é repetida, com uma pequena variação – “neminem iuva, imo
omnes, si forte conducit (ou seja, ainda sob certas condições [also immer noch bedingt]), laede!” [não
ajudes ninguém, mas prejudica a todos, se acaso fores levado a isso] em SFM, §14, p. 126, III 670.
53
SFM, §14, p.124, III 668. No original alemão: „[…] mancher Mensch wäre im Stande, einen andern
todtzuschlagen, bloß um mit dessen Fette sich die Stiefel zu schmieren.“
54
“É do ponto de vista da representação que existem, pois, indivíduos separados, e, aí, o egoísmo se faz
presente como o motivo antimoral por excelência”. CACCIOLA, M. Schopenhauer e a questão do
dogmatismo. São Paulo: EDUSP, 1994, p.158. Doravante abreviado por Schopenhauer e a Questão do
Dogmatismo, seguido de indicação de página.
50
55
Segundo Schopenhauer, o egoísmo produz ações moralmente indiferentes. (Cf. SFM, §16, p.138, III
680). Egoísmo e valor moral excluem-se um ao outro.
51
56
MVR, §62, p.428, I 393-394. No original: „Es ist bereits auseinandergesetzt, daß die erste und einfache
Bejahung des Willens zum Leben nur Bejahung des eigenen Leibes ist, d.h. Darstellung des Willens
durch Akte in der Zeit, in so weit schon der Leib, in seiner Form und Zweckmäßigkeit, denselben Willen
räumlich darstellt, und nicht weiter. Diese Bejahung zeigt sich als Erhaltung des Leibes, mittelst
Anwendung der eigenen Kräfte desselben.“
57
MVR, §62, p.429, I 394. No original: „— Indem nun aber der Wille jene S e lbst be ja hu ng des eigenen
Leibes in unzähligen Individuen neben einander darstellt, geht er, vermöge des Allen eigenthümlichen
Egoismus, sehr leicht in einem Individuo über diese Bejahung hinaus, bis zur Ver ne inu ng desselben,
im andern Individuo erscheinenden Willens.“
52
58
Por natureza os homens são iguais, e embora existam diferenças entre eles em alguns aspectos, essas
diferenças não são tão grandes a ponto de permitir que alguém possa exigir algum tipo de status ou
benefício (Cf. Leviatã, p.183, p.[60], p. 78). Nem a força física serve como critério para se exigir algum
tipo de vantagem, uma vez que o mais fraco fisicamente pode superar o mais forte através da inteligência
ou através da aliança com outros homens. E aqueles que podem se afetar de igual modo são iguais. Cf.
FRATESCHI, Y. Estado e Direito em Thomas Hobbes. In: MACEDO, R. (org.) Curso de filosofia
política: do nascimento da filosofia a Kant. São Paulo: Atlas, 2008, p.300. Doravante abreviado como
Estado e Direito em Thomas Hobbes, seguido de indicação de página.
59
De Cive, p.94, p.27. “Right is the liberty each man has of using his natural faculties in accordance with
right reason”. No original latino: “Neque enim Iuris nomine aliud significatur, quam libertas quam
quisque habet facultatibus naturalibus secundum rectam rationem utendi.”
60
De Cive, p.94, p.27. Importante atentar para o fato de ser uma defesa da integridade física.
53
dura apenas enquanto existe a posse física desse bem –, e nem se pode definir o que é
justo ou injusto, uma vez que onde não há lei não há justiça.61 É um estado de vida no
qual todos os indivíduos possuem direito a tudo, e esse direito vai até onde vai o seu
poder. 62
Esses fatores tornam o estado de natureza um estado de vida insuportável,
um estado caracterizado pela guerra de todos contra todos, em que o homem é o lobo do
próprio homem. Como assinala Renato Janine Ribeiro, “Por natureza cada indivíduo
quer expandir-se; mas, fazendo-o, entra em guerra com os outros.” 63
Toda essa competição, essa falta de regras e de leis geram um estado de
desconfiança: não existem razões para acreditar na palavra do próximo, nem para
acreditar que não existe a concorrência por um mesmo fim. Não há razões suficientes
para crer que se está seguro, e não há garantias satisfatórias de vida: existe sempre o
medo da morte violenta à espreita; a desconfiança e as incertezas imperam, e a
autoconservação está em estado constante de ameaça. As incertezas são tantas que, se
um indivíduo se sentir ameaçado e julgar que a melhor forma de se preservar é atacando
primeiro, então esse ataque é legitimado – i.e., não pode ser censurado – pelo que
Hobbes chama de direito natural, porque, como visto, o indivíduo tem o direito de
proteger sua integridade física e vida pelos meios que julgar necessário.
Se a natureza do ser humano o faz competir, desconfiar dos outros, e
almejar à glória, não se pode afirmar que ele é um animal gregário, mas que sua
natureza tende à dissociação e à guerra. Contudo, não se deve cair no erro de julgar a
sua natureza como sendo simplesmente má. O ser humano no estado de natureza não é
61
Cf. Leviatã, p.188, p. [63], p. 81.
62
Segundo Richard Tuck, “A descrição completa do estado de natureza era claramente o coração da obra
hobbesiana; na verdade, ele foi o primeiro a cunhar esse termo, apesar da teoria de Grotius já ter
envolvido essa noção.” No original: “A full description of the state of nature was clearly at the heart of
Hobbes’s work; indeed, he was the first person to coin the term, though it is clear that Grotius’s theory in
fact involved such a notion” TUCK, R. The rights of war and peace – political thought and the
international order from Grotius to Kant. New York: Oxford University Press, 1999. p.135. Doravante
abreviado como The rights of War and Peace seguido de indicação de página.
“[...] para Hobbes o estado de natureza é o estado em que os homens vivem sem um poder político capaz
de obrigá-los a se respeitarem mutuamente e a obedecerem regras comuns. O estado de natureza é, em
suma, caracterizado pela ausência do Estado e de leis que possam regular as ações humanas e determinar
o que é o justo ou injusto”. (Estado e Direito em Thomas Hobbes, p.300).
63
RIBEIRO, R. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 1999. p.245. Pode-se dizer que essa asserção cabe também a Schopenhauer.
54
[...] tão logo uma multidão se rebela contra toda lei e ordem: aí se mostra de
imediato, da maneira mais nítida, o bellum omnium contra omnes [a guerra
de todos contra todos], descrito primorosamente por Hobbes no primeiro
capítulo do De Cive. 65
64
Pode-se dizer que a falta de direitos impera porque ter direito a tudo, nesse contexto, é como ter direito
a nada. O jovem Schopenhauer, em uma passagem de seus manuscritos, já reconhecera essa asserção:
“[...] de acordo com Hobbes, originalmente todos possuem direito a tudo, mas um direito exclusivamente
a nada.” HN I, Fragmento 527, Dresden 1816, Fólio h.h.h.h., p. 389. No original alemão: „[...]wie, nach
Hobbes, ursprünglich ein Jeder ein Recht auf ein Jedes Ding hat, aber auf keines ein ausschließliches[...].“
65
MVR, §61, p. 427, I 393. Tradução ligeiramente alterada. No original alemão: „[…] sobald irgend ein
Haufen Menschen von allem Gesetz und Ordnung entbunden ist: da zeigt sich sogleich aufs Deutlichste
das bellum omnium contra omnes, welches Hobbes, im ersten Kapitel De Cive, trefflich geschildert hat.“
55
66
MVR, p.438, I403-404. No original alemão: „Wer nun aber die rein moralische Betrachtung des
menschlichen Handelns bei Seite setzen, oder verleugnen, und das Handeln bloß nach dessen äußerer
Wirksamkeit und deren Erfolg betrachten will, der kann allerdings, mit Hobbes, Recht und Unrecht für
konventionelle, willkürlich angenommene und daher außer dem positiven Gesetz gar nicht vorhandene
Bestimmungen erklären, und wir können ihm nie durch äußere Erfahrung das beibringen, was nicht zur
äußern Erfahrung gehört; wie wir demselben Hobbes, der jene seine vollendet empirische Denkungsart
höchst merkwürdig dadurch charakterisirt, daß er in seinem Buche »De principiis Geometrarum« die
ganze eigentlich reine Mathematik ableugnet und hartnäckig behauptet, der Punkt habe Ausdehnung und
die Linie Breite, doch nie einen Punkt ohne Ausdehnung und eine Linie ohne Breite vorzeigen, also ihm
so wenig die Apriorität der Mathematik, als die Apriorität des Rechts beibringen können, weil er sich nun
einmal jeder nicht empirischen Erkenntniß verschließt.“
56
67
Cf. MVR, §62, p.429, I 394.
68
Aqui temos uma pequena discrepância entre formulações: somente no escrito SFM, do ano de 1840,
Schopenhauer inclui a invasão dos limites da afirmação da vontade que correspondem à liberdade como
uma das possibilidades de ocorrência da injustiça (Cf. SFM, §17, p.150-151, III 689-690). Na formulação
dos PP, datada do ano de 1851, a liberdade não é mencionada como uma categoria passível de ser afetada
de forma a ser configurada uma injustiça (Cf. PP, §121, p. 86, V 264). Em última instância, o ataque à
pessoa, à liberdade, à propriedade e à honra parecem se configurar como ataques à esfera de afirmação da
vontade do indivíduo, assim como o corpo, que é mencionado no contexto da destruição, dano, lesão ou
ferimento, mas não como ponto passível de ser afetado. Como parece estranho desconsiderar, a partir
dessa perspectiva de interpretação do conceito, um elemento tão importante como a liberdade, decidiu-se
por manter a formulação feita em SFM por considerá-la a mais completa, adicionando o corpo como lugar
passível de ser afetado por injustiça.
69
“Seu emergir [da vontade] na visibilidade, sua objetivação, possui tantas infindas gradações, como a
existente entre a mais fraca luz crepuscular e a mais brilhante luz solar, entre o mais forte tom e o mais
baixo eco.” MVR, §25, p.189, I 152. Tradução ligeiramente alterada. No original alemão: „sein
57
vontade engloba as forças mais gerais da natureza (die allgemeinsten Kräfte der Natur),
as quais são consideradas pelo autor como fenômenos imediatos – e ele usa como
exemplo os casos da gravidade e da eletricidade; em seguida ele aponta nessa gradação
o reino inorgânico (unorganisches Reich), o reino vegetal (Pflanzenreich), os animais
não humanos (Thiere), e, por fim, o ser humano (Mensch). Ele escreve: “Os reinos da
natureza formam uma pirâmide, cujo ápice é o ser humano.” 70
Schopenhauer identifica como grau mais flagrante de injustiça o
canibalismo, pois nele ocorre, de forma concreta, a contradição da vontade em seu mais
elevado grau de objetivação, no ser humano. Nesse evento observa-se a manifestação
mais nítida e plena da vontade consumir a si mesma em um outro corpo, no qual
também ela se manifesta de forma mais nítida e plena. Em seguida, o filósofo aponta o
homicídio como segundo grau mais alto de injustiça.71 A leitura do texto deixa
subentendido que para fins de classificação do grau de injustiça apenas o assassinato de
outro animal humano é considerado, não incluindo aí o assassinato de um animal não
humano. Diferindo apenas em grau do homicídio, mas em essência igual a ele, o autor
aponta a mutilação intencional ou a mera lesão do corpo de outro indivíduo. Como
quarto grau na escala de formas de injustiça tem-se o subjugar um indivíduo, fazendo
com que a vontade dele seja compelida a trabalhar para uma vontade estranha a dele. 72
O quinto grau de injustiça se manifesta no ataque à propriedade alheia.
O filósofo define propriedade (Eigentum), de forma genérica, como aquilo
que foi trabalhado por intermédio das próprias forças.73 De acordo com essa definição,
o trabalho do corpo alheio e a propriedade confundem-se e identificam-se, fazendo com
que o ato de atacar um corpo sem vida, i.e., o ato de atacar uma propriedade identificada
Hervortreten in die Sichtbarkeit, seine Objektivation, hat so unendliche Abstufungen, wie zwischen der
schwächsten Dämmerung und dem hellsten Sonnenlicht, dem stärksten Ton und dem leisesten
Nachklange sind.”
70
MVR, §28, p.219, I 182-183. No original alemão: „sie [alle Gestaltungen der Thiere, das Pflanzenreich,
die Unorganischen] bilden eine Pyramide, deren Spitze der Mensch ist.“
Se formos interpretar a filosofia schopenhaueriana de forma estrita, a partir do que ele escreve sobre as
diferenças entre os gêneros feminino e masculino, essa gradação teria a especificidade de ter o gênero
masculino como grau mais intenso da manifestação da vontade no plano fenomênico. O indivíduo genial
constituiria o seu ápice.
71
Schopenhauer escreve que o horror no homicídio cometido ou o tremor em vir a cometê-lo são os
responsáveis pelo apego à vida, condição inerente a todo ser vivo enquanto fenômeno da vontade para
vida (Cf. MVR, §62, p.430, I 395).
72
Essa lógica de funcionamento caracteriza a escravidão (Sklaverei) e será analisada adiante no texto.
73
Cf. MVR, §62, p.430, I 396.
58
com um corpo alheio, também seja injustiça. 74 Dessa maneira, quem usurpa uma
propriedade serve-se das forças do corpo, da vontade ali objetivada, a fim de fazê-las
servir à vontade objetivada no corpo usurpador. Em suas notas de aula sobre a ética
(1820), Schopenhauer define a propriedade da seguinte forma:
aquilo que não pode ser tomado do indivíduo sem incorrer em injustiça; o
que pode ser defendido pelo indivíduo até suas últimas consequências sem
cair em injustiça; o que se consegue mediante suas próprias forças e cuja
subtração priva a vontade que se objetiva nesse corpo das forças empenhadas
por seu corpo. 75
74
Em suma, atacar uma propriedade identificada com o corpo de outro indivíduo equivale a atacar esse
indivíduo.
75
HN, Metafísica dos Costumes, p.93, p.153. No original alemão: „Eigentliches Eigenthum, d. h. solches,
welches, ohne Unrecht, dem Menschen nicht genommen, hingegen ohne Unrecht aufs Aeußerste von ihm
vertheidigt werden kann, das kann, unsrer Ableitung des Unrechts zufolge, nur dasjenige seyn, was durch
seine Kräfte bearbeitet ist, durch Entziehung dessen man daher die darauf verwendeten Kräfte seines
Leibes, dem in diesem Leibe sich objektivirenden Willen entzieht, um solche Kräfte dem in einem andern
Leibe objektivirten Willen dienen zu lassen.“
76
Cf. HN, Metafísica dos Costumes, p. 90-92, p. 150-152.
77
Cf. HN, Metafísica dos Costumes, p.90, p.150.
78
Cf. HN, Metafísica dos Costumes, p.90, p.150.
59
forças do corpo animal para proveito humano, desde que justificado pelo contexto e de
que não seja feito de forma cruel, também não o é. Existem, ao menos, duas passagens
na obra publicada do autor que tentam justificar esses tipos de posicionamentos. Em
MVR, Schopenhauer escreve:
Que, de resto, a compaixão para com os animais não tenha de levar tão longe
a ponto de, como os brâmanes, abstermo-nos da nutrição animal baseia-se no
fato de que, na natureza, a aptidão para sofrer caminha passo a passo com a
inteligência. Por isso o ser humano, pela privação da nutrição animal,
principalmente no norte, sofreria mais do que sofre o animal por meio de uma
morte rápida e sempre imprevista, que, todavia, dever-se-ia aliviar ainda mais
mediante o clorofórmio. Em contrapartida, sem nutrição animal, o gênero
humano no norte nem ao menos pode fazer o animal trabalhar para ele, e só o
excesso de um esforço imposto torna-se crueldade 80.
79
MVR, §66, nota do autor, p.474, I 441. Tradução ligeiramente alterada. No original alemão: „Das Recht
des Menschen auf das Leben und die Kräfte der Thiere beruht darauf, daß, weil mit der Steigerung der
Klarheit des Bewußtseyns das Leiden sich gleichmäßig steigert, der Schmerz, welchen das Thier durch
den Tod, oder die Arbeit leidet, noch nicht so groß ist, wie der, welchen der Mensch durch die bloße
Entbehrung des Fleisches, oder der Kräfte des Thieres leiden würde, der Mensch daher in der Bejahung
seines Daseyns bis zur Verneinung des Daseyns des Thieres gehen kann, und der Wille zum Leben im
Ganzen dadurch weniger Leiden trägt, als wenn man es umgekehrt hielte. Dies bestimmt zugleich den
Grad des Gebrauchs, den der Mensch ohne Unrecht von den Kräften der Thiere machen darf, welchen
man aber oft überschreitet, besonders bei Lastthieren und Jagdhunden; wogegen daher die Thätigkeit der
Thier-Schutz-Gesellschaften besonders gerichtet ist. Auch erstreckt jenes Recht, meiner Ansicht nach,
sich nicht auf Vivisektionen, zumal der oberen Thiere. Hingegen leidet das Insekt durch seinen Tod noch
nicht so viel, wie der Mensch durch dessen Stich. - Die Hindu sehen dies nicht ein.“
80
SFM, §19, p.183, III 715. Tradução ligeiramente alterada. No original alemão: „Daß übrigens das
Mitleid mit Thieren nicht so weit führen muß, daß wir, wie die Brahmanen, uns der thierischen Nahrung
zu enthalten hätten, beruht darauf, daß in der Natur die Fähigkeit zum Leiden gleichen Schritt hält mit der
Intelligenz; weshalb der Mensch durch Entbehrung der thierischen Nahrung, zumal im Norden, mehr
leiden würde, als das Thier durch einen schnellen und stets unvorhergesehenen Tod, welchen man jedoch
mittelst Chloroform noch mehr erleichtern sollte. Ohne thierische Nahrung hingegen würde das
Menschengeschlecht im Norden nicht ein Mal bestehen können. Nach dem selben Maaßstabe läßt der
61
Mensch das Thier auch für sich arbeiten, und nur das Uebermaaß der aufgelegten Anstrengung wird zur
Grausamkeit.“
81
Cf. MVR, §62, p.432, I 398.
62
[...] visto que [a mentira] em si tem por fim estender o domínio da minha
vontade sobre os outros indivíduos, portanto intenta afirmar a vontade pessoal
através da negação da vontade alheia, exatamente como o faz a violência. 82
82
MVR, §62, p.433, I 399. No original: „weil sie schon als solche zum Zweck hat, die Herrschaft meines
Willens auf fremde Individuen auszudehnen, also meinen Willen durch Verneinung des ihrigen zu
bejahen, so gut wie die Gewalt“.
83
Em suas notas de aula Schopenhauer escreve: “A mentira supõe tanta injustiça como qualquer ato de
violência”. HN, Metafísica dos Costumes, p.96, p.177. No original alemão: „Aus dem Gesagten folgt, daß
jede Lüge eben so Unrecht ist, wie jede Gewaltthätigkeit.“
84
Cf. MVR, §62, p.433, I 399.
63
85
GIACOIA, O. A mentira e as luzes: aspectos da querela a respeito de um presumível direito de mentir.
In: PUENTE, F. R. (Org.). Os filósofos e a mentira. Belo Horizonte: Editora UFMG; Departamento de
Filosofia – FAFICH/UFMG, 2002, p.18-19. Doravante abreviado como A Mentira e as Luzes, seguido de
indicação de página.
86
Contudo, não existe nessa passagem nenhuma indicação de como quantificar as variáveis dessa fórmula
matemática. SFM, § 17, p.150, III 689. No original alemão: „die Größe der Ungerechtigkeit meiner
Handlung ist gleich der Größe des Uebels, welches ich einem Andern dadurch zufüge, dividirt durch die
Größe des Vortheils, den ich selbst dadurch erlange.“
64
Escravidão e Servidão
87
Schopenhauer define dever (Verpflichtung) como toda ação que se omitida causa injustiça.
88
SFM, §17, p.151, III 690. No original alemão: „Dies ist z.B. der Fall, wo der bestellte Wächter, oder
Geleitsmann, zum Mörder, der betraute Hüter zum Dieb wird, der Vormund die Mündel um ihr
Eigenthum bringt, der Advokat prävaricirt, der Richter sich bestechen läßt, der um Rath Gebetene dem
Frager absichtlich einen verderblichen Rath ertheilt;“
65
Como o ser humano se comporta com o ser humano, mostra, por exemplo, a
escravidão dos negros, a qual possui como finalidade o açúcar e o café. Mas
não é preciso ir muito longe: aos cinco anos começar a trabalhar em uma
tecelagem, ou em outra fábrica qualquer, e permanecer sentado, no início, por
dez horas, depois por doze e enfim por quatorze, continuando a fazer o
mesmo trabalho mecânico, é pagar um preço caro pelo prazer de respirar. É
essa a sorte de milhões [de pessoas], e muitos outros milhões possuem uma
sorte análoga. 89
89
MVR II, Kapitel 46 – Von der Nichtigkeit und dem Leiden des Lebens, II 661. No original alemão:
„Wie der Mensch mit dem Menschen verfährt, zeigt z.B. die Negersklaverei, deren Endzweck Zucker und
Kaffee ist. Aber man braucht nicht so weit zu gehen: im Alter von fünf Jahren eintreten in die
Garnspinnerei, oder sonstige Fabrik, und von Dem an erst 10, dann 12, endlich 14 Stunden täglich darin
sitzen und die selbe mechanische Arbeit verrichten, heißt das Vergnügen, Athem zu holen, theuer
erkaufen. Dies aber ist das Schicksal von Millionen, und viele andere Millionen haben ein analoges.“
90
Cf. 2.2.20 Um tipo de Justiça Infalível: a Justiça Eterna, p.119.
91
Schopenhauer parece desconsiderar o contexto histórico e os fatores econômicos que levaram a
Inglaterra a abolir a escravidão e fazer pressão para que outros países também o fizessem. SFM, §18 A
virtude da caridade, p.163-164 , III 700. No original alemão: „Er tritt im Großen ein, wenn, nach langer
Ueberlegung und schwerer Debatte, die hochherzige Brittische Nation 20 Millionen Pfund Sterling
hingiebt, um den Negersklaven in ihren Kolonien die Freiheit zu erkaufen; unter dem Beifallsjubel einer
ganzen Welt. Wer diese schöne Handlung im großen Stil, dem Mitleid als Triebfeder absprechen wollte,
um sie dem Christenthum zuzuschreiben, bedenke, daß im ganzen Neuen Testament kein Wort gegen die
Sklaverei gesagt ist; so allgemein auch damals die Sache war; und daß vielmehr, noch 1860, in Nord-
Amerika, bei Debatten über die Sklaverei, Einer sich darauf berufen hat, daß Abraham und Jakob auch
Sklaven gehalten haben.“
66
Quando passamos à leitura dos PP, podemos notar dois contextos distintos
nos quais o subjugar outro indivíduo é tratado. No capítulo V, Algumas palavras sobre
o panteísmo (Einige Worte über den Pantheismus), a situação é muito próxima à
relatada no segundo tomo de MVR:
Pois deveria se tratar de um Deus muito mal esclarecido, que não soube
encontrar melhor divertimento que se transformar num mundo como este, tão
faminto, e para aqui suportar, na figura de inumeráveis milhões de seres
vivos, porém aterrorizados e maltratados, que em sua totalidade conseguem
existir momentaneamente apenas se devorando uns aos outros, a lástima, a
necessidade e a morte, sem medida e sem finalidade, na figura, por exemplo,
de seis milhões de escravos negros que recebem diariamente em média
sessenta milhões de chicotadas sobre o corpo nu, e na figura de três milhões
de tecelões europeus que vegetam debilmente com fome e desgosto, em
catres mofados ou salões de fábrica desolados etc. Que passatempo para um
deus!. 92
92
PP, §69, p.146-147, V 107. No original alemão: „Es müßte ja offenbar ein übel berathener Gott seyn,
der sich keinen bessern Spaaß zu machen verstände, als sich in eine Welt, wie die vorliegende, zu
verwandeln, in so eine hungrige Welt, um daselbst in Gestalt zahlloser Millionen lebender, aber
geängstigter und gequälter Wesen, die sämmtlich nur dadurch eine Weile bestehn, daß eines das andere
auffrißt, Jammer, Noth und Tod, ohne Maaß und Ziel zu erdulden, z.B. in Gestalt von 6 Millionen
Negersklaven, täglich, im Durchschnitt, 60 Millionen Peitschenhiebe auf bloßem Leibe zu empfangen,
und in Gestalt von 3 Millionen Europäischer Weber unter Hunger und Kummer in dumpfigen Kammern
oder trostlosen Fabriksälen schwach zu vegetiren u.dgl.m. Das wäre mir eine Kurzweil für einen Gott!“
67
Muitos corpos lado a lado são afirmados (via de regra) cada um através de
uma vontade: e essa afirmação pertence a cada um, sem injustiça e sem que
93
Cf. HN I, Fragmento 286, Dresden 1814 – Folha Q.Q – R.R., p. 174-176, p.189-192 (o qual parece
constituir o primeiro rascunho), e HN I, Fragmento 693, Dresden 1817 – Folha 17, p.482-483, p.534
(fragmento com o texto mais próximo da redação final do texto de MVR).
68
um outro possa se queixar sobre isso; porque também a sua própria vontade é
de tal afirmação. Mas se alguém vai tão longe na afirmação de seu corpo que
essa afirmação se torna negação do corpo de outro e através disso a vontade
se torna visível, então denominamos isso injustiça. Isso ocorre não apenas
quando um devora o outro (canibalismo), ou então porque alguém fica em
seu caminho, e então é morto; mas também quando um obriga o outro a
utilizar suas forças para preservação ou comodidade de si mesmo: porque
minhas forças pertencem ao meu corpo enquanto sua qualidade, assim como
o produto dessas forças. Esse é o caso mais flagrante de servidão: mas
também já é o caso da organização, provocada pela desigualdade de
propriedade, ordenação na qual um alimenta o outro, um trabalha para o
outro, como o camponês para o burguês, quando esse não o compensa de
uma outra maneira, e essa compensação certamente pode ocorrer de uma
forma muito complexa e distante. 94
94
HN I, Fragmento 286, Dresden 1814 – Folha R.R., p. 174. No original alemão: „Die vielen Leiber
nebeneinander werden (in der Regel) jeder durch einen Willen bejaht: und diese Bejahung steht Jedem zu,
ohne Unrecht und ohne daß ein Andrer darüber klagen könne; weil auch sein eigner Wille eine solche
Bejahung ist. Geht nun aber irgend Einer in der Bejahung seines Leibes so weit, daß sie zur Verneinung
der andern Leiber und der durch solche in die Sichtbarkeit getretnen Willen wird; so nennen wir dies
Unrecht. Dies geschieht nicht nur wenn Einer den Andern frißt (Kannibalismus), oder auch nur, weil er
ihm im Wege steht, tödtet; sondern auch sobald einer den Andern zwingt seine Kräfte zur Erhaltung oder
Annehmlichkeit Jenes zu verwenden: denn meine Kräfte gehören zu meinem Leibe als seine Qualität
eben so das Produkt dieser Kräfte.) Dies ist am krassesten bei der Leibeigenschaft: aber es ist auch schon
der Fall bei der durch die Ungleichheit des Eigenthums herbeigeführten Einrichtung daß Einer den
Andern ernährt und für ihn arbeitet, wie der Bauer für den Bürger wenn nicht dieser es auf eine andre
Weise kompensirt, welche Kompensation aber freilich auf eine sehr verwickelte und entfernte Weise
geschehn mag.“
95
Cf. WAHRIG, G. Deutsches Worterbuch: mit einen "Lexikon der Deutschen Sprachlehre". 6. Aufl.
Gutersloh: Bertelsmann, 1997, p. 805.
96
Cf. MVR, §62, p.443, I 409 e PP, §125, p.89, V 267.
69
(Sklaverei). Ambas são injustiças que ocorrem pelo uso das forças de uma pessoa sem o
seu consentimento, embora comportem diferenças na forma pela qual se realizam.
A segunda observação sobre a passagem citada refere-se ao fato de que já
nessa formulação de juventude é possível verificar a existência de escusas para justificar
as relações de escravidão e servidão – as quais Schopenhauer enuncia e desenvolve de
forma mais atida apenas no §125 de PP (1851) –, como espera-se ter sido possível
mostrar.
Em nenhum dos registros textuais analisados os seres humanos em situação
de servidão são tratados como uma propriedade (Eigentum), e em nenhum desses
registros encontramos a honra (Ehre) dos afetados apresentada como fator considerado
nas relações estabelecidas. São omissões sobre dois aspectos importantes.
Em qual contexto, então, esse tipo de injustiça poderia ser considerado uma
injustiça dupla? É possível pensar, por exemplo, nos casos de ofertas de trabalho que
acabam revelando-se falsas promessas, resultando na ruptura do que fora acordado entre
as partes (a ruptura do contrato), e em situações de precariedade da vida, ou até mesmo
em situações de trabalho análogos ao trabalho escravo. Guiados por falsas promessas,
indivíduos são convencidos a aceitar situações que os levam a uma circunstância muito
diferente da esperada, na qual aqueles que teoricamente seriam responsáveis pelo zelo
da integridade de tais indivíduos revelam-se os seus algozes: esse é o caso de milhares
de indivíduos vitimados pelo tráfico de pessoas, sendo que podemos lembrar dos casos
mais específicos de imigrantes que aceitam propostas de trabalho e acabam em
situações análogas ao trabalho escravo, e dos casos de milhares de mulheres, vítimas da
escravidão sexual. A primeira etapa, o aliciamento, geralmente se dá por meio da
astúcia; a segunda etapa, a manutenção do indivíduo em tal situação, em geral, pela
violência.
Para ficar no próprio exemplo dado por Schopenhauer: o senhor deve cuidar
do seu escravo (nos casos de doença, velhice, etc.), mas ele pode, também, torturar,
matar, ou não oferecer os cuidados mínimos para subsistência digna: nesse caso, o
“protetor” é quem agride, maltrata e fere quem ele deveria cuidar.
Até o momento, abordou-se nesse texto a origem, a definição, os graus e
alguns desdobramentos da injustiça. Para Schopenhauer, o conceito de injustiça possui
precedência ontológica frente ao conceito de justiça. Isso significa que a injustiça é um
conceito não só originário e positivo – e isso se dá pelo fato de que ela é sentida
70
Dessa forma, será classificada (subsumiert) como justa toda ação que não
ultrapasse o limite exposto, ou seja, toda ação que não seja negação da vontade alheia
em favor da mais forte afirmação da vontade. Em SFM, Schopenhauer faz alusão à
definição de justo e injusto estabelecida por aquele que ele considera o pai da doutrina
filosófica do direito, o jusfilósofo holandês Hugo Grotius. 99 Segundo Grotius, “É injusto
o que repugna à natureza da sociedade dos seres dotados de razão”,100 i.e., injusto é
aquilo que atenta contra os limites do direito do outro, estabelecidos pelos ditames da
reta razão, e
97
Cf. SFM, §16, 138-139, III 680-681, grifo nosso; Cf. MVR, §62, p.434, I 399.
98
SFM, §17, p.147, III 687. No original alemão: „Die Negativität der Gerechtigkeit bewährt sich, dem
Anschein entgegen, selbst in der trivialen Definition: »Jedem das Seinige geben.« Ist es das Seinige,
braucht man es ihm nicht zu geben: bedeutet also: »Keinem das Seinige nehmen.«“
99
Cf. SFM, §17, p.147, III 687.
100
DGP, Livro I, Capítulo I, Seção III, § 1, p.73. No original em latim: “Est autem iniustum quod naturæ
societatis ratione utentium repugnat.”
71
a palavra direito nada significa mais aqui do que aquilo que é justo. Isto, num
sentido mais negativo que afirmativo, de modo que o direito transparece
como aquilo que não é injusto.101
101
DGP, Livro I, Capítulo I, Seção III, § 1, p.72-73. Tradução da edição brasileira para: “Nam ius hic
nihil aliud quam quod iustum est significat: idque negante magis sensu quam aiente, ut ius sit quod
iniustum non est.”
102
MVR, §62, p. 435, I 400. No original: „Der Begriff des Rec ht s, als der Negation des Unrechts, hat
aber seine hauptsächliche Anwendung, und ohne Zweifel auch seine erste Entstehung, gefunden in den
Fällen, wo versuchtes Unrecht durch Gewalt abgewehrt wird, welche Abwehrung nicht selbst wieder
Unrecht seyn kann, folglich Recht ist; obgleich die dabei ausgeübte Gewaltthätigkeit, bloß an sich und
abgerissen betrachtet, Unrecht wäre, und hier nur durch ihr Motiv gerechtfertigt, d.h. zum Recht wird.“
103
Isto é, ele tem o direito de afirmar a própria vontade sobre a vontade estranha.
104
Cf. MVR, §62, p. 435, I 401.
72
direito de mentir exatamente na mesma extensão em que ele possui o direito de coerção
(ein wirkliches Recht zur Lüge, gerade so weit, wie ich es zum Zwange habe). 105
105
Cf. MVR, §62, p. 436, I 401.
106
“Por mais que o Véu de Maia envolva espessamente os sentidos da pessoa má, noutros termos, por
mais firmemente que ela se enrede no principio individuationis, de acordo com o qual se considera
absolutamente diferente dos demais seres e deles separada por um amplo abismo, conhecimento ao qual
adere com todo o seu vigor, visto que somente ele se conforma ao seu egoísmo e lhe dá sustento, de
maneira que o conhecimento é quase sempre corrompido pela vontade – lateja, entretanto, no mais íntimo
de sua consciência o pressentimento de que essa ordem de coisas é simples fenômeno.” MVR, §65, p.465,
I 431. No original alemão: „So dicht nämlich auch den Sinn des Bösen der Schleier der Maja umhüllt,
d.h. so fest er auch im principio individuationis befangen ist, demgemäß er seine Person von jeder andern
als absolut verschieden und durch eine weite Kluft getrennt ansieht, welche Erkenntniß, weil sie seinem
Egoismus allein gemäß und die Stütze desselben ist, er mit aller Gewalt festhält, wie denn fast immer die
Erkenntniß vom Willen bestochen ist; so regt sich dennoch, im Innersten seines Bewußtseyns, die
geheime Ahndung, daß eine solche Ordnung der Dinge doch nur Erscheinung ist, […].“
107
Schopenhauer define sentimento da seguinte forma: “[...] o oposto propriamente dito do SABER é o
SENTIMENTO, oposição que merece aqui a sua explanação. O conceito que designa a palavra
SENTIMENTO possui em realidade um conteúdo meramente NEGATIVO, noutros termos, designa algo
presente na consciência que NÃO É CONCEITO, NÃO É CONHECIMENTO ABSTRATO DA
RAZÃO.” E isso significa que o sentimento não se encontra no âmbito do racional. MVR I, §11, p.100, I
61. No original alemão: „In dieser Hinsicht ist nun der eigentliche Gegensatz des Wis se ns das Ge f ühl,
dessen Erörterung wir deshalb hier einschalten müssen. Der Begriff, den das Wort Gefühl bezeichnet, hat
durchaus nur einen neg at iv e n Inhalt, nämlich diesen, daß etwas, das im Bewußtseyn gegenwärtig ist,
nic ht Begr iff, nic ht abst r akt e Er kennt niß der Ver nunft se i. “
73
“o saber do indivíduo sobre aquilo que fez”; 108 a consciência moral pode ser entendida
como um tipo de reconhecimento (Erkenntnis), porém um reconhecimento não teórico,
um reconhecimento sentido, uma espécie de sentimento, podendo ser considerada como
a expressão emocional sensível do conhecimento que temos do significado moral de
nossas ações. Schopenhauer escreve em uma anotação sua de juventude: “O indivíduo
reconhece na sucessão da vida, como em um espelho, a sua vontade: o pavor suscitado
por esse reconhecimento é a consciência moral.” 109 Nesse sentido, o juízo de valor
expresso pela consciência moral, que aprova ou desaprova, 110 funciona, também, como
uma espécie de reconhecimento da consciência moral do indivíduo de que os atos ali
praticados são de sua autoria, i.e., serve como reconhecimento do indivíduo de que ele é
responsável pelos atos que pratica.
São nas e pelas ações que afetam a consciência moral que cada um passa a
se conhecer, i.e., passa a ter acesso àquilo que é, ao seu caráter; mas isso não significa –
nem pode significar – que ela é a responsável por esse caráter:
108
SFM, §8, p.87, III 640. No original alemão: „Es ist das Wissen des Menschen um Das, was er gethan
hat.“ Sobre a consciência moral ser a tomada de consciência do sentido ético da ação, pode-se ler em
MVR §64, p.456, I 422: “Mas, a partir de nossa exposição não mítica porém filosófica da justiça eterna,
queremos agora passar à consideração que lhe é aparentada do significado ético da ação e consciência
moral, que não passa do mero conhecimento sentido desse significado.” No original alemão: „Aber von
unserer nicht mythischen, sondern philosophischen Darstellung der ewigen Gerechtigkeit wollen wir jetzt
zu den dieser verwandten Betrachtungen der ethischen Bedeutsamkeit des Handelns und des Gewissens,
welches die bloß gefühlte Erkenntniß jener ist, fortschreiten.“
109
HN I, Fragmento 191, Weimar 1814, Folha Z, p.106. No original alemão: „Der Mensch erkennt in der
Succession des Lebens, wie in einem Spiegel seinen Willen: der Schreck über diese Erkenntniß ist das
Gewissen.“
110
“[…] por mais diferentes que sejam os dogmas religiosos dos povos, o bom feito é acompanhado,
entre eles, de contentamento indizível, e o mal de um horror sem fim: os primeiros não admitem zombaria
alguma; os últimos, padre algum pode nos absolver. MVR, §12, p.108, I 69. Tradução ligeiramente
alterada. No original alemão: „[…] wie verschieden auch die religiosen Dogmen der Völker sind, so ist
doch bei allen die gute That von unaussprechlicher Zufriedenheit, die böse von unendlichem Grausen
begleitet: erstere erschüttert kein Spott: von letzterem befreit keine Absolution des Beichtvaters.“
111
SFM, §9, p.87, III 640. No original alemão: „An den Thaten allein lernt ein Jeder sich selbst, so wie
die Andern, empirisch kennen, und nur sie belasten das Gewissen. Denn sie allein sind nicht
problematisch, wie die Gedanken, sondern, im Gegensatz hievon, gewiß, stehen unveränderlich da,
werden nicht bloß gedacht, sondern gewuß t . “
74
112
SFM, §9, p.87, III 639. No original alemão: „Hierauf scheint mir sogar die Etymologie des Wortes
Gewissen zu beruhen, indem nur das bereits Geschehene gewiß ist.“
113
Cf. SFM, §13, p.116, III 662.
75
Na escala dos distintos graus de força com que se manifesta a vontade para
vida no indivíduo humano, os conceitos de justiça e injustiça constituem um
ponto fixo (como o ponto de congelamento dos termômetros), a saber, o
ponto onde a afirmação da própria vontade se torna negação da vontade
alheia, isto é, o ponto no qual a vontade revela o grau de sua intensidade e,
igualmente, o grau de confusão do conhecimento imerso no principium
individuationis, através do agir injusto. 114
114
HN, Metafísica dos Costumes, p.101, p.162. No original alemão: „Nämlich auf der Skala der höchst
verschiedenen Grade der Stärke mit welchen der Wille zum Leben in menschlichen Individuen sich
offenbart, sind die Begriffe Recht und Unrecht in fester Punkt (wie der Eispunkt auf dem Thermometer),
nämlich der Punkt, wo die Bejahung des eigenen Willens zur Verneinung des fremden wird: d. h. auf
diesem Punkt giebt der Wille den Grad seiner Heftigkeit, und zugleich den Grad der Befangenheit der
Erkenntniß im principio individuationis an, durch Unrecht-Thun.“
115
Cf. MVR, §62, p.436, I 402.
116
Por selvagem entenda-se qualquer indivíduo que não tenha crescido sob a tutela de um Estado e que
desconheça, por isso, as leis positivas. HN, Metafísica dos Costumes, p.102, p.163. No original alemão:
„Alle Wilde nämlich kennen Recht und Unrecht.“
76
117
MVR, §62, p.437, I 403. Tradução ligeiramente alterada. No original: „Diese rein moralische
Bedeutung ist die einzige, welche Recht und Unrecht für den Menschen als Menschen, nicht als
Staatsbürger haben, die folglich auch im Naturzustande, ohne alles positive Gesetz […].“
Nota-se neste excerto a primeira inversão na ordem dos termos: injustiça e justiça, empregados até então
sempre nesta ordem, para justiça e injustiça.
118
Cf. MVR, §9, p.90, I 51.
119
Christian Thomasius (1655-1728) foi um dos primeiros pensadores a retirar o direito da esfera da
moral e da ética. (Cf. FASSÒ, G. Historia de la filosofia del derecho. Tradução de José F. Lorca
Navarrete. Madri: Ediciones Pirámide S.A., 1979. v.II, p.170. Doravante abreviado por HFD, seguido por
indicação de página). Kant também opera com essa distinção, o que é motivo de duras críticas
provenientes de Schopenhauer ao filósofo de Königsberg (Cf. a seção deste trabalho intitulada 2.3.2 As
Objeções Feitas por Arthur Schopenhauer à Doutrina Kantiana do Direito, p.128). Deve-se atentar para
o fato de que toda argumentação schopenhaueriana, no que tange à fundamentação da doutrina do direito,
é um esforço em subsumir o conceito de direito, novamente, à esfera da ética e da moral.
77
120
MVR, §62, p.437, I 403. No original: „Im Naturzustande hängt es nämlich von Jedem bloß ab, in
jedem Fall nicht Unrecht zu t hun, keineswegs aber in jedem Fall nicht Unrecht zu le id e n, welches von
seiner zufälligen äußern Gewalt abhängt.“
121
BARBERA, S. Une philosophie du conflit – études sur Schopenhauer. Tradução de Marie France
Merger (com exceção do segundo anexo, traduzido por Olivier Ponton). Paris: Presses Universitaires de
France, 2004. Collection Perspectives Germaniques, p. 104. No texto em francês : « En même temps, il
expliquait l'origine du droit naturel comme corollaire de la théorie du corps-volonté, et il le faisait en se
reportant au modèle de conflit que Hobbes avait exposé dans le premier livre du De Cive. La création du
droit naturel sera reprise par la suite en des termes qui, en substance, ne changeront pas, mais avec un a
ajout important, dans le § 62 du Monde. Aussi bien dans les Erstlingmanuskripte que dans Le Monde,
l'identité du corps et de la volonté permet de dessiner un diagramme des différentes intensités
d'affirmation de la volonté, qui se redent visibles comme actions du corps et de ses forces à l'égard des
autres corps et de leurs sphères d'influence. »
78
122
Para uma apreciação do tema para além dessa pequena introdução, conferir o texto do professor
Oswaldo Giacoia Junior no qual ele articula a exposição da problemática do direito à mentira com o
contexto histórico-filosófico do iluminismo e sua recepção: Cf. GIACOIA, O. A Mentira e as Luzes.
123
“Nos casos em que tenho um direito à força, tenho também à mentira.”. SFM, §17, p.154, §17, III 692.
No original alemão: „Ich habe also in den Fällen, wo ich ein Recht zur Gewalt habe, es auch zur Lüge.“
124
GIACOIA, O. A Mentira e as Luzes, p.28.
79
praticante, e que esse fato explica e afasta a contradição entre a moral que é pregada e
ensinada, e a moral praticada por aquelas pessoas que são consideradas íntegras.
Qualquer mentira que não seja astúcia antecipatória, i.e., o emprego da
astúcia contra a violência, ou da astúcia contra a astúcia visando à autoconservação, é
simplesmente o exercício da injustiça, sendo moralmente censurável.
125
Cf. SFM, §13, p.110, III 658.
126
MVR, §62, p.430, I 396. Na citação feita por Schopenhauer, em alemão: „»Weise, welche die Vorzeit
kennen, erklären, daß ein bebautes Feld Dessen Eigenthum ist, welcher das Holz ausrottete, es reinigte
und pflügte; wie eine Antilope dem ersten Jäger gehört, welcher sie tödtlich verwundete.« — Gesetze des
Menu, IX, 44.“
80
127
A argumentação de Schopenhauer está majoritariamente visando Kant e sua Metaphysik der Sitten
(Metafísica dos Costumes). A seção 2.3.2 As Objeções Feitas por Arthur Schopenhauer à Doutrina
Kantiana do Direito é totalmente dedicada às críticas feitas por Schopenhauer à filosofia kantiana do
direito e contempla o caso do direito à propriedade.
128
MVR II, Kapitel 47 – Zur Ethik, II 682. No original alemão: „»Einige Moralisten haben das Recht der
Europäer, in den Landstrichen der Amerikanischen Urvölker sich niederzulassen, in Zweifel gezogen.
Aber haben sie die Frage reiflich erwogen? In Bezug auf den größten Theil des Landes, beruht das
Eigenthumsrecht der Indianer selbst auf einer zweifelhaften Grundlage. Allerdings würde das Naturrecht
ihnen ihre angebauten Felder, ihre Wohngebäude, hinreichendes Land für ihren Unterhalt und Alles, was
persönliche Arbeit einem Jeden noch außerdem verschafft hätte, zusichern. Aber welches Recht hat der
Jäger auf den weiten Wald, den er, seine Beute verfolgend, zufällig durchlaufen hat? «.“
129
Cf. MVR, §62, p.431, I 397, Nota do Autor.
81
de nascimento (Rechte Geburt). A ligação entre esses dois tipos de direito é tão estreita
que, apesar do direito de nascimento não ser tão bem fundado quanto o de propriedade,
a exclusão daquele colocaria este em perigo. 130 Para os indivíduos que vivem em
sociedade é muito difícil conseguir visualizar a relação existente entre o direito de
propriedade assegurado pelo dispositivo coercitivo e mantenedor das relações da vida
social, o direito positivo assegurado pelo Estado, e o direito moral à propriedade
baseado no trabalho elaborador. Apesar da fonte originária desse direito basear-se em
um direito natural, são muitos estágios intermediários: é possível pensar na propriedade
herdada, na propriedade adquirida pelo casamento, adquirida pela troca, pela venda,
pelo ganho, etc. Esse distanciamento entre o fundamento e o asseguramento da posse
faz, segundo Schopenhauer, com que se tenha a impressão e se acredite que o fator de
garantia da propriedade é o direito positivo:
130
Cf. PP, §130, p.259, V 283-384.
131
SFM, §13, p.111, III 659. No original alemão: „Es bedarf schon bedeutender Bildung, um bei allem
solchen Besitz das ethische Recht zu erkennen und es demnach aus rein moralischem Antriebe zu achten.
- Demzufolge betrachten Viele, im Stillen, das Eigenthum der Andern als allein nach positivem Rechte
besessen.“
132
Nesse ponto é absolutamente nítida a proximidade de Schopenhauer com o jusfilósofo holandês.
133
Cf. DGP, Livro II, Capítulo I, Seção II, § 1, p.310.
82
local é daquele que o ocupa.” 134 E quando esse direito de uso coletivo universal passou
a vigorar sob o estatuto de uma posse privada? Grotius responde: “Foi, no entanto, o
resultado de uma convenção, seja expressa através de partilha, seja tácita através, por
exemplo, de ocupação.” 135
Hobbes, como mencionado acima, argumenta que no estado de natureza
todos teriam direito a tudo, e que esse direito a tudo seria como ter direito a nada. O
pacto que dá origem ao Estado implica a restrição consentida da liberdade em empregar
os meios julgados necessários para a manutenção da própria vida, e a abdicação em ter
direito a todas as coisas – que resulta na possibilidade de ter direito exclusivo sobre
determinados objetos. Um súdito do Estado que detém a posse de um determinado
objeto, como, por exemplo, uma extensão de terra, possui o direito de excluir todos os
outros súditos do uso dessas terras. 136 Nascia dessa forma, segundo Hobbes, o conceito
de propriedade privada e o seu asseguramento.
Para Rousseau, o estado de natureza é um estado de vida no qual os homens
podem ter direito a tudo quanto aventuram e podem alcançar,137 e no qual não existem
distinções morais entre os indivíduos, o que permite aferir a existência de uma
igualdade natural entre os indivíduos no que se refere à moral. 138 Para o filósofo
genebrino, a exposição pela qual se origina a propriedade privada faz parte do processo
de distanciamento do ser humano de sua natureza original. Nesse processo, primeiro foi
originada a noção de posse; depois, da terra partilhada, surgiu a demarcação e limitação
de terras, e as primeiras regras de justiça, porque “para dar a cada um o que é seu, é
preciso que cada um possua alguma coisa.” 139 O trabalho de formação empreendido
pelo primeiro ocupante do lote de terra demarcado trouxe a posse, agora contínua, que
se transformou, aos poucos, em propriedade, e, assim, surgiu o que se entende por
direito de propriedade – mas um direito ainda precário porque não perene.
134
DGP, Livro II, Capítulo II, Seção II, § 1, p.310. Tradução da edição brasileira para: “Theatrum cum
commune sit, recte tamen dici potest eius esse eum locum quem quisque occuparit.”
135
DGP, Livro II, Capítulo II, Seção II, § 5, p.314. Tradução da edição brasileira para: “sed pacto
quodam aut expresso, ut per diuisionem, aut tacito, ut per occupationem.”
136
Cf. Leviatã, p.297, p. [128], p.155.
137
Esse ponto pode ser entendido como uma das várias reminiscências da filosofia de Hobbes em
Rousseau. Sobre esses aspectos Cf. TUCK, R. The Rights of War and Peace, p.197-207.
138
No que se refere à moral porque as desigualdades físicas (diferença de idades, de saúde, qualidades do
espírito e da alma, vigor, capacidades físicas, agilidade, etc.) são desigualdades inevitáveis e, em geral,
benignas.
139
Segundo Discurso, p.272, p.173. No original: « […] car pour rendre à chacun le sien, il faut que
chacun puisse avoir quelque chose ».
83
(Reta Razão)
Essa parte da nossa exposição ganhará muito em força e conteúdo se nos for
permitida uma rápida digressão para mostrar a importância do conceito de reta razão
(recta ratio) e o modo pelo qual ele é operado por autores que exerceram influência
confessa em Schopenhauer, como Hugo Grotius e Thomas Hobbes.
Especialmente nos prolegômenos de sua obra mais conhecida, De iure belli
ac pacis (O Direito de Guerra e de Paz), Grotius se empenha em fundamentar
jusfilosoficamente o Direito Internacional – a regulação jurídica entre os Estados
nacionais – para, assim, poder definir o que seria uma guerra justa. É justamente essa
parte da obra, essa fundamentação filosófica, que mais interessou e foi debatida pelos
140
Segundo Discurso, p.280, p.184. No original: « [...] comme un vrai contrat entre le peuple et les chefs
qu'il se choisit, contrat par lequel les deux parties s'obligent à l'observation des lois qui y sont stipulées et
qui forment les liens de leur union».
141
“O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto
aventura e pode alcançar. O que com ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo que possui.”Do
Contrato Social, Livro I, Capítulo VIII, p.42, p.364. No original: «ce que l'homme perd par le contrat
social, c'est sa liberté naturelle et un droit illimité à tout ce qui le tente et qu'il peut atteindre; ce qu’il
gagne, c'est la liberté civile et la propriété de tout ce qu’il possède».
84
142
É importante frisar que a análise aqui empreendida não será focada exclusivamente nessa seção da
obra de Grotius.
143
“Costuma-se provar de duas maneiras que algo é de direito natural: a priori e a posteriori. Desses dois
modos, o primeiro é mais abstrato e o segundo, mais popular. Prova-se a priori demonstrando a
conveniência ou inconveniência necessária de uma coisa com a natureza racional e social. Prova-se a
posteriori concluindo, se não com uma certeza infalível, ao menos com bastante probabilidade, que uma
coisa é de direito natural porque é tida como tal em todas as nações ou entre as que são mais civilizadas”.
DPG, Livro I, Capítulo I, Seção XII, § 1, p.85. Tradução da edição brasileira para: “Esse autem aliquid
iuris naturalis probari folet tum ab eo quod prius est, tum ab eo quod posterius. A priori, si oftendatur rei
alicuias convenientia aut disconvenientia necessaria cum natura rationali ac sociali: a posteriori vero, si
non certissima fide, cerre probabiliter admodum, iuris naturalis esse colligitur id quod apud omnes gentes,
aut moratiores omnes tale esse creditur.”
144
HFD, p.71. Schopenhauer também tem que enfrentar uma objeção semelhante, que ele denomina de
visão cética. Cf. SFM, §13, p.108-120, III 656-665.
85
Segundo Grotius, o ser humano possui uma natureza que o torna superior a
outras formas de vida por ser dotado de razão e de linguagem. Apesar de o ser humano
ser fisicamente fraco em comparação com os outros animais, por não possuir garras nem
dentes afiados, 145 ele possui duas características que o tornam o mais forte de todos os
seres: a razão – que permite a abstração, a apreciação, e a especulação de eventos no
tempo (passado e futuro) – e a vida social.146
Grotius toma como base os tão conhecidos argumentos de Aristóteles e de
Cícero sobre o appetitus societatis do ser humano, i.e., o fato de considerarem o ser
humano ser gregário por natureza e dele constituir naturalmente a vida em sociedade
com vistas à autopreservação. Essa natureza racional e social do ser humano é, para
Grotius, a fonte do direito propriamente dito, e se encontra no direito natural por esse
ser derivado das características essenciais e específicas da natureza humana. O
jusfilósofo escreve que é própria do ser humano a necessidade de sociedade pacífica e
organizada de acordo com os dados de sua inteligência. 147 Grotius, dessa forma, não
deixa dúvidas de que a reta razão é responsável tanto pela sociabilidade natural do ser
humano quanto pelo direito natural:
O direito natural nos é ditado pela reta razão que nos leva a conhecer que
uma ação, dependendo se é ou não conforme à natureza racional, é afetada
por deformidade moral ou por necessidade moral e que, em decorrência,
Deus, o autor da natureza, a proíbe ou a ordena. 148
Essa passagem ainda deixa clara a não secção entre os conceitos de direito e
de moral, uma vez que o direito natural pode – pelo fato de ser fundamentado na reta
razão – definir objetivamente, a partir de critérios morais, o que, por assim dizer, Deus
proíbe (injusto) e o que Deus ordena (justo). Essa inferência possibilita a afirmação de
que a fundamentação grotiana do direito natural é como a ciência da moral fundada na
145
Grotius atribui a Deus o fato dos homens serem fracos, como forma de serem impelidos a cultivar a
vida social (Cf. DGP, Prolegômenos, §16, p.43), o que exemplifica de maneira clara a confluência entre
argumentos racionais e teológicos.
146
Cf. DGP, Prolegômenos, §8, p.39, nota 19.
147
Cf. DGP, Prolegômenos, §6, p.37.
148
DGP, Livro I, Capítulo I, Seção X, § 1, p.79. Tradução da edição brasileira para: “Ius naturale est
dictatum rectæ rationis indicans, actui alicui, ex eius convenientia aut disconvenientia cum ipsa natura
rationali inesse moralem turpitudinem aut necessitatem moralem, ac confequenter ab auctore naturæ Deo
talem actum aut vetari aut præcipi.”
86
natureza humana. 149 Isso significa que a partir do que Grotius julga ser a natureza
humana fundamenta-se uma teoria do direito natural, que é, também, moral: tem-se,
dessa forma, acesso a um corpo de conhecimentos sistematizados dos limites do injusto
e do justo através da reta razão. Como visto, Grotius efetiva sua definição dos conceitos
de injusto e justo através da via negativa.
Até que ponto existe a confluência entre a argumentação racional e
teológica, i.e., em última instância qual o autêntico fundamento do direito natural: Deus
ou a reta razão? A exposição grotiana leva o leitor a entender que Deus é a fonte do
direito natural, pois Ele criou o ser humano fraco, desprotegido, e lhe concedeu a reta
razão como forma de impeli-lo à vida em sociedade. Mas, esse modo de entender tal
questão está sujeito à contestação da existência de Deus e a interpretações divergentes
acerca da natureza Dele. Ao perceber essa deficiência, Grotius argumenta, no que ficou
conhecido como argumento do ímpio, que não é necessária a existência de Deus para a
fundamentação do direito natural, e que tudo que ele expusera até então permanece
válido mesmo sem a existência de Deus. 150 Contudo, para escapar de uma possível
acusação de heresia, Grotius recua em sua argumentação e atribui o fato dos seres
humanos serem dotados de reta razão a Deus, 151 tornando-O a causa do conceito onde
reside a fundamentação do direito natural (reta razão), e a causa indireta, porém não
necessária, do direito natural. Desta forma, mesmo se a existência de Deus for
contestada, a reta razão subsiste perfeitamente como fundamento do direito natural e
como critério de imputabilidade,152 garantido a universalidade da argumentação, ou
seja, a arquitetônica da exposição grotiana não ruiria frente a tal objeção e estaria imune
aos diferentes dogmas existentes. Deve-se ressaltar, ainda, que a confluência entre
argumentos racionais e teológicos não é rompida: trata-se, apenas, de uma estratégia
149
Essa é uma afirmação de Buckle acerca de Grotius e Samuel Pufendorf. Cf. BUCKLE, S. Natural law
and the theory of property: Grotius to Hume. Oxford, Oxford University Press; New York, Clarendon
Press, 1991. p.vii.
150
Cf. DGP, Prolegômenos, §11, p.40. Para uma apreciação mais detida do argumento do ímpio Cf.
CROWE, M. B. The Impious Hypothesis: A Paradox in Hugo Grotius?. In: HAAKONSEN, K. Grotius,
Pufendorf and modern natural law. Vermont: Ashgate, 1999. p.3-34.
151
Cf. DGP, Prolegômenos, §12, p.41.
152
Pode-se entender a reta razão como um critério de imputabilidade porque ela é acessível a todos os
seres humanos.
87
153
Fica ainda mais claro que o autêntico fundamento do direito natural é a reta razão a partir da seguinte
passagem: “O direito natural é tão imutável que não pode ser mudado nem pelo próprio Deus. Por mais
imenso que seja o poder de Deus, podemos dizer que há coisas que ele não abrange porque aquelas de que
fazemos alusão não podem ser senão enunciadas, mas não possuem nenhum sentido que exprima uma
realidade e são contraditórias entre si.” DGP, Livro I, Capítulo I, Seção X, § 5, p.81. Tradução da edição
brasileira para: “Est autem ius naturale adeo immutabile ut ne a Deo quidem mutari queat. Quamquam
enim immensa est Dei potentia, dici tamen quædam possunt ad quæ se illa non extendit, quia quæ ita
dicuntur, dicuntur tantum, sensum autem qui rem exprimat nullum habent; sed sibi ipsis repugnant.”
154
DGP, Livro II, Capítulo II, Seção II, § 2, p.312.
155
DGP, Prolegômenos, §24, p.47.
88
(a reta razão) é a mãe do direito natural, enquanto que a mãe do direito civil é a
obrigação que nos impomos pelo próprio consentimento.
Pode-se dizer, assim, que Grotius é um autor que marca a transição do
objetivo coletivo, mediado por Deus, para o subjetivo individual, mediado pela razão
objetivada no contrato. Porém, deve-se atentar para o fato de que Grotius não exclui
Deus de sua fundamentação teórica, mas a torna independente Dele. Sua formulação,
como visto, coexiste perfeitamente com a existência de Deus. Se, por um lado, ele
sustenta que o direito natural e a sociabilidade são frutos da reta razão do ser humano,
por outro, pode sustentar sem cair em contradição que Deus é a fonte indireta do direito
natural, pois deu ao ser humano a faculdade de razão e o criou fraco e dependente uns
dos outros para forçar a sua sociabilização. Desta forma Grotius realiza uma
fundamentação racional de sua teoria sem dar margens para acusações de heresia.
No caso de Hobbes, a reta razão sugere, através de um cálculo de utilidade
in foro interno do indivíduo, as leis adequadas para se alcançar a paz:
As paixões que fazem os homens tenderem para a paz são o medo da morte, o
desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável, e a
esperança de consegui-las através do trabalho. E a razão sugere adequadas
normas de paz, em torno das quais os homens podem chegar a acordo. Essas
normas são aquelas a que por outro lado se chama leis de natureza. 156
156
Leviatã, p.188, p.[63], p. 79. No original: “The Passions that encline men to Peace, are Feare of Death;
Desire of such things as are necessary to commodious living; and a Hope by their Industry to obtain them.
And Reason suggesteth convenient Articles of Peace, upon which men may be drawn to agreement. These
Articles, are they, which otherwise are called the Lawes of Nature.”
157
Hobbes assinala a diferença entre direito e lei: “Diferença entre direito e lei: o direito consiste na
liberdade de fazer ou de omitir, ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas”
(Leviatã, p.189, p. [64], p.82). No original: “RIGHT, consisteth in liberty to do, or to forbeare; Whereas
LAW, determineth, and bindeth to one of them.”
158
“Uma lei da natureza (Lex naturalis) é um preceito ou regra geral estabelecido pela razão” (Leviatã,
p.189, p. [64], p.82). No original: “A LAW OF NATURE, (Lex Naturalis,) is a Precept, or generall Rule,
found out by Reason.” Hobbes expõe cerca de treze leis de natureza. Para a finalidade do nosso estudo,
precisamos explicitar apenas as três primeiras.
89
buscar a paz, e caso ele não a consiga, autoriza-o a utilizar-se da guerra;159 a segunda
diz respeito à autodefesa, ao fato de não ser possível abdicar de se defender; 160 a terceira
lei de natureza manifesta a necessidade de cumprir os pactos celebrados.
No caso de Schopenhauer é bem sabido que em seu sistema filosófico a
razão (Vernunft) recebe um status secundário, possuindo como única função a formação
de conceitos. 161 A razão permite ultrapassar o nível sensitivo e intelectual da impressão
presente, possibilitando o registro e a combinação de impressões sob certas regras. Isso
significa que os seres dotados de razão, os seres humanos, têm a capacidade de
estabelecer relações entre as intuições – entre as representações concretas – e de
transformar esse conhecimento intuitivo em conceitos – que são representações
abstratas –, fazendo com que esse conhecimento possa ser aplicado na prática.
O ser humano, por ser dotado da faculdade de razão, é privilegiado por
possuir (i) a linguagem – que é o meio e o veículo da razão –, (ii) a ação deliberada, e
(iii) o saber (Wissen) e a ciência (Wissenschaft). 162 Ser dotado de razão significa que o
conhecimento humano extrapola o estreito limite da percepção atual. A representação
conceitual torna possível a classificação do conhecimento, a relação entre as noções
comuns, e a conservação dessas noções na memória. O conhecimento do ser humano
ultrapassa o âmbito do presente e se abre para as dimensões do passado e do futuro. Isso
significa a recordação das impressões passadas, assim como a projeção de expectativas,
anseios, e cuidados no futuro. Alargam-se as dimensões de possibilidade do sofrer:
sofre-se no passado, no presente, e também no futuro. A razão, assim, é a responsável
pela intensificação do sofrimento que já nos é inerente.
159
Cf. Leviatã, p.190, p.[64], p. 82. “Que todo homem deve esforçar-se pela paz, na medida em que tenha
esperança de consegui-la, e caso não a consiga pode procurar e usar todas as ajudar e vantagens da
guerra.” No original: “That every man, ought to endeavour Peace, as farre as he has hope of obtaining it;
and when he cannot obtain it, that he may seek, and use, all helps, and advantages of Warre.”
160
Cf. Leviatã, p.190, p.[64], p.82.
161
Cf. MVR, §8, p.85, I 46. Pode-se dizer que Schopenhauer caracteriza a razão como uma das faculdades
cognitivas, ao lado do entendimento / intelecto (Verstand) e da sensibilidade (Sinnlichkeit). O Intelecto é
uma função do aparelho cognitivo que tem a forma do princípio de causalidade e consiste na faculdade de
intuição, possibilitando a percepção de objetos que afetam nossa sensibilidade; a sensibilidade é a
faculdade receptiva, passiva, que recebe as impressões dos órgãos sensoriais e imprime a essas
impressões uma primeira distribuição em termos de tempo e espaço. O espaço como forma da intuição, e
o tempo como forma da modificação. A lei de causalidade, assim, funciona como reguladora da
ocorrência das modificações (no tempo e no espaço). Sobre a definição do termo Verstand (intelecto /
entendimento) Cf. Historical Dictionary of Schopenhauer's Philosophy, p.175-176. Sobre a definição do
termo Sinnlichkeit (sensibilidade) Cf. Historical Dictionary of Schopenhauer's Philosophy, p.157-158.
162
Cf. MVR, § 10, p.98, I 59.
90
163
Cf. MVR, § 8, p.83-84, I 44. Essa capacidade de reflexão é a raiz de todas as obras teóricas e práticas e
“também da colaboração de muitas pessoas para um mesmo fim: e por isso, da ordem, da lei, dos Estados,
etc.” (Cf. QR, §27, p.154, III 209).
164
“Para demonstrar a vantagem – e uma vantagem irrenunciável – de certos deveres coercitivos, pode-se
argumentar de outra forma e, em um experimento mental, supor a renuncia total a tais deveres. Na
tradição filosófica esta suposição (puramente teórico-legitimante e não histórica) se chama: estado de
natureza ou, mais precisamente: estado primário de natureza.” HÖFFE, O. Estudios sobre teoria del
92
derecho y la justiça. Version castellana de Jorge M. Sena. Barcelona; Caracas: ALFA, 1988, p.71.
Doravante abreviado por Estudios sobre Teoria del derecho y la justiça, seguido de indicação de página.
165
Cf. Estudios sobre Teoria del derecho y la justiça, p.9; Os Fundamentos da ordem jurídica, p.XX-
XXX; Cf. Dicionário de filosofia do direito, Direito Natural, p.241.
93
tem-se um paradoxo a ser respondido, a saber, “como se pode legitimar frente a pessoas
que querem maximizar sua esfera de afirmação da vontade uma ordem política que, por
essência, significa uma limitação fundamental justamente dessa esfera de afirmação?”,
ou “por que as pessoas consentiriam uma limitação deste porte?”. A resposta teria como
pano de fundo o fato de que tal situação de precariedade só seria superada se cada um,
sob as mesmas condições, aceitasse uma limitação de seu egoísmo, de sua esfera de
afirmação da vontade. A limitação espontânea e recíproca dos egoísmos é celebrada
pelo que ficou conhecido por contrato social.
O contrato representa um acordo com valor jurídico. Desta forma, o contrato
significa (i) uma teoria consensual de legitimação política com vistas a assegurar a paz
entre os indivíduos; (ii) um acordo que realiza a transferência recíproca de direitos e de
deveres; (iii) o comprometimento jurídico, a partir da instituição do contrato, de cada
indivíduo com o cumprimento do acordado: ações que infringem o contrato são
perseguidas pelo direito penal (Strafrecht). 166
A ordem política fundamental é pensada pela razão, mas surge do contrato
originário celebrado entre pessoas livres, 167 não entre governante e governados. Trata-se
de uma convenção entre iguais que celebram pactos para estabelecer as regras para um
governo, marcando a transição da situação pré-estatal para a sociedade civil.
O Estado é legitimado como poder coercitivo e como sede das leis, do
direito positivo – que deverá ter no direito natural um parâmetro valorativo mínimo –,
como poder moderador que organiza a vida em sociedade, proporcionando vantagens
aos seus governados, ao assegurar o direito de propriedade, ao garantir a proteção
interior, a proteção exterior, e a proteção contra o seu protetor, em troca do
cumprimento de deveres para a manutenção da instituição.
166
Cf. HÖFFE, O. Justiça política: fundamentação de uma filosofia crítica do direito e do Estado;
tradução de Ernildo Stein. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991, p.401.
167
Cf. Estudios sobre Teoria del derecho y la justiça, p.9; Cf. BOUCHER, D.; KELLY, P. The Social
Contract and its Critics: an Overview. In: BOUCHER, D.; KELLY, p. (Orgs.). The social contract from
Hobbes To Rawls. London; New York: Routledge, 1994, p.37.
94
168
Cf. Leviatã, Cap. XVII.
169
Cf. PP, Kapitel XXVIII – Ueber Erziehung (Capítuço XXVIII – Sobre a Educação).
170
Cf. MALTER, R. Arthur Schopenhauer Tranzendentalphilosophie und Metaphysik des Willens.
Stuttgart-Bad Cannstatt: Fromman-Holzboog, 1991, p.361. Doravante abreviado por Arthur
Schopenhauer Tranzendentalphilosophie und Metaphysik des Willens, seguido de indicação de página.
Sobre esse ponto, Malter ainda completa: “Assim, não se admira que Schopenhauer negue toda a
capacidade do Estado e sua competência em melhorar os indivíduos. O Estado não é uma instituição
corretiva, mas sim a instituição na qual o egoísmo deve perder sua agressividade externa para poder se
conservar (ainda que apenas de maneira destrutivamente latente).” Nossa tradução para: „Daher
verwundert es nicht, daß Schopenhauer dem Staat jegliche Fähigkeit und Befugnis, den Menschen zu
bessern, bestreitet. Der Staat ist keine Besserungsinstitution, wohl aber die Einrichtung, in der der
Egoismus seine äußere Aggressivität verlieren soll, um selber (nun immer noch latent destruktiv) sich
erhalten zu können.“
95
171
Aqui vale lembrar mais uma vez que se as relações morais entre os indivíduos fossem
espontaneamente estabelecidas, o Estado seria uma instituição supérflua e desprovida de sentido.
172
MVR, §62, p.441, I 407.
173
Seria o caso, por exemplo, do Estado que ao invés de proteger a integridade física de seu cidadão
admite a tortura mesmo que não exista um ato identificado como prática de injustiça, i.e., punição sem
crime, a presunção de culpa sem provas.
96
174
Cf. MVR, p. 442, I 408, No original alemão: „Auch Hobbes hat diesen Ursprung und Zweck des Staats
ganz richtig und vortrefflich auseinandergesetzt“; HN, Metafísica dos Costumes, p.106, p.168. No
original alemão: „Diesen Ursprung und Zweck des Staats hat schon Hobbes ganz richtig und vortrefflich
auseinandergesetzt.“
175
“Schopenhauer se opôs expressamente a todas as teorias desenvolvidas pelos sucessores de Kant, que
esperavam do Estado um melhoramento e uma moralização (Versittlichung) do ser humano (Hegel) ou
que viam no Estado uma espécie de organismo humano superior (Novalis, Schleiermacher e outros).”
SAFRANSKI, R. Schopenhauer e os anos mais selvagens da filosofia: uma biografia. Tradução de
Willian Lagos. São Paulo: Geração Editorial, 2011, p.421. Doravante abreviado como Schopenhauer e os
anos mais selvagens da filosofia, seguido de indicação de página.
97
direito exterior a essa instituição, por confundirem o direito com os meios de fazê-lo
efetivar-se. Apenas por meio do dispositivo legal instaurado se torna assegurada a
proteção do direito – que só pode ser obtido pela força: justiça e coação, direito e
violência são, assim, duas faces da mesma moeda. A existência do direito independe da
existência do Estado, mas os meios para que eles sejam efetivados dependem.
O Estado tem, segundo Schopenhauer, três deveres que se relacionam
estritamente com a proteção (Schutz), a saber, a (i) proteção a atos exteriores (Schutz
nach außen), a (ii) proteção interior (Schutz nach innen) e a (iii) proteção contra o
protetor (Schutz gegen den Beschützer). 176 Portanto, ainda segundo o autor, quem
pretende atribuir ao Estado outro fim que a proteção o desvia de sua verdadeira
finalidade. Qualquer outra função que o Estado venha a exercer violará os próprios
direitos dos cidadãos. O Estado deve, desse modo, restringir-se aos limites de seu papel
negativo, restringir-se somente ao indispensável – os deveres de proteção – para que se
possa conter as desvantagens do egoísmo.
A proteção a atos exteriores apresenta como princípio fundamental a defesa,
nunca através de uma forma de proceder agressiva, tendo como principal âmbito de
atuação a prevenção e o resguardo de ataques provenientes de outros povos. Essa
dinâmica revela e reconhece o direito internacional (Völkerrecht) – que para
Schopenhauer “não passa do direito natural levado à esfera de sua atividade prática, a
relação entre os povos.” 177 O direito positivo não é válido nessa esfera de atuação
porque ele não possui os dispositivos necessários para se afirmar, a saber, a existência
de um juiz e de um poder executivo. Poder-se-ia dizer que o direito internacional
consiste, dessa forma, em um certo grau de moralidade nas relações entre as nações, e
que o juiz dos eventos, nessa esfera, é a opinião pública.178
Contudo, no §124 de PP, ancorado em perspectiva diversa da de MVR II,
Schopenhauer escreve que entre os cidadãos do Estado o direito do mais forte
(Faustrecht) foi abolido, porém, na dinâmica de relações políticas entre as nações ele
continua valendo. De acordo com o filósofo da vontade, os povos que promovem a
176
Cf. MVR II, Kapitel 47 – Zur Ethik, II 681.
177
MVR II, Kapitel 47 – Zur Ethik, II 681. No original alemão: „Dieses ist im Grunde nichts Anderes, als
das Naturrecht, auf dem ihm allein gebliebenen Gebiet seiner praktischen Wirksamkeit, nämlich zwischen
Volk und Volk, als wo es allein walten muß, weil sein stärkerer Sohn, das positive Recht, da es eines
Richters und Vollstreckers bedarf, nicht sich geltend machen kann.“
178
Atualmente existem órgãos de cooperação internacional, como a ONU – Organização das Nações
Unidas –, a qual possui como órgão jurídico o Tribunal Internacional de Justiça, também conhecido por
Corte Internacional de Justiça, Tribunal de Haia ou Corte de Haia.
98
179
PP, §124, p.89, V 267. No original alemão: „Im Grunde sieht jeder Staat den andern als eine
Räuberhorde an, die über ihn herfallen wird, sobald die Gelegenheit kommt.“
180
Schopenhauer e os anos mais selvagens da filosofia, p.420-421.
99
abuso do poder. Essa proteção assegura o direito público (öffentliches Recht), que é
mais efetivo quando dividido em três poderes protetores independentes uns dos outros, a
saber, quando dividido em poder legislativo, em poder judiciário, e em poder
executivo. 181 Dessa forma, Schopenhauer lança as bases do que seria um governo justo
– aquele que possui no direito natural seu espelho, aquele que respeita a individualidade
e os limites de afirmação da vontade de cada cidadão, aquele que cumpre os seus
deveres relacionados à proteção. Em última instância Schopenhauer parece apontar as
formas liberais de governo como solução mais eficiente para a organização político-
administrativa dos Estados. Cabe agora investigar as formas de governo com as quais
ele se depara e o que seria para ele a arte de bem governar.
181
Cf. MVR II, Kapitel 47 – Zur Ethik, II 681.
182
PP, §127, p.96, V 273.
100
183
Ou, como Lefranc escreve “no fundo de toda ordem social se encontra apenas o equilíbrio do ódio, do
medo e da cólera”. LEFRANC, J. Compreender Schopenhauer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves.
Petrópolis: Editora Vozes, 2005, p.161.
184
PP, §127, p.97, V 274.
101
selvagens independentes uns dos outros” 185 – e com o que ele chama de despotismo
(Despotie) – uma “horda de escravos arbitrariamente dominados pelo mais forte.”186 Em
MVR, Schopenhauer passa à consideração de uma forma de governo que seja a justa
medida entre a república e a monarquia, encontrando como resultado a monarquia
constitucional, a qual, segundo o autor, tende ao império das facções. Para criar um
Estado que cumpra da melhor forma sua finalidade, diz-se isso de um Estado perfeito,
primeiro é necessário criar seres cuja natureza permita que sempre sacrifiquem o
próprio bem-estar em favor do bem-estar público. Ou seja, estes seres devem ser
capazes de abdicar da própria autoafirmação da vontade para vida – devem abdicar de
seu egoísmo – em prol do bem-estar coletivo. Tratar-se-ia do indivíduo ético, justo,
caritativo; aquele que preza a afirmação do outro e dá a cada um o que é seu, não
lesando ninguém. Nesse contexto e dessa forma, o Estado funcionaria como elemento
gregário da vontade na pluralidade de indivíduos, i.e., o Estado seria um agregador das
vontades individuais no plano representacional. Schopenhauer chega a devanear sobre
essa questão em PP:
Assim, ele retoma pontos de sua filosofia que são bem conhecidos, e faz
uma proposição um tanto assustadora, uma espécie de eugenia social: a partir de
indivíduos previamente selecionados – os mais generosos homens, e as mais inteligentes
e brilhantes mulheres –, seres humanos seriam gerados através da combinação do
caráter herdado do pai e da inteligência herdada da mãe. Os seres gerados seriam os
líderes e governantes do melhor tipo de sociedade que Schopenhauer pode imaginar,
uma sociedade governada por seres éticos, capazes de sacrificarem o próprio bem-estar
em prol do bem-estar alheio.
185
MVR, §62, p.439, I 405. No original: „eines Haufens von einander unabhängiger Wilden.“
186
MVR, §62, p.439, I 405. No original: „eines Haufens Sklaven war, die der Stärkere nach Willkür
beherrscht.“
187
PP, §127, p.104, V 280. No original alemão: „Will man utopische Pläne, so sage ich: Die einzige
Lösung des Problems wäre die Despotie der Weisen und Edlen einer ächten Aristokratie, eines ächten
Adels, erzielt auf dem Wege der Generation, durch Vermählung der edelmüthigsten Männer mit den
klügsten und geistreichsten Weibern. Dieser Vorschlag ist mein Utopien und meine Republik des Plato.“
102
[...] entretanto, algo pode ser alcançado na existência de UMA família cujo
bem-estar é completamente inseparável do bem-estar do país, de maneira que,
pelo menos nas grandes questões, nunca uma pode ser favorecida sem que o
outro o seja. Aí residindo a força e a vantagem da monarquia hereditária. 190
188
Em ASV é possível ler: “A coação é a companheira inseparável de toda sociedade”. No original
alemão: „Zwang ist der unzertrennliche Gefährte jeder Gesellschaft.“ ASV, p.131, IV 463.
189
Pode-se observar, a esse respeito, que se os indivíduos possuem um caráter adquirido que se “dá no
seu relacionar-se com o mundo”, e que, se as relações no mundo estão, em sua maior parte, pautadas
sobre uma ótica econômico-jurídica regulada pelos Estados existentes, então, em última instância, as
relações dos indivíduos com o mundo são reguladas pelo Estado. Esse, assim, teria participação na
formação do caráter adquirido dos indivíduos, atuando no refinamento da constelação de motivos destes,
tornando-os, assim, menos toscos, i.e., mais preparados para conseguir alcançar seus objetivos evitando
incorrer em ilegalidades ou em conflitos desnecessários com as leis.
190
MVR, §62, p.440, I 406. No original: „Bis dahin aber läßt sich schon etwas dadurch erreichen, daß es
e ine Familie giebt, deren Wohl von dem des Landes ganz unzertrennlich ist; so daß sie, wenigstens in
Hauptsachen, nie das Eine ohne das Andere befördern kann. Hierauf beruht die Kraft und der Vorzug der
erblichen Monarchie.“
103
Por ser uma monarquia constitucional, ela teria a legitimidade de leis que
restringiriam o poder do governante, assegurando a proteção contra o protetor; a
tripartição do governo garantiria a otimização do funcionamento da máquina estatal e
estaria de acordo com os três deveres de proteção que o Estado deve assumir. Dessa
forma, poder-se-ia afirmar que, resumidamente, a melhor configuração para o Estado,
segundo o filósofo da vontade, seria uma monarquia constitucional hereditária e
tripartida em poder executivo, legislativo e judiciário.
Esse parece ser um dos poucos pontos da ética schopenhaueriana em que se
pode especular acerca de uma mudança do viés argumentativo: a partir do momento em
que o filósofo analisa as diversas possibilidades de governo, e toma partido por uma
delas, ele parece prescrever ao invés de descrever. Mas essa prescrição pode ser
explicada: a partir da descrição da natureza humana, da finalidade do Estado e do
direito, da definição do que seria a arte de governar, e das possíveis formas de
configuração da máquina estatal, é possível identificar e apontar qual forma de
organização seria a mais adequada e eficiente para suprir as necessidades engendradas
pela natureza humana sem, contudo, fugir do campo da sugestão e adentrar o âmbito do
dever ser de uma configuração do dispositivo político instaurado para organizar e
administrar as relações sociais.
Em PP, parece lícito apontar o que pode configurar uma confusão ou
contradição: ao mesmo tempo em que o filósofo da vontade considera a criação do
Estado um meio artificial (künstlich) para suprir as necessidades dos seres humanos, 192
ele também considera as repúblicas inaturais e artificiais (widernatürlich, künstlich),
fruto da reflexão,193 e a monarquia um regime natural (natürlich) ao ser humano. 194 A
contradição poderia ser explicada e parcialmente dissoluta a partir das seguintes
considerações: (i) em MVR, o Estado surge de um cálculo de utilidade da reta-razão,
191
PP, §127, p.103, V 279. No original alemão: „Er ist gleichsam die Personifikation, oder das
Monogramm, des ganzen Volkes, welches in ihm zur Individualität gelangt: in diesem Sinne kann er
sogar mit Recht sagen: l’état c’est moi. Gerade daher sehn wir in Shakespeares historischen Dramen die
Könige von England und Frankreich sich gegenseitig France und England, auch den Herzog von
Oesterreich Austria (K. John, III, 1.) anreden.“
192
Cf. PP, §127, p.99, V 276.
193
Cf. PP, §127, p.103, V 280.
194
Cf. PP, §127, p.102, V 278.
104
seja ele uma república ou uma monarquia, e isso significa que ambos surgem da
reflexão – essa forma de interpretar o que o autor escreveu mantém a contradição
constituída; (ii) contudo, em PP a perspectiva adotada para explicação da origem do
Estado é um tanto diferente. Schopenhauer argumenta que em toda parte e em todas as
épocas diversos povos foram regidos de forma monárquica.195 Ele chega a recorrer,
seguindo Voltaire, a uma hipótese empírica para a origem dos primeiros monarcas: “os
primeiros príncipes foram originalmente generais vitoriosos e durante muito tempo eles
regeram nessa condição.”196 Ou seja, se o ‘natural’ da monarquia for entendido como
algo que decorre habitualmente da ordem regular das coisas, a forma pela qual os seres
humanos parecem se organizar em maior número de ocorrências, verificado repetidas
vezes no fluxo da história, então a submissão a um líder e à forma hierárquica poderiam
ser entendidas como ‘naturais’. Esse processo, verificado historicamente, seria resultado
de um instinto natural para a monarquia, a existência de um instinto monárquico no ser
humano (ein monarchischer Instinkt im Menschen) – o que solucionaria um aspecto da
contradição. Schopenhauer, nessa chave de interpretação, enxerga a monarquia – a qual
parece tomar como sinônimo de hierarquia – em muitos âmbitos:
195
PP, §127, p.102, V 279.
196
PP, §126, p.95, V 272. No original alemão: „Allerdings sind ursprünglich alle Fürsten siegreiche
Heerführer gewesen, und lange Zeit haben sie eigentlich in dieser Eigenschaft geherrscht.”
197
PP, §127, p.102, V 278-279. Tradução ligeiramente alterada. No original alemão: „Ueberhaupt aber ist
die monarchische Regierungsform die dem Menschen natürliche; fast so, wie sie es den Bienen und
Ameisen den reisenden Kranichen, den wandernden Elephanten, den zu Raubzügen vereinigten Wölfen
und andern Thieren mehr ist, welche alle Einen an die Spitze ihrer Unternehmung stellen. Auch muß jede
menschliche, mit Gefahr verknüpfte Unternehmung, jeder Heereszug, jedes Schiff, Einem
Oberbefehlshaber gehorchen: überall muß Ein Wille der leitende seyn. Sogar der thierische Organismus
ist monarchisch construirt: das Gehirn allein ist der Lenker und Regierer, das ähgemonikon. Wenn gleich
Herz, Lunge und Magen zum Bestande des Ganzen viel mehr beitragen; so können diese Spießbürger
darum doch nicht lenken und leiten: Dies ist Sache des Gehirns allein und muß von Einem Punkte
ausgehn. Selbst das Planetensystem ist monarchisch.“
105
198
MVR II, Kapitel 47 – Zur Ethik, II 681-682. No original alemão: „Der große Werth, ja die Grundidee
des Königthums scheint mir darin zu liegen, daß, weil Menschen Menschen bleiben, Einer so hoch
gestellt, ihm so viel Macht, Reichthum, Sicherheit und absolute Unverletzlichkeit gegeben werden muß,
daß ihm für sich nichts zu wünschen, zu hoffen und zu fürchten bleibt; wodurch der ihm, wie Jedem,
einwohnende Egoismus, gleichsam durch Neutralisation, vernichtet wird, und er nun, gleich als wäre er
kein Mensch, befähigt ist, Gerechtigkeit zu üben und nicht mehr sein, sondern allein das öffentliche Wohl
im Auge zu haben. Dies ist der Ursprung des gleichsam übermenschlichen Wesens, welches überall die
Königswürde begleitet und sie so himmelweit von der bloßen Präsidentur unterscheidet.“
106
por algum tipo de olhar através do véu de Maia, através do princípio de individuação,
ou por algum tipo de diminuição do grau de diferença que existe entre os indivíduos no
mundo empírico, da diminuição das fronteiras entre um e o outro? O indivíduo em
questão não seria completamente acometido pelo tédio? Trata-se de uma contradição
com o sistema filosófico, ou de uma exceção, dado o caráter específico da questão?
Schopenhauer não parece ter explorado essa questão e escrito sobre ela em nenhum
outro lugar.
Nesse âmbito da filosofia schopenhaueriana é possível perceber alguns
aspectos relevantes dos seus escritos: não apenas o conservadorismo mais acentuado do
velho Schopenhauer, o Schopenhauer do segundo tomo de MVR e dos PP, mas a
diferença marcante entre os seus primeiros e últimos escritos sobre política,
principalmente no que se refere ao método de exposição. Como ressaltamos logo na
introdução desse nosso texto, o autor escreve no prefácio da primeira edição de sua obra
Os Dois Problemas Fundamentais da Ética (Die beiden Grundprobleme der Ethik) que
em MVR a exposição de sua filosofia é feita de forma sintética a priori, e nos seus
demais escritos, de forma analítica ou sintética a posteriori.199
No primeiro tomo de MVR, temos uma exposição geral da fundamentação e
origem do Estado, baseada no cálculo de utilidade da reta razão que, através do contrato
social, reprimiu a guerra de todos contra todos. O peso constitucional da monarquia e as
restrições do seu poder aparecem de forma mais acentuada. O escrito não premiado,
Sobre o Fundamento da Moral, parece seguir a mesma linha argumentativa do primeiro
tomo de MVR, não apresentando grandes alterações ou complementos significantes para
essa questão em específico.
No segundo tomo de sua obra principal, temos uma importante
complementação teórica sobre o Estado: a apresentação das suas finalidades, todas
referentes à proteção; e uma desconcertante afirmação sobre a possibilidade do monarca
neutralizar o seu egoísmo e, assim, poder governar de forma ética.
Já nos PP, talvez pela abordagem mais objetiva e pragmática, temos as
maiores demonstrações de conservadorismo e, até mesmo, algumas tensões com os
escritos anteriores. Aqui, temos uma mudança de perspectiva e de semântica do termo
“natural”, o que ocasiona uma diferenciação entre a origem das repúblicas e das
199
Cf. SCHOPENHAUER, A. Arthur Schopenhauers sämtliche Werke. Hrsg. von Paul Deussen.
Munique: R. Piper, 1911-1942, III 433.
107
Legislação
200
Sob o ponto de vista da liberdade da vontade, pode-se dizer que o Estado é ciente de sua
impossibilidade em alterar o íntimo da vontade, a vontade em-si, e, neste caso, o caráter inteligível dos
indivíduos; o Estado pode atuar no âmbito externo, apresentando motivos que possam influenciar a
vontade dos indivíduos da forma pretendida (o que, deve-se assinalar, não garante o êxito do planejado).
109
201
MVR, §62, p.441, I 407. No original: „demgemäß ist der Kriminalkodex ein möglichst vollständiges
Register von Gegenmotiven zu sämmtlichen, als möglich präsumirten, verbrecherischen Handlungen, —
Beides in abstracto, um vorkommenden Falles die Anwendung in concreto zu machen.“
202
Cf. MVR, §62, p.442, I 408.
110
203
A argumentação de Schopenhauer, como visto, estabeleceu a equivalência e sinonímia destes três
termos.
111
Estado legal e justo, mas uma injustiça imposta aos seus cidadãos que é admitida
publicamente. Assim, é concluída a transferência da doutrina moral do direito para a
legislação, como é possível observar textualmente:
204
MVR, §62, p.443, I 409. No original: „Die Gesetzgebung entlehnt, wie gesagt, die reine Rechtslehre,
oder die Lehre vom Wesen und den Gränzen des Rechts und des Unrechts, von der Moral, um dieselbe
nun zu ihren, der Moral fremden Zwecken, von der Kehrseite anzuwenden und danach positive
Gesetzgebung und die Mittel zur Aufrechthaltung derselben, d.h. den Staat, zu errichten. Die positive
Gesetzgebung ist also die von der Kehrseite angewandte rein moralische Rechtslehre.“
205
Cf. MVR II, Kapitel 47 – Zur Ethik, II 685.
112
– educar e punir – por um mesmo meio, a punição jurídica, seria ineficaz e, portanto,
um erro. 206 A punição é apenas um castigo que mesmo antes do delito já fora
determinado – um contramotivo registrado no código penal – para quem o cometer, e
cuja ameaça deve sobrepor-se a todo possível motivo que conduz à prática da injustiça.
Em SLV Schopenhauer escreve:
206
Cf. MVR II, Kapitel 47 – Zur Ethik, II 685.
207
SLV, p.140, III 569. No original alemão: „Denn die Gesetze gehen aus von der richtigen
Voraussetzung, daß der Wille nicht moralisch frei sei, in welchem Fall man ihn nicht lenken könnte;
sondern daß er der Nöthigung durch Motive unterworfen sei: demgemäß wollen sie allen etwanigen
Motiven zu Verbrechen stärkere Gegenmotive, in den angedrohten Strafen, entgegenstellen, und ein
Kriminalcodex ist nichts Anderes, als ein Verzeichniß von Gegenmotiven zu verbrecherischen
Handlungen.“
208
Cf. MVR, §62, p.444, I 410.
113
Pode-se alterar a ação do indivíduo, mas não o seu querer, e isso significa:
não é possível mudar o fim que a vontade desse indivíduo busca, mas apenas o caminho
trilhado para atingi-lo. Tendo como base esse dado alcançado pela investigação
empreendida, Schopenhauer define o papel da lei.
209
Cf. MVR, §62, p.445, I 411.
210
SFM, §20, p.198, III 725. No original alemão: „Hierauf gründet sich das Amerikanische
Pönitentiarsystem: es beabsichtigt nicht, das Herz des Verbrechers zu bessern, sondern bloß, ihm den
Kopf zurechtzusetzen, damit er zu der Einsicht gelange, daß Arbeit und Ehrlichkeit ein sicherer, ja
leichterer Weg zum eigenen Wohle sind, als Spitzbüberei.“
114
Contudo, existe uma certa função pedagógica da sanção jurídica, uma vez
que as leis acabam por gerar, ainda que minimamente, um determinado grau de
instrução, que em níveis maiores corresponderiam à educação: a atuação na constelação
de motivos dos indivíduos pode contribuir para o aprendizado e, assim, ajudar o
indivíduo a escolher os meios mais adequados para obter o fim almejado. Através dos
motivos é possível forçar e obter a legalidade, mas nunca a moralidade. Em SFM,
Schopenhauer considera que neste aspecto há uma cultura moral e uma ética da
melhoria, mas que seu limite, alcance e horizonte são limitados e facilmente
determinados. Em última instância “A cabeça é aclarada, mas o coração permanece
incorrigível.” 211
A punição e o castigo atuam na constelação de motivos do indivíduo como
exemplos a serem considerados, como amostras das consequências engendradas pela
realização de uma determinada ação. Schopenhauer estabelece uma relação entre
punição e impunidade: da mesma forma como a punição inibe a repetição de um ato, a
impunidade incentiva a ocorrência de ações criminosas de mesmo teor. 212
Por ser o foco da pena punir o ato, fazendo-o servir de exemplo, na ética
schopenhaueriana a pena de morte é tratada como uma forma de punição legítima e
justificável. 213 Contudo, como já mencionado, deve sempre haver uma proporção entre
o ato a ser punido e a punição que será aplicada. 214 No cômputo para definição da pena
também devem ser considerados os motivos que impulsionaram a ação proibida.
Todavia, segundo o autor, a ignorância, as aflições externas, as dificuldades financeiras,
etc., não podem servir como escusa para justificar a causa de um crime, uma vez que,
seguindo o bem conhecido argumento liberal, inúmeras pessoas vivem em condições
deste tipo e não comentem crime algum. 215
211
SFM, §20, p.199, III 725. No original alemão: „Der Kopf wird aufgehellt; das Herz bleibt
ungebessert.“
212
“Como o câncer e a gangrena podem afetar por contagium as zonas mais próximas às zonas afetadas,
um delinquente impune será imitado por novos delinquentes seguindo seu exemplo.” HN, Metafísica dos
Costumes, p.112, p.175. No original alemão: „wie Krebs und Kalter Brand durch contagium [Ansteckung
(durch Berührung)] jeden nächsten Theil sich ahnlich machen; so wirkt ein Verbrechen wenn es
ungestraft hingeht unfehlbar neue Verbrechen durch sein Beispiel.“
213
Cf. MVR II, Kapitel 47 – Zur Ethik, II 686.
214
“Que a pena deve manter uma exata proporção com o crime, tal e como ensina Beccaria, não se deve
ao fato de ser uma expiação do crime, mas uma adequação ao valor daquilo a que responde” MVR II,
Kapitel 47 – Zur Ethik, II 686. No original alemão: „Daß, wie Beccaria gelehrt hat, die Strafe ein
richtiges Verhältniß zum Verbrechen haben soll, beruht nicht darauf, daß sie eine Buße für dasselbe wäre;
sondern darauf, daß das Pfand dem Werthe Dessen, wofür es haftet, angemessen seyn muß.“
215
MVR II, Kapitel 47 – Zur Ethik, II 685.
115
216
A justiça eterna é apresentada e analisada na seção 2.2.20 Um tipo de Justiça Infalível: a Justiça
Eterna.
217
CARDOSO, R. A idéia de justiça em Schopenhauer. Belo Horizonte, MG: Argvmentvm, 2008, p.
148.
116
seus Limites
218
Cf.2.3.1 Seria Moral o Fundamento das Doutrinas Schopenhauerianas do Direito e do Estado?, p.124.
117
afirmação da vontade para vida. Essa forma de conceber o Estado faz com que essa
instituição não possua nenhum status moral ou função ética, diferindo e sendo até
mesmo contrário à forma pela qual foi concebido pelo idealismo alemão.
Recordemos o motivo fundador do Estado e o objetivo dessa instituição na letra
do filósofo:
219
MVR, §62 p.447, I 413. No original: „Wir haben also im Staat das Mittel kennen gelernt, wodurch der
mit Vernunft ausgerüstete Egoismus seinen eigenen, sich gegen ihn selbst wendenden schlimmen Folgen
auszuweichen sucht, und nun Jeder das Wohl Aller befördert, weil er sein eigenes mit darin begriffen
sieht.“
220
Vale lembrar que para Schopenhauer a monarquia constitucional hereditária tripartida se aproxima da
forma de governo mais perfeita.
221
Aqui faço referência à célebre passagem do autor que enuncia que a vida, vontade, é como um pêndulo
que oscila entre dor e tédio. “Sua vida, portanto, oscila como um pêndulo, para aqui e para acolá, entre a
dor e o tédio, os quais em realidade são seus componentes básicos”. MVR, §57, p.402, I 368. No original
alemão: „Sein Leben schwingt also, gleich einem Pendel, hin und her, zwischen dem Schmerz und der
Langenweile, welche beide in der That dessen letzte Bestandtheile sind.“
118
superpopulação de todo o planeta, cujo mal só uma imaginação audaciosa poderia agora
tornar presente.”222
A justiça temporal se origina e se produz no elemento mesmo do egoísmo; e
pelo fato de ser empírica, i.e., fenomênica, ela não pode ser mais que ilusão, ela não
pode deixar de ser falha, ela não pode transpor suas limitações. As precauções contra o
egoísmo não podem ser completamente eficazes porque elas são apenas aparência, elas
não melhoram moralmente o ser humano, nem extirpam seus desejos de buscar o que
querem e de eventualmente cometerem injustiças. Tão logo a ameaça do castigo ou a
promessa da recompensa sejam afastadas do indivíduo, os atos injustos retornam à
ordem do dia. Viver é tornar-se aquilo que se é, e o caráter suscetível às motivações
egoístas é a mais frequente configuração da concreção da vontade num corpo. Dessa
forma, a justiça temporal não pode ser plenamente realizável. Ela se realiza na medida
em que também é um não alcance de seu fim último e pleno.
O Estado, enquanto organização do egoísmo coletivo esclarecido, e o
direito, enquanto meio pelo qual se torna possível impor limites às manifestações do
egoísmo individual, não podem ser considerados o ultrapassamento do egoísmo mesmo.
Antes, são medidas de asseguramento da existência social, são a afirmação da diferença
entre um indivíduo e o outro, um enredamento persistente no princípio de individuação;
isso significa que viver no Estado é viver no seio do egoísmo coletivo esclarecido
organizado por regras jurídicas.
Conceitos como direito e moral, nucleares nesse ponto da argumentação do
filósofo da vontade, só são passíveis de serem entendidos em sua totalidade quando
colocados em relação um com o outro: a justiça temporal, i.e., a retaliação (Vergeltung),
o Estado, seria o elemento relacional entre a moral – o conceito sempre positivo, que é
referido ao ato, à parte ativa – e o direito – o conceito negativo, que é referido ao sofrer,
à parte passiva. A justiça temporal seria o elo entre esses dois conceitos na medida em
que relaciona o interior – a dimensão da experiência interna do indivíduo, o ser, o esse,
o caráter, o sentimento de prática da injustiça – com o exterior – o agir, o operari, a
motivação, o sentimento de sofrer injustiça. O conceito de consciência moral
(Gewissen) mostra, aqui, sua centralidade ao possibilitar a delimitação e a articulação da
222
MVR, §62, p.447-448, I 414. No original: „[…] das Resultat seyn, dessen entsetzliche Uebel sich jetzt
nur eine kühne Einbildungskraft zu vergegenwärtigen vermag.“
119
Se os seres humanos, tomados como um todo, não fossem tão indignos, então
seu destino, também tomado como um todo, não seria tão triste. Nesse
sentido podemos dizer: o mundo mesmo é o tribunal do mundo. Pudesse
223
Cf. MVR, §63, p.449, I 415.
224
“Schopenhauer, nesse ponto, não está tecendo comentários acerca do sofrimento individual de cada ser
humano e da mesquinhez de cada um”. Tradução para: “Schopenhauer is not at this point commenting on
individual human suffering and individual human vileness”. HAMLYM, D.W. Eternal Justice. In:
Jahrbuch der Schopenhauer-Gesellschaft 1988. Band 69. Frankfurt am Main: Verlag Waldemar
Kramer, 1988, p.281.
225
Cf. MVR, §63, p.449, I 415.
226
Cf. MVR, §63, p.449, I 415.
227
MVR, §63, p.449, I 415. No original: „und in allem was ihm widerfährt, ja nur widerfahren kann,
geschieht ihm immer Recht. Denn sein ist der Wille.“
121
233
Isto é, na vontade, o que está de acordo com a asserção dos demais comentadores citados.
234
VECCHIOTTI, I. Schopenhauer. Tradução de João Gama. Lisboa: Edições 70, 1990. (Biblioteca
Básica de Filosofia), p.44.
235
“Mal da culpa” e “Mal da pena”, respectivamente.
123
Schopenhauer, assim, observa que as religiões podem ser entendidas como uma
roupagem mítica para exposição do conhecimento que não pode ser apreendido pela
tosca inteligência comum. 236
O mito utilizado para explicar a justiça eterna é o mito da transmigração das
almas. Esse mito ensina que todos os sofrimentos infligidos em vida pelo indivíduo a
outros seres têm de ser expiados em uma vida posterior neste mundo e precisamente
pelos mesmos sofrimentos. Em contrapartida, o mito enuncia recompensas pelas boas
ações praticadas, como o renascimento em figuras excelentes e mais nobres. 237 Para
Schopenhauer, nunca houve, nem haverá um mito tão intimamente ligado à verdade
filosófica.238
Schopenhauer, em suas notas de aula, ainda especula sobre uma possível
objeção: “Se em linhas gerais o azar e o erro assenhoram-se sobre a vida humana e
sobre o curso do mundo, como pode haver lugar para a justiça?”.239 A primeira
observação a ser feita é a de que não se encontrará a justiça eterna na experiência, i.e.,
no mundo fenomênico. Muito pelo contrário, fenomenicamente os sofrimentos estão
repartidos de forma extremamente desigual, assim como os prazeres. 240 Não existe
proporção nem correspondência entre o valor do indivíduo e seu fatídico destino. 241 A
essência da humanidade é a essência do nosso mundo: vontade, i.e., discórdia,
contradição, carência, sofrimento.
Por fim, após uma pequena explanação de como Schopenhauer expõe o
conceito de justiça eterna, pode-se indicar (i) as formas pelas quais ela se revela e é
definida, e (ii) o papel sistemático que ela cumpre na filosofia schopenhaueriana.
Como exposto, o significado da justiça eterna pode ser apreendido ou
explicado: do ponto de vista de nossa essência metafísica somos uma mesma vontade, e,
portanto, compartilhamos a mesma essência de sofrimento. Por consequência, o mundo
é um espelho do que somos: somos o que merecemos ser. O sofrimento é a punição pela
nossa existência, e a justiça eterna é exatamente essa consequência, essa retaliação /
retribuição, ao que somos.
236
Cf. MVR, § 63, p.454, I 420.
237
Cf. MVR, § 63, p.454-455, I 420-421.
238
Cf. MVR, § 63, p.455, I 421.
239
HN, Metafísica dos Costumes, Cap.7, p.119, p.302. No original alemão: „Ueberhaupt beherrschen das
Menschenleben und den Weltlauf Zufall und Irrthum: wie sollte da die Gerechtigkeit Raum finden?“.
240
Cf. HN, Metafísica dos Costumes, Cap. 7, p.119, p.302.
241
Cf. HN, Metafísica dos Costumes, Cap. 7, p.120, p.302.
124
Direito e do Estado?
242
Cf. MVR, §62, p.439, I 404-405.
243
Esse fato apenas corrobora o afastamento da ética schopenhaueriana do eudaimonismo clássico.
244
Cf. MVR, §65, p.459, I 426.
245
Cf. MVR, §65, p.459, I 426.
246
Cf. MVR, §65, p.460, I 426.
127
do Direito
249
É conhecida esta opinião de Schopenhauer: “Quanto a Kant, só a sua debilidade senil pode explicar a
sua doutrina do direito, este entrançamento estranho de erros, uns seguindo aos outros [...]”. MVR, §62,
p.431, I 396. No original: „Nur aus Kants Altersschwäche ist mir seine ganze Rechtslehre, als eine
sonderbare Verflechtung einander herbeiziehender Irrthümer […].“
250
Cf. MVR, Crítica da Filosofia Kantiana, p.655-657, I 626-628.
251
Cf. MVR, Crítica da Filosofia Kantiana, p.655, I 626.
129
Kant em sua teoria do direito. 252 Segundo o filósofo da vontade, a tentativa de separação
rigorosa entre a doutrina do direito e a ética é falha, porque torna o conceito de direito
oscilante, sem um ponto fixo. Isso significa que, segundo Schopenhauer, Kant não atrela
a doutrina do direito a uma legislação positiva, nem a uma coerção arbitrária, deixando
o conceito de direito subsistir por si mesmo, de maneira pura e a priori. Esse fato, de
acordo com Schopenhauer, produz duas consequências: ou toda arbitrariedade que pode
ser imposta é direito, ou adentra-se o domínio da ética. Ele acredita poder evitar tal erro,
admitindo que o conceito de direito pertence à ética:
[...] quando Kant diz: “Dever jurídico (Rechtspflicht) é aquele que PODE
(Kann) ser objeto de coerção”, este PODE (Kann) deve ser entendido ou
fisicamente, e assim, todo direito é positivo e arbitrário, e, portanto, toda
arbitrariedade que se pode impor é direito; ou este PODE (Kann) deve ser
entendido eticamente e estamos aqui de novo no domínio da ética. Em Kant,
conseguintemente, o conceito de direito oscila entre o céu e a terra, sem chão
algum no qual possa pisar. No meu caso, ele pertence à ética. 253
252
Em última instância estas objeções se referem à definição do conceito de direito de Kant, que é
formulado na Doutrina do Direito deste autor nos seguintes termos: “O Direito é, pois, o conjunto das
condições sob as quais o arbítrio de cada um pode conciliar-se com o arbítrio de outrem segundo uma lei
universal da liberdade” („Das Recht ist also der Inbegriff der Bedingungen, unter denen die Willkür des
einen mit der Willkür des andern nach einem allgemeinen Gesetze der Freiheit zusammen vereinigt
werden kann“, MdS, Introdução à doutrina do Direito, §B, p.43, VI 230), e no Princípio universal do
Direito, que enuncia: “Uma ação é conforme ao Direito quando permite ou quando a sua máxima permite
fazer coexistir a liberdade do arbítrio de cada um com a liberdade de todos segundo uma lei universal”
(„»Eine jede Handlung ist recht, die oder nach deren Maxime die Freiheit der Willkür eines jeden mit
jedermanns Freiheit nach einem allgemeinen Gesetze zusammen bestehen kann«“, MdS, Introdução à
doutrina do Direito, §C, p.43, VI 231).
253
MVR, Crítica da Filosofia Kantiana, p. 656, I 626. No original: „Folglich wenn er [Kant] sagt:
»Rechtspflicht ist die, welche erzwungen werden kann«; so ist dieses Kann entweder physisch zu
verstehen: dann ist alles Recht positiv und willkürlich, und wieder auch alle Willkür, die sich durchsetzen
läßt, ist Recht: oder das Kann ist ethisch zu verstehen, und wir sind wieder auf dem Gebiet der Ethik. Bei
Kant schwebt folglich der Begriff des Rechts zwischen Himmel und Erde, und hat keinen Boden, auf dem
er fußen kann: bei mir gehört er in die Ethik.“
254
“Age segundo uma máxima que possa valer simultaneamente como lei universal!” („Handle nach einer
Maxime, welche zugleich als ein allgemeines Gesetz gelten kann!“, MdS, p.35, VII 225). Contudo, as
formulações mais conhecidas do imperativo categórico encontram-se na: (i) Crítica da Razão Prática
(“Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princípio de
uma legislação universal” – „Handle so, daß die Maxime deines Willens jederzeit zugleich als Princip
einer allgemeinen Gesetzgebung gelten könne“, KANT, I. Crítica da razão prática. Edição Bilíngue.
130
Tradução, introdução e notas de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.103, B54; e (ii)
Fundamentação da Metafísica dos Costumes (“Age apenas segundo uma tal máxima que possas ao
mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal” –„Handle nur nach derjenigen Maxime, durch
die du zugleich wollen kannst, dass sie ein allgemeines Gesetz werde.“, GMS, p.59, IV 421. Sobre as
figuras do imperativo categórico Cf. PATON, H. J. The categorical imperative. A Study in Kant’s
Moral Philosophy. Pennsylvania: University of Pennsylvania Press, 1971.
255
CATTANEO, M. Schopenhauers Kritik der Kantischen Rechtslehre. In: Jahrbuch der
Schopenhauer-Gesellschaft 1988. Band 69. Frankfurt am Main: Verlag Waldemar Kramer, 1988, p.400.
No original: „[…] in der Tat gehören beide zur praktischen Philosophie, zur Welt des Sollens und der
Freiheit, ist die Wurzel beider die zweite Formel des kategorischen Imperativs (d.h. das Prinzip der
menschlichen Würde).“. Doravante abreviado por Schopenhauers Kritik der Kantischen Rechtslehre,
seguido de indicação de página.
256
Pode-se considerar Schopenhauer metafísico porque seu sistema filosófico possui determinações
necessárias e princípios universais, oferecendo desta maneira o fundamento teórico para a realidade
sensível. Mas não se trata de uma metafísica dita dogmática, como a combatida por Kant. Schopenhauer
está sob a atmosfera do legado kantiano (ele mesmo, como mencionado, considera-se o verdadeiro
herdeiro da filosofia kantiana), das condições prévias de possibilidade da experiência presentes a priori
na consciência (espaço, tempo e causalidade). Ele utiliza-se, assim, de uma metodologia que alguns
comentadores denominam metafísica imanente. Essa se configura pela argumentação a partir da oposição
a uma explicação transcendente, oferecendo um relato fundamental da realidade, mas utilizando-se dos
dados acessíveis ao conhecimento como o único guia possível. Como o próprio Schopenhauer escreve:
“[...] a solução do enigma do mundo tem de provir da compreensão do mundo mesmo; que, portanto, a
tarefa da metafísica não é sobrevoar a experiência na qual o mundo existe, mas compreendê-lo a partir de
seu fundamento, na medida em que a experiência, externa e interna, é certamente a fonte principal de todo
conhecimento;” („[...]die Lösung des Räthsels der Welt aus dem Verständniß der Welt selbst hervorgehen
muß; daß also die Aufgabe der Metaphysik nicht ist, die Erfahrung, in der die Welt dasteht, zu
überfliegen, sondern sie von Grund aus zu verstehen, indem Erfahrung, äußere und innere, allerdings die
Hauptquelle aller Erkenntniß ist; “, MVR, Crítica da Filosofia Kantiana, p.538, I 507).
Sobre o conceito de metafísica imanente Cf. CACCIOLA, M. Schopenhauer e a Questão do
Dogmatismo, p.134-138; Cf. BARBOZA, J. Schopenhauer – A decifração do enigma do mundo. São
Paulo: Moderna, 1997, (coleção Logos), p.46-56; e BARBOZA, J. Schopenhauer. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2003, (Coleção Filosofia Passo-a-passo.), p.23-24, e Cf. BRIANESE, G. Dire di no al mondo:
la metafisica immanente di Schopenhauer. In: SCHOPENHAUER, A. Supplementi a ‘Il mondo come
volontà e rappresentazione’. A cura di Giorgio Brianese. Torino: Einaudi, 2013.
257
“O ponto de vista dado e o modo de abordagem indicado já sugerem que neste livro de ética [o quarto
livro de MVR] não se devem esperar prescrições nem doutrinas do dever, muito menos o estabelecimento
de um princípio moral absoluto parecido a uma receita universal para a produção de todas as virtudes. [...]
Nossa tarefa filosófica, portanto, só pode ir até a interpretação e a explanação do agir humano e suas
diversas e até mesmo opostas máximas, das quais ele é a expressão viva, de acordo com a sua essência
mais íntima e conteúdo.” No original alemão: „Der gegebene Gesichtspunkt und die angekündigte
131
Behandlungsweise geben es schon an die Hand, daß man in diesem ethischen Buche keine Vorschriften,
keine Pflichtenlehre zu erwarten hat; noch weniger soll ein allgemeines Moral-Princip, gleichsam ein
Universal-Recept zur Hervorbringung aller Tugenden angegeben werden. […] Unser philosophisches
Bestreben kann bloß dahin gehen, das Handeln des Menschen, die so verschiedenen, ja entgegengesetzten
Maximen, deren lebendiger Ausdruck es ist, zu deuten und zu erklären, ihrem innersten Wesen und
Gehalt […]“, MVR, §53, p. 354-355, I 320-321.
258
“A máxima será moral quando for universalizável. O imperativo é o procedimento para testar essas
regras subjetivas, isto é, para testar sua capacidade de universalização. Daí vem a caracterização da moral
kantiana como procedimental. Nesse sentido, pode-se dizer que a moral é formal e não material. Pois
Kant não estabelece uma lista de mandamentos (que seria material), mas propõe um procedimento
(formal) para testar qualquer princípio moral.” TERRA, R. Kant & o direito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2004, (Coleção Filosofia Passo-a-passo), p.12-13. Doravante abreviado como Kant & o Direito,
seguido de indicação de página. Contudo, é importante frisar que, mesmo a lei moral não dependendo do
objeto, do conteúdo, e da matéria a qual se refere, ela depende exclusivamente da sua forma de lei, uma
máxima do dever ser. O imperativo categórico serve como uma espécie de regra para testar e avaliar a
universalidade das máximas da ação com vistas ao cumprimento do dever. A ação moral, desse modo,
adentra o âmbito do normativo, cuja forma, segundo a interpretação de Schopenhauer, é a prescrição.
259
A separação entre direito e ética não é efetivada, uma vez que o conceito de direito, tal como
formulado por Kant, oscila por subsistir, segundo Schopenhauer, de maneira pura e a priori.
260
Neste ponto, o comentador Mario Cattaneo se pergunta: “Por que dever-se-ia conceber o direito apenas
em duas possibilidades opostas (ou puramente ética ou inteiramente arbitrária)?”. No original: „Warum
sollte es nur zwei gegensätzliche Möglichkeiten, entweder ein rein ethisches oder ein vollständ
willkürliches Recht geben?“, Schopenhauers Kritik der Kantischen Rechtslehre, p.400.
132
261
“[...] O primeiro e verdadeiro critério de distinção entre moral e direito é o motivo (móbil) por que a
legislação é obedecida. Temos, assim, o motivo absoluto do dever pelo dever no caso da legislação moral
– que não pode ser senão interna – e um motivo empírico no caso da legislação jurídica (que é, portanto,
externa).”. LEITE, F. O conceito de direito em Kant: (na metafísica dos costumes). São Paulo: Icone,
1996, p.51.
262
TERRA, R. Kant & o Direito, p.27.
263
Cf. MVR, Crítica da Filosofia Kantiana, p.655-657, I 626-627.
264
MVR, Crítica da Filosofia Kantiana, p.656, I 627. No original: „»Recht ist das, was sich mit dem
Zusammenbestehen der Freiheiten der Individuen neben einander nach einem allgemeinen Gesetze
verträgt.« — Freiheit (hier die empirische, d.i. physische, nicht die moralische des Willens) bedeutet das
Nichtgehindertseyn, ist also eine bloße Negation: ganz dieselbe Bedeutung hat das Zusammenbestehen
wieder: wir bleiben also bei lauter Negationen und erhalten keinen positiven Begriff.“
265
Como vimos, o conceito de justiça/direito (Recht) é a mera negação da injustiça (Unrecht). Cf. a seção
2.2.6 Dedução e Explanação da Justiça e do Justo, p.70.
266
“Embora o conceito de direito seja propriamente um conceito negativo, em oposição ao de injustiça,
que é o ponto de partida positivo, a explanação de tais conceitos não pode ser totalmente negativa.” MVR,
Crítica da Filosofia Kantiana, p.656, I 627. Nota do Autor. No original: „Wenn gleich der Begriff Recht
133
A resposta a essa objeção pode ser dada a partir de uma indagação muito
simples: “Qual a diferença entre o conceito de direito ser definido como ‘negação da
injustiça’ e ‘não-ser-impedido’?.” 267 Ambos são determinações a partir da via negativa,
e Schopenhauer não explicita qual seria a via positiva para dissolver a contradição em
que ele se encontra; ele simplesmente passa à consideração do próximo ponto, sem
maiores aprofundamentos.
Pode-se inferir que estes dois aspectos sejam analisados pelo filósofo da
vontade de modo tão superficial devido ao fato de, segundo ele, conterem tamanho erro
que não merecem uma apreciação mais profunda. Contudo, essa simplicidade e
economia na formulação das objeções ao que o próprio objetor considera “erros
fundamentais e primários” coloca o leitor na difícil situação de ter de prenunciar os
pressupostos assumidos, comprometendo o entendimento do texto e prejudicando a
clareza expositiva, a qual sempre foi motivo de orgulho para Schopenhauer. Isso não
ocorre com os outros três aspectos enumerados: esses são analisados e refutados em
vários momentos da exposição do sistema filosófico do autor.
A terceira objeção a ser analisada refere-se ao conceito de propriedade
(Eigentum), e é feita em dois aspectos: (i) o aspecto originário, i.e., como é fundado o
direito de propriedade; e (ii) o aspecto da condição necessária para sua efetivação, qual
seja, da possibilidade de existência do direito de propriedade exteriormente ao Estado.
Segundo Schopenhauer, Kant fundamenta o direito de propriedade pelo
critério de primeira ocupação. A objeção do filósofo da vontade centra-se nesse ponto,
quando ele defende que nenhum direito legítimo de ocupação (keine rechtliche
Besitzergreifung) existe, mas apenas a legítima apropriação (Aneignung) ou a aquisição
(Besitzerwerbung) de uma coisa pelo emprego originário das próprias forças sobre ela.
A objeção de Schopenhauer ainda questiona o fato da declaração do querer de um
indivíduo excluir outros do fruir de um objeto, atribuindo ao sujeito declarante o direito
de propriedade sobre aquela coisa: “Mas como deveria a mera declaração (Erklärung)
eigentlich ein negativer ist, im Gegensatz des Unrechts, welches der positive Ausgangspunkt ist; so darf
deshalb doch die Erklärung dieser Begriffe nicht durch und durch negativ seyn.“
Sobre essa passagem do texto schopenhaueriano o comentador Mario Cattaneo escreve: “É como se
Schopenhauer, depois de ter tomado consciência desta contradição, imediatamente tentasse evitar um
mal-entendido. Mas ele não é bem-sucedido inteiramente.” No original: „Es sieht so aus, als ob
Schopenhauer, nachdem er dieses Widerspruchs gewahr wurde, sofort ein Missverständnis zu vermeiden
versuchte. aber ist ihm nicht ganz gelungen.“ Schopenhauers Kritik der Kantischen Rechtslehre, p.404.
267
Schopenhauers Kritik der Kantischen Rechtslehre, p.404. No original: „Welchen Unterschied gibt es
denn nun zwischen der ‚Negation des Unrechts‘ und dem ‚Nichtgehindertseyn‘?“
134
da minha vontade excluir aos outros do uso de uma coisa e até mesmo atribuir um
DIREITO a ela?.” 268
Para Schopenhauer, o chamado direito de primeira ocupação é, em termos
morais – ou seja, para ele em termos do direito natural –, por inteiro destituído de
fundamento. Tanto a primeira ocupação (erste Besitzergreifung), quanto a mera
declaração (Erklärung) do sujeito, não podem ser fundamentos do direito de
propriedade, não podem justificar a aquisição originária, como Schopenhauer afirma ser
feita a fundamentação de Kant; Schopenhauer não assenta o direito de propriedade na
detenção (Detention), mas na formação (Formation), embora a palavra ‘formação’ não
seja para ele a mais adequada, uma vez que “o despender esforços sobre uma coisa nem
sempre implica que se lhe dê uma forma.” 269 Apenas pelo trabalho elaborador pode-se
justificar o autêntico direito de propriedade, que é estabelecido por Schopenhauer como
um direito moral:
268
MVR, §62, p.431, I 396. No original: „Denn wie sollte doch die bloße Erklärung meines Willens,
Andere vom Gebrauch einer Sache auszuschließen, sofort auch selbst ein Rec ht hiezu geben?“
269
MVR, §62, p.431, I 397, Nota do autor. No original: „Nur ist der Name Formation nicht recht passend,
da die Verwendung irgend einer Mühe auf eine Sache nicht immer eine Formgebung zu seyn braucht.“
270
MVR, §62, p.431-432, I 397. No original: „— Hingegen bloßer Genuß einer Sache, ohne alle
Bearbeitung oder Sicherstellung derselben gegen Zerstörung, giebt ebenso wenig ein Recht darauf, wie
die Erklärung seines Willens zum Alleinbesitz. Daher, wenn eine Familie auch ein Jahrhundert auf einem
Revier allein gejagt hat, ohne jedoch irgend etwas zu dessen Verbesserung gethan zu haben; so kann sie
einem fremden Ankömmling, der jetzt eben dort jagen will, es ohne moralisches Unrecht gar nicht
wehren. Das sogenannte Präokkupations-Recht also, demzufolge man für den bloßen gehabten Genuß
einer Sache, noch obendrein Belohnung, nämlich ausschließliches Recht auf den fernern Genuß fordert,
ist moralisch ganz grundlos.“
135
Kant afirma que existem três momentos da aquisição originária, a saber, (i)
a apreensão de um objeto que não pertence a ninguém, (ii) a declaração da posse deste
objeto e do ato do meu arbítrio de afastar qualquer outro dele, e (iii) a apropriação como
ato de uma vontade universal e exteriormente legisladora (na ideia), com que se obriga
os outros à concordância com o meu arbítrio. 271
Dessa forma, o direito de propriedade é fundado no conceito de detenção,
rejeitado por Schopenhauer. Para Kant “adquiro uma coisa quando faço (efficio) que
algo se torne meu”, 272 e isso se dá pela primeira ocupação, pela declaração, e pela
consonância com o arbítrio dos outros. Kant ainda recusa o que para Schopenhauer é a
única possibilidade de fundamentação do direito de propriedade, o trabalho elaborador:
Por fim, Kant desdenha daquele que plasmou um objeto exterior, que não
lhe pertence, com seu trabalho, ao afirmar que todo o esforço realizado foi em vão face
ao primeiro possuidor. 274
Na filosofia kantiana a posse não é das coisas, mas do uso delas: possuir
uma coisa significa estar legitimado para utilizá-la. Desta forma, como visto, a
ocupação é o fundamento da posse legítima, seguida por outros dois momentos da
aquisição: a declaração do sujeito que toma posse do objeto, e a apropriação como ato
da vontade (empregada aqui no sentido kantiano) universalmente legisladora. 275 Para
Kant, a posse de algo exterior a si só é possível em um estado jurídico, sob um poder
271
Cf. MdS, p.89, VII 258-259.
272
MdS, p.88, VII 258. No original: „Ich erwerbe etwas, wenn ich mache (efficio), daß etwas mein
werde.“
273
MdS, p.99-100, VII 265. No original: „[…] ist die Bearbeitung des Bodens (Bebauung, Beackerung,
Entwässerung u.dergl.) zur Erwerbung desselben nothwendig? Nein! denn da diese Formen (der
Specificirung) nur Accidenzen sind, so machen sie kein Object eines unmittelbaren Besitzes aus und
können zu dem des Subjects nur gehören, so fern die Substanz vorher als das Seine desselben anerkannt
ist.“
274
“[...] aquele que empenhou a sua diligência num terreno que não era já de antemão seu perdeu o seu
esforço e labor face ao primeiro possuidor”. MdS, p.106, VII 269. No original: „[…] und daß der, welcher
an einen Boden, der nicht schon vorher der seine war, Fleiß verwendet, seine Mühe und Arbeit gegen den
Ersteren verloren hat[…].“
275
Cf. o estudo preliminar de Adela Cortina em KANT, I. La metafisica de las costumbres. Madrid:
Tecnos, 1994, p. XLVII.
136
Assim, só uma vontade que obriga cada um face ao outro, uma vontade
coletivo-universal (comum) e poderosa, portanto, pode oferecer a cada um
aquela segurança. Mas o estado submetido a uma legislação externa universal
(quer dizer, pública), acompanhada de poder, é o estado civil. Deste modo, só
no estado civil pode dar-se um meu e um teu exteriores.279
276
Cf. MdS, p.69, VII 255.
277
Cf. MdS, p.87 VII 257.
278
É importante frisar a maneira como Schopenhauer entende a formulação kantiana. Kant afirma que
apenas em um estado civil é possível a posse peremptória da propriedade. Schopenhauer entende essa
asserção kantiana como ‘fora do Estado não existe propriedade, i.e., no estado de natureza não existe
nenhum direito à propriedade’.
279
MdS, p.85, VII 256. No original: „Also ist nur ein jeden anderen verbindender, mithin collectiv
allgemeiner (gemeinsamer) und machthabender Wille derjenige, welcher jedermann jene Sicherheit
leisten kann. — Der Zustand aber unter einer allgemeinen äußeren (d.i. öffentlichen) mit Macht
begleiteten Gesetzgebung ist der bürgerliche. Also kann es nur im bürgerlichen Zustande ein äußeres
Mein und Dein geben.“
280
“Isso significa propriamente: todo direito é positivo, e assim o direito natural está fundado no direito
positivo, quando o inverso deveria ser o caso.” MVR, Crítica da Filosofia Kantiana, p.656, I 627. No
original: „[…] welches eigentlich heißt, daß alles Recht positiv sei, und wodurch das Naturrecht auf das
positive gestützt wird, statt daß der Fall umgekehrt seyn sollte;“
137
O Estado não pode ser moralizante porque a disposição íntima das pessoas,
o caráter inteligível (intelligibel Charakter), não pode ser mudada por um fator externo
– neste caso o Estado – porque ela é vontade: livre, eterna, cega, um impulso irracional.
Schopenhauer considera ainda pior o teorema de que “o Estado é a condição da
liberdade em sentido moral e, com isso, da moralidade.” 281
A visão de Schopenhauer de que o Estado, tal como pensado por Kant, é
fundado no imperativo categórico é uma visão recorrente entre os leitores e
comentadores da filosofia kantiana: “que a legitimação kantiana do Estado tenha uma
orientação jurídico-racional e moral parece praticamente algo óbvio a muitos interpretes
de sua filosofia política, de modo que eles dificilmente refletem sobre interpretações
alternativas.” 282
O Estado, pela ótica de Kant, por ser fundado no imperativo categórico e na
ideia de liberdade, garante os direitos das liberdades individuais, protegendo as pessoas
umas das outras através de instituições jurídicas eficazes. 283 Ainda mais, o Estado
estaria ligado a uma função moral essencial, que diz respeito ao progresso humano na
história; tese rejeitada por Schopenhauer em sua raiz. 284
Por último, tem-se a objeção à formulação do conceito kantiano de punição.
Segundo Schopenhauer, Kant concebe a punição como retaliação pelo desejo de
retaliação, o que se configura como uma visão totalmente perversa.285 Os kantianos,
segundo Schopenhauer, diriam que a punição trata os indivíduos como um simples
meio, o que é um absurdo, já que, para eles mesmos, os indivíduos devem ser tratados
281
MVR, §62, p.441, I 408. No original: „Noch verkehrter ist das Theorem, der Staat sei die Bedingung der
Freiheit im moralischen Sinne und dadurch der Moralität.“
282
HORN, C. Qual é o Fundamento da Filosofia Política de Kant? In: Studia Kantiana – Revista da
Sociedade Kant Brasileira, nº 8, maio de 2009, tradução de Luíz Marcos Sander, p.49. Doravante
abreviada por Qual é o Fundamento da Filosofia Política de Kant?, seguido de indicação de página.
283
Qual é o Fundamento da Filosofia Política de Kant?, p.41. Horn denomina esta forma de interpretação
da filosofia política kantiana por interpretação focada na implementação.
284
Para Schopenhauer a História (Geschichte) não consegue apreender a coisa-em-si, apenas o fenômeno,
não sendo suficiente para o entendimento e explicação do mundo. A História é apenas aparência. “A
história do gênero humano, a profusão dos eventos, a mudança das eras, as formas multifacetadas da vida
humana em diferentes países e séculos: tudo isso é tão somente a forma casual do fenômeno da Idéia”.
MVR, §35, p.251, I 215. No original: „die Geschichte des Menschengeschlechts, das Gedränge der
Begebenheiten, der Wechsel der Zeiten, die vielgestalteten Formen des menschlichen Lebens in
verschiedenen Ländern und Jahrhunderten, dieses Alles ist nur die zufällige Form der Erscheinung der
Idee.“
Sobre o conceito de História Cf. MVR, §35, MVR II, Kapitel 38 – Ueber Geschichte, II p.499, e Historical
Dictionary of Schopenhauer's Philosophy.
285
Cf. MVR, §62, p.445, I 411.
138
como fim. O filósofo da vontade afirma que tal proposição não passa de verborragia,286
de uma proposição sem sentido. Ele afirma que o criminoso pode e deve ser utilizado
como meio para realização do fim último do Estado, a saber, a segurança pública. Para
ilustrar seu ponto de vista, ele utiliza o exemplo de um preso condenado à morte: tal
atitude servirá como contramotivo a uma possível ação criminosa, i.e., ela desmotivará a
realização de um ato injusto pelo medo da punição, neste caso, com a morte. 287 O
indivíduo punido serve, assim, como meio para manutenção da ordem. 288
Na Metafísica dos Costumes, este enunciado kantiano aparece como a
primeira fórmula da Divisão geral dos deveres jurídicos (Allgemeine Eintheilung der
Rechtspflichten) e, posteriormente, na obrigação derivada do direito da humanidade na
nossa própria pessoa (Verbindlichkeit aus dem Rechte der Menschheit in unserer
eigenen Person):
286
Cf. MVR, §62, p.446, I 412.
287
Cf. MVR, §62, p.446, I 412. Consultar também Cf. MVR II, Kapitel 47 – Zur Ethik, II 686-687.
288
Para corroborar seu ponto de vista, Schopenhauer cita a antiga fórmula inglesa de acusação
(indictment): “If this be proved, you, the Said N.N., ought to be punished with pains of Law, to deter
other from the like crimes, in all time coming”. (“Se isto é provado, então você, o chamado N.N., tem de
sofrer a punição legal, para impedir outros crimes semelhantes em todo o tempo futuro”. Tradução da
edição brasileira de MVR). Cf. MVR, §62, p.445-446, I 412.
289
MdS, p.53, VII 236. Grifo nosso, tradução ligeiramente alterada. No original: „Sei ein rechtlicher
Mensch (honeste vive). Die rechtliche Ehrbarkeit (honestas iuridica) besteht darin: im Verhältniß zu
Anderen seinen Werth als den eines Menschen zu behaupten, welche Pflicht durch den Satz ausgedrückt
wird: »Mache dich anderen nicht zum bloßen Mittel, sondern sei für sie zugleich Zweck.«“
290
Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro,
sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio (Handle so, daß du die Menschheit
sowohl in deiner Person, als in der Person eines jeden andern jederzeit zugleich als Zweck, niemals bloß
als Mittel brauchst). GMS, p.69, IV 429.
139
Mas o ser humano não é uma coisa; não é portanto um objeto que possa ser
utilizado simplesmente como um meio, mas pelo contrário deve ser
considerado sempre em todas as suas ações como fim em si mesmo. 291
291
GMS, p.70, IV 429. Tradução ligeiramente alterada. No original: „Der Mensch aber ist keine Sache,
mithin nicht etwas, das bloß als Mittel gebraucht werden kann, sondern muß bei allen seinen Handlungen
jederzeit als Zweck an sich selbst betrachtet werden.“
292
GIACOIA, O. A Mentira e as Luzes, p.22.
293
ARAMAYO, R. Los Bocetos del Sistema Filosófico Schopenhaueriano. In: SCHOPENHAUER, A.
Escritos inéditos de juventud 1808-1818 sentencias y aforismos II. Seleção, introdução e tradução de
Roberto R. Aramayo. Valencia: Pre-Textos, 1999, p.10.
140
294
Schopenhauer e os anos mais selvagens da filosofia, p.361.
295
São eles: Fragmento 25 – Folhas Iniciais 1-2 1812, Fragmento 27 – Folhas Iniciais 2-5 1812,
Fragmento 64 – Berlin 1812 – Folha D, Fragmento 255 – Dresden 1814 – Folha LL 5-8, Fragmento 286 –
Dresden 1814 – Folha QQ 7-8 e RR 1-3, Fragmento 535 – Dresden 1816 – Folha iiii 2-3., Fragmento 536
Dresden 1816 – Folha iiii 3, Fragmento 537 – Dresden 1816 – Folha iiii 3-7, Fragmento 567 – Dresden
1816 – Folha pppp – qqqq 1-2., Fragmento 693 – Dresden 1817 – Folha 17, Fragmento 714 – Dresden
1818 – Folha 19. Para sua leitura e análise foi utilizada a edição alemã: Der handschriftliche Nachlaß.
Ed. Arthur Hübscher Munique: Deutsche Taschenbuch Verlag, 1985, 5 vols. As traduções são de minha
autoria a partir do texto alemão.
296
“O termo doutrina do direito (usado por Kant) é excessivamente genérico, ele designa o gênero que
compreende as duas espécies de doutrinas do direito, o natural e o positivo.” HN I, Fragmento 567,
Dresden 1816 – Folha ppp. – qqqq, p. 383. No original alemão: „[...] das Wort Recht s le hr e (das Kant
gebraucht) ist zu allgemein, es bezeichnet das genus, das die 2 Species natürliche und positive
Rechtslehre begreift.“
141
297
HN I, Fragmento 255, Dresden 1814 – Folha LL, p. 153. No original alemão: „Der Wille ist die
Erkenntniß a priori des Leibes. Und der Leib ist die Erkenntniß a posteriori des Willens.“
142
que vai até outro corpo e o nega. 298 No fragmento 286 (1814), Schopenhauer admite a
injustiça como uma invasão realizada por meio do canibalismo, do homicídio ou pela
utilização das forças alheias pertencentes a uma vontade objetivada em um corpo por
outro corpo para seus próprios fins e interesses. Desse último caso deriva-se a injustiça
que configura a escravidão – embora Schopenhauer já vislumbre escusas para justificá-
la, as quais enuncia de forma mais demorada apenas no §125 de PP (1851), como
pudemos observar acima – e a injustiça que se refere ao dano à propriedade.
No fragmento 714, datado de 1818, aparecem pela primeira vez as formas
pelas quais Schopenhauer considera o exercício da injustiça: pela astúcia (List) e pela
violência (Gewalt), com praticamente o mesmo teor apresentado na redação final de
MVR. A única diferença que parece ser substancial é a de que, nos manuscritos,
Schopenhauer considera toda mentira como injustiça,299 posição que se altera, como se
sabe, em seus textos éditos.300
Além do canibalismo, do homicídio e da sobreposição de vontades (que no
fragmento mencionado configura a injustiça por escravidão e a injustiça relativa ao dano
à propriedade), a mera lesão do corpo de um outro indivíduo é considerada como uma
forma de praticar injustiça e o ataque à propriedade se torna o quinto grau de injustiça,
ganhando consideração à parte na formulação do autor.301
Contudo, o que é mais marcante nos manuscritos de juventude é o fato de
Schopenhauer destacar por diversas vezes que os indivíduos temem a possibilidade de
sofrer injustiça, não propriamente a sua prática – que até é prazerosa. 302 Por conta desse
primeiro motivo ela é denunciada e condenada. Definir a injustiça e estudar as formas
de evitá-la também são temáticas abordadas pelo jovem Schopenhauer, e fazem parte do
desenvolvimento argumentativo das doutrinas do direito e do Estado em suas anotações.
O conceito de justiça é definido em todos os escritos de Schopenhauer como
um conceito moral originado da negação da injustiça: a manifestação individual da
vontade não deve ultrapassar o seu próprio fenômeno, i.e., a esfera de afirmação do
298
Cf. HN I, Fragmento 286, Dresden 1814 – Folha QQ – RR, p.174-176 (o qual parece constituir o
primeiro rascunho das ideias centrais do §62 de MVR), e HN I, Fragmento 693, Dresden 1817 – Folha 17,
p.482-483 (trata-se de um fragmento com o texto mais próximo da redação final).
299
Cf. HN I, Fragmento 714, Dresden 1818 – Folha 19, p.490.
300
Cf. a seção 2.2.9 Direito Moral à Mentira, p.78.
301
Aqui é importante mencionar que os apontamentos mais essenciais relativos ao direito de propriedade,
como sua identificação com a vontade do indivíduo através do trabalho elaborador, sua exterioridade ao
Estado, podem ser encontrados nos fragmentos 286 (1814), 563 (1816), 672 (1817), e 693 (1817).
302
Cf. Fragmentos 64 (1812), 286 (1814), 535 (1816), 537 (1816), 693 (1817), e 714 (1818).
143
outro não deve ser invadida. 303 Por ser definida a partir da negação da injustiça, pode-se
afirmar que essa é a condição de existência da justiça, a qual é toda ação praticada sem
causar dano ao corpo de um outro indivíduo, que não afete a esfera de afirmação da
vontade do indivíduo em sua pessoa, em sua liberdade, em sua propriedade, e em sua
honra.
A vontade que intenta negar a outra vontade pode ser tratada, segundo
Schopenhauer, como uma força natural, operando cegamente, e que deve ser evitada de
toda forma. 304 Quando se evita a sobreposição da própria vontade pela de um outro,
permanece-se sem cometer injustiça, afirmando o próprio corpo, a própria vontade, sem
negar a vontade do outro. E se for necessário compelir a vontade alheia, que intenta
infligir algum tipo de injustiça, é lícito forçá-la a desistir de tal ação. Em outras
palavras, possui-se um direito de coerção:
Se eu agora afastar de mim uma tal penetrante negação da minha vontade (em
seu fenômeno, [i.e.], meu corpo), então eu apenas nego essa negação, e isso
ainda é apenas a afirmação do meu próprio corpo (i.e., vontade), não uma
negação de uma vontade alheia, mas sim apenas a sua negação da minha
[vontade]: consequentemente isso não é injustiça: tal afastamento é assim um
direito, o qual poderia aparecer como se quisesse, por exemplo, a morte de
um corpo alheio, quando não existiu outra [maneira] de deter uma ameaça a
minha vontade. 305
Enquanto ser físico sou um corpo, e esse corpo é uma objetidade da vontade
que se afirma no tempo e no espaço; isso significa dizer que busco a manutenção do
meu próprio corpo, a continuidade da minha existência, nas melhores condições
possíveis. Oposto a esse meu objetivo está toda vontade que se coloque em
enfrentamento com a minha própria vontade, toda negação do meu corpo que seja
oriunda do exterior, que seja oriunda do ultrapassamento das fronteiras de afirmação de
vontades estabelecidas. Enquanto ser físico, tenho natural interesse em não sofrer
injustiça e, exatamente por essa razão, devo negar a negação do meu corpo, em um
processo no qual permaneço me afirmando, sem necessariamente negar o corpo do
303
Essa definição pode ser encontrada, por exemplo, nos fragmentos 535 (1816) e 693 (1817).
304
Cf. HN I, Fragmento 286, Dresden 1814 – Folha RR, p.175. Nesse ponto fica novamente claro o
acento que Schopenhauer dá ao horror em sofrer injustiça.
305
HN I, HN I, Fragmento 286, Dresden 1814 – Folha RR, p.175. No original alemão: “Wenn ich nun
eine solche auf mich eindringende Verneinung meines Willens (in seiner Erscheinung, meinem Leibe)
abwehre; so verneine ich nur jene Verneinung, und dies ist immer nur noch die Bejahung meines eignen
Leibes (d.i. Willens), nicht aber Verneinung eines fremden Willens, sondern nur seiner Verneinung des
meinen: folglich ist dies nicht Unr ec ht : ein solches Abwehren ist also Recht, es möge erscheinen wie es
wolle, z.B. als Tödtung eines fremden Leibes, wenn dieser nicht anders von der Beeinträchtigung des
meinem abzuhalten war.“
144
outro. O meu interesse físico, i.e., o meu egoísmo, estará de acordo com meu direito, e
nisso, segundo o jovem Schopenhauer, consiste propriamente esse direito. O direito, e
melhor dizendo, o direito natural, é definido nesse contexto da seguinte forma:
A moral teria como objetivo que eu não fizesse injustiça (neminem laede),
mas, como visto, o anelo maior é não sofrê-la (ab nemine damnum accipere). O meio
306
HN I, Fragmento 286, Dresden 1814 – Folha RR, p.176. No original alemão: „Das Recht ist also die
Kompatibilität des phys is c he n I nt er esse s, so fer n es nu r bis zur Be ja hu ng de s e ig ne n
Le ibes ge ht , mit de m mo r a lisc he n. Dies ist das eigentlich Rec ht , dessen Begriff zur Et[h]ik
gehört, und das den Namen des Nat ur r echt s, den es zur Unterscheidung vom positivem erhalten hat,
behalten mag. Wir haben also bis hieher das Nat ur r echt deducir t . “
307
MVR, §62, p.437, I 403. Tradução ligeiramente alterada. No original: „Diese rein moralische
Bedeutung ist die einzige, welche Recht und Unrecht für den Menschen als Menschen, nicht als
Staatsbürger haben, die folglich auch im Naturzustande, ohne alles positive Gesetz, bliebe und welche die
Grundlage und den Gehalt alles dessen ausmacht, was man deshalb Naturrecht genannt hat, besser aber
moralisches Recht hieße, da seine Gültigkeit nicht auf das Leiden, auf die äußere Wirklichkeit, sondern
nur auf das Thun und die aus diesem dem Menschen erwachsende Selbsterkenntniß seines individuellen
Willens, welche Gewissen heißt, […].“ Nota-se neste excerto a primeira inversão na ordem dos termos:
injustiça e justiça, empregados até então sempre nesta ordem, para justiça e injustiça.
145
racional para obtenção desse fim é o Estado. O Estado surge do meu interesse em não
sofrer injustiça, não de que ela não seja praticada. Na medida em que os indivíduos são
corpos, seres físicos, e há um interesse físico de cada um em não sofrer injustiça, cria-se
o acordo para que ninguém faça injustiça, já que, assim, ninguém sofreria injustiça. O
Estado é concebido, dessa forma, como um instrumento de prevenção, mais
precisamente como um instrumento de prevenção ao sofrimento de injustiça. Dessa
forma, no fragmento 286 (1814), Schopenhauer define o Estado como “a comunidade
de pessoas que não desejam sofrer qualquer injustiça.” 308 No fragmento 537 (1816),
corroborando o fragmento anterior, o pacto social que dá origem ao Estado é concebido
como renúncia ao fazer injustiça. Desta forma, na argumentação levada a cabo nos
manuscritos de juventude, em comparação com os textos éditos, a separação entre
Estado e moral parece se constituir de modo mais explícito, embora fique aparente que
os indivíduos realmente renunciem à prática da injustiça ao invés de instituir um
dispositivo coercitivo que, através de contramotivos, desestimule ações injustas.
O Estado surge por um acordo, por um pacto, e utiliza-se do inverso 309 da
doutrina pura do direito para garantir que seus protegidos não sofram injustiça. Segundo
o fragmento 536 (1816), o objetivo principal de uma exposição da doutrina do direito é
mostrar que o direito positivo é o emprego e uso do direito natural em seu reverso. Em
uma nota de um fragmento posterior, a saber, 567, datado do mesmo ano, Schopenhauer
elenca quais ele considera serem os pontos principais de que todas as doutrinas do
direito se ocuparam:
308
HN I, Fragmento 286, Dresden 1814 – Folha RR, p.176. No original alemão: „Er ist also eine
Vereinigung von Menschen die Kein Unrecht leiden wollen.“
309
Nos manuscritos de juventude Schopenhauer utiliza tanto a palavra alemã umgekehrte, quanto a
palavra Kehrseite para se referir à dinâmica que consiste no fato da política utilizar-se do reverso / inverso
/ avesso do direito natural para estabelecer o direito positivo. E o que significa empregar o direito natural
em seu reverso? Significa que a doutrina pura do direito tem como base o dado a partir da moral, do
caráter, do âmbito interno da experiência, enquanto que a teoria do Estado considera o que é dado a partir
da motivação. Ou seja, estabelecidos o injusto e o justo como padrão objetivo de medida (quais sejam: o
injusto se configura pela invasão da esfera de afirmação da vontade no corpo alheio e que o justo é a
negação do conceito de injustiça), invertem-se a perspectiva e a ordem dos valores: a legislação vigorará
de acordo com o limite do justo estabelecido, que não pode ser transcendido no âmbito da experiência
externa.
146
Aqueles que acham que o Estado é uma instituição moral; eles pensam que o
Estado é orientado contra o egoísmo mesmo: mas, pelo contrário, ele é
orientado contra as consequências do egoísmo, a saber, contra as
consequências do egoísmo alheio, contra as quais o próprio se volta: assim, o
Estado se originou inteiramente do egoísmo e ele está aí para servi-lo com a
razão, conforme exposto de maneira excelente por Hobbes. 311
310
HN I, Fragmento 567, Dresden 1816 – Folha qqqq, p.382, nota de rodapé. No original alemão: „Die
Hauptpunkte des Naturrechts sind 1) die Definition des Begriffs Recht, und Nachweisung seines
Ursprungs und seines Verhältnisses zur Moral und zum Naturrecht. 2) Die Entstehung und der Zweck des
Staats. 3) Die Ableitung des Eigenthumsrechts. – Der übrige Inhalt einer Lehre des Naturrechts ist bloß
die Anwendung jener Principien, die Bestimmung, was in den möglichen Verhältnissen des Lebens, die
deshalb unter gewisse allgemeine Begriffe vereinigt sind Recht, ist, d.h wie Menschen überall zu handeln
haben damit keiner Unrecht leide. Alle Rechtslehren stimmen in diesem mehr Besonderen überein, so
verschieden sie auch von jenen 3 Hauptpunkten reden, also in den Principien.“
311
HN I, Fragmento 535, Dresden 1816 – Folha iiii, p.358. No original alemão: „Die, welche meinen, er
[Staat] sei eine moralische Anstalt; denken er sei gegen den Egoismus selbst gerichtet: er ist aber
vielmehr gegen die Folgen des Egoismus gerichtet, nämlich gegen die Folgen des fremden Egoismus,
gegen die der eig[e]ne sich auflehnt: er ist also ganz aus dem Egoismus entstanden und ist da um
demselben zu dienen mit Vernunft, wie Hobbes vortrefflich auseinandersetzt.“
312
Cf. HN I, Fragmento 25, Folhas Iniciais 2-5 1812 -, p.16-17.
147
mesma forma como o historiador é um profeta às avessas, o legislador (der Lehrer der
Rechte) seria, assim, um moralista às avessas – e que conste aqui: para o jovem de 22
anos, o político seria um ético às avessas. Todavia, esse exemplo foi suprimido da
conclusão do §62 de MVR,313 talvez pelas ambiguidades que sua interpretação poderia
gerar.
Por fim, resta a consideração de que a essência do direito penal, tal como
formulada na obra do filósofo da vontade, não encontrou grandes alterações dos
fragmentos de juventude para a versão mais acabada de seus escritos. De fato, é mantida
a definição de que a punição (Strafe) é orientada em essência ao futuro (Zukunft), não
ao passado (Vergangenheit), fator que a difere da vingança (Rache). 314
A partir do exposto, foi possúvel mostrar que o núcleo teórico conceitual e
as principais linhas argumentativas que se referem às doutrinas do Estado e do direito,
já se encontravam de forma latente ou em desenvolvimento nos fragmentos de
juventude de Arthur Schopenhauer, apesar do aspecto fragmentário, da não
sistematização precisa, e, portanto, da não complexidade da redação final da obra
publicada. Assim, com base no confronto e na leitura histórico-crítica dos manuscritos e
da obra publicada, foi possível trazer à luz e verificar o processo de refinamento
conceitual e de redação das doutrinas do direito e do Estado desde seu gérmen até sua
forma mais acabada.
Schopenhauer identifica três motivações morais para o agir humano: 315 (i) a
maldade (Bosheit), a qual possui como finalidade o mal alheio; (ii) o egoísmo
313
Cf. HN I, Fragmento 25, Folhas Iniciais 2-5 1812 -, p.16-17.
314
Sobre a punição, a vingança e o direito penal, Cf. os Fragmentos 413 (1815), 568 (1816), 574 (1816), e
620 (1816).
315
Em uma polêmica e muito discutida nota de rodapé do capítulo 48 de MVR II, Sobre a Doutrina da
Negação da Vontade para Vida (Zur Lehre von der Verneinung des Willens zum Leben), Schopenhauer
admite uma quarta motivação: “Desde que se aceite a ascese, no entanto, a apresentação das últimas
motivações da ação humana, descritas no meu ensaio concorrente ao prêmio acerca do fundamento da
moral, a saber, 1) o próprio bem-estar, 2) a dor alheia e 3) o bem-estar alheio, deveria ser completada por
uma quarta [motivação do agir humano]: o próprio mal, o qual eu menciono aqui casualmente e apenas
148
(Egoismus), que tem como finalidade o próprio bem e a autoconservação, e, como visto,
é intrinsecamente ligado à justiça temporal; e (iii) a compaixão (Mitleid), a qual tem
como finalidade o bem-estar alheio e na qual o sofrimento do outro se torna o motivo do
agente. É nesta última onde o autor identifica o amor puro – “Todo amor (ágape,
caritas) é compaixão”, 316 “Todo amor puro é compaixão”317 – e uma via de salvação
para os sofrimentos do mundo. Para o filósofo, toda ação humana tem de ser
reconduzida necessariamente a uma dessas motivações, embora elas possam agir
conjuntamente.
Segundo Schopenhauer, a maldade tem no mal alheio sua finalidade,
podendo chegar até a mais extrema crueldade. Ela pode ser explicada pela seguinte
máxima: imo omnes, quantum potes, laede (prejudica a todos quanto possas). 318 No que
se poderia imaginar como o outro extremo do agir humano, tem-se a compaixão. A
palavra compaixão é uma das possíveis traduções para a palavra alemã Mitleid, cuja
tradução literal para o português seria “padecer / sofrer com”. Ela consiste em graus de
olhar através (Durchschauen) do princípio de individuação que permitem conhecer e
reconhecer a identidade da essência metafísica do mundo como unidade, i.e., reconhecer
que a diferença entre o eu e o outro é mera aparência. Mas não se trata de apenas
reconhecer a identidade da essência metafísica entre si mesmo e os outros. É preciso o
conhecimento intuitivo, cuja expressão é afetiva: o sentimento319 de compaixão.
Enquanto que na compaixão tem-se o sentimento de que o eu e aquele outro ser
compartilhamos a mesma essência, de que o muro entre o eu e o outro não existe, o
egoísmo atua na direção contrária: o enredamento do indivíduo ao princípio de
pelo interesse de uma coerência sistemática. Pois ali, naquele ensaio, essa quarta motivação teve que ser
ignorada, pois a questão do prêmio fora posta no sentido da ética filosófica em vigor na Europa
protestante”. MVR II, Kapitel 48 – Zur Lehre von der Verneinung des Willens zum Leben, II 695. No
original alemão: „Sofern man hingegen die Askese gelten läßt, wäre die in meiner Preisschrift über das
Fundament der Moral gegebene Aufstellung der letzten Triebfedern des menschlichen Handelns, nämlich
l) eigenes Wohl, 2) fremdes Wehe und 3) fremdes Wohl, noch durch eine vierte zu ergänzen: eigenes
Wehe: welches ich hier bloß im Interesse der systematischen Konsequenz beiläufig bemerke. Dort
nämlich mußte, da die Preisfrage im Sinn der im protestantischen Europa geltenden philosophischen
Ethik gestellt war, diese vierte Triebfeder stillschweigend übergangen werden.“
Assim, parece-nos que o filósofo analisa e expõe três motivações do agir humano, admite a existência de
uma quarta sobre a qual ele não entra em maiores detalhes, e, ainda, concebe o que seria o contrário de
um motivo – que engendra uma ação –, o quietivo – o qual resulta na inação do indivíduo.
316
MVR, §66, p.476, I 443. No original alemão: „Alle Liebe (αγαπη, caritas) ist Mitleid.“
317
MVR, §67, p.478, I 444. No original alemão: „Alle reine Liebe ist Mitleid.“
318
Cf. SFM, §7, p.72, III 628.
319
Ver nota 107, p.72.
149
320
CACCIOLA, M. Schopenhauer e a Questão do Dogmatismo, p.158.
321
Cf. SFM, § 15, p.131, III 674.
150
Todavia, até que ponto esse recurso pode ser considerado válido? Para
Rousseau, existem dois princípios que servem de apoio à razão do indivíduo selvagem e
dos quais derivam todas as regras do direito natural: o princípio da conservação
(conservation) e o princípio da piedade (pitié).324 O primeiro se refere aos meios
apropriados para se alcançar o bem-estar, a preservação, e a prevenção contra danos e
perdas. O segundo funcionaria como uma espécie de instinto natural que tornaria o ser
humano capaz de padecer com o seu semelhante, i.e., a piedade tornaria o ser humano
capaz de apreender o sofrimento de outrem através do desprendimento do eu e da sua
identificação com o não-eu. Dessa forma, os princípios de conservação e de piedade
seriam princípios reguladores das relações humanas no estado de natureza, ocupando o
lugar das leis, dos costumes e da virtude, e, em apoio à razão, evitariam que os
indivíduos se tornassem monstros uns para os outros. A partir desse raciocínio,
Rousseau sustenta que o estado de natureza não poderia ser um estado de guerra de
todos contra todos325 – tese, como exposto, rejeitada por Schopenhauer e em completa
322
SFM, §16, p.136, III 678. No original alemão: „der ganz unmittelbaren, von allen anderweitigen
Rücksichten unabhängigen Theilnahme zunächst am Leiden eines Andern und dadurch an der
Verhinderung oder Aufhebung dieses Leidens, als worin zuletzt alle Befriedigung und alles Wohlseyn
und Glück besteht.“
323
SFM, §19, p.184, III 716. No original alemão: „Dagegen aber hat meine Begründung die Autorität des
größten Moralisten der ganzen neuern Zeit für sich: denn dies ist, ohne Zweifel, J.J. Rousseau, der tiefe
Kenner des menschlichen Herzens, der seine Weisheit nicht aus Büchern, sondern aus dem Leben
schöpfte, und seine Lehre nicht für das Katheder, sondern für die Menschheit bestimmte.“
324
Cf. Segundo Discurso, p.236-237.
325
Cf. Segundo Discurso, p.258.
151
contradição com a forma pela qual o filósofo da vontade funda e justifica a existência
do Estado.
Ambos os conceitos, o rousseauniano (pitié) e o schopenhaueriano
(Mitleid), 326 remetem ao fato do ser humano possuir a capacidade de “padecer com”, de
sentir o sofrimento alheio como seu. O que distingue a formulação deste conceito entre
os dois filósofos é a forma pela qual a apreensão do sofrimento alheio se dá. Se em
Schopenhauer a compaixão é fruto da apreensão de uma mesma essência metafísica dos
indivíduos, e essa apreensão ocorre por um sentimento imediato, por um olhar através
do princípio de individuação, em Rousseau a piedade pode ser entendida como um
instinto natural – e pelo papel que desempenha no estado de natureza pode ser
entendida, também, como um instinto de preservação humana – que se dá pela
apreensão do sofrimento do outro através do desprendimento do eu e da identificação
com o não-eu – que não se dá a partir do reconhecimento da partilha de uma mesma
essência metafísica no plano representacional.
e a Caridade (Menschenliebe)
326
Sobre uma ética da compaixão envolvendo os conceitos de Mitleid e de Pitié Cf. HAMBURGER,
K. Zum Problem der Mitleidsethik. Rousseau und Schopenhauer. In: Philosophisches Jahrbuch,
Freiburg, München: Karl Alber Verlag, v.92, n.1, p.68-78, 1985.
152
indivíduo respeita as fronteiras éticas que medeiam o justo e o injusto e as faz valer,
mesmo quando não existe nenhum Estado ou outro poder regulador para sancioná-lo ou
puni-lo, não levando sua afirmação da vontade para além dos limites do próprio corpo
até a negação da vontade alheia. 327 O indivíduo justo encontra no outro a si mesmo e
desiste de praticar injustiça. Contudo, o justo ainda age no plano da individuação.
É preciso, contudo, afastar a possibilidade de confusão e erro no que se
refere ao fato da compaixão ser tomada como condição de existência e origem da justiça
voluntária: seria uma imprecisão e um equívoco atribuir a toda ação justa, e, por
conseguinte, a todas as ações legais, valor moral. Se a ação praticada não for
desinteressada, i.e., se a ação praticada possuir uma motivação egoísta, a ela não é
possível atribuir valor moral:
327
Cf. HN, Metafísica dos Costumes, p.144, p.211; e Cf. MVR, §66, p.471, I 437.
328
SFM, §13, p.109-110, III 657. Tradução ligeiramente alterada. No original alemão: „Vielmehr ist
zwischen der Gerechtigkeit, welche die Menschen ausüben, und der ächten Redlichkeit des Herzens,
meistens ein analoges Verhältniß, wie zwischen den Aeußerungen der Höflichkeit und der ächten Liebe
des Nächsten, welche nicht, wie jene, zum Schein, sondern wirklich den Egoismus überwindet.“
153
Todavia, caso queiramos conferir uma posição honorífica ou, por assim dizer,
emérita a uma antiga expressão que não gostaríamos de deixar por completo
em desuso [bem supremo, summum bonum], podemos metafórica e
figurativamente, chamar a total auto-supressão e negação da vontade, sua
verdadeira ausência, unicamente o que acalma e cessa o ímpeto da vontade
para todo o sempre e que exclusivamente proporciona o contentamento que
jamais pode ser de novo perturbado, a verdadeira redenção do mundo e que
logo mais adiante trataremos na conclusão de todo o nosso pensamento –
podemos chamar essa total auto-supressão e negação da vontade de bem
absoluto, summun bonum, e vê-la como o único e radical meio de cura da
doença contra a qual todos os outros meios são anódinos, meros paliativos.
Nesse sentido, o termo grego τελος [télos] e a expressão latina finis bonorum
funcionam melhor. 330
329
O bem supremo seria “[...] a satisfação da vontade além da qual nenhum novo querer apareceria,
noutros termos um último motivo cujo alcançamento proporcionaria um contentamento indestrutível da
vontade. Mas, segundo nossa atual consideração neste quarto livro, tal ordem de coisas é impensável.”
MVR, §65 p.462, I 427-428. Tradução ligeiramente alterada. No original alemão: „[…] höchstes Gut,
summum bonum, bedeutet das Selbe, nämlich eigentlich eine finale Befriedigung des Willens, nach
welcher kein neues Wollen einträte, ein letztes Motiv, dessen Erreichung ein unzerstörbares Genügen des
Willens gäbe. Nach unserer bisherigen Betrachtung in diesem vierten Buch ist dergleichen nicht
denkbar.“
330
MVR, §65, p.462, I 428. No original alemão: „Sondern stets nur ein einstweiliges. Wenn es indessen
beliebt, um einem alten Ausdruck, den man aus Gewohnheit nicht ganz abschaffen möchte, gleichsam als
emeritus, ein Ehrenamt zu geben; so mag man, tropischer Weise und bildlich, die gänzliche
Selbstaufhebung und Verneinung des Willens, die wahre Willenslosigkeit, als welche allein den
Willensdrang für immer stillt und beschwichtigt, allein jene Zufriedenheit giebt, die nicht wieder gestört
werden kann, allein welterlösend ist, und von der wir jetzt bald, am Schluß unserer ganzen Betrachtung,
handeln werden, — das absolute Gut, das summum bonum nennen, und sie ansehen, als das einzige
radikale Heilmittel der Krankheit, gegen welche alle anderen Güter, nur Palliativmittel, nur Anodyna
sind. In diesem Sinne entspricht das Griechische τελος, wie auch finis bonorum, der Sache sogar noch
besser.“
154
331
MVR, §68, p.496, I 463. No original alemão: „Unter dem schon öfter von mir gebrauchten Ausdruck
Askesis verstehe ich, im engern Sinne, diese vorsätzliche Brechung des Willens, durch Versagung des
Angenehmen und Aufsuchen des Unangenehmen, die selbstgewählte büßende Lebensart und
Selbstkasteiung, zur anhaltenden Mortifikation des Willens.“
A ascese seria, assim, a quarta motivação aludida na nota de rodapé do capítulo 48 de MVR II supracitada.
332
Esse tipo de interpretação da ascese é o que permite afirmar, como Rudolf Malter, que a filosofia
schopenhaueriana é, na verdade, uma soteriologia. Cf. Arthur Schopenhauer Tranzendentalphilosophie
und Metaphysik des Willens.
333
Schopenhauer cita como exemplo mais perfeito – embora literário – dessa via de conversão a obra
Fausto de Goethe, mais precisamente na história do sofrimento de Gretchen. Cf. MVR, §68, p.497-498, I
464-465.
334
MVR, §68, p.497, I 464. No original alemão: „Selbst Die, welche sehr böse waren, sehen wir bisweilen
durch die tiefsten Schmerzen bis zu diesem Grade geläutert: sie sind Andere geworden und völlig
umgewandelt.“
155
Quanto à negação da vontade para vida que brota da compaixão, ela consiste
no sentimento obtido no olhar através do princípio de individuação e no reconhecimento
da mesma vontade para vida em toda a natureza e, a partir desse conhecimento intuitivo,
do conhecimento das contradições e do sofrimento que é viver, resulta a repulsa pela
própria essência e, assim, um quietivo (Quietiv) universal do querer é produzido no
indivíduo: os motivos individuais se tornam, dessa forma, sem efeito. 335
Contudo, ainda parece legítimo perguntar ‘no que consiste a ascese?’. Como
exposto, no que tange à motivação, ao plano do agir, os indivíduos buscam a
autoconservação e a reprodução, sendo guiados pelo conhecimento abstrato para o
desenvolvimento e manutenção de seu caráter, de seu ser (esse). A ascese consiste
exatamente na autossupressão contínua do próprio caráter, na negação, não do
fenômeno, mas da essência do indivíduo. Com isso, ele acaba por negar a
autoconservação, e a reprodução, i.e., ele acaba por negar o seu caráter, seu ser, o seu
esse, e, por conseguinte, ele acaba por negar o seu agir, o seu operari. Aquele que nega
a própria vontade, aquele que suprime o próprio caráter, o asceta, não age, e acaba por
se colocar no plano da inação. Essa ocorrência evidencia uma contradição considerada
por Schopenhauer como o único ato de liberdade fenomênico: a contradição do
fenômeno consigo mesmo, na qual ocorre a ruptura da cadeia causal em que o então
indivíduo estava inserido.
A não diferença entre o eu e o outro é levada a um grau tão claro que esse
conhecimento produz uma repugnância da vontade por si mesma, transformando os
motivos que antes levavam ao agir em quietivos (Quietiv). O asceta, assim, seria aquele
que realiza de maneira mais plena possível a justiça eterna, na medida em que apreende
o sofrimento do mundo e o seu significado moral, fazendo com que seja possível a
supressão de todo sofrimento. A ascese consiste na abolição do princípio de
individuação e de todas as figuras do princípio de razão suficiente, o que significa a
fusão com o mundo e o fim mesmo desse, uma vez que sem sujeito não há objeto –
elementos que, ao estabelecer uma correlação de dependência, possibilitam a existência
do plano representacional: “Acompanhando a completa supressão do conhecimento,
também o resto do mundo desapareceria no nada, pois sem sujeito não há objeto.” 336
Todavia, quê é ascese não se pode explicar, dado que ela não pode ser reportada ao
335
Cf, MVR, §70, p.509, I 477.
336
MVR, §68, p.483, I 449. No original alemão: „Mit gänzlicher Aufhebung der Erkenntniß schwände
dann auch von selbst die übrige Welt in Nichts; da ohne Subjekt kein Objekt.“
156
337
A tese da ruptura entre a ética e ascese é tratada de forma detida e minuciosa por Jörg Salaquarda na
segunda parte de uma coletânea póstuma de escritos seus, a qual remeto o leitor que tiver curiosidade
sobre o assunto: SALAQUARDA, J. Die Deutung der Welt. Jörg Salaquardas Schriften zu Arthur
Schopenhauer. Konstantin Broese, Matthias Kossler, Barbara Salaquarda (Ed.). Würzburg:
Königshausen & Neumann, 2007.
3 Schopenhauer: Leitores e Leituras
1
Podemos citar como exemplo o livro de Zoccoli que analisa “as duas obras menores de Arthur
Schopenhauer”. Segundo o autor os aspectos menores da teoria schopenhaueriana seriam: (i) sobre a
liberdade da vontade humana (Über die Freiheit des menschlichen Willens) e (ii) sobre o fundamento da
moral (Über das Fundament der Moral). Dentro desses aspectos menores, enquadra-se a doutrina do
direito, a qual recebe alguma atenção na análise. Cf. ZOCCOLI, E. Di due opere minori di Arturo
Schopenhauer. Modena: Libreria Editrice G.T. Vicenzi e Nipote, 1898.
2
LÜTKEHAUS, L. Esiste una sinistra schopenhaueriana? Ovvero: il pessimismo è un quietismo? In:
FAZIO, D.; KOßLER, M.; LÜTKEHAUS, L. (Orgs.). Arthur Schopenhauer e la sua scuola: Per
l'inaugurazione del Centro interdipartimentale di ricerca su Arthur Schopenhauer e la sua scuola
dell'Università del Salento. A cura di Fabio Ciracì, Domenico M. Fazio, Francesca Pedrocchi. Collana del
Centro interdipartimentale di ricerca su Arthur Schopenhauer e la sua scuola dell'Università del Salento
diretta da Domenico M. Fazio, Matthias Koßler e Ludger Lütkehaus, Vol. 1. Lecce: Pensa Multimedia,
2007, p.16. O artigo doravante será abreviado por Esiste una sinistra schopenhaueriana? Ovvero: il
pessimismo è un quietismo?, seguido de indicação de página. No texto italiano lê-se: “A vederci meglio,
158
tuttavia, lo stesso Schopenhauer non si descrive, politicamente e socialmente, in maniera univoca, come
invece vuol da sempre farci credere una maldicenza storiografica.”
3
Um primeiro texto no qual o professor Domenico Fazio apresenta uma introdução e sistematização do
desenvolvimento histórico e das disputas em torno do termo escola de Schopenhauer – em seus sentidos
lato e estrito – foi publicado por ocasião da fundação do Centro interdipartimentale di ricerca su Arthur
Schopenhauer e la sua scuola dell'Università del Salento no primeiro livro da coleção Schopenhaueriana,
publicação do centro italiano que promove estudos relativos ao autor. Cf. FAZIO, D., La “scuola” di
Schopenhauer. Per la storia di un concetto. In: FAZIO, D.; KOßLER, M.; LÜTKEHAUS, L. (Orgs.).
Arthur Schopenhauer e la sua scuola: Per l'inaugurazione del Centro interdipartimentale di ricerca su
Arthur Schopenhauer e la sua scuola dell'Università del Salento. A cura di Fabio Ciracì, Domenico M.
Fazio, Francesca Pedrocchi. Collana del Centro interdipartimentale di ricerca su Arthur Schopenhauer e
la sua scuola dell'Università del Salento diretta da Domenico M. Fazio, Matthias Koßler e Ludger
Lütkehaus, Vol. 1. Lecce: Pensa Multimedia, 2007, p.35-76. Doravante abreviado por La “scuola” di
Schopenhauer. Per la storia di un concetto, seguido de indicação de página.
Posteriormente, no ano de 2009, o segundo livro da coleção Schopenhaueriana é lançado, trazendo além
de uma contextualização mais pormenorizada e aprofundada do conceito de Escola de Schopenhauer,
uma antologia de textos dos – por assim dizer – membros dessa escola, traduzidos do alemão para o
italiano. Dentre esses discípulos – denominados evangelistas, metafísicos, heréticos e pais fundadores –
podem-se encontrar traduções de textos de Friederich Dorguth, Julius Frauenstädt, Ernst Otto Lindner,
August Gabriel Kilzer, David Asher, Carl Georg Bähr, Wilhelm Gwinner, Julius Bahnsen, Eduard von
Hartmann, Philipp Mainländer, Friedrich Nietzsche, Paul Rée, Georg Simmel, Max Horkheimer, Paul
Deussen, Hans Zint, Arthur Hübscher, e Rudolf Malter. O livro oferece, assim, um cuidadoso, importante,
e denso material de estudo, reunido em torno da relação desses autores com a filosofia de Schopenhauer.
Cf. FAZIO, D.; KOßLER, M.; LÜTKEHAUS, L. (Orgs.). La Scuola di Schopenhauer: Testi e contesti.
159
A cura del Centro interdipartimentale di ricerca su Arthur Schopenhauer e la sua scuola. In:
Schopenhaueriana - Collana del Centro interdipartimentale di ricerca su Arthur Schopenhauer e la sua
scuola dell'Università del Salento diretta da Domenico M. Fazio, Matthias Koßler e Ludger Lütkehaus,
Vol. 2. Lecce: Pensa Multimedia, 2009. Doravante abreviado por La Scuola di Schopenhauer, sendo
indicado o autor e artigo a que se refere, e a página da citação.
Em 2014 uma versão condensada e reduzida desse texto foi redigida pelo professor Fazio em português e
publicado pelo grupo APOENA: FAZIO, D. A Escola de Schopenhauer. In: CARVALHO, R.; COSTA,
G.; MOTA, T. (Orgs.) Nietzsche – Schopenhauer: metafísica e significação moral do mundo. Fortaleza:
EdUECE, 2014, v.II, p.11-36. Doravante abreviado por A Escola de Schopenhauer, seguido de indicação
de página.
4
SCHOPENHAUER, A. Arthur Schopenhauer Gespräche: Neue, stark erweiterte Ausgabe
Herausgegeben von Arthur Hübscher. Stuttgart Bad Cannstatt: Friedrich Frommann Verlag, 1971, p.219.
5
Cf. La “scuola” di Schopenhauer. Per la storia di un concetto, p.35.
6
La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.16; e A Escola de
Schopenhauer, p.11.
7
Cf. FISCHER, K. Schopenhauers Leben, Werke und Lehre [1893]. In: Geschichte der neuen
Philosophie, 9 Bde., Heidelberg: Gedächtnis-Ausgabe 1934, Bd. IX, p.103-113. Disponível em:
https://archive.org/stream/schopenhauersle01fiscgoog#page/n6/mode/2up. Acesso em 07 fev. 2017.
8
Sobre Hartmann consultar o cuidadoso estudo de Martia Vitale: VITALE, V. Dalla Volontà di Vivere
All'inconscio: Eduard von Hartmann e la trasformazione della filosofia di Schopenhauer. In:
Schopenhaueriana – Collana del Centro interdipartimentale di ricerca su Arthur Schopenhauer e la sua
scuola dell'Università del Salento diretta da Domenico M. Fazio, Matthias Koßler e Ludger Lütkehaus,
Vol. 8. Lecce: Pensa Multimedia, 2014.
9
VON HARTMANN, E. Die Schopenhauer'sche Schule. In: Philosophische Fragen der Gegenwart.
Berlin: 1885, p.38-57; La scuola di Schopenhauer, VON HARTMANN, E., La Scuola di Schopenhauer,
p.379-393.
160
10
La scuola di Schopenhauer. VON HARTMANN, E., La Scuola di Schopenhauer, p.380. Nossa
tradução foi feita a partir da tradução italiana: “Ma si può a buon diritto parlare di una scuola di
Schopenhauer nel senso piú largo del termine, se vi si comprendono tutti i tentativi, partiti da lui, di una
trasformazione della sua filosofia.”
11
La “scuola” di Schopenhauer. Per la storia di un concetto, p.56. A passagem citada em italiano: “Olga
Plümacher, in questo modo, in quella che è la prima monografia sul tema della nostra indagine, non solo
indicava le linee metodologiche per l’identificazione della scuola di Schopenhauer latu sensu, ma stilava
anche un primo, provvisorio censimento dei suoi principali esponenti.”
12
La “scuola” di Schopenhauer. Per la storia di un concetto, p.69; Cf. MON-HUA LIANG, E. Die
Ethik der Schule Schopenhauers. Inaugural-Dissertation zur Erlangung der Doktorwürde genehmigt
von der Philosophischen Fakultät der Friedrich-Wilhelms-Universität zu Berlin. Charlottenburg, 1932.
13
Como já indicado, uma apreciação detida, pormenorizada, e que reconstitui historicamente o
desenvolvimento e as disputas em torno do conceito de escola de Schopenhauer podem ser consultadas
em La Scuola di Schopenhauer e La “scuola” di Schopenhauer. Per la storia di un concetto.
14
A Escola de Schopenhauer, p.12; e La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di
Schopenhauer: I contesti, p.72. Nesse segundo texto lê-se em italiano: “[…] chi scrive ha proposto di
considerare facenti parte della scuola di Schopenhauer in senso lato tutti i pensatori che si sono detti
schopenhaueriani o che sono stati detti tali.”
15
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.21-22; Cf. A
Escola de Schopenhauer, p.18.
161
pelo filósofo como o seu apóstolo mais sábio e Adam Ludwig von Doss (1820–1873), 16
o apóstolo João, chamado assim por ser o mais jovem, e considerado por Schopenhauer
o seu apóstolo mais profundo. Schopenhauer tentou-os convencer, sem sucesso, a
escrever sobre a sua filosofia. De um outro apóstolo, David Asher (1818-1890), 17 o
apostolozinho, Schopenhauer esperava as traduções de suas obras para a língua inglesa.
Asher era chamado de apóstolo por Schopenhauer mesmo tendo escrito uma série de
artigos sobre o filósofo, os quais não o agradaram. Por essa razão, Schopenhauer não
concedeu a ele o título de evangelista.18 Não bastava escrever sobre Schopenhauer: para
ser um evangelista parecia ser necessário escrever algo que lhe agradasse.
Ainda no sentido estrito de sua escola, podemos elencar sete evangelistas.
Chamado por Schopenhauer de proto-evangelista, Friedrich Dorguth (1776-1854) 19 foi
o primeiro discípulo a escrever sobre o filósofo e foi o responsável pela célebre
definição do autor como o Kaspar Hauser da filosofia. 20 O chamado arquievangelista,
Julius Frauenstädt (1813-1879), 21 ativo divulgador da filosofia schopenhaueriana, foi o
primeiro editor dos manuscritos póstumos (handschriftlicher Nachlass) de
Schopenhauer. Por conta disso, envolveu-se em uma polêmica 22 acerca de um
manuscrito inédito do filósofo, o Eis eauton, com um outro evangelista, Wilhelm
Gwinner (1825-1917), 23 advogado e testamentário de Schopenhauer, o qual Frauenstädt
acusou de plágio e da destruição de tal manuscrito. Fazio, por conta de tal litígio, sugere
que Gwinner seja chamado de evangelista apócrifo.
16
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.31-32; Cf. A
Escola de Schopenhauer, p.18.
17
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.46-50; Cf. A
Escola de Schopenhauer, p.16.
18
Cf. A escola de Schopenhauer, p.16.
19
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.17-21; Cf. A
Escola de Schopenhauer, p.12-13.
20
Cf. A escola de Schopenhauer, p.13 e DORGUTH, F. Grundkritik der Dialektik und des
Identitätssystems, mit einem Anhange von Korollarien, Erläuterungen und Kritiken, insbesondere
mit Rückblick auf Bern. Magdeburg: Cottas Briefe über Alexander von Humboldt’s Kosmos, 1849, p.3.
(Disponível em https://books.google.com.br/books?id=sLsAAAAAcAAJ&hl=pt-
BR&pg=PA5#v=onepage&q&f=false. Acesso em 04 jan. 2015).
21
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.22-31; Cf. A
Escola de Schopenhauer, p.13-14.
22
Sobre essa polêmica Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I
contesti, p.37-41 e p. 43-46; Cf. também o ensaio de Franco Volpi na introdução ao livro
SCHOPENHAUER, A. A arte de conhecer a si mesmo. Org. de Franco Volpi; trad. Jair Barboza e
Silvana Cabucci Leite. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
23
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.43-46; Cf. A
Escola de Schopenhauer, p.17-18.
162
24
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.32-41; Cf. A
Escola de Schopenhauer, p.14-15.
25
Cf. OXENFORD, J. Iconoclasm in german philosophy. In: Westminster and foreign quarterly
review, v. III, n. 2, jan. 1853, p.388-407. Existe uma transcrição do texto em formato digital disponível
em um site francês dedicado a Schopenhauer e sua filosofia:
http://www.schopenhauer.fr/oeuvres/iconoclasm.html (Acesso em 05 jan. 2015).
26
LINDNER, E. Deutsche Philosophie im Auslande. In: Königlich Privilegirte Berlinische Zeitung von
Staats - und Gelehrten Sachen, 1853. Este artigo foi traduzido para o italiano a partir da análise cotejada
entre o original em inglês e a tradução alemão. Dessa forma, na tradução italiana, as adições de Lindner,
tais como as alterações nos textos, foram grafadas. Cf. La Scuola di Schopenhauer, LINDNER, E., La
Filosofia tedesca all’estero, p.263-289.
27
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.42.
28
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.42; Cf. A Escola
de Schopenhauer, p.16.
29
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.50-65; Cf. A
Escola de Schopenhauer, p.17.
30
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.65.
163
31
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.65.
32
PLÜMACHER, O. Zwei Individualisten der Schopenhauer'schen Schule. Wien 1881, p. 2 apud A
Escola de Schopenhauer, p.19.
33
La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.66. No texto em
italiano lê-se: “Dell’esistenza, accanto alla scuola di Schopenhauer in senso stretto, di una scuola di
Schopenhauer intesa in senso lato, ossia di un gruppo di pensatori che, pur non essendo stati discepoli
diretti del Saggio di Francoforte, si erano a vario titolo ispirati al suo pensiero e lo avevano sviluppato
seguendo direzioni autonome e talvolta originali, si è discusso lungamente alla fine dell’Ottocento.”
34
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.72-132; Cf. A
Escola de Schopenhauer, p.22-27.
164
35
Sobre a filosofia de Mainländer Cf. CIRACÌ, F. Verso l’assoluto nulla: La filosofia della redenzione
di Philipp Mainländer. Lecce: Pensa Multimedia, 2006.
36
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.188-211; Cf. A
Escola de Schopenhauer, p.33-36.
37
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.188.
38
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.197 e Cf.
WURZMAN, L. Schopenhauer als Lebensretter. In: Jahrbuch der Schopenhauer-Gesellschaft für das
Jahr 1922, Band 11. Heidelberg: Carl Winters Universitätsbuchhandlung, p.108-113, 1922.
39
Para uma análise pormenorizada das tentativas de instrumentalização e nazificação do pensamento de
Schopenhauer Cf. CIRACÌ, F. In lotta per Schopenhauer: La “Schopanhauer-Gesselschaft” fra ricerca
filosofica e manipolazione ideologica 1911-1948. In: Schopenhaueriana - Collana del Centro
interdipartimentale di ricerca su Arthur Schopenhauer e la sua scuola dell'Università del Salento diretta da
Domenico M. Fazio, Matthias Koßler e Ludger Lütkehaus. Lecce: Pensa Multimedia, 2010. v.6.
40
É bem conhecida a opinião de Schopenhauer sobre a filosofia universitária. Cf. PP, Ueber die
Universitäts-Philosophie.; Cf. SCHOPENHAUER, A. Sobre a filosofia universitária. Tradução,
introdução e notas Maria Lucia Mello Oliveira Cacciola e Márcio Suzuki. São Paulo: Martins Fontes,
2001.
165
41
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.208.
42
Cf. FAZIO, D. Richard Wagner e as mulheres da escola de Schopenhauer. In: Labirintos da alma:
Festschrift aos 60 anos de Oswaldo Giacoia Jr. Organização André Luis Muniz Garcia e Lucas Angioni.
Campinas: Editora Phi, 2014, p.191-209.
43
Sobre Eva Kühn Cf. PASSABÍ, M. Eva Kühn e “L’ottimismo trascendentale di Schopenhauer”. In:
CIRACÌ, F.; FAZIO, D. (Orgs.). Schopenhauer in Italia: Atti del I convengno nazionale della sezione
italiana della Schopenhauer-Gesellschaft San Pietro Vernotico – Lecce 20 e 21 giugno 2013. A cura di
Fabio Ciracì e Domenico M. Fazio. In: Schopenhaueriana – collana del Centro interdipartimentale di
ricerca su Arthur Schopenhauer e la sua scuola dell'Università del Salento diretta da Domenico M. Fazio,
Matthias Koßler e Ludger Lütkehaus. Lecce: Pensa Multimedia, 2013, p.131-140. V.7.
44
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.212.
166
45
La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.132. No texto italiano
lê-se: “Conformemente ai criteri metodologici adottati, consistenti nel procedere piú per differenze che
per analogie e nel considerare come esponenti della scuola di Schopenhauer tutti coloro i quali si sono
detti schopenhaueriani o che sono stati detti tali, è possibile individuare un secondo gruppo di pensatori,
che appartengono alla scuola di Schopenhauer in senso lato. Essi non hanno aderito alla metafisica della
volontà – e perciò non possono essere compresi tra i “metafisici” – né hanno tentato di completare il
pensiero di Schopenhauer in modo sistematico, ma hanno sviluppato soprattutto motivi presenti nella
dottrina etica del Saggio di Francoforte. Ciò che caratterizza questi sviluppi non è la fedeltà alla dottrina
originaria del maestro ma, al contrario, l’atteggiamento critico e la ricerca di autonomia ed originalità.
Perciò, questi pensatori, che non sono dei semplici epigoni, possono essere detti appartenenti alla scuola
di Schopenhauer, solo a patto che li si consideri degli eretici.”
46
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.132-148 e p.443-
475; Cf. A Escola de Schopenhauer, p.27-28.
47
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.148-164 e p.476-
504; Cf. A Escola de Schopenhauer, p.28-30.
48
Cf. RÉE, P. Osservazioni psicologiche. A cura di Domenico M. Fazio. In: Schopenhaueriana - Collana
del Centro interdipartimentale di ricerca su Arthur Schopenhauer e la sua scuola dell'Università del
Salento diretta da Domenico M. Fazio, Matthias Koßler e Ludger Lütkehaus. Lecce: Pensa Multimedia,
2010. v.4.
49
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.164-176 e p.505-
525; Cf. A Escola de Schopenhauer, p.30-31.
50
Cf. RUGGIERI, D. Il conflitto della società moderna: La ricezione del pensiero di Arthur
Schopenhauer nell'opera di Georg Simmel (1887-1918). In: Schopenhaueriana - Collana del Centro
interdipartimentale di ricerca su Arthur Schopenhauer e la sua scuola dell'Università del Salento diretta da
Domenico M. Fazio, Mathias Koßler e Ludger Lütkehaus. Lecce: Pensa Multimedia, 2010. v.3.
167
51
Cf. La Scuola di Schopenhauer, FAZIO, D., La scuola di Schopenhauer: I contesti, p.176-188 e p.526-
548; Cf. A Escola de Schopenhauer, p.31-33.
52
HORKHEIMER, M. Kritische Theorie gestern und heute. In: Gesammelte Schriften. Org. A. Schmidt.
Frankfurt: Fischer Taschenbuch Verlag, 1985, v.8, p. 336. No original em alemão: „Die Beiden
Philosophen, welche die Anfänge der Kritischen Theorie entscheidend beeinflußt haben, waren
Schopenhauer und Marx.“
168
Immanuel Kant e Arthur Schopenhauer, tendo publicado sobre o último livros e artigos
que se consolidaram como clássicos da interpretação do autor. 53
No nono capítulo de seu livro Der eine Gedanke: Hinführung zur
Philosophie Arthur Schopenhauers (O pensamento único: introdução à filosofia de
Arthur Schopenhauer) intitulado Abschließende Charakteristik: Pessimismus – ein
kritischer Begriff (Característica conclusiva: Pessimismo – um conceito crítico) Malter
analisa o conceito de pessimismo para além do seu sentido mais trivial – a disposição
em sempre esperar o pior –, expondo a sua função sistemática e sua importância para a
constituição da filosofia do autor.
O termo pessimismo (Pessimismus) aparece oito vezes na obra de
Schopenhauer,54 mas apenas em quatro ocorrências o termo se refere ao pessimismo do
próprio autor, sendo duas delas em seus manuscritos e as outras duas em sua
correspondência, ou seja, em nenhuma das ocorrências o termo aparece em seus escritos
publicados: em 1828, no fragmento póstumo 66 dos Adversaria; 55 em 1833, no
fragmento póstumo 49 dos Pandectae II; 56 na carta de 15 de julho de 1855 a Julius
Frauenstädt; 57 e na carta de 16 de julho de 1860 a Davis Asher, na qual ele fala sobre
seu isolamento e menciona argumentos ad hominem em benefício de seu pessimismo. 58
Segundo Malter, a filosofia de Schopenhauer só pode ser denominada
pessimista se pessimismo for entendido como um conceito crítico a partir de um duplo
ponto de vista formal:
53
Cf. MALTER, R. Arthur Schopenhauer Tranzendentalphilosophie und Metaphysik des Willens.
Stuttgart-Bad Cannstatt: Fromman-Holzboog, 1991; Cf. MALTER, R., Der eine Gedanke: Hinführung
zur Philosophie Arthur Schopenhauers. Darmstadt: Wiss. Buchges., 2010. Doravante abreviado por Der
eine Gedanke, seguido de indicação de página.
54
Cf. DEBONA, V. A outra face do pessimismo: entre radicalidade ascética e sabedoria de vida. 2013,
Tese (Doutorado em Filosofia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, p.20. Doravante abreviado por A
outra face do pessimismo, seguido de indicação de página.
Outro texto importante para consulta sobre o pessimismo alemão e que reúne autores como Schopenhauer
e seus discípulos é INVERNIZZI, G. Il pessimismo tedesco dell’Ottocento: Schopenhauer, Hartmann,
Bahnsen e Mainländer e i loro avversari. Firenze: La Nuova Italia, 1994.
55
Cf. HN III, Adversaria, p.464.
56
Cf. HN IV (1), Pandectae II, p.160.
57
Cf. SCHOPENHAUER, A. Der Briefwechsel. In: Arthur Schopenhauers sämtliche Werke 14., 15.
und 16. Band Ergänzungen um neu Aufgefundenes aus den Jahrbüchern der
Schopenhauergesellschaft u. Arthur Schopenhauer Gesammelte Briefe. Hrsg. von Paul Deussen.
München: R. Piper, 1911-1942, 558, XV 393. Abreviado por Briefwechsel, seguido de indicação do
número da correspondência, tomo e página.
58
Cf. Briefwechsel, 809, XV 821.
169
O pessimismo pode, assim, a partir desse duplo ponto de vista formal, ser
entendido como a exata identificação do valor da existência humana. 60 Malter precisa a
forma pela qual ele entende o significado de pessimismo na filosofia de Schopenhauer:
segundo ele, em geral, o julgar de maneira pessimista o mundo e, em particular, a
existência humana significa julgar ambos como possuidores de uma tendência ao não
ser. 61 Esse juízo é alcançado pela razão reflexiva apenas através da
facticidade/concretude (Faktizität) da dor, mas tal facticidade/concretude só é possível
se sob o domínio do princípio de razão suficiente.62 Tomado como juízo sobre a dor da
existência, constitui-se, por isso, como um juízo sobre o ser e sua finitude no tempo,
finitude esta que consiste na constante ameaça do ser vir-a-ser um não-ser. 63 Ser
ameaçado pelo não-ser é o indicador (Index) do fato de que, embora seja, o ser não
deveria ser. E que esse não-dever-ser indica também que em cada ser submetido ao
princípio de razão encontra-se o caráter da culpa (Charakter der Schuld). Assim,
segundo Malter, tomado de forma abstrata em geral, o pessimismo é a visão do caráter
de culpa e da nulidade a serem superados pelos seres submetidos ao princípio de razão64
– superação essa que envolve necessariamente o ultrapassamento de tal princípio.
Malter localiza na obra de Schopenhauer dois pontos fundamentais nos
quais é indicado claramente a função crítica do conceito de pessimismo
59
Der eine Gedanke, p.103. No original alemão: „l. Der Begriff „Pessimismus" hebt sich als eine Art des
Verstehens der empirisch gegebenen Welt von einer anderen Art des Verstehens ab (die- wie noch
ausgeführt werden wird- zum einen als Eudämonismus, zum anderen als Optimismus zu kennzeichnen
ist). Pessimismus ist eine Weise, in welcher sich die reflektierende Vernunft der Leidenserfahrung
zuwendet. 2. Der Begriff „Pessimismus“ nennt die richtige Art des vernünftigen Begreifens dieser
Erfahrung, die beiden anderen Termini beziehen sich auf die falsche Art des vernünftigen Begreifens der
Leidensexistenz. Pessimismus ist demnach ein wertender Begriff: er redet von richtigem und falschem
Begreifen der konkret dem Menschen gegebenen Erfahrung.“
60
Cf. Der eine Gedanke, p.103.
61
Cf. Der eine Gedanke, p.103.
62
Cf. Der eine Gedanke, p.103.
63
Cf. Der eine Gedanke, p.104.
64
Cf. Der eine Gedanke, p.104.
170
65
Der eine Gedanke, p.105. No original alemão: „[…] zum einen in der Beurteilung des individuellen
Strebens nach Erfüllung in der durch den Satz vom Grund beherrschten willensbejahenden Existenz, zum
anderen in der Beurteilung der gegebenen Welt im ganzen, insofern diese zum Produkt eines weisen und
gütigen Schöpfers erhoben wird. Im ersten Fall ist Pessimismus Eudämonismuskritik, im zweiten Fall
Kritik des Optimismus (der aus dem Theodizeedenken hervorgeht).“
66
Cf. MVR II, Kapitel 49 – Die Heilsordnung, II 729.
67
Der eine Gedanke, p.105.
68
Der eine Gedanke, p.105-106. No original alemão: „Da Pessimismus eine aus vernünftiger Überlegung
entstehende, auf der konkreten Leidenserfahrung aufruhende theoretische und praktische Haltung zum
Satz-vom-Grund bestimmten Dasein ist, und da die explizite Form einer solchen erfahrungsfundierten
abstrakten Reflexion die Philosophie ist, ist Pessimismus di e genuin philosophische Haltung gegenüber
der zeitlichen Existenz.“
171
69
Cf. Der eine Gedanke, p.108-109.
70
Cf. SCHOPENHAUER, A. Die Reisetagebücher von Arthur Schopenhauer. Hrsg. von Ludger
Lütkehaus. Zürich: Haffmans, 1988.
71
Cf. Der eine Gedanke, p.112-114.
172
Filosofia Schopenhaueriana
72
“Mas mesmo às evidentemente sofísticas demonstrações leibnizianas de que este é o melhor dos
mundos possíveis, pode-se opor séria e honestamente a demonstração de que esse seja o PIOR dos
mundos possíveis.” MVR II, Kapitel 46 – Von der Nichtigkeit und dem Leiden des Lebens, II 667. No
original alemão: „Sogar aber läßt sich den handgreiflich sophistischen Beweisen Leibnitzens, daß diese
Welt die beste unter den möglichen sei, ernstlich und ehrlich der Beweis entgegenstellen, daß sie die
sc hlec ht est e unter den möglichen sei.“
73
Como visto na seção anterior, Rudolf Malter é um importante exemplo de intérprete da filosofia de
Schopenhauer como soteriologia. Cf. Arthur Schopenhauer Tranzendentalphilosophie und Metaphysik
des Willens e Der eine Gedanke.
74
Vilmar Debona denominou essa esfera de análise, a esfera da ética da compaixão e do ascetismo, de
Grande Ética. Contraposta à Grande Ética, a Pequena Ética englobaria a esfera da sabedoria de vida, i.e.,
da vida prudente no mundo. Sobre esse aspecto, conferir a próxima seção 3.4 Schopenhauer no Brasil: a
esquerda schopenhaueriana ganha força.
75
Cf. LÜTKEHAUS, L. Einleitung II: Pessimismus und Praxis. Umrisse einer kritischen Philosophie des
Elends. In: EBELING, H.; LÜTKEHAUS, L (Orgs.). In: Schopenhauer und Marx: Philosophie des
Elends - Elend der Philosophie?. Herausgegeben und eingeleitet von Hans Ebeling und Ludger
Lütkehaus. Königstein/Ts.: Hain, 1980, p.23-39. Na qual a primeira seção – Ist der Pessimismus ein
Quietismus? – coloca a questão do pessimismo ser um quiestismo, e na segunda seção – Ansätze zu einer
Praxisphilosophie des Als-Ob – na qual ele introduz a possibilidade de formulação de uma moral do
“Como-se” (Als-Ob). Cf. também Esiste una sinistra schopenhaueriana? Ovvero: il pessimismo è un
173
inicia sua reflexão. O primeiro passo que ele toma é estipular o significado mais básico
dos termos a serem analisados, pessimismo e quietismo, nesse contexto. Sobre o
pessimismo ele escreve:
E sobre o quietismo:
O quietismo designa aquela teoria herética dos séculos XVII e XVIII, que
esperava obter um nível máximo de união mística a partir da completa
renúncia do eu, com a total submissão à vontade de Deus, e com a renúncia a
qualquer esforço ou atividade – dito nos termos dos adversários: através da
total passividade, indiferença e autodestruição – e que, portanto, sob o véu
da religiosidade, escondia um culto niilista ao nada. 77
79
Cf. Esiste una sinistra schopenhaueriana? Ovvero: il pessimismo è un quietismo?, p.16.
80
Esiste una sinistra schopenhaueriana? Ovvero: il pessimismo è un quietismo?, p.17. No texto em
italiano lê-se: “Schopenhauer si vede di fronte alla miseria della vita. Questa miseria diventa la sua musa,
l’impulso del suo risveglio.”
81
BRUM, J. Posfácio. In: O Mundo como vontade de representação, tomo II. Tradução de Eduardo
Ribeiro da Fonseca. Curitiba: Editora UFPR, 2014, p. 393-394.
175
82
BARBOZA, J. Sabedoria de vida e práxis em Schopenhauer ou sobre uma possível “esquerda”
schopenhaueriana. In: Filosofia alemã de Kant a Hegel. Organização de Marcelo Carvalho e Vinicius
Figueiredo. São Paulo: ANPOF, 2013, p.264.
83
Cf. a seção 2.2.5 O Subjugar a Vontade de Outro Indivíduo: Pobreza, Proletariado, Escravidão e
Servidão, p.64 do nosso estudo.
84
O capítulo foi editado no livro Schopenhauer und Marx. Cf. LUKÁCS, G. Schopenhauer. In:
EBELING, H.; LÜTKEHAUS, L. Schopenhauer und Marx: Philosophie des Elends - Elend der
Philosophie?. Herausgegeben und eingeleitet von Hans Ebeling und Ludger Lütkehaus. Königstein/Ts.:
Hain, 1980. p.60-83.
176
além dos esquemas ideológicos, abrindo a possibilidade para que a solidariedade entre
os seres viventes seja a via de transformação do mundo e do estar no mundo.90
No penúltimo parágrafo de seu texto Die Aktualität Schopenhauers é
possível ler uma passagem que condensa alguns dos motivos pelos quais é possível
acreditar no fato de o teórico crítico apreciar tanto Schopenhauer:
90
Cf. VINCERI, P. Studi su Schopenhauer. Centro Stampa Baiese: Bolonha, 1990, p.49.
91
HORKHEIMER, M. Die Aktualität Schopenhauers. In: Jahburch der Schopenhauergesellschaft für
das Jahr 1961, Band 42. Frankfurt am Main: Waldemar Kramer, 1961, p.24. No original alemão: „Jetzt
kann ich deutlicher sagen, warum Schopenhauer der zeitgemäße Lehrer ist. Die Doktrin vom blinden
Willen als dem Ewigen entzieht der Welt den trügerischen Goldgrund, den die alte Metaphysik ihr bot.
Indem sie ganz im Gegensatz zum Positivismus das Negative ausspricht und im Gedanken bewahrt, wird
das Motiv zur Solidarität der Menschen und der Wesen überhaupt erst freigelegt, die Verlassenheit. Keine
Not wird je in einem Jenseits kompensiert. Der Drang, ihr im Diesseits abzuhelfen, entspringt der
Unfähigkeit, sie mit vollem Wissen dieses Fluchs mit anzusehen und zu dulden, wenn die Möglichkeit
besteht, ihr Einhalt zu tun. Für solche, der Aussichtslosigkeit sich verdankende Solidarität ist das Wissen
des principii individuationis sekundär. Je sublimer, je weniger verfestigt ein Charakter ist, desto
gleichgültiger ist ihm die Nähe oder Ferne zum eigenen Ich, desto weniger unterscheidet er Fernstes und
Nächstes in der Arbeit an beidem, die er nicht lassen kann, auch wenn sie der des Sisyphus gleichkommt.
Wider das unbarmherzige Ewige dem Zeitlichen beizustehen, heißt Moral im Schopenhauerschen Sinn.
178
Selbst der Mythos der Seelenwanderung, daß nach dem Tod die Seele ohne Zeit und ohne Raum den
Körper finde, der dem Stand ihres Läuterungsprozesses entsprechen soll, hat keinen Einfluß auf Moral,
sonst bliebe sie Berechnung. Die unbarmherzige Struktur der Ewigkeit vermöchte die Gemeinschaft der
Verlassenen zu erzeugen, wie das Unrecht und der Terror in der Gesellschaft die Gemeinschaft der
Widerstrebenden zur Folge haben. Jene aus dem Osten geflohenen Studenten, die in den ersten Monaten
nach ihrer Ankunft glücklich sind, weil Freiheit herrscht, aber schließlich traurig werden, weil es keine
Freundschaft gibt, besitzen die Erfahrung davon. Mit dem Schrecken, dem zu widerstehen sie sich
zusammenfanden, schwindet auch das Glück. Kenntnis der Wirklichkeit vermöchte es zu erneuern.
Verfolgung und Hunger durchherrschen die Geschichte der Gesellschaft auch heute. Wenn die Jugend
den Widerspruch zwischen dem Stand der menschlichen Kräfte und dem der Erde erkennt, und weder
durch fanatisierende Nationalismen noch durch Theorien transzendenter Gerechtigkeit den Blick sich
trüben läßt, steht zu erwarten, daß Identifikation und Solidarität in ihrem Leben entscheidend werden. Der
Weg dahin führt durch die Kenntnis sowohl der Wissenschaft und Politik, wie der Werke der großen
Literatur.“
92
Esiste una sinistra schopenhaueriana? Ovvero: il pessimismo è un quietismo?, p.16.
93
Cf. SFM, §20, p.199, III 725.
179
força
94
Cf. Esiste una sinistra schopenhaueriana? Ovvero: il pessimismo è un quietismo?, p.16.
95
Cf. CACCIOLA, M.; DEBONA, V.; SALVIANO, J. A história e a atual situação dos estudos
schopenhauerianos no Brasil. In: Revista Voluntas: Estudos sobre Schopenhauer, v.4, n.1, p.146-150,
2013.
96
Cf. Schopenhauer e a Questão do Dogmatismo.
97
Até o momento nem toda a obra publicada por Schopenhauer possui tradução para o idioma português,
e muitos dos textos traduzidos para o nosso idioma não foram traduzidos de forma integral – sendo
lançados parcialmente, caso, por exemplo, dos PP e de E, ou recebendo novos títulos, caso de diversos
livros publicados a partir da organização de coletâneas textuais ou de passagens dos manuscritos
póstumos schopenhauerianos – e/ou não foram traduzidos diretamente a partir do idioma alemão.
Contudo, os avanços na última década no que se refere a traduções de qualidade – realizadas, em maior
180
parte, por estudiosos acadêmicos da obra do filósofo a partir do idioma alemão – são impressionantes e os
prognósticos futuros, animadores.
98
Cf. CACCIOLA, M.; DEBONA, V.; SALVIANO, J. A história e a atual situação dos estudos
schopenhauerianos no Brasil. In: Revista Voluntas: Estudos sobre Schopenhauer, v.4, n.1, p.146-150,
2013.
99
A primeira edição do Colóquio foi realizada no ano de 2001, em Curitiba. O evento foi realizado
posteriormente nas cidades de Salvador (2003), São Paulo (2005), Rio de Janeiro (2009), Florianópolis
(2011), Fortaleza (2013), Salvador (2015). Em 2017 o evento retorna a Curitiba para a sua oitava edição.
100
As atividades do grupo APOENA podem ser consultadas em http://apoenafilosofia.org/ (Acesso em 10
mar. 2017).
101
O periódico pode ser acessado através do endereço eletrônico www.revistavoluntas.com.br. (Acesso
em 10 mar. 2017).
102
Em 2009 foi fundado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) o grupo de pesquisa CriM
– Crítica e Modernidade, liderado pelos professores Oswaldo Giacoia Junior (UNICAMP) e Bruno
Machado (Universidade Federal de Sergipe - UFS). O grupo de pesquisa agrega, entre outros interesses, o
estudo da filosofia schopenhaueriana, a qual possui uma linha de pesquisa específica: “Schopenhauer:
metafísica, estética, ética e política.” Cf. dgp.cnpq.br/dgp/espelholinha/1186251938377689284330
(Acesso em 10 mar. 2017).
181
103
Foi fundado recentemente o Núcleo de Estudos Schopenhauer e Nietzsche da UFRRJ.
104
SCHOPENHAUER, A. A arte de ser feliz. Org. de Franco Volpi; tradução de Eduardo Brandão. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.
105
ASV, p.7, IV 347. No original alemão: „Ich nehme den Begriff der Lebensweisheit hier gänzlich im
immanenten Sinne, nämlich in dem der Kunst, das Leben möglichst angenehm und glücklich
durchzuführen, die Anleitung zu welcher auch Eudämonologie genannt werden könnte: sie wäre demnach
die Anweisung zu einem glücklichen Daseyn.“
182
Desse conceito de existência segue que nos apegaríamos a ela por ela mesma,
e não meramente por medo da morte; e disto, por sua vez, que gostaríamos de
vê-la durar infinitamente. Agora, se a vida humana corresponde ao conceito
de tal existência, ou se sequer pode corresponder-lhe, é uma questão
conhecidamente negada por minha filosofia, enquanto que a eudemonologia
pressupõe sua afirmação. Isso porque ela repousa sobre o equívoco inato cuja
refutação abre o quadragésimo nono capítulo do segundo volume de minha
obra principal. Para, apesar disso, poder ainda elaborar uma eudemonologia,
tive, pois, de me desviar completamente do ponto de vista metafísico-ético
mais elevado ao qual a minha filosofia propriamente dita conduz. Por
consequência, toda a discussão que aqui será feita repousa em certa medida
106
“Antes, verifica-se uma completa contradição em querer viver sem sofrer, contradição que também se
anuncia com freqüência na expressão corrente “vida feliz”. MVR, §16, p.147, I 108. No original alemão:
„Es liegt vielmehr ein vollkommener Widerspruch darin, leben zu wollen ohne zu leiden, welchen daher
auch das oft gebrauchte Wort »säliges Leben« in sich trägt.“
107
“Uma vida feliz é impossível: o máximo que uma pessoa pode atingir é um curso de vida heroico”.
PP, §172a, p.185, V 349. Tradução ligeiramente alterada. No original alemão: „Ein g lück l i che s
Le be n ist unmöglich: das höchste, was der Mensch erlangen kann, ist ein her o isc her Le be ns lau f. “
108
Apesar da utilização do termo vida feliz, é importante notar que Schopenhauer não toma estritamente o
conceito tal qual sua significação estóica. Sobre a forma pela qual Schopenhauer assimila e interpreta a
filosofia estóica Cf. DEBONA, V. Schopenhauer e as formas da razão – O teórico, o prático e o ético-
místico. São Paulo: Annablume, 2010; Cf. CHEVITARESE, L. Schopenhauer e o estoicismo. In: Ethic@
– Revista Internacional de Filosofia da Moral, vol. 11, n.2. Florianópolis: UFSC, 2012, p. 161-172,
doravante abreviado como Schopenhauer e o estoicismo, seguido de indicação de página; Cf.
VIESENTEINER, J. “Prudentia” e o uso prático da razão em Schopenhauer. In: Revista Voluntas:
Estudos sobre Schopenhauer, v. 3, n.1 e 2, p.3-19, 1º e 2º semestres de 2012. Doravante abreviado por
“Prudentia” e o uso prático da razão em Schopenhauer, seguido de indicação de página.
109
MVR, §57, p.404, I 370. No original em alemão: „Daß Wunsch und Befriedigung sich ohne zu kurze
und ohne zu lange Zwischenräume folgen, verkleinert das Leiden, welches Beide geben, zum geringsten
Maaße und macht den glücklichsten Lebenslauf aus.“
183
110
ASV, p.7, IV 347. Tradução ligeiramente alterada. No original alemão: „Aus diesem Begriffe
desselben folgt, daß wir daran hiengen, seiner selbst wegen, nicht aber bloß aus Furcht vor dem Tode;
und hieraus wieder, daß wir es von endloser Dauer sehn möchten. Ob nun das menschliche Leben dem
Begriff eines solchen Daseyns entspreche, oder auch nur entsprechen könne, ist eine Frage, welche
bekanntlich meine Philosophie verneint; während die Eudämonologie die Bejahung derselben voraussetzt.
Diese nämlich beruht eben auf dem angeborenen Irrthum, dessen Rüge das 49. Kapitel im 2. Bande
meines Hauptwerks eröffnet. Um eine solche dennoch ausarbeiten zu können, habe ich daher gänzlich
abgehn müssen von dem höheren, metaphysisch-ethischen Standpunkte, zu welchem meine eigentliche
Philosophie hinleitet. Folglich beruht die ganze hier zu gebende Auseinandersetzung gewissermaaßen auf
einer Ackommodation, sofern sie nämlich auf dem gewöhnlichen empirischen Standpunkte bleibt und
dessen Irrthum festhält.“
111
O verbo utilizado em alemão, abgehen, pode ser traduzido, também, por desprender-se, afastar-se,
deixar. Fica marcado, assim, o sentido de afastamento da forma até então utilizada no desenvolvimento da
argumentação de outras obras e a mudança de perspectiva.
184
112
Cf. CHEVITARESE, L. A ética em Schopenhauer: que “liberdade nos resta” para a prática de
vida? Rio de Janeiro: Departamento de Filosofia, PUC-Rio, 2005. Doravante abreviado como A ética em
Schopenhauer seguido de indicação de página.
113
SAFRANSKI, R. Schopenhauer e os anos mais selvagens da filosofia: uma biografia. Tradução de
Willian Lagos. São Paulo: Geração Editorial, 2011, p.621.
114
Schopenhauer e o estoicismo, p.170.
115
BRUM, J. O Pessimismo e suas Vontades: Schopenhauer e Nietzsche. Rio de Janeiro: Rocco, 1998,
p.51.
185
116
Schopenhauer e o estoicismo, p.170.
117
VOLPI, F. Apresentação. In: SCHOPENHAUER, A.A arte de ser feliz. Org. de Franco Volpi; trad.
Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. VIII.
118
Os termos empregados para designar essa duplicidade de perspectivas podem variar entre, de um lado,
ético-metafísico, metafísica dos costumes, Ética da compaixão, Pessimismo metafísico, Grande Ética, em
contraposição a termos como ético-empírico, ético-eudemonológico, grande pessimismo, otimismo
prático, Pequena Ética.
119
Cf. “Prudentia” e o uso prático da razão em Schopenhauer, p.9.
120
“Prudentia” e o uso prático da razão em Schopenhauer, p.9.
121
“Prudentia” e o uso prático da razão em Schopenhauer, p.9.
186
122
Cf. BARBOZA, J. Schopenhauer.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, (Coleção Filosofia Passo-a-
passo), p.53.
123
BARBOZA, J. Em favor de uma boa qualidade de vida. In: SCHOPENHAUER, A. Aforismos para a
Sabedoria de Vida. Prefácio e notas de Jair Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.XIII.
124
Cf. A outra face do pessimismo.
187
hipótese desta divisão entre grande e pequena ética não é pensada a partir da
conhecida classificação das obras aristotélicas ou de outras conceituações da
história da Filosofia, mas pode ser captada a partir daquele mesmo parâmetro
(ofertado pelo próprio Schopenhauer) que serve para o caso do pessimismo
pragmático, ou seja, na esteira do próprio “desvio” da metafisica na medida
em que o ponto de vista ético-metafisico é considerado como um “ponto de
vista superior”. Isto é, pelo fato de a filosofia schopenhaueriana considerar
[...] a esfera ético-metafisica como a perspectiva “mais elevada”, então ela
poderia ser chamada também, em algum sentido, de “grande perspectiva”.
Nesse caso, a perspectiva oriunda do desvio deste patamar superior, horizonte
no qual repousa uma acomodação ou adaptação ao princípio de
autoconservação (assim como ao principium individuationis), no qual se
“permanece preso ao ponto de vista comum, empírico”, representaria um grau
“menos elevado”, ou inferior, da ética. Destaco, então, que embora
Schopenhauer não tenha usado as expressões grosse Ethik e kleine Ethik para
apresentar sua doutrina moral, o farei aqui a partir do pressuposto
interpretativo acima indicado. 125
125
A outra face do pessimismo, p.197-198.
126
A outra face do pessimismo, p.199.
127
A outra face do pessimismo, p.202.
188
capacidades? Podem novas funções serem atribuídas ao Estado? Seria lícito, dado o
novo contexto, o Estado assumir o papel positivo em determinadas questões para suprir
determinadas demandas? Quais seriam essas questões e demandas?
No âmbito empírico, Schopenhauer desenvolve, como visto nos primeiros
capítulos dessa tese, as suas teorias do direito e da política de um modo que elas
poderiam ser classificadas de liberais. Seria possível, contudo, uma outra forma de
desenvolvimento das teorias do autor a partir de pressupostos de sua própria filosofia?
Seria possível utilizar, por assim dizer, Schopenhauer contra Schopenhauer nesse caso
em específico?
Tal qual foram possíveis um desvio e uma acomodação para justificar e
desenvolver uma eudemonologia no interior do sistema filosófico schopenhaueriano,
talvez seja possível, a partir de uma interpretação à esquerda de sua obra, em uma
perspectiva ético-empírica, ampliar e ressignificar alguns dos conceitos pertencentes às
doutrinas do direito e da política para enfrentar problemas contemporâneos dessas áreas
no que se refere aos direitos humanos.
Para tanto, admitiremos o papel positivo que o conhecimento, a experiência,
a educação, o aprendizado, o meio no qual o indivíduo está inserido, e a cultura possam
ter ao influenciar o intelecto, e esse impacto no indivíduo e no indivíduo inserido,
convivendo e organizando-se em sociedade. Nesse ponto teríamos uma primeira torção
da filosofia schopenhaueriana, a qual pode ser melhor explicitada se tomarmos o
enunciado já citado “A cabeça é esclarecida, mas o coração permanece incorrigível”
(Der Kopf wird aufgehellt; das Herz bleibt ungebessert) 129 e, sem prejudicar o seu teor,
inverter a ordem da formulação: “O coração permanece incorrigível, mas a cabeça ainda
pode ser esclarecida” (Das Herz bleibt ungebessert, aber der Kopf wird noch
aufgehellt).130
Faz-se necessário, para cumprir os objetivos apresentados acima, apresentar
e formular os problemas contemporâneos em relação aos quais a filosofia
schopenhaueriana, no que tange o direito e à política, pode denotar importante
129
SFM, §20, p.199, III 725.
130
Sobre essa inversão, Debona escreve: “Ao invés de se considerar somente o pressuposto segundo o
qual “a cabeça é aclarada, mas o coração permanece incorrigível”, poder-se-ia inverter a ordem da
formulação, sem que o teor da mesma fosse comprometido: ‘o coração permanece incorrigível, porém a
cabeça ainda pode ser aclarada’. Ou seja, é possível pressupor aquela que é uma das teses centrais deste
pensamento – a de que o caráter e o coração são imutáveis –, mas, ao mesmo tempo, frisar, como
decorrência dela, a possibilidade de uma outra, isto é, a de que a incidência do aprendizado e do
conhecimento sobre o intelecto não seria nula[...].” A outra face do pessimismo, p.211.
190
131
TUGENDHAT, E. Vorlesungen über Ethik. Frankfurt: Suhrkamp, 1993. Tomamos a tradução
brasileira para uma leitura cotejada: Lições sobre ética. Tradução do grupo de doutorandos do Curso de
Pós-Graduação da UFRGS, revisão e organização da tradução de Ernildo Stein e Ronai Rocha.
Petrópolis: Vozes, 1996. Doravante abreviado por Lições Sobre Ética, seguido de indicação de página na
edição alemã e brasileira.
191
ele toma como ponto de partida a análise de temas importantes relativos à ética para,
então, realizar uma leitura e argumentação originais dos problemas colocados.
Um dos embates realizados sobre o conteúdo das diversas éticas aventadas
durante a história do ocidente se dá com o sistema schopenhaueriano, cuja ética da
compaixão é matéria de escrutínio do nono capítulo de seu livro; esse capítulo aborda
não só o texto schopenhaueriano, tomando-o como principal expoente dessa vertente,
mas também questões éticas relativas aos animais, crianças, e nascituros – ou, em
tradução literal, vida não nascida (o capítulo é intitulado Die Mitleidsethik, Tiere,
Kinder, ungeborenes Leben).
A partir da análise de SFM – e não de MVR –, Tugendhat defende a posição
de que o conceito schopenhaueriano de moral não é plausível e nem mesmo moral,
sendo diametralmente oposto à ética kantiana pelo fato de ter como base para a
argumentação um sentimento, um afeto (Affekt). 132 Apesar disso, segundo o autor,
Schopenhauer faz uma importante contribuição para o debate e reflexão
contemporâneos: a moral schopenhaueriana englobaria, também, os animais.
Por que o conceito schopenhaueriano não seria plausível e nem mesmo
moral? O autor enxerga nas duas máximas do agir moral schopenhaueriano, neminem
laede (não prejudicar ninguém) e omnes, quantum potes, iuva, (ajuda a todos quanto
puderes), uma estreita relação com a regra que, para ele, constitui o núcleo comum de
todos os conceitos morais, a saber, a regra de ouro 133 – não faça aos outros o que não
queira que façam a você.
É precisamente na regra de ouro que Tugendhat encontra elementos para
refletir sobre a moral.134 A moral baseada no respeito universal e igualitário seria uma
pretensão plausível para a efetivação do ser humano capaz de cooperação, o qual está
132
Cf. Lições sobre Ética, p.177, p.191.
133
Cf. Lições sobre Ética, p.67, p.71.
134
Na quinta lição de seu livro, Tugendhat localiza na segunda figura do imperativo categórico kantiano–
“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro,
sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio” –, que ele interpreta como “não
instrumentalizes ninguém”, o conteúdo da moral, afirmando que “esta concepção pode ser denominada
como a moral do respeito universal” (Cf. Lições sobre Ética,p.80, p.87).
A segunda figura do imperativo é elabora em KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes.
Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1986, p.69, IV429. No original: „Handle so, daß du die
Menschheit sowohl in deiner Person, als in der Person eines jeden andern jederzeit zugleich als Zweck,
niemals bloß als Mittel brauchst“. Sobre as figuras do imperativo categórico, como indicado
anteriormente, Cf. PATON, H. J. The categorical imperative. A study in Kant’s moral philosophy.
Pennsylvania: University of Pennsylvania Press, 1971.
192
135
Cf. Lições sobre Ética, p.336, p.362.
136
Cf. Lições sobre Ética, p.73, p.78-79.
137
Cf. a seção 2.2.7 A Consciência Moral (Gewissen), p.72.
193
veracidade – i.e., se a ação realizada foi realmente efetuada com base no sentimento de
compaixão – na maior parte das vezes é insondável.
Um segundo ponto da interpretação de Tugendhat a ser colocado em xeque,
com base na argumentação até então empreendida no nosso trabalho, refere-se à
seguinte passagem:
138
Lições sobre Ética, p.181, p.194. No original alemão: „Beide Schwierigkeiten zeigen auch, daß
Schopenhauers Prinzip (wie dann natürlich auch seine Auffassung von der Motivation) für eine politische
Ethik vollständig unbrauchbar ist. In der politischen Ethik geht es fast immer darum, zwischen den
Interessen mehrerer abwägen zu müssen, und außerdem um Rechte, die zum Teil wiederum vorausgesetzt
werden müssen, wenn behauptet wird, daß jemand, dem sie nicht gewährt werden, daran leidet, so z.B.
beim Recht auf politische Partizipation.“
139
Cf. 3.3 Ludger Lütkehaus: Esquerda e Direita na Interpretação da Filosofia Schopenhaueriana e 3.4
Schopenhauer no Brasil: a esquerda schopenhaueriana ganha força.
140
Lições sobre Ética, p.181, p.195. No original alemão: „Wenn wir eine gute Tat der die Enthaltung von
einer schlechten nur dann als moralisch beurteilen, wenn sie aus Mitleid geschieht, dann scheint zu
194
folgen, daß auch nur diejenigen Handlungstypen inhaltlich gut sein können die aus dieser Motivation
folgen.“
141
Lições sobre Ética, p.182, p.196. Tradução alterada. No original alemão: „Es gibt wohl Menschen, die
jedem Leid gegenüber spontan mit Mitleid reagieren, aber die meisten tun das nur partiell, und bei
manchen ist der umgekehrte Affekt der Schadenfreude und der Freude an Grausamkeit stärker vorhanden
als das Mitleid.“
142
Lições sobre Ética, p.183, p.196. No original alemão: „Kann denn aber ein solches natürlich
vorgegebenes und in verschiedenen Graden vorhandenes Gefühl überhaupt Grundlage für ein
Verpflichtetsein sein? Sin wir verpflichtet zum Mitleid?“
195
estaria de acordo com tal afirmação, porque sua filosofia não trata a motivação da
compaixão como fator universal determinante – ela não é a motivação recorrente e
predominante do agir humano nos mesmos termos empregados por Tugendhat, senão
poder-se-ia afirmar a partir da própria filosofia schopenhaueriana que esse não é o pior
dos mundos possíveis –, e ela vai justamente de encontro à normatividade. Uma moral
do respeito universal, nesses termos, exigiria que cada um de nós nos comportássemos
universalmente de modo ético-compassivo, ou que cada um de nós escolhêssemos nos
comportar assim, o que, como vimos, não são possibilidades admissíveis a partir das
premissas enunciadas pela filosofia schopenhaueriana.
Schopenhauer, dessa forma, não cumpre diversos requisitos exigidos na
proposta de fundamentação da moral empreendida por Ernst Tugendhat, estando em
desacordo com uma série de fatores centrais para o filósofo analítico, uma vez que o
conceito de compaixão schopenhaueriano (i) não é a base do respeito universal e
igualitário, (ii) possui um alcance limitado, (iii) não serve como critério puro de
ponderação para a classificação de uma ação como moralmente boa ou má – o critério,
para Schopenhauer, é a consciência moral (Gewissen) –, (iv) não nos obriga
(verpflichtet) em relação uns aos outros, i.e., ele não pode ser entendido de modo
normativo e não torna os seres humanos parceiros de cooperação,144 (v) ele não serve à
143
Cf. Lições sobre Ética, p.186, p.200. No original alemão: „[…] aber man kann aus ihm selbst [Mitleid]
nichts Universelles und Normatives herauszaubern.“
144
Não, ao menos, no sentido em que Tugendhat entende cooperação. Importante lembrar que a
sociabilidade é explicada por Schopenhauer através do Tédio (Langeweile), o qual faz seres que não se
amam – os humanos – procurarem uns aos outros (Cf. MVR, §57, p.403, I 369). É também conhecida,
sobre esse assunto, a fábula (Fabel) dos porcos espinhos: “Em um dia frio de inverno, um grupo de
porcos-espinhos apinha-se de modo bem próximo para que através do calor recíproco possam se proteger
de morrer de frio. Contudo, rapidamente eles sentem os espinhos uns dos outros, motivo pelo qual, então,
eles novamente se afastam uns dos outros. Quando a necessidade de aquecimento os traz novamente para
perto uns dos outros, repete-se uma segunda vez aquele mal, de modo que eles iam daqui para lá passando
por ambos os sofrimentos, até que eles encontrassem uma distância mediana na qual eles pudessem
melhor se suportar. – Da mesma forma surge a necessidade da sociedade, nascida do vazio e da
monotonia do próprio interior, os seres humanos são impelidos uns aos outros; mas as suas muitas
características repugnantes e erros insuportáveis os fazem se rejeitar. A distância mediana, que eles
finalmente encontram, e pela qual pode-se manter um convívio, é a cortesia e os bons costumes. A
Aquele que não mantém essa distância se diz na Inglaterra: keep your distance! (mantenha distância!) –
Em virtude disso, a necessidade de aquecimento recíproca é satisfeita inadequadamente, mas a picada do
espinho não é sentida. Quem, contudo, possui em seu interior muito calor próprio, permanece com prazer
fora da sociedade para evitar assim fazer e receber reclamações.” Cf. PP, §396, V 717. No original
alemão: „Eine Gesellschaft Stachelschweine drängte sich, an einem kalten Wintertage, recht nahe
zusammen, um durch die gegenseitige Wärme, sich vor dem Erfrieren zu schützen. Jedoch bald
empfanden sie die gegenseitigen Stacheln; welches sie dann wieder von einander entfernte. Wann nun das
Bedürfniß der Erwärmung sie wieder näher zusammen brachte, wiederholte sich jenes zweite Uebel; so
196
filosofia ético-política, tal como entendida por Tugendhat, (vi) ele é um sentimento
“pré-dado” existente em diversos graus, e (vi) ele não é a principal e recorrente
motivação que causa o agir humano.
Tugendhat, a partir dessas constatações, acaba por abandonar o fundamento
moral apresentado por Schopenhauer. A tentativa de entender a correspondência entre
obrigações morais e direitos morais o conduz ao que ele considera ser o conceito central
da moral política, a saber, os direitos humanos. 145 Segundo o autor, ser portador de
direitos legais significa que existe uma instância jurídica na qual esses direitos possam
ser exigidos, e, para ele, não é possível entender o significado de direito moral sem a
existência dessa instância de exigibilidade. Dessa forma, compreender a moral
relacionada a direitos significa para ele necessariamente pensá-la como realizável em
uma ordem jurídica.
Apesar do ponto de partida para reflexão dos direitos humanos ser a moral,
para Tugendhat, esses direitos não podem ser entendidos como inatos ou naturais, mas
como oriundos das relações morais estabelecidas entre os seres humanos, i.e., eles
devem ser entendidos como direitos moralmente concedidos. 146 E, segundo a
argumentação do autor, “na medida em que nos colocamos sob a moral do respeito
universal, somos nós mesmos que concedemos a todos os seres humanos os direitos que
dela resultam”, 147 como uma espécie de acordo, de contrato celebrado, o qual é
orientado na sua confecção pela moral, e, justamente por isso, é ele também moral.
Mas em qual instância poder-se-iam tornar efetivos esses direitos morais, e
de onde eles podem receber a sua força? Surge então, segundo Tugendhat, a
necessidade moral da instituição do Estado como órgão garantidor da observância
daß sie zwischen beiden Leiden hin und hergeworfen wurden, bis sie eine mäßige Entfernung von
einander herausgefunden hatten, in der sie es am besten aushalten konnten. —So treibt das Bedürfniß der
Gesellschaft, aus der Leere und Monotonie des eigenen Innern entsprungen, die Menschen zu einander;
aber ihre vielen widerwärtigen Eigenschaften und unerträglichen Fehler stoßen sie wieder von einander
ab. Die mittlere Entfernung, die sie endlich herausfinden, und bei welcher ein Beisammenseyn bestehn
kann, ist die Höflichkeit und feine Sitte. Dem, der sich nicht in dieser Entfernung hält, ruft man in
England zu: keep your distance! — Vermöge derselben wird zwar das Bedürfniß gegenseitiger
Erwärmung nur unvollkommen befriedigt, dafür aber der Stich der Stacheln nicht empfunden. — Wer
jedoch viel eigene, innere Wärme hat bleibt lieber aus der Gesellschaft weg, um keine Beschwerde zu
geben, noch zu empfangen.“
145
Cf. Lições sobre Ética, p.337, p.363.
146
Cf. Lições sobre Ética, p.345, p.372.
147
Cf. Lições sobre Ética, p.345-346, 372. No original alemão: „[…] dass wir selbst es sind, insofern wir
uns unter die Moral der universellen Achtung stellen, die allen Menschen die sich aus dieser ergebenden
Rechte verleihen.“
197
1
Vide, por exemplo, as definições dadas por Ferrari e Hunt. Cf. FERRARI, V.; BOFFI, M. (Coaut.
de). Giustizia e diritti umani: osservazioni sociologico-giuridiche. Milano: F. Angeli, 1997, p.144; e Cf.
HUNT, L. A invenção dos direitos humanos: uma história. Tradução Rosaura Eichenberg. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009, p.19. Doravante abreviado por A invenção dos direitos humanos: uma
história, seguido de indicação de página.
2
Podemos citar aqui todos aqueles autores que trabalham a questão de uma perspectiva do juspositivismo
ou da afirmação histórica dos direitos humanos. Dentre os autores e comentadores utilizados nessa
pesquisa, poderíamos citar, por exemplo, Fábio Konder Comparato, Michael Freeden, Norberto Bobbio.
Cf. COMPARATO, F. A afirmação histórica dos direitos humanos. 10ª edição. São Paulo: Saraiva,
2015. Doravante abreviado por Afirmação histórica dos direitos humanos, seguido do número de página;
199
Cf. FREEDEN, M. Rights. Minneapolis: Univ. of Minnesota, 1991; Cf. BOBBIO, N. L'età dei
diritti. Torino: Giulio Einaudi, 1995. Doravante abreviado por L'età dei diritti, seguido de indicação de
página.
3
“Sua origem [doutrina jusnaturalista], portanto a autoridade superior sobre a qual se fundamenta, pode
ser Deus, a natureza, a razão humana ou a história”. FACCHI, A. Breve história dos direitos humanos.
Tradução Silva Debetto C. Reis. São Paulo: Edições Loyola, 2011, p.29. Doravante abreviado por Breve
história dos direitos humanos, seguido de indicação de página.
4
Sobre a questão da autoevidência, Hunt levanta boas questões, entre elas um possível paradoxo: “Essa
afirmação de autoevidência, crucial para os direitos humanos mesmo nos dias de hoje, dá origem a um
paradoxo: se a igualdade dos direitos é tão autoevidente, por que essa afirmação tinha de ser feita e por
que só era feita em tempos e lugares específicos? Como podem os direitos humanos ser universais se não
são universalmente reconhecidos?”. Cf, A invenção dos direitos humanos: uma história, p. 18. Para
desenvolvimentos ulteriores, ver a introdução desse mesmo livro Cf, A invenção dos direitos humanos:
uma história, p.13-33.
200
jusnaturalismo, figura como uma das mais antigas tentativas de compreensão teórica do
fenômeno jurídico.5
O professor Celso Lafer oferece uma excelente e sucinta caracterização do
aspecto mais basilar e generalista do conceito de direito natural em seu livro A
reconstrução dos direitos humanos:
5
BARRETO, V (Org.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Unisinos; Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, verbete Direito Natural, p.240. Doravante abreviado como Dicionário de filosofia do
direito, seguido de indicação de verbete e página.
6
LAFER, C. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt.
São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1988, p.16. Doravante abrevido por A reconstrução dos direitos
humanos, seguido de indicação de página.
7
Cf. A reconstrução dos direitos humanos, p.35.
8
GIACOIA, O. Sobre direitos humanos na era da bio-política. In: KRITERION, Belo Horizonte, nº 118,
Dez./2008, p.267.
201
9
Além do nosso segundo capítulo, Cf. GOYARD-FABRE, S. Os fundamentos da ordem jurídica. São
Paulo: Martins Fontes, 2002, p.58. Doravante abreviado como Os fundamentos da ordem jurídica,
seguido de indicação de página. Cf. também A invenção dos direitos humanos: uma história, p.117. Nesta
obra, Hunt escreve: “Já em 1625, um jurista calvinista holandês, Hugo Grotius, propôs uma noção de
direitos que se aplicava a toda a humanidade, não apenas a um país ou a uma tradição legal. Ele definia
“direitos naturais” como algo autocontrolado e concebível separadamente da vontade de Deus. Sugeria
também que as pessoas podiam usar os seus direitos – sem a ajuda da religião – para estabelecer os
fundamentos contratuais da vida social.”
10
“O jusnaturalismo moderno, cujo lugar de excelência, dizem, seria a escola do direito da natureza e
das gentes, teria se edificado sobre as ruínas do jusnaturalismo clássico.” Os Fundamentos da ordem
jurídica, p. 50.
11
Os Fundamentos da ordem jurídica, p. XX.
12
“Na busca dos fundamentos do direito, a referência à natureza das coisas é, com efeito, substituída
pouco a pouco pela referência à natureza do homem. Essa mutação conduzirá ao advento da
‘modernidade’. Os Fundamentos da ordem jurídica, p. 40.
13
Breve história dos direitos humanos, p.43.
202
do homem como animal político havia se consolidado como a teoria que embasava
direta ou indiretamente a explicação de que a vida em sociedade seria algo natural,
sendo uma das consequências da natureza humana. Entender a sociedade como uma
consequência da natureza humana envolve uma série de outras consequências diretas e
tangenciais no que se refere à forma pela qual as relações jurídico-políticas são
constituídas, i.e., como, em última instância, as relações de poder são construídas e
justificadas.
A primeira consequência fundamental da tese do homem como animal
político se dá pela forma como a sociedade é explicada: como um organismo, na qual as
partes são dependentes e existem em função do todo,14 i.e., existe uma preponderância
da esfera coletiva em relação à esfera individual, e não existe uma dissociação entre
Estado e sociedade civil; uma outra consequência fundamental refere-se ao fato de que
nascer no seio familiar – um grupo organizado de forma hierárquica – significa
necessariamente não nascer livre, dado que as condições de nascimento já comportam
uma série de limitações e fatores, tais como o indivíduo nascer submetido à autoridade
paterna, e não nascer igual, porque já está estabelecida um relação assimétrica de
superioridade e inferioridade entre pai e filho.
A passagem do paradigma aristotélico – a tese do animal político – para o
paradigma da sociedade como um artifício é justamente operada pelas teorias
contratualistas. O recurso ao estado de natureza permite que os indivíduos sejam
pensados como nascidos livres e iguais e que a sociedade e o Estado são constructos
humanos, e isso significa deslocar e alterar a forma pela qual as estruturas de poder são
fundadas: como Bobbio aponta, em uma concepção orgânica da sociedade as partes
estão em função do todo, enquanto que em uma concepção individualista o todo é
resultado da livre vontade das partes15 – e o próprio termo que passaria a ser empregado
nas cartas de direito, associação, é já reflexo dessa mudança de paradigma, dado que a
associação é um ato de vontade derivado de uma convenção e, portanto, uma
enunciação frontal às teorias organicistas.
14
Essa é uma tese enunciada muito claramente por Aristóteles: “É evidente que a cidade é, por natureza,
anterior ao indivíduo, porque se um indivíduo separado não é auto-suficiente, permanecerá em relação à
cidade como as partes em relação ao todo. Quem for incapaz de se associar ou que não sente essa
necessidade por causa de sua auto-suficiência, não faz parte de qualquer cidade, e será um bicho ou um
deus”. ARISTÓTELES. Política. Tradução e notas António Campelo Amaral e Carlos de Carvalho
Gomes. Lisboa: Vega, 1998. Livro I, 1253a 25-29.
15
Cf. BOBBIO, N. L'età dei diritti. Torino: Giulio Einaudi, 1995, p.128. Doravante abreviado como
L'età dei diritti seguido de indicação de página.
203
16
BOBBIO, N. Da estrutura à função. Barueri: Manole, 2007, p. 155. Doravante abrevido por Da
estrutura à função, seguido de indicação de página.
17
“Na história do pensamento jurídico, o absolutismo ético é representado pela teoria do direito natural,
que pretende deduzir regras de conduta universalmente válidas do estudo objetivo, ‘científico’, da
natureza humana.” Da estrutura à função, p.193.
18
Breve história dos direitos humanos, p.45.
19
Da estrutura à função, p.194.
204
20
Cf. L'età dei diritti, p.5.
205
21
Cf. L'età dei diritti, p.5.
22
Cf. L'età dei diritti, p.7-8.
23
Cf. L'età dei diritti, p.8.
206
acabou por se transformar e por adquirir novos contornos e nuances de acordo com as
necessidades engendradas por novas demandas e pelas mudanças sociais, econômicas, e
ideológicas ocorridas ao longo da história – necessidades e demandas que não poderiam
ser vislumbradas ou não pertenciam ao rol de reivindicações do grupo ou grupos
organizados ou detentores do poder no momento da declaração de tal direito.
Do mesmo modo, seguindo a mesma lógica, Bobbio admite que
futuramente, com o surgimento de novas demandas e novas necessidades, emergirão
novos direitos, os quais, atualmente, talvez não possam nem mesmo ser vislumbrados.
Bobbio fornece ao menos dois exemplos, no período quando escreve, de demandas que
começavam a dar indícios de que viriam a ser objeto da reflexão jurídico-filosófica em
um futuro próximo: (i) o direito ao genoma humano ou patrimônio genético, em
decorrência dos avanços científicos na área, e (ii) o direito à privacidade, devido ao
aumento do fluxo e controle de informações. Tanto as pesquisas, os desenvolvimentos,
e os horizontes sobre o genoma humano, quanto os recentes casos de violações dos
direitos de privacidade cometidos, tais como aqueles praticados globalmente pela
Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA) e trazidos à tona por um ex-analista da
CIA, Edward Snowden, vieram a comprovar que o diagnóstico de Bobbio sobre a
sensibilidade dessas questões era acertado.
Todo o raciocínio reproduzido acima pode ser resumido a uma simples
observação: “Aquilo que parece fundamental em uma época histórica e em uma
determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas”. 26 E
essa variabilidade do direito impossibilita uma fundamentação absoluta.
Nas teorias jusnaturalistas modernas27 é possível observar a tentativa de
colocar o direito acima de qualquer refutação a partir da derivação direta do que seria a
natureza humana, ou seja, essa seria a forma e a estratégia para obter um fundamento
absoluto. Em outras palavras, a natureza humana funcionaria como fundamento
absoluto, porque ela mesma era entendida como universal e forneceria as razões
evidentes e incontestáveis a todos os seres humanos da irrefutabilidade do fundamento.
26
L'età dei diritti, p.10. No original italiano: “Ciò che sembra fondamentale in un’epoca storica e in una
determinata civiltà, non è fondamentale in altre epoche e in altre culture.”
27
Historicamente foi possível observar a limitação de um fundamento absoluto de base teológica, uma
vez que, apesar de possível, ele seria razoável, efetivo, e eficiente apenas entre aqueles que comungassem
da mesma crença, e isso significa que ele seria absoluto somente para um grupo de pessoas, i.e., ele não
poderia ser afirmado como universal. A busca por um fundamento absoluto e universal levou os teóricos
modernos a buscarem um fundamento absoluto e universal na natureza humana.
208
Mas aqui é variável até mesmo o que é tomado como natureza humana:28 desloca-se o
ponto da polêmica, mas a polêmica mesma permanece irresoluta.
Contudo, o autor logo rejeita a possibilidade de, pela falta de um
fundamento absoluto, resultar daí um relativismo. Segundo ele, os direitos ainda devem
ser justificados, mas tal justificação comporta mais de um fundamento; dessa maneira,
não se abandona a fundamentação dos direitos: o fundamento absoluto não é possível,
mas fundamentos – no plural – ainda o são. Admite-se, assim, a pluralidade, e essa
pluralidade repousa exatamente sobre a existência de fundamentos diversos, e essa
diferença de fundamentos significa, segundo Bobbio, que os direitos humanos não
podem constituir uma classe homogênea.
Os direitos humanos não serem homogêneos, i.e., eles serem heterogêneos
por conta dos diferentes fundamentos que possam possuir, explica e justifica o fato de
alguns direitos serem válidos e estendidos a todos, enquanto outros concorrerem entre
si. Essa concorrência, segundo Bobbio, engendra uma relação antinômica entre eles, a
qual consiste no fato de que para que alguns tipos de direito possam ser efetivados, seja
implicada necessariamente a não garantia de outros tipos de direito. E isso significa que
não é possível garantir paralelamente de modo pleno dois tipos diversos de direitos
quando eles são incompatíveis entre si.
Bobbio utiliza como exemplo para tornar mais clara a antinomia a relação
antitética existente entre os direitos individuais tradicionais, i.e., os direitos de
liberdade, e os direitos políticos e sociais. Segundo ele, os direitos de liberdade são
dependentes da não intervenção do Estado na vida de seus cidadãos, em obrigações
puramente negativas, e surgiram da demanda histórica de liberdade de religião, 29
imprensa, opinião, etc., da demanda de restringir o poder do Estado sobre os seus
súditos ou cidadãos. Em contrapartida, os direitos políticos e sociais – identificados por
Bobbio como o direito ao trabalho, à instrução, e à saúde –, requerem, necessariamente,
a intervenção estatal, obrigações positivas, como meio de fomentá-los e garanti-los. É
fácil notar a antinomia e a contradição geradas entre dois tipos de direito que expressam
concomitantemente “O Estado não deve intervir na vida de seus cidadãos para assegurar
28
“[...] a julgar a partir da história do jusnaturalismo, a natureza humana foi interpretada das formas mais
diversas, e o apelo à natureza serviu para justificar sistemas de valores que seriam até mesmo opostos
entre si”. L’età dei diritti, p.19. No original em italiano: “[...] a giudicare dalla storia del giusnaturalismo
la natura umana è stata interpretata nei modi diversi, e l’appello alla natura è servito a giustificare sistemi
di valori anche opposti tra loro.”
29
Cf. A invenção dos direitos humanos: uma história.
209
30
O texto do Acordo de Paris está disponível na página online das Nações Unidas. Cf. ONU.
Framework Convention on Climate Change. Disponível em
http://unfccc.int/resource/docs/2015/cop21/eng/l09r01.pdf. Acesso 02 jun. 2017.
31
KINKARTZ, S. O que é verdade na fala de Trump sobre o Acordo de Paris?. Deutsche Welle, Bonn,
02 jun. 2017. Notícias / Mundo. Disponível em: http://p.dw.com/p/2e3xQ. Acesso: 02 jun. 2017.
210
caso das antinomias é só a expressão clara e mais evidente dessa lógica que é
contraditória em sua efetivação.
Além de serem uma impossibilidade, dados os argumentos apresentados,
segundo Bobbio, o fundamento absoluto pode funcionar, também, como pretexto para a
defesa de posições conservadoras e reacionárias. Assim foi feita resistência aos direitos
denominados políticos e sociais: alegando-se um fundamento absoluto para os direitos
de liberdade, um fundamento que não legitimava as respostas dadas aos novos tipos de
demandas que emergiam historicamente (direitos políticos e sociais), afirmava-se ser
incompatível um novo tipo de direito com os direitos já existentes, e que os já existentes
seriam preponderantes e deveriam ser mantidos.
Para além dos problemas e dificuldades referentes à efetivação de uma
fundamentação absoluta dos direitos, existe também o problema de saber se ela seria
eficaz. Segundo Bobbio, além de ela não ser possível, caso o fosse, ela não seria nem
mesmo eficaz. A primeira ilusão estaria assentada na possibilidade de um fundamento
absoluto, a segunda, de que um fundamento absoluto bastaria:
32
L'età dei diritti, p.14. No original italiano: “Qui viene in discussione il secondo dogma del razionalismo
etico che è poi la seconda illusione del giusnaturalismo: che i valori ultimi non solo si possano dimostrare
come teoremi, ma che basti averli dimostrati, cioè resi in un certo senso inconfutabili e irresistibili, per
assicurarne l’attuazione.”
33
Cf. L'età dei diritti, p.15-16.
211
Prático
34
Aqui temos um ponto da análise bobbiana sobre direitos humanos que é disseminado de forma um tanto
distorcida por grande parte de seus intérpretes: Bobbio não abandona o problema da fundamentação dos
direitos humanos, e não alega que ela seja uma questão menor ou sem importância. Bobbio abandona
apenas a fundamentação absoluta dos direitos humanos, apontando os limites das proposições
apresentadas pelas teorias jusnaturalistas. Ele desloca o debate para a questão dos fundamentos, termo
empregado agora no plural, e dos direitos humanos enquanto construção histórico-político-econômico-
social. Os quatro primeiros capítulos do livro L’età dei diritti se configuram exatamente como uma busca
por fundamentos dos direitos humanos a partir de quatro perspectivas de análise para a questão: do ponto
de vista filosófico (primeiro capítulo – Sul fondamento dei diritti dell’uomo [Sobre o fundamento dos
direitos do homem]), jurídico (segundo capítulo – Presente e avvenire dei diritti dell’uomo [Presente e vir
a ser dos direitos do homem]), da filosofia da história (terceiro capítulo – L’età dei diritti [A Era dos
direitos]), e da sociologia do direito (quarto capítulo – Diritti dell’uomo e società [Direitos do homem e
sociedade]). Os fundamentos encontrados, obtidos através da construção de consensos acerca dos direitos
humanos, residem na carta de Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948.
212
35
Cf. L'età dei diritti, p.23.
36
Sobre o processo histórico de afirmação dos direitos humanos Cf. Afirmação histórica dos direitos
humanos.
37
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.101.
38
Sobre as cartas de direitos Cf. MARQUES, V. Direitos humanos e revolução: temas do pensamento
político setecentista. Lisboa: Colibri, 1991. Doravante abriado por Direitos humanos e revolução, seguido
de indicação de página.
213
39
Sobre o termo “bill”, Hunt ressalta um ponto importante e que depois seria decisivo na opção dos
movimentos posteriores: A história da palavra “declaração” fornece uma primeira indicação da mudança
na soberania. A palavra inglesa “declaration” vem da francesa “declaration”, de mesma grafia. Em
francês, a palavra se referia originalmente a um catálogo de terras a serem dadas em troca do juramento
de vassalagem a um senhor feudal. Ao longo do século XVII, passou cada vez mais a se referir às
afirmações públicas do rei. Em outras palavras, o ato de declarar estava ligado à soberania. [...] Em 1776
e 1789, as palavras “carta”, “petição” e “bill” pareciam inadequadas para a tarefa de garantir os direitos
(o mesmo seria verdade em 1948). “Petição” e “bill” implicavam um pedido ou apelo a um poder
superior (um bill era originalmente “uma petição ao soberano”), e “carta” significava frequentemente um
antigo documento ou escritura. “Declaração” tinha um ar menos mofado e submisso. Além disso, ao
contrário de “petição”, “bill” ou até “carta”, “declaração” podia significar a intenção de se apoderar da
soberania”. Cf, A invenção dos direitos humanos: uma história, p.114.
40
Uma excelente análise histórica da Revolução Gloriosa pode ser encontra no livro de Christopher Hill,
em especial nas suas terceira e quarta partes. Cf. HILL, C. The century of revolution: 1603-1714.
London: Routledge, 1980.
41
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.105.
42
Segundo Marques, é possível interpretar a carta como um contrato, como um acordo entre o monarca e
o povo: “[...] trata-se antes do termo do contrato entre o povo e o seu monarca, na linha da concepção do
duplo contrato de Pufendorf.” Direitos humanos e revolução, p.89.
214
43
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.105.
44
Direitos humanos e revolução, p.93.
215
45
Cf. Direitos humanos e revolução, p.93. (“That all men are by nature equally free and independent and
have certain inherent rights”). É possível ter acesso a uma versão digital em inglês da declaração, bem
como do documento original digitalizado, no site eletrônico da George Manson’s Gunston Hall:
MASON, G. The Virginia Declaration of Rights: Final Draft, 12 June 1776. Disponível em:
http://www.gunstonhall.org/georgemason/human_rights/vdr_final.html. Acesso: 11 abril 2016.
46
Cf. Direitos humanos e revolução, p.93. (“[…] of which, when they enter into a state of society, they
cannot, by any compact, deprive or divest their posterity;”).
47
Cf. Direitos humanos e revolução, p.93. (“That all power is vested in, and consequently derived from,
the people;”).
48
Cf. Direitos humanos e revolução, p.94.
49
Cf. Direitos humanos e revolução, p.95.
216
50
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.118.
51
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.117-118.
52
“A importância histórica da Declaração de Independência está justamente aí: é o primeiro documento
político que reconhece, a par da legitimidade da soberania popular, a existência de direitos inerentes a
todo ser humano, independentemente das diferenças de sexo, raça, religião, cultura ou posição social.”
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.119.
53
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.132. Sobre as razões da Declaração de Independência não
possuir uma declaração de direitos Cf. Afirmação histórica dos direitos humanos, p.132-137.
54
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.133.
217
de 1791 foi proclamada a adição das dez emendas aprovadas pelas duas casas
legislativas à Constituição Federal dos EUA.
A primeira emenda constitucional enuncia a não interferência do Estado –
não promulgando leis que estabeleçam ou que proíbam o livre exercício de cultos
religiosos – em relação à liberdade de opinião/expressão e de imprensa, e à liberdade de
reunião e de petição;55 a sexta emenda enuncia a garantia de um julgamento justo, i.e., a
pessoa acusada teria direito a um julgamento público, um júri imparcial, o direito de ser
informado sobre a natureza e a causa da acusação, de ser acareada com as testemunhas
de acusação, do comparecimento de testemunhas de defesa, e de ser representada por
um advogado designado para a sua defesa. 56
As nona e décima emendas enunciam os direitos inerentes ao povo que não
podem ser negados, uma espécie de garantia do asseguramento de direitos naturais
contra direitos legais quando esses se encontram em conflito,57 e da reafirmação dos
poderes reservados aos Estados e ao povo. 58
O que é interessante notar nos documentos estadunidenses de acordo com o
nosso recorte de investigação e análise? Em primeiro lugar, é possível constatar o acerto
de Bobbio ao verificar a influência das teorias filosóficas que predominavam no período
na confecção das duas cartas e da declaração;59 em segundo lugar, a limitação do poder
Estatal e da mudança do centro desse poder, ao enunciar que todo poder emana do povo;
em terceiro lugar, que essas declarações de direitos consideram os direitos naturais e
atribuem a eles, através da positivação – de transformá-los em direitos postos, direitos
legais –, o status de direitos fundamentais, i.e., de direitos básicos reconhecidos pelo
Estado; 60 como consequência direta desse terceiro aspecto, pode-se afirmar que foi
inaugurada, assim, a própria concepção de Constituição nos moldes como a
entendemos, i.e., como uma série de direitos acima da legislação ordinária;61 e, em
55
Cf. Direitos humanos e revolução, p.97.
56
Cf. Direitos humanos e revolução, p.99.
57
Cf. Direitos humanos e revolução, p.99.
58
Cf. Direitos humanos e revolução, p.100.
59
Comparato aponta como principais fontes filosóficas dos documentos apresentados aqui as teorias de
John Locke, Jean-Jacques Rousseau, e Montesquieu. Cf. Afirmação histórica dos direitos humanos,
p.124. Bobbio reconhece, ao menos, a grande influência de Locke. Cf. L'età dei diritti.
60
Cf. Afirmação histórica dos direitos humanos, p.124.
61
Cf. Afirmação histórica dos direitos humanos, p.124.
218
Francês65
62
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.123.
63
Hunt aponta claramente esse fenômeno, tanto na Declaração de Independência estadunidense, quanto
na Declaração francesa de 1789: “A igualdade, a universalidade e o caráter natural dos direitos ganharam
uma expressão política direta pela primeira vez na Declaração da Independência americana de 1776 e na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.” A invenção dos direitos humanos: uma
história, p.19.
64
Cf. L'età dei diritti, p.98.
65
A bibliografia sobre o processo revolucionário francês é demasiadamente extensa. Restringimo-nos a
indicar a leitura de dois textos: Cf. O terceiro capítulo de HOBSBAWM, E. A era das revoluções: 1789-
1848. 32ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013; e Cf. TOCQUEVILLE, A. O antigo regime e a
revolução. Brasília; São Paulo, SP: UnB: Hucitec, 1989.
219
66
Para uma análise mais abrangente Cf. o quinto capítulo de Afirmação histórica dos direitos humanos,
p.140-178.
67
“[...] a Revolução francesa foi uma revolução política que tinha operado como as revoluções religiosas
[...] porque ‘parecia ter como objetivo a regeneração do gênero humano, mais do que a reforma da
França.” TOCQUEVILLE, A. L’acien regime et la révolution. In: Œuvres complètes. Tomo II. Paris,
1952, p.89 apud L'età dei diritti, p. 112. O excerto, tal como reproduzido por Bobbio, é grafado da
seguinte forma: “[...] la Rivoluzione francese era una rivoluzione politica che aveva operato come le
rivoluzioni religiose, […] perché ‘sembrava tendere alla rigenerazione del genere umano, più ancora che
alla riforma della Francia.”
68
Cf. Afirmação histórica dos direitos humanos, p.142.
69
“[...] a Revolução Francesa, desde logo, apresentou-se não como a sucessora de um regime que
desaparecia por morte natural, mas como a destruidora voluntária do regime antigo por morte violenta.”
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.144.
220
70
Hunt aponta também o romance como importante veículo de disseminação de ideias e ideais: “O
romance exerce o seu efeito pelo processo de envolvimento na narrativa, e não por discursos
moralizadores explícitos.” Cf, A invenção dos direitos humanos: uma história, p.56.
71
Do latim, revolutio, e, em francês, révolution.
72
Cf. Afirmação histórica dos direitos humanos, p.140.
73
Tais ponderações podem ser encontradas nos artigos La Rivoluzione Francese e i diritti dell’uomo (A
Revolução Francesa e os direitos do homem) e L’eredità della grande Rivoluzione (A herança da grande
revolução). Cf. L'età dei diritti, p.89-142.
74
Como atenta Comparato ao citar Carl J. Richard “os líderes revolucionários procuraram substituir, a
uma sociedade dominada por uma aristocracia de nascimento, uma sociedade dirigida por uma
aristocracia de mérito. No século XVIII, mérito significava cultura – e cultura significava conhecimento
dos clássicos.” (RICHARD, C. The founders and the classics: Greece, Rome, and the american
englightenment. Harvard University Press, 1996, p.51 apud Afirmação histórica dos direitos humanos,
p.118). Além de conhecer os clássicos, os Pais Fundadores dos EUA também conheciam bem os textos de
221
direitos influenciou diretamente os franceses. 75 Bobbio pode fazer tal afirmação porque
é bem sabido que La Fayette, militar francês considerado um herói do processo de
independência estadunidense, foi um dos responsáveis pela apresentação do primeiro
projeto da Declaração Francesa, sob a orientação e aconselhamento de Thomas
Jefferson – envolvido diretamente na redação do documento estadunidense, sendo ele
um dos Pais Fundadores dos Estados Unidos –, então embaixador dos EUA em Paris. 76
Dentro da tensão estabelecida entre (i) resolver e se resguardar de questões
relativas ao ordenamento político do Antigo Regime e (ii) de lançar as bases para um
novo mundo vindouro, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 é
redigida e promulgada. Tal tensão é bem descrita na seguinte passagem:
Essa não era a única tensão existente nessa carta de direitos. É possível
também notar a amplitude desejada por ela, já apontada acima, do caráter universal, ao
referir-se ao gênero humano 78 – a carta se refere aos Homens (Homme), mas o termo
abarcaria os dois sexos biológicos –, e o seu caráter particular / nacional, ao referir-se
aos direitos políticos de cada um dos cidadãos do Estado francês. Trata-se de um
John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Montesquieu, teóricos de extrema importância para ambos os
processos históricos e para ambas as cartas de direitos, estadunidense e francesa (Cf. Afirmação histórica
dos direitos humanos, p.162). E Hunt escreve: “Grotius, Pufendorf e Burlamaqui eram todos bem
conhecidos dos revolucionários americanos, como Jefferson e Madison, que eram versados em direito.”
(Cf., A invenção dos direitos humanos: uma história, p.119).
75
Enquanto Bobbio é mais cauteloso, apresentando apenas ponderações sobre estudos que avaliam as
relações de influência entre os dois casos, entre aqueles que defendem e aqueles que negam a influência
direta do processo estadunidense no processo francês, Comparato defende a primeira hipótese, em
especial por conta do fato de que as Declarações, sobretudo a do Estado de Virgínia, haviam sido
traduzidas para o francês e contavam com várias edições. Cf. L'età dei diritti, p.89-141; Cf. Afirmação
histórica dos direitos humanos, p.160.
76
Cf. L'età dei diritti, p.122-123.
77
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.163.
78
“Primeiro documento de direitos humanos a falar na ideia do universal ético: a Declaração de Direitos
do Homem e do Cidadão na França, de 1789.” MEDEIROS, A. Direito internacional dos direitos
humanos na América Latina: uma reflexão filosófica da negação da alteridade. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juirs, 2007, p.15.
222
79
Direitos humanos e revolução, p.101. (« Les Représentants du Peuple Français, constitués en
Assemblée Nationale, considérant que l'ignorance, l'oubli ou le mépris des droits de l'Homme sont les
seules causes des malheurs publics et de la corruption des Gouvernements, ont résolu d'exposer, dans une
Déclaration solennelle, les droits naturels, inaliénables et sacrés de l'Homme, afin que cette Déclaration,
constamment présente à tous les Membres du corps social, leur rappelle sans cesse leurs droits et leurs
devoirs ; »).
80
Cf. Direitos humanos e revolução, p.102. Apesar da declaração de separação dos poderes, essa não foi
rigidamente observada. Cf. Afirmação histórica dos direitos humanos, p.148.
223
81
Direitos humanos e revolução, p.102 (« Le but de toute association politique est la conservation des
droits naturels et imprescriptibles de l'Homme. Ces droitssont la liberté, la propriété, la sûreté, et la
résistance à l'oppression. »).
82
Cf. L'età dei diritti, p.134-135.
83
L'età dei diritti, p.107-108. No original italiano: “A stretto rigore di logica, nessun governo può
garantire l’esercizio del diritto di resistenza, che insorge proprio quando il cittadino non riconosce più
l’autorità del governo, e il governo a sua volta non ha più alcun obbligo verso di lui. Con una possibile
224
allusione a questo articolo, Kant dirà che “affinché il popolo sia autorizzato alla resistenza, dovrebbe
esserci una legge pubblica che la permettesse”, ma una tale disposizione sarebbe contraddittoria perché
nel momento in cui io sovrano ammette la resistenza conto di sé rinuncia alla propria sovranità e il
suddito diventa sovrano al posto suo. Non è possibile che i costituenti non si rendessero conto della
contraddizione. Ma, come spiega Georges Lefebvre, l’inserimento del diritto di resistenza fra i diritti
naturali era dovuto al ricordo immediato del 14 luglio e al timore di un nuovo assalto aristocratico, e
quindi non era altro che la giustificazione postuma della lotta contro l’Antico Regime.”
Bobbio repete de forma atenuada tal tese no capítulo sucessivo de seu livro: “Rigorosamente, nenhum
governo pode garantir o exercício de um direito que se manifesta precisamente no momento em que a
autoridade do governo falha, e entre Estado e cidadão se instaura não mais uma relação de direito, mas
sim uma relação de fato, na qual vigora o direito do mais forte. Os constituintes haviam tomado plena
consciência da contradição. Mas, como explica Georges Lefebvre, a inserção do direito de resistência
entre os direitos naturais devia-se ao temor de um novo assalto aristocrático e, portanto, não era mais do
que a justificação póstuma da derrubada do Antigo Regime.” L'età dei diritti, p.134-135. No original
italiano: “A stretto rigore, nessun governo può garantire l’esercizio di un diritto che insorge proprio nel
momento in cui l’autorità del governo vien meno e tra stato e cittadino s’instaura un rapporto non più di
diritto ma di fatto, in cui vige il diritto del più forte. I costituenti si erano resi perfettamente conto della
contraddizione. Ma, come spiega Georges Lefebvre, l’inserimento del diritto di resistenza fra i diritti
naturali era dovuto al timore di un nuovo assalto aristocratico, e quindi non era altro che la giustificazione
postuma dell’abbattimento dell’antico regime.”
84
Direitos humanos e revolução, p.102. (« La liberté consiste à pouvoir faire tout ce qui ne nuit pas à
autrui : ainsi, l'exercice des droits naturels de chaque homme n'a de bornes que celles qui assurent aux
autres Membres de la Société la jouissance de ces mêmes droits »).
85
Cf. Direitos humanos e revolução, p.104.
225
86
Cf. Afirmação histórica dos direitos humanos, p.173.
87
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.173. (« Il sera créé et organisé un établissement général de
Secours publics, pour élever les enfants abandonnés, soulager les pauvres infirmes, et fournir du travail
aux pauvres valides qui n'auraient pu s'en procurer.
Il sera créé et organisé une Instruction publique commune à tous les citoyens, gratuite à l'égard des parties
d'enseignement indispensables pour tous les hommes et dont les établissements seront distribués
graduellement, dans un rapport combiné avec la division du royaume […] »).
88
Segundo Comparato, a mudança de nomenclatura deu-se por influência do processo estadunidense. Cf.
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.166.
226
direitos naturais que ele possui enquanto ser humano com as medidas governamentais,
podendo, dessa forma, avaliar se as ações governamentais às quais está submetido são
justas.
Em geral, apesar da grande disputa entre girondinos e jacobinos, a
Constituição de 1793 não apresentou grandes mudanças em relação às cartas
precedentes. O primeiro artigo enuncia que o objetivo da sociedade é a felicidade
comum, e essa só pode ser atingida mediante a garantia dos direitos naturais;89 o
segundo artigo enuncia quais seriam esses direitos: a igualdade, a liberdade, a segurança
e a propriedade90 – tais como nas cartas precedentes;91 os artigos de número três,
quatro, e cinco enunciam a igualdade perante a lei e perante a carreira: as profissões
estão abertas ao talento, abolindo qualquer tipo de privilégio de hereditariedade; 92 o
sexto artigo apresenta a famosa fórmula, contida já nas cartas precedentes – mas sem a
formulação que seria consagrada no imaginário popular –, da liberdade: “não faças ao
próximo o que não queres que te façam a ti”. 93
O sétimo artigo reafirma a liberdade de opinião, imprensa, e de culto; 94 o
décimo quinto artigo estipula a proporcionalidade da pena;95 o décimo oitavo artigo
posiciona-se contra a possibilidade de um ser humano vender-se ou ser vendido, 96 i.e.,
existe um posicionamento explícito contra a escravidão; os vigésimo primeiro e o
vigésimo segundo artigos enunciam direitos sociais, tanto no que se refere ao assegurar
trabalho e assistência àqueles que não podem trabalhar, quanto ao que se refere à
instrução;97 o vigésimo quinto artigo enuncia que a soberania reside no povo. 98
O vigésimo oitavo artigo é um tanto peculiar no que ele enuncia: “Um povo
tem permanentemente o direito de rever, de reformar e de modificar a sua Constituição.
Uma geração não pode submeter às suas leis as gerações futuras”. 99 Se os direitos
89
Cf. Direitos humanos e revolução, p.105.
90
Interessante observar que o conceito de igualdade fora colocado à frente – pela primeira e única vez nas
redações das cartas francesas – do conceito de liberdade.
91
Cf. Direitos humanos e revolução, p.105.
92
Cf. Direitos humanos e revolução, p.106.
93
Direitos humanos e revolução, p.106. (« Ne fais pas à un autre ce que tu ne veux pas qu'il te soit fait »).
94
Cf. Direitos humanos e revolução, p.106.
95
Cf. Direitos humanos e revolução, p.107.
96
Cf. Direitos humanos e revolução, p.107.
97
Cf. Direitos humanos e revolução, p.107.
98
Cf. Direitos humanos e revolução, p.108.
99
Cf. Direitos humanos e revolução, p.108. (« Un peuple a toujours le droit de revoir, de réformer et de
changer sa Constitution. Une génération ne peut assujettir à ses lois les générations futures »).
227
100
Direitos humanos e revolução, p.112. (« La souveraineté réside essentiellement dans l'universalité des
citoyens »).
101
Para Bobbio, “o tipo ideal de relação assimétrica é a ordem do soberano que instaura uma relação
comando-obediência.” BOBBIO, N. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira.
São Paulo: Paz e Terra, 2000, p.111. Doravante abreviado por O futuro da democracia, seguido de
indicação de página.
102
Cf. L'età dei diritti, p.124.
229
103
Cf. L'età dei diritti, p.125.
104
Cf. L'età dei diritti, p.125.
105
Se Bobbio localiza o tipo ideal de relação assimétrica na ordem do soberano que instaura uma relação
de comando-obediência, ele enxerga no contrato a representação do tipo ideal de relação simétrica,
“fundada no princípio do ut des.” O futuro da democracia, p.111. Do ut des, Dou para que tu dês, é a
expressão que sintetiza a norma de contrato oneroso bilateral.
230
mesmos direitos, os mesmos deveres, esteja sujeito às mesmas normas, sanções, e seja
salvaguardado por um julgamento justo.
Com a alteração da primazia de perspectiva social ao individualismo e com
o asseguramento da igualdade formal, alteram-se, também, a finalidade e a função do
Estado. Não é mais o Estado que deve organizar, atribuir funções, e dar sentido à vida
dos indivíduos, mas ele passa a ser ordenado e orientado pela vontade desses
indivíduos, mais precisamente pelo grupo social que assumiu a hegemonia política e
obteve os maiores ganhos com esses processos. Esses novos fatores acabaram gerando
uma ruptura e efetivando a separação entre Estado e sociedade civil, e isso significa que
os contextos social e político acabaram por produzir a emancipação da sociedade civil
do poder político. O Estado deixa de ser um fim e passa a ser um simples meio. Dessa
conjunção de fatores origina-se (i) o modelo de Estado Liberal, 106 em sua primeira
versão recorrentemente chamado de Estado Guardião, 107 o qual é limitado e deve
respeitar os – e ser pautado nos – direitos naturais que cada um dos indivíduos é
portador, e, mais especificamente, (ii) as democracias modernas, 108 a forma primordial
de organização desse novo tipo de Estado, i.e., as formas de organização do corpo
político e social nas quais além da individualidade, fatores como a soberania popular e
valores como liberdade e igualdade são nevrálgicos.
Inverte-se com isso a ordem de primazia do Estado sobre o Direito. Não é o
Estado que outorga o Direito, mas o Direito que fundamenta o Estado, e isso significa
que não é mais o Estado que monopoliza a criação, conservação e desenvolvimento da
ordem jurídica, mas tal tarefa cabe agora à sociedade civil. Ao Estado resta o monopólio
do poder e da violência, não mais o do Direito,109 ao qual ele deve se submeter. Nessa
tensão é possível visualizar uma importante tese bobbiana:
106
“A ideia de monarquia absoluta, combatida por todos os pensadores do “século das luzes”, tornou-se
inaceitável para a nova classe ascendente, a burguesia. Tinha esta, de fato, sólidos argumentos para
retomar o movimento histórico em favor da limitação de poderes dos governantes, iniciado na Baixa
Idade Média com a Magna Carta, e seguido na Inglaterra pela Petition of Rights de 1628, o Habeas
Corpus Act e o Bill of Rights.” Afirmação histórica dos direitos humanos, p.153.
107
“A ideia de que o único dever do Estado seja o de impedir que os indivíduos provoquem danos uns aos
outros, ideia que será levada às extremas consequências e à máxima rigidez pelo liberalismo extremo de
Herbert Spencer, deriva de uma arbitrária redução de todo o direito público a direito penal (donde a
imagem do Estado guarda-noturno ou gendarme).” O futuro da democracia, p.126.
108
“[...] idealmente, a forma de governo democrático nasce do acordo de cada um com todos os demais,
isto é, do pactum societatis.” O futuro da democracia, p.111.
109
Cf. BIELEFELDT, H. Filosofia dos direitos humanos: fundamentos de um ethos de liberdade
universal. São Leopoldo: Editora da UNISINOS, 2000, p.196-197.
232
110
O futuro da democracia, p.23.
111
O futuro da democracia, p.23.
112
Breve história dos direitos humanos, p. 49.
113
A reconstrução dos direitos humanos, p.38.
233
114
Cf. L'età dei diritti, p.23.
115
Estado de Direito é aquele no qual funciona regularmente um sistema de garantias. Sobre Estado de
Direito Cf. Dicionário de filosofia do direito, Estado de Direito, p.288-291.
116
Cf. L'età dei diritti, p.24 e p.44-45.
234
117
Breve história dos direitos humanos, p.82.
118
Cf. L'età dei diritti, p.18.
235
119
Nesse ponto, é possível destacar as críticas que condenam a DUDH por ela ser impregnada de valores
ocidentais, e todo o debate em torno do relativismo cultural e do multiculturalismo. Sobre esse debate a
bibliografia é muito vasta. Cf. BONANATE, L.; PAPINI, R. (ed.). Dialogo interculturale e diritti
umani: la Dichiarazione Universale dei Diritti Umani: genesi, evoluzione e problemi odierni (1948-
2008). Bologna, Italia: Mulino, 2008. Cf. FARELL, M. El alcance (limitado) del multiculturalismo. In:
BERTOMEU, M.; GAETA, R. VIDIELLA, G. (comp). Universalismo y multiculturalismo. Buenos
Aires: Eudeba, 2000; Cf. FREEDEN, M. Rights. Minneapolis: Univ. of Minnesota, 1991; Cf. SOUSA
SANTOS, B. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. In: Revista Crítica de Ciências
Sociais, 48, 1997, p.11-32; Cf. TESÓN, F. International Human Rights and Cultural Relativism; In:
HAYDEN, P. The Philosophy of Human Rights. St. Paul, MN USA: Paragon House, p. 379-396, 2001.
236
[...] a Declaração universal dos direitos do homem pode ser aceita como a
grande prova histórica, que jamais havia sido dada, do consensus omium
gentium [assentimento universal de todos] sobre um determinado sistema de
valores. 123
120
L'età dei diritti, p.29. No texto original italiano: “Con questo voglio dire che la comunità
internazionale si trova oggi di fronte al problema di apprestare valide garanzie a quei diritti, ma anche a
quello di perfezionare continuamente il contenuto della Dichiarazione, articolandolo, specificandolo,
aggiornandolo, in modo da non lasciarlo cristallizzare e irrigidire in formule tanto piú solenni quanto piú
vuote.”
121
Os horrores e o impacto das atrocidades produzidos pela Segunda Guerra Mundial foram tão grandes
que conseguiram reunir para a negociação desse documento histórico um mundo cindido entre os blocos
capitalista e socialista. O processo de discussão e negociação foi difícil e moroso. Hunt descreve o
processo do primeiro rascunho da carta até a sua versão definitiva ser aprovada da seguinte forma: “Esse
texto tinha de ser revisado por toda a comissão, posto a circular por todos os Estados-membros, depois
revisto pelo Conselho Social e Econômico e, se aprovado, enviado para a Assembleia Geral, na qual devia
ser primeiro considerado pelo Terceiro Comitê sobre Assuntos Sociais, Humanitários e Culturais. O
Terceiro Comitê tinha delegados de todos os Estados-membros, e quando o rascunho foi discutido a
União Soviética propôs emendas para quase todos os artigos. Oitenta e três reuniões (apenas do Terceiro
Comitê) e quase 170 emendas mais tarde, um rascunho foi sancionado para ser votado. Por fim, em 10 de
dezembro de 1948, a Assembleia Geral aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Quarenta
e oito países votaram a favor, oito países do bloco soviético abstiveram-se e nenhum votou contra.” A
invenção dos direitos humanos: uma história, p.205.
122
Cf. L'età dei diritti, p.20-21.
123
L'età dei diritti, p.20. No texto original italiano: “[...] la Dichiarazione universale dei diritti dell’uomo
può essere accolta come la piú grande prova storica, che mai sia stata data, del «consensus omnium
gentium» circa un determinato sistema di valori.”
124
ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela resolução 217 A
(III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Rio de Janeiro: UNIC / RIO /
005 – Dezembro, 2000, p.3. Disponível em: http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf Acesso: 12
ago. 2013. Doravante abreviada por DUDH, seguido de indicação de artigo e página.
237
fundamento baseado no consenso, porque para eles tal sorte de fundamento seria muito
difícil de ser encontrado. 125 Agora esse fundamento consensual passava a existir,126
concretizado em um documento, aprovado, assinado, e reconhecido unanimemente por
48 Estados nacionais e abstenção de outros oito, 127 um documento que passou a servir
de norte no processo de desenvolvimento dos direitos humanos na comunidade
internacional, uma comunidade não mais formada apenas por Estados, mas constituída
por indivíduos considerados livres e iguais: 128 “pela primeira vez um sistema de
princípios fundamentais na conduta humana foi livre e expressamente aceito, através de
seus governantes, pela maioria dos homens que vivem na Terra.” 129
Segundo Bobbio, a partir do reconhecimento da DUDH, toda a humanidade
passa a partilhar certos valores, um sistema de valores universal não em princípio, mas
de fato “na medida em que o consenso sobre a sua validade e sua idoneidade para reger
os destinos da comunidade futura de todos os seres humanos foi explicitamente
125
Cf. L'età dei diritti, p.20.
126
“Os direitos, portanto, voltam a colocar-se como exigências universais do homem, mas, ao contrário
da Declaração de 1789, não são mais fundamentados em um suposto direito de natureza, mas no acordo
entre os Estados e no direito que daí deriva.” Breve história dos direitos humanos, p.131.
127
Bielorrússia, Checoslováquia, Polônia, Arábia Saudita, Ucrânia, União Soviética, África do Sul e
Iugoslávia abstiveram-se na votação.
128
Cf. L'età dei diritti, p.20. E, com isso, tentava-se resolver o problema apontado por Hannah Arendt
sobre o direito a ter direitos. Comparato explica a questão do seguinte modo: “[...] o Estado nazista
aplicou, sistematicamente, a política e supressão da nacionalidade alemã a grupos minoritários, sobretudo
a pessoas consideradas de origem judaica. Logo após a guerra, Hannah Arendt chamou a atenção para a
novidade perversa desse abuso, mostrando como a privação de nacionalidade fazia das vítimas pessoas
excluídas de toda proteção jurídica no mundo. Ao contrário do que se supunha no século XVIII, mostrou
ela, os direitos humanos não são protegidos independentemente da nacionalidade ou cidadania. O asilado
político deixa um quadro de proteção nacional para encontrar outro. Mas aquele que foi despojado de sua
nacionalidade, sem ser opositor político, pode não encontrar nenhum Estado disposto a recebê-lo: ele
simplesmente deixa de ser considerado uma pessoa humana. Numa fórmula célebre, Hannah Arendt
conclui que a essência dos direitos humanos é o direito a ter direitos.” Afirmação histórica dos direitos
humanos, p.245. Cf. também A reconstrução dos direitos humanos, ARENDT, H. Origens do
totalitarismo. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2000, e ARENDT, H. Eichmann em
Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1999.
Os artigos VI, XV, e XXVIII da DUDH podem ser considerados tentativas de, por um lado, invalidar a
tentativa de supressão da nacionalidade de um indivíduo e da consequente perda de proteção jurídica e,
por outro, da universalização dos direitos humanos no sentido que Bobbio emprega o termo a partir dessa
carta, i.e., como direitos reconhecidos para além das fronteiras nacionais. Cf. DUDH, Artigos VI, XV, e
XXVIII, p.5; 7-8; 13.
129
L'età dei diritti, p.21. No texto original italiano: “[…] per la prima volta nella storia un sistema di
principî fondamentali della condotta umana è stato liberamente ed espressamente accettato, attraverso i
loro rispettivi governi, dalla maggior parte degli uomini viventi sulla terra.”
238
130
Cf. L'età dei diritti, p.21. O trecho citado no original italiano: “in quanto il consenso sulla sua validità
e sulla idoneità a reggere le sorti della comunità futura di tutti gli uomini è stato esplicitamente
dichiarato.”
131
“A Declaração de 1948 marca, pois, o início de uma nova época, na qual os indivíduos, e não mais
apenas os países, se tornam, progressivamente, sujeitos de direito internacional, que devem fazer valer
seus direitos também contra os governos, fazendo referência a Cartas e a órgãos transnacionais.” Breve
história dos direitos humanos, p.131.
132
Cf. L'età dei diritti, p.24.
133
A invenção dos direitos humanos: uma história, p.209.
134
L'età dei diritti, p.28-29.
135
Cf. L'età dei diritti, p.25.
239
136
Para uma análise pormenorizada do conceito de fraternidade e sua atualidade, entendida como
princípio regulador da comunidade política que é possível ser construída Cf. MANIERI, M. Fraternità:
Rilettura civile di un'idea che può cambiare il mondo. Veneza: Marsilio Editori, 2013.
137
Cf. DUDH, p.3.
138
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.240-241.
240
139
DUDH, p.2.
140
Mais precisamente nos artigos XXII, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, XXVII da DUDH.
141
Esses eram exatamente os quatro direitos naturais enunciados nas cartas francesas. Cf. os artigos I, II,
III, IV, V, X, XI, XVI, XVIII, XXII da DUDH.
142
Cf. os artigos VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XV, XVII, XVIII da DUDH.
143
Cf. os artigos IX, X, XI, XIV, XV, XVI, XIX, XX, XXI, XXVIII da DUDH.
144
Cf. os artigos XXII, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, XXVII da DUDH.
145
“Outro traço saliente da Declaração Universal de 1948 é a afirmação da democracia como único
regime político compatível com o pleno respeito aos direitos humanos (arts. XXI e XXIX, alínea 2). O
regime democrático já não é, pois, uma opção política entre muitas outras, mas a única solução legítima
para a organização do Estado.” Afirmação histórica dos direitos humanos, p.246.
146
“Em princípio, a enorme importância do tema dos direitos do homem depende do fato que ele está
estritamente ligado com os dois problemas fundamentais do nosso tempo, a democracia e a paz. O
reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das constituições democráticas, e ao
mesmo tempo a paz é o pressuposto necessário para a efetiva proteção dos direitos humanos nos Estados
241
singulares e no sistema internacional.” L'età dei diritti, p.258. No texto em italiano: “In linea di principio,
l’enorme importanza del tema dei diritti dell’uomo dipende dal fatto che è strettamente connesso con i
due problemi fondamentali de nostro tempo, la democrazia e la pace. Il riconoscimento e la protezione dei
diritti dell’uomo stanno alla base delle costituzioni democratiche, e nello stesso tempo la pace è il
presupposto necessario per l’effettiva protezione dei diritti dell’uomo nei singoli Stati e nel sistema
internazionale.”
147
A invenção dos direitos humanos: uma história, p.206.
148
CASSESE, A. I diritti umani nel mondo contemporaneo. 6. ed. Roma (Itália): Laterza, 2000, p.43.
No texto italiano: “La Dichiarazione appunto fu approvata come una semplice promessa reciproca e
solenne, che impegnava sul piano etico-politico, ma non comportava obblighi per gli Stati.”
242
149
Cf. L'età dei diritti, p.33.
150
Cf. L'età dei diritti, p.34.
151
Bobbio remete o seu leitor, nesse ponto, à teoria de Felix Oppenheim. Cf. L'età dei diritti, p.58.
152
Cf. L'età dei diritti, p.59.
243
153
Cf. L'età dei diritti, p.59.
154
Cf. LAFER, C. A Internacionalização dos direitos humanos: o desafio do direito a ter direitos. In:
AGUIAR, O. A. et allii (Org). Filosofia e direitos humanos. Fortaleza: Ed. UFC, 2006, p.14. Doravante
abreviado por A Internacionalização dos direitos humanos: o desafio do direito a ter direitos, seguido de
indicação de página.
155
Cf. L'età dei diritti, p.XIII.
244
156
Cf. BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 19ª edição. São Paulo, SP: Malheiros, 2006, p.
563.
157
Cf. MARCHI, W. Uma reflexão sobre a classificação dos direitos fundamentais. In: Revista Ius et
Iustitia Eletrônica, Volume 3, nº1, 2010, p.36-44. Disponível em:
http://revistaunar.com.br/juridica/documentos/vol3_n1_2010/UMAREFLEXAOSOBREACLASSIFICA
CAODOSDIREITOSFUNDAMENTIAS.pdf. Acesso em: 23 set. 2016. Doravant abreviado como Uma
reflexão sobre a classificação dos direitos fundamentais. O artigo faz a seguinte transcrição do discurso
proferido por Cançado Andrade na Câmara dos Deputados de Brasília: “[...] Em primeiro lugar, essa tese
das gerações de direitos não tem nenhum fundamento jurídico, nem na realidade. Essa teoria é
fragmentadora, atomista e toma os direitos de maneira absolutamente dividida, o que não corresponde à
realidade. Eu conversei com Karel Vasak e perguntei: ‘Por que você formulou essa tese em 1979?’. Ele
respondeu: ‘Ah, eu não tinha tempo de preparar uma exposição, então me ocorreu fazer alguma reflexão,
e eu me lembrei da bandeira francesa’. Ele nasceu na velha Tchecoslováquia. Ele mesmo não levou essa
tese muito a sério, mas, como tudo que é palavra “chavão”, pegou. Aí Norberto Bobbio começou a
construir gerações de direitos etc.” TRINDADE, A. A Proteção internacional das mulheres. Discurso
de 25 maio 2000. Câmara dos Deputados, Brasília, DF. V Conferência Nacional dos Direitos Humanos
apud MARCHI, W. Uma reflexão sobre a classificação dos direitos fundamentais, p.9.
245
158
Uma introdução sobre o debate referente à melhor terminologia a ser empregada pode ser encontrada
em Uma reflexão sobre a classificação dos direitos fundamentais.
159
L'età dei diritti, p.XIII-XIV. No texto em italiano: “[...] la libertà religiosa è un effetto delle guerre di
religione, le libertà civili, delle lotte dei parlamenti contro i sovrani assoluti, la libertà politica e quelle
sociali, della nascita, crescita, e maturità del movimento dei lavoratoti salariati, dei contadini con poca
terra o nullatenenti, dei poveri che chiedono ai pubblici poteri non solo il riconoscimento della libertà
personale e delle libertà negative, ma anche la protezione del lavoro contro la disoccupazione, e i primi
rudimenti d’istruzione contro l’analfabetismo, e via via l’assistenza per la invalidità e la vecchiaia, tutti
bisogni cui i proprietari agiati potevano provvedere da sé.”
246
160
L'età dei diritti, p.XV.
161
L'età dei diritti, p.XVI.
162
Cf. a seção 4.3.1 A Declaração de Direitos (Bill of Rights) Inglesa de 1689, p.213.
163
Cf. a seção 4.3.2 As Cartas de Direitos Estadunidenses, p.214.
164
Cf. a seção 4.3.3, As Cartas de Direito Resultantes do Processo Revolucionário Francês, p.218.
165
A Internacionalização dos direitos humanos: o desafio do direito a ter direitos, p.15.
247
166
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.123.
167
Em especial a Revolução Industrial. Cf. O seundo capítulo de HOBSBAWM, E. A era das
revoluções: 1789-1848. 32ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013; Cf. HOBSBAWM, E. Mundos do
trabalho: novos estudos sobre história operaria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987; Cf. HOBSBAWM, E.
Os trabalhadores: estudos sobre a história do operariado. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000; Cf.
HOBSBAWM, E. Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. Rio de Janeiro, RJ: Forense-
Universitária, 2011.
168
A primeira Carta Constitucional a prever e acolher os denominados direitos de segunda geração foi a
Constituição Mexicana de 1917. Cf. Afirmação histórica dos direitos humanos, p.189-200. Dois anos
depois, os direitos sociais também compuseram a carta constitucional da Alemanha de 1919. Cf.
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.201-211.
169
A Internacionalização dos direitos humanos: o desafio do direito a ter direitos, p.15.
170
Também conhecidos por “direitos de solidariedade.”
171
Bobbio se refere aos direitos de terceira geração da seguinte forma: “o mais importante deles [direitos
abrangidos pela terceira geração de direitos] é o reivindicado pelos movimentos ecológicos, o direito a
viver em meio ambiente não poluído.” Tradução livre para “Il più importante è quello rivendicato dai
movimenti ecologici: il diritto a vivere in un ambiente non inquinato.” L’età dei diritti, p.XIV-XV.
248
indivíduos, mas uma certa coletividade social que se outorgaria o direito de preservação
e se obrigaria a cumpri-lo, uma vez que todo direito outorgado deve necessariamente
acarretar uma obrigação.
É bem verdade que muitos desses direitos não foram positivados e não
possuem ainda instrumentos assecuratórios próprios, mas isso não significa que não se
possa afirmar que tais direitos deixem de ser sentidos no meio social como exigências
impostergáveis, 172 e, dessa forma, possam ser reivindicados.
Dadas as linhas gerais e básicas sobre os direitos humanos e suas gerações,
pode-se dizer mais uma vez que, enquanto os direitos de primeira geração colocam
limites ao Estado, os direitos de segunda geração estabelecem as diretrizes para o agir
do Estado no tocante ao asseguramento do mínimo de condições necessárias no que
concerniria uma vida digna; e que os direitos de terceira geração – os direitos de
fraternidade e solidariedade – podem ser entendidos, basicamente, como a aspiração
coletiva de preservação e de conservação do meio ambiente, e, assim, eles apontam para
um horizonte de como os Estados e as sociedades devem se empenhar na preservação
do meio ambiente para a manutenção da vida e de condições adequadas para as futuras
gerações.
Após essa curta e condensada exposição, e após mobilizar e recuperar
alguns conceitos mínimos sobre os direitos humanos, é possível avaliar a extensão, o
impacto e a atualidade da filosofia schopenhaueriana sobre o tema.
172
Afirmação histórica dos direitos humanos, p.152.
5 Considerações Finais: Atualidades de Schopenhauer
1
Cf. BOBBIO, N. L’età dei diritti. Torino: Giulio Einaudi, 1995, p.45.
2
Cf. HOBSBAWM, E. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. 2. ed. São Paulo, SP:
Companhia das Letras, 2002.
3
Cf. AGUIAR, O. A. et allii (Org). Filosofia e direitos humanos. Fortaleza: Ed. UFC, 2006, p.9-10.
251
penal schopenhaueriano integralmente como uma via válida e possível para a efetivação
dos direitos humanos e garantia da paz: a defesa da pena capital como uma possível
solução para os problemas de ordem social está visceralmente em contradição com o
significado e objetivos dos direitos humanos – mesmo que esse significado e esses
objetivos sejam extremamente abrangentes e estejam em constante disputa, a pena de
morte não é tolerada em uma sociedade voltada para as garantias de condições dignas de
vida e da solução pacífica dos conflitos. 4
Por outro lado, devemos considerar questões que para Schopenhauer, nesse
campo, eram ainda impensáveis à época, como, por exemplo, a tentativa efetiva de
implementação de um Estado de bem-estar social, e os direitos que viriam a ser
classificados como direitos humanos de segunda e de terceira gerações.
Para fins didáticos, as relações traçadas entre a filosofia de Arthur
Schopenhauer e os direitos humanos serão apresentadas seguindo a divisão geracional
proposta por Vašák e endossada por Bobbio.
4
Sobre a pena de morte conferir os capítulos Contro la pena di morte (Contra a pena de Morte) e Il
dibattito attuale sulla pena di morte (O debate atual sobre a pena de morte). Cf. L’età dei diritti, p.181-
234.
5
BARBOZA, J. Schopenhauer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, (Coleção Filosofia Passo a
passo), p.22. Sobre detalhes desse evento Cf. o vigésimo segundo capítulo de SAFRANSKI, R.
Schopenhauer e os anos mais selvagens da filosofia: uma biografia. Tradução de Willian Lagos. São
Paulo: Geração Editorial, 2011, p.598-603. A carta de 2 de março de 1849 na qual ele descreve o ocorrido
a Julius Frauenstädt pode ser consultada em Briefwechsel, 645, XIV, 636.
252
6
Sobre a questão do anonimato em Schopenhauer Cf. PP, Kapitel XXIII – Ueber Schriftstellerei und Stil.
253
Porém, o Estado não pode ir além desse ponto e não pode mostrar um
fenômeno semelhante ao oriundo da benevolência e do amor recíproco
universais. Pois vimos que o Estado, de acordo com sua natureza, não pode
proibir uma prática da injustiça à qual não corresponde um sofrer injustiça do
outro lado. Ora, simplesmente porque isto é impossível, proíbe então
qualquer prática da injustiça. Inversamente, em conformidade com sua
tendência dirigida ao bem-estar de todos, o Estado, de bom grado, até
cuidaria para que cada um EXPERIMENTASSE benevolência e obras de
caridade de todo gênero se estas não tiverem um correlato inevitável na
REALIZAÇÃO de benevolência e de obras de caridade. Só que, assim, cada
cidadão irá querer assumir o papel passivo, nenhum o ativo, não havendo
motivo algum para atribuir o segundo papel a um em vez de a outro cidadão;
por conseguinte, apenas o negativo, que constitui precisamente o DIREITO,
pode ser IMPOSTO, não o positivo, o qual se entendeu sob a rubrica de
deveres de caridade ou deveres imperfeitos. 7
7
MVR I, §62, p.442-443, I 408-409. No original alemão: „– Weiter aber als bis zu diesem Punkt kann es
der Staat nicht bringen: er kann also nicht eine Erscheinung zeigen, gleich der, welche aus allgemeinem
wechselseitigen Wohlwollen und Liebe entspringen würde. Denn, wie wir eben fanden, daß er, seiner
Natur zufolge, ein Unrechtthun, dem gar kein Unrechtleiden von einer andern Seite entspräche, nicht
verbieten würde, und bloß weil dies unmöglich ist jedes Unrechtthun verwehrt; so würde er umgekehrt,
seiner auf das Wohlseyn Aller gerichteten Tendenz gemäß, sehr gern dafür sorgen, daß Jeder Wohlwollen
und Werke der Menschenliebe aller Art er fü hr e ; hätten nicht auch diese ein unumgängliches Korrelat im
Le ist en von Wohlthaten und Liebeswerken, wobei nun aber jeder Bürger des Staats die passive, keiner
254
die aktive Rolle würde übernehmen wollen, und letztere wäre auch aus keinem Grund dem Einen vor dem
Andern zuzumuthen. Demnach läßt sich nur das Negative, welches eben das Rec ht ist, nicht das
Positive, welches man unter dem Namen der Liebespflichten, oder unvollkommenen Pflichten verstanden
hat, er zwinge n.“
255
8
Cf. SFM, §16, p.137, III 680-681.
257
indivíduo ético, justo, caritativo; aquele que preza a afirmação do outro e dá a cada um
o que é seu, não lesando ninguém.
Mas Schopenhauer classifica essa possibilidade como uma espécie de utopia.
Para além de utopia, parece-nos uma contradição com sua doutrina do caráter, na
medida em que seria o resultado de um programa racional, de uma deliberação da razão
que, de algum modo, atuaria como instância superior de orientação dos rumos da
vontade metafísica. Entretanto, a condição usual, o impulso motivacional recorrente e
predominante é o egoísmo. Como seria possível pensar a preservação global de nosso
meio ambiente e da vida planetária quando isso significa frear impulsos egoístas de
consumo e de satisfação ao mesmo tempo em que o esgotamento dos recursos naturais e
a ameaça da nossa existência ainda parecem uma distante possibilidade?
Apesar do constante alerta de organizações internacionais de proteção ao
meio ambiente, como a World Wide Fund for Nature (WWF) 9 e a Global Footprint
Network (GFN), 10 de que os recursos naturais de nosso planeta estão sendo utilizados de
forma predatória e insustentável, 11 e de que essa forma de exploração produz alterações
na dinâmica de funcionamento e equilíbrio de toda a biomassa de nosso planeta, pouco
tem sido feito de forma que se altere efetivamente a configuração estabelecida dos
modos de exploração do meio ambiente.12
9
A WWF produz e publica a cada dois anos um relatório sobre a situação da biodiversidade, dos
ecossistemas, e as demandas sobre recursos naturais. O último relatório, de 2014, pode ser acessado em:
http://assets.worldwildlife.org/publications/723/files/original/WWF-LPR2014-
low_res.pdf?1413912230&_ga=1.171834528.1276102506.1476325280. Acesso em 23 set. 2016.
10
É possível acessar os relatórios da entidade que alertam para o uso desmedido de recursos naturais no
seguinte endereço: http://www.footprintnetwork.org/en/index.php/GFN/page/annual_report/. Acesso em
23 set. 2016.
11
Segundo estudo recente do Instituto de Ecología da Universidad Nacional Autónoma de México e do
departamento de Biologia da Universidade de Stanford publicado na revista Proceedings of the National
Academy of Sciences (PNAS), vivemos um período de aniquilação biológica, a sexta extinção em massa
do planeta, que é mais grave que as anteriores. Cf. CEBALLOS, G.; EHRLICH, P.; DIRZO, R.
Biological annihilation via the ongoing sixth mass extinction signaled by vertebrate population losses and
declines. In: PNAS, v. 114 n. 30, July 10, 2017. Disponível em
http://dx.doi.org/10.1073/pnas.1704949114. Acesso em 14 jul. 2017.
12
Como exemplo de resistência a medidas que visam proteger o meio ambiente, é possível lembrar da
recusa dos Estados Unidos em ratificar o Protocolo de Quioto sob a alegação de que isso prejudicaria a
economia do país; outros países ratificaram o Protocolo, mas não conseguiram cumprir as metas
estipuladas.
258
13
Sobre esse tema conferir o minucioso estudo do professor Luiz Marques Filho. Cf. MARQUES
FILHO, L. Capitalismo e colapso ambiental. 2. ed. revista e ampliada. Campinas, SP: Editora da
Unicamp, 2016.
259
14
Alguns Estados nacionais já adotaram em suas cartas constitucionais leis nesse sentido, como é o caso
da emenda consticional de 1994 na Costa Rica, a qual estabeleceu o direito a um meio ambiente saudável
e ecologicamente equiblibrado, embora os titulares desses direitos, nesse caso, sejam ainda indivíduos.
15
Cf. MVR, §55, p.391, I 357.
260
Aqui iniciamos a adentrar a perspectiva das motivações que fazem com que
os indivíduos ajam. O movimento descrito acima seria uma espécie de novo
esclarecimento do egoísmo: uma nova situação limite – que no momento é hipotética,
podendo vir a se tornar real – faz com que os indivíduos percebam que é preferível
preservar o meio ambiente e arcar com o ônus e consequências envolvidas nesse ato de
preservação a arcar com as consequências dos perigos por concorrer por recursos
naturais em uma situação de precariedade, e, até mesmo, da própria ameaça de extinção.
É como se o indivíduo notasse que da mesma forma que renunciar à prática de injustiça
é vantajoso porque assim ele também não sofre injustiça, abdicar da exploração
insustentável do meio ambiente – embora esta lhe traga inúmeras vantagens – pode
garantir a sua sobrevivência.
No âmbito do egoísmo, todo o cálculo de utilidade é baseado nas vantagens e
desvantagens que o próprio indivíduo pode obter. É possível pensar em uma perspectiva
um pouco diversa se a compaixão fosse a motivação para a ação do indivíduo. Nesse
caso, se a compaixão fosse a motivação principal do agir humano, se fosse possível
constituir uma sociedade de indivíduos éticos, a preservação do meio ambiente poderia
estar ligada, também, à proteção dos animais não-humanos e das futuras gerações, não
apenas aos animais humanos.
A filosofia de Schopenhauer, apesar de não tratar de forma direta da questão
dos direitos humanos de terceira geração – e ela nem poderia –, fornece elementos e
ferramentas importantes para se pensar a questão. A partir de uma perspectiva teórica, é
possível criar hipóteses sobre como as motivações agiriam na constituição de uma
cultura do aparente respeito, do incentivo e da implementação dos direitos humanos que
partisse dos indivíduos – seja essa cultura auto interessada ou desinteressada, i.e.,
guiada pelo egoísmo, ou pela compaixão, e, neste último caso, ela seria moralmente
boa.
A partir de uma perspectiva prática, baseada nas finalidades e funções do
Estado, é possível admitir ações pautadas na promoção da preservação do meio
ambiente baseadas em ações institucionais fomentadas e implementadas pelo aparato do
Estado, visando a proteção de seus membros. Esse atua no combate às injustiças, que
ganha agora um novo registro, a saber, os “crimes ambientais”, e na constelação de
motivos dos seus cidadãos, mas, contudo, ele não alteraria – nem poderia – o que cada
indivíduo é e quer, mostrando apenas um melhor meio para que cada um alcance seus
261
______. A era das revoluções: 1789-1848. 32. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2013.
TERRA, R. Kant & o direito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. (Coleção
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