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NA SALA DE AULA

Ensinar Genética e
Evolução por meio
de jogos didáticos:
superando concepções
alternativas de
professores de
ciências em
formação

Rita Campos1,2,
Maria da Conceição Vieira de Almeida Menezes3,
Magnólia Araújo
1
Universidade de Coimbra, CES - Centro de Estudos Sociais,
Colégio de S. Jerónimo, Coimbra, Portugal
2
CIBIO, Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos
Genéticos, Universidade do Porto, InBIO
3
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Campus
Universitário Central, Mossoró/RN
4
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN

Autor para correspondência: rita.ml.campos@gmail.com

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Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

A experiência desenvolvida e apresenta-


da neste artigo descreve um curso de
formação de professores que se deu no âm-
bito de uma colaboração internacional em
educação científica/divulgação das ciências
envolvendo pesquisadores de Portugal e
do Brasil. Alunos de licenciaturas nas áre-
as das ciências naturais participaram do
curso, que teve o objetivo de introduzir os
temas de Genética Populacional e Biolo-
gia Evolutiva utilizando metodologias de
aprendizagem ativa - "active learning", uma
estratégia de aprendizagem que requer
uma participação ativa do estudante no
processo de aprendizagem.

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GENÉTICA, BIODIVERSIDADE conteúdos, evitando que o estudo da vida


seja uma coleção de fatos com os conteúdos
E EVOLUÇÃO COMO “arrumados em gavetas” (SÁ-PINTO et al.,
TEMAS DIFÍCEIS DE 2014). Parte deste estudo lida com as ques-
ENSINAR E APRENDER tões da classificação dos seres vivos e das re-
No ensino de biologia muito se tem discuti- lações que estabelecem entre si e com o meio
do sobre as dificuldades que o aluno apresen- ambiente, fornecendo dados fundamentais
ta para aprender conceitos científicos e entre para lidar com perturbações ambientais,
essas dificuldades as concepções alternativas compreendendo os seus impactos e definin-
têm contribuído para dificultar o processo do estratégias de conservação e gestão da
de ensino e aprendizagem dos alunos. Essas biodiversidade.
concepções alternativas podem ser definidas Esforços para se compreender e caracterizar
como construções pessoais dos alunos que se melhor os táxons podem ser complementa-
formam de maneira espontânea, oriundas de dos pela utilização de conhecimentos da ge-
suas interações cotidianas com o mundo. Li- nética, mais especificamente da genética po-
dar com essas concepções, em especial quan- pulacional. Isso permite avaliar o potencial
do se trata de conteúdo relacionado com ecológico de determinadas áreas e planejar
evolução biológica, tem sido um desafio pois, ações de conservação para serem ali desen-
muitas vezes, os próprios docentes apresen- volvidas. Nesse sentido, a genética permite,
tam concepções alternativas que são resisten- por exemplo, avaliar o impacto de tamanhos
tes e que não foram confrontadas com outras populacionais reduzidos sobre variações fun-
perspectivas durante seu curso de formação cionais importantes, ligando a dinâmica de-
inicial, o que contribui para tornar o ensino mográfica da população com questões como
desse conteúdo ainda mais difícil na escola. adaptação e aptidão, compreender a extensão
Os conceitos biológicos são fontes de muitas da interação entre genes e o ambiente, ou o
das dificuldades para os alunos, e isso pode impacto da deriva gênica ou da endogamia
servir de incentivo para que os professores no pool genético de populações ou unidades
busquem novas formas de organizar e abor- de gestão. Isso ressalta a importância central
dar os conteúdos, adaptando-os aos interes- de se reconhecer o status de identidade dos
ses e à capacidades dos aprendizes. Utilizar taxa habitando áreas protegidas.
materiais diversificados pode ser uma forma
de contribuir para a aprendizagem significa- PERCURSO METODOLÓGICO:
tiva e a redução das dificuldades de apren-
dizagem desses conteúdos. Por exemplo, a
ABORDAGEM DADA À
utilização de jogos didáticos que potenciali- DISCUSSÃO DO TEMA E AO
zem a participação ativa dos alunos e assim USO DOS JOGOS NO ENSINO
estimulem a aprendizagem ativa que auxilia a O curso foi organizado em três etapas que
construção autônoma do conhecimento por poderão ser replicadas em sala de aula. A
via do que os alunos veem acontecer. Dessa primeira consistiu na discussão dos temas
forma, ao trocar a exposição teórica dos con- de forma introdutória a partir de questio-
ceitos por uma abordagem ativa dos mes- namentos; levantamento de concepções por
mos, os professores também ganham tempo meio de questionários e verificação de con-
e oportunidades para discutir os conteúdos e ceitos errôneos. Na segunda etapa, fez-se
perceber eventuais dificuldades de aprendi- uma apresentação, explicação e execução de
zagem dos alunos. cada jogo, destacando os aspectos importan-
tes e deixando tempo para os alunos coloca-
IMPORTÂNCIA DE rem suas dúvidas e levantarem novas possi-
RELACIONAR QUESTÕES bilidades de uso dos jogos. Por fim, a terceira
AMBIENTAIS COM etapa constituiu-se de uma discussão sobre
as possibilidades de usos do jogo com os fu-
GENÉTICA E EVOLUÇÃO turos alunos e uma avaliação geral dos jogos
A evolução é um tema transversal da biolo- e da proposta de percurso metodológico.
gia, permitindo compreender e relacionar

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a. Diagnóstico de concepções biológica e as respostas foram discutidas


alternativas e breve introdução no grande grupo. Nesta etapa, os conceitos
teórica dos conceitos específicos sobre evolução e mecanismos
evolutivos não são aprofundados, privile-
Os questionários distribuídos na primeira giando-se uma discussão a partir da even-
etapa do curso foram elaborados para ava- tual diversidade de conhecimentos sobre
liar o conhecimento e a aceitação da evolu- o tema que os alunos tenham, guardando
ção. Tiveram como objetivo a identificação para a etapa seguinte - a utilização dos jo-
de concepções alternativas sobre evolução gos - uma abordagem mais aprofundada
entre os participantes do curso e simul- sobre os conteúdos de evolução.
taneamente estimular um debate sobre o
desenvolvimento e persistência dessas con- Tratando-se de um curso de formação de
cepções entre os alunos do ensino médio professores, optou-se por organizar a dis-
e fundamental. No processo de ensino e cussão antes da apresentação e da utiliza-
aprendizagem é importante partir desses ção dos jogos, mas, noutros contextos, o
conhecimentos prévios que os aprendentes professor pode optar por utilizar primeiro
trazem como forma de se trabalhar suas os jogos e organizar uma discussão sobre
ideias que podem ser alternativas aos con- evolução, metodologias de estudo da va-
ceitos científicos atualmente aceitos. riabilidade genéticas das populações e suas
aplicações (ver parágrafos seguintes) em
Focou-se a discussão na importância do aulas posteriores.
professor estar consciente desse problema
para assim, por meio de linguagem ade- A discussão dá também o mote para se
quada, trabalhar os conceitos associados debater a importância do ensino da teoria
ao ensino da genética populacional e biolo- da evolução desde os primeiros anos do
gia evolutiva de forma a promover a com- ensino médio. A contextualização precoce
preensão, por parte dos aprendentes, das ajuda a uma correta compreensão da evo-
ideias cientificamente aceitas na interface lução biológica, o que, por sua vez, facilita
com aquelas geradas por suas experiências a compreensão de fenômenos com grande
pessoais. impacto social como, por exemplo o apa-
recimento de bactérias resistentes aos an-
Optou-se ainda por abrir um espaço de tibióticos ou estirpes novas e patogênicas
debate sobre a relevância do ensino sobre de vírus, ou outras aplicações que têm por
evolução. Neste espaço foi possível discu- base os conceitos ou as ferramentas meto-
tir as diferentes aplicações dos conceitos dológicas associadas à teoria da evolução,
evolutivos e das ferramentas metodológi- como as múltiplas aplicações dos algorit-
cas desenvolvidas no âmbito de pesquisas mos evolutivos
sobre genética populacional e biologia evo-
lutiva em diversos campos da sociedade, Ainda numa fase introdutória, foram apre-
como a medicina, a agricultura ou a enge- sentadas algumas noções básicas de genéti-
nharia. A definição de evolução biológica ca populacional e hereditariedade - origem
diz-nos tratar-se de alterações nas caracte- e tipos de mutação, transmissão de muta-
rísticas hereditárias dos elementos de uma ções nucleares e mitocondriais, métodos
população ao longo das gerações. Logo, a laboratoriais para detectar e quantificar
existência de variabilidade intraespecífica variabilidade genética - e de como este
nas populações é fundamental para que conhecimento pode, por exemplo, ajudar
as populações evoluam. Frequentemente a a perceber a capacidade de adaptação de
diversidade é negligenciada, saindo favore- uma espécie a alterações ambientais para
cidos apenas os exemplos de adaptação, o um desenho adequado de medidas de con-
que reduz a teoria da evolução à evolução servação - genética (e genômica) da conser-
por seleção natural. vação.
Os participantes foram questionados so- Por fim, apresentou-se um modelo de re-
bre diferentes conteúdos relacionados com curso didático que faz uso de um caso de
evolução e sobre como definiriam evolução estudo recente - a evolução de quatro espé-

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cies de lebres na Península Ibérica (https:// Os jogos foram pensados para turmas de
cibio.up.pt/upload/filemanager/Mini-Li- 25 a 30 alunos mas já foram testados com
vro_LebresFantasmasPT_Nov2015.pdf ) números mais elevados de alunos. Nesses
- para exemplificar os diferentes conceitos casos, cabe ao professor gerir as participa-
que se cruzam no ensino da genética po- ções, tentando fazer com que todos os alu-
pulacional e evolução, e de como os jogos nos tenham um papel ativo durante as fases
educativos podem auxiliar a compreensão em que estão efetivamente a jogar ou nas
de assuntos potencialmente complexos. fases em que estão a anotar os resultados e
a debater o que se vai alterando no cenário.
b. A utilização de jogos
Idealmente cada jogo ocupará um período
como estratégia didática de 60 minutos; esse tempo poderá ser ajus-
Durante a segunda etapa, a utilização tado em função do número de alunos na
dos jogos seguiu uma estrutura já testa- turma: mais alunos implicará em aumento
da (CAMPOS; SÁ-PINTO, 2013) e que do tempo para cada jogo, para que cada alu-
compreende um percurso educativo que se no tenha oportunidade de participar.
inicia na discussão sobre a existência de va- No exemplo aqui relatado, a turma era
riabilidade genética dentro das populações composta por 19 professores em formação
e sobre a transmissão hereditária dessa va- e cada jogo ocupou entre 60 a 90 minutos;
riabilidade, que passa pelos mecanismos incluiu-se também uma pequena sessão
evolutivos que alteram as proporções das para que os alunos pudessem refletir sobre
diferentes características hereditárias nas as diferenças encontradas entre a aprendi-
populações e termina num debate sobre a zagem anterior dos conteúdos trabalhados
origem e diversificação das espécies, invo- em cada jogo e a aprendizagem que resultou
cando todos os conceitos anteriormente de terem participado do jogo, trabalhando
abordados. especificamente as concepções alternativas
Depois de discutidas as concepções alter- descritas nos pontos seguintes.
nativas, os conceitos e as aplicações da ge-
c. Discussão geral e avaliação
nética populacional e evolução, passou-se à
utilização dos jogos e à realização de deba-
da metodologia utilizada
tes sobre as suas aplicações em contexto de Não terceira etapa, ao final das atividades,
sala de aula ou espaços de educação não- os participantes partilharam as suas im-
-formal. Estes jogos estão descritos sem de- pressões sobre os jogos e suas potenciali-
talhes em SÁ-PINTO; CAMPOS, 2012; dades no ensino e aprendizagem de con-
CAMPOS; SÁ-PINTO, 2013; SÁ-PIN- teúdos de genética populacional, evolução
TO et al., 2017. A referência às concepções e biodiversidade. Fizeram também uma
alternativas segue os exemplos listados em breve avaliação sobre o uso dos jogos, com
CAMPOS et al., 2013 e CAMPOS et al., base num pequeno questionário, através do
2017. qual expressaram suas opiniões.
Em cada jogo, os alunos foram primeiro
informados sobre as regras, após o que to- DESCRIÇÃO DOS JOGOS:
dos foram convidados a participar. Impor- JUSTIFICATIVAS E
ta realçar que todas as aulas dessa etapa MODO DE UTILIZAÇÃO
foram iniciadas com os jogos, sem incluir
Jogo 1: Analisando a variabilidade gênica
apresentações teóricas dos conceitos es-
numa população – Pedir aos alunos que
pecíficos que cada jogo permite explorar.
selecionem fotografias de vários membros
O professor apenas facilitou a discussão
da própria família e as disponham num
a partir dos resultados que se vão obten-
formato de árvore genealógica (Figura 1).
do à medida que o jogo decorre, de forma
a que sejam os próprios alunos a definir A análise detalhada de um conjunto de ca-
e aplicar os conceitos, de acordo com os racterísticas hereditárias, como a cor dos
pressupostos da metodologia de aprendi- olhos, dos cabelos ou a presença/ausência
zagem ativa. de cova no queixo, pode começar por ser

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feita individualmente, chamando a aten- é influenciada por um lócus do tipo Men-


ção para a existência de alelos dominantes deliano”). Uma forma dinâmica de fazer
e recessivos, passando para a análise do esse alerta consiste em ir agrupando os
conjunto, alertando para a independência diferentes elementos da árvore genealógica
na transmissão das diferentes caracterís- de acordo com uma só característica e ver
ticas (com alunos que já compreenderam como a composição dos grupos muda. Por
os conceitos básicos), pode-se discutir as exemplo, os membros do grupo “cabelo cas-
exceções às leis de Mendel, combatendo a tanho” não serão os mesmos do grupo “sem
concepção alternativa “Cada característica cova no queixo”.

Figura 1.
Esquema de uma árvore
genealógica usado para explorar
o conceito de diversidade
intraespecífica. Em relação Tomando o conjunto, e em particular falar de resistência a doenças. Não é uma
ao aluno, assinalado com a usando genealogias que mostram ances- característica que se veja numa genealogia
caixa “EU”, mostram-se três trais mais distantes, pode-se discutir uma mas pode haver quem saiba de antepassa-
gerações, nas quais com a das concepções alternativas frequentes - “os dos que tenham morrido por doenças que
ajuda de fotografias, poderão
ser identificadas semelhanças e
seres humanos não estão em evolução” - hoje se tratam, por falta de imunidade, ou
diferenças. Destacam-se ainda analisando com detalhe as alterações que de alterações de dieta (se o professor assim
dois ancestrais: em vermelho, se verificam nos diferentes membros da o entender, pode aproveitar o tópico para
o ancestral que partilha com genealogia ao longo das gerações. Con- referir uma área de investigação inovadora,
o indivíduo familiarmente vém alertar que nesse ponto não devemos que é o estudo genético do metagenoma
mais próximo, assinalado com
a caixa “Irmã”, e em amarelo referir as características que aparecem e formado pelos genomas humanos e os ge-
o ancestral que partilha com desaparecem (por exemplo, características nomas das bactérias que constituem a flora
indivíduos familiarmente mais determinadas por alelos recessivos), mas intestinal).
afastados, assinalados com as sim alterações que se possam considerar
caixas “Primo” e “Prima”. Finalizando as análises, importa discutir a
definitivas. Um exemplo poderá ser a al-
relação positiva que geralmente se obser-
tura. Embora essa seja uma característica
va entre proximidade genealógica e taxa
multifatorial, sabe-se que muitas popula-
de semelhanças: quanto maior o grau de
ções humanas estão mais altas e isso pode
parentesco, mais semelhanças esperamos
ser visto como uma evidência da evolução
encontrar. Em casos em que essa relação
(CAMPOS et al., 2013). Pode-se também
não se apresente tão evidente, o professor

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poderá orientar a análise para o conjunto Depois de nova discussão sobre o resultado
de todas as genealogias e verificar assim da predação, simula-se uma alteração am-
que, de um modo geral, a relação positiva biental, como a construção de uma fábrica
referida é verificável. Um caso particular que liberta fuligem para a vegetação, subs-
a ter em atenção é a existência de alunos tituindo a caixa com as bolas coloridas por
adotados ou de famílias monoparentais. uma caixa com bolas todas da mesma cor
Nesses casos, a atividade poderá ser reali- (tendo o cuidado de usar uma cor igual a
zada recorrendo a famílias conhecidas para uma das cores dos discos; (Figura 2B). Rei-
as quais se consigam imagens de várias ge- nicia-se o jogo colocando o mesmo número
rações nos meios de comunicação social. de discos de cada cor na caixa e misturan-
do. Pede-se aos jogadores que apanhem os
Jogo 2: Simulando adaptação em situa-
discos, comparando e discutindo sobre as
ções de alterações ambientais – Dos três
cores que foram apanhadas e as cores que
principais mecanismos evolutivos - seleção
ficaram na caixa e simulando uma nova ge-
natural, deriva genética e seleção sexual - a
ração (Figura 2C).
seleção natural é o mais conhecido. Mas, o
conhecimento está muitas vezes associado Repetem-se esses passos duas a três ve-
a um desconhecimento sobre o seu modo zes. Nessa altura será possível observar
de funcionamento e de que forma influen- que os discos de cor igual à do novo meio
cia a trajetória evolutiva das populações. ambiente estão aumentando em número
(Figura 2D). Ou seja, ao contrário do que
Esse jogo baseia-se no exemplo clássico da
acontecia na simulação anterior, em que
mariposa Biston betularia para demonstrar
as alterações das frequências eram aleató-
como a seleção natural atua sobre uma de-
rias, na simulação posterior nota-se uma
terminada característica, fazendo alterar as
direcionalidade que favorece uma das ca-
frequências gênicas numa população. Em-
racterísticas, fazendo-a aumentar em fre-
bora o exemplo de base seja uma alteração
quência na população ao longo das gera-
ambiental induzida pela poluição indus-
ções. Nesse momento, é importante fazer
trial, pode-se utilizar qualquer exemplo
os alunos notarem tal fato e consequen-
de perturbação ambiental, mediada ou não
temente chegarão autonomamente a uma
pelo ser humano.
definição de evolução por seleção natural.
Para facilitar a discussão sobre seleção Nessa fase, sugere-se que a discussão seja
natural e potencial adaptativo, inicia-se o orientada para realçar o fato de a popula-
jogo num “meio ambiente” natural, hetero- ção ter se adaptado ao novo ambiente, mas
gêneo. Numa caixa cheia de bolas coloridas ter perdido quase toda a sua diversidade.
- o meio ambiente - colocam-se seis discos Continuando o jogo simulando um novo
também coloridos - as presas (Figura 2A). ambiente, usando-se, por exemplo, bolas
Depois de misturar bolas e discos, pede-se verdes, os alunos verão como a profunda
aos alunos - os predadores - que apanhem perda de diversidade compromete a sobre-
o máximo de discos em cerca de cinco se- vivência da população (Figura 2E).
gundos. Depois de três alunos terem apa-
A utilização do novo meio ambiente ajuda
nhado os discos, retiram-se os que ficaram
também a criar um espaço para debater al-
na caixa e comparam-se as características
gumas das mais frequentes concepções al-
dos que foram apanhados e dos que fica-
ternativas relacionadas com o modo como
ram, ressaltando o papel do acaso nessa
atua a seleção natural -“a evolução resulta
“predação”.
no progresso; através da evolução, os orga-
Simula-se a geração seguinte substituindo nismos estão em contínuo aperfeiçoamen-
cada disco que não foi apanhado - os “pais” to”, “seleção natural implica que os organis-
- por dois discos com a mesma cor - os “fi- mos tentem adaptar-se”, “a seleção natural
lhos”. Repete-se a predação e a comparação, dá aos organismos o que eles precisam”, “os
dessa vez comparando também a distribui- seres vivos adaptam-se às condições am-
ção das frequências genéticas entre as duas bientais”, “os seres humanos não podem im-
gerações. pactar negativamente os ecossistemas por-

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Figura 2.
Principais passos do jogo sobre
seleção natural. A: Separar seis
discos de cinco cores diferentes,
misturá-los num meio colorido
(caixa com bolas coloridas) e
simular dois a três eventos de que as espécies evoluirão de acordo com o mento da concepção alternativa “Os or-
predação. B: Reiniciar o jogo que precisam para sobreviver” ou “qualquer ganismos podem evoluir durante o seu
num ambiente homogêneo
(por exemplo, uma floresta interferência dos seres humanos sobre ou- tempo de vida”. Essas simulações ajudam
depois de um grande incêndio; tros seres vivos é seleção artificial”. também a discutir a natureza da ciência
caixa com bolas amarelas). C: e o enquadramento da teoria da evolu-
No final de cada dois a três
Por fim, repetindo o jogo dividindo os par-
ção no conhecimento científico, por vezes
eventos de predação, comparar ticipantes em dois grupos e dando a cada
mal compreendido (seguindo a concepção
os indivíduos que foram grupo um “meio ambiente” diferente, é pos-
apanhados - “mortos” - com alternativa “A evolução não é ciência por-
sível comparar o resultado da seleção natu-
os que são “sobreviventes”; que não pode ser observada ou testada”),
ral sobre a população original e de como as
simular uma nova geração salientando o aspecto experimental dos
através da reprodução desses duas novas populações, que se adaptaram
jogos e de como podem equiparar-se a ex-
últimos de acordo com a regra a meios diferentes, são tão diferentes uma
periências com organismos com tempos de
1 progenitor: 2 crias iguais a da outra e da população original. Ou seja,
ele. D: Ao longo das gerações geração muito curtos (como, por exemplo,
é possível ver como, ao longo das gerações
podemos observar alterações bactérias ou moscas do gênero Drosophila).
nas frequências das diferentes
e sujeitos a pressões seletivas diferentes,
cores na população - evolução as populações vão se diferenciando sob a Jogo 3: Aleatoriedade na alteração das
biológica; notar que a cor que ação da seleção natural, originando novas frequências gênicas - Ao contrário da
mais aumenta em frequência espécies. Essa discussão ajuda também a seleção natural, a deriva genética é um
é aquela que é semelhante à
combater a concepção alternativa “A partir mecanismo pouco valorizado como força
cor do novo meio - evolução
biológica por seleção natural. de um mesmo ancestral, devido à diferença evolutiva. No entanto, e particularmen-
E: Simular uma nova alteração entre os indivíduos, ocorre divergência en- te quando as populações são pequenas, é
ambiental (por exemplo, tre os organismos que colonizam diferen- um mecanismo poderoso, que pode alterar
uma extensa plantação de tes habitats”. profundamente as frequências genéticas de
eucaliptos; caixa com bolas
uma população. Alguns exemplos interes-
verdes) e recomeçar o jogo Ao simular as gerações e ao observar as
com uma população com muito santes para despertar o interesse dos alu-
alterações na população ao longo das ge-
baixa diversidade genética - a nos por tal mecanismo vêm de populações
população que se adaptou ao
rações, pode-se minimizar o desenvolvi-
humanas isoladas. O papel da deriva gené-
meio anterior.

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tica é também importante para a genética Para simular uma redução drástica de efe-
da conservação uma vez que as populações tivo populacional e poder observar o efeito
ameaçadas de extinção têm habitualmente da deriva genética sobre o fundo genético
um efetivo populacional baixo ou em declí- de uma população, usamos um cenário de
nio, fazendo com que estejam mais sujeitas fragmentação do habitat por interferência
à ação da deriva genética. Por outro lado, os humana. Qualquer cenário de perturbação
parâmetros demográficos das populações ambiental que conduza à redução do efeti-
determinados pela sua análise genética são vo populacional pode ser usado, apenas su-
estimados assumindo a neutralidade, ou gerimos que a simulação inclua pelo menos
seja, que as alterações na composição ge- duas populações, com efetivos diferentes,
nética das populações ocorrem por deriva para que se possa comparar as duas traje-
genética. tórias evolutivas.

Figura 3.
Principais passos do jogo sobre
deriva gênica. A: Separar seis
elementos (borboletas de
madeira, neste caso) de cinco
cores diferentes e espalhá-los
aleatoriamente sobre um
meio ambiente (pedaço de
tecido quadrado). B: Simular
a construção de uma barreira
física (estrada asfaltada)
colocando aleatoriamente
uma faixa de tecido sobre o
meio. Para mostrar o efeito
da deriva em populações com
diferentes tamanhos, colocar
a faixa de maneira a ficar com
duas populações com efetivos
populacionais diferentes. Nesse
passo, eliminar do jogo os
elementos que ficaram total ou
parcialmente por baixo da faixa
(considerar que “morreram”).
C: Simular uma nova geração
em cada população através
da reprodução de metade dos
indivíduos de cada população
de acordo com a regra 1
progenitor: 2 crias iguais a
ele; usar sacos opacos para
escolher quais os indivíduos
A introdução de uma barreira - uma au- de tecido sobre o habitat (Figura 3B). A que se reproduzirão em cada
toestrada de múltiplas vias - num habitat faixa dividirá o habitat em dois, uma par- população e em cada geração.
D: Ao longo das gerações,
“pano” - um pedaço de tecido - levará à re- te menor do que a outra, e as borboletas observar alterações nas
dução do habitat original de uma popula- que ficaram por baixo da faixa são retira- frequências das diferentes cores
ção de borboletas e ao isolamento das no- das do jogo - morreram. Ao comparar as em cada população - evolução
vas subpopulações. Para isso espalham-se duas novas populações uma com a outra, biológica; notar que essas
igual número de borboletas de cores dife- e cada uma com a população original, per- alterações ocorrem de forma
aleatória - evolução biológica
rentes sobre um pano - o habitat (Figu- cebe-se que ficaram diferentes e que a al- por deriva gênica - e que são
ra 3A) - e pede-se a um participante que teração das frequências deu-se de forma mais drásticas na população
construa a estrada colocando uma faixa aleatória. com menos indivíduos.

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Para simular a geração seguinte de forma alunos a combaterem a concepção alter-


também aleatória, colocam-se as borbo- nativa frequente “A deriva genética ocorre
letas de uma das populações num saco apenas em populações pequenas”. Ou seja,
opaco e retira-se apenas metade - a fração esse mecanismo evolutivo ocorre sempre,
da população que se reproduzirá (Figura independente do tamanho da população,
3C). Simula-se a reprodução substituin- mas o seu impacto é maior e muitas vezes
do cada uma dessas borboletas por duas apenas perceptível em populações peque-
iguais a elas. Repete-se com as borboletas nas.
da outra população e retoma-se a discus-
Jogo 4: Destacando a importância da re-
são sobre as semelhanças e diferenças en-
produção na evolução – A sobrevivência
tre as duas novas populações.
dos indivíduos é frequentemente invocada
Simulam-se novas gerações repetindo como o atributo-chave para que a seleção
os mesmos passos, criando espaços para natural atue. No entanto, uma observação
observar e discutir as alterações nas fre- mais atenta sobre diversas características
quências genéticas das duas populações e presentes em alguns indivíduos de muitas
na forma como a alteração ocorre em cada espécies mostra-nos que, muitas vezes, a
uma - é esperada uma maior alteração, seleção favorece o que parece ser prejudi-
com perda mais acentuada de variantes cial para a sobrevivência dos indivíduos,
genéticos, na população menor (Figura como a exibição de cores ou de comporta-
3D). Nessa altura pode-se enriquecer a mentos conspícuos ou a presença de gran-
discussão comparando os resultados des- des hastes ou outras protuberâncias. Dar-
se jogo com os obtidos no jogo da seleção win debruçou-se sobre essa questão tendo
natural, realçando a relação entre diversi- concluído que, nesses casos, atuava uma
dade genética e a capacidade de cada uma forma diferente de seleção que favorecia
das duas novas populações se adaptarem especificamente a reprodução dos indiví-
a alterações ambientais. Pode-se ainda duos, designada de seleção sexual.
debater os exemplos das populações hu-
Embora muitas vezes negligenciada nos
manas atribuindo a cada cor uma função
currículos escolares, ao ponto de não se
relacionada com uma doença humana,
encontrar informação sobre concepções
explicando assim a prevalência de algu-
alternativas sobre ela, a seleção sexual aju-
mas patologias em certas populações (ver
da os alunos a perceberem o conceito de
exemplos em CAMPOS et al., 2014).
aptidão (evolutiva) e de como o conceito
Para debater o efeito da deriva genética na relaciona-se com a capacidade adaptati-
formação de novas espécies, pode-se usar va dos indivíduos e das populações. Pes-
o mesmo cenário ou simular a coloniza- quisas recentes têm também mostrado a
ção de dois ou mais novos habitats (por influência desse mecanismo na formação
exemplo, ilhas), o que normalmente se das espécies.
faz com poucos indivíduos da população
Por meio de jogos é possível simular dois
original, e seguir a trajetória evolutiva das
tipos de seleção sexual - seleção inter (es-
novas populações e da população original
colha do parceiro) e intra-sexual (compe-
de acordo com as instruções para o jogo
tição pelo parceiro) - e criar espaços de
da fragmentação do habitat. Para manter
discussão sobre o impacto desse mecanis-
a aleatoriedade no processo de coloniza-
mo na evolução.
ção, as borboletas que irão para cada novo
habitat devem ser retiradas de dentro de Para simular um cenário de escolha do
um saco opaco. parceiro usa-se um conjunto de másca-
ras com graus de coloração diferentes, do
Orientando as discussões no sentido das
branco ao muito colorido. Espalham-se
comparações entre as duas novas popula-
as máscaras - indivíduos de um dos se-
ções e entre essas e a população original, e
xos - sobre uma superfície lisa e pede-se
dando ênfase na aleatoriedade e na ampli-
a cada participante - indivíduos do outro
tude das alterações verificadas, ajuda-se os
sexo - que escolha aquela que lhe parecer

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Figura 4.
Principais passos do jogo sobre
seleção sexual. A: Separar
um número equivalente de
máscaras de cinco cores
diferentes e espalhá-las
mais apelativa. Feitos os pares, pode-se divíduos de um dos sexos - e as máscaras numa superfície lisa; cada
discutir os motivos das escolhas, após o - indivíduos do outro sexo. O número de aluno deverá escolher uma
máscara de acordo com a
que se simula uma nova geração: cada par máscaras deverá ser metade do número de preferência. B: Comparar as
deixa três filhos, dois iguais à máscara e balões. De forma aleatória, distribuem-se máscaras que foram escolhidas
um igual ao participante. os balões entre os participantes e cada par (“sobreviventes”) - as que
de participantes deverá “combater” entre si se reproduzirão e contribuir
Discute-se a nova população, do ponto para a geração seguinte - com
pelo acesso à máscara. Ganha o combate
de vista da sua composição, em relação ao as que não foram escolhidas
o participante que tiver tocado três vezes (“mortos”) - não se reproduzem
tipo de máscaras. Repete-se a escolha e a
com o balão no outro participante e ape- e por isso as suas características
reprodução e observam-se as diferenças a
nas esse se reproduz. Simula-se a nova ge- não estarão representadas na
cada nova geração. Espera-se que os indi- geração seguinte. C: Simular
ração com cada par balão-máscara substi-
víduos mais coloridos tenham sido prefe- as novas gerações através
tuindo o balão por dois de igual tamanho
rencialmente escolhidos, levando a que a da reprodução das máscaras
e a máscara, por uma igual. Repetem-se os escolhidas de acordo com a
frequência dessa característica tenha au-
combates e as gerações, discutindo o modo regra 1 progenitor: 2 crias iguais
mentado a cada nova geração. Podem-se a ele. D: Ao logo das gerações
como a composição da população está se
simular outros cenários alterando o nú- podemos observar alterações
alterando quando observada a diversidade
mero inicial de máscaras ou as regras para nas frequências das diferentes
de tamanhos dos balões. Espera-se que a cores na população - evolução
a escolha do parceiro.
frequência dos balões mais compridos te- biológica; notar que a cor que
Para simular seleção sexual por compe- nha aumentado, demonstrando a ação da mais aumenta em frequência
tição entre parceiros utilizam-se balões seleção sexual sobre esse tipo de caracte- é aquela que é mais escolhida
alongados com diferentes tamanhos - in- em cada geração - evolução
rística. biológica por seleção sexual.

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Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Considerando a pouca importância atri- to, e assim sucessivamente, até todas as


buída à seleção sexual no ensino da evolu- espécies e pares estarem ligados.
ção, estes jogos promovem um maior re-
Fazendo um paralelismo entre o esque-
conhecimento sobre este tipo de seleção e
ma desenhado (Figura 5D) e a árvore
facilitam o debate sobre as várias caracte-
genealógica do primeiro jogo (Figura 1),
rísticas (como a morfologia ou o compor-
orienta-se a discussão para a forma como
tamento) e momentos (pré e pós-cópula)
as diferentes espécies partilham ances-
que evoluem sob a ação da seleção sexual.
trais comuns mais ou menos recentes e
Jogo 5: Classificando organismos com de como essa diferença para os diferentes
base em suas semelhanças e diferenças ancestrais se reflete nas diferenças e se-
– Embora seja mais fácil de observar o melhanças entre elas. Na utilização dessa
efeito dos mecanismos evolutivos a longo analogia, o professor deve ter em atenção
prazo, na miríade de espécies que habitam as diferenças fundamentais entre uma ge-
ou habitaram o planeta, os alunos sentem nealogia e uma filogenia. Por exemplo, na
muitas vezes dificuldade em compreender árvore genealógica os ancestrais podem
os processos numa escala macro evolutiva. coexistir com os seus descendentes mas
A construção autônoma das relações evo- tal não se verifica na árvore filogenética.
lutivas entre espécies pode ser um primei-
Relembrando o modo como os diferen-
ro passo para uma correta interpretação
tes mecanismos evolutivos atuam sobre o
dos diagramas usados para representar
fundo genético das populações, discute-se
essas relações - genericamente designadas
a relação positiva entre tempo de diver-
por árvores evolutivas ou filogenéticas - e
gência entre duas populações ou espécies
a integração dos diferentes mecanismos
e o grau de diferenças acumuladas: espe-
evolutivos numa escala temporal alargada.
ra-se que espécies que divergiram há mais
Este jogo inicia-se espalhando um con- tempo - logo, partilham um ancestral co-
junto de imagens de várias espécies numa mum mais antigo - sejam mais diferentes
superfície lisa (Figura 5A) e pedindo aos entre si que espécies que se separaram há
participantes que escolham um par de menos tempo - partilham um ancestral
espécies que sejam mais semelhantes en- comum mais recente. Alertar os partici-
tre si do que com qualquer outra espécie. pantes para o fato de haver diferentes an-
Repete-se esse passo até todas as espécies cestrais na árvore que se desenhou, traba-
estarem emparelhadas (Figura 5B). Suge- lhando assim a concepção alternativa “as
re-se a criação de um espaço de discussão espécies só têm um ancestral comum que
para observação cuidada das principais é o representado na filogenia como o nó
características que foram usadas para mais recente”.
agrupar as espécies. Depois desse primei-
O desenho do esquema ajuda também a
ro emparelhamento, os participantes de-
combater diferentes concepções alterna-
vem formar pares usando os pares já feitos
tivas relacionadas com a interpretação de
e o mesmo critério de semelhanças. Repe-
árvores evolutivas, como “taxa que são ad-
te-se o passo até todas as espécies forma-
jacentes nas pontas de uma filogenia são
rem um só grupo - o grupo dos seres vivos
mais próximos entre si do que com qual-
- tendo o cuidado de manter sempre um
quer outra taxa em pontas mais distantes
diálogo sobre os critérios utilizados nos
da filogenia” ou “taxa que aparecem perto
emparelhamentos (Figura 5C).
da ponta ou no lado direito da filogenia
Selecionam-se alguns grupos e, num qua- são mais evoluídos que os outros organis-
dro ou numa folha de papel, desenha-se mos na árvore”. Este jogo facilita ainda a
um esquema que mostre a ordem com desconstrução das concepções alternati-
que as espécies foram emparelhadas: na vas relativas à origem do ser humano e a
linha debaixo ficam as espécies, na linha sua relação filogenética com os restantes
imediatamente acima desenham-se linhas primatas (“os humanos são descendentes
que representem o primeiro agrupamen- diretos dos macacos”).

Sociedade Brasileira de Genética 35


NA SALA DE AULA

Por fim, o jogo pode também ser usado Esse último exemplo e o das lebres ibéri-
para debater conceitos mais complexos, cas, ou qualquer outro caso de especiação
como convergência evolutiva, ou a impor- rápida, são úteis para uma discussão sobre
tância de se usar diferentes marcadores o processo de formação de espécies e para
para identificar e classificar as espécies, debater a concepção alternativa “As espé-
como o caso das espécies críticas, bastan- cies são entidades naturais distintas, com
do, para tal, selecionar espécies que exem- uma definição clara, e que são facilmente
plifiquem os casos que se pretende abordar. identificáveis por qualquer pessoa”.

Figura 5.
Principais passos do jogo sobre sistemática. A: Selecionar algumas imagens de seres
vivos e espalhá-los sobre uma superfície lisa; neste exemplo, utilizaram-se 14 - 10
animais e 4 plantas. B: Agrupar os seres vivos em pares usando como critério terem
CONSIDERAÇÕES FINAIS mais semelhanças entre si do que com qualquer dos outros seres vivos. Neste exemplo
fica-se com sete pares: Primatas, Anfíbios caudata, Anfíbios, anura, Aves galiformes,
Os jogos aqui apresentados foram desen- Aves ciconiformes, Plantas angiospérmicas e Plantas pteridófitas. C: Repetir esse passo
volvidos para serem utilizados sem neces- agrupando os primeiros pares em grupos de quatro seres vivos até agrupar todas as
sidade de aulas teóricas introdutórias so- imagens, usando sempre o critério de maior semelhança; neste exemplo, chegaremos
primeiro aos grupos de Primatas, Anfíbios, Aves e Plantas e finalmente chegamos aos
bre evolução e mecanismos evolutivos pois
grupo de Animais e Plantas, terminando com o grupo único de todos os seres vivos.
o desenvolvimento do tema se faz durante D: Selecionar alguns exemplos e, num quadro (preferencialmente) ou folha de papel,
o seu desenlace e o professor tem opor- esquematizar a forma como os grupos foram organizados, usando um esquema com
tunidade de desenvolver o conteúdo na linhas retas. Usando a analogia com a árvore genealógica, notar que as semelhanças
interação com os alunos, durante as dis- entre seres vivos são, na maioria dos casos, um reflexo das suas relações evolutivas e do
tempo que decorreu desde que se separaram do último ancestral comum.
cussões. As discussões teóricas realizadas

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no início da sequência didática tiveram Todos os participantes declararam ter


apenas como finalidade abordar, de forma adquirido uma nova visão sobre os temas
muito resumida, alguns conceitos de ge- tratados e muitos destacaram, em espe-
nética e hereditariedade, para que em se- cial, o fato de poder reproduzi-los, pos-
guida os alunos possam contextualizá-los teriormente, como estratégia didática nas
durante os jogos, e criar uma oportunida- suas aulas de genética e evolução.
de de discutir com os futuros professores
de ciências a importância e relevância do REFERÊNCIAS
conhecimento sobre evolução em diferen- CAMPOS, R. (ed.) et al. (58 autores) Um livro
tes setores da sociedade. Nesta proposta, sobre evolução. CIBIO, Centro de Investiga-
a aula sobre os conceitos foi usada no iní- ção em Biodiversidade e Recursos Genéti-
cio mas o professor pode optar por fazer cos. Porto, Portugal, 2013.
essa aula no final, consolidando o conheci- CAMPOS, R. et al. (2014). Somos mutantes!
mento adquirido através dos jogos. Disponível em: <http://cibio.up.pt/resour-
A fala dos alunos durante a realização dos ces-1/details/exhibition-somos-mutantes >
Disponível em 20/06/2017.
jogos e discussões subsequentes foi usada
para avaliação informal da compreensão CAMPOS, R.; SÁ-PINTO, A. Early evolution
dos conceitos e da sua aplicação em di- of evolutionary thinking: teaching evolutio-
ferentes contextos, nomeadamente pela nary biology in elementary schools. Evolu-
proposta de cenários ambientais alterna- tion: Education and Outreach v.6, p.25, 2013.
tivos, com ligação próxima à comunidade SÁ-PINTO, X.; CAMPOS, R. As borboletas da
onde os participantes se inserem. floresta amarela. CIBIO, Centro de Investi-
gação em Biodiversidade e Recursos Gené-
A maioria dos participantes declarou, no ticos. Porto, Portugal. 2012.
questionário de avaliação do curso, que o
uso dos jogos, no modo como foi aborda- SÁ-PINTO, X.; CARDIA LOPES, P.; CAM-
POS, R. Sexual selection: a short review on
do, facilita a compreensão do tema que,
its causes and outcomes and activities to tea-
em princípio, muitos consideravam difícil ch evolution and the nature of science. The
de ser compreendido. Destaque-se que a American Biology Teacher, v.79, n.2, p.131-
dinâmica interativa dos jogos favorece es- 139, 2017.
paços de discussão mediada pelo profes-
SÁ-PINTO, X.; PONCE, R.; FONSECA, M.
sor, promovendo assim a construção do
J.; DE OLIVEIRA, P.; CAMPOS, R. Evo-
conhecimento por parte do aluno. lução biológica no dia-a-dia das escolas. Re-
Embora tenha havido uma discussão teó- vista de Ciência Elementar, v.2, n.3, p.21-25,
rica inicial, essa não abordava os conceitos 2014.
sobre evolução que os jogos permitem elu-
cidar, tais como as definições de evolução AGRADECIMENTOS
por seleção natural, por deriva genética e Rita Campos é apoiada pelo POCH - Pro-
por seleção sexual, e a macroevolução (sis- grama Operacional Capital Humano e por
temática), além das diferentes aplicações fundos do Fundo Social Europeu e do Mi-
desse conhecimento. A compreensão des- nistério da Ciência, Tecnologia e Ensino Su-
ses temas pôde ser constatada na medida perior (MCTES) de Portugal, via Fundação
em que muitos participantes destacaram para a Ciência e a Tecnologia (FCT; bolsa
a rápida internalização dos conceitos es- SFRH/BPD/110348/2015).
pecíficos abordados em cada jogo e a sua
As autoras agradecem aos participantes da
integração num campo de conhecimento
ação de formação, em particular à professora
mais alargado e em situações que lhes são
Rute Alves Sousa pelas discussões e comen-
próximas, o que foi proporcionado pela
tários que levaram à concepção deste artigo
dinâmica de questionamentos feitos du-
e a João Mateus e Deise Felix pela ajuda na
rante o desenvolvimento dos jogos, per-
produção das imagens. Agradecemos ainda à
mitindo desmistificar várias concepções
SEDIS/PROEX-UFRN pela viabilização
alternativas comuns.
financeira da ação.

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