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Problematização na Formulação de
Cosméticos

Vanessa Carneiro Leite


IFG

Artigo original publicado em: 2010


XVII Encontro Nacional de Ensino de Química (XVII ENEQ).
Oferecimento de obra científica e/ou literária com autorização do(s) autor(es) conforme Art. 5, inc. I da Lei de Direitos Autorais - Lei 9610/98

'10.37885/220207748
RESUMO

A problematização compreende uma abordagem fundamentada no pensamento freirea-


no, que busca superar o ensino tradicional, trabalhando os conhecimentos científicos
integrados ao contexto social dos alunos. A pesquisa pretendeu construir conhecimentos
de química a partir da abordagem problematizadora com alunos da 3ª série do ensino
médio de uma escola pública de Anápolis/GO, envolvendo a análise qualitativa de caráter
descritivo. Abordando o tema gerador “cosmético no cotidiano”, os resultados obtidos
apontaram: maior interesse dos alunos diante da compreensão dos conceitos de quími-
ca; postura mais participativa e ativa durante aula. e nesse sentido, vale ressaltar que a
partir da aula problematizadora, os alunos se integraram a um planejamento construído
de forma crítica e reflexiva, afastando-se do ato de transferir conhecimentos aos alunos
e aproximando-se do ensino libertador.

Palavras-chave: Paulo Freire, Experimentação, Química.

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INTRODUÇÃO

O ensino nas ciências exatas, principalmente no ensino de química, para muitos alu-
nos é vinculado à memorização de fórmulas, deduções matemáticas e modelos abstratos.
Esse modelo de ensino caracteriza-se por uma abordagem metodológica tradicional onde
os alunos são interpretados como sendo objetos e passivos, recebendo o conhecimento
transmitido pelo professor (FREIRE, 2011). Nesse mesmo sentido, Franco afirma:

Dentro desta concepção do conhecimento, a prática pedagógica consistirá basi-


camente na transmissão de conteúdos do professor ou de alguma máquina de
ensinar, para o aluno. Sendo assim o verdadeiro sujeito da aprendizagem não
é, neste caso, o aluno, mas o professor, aquele que planeja o ato de ensinar.
O aluno está reduzido a um mero objeto, resultado do trabalho do educador
(FRANCO, 1998, p. 19).

Segundo a concepção de Freire (2011), o ensino tradicional conhecido por ensino ban-
cário, supervaloriza a quantidade de conteúdo transmitido, sendo base fundamentadora para
a dicotomia entre o ensino que se produz na escola e a realidade do aluno. Nessa relação
fica clara a hierarquia entre o educador e o educando, o primeiro possui todo o saber, é o
sujeito da aprendizagem, aquele que deposita o conhecimento e o segundo, o objeto que
recebe o conhecimento. A educação nessa concepção forma indivíduos pouco questiona-
dores e submetidos à estrutura do poder vigente, que para nossa realidade, visa reproduzir
um ensino que leve a capacitar os alunos para o mercado de trabalho.
Neste contexto, o ensino bancário vem sendo utilizado por muitos professores que
tentam realizar a contextualização dos conteúdos de forma superficial, que mais se asseme-
lham a uma abordagem do cotidiano sem o compromisso com o real significado de assumir
tal postura. Nessa prática, há apenas a transmissão do conteúdo do professor (sujeito)
para o aluno (objeto) com exemplos que envolvem aplicações do cotidiano dos alunos, sem
envolvê-los de forma problematizadora no contexto em que se encontram. Dessa forma o
conhecimento científico ensinado é desvinculado do conhecimento sociocultural, induzindo
o aluno a não associar o que é abordado na sala de aula com o mundo que o cerca. Assim
como afirma Chassot (200, p. 126), “o conhecimento químico, tal como é usualmente trans-
mitido, desvinculado da realidade do aluno, significa muito pouco para ele”.
Nesse sentido, frente à situação delicada da educação no Brasil, é nítida a necessi-
dade de ferramentas e ações que busquem uma melhora do atual cenário. Nesse aspecto
a experimentação tem apresentado um importante papel para o envolvimento dos alunos,
uma vez que esta apresenta um método dinâmico de apresentação do ensino de química e
imprime significado ao que lhes é apresentado na escola. Segundo Giordan (1999), os pro-
fessores de ciências conhecem que a experimentação tem o importante papel de despertar
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o interesse e aumentar a capacidade de aprendizado dos alunos, em todos os níveis de
escolarização, desde que esta seja utilizada como ferramenta para que o aluno desenvolva
seu conhecimento, atuando ativamente, não como um roteiro pronto, onde o aluno mantém
sua postura passiva frente às atividades propostas. Nesse contexto, a experimentação pro-
blematizadora vem a ser utilizada para impulsionar uma postura mais participativa, a qual
possibilita o questionamento dos alunos frente às situações vivenciadas, criando e analisando
hipóteses e discutindo-as com o professor.
Dentre as diversas direções pesquisadas e discutidas, Bach (2011) menciona a proble-
matização como sendo uma possibilidade envolvente para levar o professor a assumir um
papel diretivo necessário para educar e transformar. Para Freire (1979), a problematização
pretende superar o modelo de ensino transmissão-recepção, buscando a relação entre o
conteúdo específico e a realidade vivenciada pelos alunos, considerando a relação entre
sujeitos: “conhecer é tarefa de sujeitos, e não de objetos. E é como sujeito somente enquanto
sujeito, que o homem pode realmente conhecer” (FREIRE, 1979, p. 28).
A problematização valoriza a relação ação/reflexão/ação, ao permitir que através de prá-
ticas e desafios os alunos consigam entender a sociedade e por meio desses conhecimentos
intervir na sua realidade. E como menciona Mortimer (2010), vincular os saberes escolares
através da linguagem científica com os saberes da experiência expressa na linguagem co-
tidiana, para então transpor em ação na forma de uma síntese do conhecimento construído.
Essa abordagem é referida por Azevedo (2003), como sendo atividades questionadoras e
de diálogo, em que através da resolução de situações-problema, os alunos passam a cons-
truir seu conhecimento. Essa proposta segundo o autor deve ser fundamentada na ação do
aluno, ou seja, os mesmos devem ter a oportunidade de agir sem se limitar ao trabalho de
manipulação ou observação.
Dessa forma a problematização conduz o aluno a observar a realidade de modo crítico,
fazendo com que possa relacioná-la com o que está estudando. Tais observações permi-
tem que o estudante perceba os aspectos interessantes de forma que o intriga e desperte
a curiosidade. A partir dos conhecimentos prévios os alunos e professores são capazes de
perceberem os aspectos problemáticos da realidade analisada (ROMERO, 2001).
Segundo Saviani (1983), um método que partindo da visão sincrética da realidade,
fazendo a análise a partir da teoria e chegando à síntese, leva a uma compreensão mais
elaborada da realidade. Nesse sentido, Freire (1979, pg. 30) afirma que, “quando o homem
compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio desta realidade e procu-
rar soluções”. Sendo fundamental nesse aspecto o papel do professor que segundo Santos
e Schnetzler (2003):

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[...] o professor necessita trazer problemas e estimular o debate, afim de que
os alunos possam discutir os diferentes tipos de soluções. Consequentemente
precisamos valorizar as respostas dos alunos, ao invés de se admitir apenas
um tipo de resposta estereotipada, dentro do modelo apresentado pelo pro-
fessor. (SANTOS, 2003, p. 33).

A educação, refletida pela estrutura do poder, ou seja, uma estrutura que dificulta o
diálogo, uma estrutura bancária, necessita de educadores que não esperam por melhoras
e sim as buscam, guiando-se no sentido da humanização de ambos. A educação bancária
caminha no sentido contrário deste companheirismo, já que nesta nova concepção não são
feitos mais os depósitos e sim educadores e educandos trabalhando a serviço da liberta-
ção (FREIRE, 2011).
Assim o presente artigo propõe abordar a problematização como ferramenta para a
compreensão de conteúdos de química contextualizados, relacionando-os com questões
sociais e culturais que fazem parte do cotidiano dos alunos do ensino médio.

MÉTODO DA PESQUISA

A presente pesquisa envolveu o estudo de caso, embasado na investigação qualitativa,


com entrevista semi-estruturada, fornecendo informações do contexto social e/ou profissional
dos alunos do ensino médio. Inicialmente houve a aplicação de 48 questionários aos alunos
da 3ª série do ensino médio do turno noturno de um Colégio Estadual localizado na cidade
de Anápolis. O questionário aplicado (Quadro 1) teve como objetivo conhecer o contexto
dos alunos e aspectos relacionados ao ensino de química.

Quadro 1. Questionário realizado com os alunos.

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A partir da análise do questionário aplicado, foi construído um planejamento para a
realização da aula experimental problematizadora, a qual foi realizada no laboratório de quí-
mica do Instituto Federal de Goiás (IFG - Câmpus Anápolis) a pedido da professora regente
e dos alunos do ensino médio. Os alunos sempre pediam aulas práticas, e devido ao fato do
colégio não possuir laboratório, as aulas práticas não ocorriam. Para a elaboração da aula
experimental problematizadora o tema gerador “Cosméticos no cotidiano” foi escolhido pelo
fato de estar integrado ao contexto social e cultural dos alunos.
Na aula experimental, os alunos recorreram a conhecimentos de funções orgânicas,
emulsões e realizaram cálculos matemáticos para solucionar as situações- problemas. A his-
tória dos cosméticos e como atualmente as indústrias vêm investindo nesse setor, bem como
a formação da acne, comedões, e outros assuntos ligados a cremes hidratantes, foram
discutidos com os alunos.
Após a realização da aula experimental problematizadora foi aplicado um questionário
(Quadro 2), para permitir que os alunos expressem a sua opinião a partir da aula problema-
tizador desenvolvida.

Quadro 2. Questões aplicadas aos alunos após a aula experimental.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Buscando conhecer a realidade dos alunos, aplicou-se o questionário do Quadro


1. As respostas mostraram que a maioria dos estudantes são pertencentes à classe tra-
balhadora, por isso escolheram o turno noturno para dar continuidade aos seus estudos
(pergunta 2). Dados do Ministério da Educação (2012) mostram que 32,7% dos alunos
brasileiros estudam à noite porque trabalham ou almejam conseguir um emprego em breve.
Fator caracterizado pela baixa renda familiar, como o menciona Togni (2007, p. 67) “com
um quadro de jovens estudantes, na sua maioria, inseridos no mercado de trabalho sem a
devida qualificação, e com jornadas de oito ou mais horas diárias. Constatei também que
eles assim estão por extrema necessidade de sobrevivência”.
Ao identificar que a maioria dos alunos do terceiro ano possuía vinculo empregatí-
cio, foi realizado o levantamento das atividades profissionais em que estes atuavam, a
partir da pergunta: “Você trabalha, em quê?”, no qual foi observado que 25% atuam no
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comércio, 16,66% trabalham como auxiliar administrativo e outros 16,66% não trabalham,
como mostra a Figura 1:

Figura 1. Respostas dos alunos sobre o trabalho que realizam.

Na oitava pergunta, verificou-se que 27,03% gostariam de fazer algum curso de enge-
nharia, 18,75% preferem a área da saúde e somente 8,33 % dos alunos responderam que
não gostariam de fazer uma graduação, como mostra a Figura 2:

Figura 2. Respostas dos alunos quando perguntados se pensam em fazer um curso superior.

Na última década, 2001-2010, o número de universitários no país cresceu cerca de


249,69 %. Em 2001, o número de universitários que concluíram cursos de graduação foi
de 390 mil, já em 2010 esse número aumentou para 973,8 mil (BRASIL, 2011). Sendo a
maior procura, pelos cursos de engenharia, resultado do crescimento econômico e tecno-
lógico. No entanto, essa procura ainda é considerada baixa visto que ainda há uma grande
exigência de profissionais qualificados para atender as necessidades do mercado atual
(CARVALHO et al., 2012). Havendo uma necessidade quantitativa de formar engenheiros,
entretanto, é necessário principalmente formar com qualidade (OLIVEIRA et al., 2008).
Dentre as áreas mencionadas, percebe-se que os alunos preferem as áreas de hu-
manas e com isso faltam profissionais de química, física e matemática. De acordo com o
Ministério da Educação, em 2008, faltaram 56 mil professores para as turmas de 5ª a 8ª
série do ensino fundamental e para o ensino médio, e que para atender todas as áreas do

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conhecimento faltaram cerca de 246 mil professores, principalmente para as áreas de física,
química e matemática (BRASIL, 2008).
Ao questionar os alunos sobre as aulas de química, se essas os ajudavam a responder
tudo aquilo que eles não sabiam em seu cotidiano (terceira questão), 60,42 % responderam
que sim, sendo que 39,58 % responderam que não. Através destas respostas, verifica-se o
quanto os alunos ainda não vêem a química como uma ciência capaz de explicar fatos do
cotidiano. Conforme Chassot (2004) a formação química é importante para a formação dos
cidadãos, e para isso não basta apenas que se tenha a transição do conhecimento químico,
mas sim que este deve ser discutido e refletido pelo indivíduo, e só quando ele tiver uma
posição crítica sobre este assunto é que será um cidadão formado, e se o estudante ainda
não consegue relacionar o conhecimento que foi oferecido com situações de seu cotidiano,
ele ainda não possui uma posição de cidadão perante a sociedade. Nesse contexto, Del
Pino (1993) explica como a química deve ser compreendida pelo aluno:

Uma química contextualizada e útil para o aluno [...] deve ser uma química do
cotidiano, que pode ser caracterizada como uma aplicação do conhecimento
químico estruturado na busca de explicações para a facilitação de leitura dos
fenômenos químicos presentes em diversas situações na vida diária (DEL
PINO, 1993, p. 47).

Em busca de desenvolver a abordagem problematizadora de forma consciente nas aulas


de química, a sexta questão propôs uma reflexão dos alunos sobre alguns itens que eles
consideravam mais importantes para que o professor melhorasse a suas aulas. Observou-
se que 68,75 % dos estudantes consideram que um dos fatores mais importantes para a
melhoria das aulas de química são as atividades criativas e participativas. Porém também
nota-se que diálogo com o professor também é mencionado pelos alunos na pergunta 4,
é um fator importante para melhoria das aulas, acompanhado pela disciplina em sala, que
segundo falas dos próprios alunos esta relacionado ao fato da postura do professor em
sala. (Figura 3).

Figura 3. Respostas dos alunos quando perguntados quais dos itens que eles consideram mais importante para que o
professor melhore suas aulas.

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Através dessas respostas, mostra-se a necessidade de atividades diferenciadas no ensi-
no de química, como a experimentação envolvendo situações-problema. Segundo Francisco
Júnior (2008), ela deve estimular nos alunos a possibilidade de realizar, discutir, refletir,
levantar hipóteses e explicações sobre o experimento, sendo que a experimentação com
situações problemas deve ser utilizada adequadamente, transformando os estudantes em
seres reflexivos e críticos.
O desenvolvimento da aula problematizadora foi acompanhado de perto, os alunos
foram orientados sem fornecer respostas prontas. Através do diálogo, percebemos que
os estudantes possuem dificuldades em participar da aula a partir dos questionamentos
levantados, confirmando que a Química atual é concebida como uma ciência distante de
suas realidades. Esse fato reflete o desinteresse dos alunos durante as aulas de química da
maioria dos professores, como discute Chassot (2004, p. 146) ao afirmar que “os conteúdos
de Química ensinados só assumem significado e se tornam relevantes à medida que se
estruturam e se inserem na realidade da escola”.
Constatou-se também a necessidade de aulas participativas, aulas que levem ao senso
crítico, incentivando a busca da aprendizagem pelos alunos. A partir da análise dos ques-
tionários e do acompanhamento em sala, desenvolveu-se a aula problematizadora com o
tema gerador “Cosméticos e o cotidiano”, abordando o conteúdo de funções orgânicas e o
sistema de emulsão.
Em um primeiro momento a aula ficou envolvida na dinâmica do diálogo que segundo
Freire (1979) é capaz de transformar o mundo, pois não se fundamenta na ação de um
homem só, mas na comunicação entre vários, e com isso, os saberes são compartilhados.
Foram apresentadas aos grupos as situações-problemas, e em seguida, a história dos
cosméticos, os tipos de pele, algumas doenças de pele e o conteúdo de funções orgâni-
cas. O conteúdo foi explicado utilizando como exemplos de funções orgânicas, substâncias
presentes em cosméticos em geral (Figura 4).

Figura 4. Aula experimental no laboratório do IFG.

Os alunos foram orientados a investigar qual a formulação do hidratante mais adequa-


do para o tipo de pele na qual estava descrita na situação-problema, atendendo assim as
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necessidades de cada caso: Paula possuía uma pele mista, Luíza, pele seca, Fernando,
pele oleosa e Miguel, pele sensível (Quadro 3).
Como as características dos diferentes tipos de pele haviam sido explicadas anterior-
mente, os alunos ficaram atenciosos para conduzir a investigação. No entanto, para saber
qual o componente e sua quantidade adequada para a formulação do creme hidratante,
passou a ser um desafio para os alunos. Como por exemplo: para uma pele oleosa, a for-
mulação deveria ser proposta com uma proporção baixa de base de creme (mistura que
contém álcoois graxos responsáveis pela emulsão e engorduramento da pele), cerca de 6
a 8%, e além disso essa formulação não poderia ter óleo de amêndoas, ou óleo mineral.

Quadro 3. Situações-problemas.

Para pele seca esses componentes poderiam ser utilizados, visto que diminuem a
perda de água transepidérmica da pele, evitando o seu ressecamento, e devido as suas
características hidrofóbicas. A proporção de base a ser utilizada poderia ser maior do que
a recomendada anteriormente, cerca de 10 a 12%, além de ativos como extratos glicólicos
e óleo mineral. Para a pele mista, poderia ser utilizado ativos, óleos de forma moderada,
extratos glicólicos e uma proporção de base entre 6 a 10%. Para pele sensível, o aluno
deveria ser cuidadoso ao escolher os componentes da formulação, podendo deixar de usar
essência, corante, e utilizar somente extratos glicólicos que proporcionam a renovação ce-
lular e suaviza a pele, como no caso do extrato de morango. A proporção de base poderia
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ser de 6 a 10%. Estavam presentes na bancada para a formulação incompleta do creme
hidratante, extratos glicólicos de morango, cenoura, pepino, cânfora, óleo de amêndoas,
óleo mineral, óleo de argan, glicerina, uréia, mentol, corantes, essências, trietanolamina
(para ajustar o pH) e silicone.

Tabela 1. Fórmula Sugestiva Incompleta.

Fase Matéria-prima Quantidade em 500 g


Base Hidra Hair 12
A
Água
B Conservante 1,5 g
C Ativos (óleo, extratos glicólicos, etc...)
D Essência 2,5 g
E Corante qsp
*qsp = Quantidade suficiente para

Para formular os cremes hidratantes foi necessária a compreensão das características


de substâncias disponíveis para a formulação, como mostra a Tabela 1. Assim os alunos
foram questionados sobre a solubilidade dos componentes, sendo recordada a definição
de tal conceito, para compreensão de como os cosméticos agem na pele humana, sendo
também explicitada a relação das forças intermoleculares com a interação creme hidratante
e os agentes presentes na pele. Durante a formulação houve a necessidade de calcular a
massa dos componentes da formulação a partir da percentagem escolhida, sistematizando
os cálculos na aquisição de uma formulação adequada para o tipo de pele mencionada na
situação-problema. O ajuste de pH utilizando a base trietanolamina (pH do creme hidratante
deve ficar entre 4,5 a 5,5) foi importante para que os alunos compreendessem a importân-
cia e o significado dessa propriedade química para os cosméticos que utilizamos em nosso
cotidiano, principalmente quando a mídia divulga cosméticos com “pH neutro”.
No contexto social o tema estudado foi o estopim para levantar uma discussão sobre
a influência da mídia na utilização dos cosméticos e ao culto a beleza. Ao abordar a his-
tória dos cosméticos, os alunos conheceram como esses foram se modificando ao longo
dos últimos anos, e com eles, a influência na sociedade consumista. Para Freire (1980), a
educação deve promover discussões do âmbito social, conscientizando o homem para sua
participação crítica e emancipatória no mundo, e foi com essa intenção que o tema abordado
não se limitou ao estudo das propriedades e características químicas dos cosméticos.
Já na produção dos cremes hidratantes, foi possível perceber a curiosidade e ansie-
dade dos alunos embalados no processo dialógico. Segundo Freire (1996) o ensino proble-
matizador, deve deflagrar no aprendiz uma curiosidade cada vez maior, sendo que quanto
mais crítico o ato de aprendizado mais a curiosidade se torna epistemológica, havendo a
transição da curiosidade ingênua para curiosidade epistemológica. Assim os integrantes de
cada grupo trabalharam em conjunto, uns pesavam, mediam e outros misturavam, todos 741
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empenhados para a resolução da situação-problema. Segundo Freire (2011), “o diálogo
possibilita a desmistificação e o desvelamento do mundo, sendo importante, pois os sujeitos
se voltam sobre a realidade problematizada para transformá-la”.
Ao término da atividade, foi possível verificar o comprometimento e interesse dos alunos
a partir da abordagem problematizadora. Cada grupo justificou a formulação utilizada a partir
da situação-problema, explicando o contexto elaborado e demonstrando a importância de
sua participação no processo transformador do aprender. O conteúdo de química foi desen-
volvido juntamente com a prática de formulação dos “Cosméticos”, mas temos consciência
de que o assunto não pode se limitar à aula experimental, exigindo ser melhor trabalhado
na sala de aula. A abordagem problematizadora mostrou que os alunos podem ser agentes
ativos durante a aula, a partir do estímulo da curiosidade epistemológica, do ato de aprender,
do planejamento comprometido que o professor faz da aula. Segundo Santos e Schnetzler
(2003), esta “é a função do ensino médio, que está além da formação profissional, devendo
estimular o aluno a participar, a posicionar-se criticamente e a propor soluções frente aos
problemas sociais”.
Ao final da atividade os alunos responderam as questões do Quadro 2 dentre essas
questões algumas falas foram registradas:
A1: “Boa. Aprendi o que na sala não é discutido”.
A2: “Muito boa, pois tive a oportunidade de conhecer um laboratório e ter mais conhe-
cimento sobre as coisas”.
A3: “Achei bom e aprendi muita coisa lá na aula, como produzir creme de pele”.
Observou-se que os estudantes apresentaram praticamente as mesmas respostas aos
itens perguntados. Quando perguntados se gostaram da aula realizada, todos os alunos res-
ponderam que sim e ressaltaram que foi uma ótima experiência, pois puderam conhecer um
laboratório e aprender o que na sala de aula não é discutido (falas dos alunos A1, A2 e A3).
Ao perguntar se tiveram alguma dificuldade na realização da prática, 26,66 % res-
ponderam que sim, principalmente na pesagem dos materiais. Quando questionados se
perceberam alguma diferença dessa aula com as outras, 66,66 % disseram que sim, que
a aula sobre cosméticos foi envolvente e interessante, despertando neles a vontade de
aprender e estudar.
Essas respostas nos possibilitaram interpretar que a interação do aluno com a situa-
ção problema possibilita que este se torne íntimo dos objetos de conhecimento, pois são
semelhantes a situações do contexto social dos alunos (SANTOS et al., 2012) o que é fun-
damental para o desenvolvimento da aprendizagem, além de despertar o interesse para a
participação social.

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Já na última questão, os alunos afirmaram que a aula problematizadora despertou a
atenção, participação e o seu interesse. Todos os estudantes responderam que aulas des-
se tipo deveriam ser utilizadas em outras ocasiões, estimulando os alunos a estudarem a
química. Nesse sentido, Freire (1996) ressalta que o processo pedagógico problematizador
deve incentivar os alunos a serem seres mais curiosos e críticos. A1, A4 e A5 ressaltam que:
A1: “Sim, pois a aula é mais descontraída e aprendemos mais praticando”.
A4: “Sim, pelo fato da aula ser prática e não tão teórica”.
A5: “Sim. Se pudéssemos ter mais aulas assim, garanto que teria muito mais interesse
entre os alunos”.
A partir da análise das respostas dos alunos frente à abordagem utilizada, percebe-
mos a importância do diálogo na construção de uma educação humanizadora. Para Freire
(2011) o diálogo é um fenômeno essencialmente humano que abrange duas dimensões,
a ação e a reflexão. A reflexão possibilita que os alunos tenham uma posição crítica e não
sejam simplesmente serem alienados e passivos, já a ação possibilita que essas reflexões
sejam colocadas em prática possibilitando uma transformação. Através de uma relação
humana, dialógica e democrática é possível que o oprimido supere as injustiças cometidas
pelo opressor. Nesse sentido Freire (1996) ressalta que:

“A construção de relações dialógicas sob os fundamentos da ética universal dos


seres humanos, enquanto prática especifica humana implica a conscientização
dos seres humanos, para que possam de fato inserir-se no processo histórico
como sujeitos fazedores de sua própria história”. (FREIRE, 1996, p.10.)

Com isso vemos importância da relação ação/reflexão/ação para a formação de um


cidadão crítico e reflexivo, nesse sentido Freire (1996, p.19) justifica que “só torna viável
o homem novo pela superação da contradição entre opressor-oprimido, que significa a li-
bertação de todos”.
Portanto, assim cabe ao professor promover o interesse e buscar a participação do es-
tudante, no intuito de desenvolver um conhecimento que tenha significado e relevância para
a realidade do aluno, de forma que este consiga interpretar os mais diversos problemas, e
utilize de forma criativa, inovadora e consciente os saberes químicos. Com isso Freire (1980)
contempla a conscientização como um “esforço crítico de desvelamento da realidade”:

“[...] ninguém conscientiza ninguém. O (a) educador (a) e o povo se cons-


cientizam através do movimento dialético entre a reflexão crítica sobre a ação
anterior e a subsequente ação no processo de luta” (FREIRE,1980, p. 109-10).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo da análise do que foi trabalhado com os alunos, percebe-se que a problematiza-
ção promove a conscientização crítica, que segundo Freire (2011) é uma etapa indispensável
à aprendizagem. A experimentação problematizadora é uma estratégia de ensino que leva
a reflexão crítica de professores e alunos, construindo assim o conhecimento transformador
e humanizado. A abordagem problematizadora a partir do tema “Cosméticos no cotidiano”
mostrou um grande interesse dos alunos em aprender, diferente das aulas tradicionais obser-
vadas no ensino médio. Ao abordar situações semelhantes ao contexto social dos alunos, foi
constatado que naturalmente as experiências do “saber feito” são levantadas com o objetivo
de articular juntamente com o conhecimento de química, facilitando o aprendizado. E ainda,
o professor exerce um papel fundamental, pois ao problematizar coordena os conhecimentos
químicos e as hipóteses dos alunos frentes as situações-problemas. É nesse sentido que
o professor assume o seu compromisso em oferecer ao aluno o suporte necessário para
elaborar e criar o seu raciocínio, ao invés de lhe transmitir a resposta pronta e incontestável,
Freire (1996) menciona:

Saber que devo respeito à autonomia, à dignidade e à identidade do educando


e, na prática, procurar a coerência com este saber, me leva inapelavelmente
á criação de algumas virtudes ou qualidades sem as quais aquele saber vira
inautêntico, palavreado vazio e inoperante (FREIRE, 1996 p. 62).

Portanto, entende-se que tal abordagem contribui para formação do indivíduo como
ser transformador e crítico, possibilitando que este exerça sua cidadania, ao buscar a cons-
ciência de sua realidade.

REFERÊNCIAS
1. AZEVEDO, Maria Cristina. Ensino por Investigação: Problematizando as Atividades em
Sala de Aula. In: Anna Maria Pessoa de Carvalho. Ensino de Ciências: Unindo a Pesquisa e
a Prática. São Paulo: Pioneira Thomson, 2003.

2. BACH,Maria Regina; CARVALHO, Marco Antônio Batista. Metodologia da problematização


como potencializadora da educação básica. Cadernos PDE. Vol. 1. Curitiba: SEED/PR,
2011. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/497-2.pdf>.
Acesso em: 23 de novembro de 2013.

3. BRASIL. Portal Brasil. Ensino superior cresce 110% em dez anos. 2011. Disponível em:
<http://www.brasil.gov.br/educacao/2011/11/ensino-superior-cresce-110-em-dez-anos>. Acesso
em 30 de nov. de 2013.

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