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Morangos

"Na minha casa, eu quero plantar morangos. Que sejam grandes, bem vermelhos, doces e
azedos"

Adoro frutas, mas principalmente os morangos. Essa minha paixão por


morangos existe entrelaçada a três memórias.
A primeira era voltar da escola e experimentar pela primeira vez morangos
selvagens. Eram pequenos, redondinhos e um sabor incrível.
A segunda memória era na casa da minha tia. Uma das vezes onde reunimos a
família, eu descobri que todos aqueles "matinhos baixos" eram morangueiros
recheados, ainda pequenos. Também com um gosto incrível.
Já a terceira memória é recente. Trabalhando numa sorveteria, a todo tempo
precisamos usar morangos. Mas principalmente quando eu chegava no
trabalho, antes mesmo de abrir. Eu sentia o cheiro dos morangos frescos, recém
lavados. O cheiro silvestre, fresco e doce. Eu guardo essa sensação de chegada,
junto do aroma. Acho que é mais que uma memória, quando eu fecho os olhos,
juro que ainda consigo sentir o cheiro.

Sabe o gosto doce das coisas? Tenho certeza que a gente deveria aproveitar
mais. Mesmo a natureza sendo uma mistura saborosa e complexa, o ser
humano tem capacidade de ser podre. Todo dia milhares de notícias terríveis. A
racionalidade que nós humanos possuímos não nos fez mais empáticos ou
sensíveis, só mais orgulhosos e às vezes surpreendentemente cruéis. Por isso os
momentos doces, como os morangos, precisam ser mais apreciados. Afinal não
se come um morango com pequenas mordidas, mas acho que deveríamos. Do
mesmo modo que precisamos tornar os momentos incríveis mais longos, às
vezes imortais como uma foto. Temos que aproveitar mais, eternizar mais,
provar tudo com pequenas mordidas. Afinal quantos morangos ruins,
machucados ou até podres você precisa descartar para encontrar um que
realmente esteja perfeito?

Tenho muitas memórias de ser silenciada por tentar ser mais doce. Gentileza
não necessariamente gera gentileza, mas alivia o fardo de ter que viver no
ambiente hostil que a sociedade se tornou.
As redes sociais viraram um puro campo de guerra. As "opiniões" e "pontos de
vista", só disfarçam o preconceito, e são balas que são atiradas no escuro, sem a
mínima importância se vão machucar alguém. A facilidade para acabar com o
dia, em certos casos até com a vida de alguém, é muito mais assustadora do que
o porte de armas de fogo.
A doçura da vida, os momentos inesquecíveis estão mais raros que os morangos
selvagens que eu acabei nunca mais encontrando quando voltava da escola. Ou
estão escondidos disfarçados da grama mais comum, como os morangos na casa
da minha tia. Mas principalmente são marcantes quando encontrados, como o
perfume doce que eu ainda sinto.

Ao final, acho que a vida vale muito a pena. Simplesmente pelos morangos.
Alguns são precisos demais. Depois de experimentar, tenho certeza que nunca
vai provar algo igual. Alguns momentos são simplesmente assim, inesquecíveis.
É por esses que se vale viver. Pelas conexões, pelos presentes escondidos
debaixo da grama, ou nas pessoas mais comuns. Às vezes pelo encanto de um
perfume doce, ou por uma vista de fim tarde. O ponto é, o mundo sempre foi
hostil, na verdade hoje tudo é perigoso, amedrontador na verdade. Mas é pelos
morangos, ou melhor, pelos momentos bons e doces, que nós vivemos.

“Que minha vida seja sempre doce, ou azeda, às vezes amarga. Mas ao final, que apenas
tenha valido ser vivida e apreciada, como comer um morango com pequenas mordidas.”

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