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Errar é mais do que humano, é necessário.

Por Roberta Sudbrack

Espero que nenhum dos meus cozinheiros passe por aqui hoje. Porque apesar de acreditar nessa
filosofia de botequim, não posso correr esse risco com eles! Errar, se pensarmos bem, é o caminho mais
próximo da sabedoria. Só errando na prática, ou seja, vivendo literalmente as dificuldades, a gente
desenvolve um método muito próprio para lidar com elas no futuro. Se prestarmos bastante atenção
aos detalhes que protagonizaram o erro anterior, muito provavelmente não repetiremos a cena. Seja
por cautela, seja por aprendizado efetivo. Seja o que for, está valendo.

Errar é fundamental. Aprender sem errar não tem nem a mesma graça e nem o mesmo peso. Eu, como
boa perfeccionista que sou, detesto errar, para mim é igual perder no jogo de mímica, não admito! Mas
com o tempo fui aprendendo o quanto é importante no processo de amadurecimento do cozinheiro e
do ser humano. Antes, queria morrer. Sentava, chorava, jogava a panela inteira de arroz todo grudado
no lixo. Depois respirava fundo e começava tudo de novo.

Minha formação é autodidata até a última gota de sangue. Sangue dos dedos! Todos, um por um, já
experimentaram a dor e a delícia de serem decepados. Cortava tanto os pobres coitados que o pessoal
de casa chegou a pensar que aquela história não iria dar certo simplesmente porque quando eu tivesse
aprendido tudo o que precisava aprender já não teria mais dedos… Eu ia para a cozinha religiosamente
no mesmo horário e com a compenetração de quem vai mesmo para a faculdade. Colocava uma música
ou ligava uma pequena televisão preto e branco que foi do meu avô. Isso servia para não perder o
contato com o mundo, afinal, passava tantas horas na cozinha que se não fosse assim não saberia nem
quando a moeda havia sido trocada. Como naquela época trocava bastante, corria o risco de chegar à
feira com cruzeiro, quando as bananas já estavam sendo vendidas em cruzados. Ali eu passava horas, só
na companhia do meu assistente, o adorável Júnior, meu primeiro Golden Retriever. De vez em quando
eu passava correndo pela sala com a mão enrolada num pano de prato, que aos poucos ia sofrendo uma
mutação na coloração original, do branco para o vermelho em segundos, coisa fantástica. Todo mundo
já sabia o que havia acontecido e saia correndo atrás de mim com caixinhas e mais caixinhas de
bandaids… Cada um tinha um estoque pessoal sempre à mão para me acudir nessas horas.

Aprendi errando, essa foi a minha grande escola. Mas também jamais virava as costas ou desistia de
alguma tarefa antes de pelo menos compreender que havia acontecido. Mesmo que tivesse perdido a
ponta de mais de três dedos no mesmo dia. Poderia até não encontrar a sabedoria para tomar um
cafezinho naquele dia. Mas no dia seguinte lá estava eu, mais cedo do que de costume na cozinha,
esperando por ela. Minha obstinação é tanta que uma hora a gente acabava tomando tal cafezinho. Não
sei se eu a vencia pelo cansaço ou pela obstinação… Mas seja lá o que fosse eu sempre aprendia muito.

No dia em que finalmente consegui visualizar o processo de gelatinização de um molho demi-glace


chorei de soluçar em cima dele. Muito mesmo. Podem imaginar a cena e morrer de rir de mim. Está
liberado! A verdade é que só o demi-glace, o Júnior e eu sabemos o que significava aquele momento
para uma cozinheira que aprendeu tudo sozinha. Outro dia conversando com um especialista em
pesquisa alimentar, descobri que um dos métodos mais eficazes nesse tipo de estudo é justamente o da
tentativa e erro. Ou seja, nem a ciência escapa da fabulosa possibilidade de errar. Vira e mexe me
perguntam como chego a resultados tão expressivos e precisos na minha cozinha sem que ela esteja tão
intimamente conectada à ciência. Ora, errando, acertando e vivendo!

Até!

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