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Copyright 2022 Luana Oliveira

Título: QUE O JOGO COMECE


Escrito por Luana Oliveira

Capa(arte): GB Design Editorial


Diagramação: Luana Oliveira
Revisão: Stephany Cardozo Gomes

Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer


meios, sem o consentimento do(a) autor(a) desta obra.

Texto revisado conforme o Novo Acordo Ortográfico da Língua


Portuguesa.
Olá, caro leitor... Espera, acho que comecei errado. Olá, minha raposa
de Maevis, aqui quem fala é a Luana Oliveira, sentiu minha falta?
Já posso me adiantar e dizer que sim, eu senti a sua falta e MUITO.
Mal posso conter a minha felicidade sabendo que você, do outro lado aí da
tela, acompanhou a jornada de Kayla e Sebastian, se apaixonou e está aqui
com a gente mais uma vez, para presenciar o devido desfecho que ficou
faltando para esse nosso casal lá na primeira parte. Quero dizer que escrever
o final para esses dois foi bastante desafiador, divertido, apaixonante, mas
também muito cru, muito sincero e muito real. Aqui você vai se deparar
com erros, com personagens que não são perfeitos, que muitas vezes são
hipócritas, agem na emoção e também personagens, como a Kayla, que
erraram, aprenderam com os seus erros, não querem o papel de vítima e
estão lutando para uma melhor versão de si mesmos. Essa segunda parte é
focada no perdão. No ato de perdoar, de ser perdoado, de perdoar a si
mesmo e no poder e no grande significado que esse pequeno gesto tem. É
focado muito na amizade, nos laços pessoais e no verdadeiro significado de
família, que vai muito além de laço sanguíneo. É também focado em saúde
mental, na importância de procurar ajuda e de ser tratado por profissionais
qualificados. Ao meu ver, esse Ato II, embora fale de segundas chances, é
muito mais que o romance em si, ele também é sobre a Kayla, sobre a
mudança dela, o amadurecimento dela, a sua nova perspectiva de futuro,
bem como também é sobre a amizade dela com a Elsa, que se torna ainda
mais forte aqui, sobre ela e Kellan, Sebastian e seus amigos do time, e
assim por diante. Eu espero muito que você, raposa, consiga notar cada
pequena evolução, cada pequena mensagem que quis passar e, muito mais
que entender, que leve para a sua vida e que perceba que a conversa, o
diálogo, é e sempre será a base e a solução de todos – ou quase todos – os
problemas.
E por falar em problemas, vamos lá ao aviso de gatilhos. Só
reforçando que, tanto a primeira parte quanto essa, são para maiores de 18
anos por conter conteúdo adulto e temas sensíveis como, por exemplo:
abuso físico e psicológico, daddy issues, maus-tratos na infância e assédio.
Por favor, caso seja sensível e possua gatilho com algum desses assuntos,
não prossiga com a leitura e priorize a sua saúde mental. É de suma
importância esse cuidado.
Mas, caso tenha chegado até aqui e não vê a hora de presenciar o
desfecho do capitão e da sua pequena megera, saiba que agradeço, de
coração, por ter esperado e por estar aqui nos apoiando mais uma vez. É por
pessoas como você que continuo escrevendo, que continuo lutando e que
continuo, dia após dia, realizando mais sonhos. Então obrigada se você
deixou uma mensagem cheia de amor no meu direct ou até mesmo se me
mandou uma ameaça por conta do final do Ato I, obrigada se você surtou,
se você fez avaliação, se você fez vídeos nas redes sociais, se você
converteu mais raposas para o bando, se você riu, se você chorou, se você
se emocionou e até mesmo se você decidiu me dar mais uma chance.
Obrigada, obrigada e obrigada. Nunca vou conseguir agradecer o suficiente.
Fizemos história com o Ato I e independentemente de qualquer coisa,
já valeu a pena.
O que posso dizer agora, raposa, é: aproveite!
Aproveite as brigas, as provocações, a amizade e o amor desse casal.
Aproveite Maevis. Maevis University. Maevis Fox. Aproveite esse
universo.
E, sobretudo, aproveite essa jornada e esse final.
Porque, acima de tudo, esse livro é para você, torcedor de Kayla e
Sebastian.
“Afinal, de quantas maneiras um coração pode ser destroçado e
continuar batendo?”
— Stephenie Meyer
Para todas aquelas pessoas que foram ao campo de batalha, ficaram
feridas, mas, mesmo assim, não pensaram em desistir de suas lutas até
saírem vencedoras.
9ANOSANTES
Meu estômago revira de fome, já passando a sentir uma pontada
agonizante de dor no meio do caminho até em casa, e eu tento acalmá-lo ao
repousar minhas mãos sobre a barriga. O balançar do ônibus, durante todo o
trajeto, me deixa ainda mais enjoada, tonta e tão fraca, que pontinhos
brancos passam a pipocar minha visão. Pisco e coço os olhos tantas vezes,
que a região passa a arder.
“Isso vem acontecendo com frequência, sua estúpida, você já deveria
ter se acostumado”, é o que penso no momento em que decido brigar
comigo mesma pelo fracasso do meu corpo não aguentar horas sem pôr
comida na boca. Ele deveria ser mais resistente e entender que nada está
cooperando para que eu o alimente de forma correta. Não tenho como
comer antes de ir para a escola, porque estou sempre acordando atrasada de
propósito, para não ter que encontrá-la no café da manhã e sentir seus
beliscões por baixo da mesa. E, como se isso já não fosse o bastante,
quando eu não estou na sala de aula, eu estou me escondendo nas cabines
do banheiro para passar meu tempo lendo, e isso só para não ter que me
sentar sozinha no canto do refeitório, que sempre está rodeado por grupos
de meninos e meninas sempre tão felizes, quanto como se estivessem
estrelando comerciais de pasta de dente na tevê. Estou cansada das
risadinhas que escuto todas as vezes em que as meninas insuportáveis da
minha turma me veem em um lugar sozinha, então, de uns tempos para cá,
prefiro que ninguém me veja em lugar nenhum. Para elas, o fato de eu não
ter um amigo sequer, é motivo de piada. Elas adoram rir, cochichar, apontar
o dedo para mim e ficar me chamando de esquisitona, solitária ou, para
piorar, de esquisitona solitária.
Prefiro passar fome o dia inteiro do que dar o gostinho de que me
vejam triste.
Além do mais, eu sempre fico na companhia de um livro enquanto me
escondo, e papai, quando queria incentivar minha leitura, comigo ainda
menor, costumava dizer que os livros eram os únicos capazes de saciar
nossa fome de conhecimento. Acho que, no fundo, ainda fico na esperança
de que aquelas palavras, ao invés de encherem minha cabeça, um dia
venham a encher minha barriga.
Mais um balanço no ônibus e eu preciso me segurar para não voar
para frente.
O susto é tão grande que até me desperta um pouco do meu torpor e
pela primeira vez, reparo que há uma criança ao meu lado, como se fosse
uma espécie de milagre, já que sempre, sempre o assento ao meu lado fica
vazio e inabitado, tanto na ida quanto na volta. Costumo acreditar que eu
devo ter alguma doença contagiosa que todos à minha volta esqueceram de
me avisar.
— Você está bem? Quer que eu chame alguém? — A garota de
cabelos pretos, olhos angulados e que usa óculos de cordinha parece mesmo
preocupada. Molho os meus lábios ressecados com a minha língua e faço
que “não” com a cabeça. — Tem certeza? Você parece estar passando mal.
— Estou bem. — As palavras soam desconexas para mim, parece que
sou apenas uma mera telespectadora dessa cena, mas continuo falando,
ainda assim. — Minha casa fica a dois quarteirões daqui. Estou bem —
repito, muito mais para mim, do que para ela.
Não sei se soo grosseira ou uma tremenda chata, porém a garota não
tenta mais me ajudar, ela apenas ajeita seus óculos, vira para frente, cruza
os braços e começa a resmungar sozinha. Aposto que está me xingando e se
perguntando por que resolveu abrir a boca para falar comigo. Que seja.
Viro para o lado e observo o caminho através da janela.
Assim que percebo que estou chegando perto de descer, uma onda de
ansiedade e pavor me atinge. Estive esse tempo todo com a mente focada na
comida, na parte boa, que me esqueci que voltei sozinha hoje, sem Kellan,
meu irmão, o que significa que papai está trabalhando e ficarei sozinha em
casa com ela.
De repente, todo o meu corpo passa a tremer. Mãos. Pés. Pernas. Não
há uma parte minha que não esteja tomada por tremores de nervosismo.
Minha respiração acelera, passo a suar frio e, como se eu não estivesse
prestes a desmaiar de tanta fraqueza e medo, aperto a alça da mochila, com
toda a força que consigo, e flexiono meus joelhos quando o ônibus para
perto da minha rua, pronta para me levantar do banco em que me encontro
para começar a seguir todas as outras crianças que, ao contrário de mim,
parecem animadas e felizes por já estarem indo de volta para suas casas.
Todas elas vão descansar, vão brincar, vão se divertir no restante do
dia e eu, muito provavelmente, estarei escutando e sentindo o estalar de
tapas ardentes machucando a minha pele recém-cicatrizada, porque essa é a
minha rotina e o meu novo normal. Se ela somente me batesse ou apenas
me deixasse de castigo, acho que eu aguentaria, só que ela não se limita a só
fazer isso. Ela grita, me encurrala, me destrata, me xinga, xinga a mamãe e
fala coisas horríveis ao meu respeito, frisando o tempo todo o quanto sou
desprezível e o quanto, pouco a pouco, meu pai está percebendo que não
valho nada e não mereço a sua atenção.
Respiro fundo e, com muito esforço, passo a andar na fila formada,
para descer. Minha visão embaça com lágrimas e eu não vejo, nem escuto
mais nada conforme, cada vez mais, chega perto da minha vez de descer do
ônibus, pois a minha mente já está em casa, presa nas surras, repassando
suas falas de uma forma que passa a doer ainda mais do que o nó de fome
no meu estômago.
Desço um degrau e ouço sussurros no pé do meu ouvido. Vozes.
Vozes dela.
A primeira palavra que compreendo é “vadiazinha”. Logo em
seguida, a ouço me chamando de feia, ridícula, imunda e tão patética quanto
a minha mãe. Lágrimas escorrem pelas minhas bochechas como uma
torneira ligada. Ela diz que o meu pai não amava a minha mãe e que ele
também não me ama, só ama a ela. Ela diz que logo, logo estarei sendo
jogada na sarjeta para morrer cedo, como a mamãe. Mais gritos se
acumulam dentro da minha garganta, querendo ser libertados de uma vez,
querendo que eu implore por socorro à medida que vou repassando todas as
vezes em que fui tratada como lixo por aquela que deveria ser a minha
segunda mãe e o meu exemplo de mulher.
Ela disse uma vez que odiava Cecilia, minha mamãe, e acho que,
como sou filha dela, acabou construindo isso por mim também. No entanto,
ela não parece odiar Kellan. Óbvio que não o ama, óbvio que também não
sente nenhum carinho por ele, que o usa como desculpa para me manter
calada, afinal, se eu a dedurar para alguém, diz que fará com ele ainda pior
do que faz comigo, mas também não é como se ela se incomodasse com o
fato do meu irmão respirar perto dela, que é exatamente o que acontece
comigo.
A minha maldita existência a afeta e eu não consigo entender o
porquê.
Outro degrau e a vejo ficar cada vez mais próxima.
Meus tênis, antes de tocarem o chão, tocam o último degrau e eu
fecho os olhos com força. Pratos quebram. Meus ossos doem quando sou
arremessada contra a parede. Minha barriga se contrai. Escuto “filha da
puta”, “garota abandonada e renegada” e incontáveis falas sobre como eu
não sou e nunca vou ser suficiente para nada.
Balanço a cabeça para voltar à realidade, seco as lágrimas com as
costas da mão e saio andando sem nem olhar para trás, para não sucumbir à
vontade de subir as escadas tudo de novo, me enfiar no fundo do ônibus e
seguir viagem para qualquer lugar que não seja aquele que deveria ser o
meu lar.
Passo pelas casas, pela minha vizinhança e logo dou de cara com o
jardim bonito da frente da nossa propriedade. As flores são as únicas coisas
realmente puras e belas nessa casa. São as únicas coisas que representam
felicidade, cuidado e amor. Não há nenhum lugar mais bonito e colorido do
que a frente da nossa varanda, que serve para esconder e maquiar toda a
podridão e toda a sujeira que acontece lá dentro. Comigo.
Passo pelas violetas e me curvo para tocá-las e vê-las mais de perto.
— Vocês estão lindas hoje — falo, em uma tentativa de arrastar os
minutos só para adiar meu sofrimento o máximo que eu conseguir. — Vou
tentar não gritar dessa vez, não quero assustá-las. Prometo apanhar e
receber o que eu mereço em silêncio.
Está aí outra coisa que eu aprendi nessa minha nova vida: não há
como ou para onde fugir. E também, por mais que eu não entenda tamanha
raiva e tamanha dor, já entendi que é melhor simplesmente aceitar. Já
entendi que é melhor não gritar, é melhor não chorar, não revidar e não
contestar. Quanto mais rápido acontecer, mais rápido poderei subir para o
meu quarto.
Espero que hoje não demore tanto, Kellan chegará em pouco tempo e
eu vou precisar me recompor para que ele não perceba que, em sua
ausência, fui espancada por ninguém mais e ninguém menos que nossa
madrasta.
Deixo de enrolar, passo pelas flores, paro em frente à porta, toco na
maçaneta gélida, que faz cada centímetro de pele do meu corpo se arrepiar,
e entro em casa com a veia do meu pescoço latejando. Para a minha
surpresa, encontro tudo escuro, calmo e silencioso. Não sei se foi uma ajuda
divina, entretanto parece que não há ninguém aqui, além de mim, como se
ela tivesse saído para fazer alguma coisa. Esperança enche o meu peito, eu
empurro a porta atrás de mim com o pé, olho para os lados e começo a
correr até a cozinha, desesperada por alguma coisa simples, que eu possa
comer. Não sei cozinhar, mexer no fogão é perigoso para alguém da minha
idade e as únicas coisas que me restam são: biscoito, fruta, cereal ou
qualquer coisa rápida que possa driblar o meu estômago até o jantar.
Assim que alcanço a maçã em cima da mesa, ela é arremessada para o
lado com um tapa desferido em minha mão. Vejo a fruta voando com o
queixo atingindo o chão e depois, com uma surpresa mesclada com medo,
decido olhar para a pessoa ao meu lado, que se esgueirou pelo breu da
cozinha, só para que pudesse me pegar desprevenida e me assustar ainda
mais. Engulo em seco e minhas lágrimas voltam à tona logo que a escuto
dar risada de forma perversa, sabendo que estou com fome e desesperada.
Chega a ser pior do que todas as meninas da minha escola. É cruel para
mim e totalmente prazeroso para ela, Cora Benson, a mulher que se
apropriou do nosso sobrenome como se fosse a matriarca perfeita dessa
família.
As pessoas, incluindo meu próprio pai, acham que ela é a esposa e a
madrasta perfeita, uma verdadeira rainha bondosa. Porém, minha nossa, só
eu sei como essa mulher, que finge ser chique e elegante, consegue ser igual
ou pior que a madrasta da Cinderela. Ela é venenosa. Ela me bate. Me bate
para valer, como se estivesse lutando de igual para igual, não como se
estivesse batendo em uma garotinha de quase dez anos, incapaz de se
defender e de lhe representar perigo.
Automaticamente me encolho e reteso no lugar em que me encontro.
— Está com fome, Kayla? — Seus saltos finos tilintam contra o piso
polido assim que passa a caminhar em minha direção, já me fazendo
rastejar para trás, até que minhas costas estejam coladas na parede. Uma
vez em minha frente, suas mãos voam para o meu rosto e suas unhas
compridas, pintadas em um vermelho cor de sangue, fincam-se em minhas
bochechas, me erguendo para encará-la nos olhos. — Quando eu faço uma
pergunta, você logo me dá uma resposta, sua peste! — grita com o rosto
ganhando uma expressão sombria. — Está com fome ou não está? — Seu
aperto se intensifica e eu, mesmo querendo chorar com a dor aguda, não
vejo outra alternativa a não ser subir e descer o queixo em uma
confirmação. Parecendo se deliciar com a minha resposta, Cora solta uma
risada anasalada irônica e me solta. Na verdade, só por um segundo,
porque, no momento seguinte, está me empurrando contra o chão, bem
onde a maçã voou. Caio de joelhos e, por estar de saia, sinto todo o
impacto, o que me faz morder os lábios para não gritar por mais um
machucado que ganho. Lá vou eu ter que dizer que caí hoje na Educação
Física. — Se quer comer, pegue do chão e coma. Não vou te dar nada até a
hora do jantar, que é quando seu papai chega — avisa, seu salto agulha
batendo contra as minhas costas só para me empurrar mais contra o chão,
meu rosto perto da fruta já despedaçada. Eu não vou chorar, eu não vou
chorar, eu não vou chorar. — Vai, pega do chão, mostra para mim como
você não passa de uma cadela, igualzinha à sua mãe, aquela cachorra
ingrata que, mesmo sei lá onde, não deixa o meu marido em paz. Hoje eu o
peguei vendo uma foto dela, sabia? Ele disse que vocês são idênticas, só
confirmando o que eu e todo o mundo já sabíamos. Fiquei morrendo de
ódio, mas tive que sorrir, confirmar e achar tudo lindo para o bem do nosso
casamento. Contudo, agora vou mostrar para a filhinha preciosa dele o
quanto ela parece com a mãe. Coma!
Engulo as lágrimas e a obedeço.
Pego a maçã do chão, dou uma mordida e, mesmo diante de toda essa
situação, consigo sorrir por estar comendo alguma coisa.
Como com tanta fome que, tão logo percebo, estou catando os restos
que voaram, ignorando as altas risadas atrás de mim.
— Você é mesmo uma vira-lata nojenta. — Como Cora está às
minhas costas, não posso vê-la, porém, diante do seu tom de voz, aposto
que está prestes a vomitar. Isso é porque ela nunca passou um dia inteiro
sem se alimentar. Pessoas com fome fazem qualquer coisa. — Escute-me,
Kayla, ninguém nunca será capaz de te amar. Você é desprezível e
insignificante. Nenhum homem no mundo irá lhe dar valor. Nem mesmo o
seu pai.
Então ela me chuta mais uma vez e faz com que, dessa vez, meu rosto
encontre mesmo o chão, o gosto metálico de sangue enchendo a minha boca
e a minha língua.
Mesmo ferida de diversas formas, não sei se choro ou se sorrio de
alívio ao vê-la deixar a cozinha, grata por ter sido só isso. Não foi tão ruim
assim.
Ruim mesmo, na verdade, foi ter acreditado em cada uma das suas
palavras mais uma vez, crescendo de uma forma que o amor e as coisas
boas jamais pudessem chegar até mim.
Mas sim, eles chegaram.
E eu vou recuperá-los custe o que custar.
MESES ATRÁS, NO DIA DA APOSTA
No dia seguinte à festa que Kellan meio que me obrigou a ir, acordei
cedo, mesmo só tendo dormido duas horas e meia, pus a minha roupa de
corrida e fui correr, como faço todas as manhãs. Quando acabei, passei no
Starbucks e comprei meu capuccino e os donuts de morango da Elsa que,
para ser sincera, se tornaram parte da minha rotina e meio que o nosso café
não saudável, já que ela me espera, todos os dias, sentada no sofá enquanto
faz o seu skin care para comermos e conversarmos antes das nossas aulas
começarem.
Não sei se isso significa que estamos nos tornando amigas, mas
definitivamente significa que já não estou mais tentando fugir dela como
antes. Acabei percebendo isso na noite em que a vi tocando música e sendo
tão aberta para mim. Eu queria continuar ali, ouvindo a sua voz e escutando
sua canção, porque estavam aquecendo o meio do meu peito adormecido.
Ela parecia um raio de sol iluminando e clareando a escuridão ao nosso
redor, parecendo um fenômeno repleto de bondade, chegando até mesmo a
me emocionar. Foi muito puro e bonito, quase como em todas as vezes que
estamos juntas. O que mais admiro em Elsa, é que a garota é muito
paciente, tem muito respeito pelo próximo, já conhece os meus limites e
sabe como me cativar. Eu sabia que ela tinha potencial para me conquistar e
para demolir cada tijolinho que ergui em volta de mim, e talvez fosse por
isso que tentava me esconder e me manter longe. No entanto, depois de
assistir todas as suas tentativas de aproximação, não vejo mais motivos para
afastá-la, afinal, eu não sou um monstro sem sentimentos e Elsa não
representa mais uma ameaça como antes. No fundo, acho que quero ter
alguém para conversar no fim do dia, alguém para poder desabafar.
Sei que Kellan é essa pessoa para mim e sempre vai ser, só que ele é
um homem e nem sempre entende os meus problemas como uma outra
mulher provavelmente entenderia. Sem contar que ele é ocupado, tem seus
amigos e um time para se preocupar. Nem sempre meu irmão vai estar
disponível para mim e eu preciso começar a entender isso. Nossos
caminhos, um dia, irão se separar e aí, quando ele for embora, não sobrará
ninguém. Ninguém mesmo.
Mesmo que eu queira, acho que estou começando a ver que não tem
como se viver sozinha.
Preciso ser melhor nessas coisas de deixar alguém entrar, porque é
extremamente difícil para mim me abrir. Entretanto, com o tempo, quem
sabe a Frozen não se torna essa pessoa.
“Eu não reclamaria”, penso comigo mesma, pois algo me diz que
Elsa Castillo é incapaz de me magoar ou de magoar qualquer ser humano.
Passo pela porta do apartamento e, como sempre, ela faz uma mega
festa. Pega o pacote, contendo os doces, da minha mão e já corre para
sentar-se no sofá. Eu faço o mesmo, me acomodando ao seu lado. Tomei
muito do meu capuccino no caminho, mas deixei um restinho para desfrutar
ao lado dela, porque sei que vai me encher de perguntas e vai querer
conversar comigo até dar a sua hora de se trocar.
— Como foi a festa ontem? — menciona de boca cheia, os cantos dos
seus lábios já sujos pelo recheio rosa que vem na massa. — Sebastian
estava lá?
— Foi boa. — Dou de ombros ao bebericar o café. — Sim, ele estava
lá. — Não sei o que Elsa tem, tão pouco sei como seus olhos conseguem
passar tanta segurança para mim, porém sinto meu peito expandir com a
vontade esmagadora que sinto de contar cada detalhe de ontem. É como se
fosse uma urgência, como se eu precisasse da opinião dela quase como se
precisasse de ar para respirar. E olha que, há alguns dias, era eu quem
sempre encerrava nossas conversas. É, desde que entrei na MU, desde que
cruzei com Sebastian e até mesmo com ela, não sei mais quem sou. Estou
fazendo e desejando coisas, as quais acreditava nunca serem possíveis.
Minha vida, em poucas semanas, já está se tornando uma completa
bagunça. Deveria ser um sinal de alerta para me deixar assustada, apesar
disso não é assim que eu me sinto. Tudo parece estar acontecendo como
deveria estar. — Se eu te contar umas coisas, Frozen, você promete não me
julgar?
Seus olhos piscam e vejo a emoção os cobrir.
— Eu jamais te julgaria, Kay-Kay.
Respiro fundo ao balançar a cabeça.
— Nós trocamos provocações no jantar e ontem também. Ontem foi
tipo assim, o auge. Ele me encurralou na cozinha e me disse coisas que
qualquer garota normal gostaria de ouvir, coisas como: “você vai ser
minha” e “nós vamos formar uma família”. Aí eu o provoquei mais um
pouco na pista de dança, saí de lá com ele, bem, você sabe, naquele estado.
— Elsa, parecendo uma criança, arregala os olhos e um “oh” de surpresa
lhe escapa, o que me mostra que ela entendeu e eu posso continuar. — Fui
para fora da casa tomar um ar, depois fiquei com vontade de xixi, invadi o
quarto dele e...
— Você invadiu o quarto dele? — Choque toma conta de suas
expressões assim que decide me interromper.
— Isso não foi nem o pior — faço questão de deixar claro. — Eu o
peguei com a coisa na mão e a mão na coisa. Sebastian Skalbeck estava se
tocando, Frozen. Estava se tocando por mim, para mim e eu fiquei lá,
assistindo com a baba quase escorrendo pela minha boca. Ele continuou
falando e falando coisas e, minha nossa, eu já estava passando mal com
aquele ar tão quente. Eu o quis naquele momento. Pronto, confessei.
Não sei que merda falo de engraçado, mas a Frozen dá risada.
— Me engana que eu gosto. Você quis o quarterback só naquele
momento?
— Óbvio. Ele não faz meu tipo. — Pelo menos ele não deveria fazer.
— Entretanto, o amiguinho dele lá embaixo faz.
Elsa rola os olhos de forma dramática.
— Kay-Kay, qual o problema de você admitir logo de uma vez?
Passar vontade é mil vezes pior.
Solto um muxoxo.
— Sebastian é do tipo emocionado e que se envolve. E ainda sai por
aí dizendo ser virgem.
— Você não acredita? — Parece mesmo surpresa. — Eu sempre ouço
esse burburinho pelo campus e as pessoas meio que acreditam.
— Claro que acreditam. Sebastian Skalbeck é um deus e todos os
outros são seus súditos. A palavra dele é lei e ninguém vai contra.
— Pelo jeito você vai.
Dou de ombros.
— Um virgem não se portaria daquele jeito, com tanta confiança.
Franzo as sobrancelhas quando a vejo deixar seus donuts para se
aproximar de mim, sorrindo como se tivesse tido uma ideia genial.
— E se você descobrisse a verdade? — Me mexo
desconfortavelmente e meu estômago revira de uma forma estranha assim
que minha mente projeta eu e Sebastian juntos, íntimos a esse ponto. Eu
quero transar com ele, definitivamente quero, a única questão pesando é que
muito possivelmente o quarterback de Maevis não vai se contentar com
apenas uma noite. Receio que eu também compartilhe do mesmo
pensamento, o que é bem perigoso. Já percebi que nos períodos em que
estamos juntos, a última coisa que queremos fazer é ficarmos separados. —
Tipo, se for mentira você vai descobrir em um momento ou outro. Dá para
ver que Sebastian te quer, Kayla. Se chegarem nos finalmente, ele com
certeza vai querer mostrar seus dotes e fazer com que a noite seja incrível,
não ficar todo inseguro, mandar mal e pedir desculpas por ser inexperiente.
Se quer tanto descobrir, deveria correr atrás, assim vai poder ver se ele é um
babaca mentiroso ou não.
Arqueio a sobrancelha, mesmo que algo em mim esteja considerando
essa possibilidade.
— Você tá insinuando que eu devo me aproximar e transar com ele só
para descobrir isso? Me parece meio problemático, não?
— Ai, Kay-Kay. — Elsa solta um suspiro irônico. — Eu e o mundo
todo sabemos que você quer se aproximar por outros motivos também. Está
na sua cara o quanto está caidinha e não quer dar o braço a torcer. Se essa
coisa de ele ser virgem está martelando na sua cabecinha ainda, acho que
deveria descobrir. Que tal se você chegar nele e perguntar?
Franzo o nariz.
— Sim, porque ele vai admitir. — Rolo os olhos. — Óbvio que
Sebastian vai continuar com o teatro. Talvez ele até pense que pode me
conquistar assim, parecendo puro e querendo me fazer ser sua primeira.
Qual garota resistiria? — Elsa balança a cabeça, como se estivesse
concordando enquanto pensa. — E eu também não vou chegar e perguntar
algo tão pessoal assim, seria estranho.
— Então é melhor esquecer isso, realmente não vale a pena, você não
conseguiria descobrir, de qualquer forma.
Sei que ela não está fazendo isso para me atiçar, é realmente a sua
opinião, contudo isso mexe comigo de uma forma que não entendo, me
deixando com ainda mais vontade de descobrir, só para provar o meu ponto.
— Consigo sim — solto rápida.
— Consegue não.
A empurro com pouca força e faço um bico nos lábios.
— É claro que eu consigo.
— Duvido — retruca, me deixando ainda mais atiçada. — Para você
descobrir, você teria que passar mais tempo ao lado dele, se aproximar, ser
amigável e até mesmo, quem sabe, ir para a cama com ele. A primeira parte
nós sabemos que você não consegue e a segunda é realmente problemática
e totalmente sacana.
Sim, é realmente problemático. Apesar de achar que ele está mesmo
mentindo, eu jamais faria isso com Sebastian, até porque há algo em mim
que, meio que, gosta dele. Acho que é por isso que preciso descobrir essa
história de uma vez. Se ele for um farsante com um ego elevado, vou cair
fora e nunca mais lhe dar ouvidos. Não gosto de pessoas mentirosas e que
gostam de tirar vantagem dos outros.
— Não vou precisar chegar na parte de dormir com ele, vou descobrir
antes — garanto, agora uma ideia passa pela minha cabeça e faz todo o meu
rosto se iluminar. — Uma aposta. Vamos fazer uma aposta. Se eu conseguir,
você me compra café pelo resto do ano. Se eu perder, te devo donuts.
Falar em donuts faz a minha colega de quarto vibrar e parecer
animada.
— Donuts? — Seus olhos se arregalam nas órbitas. — Ai, meu Deus.
Sim, sim e sim. Você vai comprar donuts para mim até o nosso último dia
nessa universidade. — Concordo com a cabeça em meio às risadas, achando
engraçada sua afobação e, claro, sabendo que vou vencer. De repente, ela
fica toda séria e aponta o dedo indicador em minha direção. — Não vá
magoar o garoto, está bem? Não faça ele se apaixonar por você e nem você
se apaixone por ele. Seja rápida e tire essa história a limpo o quanto antes.
Se descobrir que Sebastian é mesmo um mentiroso, esfregue isso na cara
dele e se afaste. Se descobrir que tudo é mesmo verdade, então admita,
conte toda a história e peça desculpas.
— Até parece que eu vou me apaixonar por ele. — É a única coisa
que, de fato, quero contestar em toda a sua fala, no entanto, minha voz não
sai com a firmeza que eu gostaria e um gosto azedo paira em minha língua.
Céus, se Sebastian ou qualquer outra pessoa descobrir, estou ferrada.
Mas preciso tirar essa história a limpo ou vou enlouquecer. E, no fundo,
acaba sendo só mais um pretexto para saber se devo ficar ou se devo fugir.
Um garoto não deve ser tão perfeito assim, ele tem que ter algum defeito e
eu vou cavar fundo para descobrir, para ter ainda mais certeza de que não
devo acreditar e confiar em homem nenhum.
É tudo sobre ser um pretexto.
Inclusive, um maldito pretexto para permanecer ao seu lado sem
sentir peso na consciência.
Merda. Sebastian Skalbeck não deveria ter entrado tanto assim em
minha mente. Só que agora já era, o estrago já havia sido feito.
Sorrio para passar confiança e continuo falando, só para mencionar:
— Eu topo.
Eu escrevi uma carta para o Sebastian contando sobre toda a minha
história perturbadora e problemática, aquela que não consegui lhe contar
olhando-o no olho, por simplesmente ter medo de que finalmente pudesse
enxergar a minha sujeira, e a deixei guardada no meio de um dos livros da
minha estante porque, no fundo, ainda não tenho coragem de procurar por
ele, mesmo depois de passado um pouco mais de um mês do acontecimento
drástico que mudou as nossas vidas. Ainda não tenho coragem de ver tão de
perto todo o estrago que lhe causei e toda a destruição que trouxe para a sua
vida. O garoto, que eu jamais pensei que alcançaria meu coração, quebrou
bem diante dos meus olhos naquele maldito dia e eu não pude fazer nada,
afinal, não adiantaria, o estrago já havia sido feito e a merda tinha sido
jogada no ventilador para que ele, e o campus inteiro, pudessem
testemunhar tamanha humilhação e mágoa.
Ao contrário do que eu poderia fazer, não vou jogar toda a culpa em
Stacy Cameron. Sim, ela foi uma vaca por ter me atraído para o bloco de
Jornalismo sob chantagem, com uma mensagem enviada pro meu celular
que dizia: “Compareça à sala 004 do bloco de Comunicação às 16h em
ponto. Descobri o segredo que você estava guardando esse tempo todo,
vadia”. Sim, ela foi extremamente venenosa e maldosa por ter gravado
nossa conversa e transmitido para a Maevis University inteira. E sim, ela foi
uma filha da puta sem tamanho por ter arrastado o Sebastian para lá, só para
que ele pudesse descobrir da aposta da pior maneira possível, em meio a
tantos alunos o julgando. No entanto, mesmo assim, nenhuma das coisas
listadas acima consegue diminuir ou suspender o quão errada e o quão
baixa eu fui por ter feito algo desse tipo, mesmo que magoá-lo nunca tenha
sido a minha intenção. Acho que o que mais me mata e o que mais me
corrói por dentro, é ter ocultado toda essa parte da nossa história como uma
maldita egoísta.
Se eu tivesse sido sincera, o meu melhor amigo ainda estaria aqui e
ainda permaneceria sendo meu, ainda permaneceria sendo a melhor coisa
que me apareceu em anos e nós dois ainda permaneceríamos sendo... nós.
O problema é que topei essa aposta, apenas como um pretexto para
que eu acreditasse que o meu desejo de me aproximar tinha um motivo
torpe por trás, já que não queria admitir para mim mesma que eu não estava
mais querendo lutar contra nossa química explosiva, que eu não estava mais
disposta a resistir a ele e ao seu charme, que estavam me consumindo
durante dias e dias. Quando eu deitava minha cabeça no travesseiro, tudo o
que minha mente projetava era Sebastian Skalbeck e isso estava me
assustando para um caralho. Elsa Castillo, sempre que podia falava que eu
queria corresponder ao desejo e, como uma garota que tinha a intenção de
se negar a experimentar coisas boas e até mesmo se negar a embarcar em
possíveis relacionamentos saudáveis, por estar acostumada demais com
turbulências e valores invertidos, não vi outra alternativa e foquei demais na
virgindade dele. Porque, era como se, ao mesmo tempo em que eu precisava
me aproximar, uma parte de mim, aquela que não tinha fé nenhuma na
humanidade, provasse o meu ponto de que ele era só mais um garoto
mentiroso que estava precisando de atenção e queria ganhar a minha de
qualquer jeito. Me aproximei, me infiltrei em sua vida, ele se infiltrou
pouco a pouco na minha e muitas das vezes, durante o tempo em que
estávamos só nós, não me lembrava de que tinha algo para investigar ou
algo para provar, nenhum vislumbre da aposta se passava em minha mente,
até porque Sebastian era tudo o que eu via, ouvia e tudo o que eu queria
prestar atenção. Me arrependi de ter feito tamanha bobagem no minuto em
que percebi que o conhecia o suficiente para saber que nunca, sob hipótese
alguma, estaria mentindo sobre algo tão importante e pessoal. Ele nunca
tiraria vantagem com essa história e jamais faria algo do tipo para
colecionar um par de mulheres fanáticas correndo aos seus pés. Sebastian
não queria nenhuma outra, ele me queria.
Tão logo me permiti enxergar o que estava tão claro quanto água
cristalina, me senti tão, tão, tão estúpida e envergonhada. Assim que tive a
confirmação, no dia em que transamos pela primeira vez, eu já estava
apaixonada, já sabia que estava porque me dei conta desse sentimento no
dia em que Sebastian ficou ao meu lado após uma crise forte de ansiedade e
naquele momento tão especial em seu quarto, prometi a mim mesma que
todo o lance da aposta estava acabado e que nunca deixaria que ele
soubesse que um dia fiz algo tão burro assim, pensando tão pouco dele
quando ele sempre foi tão grande para mim. Estava decretado o fim e eu
mesma fiz questão de contar à Elsa em uma das nossas conversas na fila do
refeitório e acho que foi exatamente nesse lugar que algum seguidor fiel da
Stacy escutou com sua audição de fofoqueiro muito aguçada.
E aí, tão simples como começamos, acabamos.
Vale ressaltar que eu sei que fui insensível, mentirosa e totalmente
errada, só que nunca foi minha intenção levá-lo para a cama para roubar sua
virgindade, como toda a faculdade acredita. O intuito da aposta era
descobrir se era verdade ou mentira e eu confiava plenamente que, me
aproximando, Skalbeck deixaria alguma evidência e eu logo a obteria no
meio do caminho. Não descobri. Na verdade, acho que nunca nem quis.
Quanto mais tempo eu passava ao lado dele, quanto mais momentos
colecionávamos, mais eu me concentrava em outras coisas ao seu respeito.
Conhecê-lo de verdade foi lindo, mágico e encantador. Conhecê-lo de
verdade foi visitar lugares nunca visitados antes, sem nem ao menos sair do
lugar. Conhecê-lo de verdade foi enxergar o céu depois da chuva e
realmente encontrar o arco-íris. Conhecê-lo de verdade foi ver a outra
faceta da vida e das pessoas. Conhecê-lo de verdade foi, de pouquinho em
pouquinho, sem pressa, sem pressão, como me abrir para a amizade, para o
amor e para inesquecíveis experiências. Conhecê-lo de verdade foi sair da
zona de conforto, me arriscar no novo, me libertar de certas amarras, me
despir de corpo e alma e sentir a maior das plenitudes. Conhecê-lo de
verdade também foi como me conhecer, conhecer um lado meu, até então,
adormecido, silencioso e inabitado. Nada parecia errado ao lado dele. Tudo
parecia certo, simples e destinado. Não havia feiura, maldade, mágoa,
rancor, arrependimento ou qualquer coisa que pudesse nos manchar de uma
forma irreparável.
Infelizmente, não posso dizer o mesmo de agora.
Através da sua carta aberta, que também não julgo e acho que acabei
merecendo, eu vi a sua dor e o quanto estava destroçado por ter entendido
tudo errado. Se a coisa já era ruim, Stacy Cameron e toda aquela situação,
fizeram parecer que era um milhão de vezes pior. Minha história se agravou
e foi distorcida. Para Sebastian, tudo não passou de uma aposta, de uma
farsa, de um jogo ou de uma conquista barata para massagear meu ego. Ele
acredita que viveu tudo aquilo sozinho e que eu só estava atuando com um
único propósito: sua primeira vez. Ele acha que agi na maldade, na
perversidade e que sou a pior pessoa do mundo. Se antes havia paixão ou
amor, hoje só resta nojo, repulsa, raiva e até mesmo ódio. Ter a ciência de
que fui eu a responsável por matar a sua luz, é pior do que todas as
agressões físicas que sofri ao longo dos meus anos na Pensilvânia, dentro
daquela casa horrível e traumática. Dói mais do que os tapas, machucados e
puxões no cabelo. Dói como se nunca fosse sarar.
Ver a pessoa que você mais ama sofrer e não poder fazer nada, é
como estar encurralada dentro de um beco sombrio. Não há um dia em que
eu não chore, trema, sinta frio e me depare com monstros gigantes e
sufocantes olhando diretamente para a minha alma, desejando me punir.
Queria que ele soubesse que fui impulsiva, errada em diversos
aspectos, que tive pensamentos bobos e totalmente maquiados por uma
Kayla cheia de defeitos e que não se permitia enxergar a bondade, que não
queria dar o braço a torcer, que queria sair por cima e que não admitia
baixar a guarda ou os muros à sua volta, queria que soubesse o quanto estou
me martirizando e me maltratando por ter feito tantas escolhas equivocadas
ao longo da minha vida. Queria que ele soubesse e entendesse que, mesmo
bem antes de ter compactuado com essa ideia de aposta, eu já o queria de
tantas formas que me sentia assustada pelo peso da nossa atração e conexão.
Queria que soubesse que gostei da sua figura e do seu jeito desde o primeiro
instante, naquele nosso primeiro encontro no estádio. Queria que soubesse
que fui verdadeira e cem por cento eu em todos os nossos momentos; as
brigas, as trocas de farpas, todas as vezes em que me abri, coisa que nunca
consegui fazer com nenhuma outra pessoa, os nossos encontros às
escondidas, os nossos beijos, os nossos carinhos, as nossas leituras, as
nossas histórias e até mesmo o dia em que usei a sua camiseta do time.
Queria que soubesse que eu a usei porque eu quis. Não foi por causa da
nossa pequena brincadeira de corrida ou qualquer outra coisa, usei porque
queria estar com ela, porque queria que me visse com seu sobrenome e seu
número atrás, metade porque queria fazer inveja para as garotas que o
desejavam e metade porque queria sentir o gosto de estar dizendo a toda
cidade o quanto ele era meu, o quanto eu era dele e o quanto estávamos
mais juntos do que nunca.
Porque até parece que eu, do jeito que eu sou, faria algo que eu não
quisesse ou não sentisse a mínima vontade.
E queria que soubesse também que não planejava, mas me apaixonei.
Me apaixonei com todo o meu coração machucado e remendado. Me
apaixonei pelo seu sorriso, pelo seu jeito de enxergar o lado bom em tudo,
pelo modo como protege e faz tudo por quem ama, pelo modo como é
sincero, pelo fato de não ter medo de ser quem é, por entender, respeitar, se
entregar, amar, apoiar e não abandonar os seus amigos. Me apaixonei pelo
seu lado determinado, cheio de garra, cheio de paixão, romantismo e até
mesmo cheio de ousadia. Me apaixonei por todas as suas qualidades e os
seus defeitos. Embora desconhecendo o sentimento e não sabendo como
demonstrar ou até mesmo falar dele para um outro homem que não fosse o
meu irmão, eu o amei e dei o que achava ser o meu máximo. Deus sabe o
quanto eu tentei e o quanto me esforcei. Deus está de testemunha do quanto
o priorizei, do quanto nos priorizei e do quanto tentei afastar meus
demônios do nosso relacionamento. Eu empurrei a poeira para debaixo do
tapete e tentei ser uma versão melhor de mim. Eu me abri, eu me tornei
vulnerável e agi como nunca havia agido antes, que foi dando oportunidade
para as pessoas: Elsa, Sebastian e todas as raposas. Ocultei a parte do meu
cérebro que morria de medo da maldade humana e, dia após dia, quis viver
mais como uma garota normal da minha idade do que como um robô
programado para não sentir, que foi o estilo de vida que quis seguir após ter
comido o pão que o diabo amassou. Ou melhor, o pão que Cora Benson
amassou.
E de novo eu agi errado e de forma impensada, sem saber os danos
que isso poderia me causar no futuro, pois não tem como tapar o sol com a
peneira, não tem como apagar, diminuir ou camuflar nossos traumas. Não
tem como se doar e amar uma pessoa quando você passou anos se
castigando, se menosprezando, se odiando, amaldiçoando sua existência e
extinguindo qualquer coisa que pudesse lhe fazer feliz. Não tem como amar
outra pessoa da forma mais correta e saudável quando você não faz isso
nem consigo mesma. Precisei passar pela coisa mais horrível do mundo
para poder me dar conta. Disse que vou buscar por ajuda na carta que
escrevi a Sebastian e é verdade.
Sempre fui daquelas que achava que terapia era uma perda de tempo,
que sentar para relatar meus problemas a um desconhecido não resolveria
ou apagaria nenhum deles, só me faria relembrá-los e passar por mais
sofrimento, então eu preferia tentar superar à minha maneira. Contudo,
agora me vejo pronta para dar uma chance a um psicólogo. Preciso que um
profissional capacitado me ajude a superar tudo isso ou não vou aguentar.
Preciso saber lidar com o meu passado, com as minhas feridas não
cicatrizadas, com toda a rejeição e abandono familiar e agora, com os danos
que causei a Sebastian. Está insuportável viver com a culpa. Ao contrário
de antes, não estou mais tendo pesadelos com as surras que recebia na
infância da minha madrasta e sim, com o momento em que vi o capitão do
Maevis Fox com os olhos vermelhos e cheios de lágrimas após me ouvir,
seu queixo trêmulo segurando o choro e seu corpo girando para fugir
daquele lugar enquanto eu gritava a plenos pulmões, implorando para que
ele ficasse, me ouvisse e me concedesse seu perdão.
Eu iria me humilhar naquele momento, mas as coisas aconteceram
como tinham que acontecer, presumo. Realmente não faço ideia de como
ele está, não tenho o visto e, bem, também não é como se eu estivesse
saindo muito desse dormitório. Eu não corro mais toda manhã, não passo
mais no Starbucks, não vou à academia e só saio do meu casulo para assistir
às aulas, nas quais sempre faço questão de chegar primeiro que todo
mundo, inclusive do professor, só para poder me enfiar nas últimas cadeiras
para que ninguém me veja. Toda vez que saio para ir até as aulas e tenho
que andar pelo campus, saio com disfarce para não ser notada. Não sei se
alguém andando de moletom com capuz na cabeça, calças largas e óculos
escuros no rosto pode passar despercebido, porém é assim que me sinto
confortável agora, como um escudo. Não faço isso por vergonha, embora
também tenha sentido, e sim por proteção. As pessoas ficaram tão
fervorosas com a carta de Sebastian no jornal que eu estava perto de sofrer
linchamento por parte dos alunos. Os ânimos só se acalmaram um pouco
assim que o reitor interviu com um comunicado para que me deixassem em
paz.
Isso fez com que as pessoas ficassem com mais raiva de mim? Com
certeza. No entanto, por outro lado, pelo menos não tenho mais ninguém me
xingando todas as vezes em que decido pôr os pés nos arredores da
universidade.
— Kay-Kay, cheguei! — É o que escuto de Elsa quando ela acaba de
fechar a porta, após terminar uma de suas aulas de Música. Não venho
dando muitos sorrisos ultimamente, entretanto a minha amiga sempre
consegue alcançar esse feito com a sua alegria. Sim, amiga. Na verdade, se
Sebastian era o meu melhor amigo, Elsa é a minha melhor amiga. Todo
mundo me virou as costas, menos ela, que também ficou triste e se sentindo
culpada por tudo que aconteceu, mesmo que eu tivesse garantido que ela
não tinha nada com o que se preocupar. O único papel errado é o meu. Era
eu quem estava tendo um relacionamento com ele, não a Frozen. A
sinceridade tinha que vir de mim e ela já havia me avisado que, caso tudo
mudasse, eu tinha que contar. Não foi o que aconteceu. Nós ficamos
chorando uma no colo da outra quando tudo aconteceu, porque Elsa não
suportou me ver desmoronar e saber que Skalbeck também estava mal, tudo
por coisas bestas que pensamos. Sei que ela ainda se sente muito triste com
a situação, ainda assim, passou por cima de qualquer sentimento para me
dar apoio, principalmente quando eu decidi lhe contar todas as minhas
vivências traumáticas. Nossa ligação se tornou ainda mais forte e sólida
desde aquele dia. Posso não passar no Starbucks todos os dias, mas ela faz
isso por mim. Sempre chega cedo e nunca sai, ficando ao meu lado para me
entreter com suas músicas autorais, seus cantores latinos e até mesmo com
suas curiosidades sobre a Argentina, que sempre agrega de alguma forma
no meu conhecimento. Em um dia desses, Elsa até escreveu algo para mim,
só que não quis me mostrar, alegando que não estava pronto ainda. Ela
ainda é a única coisa que me coloca lá em cima e me faz ver que tudo pode
melhorar. Se eu não a tivesse comigo, se eu a perdesse também, estaria no
fundo do poço e nada mais faria sentido. Tudo está escuro, contudo Elsa
Castillo segue sendo o meu raio de sol e a minha luz no fim do túnel. —
Espero que esteja pronta, pois marquei de visitarmos a doutora Ella às
14h30.
Doutora Ella.
Confesso que uma gota de suor escorrega pela minha espinha ao
escutar o nome da minha futura terapeuta. Elsa que conseguiu para mim,
parece que é conhecida dos pais dela, algo assim. Ela que também agendou
a consulta para mim e que irá me levar até lá. Ainda não é a minha primeira
sessão, é mais para que eu a conheça e para que eu possa me sentir mais à
vontade com a ideia da terapia. Eu gostei da ideia que a doutora sugeriu por
telefone, acho que será bom para mim, só que não consigo não sentir aquela
pontada de apreensão.
Me ponho em pé assim que Elsa entra em meu campo de visão,
ganhando um positivo da sua parte ao ver que já me encontro arrumada.
Minha amiga balança as chaves do carro, que ganhou há duas semanas, em
frente ao rosto e diz:
— Vamos?
Faço que sim com a cabeça e afundo as mãos nos bolsos da minha
calça jeans folgada e rasgada nos joelhos. Estou usando uma camiseta preta
e larga do filme Velozes e Furiosos com o Paul Walker estampado e tênis
Nike Jordan. Acho que esse é o único esforço que posso fazer para me
manter longe dos pijamas, que é o que mais venho usando ultimamente.
Respiro fundo, ajeito a alça da bolsa em meu ombro e arrasto os meus pés
até estarmos próximas. Por um segundo, sou pega desprevenida quando
Elsa resolve jogar os braços ao redor de mim, me envolvendo em um
abraço, que constantemente sinto necessidade de sentir. Desfaço minha
expressão de susto, a abraço de volta, inspiro seu perfume e estico os lábios
em um pequeno sorriso de familiaridade. Lágrimas sobem aos meus olhos
no momento em que a escuto sussurrar em meu ouvido, para me dar força
para o grande passo que estou dando hoje:
— Você é a pessoa mais forte que conheço e eu estou muito orgulhosa
de você hoje, de você amanhã e de você daqui a alguns anos, quando estiver
vivendo a vida que está lutando para viver. Você é e sempre será a minha
rocha, Kayla Benson. — Sinto o seu aperto forte e decido passear com as
mãos em suas costas, agradecendo-a silenciosamente. — Como uma irmã,
você nasceu destinada a mim — diz aquilo que me disse assim que nos
conhecemos, uma frase que aprendeu com a sua família.
— Como uma irmã, você nasceu destinada a mim — repito,
emocionada e com a voz embargada. — Você é o meu raio de sol. E eu te
amo pra sempre.
Ela coloca as mãos nos meus ombros e me afasta minimamente,
encarando as minhas írises com as suas inundadas por lágrimas, sua boca
entreaberta.
— Você disse que me ama? — Pestaneja. — Você disse mesmo que
me ama? Mesmo, mesmo, mesmo?
Libero uma risada fraca em meio às gotas de água que deslizam por
minhas bochechas.
— Sim, Frozen, eu disse. Aprendi muita coisa nesse um mês e uma
delas é que não posso mais esconder o que sinto, depois pode ser tarde
demais. E eu te amo.
O sorriso que estava me dando simplesmente duplica.
Eu disse duplica? Não, eu quis dizer triplica.
— Eu também te amo. Muito. Pra sempre.
— Promete? — Faço biquinho. — Não posso perder você também.
— Me perder? Há, há! — Joga a cabeça para trás ao manipular uma
risada. — Isso só vai acontecer quando o último mar secar.
— Isso quer dizer nunca? — brinco.
— Definitivamente.
Rio mais uma vez e a puxo junto a mim, para que possamos ir ao
encontro da doutora Ella. Entramos no seu carro, deixamos o rádio baixinho
e seguimos conversando sobre aleatoriedades até chegarmos no consultório,
onde logo somos recepcionadas por uma bela moça jovem, na casa dos
trinta e poucos anos com o cabelo ruivo, quase puxado para o vermelho, no
estilo Chanel. Ela parece doce e transmite amor em seu olhar, e sem demora
suponho que seja a tal doutora Ella Pratt.
— Olá, meninas. — Nós duas a cumprimentamos de volta e Elsa
entrelaça nossas mãos assim que percebe que estou ficando nervosa. — É
um prazer, Kayla. Deseja beber alguma coisa? Nós temos água, suco, café.
— Capuccino tem? — a minha amiga pergunta por mim, esticando o
pescoço para observar as opções. — É que é o favorito dela.
— Claro. — Ella sorri. — Nós temos uma máquina de café bem ali.
Acho que vamos nos dar bem, querida, cappuccino também é o meu
favorito.
Fico genuinamente feliz, afinal, não tem como não gostar de alguém
com tão bom gosto. Sorrio em reposta e a acompanho.
Um passo de cada vez e tudo ficará bem.

Uma hora e meia de conversa e passeio, e já consegui perceber que a


doutora Ella é mesmo uma mulher profissional, que sabe como conduzir
uma conversa leve, descontraída e capaz de deixar qualquer um à vontade.
Não foi nem uma sessão e eu, quando percebi, estava contando algumas
coisas sobre o relacionamento incrível que estraguei e escutando algumas
histórias da parte dela, que me trouxeram um pouco de esperança. Saí de lá
muito mais conformada com a ideia da terapia e me vi um pouquinho
ansiosa para retornar o quanto antes. Ainda bem que marcamos já para a
próxima semana.
Agradeço à Elsa por ter vindo no instante em que ela estaciona na sua
vaga em frente ao nosso dormitório e recebo um aperto de mão suave, como
se a minha amiga dissesse, através do gesto, que não tenho o que agradecer,
que sempre fará as coisas por mim. Eu realmente acredito nisso.
Abro a porta do carro, desço, a fecho e, assim que escuto um barulho
de pessoas próximas, viro sobre os ombros só por curiosidade. Todo o
sangue some do meu rosto e eu fico pálida no segundo em que meus olhos
percebem meu irmão, Lionel, Justin, Daniel e... Sebastian. Meu coração
acelera, eu arfo e afundo os incisivos na carne do meu lábio inferior para
evitar chorar só com o simples fato de eles estarem caminhando do outro
lado da rua, na calçada, tão perto e ao mesmo tempo tão longe de mim. É a
primeira vez que o vejo desde aquela tarde do mês passado, e meu corpo
todo fica amolecido, não consigo sentir as minhas malditas pernas. Parece
como um sonho ruim. Minha voz não sai, eu não consigo sair do lugar e
tudo ao meu entorno congela.
Ele está ali, de cabeça baixa, sem nem prestar atenção na conversa
dos seus amigos, como se só estivesse existindo. Ele exala dor e isso me
machuca. Não há postura de confiança e nem os passos certeiros. Não
parece nem um pouco com o Sebastian Skalbeck que eu costumava
conhecer.
Meu peito afunda, a minha visão embaça e ar me falta. Era por isso
que não queria vê-lo. Céus, eu definitivamente sabia que ainda não estava
pronta para ver com os meus próprios olhos o tamanho do estrago que fiz.
Foi grande. Explosivo. Intenso. Feio. Caótico. Sua figura demonstra isso
para qualquer um ver. Ele anda e os cacos do seu coração ficam para trás
em um rastro de sangue.
Eu o machuquei. Eu fiz isso. Mordo com mais força os meus lábios,
que começam a tremer, e sinto quando Elsa paira ao meu lado, pondo as
mãos em meu braço, tentando me tirar daqui e dizendo algo que não escuto,
porque estou presa nessa maldita cena.
Sebastian não olha para mim em nenhum momento durante sua
passagem, duvido que sequer tenha percebido, por estar desatento demais,
mas Kellan percebeu. Meu irmão ergue o queixo e me encara com seus
olhos tristes. Mágoa e decepção é tudo que vejo por ali. Não sei como anda
o relacionamento dele com seu capitão, porém sei como o nosso se
encontra. Estremecido. Quebrado. Repleto de tristeza e de incredulidade.
Assim que ficou sabendo do ocorrido, meu irmão veio checar comigo se era
mesmo verdade e eu confessei. Foi a primeira vez, depois de anos, que o vi
chorar na minha frente. Ele não suportou a mentira, a enganação e tudo o
que fiz por suas costas, como se nossa irmandade e parceria nunca tivesse
existido um dia. Ele também ficou bastante decepcionado com a aposta,
dizendo que não havia me criado para agir dessa forma com outra pessoa.
Foi como um tapa na cara e tanto. Fiquei tão abalada que nem consegui
pedir desculpas de forma digna no dia.
Kellan não deixou de falar comigo totalmente, só que vem me
evitando e deixando claro que esse é seu desejo por enquanto. Por isso que
dói logo que ele simplesmente desvia o olhar e sai andando. Todos eles
fazem isso, na verdade.
Durou pouco, entretanto foi o suficiente para perceber que não restou
nada. Minha escolha foi como um tsunami que atingiu todo mundo. Não há
uma única alma que tenha se salvado da minha onda destruidora. Estamos
todos afogados.
Elsa me arrancou de lá de fora e me trouxe para dentro do nosso
dormitório, agora me está me entregando um copo de água enquanto eu
tento assimilar os últimos cinco minutos da minha vida. Dor. É tudo que
vejo passar diante dos meus olhos. Uma catástrofe absurda de sentimentos
profundos, palavras não ditas e coisas mal resolvidas, que nos apunhalam
nas costas todas as vezes em que tentamos fingir que nada está
acontecendo. E eu me sinto sangrando agora, assim como sinto que tenho
sangue em minhas mãos, já que sou a causadora de todas as coisas ruins que
aconteceram às pessoas que amo e me importo. Eu manchei todo mundo
com o meu vermelho escarlate e não há maneiras de desfazer a cena do
crime. Nossos vestígios estão por toda parte e a minha única sentença é
permanecer sob castigo, e tenho certeza que, no que depender deles, viverei
para sempre presa dentro dessa bolha sufocante de arrependimento.
Agindo como um robô, ainda presa no momento que acabou de
acontecer, aproximo meus lábios da borda do copo e me forço a tomar um
gole, ainda com a minha amiga parada à minha frente, me incentivando. O
líquido gelado desce como cacos de vidro por minha garganta ao passo que
minhas mãos trêmulas circulam e apertam o copo com força para que ele
não caia, de tão fraca que me sinto. O choro entalado volta à tona e não
consigo mais segurar, nem por um segundo, o grito irrompe do meu peito e
se alastra por todo o perímetro ao nosso entorno. É forte e tão do fundo da
minha alma, que tanto meu coração quanto minhas costelas doem. Já chorei
das outras vezes, óbvio, só que nada se compara a agora, porque, embora eu
imaginasse o quão horrível estava sendo para todo mundo, tive a minha
confirmação face a face e ela foi cem vezes pior do que a minha mente
conseguia projetar, acho que até por autopreservação, e olha que eu
imaginava muitos cenários diferentes.
É como dizem, por mais que a ficção pareça horrível, a vida real
sempre será muito mais assustadora. A realidade não passa de uma vadia
cruel. Igualzinha a você, é como me diriam.
Assim que me vê soluçar, Elsa rapidamente afunda no lugar vago ao
meu lado, retira o copo da minha mão, o apoia em qualquer outro suporte
que o mantenha intacto e me traz para o seu peito, me aninhando como se
eu fosse uma criança precisando de cuidados. E, bem, é exatamente isso que
eu sou e acho que sempre serei, uma criança que não foi cuidada o
suficiente e que no fim do dia ainda busca por consolo e um colo seguro.
— Às vezes eu queria nunca ter existido — declaro ao macular a
roupa da minha amiga com o meu choro. — A vida de todo mundo seria
melhor sem... sem... sem mim. Minha mãe ainda poderia estar viva e meu
pai poderia não ter conhecido a Cora. Meu irmão não precisaria se importar
com as minhas merdas e Sebastian... — Paro por um segundo, porque só
mencionar o nome dele dói demais. Fecho os olhos e deixo mais lágrimas
caírem. — Sebastian continuaria com o seu coração preservado e longe de
uma garota problema. Céus, Elsa, estou farta de ser um peso para todo
mundo. Mesmo quando eu quero fazer a coisa certa, sempre acabo
estragando tudo de um jeito ou de outro. Eu definitivamente não nasci para
ser feliz e sempre ficar me dando conta disso é exaustivo. Eu não aguento
mais. Porra, eu... eu realmente não aguento.
— Shhh. — Ela me abraça ainda mais e desce as mãos pelas minhas
costas em um movimento de vai e vem, na intenção de me tranquilizar e me
dar apoio. — Pode chorar no meu colo, me sujar toda de baba e catarro e
falar qualquer coisa que desejar, mas, por favor, Kay-Kay, não mencione
uma coisa dessas de novo, me machuca. Estamos passando por um
momento difícil agora, porém tudo irá se resolver, vamos dar tempo ao
tempo. Não há remédio melhor do que ele e você verá. Deus tem um
propósito grande na sua vida, eu sinto. Pode ser um “não” agora, contudo lá
na frente poderá ser um “sim” e tudo fará sentido. — Eu limpo minhas
bochechas com as costas da mão, dou um último suspiro tão logo percebo
que não estou mais chorando compulsivamente e conecto nossas írises,
tentando pegar a sua bondade, o seu amor, a sua fé, tudo que há nela e
colocar dentro de mim. — Eu te amo, Kayla. Eu sempre soube que te
amaria e sempre soube que você estava destinada para mim, como minha
alma gêmea. Eu já te disse que almas gêmeas nem sempre são casais, certo?
— Confirmo com um lento menear de cabeça e minha melhor amiga sorri.
— Bom. É isso aí. Você é a minha. Entrou nesse dormitório e eu
simplesmente senti que precisava te trazer para a minha vida. Agora me diz,
como você pode amaldiçoar sua existência, se ela é o fato da minha fazer
um pouco mais de sentido? — Elsa desliza o dedo pelo meu nariz, seca as
lágrimas de emoção, que agora eu derramo, e beija a minha testa. — Kellan
também ama você e sei que sabe disso. Aposto que te ama mais do que ama
a si próprio, por isso que está se sentindo tão traído, na cabeça dele você
jamais poderia esconder dele algo tão importante. No fundo, ele está no
direito dele, precisamos respeitar e esperar até que se sinta pronto para lhe
ouvir e lhe perdoar. Nós duas sabemos que logo, logo isso irá acontecer.
Vocês são família e família nunca se separa.
“Sim, é verdade. Kellan eventualmente me perdoará, mas a nossa
confiança estará quebrada para sempre. Perder isso, definitivamente, é o
que mais me destrói”, penso comigo mesma enquanto Elsa segue falando.
—... e, mesmo com tudo, Sebastian te ama e sempre vai te amar. Você
é o primeiro amor dele e ele o seu. Se for para vocês ficarem juntos, vocês
vão encontrar um caminho de volta um para o outro.
Sorrio. Ou pelo menos tento.
Mesmo acreditando que as coisas não vão ser tão fáceis, afinal a
mágoa é muito grande, ainda assim é bom escutar suas palavras, que eu sei
que são sempre tão sinceras e cheias de significado.
— Obrigada — digo do fundo do meu coração. — Por tudo. E me
desculpe por te enfiar nessa minha bagunça caótica. Olha para você, está
toda molhada. Deixe-me compensá-la, me diga o que posso fazer.
— Nossa. Hmmm, credo. Isso soou errado.
Solto uma gargalhada genuína ao perceber o duplo sentido da frase,
rindo ainda mais assim que ela transforma seu rosto em uma careta
engraçada. Faço o mesmo.
— Só você para me fazer rir numa hora dessas. — A empurro para
trás e faço com que Elsa se deite ao cair, também explodindo em risadas,
com direito a mão na barriga e tudo. — Que mente podre a sua, garota.
Credo digo eu, agora. Não sabia que a minha melhor amiga era uma
diabinha se fingindo de anjinha por aí. Por acaso fui enganada esse tempo
todo?
Para piorar toda a situação, ela ainda dá de ombros e me olha de
forma debochada.
— Você não viu é nada.
— Ewww. Não fala assim. Você é só uma criança.
Elsa, que até então tinha parado, volta a rir.
— Nem você acredita nisso, Kay-Kay. Minha vida sexual não é muito
ativa, mas eu...
Entreabro os lábios em surpresa com o seu atrevimento e depois
tampo os ouvidos, antes que possa continuar.
— Cala a boca, não quero escutar. — Balanço a cabeça e fecho os
olhos. — Lálálálá Lálálálá.
Mais risadas.
Quando percebo, estou inserida nessa também.
— Tá certo, irmã mais velha, parei — decreta, depois de afastar as
minhas mãos das minhas orelhas. — Não vou falar mais nada. Por
enquanto. Porém, se quer me compensar mesmo, por eu ter te abraçado
quando você estava uma nojenta, já tenho uma ideia genial. — Suas
sobrancelhas dançam de forma sugestiva e eu automaticamente uno as
minhas. — Vamos tirar essa tarde para o dia das garotas, o que acha?
Vamos ao SPA primeiro para relaxar, sei que está precisando, e depois salão
e compras no shopping. Tudo por minha conta.
Nego de imediato.
— Nem pensar, não estou a fim de sair mais uma vez e de jeito
nenhum que quero você gastando comigo.
Como se fosse simples, a Frozen sorri.
— Querida, não sei se você se esqueceu, só que meus pais têm
dinheiro e eu sou filha única. E eles também me ensinaram que, se eu puder
fazer alguém feliz, nem que seja por um momento, não importa o quanto eu
gaste, devo fazer sem nem hesitar, então receba essa minha oferta como um
presente. — Não tenho tempo de mencionar nada porque Elsa se levanta e,
uma vez em pé, estende o braço e me puxa junto em um rompante, me
fazendo quase tropeçar. — Vai, Kay-Kay, se arruma. E não fique com essa
cara de receio, eu amo dar presentes, puxei aos meus pais. Quando eu me
tornar uma cantora bem famosa e milionária, te darei o mundo e tudo que
quiser, estou falando muito sério. — Aponta o dedo em riste. — Sei que
está triste e não quer sair, mas você disse que iria me recompensar. Prometo
que o restante do dia será tão incrível que apagará, por ora, o que aconteceu
mais cedo. Vai te fazer bem, Kay-Kay.
Penso por um ou dois segundos, entretanto logo constato que ela tem
mesmo razão. Preciso sair e me distrair. Se eu continuar aqui, permanecerei
chorando, colocando mil coisas horríveis na minha cabeça e me afundarei
ainda mais. A consulta com a doutora Ella é só na próxima semana, até lá
preciso achar maneiras de ocupar meu tempo e a minha cabeça para não
colapsar.
Solto um suspiro enquanto espalmo a minha cintura.
— Então vamos para o nosso dia de garotas.

Acho que Elsa escolheu o melhor SPA de Maevis, porque é bem


chique, todo em tons de verde e com uma ambientação muito moderna, que
grita dinheiro e puro luxo. Sem contar o fato de ser enorme e ter várias
opções de tratamentos estéticos e relaxamento. Por falar em relaxamento,
depois da massagem totalmente incrível, que parece ter tirado um peso das
minhas costas e do meu corpo, eu e a Elsa decidimos ficar aqui fora nas
espreguiçadeiras, para tomarmos um pouco de sol. Nós estamos com uma
toalha enrolada em nossos cabelos, de roupão no corpo, com máscara facial,
rodelas de pepinos em nossos olhos e bebendo drinques de limão na maior
pose de madame.
Quem vê, até pensa que somos mesmo.
A minha amiga pode até ser, já eu definitivamente não sou e não
tenho nem um pouco de costume com ambientes desse nível. Meu pai
nunca teve muito dinheiro para mim e para o meu irmão. Vivíamos em um
bairro simples, em uma casa aparentemente simples e com vidas simples,
sem grandes diversões. Óbvio que ele se divertia com sua esposa, óbvio que
ela extorquia o máximo que conseguia dele e do dinheiro dele, porém,
como tudo era destinado apenas para os dois, não sobrava muito para mim e
Kellan. Nós nunca viajamos de avião como eles, nunca ficamos hospedados
em hotéis como eles, nunca passeávamos muito em shopping como eles e
quase todas as nossas roupas vinham de bazar ou de alguma feira que
estivesse acontecendo na cidade. Se quiséssemos comprar alguma coisa,
muitas das vezes tínhamos que juntar ou um pedir emprestado para o outro.
Fora as vezes em que só eu passei fome naquela casa, sentindo a minha
barriga doer verdadeiramente por falta de alimento. Tínhamos uma vida
completamente miserável e não digo isso só pelas coisas que não fazíamos
ou deixávamos de fazer, mas sim pelo todo daquela família. Se tivéssemos
o básico, que era o amor e a atenção, certeza que cresceríamos não nos
importando com o resto. No entanto, nem isso. Tanto eu quanto Kellan
éramos carentes. De tudo.
Estar em um lugar como esse é fora da minha realidade, porém
confesso que a garota ao meu lado deixa tudo confortável e divertido,
realmente faz todos os meus problemas desaparecerem feito fumaça. Tenho
ainda mais certeza disso quando ela tira as rodelas de pepino dos olhos e me
faz tirar também, abrindo um largo sorriso logo depois, como se tivesse tido
a melhor das ideias. Outra vez, pelo visto.
— O que foi? — questiono assim que repouso o drinque com o
canudo de guarda-chuva na pequena mesinha que nos separa e ela ainda
está me esquadrinhando. — O que você está pensando em fazer agora?
Elsa chacoalha os ombros e estala a língua no céu da boca.
— Dã. Selfies. — Seu celular prontamente aparece em frente ao seu
rosto, com o flash me pegando desprevenida, indicando que tirou uma foto
espontânea minha. — Vem, senta aqui ao meu lado, vamos atualizar o
Instagram.
A olho como se ela estivesse ficando maluca.
— Esqueceu que eu tive que desativar o meu? As pessoas da MU
ficaram denunciando a minha conta. — Sim, teve essa merda também. Fico
com pena no momento em que a vejo fazer biquinho e me levanto. —
Vamos tirar mesmo assim para ficar de recordação. — Elsa bate palminhas,
toda sorridente e vai para o lado, só para deixar um espacinho na sua
espreguiçadeira para mim. Me sento junto a ela, cruzo as pernas, arrumo a
toalha em minha cabeça e pegamos os nossos drinques na mesma hora, para
também posarmos de madames nas fotos. Ela põe o celular na frente dos
nossos rostos, abre a câmera frontal e põe o canudo em seus lábios. Antes
que possa tirar as fotos, eu a impeço. — Não, nesse ângulo não. Isso! Não
se mexe. Deixa eu me arrumar e você tira.
Fecho os olhos, ergo o drinque para o alto e sorrio quando Elsa grita
X.
Vários e vários cliques de selfies depois, um funcionário passa e a
afobada ao meu lado, o chama. Quando o rapaz, todo de branco, se
aproxima, ela sorri docemente e soa toda angelical ao pedir:
— Seria muito incômodo se eu pedisse que tirasse uma foto nossa?
As selfies que tiramos ficaram ótimas, no entanto agora estamos querendo
uma que também possa pegar o SPA de fundo, numa vibe bem Pinterest.
Fricciono os meus lábios para não dar risada da expressão do homem
à nossa frente, que sequer deve saber do que ela está falando.
— Ahn, claro, posso sim.
Elsa agradece, entrega o seu celular para ele e, poucos segundos
depois, estamos nós duas fazendo poses de modelo numa vibe bem Pinterest
mesmo.
Não demora muito depois disso para que o homem desapareça,
deixando nós duas para trás, conferindo as fotos. Nós duas rimos à medida
que vamos passando para o lado, para vermos o resultado. Algumas saíram
feias, outras engraçadas, outras turvas e outras, a maioria delas, por sorte,
muito bonitas. Ver nós duas desse jeito faz meu coração pular de felicidade.
Não existe outra pessoa como Elsa. Sei que ela só está fazendo essas coisas
por mim, para me ajudar e eu não poderia estar me sentindo mais grata por
tê-la como amiga.
— Kayla Marie Benson?
Deixo de olhar para a tela do seu celular e olho dentro dos seus olhos.
— Pois não, Elsa Guadalupe Castillo?
— Sinto muito em lhe informar, só que nosso tempo aqui acabou.
— Hora do salão, então?
Seus lábios se retorcem em um pequeno sorriso de lado.
— Si, chica, hora do salão.
Como duas crianças, nós nos levantamos em um rompante e corremos
para nos trocar. Todos os olhares se dirigem a nós enquanto gargalhamos,
provavelmente se perguntando o que temos na cabeça. A resposta é: nada.
Elsa dirige seu carro diretamente para o shopping e a nossa primeira
parada aqui dentro, é em um salão já frequentado por minha amiga. Quando
entramos pela porta do estabelecimento, todos a recepcionam com sorrisos
e dizem que estão felizes por vê-la. Sou apresentada a eles e uma moça
especializada em cabelo cacheado vem me atender, me levando para o lado
oposto ao de Elsa, que está sendo direcionada por seu cabeleireiro
costumeiro.
— Kayla seu nome, correto? — Faço que sim para a mulher de
tranças, que batem em sua cintura, e ela logo me coloca sentada de frente
para um espelho. — O que deseja que eu faça nesses lindos cachos, Kayla?
— Começa a mexer neles de baixo para cima, deixando-os ainda mais
volumoso e mais visíveis.
Encaro o meu reflexo, batendo o dedo indicador no meu queixo e
mexo minha boca de um lado para o outro, pensativa.
Não tinha pensado em nada especial, apenas em fazer uma hidratação
e olhe lá, porém agora me sinto tentada a mudar. Nunca mexi nos meus
cachos desde que os aceitei, o que faz muitos anos. Provavelmente já deve
estar na hora.
Então, algo na moça atrás de mim, me chama atenção, me fazendo
sorrir. Aponto para o que desejo e a cabeleireira às minhas costas quase
falta pular de felicidade. Assim que os preparativos da mudança começam,
quase roo as minhas unhas de tanta ansiedade, que faz o meu estômago dar
várias e várias voltas.
Espero que fique tão legal quanto nela.
Mando selfies zoadas para Elsa e ela me manda de volta, com uma
touca plástica na cabeça. Salvo todas elas e deixo em uma pasta só para
provocá-la futuramente.
Por total costume, abro a minha conversa com Sebastian e pairo o
dedo em cima do símbolo da câmera, para também lhe avisar que estou
prestes a mudar meu visual, contudo eu lembro que eu não posso, o que faz
o meu sorriso e a minha animação morrerem na mesma hora. Murcho na
cadeira do salão e um nó se forma em minha garganta ao ter mais uma
constatação de que não o tenho mais, seja para grandes ou pequenas coisas.
Não o tenho mais diariamente me mandando mensagens de texto de um em
um minuto, não o tenho mais para me fazer ligações e não o tenho mais
para dividir o que acontece comigo no meu dia a dia. Não o tenho mais para
beijos, abraços, piadas, leituras, amor ou para qualquer outra coisa. Eu não
o tenho mais e ponto. Tudo o que a gente foi um dia, não existe mais, se
esvaiu da minha mão como areia, caiu ao meu redor como um maldito
castelo de cartas e se desfez, não restando mais do que apenas memórias.
Não restando mais do que apenas histórias e mais histórias.
Sebastian Skalbeck grudou em mim, se emaranhou em meu coração e
eu sinto como se nunca mais fosse possível arrancá-lo de dentro dele, o que
é tristemente engraçado. Fiz de tudo para nunca deixá-lo entrar, fiz de tudo
para mantê-lo longe, mas nada nunca funcionou, porque ele entrou
chutando as portas e reivindicou cada pequena parte de mim, me marcando
como prometeu desde o primeiro momento. Ele disse que me faria sua e
cumpriu com sua promessa com excelência, de forma tão discreta e certeira
que nem eu mesma me dei conta de quando tudo aconteceu. Apenas
aconteceu e foi maravilhoso. Foi como degustar do paraíso aqui na terra.
Ele viu algo em mim que ninguém nunca viu, me quis de primeira, insistiu,
não saiu do meu lado em nenhum instante, se infiltrou na minha pele, me
ajudou no meu pior momento, viu o meu pior estado e ainda assim
permaneceu, se tornou o meu melhor amigo, o meu confidente, o meu
amante e a minha paixão. Me tornei tão dele que já não sei mais como vivi
tanto tempo não sendo. Me tornei tão dele que não sei se vou mais suportar
dar espaço a ele depois do que presenciei hoje. Eu não sei nem mais se eu
quero.
De alguma forma, preciso esclarecer o que houve e o quanto o amo.
Não sei se estou pronta para mandar a carta, no entanto preciso estar pronta
para tentar.
Mesmo que ele não me queira mais, pelo menos que esteja ciente de
todos os fatos, de como fui idiota, de como me arrependo e de como tudo
foi real. Preciso que ele saiba que, mesmo tudo acontecendo de forma
horrorosa, pelo menos serviu para me ensinar lições, para me ensinar que
preciso e sempre precisei de ajuda. Preciso que esteja ciente que vou tentar,
de fato, ser uma pessoa melhor. Diferente de antes, não por Kellan, não por
ele e sim, por mim.
Eu só quero que ele tenha respostas e que fique bem. Meu maior
intuito e propósito é esse. Eu amo e aceito qualquer coisa, até mesmo vê-lo
de longe realizando seus sonhos, desde que ele se mantenha bem e
saudável. Eu só preciso que ele não pare. Eu só preciso que Sebastian
continue brilhando e acreditando no amor, porque, minha nossa, ele existe e
é uma das armas mais poderosas do mundo. Eu só preciso que ele reaja e
confie no futuro, assim como eu estou tentando.
Se ele me escutar, me perdoar e estiver disposto a seguir sua vida, vou
ficar bem. Ele será sempre o meu primeiro amor, ele será sempre alguém
que eu me importo, a minha outra metade, ele sempre terá um lugar no meu
coração e em algum momento, mesmo que seja doloroso, vou o deixar ir se
assim quiser. Só precisamos conversar e colocar todas as nossas feridas para
fora. Só precisamos consertar esse lado que foi quebrado. Ainda há fé em
mim.
Paro de pensar nele logo que outra mensagem de Elsa faz a tela do
meu celular brilhar. Digito uma resposta rapidamente e mordisco o interior
da bochecha enquanto espero.
Esperar. Esperar. Esperar.
É tudo que eu faço por horas.
Céus, nunca poderia imaginar que seria tão trabalhoso e demorado
assim. Elsa hidratou o cabelo, alisou, aparou a franjinha, fez as unhas e até
já se encontra atrás de mim filmando tudo, porque agora estou de costas
para o espelho e prestes a ver, finalmente, o resultado de tanta espera.
Um círculo de profissionais e curiosos se forma ao redor de mim e
balanço os pés no chão quando a contagem regressiva começa. Fecho os
olhos e conto junto com eles, ficando ainda mais nervosa à medida que Elsa
dá gritinhos, não podendo se conter de ansiedade, assim como eu. A cadeira
gira, eu sinto o momento em que estou de frente para o espelho e logo ouço
a moça, que fez o meu cabelo, avisar que posso abrir os olhos, também
cheia de expectativas.
Conto até três mentalmente e me assusto ao ouvir um gritinho
desavisado escapulir da minha garganta assim que abro os olhos e vejo meu
novo visual.
Definitivamente, uma nova Kayla Benson.
Me levanto da cadeira, ainda em choque, e me aproximo do espelho.
Tranças. Tranças longas, escuras e que me deixam ainda mais bonita, com
todo meu rosto à mostra. É a primeira vez que me vejo com algo tão grande,
já que pedi para que também batesse em minha cintura, como as dela.
Coloco-as para cascatearem os meus ombros, fico de lado, de costas, depois
jogo tudo para trás e giro nos calcanhares para encarar todas as pessoas que
estão atrás de mim.
Vejo todas elas turvas, porque me encontro mais uma vez
emocionada. Passei tanto tempo sem chorar que agora quero chorar em
qualquer oportunidade que encontro.
— Eu não tenho nem palavras — começo, olhando para Tyla, que fez
o meu cabelo e também se encontra tão emocionada quanto eu,
provavelmente percebendo o tamanho do poder que estou sentindo dentro e
fora de mim. — Eu simplesmente amei. Muito, muito, muito obrigada.
— Você está linda, querida.
Então ela me abraça e depois vem Elsa, me fazendo dar uma voltinha.
— Você, Kay-Kay, está simplesmente a coisa mais fabulosa desse
mundo.
Faço cara de tímida e sumo rapidamente com uma lágrima que
escorre, não querendo que ninguém perceba.
— Estou me sentindo muito feliz agora. Obrigada a você também,
Frozen.
— Escutar algo assim já é a minha recompensa, pode ter certeza.
Eu sei que sim.
— O que faremos agora?
— Como assim o que faremos agora? Que tipo de pergunta é essa?
Compras, é óbvio.
Dou risada.
— Estou impressionada que não cansou de gastar comigo.
— Lógico que não, estamos só aquecendo. A brincadeira vai começar
de verdade nas compras. Esse seu visual matador necessita de roupas mais
matadoras ainda, meu amor.
Sorrio comigo mesma e viro mais uma vez para o espelho.
Há muito tempo não me sinto tão gata e tão... renovada assim.
Acho que eu estava mesmo precisando do dia das garotas.
Acho que vou vomitar.
Tipo, literalmente mesmo.
Não consigo mais segurar nenhuma refeição forte em meu estômago,
sempre me sinto enjoado e o gosto da bile me sobe à boca todas as vezes
que me obrigo a me alimentar direito, com os meus amigos ao meu lado,
me incentivando. Eles estão todos preocupados comigo, a propósito. Justin
mesmo, em uma certa noite, eu o peguei estudando e vendo vídeos até tarde
para melhorar e aprimorar suas técnicas na cozinha, querendo me
proporcionar coisas novas e mais saborosas. Ele já tentou um milhão de
receitas diferentes, comprou novos materiais e novos temperos, encheu a
nossa despensa com compras e, embora eu e todos os outros tenhamos
ficado muito felizes e orgulhosos do seu desempenho e da sua nítida
evolução como o chefe da casa, ainda assim nada mudou. Não me entenda
mal, não é como se eu não quisesse ou estivesse evitando comer de
propósito, eu só... não consigo, é como se tudo estivesse fechado aqui
dentro, sem espaço para armazenar absolutamente mais nada.
A coisa estava tão séria e preocupante que tive que marcar uma
consulta no médico, porque já estava ameaçando começar a prejudicar meus
treinos e meu rendimento no futebol americano. Fiz alguns exames, nada
foi detectado, e o doutor me perguntou se eu havia passado por alguma
situação traumática ou de estresse, pois era possível que a falta de fome e os
enjoos persistentes fossem algo emocional. Fiquei tão travado naquela hora
que não tive coragem nem de negar, nem de confirmar, apenas recolhi as
minhas coisas e saí do consultório em silêncio, me sentindo completamente
envergonhado e humilhado com toda a situação que estou passando nos
últimos tempos. Eu não quero e ainda não consigo acreditar que cada
maldita parte do meu corpo está sobre efeito daquela mulher. É revoltante
saber que até as pequenas coisas prazerosas para mim, como comer, se
tornaram um martírio de fazer, desde que ela se foi.
Nunca passei por nada disso antes. Nada. Sempre fui saudável, feliz e
intacto, e agora estou perambulando por aí como a porra de um zumbi
miserável. Queria dar a volta por cima, já tentei inúmeras e inúmeras vezes,
mas simplesmente não consigo sair do lugar, ainda me sinto preso àquela
tarde onde tudo desmoronou. Quando estou sozinho e em silêncio, escuto
vozes. São sempre de Stacy e Kayla. É sempre aquela merda de confissão
nojenta. Eu ainda estremeço, derrubo algumas lágrimas e depois sou
engolido pelo silêncio de novo, porque não houve mais nada depois
daquilo. Sim, eu fiquei destruído. Sim, eu fiquei com raiva e a
amaldiçoando mais do que qualquer coisa, no entanto, uma pequena parte
crédula minha queria que ela, em algum momento, viesse até mim e me
contasse a verdade, ou simplesmente alguma coisa que pudesse demonstrar
que tudo aquilo ali era mentira ou que não passava de uma chantagem
barata da cobra da Stacy Cameron para que ela me deixasse e fosse infeliz.
Mas não houve nada. Kayla não me procurou, não tentou se explicar, nem
ao menos se desculpar. Ela só... desapareceu e deixou tudo para trás como
se suas ações não fossem nada, como se nós dois não tivéssemos sido nada.
Às vezes, me pego pensando se nossa história realmente aconteceu ou
se fui eu quem sonhou e idealizou tudo, numa ilusão boba e totalmente
adolescente.
Às vezes, me pego pensando se Kayla Benson realmente existe ou se
o meu subconsciente a fantasiou esse tempo todo, porque, para mim, ela
parecia perfeita na sua imperfeição. Ela parecia incapaz de me machucar ou
de acabar com nós dois, mesmo que muitas vezes tenha me alertado de seu
buraco negro. Ela era a minha mulher, a minha melhor amiga, o meu arco-
íris e na minha mente, nós éramos invencíveis e apaixonados. Para mim,
nós dois estávamos vivendo um romance daqueles que ela tanto gostava,
que a gente só vê em filmes e livros. Eu estava tão feliz, radiante, eu
finalmente tinha a conquistado, eu finalmente tinha passado por suas
camadas e estava lá dentro, alcançando seu coração e a sua alma, me
tatuando dentro deles para permanecer para sempre naquele espaço, tão
difícil de ser conquistado, então descobri que tudo não passou de uma
aposta acerca da minha virgindade.
Verdade ou mentira. Era somente isso que interessava à Kayla
Benson, mais nada. Tudo foi um verdadeiro jogo e o seu afastamento só
confirma isso. Só que são tantas incoerências nessa história. Se ela queria
descobrir, poderia começar me perguntando, contudo, nunca sequer tocou
no assunto, o que fazia com que, muitas vezes, eu ficasse me perguntando
se em algum momento havia escutado essa conversa pelo campus e estava
com vergonha de abordar ou só não ligava para os boatos. Poderia também
ter me testado na cama muito antes, Kayla sabia que eu sempre a diria sim,
porém também não foi isso que fez. Ela demorou. Foi como se... estivesse
querendo adiar o momento tanto quanto pudesse. E aí, quando aconteceu,
tinha aquele brilho no olhar diferente e que na hora eu não consegui
desvendar, algo parecido com arrependimento e culpa.
Sem contar as vezes em que se abriu para mim, as vezes em que me
pareceu tão vulnerável e tão necessitada de proteção, da minha proteção.
Malditas incógnitas que me perseguem e que só me magoam ainda
mais.
Nunca vou verdadeiramente entendê-la, para ser sincero. A pessoa
tem que ser muito fingida, fria, calculista, manipuladora e insensível para
fazer o que fez, tornando cada mínimo passo intensamente verdadeiro.
Acho que é isso que dói mais, eu não ter percebido, eu ter sido tão cego, tão
inocente e tão manipulável. Dói muito ter sido acorrentado em mentiras e
falsas promessas e palavras. Dói muito ter me enfiado em algo tão sujo e
tão desprezível. Dói muito e dói de forma fodida perceber que nunca
conheci, de fato, a pessoa por quem me apaixonei perdidamente. Tão
perdidamente que também me perdi.
Naquela tarde, não sei como voltei para casa, mas voltei e fiquei
trancado no meu quarto por horas, sem deixar que ninguém se aproximasse.
A notícia se espalhou por toda MU em questão de minutos e Lionel, Justin e
Maddox correram para se certificarem de que tudo era mesmo real e se eu
estava bem. Eu não conseguia nem falar de tanto que eu chorava. Era um
choro real, compulsivo, daqueles que só saem quando perdemos alguém
muito amado. Foi como se Kayla tivesse morrido e, de certa forma, era isso
que estava acontecendo para mim. Aquela garota, que eu achei que
conhecia, estava morta e não voltaria nunca mais. Eu estava chorando pela
morte dela, pela morte de nós dois e até mesmo pela minha, porque algo
dentro de mim também havia sido enterrado naquele dia e eu simplesmente
não estava sabendo lidar com tantas perdas importantes e simultâneas.
Palavra nenhuma poderia expressar o quanto eu estava desabando e o
quanto eu queria sumir, me acabar em lágrimas e nunca mais ter que fazer
nada que resultasse em levantar da cama e ver o mundo lá fora, que tinha a
plena ciência do que estava acontecendo comigo.
Eu simplesmente vivi na minha cama por uma semana inteira, ainda
sem deixar que ninguém me visse ou se aproximasse de mim. As janelas
ficavam fechadas, eu me escondia no breu, embaixo dos lençóis e me perdia
em pensamentos.
Na segunda semana, meus amigos insistiram muito e eu destranquei a
porta, fazendo com que todos eles se reunissem para me darem conselhos,
palavras de conforto e até mesmo esporros, já que eu estava faltando às
aulas e aos treinos. O treinador estava uma fera comigo e as raposas tiveram
que inventar uma história sobre eu estar doente, o que definitivamente não o
convenceu e não o tranquilizou. Foi o suficiente para eu pensar nas
possibilidades de guardar a tristeza para mim e fingir para os outros.
Na terceira semana, eu já estava de volta aos treinos, de volta às aulas
e de volta à Maevis University como se nada tivesse acontecido, tentando
ignorar as olhadas, os burburinhos das pessoas ao meu redor e até mesmo as
Marias Chuteiras, que vinham ao meu encontro, se oferecendo para
tentarem me confortar depois que viram minha carta aberta no jornal da
faculdade.
Na quarta semana, a vida de todo mundo parecia normal.
Menos a minha, é claro.
Eu não sei o que me impulsionou a dar algo à Stacy Cameron no
primeiro momento, entretanto assim que ela apareceu na minha porta, com
a cara mais cínica do mundo, dizendo que fez o que fez para me alertar e
me proteger, o que eu não acreditei, deixando bem claro, minhas emoções
ficaram todas embaralhadas e acho que fiquei com, não sei, raiva, repulsa,
mágoa e com uma enorme vontade de colocar um ponto final na nossa
história, já que ela foi covarde o bastante para não fazer, que o fiz.
Stacy queria uma entrevista, só que eu não queria dar nada a ela e
àquele jornal idiota, eu queria dar à Kayla. Eu queria lhe dar uma resposta,
um encerramento e até mesmo, no fundo, uma cutucada, usando Stacy para
magoá-la, da mesma forma que fez comigo, embora eu acredite que ela
tenha sido levada para lá em uma espécie de armadilha feita por Cameron.
Não sei se foi a ideia mais inteligente do mundo, porém foi a única
que me pareceu viável na ocasião. Depois de ter entregado a carta à
redatora do Intrigue, a mandei ir à merda e nunca mais me procurar ou
procurar os meus amigos.
Por falar neles, deixo todos na mesa enquanto me direciono para o
banheiro, para pôr para fora a nossa janta. Me aproximo da privada, abro a
tampa e tento despejar alguma coisa que me faça não sentir o que estou
sentindo, só que nada sai, mesmo que eu faça força. Xingo baixinho, dou
meia volta e vou lavar meu rosto na pia, jogando água gelada em mim para
ver se surte algum efeito. Apoio as duas mãos, uma em cada lado da pia e,
de forma ofegante, encaro o meu reflexo no espelho, bem no instante em
que sinto meus olhos arderem com lágrimas.
— Porra! — é o que esbravejo comigo mesmo. — Porra, porra, porra!
Estou farto de chorar.
Estou farto de sentir.
Eu não aguento mais esse maldito vazio e esse maldito coração em
pedaços.
Eu não aguento mais olhar para o espelho e dar de cara com essa nova
versão minha. Parece que estou definhando. Estou com bolsas arroxeadas
ao redor dos olhos, gritando para o mundo o quanto não estou conseguindo
dormir direito, pálido e com um puta esgotamento, tanto físico quanto
mental. Estou um patético caos e é preocupante. Esse aqui não sou eu e essa
aqui não é a vida que eu planejei durante anos e anos. Não é sendo um caco
que vou conseguir garantir o meu legado em Maevis e o meu futuro como
profissional na NFL.
Contudo, por que me parece ser tão difícil sair do buraco?
Rio de forma irônica ao constatar a infeliz coincidência.
Independentemente de te conhecer ou não, Kayla, agora posso dizer
que finalmente temos algo em comum. Eu também me tornei a porra de um
buraco negro.
Paro de pensar e me atento ao que está acontecendo quando vejo que
alguém escorrega pela porta entreaberta do meu banheiro.
É Lionel, com um copo de água na mão e um olhar triste,
provavelmente por ver o estado em que eu me encontro.
— Você vomitou?
Faço que não com a cabeça e ele estende a água, com pesar.
— Obrigado. — Encosto o vidro nos meus lábios secos e bebo um
gole, depois outro, depois outro. Assim que entorno o líquido todo de uma
vez é que percebo a sede que estava sentindo. — Você não precisa me olhar
assim, eu vou ficar bem — minto para tentar acalmá-lo, porque ele parece
prestes a chorar. Bem, esse é Lionel Prince. Ele pode ter um milhão de
defeitos, meter os pés pelas mãos, ter uma moral duvidosa e um ego
gigantesco, porém ele é bondoso e extremamente fiel aos seus amigos.
Nossas dores são suas dores, nossos inimigos são seus inimigos e nossos
amigos também são seus amigos. Lionel é capaz de qualquer coisa para nos
proteger e isso é muito bonito, uma coisa que eu aprecio e sou muito grato.
Não teve um momento em que ele não ficou ao meu lado, na cama, fazendo
piadas e tentando me fazer rir com suas histórias de um tremendo galinha.
Em ocasiões como essa, em que venho ao banheiro para vomitar, ele
sempre vem um tempo depois para me trazer água e para me ajudar de
alguma forma. — Estou falando sério. Vou ficar bem.
Ele troca o peso dos pés e se aproxima.
— Você está falando isso há muito tempo e mesmo assim continua...
— Péssimo? Você pode dizer a palavra — brinco, embora tenha um
fundo de verdade. — Meu coração foi partido, esmagado e triturado,
Lionel. Acho que essas coisas não se resolvem tão facilmente, eu estou
tentando.
— Eu sei que está — declara de forma rápida. — Eu só estou...
preocupado. Todos nós estamos. Você não pode ficar vomitando sempre que
come.
— O médico disse que é emocional. — Dou de ombros. — Vai
passar. E hoje eu não vomitei, só foi o enjoo mesmo. É um avanço, não é?
É a vez do meu amigo balançar a sua cabeça em confirmação, depois
olhar para seus tênis e retornar para mim, demorando a se concentrar em
meus olhos.
— Você sabe, não é, Sebastian?
— O quê?
— Que pode conversar e desabafar comigo. — Parece meio sem jeito,
até mesmo envergonhado, por isso que coça sua nuca, acredito eu. Só
mesmo um momento como esse para deixá-lo embaraçado. — Eu sei que eu
não sou muito inteligente, que eu não levo a vida a sério, que só faço merda
e tenho mais a aprender do que a ensinar, mas eu sou bom em escutar.
Nunca tive um coração partido porque, bem, sou um cafajeste idiota e você
sabe, só que por você eu posso tentar me aventurar nesse lance de dar
conselhos amorosos. Você é realmente um dos meus favoritos. — Seus
lábios se curvam em um sorriso sincero quando menciona isso e eu
simplesmente não consigo não o imitar. —Justin, obviamente, deve ser
muito melhor, até Daniel também, só que eu posso ser bom se eu me
esforçar. Caso queira que eu mantenha minha boca calada quanto a isso,
não tem problema, posso continuar tentando te fazer rir com minhas
baboseiras.
— Qualquer coisa que você quiser me oferecer vai ser bom — digo
sinceramente. — Eu só preciso que a gente continue vivendo as nossas
vidas como antigamente e tudo, aos poucos, voltará ao seu devido lugar. É
tudo passageiro. Ninguém nunca morreu de amor antes, não vai ser eu que
vou.
Lionel dá risada, entretanto de repente fica sério e decide cruzar os
braços.
— Sabe, eu a adorava. — Kayla. Meu sorriso também morre no
mesmo segundo. — Mas acho que agora eu a odeio.
Um sentimento estranho borbulha no meu peito.
— Não odeia, não. Você não tem nenhum motivo para isso.
Não sei por que estou falando isso e não sei por que ainda me vejo na
obrigação de defendê-la, mesmo depois de tudo, no entanto é o que eu faço,
é mais forte do que eu. Prefiro dizer para mim mesmo que é para proteger
Lionel desses sentimentos ruins, que não fazem bem a ninguém, e não
porque me sinto ainda mais triste sabendo que, além de mim, perdeu outras
pessoas importantes.
Quer dizer, não que eu tenha sido importante, porém deu para
entender.
— Ela te magoou — diz de forma firme. — Enganou a todos nós.
Claro que eu tenho meus motivos.
— A amizade dela com vocês pode ter sido de verdade e...
— Não a defenda, Sebastian, não depois de tudo.
Respiro fundo e aperto o dorso do meu nariz.
Lionel tem razão, estou sendo um idiota completo. Todo mundo
deveria odiá-la mesmo. Os meninos, seu irmão, eu.
Seu irmão odiá-la seria crueldade demais, admito. Ainda assim, todos
os outros deveriam. Fomos todos meros peões em seu jogo de xadrez
doentio.
Solto a minha mão livre ao lado do corpo e libero um muxoxo.
— Que se foda. Não vamos falar mais dela.
— Isso. Que se foda. — Prince estufa o peito e parece mesmo sério e
convicto. — Vamos voltar lá para baixo agora mesmo.
— Sim, vamos. Agora tome isso. — Empurro o copo, que estava com
a água, para perto do seu peito e ele o pega em suas mãos, sem entender. —
Só preciso de alguns minutinhos a sós e logo, logo estarei com vocês.
Sua sobrancelha imediatamente se arqueia.
— É para me recompor — completo, diante do seu olhar julgador e
desconfiado.
Como não tem outra opção, Lionel aceita o que eu digo, bagunça os
fios do seu cabelo preto e gira nos calcanhares, saindo da minha suíte e em
seguida do meu quarto.
Segundos depois, estou eu no meu quarto, sentado na beirada da
minha cama e olhando para todos os lados. Parece que há o fantasma dela
por aqui também. Rodando, rodando e rodando. Não tem um lugar nessa
casa e nessa cidade que não esteja maculado com nossas memórias. Para
todo lugar que eu olho, a vejo. É como estar constantemente sendo
perseguido pelo seu pior monstro.
Como é possível alguém desaparecer da sua vista e mesmo assim
permanecer tão, mas tão visível?
Antes que eu tenha tempo para pensar, meu celular vibra no bolso da
calça e eu o pego para ver do que se trata. É notificação do Instagram de
Elsa Castillo, avisando que a garota postou mais um story nos seus
melhores amigos, coisa que vem fazendo desde à tarde. Pelo pouco que vi,
são fotos dela sempre sozinha em algum espelho, de algum lugar que não
fiz questão de prestar atenção. Não é o que acontece nesse. Não é foto e
sim, um vídeo, que também parece ter sido gravado à tarde e ela só decidiu
colocar agora.
Estreito os olhos para a tela e vejo que é um salão e que, na verdade,
Elsa é quem está filmando alguém de costas. Meu corpo todo congela e
meu coração salta, porque obviamente sei de quem se trata. É Kayla. De
costas e com um cabelo diferente, com tranças longas e escuras, que a
deixam ainda mais bonita. Quando ela se vira, está mostrando o novo visual
e sorrindo. Realmente sorrindo. Todos os seus dentes da frente estão à
mostra e ela parece verdadeiramente feliz, radiante e zero despreocupada,
na porcaria de um salão.
Não sei o que eu esperava ao vê-la depois desse tempo todo, talvez eu
esperasse algo menos que isso. Algo que provasse que ela está sofrendo, na
fossa, tão ruim e patética quanto eu. Algo que me provasse culpa,
arrependimento e um outro brilho nos olhos, algo tão caótico e preocupante
quanto nos meus. Mas não, tinha que ser algo do tipo, quase esfregando em
minha cara o quanto continua não se importando, o quanto continua
despreocupada ao ponto de pensar em si própria e não nos outros, nem ao
menos disposta a conferir o que suas merdas causaram, não só em mim,
como em todos que estavam abraçando-a em suas vidas.
Kayla Benson é a porra de uma egoísta e agora eu percebo isso muito
bem.
Enquanto estive esse tempo todo vegetando e vivendo a vida de um
bicho do mato, trazendo preocupação a todos à minha volta, até mesmo
abalado demais emocionalmente ao ponto de nem conseguir comer, ela está
assim, inconsequente.
Fúria me consome e traz chamas para o meu coração e todo o meu
corpo.
Provavelmente esse deve ser o próximo estágio de um garoto
quebrado; raiva.
´

Tic tac.
Tic tac.
Tic tac.
É tudo o que eu escuto enquanto encaro o relógio pregado à minha
frente, em cima do quadro. O professor de Cálculo segue dando aula da
forma mais clara e calma possível, e por mais que eu tente prestar atenção
no conteúdo, não consigo focar. A minha sorte é que domino a área muito
bem, porque se dependesse de hoje para eu ir bem na matéria,
provavelmente estaria ferrado, afinal, minha mente não consegue pensar em
nada que não seja na festa que vai acontecer em uma das repúblicas da
Maevis University, daqui a algumas horas. É uma festa à fantasia com tema
geek e algo me diz que há chances de Kayla aparecer nessa festa, mesmo
estando sumida do campus e de qualquer coisa que tenha relação com a
vida universitária desde o tal acontecimento há, agora, quase dois meses.
Sim, isso mesmo, já faz alguns dias desde que vi aquele vídeo do seu
novo visual no Instagram.
E eu consigo visualizar perfeitamente ela se interessando pelo tema,
ou talvez, Elsa a arrastando para a república para que possam aproveitar
juntas. Soube que a turma de Música em peso foi convidada, parece que a
namorada do carinha que está organizando a festa é uma das estudantes
famosinhas do curso, então ela meio que fez questão de se aparecer
exigindo convites especialmente para todos eles, o que só pode significar
que Elsa Castillo está muito bem informada e muito bem inclusa nisso.
E, por mais que Elsa não seja lá uma grande fã de festa, tão pouco
Kayla, sei que existe uma porcentagem de chance de estarem no mesmo
ambiente que eu essa noite. Pode ser uma porcentagem bem pequena, mas
existe.
Se fosse há um tempo, eu ficaria aterrorizado com a possibilidade,
porém não é o que está acontecendo agora, não depois do que eu vi e do que
eu coloquei na minha cabeça sobre Kayla Benson. Ela não merece mais
nada meu, a não ser o meu desprezo e a minha raiva. Ela não pode e não vai
ter mais nenhum efeito sobre mim e sobre as minhas emoções. Eu não vou
mais lhe dar o gostinho da minha tristeza e das minhas lágrimas, não
quando estava esbanjando sorrisos e despreocupações por aí. Já passei
tempo suficiente me martirizando, me castigando, me culpando e me
amaldiçoando, agora já chega, já deu, para mim aquilo foi o basta que eu
estava precisando. Eu estava mesmo necessitado de um banho de realidade
para acordar e, no fim, fico feliz que aconteceu.
Antes tarde do que nunca, é como dizem.
Não que eu esteja curado ou que eu tenha superado, não que eu ainda
não sinta o meu coração doer ou qualquer uma das coisas que se sente
quando se é traído pela pessoa que ama, não, nada disso, eu ainda estou no
vazio, só que é diferente agora. O meu vazio está sendo preenchido por uma
outra coisa. Uma coisa até então desconhecida e particularmente nada
bonita e genuína. E foi com esse sentimento novo que não pensei duas
vezes assim que os meninos apareceram contando sobre a festa, que estava
deixando a universidade inteira em polvorosa e animada. Eles supuseram
que eu não gostaria de ir, decidiram até que não iriam também, só por isso,
entretanto eu fiz questão de dizer que estava bem, que nós merecíamos um
pouco de diversão e que sim, estávamos confirmados e que era para
arranjarmos fantasias de nerds o mais rápido possível.
Eles ficaram tão felizes ao me escutarem que inventaram um abraço
em grupo e depois, Justin Harris passou a fazer uma lista de ideias para
cada um de nós, vibrando internamente e externamente por finalmente estar
sendo exaltado, palavras dele. Agora todos nós já tínhamos nossas fantasias
e estávamos só esperando o momento que eu intitulava de “O Retorno”,
porque a partir dessa festa eu voltarei a ser o Sebastian Skalbeck de sempre,
só que agora numa versão não mais besta e inocente. Porque se a dor não te
mata, pelo menos ela te ensina algumas lições importantes que você nunca
mais irá esquecer.
Tamborilo as pontas dos dedos na mesa, olho mais uma vez para o
relógio e, cerca de cinco minutos depois, o alarme soa de forma estridente
para me fazer soltar um suspiro de alívio junto com todos os meus colegas,
que também pareciam ansiosos por esse momento. O professor dá seu
último recado, nos indicando um dos seus incontáveis documentários
favoritos e em seguida, nos libera da sala com um sorriso polido. Parecendo
ensaiado, tanto eu quanto os meus colegas nos levantamos de forma
apressada, juntamos os nossos materiais e deixamos tudo para trás em
menos de um minuto, como se o mundo inteiro lá fora estivesse caindo e
precisássemos fugir. Pelo menos é assim que eu me sinto, desesperado para
fugir desse ambiente e ir diretamente para casa.
Falando assim parece até que eu não gosto de estudar, mas eu gosto,
minhas notas continuam milagrosamente ótimas e eu continuo sendo
destaque, o problema é que hoje, especialmente hoje, eu não quero saber
nada de Física.
Ando segurando as alças da mochila, serpenteio por alguns alunos no
corredor, aceno para os que gritam meu nome e rapidamente saio do bloco
onde costuma acontecer minhas aulas, dando de cara com Justin assim que
passo pela porta. Não é algo que me deixa surpreso, entretanto. Ele cursa
Astrofísica e nós sempre acabamos nos trombando por essa parte da
universidade.
— Rá! Olha só quem está aqui! — Justin parece mesmo feliz ao
perceber minha figura e isso soa engraçado para mim, porque parece que
não nos vimos, nem nos falamos há algumas horas. Duas, mais
especificamente. Ele faz com que nossas mãos deem toques camaradas e
depois dá um passo para trás, ainda sorrindo à medida que me encara. Não
há óculos de grau nem camiseta de anime compondo seus trajes hoje, o que
é um milagre. Digo sobre a camiseta, óbvio, pois ele continua sem usar
óculos fora de casa e não é nenhuma surpresa que esteja de lentes de
contato, exibindo ainda mais o tom bonito de azul dos seus olhos. Harris
está usando um moletom laranja com somente o símbolo de raposa na
frente, calça jeans, que deve custar mais do que eu posso imaginar, e
sapatos, que eu posso apostar que é de alguma marca milionária, mas que
ele faz questão de fazer parecer que é simples e bem humilde, pois não tem
nenhum símbolo ou nome aparente. Esse é um riquinho mimado
diferenciado. Enquanto os outros tentam esfregar na nossa cara que
possuem boas condições, Justin, que é herdeiro de uma fortuna das boas,
gosta de parecer casual. A verdade é que ele também não precisa mostrar
nada para ninguém, todo mundo sabe muito bem de quem ele é filho e isso
basta. — Já está indo para casa? — pergunta, agora andando ao meu lado.
— Já sim e você?
Ele vira sobre os ombros e eu dou risada da expressão quase
assustada que cobre seu rosto.
— Claro! Preciso experimentar minha fantasia antes de ir. Sabe como
é, só por segurança.
Mais uma risada me escapa.
— Você já a experimentou umas, sei lá, duzentas vezes. Que
diferença vai fazer?
Justin dá de ombros.
— Não sei, só preciso estar perfeito.
Estreito os olhos e um vinco se forma entre as minhas sobrancelhas.
— Por acaso tá a fim de alguém?
Quase voo para o lado no instante em que ele decide empurrar seu
ombro no meu, dizendo logo em seguida:
— Sou atleta e gostoso, no entanto ainda sou um grande nerd. A única
coisa que eu quero com a minha fantasia é impressionar o meu eu interior.
Não tem garota nenhuma envolvida, pode acreditar.
— Ainda bem, se não já ia ter que te dar um conselho sobre como
elas parecem extremamente inofensivas e na verdade, são extremamente
cruéis.
— Não é muito sábio generalizar. — Bufo de brincadeira pelo seu
jeito diplomático e ele me dá outro empurrão. O empurro de volta e todas as
pessoas ao nosso redor param para nos olharem, só que não ligamos e
continuamos andando e rindo. — Estou falando sério, Seb. Não coloque
isso na sua cabeça. É errado todas pagarem por culpa de uma.
No fundo, eu sei, contudo ainda acho cedo demais bancar o maduro.
— Por falar nela, por onde Kayla Benson está andando?
Paraliso por um segundo, porque é a primeira vez que falam o seu
nome em voz alta perto de mim. Era sempre ela, aquela garota, nunca
Kayla, quem dirá, Kayla Benson. Para tocar no assunto já era difícil,
mencioná-la dessa forma tão vívida era algo impossível, por isso que me
espanta e me deixa um pouco desnorteado que ele fale assim tão
diretamente, meu pomo-de-adão desce e sobe conforme engulo em seco.
Não estava mais acostumado com o som dessas palavras. Por mais que eu
ainda mencionasse em minha mente, em nada se compara ouvi-las em voz
alta depois de quase dois meses, é simplesmente esmagador e sufocante,
capaz de roubar todo o meu fôlego.
Imediatamente fecho a mão em punho e cravo as unhas na palma com
força, sentindo raiva. Conto até dez mentalmente para me livrar dessa
sensação súbita, trago uma grande quantidade de ar para os meus pulmões e
abro a minha mão, me livrando do aperto em mim mesmo.
Justin provavelmente percebe o que fez, pois encolhe os ombros,
como se tivesse se arrependido, e estala os lábios antes de soltar:
— Desculpa, eu não deveria ter perguntado nada disso, óbvio que
você não sabe por onde ela anda, que coisa mais estúpida. — Ele bate
levemente em sua testa. — Você pode me dar um soco se quiser. Os
meninos disseram que o nome dela era proibido e eu acabei de mencionar
como um maldito boca grande.
Enfio as mãos dentro dos bolsos da frente da minha calça e rio fraco.
— Não acredito que vocês decretaram uma coisa dessas.
— Sim, decretamos. Tipo Voldemort.
Parece que tinha sido algo combinado, mas não acredito que
realmente tenha sido.
— Quem foi que deu a ideia?
— Lionel e Maddox. Juntos.
Reviro os olhos ao balançar a cabeça de um lado para o outro.
Claro que foram eles.
Lionel e Maddox fazem tudo juntos, não me surpreende que pensaram
a mesma coisa sobre isso.
— Deixa eu adivinhar, Kellan não estava nessa hora, certo?
— Óbvio que não, ela ainda continua sendo a irmãzinha dele, apesar
de tudo. Sei que Kellan permanece triste e repudiou totalmente o que Kayla
fez, ainda assim, ela é a sua família e a gente respeita isso.
Fico em silêncio, desvio a minha atenção para os meus tênis em
movimento e me concentro no que meu amigo acabou de me dizer.
A minha situação com Kellan é mais complexa do que qualquer outra
e não sei dizer muito bem como estamos, tudo aconteceu como um baque
para nós dois. Ele não esperava que eu e a irmã dele estivéssemos o
enganando, muito menos esperava que Kayla estivesse me usando para algo
tão patético e infantil quanto uma aposta, essa sendo revelada da forma que
fora, me humilhando totalmente. Sei que ele ficou com raiva de mim, no
fundo, talvez ainda esteja, todavia não houve socos, brigas, ofensas e muito
menos gritos. Quando nos encontramos, na semana em que eu deixei a
minha porta aberta pela primeira vez, ele parecia tão abatido e tão abalado
quanto eu, era visível a sua tristeza e o quanto aquilo estava o destruindo
externamente e internamente. Foi como encarar um espelho, coisa que eu
não estava fazendo naquele momento. Sua dor e sua decepção pareciam
com as minhas, então foi rápido de perceber que nós dois estávamos
machucados e não tínhamos forças para mais nada, por isso passamos uns
bons minutos olhando um para o rosto do outro, falando coisas que não
éramos capazes de falar em voz alta, até que tivéssemos coragem para pôr
para fora o que estávamos sentindo.
Automaticamente minha mente me recorda da cena.
— Me desculpe — sibilei baixinho, já sentindo lágrimas escorrerem
por minhas bochechas. Olhar para ele naquele momento era terrível.
Primeiro, porque me lembrava dela, de quem eu queria esquecer para
sempre. Segundo, porque eu sentia vergonha de ter feito o que eu fiz,
agindo como um adolescente imaturo e egoísta, pensando apenas nas
minhas vontades e nos meus sentimentos, como se minhas ações não
pudessem o afetar, alguém que estava se tornando próximo e importante
para mim e para todos os outros meninos, meus irmãos. Eu menti, o
enganei, o fiz de idiota e agora me arrependo amargamente. Não posso ser
hipócrita, fiz tudo de forma consciente, eu tinha noção e ciência de cada
passo e de cada atitude que tomava, porém naqueles momentos nada
importava, porque eu estava apaixonado e seria capaz de fazer qualquer
coisa para tê-la, até mesmo esconder e enganar. Mas agora vejo que cada
escolha minha me levou para o buraco, para um poço sem fundo que não
posso sair, pois não há escapatória. Se fosse só a mim, tudo bem, porém
ainda tinha Kellan e ele estava no mesmo lugar que eu, arrastado para
dentro do caos, que eu tive a minha parcela de culpa em ter criado. — Por
tudo. Eu... eu me apaixonei perdidamente pela sua irmã no exato segundo
em que a vi. Antes que pense que foi no jantar, não foi, foi bem antes, em
uma linda manhã onde o sol estava quente e radiante, fazendo-a brilhar
para mim. Ela era a mulher dos meus sonhos e eu a queria, não
importando as consequências. Só... me desculpe, Kellan, agora percebo o
quão errado tudo isso foi. Agora percebo o quanto tudo estava
predestinado a acabar assim, do jeito que me encontro. Nenhuma relação
consegue ser construída em cima de mentiras. E foi só isso que eu e Kayla
fomos, mentiras e mentiras. — Soluço e mordo o canto do meu lábio
inferior antes de continuar: — E, se vale de alguma coisa, eu ia te contar.
Eu ia te chamar para conversar, contar toda a nossa história, te pedir
desculpas e também, em forma de respeito, pedir a mão da sua irmã em
namoro antes mesmo de pedir para ela. Infelizmente, não tive tempo. Não
tive tempo de fazer nenhuma dessas coisas.
Escondi o rosto entre as minhas mãos, simplesmente sem aguentar
tamanha vergonha. No entanto, em um determinado momento, me ergui
porque senti sua mão sendo repousada em meu ombro, apertando a região
como forma de apoio.
— Me desculpe também. — Sua voz saiu embargada e os seus olhos
brilharam com água cristalina, mas eu me neguei a aceitar suas desculpas,
ele não tinha culpa de nada. — Sim, eu tenho — garantiu. — Ela é minha
família e saber que ela brincou assim com você, com seu coração, me
envergonha. Então me desculpe.
Foi apenas isso que conversamos. Kellan foi embora logo após me
dar um abraço de conforto, como se realmente estivesse se desculpando
pela sua irmã, ciente, provavelmente, de que ela seria incapaz de tomar essa
atitude. Tínhamos muito mais para discutir, conduto acredito que nem eu,
nem ele, estávamos prontos e com disposição para abrirmos ainda mais
aquela ferida. O pouco que falamos foi suficiente para que ambos
entendessem seus arrependimentos e a culpa que estávamos cultivando
dentro do peito. Ele poderia estar bravo, porém percebeu o quanto eu a
amava de verdade e o quanto, para mim, nossa história era real e não apenas
algo libertino e leviano, feito na surdina apenas com intenções sujas. Ele
sabia que eu estava mal e também estava se sentindo mal por isso, mal por
ter sido a sua irmã a fazer algo assim. E eu jamais o culparia. Foi então que,
nesse e em outros momentos, percebi que sua maior angústia não foi nem
ter sido enganado por mim, mas sim por Kayla, sua melhor amiga, sua
garotinha, sua família e o seu maior tesouro. Ele jamais poderia imaginar
que ela faria qualquer coisa parecida com o que fez, afinal, sempre foram
confidentes, sempre foram carne e unha, não havia nada que eles fizessem
que um não partilhasse com o outro. E ainda tinha a aposta, para piorar
tudo, para quebrar de vez com o que costumava achar da sua irmã.
Provavelmente o seu baque foi muito maior que o meu. Não tinha
comparação.
Não sei como os dois estão agora, entretanto Kellan ainda continua
distante e triste. Por isso que digo que tudo é complexo ainda. Por mais que
tenhamos pedido perdão um para o outro, por mais que ainda estejamos
morando juntos e por mais que tenhamos uma convivência tranquila, na
medida do possível, não somos mais os mesmos. Nem eu nem ele. Mesmo
depois desse tempo todo, não nos aprofundamos mais nesse assunto e
sempre fingimos, quando estamos juntos, que não há um elefante ocupando
o espaço entre nós dois. É tudo muito respeitoso e muito normal, no
entanto, não há mais aquele brilho na amizade, e eu sinceramente entendo.
A confiança foi perdida e ainda é muito cedo para restaurá-la. Ainda é
muito cedo para querer algo além do que estamos tentando ter,
simplesmente. O que eu digo para mim mesmo é que eu deveria ficar feliz
pelo jeito que estamos lidando um com o outro, poderia ter sido muito pior
e muito mais feio se Kellan realmente quisesse descontar suas emoções em
mim.
Um passo de cada vez.
— Você tem razão, Harris. — Engancho meu braço em seu pescoço e
o faço andar bem junto a mim, depois de ficar um tempinho preso em
minha própria cabeça, bagunçando os fios do seu cabelo como se ele fosse
meu cachorrinho. — Agora deixa essas coisas para lá, vamos para casa,
vamos nos preparar para a festa mais tarde.
— Sim, senhor capitão. — Ele sorri. — É assim que a gente gosta de
ouvir você falar.

Horas depois e estamos nós todos em frente à república, que parece


abrigar mais pessoas do que sua capacidade. Eu juro que, mesmo fora,
sinto-a vibrar, assim como o chão sob nossos pés. Chegamos atrasados por
conta do Uber e agora parece que faremos uma entrada triunfal na festa,
pelo menos é isso que eu sinto quando as garotas, com copos de bebida,
passam por nós, sussurram e depois correm para dentro como se
precisassem contar, antes de todo mundo, que as raposas de Maevis
finalmente chegaram. Como se fosse grande coisa.
Bem, para elas era, no final das contas.
Encaro cada um dos meus amigos e a primeira coisa que vejo é o
Justin todo animado ao ver uma garota vestida de Princesa Leia passar por
ele, quase como se pudesse gozar nas calças a qualquer momento, isso
porque ela está vestida com muito menos pano do que a personagem se
vestia. Uma Princesa Leia provocante e muito sexy, a propósito. No
entanto, não consegue superar nenhum de nós, ao meu ver. Começando por
Lionel, Justin, Kellan e Maddox, que estão vestidos de Caça Fantasmas,
como no filme, e até mesmo como uma referência à Stranger Things.
Sim, eles estão adoráveis com fantasias combinando.
Eu só não entrei no bolo, porque, bem... a minha ideia me parecia
bem mais interessante.
— Porra, isso aqui tá insano! — Lionel menciona ao esquadrinhar
cada canto da casa, quase salivando com as oportunidades que essa festa lhe
entregará de bandeja. — Só me arranquem desse lugar quando eu não
estiver mais respirando.
Dito isso, ele sai na frente, já puxando as duas garotas vestidas de
Arlequina, assim que as mesmas se aproximam, e sumindo para dentro da
festa.
Nós nos entreolhamos, damos de ombros e rimos enquanto fazemos o
mesmo percurso.
Passamos pela porta e as luzes estroboscópicas nos atingem com
força, passeando por nossos rostos logo que paramos alguns passos à frente
da entrada. Alguns olhares cravam em nós e o refrão da música eletrônica
parece que explode nesse exato segundo, corroborando a nossa entrada não
ensaiada. Pelo canto do olho vejo quando eles se cutucam, apontam para
alguma coisa interessante que detectam e depois estão sorrindo à medida
que sussurram entre eles. Certamente eu deveria estar prestando atenção,
porque tenho certeza que estão falando para mim também, só que não
consigo, pois assim que percebo, meus olhos já estão correndo em cada
canto do hall da casa em busca de Kayla, torcendo de forma muito sádica
para que ela esteja aqui, para que esteja presente esta noite para me ver.
Algo perverso dentro de mim deseja e anseia loucamente assistir como irá
reagir, se é que vai reagir.
Eu não sei por que está se escondendo, mas ela terá que se mostrar.
— Você vem? — Pestanejo ao ouvir a voz de Daniel próxima de mim
e embora eu não saiba do que ele está falando, concordo com um aceno. —
Então começa a se mexer, cara.
É nesse momento que me dou conta que, enquanto todos estavam
andando, eu permaneci no mesmo lugar como se tivesse entrado em um
transe.
“Nada dela por aqui”, é o que penso antes de segui-los.
Entramos na cozinha e enchemos nossos copos nos barris de cerveja.
Meu coração acelera e de repente sinto uma sensação de déjà vu.
Festa. Cozinha. Bebidas. Eu e Kayla. Memórias. Nem mesmo a música
explodindo nas caixas de som consegue abafar ou silenciar a merda dessa
avalanche. Dou alguns passos para trás e encosto minhas costas na borda da
ilha, tentando controlar minha respiração, como faço sempre que situações
como essa acontecem, já que geralmente fico rodeado por seus fantasmas
indesejados.
Ela está sempre na minha memória e essa porra é exaustiva.
Sem querer dar mais brecha para nenhum pensamento, viro todo o
líquido espumoso de uma vez, não querendo me importar com mais nada.
Sei que faz tempo que não piso mais em um ambiente assim, mas, merda,
não deveria ser tão difícil, eu fiz isso tantas vezes sem ela.
A coisa toda acalma um pouco quando meus amigos se juntam a mim
em uma roda e eu logo faço questão de abrir um sorriso, para que nenhum
deles perceba que há algo de errado comigo. De forma alguma vou estragar
a noite deles com as minhas merdas. Eu os trouxe até aqui e vou fazer valer
a pena.
— Por que vocês estão parados? — Deixo o copo vermelho no balcão
de mármore às minhas costas e cruzo os braços em frente ao peito,
erguendo uma sobrancelha assim que decido olhar para cada um deles. —
Uma hora dessas as raposas já estavam aprontando. — Finjo bater em um
relógio invisível no meu pulso. — Cadê? Andem, eu quero histórias
vergonhosas amanhã.
Maddox se aproxima e toca em minha testa.
— É febre? Está doente? É contagioso? — Todos dão risada do seu
comentário. — Não, porque nem ferrando nosso papai Sebastian Skalbeck
falaria assim em sã consciência. Será que tinha alguma coisa muito errada
na bebida, rapazes? — fala olhando para os meninos, que também se
aproximam para me inspecionarem.
— Ele pode ter sido drogado.
— Enfeitiçado — Justin complementa.
Afasto todos eles de perto de mim e gargalho, negando.
— Estou perfeitamente bem. — Assumo a minha postura de líder e
aprumo os ombros. — Eu quero que se divirtam, só isso. Vocês merecem
uma distração depois de... bem, vocês sabem, cuidarem tanto de mim.
Agora é hora de vocês pensarem em vocês e se jogarem como eu sei que
gostam. — Levanto o dedo em riste e semicerro os olhos. — Se eu perceber
que estão se revezando para ficarem de babá para mim, juro que mato
vocês. Agradeço tudo o que fizeram por mim, de coração, porém sei me
virar e não quero ninguém na minha cola hoje. Estamos entendidos?
Um silêncio se instala e eu preciso repetir.
— Estamos entendidos? — falo de forma mais incisiva.
— Sim — respondem em uníssono.
Faço eles darem meia volta para escorregarem para a pista de dança e
logo depois estou enchendo meu copo de novo com mais cerveja. Me
direciono para um canto nos fundos, longe de todo mundo e com uma vista
totalmente privilegiada da porta, e fico curtindo a música e a minha bebida
por longos e torturantes minutos. Quando estou quase desistindo de esperar
que ela venha, não sei por que cacete ainda me importo, sinto um frio na
espinha eriçar todos os meus pelos e automaticamente cravo minhas írises
na entrada, quase ficando tonto no instante em que a reconheço, se
esgueirando de fininho ao lado de Elsa, como se não quisesse ser percebida
ou até mesmo reconhecida.
Tum. Tum. Tum. Tum. Tum.
É o barulho do meu coração pulsando em meus ouvidos ao vê-la pela
primeira vez depois de quase dois meses. Tão longe e absurdamente tão
perto. Tão igual e absurdamente tão diferente. As tranças estão lá,
cascateando sobre seus ombros, exatamente igual ao vídeo que vi há dias.
Kayla anda mais um pouco e então percebo. Sua fantasia. A porcaria
da sua fantasia. Automaticamente rilho os dentes e aperto o copo entre
meus dedos.
Ela está de Lara Jean, a Lara Jean do filme, usando uma de suas
roupas marcantes enquanto esteve ao lado do Peter.
E eu estou fantasiado de... merda, Peter Kavinsky.
Quase derrubo café no livro que estou lendo quando Elsa dá um grito
do outro lado do dormitório, rapidamente se levantando e deitando ao meu
lado, com o celular em mãos e prestes a enfiá-lo em meu rosto. Viro para
olhá-la com estranhamento e interrogações pairando acima da minha
cabeça, porque essa garota só pode ter ficado maluca para agir assim do
nada.
Se bem que, vindo dela, pode se esperar tudo e mais um pouco.
— Uma festa. — Ergo as minhas sobrancelhas, quase no couro
cabeludo, porque continuo sem entender nada com a pouca coisa que diz.
De que festa ela está falando? — Na república. Com o tema geek. Não é
perfeito? — explica de forma afobada, depois passa o celular para mim para
que eu veja uma espécie de convite que mandaram para ela no direct do seu
Instagram. Amplio a imagem e vejo a data, o local, o horário e até mesmo o
tema da tal festa. Parece mesmo legal e divertido, um evento e tanto para os
nerds. — Eu pensei... e se a gente for? — Meus olhos se arregalam com a
sua sugestão e estou prestes a negar no segundo em que a Frozen me
interrompe. — Poxa, Kay-Kay, qual é, nós nunca fomos para uma festa
juntas e acho que está mais do que na hora disso acontecer. Nós duas
precisamos nos divertir. Nos divertir de verdade.
— Ei, calma aí. A gente nunca foi em uma festa porque você nunca
quis. Para todas que aconteceram na casa do meu irmão, eu te chamei e
você sempre recusou.
— Claro, nunca recebi um convite formal vindo de nenhum deles.
Não me sinto bem indo para lugares como penetra e sempre te disse isso.
Mas agora é diferente. Lembraram de mim e querem minha presença lá.
Dou risada, ela nem percebe o que acabou de dizer.
— Espertinha. E quanto a mim?
— O que tem você?
— Eu não fui convidada. Também não vou de penetra.
— Ah, não, nem vem. É diferente dessa vez. É uma república, todo
mundo chama todo mundo e todo mundo vai de penetra, é algo normal e
esperado.
Bem, Elsa Castillo tem um ponto.
— Tá. — Dou o braço a torcer ao suspirar. — Mesmo que eu ignore
isso, não estou no clima para festas. Os jovens de Maevis me odeiam e vão
ficar falando um monte sobre como eu sou uma vaca sem coração, sem
contar os olhares tortos que vou receber. Vai ser humilhante.
De repente, minha amiga sobe em cima de mim e chacoalha meus
ombros.
— Quem se importa com que os outros vão pensar? Fodam-se eles.
— Entreabro meus lábios em choque. Um palavrão acabou de sair da sua
boca? Isso só pode significar que ela acabou de perder toda a sua paciência.
Pisco os olhos. — Você não é um monstro para ficar se escondendo, Kayla.
Ninguém na porcaria dessa universidade, dessa cidade, desse país e desse
mundo tem a ver com a sua vida e eles não tem direito, de forma alguma, de
amedrontá-la só porque acham que sabem alguma coisa dessa história,
sendo que não sabem nem um terço dela e do que você está passando por
causa dela. Você parou de correr, parou de frequentar a academia, se enfia
em moletons para não ser reconhecida no campus e corre das salas de aula
como o diabo foge da cruz, como se tivesse cometido algum crime
hediondo e imperdoável, parando de fazer todas as coisas que ama e que lhe
fazem bem só para punir a si mesma com a justificativa de que é melhor
para todo mundo se continuar assim. Até quando vai permanecer desse
jeito? Até quando vai dar esse gostinho a eles? — A indagação bastante
séria faz com que uma massa de concreto se aloje em minha garganta e a
minha pulsação acelere. — Você está arrependida, se sentindo miserável,
buscou ajuda, começará um novo caminho e eu sei disso, você sabe disso e
em breve tanto o Sebastian, quanto o Kellan, saberão disso. Os outros? Que
se danem. Deixa eles pensarem o que quiserem, amiga, eles nunca fizeram
questão de te conhecer e não é agora que farão. Sendo bem sincera, eles
nem se importam com o que acham que você realmente fez, eles só querem
um motivo para poderem julgar e apontar o dedo. Hoje é você, amanhã será
outra pessoa, é um ciclo. São todos um bando de hipócritas amargurados e,
merda, é isso que eles querem, te afetar e te ver desse jeito. No entanto, a
partir de hoje, você, Kayla Benson, não vai ficar mais assim. Você vai se
levantar dessa cama todas as manhãs, correr, vai fazer as coisas que ama e
aparecer, porque ninguém aprende no escuro, ninguém aprende reclusa e
sem dar a cara a tapa. O mundo precisa te perceber para te ver dar a volta
por cima. E se quiser ir para aquela droga de festa, nós vamos. Eu estarei lá
o tempo todo e qualquer pessoa que te olhar torto estará morta para sempre.
Calor inunda minhas bochechas, e é quando percebo que são lágrimas
quentes que estão esquentando meu rosto. Estou chorando mais uma vez,
completamente tocada por suas palavras, que fizeram a minha mente
bagunçar para me mostrar a verdade. Elsa tem, mais uma vez, razão. Estou
me escondendo, vivendo nas sombras, querendo ser esquecida e isso tudo
por medo. Medo do julgamento, medo das pessoas, medo de Sebastian.
Medo de viver normalmente, medo de tentar seguir como se não tivesse
deixado um mar de pessoas feridas atrás de mim, preferindo me condenar a
encarar que preciso parar de me autossabotar, mesmo que indiretamente.
Se estou querendo mudar para melhor, tenho que focar em mim, não
no que os outros vão pensar, porque, como ela mesmo disse, ninguém aqui
me conhece, ninguém conhece minha história, a verdade por trás da aposta
e muito menos os meus sentimentos verdadeiros. Errei, fiz coisas estúpidas,
agi como uma criança traumatizada e com medo do amor e hoje percebo
como me arrependo de cada pensamento, de cada escolha e de cada ação
medrosa e egoísta. Se as pessoas soubessem o quanto me sinto rasgar por
dentro todas as vezes em que me recordo como me encontro hoje,
pensariam antes de me julgar. Porque eu não sou mais a mesma e tenho
pavor de que nunca mais volte a ser. Eu fui de uma garota solitária e
fechada a uma garota extremamente feliz e cheia de descobertas, em meses.
Já hoje, não sei e não consigo nem descobrir quem é que ainda vive em
mim, se é a Kayla da Pensilvânia ou a Kayla que chegou a essa faculdade,
que conheceu a amizade e o poder de uma conexão além da vida. É como
viver num torpor, anestesiada depois de sentir tanta dor, apenas... vivendo
um dia após o outro até a terapia começar para me ajudar de verdade nessa
e em outras questões que preciso tratar para poder viver de forma saudável.
As pessoas nessa universidade não imaginam, mas estou sofrendo
para um caralho e mereço pelo menos um pouco de respeito, pois estou
tentando. Eu não sou um monstro, eu não sou como ela, como Cora. Por
mais que eu tenha sofrido um abuso terrível durante boa parte da minha
vida, por mais que eu tenha ouvido diversas vezes o quanto a minha vinda
ao mundo foi um castigo para todos ao meu redor, por mais que eu tenha
tido todos os motivos do mundo para crescer revoltada, com ódio e com
sede de vingança, não foi isso que eu me tornei ou o que eu quis. Eu só
queria poder me libertar de todas aquelas amarras e realmente viver uma
vida, uma que fizeram questão de me tirar tão cedo. Eu estava cheia de
feridas, traumas, medos, inseguranças e tremendo como um filhotinho
amedrontado após fugir do seu habitat natural, distorcendo todas as coisas
ao meu redor porque não sabia o que era normal e certo, minha cabeça só
conhecia o deturpado e o errado, porém, ainda assim, nunca realmente
desejei machucar ninguém de propósito quando coloquei os pés aqui em
Maevis. Uma pessoa machucada jamais deveria desejar isso para um outro
alguém, não quando se conhece tão bem como é estar andando descalça
sobre as lavas do inferno.
E eu já passei por um monte de merda, já fui duramente criticada,
ignorada, tratada como lixo e até mesmo espancada até ficar roxa, e mesmo
assim sempre tentei andar de cabeça erguida e com o nariz em pé. Nunca
me importei com o que pensavam de mim antes, então por que estou
fazendo isso justamente agora, no momento em que mais preciso ser forte e
ignorar tudo?
Mais lágrimas descem e Elsa as limpa, ainda em cima de mim.
— Não chora, Kay-Kay, não quis ser dura com você. — Ela também
parece prestes a se derramar em lágrimas e eu nego ao balançar a cabeça. —
Estava entalado em mim e eu precisava colocar para fora. Eu precisava te
dizer cada coisa que eu disse ou surtaria vendo-a tão pra baixo. Você não
merece nada disso.
— Tudo bem, Frozen, tudo bem. Eu estava precisando mesmo disso.
— A puxo para um abraço e a aperto contra os meus braços, a ouvindo
suspirar baixinho no pé do meu ouvido enquanto a envolvo. Nunca gostei
muito de toques físicos ou demonstrações de afeto, eu achava que era muito
vulnerável, íntimo, invasivo e até mesmo pavoroso, porque eu sempre
pensava que, dependendo do toque, seria muito fácil levar a um patamar
que fosse para machucar, como sempre estive acostumada à minha vida
toda. Agora, para ser sincera, era tudo o que eu mais queria e mais gostava,
porque havia ganhado um novo significado, um muito bonito e que apagava
todas as minhas crenças errôneas. Significava proteção, cuidado e o mais
verdadeiro dos “eu te amo”. É o que eu tentava passar para ela nesse
momento. — Eu já disse que tenho muita sorte em te ter?
— Hmmm, não me lembro — brinca, e sei que é para me ouvir
dizendo. — Mas você pode falar se quiser.
— Ah, é?
Antes que ela possa responder, faço cócegas em sua barriga, fazendo-
a gritar e saltar para o outro lado da cama, saindo de cima de mim. Rio com
o som da sua risada e, no instante em que, tanto a minha quanto a dela
cessam, sopro:
— Eu tenho mesmo muita sorte em te ter. E nós vamos para a festa.
Seus olhos brilham.
— Mesmo?
— Mesmo, mesmo.
Então Elsa dá outro salto, agora para fora da cama.
— Ai, meu Deus, então precisamos achar uma fantasia perfeita em
menos de... — Olha para o relógio em seu pulso. — Céus, em menos de
quatro horas. Levanta essa sua bunda malhada daí agora mesmo, Kayla
Benson, vamos ficar perfeitas para dançar na frente daqueles otários. Se é
de show que eles gostam, é um show que eles terão.
Sorrio comigo mesma por vê-la assim, tão decidida, forte e
incrivelmente maravilhosa, a melhor amiga de todas. Pelo visto há uma
mudança por aqui também. Elsa Guadalupe Castillo está ainda mais
poderosa e corajosa.
Flexiono os joelhos e me levanto em um ímpeto, fazendo continência
como se ela fosse uma espécie de general, ao me pôr em sua frente.
— Mais alguma ordem, senhora?
— Que tal compras?
Franzo o cenho.
— De novo?
Seus lábios se esticam em um sorriso de uma garota muito má.
— De novo.

Faz algumas horas desde que descobri que a minha melhor amiga ama
e leva muito a sério suas fantasias, seja em festas com o tema ou em
Halloween, porque ela deu a sua vida toda para montar a de hoje. Por mais
que eu já tenha a visto vestida na fantasia enquanto andava pelo dormitório
de um lado para o outro, ainda fico besta. Tão logo estacionamos em frente
à república e saímos do carro, ficamos uma de frente para a outra para
conferirmos se está tudo certo com as nossas roupas.
Tudo mais do que perfeitamente certo, na verdade.
Elsa está vestida com um collant de corpo inteiro, azul e de listras,
simbolizando um Avatar, como nos filmes. Ela até colocou cauda e fez
maquiagem do pescoço para cima, ficando toda azul, isso depois de passar
horas de frente para o espelho assistindo tutorial no Youtube. Foi
extremamente trabalhoso, porém ela ficou igualzinha, além de linda, claro.
Uma prova disso é que quem passa por nós agora, a elogia e a parabeniza
pela caracterização.
Isso porque ela teve pouco tempo para pensar na fantasia, imagina se
ficasse sabendo da festa antes. Seu cartão de crédito ia pedir a morte.
Ao contrário dela, eu estou simples, contudo, a minha fantasia é
significativa, especial e também dentro do tema. As pessoas saberão quem
sou assim que puserem os olhos em minhas roupas, as quais tentei encontrar
mais parecidas possíveis, para fazer jus à minha personagem.
De repente, tremo.
É a primeira vez que penso na possibilidade de Sebastian e o restante
das raposas estarem aqui esta noite. Meu sexto sentido diz que, sim, eles
estarão aqui, se é que já não estão espalhados pela casa.
Merda.
Não tive tempo de refletir sobre isso antes, com tantas coisas sobre as
pessoas, a fantasia e o maldito horário para não atrasar, tomando conta da
minha cabeça. O mais importante, de fato, deixei passar.
Inspira. Expira. Inspira. Expira.
— É a ansiedade? — Sobressalto assim que percebo Elsa ao meu
lado, com a mão em meu ombro, porque não a vi se aproximar. — Vamos
voltar para o dormitório agora mesmo.
A impeço, fazendo-a refrear seus movimentos, que já estavam
próximos de nos levar de volta ao seu carro.
— Não é uma crise, só fiquei nervosa porque não tinha me dado conta
até então de que Sebastian pode estar lá dentro. Não sei como reagir se isso
acontecer.
— O máximo que pode acontecer é vocês trocarem olhares. Duvido
que ele vá querer fazer uma cena aqui ou até mesmo pedir para conversar
num ambiente nada propício como esse. É só você respirar, agir com
tranquilidade e confiar em mim e no meu poder de diversão. Te prometo
que estará tão entretida em mim, que não se lembrará de mais nada.
Promessa de dedinho. — Ergue o mindinho no ar. — Confia ou não confia?
— Confio. — Mordo um sorriso ao enganchar nossos mindinhos
como duas crianças. — Vou focar em nós duas e mais nada.
— É isso aí, garota.
Então ela me empurra para frente e começa a andar comigo para
dentro da festa. No segundo em que passamos pela porta, uma onda de calor
sobe pela minha espinha e sinto olhos queimando, às minhas costas e por
todos os lados. Como Elsa sabe que é um momento difícil, faz questão de
chamar minha atenção e contar algo engraçado sobre a sua turma de
Música, que em peso está por ali, fazendo a própria festa enquanto cantam e
dançam juntos. Minhas írises estão nelas, minha atenção também, mas
ainda sinto sensações esquisitas percorrendo a base da minha coluna. Eu sei
que estão cochichando e falando sobre mim, talvez até mesmo sobre a
minha nova aparência e sobre o que estou pensando para ter colocado os
pés aqui. E também sei que, merda, ele está aqui em algum lugar, eu posso
senti-lo. O ambiente está diferente, o ar está crepitando e as minhas mãos
estão suando tanto que só pode significar sua presença em algum canto
desta sala colorida, barulhenta e movimentada.
Ainda posso chutar que está me observando na surdina, suas írises
soltando lasers mortais em minha direção, como se pudesse me desintegrar.
Basta uma olhada para a frente, mais especificamente para o fundo, e
tudo para.
As pessoas, a música, tudo ao meu redor congela. Inclusive eu.
A única coisa em movimento é a luz vermelha, que clareia todo o seu
rosto e a sua figura escondida em um canto da parede, com um quadro
pendurado acima de sua cabeça. Ele está segurando com força o copo de
cerveja ao passo que seus olhos gélidos encaram os meus, que saltam diante
do seu escrutínio nada gentil. Meu coração vai parar na boca e a única coisa
que consigo pensar é em como Sebastian está diferente da última vez que o
vi, perto do meu dormitório depois da consulta com a doutora Ella. Ele
parece fisicamente bem e estável, não mais com aquela aparência péssima
de quem estava claramente passando por um momento difícil. Sua postura
voltou, bem como todo o seu jeito que eu conhecia e costumava admirar,
deixando-o igual ao capitão de sempre. Ainda assim, mesmo com a mesma
aparência, Skalbeck me parece diferente, talvez pela mandíbula cerrada,
pelos olhos frios, severos, incompreensíveis ou até mesmo pela raiva
oscilando em cada centímetro da sua face. Enquanto ele me fita, em nada
me faz lembrar as outras vezes. Não há luz. Não há brilho. Não há sorrisos.
Não há amor. Não há resquícios do que vivemos. À medida que ele me fita,
nesse exato momento, a única coisa que há é tormento. Frio. Gelo. Neve
congelando e fazendo cada osso do meu corpo doer com seu claro desprezo.
Não sei o que estava esperando encontrar em seus olhos castanhos
quando ficássemos frente a frente, só que isso, oh Deus, isso é demais para
suportar. Eu vi a sua tristeza e agora estou vendo a sua raiva sendo formada.
Tudo o que ele um dia sentiu por mim, se transformou nisso que ele está
tentando transmitir em silêncio: mágoa, remorso, revolta, dor, profundezas
caóticas. Coisas bonitas se transformaram em coisas feias. Momentos lindos
foram manchados por erros e tudo o que vivemos foi afetado, distorcido, até
possivelmente apagado. Estávamos ambos cruelmente quebrados.
“Deus, ele pode me odiar agora, eu aceito, só... por favor, faça esse
sentimento ser passageiro. Não porque eu quero me beneficiar com isso,
mas sim porque não posso viver sabendo que sua bondade e sua fé foram
consumidas pela escuridão. Simplesmente não posso viver sabendo que, de
alguma forma, mudei sua personalidade tão única e tão inspiradora,
arrancando o amor que ele emanava ao mundo”, é o que eu oro à medida
que serpenteio os alunos, com Elsa ainda em meu encalço tentando
conversar comigo, mesmo que eu acredite que ela tenha percebido a
grandiosidade do que está acontecendo entre mim e o garoto nos fundos,
que já não mais reconheço.
Espera, por falar em reconhecer, agora que me dou conta da sua
fantasia. A semelhança é nítida e mesmo tendo noção disso, me faz chocar
os cílios, como se eu quisesse ter mesmo certeza do que está diante de mim.
A coincidência me assusta, bem como o peso do significado desse
momento.
Lá está Sebastian, vestido de Peter K., ao passo que eu estou de Lara
Jean.
Aquele moletom é completamente reconhecível, o mesmo que
Kavinsky usou no final do filme quando a Lara Jean foi ler a carta no meio
do campo de lacrosse.
Se é de coincidência que estamos falando, aqui vai mais uma, eu
também estou vestida com a roupa dessa cena. Que ótimo.
Assim que Elsa me falou que o tema da festa era geek, eu logo quis
me fantasiar como alguma personagem de livro e Lara Jean Song Covey foi
a primeira que me veio à mente, porque ela significa muito para mim,
principalmente depois de Sebastian ter lido o livro comigo em ocasião tão
difícil. Era algo não tão difícil e totalmente reconfortante. Estar com as
roupas dela era como, no fundo, estar de volta ao dormitório, de volta aos
nossos encontros, de volta aos nossos apelidos, de volta a nós dois. Espero
que ele não pense que isso aqui é uma provocação, porque não é isso que
estou pensando da dele. Quero acreditar que, assim como eu, também
decidiu, de alguma forma, nos homenagear.
Posso estar me iludindo? Posso, porém, continuarei presa a isso até
que Sebastian diga ou prove o contrário, o que sei que não acontecerá.
Desvio a minha atenção da dele quando uma garota passa por mim
empurrando meu ombro de propósito, guincho com a dor e com a falta de
educação. Troco olhares de descrença com Elsa e, no segundo em que
decido voltar àquele ponto, não há mais ninguém na parede. Sebastian
simplesmente desapareceu.
Ou será que foi a minha mente que imaginou tudo?
— Você vai querer dançar agora? — minha amiga grita por cima da
música da Halsey. — Ou vai esperar por um reggaeton? Juro que nesse
ritmo eu dou aula.
Sorrio, tendo a certeza que sim, já que ela dança o tempo todo sempre
que põe suas músicas para fazerem barulho dentro do nosso apartamento.
— Será que vai tocar? — retruco na mesma altura. — Essa festa está
me parecendo muito... Estados Unidos da América.
Ela entreabre os lábios e põe a mão na cintura.
— Merda, tem razão, vou ter que dar um jeito nisso.
Rio.
— Tipo como?
— Tipo procurando a pessoa responsável pelas músicas.
Estadunidenses que me perdoem, mas eles não sabem como dar festas. A
latina aqui vai ter que ensinar. Você vem comigo?
Faço que não e cruzo os braços, achando graça.
— Vai lá, latina gostosa, eu te espero aqui.
Uma piscadela é lançada em minha direção.
— Não saia daqui, ok? Volto em cinco minutos com CNCO tocando
no fundo. Nem que seja a versão com Little Mix, entretanto eles vão ter que
colocar.
Essa garota é persuasiva, com certeza vai conseguir o que deseja com
um sorriso e com sua carinha meiga de boneca.
Como não estou no meio das pessoas, graças a Deus, e sim em uma
parte com pouco movimento e também próxima a um canto afastado,
decido passar meu tempo mexendo em meu celular. Cinco minutos e ela
estará de volta. Cinco minutos e nós dançaremos juntas uma de suas
músicas favoritas. Cinco minutos e seremos só nós duas nessa festa, sem
mais ninguém para atrapalhar nossa primeira saída como duas jovens
universitárias. Entro nas mensagens, não vejo nada de especial —
obviamente porque não há mais ninguém para me mandar coisas que façam
minha barriga encher de borboletas — e decido escorregá-lo de volta para o
bolso da minha saia no instante exato em que alguma coisa, ou melhor,
alguém se aproxima de mim por trás, fazendo com que eu me arrepie da
cabeça aos pés por sentir a familiaridade do cheiro, da presença e da sua
magnitude.
Prendo a respiração em meus pulmões e fecho as minhas mãos em
punho, nervosa.
— Olha só para você. — A voz impassível de Sebastian me desperta
um turbilhão de emoções, que fazem a minha barriga doer e a merda da
república girar. Comprimo os lábios quando o sinto se aproximar ainda
mais, desfazendo a nossa distância para me aprisionar e fazer com que eu
me sinta bem, bem pequena, do tamanho de uma formiguinha. — De Lara
Jean. É algum tipo de piada? Provocação? — Rapidamente nego, assustada
e ele ri anasalado, sem humor. — O que você fez já não foi o suficiente para
me quebrar? Agora tinha que aparecer, depois de quase dois meses, justo...
assim?
A pontada de dor em seu timbre me quebra ainda mais.
Eu sabia que ele poderia entender tudo errado no segundo em que se
desse conta.
— Mas você está de Peter — consigo dizer. — Por quê?
Mais uma vez, ele ri.
— Está pedindo por explicações? — Suas palavras gotejam sarcasmo.
— Não deveria ser o contrário? Ah, desculpe, meio tarde para isso. — Não
posso vê-lo, contudo posso imaginar que está com aquela mesma expressão
de minutos atrás, tão fria quanto a droga do Alasca.
Lágrimas.
Preciso sair daqui ou vou chorar em sua frente.
— Estou indo embora.
— Sim, vá, é o que você sempre faz.
Fecho os olhos e desapareço com a única lágrima solitária que
escorre, inspirando profundamente para conseguir dar o primeiro passo.
Todavia, não consigo. A verdade é que quero me virar, tocar em seu rosto,
pedir perdão e implorar para voltar, porém não posso, esse não é o momento
certo. Não foi desse jeito que imaginei nossa primeira conversa e não posso
agir por impulso, não depois de ter feito isso tantas e tantas vezes. Por mais
que a minha saudade seja grande, por mais que a minha vontade de poder
falar tudo seja ainda maior, preciso me lembrar que tudo tem seu tempo.
Essa festa não é sobre ele, não é sobre nós, é sobre mim e Elsa.
— Você ainda entenderá cada ação minha — falo mais para mim do
que para ele, no entanto, acredito que possa ter escutado cada palavra. —
Você ainda entenderá tudo, eu prometo.
Há um silêncio desconcertante, até que Skalbeck o quebra,
mencionando algo quando já estou me movimentando para sair desse
espaço.
— Belo visual. — Sua língua parece estalar no céu da boca. — As
tranças combinaram com você. Fisicamente falando, claro, porque eu não te
conheço. A propósito, em algum momento eu conheci?
É, já deu, não vou me maltratar ainda mais ouvindo essas coisas.
Tenho coragem de virar sobre os ombros, mas só para dizer uma
única coisa, a minha voz já embargada.
— Tchau, Sebastian.
O calor inunda meu corpo e eu estou dançando com Elsa na pista
improvisada, porque sim, ela conseguiu pôr uma música da sua banda
favorita para tocar. Na verdade, não só isso como também exigiu qual que
queria. Honey Boo do CNCO foi a escolhida da vez, deixando essa pequena
Avatar, à minha frente, completamente animada e, claro, agindo como uma
fã adolescente orgulhosa de seus ídolos. Ela dança sem se importar em
parecer normal, com os braços balançando no ar e eu tento seguir seus
passos como uma boa amiga, que não quer deixá-la passar vergonha
sozinha na frente de tantas pessoas curiosas, que ficam observando
enquanto Elsa canta a plenos pulmões com o seu espanhol impecável,
seguindo o ritmo da música, que para mim já é conhecida.
— Nadie tiene más sex appeal que tú — grita e aponta para mim,
sorrindo, como se estivesse me dedicando essa parte da canção. Bom, eu
sorrio de volta, mesmo não sabendo o que significa. — Y por donde pasas
eres el boom...
Então continua cantando, fazendo seu show particular e atraindo cada
vez mais olhares e cada vez mais pessoas ao nosso redor. Eu me retraio um
pouco e a deixo brilhar, afinal, acho que esse aqui é o seu momento, e eu
também não estou na melhor das alegrias depois do meu rápido e desastroso
encontro com Sebastian. Não contei nada à Elsa para não atrapalhar nossa
noite e nem para sobrecarregá-la com os meus problemas, por isso que
estou aqui na pista, tentando. Tentando por ela e pelo que eu já havia
prometido, não querendo decepcioná-la. Mas a verdade é que a minha
vontade é de sumir desse lugar, porque, mesmo não o vendo agora, sei que
ele está em algum canto dessa festa, talvez até me observando e pensando
coisas, que não são nem um pouco verdadeiras, ao meu respeito. Eu sabia
que seria difícil dividir o mesmo ambiente que ele, porém não sabia que
seria tanto, muito menos sabia que iria encontrá-lo do jeito que está, cheio
de raiva e pronto para jogar coisas, as quais ele não entende, na minha cara.
Foi difícil manter a compostura e não desabar, vendo-o tão diferente e tão
distante. E eu ainda sinto o gelo esmagador que emanava do seu corpo em
minha espinha. Eu ainda sinto o seu desprezo e o seu remorso em cima de
mim, gotejando como ácido, abrindo ainda mais e mais feridas em minha
pele, cortando até mesmo o meu mais profundo âmago. Eu ainda estou
escutando sua voz cortante bem às minhas costas, soltando frases
articuladas para mostrar como sou a vilã da nossa história e como, até
agora, não fiz questão de procurá-lo para me desculpar e, quem sabe, me
explicar.
Como eu disse mais cedo, ainda vou conseguir explicar tudo, eu só
espero que ele tenha paciência e calma. Se é que isso é possível. Depois de
hoje, tenho as minhas dúvidas de que Sebastian vá conseguir me esperar.
Ou, se assim que for possível conversarmos, vai estar tão de saco cheio de
toda essa merda, que não vai querer mais me ouvir, que já vai ter partido
para outra e até mesmo superado. Sua tristeza evoluiu para raiva e disso,
para simplesmente não sentir mais nada, é muito rápido, o que me deixa
apavorada. Só em pensar que podemos seguir desse jeito, separados e com
assuntos inacabados, sem um ponto e vírgula ou até mesmo um ponto final,
sinto calafrios de tanto medo.
Porque Sebastian ainda sente algo por mim, nem que seja raiva, só
que até quando?
Até quando eu estarei ocupando a sua mente e o seu coração?
Pode ser até daqui um mês, daqui um ano ou até mesmo somente
hoje. Amanhã o capitão do Maevis Fox pode acordar muito bem, não
querendo mais se desgastar comigo e seguirá o seu caminho, enquanto eu
ainda permanecerei aqui, na espera do momento certo. E se ele nunca
chegar? E se eu nunca me sentir preparada? E se eu nunca, sob hipótese
alguma, melhorar? São perguntas que me faço agora, pois não tinha
pensado nelas até então, não tinha me dado conta de que, dependendo do
tempo que levar, não vai adiantar mais nada. As desculpas não serão mais
importantes e eu muito menos. Posso perdê-lo para sempre, se é que já não
aconteceu, e tenho que começar a colocar isso na minha cabeça para
preparar meu psicológico, caso venha a ter a confirmação concreta. No
entanto, mesmo sabendo disso, ainda tenho que me agarrar a um fio de
esperança e continuar pensando em mim, na minha recuperação e no meu
novo propósito, sem querer apressar as coisas por colocá-lo à frente das
minhas necessidades só por medo. Já fiz muito isso e não é justo comigo
mesma, nem com Sebastian.
Eu preciso manter a minha promessa e é isso mesmo que vou fazer.
Cruzo dois dedos atrás das minhas costas, fecho os olhos por um
instante e rezo para que dê tudo certo no fim. Que a raiva dele seja
momentânea. Que ele ainda me ame. Que ele ainda queira ser meu melhor
amigo.
Abro os olhos e então percebo que passei tempo demais dentro da
minha própria mente, sem reparar o que estava acontecendo ao meu redor,
pois agora Elsa está presa dentro de um pequeno grupo enquanto dança e eu
estou presa dentro de outro, em uma roda um tanto quanto conhecida.
Franzo as sobrancelhas por alguns segundos diante da cena e depois, sem
graça, ergo meus lábios em um sorriso fraco para Lionel Prince, Daniel
Maddox e Justin Harris, que estão ao meu redor, completamente estoicos,
de braços cruzados, com semblantes típicos de Guardas da Família Real e,
ainda por cima, vestidos de Caça-Fantasmas. Eles parecem que acabaram
de encontrar o monstro que tanto estavam procurando, porque todos os
pares de olhos me encaram com um brilho perverso nas írises, um brilho
que claramente indica o quanto estavam esperando por essa oportunidade,
para me colocarem dentro da toca, à força.
E lá vamos nós de novo.
Até aprumo os meus ombros para me preparar para as balas que todos
eles irão atirar em meu corpo.
— Ahnnn, olá — é o que escapole da minha boca quando essa troca
de olhares começa a me deixar incomodada, envergonhada e sem saber o
que fazer. Todos os amigos de Sebastian se entreolham, ainda sérios, e
depois voltam a fixar os olhares em mim, como se ainda estivessem
estudando a hipótese de me responder ou não. Diante dessa reação, que só
me deixa ainda mais embaraçada e querendo fugir, solto um pigarro, limpo
o suor das palmas das minhas mãos na barra da minha saia e começo a olhar
para o lado com o pescoço esticado, tentando achar uma brecha para
escapar para onde a minha melhor amiga está. Bufo de forma frustrada para
mim mesma e retorno a atenção para os meninos do Maevis Fox, sorrindo,
novamente, de forma forçada e que me faz parecer uma idiota. — Quanto...
tempo, não? — Péssima coisa a se dizer, Kayla. Limpo a garganta pela
segunda vez. — Foi ótimo ver vocês. Tenham uma ótima festa. Se me
permitem, estou indo bem ali.
Antes que eu possa fazer menção de apontar ou até mesmo de me
movimentar, os três, de forma sincronizada, dão dois passos em minha
direção e me deixam presa diante da muralha enorme que eles se tornam à
minha frente, me impossibilitando de sair dessa merda de lugar. Se antes eu
adorava futebol americano, agora eu odeio, esse esporte não deveria exigir
jogadores tão altos, tão fortes e tão... brutamontes. Eles não me pareciam
tão ameaçadores assim quando éramos amigos e eu frequentava a casa
deles. Lionel era como um adolescente engraçado e louco por atenção,
Justin era sorridente, meigo e amigável e, por mais que Daniel sempre tenha
carregado o ar de bad boy encrenqueiro, nunca vi, com os meus próprios
olhos, algo que fizesse jus a sua fama sem ser a sua óbvia aparência.
Contudo, aqui estão eles, querendo provar para mim que, embora eu tenha
conhecido o lado bom deles, agora conhecerei e terei que lidar com o lado
ruim, porque ninguém mexe com uma das raposas sem que afete o grupo
inteiro, ninguém mexe com uma das raposas e sai impune ou sem ao menos
ver do que eles são capazes.
Por isso que são os melhores de Montana e se destacam dentre todos
por um motivo; união.
Posso estar ferrada agora, o que me deixa sinceramente muito triste,
porém algo dentro de mim, o que se importa e sempre irá se importar com
Sebastian Skalbeck, meu primeiro amigo, meu primeiro amor, fica feliz por
ver que ele nunca estará sozinho. Mesmo sem mim, Sebastian está
protegido, cercado por amor e rodeado de pessoas que o respeitam e que
fariam qualquer coisa por ele. Seus amigos são a força e o alicerce que ele
precisa e sempre irá precisar. Justin, Lionel, Daniel e até mesmo Kellan,
junto dos seus outros companheiros de time, nunca o deixarão cair e isso
me deixa um pouco confortada, saber que, não importa quanto tempo o seu
luto e as fases dele durem, Sebastian viverá uma vida plena, feliz e
saudável, ao lado de pessoas tão boas quanto ele.
Ainda que eu perca oficialmente minha chance de protegê-lo, confio
plenamente nos que ficaram para exercer essa função. Isso tudo que está
acontecendo é só uma prova do que eu já imaginava. Eles nunca largarão a
mão dele. Eles nunca o machucarão como eu fiz. Sim, os meninos são
amigos do capitão deles de verdade e é muito bonito de ver essa irmandade.
Pestanejo e paro de pensar tão logo um deles dá mais um passo, e me
assusto ao perceber que é o meu irmão no meu campo de visão.
Mas que diabos...?
— Kellan — seu nome escorrega com um tom de surpresa e preciso
tombar um pouco a cabeça para trás, na intenção de olhar dentro dos seus
olhos castanhos esverdeados. Meu coração se agita em saudade e a única
coisa que sinto vontade é de me agarrar à sua camiseta, chorar e nunca mais
lhe soltar, porque o amo tanto que estar longe dele, nem que seja por pouco
tempo, agora sendo mais tempo que o normal, é como a morte. Não há
como viver uma vida normalmente sabendo que estamos abalados e com a
confiança estremecida. Ele comigo, no caso, porque confio muito mais nele
do que em mim mesma e isso desde sempre. Eu não o esperava aqui, pois
não tinha o visto em lugar nenhum nessa festa desde que cheguei. Porra, eu
nem ao menos o vi se aproximar. — O que... o que... como? — Nem eu
mesma sei o que estou querendo questionar. Balanço a cabeça de um lado
para o outro quando noto que também está fantasiado como os outros. Mais
tristeza me inunda. — Por que está com eles e não comigo, Kellan? Por que
ouviu o Sebastian e não quer me ouvir?
Minhas perguntas cheias de dor, talvez até sem direito de serem
expressadas, saem baixinho só para que ele escute, dor sendo evidenciada
em cada letra. Não tenho certeza se ele escutou Sebastian, não tenho certeza
se ele o perdoou ou qualquer coisa parecida, mas é algo que posso presumir
pelas coisas que estou vendo e ouvindo durante algumas semanas. Kellan
está saindo e andando normalmente com Sebastian, parece até que nada
aconteceu entre os dois e isso me machuca profundamente, pois comigo o
que está acontecendo, até o presente momento, é o contrário disso. Nos
falamos esporadicamente e não sentamos para conversamos, de fato, sobre
tudo o que aconteceu. Meu irmão alegou que não estava preparado, que eu
havia o traído, traído todas nossas promessas e toda a nossa história,
principalmente porque mentira era algo totalmente abominável em nossa
relação e sempre mantivemos o diálogo acima de qualquer coisa, porque
éramos a única família um do outro, éramos melhores amigos, confidentes,
almas gêmeas e especiais demais para que escondêssemos algo. Ele falou
diversas coisas e eu aceitei que ele tivesse seu tempo para processar todo o
ocorrido. Acontece que já se passaram praticamente dois meses e não
saímos do lugar. Acontece que eu o vejo o tempo todo com seus amigos,
como se estivesse seguindo a sua vida normalmente, enquanto comigo, que
sou a sua irmã, nada foi resolvido. Toda essa merda está me deixando cada
vez mais nervosa, provavelmente deve ter sido por isso que acabei soltando
o que soltei dessa forma, sem colocar em pauta que a única errada aqui sou
eu. Não é como se eu pudesse estar exigindo explicações, eu sei, só que
simplesmente não consigo fingir que não estou magoada com a sua maneira
de agir a respeito de nós dois.
É sufocante e ao mesmo tempo desesperador saber que ninguém,
ninguém, consegue enxergar o quanto estou arrependida e o quanto sinto
muito. Por tudo.
— Seja lá o que eles falaram para você, desconsidere, nenhum deles
irá lhe infernizar — meu irmão fala alto, virando sobre os ombros,
provavelmente para que Lionel, Justin e Daniel, que estão próximos,
escutem. Os garotos dão de ombros e quando Kellan se vira para me fitar,
com suas írises tentando entender as minhas, vejo de esguelha os três
sorriem ironicamente, em um recado muito explícito de que, caso eu dê
mole, vão me infernizar, sim. Só não estou entendo por que Kellan Benson
está dizendo isso justamente agora. Por acaso é preocupação? Eu não sei,
achei que simplesmente estivesse se esforçando para mostrar que não está
querendo mais se importar comigo. De repente, começo a bater os pés no
chão de uma forma que descarregue a minha fúria, porque estou muito
tentada a empurrar meu irmão mais velho para trás enquanto pergunto que
cacete ele acha que está fazendo agindo dessa forma. Não é algo que eu
faço, entretanto. Apenas respiro fundo, cruzo os braços em frente ao peito e
sustento seu olhar. — E o que está fazendo aqui, Kayla? — Seu tom é de
repreensão.
Me seguro para não liberar uma risada irônica.
— Acho que eu te fiz uma pergunta primeiro.
— E eu ouvi — ele retruca. — Esse só não é o lugar.
— Pronto, você tocou no ponto chave. Por isso que estou nesse lugar.
É uma festa. Uma f-e-s-t-a. Minha amiga quis a minha companhia e eu vim.
Não vou me esconder, se é isso que você quis sugerir.
Kellan entreabre os lábios pronto para me responder, porém não
consegue falar nada, pois, quando percebemos, Lionel se aproxima para
poder resmungar:
— Bem, querida, sinto muito em dizer, mas você estava fazendo isso.
Olho para ele.
— Fazendo o quê?
— Se escondendo. — Dá de ombros. — Você sumiu, se escondeu
pelo campus e todo mundo sabe disso.
— Exatamente — agora é a vez de Daniel entrar na conversa. —
Curioso você voltar a aparecer justo no momento em que o Sebastian está
melhorando e se recuperando, huh? — Sua expressão se torna ainda mais
fria, e o seu rosto, que já parece naturalmente bravo, consegue ficar ainda
mais, se é mesmo possível. Diante do escrutínio de Maddox, posso virar
cinzas a qualquer segundo. — Qual o próximo passo? Testemunhar uma
nova recaída dele? Ou, quem sabe, você ser a causadora disso uma segunda
vez?
Se antes as pessoas da festa estavam ocupadas demais nos seus
próprios mundos, agora elas percebem que há algo de errado acontecendo
por aqui, porque alguns param de fazer suas coisas, olham para cá, depois
se entreolham e passam a prestar atenção na tensão, totalmente palpável,
instaurada entre nós. Discutir no meio de uma festa, ainda mais em uma
maldita pista improvisada, claro que iria atrair atenção. No entanto, não é
com isso que me incomodo agora e sim, com o fato de estar sendo julgada
mais uma vez. Já não basta Sebastian, agora vieram os seus amigos para me
atacar. Não que eu esteja querendo reclamar, eu mereço toda e qualquer
acusação, bem como xingamentos, apontamentos e qualquer coisa ruim que
queiram me oferecer, afinal, até agora só mostrei que realmente agi da pior
forma possível e entendo que estão com raiva, que estão magoados,
decepcionados e querendo arduamente defender e proteger seu amigo da
ameaça que acreditam que eu seja, ainda assim, é difícil ter que escutar
coisas que não são verdades e que me levam de volta ao fundo do poço, de
onde tanto luto para sair. É difícil ver, ouvir e sentir a hostilidade, a mágoa,
a dor e a falsa interpretação de pessoas que haviam se tornado tão
importantes e tão essenciais em minha vida.
Na verdade, para ser sincera, a maior dificuldade de todas é perceber
que, nesse caso, nenhum de nós está certo. Estamos errados. De diferentes
formas, estamos todos falhando. De diferentes formas, estamos todos
seguindo caminhos contrários, caminhos que, no fim, machucam a quem
está indo e a quem está ficando. Não há nenhuma alma capaz de sair
vitoriosa, porque, assim que a verdade vier à tona, estaremos todos nós
mergulhados em escolhas erradas, precipitadas e que achávamos corretas,
visando nossos propósitos.
Por isso, como não quero piorar ainda mais as coisas, fico calada e
não dou uma reposta a Maddox e nem a nenhum deles, que estão esperando
só mais um deslize meu para poderem me crucificar de vez.
— Já deu, rapaziada. Vamos embora — chama Justin, que foi o único
que não quis me dirigir a palavra. Por mais que ele esteja no meio, é o
único, também, que parece muito mais triste do que com raiva. — Isso aqui
não vai levar ninguém a lugar nenhum. A Kayla já não é mais nossa
prioridade e isso não fomos nós quem decidimos.
Ouch.
— Sim, porque ela é uma falsa, uma manipuladora — Lionel guincha.
— Você não tem noção do que causou ao Sebastian. Até coisas simples,
como comer, para ele se tornaram difíceis e cada um de nós estava lá para
apoiá-lo. Entretanto, onde estava você, Kayla? Onde estava você e a sua
empatia? — Dou alguns passos para trás com o impacto de suas palavras
severas. — Foda-se que você não se apaixonou, foda-se que você estava o
usando, usando a todos nós, foda-se tudo, eu só quero saber isso: onde
estava você quando ele passou semanas sofrendo por ser humilhado na
frente da universidade inteira? Eu nem sou uma pessoa inteligente e mesmo
assim sei que havia coisas humanas a serem feitas por você. Mas não foi o
que aconteceu. Ao invés de procurar se retratar, você fugiu, se escondeu,
mudou de visual e a primeira grande aparição decidiu que seria em uma
festa, para mostrar mesmo o quanto não se importa. — O choro entala na
minha garganta e, tão logo percebo, meu irmão está o afastando de mim,
mesmo assim escuto Prince soltar, para todo mundo na república ouvir: —
Falsa do caralho!
— Já chega! — Kellan grita com ele, dando-lhe um empurrão, que o
faz se desequilibrar e um espaço se formar na pista. — Eu mandei todos
vocês ficarem longe dela, porra!
Os dois continuam falando um com o outro, agora somente entre eles,
porém não parecem brigar verbalmente ou quererem se atacar, o que me
deixa aliviada. Ouço meu nome sendo gritado do outro lado e viro sobre os
ombros, assistindo Elsa se espremendo entre as pessoas, agora mais
aglomeradas, e vindo até mim de maneira assustada, com seu cabelo
desgrenhado e suor salpicando sua testa e o seu colo azul, exposto pela
fantasia. Quando nossa distância se torna extremamente pequena, ela põe a
mão em meu ombro e, provavelmente percebendo o estado em que me
encontro, me puxa para perto, me envolve em seus braços e passa as mãos
pelas minhas costas.
— Minha Kay-Kay, o que foi que eles fizeram com você? — a
preocupação sendo proferida baixinho em meu ouvido, quase me faz soltar
as lágrimas que estou prendendo, mas me forço a segurar mais um pouco,
não quero chorar aqui, na frente dessas pessoas que tanto me julgam. — Me
perdoa, amiga, me perdoa, eu não deveria ter te deixado sozinha. Fiquei tão
animada com a música, realmente achei que estivesse ao meu lado esse
tempo todo.
— Tudo bem, foram apenas cinco minutos — balbucio. — E acho
que eu que acabei me afastando de você, no final das contas.
Nós duas nos desgrudamos e olhamos uma para o rosto da outra, Elsa
se contorcendo de culpa por uma coisa que nem estava ao seu alcance. Tiro
os fios do seu cabelo castanho do seu rosto e os coloco atrás da orelha,
depois aperto seu queixo com meus dedos em pinça e a faço sorrir, para
tirar a expressão de enterro do seu rosto. Não quero que ela se culpe por
absolutamente nada.
— Vir a essa festa foi uma péssima ideia, Kay-Kay.
— Nisso eu tenho que concordar, Frozen.
— Vamos embora — ela decreta. — Que tal passarmos no Starbucks
para tomarmos um café?
— Sim, por favor, sua melhor amiga está precisando de um
cappuccino de canela urgentemente para afogar as mágoas.
Elsa confirma com a cabeça e engancha nossos braços.
— Assim que chegarmos lá, vai me contar direito o que aconteceu?
Eu definitivamente não entendi nada. Estou preocupada com o seu irmão
também.
É, somos duas.
Logo que estou pronta para puxar minha amiga para fora, alguém que
eu não esperava ver nesse momento, vem caminhando em nossa direção,
chegando cada vez mais e mais perto, fazendo meu coração voltar a bater
mais forte.
— Tem um quarto lá em cima vazio, Kayla. Depois do que aconteceu,
nós dois precisamos conversar. Agora.
É o que Sebastian exige de forma autoritária.
Quando eu acho que as emoções já vão acabar, percebo que elas estão
só começando e eu automaticamente cedo às suas vontades, porque é o que
precisamos.
O caminho da pista de dança até o quarto, que Sebastian reservou
para nós dois, é silencioso, constrangedor e carrega uma carga um tanto
quanto pesada, para dizer o mínimo. Eu fico o tempo todo olhando para
baixo, muito concentrada em não embolar um pé no outro na hora de subir
os degraus, do tamanho que é o meu nervosismo e a minha euforia,
mentalizando que a minha decisão de aceitar tentar conversar com ele esta
noite tenha sido uma boa ideia, diante de tudo que se desencadeou lá
embaixo enquanto dançávamos ou pelo menos tentávamos. Sua aparição
me pegou desprevenida, sua fala ainda mais e, por mais que a minha melhor
amiga tenha tentado me impedir ao colocar a mão no meu braço, para
perguntar se eu achava que sabia o que estava fazendo, genuinamente
querendo me proteger de mim mesma, não consegui não fazer outra coisa a
não ser aceitar. Por isso que assenti para Elsa, pedi que ela me esperasse no
carro e a argentina concordou em prontidão, dizendo que confiava em mim,
que era para eu manter a calma e que todas as peças se encaixariam mais
cedo ou mais tarde. Aposto que, nesse momento, a Frozen deve estar
rezando para que nós dois consigamos resolver nossos problemas.
Confesso que não tenho a mínima ideia de qual será o teor dessa
conversa, mas acho muito difícil que seja pacífica e apaziguadora, não
quando seus amigos quase se desentenderam por minha causa, embora eu
não tenha arrumado confusão com nenhum deles e sim, eles comigo.
Também não é como se eu fosse me abrir para Sebastian ou implorar para
voltar agora, quando sei que ainda sequer comecei o meu processo. Posso
tentar melhorar as coisas, posso tentar pedir perdão, posso até tentar mostrar
o que ele não quer enxergar, no entanto, definitivamente não posso e não
devo enchê-lo de esperanças se eu ainda nem ao menos sei como as coisas
se desenrolarão com a doutora Ella, se eu ainda nem ao menos sei se terei
conserto.
Sim, estou desesperadamente querendo ter, querendo viver bem para
mim e para as pessoas ao meu redor, querendo honestamente sair do buraco
negro para qual fui sugada ainda muito nova, com determinação e muita
força de vontade se acumulando em minha alma para poder mudar, para
poder me reerguer e lutar pelas coisas que acredito merecer, mas também
preciso pôr os pés no chão para agir sabiamente e não meter os pés pelas
mãos, o iludindo, o prometendo coisas que, no fim, talvez eu não consiga
cumprir. Pode ser errado o meu pensamento, porém prefiro que o garoto ao
meu lado, que também anda cabisbaixo e com as mãos no moletom azul
escuro do Peter Kavinsky, continue com raiva de mim do que me escute, me
dê mais uma chance e eu acabe, eventualmente, o machucando outra vez.
Eu simplesmente não suportaria carregar mais uma culpa em meus ombros,
sabendo que agi de forma egoísta e imatura de novo, quando tinha a chance
de mudar e aprender com o meu erro. Eu simplesmente não suportaria que
ele colocasse fé em mim de novo para que depois, com muito mais dor,
visse que eu não valho a pena, que eu não valho toda a bondade e amor que
fica depositando em nosso relacionamento. Eu simplesmente não suportaria
o quebrar de novo, o machucar de novo e transformar, de novo, o nosso
relacionamento em um ciclo interminável de vai e volta cada vez mais
tóxico, lhe proporcionando o mesmo vazio que o meu, até mesmo, quem
sabe, lhe fazendo acreditar, como um dia cheguei a pensar, que o amor não
existe e que as pessoas estão destinadas a sofrerem umas com as outras.
Porque eu quero estar minimamente bem comigo mesma para poder
me abrir de corpo e alma, já que, querendo ou não, ainda dói e ainda é
difícil como o inferno compartilhar os meus traumas sem desmoronar, sem
sentir todas as dores físicas e psicológicas que já me fizeram sentir um dia.
Eu quero estar minimamente preparada para encerrar o meu passado
totalmente, me concentrando no meu futuro, no que realmente importa.
Enquanto eu estiver presa lá, a minha vida aqui não anda, estará sempre
estagnada como um trem velho esperando o seu maquinista. É por isso que
ainda bato na tecla de que não posso me precipitar se o meu desejo é um só:
fazê-lo feliz pelo resto da vida. Quero que Sebastian me olhe e tenha a
certeza de que fez o melhor por nós dois me concedendo o seu perdão e
uma segunda chance, uma que vou fazer questão, hora por hora, minuto por
minuto, de que seja infinitamente bem aproveitada. Sei que eventualmente
vou errar, assim como ele também, afinal, somos seres humanos e não
somos perfeitos, sei que vou cometer deslizes e que vamos, possivelmente,
brigar em algum momento, entretanto sei que, não importa o que seja,
nunca mais será por mentiras ou, de certa forma, enganação.
Seremos saudáveis e daremos um jeito.
Pelo menos é nisso que estou depositando toda a fé que habita em
meu coração.
Se for da vontade do universo que fiquemos separados, pelo menos
vou pôr a cabeça no travesseiro e poder dormir tranquila e sem peso na
consciência, porque vou ter certeza que o que cabia a mim, eu fiz. Eu me
arrependi, eu busquei mudança, eu tentei e ficarei pronta para seguir o meu
destino, bem como ele também.
Solto uma lufada densa de ar assim que alcançamos o corredor e
balanço as mãos ao lado do corpo, tentando aliviar a tensão. Mesmo não
sabendo o que realmente vai acontecer daqui a pouco e o que Sebastian
Skalbeck realmente quer, minha única reação antes de entrar no quarto,
quando o capitão ordena com a sua voz grave para que eu entre ali, é
implorar para que não termine em briga.
Dou alguns passos para dentro do abatedouro, me coloco no centro do
quarto da república e olho as paredes repletas de posters de bandas de punk
rock, com uma grande estante de livros de Direito e também de romance
bem ao meu lado. Paro de prestar atenção nos detalhes e estremeço quando
ouço o clique da porta sendo trancada, abafando o som da música e das
vozes lá fora.
Se antes eu já estava com medo, agora me sinto em pânico.
Respira. Inspira. Respira. Inspira.
“Calma, Kayla, é Sebastian, seu melhor amigo, ele não pode te
machucar”, meu subconsciente tenta me tranquilizar, mas acho que ele
esqueceu que sim, Sebastian pode, porque eu que fiz isso com ele primeiro.
Porra, estremeço mais uma vez, agora com a respiração quente do
jogador do time de futebol americano batendo com força contra a minha
orelha.
— Causando tumulto, linda? — O apelido que ele traz à tona me faz
fechar os olhos, porque, diferente de antes, está encharcado de uma ironia
dolorosa, perfurante, como uma faca cravada em minhas costas para ele
ficar girando, girando e girando como bem entender, afinal, sabe muito bem
cada um dos meus pontos fracos. — Você é mesmo a porra de um problema
ambulante, hein, garota? — A risada que ele dá não me parece engraçada e
eu abro os olhos, virando apenas um pouquinho a minha cabeça para
acompanhar seus próximos movimentos. — Sabe, eu sempre me achei
muito inteligente. Ótimas notas na escola, na faculdade, sempre destaque no
esporte, nas amizades, na vida. Eu passei muito tempo sabendo que achava
o que estava fazendo dela, tomando sempre as melhores decisões para me
proporcionar um futuro digno e o qual sempre sonhei, só que aí veio você e
eu não sei se fiquei burro, se me deixei levar ou se só fui ingênuo demais
para perceber, porém caí como um patinho bem na pior decisão de todas, a
decisão que me levaria para o fundo, para bem longe, para um lugar que até
hoje eu estou tentando entender como se habita. — Sebastian para, talvez
pensando em suas próximas palavras, ainda sem se mexer, bem atrás de
mim, como se para me amedrontar ou até mesmo para conseguir reunir
forças, que não conseguiria caso estivesse olhando dentro dos meus olhos.
Engulo em seco e tento me livrar da massa de concreto que parece estar
alojada em minha garganta. — Quando você está sozinha, presa em seu
dormitório, você dá risada ao pensar em mim? Quando pensa em todas as
coisas que eu fiz, todas as coisas que eu te falei, a porra da minha
virgindade que eu te entreguei? Ah sim, aposto que você pensa — murmura
assim que me vê negar com a cabeça várias e várias vezes, querendo
desmentir cada um dos seus pensamentos. — Até porque eu não passei de
uma aposta. Uma aposta. — Outra risada. — Achei que essa merda só
acontecesse em filme ou em livro. Inclusive, foi em algum deles que você
se inspirou? Me diga, Kayla. Se explique. Por Deus, fale alguma coisa, nem
que seja mais uma de suas mentiras.
Meu peito sobe e desce como se eu estivesse correndo uma maratona.
— Não, não foi. Para de dizer essas coisas. Por favor — choramingo.
No entanto, ele me ignora.
— Como foi descobrir que eu era mesmo virgem? Qual foi o
pensamento sádico que passou pela sua cabeça?
— Para — digo outra vez, mãos invisíveis apertando a minha
garganta. — Não fale assim.
— Era tudo mentira? — Ele começa a passear no quarto, sem ficar
em minha frente e eu permaneço como uma estátua, toda empertigada como
pedra. — Seu passado que você dizia ser conturbado? Sua crise? Suas
falas? Seus gostos? Seus sonhos? — Cada pergunta, uma punhalada e uma
dor diferente. Preciso sorver o ar para que o mesmo faça seu caminho trivial
até os meus pulmões, o que parece estar sendo bastante difícil, já que sinto
como se todo o oxigênio tivesse desaparecido de toda face da Terra. — Não
consigo entender. Parecia tudo tão... real. Como você conseguiu mentir e
fingir tão bem? Você nem me queria no começo de tudo, Kayla. Eu estava
lá e eu lembro de cada detalhe. Você me deu foras seguidos de foras, até
que um dia decidiu não dar mais. Por acaso também fazia parte do plano, se
fazer de difícil para que eu insistisse e nunca percebesse nada? Fazia parte
do plano aquela manhã em que invadiu o estádio e disse que não sabia que
tinha alguém lá dentro? — Uma única lágrima, que eu estava obviamente
segurando, desliza pela minha bochecha e eu passo o dorso da mão na
região, piscando os cílios em seguida. — Rá, aqui estou eu, fazendo essas
perguntas, provando o meu ponto de que sou mesmo burro. Pode rir. Vá em
frente, linda, eu aceito as suas risadas, sou mesmo um idiota de ainda querer
cogitar o contrário, como se você fosse abrir a boca para desmentir, para
provar que há uma explicação para tudo, que você jamais mentiria,
enganaria e quebraria o coração do seu melhor amigo, do seu quase
namorado. É, pois é, quase. Você sabia que eu estava prestes a te pedir em
namoro? Sim, eu estava, ia pedir a sua mão ao seu irmão e tudo, como um
cavalheiro. Ainda bem que não deu tempo de eu me prestar a mais uma
humilhação. Só por curiosidade... você teria aceitado só para brincar
comigo mais um pouco? Ou você... sei lá, acharia que era o momento certo
de rir bem na minha frente e dizer: Oh, querido Sebastian, não se ajoelhe,
se levante daí, eu só me aproximei de você porque queria sentar no pau que
todos diziam que era intacto, eu queria mesmo ver se era verdade e
consegui, agora estou indo embora como a vadia arrasadora de corações
que sou.
Não.
Não, não e não.
Esse é o meu limite e já deu.
Segurando um soluço, com um pouco de raiva crepitando em cada
centímetro da minha pele, giro nos calcanhares e me bato justamente contra
seu peitoral, que se aproximou logo que me virei. Eu aproveito e espalmo
minhas duas mãos em seu peito, usando de toda a minha força para
empurrá-lo, pegando-o de surpresa e o fazendo quase tropeçar em seus tênis
brancos.
— Para, Sebastian, para! Eu mandei você parar! — grito assim que o
empurro novamente, agora lhe socando no braço e em todo lugar que vejo
que posso acertar. Óbvio que não dói, eu sei disso, jamais teria forças para
machucá-lo e nem é isso que verdadeiramente quero, mas, mesmo assim,
continuo, porque me sinto exausta e a um fio de entrar em colapso mental.
Estou sendo atacada de todos os lados e estou aguentando calada, porque
sei que eles têm o direito de expressarem a sua raiva e as suas mágoas, mas
não vou ficar aqui quieta enquanto ele me ofende, eu não mereço isso, eu
definitivamente não mereço ser linchada, eu não sou um monstro e, merda,
ninguém consegue enxergar isso. — Não fale coisas assim sobre mim. Não
na minha frente. Me machuca, me fere, dói. — Bato no meu peito agora, à
medida que falo e nesse momento eu já não estou mais aguentando segurar
nada, então deixo que as lágrimas caiam para que ele veja o quanto também
estou quebrada, o quanto sim, há alguma coisa errada e que não posso
contar agora. Sebastian, parecendo um pouco assustado, arregala os olhos e
um pequeno V se forma entre as suas sobrancelhas, como se ele estivesse
tentando processar a cena diante de si, uma que talvez pensou que nunca
fosse conseguir ver. Ele estava esperando risadas, que eu concordasse com
cada palavra proferida, não isso, meu choro, deixando-o confuso e
deslocado. No minuto seguinte, está vindo para cima de mim, me fazendo
recuar, todavia não me fazendo parar de falar. — Eu não sou uma vadia e
você sabe disso. Nunca mais fale isso para mim ou para mulher nenhuma.
Sebastian balança a cabeça.
— Não foi no sentido literal. Foi modo de dizer e você sabe disso. —
Seu dedo em riste é apontado para mim, nossa distância é encurtada e
minha cabeça tomba para sustentar seu olhar mortal. Desde que estamos
aqui, é a primeira vez que estamos assim, de frente para o outro, tão
próximos e ao mesmo tempo tão distantes. Exatamente como eu, seu peito
sobe e desce e ele parece visivelmente destruído, sua camada protetora de
mais cedo caindo como um véu, que eu acabei puxando sem querer. Está
despido e a bagunça que vejo ainda é muito grande. De repente, me sinto
culpada por ter gritado de volta, por ter feito uma outra interpretação de
suas palavras quando, no fundo, sei que ele não quis realmente dizer aquilo.
Pouco a pouco, baixo a minha guarda e controlo a minha respiração, porque
não quero mais causar cenas para vê-lo desse jeito. Se eu estou quebrada,
exausta, psicologicamente instável, Sebastian também está, porque me
lembro muito bem de Lionel falando lá embaixo, na pista de dança, que o
seu amigo não estava nem conseguindo fazer coisas básicas, como se
alimentar. Isso me destrói mais do que qualquer coisa que possa me dizer e
eu não vou ficar lhe cutucando e entrando na sua provocação, lhe dando
margens para que sofra mais e para que tenha ainda mais perguntas. — Se
as coisas que eu te digo te machucam, o que você fez em mim causa o quê?
— insiste. — Você acha que não dói saber que eu te amei e você não me
amou, nem por um segundo, de volta? Você acha que não dói saber que o
que vivemos, que me parecia a melhor coisa que tinha acontecido comigo
em anos, não passou de uma mentira? Você acha que não dói perder a
melhor amiga e o seu grande amor assim, logo de uma vez, na frente da
universidade inteira? Você acha que não dói ficar com saudade de você e ter
que colocar na minha cabeça que acabou, que nunca mais seremos nós?
Que nunca mais conversaremos, que nunca mais nos beijaremos e que
nunca mais te chamarei de minha? — Seus olhos brilham e eu tenho certeza
que são lágrimas, o que faz meu coração afundar no peito de tanta culpa,
tendo mais um pouco de ciência da sua dor, diante das suas palavras e de
como se encontra desolado. Eu só queria... abraçá-lo. Chamá-lo de meu e
dizer que ainda sou e que sempre serei sua, desde o primeiro segundo em
que nos esbarramos. Eu só queria poder apagar tudo ou, quem sabe, tê-lo
conhecido em outra época, uma mais lá na frente, na vida completamente
adulta e estabelecida. Mas eu sei que todo esse sofrimento veio para que
uma coisa muito grande lá na frente aconteça, para ambos. E eu sei que,
mesmo querendo consolá-lo em meus braços e mesmo querendo me afogar
em seu corpo uma outra vez, preciso me manter quieta enquanto ele
desabafa e põe para fora o que estava segurando há praticamente dois
meses. Se isso vai fazê-lo se sentir melhor, agora eu percebo que aguento.
— Eu estou sentindo raiva de você, Kayla, muita, muita raiva. Tanto que
não estou aguentando olhar para esse seu rosto. E deixa eu te dizer, isso
também dói. Dói porque o amor era lindo, porém a raiva é feia. Feia como
você é por dentro e eu definitivamente não quero ter nada em comum com
você, uma pessoa egoísta e mentirosa.
Pisco os olhos e fecho uma mão em punho.
— E o que mais eu sou?
— Egocêntrica. — Ele dá um passo, roubando todo o meu fôlego e
me empurrando cada vez mais para trás, até que as minhas costas se
colidem com a estante de livros, que se mexe com o impacto. Não tenho
medo dos livros caírem, porque estou ocupada demais presa; nos seus
olhos, na sua boca, no seu calor e no seu perfume, que me envolvem e que
me deixam acorrentada a ele. Empino o queixo e peço para que continue,
para que coloque para fora, mesmo que eu esteja claramente sentindo que o
ambiente, bem como seu tom de voz, tenham dado um giro de 180 graus. —
Você é narcisista, calculista e fria.
— Mais alguma coisa?
Suas írises me queimam como brasas.
— Eu nunca vou te entender.
— Nem eu.
— E eu nunca, nunca, vou me envolver com você novamente.
— Tudo bem.
Sebastian arfa e fecha os olhos, colocando uma de suas mãos acima
da minha cabeça, ficando cada vez mais perto, seu corpo como um imã se
juntando ao meu. Agora é ele quem está mentindo. Sua boca diz que não
me quer, mas seu corpo, nesse exato momento, está provando o contrário. O
capitão não está suportando ficar no mesmo cômodo que eu e isso é nítido,
está extravasando por todos os seus poros. Ele está tentando lutar contra os
seus impulsos, no entanto está falhando, está falhando miseravelmente
porque ainda me ama e ainda é louco por mim. Exatamente como eu sou
por ele.
Em uma atitude impensada, com uma das minhas mãos coçando para
tocá-lo, aproximo a direita em um lado da sua bochecha, sentindo sua pele
contra minha palma, meus dedos escovando a maçã do seu rosto
deliberadamente. Ainda de olhos fechados, ele geme e morde os lábios,
reprimindo seus sons com raiva.
— Sinto sua falta — profiro baixinho, também mordendo a minha
boca para evitar chorar. — Eu não quero brigar com você. Eu não gosto
disso. Nós não somos assim, Sebastian.
— Por que você está falando como se ainda existisse um nós?
Ele permanece de olhos fechados e posso apostar que é porque quer
aproveitar o máximo disso, pois sabe que assim que sairmos por aquela
porta, acabou.
— Porque sempre haverá um nós — respondo sinceramente. — Não
há como apagar o que um dia já foi escrito diante das estrelas. Elas guiam o
nosso destino.
Um silêncio recai sobre nós por conta do que eu digo, só o barulho
das nossas respirações descompassadas se torna audível. Contudo, aqui
estou eu, sabendo que não posso estar fazendo isso, porém fico na ponta dos
pés e me aproximo muito do seu rosto, gravando cada detalhe dele enquanto
sinto a maciez da sua pele, agora arrastando meus dedos em seu nariz,
descendo-os pelo contorno da sua boca, fazendo a minha salivar de desejo e
saudade. É nesse momento que Sebastian abre os olhos com tudo, suas
pupilas dilatam-se e seus lábios se separam, deixando uma pequena fresta
aberta. Parece uma mistura conflitante de sentimentos, que guerreiam entre
si para ver qual vai vencer e predominar, só assim para que saiba como
prosseguir e qual será seu próximo passo. Acho que está assustado, com
medo de que eu o beije, com medo de não ser forte o suficiente para me
afastar e não me beijar de volta.
Por mais que eu queira muito fazer o que ele está pensando, não foi
para isso que fiquei na ponta dos pés. Eu apenas quero olhá-lo para ver
como irá reagir com as minhas próximas palavras. Encaro sua alma e
respiro fundo.
— Do fundo do meu coração, eu sinto muito, Sebastian. — Tum.
Tum. Tum. Tum. É o barulho do meu coração zumbindo em meus ouvidos.
— Eu sinto muito por hoje, por esses quase dois meses e principalmente por
aquele dia.
Como se tivesse levado um choque, ele recua rapidamente e nega
com a cabeça diversas vezes, seus olhos enchendo-se ainda mais e mais de
água.
O que eu imaginava que iria acontecer, aconteceu, o que eu acabei de
dizer acabou de despertá-lo, acabou de retira-lo da fantasia que estava
criando em sua própria mente e o trouxe de volta à realidade, àquela em que
estamos brigados e que ele, como disse agora há pouco, está sentindo muita,
muita raiva de mim.
Foi bom enquanto durou, Seb.
— Não, você não sente — menciona de forma rápida e acusatória. —
Você não sente absolutamente nada, porque você é incapaz de sentir. E já é
tarde demais. Você, Kayla, teve quase dois meses para dizer algo, para fazer
algo, mas optou por se manter calada, optou por ir cuidar de si, como se
você não tivesse deixado alguém para trás. — Aponta para as minhas
tranças, então me dou conta que, como seu amigo, também acredita que eu
estava me embelezando por aí ao invés de estar preocupada com o que eu
fiz. Ah, se ele soubesse como a história é de verdade... — E eu não quero
nada seu. Se pareceu que eu estava querendo, me desculpe, não fui objetivo.
Eu não te chamei aqui em cima para resolvermos nossas pendências ou para
te propor um novo joguinho sádico, que eu sei que você adora. Eu te
chamei aqui para te dar alguns avisos. — A postura inabalável volta, seus
ombros se aprumam e ele faz questão de empinar o queixo, para se mostrar
superior, para mostrar que não está afetado com nada que acabou de
acontecer aqui dentro. Eu apenas, mais uma vez, o observo em silêncio,
ainda encostada à estante para ter uma garantia de que continuarei em pé,
não importa o que Sebastian diga. — Seu irmão ama você e ele está
sofrendo pra um caralho. A única coisa que posso imaginar que é verdade,
dentre todas as coisas que me contou um dia, é seu amor por ele também,
portanto não haja como uma covarde, não espere que ele dê o primeiro
passo, não foi ele que errou com você. — E lá vai outro tapa na minha cara.
— Segundo e não menos importante, por favor, evite de estar no mesmo
lugar que eu e as raposas. Nós não queremos arrumar mais confusão por sua
causa. Já estamos de saco cheio de repararmos a sua bagunça.
Quando percebo que não vai falar mais nada, assinto.
Sebastian se vira e começa a andar para destrancar a porta e ir
embora, porém antes de completar a ação ele se vira, trocando um último
olhar comigo.
— Adeus, Kayla.
Então olha para o chão e some.
Espero alguns segundos, para dar tempo de ele descer, depois corro
porta e escada a fora, rumo à saída e ao carro vermelho de Elsa para
sairmos desse lugar, que não me pertence, de uma vez por todas.
Eu ainda tenho pesadelos todas as noites. Diferente do que se costuma
ver em livros, a mocinha ou o mocinho encontrando alguém que ama e tudo
mudando, eu ainda permanecia com eles mesmo estando ao lado de
Sebastian. Com menos frequência, sim, mas ainda existia o assombro. O
assombro de Cora, do meu pai e do fantasma da minha mãe, porque,
embora eu não tenha sequer memórias dela, muito menos do dia em que nos
abandonou, por eu ainda ser uma bebê, minha mente perversa faz questão
de reproduzir a cena como num filme, com a Kayla adulta sendo a
telespectadora do dia em que, mais tarde, decidiria todo o seu futuro e de
toda a sua família. Eu vejo Cecília indo embora sem nem olhar para trás e
vejo todo o percurso que levou ao acidente e à sua morte. Acordo todas as
madrugadas com o clarão e o barulho da explosão, chamas percorrendo
cada perímetro, levando consigo o corpo, a vida e toda a história da minha
mãe.
E por mais que o exato segundo de abrir os olhos na madrugada seja
desesperador, não se compara com o momento em que a minha ficha cai,
um dia após o outro, de que tudo aquilo foi real. Não são cenários criados,
inventados e manipulados, são cenários reais, que aconteceram com uma
pessoa que deveria ser importante para mim, para o meu irmão, para o meu
pai... com uma pessoa que ainda deveria estar aqui, existindo, cuidando da
sua família. No entanto, não foi isso que aconteceu e eu sinceramente não
sei como me sinto sobre isso. Óbvio que não fico bem, ninguém fica bem
sabendo que foi abandonada por sua própria mãe ainda com poucos meses
de vida, deixando o caminho livre para que outra mulher, que poderia ser
má, e realmente foi, chegasse perto dos seus filhos, que deveriam ser sua
maior riqueza. Óbvio que, tão logo eu soube do seu abandono, a culpei por
muito tempo. Na minha cabeça, ela era a culpada por tudo de ruim que
havia se instalado sobre nossa família, até mesmo seu acidente havia
acontecido porque ela o provocou, o karma chegando muito mais cedo do
que ela, ou qualquer outra pessoa, poderia imaginar.
Meio duro de se pensar? Sim, eu sei, porém ninguém pode culpar a
mente ferida de uma garota ferida, não há ninguém capaz de ser salvo, todo
mundo é culpado, até mesmo ela por sentir as consequências de ainda
querer respirar.
Contudo agora, depois do mal que acabei fazendo a tantas pessoas,
minha percepção mudou um pouco. Eu já não sei mais se a minha mãe é a
vilã ou a vítima por conta de uma única escolha. Ela escolheu ir embora, só
que eu não sei se ela se arrependeu no minuto seguinte, eu não sei se ela
teria voltado para casa e pedido perdão, eu nunca vou saber, porque Cecília
não conseguiu nem sair da estrada aquele dia, ela não teve uma chance e
talvez, se pararmos para pensar, o destino tenha sido ainda mais cruel com
ela do que com as pessoas que deixou para trás. Nós nunca vamos saber o
que a levou a essa decisão, nós nunca vamos saber seus pensamentos após
seus últimos suspiros e nós nunca vamos saber como seria sua vida caso
tivesse chegado até a outra cidade. Ela teria conseguido realizar seu sonho?
Ela faria uma turnê de sucesso? Ela teria voltado para buscar Kellan e eu?
Ou, quem sabe, veria que mesmo amando a música, o palco, os shows, o
seu lugar sempre foi ao lado dos seus filhos e do homem que amava? Ela
teria se arrependido e implorado perdão? Ou ela teria mesmo vivido como
se nós nunca tivéssemos existido um dia? São perguntas que também nunca
teremos uma resposta e isso dói. Dói saber que todo mundo saiu ferido. Dói
finalmente perceber o quanto escolhas impactam, não somente nas nossas
vidas, como nas vidas de quem está ao nosso redor. Dói saber que uma
decisão impensada pode ser fatal ou até mesmo ter o típico efeito dominó,
onde um cai primeiro, depois o outro, depois o outro e assim
sucessivamente, até não restar mais nenhum apoio para te manter firme, até
não restar mais ninguém em pé.
Ficar ou sair. Dizer uma mentira ou contar a verdade. Ir por esse
caminho ou ir por aquele. Aceitar ou recusar. Agradecer ou reclamar. Se
importar ou não se importar. Fazer agora ou esperar. Escolhas. Nossa vida
se baseia em escolhas o tempo todo, desde o minuto em que abrimos os
olhos e decidimos sair da cama até o minuto em que retornamos para
dormir. Cada pequena ação gera uma consequência e muitas vezes nem nos
atentamos aos detalhes, porque estamos ocupados demais com alguma coisa
lá na frente, sem prestar atenção ou dar valor ao que realmente importa, que
é o agora. E é por isso que eu não sei mais se há algo em mim querendo
julgar a minha mãe. Sinceramente, seria hipocrisia da minha parte, porque
também fiz muitas coisas erradas. Óbvio que talvez não tenha o mesmo
peso, todavia, no fim, machuquei e feri pessoas como ela. Eu também feri
Kellan. A julguei tanto, a condenei tanto e agora estou aqui, chafurdada na
merda por também ter sido egoísta e só pensado em mim e nos meus
sentimentos. A única diferença é que eu tive a chance de perceber o erro e
de querer mudar. A única diferença é que estou empenhada em ser melhor e
não agir mais por impulso, sem pensar nas pessoas que amo. A única
diferença é que eu tive uma segunda chance do universo e não quero mais
falhar.
Cecília não.
Cecília teve apenas tempo de tomar a pior decisão de todas e errar.
Errar tanto que custou a sua vida, os seus sonhos e a sua memória aqui na
Terra, sendo condenada a esse seu único erro para sempre, afinal, para nós,
tudo que ela havia feito de bom antes fora apagado a partir do momento em
que decidiu sair por aquela porta. Para o meu pai, ela não era mais o amor
da sua vida, a mulher que ele construiu um lar, uma família, uma história
junto, ela era uma traidora, uma mera desconhecida sem coração. Para mim
e para o meu irmão, ela não era a nossa mãe, ela era apenas a genitora que
nos abandonou para sempre, sem vínculo, sem lembranças, sem carinho,
sem amor. Sua existência foi reduzida e, sinceramente, agora estou
verdadeiramente me questionando se agimos errado esse tempo todo
também, já que o pior para ela, a morte, veio e lhe arrancou todas as
chances de uma realidade em que poderia, pelo menos, tentar consertar
todos os seus erros. Ninguém sabe se conseguiria, mas Cecília pelo menos
poderia tentar e poderia, pouco a pouco, se redimir e voltar às nossas vidas
caso se esforçasse bastante, até porque todo mundo merece perdão, todo
mundo merece uma chance de recomeçar, se for mesmo da sua vontade e do
seu coração. E eu até posso estar sendo muito ingênua e sonhadora aqui,
pensando que a minha mãe teria voltado atrás caso chegasse na outra
cidade, ou até mesmo depois de algum tempo vivendo do seu sonho,
contudo é válida a reflexão sobre os famosos “e se”, pois muita coisa
poderia ter acontecido caso o destino não tivesse sido tão cruel com todos
nós: eu, Kellan e meu pai.
É por isso que agora eu acredito que nós não fazemos escolhas, as
escolhas que nos fazem. E assim que você escolhe dar seu próximo passo
para a frente, tem que estar ciente que algo ficará para trás, porque essa é a
lei básica da vida. Não há como ganhar sem perder. Não há como se
levantar sem cair. Toda escolha é uma renúncia, quando se vai por um lado,
automaticamente se abre mão do outro.
Afirmo isso porque tenho propriedade para falar. Uma única escolha e
acabei perdendo todos os lados. Deve ser por isso que fico pensando na
minha vida desde então. Foi preciso que algo muito ruim acontecesse com
as pessoas que eu amo para perceber que nem tudo é preto no branco, o
mundo, a vida, as pessoas e as escolhas são bastante complexas, às vezes,
nem a própria pessoa entende. É difícil julgar quando você passa a ser alvo
de tantos julgamentos. É difícil querer impor determinados comportamentos
nas pessoas quando você mesma, na maioria das vezes, não consegue nem
agir da forma que gostaria.
É por isso que eu digo, viver é muito difícil.
Não que seja ruim, mas é difícil, principalmente quando você cresce
em uma família disfuncional, em um lar violento e ao lado de pessoas
podres e omissas. É automático o mundo se tornar diferente, não se tem
como saber o que é certo e o que é errado, você não foi criada para somar,
para agregar. Na verdade, você nem ao menos foi criada, você foi largada,
você foi ameaçada, você foi espancada. Sua percepção foi alterada e seus
sentidos são diferentes. Abuso muitas vezes parece afeto, não se importar
parece estar se importando, não querer conhecer pessoas parece a melhor
decisão, se isolar parece o certo, ser grosseira significa normalidade e
afastar o amor, bem como as coisas boas, parece proteção. Eu vivi assim
por muito tempo. Bem, eu vivi assim até meses atrás, até o instante em que
eu larguei a minha antiga vida, mudei de cidade e percebi que havia
milhares de coisas que eu não conhecia ou distorcia.
Foi preciso que eu entendesse o que é o amor da forma mais bonita e
natural possível para que eu percebesse que ele não dói, que ele não
machuca e que ele não torna ninguém fraco. Foi preciso que eu conhecesse
Sebastian, Elsa e até mesmo os garotos do Maevis Fox para que eu
finalmente me desse conta de que viver uma vida sozinha não se compara,
nem um pouco, a viver uma vida cercada de pessoas que têm os mesmos
objetivos que você; ser feliz.
E eles me fizeram feliz.
Eles me fazem feliz e vão me fazer feliz por uma vida inteira, porque
eu os amo.
E depois da festa na república, que aconteceu há três dias, eu decidi
que não iria mais chorar ou pensar de forma negativa. Eu pensei isso no
exato minuto em que entrei no carro de Elsa, mais especificamente. Eu
segurei forte no banco, respirei fundo, afastei as lágrimas, afastei o nó na
minha garganta e ergui a minha cabeça na hora de contar o que tinha
acontecido na pista e o que tinha acontecido no andar de cima, entre mim e
Sebastian. Minha amiga me deu forças e falou que não poderíamos culpá-
lo, pois aquela era a única verdade que Sebastian tinha e eu concordei, já
que em momento algum o procurei para me explicar e para contar a minha
versão dos fatos. Sei que poderia não melhorar as coisas, sei que também
não justifica, mas há uma explicação para o meu comportamento e para as
minhas ações. Sem contar o fato de que vivi nossos momentos
intensamente, retribuindo cada uma das suas emoções da forma mais
sincera e genuína possível, caindo e me apaixonando por ele
verdadeiramente, com todo meu coração e a minha alma. E o capitão do
time me tratou daquela forma porque ainda acredita que eu seja uma
mentirosa, uma farsante, uma pessoa perversa e sem escrúpulos, que é
capaz de tudo para conseguir o que quer. Sebastian está quebrado, ferido e
os seus ataques são compreensíveis. Ele pensa que me odeia, ele talvez até
queira, porém não consegue fazer por completo, eu percebi assim que me
deixou tocá-lo no quarto, me correspondendo ao fechar os olhos e vacilar e
a única saída viável que encontrou, para também me quebrar, foi me
ofender com suas palavras e com o desprezo que está disposto a mostrar
para mim.
Fiquei o caminho todo dizendo para mim mesma que não era pessoal,
era só o reflexo da sua dor. Fiquei o caminho todo me lembrando que só
mais alguns dias e as minhas sessões de terapia com a doutora Ella
começariam e eu poderia finalmente desabafar sobre a minha infância, os
meus traumas e os meus erros.
Rezei tanto para que esse dia chegasse, que ele chegou em um piscar
de olhos, e definitivamente não conseguiu me deixar menos nervosa.
Encaro meus dedos, quase cobertos pela manga do meu moletom cor
de gelo, e vejo o quanto o frio da recepção da clínica em que Ella Pratt
atende está tornando-os esbranquiçados. Meu queixo está tremendo nesse
exato instante, só que não sei distinguir se é o maldito ar-condicionado
congelante ou os meus nervos à flor da pele. Como cheguei bastante
adiantada para a minha primeira consulta, por não estar conseguindo
esperar pelos arredores do campus, acredito que posso buscar um café para
me esquentar e para me acalmar enquanto aguardo a minha vez chegar.
Solto o ar acumulado pela fresta entre meus lábios com gloss, flexiono os
joelhos e me levanto da cadeira acolchoada, avisando à secretária à minha
frente que vou dar uma voltinha bem rápida, só para que não pense que
desisti. A mulher de meia idade rapidamente assente de forma positiva e eu
giro nos calcanhares, andando pelo corredor até encontrar a máquina de
café, que parece ter sido mudada de lugar desde a última vez que estive aqui
com Elsa.
Tão logo a vejo encostada à parede, me aproximo, faço um bico de
lado e procuro cappuccino entre as opções após pegar um copo e colocar no
lugar indicado para esperar a bebida descer. Levo o dedo até o botão, espero
alguns segundos e nada acontece, o que faz com que um vinco se forme
bem na minha testa. Aperto com mais força o botão e mais uma vez nada
acontece. Dobro um pouco a minha coluna, olho para um lado, olho para o
outro, verifico se ela está ligada e bufo de frustração ao ver a luz verde
indicando que sim, ela está ligada e funcionando perfeitamente. Tento uma
outra vez, reviro os olhos e preciso de todo autocontrole e paz do mundo
para não chutar essa maldita máquina.
Prestes a desistir e dar meia volta, paraliso quando alguém aparece ao
meu lado de repente, visivelmente achando graça da minha falta de tato. O
rapaz, provavelmente da minha idade ou um ou dois anos mais velho, não
faz nem questão de esconder o sorriso arteiro que quase rasga suas
bochechas na hora em que olha para mim e depois para a máquina às
minhas costas.
— Dificuldades? — Suas sobrancelhas escuras e grossas dançam
sugestivamente, e eu não lhe dou nenhuma resposta, pois sei que está sendo
bastante irônico com algo que está claramente óbvio. Como me mantenho
calada e séria, ele comprime os lábios e tenta se manter em uma postura
relativamente respeitável para poder me ajudar. Bem, é o que eu acho que
vai fazer. Por favor, que seja isso, eu só quero poder tomar meu cappuccino
em paz. — Uh, tudo bem, essa coisa é mesmo difícil, não é sua culpa. Só é
engraçado ver todo mundo quebrar a cabeça, quase como se estivessem
diante de um enigma de vida ou morte.
Mais uma vez, eu não o respondo e ele também não parece querer
uma resposta, porque nem espera e vai logo bisbilhotar a máquina de café,
como se fosse um grande sabichão cheio de poderes para resolver os
problemas do Universo. Rá! Aposto que nem vai conseguir. Fico esticando
o pescoço para acompanhá-lo e assisto, um pouco impressionada, confesso,
quando só dá um breve e certeiro tapa ao lado da máquina, em seguida
apertando o botão da opção. Não passa nem um segundo e um bipe soa,
indicando que o café já está sendo preparado. Rápido, simples e de um jeito
que me faz parecer muito, muito burra.
— E todos sempre fazem essa mesma cara depois — menciona ao
apontar para o meu rosto, voltando com aquele sorriso. — Já estou
acostumado, entretanto é sempre divertido.
Subo e desço o queixo em uma confirmação, quase imperceptível, e
corro para pegar o meu copo assim que um novo bipe se espalha pelo
ambiente para me avisar que acabou de encher. O envolvo entre os meus
dedos, o aproximo do meu rosto e fico muito feliz ao ver que é o meu sabor
favorito. Não sei se esse garoto conseguiu perceber, mesmo de longe, onde
eu estava tentando apertar ou se foi só mera coincidência, mas fico feliz de
ele ter acertado. Sorrio comigo mesma pela minha sorte, assopro o líquido
quente em um tom quase caramelo, aproximo a minha boca da borda e
beberico um pouco do cappuccino, isso tudo com ele ainda olhando para
mim.
Abaixo o copo e sorrio sem descolar os lábios.
— Obrigada.
— Não precisa me agradecer — diz e também pega um café para si.
— O que você pode fazer por mim, é fazer uma queixa na recepção, vai ver
que com mais gente reclamando, eles arranjam coragem de mudar. Já
consegui, no mínimo, umas dez pessoas para embarcar nessa causa comigo.
Jovem que é jovem não compactua com o retrocesso que é essa máquina.
Até a minha mãe é mais nova que ela.
— Por acaso está tentando implantar uma revolução das máquinas?
Então, como se eu tivesse dito a coisa mais inteligente do mundo,
ergue as sobrancelhas e entreabre os lábios em surpresa.
— Como adivinhou?
Faço beicinho e chacoalho os ombros para fingir indiferença.
— Não sei, você me parece adepto à Revolução Industrial e métodos
de produção modernos.
No momento em que me escuta, abaixa o copo, que estava muito
perto de alcançar seus lábios, e diz:
— Por acaso está me chamando de capitalista?
Merda, agora estou me segurando para não dar risada.
— Por quê? Isso soa como uma ofensa para você?
— Não sei, isso me soa como um assunto muito delicado e eu não sei
se meu QI vai conseguir continuar essa conversa por muito tempo. Você me
parece inteligente.
— Você literalmente acabou de pegar café para mim porque eu não
sabia. Como é que isso pode parecer inteligente?
Ele dá de ombros.
— Eu já disse, essa máquina não é parâmetro para nada. Nem Albert
Einstein saberia manuseá-la.
— Mas você sabe — acuso.
— É, só que não por inteligência e sim, porque fui forçado.
— Obrigada à pessoa que te forçou, então. — Levanto o copo do meu
cappuccino em uma espécie de brinde e o garoto, que até agora não sei o
nome, faz o mesmo. — Eu precisava muito disso agora. Estava a um passo
de congelar lá na recepção. Vou me lembrar de nas próximas vezes passar
no Starbucks antes para já vir aquecida e pronta para aguentar a doutora
chegar.
— É uma viciada em café também?
— Totalmente — respondo logo depois de beber mais um gole. — É
tipo a minha droga.
— Ah, então você veio se juntar a nós? — Acho que percebe a
interrogação pairando acima da minha cabeça, porque completa: — Os
Coffeeaholic’s Anônimos.
Diante de tamanha seriedade, desconfio se realmente há algo assim
por aqui, no entanto paro de pensar no mesmo segundo em que ele explode
em gargalhadas ao ver que eu estava mesmo levando a sério. Não consigo
me segurar e o acompanho nessa, sentindo raiva de mim mesma por, mais
uma vez, ser tão tapada.
— Me desculpe — pede e eu balanço a cabeça para mostrar que está
tudo bem. — A propósito, nem me apresentei. Sou o Waylen. Waylen Pratt.
— Pratt? Do tipo Ella Pratt? — Faz que sim ao confirmar e eu não
consigo esconder a minha surpresa pela coincidência. — Então vocês são
parentes?
— Sim. Mãe e filho.
— Ela é sua mãe? — Tenho certeza que a minha voz aumenta uns
bons decibéis. — Uau. — Mesmo sabendo a sua idade, 38 anos, a doutora
me parece ainda mais jovem em minha cabeça. Eu nunca imaginaria que ela
teria um filho assim, alto, relativamente forte, do tipo não cheio de
músculos, porém definido e ainda mais velho. Quer dizer, da minha idade,
mas dá para entender. Se fosse para chutar, eu diria que a doutora Ella teria
um bebê ou uma criança de, no máximo, cinco anos. E agora percebo que
não notei as semelhanças dos dois. Waylen tem muito da mãe, embora não
carregue o mesmo tom de cabelo, obviamente. Ele é loiro, em um tom
puxado para o mel, alguns fios do seu cabelo caem sobre seus olhos
castanhos extremamente claros e quase dourados e sua pele é bem branca,
do tipo que faz as suas bochechas ficarem rosadas com frequência, quase
como se estivesse o tempo todo com vergonha, o que eu sei que não é o
caso nesse momento. Está usando camisa xadrez, camiseta branca lisa por
baixo, jeans surrados e All Star amarelo com frases na ponta,
provavelmente escritas com canetinha preta. Me parece… fofo. — Estou
realmente chocada.
— Por que? Esperava que o filho dela tivesse nascido com o cabelo
tingido de vermelho também? — Antes que eu abra a boca para falar,
Waylen me corta, dando risada. — Estou brincando, eu sei que ela não
parece ter um filho dessa idade. Agora deixa eu adivinhar, nova paciente?
— Está tão na cara assim?
— Pelas mãos tremendo, sim.
Droga.
A mão que não está segurando o copo, enfio dentro do bolso do
moletom que estou usando.
— Culpada. — Finjo ter sido pega no flagra. — E meu nome é Kayla
Benson.
Waylen sorri, e agora que noto suas covinhas.
— Seja bem-vinda, Kayla.
— Obrigada. — Olho para um lado, depois para o outro e decido
perguntar: — Você trabalha aqui?
— Ahn, não, apenas passo tempo demais aqui. Quando não se tem
muito o que fazer depois de passar horas na faculdade, perturbar a sua mãe
se torna uma ótima ideia.
Algo clareia em minha mente.
— Por acaso você estuda na Maevis University?
— Sim! Você também?
— Também! Eu faço Literatura…
Minha conversa com Waylen, o garoto do café, é interrompida assim
que a secretária da doutora Ella aparece para me avisar que a hora da minha
consulta chegou. Aceno que já estou indo para a senhora, bebo o meu café
de uma vez, o jogo no lixo bem ao lado e respiro uma boa quantidade de ar,
virando para olhá-lo nos olhos logo depois.
— Tenho que ir. Obrigada pela ajuda e pela distração.
— De nada. A gente se vê por aí?
— Claro, a gente se vê por aí.
Lhe direciono um último sorriso de gratidão antes de dar as costas,
correndo para não perder a minha sessão. Até parece que a gente vai se ver
por aí. O garoto parece legal e tudo, só que o campus é enorme, não sei se
nos trombaremos em outro lugar, a não ser na clínica.
A propósito, que curso que ele faz? Agora fiquei curiosa
Paro de pensar nisso assim que vejo a porta do consultório da doutora
Ella se abrir, a revelando para mim. Ela me cumprimenta com um sorriso e
pede para que eu entre e me sinta confortável. Eu atendo ao seu pedido,
entro em seu consultório, que é muito acolhedor, a propósito, e a vejo se
sentar em uma cadeira confortável, cruzando as pernas logo em seguida.
— Por favor, querida, sente-se. — Aponta com o queixo para o
pequeno sofá à sua frente, e eu, como um robô, faço novamente o que me
pede e sento com uma postura, que tento fazer ser impecável. Ella coloca os
óculos, pega um pequeno caderno, uma caneta, olha para mim e abre o
maior sorriso. — Você pode colocar os pés para cima, se quiser. Fique à
vontade caso queira deitar ou ficar do jeito que preferir, Kayla. Aqui vocês
estão em casa e não precisam ter vergonha de nada.
— Agradeço, mas estou bem assim.
As coisas são uma loucura, huh? Antes com frio, agora suando frio.
— Como já nos conhecemos antes, que tal começarmos a nossa
sessão com você me contando a sua memória favorita?
Bem, uau, ok, deixe-me ver. Não é difícil. Automaticamente tenho a
resposta, porque a cena me vem à mente e me faz sorrir. Eu, Sebastian,
Kellan, Elsa, Justin, Lionel e Daniel no aniversário do próprio Justin Harris.
Com direito a brincadeiras, chapéus engraçados na cabeça, fotos e um
encontro só com pessoas importantes, que com toda certeza do mundo,
conseguiram derreter meu coração.
Sim, é essa.
Essa é a minha memória favorita.
A minha primeira sessão de terapia foi... intensa. Eu já imaginava que
eu teria que falar muito, mas, uau, minha nossa, acho que nunca falei por
tanto tempo assim antes, ainda mais só sobre mim e sobre a minha vida. Foi
uma experiência nova, diferente e que me tirou totalmente da minha zona
de conforto, o que eu já sabia que iria acontecer, por isso que vim um
pouquinho preparada para isso, ciente de que eu precisaria me abrir para
uma completa estranha, que começaria a me ajudar e a me guiar diante das
minhas infinitas dificuldades e claro, traumas.
Sim, eu sei, a doutora Ella conversou comigo antes da consulta e foi
extremamente gentil em querer ter esse primeiro contato para que eu
pudesse me sentir mais à vontade e também gostei dela logo de cara, só que
não muda o fato de que ela continua sendo uma desconhecida para quem eu
devo deixar visível a minha parte mais feia e vulnerável. É realmente muito
estranho, pelo menos para mim, que sempre guardei tudo aqui dentro, ter
que sentar e reviver cada maldita dor, cada maldito abuso, cada maldito
bullying, omissão, crítica, ausência e todas as outras merdas com que tive
que lidar ao longo da minha infância e adolescência, com os sentimentos se
misturando, enchendo o meu coração até o topo, quase transbordando, e
uma outra pessoa assistindo de camarote o meu tormento se inflando.
Porque revisitar memórias dolorosas é como juntar fogo e gasolina, você
sabe que é perigoso, você sabe que pode levar à destruição e você sabe que
não há como controlar o impacto das chamas, porém você também sabe que
tem que passar por elas caso queira sair vivo do ambiente desesperador em
que se encontra. Você tem que ser forte, você tem que ser fênix e a pessoa
que lhe estenderá a mão no fim — a doutora Ella, no meu caso —, tem que
estar ciente de cada ferimento para poder lhe ajudar no processo de
cicatrização.
Não há como ter arco-íris sem chuva, foi o que Sebastian me disse
uma vez.
E eu me apeguei a isso, mesmo sendo extremamente difícil, confiei na
minha terapeuta porque era o que eu tinha que fazer, revivi algumas
memórias e passei pelo fogo. Falei um pouco sobre o meu pai, sobre a
minha madrasta, sobre o meu irmão, sobre Sebastian, sobre meus amigos,
sobre meu futuro e tudo que veio à minha cabeça naqueles minutos que se
seguiram. Foi uma bagunça de informações, uma hora eu mencionava uma
coisa e na outra eu já estava mencionando outra, entretanto acho que a
doutora Pratt conseguiu conduzir muito bem com suas perguntas pessoais e
até mesmo enigmáticas. Óbvio que não deu tempo de abordar sobre todos
os pontos essenciais, óbvio que não deu tempo de eu contar todos os meus
acontecimentos traumáticos, nem metade deles, na verdade, até porque foi o
meu primeiro dia, mas acho que foi o suficiente para eu entender como
funciona e assim, ir me acostumando nas próximas vezes.
Eu só sei que eu saí do consultório um pouco mais... esperançosa,
acreditando que sim, há uma luz no fim do túnel me aguardando. Também
fiquei muito orgulhosa de mim mesma, orgulhosa por ter dado esse grande
passo. Enquanto muitos me xingam e até mesmo me demonizam, sem nem
saberem um terço da minha história, eu estou aqui lutando e correndo atrás
de uma evolução. Eu estou aqui me desfazendo dos preconceitos da antiga
Kayla, para lidar com a verdade, para dar importância à minha saúde mental
e para finalmente dar um basta naquilo em que Cora me transformou.
Continuar aceitando e pensando tão pouco de mim era o que ela gostaria
que eu fizesse, e eu definitivamente não vou mais aceitar isso, eu não vou
mais viver uma vida moribunda, até porque estar no lixo sempre foi o que
aquela mulher desejou para mim e Cora Benson não vai sair vitoriosa. Eu
vou.
Eu sou a protagonista da minha história. Ela é a vilã. O final feliz será
meu.
Não importa o que falem, não importa o quanto o inimigo tente me
intimidar e me fazer desistir, eu, Kayla Marie Benson, irei dar a volta por
cima.
É aquela coisa, tenha medo de uma pessoa ferida, no entanto tenha
ainda mais daquela que foi ferida e mesmo assim decidiu se reerguer. Está
nela a maior força de todas.
E bem, apesar dos pesares, acho que estou ansiosa para a próxima
sessão e para as novas descobertas.
Deixo o assunto terapia guardado no fundo da minha mente e arrumo
os meus materiais, pois a professora acaba de nos liberar da aula. Faço uma
nota mental para gravar a informação de que temos um novo trabalho para
entregar nos próximos dias. Uma rápida e pequena produção textual. Ainda
não tenho nenhuma ideia concreta, porém acredito que farei um conto de
romance. Talvez natalino. Ou que envolva música, porque Elsa pode muito
bem me ajudar nisso, sendo a talentosa entendedora do assunto que é. Ou...
merda, quem eu quero enganar, quero escrever uma história parecida com a
minha e a de Sebastian, para que, pelo menos no papel, pelo menos na
ficção e em uma realidade alternativa, tenhamos dado certo ao fazermos
tudo diferente. Quero colocar para fora meus desejos e ser uma garota
sonhadora, criando outros cenários para nós dois. Se eu fosse seguir o
caminho da escrita, o que não vai ser o caso, já que meu sonho é trabalhar
somente em uma editora, todo o meu trabalho seria dedicado a ele. Meus
personagens teriam que ter um pouquinho do Sebastian, porque ele sempre
seria o meu ideal de homem perfeito, aquele por quem eu sempre me
apaixonaria e me basear nele e em sua personalidade, seria inevitável. Não
importa em que realidade seja, seja nesse ou em outro universo, ele sempre
será minha maior fonte de inspiração e o meu maior significado de amor.
Escrever seria ainda mais prazeroso porque eu o teria o tempo todo em
mim, mais do que de costume. Os leitores se assustariam com tamanha
realidade, bem como implorariam por um homem, na vida real, como os
dos meus livros, mas eu apenas riria, muito segura e honrada, e diria que
não há mais nenhum no mundo, afinal de contas, o único que realmente
importa eu peguei só para mim.
Engulo em seco assim que aperto meus livros de literatura contra meu
corpo.
É bom sonhar, só que a realidade é como um belo chute na bunda.
Estou fazendo juras de amor para um cara que age como se me odiasse
agora. Porcaria.
Ele foi fofo comigo o tempo todo em que estivemos juntos e agora,
no momento em que mais desejo retribuir, já é tarde demais.
Agora vejo que o ditado é mesmo real, nós só damos valor quando
perdemos.
Lambo os lábios, balanço a cabeça para dissipar os pensamentos e
serpenteio por um pequeno grupo de alunos concentrado no meio da sala de
aula, sibilando um pedido de licença quase inaudível, porque sim, ainda
sinto medo de ser alvejada com insultos por pessoas desse campus, mesmo
que eu agora não esteja mais querendo me importar tanto com isso. Minha
conversa com Elsa foi mesmo esclarecedora e importante. Com a cabeça
erguida, não mais olhando para baixo como antes, ando pelo corredor
normalmente e não como se eu estivesse fugindo da polícia após ter
cometido um crime. Já comecei a fazer isso há uns dias, a propósito. Alguns
me encararam no começo, não como se estivessem me provocando, apenas
como se estivessem se perguntando por onde andei boa parte do tempo ou
até mesmo o que diabos tinha acontecido na festa da república, já agora...
bem, agora parece que eu voltei a ser a novata desconhecida, o que é ótimo,
sem julgamentos.
Não é da Maevis University que preciso de uma opinião ou
aprovação, eles não podem me intimidar. Pelo menos não mais como antes.
Quando estou chegando perto das portas da saída do prédio, observo
as pessoas com guarda-chuva lá fora e então percebo que está chovendo.
Não, pior, está caindo um dilúvio nessa cidade, coisa que não acontece com
muita frequência pelo clima daqui ser bem estável. A água está
encharcando tudo lá fora, o céu está repleto de nuvens cinzas e aposto que
está relampejando, o que me deixa um pouco apavorada, confesso. Sempre
tive medo de trovão e de relâmpago desde pequena, sei que não há um
motivo plausível para continuar com ele, mas Jesus, não consigo não pensar
em como tudo soa bizarro e apavorante. E merda, como isso pode estar
acontecendo justo agora? Como na sala de aula ninguém prestou atenção?
Ou será que só fui eu que não reparei no tempo fechado? Sendo que não faz
nem duas horas que saí do dormitório, não faz nem duas horas que tudo
estava tranquilo, sem nenhum sinal no céu que teríamos esse... ahn,
contratempo.
Eu nem ao menos tenho um guarda-chuva.
Quer dizer, eu nem ao menos trouxe um guarda-chuva na mudança.
E céus, está frio, minha regata em nada me ajuda.
Rio fraco ao ver o quão azarada sou.
Eu estou sempre usando moletom ou com um dentro da bolsa quando
está, às vezes, o maior calor possível e hoje, justamente hoje, no dia em que
preciso, decidi esquecer em cima da minha cama. É por essas e outras que
eu penso que o universo realmente faz questão de me mostrar o quanto me
odeia.
Enfio os livros que estão na minha mão dentro da minha ecobag,
abraço meu próprio corpo para tentar me proteger das rajadas de vento e
dou alguns passos para perto da porta, a fim de espiar o que está
acontecendo lá fora. E me parece um sinal de que o mundo está acabando.
Como disse, pelos meses que estou morando aqui, nunca presenciei esse
caos antes. Não sei se fico aqui para esperar a chuva diminuir ou se apenas
dou o meu melhor na corrida, tomando um belo banho de chuva até chegar
aos dormitórios. O pior é que me parece que não vai passar tão cedo e tenho
certeza que ninguém aqui vai se disponibilizar a me dar uma carona em
seus guarda-chuvas. Estou ferrada.
Gangorreio com meus tênis e coloco a cabeça para fora, sentindo
algumas gotas gordas de água caírem em minhas tranças. Semicerro os
olhos para tentar encontrar alguma solução lá fora, olho para um lado, olho
para o outro e de repente acho que encontro uma pessoa conhecida a ponto
de passar pelo meu prédio.
E ela está com guarda-chuva!
Talvez o mundo não me odeie tanto assim.
Levanto os braços e começo a chamar sua atenção de uma forma
enlouquecida. É Waylen, o garoto do café, o filho da doutora Ella Pratt,
pronto para ser meu salvador. O chamo várias vezes e ele, com certeza
achando tudo muito esquisito e vergonhoso, acelera o passo e começa a
caminhar mais rápido, também com os olhos semicerrados na intenção de
me enxergar. Agora que vejo que está muito perto de se aproximar, fico
com vergonha e me aquieto no meu lugar, os braços caindo ao lado do
corpo.
Aperto a minha têmpora e fecho os olhos por alguns segundos,
perguntando que merda eu penso que estou fazendo com uma pessoa que
mal conheço. Mas dane-se. Sinceramente, eu não quero me molhar e
também não quero correr o risco de pegar um resfriado e ficar doente por
dias, eu só quero me enfiar debaixo das cobertas e esperar essa coisa toda
passar, sã, salva e no conforto da minha cama.
Waylen me ajudou com a máquina de café outro dia, não custa nada
me ajudar em mais essa. Tenho certeza que é o que a sua mãe gostaria
também.
— Ah, meu Deus, é você?! — é a primeira coisa que diz assim que
sobe as poucas escadas do prédio e fica a poucos centímetros de distância,
ainda pegando chuva. Ele definitivamente parece surpreso pela
coincidência. Eu também estou, no entanto. É a primeira vez que estamos
nos vendo na universidade depois de termos nos conhecido e olha que ela é
enorme, a gente sabe que poderíamos nunca ter nos trombado. Sorrio para
Waylen e confirmo sua pergunta com um acenar de cabeça, depois
finalmente presto atenção no garoto loiro à minha frente, que está vestido
com uma capa transparente de chuva, duas vezes protegido do dilúvio, já
que também está de guarda-chuva. Fricciono os lábios e tento não dar
risada, porque acho que, assim como eu, Pratt tem medo da chuva ou de se
molhar. — Puxa, caramba, estou feliz em vê-la novamente. E por que está
me olhando com essa cara? — Ergue uma de suas sobrancelhas e depois
acompanha meu olhar, que ainda está brincando de ping pong entre a sua
capa e o seu guarda-chuva. — Ah, claro, você também está me julgando. —
Faço que não, ainda tentando não rir, só que antes que eu possa falar
qualquer coisa, ele sai na frente: — Qual é, Kayla, isso não tem graça. A
minha mãe ela é meio protetora e merda, sensitiva também, porque me
disse que ia chover hoje e me obrigou a levar essas duas coisas na mochila,
embora eu não tenha acreditado. Ela disse que se eu não usasse, eu iria ficar
doente como da última vez que peguei chuva. E eu quase tive pneumonia,
sabia?
— Então deixa eu ver se eu entendi — brinco ao cruzar os braços. —
Decidiu usar os dois por garantia?
— Claro — ele dispara. — Ela já tinha acertado a previsão da chuva,
poderia muito bem acertar a previsão de que eu ficaria doente. Não duvido
de absolutamente mais nada agora.
Estalo a língua no céu da boca e ergo meus lábios em um sorriso.
— Será que a doutora Pratt já está sabendo das coisas que vão
acontecer comigo ou isso só funciona com o filho dela?
Waylen faz biquinho e parece pensar, mesmo que eu saiba que está só
de graça para o meu lado. Tenho certeza do meu pensamento quando ele
para, dá risada e responde:
— Só comigo. Desconfio eu que seja só para me atormentar.
— É uma pena. — Contorço o meu rosto em uma expressão de
decepção. — Eu também queria que funcionasse comigo. Estou precisando
seriamente de ajuda.
— De que tipo de ajuda você está falando?
“Bem, de muitas, sua mãe que o diga”, logo penso, porém não coloco
nada para fora. Aproveito do gancho perfeito e decido falar sobre o motivo
de tê-lo chamado aqui.
— Nesse exato momento, Waylen, eu preciso de uma carona até os
dormitórios. Será que cabe mais um aí? — Aponto para o lugar que quero
ocupar ao seu lado, bem embaixo do seu guarda-chuva, e junto as mãos em
frente ao rosto, para pedir-lhe por favor. — Você não vai querer que eu
fique doente no seu lugar, vai?
O filho da minha terapeuta dá risada.
— Claro que não. — Parece sincero. — Mas você sabe que, a partir
de hoje, está me devendo dois favores, certo?
Mordo os lábios.
— Que tal um café depois? — sugiro, para compensar todas as vezes
em que me arrancou de uma fria. Literalmente, pensando no agora. — Será
por minha conta.
— Aceito. Mas café agora, Kayla, não depois. Preciso de algo quente.
Ok, já percebi que essa proposta é inegociável.
— Então tá, café agora. Só que você precisa me prometer que me
deixará na frente do meu dormitório, caso ainda continue chovendo.
Ele levanta a mão.
— Promessa de escoteiro.
Dou risada da sua fala e logo escorrego para debaixo do seu guarda-
chuva, finalmente sendo protegida. Seguro no cabo junto com Waylen e
começo a me movimentar logo que ele dá o primeiro passo, pronto para
seguir o caminho do Starbucks, que é aqui mesmo próximo ao campus.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, só com o barulho da chuva
caindo contra o material acima de nós, e aceleramos cada vez mais a nossa
caminhada à medida que vamos percebendo que não dá para andar devagar
e despretensiosamente nesse monte de água. No momento em que viramos
a rua, Pratt decide puxar assunto.
— Eu vou querer caramelo macchiato e você?
O fito sobre os ombros, já com a resposta na ponta da língua.
— Capuccino com canela.
— Hmm, boa escolha.
— Claro que sim, é o meu favorito.
Ele sorri para mim, como se me entendesse.
— Eu meio que já tinha uma noção disso.
Retribuo o seu sorriso e então somos envoltos por mais silêncio.
Minha garganta coça e me vejo na obrigação de falar mais alguma coisa.
— Obrigada — solto de repente. — Obrigada pela ajuda. Fiquei tão
desesperada que nem ao menos perguntei se você estava livre ou se estava
ocupado. Não quero atrapalhar seu dia, Waylen.
— Se você me agradecer novamente, vou te largar na chuva. Estou
falando muito sério. — Então tenta parecer bravo e só parece mais fofo,
com as bochechas coradas e tudo. — Eu te ajudei com aquela máquina
infernal, te dei uma carona na chuva e você agora vai me pagar um café...
acho que isso nos faz tecnicamente meio que amigos.
— E a sua mãe ainda me conhece — emendo, para que não esqueça
de mais esse fato. — E estudamos no mesmo lugar.
— Porra, sim e sim. — Rimos juntos. — É, Kayla, acho que somos
mesmo amigos. Ou pelo menos temos tudo para sermos.
Sim, é verdade.
E olha só, mais uma evolução, eu aqui estou eu fazendo mais um
amigo e com zero medo disso.
— Qual curso você faz, hein?
— Advinha?
— Engenharia? — chuto e Waylen arregala os olhos, surpreso. — O
quê? Eu acertei?
— Sim — assente. — Eu sou tão previsível assim ou foi a máquina?
— Definitivamente a máquina.
Tombo a cabeça para trás com a gargalhada que escuto vindo dele, o
acompanhando.
— Escuta as minhas palavras, Kayla, eu ainda vou demolir aquilo.
— Vá em frente, querido, tem todo o meu apoio.
Não sei se o loiro ao meu lado iria falar alguma coisa, no entanto, fica
calado assim que chegamos na calçada do Starbucks. Meu estômago revira
de ansiedade por conta do cheiro de café que atinge minhas narinas,
acredito que com Waylen acontece o mesmo, pois mexemos a cabeça ao
mesmo tempo e corremos para empurrar a porta do estabelecimento, um
querendo competir com o outro para ver quem chega primeiro. O sino que
avisa a ilustre presença dos clientes é tocado quando nós dois entramos e o
cheiro conhecido fica ainda mais forte agora, uma vez que estamos aqui
dentro.
— Vou fazer nosso pedido — informo já olhando para a pequena fila.
— E eu vou pegar um lugar para nós.
Cinco minutos depois, estou com os nossos copos de café nas mãos,
me direcionando para a mesa de dois lugares onde ele já se sentou. É perto
da entrada e da grande janela de vidro, dando livre visão da chuva. Só aqui
que o ambiente fica bonito, porque combina com toda a vibe.
— Olha, me desculpe, mas a moça escreveu seu nome errado. —
Arrasto a cadeira para trás, me sento nela e lhe entrego o copo de café. —
Pelo menos me parece errado.
Ele vira o copo e verifica seu nome escrito com canetinha preta,
depois rola os olhos.
— Eu gosto de ver como eles sempre inovam.
— São criativos — murmuro, o meu café perto da minha boca. —
Acontece comigo direto. Aqui não, porque já sou freguesa, mas sempre
vinha Kylie, Kailey, Kailee, Kara, Karen e nunca Kayla.
— Ah, merda. Já percebeu que o fácil eles tornam difícil?
— Muitas vezes.
Mais uma vez, estamos rindo e é nesse momento que o sino do
Starbucks toca novamente. Institivamente meu olhar se volta para lá,
provavelmente o de Waylen também, por estarmos tão próximos, e meu
coração para por um segundo, para depois bater com extrema força,
dançando contra minha caixa torácica assim que todo o meu corpo
reconhece aquela figura.
Sebastian Skalbeck.
Molhado da chuva, com o cabelo penteado para trás e pingando. Sua
camiseta, obviamente encharcada, gruda em todos os seus músculos e eu
sinto meu interior contrair juntamente com as minhas coxas.
Muito, muito gostoso, a minha maior perdição e a minha queda.
Minha boca fica seca com a imagem e o meu sorriso automaticamente
evapora do meu rosto, porque o capitão, uma das maiores raposas de
Maevis, entra na cafeteria e seu olhar cruza com o meu em questão de
milésimos. Suas sobrancelhas se unem por um segundo, porém, como se
finalmente tivesse percebido que há algo de errado no ambiente, suas írises
sagazes escorregam para o garoto que toma café comigo e que segue
falando alguma coisa enquanto ri e toca na minha mão para pegar meu
copo, acho que para ver se escreveram certo o meu nome dessa vez.
Só basta essa atitude e eu vejo. É quase imperceptível, entretanto eu
flagro o instante em que um osso tensiona na mandíbula de Sebastian.
Algo me diz que essa sua pequena demonstração de fúria não tem
nada a ver com o frio que acometeu essa cidade.
Eu não esperava ficar encharcado da chuva após um treino com os
garotos do Maevis Fox, muito menos esperava encontrá-la na cafeteria justo
agora. Bem que a minha intuição estava me mandando dar o fora daqui
antes mesmo que eu entrasse, porque óbvio que o Starbucks me lembraria
Kayla e o seu incontrolável vício pelo cappuccino, só que mesmo assim fui
teimoso e adentrei o estabelecimento sem nem pesar os prós e os contras.
Agora estou diante do seu escrutínio e com chamas percorrendo cada
centímetro da minha pele, minha mandíbula tensionada e as minhas mãos
fechadas em punho ao lado do corpo, sentindo coisas, que nunca senti antes,
atravessando o meio do meu peito de uma forma que quase me faz rosnar
como um animal. Não estou entendendo nada da porcaria dessa cena.
Meus olhos arregalados, que tentam fazer meu cérebro compreender os
acontecimentos desse momento, rapidamente pulam da garota de tranças
para o garoto com roupas xadrez na cadeira à sua frente, a coluna dele
inclinada para poder alcançar a mão dela, ainda dando risada nesse meio
tempo, como se fosse muito íntimo ou qualquer merda parecida.
Finco ainda mais as unhas na palma e prendo uma risada totalmente
sem humor na minha garganta ao pensar somente uma coisa: de que buraco
ele saiu e quem diabos ele pensa que é para estar tão próximo assim dela?
Céus, acho que estou perdendo a minha respiração, o meu
autocontrole e a porra do mantra, que estava tentando enfiar na minha
cabeça, sobre não me importar nem um pouco com ela ou com o que decide
fazer da vida. Acho que estou a um passo de enlouquecer, pois me sinto
diante de um fogo cruzado. Ao mesmo tempo que quero arrancá-lo de cima
dela e arrastá-la para longe daqui junto comigo, quero dar as costas, correr e
tomar chuva novamente, para ver se a água gelada, batendo contra a minha
cabeça, traz o meu juízo de volta.
Eu deveria odiá-la, eu não deveria ficar com raiva se Kayla está
saindo com outro homem, mesmo que esse seja um loiro apático e sem
graça. Eu deveria ficar contente, não deveria? Só assim ela finalmente
estará longe de mim, só assim ela finalmente irá me esquecer como tanto
desejo, correto? Não, errado! Porque não é isso que estou sentindo. Estou
furioso e porra, pronto para perguntar para esse garoto, seja lá quem ele for,
se ele não tem amor à vida ou se não faz ideia dos boatos que circularam na
faculdade sobre ela ser um grande problema com carinha inofensiva. Se ele
não faz ideia, então que bom, estou pronto para me juntar à mesa para poder
informá-lo sobre todas as coisas que ela fez comigo, só para que a odeie e
nunca mais volte a olhá-la uma outra vez.
E cacete, Kayla nunca gostou de mim mesmo, huh? Só isso explica
querer que a fila ande tão rápido.
Ou... espera, talvez ele seja a sua próxima vítima, o próximo coração
partido que colocará na prateleira, junto da sua coleção infeliz.
Independentemente do que seja, não vou ficar aqui assistindo, eu vou
agir.
Arregaço as mangas da jaqueta do time e piso duro até eles, vendo o
corpo de Kayla se retesar e suas mãos ficarem esbranquiçadas à medida que
segura, com certa força, o seu copo de café, claramente vendo eu me
aproximar. Aposto que está mesmo com medo agora, com medo que eu
estrague todos os seus planos e os seus joguinhos sádicos. E é o que eu vou
fazer. Não vou deixar que ela maltrate outra pessoa e saia impune mais uma
vez. Não vou deixar que fique de gracinha com outro garoto enquanto está
tramando por suas costas da forma mais feia e cruel possível. E também não
vou deixar que faça nenhuma dessas coisas na minha frente, porque, mesmo
não gostando de admitir, me machuca e me transforma em um ser irracional
capaz de entrar em confusão.
Maldita seja essa pequena parte de mim que ainda sonha, achando
que ela é minha.
Me infiltro entre a mesa deles, pego uma cadeira vazia próxima e
coloco-a bem entre os dois, ignorando os olhares que recebo de um e de
outro.
Sei que Kayla está prestes a me chutar daqui, mas ela não vai me
intimidar.
— Uau, que chuva que está caindo lá fora, não? — Forço um sorriso
para eles e troco um olhar com o garoto, até então desconhecido, que me
encara com as sobrancelhas arqueadas, uma interrogação muito nítida
pairando acima da sua cabeça. Ele olha para Kayla, em busca de respostas,
porém a única coisa que ela é capaz de fazer é se manter calada em sua
espécie de transe. Ou seria em sua espécie de bolha prestes a ser
estourada? — Nossa, desculpe. — Rio ao bater a palma da minha mão
levemente contra a minha testa. — Estou atrapalhando o encontro de vocês?
— Sim.
— Ah não, não — o garoto se apressa em falar logo depois de Kayla,
que decidiu me atingir de primeira. — Posso estar enganado, mas você não
é o capitão do time de futebol americano? — Parece mesmo curioso,
fincando o braço na mesa e estreitando os olhos em minha direção.
Rá! Garoto esperto.
— O próprio. — Estufo o peito e estendo a mão para me apresentar,
mesmo que eu ainda não tenha decidido se fui com a cara dele ou não. Bem,
levando em consideração que ele está aqui, nessas condições, com ela, acho
que não, não fui. — E você é...?
— Ninguém da sua conta.
— Waylen — responde ele, depois de trocar um olhar com Kayla,
totalmente sem jeito e também sem entender os motivos da sua grosseria.
— Ahn... vocês se conhecem? — Alterna o olhar entre nós dois à medida
que passeia seu dedo indicador para os lados.
Ah bom, agora estamos indo por um caminho mais divertido.
Minha boca se abre em um sorriso e sei que ela reconhece que é
maldoso.
— Eu diria que sim.
Kayla revira os olhos e bufa quando me escuta.
— Acho que quero ir embora, Waylen.
Projeto o lábio inferior para baixo e faço a minha melhor expressão
de tristeza.
— Mas já? — Ela me olha como se fosse voar no meu pescoço,
embora, no fundo, seus olhos me pareçam tristes. Está fingindo. Tudo o que
Kayla Benson faz é fingir. Eu não acredito mais em nada que venha dela. —
Qual é, linda, não vai contar quem eu sou para o Waylen?
— Para, Sebastian. — Tanto sua boca quanto suas írises suplicam, só
para que eu escute. — Mais uma vez, por favor, para.
Medo, medo e medo, é tudo o que eu vejo.
Covarde.
— Não vai contar? — insisto. — Vamos, Kayla, eu quero ouvir você
dizer.
Waylen a olha, a incentivando.
Eu não sei se ele está fingindo, porém me parece realmente querer
saber e de uma forma ingênua, como se estivesse esperando uma grande
revelação muito legal da nossa parte.
Parecendo cansada e prestes a desistir, ela bufa mais uma vez.
— Um amigo — diz ao dar o braço a torcer. — Sebastian é um
amigo.
— Não. Negativo. Sou seu ex-namorado.
— Ex-namorado?! — Waylen soa incrédulo. — Ah merda! Garota,
você me meteu em apuros? — Sua pergunta é direcionada à Kayla, que me
encara como se quisesse dizer: tá vendo só o que você acabou de fazer.
Mais uma vez, dou de ombros e a ignoro.
— Por que? Você estava querendo assumir o posto de atual? Se a
resposta for sim, sinto muito, teremos alguns problemas. E não só por
minha causa, a propósito. Ela é meio... instável — sussurro a última
palavra. — Você parece fofo e adorável, e se quer um conselho de alguém
que passou pelas mãos de Kayla Benson, fuja enquanto é tempo. Para bem
longe. E não olhe para trás.
— Eu não... — Seja lá o que ele gostaria de falar, sua frase morre
bem no meio do caminho, sua boca abrindo e fechando na mesma
proporção que seus olhos piscam, assustados. — Eu...
Sem deixá-lo completar, Kayla, movida pela raiva de eu ter estragado
seu grande dia, bate com o copo de café na mesa e arrasta sua cadeira para
trás de uma forma tão brusca, que quase todos os olhares do
estabelecimento recaem sobre nós.
Isso não é motivo para ela parar, entretanto.
— Que porra você quer de mim, Sebastian? — esbraveja e a sua fúria,
tão palpável, me faz segurar os braços da cadeira em que me encontro, meu
pomo-de-adão desce e sobe no momento em que ela decide vir para cima de
mim, muito próxima. — Você foi muito claro naquele dia na festa, disse que
não queria que eu cruzasse o seu caminho e o caminho dos seus amigos,
uma coisa que estou fazendo, então por que está aqui agora, querendo você
ficar perto de mim? — Rilho os dentes ao vê-la ainda mais brava, me
fazendo perguntas que não sei responder, deixando-me parecer um idiota,
que agora estou realmente achando que sou. — Eu não te procurei, eu não
te provoquei, eu não fiz porra nenhuma! — cospe as palavras com o dedo
apontado para o meu nariz. — Escolha o que você quer de mim e me diga,
porque eu juro que não sei mais, estou exausta. Parece que tudo o que eu
faço é errado, não importa as minhas intenções. Se eu fico longe, estou
errada, se eu fico perto, estou ainda mais. Se eu tento fazer novos amigos e
seguir com a minha vida sem incomodar a sua, você se aproxima e tenta me
derrubar e me deixar no chão, como se eu já não estivesse nele. Então me
diz, o que você quer de mim? — Kayla arfa com força e dá alguns bons
passos para trás, como se tivesse tomado um choque ao se colocar tão perto
de mim. Ela olha para um lado, olha para o outro e se dando conta da cena
que acabou de fazer diante de tantos telespectadores, empina o queixo,
pisca os cílios longos, deixando que algumas lágrimas deslizem pela pele da
sua bochecha, e sopra em um fio de voz: — Eu me senti tão especial
quando você me notou naquela manhã, Sebastian. Eu me senti nas nuvens.
Você era requisitado, você era o sonho das meninas e foi a mim que você
quis. No fundo, eu fiquei nas nuvens. Mas agora eu vejo que eu preferia ter
continuado no chão. Agora eu vejo que eu preferia que você nunca, nunca,
tivesse me notado.
Dito isso, Kayla pega suas coisas e dispara para fora da cafeteria, sem
nem olhar para trás, correndo em meio à chuva, que ainda está caindo com
força lá fora.
Movido pela raiva e por um turbilhão de sentimentos tumultuados,
direciono um último olhar a Waylen, flexiono os meus joelhos, arrasto os
meus tênis pelo Starbucks, empurro a porta e corro atrás dela, que não foi
muito longe. Sentindo a chuva me molhar por inteiro, serpenteio pelas
pessoas, que me olham como se eu fosse um lunático e chamo pelo seu
nome, várias e várias vezes.
Inferno, é óbvio que ela tem que acelerar o passo e ficar cada vez
mais longe.
Contudo, eu estou em forma, sou um atleta e consigo alcançá-la num
piscar de olhos.
Corro pela calçada e, quando a vejo dobrar a esquina, acelero,
pegando-a desprevenida ao empurrá-la na parede do beco em que acabamos
de entrar, escutando seu gritinho abafado pela minha mão. Com o peito
arfando e o cabelo pingando, a impossibilito de se mover ao encostar nossos
corpos, água nos envolvendo por todos os lados e molhando nossos pés.
Kayla busca por ar e eu retiro minha mão da sua boca, vendo-a entreabrir os
lábios e empinar o queixo para olhar dentro dos meus olhos, agora com nós
dois protegidos da chuva torrencial. Não sei se ainda chora ou já parou, no
entanto, em uma atitude comandada pela pequena parte minha que se
importa, raspo as pontas dos meus dedos em sua bochecha e retiro as
gotículas acumuladas por ali, sentindo-a vibrar sob meu toque, seus olhos se
fechando conforme seu corpo sente o efeito dessa minha carícia.
— Eu não sei o que eu quero. — Encosto minha testa na sua e
também fecho os meus olhos. Assim que a vejo tremer por conta do frio,
não consigo pensar mais em nada, apenas a envolvo em meus braços para
tentar aquecê-la. Depois de alguns segundos querendo relutar, sua cabeça
bate contra meu peito, suas mãos envolvem a minha cintura, como se nunca
mais fosse me largar, e o meu coração metralha o seu ouvido, dando
cambalhotas em meu peito por tê-la de volta perto dele. Afundo os incisivos
no meu lábio inferior e reprimo um xingamento por, mesmo depois de tudo,
ainda me sentir em casa junto a ela. Não tem estranhamento, não tem
sensação ruim, não tem desconhecimento, apenas... familiaridade. — Porra,
eu realmente não sei. Você não tem noção do que fez e faz comigo, Kayla.
Você não tem noção de como me senti quando te vi com outro. Você não
tem noção de como me destruiu falando sobre como não queria que eu
tivesse a notado naquela manhã. — A aperto mais contra meu corpo e sinto
seus mamilos pontiagudos roçarem meu peitoral, fazendo-me arfar e gemer
com o atrito que tanto senti saudade. É baixinho, mas sinto quando também
geme e se inclina mais para mim, infiltrando seus dedos, agora ásperos pelo
banho de chuva, dentro da minha camiseta, tateando minha barriga. Paro de
abraçá-la e a empurro novamente contra a parede de tijolos, prendendo seus
braços acima da sua cabeça e enfiando uma das minhas pernas no meio das
suas, sua intimidade, protegida pelo seu short jeans, roça em minha coxa,
fazendo com que, tanto eu quanto ela, abramos a boca para murmurarmos
frases e palavras desconexas. — Você o beijou? Você se deitou com ele?
Você realmente quis dizer o que disse, linda?
— Não, não e sim.
Meu maxilar trava e eu decido provocá-la, movendo minha coxa em
sua boceta, apenas um pouco, quase nada. Ela morde os lábios e não deixa
que eu escute seus gemidos, porque é claro que isso é o suficiente para
atiçá-la.
Kayla pode até não ter me entregado seu coração, porém me entregou
seu corpo e sei que ele adora cada pequena coisa que faço com ele. Está na
cara da desgraçada. Olhos espremidos, arquejos, pelos eriçados e boca
pronta para a minha. E eu estou salivando pela dela, como nunca antes.
Isso aqui, isso que está acontecendo entre nós, é a merda de uma
roleta-russa e eu quero, pelo menos um pouco, brincar entre a vida e a
morte. Até porque, Kayla Benson sempre será a minha perdição. Até os fins
dos tempos. E eu a odeio ainda mais por isso. A odeio por simplesmente
não conseguir odiá-la de verdade e com a força necessária para me manter
longe.
Eu realmente pedi que ela não se colocasse mais no meu caminho e
eu acredito mesmo que isso seja o melhor, afinal, não temos mais solução,
só que simplesmente não consigo vê-la, ainda mais com outro, e ficar
quieto. Eu também não tenho sangue de barata. Também não sou santo,
perfeito e ajo sempre da melhor forma possível. Minha vida está toda fodida
e errada desde que a conheci, o que me faz cometer loucura atrás de
loucura. Tenho a plena noção que, desde a cafeteria até aqui, estou
cometendo erros que meus amigos me matariam se soubessem. Erros que
depois eu vou querer me matar.
Fique longe dela.
Era apenas isso que eu deveria fazer e olha só onde me enfiei por
ciúme.
Foda-se, não acredito que admiti isso para mim mesmo.
— Por quê? — questiono depois de algum tempo, cheirando seu
pescoço e depois ficando a centímetros de distância da sua boca. Kayla
desgruda a cabeça da parede e nossos narizes se tocam, seus lábios
resvalam nos meus e sorrio ao ver que quer se aprofundar. Me afasto e
balanço a cabeça em negação, ainda querendo saber. — Por que desejou
que nunca tivesse me conhecido se foi você que quis brincar comigo? Eu
posso até ter insistido, mas você que apostou, linda. Não há sentido no que
você falou. É como se estivesse... como se estivesse machucada. Pareceu da
mesma forma na república. Como se o que eu falo ou faço te atingisse
tanto, que você não consegue suportar. Mas como, se não foi recíproco?
Como, se eu não fui nada para você? Como, Kayla, como? Está querendo
mexer novamente comigo, é isso?
— Eu estava quieta, você que me procurou — desvia do assunto e
tenta se desprender do meu aperto, contudo eu não deixo. — Você que veio
me ofender e fazer a cabeça do menino contra mim. Estávamos nos
conhecendo e você provavelmente estragou tudo. Ele estava querendo ser
meu amigo, sabia?
— O caralho que estava — rosno. — E você não sabe ser amiga de
ninguém.
Há mágoa no seu olhar.
— Vai começar a me ofender de novo?
Solto uma lufada de ar ao passo que balanço a cabeça.
— Só estou apenas dizendo a verdade.
— A verdade pode ser distorcida.
Tombo a cabeça para o outro lado, observando-a de outro ângulo,
minhas sobrancelhas unidas.
— Como? — questiono.
— Você nunca entenderia.
— Claro — quase grito. — Porque você não me diz nada, você foge,
você não é clara, você fica soltando enigmas. Você é a porra de uma
confusão.
— E você gosta. — Sinto o golpe certeiro de suas palavras. —
Sempre te achei masoquista e você está provando novamente que tive razão
esse tempo todo. Se eu te mandar embora agora, dizendo que não quero
mais nada com você, você vai ou você fica? — Aperto suas mãos no topo
da sua cabeça, sentindo meu peito se preencher de fúria outra vez e acho
que ela gosta de ter tomado as rédeas da situação, porque se remexe contra
a minha coxa e, pouco a pouco, aproxima-se da minha boca, o hálito quente
lambendo meu rosto e fazendo meu pau inchar dentro das calças. — Se eu
acabar com a nossa distância e te beijar, você vai me afastar ou me devorar?
Engulo em seco e murmuro:
— O que você acha?
— Eu acho que você ainda me ama.
— Então faça o teste. — Libero suas mãos e a deixo à vontade para
fazer o que quiser. — Me pegue e veja.
Kayla assente, vindo de fininho até mim, quase como um felino, seus
olhos fazendo com que Maevis, que está na sua temperatura mais fria em
todo o ano, fique parecendo o inferno de tão quente. Eu a puxo em um
solavanco para acabar logo com isso, nossos corpos se colidem e ela infiltra
sua mão pela minha nuca, alcançando meus fios molhados e me
empurrando para a frente, direto para seus lábios, que pressionam os meus
em uma explosão que vai direto para meu coração, passando a bombear
sangue ainda mais rápido e fazendo o beco, em que estamos, se tornar ainda
mais apertado e ainda mais claustrofóbico.
Kayla fecha os olhos, entretanto eu não consigo.
Suas mãos agora envolvem cada lado do meu rosto e, no segundo em
que está prestes a pedir passagem com a sua língua, para sair apenas desse
colar de lábios, faço o que nunca pensei que conseguiria fazer, a empurro
delicadamente para longe.
Ela me olha sem entender nada por um bom tempo e depois a ficha
parece cair, embaraço deixa suas maçãs do rosto coradas, envergonhada
pela rejeição.
— Eu posso até te amar — começo, a voz embargada. —, no entanto
você não me manipula mais. Eu faço as minhas próprias escolhas agora e
você não deveria parecer tão confiante.
— Achei que...
— Não. Não vou me deixar ser enganado de novo.
Lágrimas novamente retornam às suas írises castanhas.
— Sabe, Kayla, meu coração é gigante, mamãe costuma dizer isso
com frequência, acho até que já te disse isso uma vez. E se você tivesse me
contado antes, se você tivesse mostrado qualquer tipo de arrependimento
sobre o que tinha feito, eu poderia ter te perdoado. Fiquei com esse
pensamento durante as primeiras semanas, desde que a verdade fora
revelada. Contudo, você não apareceu e até mesmo agora, diante de mim,
não consegue me explicar nada. Como espera que eu fique, te beije e te
devore se estou completamente no escuro? Eu realmente não menti quando
disse que não sei mais quem é você.
— Eu sou... — sibila, o queixo tremendo. — Eu sou a mesma Kayla.
A sua Kayla.
— E eu talvez não seja mais aquele Sebastian. — Inspiro fundo e viro
para trás, vendo que o tempo deu uma estiada, embora permaneça
chuviscando. Volto a olhá-la. — Preciso ir.
— Tá.
— Você vem comigo.
— Quê? Não vou, não.
— Vai sim. Nem fodendo que vou te deixar aqui.
Automaticamente seus olhos duplicam de tamanho e ela parece
indignada.
— Por que você se importa?
— Porque sou um idiota, porque não tenho nem um pingo de
vergonha na cara e porque sou um sadomasoquista.
Kayla troca o peso dos pés e cruza os braços em frente ao peito,
escondendo a transparência do tecido após ficar molhado.
— Por acaso está sendo sarcástico? — Solta um muxoxo. — Uh, eu
não estou entendendo você e nem essas nossas brigas.
— Quem entender, morre. — Dou de ombros, também me sentindo
patético e começo a tirar a jaqueta do time do meu corpo para lhe entregar.
— Veste isso.
— Pra quê?
Reviro os olhos.
— Você não vai querer voltar para o dormitório de farol aceso, vai?
— Aponto para seus mamilos duros e Kayla geme de desgosto, se cobrindo
ainda mais com os braços. — Está gostosa, só que não quero que fiquem te
olhando assim.
Com um bufo, opta por pegar minha jaqueta do Maevis Fox e sai
andando na minha frente, porém não sem antes dizer para si mesma:
— Eu, hein, vai entendê-lo.
Tão logo passo pela porta e entro em casa, a primeira coisa que noto
é que meus amigos estão todos reunidos jogando vídeo game, com
cobertores para todos os lados, enquanto bebem chocolate quente para
aproveitarem o tempo chuvoso. As janelas e as cortinas estão todas
fechadas e o ambiente completamente no escuro.
Fricciono os lábios para não rir.
Eles sempre fazem isso.
Toda vez que chove, se juntam na sala para uma espécie de evento de
inverno fora de época.
— Olha só, é o Sebastian! — Escuto a voz de Lionel anunciando para
os outros a minha presença, quando já estou tirando os tênis no hall de
entrada. Minhas roupas secaram um pouco no caminho até aqui, mas ainda
estão grudando em meu corpo e isso está me incomodando muito, acho que
por conta do frio, talvez. — Onde você se enfiou, cara? — pergunta e assim
como ele, Justin, Kellan e Maddox viram seus rostos para me lançarem
olhares curiosos à medida que me medem de cima à baixo e depois de baixo
até em cima. — Puts, acho que você pegou chuva.
— Você acha? — ironizo para Prince. — Não está claro o suficiente?
— Para mim está bastante claro — Justin sai na frente ao enfatizar
com um assobio. — Sua camiseta está molhada e está grudando no seu
tanquinho. — Parece impressionado ao analisar os gominhos no meu
abdômen e eu, querendo saber se algo mudou em meu corpo, olho para o
mesmo lugar que ele. Nada. Mesmo corpo perfeito de sempre. — Porra,
esse cara é muito gostoso, ele não deveria andar assim. — Dou risada ao
vê-lo se virar para poder reclamar com os meninos, como se eu não
estivesse aqui e como se a sua indignação fosse mesmo válida. — Por isso
que eu não trago nenhuma garota para essa casa. Elas vão olhar para o
Sebastian e pensar: merda, acertei o ninho, só que errei o passarinho. Seria
uma vergonha.
Simplesmente não tem como se manter sério depois dessa, por isso
que explodimos em gargalhadas. Menos Justin Harris, claro, porque parece
mesmo convicto do seu ponto de vista.
Então, do nada, Lionel dá um tapa na nuca dele, fazendo-o se
encolher com o susto e claro, com a dor.
— Mas que merda?
— É para você aprender a não alimentar o ego alheio — diz o nosso
linerback. — E também pela sua mentira. Se uma garota fosse pensar isso
olhando para alguns dos meninos, todo mundo sabe que seria olhando para
mim. Eu sou irresistível.
— Não, você é um vagabundo — Justin o provoca. — Entretanto,
você também é um grande motivo pelo qual não trago ninguém para cá, se
quer mesmo saber.
— Ah, é?
— Sim. Você pode muito bem enfiar o pau nela às minhas costas.
— Há, Há, Há. Que engraçado. — Lionel Prince bufa ao cruzar os
braços. — Essa piada é velha. Vocês precisam atualizar o repertório,
ninguém aguenta mais essa de que eu como pessoas comprometidas. Já
falei com Deus, mudei de vida, não irei mais cobiçar a mulher do próximo.
— Todos nós olhamos para ele com aquele ar de descrença, no entanto,
acho que ele não nota ou só não liga. — Se bem que, se formos parar para
pensar, estamos no século XXI, monogamia deveria ser vista como algo
retrógrado. Na verdade, nem retrógrado, porque antigamente, bem
antigamente, era normal. Não que eu seja a favor, por favor, não pensem
isso, estou só comentando para gerar um debate.
— Se bem que você não falou besteira agora — o garoto de óculos
menciona e eu me aproximo, por trás do sofá em que eles estão, pronto para
ouvir a discussão que chegou de forma aleatória. — Há um fato engraçado
sobre isso. Não sou muito bom em História, porém me lembro que isso tudo
começou na Idade Média. Parece que o casamento poliafetivo era comum
na época, para manter o poder do rei, contudo a Igreja Católica, interessada
em se beneficiar, se meteu no meio e decretou a monogamia, porque se o rei
não tivesse herdeiro, as terras ficariam para a Igreja. Daí veio o casamento e
a proibição do divórcio. Enfim, realmente não é a minha área de
conhecimento favorita, não posso me aprofundar muito, mas só foi para
contextualizar que, dessa vez, Lionel Prince acertou em cheio. Monogamia
é mais atual do que a gente pensa.
Um grande sorriso floresce no rosto do moreno.
— Sendo assim, algum dia voltarão atrás nessa decisão. O mundo
perfeito está chegando, senhoras e senhores.
— Você não acabou de dizer que não era a favor? — eu me intrometo.
— Está feliz por quê?
— Porque meu coração é empático e cheio de respeito por qualquer
forma de amor. — Dá de ombros. — A vida é uma só e todo mundo deveria
vê-la como eu. O importante é beijar na boca e ser feliz. Ninguém deveria
encher a porra do saco de ninguém.
— Tá. — Daniel Maddox limpa a garganta para chamar atenção. —
Bonito o papo e tudo o mais, só que o que isso tem a ver com a chegada do
Sebastian? Não sei vocês, porém eu ainda quero saber onde ele esteve esse
tempo todo. Estamos o esperando há, no mínimo, duas horas. E duas horas
de puro tédio para mim, inclusive, ninguém consegue me vencer no FIFA.
— Chacoalha o controle do vídeo game ao passo que os garotos o
empurram, tentando tomar dele o seu bem mais precioso. Falando sério
mesmo, Maddox tem razão, ninguém consegue vencê-lo no FIFA ou em
qualquer outro jogo que coloca para nós jogarmos. Ele é um verdadeiro
gamer fanático e esses últimos meses só vem provando mais isso, porque
está gastando ainda mais seu dinheiro e seu tempo com essas coisas. E o
único que consegue lhe dar um pouco mais de trabalho, digamos assim, sou
eu. É por isso que está mencionando sobre o tédio desde que estive fora,
pois, ao meu lado, consegue colocar todos os seus conhecimentos e
habilidades para fora, já que com os outros ele nem se esforça tanto. Não
que Lionel, Justin e Kellan sejam ruins, eles são mesmo bons, mas não no
nível de Daniel e eu. Vou lembrar de agradecer meu irmão gêmeo mais
tarde, porque se não fosse sua vontade de jogar até tarde da noite em nosso
quarto, escondido dos nossos pais, e também a minha vontade de agradá-lo,
eu não teria nem um pouco de experiência como esses caras. — Não se
aproximem de mim! — Nosso amigo bad boy afasta nossos amigos com a
sua carranca de malvadão e os garotos voltam a seus lugares, curvando-se
para frente ao darem risadas porque gostam de perturbá-lo, mesmo que não
tenham, de fato, sequer tocado nele ou em seu controle, apenas ameaçado.
Daniel bufa, revira os olhos e decide ignorá-los assim que volta a me fitar.
— Você por acaso está mudo? A chuva levou sua voz?
Faço que não com a cabeça e levanto os ombros.
— Estou só observando vocês, é bom vê-los se matarem.
— Onde esteve?
Maddox volta a perguntar e preocupação, pouco a pouco, ganha
espaço nas expressões do seu rosto, até mesmo do seu olhar, que prescruta o
meu com grandes doses de intensidade, tentando encontrar alguma coisa
suspeita. No fim, mesmo sempre fazendo graça e tentando me deixar o mais
à vontade possível, meus melhores amigos não conseguem esconder o fato
de ainda estarem sob vigília, todos eles, ainda de olho em mim. Consigo
entender que ficam com medo de eu ter uma piora significativa, mesmo que
eu diga que estou melhorando e com muita vontade de seguir em frente. Até
o meu lance com a comida melhorou. Ainda tenho alguns enjoos por conta
do estresse e ainda vou para o banheiro achando que vou vomitar, mas,
felizmente, são poucas as vezes em que isso acontece, pois percebi que é
medo e coisa da minha cabeça, já que não vomito mais. Posso ainda estar
tentando ter aquela fome de antes, porém já consigo seguir certinho a minha
dieta, me alimentando normalmente nos horários que devo e claro,
treinando para compensar o tempo que perdi. Graças a Deus que os dois
quilos que foram embora já voltaram e que também não foi forte o
suficiente para alterar minha estrutura corporal. A questão é que eles ficam
com medo e eu entendo. Mal posso imaginar como foi para Daniel, Justin,
Lionel e até mesmo Kellan, me verem naquele estado deplorável, quando eu
sempre fui o centrado, o focado, o saudável, o líder e o que sabia resolver
todos os problemas que poderiam acontecer entre nós. De repente, da noite
para o dia, os papéis se inverteram e eles tiveram que me acudir e tomar a
rédea da situação, como nunca antes. Foi angustiante e um pesadelo para
todos nós.
É por isso que digo, se não fosse pelas minhas raposas, o processo
teria sido muito mais doloroso e muito mais dilacerante.
Por essa razão que entendo a pergunta, se a preocupação já existia
antes, voltou com ainda mais força desde a noite da festa da república,
quando vimos Kayla pela primeira vez depois de tanto tempo. Lionel e
Kellan se desentenderam naquele momento e o irmão da garota, que
quebrou meu coração, também ficou um pouco chateado com os meninos
por terem ido coagir a menina no meio da pista de dança, mas eles não
brigaram para valer na festa. Nem em nenhum outro lugar, a propósito.
Assim que eu fiquei sabendo do acontecido, fui tirar satisfação com Kayla
e, assim que chegamos em casa, disse que queria conversar com todos na
hora em que estivessem sóbrios. Foi o que aconteceu no dia seguinte, juntei
todo mundo na sala, conversei sobre não ter achado certo o que fizeram, já
que o problema foi entre mim e ela — e também porque, querendo ou não,
Kayla é uma Benson, como Kellan, eles são família, e a gente tem que
respeitar a posição dela na vida dele, não devemos insultá-la diretamente, é
como se estivéssemos fazendo isso com ele e o garoto é nosso amigo, é uma
raposa como nós —, disse que não iria admitir que pegassem as minhas
dores, embora eu agradecesse por estarem dispostos a enfrenta-la por mim e
que também não iria aceitar de jeito nenhum, qualquer mal estar nessa casa,
o que fez com que Lionel levantasse a mão, assumisse que extrapolou na
festa e pedisse sinceras desculpas a Kellan. Os outros fizeram o mesmo e o
nosso novato, que não é mais tão novato assim, aceitou as desculpas,
também pediu perdão por ter gritado, porém disse que sua reação sempre
será protegê-la, independentemente de qualquer coisa.
Eu achei bonita a sua honestidade.
Mesmo não aceitando os erros da irmã mais nova, ele a ama e sempre
irá amar. Eu também agiria da mesma forma por Bryan.
E, puta merda, agora que a minha ficha cai.
Fecho os olhos e a mão em punho, por um segundo.
Eu estava com ela agora a pouco, brigando em um beco, debaixo da
chuva, quase a beijando, quase a possuindo, levando-a até seu dormitório
com a jaqueta do time em suas costas, porque simplesmente estava
querendo morrer só de pensar em outros garotos vendo-a com a blusa
transparente, com os seios empinados expostos, enquanto ela desfilava pelo
campus sozinha, à mercê de olhares que estariam a cobiçando.
Não houve uma conversa daquele ponto em que estávamos até o seu
dormitório, eu deixei que ela caminhasse na frente e fiquei atrás, como um
cão de guarda idiota, a vigiando para ver se chegaria bem. Pronta para subir
e me deixar para trás, Kayla me entregou de volta a jaqueta, murmurou um
“obrigada” de forma cabisbaixa e girou nos calcanhares. Fiquei me
questionando o que diabos passava por sua cabeça à medida que caminhava
sem a minha presença a afetando. Sinto como se estivesse pensando sobre o
beijo que não retribui, se amaldiçoando por ter falado e por ter feito o que
fez. Sinto como se tivesse recuperado a vergonha que sentiu quando foi, de
certa forma, rejeitada. Porque, céus, aposto que se sentiu assim, rejeitada,
ignorada, humilhada.
Embora não tenha sido minha intenção, também foi desse jeito que
me senti naquele dia, às quatro da tarde, na hora em que falou, para a
universidade inteira, sobre o motivo de ter se aproximado do capitão. Foi
assim que eu me senti, se não pior, e me sinto um pouco vingado por tê-la
deixado da mesma forma, por mais que, repito, não fora a minha intenção
em nenhum momento, por mais que eu tenha detestado o ardor em meu
peito só em imaginá-la triste por uma ação minha. O que é completamente
errado e vai contra as coisas que penso sobre ela, sobre mim, sobre eu e ela,
sobre como ela me quebrou e ficou por isso mesmo, sem tentar vir atrás de
mim para absolutamente nada, só que não consigo evitar e acho que ficou
bastante claro desde a festa e inclusive no nosso encontro hoje. Por mais
que eu queira odiá-la, por mais que eu queira tratá-la do jeito que merece,
do mesmo jeito que me tratou, esse sou, no final das contas. Sou apenas um
garoto que gostaria de ter entendido tudo, sem mágoas, sem ressentimentos,
sem dor. Só parece tarde demais, entretanto. As coisas ficaram feias,
tumultuadas e, principalmente, sem confiança. Eu sinto como se eu não a
conhecesse de verdade. Eu sinto como se tivesse realmente fantasiado tudo,
vivido uma realidade paralela, enquanto a minha linda não era minha e sim,
de qualquer outra pessoa que não fosse eu. E agora as coisas ficaram ainda
mais bagunçadas, porque ela transmite no olhar, age e fala como se
partilhasse da mesma dor que eu, até do mesmo amor, sendo que não faz
nenhum sentido, diante de tudo que aconteceu entre nós.
Eu sou a mesma Kayla. A sua Kayla.
Foi o que me disse, mas como poderia ser?
Acho que essa foi uma das razões pela qual escolhi empurrá-la na
hora do beijo, para que pensasse que eu não sou tão fácil assim, para que
pensasse que não há mais como me enganar, que não há como me
manipular, pois realmente não sou mais o antigo Sebastian, alguma coisa
muito bonita e importante se perdeu dentro de mim, morreu. Ela não tem
mais tanto poder assim sobre mim, como provavelmente acha, não depois
de tudo, não depois de me usar como um objeto para os seus próprios
prazeres estranhos. Confesso que eu estava caindo em seu papo, no entanto,
logo que a ouvi falar com tanta convicção que eu ainda a amava, com
aquele seu jeito, me instigando a tomá-la novamente, fiquei com raiva,
decepcionado e quis mostrar que estava por cima, muito mais esperto e
sagaz do que quando me deixou, há dois meses. Kayla precisava perceber
que eu mudei, que ela me mudou. Ela tinha que sentir o gostinho de tudo o
que eu passei e ainda passo, e não a corresponder foi a forma que encontrei,
naquele momento, para isso. Confessar a ela que ainda a amo, não me
tornou fraco, me tornou forte diante daquela situação, porque eu podia amá-
la, entretanto amava de uma forma diferente, de uma forma que não me
fazia mais cego e sim, muito observador, cauteloso e querendo o meu
melhor. Eu não ia jogar tudo para o alto e implorar para que me amasse de
volta, e ela também sabia disso. O amor que eu sempre senti por ela
continua aqui, corroendo meu peito, borbulhando minhas veias e
impossibilitando a minha respiração. Ele continua aqui, forte, quente,
impiedoso, inquestionável e brutal, o que faz com que tê-la longe doa ainda
mais, contudo ele também está aqui, ainda ferido e cheio de buraco.
Eu posso a amar, porém também me amo e eu sei que não podemos
mais sermos nós. É por amá-la também, que decidi, muito tempo depois,
deixa-la longe, afastada, livre, sem mim, para que encontre no meio do
caminho o que não conseguiu adquirir nos seus quase vinte anos de vida. É
por também me amar que só quero o que tiver que ser meu. Meu de
verdade. Não quero nada forçado e com pena. Quero algo natural e bonito,
como o dos meus pais.
Ser forte é reconhecer suas fraquezas e Kayla Marie Benson, até o
momento, é a minha. Mas não por muito tempo, até porque, é da nossa
fraqueza que devemos extrair a nossa maior força e, consequentemente,
nossa superação.
E então, quando eu menos perceber, chegará um dia em que eu não
sentirei mais nada.
Bem, pensei demais agora, resumindo toda essa merda, não posso
nem a pau comentar com os meus amigos que o motivo da minha demora
foi porque decidi que precisava levar minha ex-namorada — que não é
oficialmente minha ex-namorada — até o seu dormitório depois de um
pequeno surto que tive após vê-la tomando café com outro. E para piorar,
ainda teve a porcaria da chuva e da blusa. Definitivamente não posso
mencionar nada disso.
“E que merda, Sebastian, por que você teve que ir atrás dela,
afinal?” pergunto para mim mesmo ao ver que passei do ponto da idiotice.
Nem ela, nem ninguém vai levar a sério o que você quer para sua vida, se
continuar agindo desse jeito.
Foi a primeira e a última vez. Não vou fazer nada do tipo nunca mais.
Kayla pode estar ao lado do Papa que eu vou estar me importando
menos. Sua vida não é mais da minha conta. Nós acabamos naquela tarde e
é isso.
Se ela voltar à minha frente e falar qualquer coisa, vai entrar em um
ouvido e sair pelo outro. Meu pedido na festa da república ainda continua
de pé.
— Estava vindo para casa quando a chuva começou, aí avistei o
Starbucks perto do campus e decidi esperar lá dentro — respondo com uma
mentira, não tão mentira assim, porque bem, foi exatamente isso que eu fiz.
Apenas omito todo o resto para poupar ainda mais problemas,
principalmente por Kellan estar aqui, com seus grandes olhos atentos
fincados em mim. Não é como se ele estivesse demonstrando saber bem
onde eu estava nessas duas horas, ainda assim, me dá um pouco de nervoso
estar novamente seguindo um caminho de esconder coisas. Estou com
trauma dessa porra, sendo bem sincero. — Estou bem, papais, obrigado pela
preocupação — decido mudar o ambiente ao lançar uma brincadeira, da
qual faço questão de rir, só para descontrair e quase solto uma lufada de
alívio quando vejo eles darem risada. — Vou lá em cima tomar um banho
quente, trocar de roupa, botar essas aqui na máquina e depois desço. Me
esperem aqui. E Daniel... — Aponto em sua direção com o dedo em riste e
ele quase se assusta com o tom imperioso da minha voz. — Se prepare,
porque vou matar você na próxima partida. Caso queira chorar, a hora é
agora.
Um uivo de “uhhhhh” de Kellan, Justin e Lionel ressoa pela sala,
bem no instante em que eu dou as costas a todos eles, e deixo que escutem
minha risada.
— Contando vitória antes do tempo? — grita para mim quando estou
subindo as escadas, nitidamente se sentindo ofendido. — Você é o capitão,
você sabe que quem ri por último, ri melhor.
Não consigo segurar o riso em minha garganta outra vez, então lhe
direciono meu dedo médio, como ele mesmo tem costume de fazer ao ficar
emburrado.
Uma vez no andar de cima, me direciono até o meu quarto, abro a
porta, ligo a luz e ando até perto da cama, retirando as minhas peças de
roupa e balançando a cabeça de um lado para o outro, meio que sem
acreditar, quando jogo a minha jaqueta do time junto das peças sujas que
tenho que lavar assim que terminar o banho. O flashback é automático e eu
me vejo bufando sozinho logo que, por um mísero segundo, penso o quão
bonita aquela desgraçada ficou com a grande raposa laranja em suas costas.
Ela já tinha usado minha camiseta do Maevis Fox e outras roupas minhas
depois do sexo, mas não a jaqueta, a jaqueta fora a primeira vez e isso me
faz esboçar um pequeno sorriso de lado.
Fala sério, que dia mais doido.
Meu celular, que eu tinha deixado ao lado da calça, também em cima
da cama, começa a vibrar e o nome de Bryan Skalbeck logo pisca, para me
deixar alegre.
Pego o aparelho entre as mãos e rapidamente atendo a vídeo
chamada.
— E aí, gêmeo — o cumprimento com uma saudação assim que vejo
seu rosto, parecido com o meu, preencher o visor do meu iPhone. — A que
devo a honra?
— Oi, Seb. — De repente, seu nariz fica bem próximo da câmera e
me parece que ele está tentando enxergar alguma coisa do outro lado da
tela. — Espera... você por acaso tá pelado?
— Sim. — Sorrio como costumava fazer quando éramos crianças. —
Quer que eu coloque a câmera um pouquinho mais para baixo para você
poder se certificar?
— Vá, siga em frente, faça isso — incentiva, mesmo que o seu rosto
esteja franzido em uma careta. — Coloque seu pau no caralho do meu
celular e eu juro que tiro print e faço a foto rodar em Montana, em
Michigan e em todos os estados possíveis dos Estados Unidos.
— Nossa, não precisa ficar tão bravo, eu achava que você já tinha
superado o fato do meu ser maior que o seu.
Bryan revira os olhos.
— Babaca — sibila cada sílaba. — Só porque você falou isso não vou
te dizer o motivo da minha ligação.
— Nossa, você é afetado mesmo por conta desse assunto, né? — o
provoco uma última vez, antes da minha curiosidade falar mais alto, me
obrigando a dizer: — Tá, desculpa, mano, fala logo. Qual a novidade?
— Estou indo para Maevis em alguns dias — solta de forma
desenfreada, quase não se fazendo ser entendido. Coloco a mão na boca e
seguro meu grito de entusiasmo. — Sim, porra! Isso mesmo que você
ouviu.
— Meu Deus, não creio que a gente vai se ver... Como? Por quê? E os
jogos?
— Justamente por causa disso. Tenho um jogo em Helena, na capital,
e ele vai cair numa sexta-feira. Teremos o final de semana todo para nós.
Novamente um sorriso me sobe ao rosto.
— A mãe e o pai, eles já sabem?
Vejo ele balançar a cabeça positivamente.
— Sim, falaram que querem uma foto nossa. Estão morrendo de
saudade.
E eu morrendo de saudade deles. Do meu irmão também.
Só Bryan, com essa notícia, para mudar o rumo do meu dia mesmo.
Então, no mesmo segundo, me recordo que não contei toda a história
entre mim e Kayla para ele. Apenas disse que não havíamos dado certo por
sermos incompatíveis e mesmo diante de tantos questionamentos e falas
sobre como parecíamos perfeitos e apaixonados, Sebastian acreditou. Acho
que, no fundo, fiquei com vergonha de contar para o meu irmão a verdade.
O que eu poderia falar?
Ei, Bryan, você não sabe. Não tem a Kayla? Pois é, estava comigo só
para descobrir se eu era mesmo virgem como dizia, acredita?
Ah, o que? Você quer saber como fiquei sabendo? Pois é, nem te
conto, na frente de toda a universidade.
Muito humilhante.
Só que agora ele virá para cá, ficará com os meus amigos, irá gostar
de saber mais e eu não posso mais esconder. Sei que sempre quero lhe
impressionar, mas essa é a verdade, foi o que aconteceu, eu não posso mais
omitir.
Acho que meu rosto perde a cor e o meu sorriso some, pois ele está
me chamando, perguntando se aconteceu alguma coisa e se eu estava bem.
Faço minha melhor expressão de tranquilidade e aceno.
— Sim, tudo perfeito, continue falando. Me conte mais sobre o jogo,
quem vocês vão enfrentar?
Bryan se empolga com o rumo da conversa, continua falando sem
parar e eu concordo com uma coisa ou outra, ainda preso na informação de
que ele virá me ver. Apesar da vergonha, estou morrendo de saudade e a
informação de que o terei ao meu lado, simplesmente melhora tudo.
Nada como meu irmão gêmeo, minha outra metade, para preencher o
vazio que ficou.
Se há mesmo alguém aí em cima torcendo por mim, aqui vai meu
muito obrigado.
Se ontem estava chovendo, hoje está fazendo o maior sol na cidade,
como se toda aquela água não tivesse passado de apenas um fruto da nossa
imaginação. Antes fosse isso. Mas o sol está quente do jeito que eu gosto,
propício para um bom dia, o que fez com que eu me levantasse pela parte da
manhã para poder correr cinco milhas com os fones plugados em minhas
orelhas, a música silenciando o mundo e os meus pensamentos frenéticos, e
agora, algumas horas depois de queimar os meus pulmões como se eles não
fossem nada, estou na academia a fim de completar a minha rotina
costumeira nesse horário e, claro, para encontrar com os meninos para a
nossa batalha na musculação.
No fundo, todo mundo quer ser o melhor, mas acho que esse posto
ainda é meu.
— Atenção, uma pergunta importante aqui. — Kellan deixa seus
halteres de lado e caminha até ficar novamente próximo de todos nós. Paro
meu exercício no meio, acho que os outros fazem o mesmo também, e fico
meio deitado e meio sentado no banco, o encarando sem camisa, de short de
malha lá embaixo, de uma forma que mostra a barra da sua cueca, tênis e
boné virado para trás, com gotas gordas de suor deslizando por todo seu
peitoral, fazendo sua pele preta refletir ainda mais as definições dos seus
músculos nessa fase do pump. Um segundo depois, seu rosto se contorce em
uma careta quando parece se lembrar de algo. — Mais alguém tomou aquele
shake que prepararam mais cedo?
— Sim. — O gosto automaticamente retorna à minha língua e eu quase
gorfo. — Eles me enfiaram goela abaixo. Aconteceu isso com vocês
também?
— Falaram que era saudável — Justin, com sua regatava cavada do
Homem-Aranha do Tobey Maguire, responde também parecendo relembrar
do momento que, com toda certeza do mundo, foi traumatizante. — E pode
até ser, mas tinha gosto da bala de vômito do Harry Potter.
— Acho que já tomei três litros de água e o gosto não desaparece. —
Kellan balança a cabeça e leva a mão à boca. — Das outras vezes era ruim,
mas essa se superou. Nunca mais tomo nada que oferecerem.
— Parecia merda — Lionel diz, provando que realmente ninguém
gostou. — O que será que tinha ali dentro?
Penso um pouco.
— Não faço ideia. — Chego à conclusão depois de perceber que não
senti gosto de nada em específico, só que era ruim, muito ruim. — Eu só
percebi que ele era verde.
— Eu voto em brócolis. — Prince declara ao querer tentar adivinhar.
— Ou beterraba. Se bem que, no meio daquela misturada toda, algo me
parecia bom e doce. Com certeza deve ter tido uma fruta. Sim, fruta! — Uma
lâmpada parece acender em sua cabeça. — Meu paladar está me dizendo que
era banana.
Banana? Não sei, não...
— O quê? Nada a ver, cara, não tinha banana, não — Justin põe para
fora o mesmo pensamento que o meu, só que com muito mais confiança e
indignação. — Eu acho que era abacaxi. Por que você pensou em banana?
Antes que nosso amigo possa responder, uma risadinha maliciosa, que
vem de Daniel, irrompe do nosso meio e ele pega uma anilha de 20kg antes
de falar:
— Porquê de banana Lionel entende. — Segundas intenções gotejam
de cada sílaba e nos faz rir. — Ué, não entendi, é a fruta favorita dele. Eu tô
mentindo por acaso? — questiona ao garoto que faz cara de poucos amigos,
mas que acaba negando a contragosto, porque sabe que é verdade. — E vocês
estão tudo maluco. Já tomamos shake com banana e shake com abacaxi na
semana passada. Essa só tinha coisa verde, tipo verdura mesmo.
— Não, Maddox, tinha banana, você precisa acreditar em mim. —
Lionel aponta para o próprio peito e, meu Deus, o assunto parece mesmo ter
se tornado sério. E eles realmente são assim no dia a dia, não sei por que
ainda me surpreendo. Qualquer assunto, por menor e mais besta que seja,
meus amigos o pegam para si e o tornam em uma discussão importante,
como agora. É engraçado de ver. Eu sempre fico rindo e assistindo de
camarote, só para ver até onde chegam. Ninguém, repito, ninguém, volta
atrás e dá o braço a torcer nesses momentos. A conversa sempre fica em um
looping até que alguém se ofereça a interromper. No caso, esse papel é
sempre meu. No entanto, esse aqui vou deixar rolar, estou mesmo precisando
de momentos engraçados para relaxar de vez. — Eu posso afirmar que eu
senti o gosto. Vocês não me levam a sério, mas é verdade.
— Cara — Justin começa logo após ouvi-lo, paciente e calmo —, eu
não sei onde diabos você enfiou essa língua antes de experimentar o shake,
mas não tinha algo doce, tinha algo meio ácido. Era abacaxi.
— Santo Deus, Harris, não me faça falar que eu enfiei a minha língua
na sua mãe. Era banana.
— Ah, de mãe ele também entende — Maddox acrescenta à discussão,
e eu aperto os lábios um no outro para conter minha risada, porque
simplesmente não consigo segurar quando Daniel resolve brincar com a
própria desgraça. — Quase que ele enfia a banana na minha.
Puta merda, se alguém falar mais alguma coisa sobre isso, não vou
aguentar.
Alterno o meu olhar entre Lionel, Justin e Maddox e vejo que, no
fundo, também estão achando engraçado. Nunca que vão admitir, entretanto.
— Já que você entrou nessa questão, seu desgraçado, está aí outra coisa
doce. Sua mãe. — Os lábios de Prince se erguem em um sorriso de malandro,
que só ele tem a habilidade de parecer tão verdadeiro. Esse garoto sempre
será um perigo. Pode passar dias, meses, até mesmo anos, mas ele nunca vai
mudar, será eternamente um galinha de marca maior. — Diferente do shake,
ela estava gostosa naquele dia, quando eu a provei.
Os olhos de Daniel Maddox escurecem e ele parece prestes a jogar a
anilha de 20kg na cabeça do seu melhor amigo.
Oh-oh.
Acho que o meu momento de entrar em cena e acabar com a discussão
chegou.
— Garotos, não sei se vocês sabem, mas se ficar descansando demais
entre as séries, o treino não rende. Não adianta de nada ficarmos tentando
deduzir o que tinha dentro daquela bomba, o importante é que a gente bebeu
e não morreu. Ainda — faço questão de alertar só para brincar, e eles
concordam. — Vamos aproveitar enquanto dá. Ninguém sabe quanto tempo
resta até fazer efeito.
— Nosso capitão tem razão — Justin Harris me ajuda, e eu lhe lanço
uma piscadela em agradecimento. — Vamos, guerreiros, vamos malhar até o
último minuto de nossas vidas.
Sorrio e volto à minha posição anterior, porém ainda consigo assistir
quando Maddox passa por Lionel e o acerta um tapa na nuca, um aviso para
ficar esperto. Pelo menos não foi o peso de 20kg.
— Se encostar em mim de novo, a próxima banana que eu vou enfiar
vai ser no seu ouvido.
— Você estava falando da minha mãe, otário.
— Porque você começou — Lionel grunhe. — Quem fala o que quer,
escuta o que não quer.
Maddox revira tanto os olhos que, por um segundo, penso que eles não
vão ser capazes mais de voltar ao normal.
— Crianção.
— Sim, tudo com ão — o outro provoca. — Lindão, gostosão,
pauzão...
— Ah, meu Deus, eu vou me matar — nosso nerd choraminga baixinho
ao passo em que tapa os ouvidos. — Se o shake não fizer nada comigo, eu
mesmo faço.
— Olha, vocês me desculpem — Kellan entra na conversa depois de
um tempo calado. — Mas dá próxima, vou pensar bem antes de fazer uma
pergunta.
Um silêncio recai entre nós, porém, no minuto seguinte em que nos
entreolhamos, nossas risadas, todas ao mesmo tempo, explodem no ar.
— Ei, vocês. — Um garoto que parece ser do time de basquete se
aproxima, do nada, nos fazendo ficar sérios à medida em que unimos as
sobrancelhas só para olhá-lo com aquela questão pairando no ar: de onde ele
acabou de sair? — Não queria escutar a conversa de vocês, mas escutei.
Tinha mesmo banana no shake. Eles prepararam o mesmo para a nossa
equipe também.
— Eu disse! — Lionel grita, entusiasmado, e dá um soco no ar. —
Caralho, eu sabia! Agora vocês, seus idiotas, me devem dez dólares. Cada
um.
— Desde quando estávamos apostando? — eu pergunto. — Eu nem ao
menos sabia o que tinha naquela merda.
— Não interessa, vocês me descredibilizaram, eu mereço uma
recompensa. Principalmente de você, Harris, com aquele papo de abacaxi
sem pé nem cabeça.
Justin dá de ombros.
— Pago 20 dólares, se quiser. Dinheiro não é um problema.
Nós nos entreolhamos novamente e fica nítido que pensamos a mesma
coisa.
Filhinho de papai desgraçado.

Ficar sozinho no meu quarto é o maior tédio que existe. Depois de


correr, treinar, assistir às aulas, chegar em casa e estudar, nada mais me resta
para fazer, principalmente quando seus amigos saem de casa à noite para
algum pub que você não está nem um pouco a fim de frequentar por estar
cansado do longo dia. Eu já olhei minhas redes sociais, já assisti vídeos com
entrevistas recentes de jogadores de futebol americano que sou fã, olhei
minhas redes sociais de novo e joguei o celular para longe de mim, porque
não havia mais nada que eu pudesse fazer para passar o tempo, era como se
eu já tivesse visto tudo e mais um pouco. Decidi que a minha única opção era
pegar um livro para ler.
Sim, pode parecer idiota, mas enquanto estava com Kayla, comprei
alguns livros para poder montar a minha coleção aos poucos. Fui à livraria e
fiz uma boa compra de livros de romance, porque, sim, eu também havia me
apaixonado um pouco por esse mundo como ela e queria realmente me tornar
um bookstan. Ela que me ensinou essa palavra, a propósito. Assim como me
ensinou e me mostrou uma infinidade de coisas legais sobre esse universo.
Me ensinou alguns termos, me ensinou táticas para desenvolver o hábito da
leitura, me mostrou alguns livros e autores hypados, e também, claro, montou
uma lista para mim com livros que gostaria que eu lesse para poder
debatermos juntos. Foi dessa lista que tirei os meus favoritos para poder levar
para casa. Tinha de tudo. Romance com bilionário, CEO e até mesmo com
atleta. Fiz até questão de comprar as trilogias da Jenny Han, porque, até o
presente momento, ela é a minha favorita, ela quem criou o Peter Kavinsky e
merece tanto a minha admiração quanto um grande espaço na estante que
estava providenciando comprar.
As pessoas podem ter preconceito com um garoto como eu consumindo
essas coisas, ainda mais romance erótico, mas eu não ligo, não me faz menos
homem. Ler é bom, importante e todo mundo deveria experimentar sem
encher o saco com as escolhas alheia. E ainda era mais legal e divertido por
poder provocá-la. Ter algo que nos conectasse ainda mais, mesmo que só
para mim, pelo visto, era tão bonito e mágico que eu sentia, naquele
momento em que estávamos lendo juntos, que éramos um só, em um enlace
perfeito formado por palavras. Eu achava que poderíamos combater o
mundo. Eu achava que éramos para sempre, que estaríamos eternizados no
universo como os casais que a gente gostava. Eu achava muitas e muitas
coisas naquela época, tudo muito de forma inocente, sonhadora e até
inalcançável. E nada poderia ter me preparado para o pior. Nem mesmo os
livros, que sempre mostravam para nós, leitores, que sempre há um clímax
para afastar o casal, que sempre há um furacão depois da calmaria. Estava
tudo ali para mim, e eu não percebi, na minha cabeça já havíamos alcançado
o final feliz. Porque eu corri atrás, a alcancei, a conquistei e acreditei que
havia vencido quando a fiz minha, mas era apenas ilusão. Como tudo foi.
E mesmo adorando e aprendendo muito com esse mundo das histórias,
me vi obrigado a parar depois de um tempo, porque me fazia lembrar dela, e
qualquer coisa que me fizesse pensar em Kayla Benson era prejudicial.
Escondi todos os poucos livros que comprei e nunca mais os toquei, até
agora. O livro que está na minha mão é Vergonha, o mesmo que ela estava
lendo naquele dia quando a peguei no flagra naquele dia na livraria, e acho
que devo retomar por esse, pois era o próximo livro que eu iria ler quando
tivesse tempo. Fiquei curioso com a história, por saber que ele não tem nada
a ver com o que a capa mostra e nos faz achar de primeira impressão, e sinto
que esse é o momento para descobrir. Já tem um tempo desde que cansei de
parar de viver e de fazer as minhas coisas por conta de Kayla. Ela não pode e
não vai mais ficar em minha mente como se fosse a única coisa que sou
capaz de pensar. Voltei a minha rotina, voltei a me alimentar, voltei a rir com
os meus amigos, voltei a começar a ser eu e vou voltar a ler, porque sou
capaz e porque eu estou no controle agora.
Nada mais vai me abalar como antes. É uma promessa que faço a mim
mesmo.
Com essa decisão tomada, coloco o livro embaixo do braço, calço as
minhas chinelas, desligo a luz do meu quarto, fecho a porta e desço as
escadas, para poder ler deitado no sofá enquanto sinto o bom vento que vem
das janelas daqui de baixo.
Gosto do meu quarto, mas lá é um pouco quente a essa hora, e eu não
quero nada me atrapalhando.
Quando estou perto dos últimos degraus, refreio meus movimentos e
inspiro o ar com força, sentindo o cheiro de comida sendo preparada me
atingir.
Mas como, se não tem ninguém em casa? Será que os meninos
deixaram alguma coisa ligada no fogão e esqueceram de desligar?
Corro até a cozinha e sobressalto de susto quando vejo alguém
curvado, segurando uma dessas luvas de cozinha, tirando uma travessa do
forno. É Justin. Com avental, sem camiseta por baixo, e óculos deslizando
sobre a ponta do nariz, os olhos azuis se chocando com os meus em surpresa
assim que se vira.
— Você ficou? — Pestanejo. — Estava tudo tão silencioso que achei
que estava só.
— Hey, Seb. — Um sorriso se estende em seu rosto levemente sujo de
farinha nas bochechas. — Desculpa por isso, estava querendo fazer surpresa.
Na verdade, não surpresa, surpresa, eu estava só querendo ter certeza que
sairiam bons para poder te mostrar. — Me estende a travessa e eu logo vejo o
que estava aprontando. — São cupcakes. Cupcakes de vários sabores.
Pronto para pegar um para provar, ele espanta minha mão para longe
com um tapa.
— Ainda não estão prontos, preciso colocar os enfeites e aquilo ali. —
Aponta com o queixo para os saquinhos, sei lá como chama, de papel que se
coloca os cupcakes dentro. Estão todos espalhados em cima da ilha de uma
forma muito organizada. Uau. — Aí eu provo primeiro e depois você prova.
— Tuuuuuudo bem.
Deixo o livro encostado no primeiro lugar que encontro, me encosto na
parede, cruzo os braços e o assisto enfeitar os doces como se tivesse muita
experiência no assunto. Justin Harris virou um cozinheiro e tanto, e ainda
está aprendendo mais coisas, porém é tão engraçado vê-lo assim, sua comida
era um caos. Às vezes dava certo, na maioria das vezes, não. Que mudança.
— Por que escolheu ficar em casa? — indago ao esticar o pescoço para
acompanhar seus passos com os cupcakes. — São dez horas da noite. Você
não deveria estar se divertindo com os outros?
Ele chacoalha os ombros para cima.
— Não é porque estou em casa que não estou me divertindo. Eu estou
gostando de cozinhar cada vez mais, é terapêutico, engraçado e inovador.
Paguei a bebida de todos eles essa noite porque queria a casa menos
barulhenta possível para testar mais uma nova receita e consegui. Agora eu te
devolvo a pergunta, são dez horas da noite, você não deveria estar se
divertindo com os outros ao invés de estar trancado em seu quarto fazendo
sabe se lá Deus o quê?
Seu olhar em cima de mim me deixa um pouquinho acuado, porque
Harris é inteligente, ele sabe realmente o motivo de eu ter ficado dessa vez.
Os garotos foram se divertir, e diferente da república, eles foram atrás
de mulher, cada um vai terminar a noite em um lugar diferente, e eu não
tenho como seguir esse mesmo fluxo. Posso estar evoluindo e melhorando,
mas ainda não nesse nível. Não quero me envolver com mulheres tão cedo.
— Você me pegou, garoto. Realmente não estou na melhor posição
para julgar. — Arrasto meus pés até Justin quando o vejo finalizar o que
faltava, pronto para experimentar sua mais nova receita. Me coloco ao seu
lado e viro sobre os ombros, assistindo-o dar uma grande mordida na massa
recheada. — E aí, o que achou?
Ele me entrega um para que eu prove, e eu agradeço, colocando o
cupcake perto do meu rosto. Minha barriga ronca. Parece mesmo estar bom.
— Se estiver ruim, você sabe, vou falar.
Sua risada reverbera pela cozinha quando me escuta.
— Prove.
— É sério, se estiver parecido com o gosto do shake de mais cedo,
Justin, vou te matar.
— Só prove logo!
Engulo a gargalhada que borbulha meu peito e como um pedaço. Passo
alguns segundos com os olhos fechados e comendo bem lentamente, só para
que fique mais ansioso, e o doce se derrama em minha língua da melhor
forma possível.
O garoto de avental me empurra com o ombro e implora pelo meu
veredito.
Abro os olhos, encaro suas írises e repuxo meus lábios para cima.
— Bom. Bom pra caralho!
— Ah, eu sabia que você ia gostar, capitão.
Não teria como a resposta ser diferente.
— Que tal a gente comer isso enquanto eles comem outras coisas? —
Minhas sobrancelhas dançam sugestivamente. — Vamos lá, vamos ter uma
noite de nerds, Harris.
Empolgado, Justin tira o avental por cima da cabeça, o joga em cima da
ilha e recolhe a maior quantidade de bolinhos possível, se sentindo desafiado.
Não perco tempo e faço a mesma coisa, correndo para o sofá logo depois,
com ele em meu encalço.
Jogamos nossa bunda no assento ao mesmo tempo, rindo.
— É bom vê-lo assim — soa sincero assim que nossas risadas cessam,
e vejo quando o brilho de preocupação desaparece dos seus olhos. — Nunca
mais nos assuste de novo. Você é nosso alicerce, nosso capitão, a base do
time e dessa casa. Você é maior do que qualquer coisa. Se seu coração se
partiu, ele terá força suficiente para se colar sozinho novamente, só é
necessário aguardar.
Engulo o nó de emoção que aperta a minha garganta, o abraço de lado e
depois me afasto.
— Estarmos sozinhos a essa hora já é complicado, se pegarem nós dois
afogando as mágoas com minibolos enfeitados com estrelinhas, aí que
estamos fodidos mesmo. Vamos acabar logo com isso de uma vez.
Sem mais uma palavra, Justin e eu enfiamos os cupcakes na boca, um
seguido do outro, como duas crianças malinas aprontando e com medo de
serem pegos.
Não consigo não conter a risada, agora pensando em Bryan, quando
também fazíamos essas coisas escondido.
Mal vejo a hora de tê-lo aqui, ele vai adorar conhecer Justin. Vai
adorar conhecer todos eles.
Já está decidido, hoje eu vou dar um jeito na minha vida e arrumar
todas as confusões causadas.
Não todas, todas, mas pelo menos boa parte delas.
Tipo a confusão causada com o Waylen na cafeteria e toda a confusão
com Kellan, porque já está mais do que na hora de resolvermos nossos
problemas como dois adultos que se amam. Depois do toque de Sebastian,
não consegui ficar pensando em outra coisa a não ser tomar a iniciativa e
finalmente dar o primeiro passo para uma reconciliação. Não posso mais
me conter, me esconder e aguardar uma oportunidade divina, eu tenho que
fazer acontecer, justamente por ter sido eu a causadora de todo o mal entre
nós, não o contrário.
E com o Waylen, minha nossa, estou morrendo de vergonha pelo que
aconteceu. Estou com vergonha por Sebastian ter, de certa forma, o
insultado, por ele ter presenciado um pouco da nossa discussão e com ainda
mais vergonha por ter dado as costas e sumido do Starbucks, sem nem lhe
dar uma satisfação de que já estava indo embora, parecendo uma tremenda
idiota ingrata com alguém que só fez me ajudar desde o primeiro momento
em que me viu. Se eu pudesse, me enfiaria em um buraco e nunca mais
sairia, pois estou me sentindo muito ridícula por não ter pensado em mais
nada desde que decidi cair nas provocações do rei das raposas aqui de
Maevis. Fui embora como se não tivesse deixado ninguém para trás e só
depois que cheguei no dormitório, foi que me dei conta de que algo estava
errado. O pior também foi não ter como encontrá-lo ou como entrar em
contato, já que eu não tenho o seu número e estava sem rede social, no
momento, para tentar procurá-lo. Eu só tinha o número do consultório da
doutora Ella, não o pessoal e mesmo que tivesse, acho que não conseguiria
ligar também por vergonha, não queria que, em tão pouco tempo, pensasse
mal de mim.
Sinceramente, o que eu falaria quando atendesse a ligação?
Olá, doutora Ella, tudo bem? Aqui é a Kayla, a sua nova paciente,
desculpe estar ligando a essa hora, mas seu filho está? Posso falar com
ele? É que eu o chamei para tomar um café, acabei brigando com um
garoto na frente dele e, do nada, o abandonei e fui embora.
Nem ferrando.
Minha única alternativa foi, mesmo sem ter consulta marcada, vir até
a clínica para ver se consigo encontrá-lo ou, quem sabe, encontrar alguém
que saiba do seu paradeiro para que eu possa ir pessoalmente até ele me
desculpar. Reuni minhas coisas após a última aula, peguei um Uber e vim
até aqui. A minha sorte é que o local não se encontra cheio e também sem
sinal da doutora Ella Pratt para me pegar no flagra aqui. Certeza que se ela
me ver, vai achar que preciso de ajuda e vai vir perguntar o que estou
fazendo aqui. De jeito nenhum que quero contar a verdade, então adentro o
ambiente de fininho, não querendo chamar atenção. Olho para um lado,
olho para o outro e não vejo sinal de Waylen na recepção.
Torço internamente para que o loiro não esteja no consultório da mãe
e começo a andar um pouco mais rápido, para ver se o encontro no mesmo
lugar que da outra vez, perto da máquina de café, que só ele parece saber
mexer.
Nada.
Waylen Pratt não está aqui também.
Solto um suspiro frustrado e chego à conclusão que não deve estar
por aqui hoje.
Giro nos calcanhares e meu corpo automaticamente se choca com o
de alguém, que, para eu não cair, precisa segurar meu braço para me
estabilizar em pé. Ergo o meu olhar e então o vejo, bem diante de mim, com
as bochechas coradas, o cabelo penteado para trás e os olhos espremidos em
confusão quando assimila a minha figura, alguns poucos centímetros mais
baixa, à sua frente.
— Kayla? — meu nome desliza por entre seus lábios como um
questionamento e Waylen segue me segurando, como se estivesse tentando
entender o que estou fazendo aqui. — Você teve mais uma consulta com a
minha mãe ou...?
Balanço a cabeça e sorrio de um jeito que demonstra o meu
nervosismo.
— Não, não. — Como a minha voz sai mais baixa do que o
planejado, tento novamente. — Não vim aqui por isso. Tive apenas uma
consulta com a sua mãe, que foi naquele dia, apenas. Vim aqui porque foi o
único lugar que achei que pudesse te encontrar mais fácil. Precisamos
conversar. — Acena de forma comedida e me conduz até o sofá, que tem
por essa área, e eu me sento com ele ao meu lado e de frente para mim, com
aquela expressão pedindo silenciosamente para que eu continue. — Céus,
Waylen, estou tão envergonhada. — Cubro o meu rosto com as duas mãos,
rindo sem graça e ele abaixa um dos meus braços, para que eu possa olhar
em seu rosto. — Primeiramente, me desculpe por ter ido embora daquela
forma, sem nem me despedir ou dizer que não iria voltar. Te fiz de bobo e
estou muito arrependida, em nenhum momento passou pela minha cabeça
que eu estava te deixando para trás. Fiquei no meio de um furacão, com um
turbilhão de emoções comandando as minhas ações e agi de forma
impulsiva. O Sebastian ele... Nós... — Reviro os olhos de embaraço. — É
complicado. Nós nos aproximamos há alguns meses, nos apaixonamos,
tivemos uma coisa muito forte e ela acabou por minha culpa, porque parti o
coração dele e não me desculpei ou fui atrás, embora eu tenha os meus
motivos. Desde então, nós estamos estremecidos e agindo de forma errada
um com o outro, o que resulta... bem, naquele caos que você presenciou. Eu
sinto muito mesmo e juro por tudo, que estava adorando o nosso café. Em
situações normais eu jamais teria saído dali, principalmente daquela forma.
Alguns segundos de silêncio e eu posso escutar as engrenagens
trabalhando em sua cabeça.
— Espera — diz depois de um certo tempo, a palma da sua mão
erguida quase em frente ao seu rosto. — Kayla. Sebastian. Capitão do time
de futebol com o coração partido — lista algo que não entendo, mas que
para ele parece fazer total sentido. O que diabos o Waylen está pensando?
— Por acaso é de vocês dois a história que estava rolando no campus, que
teve até carta aberta no jornal da Stacy Cameron e tudo?
— Houve alguém na universidade que não ficou sabendo disso? —
pergunto de forma retórica. Eu realmente gostaria de enfiar a minha cabeça
em um buraco agora. — Sim, somos nós. E eu não sou uma vaca.
— Nunca achei que você fosse. — Dá de ombros. — Quer dizer, eu
nunca cheguei a ler nenhuma das edições do jornal, particularmente não
gosto dessa síndrome de Gossip Girl da nossa querida redatora, acho que é
algo bem fútil e bem ensino médio esse lance de dar palpite na vida dos
outros através de escândalos, mas, eventualmente, acabei escutando sobre o
caso aqui e ali. Não pensei mal de você, Kayla, pode ficar tranquila. Toda
história tem dois lados, não é mesmo? Doutora Ella costuma me dizer que,
muitas das vezes, o ato de apontar diz muito mais sobre nós mesmos do que
sobre a pessoa. Até porque eu faço coisa errada, você faz coisa errada, todo
mundo faz coisa errada e essa é a vida, o que importa mesmo é o que
faremos depois disso. — Se aproxima, me trazendo um pouco mais de
tranquilidade. — Posso estar enganado, porém você me parece arrependida,
é algo que vejo no seu olhar. E você acabou parando aqui, no final das
contas, não foi? — Aponta o nosso entorno e sorri. — Isso significa que
você busca por mudança e melhora, caso realmente seja o caso. Essa é a
melhor lição que podemos tirar.
— Uau. — Assobio. — Como assim você não quer seguir o mesmo
caminho que sua mãe?
Escutar algo desse tipo, nesse momento, é algo realmente muito
importante para mim, me deixa emocionada até. Durante todo esse tempo,
fora Elsa, ninguém me disse algo sequer parecido com o que Waylen me
falou. Não estou querendo me fazer de vítima, já falei várias vezes o quanto
fui errada e o quanto assumo as minhas responsabilidades, só que as
pessoas não me enxergaram. Não quiseram me enxergar. Continuam me
deixando invisível até hoje. Todos me viraram as costas, me julgaram,
viram apenas um lado da história e tomaram aquela narrativa como
verdade. Eu fui massacrada, perseguida e humilhada por pessoas que nem
conheciam a mim e a Sebastian. E ninguém quis ver, depois de tudo,
mesmo que por curiosidade, como que eu escolhi seguir a minha vida.
Você pode acertar muitas vezes, as pessoas não estão interessadas,
entretanto se você errar apenas uma, todas elas aparecem na sua frente para
te julgarem. Ao meu ver, uma batalha de ego, para que possam se sentir
superiores. Contudo, no fim, quando retornam para casa, estão todos
acorrentados, devido às escolhas erradas.
— É porque eu gosto de fazer isso nas horas vagas, geralmente de
graça — Waylen brinca. — E para deixar claro, eu gosto de tirar as minhas
próprias conclusões das coisas.
— E o que isso significa?
— Significa que eu ainda acho que você possa vir a ser uma boa
amiga.
Entreabro os lábios e pestanejo uma, duas, três vezes.
— Mesmo depois de ter te dado um bolo?
— É, essa aí foi péssima, não tem como dizer que não, mas, se quer
saber, você deixou pago os cafés. Imagina só se eu tivesse que pagar o meu
e o seu depois de ter sido convidado? Eu ficaria muito mais irritado e ainda
acharia que você era uma golpista mão de vaca. — Uma risada irrompe da
minha garganta e quando percebo, nós dois estamos nos dobrando para a
frente. Ficamos tanto tempo nessa que, assim que voltamos à nossa posição
normal, com as gargalhadas cessando, precisamos limpar as lágrimas que
rolaram por nossas bochechas. — Ai, Kayla, você é uma figura. E se quer
saber de uma outra coisa também, eu acho que você fez certo em ir embora
daquele jeito, foi uma dramatização e tanto. — Ergo as sobrancelhas. É o
quê?! — É sério, eu estava como telespectador, foi fantástico. Deu mais
veracidade e emoção à cena. Só fiquei com raiva porque eu estava sentado
com um cafezinho, só que sem um balde de pipoca. Eu fiquei na minha
mente pensando: “vai, cara, levanta, vai atrás dela”, e meio que dei um
gritinho internamente quando isso aconteceu.
Cruzo os braços e, diante de sua confissão, rio de forma
desacreditada.
— Não acredito que você está fazendo piada com algo que eu fiquei
tão preocupada. Achei que nunca mais fosse falar comigo, Waylen.
— Bom, se quer ser mesmo a minha amiga, deixa eu te de dizer uma
coisa — sopra, prestes a sussurrar: — Eu sou a pessoa mais pacífica dessa
Terra e a vida para mim é uma grande brincadeira. Me diz, pra que levar as
coisas tão a sério?
— Ok, faz sentido. No entanto, eu ainda estou te devendo um café.
— Claro que está, querida. Posso ser pacífico, porém não sou burro.
Um sorriso muito sincero serpenteia meus lábios.
— Eu gostei mesmo de você, sabia?
— E há quem não goste? — soa convencido. — Brincadeiras à parte,
é recíproco, gatinha. — Waylen joga suas costas no estofado e eu faço o
mesmo, o imitando logo que decide entrelaçar as mãos sobre a barrigada.
Ele chama pelo meu nome e eu viro sobre os ombros para olhá-lo com uma
das minhas sobrancelhas arqueadas, curiosidade me atingindo em cheio. —
Acho que o capitão não te esqueceu e ainda é louco por você.
Meu coração dá uma cambalhota no meu peito.
— Por que diz isso?
— Porque ele te olhava como se você fosse o maior tesouro que ele
precisava resgatar. E me olhava como se eu tivesse sido o pirata que o
roubou. — Fricciono os lábios e Pratt me cutuca na barriga com seu
cotovelo. — Não ria, estou falando muito sério. Sebastian Skalbeck estava
se mordendo de ciúmes. Aposto que em pensamento ele estava
transformando meu corpo em picadinho.
Rio à medida que nego seu comentário.
— Não fale isso, Sebastian não é desses, ele é um amor.
— É um amor até mexerem com o amor dele.
Afundo ainda mais no assento, cruzo os braços e faço beicinho como
uma criança triste.
— Já fui, mas hoje em dia não sou mais nada na vida dele.
— Dê tempo ao tempo e as coisas vão se acertar. Há ainda muito
amor entre vocês e se há amor, há esperança. Ele não correria atrás de você
no meio da chuva se não tivesse.
O canto da minha boca se levanta quando me recordo desse momento
e do momento em que me acompanhou até os dormitórios. O cheiro da sua
jaqueta ficou impregnado em mim o resto do dia e eu aproveitei cada
segundo.
— Ele fez uma escolta até meu dormitório. Ficou atrás de mim, me
vigiando o caminho todo, só porque eu estava com a minha blusa branca
toda transparente.
Waylen me empurra de uma forma muito engraçada, como se
estivesse sem acreditar, e o seu queixo quase vai ao chão.
— E mesmo assim ele ainda jura que te odeia? — Concordo e o meu
mais novo amigo, bufa uma risada irônica. — Não acredite. Não acredite
nem um pouco. A maior raposa dessa cidade ainda é todinha sua, mulher.
Fecho os olhos por um segundo e peço a Deus que Waylen Pratt tenha
muita, muita razão no que diz.
— A minha melhor amiga fala o tempo todo que ninguém esquece
um amor assim tão rápido, mesmo aqueles que nos machucam. Ela também
pensa a mesma coisa que você e insiste em dizer que as coisas vão se
acertar.
— Sua amiga é inteligente, Kayla, deveria acreditar nela.
Eu juro que é o que eu mais quero.
Uma ideia estala em minha mente e eu me remexo no sofá, animada,
chamando a atenção do garoto ao meu lado, que tenta entender o motivo
repentino da minha euforia.
— Você precisa conhecê-la — solto rapidamente. — Minha melhor
amiga. Elsa. Elsa Castillo. Nós dividimos o dormitório e somos
inseparáveis. — Uma emoção forte toma conta de mim assim que penso
nela e automaticamente me sinto muito elétrica por poder falar mais sobre a
nossa amizade. Acabo de me tornar tão falante e tão empolgada quanto a
minha Frozen, uma amostra bastante clara do que aquela latina é capaz de
fazer comigo. — Você não faz ideia, mas nós duas somos como carne e
unha, extremamente grudadas, de uma forma que até me sufoca às vezes,
embora eu não tenha nem um pingo de vontade de me desgrudar dela. Nós
também somos completamente diferentes uma da outra, o que é engraçado
de se observar. Ela é o sol e eu sou a lua. Ela brilha, é cheia de cor e adora
as pessoas, enquanto eu sou muito mais na minha. Ela também tem uma voz
linda, ama cantar, dançar e veio diretamente de Buenos Aires, Argentina,
para poder dar um pouco mais de doçura e encanto aos Estados Unidos.
Enfim, ela é maravilhosa e você certamente vai adorá-la. Simplesmente não
tem como não gostar da Frozen.
— Frozen? — Ele une as sobrancelhas ao proferir o apelido. — Por
que Frozen?
— Dã, porque o nome dela é Elsa.
— Ai, meu Deus, é verdade. — Waylen bate a mão contra a testa e ri
baixinho. — Elsa como a princesa de Frozen. Tudo faz sentido agora.
— Sim, porém é meramente ilustrativo, ela não tem nada de fria.
— Porque ela é o sol — responde com o que eu disse há alguns
minutos, me fazendo sorrir. — Definitivamente vou adorar conhecê-la.
Vamos sair juntos qualquer dia.
— Combinado. Mas primeiro preciso do número do seu celular.
— É pra já.
Então Waylen me passa seu número, eu passo o meu e depois nós
conversamos mais um pouco, até que que eu preciso ir embora.

Eu não o vi mais depois do nosso encontro há alguns dias, entretanto


fiz questão de contar tudo para Elsa e a minha amiga já o adorou sem nem
mesmo conhecê-lo, apenas ouvindo a história de como nos encontramos e
claro, a história da chuva e do que aconteceu logo em seguida. Foi bastante
divertido ouvi-la gargalhar assim que mencionei nossa conversa na clínica e
só aumentou ainda mais a certeza, que há dentro de mim, de que eles serão
bons amigos.
Não sei como posso ter tanta certeza disso, só sei que é algo que eu
sinto. Apenas uma espécie de conexão que não tem explicação. Fim.
Contudo, não é com isso que preciso me preocupar agora.
Eu disse que iria atrás de Kellan e realmente tentei, no entanto, nossas
rotinas não estavam batendo. Eu precisava dar início ao meu trabalho de
Produção Textual no meio da semana e ele precisava terminar os seus e
treinar, também. Ainda assim, por outro lado, respondeu cada uma das
minhas mensagens e disse que estaria livre hoje à noite para conversarmos.
Por mais que eu esteja muito nervosa por conta dessa conversa, que com
certeza será muito dolorosa e muito decisiva, já que pretendo também
revelar todas as coisas que passei com a nossa madrasta, o nervosismo só
triplica de tamanho quando desço do carro e me deparo com a casa que ele
divide com Sebastian e seus outros companheiros do time.
Sim, não é uma miragem, a casa está mesmo à minha frente e isso
porque, o meu irmão me convidou para vir visitá-lo e eu vim, com a cara e
com a coragem. Eu simplesmente não poderia recusar só por conta de todos
os outros que não suportarão a minha presença. A casa também é dele, de
qualquer forma, e eu tenho total direito de aparecer na hora que eu quiser,
se for para vê-lo. Não há ninguém aqui que possa me expulsar ou tratar mal,
pois eu não vou permitir e sei que, independentemente de qualquer coisa,
Kellan Benson também não.
E eu ainda acredito que ele comunicou a todos.
Não é como se eu fosse ficar na companhia das raposas, entretanto.
Meu objetivo é tocar a campainha, chamar por ele, subir até seu quarto,
conversar e depois ir embora da mesma maneira que cheguei. Nada além
disso. Quero ser discreta, educada, rápida e natural. Ninguém vai me
amedrontar agora.
A casa é deles, mas o irmão é meu e eu enfrento a ira de quem for se
isso significa recuperá-lo.
É com esse pensamento que eu aprumo os ombros, empino o queixo e
caminho com confiança até a porta da frente. Olho para a minha regata
verde musgo, a minha calça cintura baixa de lavagem clara e depois me
concentro nos meus tênis, que também possuem detalhes verdes. Eles ficam
gangorreando de um lado para o outro porque me sinto inquieta e estou
buscando forças para anunciar minha presença. Quero fazer tudo da melhor
forma possível esta noite para não machucar ninguém e também para não
causar mais uma cena e mais uma discórdia entre os amigos, no entanto, é
extremamente difícil estar nessa posição.
— Você consegue, Kayla — murmuro para mim mesma, a fim de me
dar a coragem e a força necessárias. — Vai, é só bater na porta ou tocar a
campainha. Se você tiver sorte, o próprio Kellan vem atender, para te livrar
de qualquer constrangimento.
Cruzo os dois dedos em minhas costas, sugo o ar para dentro dos
meus pulmões, fico na ponta do pé, olho dentro do olho mágico e não
consigo ver nada, o que me deixa ainda mais apreensiva, por não saber o
que me aguarda lá dentro.
Dou alguns passos para trás e, sem pensar muito, bato na porta.
É agora ou nunca.
Será que se eu fugir agora, o Kellan vai me odiar ainda mais? Sim,
provavelmente sim, então permaneço no mesmo lugar, limpando as minhas
mãos suadas na minha própria calça.
Um. Dois. Três. Quatro. Cinco.
Fico contando em minha cabeça até que alguém decida abrir a porta
para acabar — ou talvez aumentar ainda mais — o meu sofrimento.
No número quinze, escuto barulhos de passos se aproximando e
fazendo o meu estômago dar várias e várias voltas.
No número vinte, um clique soa.
No número vinte e dois, a porta é escancarada.
Pisco, abro e fecho a boca, pisco novamente e brinco de descer e subir
as minhas írises pela última figura que eu gostaria que estivesse em minha
frente. Azarada do cacete.
— Boa noite. Antes que me insulte, eu não vim ver você, vim ver o
meu irmão. — Estou prestes a dar um passo para dentro, pronta para passar
por Sebastian, quando, de repente, paro e me assusto ao olhá-lo mais uma
vez, agora com mais atenção e menos pressa. — Você...
— Olá, Kayla. — Seu sorriso cresce copiosamente ao me analisar de
cima à baixo. — Não acredito que você está aqui. Não acredito que estou
finalmente te conhecendo pessoalmente.
Nem eu, porque esse em minha frente não é Sebastian, é Bryan, seu
irmão gêmeo.
Está mesmo provado, eu sou a pessoa mais azarada desse mundo.
É a primeira vez que apareço nessa casa depois de tanto tempo e a
primeira pessoa que encontro é Bryan Skalbeck, que nem nessa cidade
mora. Qual a probabilidade?
Passo tanto tempo em silêncio, ainda gangorreando com os pés ao
tentar assimilar os fatos, que se torna extremamente constrangedor o ar
entre nós, pois não lhe dou nenhuma resposta e não esboço qualquer tipo de
reação. Uma verdadeira torta de climão se instala e eu não sei para onde ir.
Tudo piora quando ouço a voz de Sebastian perguntando o que está
acontecendo para o seu irmão gêmeo, logo em seguida vindo verificar e se
postando ao lado dele na porta aberta. O sorriso que estava em seu rosto
morre logo que se depara comigo e olhos estreitos se fincam em minha
direção, uma pergunta bem clara perpassa por suas írises assim que me
esquadrinha com indignação e ferocidade: está aqui para arrumar mais
confusão, não está?
Ao contrário do que estou sentindo vontade de fazer, não vou revirar
os olhos e vou me manter de forma muito civilizada e educada, por mais
que ele já esteja querendo me enxotar daqui como um ignorante sem nem
ao menos saber o que eu vim fazer. E, sinceramente, tem algo de diferente
no seu comportamento e na maneira como olha de mim para Bryan e de
Bryan para mim, como se estivesse apreensivo, nervoso e até com medo.
Não é como se Sebastian estivesse me punindo por ter vindo na sua casa, é
como se ele estivesse me punindo por vir justamente hoje, na ocasião em
que o seu irmão está aqui, e provavelmente pela primeira vez, desde que os
dois decidiram seguir caminhos separados.
Das duas uma, ou está pensando que vou estragar esse momento, ou
está pensando que o seu irmão vai querer me colocar contra a parede.
Independentemente do que seja, não estou com tempo para nenhuma
dessas coisas.
“E minha nossa, eles são mesmo muito parecidos”, meu
subconsciente grita de maneira aleatória à medida que alterno meu olhar
entre Sebastian e Bryan.
Um Sebastian já é difícil, mas dois? É simplesmente muito para
suportar.
O mesmo corte de cabelo. A mesma altura. O mesmo porte físico. A
mesma confiança. O mesmo estilo. Eles são mesmo muito parecidos e, para
quem está de fora, considerados até mesmo idênticos. No entanto, há sim,
diferenças. Eu consigo listar só olhando para os dois. Sebastian tem olhos
mais claros, já Bryan mais escuros, apenas um pouco e quase imperceptível,
só que há também outro fator muito importante nessa questão, o olhar. São
claramente distintos. Um é como o de uma criança malina tentando
desvendar o mundo, e o outro é como o de uma criança que cresceu e sabe
que pode destruir o mundo se quiser. Além disso, o rosto de Sebastian é
esteticamente perfeito, nada parece fora do lugar, e algo me diz que o nariz
de Bryan já fora quebrado alguma vez em sua adolescência, embora isso
não o prejudique em nada. Sem contar que Bryan também possui um outro
sorriso, um que é mais desleixado e que parece não querer furar a sua
bochecha, que é o acontece com o do seu irmão, visto que o dele é bem
difícil de se encontrar. É raro, uma mistura entre sensual e fofo, que faz o
meu coração acelerar e tem o maior dos poderes: me deixar enfeitiçada e
completamente apaixonada.
Podem ser parecidos, porém eles são únicos e Sebastian sempre será...
Sebastian.
Tusso para disfarçar o meu extenso delay e decido que chegou a hora
de responder.
— Oi, Bryan. Que bom vê-lo em Maevis — falo sem muita emoção e
estico o pescoço para deixar claro que não vim aqui por eles. — O Kellan
está?
— Ele acabou de subir para o quarto — Sebastian informa
rapidamente assim que aponta com o polegar em direção às suas costas,
parecendo querer se livrar dessa situação logo. Olhando assim, nem parece
que estava enfiando a perna entre as minhas coxas na porra de um beco
escuro há alguns dias. Eu definitivamente não o entendo e estou farta de
quebrar a minha cabeça tentando entender. — Agora me lembrei, ele disse
que você viria conversar. Só... enfim, pensei que você não fosse mesmo
aparecer e acabei me esquecendo.
Ergo uma sobrancelha de forma irônica ao passo que cruzo os braços
em frente ao peito.
— Achou que eu não fosse vir, huh? Porque eu sou uma grande
covarde.
— Eu disse isso?
— Não, só está bem explícito em sua testa o que você acha.
— Opa, opa, opa — Bryan intervém quando a atmosfera se torna bem
pior e bem mais constrangedora. — Achei que o término entre vocês tivesse
sido amigável. O que foi que eu perdi estando fora?
Sebastian chia baixinho, fecha os olhos e aperta o dorso do nariz,
enquanto a minha cabeça entra em um pequeno curto-circuito diante da
confusão do gêmeo.
É isso mesmo que eu estou pensando?
Rá! Não posso acreditar. Não posso acreditar que ele fez mesmo isso;
contou uma outra versão sobre nós para Bryan. Um término amigável. Mas
por quê?
Achei que na primeira oportunidade que tivesse, me difamaria para
todo mundo, dizendo como sou a pior pessoa que ele já conheceu.
Mais uma vez, não o entendo e faço questão de lhe mostrar isso
através dos meus olhos ao tombar a cabeça um pouco para o lado, para vê-
lo por outro ângulo. Sebastian faz que não com a cabeça para mim e logo
entendo seu recado implícito, me pedindo para não contar nada. Pelo menos
não agora.
Drama, drama e drama. Foi nisso que a minha vida se transformou.
Bem, acabo de perceber que durante o tempo em que eu estarei tendo
uma conversa sincera com o meu irmão, Sebastian estará tendo uma com o
dele.
— Muitas coisas aconteceram — me limito a responder, direcionando
minha atenção a Bryan, que se encosta no batente, confuso e implorando
por explicação. Fico triste porque, de repente, cai a ficha de que ele não
estava me odiando antes, como pensei, só que vai começar a partir de hoje.
Sebastian irá contar cada detalhe do que aconteceu e, novamente, serei a
vilã para mais uma pessoa que eu gostava. Eu deveria tê-lo abraçado antes
então, porque agora não terei mais a oportunidade, nunca mais irá querer
trocar uma palavra comigo em respeito à dor do seu irmão, que tomará para
si daqui a alguns minutos. Devo dizer que a sua raiva será muito maior e
muito mais forte que a de todos eles, afinal, só está sabendo agora, só irá
sentir o baque agora e, querendo ou não, os meninos já tiveram tempo para
assimilar e entender cada coisa, mesmo que da versão e do jeito deles,
Bryan não, receberá a bomba sem nem ao menos ter se preparado para ela.
Realmente escolhi o pior dia para aparecer. Agora estou me sentindo ainda
mais culpada, ainda pior e ainda mais nervosa por ter que ficar no mesmo
ambiente com alguém que, talvez, vá querer me confrontar. Olho para o
capitão do Maevis Fox e, como ele fez, o imploro silenciosamente para que
controle os ânimos, por favor, porque não aguento mais tantas brigas e
ofensas, e ele sobe e desce o queixo para confirmar, de forma quase
imperceptível, me mostrando que, de certa forma, também não aguenta
mais. Vejo em seu rosto o quanto ele não queria ter que estar passando por
isso de novo, principalmente por ter que reviver o momento quando for
dizer a verdade ao seu irmão. Solto um suspiro mesclado de cansaço e
culpa, com mãos invisíveis apertando a minha garganta, dou um passo para
a frente, peço por licença e abaixo a cabeça tão logo os dois me dão
passagem e solto, tanto para um quanto para o outro. — Me desculpe.
Acelero meus passos para não ter que ver ou escutar nada e começo a
correr quando passo pela sala, fazendo Lionel, Justin e Maddox me
observarem de forma assustada e com estranheza. Não paro para me
importar com isso, entretanto. Subo as escadas com ainda mais rapidez, sem
nem ao menos ameaçar virar para trás, e seguro no corrimão no momento
em que já estou aqui em cima, longe da vista de todos eles. Coloco a mão
livre sobre o meu peito, sentindo o meu coração vibrar contra a minha
palma, inclino um pouco as minhas costas e busco por ar com precisão,
cheia de emoções sumindo com meu fôlego.
“Você veio por Kellan, Kayla e é nele que você precisa focar”, a voz
em minha mente faz questão de me lembrar o porquê de eu estar aqui.
Inspiro, expiro e ergo meu corpo. Não vou desistir. Preciso me
concentrar. A minha vida agora é como a de um bebê, um passo de cada
vez, uma experiência e depois a outra, nada de pressa ou exagero. A hora de
acertar as coisas, agora é com o meu irmão. Em outra oportunidade será
com Sebastian e assim por diante, porque é isso que vai acontecer, preciso
manter a minha confiança.
Foi isso que a doutora Ella me falou na nossa consulta. Confiança é a
base de tudo. Se você já for para uma batalha com a intenção de que vai dar
errado, certamente terá grandes chances de sair derrotado e não é isso que
queremos aqui. Eu quero mesmo vencer e vou lutar até o meu último
minuto.
Levanto o queixo, olho para a frente e caminho pelo corredor, dando
de cara com a porta do quarto de Kellan aberta. A luz está ligada e ele está
meio deitado, meio sentado na cama, digitando em seu celular. Me
aproximo de fininho e demora um pouco para que preste atenção em mim,
então resolvo prestar atenção nele e meu coração aperta tanto de saudade
que, quando percebo, lágrimas desavisadas pingam em minha boca, me
fazendo entender que estou chorando. Essa conversa não vai ser fácil, até
porque estou decidida a contar todas as coisas que fiz questão de esconder
por todos esses anos e serão tantas feridas abertas, que sinto todo o meu
corpo queimar e arder em desespero. Sei que vai ser necessário, no entanto.
Só assim poderemos seguir em frente, sem mais coisas escondidas, sem
mais mentiras, sem mais arrependimentos, sem mais uma barreira invisível
nos separando. Vou pôr tudo para fora, fazer com que ele entenda cada
maldita ação, também vou dizer as suas atitudes que não gostei e irei pedir
perdão de coração, mostrando-lhe quanto estou disposta a melhorar. Eu o
amo mais que a mim mesma e quero que, no fim, sinta orgulho de mim e de
quem estou me tornando, porque quero ser a melhor irmã do mundo para
ele, da mesma forma que sempre foi para mim.
Kellan sempre foi o meu irmão, o meu melhor amigo, a minha figura
paterna, a minha família e a extensão mais linda minha, aquela que eu sabia
ser cheia de bondade, luz e amor, e saber que eu o machuquei com as
minhas ações impensadas é extremamente doloroso e difícil. Tê-lo perto e
ao mesmo tempo tão longe, foi o meu pior pesadelo e eu espero que hoje,
eu possa reverter essa situação, pois me sinto mais pronta do que nunca. Eu
só espero que ele também se sinta assim.
Dou dois toques na madeira para anunciar minha presença e seus
olhos castanhos esverdeados se erguem para mim. Está com um boné
vermelho para trás, os mesmos brincos nas orelhas, uma camiseta larga
básica, cuja as mangas escondem metade das suas tatuagens, e calça
moletom cinza.
— Posso entrar? — peço e ele confirma, largando seu celular para lá
e ficando agora na borda da cama. — Vou fechar a porta para mais
privacidade.
Sem esperar que Kellan dê autorização, eu faço o que acabei de dizer.
Me viro para o meu irmão, me aproximo — mas ainda fico em pé —,
estalo os lábios, sem saber como começar, e fito meus tênis por alguns
segundos, para conseguir reunir coragem e também, para fazer com que a
minha voz não embargue assim que eu começar a ser sincera.
— Isso é tão difícil, Kellan. Porra, tão difícil. — Rio sem humor e
decido olhar em seu rosto, nervosismo fazendo as minhas mãos tremerem.
Por isso que as coloco no bolso da calça e respiro fundo de forma audível.
— Eu não ensaiei isso aqui, talvez eu chore, talvez eu me embole, talvez eu
não seja clara, mas quero que saiba que vou te contar toda a verdade. De
tudo. Só que primeiro eu gostaria que você soubesse o quanto senti a sua
falta e o quanto foi difícil para mim te dar espaço e te ver agindo
normalmente com os outros, menos comigo, que sou sua irmã. Sei que
justamente por eu ser sua irmã, é que tudo se tornou ainda mais doloroso e
complicado, até porque somos família e de família não se espera nada além
de confiança e amor, coisas que você não recebeu de mim nesses últimos
meses. De estranhos ou de meros conhecidos a gente espera qualquer coisa,
mas você não esperava que eu mentisse, que eu te enganasse, que eu
estivesse agindo por suas costas e, acima de tudo, que eu estivesse agindo
de uma forma muito feia com uma outra pessoa, coisa que você jamais
admitiria ou apoiaria. Eu sei de todas essas coisas e sinto muito, sinto muito
mesmo. — Mais lágrimas sobem aos meus olhos e eu já começo a ver tudo
embaçado. — Eu fiquei extremamente arrependida e te dei espaço, te dei
espaço porque queria que você respirasse, que você colocasse a cabeça em
ordem e que você entendesse seus sentimentos para que eu pudesse me
explicar, só que aí um tempão se passou e nada aconteceu entre a gente.
Você se afastou, se isolou e eu fiquei com medo, sem saber se era a hora
certa, se não era, se eu deveria te deixar pensar mais um pouco ou se você
já tinha pensado o suficiente e só não queria mesmo ter essa conversa que
estamos tendo agora. Aí eu tive que ficar de longe, comendo o pão que o
diabo amassou, sendo humilhada e com medo de ser perseguida, enquanto
eu te via bem e sorridente ao lado do Sebastian, que também te machucou.
Muitas vezes eu fiquei me perguntando, Kellan, por quê? Por que perdoar a
ele e não a mim? Pior, por que escutar a ele e me ignorar? Por que entender
o sofrimento do seu amigo e não o da sua irmã, que foi punida, crucificada,
exposta para a universidade inteira e mais um monte de merda pelas quais
tive que passar? — Quando ele abre a boca para falar, eu o impeço,
continuando, já que apenas parei para dar uma respirada. — Não me
entenda mal, eu não estou aqui querendo me isentar dos meus erros, me
vitimizar ou até mesmo transferir a culpa para você, eu sei que sou errada,
eu sei que fiz uma porrada de confusão e também sei que você estava
sofrendo e muito magoado, mas não posso deixar de começar sem
mencionar isso, para que você, Kellan, veja o quanto, mesmo sem a gente
querer ou mesmo sem ser a nossa intenção, podemos machucar alguém com
as nossas escolhas. Você me deixou um pouco magoada e eu acho que esse
meu sentimento é válido, porque você é meu irmão, e eu esperava um
pouco de atenção da sua parte nesse quesito. Mesmo se você quisesse ficar
afastado, eu acho que você poderia ter me perguntado como eu estava
lidando com as pessoas me apontando o dedo, se estava tudo bem para eu
sair na rua, se alguém havia me importunado ou se eu estava precisando de
alguma coisa, alguma ajuda. Ou até mesmo qual foi o real motivo da
bendita aposta. Pelo seu jeito, muitas vezes eu me perguntei se era isso que
você achava que eu deveria receber, dor e rejeição, para que eu pagasse por
todo o sofrimento que causei. No entanto, novamente, antes que pense que
estou querendo te transferir alguma culpa, não estou, porque sei que eu
também deveria ter pensado que você era o meu irmão antes de continuar te
enganando enquanto saía com seu amigo, eu também deveria ter sido mais
cuidadosa, mais empática, mais verdadeira e deveria priorizar nossa relação
dentre qualquer outra. Não foi o que eu fiz e eu me arrependo amargamente
disso, e é por isso que eu, errada do jeito que fui, não posso vir aqui te
apontar o dedo e reclamar das suas escolhas, sendo que também escolhi as
piores para seguir. Essa minha fala é um jeito de também te mostrar que,
pelo menos um pouco, não há como dizer quem é o certo e quem é o errado
nessa história. Ao meu ver, todos nós cometemos erros, cometemos deslizes
e acabamos ferindo um ao outro sem perceber, acreditando que estávamos
lidando da melhor forma com as adversidades. Só que essa é a vida, Kellan,
nem sempre sabemos viver da maneira correta.
Em um rompante, meu irmão se levanta, suas írises transbordando
dor.
— Kayla, eu... — Hesita, seu pomo-de-adão descendo e subindo. —
Eu não tinha a intenção de te machucar, de te diminuir ou, de alguma forma,
de querer fazer você pagar, recebendo ainda mais sofrimento. Eu te amo, eu
sempre vou te amar e eu sofri pra um caralho todo esse tempo, enquanto eu
ficava aqui, me perguntando sobre o que diabos passava na sua cabeça para
fazer o que fez. Eu fiquei me perguntando em que momento foi que eu
errei, em que momento foi que você se tornou tão diferente e eu não
percebi. Fiquei me culpando, me sentindo responsável e acho que por isso
dei uma chance de viver tranquilamente com o Sebastian, porque eu me
sentia parte do que aconteceu, o garoto estava um caco, eu tive que ver
tudo, sabendo que a culpada era a minha própria irmã. Foi também muito
difícil para mim perceber que fui enganado e feito de palhaço por você, a
pessoa que eu mais confiava no mundo, como se nossa irmandade nunca
sequer tivesse existido ou valido de algo. — Mordo o interior da minha
bochecha e o vejo balançar a cabeça, desnorteado. — Eu fiquei me
perguntando quando foi que eu me tornei um monstro, para você preferir
mentir a me contar a verdade, como se estivesse com medo. Me diz, Kayla,
quando foi que eu briguei com você? Quando foi que eu levantei a voz ou
fiz qualquer coisa que pudesse te despertar esse lado? Nunca! Eu sempre fui
o seu confidente, o seu ouvinte, o seu melhor amigo, o seu ponto de paz,
como você mesma sempre me chamou, e sempre te apoiei, sempre te
desejei as melhores coisas do mundo e sempre lutei para te fazer feliz. Você
acha mesmo, você acha mesmo, que se tivesse me procurado, falado que
estava se apaixonando por um amigo meu e que queria ficar com ele, eu iria
te proibir? Eu iria te separar dele ou iria, sei lá, brigar? Isso nunca foi do
meu feitio. Minha maior vontade, quando soube que mudaríamos de cidade,
era que você vivesse uma vida da qual nosso pai e a nossa madrasta a
privaram. Eu queria que se divertisse, que aproveitasse a universidade, que
fizesse amigos, que beijasse, que se permitisse se apaixonar. Meu maior
sonho sempre foi isso e você sabe bem disso, já que sempre a aconselhei e
sempre a incentivei a ser feliz. Por isso que não entrava na minha cabeça o
seu comportamento, por isso que fiquei afastado, por isso que fiquei tão
mal. Por causa de tudo, Kayla. De tudo. Fora o fato de que, não sei se
lembra, foi você a pedir pelo bro code. Pedir não, implorar. Fiz e exigi que
os meninos seguissem por sua causa e também por ciúme de irmão, admito.
Mas mais nada além disso. — Respira fundo e seus olhos parecem tão
cheios de lágrimas quanto os meus. — A não ser que você não o amasse,
correto? Só isso explicaria o seu silêncio e a sua falta de diálogo comigo.
Você queria apenas brincar e não queria tornar o assunto sério, então optou
por fazer as coisas escondida, porque sabia que, mais cedo ou mais tarde,
terminaria tudo com ele e ganharia a sua aposta, sem precisar fazer uma
cena e até mesmo me preocupar. Eu nunca saberia e assim seguiríamos a
nossa vida normalmente. Mas sério, Kayla? Sério? Desde quando você se
tornou uma quebradora de corações? E antes que pense, eu não estou
brigando, eu só estou tentando entender.
Olho para o teto, pedindo força a Deus e limpo as minhas lágrimas,
porque o momento mais difícil da noite chegou. Temi isso por muitos e
muitos anos, porém estava tão cristalino quanto água, eu precisava ser
extremamente sincera.
— Eu acho melhor você se sentar — aconselho. — Há um motivo por
trás de tudo isso. Não é uma justificativa, mas é uma explicação. — Aponto
para o colchão, peço novamente para que se sente e, sem alternativa, Kellan
o faz, ficando na ponta e com a cabeça erguida para poder me olhar. — Eu
conheci Sebastian em uma manhã, quando eu resolvi ver o estádio vazio.
Ele estava correndo, seguindo a sua rotina e então me viu. O capitão não
fazia ideia que eu era a sua irmã, se interessou por mim logo de cara e eu o
rejeitei desde o início, porque, no fundo, bem no fundo, eu sabia que ele
poderia ser a minha ruína se eu aceitasse passar apenas um pouco de tempo
ao seu lado. Fui dura, convicta e exigi que me deixasse em paz, até mesmo
durante aquele nosso primeiro jantar. Sebastian não quis, pois dizia que eu
iria ser dele de qualquer forma. Quando eu percebi, Kellan, eu estava
realmente querendo ser. Fiquei apavorada e totalmente nervosa com o
sentimento, eu nunca havia sentido nada parecido por garoto nenhum e isso
estava me assustando. Passei a minha vida toda não acreditando no amor e
não era logo agora, quando consegui fugir dos meus demônios, que iria
acreditar nele, em contos de fadas e em finais felizes. Coloquei na minha
cabeça que era tudo atração, que não passava disso e que se eu precisasse
me aproximar do Sebastian, teria que ter um motivo por trás. A aposta e o
lance da virgindade foram só um pretexto para que eu fizesse tudo sem me
sentir culpada. Me aproximei, deixei que ele se aproximasse e não demorou
muito para que eu estivesse completamente encantada por aquele cara. Sua
bondade me enlaçou, seu jeito me fisgou e eu fiquei apaixonada sem nem
mesmo saber o que era isso, principalmente porque desenvolvemos uma
amizade linda, que eu não queria nunca acabar ou me ver sem. Ele me
ajudou em várias coisas e mudou todos os meus conceitos, se apossando do
meu coração da mesma forma que sempre disse que iria fazer, me fazendo
realmente acreditar que eu era digna de um recomeço. Nós vivemos uma
história linda, mesmo em pouco tempo, e eu te digo do fundo do meu
coração, em nenhum momento, enquanto estava ao lado dele, pensei em
aposta ou qualquer coisa parecida. Só ele me importava. Tudo o que eu
enxergava era Sebastian e aí, no minuto em que percebi isso, deixei essa
merda para lá e foquei verdadeiramente em nós dois, jurando que jamais lhe
contaria sobre essa minha ideia maluca de aproximação. Só que então eu fiz
inimizade com Stacy Cameron, ela acabou descobrindo e armou para mim.
— Engulo a massa de concreto em minha garganta e merda, não tem mais
jeito, é agora. — Se você está se perguntando o motivo de eu ter ficado
calada e deixado todo mundo, incluindo Sebastian, achar que sou uma vadia
sem coração, vou te dizer agora. — Meu irmão assente, pedindo para que
eu continue, querendo mesmo saber. — Percebi que o meu erro custou
muitas coisas e decidi recomeçar de uma outra forma, priorizando a mim
mesma e a minha saúde mental, antes de correr atrás do meu melhor amigo
e do meu grande amor. É por isso que iniciei a terapia. Minha primeira
consulta com a minha psicóloga, a doutora Ella, aconteceu há uns dias e foi
maravilhosa, eu me senti muito bem e confiante. Também foi extremamente
dolorosa, como agora será, porque tive que reviver todos os meus traumas.
Todos os traumas que escondi... que escondi de você. — Merda, estou
chorando, chorando de soluçar e não posso mais aguentar. — Me perdoe
por isso, irmão, eu só estava querendo te proteger porque eu te amava, eu
sempre te amei, sempre te amei mais do que poderia amar a mim mesma.
Medo e desespero assombram o rosto de Kellan e ele, vendo com seus
próprios olhos o meu estado, me puxa para sentar ao seu lado na cama, seus
braços me protegendo e impedindo que todo o meu corpo trema.
— Não chore assim — suplica, sua voz embargada e cheia de
sofrimento. — Por favor, não chore, mana, você está me dilacerando.
Conto até dez e tento ficar calma, me apegando ao seu toque, seu
abraço, seu acolhimento, meu lugar de paz. Kellan sempre será meu lugar
de paz.
— Lembra quando eu contei ao papai que Cora me maltratava?
— Sim, Cora chorou, falou um monte e depois você voltou atrás.
— Porque fiquei com medo e desacreditada assim que vi que papai
não iria acreditar em mim. Mas era verdade, Kellan. Era tudo verdade. Tudo
que eu disse aquele dia era verdade. Cada maldita coisa. — Choro mais um
pouco, então enterro meu rosto no seu peito e fungo ao ouvi-lo rosnar de
raiva. — Desde quando eu era pequena, desde que aquela mulher entrou nas
nossas vidas, ela me odiou porque é a porra de uma narcisista fissurada na
nossa mãe e no nosso pai. Cora me achava igualzinha a ela e me maltratava
por isso, pois, segundo sua cabeça nojenta, eu tinha culpa das suas
inseguranças, que achavam que nosso pai ainda amava a nossa mãe morta.
Ela me espancava, me deixava de castigo com a barriga doendo de fome,
me torturava psicologicamente e fazia com que a minha vida nessa Terra
fosse um inferno. Nosso pai foi cúmplice, conivente e omisso, e é por isso
que ambos morreram para mim desde que saí da Pensilvânia. É por isso que
sempre fui tão fechada, triste, sem amigos, sem acreditar no amor, nas
coisas boas, nas pessoas, no Universo. Eu achei que estava destinada a
sofrer, que esse era o meu destino e vivi durante muitos longos assim, até
que você mudou a minha vida com aquela história de transferir sua
faculdade para um outro estado. Parecia a minha oportunidade de ouro para
fugir e digo com toda a convicção que foi. Aqui eu fui feliz, conheci a Elsa,
o Sebastian, os meninos e fui apresentada a emoções e momentos que nunca
soube que poderia viver. O meu “eu” do passado errou feio, perdeu tudo
que demorou anos para conquistar e agora eu estou correndo atrás do
prejuízo. Só peço que me perdoe e que entenda o meu lado, Kellan, por
favor, minha criação foi totalmente caótica e eu não tive uma base de
princípios e valores. Meus pensamentos mudaram, eu mudei, estou tentando
mudar ainda mais e estou super disposta a deixar os meus demônios para
trás e ser feliz. Cora não vai mais comandar a minha vida, muito menos
papai, a única pessoa que terá voz aqui dentro será eu mesma e a doutora
Ella me ajudará nisso. Estou disposta a fazer tudo diferente e espero que
também me dê força mais uma vez, já que sempre foi e sempre será o meu
maior incentivador. — Afasto a minha cabeça e conecto as nossas írises,
que conversam sozinhas por alguns segundos. — Me desculpe também por
não ter te contado sobre Sebastian. Não sei o que deu em mim para
esconder por tanto tempo, acho que fiquei com vergonha de admitir que
estava apaixonada. Porém, isso não existe mais. Eu amo Sebastian e vou
lutar por ele até o fim.
Kellan faz que não com a cabeça e me abraça novamente, entretanto
antes disso, eu flagro o momento em que lágrimas deslizam por seu rosto.
— Acho que agora eu quem devo pedir perdão — fala ao encostar
minha testa na sua. — Eu fui um imbecil, eu deveria ter contestado, deveria
ter te procurado, eu realmente deveria ter percebido que havia algo errado,
porque ninguém deveria te conhecer mais do que eu e eu sabia que essa
história não fazia sentido e não condizia com sua personalidade. Eu deveria
ter feito a mesma coisa quando contou para nós sobre Cora. Por que eu
nunca fui investigar? Por que eu fui tão tolo?
— Porque você era só uma criança, por Deus, não se culpe.
— Aquela desgraçada te ameaçou esse tempo todo para que você
nunca contasse nada, não foi?
— Só quando eu era pequena — respondo. — Ela dizia que ia fazer
muito pior com você, caso eu falasse qualquer coisa. Depois eu cresci, você
cresceu ainda mais e ela simplesmente parou com as agressões, apenas era
uma grande estúpida psicótica que gostava de me destratar e de fazer a
minha relação com o meu pai ser a pior das piores. Nunca contei nada
porque tinha medo de expor a minha vulnerabilidade e essa parte feia da
minha infância, que me desgraçou. Com o tempo eu apenas... me
conformei, acho.
— Eu juro por tudo que é mais sagrado, eu vou matá-la. Eu vou matar
aquela filha da puta! Pode ter demorado, mas eu vou fazer com que ela
pague por cada maldita vez que encostou em um fio do seu cabelo. Cora vai
pagar, ah, ela vai. — Kellan ri de uma forma muito sádica, de um jeito que
nunca vi antes e sei que está morrendo de raiva por dentro, tentando ao
máximo não pôr para fora a ira que consome seu peito e o faz enxergar
vermelho. Faço que não com a cabeça, deixando-o ainda mais nervoso. —
Vou. Claro que vou. Minha próxima missão é voltar para a Pensilvânia e
acabar com a vida daquele demônio. E vou enfrentar nosso pai, ele vai me
escutar, ele vai me escutar falando poucas e boas. Porque, porra, Kayla, eu
achei que a nossa família fosse desestruturada, mas nunca pensei que fosse
tanto. Nós não tivemos nada. Nós não tivemos absolutamente nada. Não é
justo que tanto ele quanto ela saiam impune. — A forma como ele me
encara agora, me faz estremecer. — Você quer denunciá-la? Se quiser, eu
paro toda a minha vida e vou lutar em busca de justiça junto com você.
Ah, isso, isso é algo que, por muito tempo, cogitei fazer. Me imaginei
muitas e muitas vezes indo até a delegacia, contando a minha história e
vendo a minha madrasta ser presa na nossa própria casa, papai todo
desnorteado sem saber o que estava acontecendo enquanto via sua amada
ser algemada e colocada dentro de uma viatura, logo depois dentro de uma
cela, um local muito apropriado para uma criminosa feito aquela bruxa.
Nunca tive coragem de seguir com o plano, no entanto. Me parecia muito
irreal que fossem acreditar em mim.
Atualmente, agora crescida, tenho absoluta certeza que seria
justamente isso que aconteceria, já posso ouvir de longe as risadas. Caso
um policial fosse me interrogar, ele olharia para a minha cara e diria, cheio
de provocações veladas: se isso acontecia com você desde pequena como
diz, então por que só agora resolveu falar?
Ai eu teria que provar, porque é isso que vítimas precisam fazer para
serem levadas a sério e para terem um pouquinho de credibilidade, e sei que
não teria como, mesmo que eu quisesse muito. Kellan seria o único a estar
ao meu lado, contudo, infelizmente, não poderia afirmar com todas as letras
que o que eu estava denunciando acontecia mesmo, porque nunca
presenciou sequer uma agressão, ele só estaria confiando em minha palavra
e os advogados de Cora com certeza pegariam esse fato ao seu favor. Fora
papai, que com certeza iria defender a sua esposa e me fazer passar por
louca, mimada e ciumenta. Seria muita dor de cabeça, muita dor, muita
decepção, muita revolta e, no fim, nada seria feito, até porque os moradores
da nossa cidade também adoram Cora e achavam, até pouco tempo, quando
eu ainda morava lá, que tínhamos uma casa perfeita e éramos uma família
feliz. Não haveria uma pessoa para me levar a sério.
Essa é a justiça. Ela é falha. Enquanto viram as costas para a vítima,
ao mesmo tempo estão abraçando e protegendo o criminoso, porque acham
que eles possuem uma cara, que eles possuem um tipo e um estilo próprio.
Mas não. Criminosos estão por toda parte. Disfarçados. E muitas vezes na
nossa própria casa. Na nossa própria família. No nosso próprio círculo de
amigos. Na nossa vizinhança. Eles estão por todos os lados, impunes.
Não que eu não ache que devemos denunciar, devemos, só que no
meu caso não há nada ao meu favor. Se eu fosse atrás mesmo disso, logo
que acabasse, Cora sairia livre e eu sairia com um processo por calúnia e
difamação nas costas.
Vê se eu posso lidar com algo dessa magnitude, nem dinheiro eu
tenho.
Assim que digo tudo isso para o meu irmão, ele rosna e xinga
baixinho, revoltado por saber que, mesmo sendo um absurdo, eu tenho
razão, seria perda de tempo.
— Isso é algo que eu superei — soo categórica. — Posso não ter a
justiça do homem ao meu favor, entretanto terei a divina. Se Deus existe
mesmo, como eu gosto de acreditar que sim, Ele tomará providências. E a
única coisa que eu quero é que você fique aqui comigo, para sempre. Não
pense que eu vim te contar isso porque quero reviver essa história ou fazer
alguma coisa sobre ela. Muito pelo contrário, na verdade, vim abrir meu
coração para você saber de tudo, pois estou mais perto do que pensa de
colocar um ponto final e também para acabar com qualquer segredo que
pudesse estar entre nós. — Deixo que veja a verdade transparecer em cada
palavra e, aos poucos, Kellan Benson se acalma. Sorrio um pouco por conta
disso e decido continuar. — Nosso maior ato de resistência será
abandonarmos o nosso passado e sermos felizes, pois sei que tanto ela,
quanto o nosso pai, também te traumatizaram. O que é deles está guardado.
Pode ter certeza, o mundo ainda vai vingar nós dois e tudo o que passamos.
Não pense muito sobre isso, eu não penso. Promete que não vai pensar?
Demora algum tempo até que concorde.
— Promete que vai estar aqui para mim?
— Sim, eu vou estar aqui para você. Para sempre.
— Promete mesmo?
— Prometo mesmo — sussurra. — E você jura que me perdoa?
— Juro, juradinho. — Levanto meu mindinho para que Kellan
enganche. — Como eu disse antes, não há certo e errado nessa história,
apenas humanos, que fazem escolhas e que aprendem com elas. É o que
está acontecendo com a gente.
— Você é muito inteligente, madura e forte, sabia? Eu não sei se
aguentaria passar a metade da metade do que passou. — Então aproxima o
seu mindinho e o aperta no meu, como duas crianças, me fazendo até rir em
meio às lágrimas. — Eu te amo demais. E nunca mais vamos brigar.
— Eu te amo demais. E nunca mais vamos brigar — repito. — Nunca
mais.
— Novamente eu e você até o fim?
— Novamente eu e você até o fim.
Kellan me abraça, me empurra com o seu peso e rola comigo na
cama, distribuindo beijos por meu rosto, que me fazem gargalhar.
— Estou orgulhoso que esteja fazendo terapia e que esteja querendo o
seu melhor — declara, do nada, quando estamos ambos fitando o teto, ainda
grudados. — E você ficou linda de trança.
— Obrigada, meu fã, mais alguma coisa para me dizer?
Sobe e desce o queixo em uma confirmação.
— Sempre que quiser me contar algo, me conte, nunca mais me
esconda nada. Difícil ou não, eu aguento. Aguento qualquer coisa por você.
— Eu sei que sim. — Belisco sua barriga. — E chega de mentiras.
Acabou. Isso nunca mais vai existir entre a gente.
— Acredito em você, pequena.
— Posso te pedir mais uma coisa?
— Qualquer coisa que quiser.
Sorrio e sei que não alcança meus olhos.
— Não conte nada disso ao Sebastian. Eu preciso de mais um pouco
de tempo até me sentir totalmente pronta para dizer a verdade e
reconquistá-lo.
Kellan pega minha trança em seus dedos e fica brincando.
— Você tem a minha palavra. — Repuxa seus lábios para cima. — E
puxa, estou mesmo orgulhoso.
Escutar isso é muito melhor do que eu poderia imaginar. Me enche de
amor, alegria, esperança e de sonhos. Tê-lo ao meu lado me deixa ainda
mais forte.
Foi extremamente difícil, contudo, eu consegui, estamos juntos e nada
do que ficou para trás importa mais. Novamente eu e ele até o fim.
— ELA O QUÊ?
Bryan grita quando eu acabo de contar a história trágica e vergonhosa
que acarretou o fim de Kayla e eu. Estive esse tempo todo enrolando, mas
bem, não teve como não lhe contar a verdade depois do papelão que tive
que passar em sua frente, lá na porta. Eu iria, enquanto ele estivesse em
Maevis, arrumar uma oportunidade para contar que dei uma suavizada nas
coisas que aconteceram — um jeito melhor para não ter que admitir que
menti esses meses todos —, só não esperava que tivesse que fazer isso tão...
rápido.
E põe rápido nisso.
Bryan chegou do seu jogo na capital não faz nem três horas, o que
significa que ainda nem saímos, nem curtimos, mal nos atualizamos das
novidades e já estamos envolvidos em algo sério, algo que eu estava
planejando deixar para muito, muito depois. Primeiro iríamos nos divertir,
matar nossa saudade, fazer uma chamada de vídeo longa com os nossos pais
e depois, na hora em que já não tivéssemos mais nada para fazer e o final de
semana estivesse prestes a ir embora, eu colocaria tudo para fora e faria
com que a história saísse o mais leve possível. O problema é que
simplesmente nem deu tempo de porcaria nenhuma. Kayla escolheu uma
péssima hora para decidir conversar com Kellan, eu acabei me esquecendo
que ela viria, Bryan resolveu, em uma casa que nem é sua e onde nem tem
muita intimidade, por ser a sua primeira vez nela, abrir a porta e presenciar
o clima estranho e totalmente hostil entre nós dois. Ficou claro que alguma
coisa muito séria tinha acontecido, indo totalmente contra a versão que dei
sobre término pacífico, apenas por não termos sido compatíveis e meu
irmão, que não é besta nem nada, exigiu que eu contasse, antes que ele
mesmo começasse a me torturar para obter as informações.
Se a situação já estava ruim, se intensificou assim que me fez falar da
merda da aposta aqui mesmo, na sala, com os meus amigos, para que todos
dessem uma opinião e merda, acrescentassem algo relevante quando eu
simplesmente me “esquecia”.
Estou gostando tanto desta saia justa que a minha maior vontade,
nesse momento, é enfiar uma faca na porra do meu pescoço.
— Acho que o gêmeo do nosso capitão tem problema de audição.
Olha, até rimou! — Lionel Prince cantarola, achando mesmo engraçado,
enquanto se mantém esparramado no sofá, de cabelo bagunçado, sem
camisa e com uma calça de dormir xadrez, Justin de um lado e Maddox do
outro. — Foi o que você acabou de ouvir — confirma para Bryan, um
sorriso malicioso curvando os seus lábios. — Kayla Benson confessou na
rádio, na frente de todo mundo, que só tinha se aproximado do Sebastian
para descobrir se ele era mesmo virgem como dizia ou não. Ela só queria
descabaçar o pau do nosso amigo. — Filho da pu..., só que ele continua,
acrescentando mais e mais coisas que não foram pedidas. — Sebastian
ficou puto, se sentiu traído porque estava apaixonado e cada um seguiu um
caminho diferente depois do ocorrido, nunca mais se falaram. Ela não pediu
desculpas, nem tentou entrar em contato para voltar atrás em momento
algum. Realmente decepcionante, a gente gostava daquela pequena megera
ingrata. — Ele coça seu braço fechado de tatuagem e estala a língua no céu
da boca. — Eu fico muito triste que algo desse tipo tenha acontecido com o
Seb, ele é um menino bom e certinho. No entanto, desde que aconteceu, eu
não consigo evitar ficar me perguntando por que nenhuma garota fez uma
aposta dessa comigo. Certamente eu não iria dar a mínima. Eu adoro
quando ficam falando do meu pau por aí.
— Primeiro, por que alguma garota faria uma aposta para saber se
você é virgem? — Justin questiona ao passo que ergue os ombros. —
Ninguém tem essa dúvida, idiota. Você não é capaz nem de plantar a
semente.
— Dã, porque eu uso camisinha — ele responde e automaticamente
tenho vontade de jogar minha cabeça contra a parede, porque não sei se está
sendo mesmo ingênuo, para não dizer burro, ou só fingindo. Não importa o
que seja, ambas as opções me deixam traumatizado. — Não posso deixar
minha semente nas bocetas que como, seriam mini Lionels para tudo quanto
é lado. Quem está sendo idiota agora, huh?
É isso, está decretado depois dessa fala, vou levantar o braço para
cima e ver se Deus me puxa. É única alternativa boa para esse momento.
Aposto que nosso amigo Justin está pensando a mesma coisa, pois
balbucia coisas ininteligíveis e chia como uma chaleira no fogão.
— Estou falando de plantar a semente da dúvida, não esse tipo de
semente, seu pervertido.
— Você não percebe que ele está só enchendo a sua paciência? —
Maddox fala, sem paciência para a interação dos dois, já que sempre
termina na mesma coisa, provocações e discussões bestas, onde um quer
ajudar e o outro só quer atrapalhar. Revelando sua verdadeira face, Prince
joga a cabeça para trás e dá risada, fazendo Justin gemer por, mais uma vez,
cair na pilha. — E vamos ser sinceros, a única aposta que as mulheres
fariam era para tentar descobrir se você é mesmo um humano ou um
coelho. Ou quanto tempo seu pinto vai demorar a cair depois de ter entrado
em tanto buraco desconhecido.
— Ei, para com isso, meu pinto tá intacto. Novinho. Zero bala.
Deus, é sério, você não está me ouvindo?
— Não querendo ofender — Bryan começa, atraindo os olhares para
si e só então acho que todo mundo se dá conta de que, por um instante,
esquecemos de sua presença aqui. Oras, ninguém mandou ficar tão calado.
Quer dizer, devo dar um desconto, pela sua cara de puro choque, ainda
estava tentando repassar a história em sua mente para tentar se situar. —,
porém vocês não estão falando coisa com coisa. Eu ainda estou aqui
tentando entender essa treta, será que dá para vocês me ajudarem? Preciso
que foquem aqui.
— Certo — murmura Justin, envergonhado.
— Tem razão — Daniel Maddox vem logo depois.
E, por último, Lionel, que balança a cabeça e choca os cílios.
— Desculpe. Não está mais aqui quem falou.
Sem saída, me viro para o meu irmão gêmeo, coço a nuca e subo a
mão para bagunçar os fios do meu cabelo.
— Fiquei com vergonha de te contar a verdade — admito. — Eu não
queria que você pensasse que eu fui fraco, tolo, irresponsável, bobo ou
qualquer outro adjetivo ruim que pudesse me tornar algo diferente de forte e
inteligente, coisas que você sempre fala que eu sou. Fora que também não
queria te preocupar com os meus problemas, não queria ser um fardo
quando estava tão longe e tão concentrado nos seus próprios sonhos. Eu
contornei a situação, suavizei e disse para mim mesmo que iria aprender
uma lição dessa merda toda. Foi difícil, não vou mentir para você, eu fiquei
como um zumbi de The Walking Dead perambulando de um canto para o
outro, sem querer comer, sem querer sair da cama e até mesmo sem querer
respirar. Um coração partido dói, Bryan. Um coração partido dói mais do
que qualquer jogo perdido, do que qualquer esbarrão no campo e do que
qualquer queda feia entre as jardas. Ele mexe com todo o seu sistema e você
parece ficar doente. E acho que eu meio que fiquei, porque tive que ir ao
hospital e tudo. Entretanto, eu tive muito apoio, se quer mesmo saber. Esses
garotos não saíram do meu lado, me ajudaram, me colocaram para cima e
foram extremante essenciais para que eu me recuperasse. Pelo menos um
pouco né, afinal, não tem como se recuperar totalmente, visto que foi muito
recente. Porém, aqui estou eu. Não há mais choro, não há mais zumbi, não
há mais aquelas tristes fases do luto e sim, há um Sebastian querendo
evoluir e disposto a se reconectar consigo mesmo, antes de ter sido
infectado por você-sabe-quem. E esse Sebastian está muito feliz que o
irmão esteja aqui. Ele iria contar a verdade assim que o final de semana
acabasse, porque não queria estragar o pouco tempo que usaria para matar a
saudade, falando sobre coisas tristes e que ficaram no passado. Espero que
o entenda e o perdoe, ele só está tentando fazer o melhor que pode todos os
dias.
Bryan solta um suspiro carregado de preocupação e passa a andar, até
ficar em minha frente, encurtando a nossa distância. Enquanto os meninos
estão sentados no sofá, eu e ele estamos mais afastados, quase perto da ilha
da cozinha, que também dá para ver e para se comunicar direito com quem
está do outro lado, sem interferência. Meu irmão coloca uma mão em meu
ombro e me fita com cuidado, desejando uma conversa um pouco mais
nossa, a partir de agora.
— Tem certeza que está bem?
— Como eu disse, não vou mentir para você, não me sinto cem por
cento bem, mas me sinto bem. Antes eu não sentia nem isso.
— Não consigo acreditar que escondeu isso de mim. — Bryan,
mesmo não querendo mostrar, parece magoado e fico ainda mais triste por
isso ter acontecido justo agora, quando acabou de chegar. — Estou
morrendo de vontade de enfiar a mão nessa sua cara. — Rio, pois não
importa a gravidade da situação, Bryan Skalbeck jamais faria isso. — Que
papo é esse de que não queria me mostrar vulnerabilidade? Tá ficando
maluco, porra? Eu sou o seu irmão, sou o seu gêmeo, sou o seu braço
direito, sua cópia fiel, seu maior aliado nessa e em outras vidas. Caramba,
Sebastian, sou o mais velho. 5 minutos, esqueceu? É em mim que você deve
procurar abrigo. Se não pode me mostrar suas fraquezas, vai poder mostrar
a quem então? — A saliva presa em minha garganta, que parece mais uma
massa de concreto, desce rasgando assim que eu engulo em seco. — Eu sei
que você sempre quer parecer inabalável, inteligente, lutador, que sabe
sempre o que está fazendo da vida e tudo bem. Você é mesmo assim. Para
mim, você sempre será o meu espelho, a minha inspiração, a minha fonte de
orgulho, a minha força e o meu maior exemplo de garra e determinação, só
que eu nunca, sob hipótese alguma, achei que fosse incapaz de quebrar. Eu
quebro, você quebra, seus amigos quebram, nossos pais quebram. Todo
mundo, em algum momento, quebrou, irá quebrar ou quebrará alguém. E o
fato de você não fazer isso, só mostra ainda mais o quanto é incrível. — Seu
aperto em meu ombro se torna mais forte, como se quisesse me passar
firmeza, apoio e tudo aquilo que não consegue pôr em palavras. — Também
não precisa se sentir envergonhado pelo que aconteceu, você não teve culpa
de nada. Se há alguém com culpa nessa história, esse alguém é Kayla, que
se aproveitou do seu coração e dos seus sentimentos por ela, para te usar de
uma forma bem suja, por sinal.
— Eu sei. — Troco o peso dos pés e sei que a minha voz vacila. —
Eu sei — solto com mais firmeza dessa vez. — Posso garantir a você,
Bryan, que sei de cada maldita coisa. Tive muito tempo para pensar e para
colocar a cabeça no lugar, e entendo que o papel dela em minha vida foi o
de vilã. Não há como pensar o contrário diante dos fatos. — Puxo o ar pela
boca e também o aperto no ombro. — Foi mal por não ter te dito a verdade
logo que perguntou. Nunca quis te enganar ou permanecer com essa mentira
para sempre, eu realmente pretendia te contar quando me sentisse mais
preparado e menos humilhado, era isso que eu tinha em mente. Só que
quando você disse que viria na sexta para passar o final de semana comigo,
tinha dito a mim mesmo que não havia mais como esconder. Meu plano era
que curtíssimos o máximo possível para depois, sozinhos — dou ênfase,
brincando e olho para trás por cima do ombro, para ver meus amigos, que
estão conversando entre si, depois volto a olhar Bryan com um fantasma de
um sorriso querendo se esgueirar pelo meu rosto. — falarmos sobre isso.
Enfim, o plano foi arruinado, como você pôde perceber, mas pelo menos
aconteceu logo e eu não preciso ficar esses dias nervoso tentando imaginar
qual será sua reação. Foi como arrancar o band-aid da ferida.
— E doeu?
— Um pouco — sou sincero. — Não por Kayla. Por você. Não quero
que nada estrague nosso momento.
— Ainda estou um pouco indignado. E irritado também. Não consigo
acreditar que ela fez isso com o meu irmão. E o pior, eu gostava mesmo
dela. Ela parecia retribuir o seu amor. — Bryan dá um passo para trás, cruza
os braços com uma expressão emburrada no rosto e passa a olhar para as
escadas, para o último lugar por onde Kayla Benson passou, então empina o
queixo para mostrar superioridade e cospe: — Atriz de merda.
Me seguro para não dar risada da forma engraçada que fala, como se
realmente não acreditasse em suas palavras. Pode parecer maluco, porém eu
o entendo, ele era o único que sabia da nossa relação, era o único que via
como nos tratávamos em vídeo chamada. Nós não precisávamos fingir,
Bryan conhecia nossa história e não se importava, até mesmo dava apoio. É
estranho para ele absorver esse lance de aposta, assim como foi para mim.
Também não o culpo por ter gostado dela. Lionel, Justin e Maddox também
gostaram, porque Kayla sabe muito bem como enlaçar as pessoas com seu
jeito despreocupado e as suas caretas engraçadas, que mais pareciam fofas
do que ameaçadoras, como ela realmente gostaria que fossem. Ela se
infiltrou na vida de todo mundo e depois saiu sem nem olhar para trás.
A verdade é que ela só se importa com Kellan, seu irmão, por isso
que veio aqui hoje, por isso que está lá em cima há mais de uma hora,
tentando fazer as pazes. Eu acho que ela conseguiu. Ao contrário do que eu
imaginei que aconteceria, não houve gritos e confusão, apenas um bom
silêncio durante um tempo, o que nos mostrava que o que quer que eles
estivessem conversando, não era alto o suficiente para passar pelo quarto e
vir até nós, no andar de baixo. No entanto, como eu disse, por um tempo,
porque depois eles começaram a rir.
Não, não rir, a gargalhar. Os irmãos estavam gargalhando e fazendo
questão de mostrarem ao mundo que estavam de volta. Não posso mentir,
nem pagar de idiota, fiquei feliz pela reconciliação. Kellan a ama e sei que
ela também o ama mais do que tudo. É a única certeza que tenho sobre ela.
De resto, acho que vivi uma mentira.
— Não se importe com ela. — Lhe desfiro um tapa fraco, para que
preste atenção em mim novamente. Ele alisa o local, mesmo que não tenha
nem feito cócegas. — Se importe comigo.
— Eu me importo com você — diz — E é por isso que ainda estou
digerindo essa situação. Mas sei que vai passar. Sempre passa. — Meu
gêmeo revira os olhos. — Não consigo ficar com raiva de você por muito
tempo, o que é uma droga. Eu quero mesmo sair com você na porrada. E
quero fazer com que Kayla pare de rir agora mesmo. Que merda que é tão
engraçado lá em cima?
Bryan fala isso porque ela acabou de rir novamente, junto com
Kellan. Ele parece furioso por ela parecer feliz.
— Deixa isso pra lá. — Dou de ombros. — Não vale a pena.
— Está tentando defendê-la? Você ainda a ama, não é?
É a minha vez de revirar os olhos.
— Sim, contudo não tem nada a ver com isso. Já disse que não quero
ficar falando sobre ela, sobre a aposta e sobre como eu fiquei depois da
aposta. Eu já te expliquei o que realmente aconteceu, já falei que estou bem,
já pedi desculpas, peço novamente e reitero que, por favor, não vamos ficar
presos, o final de semana todo, nessa porcaria. Eu quero saber mais de você,
mais do time, da universidade, como estão as coisas por lá, como está a sua
vida amorosa. Eu quero saber de coisas boas, alegres e engraçadas. De
tristeza já basta o que passou. — Espio mais uma vez o que está às minhas
costas. — Vamos lá, os meninos querem te conhecer mais. Tenho certeza
que as perguntas que eles te fizeram, assim que você chegou, não foram o
suficiente.
— Como não? Eles perguntaram da minha vida toda.
— Hmmmm, acho que não. Acho que ainda falta mais um pouco.
— Você só pode estar brincando, Sebastian. — Parece prestes a
morrer e eu fricciono os lábios ao negar com a cabeça. — Deus, onde eu fui
me meter? Vou ter que passar o final de semana com o meu Ctrl+C Ctrl+V,
o irmão da garota que quebrou o coração do meu Ctrl+C Ctrl+V, o bad boy,
o nerd gostosão e o puto sem noção. Olha, até rimou! — traz à tona a frase
que Lionel disse mais cedo e simplesmente cedo às risadas. — Eu só posso
estar pagando meus pecados.
Ele não consegue passar mais do que dez segundos sério, porque,
quando percebe, está se juntando a mim e rindo, me empurrando no
processo. Aproveito que se aproxima e o abraço. Mais uma vez. Bryan,
depois do susto, retribui e bate em minhas costas, mencionando:
— Já disse o quanto senti sua falta, panaca?
— Não o bastante para eu acreditar, idiota.
Sorrio sem que ele veja e algo me diz, talvez a nossa conexão de
gêmeo, que está sorrindo de orelha a orelha também.
Tão logo a gente se afasta, vejo que quer dizer alguma coisa.
— Desembucha.
— Eu quero uma festa. Aqui em Maevis. Eu e você, maninho, como
nos velhos tempos. Seus amigos podem vir com a gente também.
Mais um sorriso serpenteia minha boca ao escutá-lo.
Até parece que eu não o conheço.
— Há um bar novo na cidade. É o novo point dos universitários. Os
meninos já foram, mas eu e Justin ainda não. Se chama Lost Paradise.
— Vamos? Quer dizer, não quero te forçar a fazer algo que não
queira. O novo Sebastian ainda gosta de festas, não é?
Bem, o que posso falar sobre isso? A resposta não é “não” e nem
“sim”. A questão é que ainda gosto de festa, ainda gosto de sair com meus
amigos e beber, no entanto, só até aí, porque o resto é complicado. A parte
da pegação ainda não é para mim e meu irmão deve imaginar isso, por isso
que está perguntando. Ele também gosta bastante dessa vida, na nossa
cidade natal, acho que frequentamos todos os bares com identidade falsa,
isso porque Bryan amava e me arrastava junto para suas loucuras. Era
divertido acompanhá-lo e nunca fomos pegos.
— O novo Sebastian ainda gosta de fazer qualquer coisa com o irmão
dele. — Ando até suas costas e, quando ele menos espera, estou o
empurrando de volta até à sala, porém não sem antes sussurrar: — Hoje
você nem pense em querer dormir. Nossa madrugada será longa com muitas
conversas.
— Pelo menos passarei por isso bêbado?
— Claro que não. Estaremos todos sóbrios.
— Porra, Sebastian, vai se foder.
Ai, ai…
— Você está em Maevis, não em Detroit. Portanto, siga as regras das
raposas.
Escuto quando bufa e acho que nunca me senti tão feliz nesses dois
meses, quanto agora.
— As princesas acabaram a conversinha?
É Maddox quem solta a gracinha assim que voltamos à sala. Solto um
há, há, há, totalmente irônico e faço com que eles abram passagem no sofá
para caber eu e Bryan.
— Vocês se acertaram? — Justin indaga com esperança. — Por favor,
digam que sim, eu não aguento mais ficar no meio de tanto caos. Minha
cabeça dói.
— Não precisa se preocupar quanto a isso — deixo meu amigo mais
calmo. — Eu e Bryan nunca ficamos de mal um com o outro. Pelo menos
não por mais do que dois minutos.
— Own, como são fofos. — Lionel faz beicinho e eu, inspirado pelas
costumeiras ações de Justin Harris, bato com força em sua nuca. — Ai!
Porra, você também com essa mania agora?
— É pra ver se com o susto, sua cabeça vai para a frente e os seus
neurônios voltam a funcionar.
— Essa é a minha esperança também. — Nossa raposa de óculos
balança a cabeça de um lado para o outro. — Mas não funciona. Tô
começando a desconfiar que esses tapas só dão ainda mais curto-circuito no
seu cérebro.
— Por que vocês estão falando de mim como se eu não estivesse
aqui?
Antes que qualquer um de nós possa responder, um barulho na escada
se faz audível, então automaticamente aguço meus ouvidos e faço o maior
esforço para não virar meu rosto na direção, porque sei que, muito
provavelmente, é Kayla descendo sozinha ou junto de seu irmão mais
velho. Entretanto, os rapazes sentados ao meu lado, não fazem a mínima
questão de serem discretos, eles rapidamente viram seus rostos e encaram
os degraus com curiosidade. Eu, como não tenho mais que fingir, porque
todos eles estão agindo da forma que eu gostaria, pressiono os lábios e a
vejo descer, olhando para o chão, como se estivesse com vergonha ou com
medo de embolar seus próprios pés, por estar ciente de que está sendo
observada da maneira mais cínica possível. Antes que possa pisar no último
degrau, Kellan aparece, descendo logo atrás dela, provavelmente para se
certificar que a garota sairá inteira dessa casa.
Eu realmente achei que ela não fosse fazer isso, contudo Kayla ergue
a sua cabeça e me lança um breve olhar. Parece que está me desafiando,
querendo me provar que não é uma covarde, pois veio até aqui, enfrentou o
que tinha para enfrentar e conversou com o seu irmão. Não, melhor, se
entendeu com ele.
— Finalmente — sibilo sem emitir som, sabendo que consegue me
entender. É um momento apenas nosso, sei que ninguém presta atenção ou
sequer percebe nossa silenciosa interação, até porque ela acontece muito
rápido. — Agora já pode ir.
Suas írises pegam fogo quando termina de ler meus lábios, fazendo-a
se virar para Kellan com brusquidão. Kayla diz algo para ele e sei que é
para disfarçar, só que assisto, em câmera lenta, suas mãos se fecharem ao
lado do seu corpo. Está sorrindo para o irmão enquanto provavelmente me
mata em sua mente.
Bryan mentiu, ela não é uma atriz de merda, ela é uma das boas.
Ninguém é capaz de fingir melhor do que Kayla Benson.
— Ei, Kayla! — Bryan grita, pegando todos nós desprevenidos e eu
congelo. A garota se vira, com medo, mas não deixa de levantar o queixo e
cruzar os braços para ouvi-lo falar. — No sábado nós vamos ao Lost
Paradise. É um bar novo que abriu aqui perto da MU, não sei se ficou
sabendo. Apareça.
Pisco uma, duas, três vezes, depois encaro meu gêmeo com as
sobrancelhas quase tocando meu couro cabeludo. Eu não posso ter escutado
o que escutei.
Todavia, acho que sim, porque um silêncio desconfortável recai
sobre a sala. Não escuto nada além do meu coração zumbindo em meu
ouvido.
Deus, eu realmente comecei a achar que as coisas estavam
melhorando por aqui. Por acaso sou algum tipo de piada?
Dez ou vinte segundos depois, não sei ao certo, Kayla sorri. Sim,
sorri, um sorriso bem estranho e carregado de perversidade, como se ela
soubesse muito bem as intenções por trás do convite. Ela acena para Bryan,
sem dizer uma única palavra, e engancha o braço no cotovelo de Kellan,
retirando o garoto daqui para que a acompanhe até a porta. Uma vez sem a
presença deles, solto a respiração, que nem sabia que havia prendido e,
junto comigo, Justin, Lionel e Maddox encaram Bryan Skalbeck em busca
de explicações.
Meu irmão, extremamente tranquilo, ergue os ombros e retorce os
lábios em um sorriso de canto.
— Não posso ofendê-la, mas posso provocá-la — menciona
simplesmente. — Ela não teria coragem de ir, entretanto seria bom que
fosse. Só assim poderia perceber que você a superou e que agora está em
outra. Ou melhor, em outras.
Sim, claro, porque eu vou sair pegando todas as garotas daquele bar
só para provar a ela alguma coisa. Até parece.
— Você é um grande idiota — resmungo. — Se Kayla realmente
aparecer lá e estragar nossa diversão, vou matar você.
Os meninos concordam e ele só faz rir ainda mais.
— Bem, ela não vai, ela não teria essa coragem.
Eu: Waylen, já foi ao Lost Paradise?
O garoto do café: Ainda não. Vi que inaugurou esses dias, tá todo
mundo falando dele. Por quê?
Eu: Eu e a Elsa vamos daqui a pouco. Quer ir com a gente?
O garoto do café: Com certeza. Ao invés de café, me pague bebidas.
Eu: Pode deixar. Me passe seu endereço. Iremos passar em sua casa
para buscá-lo daqui uma hora e meia.
Não demora muito para que Pratt me passe seu endereço, com direito
à localização e tudo. Sorrio de um modo muito triunfante e vibro ao lado de
Elsa, que esteve esse tempo todo xeretando a nossa troca de mensagens,
também ansiando para que o garoto topasse sair com a gente. Será a
primeira vez que eles irão se ver e tenho certeza que irão se dar bem logo de
cara. Minha melhor amiga adorou toda a nossa história, deu boas risadas e
falou que Waylen era dos nossos, um anjo enviado para me salvar.
Tive que o incluir na nossa aventura de hoje sem nem pensar duas
vezes, pois sabia que seria muito mais divertido com eles dois ao meu lado.
Bem, por falar nela, na nossa ida ao Lost Paradise, decidi que toparia
o convite de Bryan no segundo em que ele o proferiu para mim, cheio de
sarcasmo e veneno velado, revelando que sabia muito bem o que estava
fazendo: provocação descarada e na frente de todo mundo, como se eu fosse
algum tipo de palhaço em um show particular de humilhação. Estava bem
claro que Sebastian havia contado a ele todo o lance entre a gente, assim
como também estava cristalino que o seu gêmeo parecia querer cuspir fogo
em minha direção, de tanto que era a sua raiva. Suas írises me queimavam
como lasers e a sua boca sorria larga e falsamente quando decidiu falar
sobre a festa. A única coisa que fui capaz de fazer foi sorrir de volta, muito
mais contida, acenar e ir embora, o amaldiçoando com tudo quanto é nome
em minha cabeça. Ele estava caçoando de mim, me diminuindo e quase me
intimidando, eu percebi que, embora estivesse falando aquilo, não
acreditava mesmo que eu fosse aparecer. Aposto que foi só um jeito que
encontrou para me cutucar, para me dizer: olha, está vendo só, nós vamos
nos divertir, estaremos rodeados de mulheres e você, querida, não importa
mais.
Apesar de ter detestado essa parte, minha maior indignação nem foi
ela, foi o fato de ter me provocado e achado que eu não fosse revidar. Em
outro momento, definitivamente seria isso que aconteceria, eu me acuaria,
choraria e me martirizaria por ter estragado minha história com Sebastian,
com os nossos amigos e até mesmo com seu irmão, que estava
verdadeiramente gostando de mim e nos dando apoio, mas não estou mais
seguindo essa linha, já passei dessa fase de ficar calada e de me acovardar,
faz tempo. Quero que todos eles vejam que não podem mais me atingir tão
fácil assim, que agora eu enfrento e jogo à altura. Foi por isso que saí
daquela casa já pensando no meu vestido para hoje, porque eu com certeza
não posso deixar de perder a reação de todas as raposas — e Bryan — assim
que me virem pisando de salto alto naquele bar.
Repuxo os lábios para cima quando visualizo a cena, será impagável.
Acabo voltando para o mundo real logo que Elsa estala os dedos em
frente ao meu rosto. Pisco algumas vezes, deixo o meu celular de lado e me
concentro nela.
— Como eu sei que não ouviu o que eu disse, vou repetir. — O
mesmo sorriso sacana, que estava estampado em meu rosto há alguns
segundos, emoldura a sua boca carnuda envolta de generosas camadas de
gloss labial brilhoso, agora. Elsa já está maquiada e parcialmente pronta, só
falta tirar o seu roupão e colocar o seu vestido, que repousa em cima da
cama junto com o meu, só que, diferente de todas as vezes, decidiu
caprichar na pintura dos olhos, em um esfumado azul e cheio de brilho, os
cílios ainda maiores por conta dos cílios postiços. Seu cabelo está solto e
cascateando seus ombros com as ondas, que passou várias horas modelando
no babyliss, e ela os joga para trás em um movimento engraçado, pronta
para destilar um pouco de maldade. — Se Sebastian Skalbeck morreu por
conta de um café, o que será que vai acontecer no instante em que ele te ver
ao lado de Waylen em um bar, quase uma boate?
Está vendo, Elsa Castillo sabe mesmo ser malvada quando quer,
mesmo com essa carinha linda de anjo. Nunca vai esquecer o ocorrido no
Starbucks e, caso fique frente a frente com Sebastian hoje, é muito capaz de
deixar escapar algo sobre esse dia caótico sem nem perceber. Pode
mencionar esse ou até mesmo o momento de ontem, quando fui desafiada
por Bryan Skalbeck a comparecer nesse evento entre eles, porque não
consegue controlar a língua e o fato de querer me defender sempre que
pode. Foi engraçado quando ela me viu chegar toda furiosa, exigindo saber
o que tinha se passado, achando que o motivo da minha raiva era por conta
do Kellan. Claro que fiz questão de negar e dizer que estávamos finalmente
bem, que meu irmão tinha me entendido e que tínhamos compartilhado um
momento muito único, bonito e que com certeza irá deixar a nossa relação
ainda mais forte, no entanto, estava furiosa por uma outra coisa. Tão logo eu
falei sobre a provocação e o que eu estava querendo fazer, Elsa me deu
maior apoio e disse, toda animada enquanto corria para as suas opções de
roupas de festa, que a gente não tinha outra alternativa senão ir.
Desde então, se comporta assim, com vontade de provocar de volta.
Não vou mentir, eu gosto cada vez mais de ver o quanto ela é capaz de
fazer por mim.
— E não é que eu não sei, Frozen? Acho que teremos que descobrir.
— Seu queixo quase vai ao chão ao me escutar, aprovação passando por
seus olhos. Tombo a cabeça para trás e dou risada na hora em que joga o
quadril contra o meu e solta um “go, girl”. — Falando assim até parece que
estou usando o menino, não estou. Gosto dele e quero que se divirta junto
de nós duas.
— Eu sei, Kay-Kay, eu sei, só é divertido pensar. Você vai estar
vestida para matar e ainda vai chegar ao lado de um garoto, o capitão vai
infartar. Mas é isso aí, o que tiver que acontecer ainda será pouco, ninguém
mandou provocar a minha melhor amiga, todos eles vão pagar.
— Todos eles vão pagar. — Lhe direciono uma piscadela e depois
ergo meu dedo em riste, estreitando meus olhos. — Só que nós não vamos
fazer nada. Estar lá já é a minha resposta. Vamos focar em conversar,
dançar, beber e conhecer mais o Waylen, já será um grande recado e os
meninos vão senti-lo. Só isso. Também não posso retrucar com muita coisa
porque, no fim, ainda estou errada e nós ainda lembramos disso, não quero
ser uma hipócrita ridícula.
— Claro, você tem razão — concorda e mantém uma postura mais
séria. — Vamos apenas comemorar.
— Isso. Comemorar. — Quando as palavras saem da minha boca,
automaticamente volto atrás. — Espera, comemorar o quê?
— O fato de sermos duas grandes gostosas que vão deixar os caras
babando essa noite.
Rio e a empurro até perto da cama, onde se encontram nossas roupas.
— Então vamos começar o show, gostosa — provoco. — A gente se
veste, tira algumas fotos e depois vai buscar o Waylen na casa dele para não
ter atraso.
— Só se for agora, bonita — diz em espanhol, o sotaque carregado de
sensualidade. — Puxa, esse vestido é mesmo deslumbrante. — Seu rosto
expressa um grande “uau” assim que estico o meu vestido em frente aos
meus olhos, o conferindo e acenando positivamente para o seu comentário.
A peça é mesmo linda.
Foi ela que me deu, inclusive, naquela nossa compra no shopping.
Ele é curto, todo prata, de alcinha, com um belo decote na frente e nas
costas, que ficam muito mais nuas do que cobertas. Esse vestido
definitivamente não deixa muito para a imaginação e, por mais que eu não
tenha costume de usar roupas nesse estilo, me sinto muito confiante e com
muita vontade de entrar dentro dele hoje, por isso que não perco tempo e o
escorrego pelo meu corpo, onde se molda muito bem, com todas as minhas
curvas bem delineadas. Coloco o meu salto preto com strass e ele dá um
belo contraste com a minha maquiagem; delineado de gatinho e batom
vermelho. Completo com a minha bolsa tiracolo, minhas argolas nas orelhas
e as minhas tranças semi-presas, o que deixa o meu rosto totalmente à
mostra.
Completamente diferente do meu estilo habitual, mas também muito
poderoso.
Me viro para conferir Elsa e ela também parece pronta, já vestida com
seu vestido preto de mangas longas, que não cobre quase nada das suas
coxas grossas, e com um decote em V matador na frente, deixando seus
seios ainda maiores. Não há ninguém capaz de superá-la hoje.
Sorrimos uma para a outra e a minha amiga logo corre para buscar seu
celular, fazendo selfies e fotos comigo no espelho.
Alguns minutos se passam, com nós duas fazendo poses, e uma
mensagem apita. É Waylen dizendo que já está à nossa espera.
Ora, ora, parece que o momento de surpreender as raposas chegou.

O Lost Paradise tem decoração de praia e começo a acreditar que o


conceito do nome é genial, faz parecer que todos nós estamos perdidos
dentro de uma ilha paradisíaca com pessoas desconhecidas. O ambiente é
escuro, azulado, tem boias salva vidas penduradas nas paredes, coqueiros
artificiais espalhados por todos os lados e um balcão de bebidas muito
tecnológico, que fica passando imagens de mar, floresta e casais se beijando
na areia, como um slide. O ar que envolve o bar é muito sexy, você
consegue perceber através dos detalhes, através das músicas, da forma como
as pessoas se movem na pista de dança, com um grande S.O.S escrito sob
seus pés, sinalizando por socorro, como se todos estivessem mesmo em
perigo e claro, não posso deixar de mencionar, a forma como os bartenders
se vestem. Os homens estão com o peitoral malhado de fora, apenas uma
roupa customizada de planta cobrindo suas partes íntimas e as mulheres
com a parte de cima de um biquíni cortininha, short curto de cintura baixa e
saltos tão altos, que não sei como conseguem suportar ficarem em pé.
Vasculhando cada centímetro em puro êxtase, fica comprovado o
porquê desse bar ter virado uma febre entre os alunos da Maevis University.
É instigante. Você passa pelas portas duplas da entrada, pelo arco do
corredor cheio de estrelas-do-mar e se sente mergulhada em outro universo,
cada pulsação do seu corpo se agitando com o desconhecido. Até o ar
parece salgado, envolvente e quente. Minha boca rapidamente implora por
bebida alcóolica e posso apostar que isso é uma estratégia para que os
clientes consumam cada vez mais.
— Alguém mais tá sentindo calor? — Waylen se abana ao nosso lado
assim que alcançamos o balcão. Juro que posso ver uma fina camada de
suor salpicando sua testa, o que só prova ainda mais a minha teoria de ter
alguma coisa de outro mundo aqui dentro. Porra, se isso aqui for como o
Hotel e Cassino Lotus de Percy Jackson, vou me matar por ter sido atraída
para cá por conta de um comentário estúpido. — Preciso beber alguma coisa
ou vou morrer de sede.
— Eu pago a primeira rodada — Elsa eleva a voz em uma animação
contagiante. Se ela já é uma pessoa alegre, agora parece se encontrar muito
mais. Waylen bate palma, a incentivando e a garota rodopia em seus saltos
para poder falar com o barman, que a encara diretamente nos peitos, sem
nem disfarçar. — Três margaritas, por favor.
Enquanto preparam nossa bebida, meu olhar me trai, pois percorre o
bar na esperança de encontrar Sebastian e seus amigos, ansiedade fazendo o
meu estômago revirar. Acho que eles ainda não chegaram, o que é uma
merda, porque eu deveria fazer uma entrada triunfal, não o contrário. Com
isso, o latejar em meu pescoço só aumenta conforme os segundos se passam
e nada acontece.
Bufo de frustração ao passo que viro o rosto para o lado e vejo o
rapaz, com uma tatuagem enorme de cobra no pescoço, colocar nossas
bebidas no balcão. Pego o meu copo ao mesmo tempo que Elsa e Waylen
pegam os seus, nós três, como algo coreografado, virando um grande gole
do líquido alcoólico juntos. O sabor faz a minha língua estalar no céu da
boca e a queimação percorre cada centímetro do meu peito, ainda assim,
quando percebo, estou bebericando mais um pouco da minha margarita
porque está simplesmente divina.
Ergo o meu olhar e o Lost Paradise congela no instante em que
minhas írises miram a entrada.
Sebastian, Bryan, Lionel, Justin, Maddox e Kellan adentram o bar
dando risadas, desfilando e atraindo olhares de uma forma totalmente
despreocupada, como se não tivessem a mínima noção do impacto que
causam ao chegarem em algum lugar ou até mesmo como se não se
importassem com a atenção. As pessoas param para olhá-los e a atmosfera
muda novamente, dessa vez me trazendo frio, pois o gelo nos olhos do
capitão é muito grande quando, de longe, consegue me reconhecer em meio
à multidão de pessoas ao nosso redor. Ele não acreditava, mas aqui estou eu,
pronta para fazer a sua diversão se tornar um pesadelo. Sei que está
contestando isso à medida que chega cada vez mais perto, a luz azul do bar
agora evidenciando o seu rosto e a sua mandíbula cerrada em raiva,
descrença e desaprovação, todas juntas, o tumultuando por dentro.
Entretanto, seus olhos castanhos deslizam por minhas pernas, por cada
curva acentuada pelo vestido e por cada centímetro de pele que não
consegui esconder, o desejo e a surpresa de me ver assim, de um jeito que
nunca viu antes, duelando com o descontentamento de estarmos, mais uma
vez, no mesmo lugar.
E ao mesmo tempo que ele parece estar gritando comigo
silenciosamente, sinto como se também estivesse se aproximando
sorrateiramente e me tocando. É como se eu estivesse exposta, nua e com a
sua voz ronronando em minha orelha. Quase dou um solavanco ao sentir um
raio atingir o meio entre as minhas pernas, fazendo a minha intimidade
pulsar por conta da minha imaginação fértil e também por conta da minha
realidade, uma em que Sebastian não faz nem um pingo de questão de
esconder a sua maldita beleza opressora. Quanto mais ele encurta a
distância, mais o noto, tendo a plena noção de como está vestido. Jeans
apertado, camisa social com os três primeiros botões abertos — merda, acho
que ela mal consegue suportar os seus músculos dentro — e sapatos de
alguma marca, que me parece ser cara.
— Eles estão vindo até aqui. — Droga, Elsa, eu estou percebendo. —
Sorria e acene. Faça isso também, Waylen.
Aperto ainda mais os dedos contra a borda do copo, para tentar
controlar a minha tremedeira, sorrio e aceno, mesmo sabendo que acabei de
parecer um robô. Não tenho tempo de pensar muito sobre isso, no entanto.
Os meninos ficam em nossa frente e todos eles parecem que acabaram de
presenciar o primeiro contato entre alienígenas e humanos, de tão chocados
que ficam.
— Sábado à noite. Estamos aqui. — Ergo uma das mãos como quem
não quer nada e bebo mais um pouco, só para garantir que a minha voz não
falhe. — Bryan! — exclamo o nome do gêmeo que me provocou e o assisto
fechar a boca em câmera lenta. Não sei com o que mais parece surpreso, se
é com o fato de eu ter vindo mesmo com os meus amigos, lhe mostrando
que não sou nada do que ele pensa, com o fato de me ver arrumada ou com
o fato de estar diante de uma deusa como a minha melhor amiga. Babaca.
— Essa aqui é a Elsa Castillo e esse ao meu lado é o Waylen Pratt — os
apresento e posso jurar que ouço alguém rugir de uma forma muito
primitiva quando aponto para o loiro comigo, mas não faço questão de
conferir. — A gente estava esperando vocês chegarem. Por que demoraram
tanto? — soo ingenuamente forçada.
— Exatamente, por que demoraram tanto? Vocês perderam a primeira
rodada de bebidas, foi por minha conta. — Elsa faz um beicinho triste e
seus olhos parecem dissimulados ao passearem pelos garotos. Rá! Essa é a
minha Frozen. — Bem, não importa, pelo menos vocês estão aqui agora. —
A atenção se fixa em Kellan e permanece assim por um bom tempo, os dois
sorrindo um para o outro depois de tanto tempo, já que ficaram sem se falar
desde que a merda estourou. Meu irmão achou que ela havia me
influenciado de alguma forma no lance da aposta, compreendendo a história
toda ao contrário, porém ontem fiz questão de deixar bem claro que Elsa
não teve culpa e que ela só me seguiu de uma forma muito ingênua, ela
nunca quis causar mal algum, tanto que me deu vários conselhos para contar
a verdade. Agora estão assim, querendo se reaproximar porque sabem que
podem. Ew, espero que seja só amizade, seria estranho saber que a minha
melhor amiga sente vontade de transar com o meu irmão. A Frozen garante
que não, só que o Benson mais velho, se pudesse, já a teria em seus lençóis.
E não sei por que estou pensando nisso agora, me faz parecer uma coisa que
não quero ser, hipócrita.
Deixo de prestar atenção nos dois e encaro Sebastian que, para a
minha surpresa, está encarando Waylen como se não pudesse acreditar em
sua presença, fumaça querendo escapar de suas orelhas.
Ciúme? Me poupe.
— Você, Kayla, é mais audaciosa do que eu pensei. — Lionel dá um
passo e sorri como se estivesse adorando que eu esteja aqui. Fricciono os
lábios para não rir desse garoto. Uma hora ele está me encurralando com
cara de bravo, outra hora ele está me olhando como se estivesse orgulhoso?
Fala sério, depois dizem que eu que sou a confusa. — Está bonita, megera.
É para alguém em especial?
Não tenho tempo nem de revirar os olhos, porque me assusto quando
Bryan o puxa pela gola da camiseta, o afastando de mim.
— Fica quieto. — Ouço o irmão de Sebastian o repreender. Não
demora mais do que três segundos para que volte a olhar para mim. — Já
que está mesmo aqui, divirta-se. — Seu sorriso é polido e sei que é porque
Kellan está ao lado. — Vamos para a pista em busca da nossa própria
diversão, não é mesmo, maninho?
Sebastian fica em silêncio, parecendo estar em outro mundo, mas
volta rapidinho à realidade assim que Bryan lhe dá uma cotovelada para que
reaja.
— Uhum, claro.
Ele vai embora e todos lhe seguem, como se fossem cachorrinhos.
— Eles são tão idênticos. — Waylen parece embasbacado, seu olhar
queimando-o nas costas. — Só consegui distinguir quem era quem porque
Sebastian, obviamente, era o que estava querendo me matar. Acho que ele
pensa que eu vou roubar você, Kaylinha.
Kaylinha. Sorrio com o meu mais novo apelido.
Ele e Elsa ficaram conversando o caminho todo até aqui. Eles
relembraram o momento na cafeteria e a Frozen fez questão de contar sobre
ontem, quando fui conversar com o meu irmão e acabei tendo o embate com
meu (quase) ex-cunhado. Acho que vão mesmo virar bffs, o que significa
que agora tenho mais um para cuidar da minha vida junto com ela. E eu
adoro.
— Que nada, o problema não é com você. — Dou de ombros. —
Sebastian só está puto comigo.
— Desculpa, amiga, mas ele não me parece puto agora.
Então quase engasgo com a margarita ao procura-lo entre as pessoas,
na pista de dança. O filho da mãe está sorrindo de orelha a orelha enquanto
dança com uma loira, que é tão alta e esbelta quanto uma modelo recém-
saída das passarelas, igualzinha à Gisele Bündchen. Ela está sussurrando
algo em seu ouvido, provavelmente coisas sujas, pois faz questão de girar e
ficar de costas, sua bunda a centímetros de roçar nele. Sinto meu coração
maltratar minha caixa torácica e a sensação sufocante se intensifica ainda
mais quando, parecendo saber que estou olhando, Sebastian decide plantar
um beijo na curvatura do ombro dela. Logo após me encontrar aqui, parada
no mesmo lugar, um sorriso de escárnio desponta no canto da sua boca
assim que ergue sua cabeça para continuar a conversar com a garota, que
parece prestes a amolecer no colo do capitão do Maevis Fox, para que ele a
leve para casa. Coitada, está tão envolvida que nem percebe que o homem
às suas costas ainda está me fitando, nem aí para o que a filhote de Chanel
parece implorar.
Cruzo os braços e o desafio a continuar, para que eu veja até que
ponto é capaz de chegar.
Como sempre nos entendemos muito bem, mesmo em momentos
como esse, momentos em que não falamos nada um para o outro, Sebastian
pressiona o quadril junto ao dela, fazendo-me guinchar de raiva. Não quero
mais brincar. Se pensa que vou ficar aqui assistindo esse seu showzinho,
está muito enganado.
Bato com o copo quase vazio no balcão e respiro fundo.
— Vem, Pratt, vamos dançar. Agora — exijo.
— Vai lá. — Elsa o incentiva quando o loiro a encara com as
sobrancelhas levantadas, sem saber o que fazer. — Vou me sentar no
banquinho e assistir de camarote.
Meio que sem alternativa, Waylen solta um muxoxo e enrosca nossos
braços.
— Está mesmo me usando para provocá-lo?
— Você se importa?
— Não, nem um pouco.
Provavelmente muito cedo, porém eu acho que já o amo.
Ele nos conduz até a pista de dança, encontra uma brechinha no meio,
pede licença mais um pouco e nos enfia bem ao lado de Sebastian e a sua
modelo, me fazendo trombar neles de propósito. Entrelaço meus pulsos ao
redor do pescoço de Waylen, ele toca a minha cintura e eu me viro sobre os
ombros, fazendo a minha maior pose de deboche ao soprar:
— Ops, foi mal, não vi vocês aí. — Os encaro de cima à baixo com
desdém. — Se eu acabar me empolgando muito e ficar atrapalhando vocês,
por favor, me avisem. É que estou tão ansiosa para gastar minhas energias
com esse garoto, que posso acabar extrapolando. Sabe como é, hormônios
femininos.
Minha provocação é tão certeira, mas tão certeira, que Sebastian perde
a vontade de dançar no segundo em que me escuta, se afastando
minimamente da moça, como se tivesse levado um choque, seu peito
descendo e subindo.
Deixo-o para lá e começo a movimentar meu corpo na batida da
música sensual junto com Waylen, que tenta muito se manter sério. Eu o
repreendo só com o olhar e peço para que se aproxime mais, pois não
precisa ter medo de mim, nem dele. Finjo que acabou de me contar uma
coisa super engraçada e começo a rir, abafando meus sons assim que enterro
minha cabeça em seu pescoço.
— Kayla — ele sussurra-grita, prestes a me contar uma informação.
— Você não escutou?
— Escutou? — Entro em estado de alerta. — Escutou o quê?
— Acho que a ouvi gemer.
Não é possível. Que porra!
— Não, não vira agora, ele está...
No entanto, já é tarde demais.
A cena acontece bem diante dos meus olhos e acho que não posso
fazer nada, senão assistir o cara que eu amo beijar uma completa
desconhecida bem na minha frente, com direito a puxão no cabelo e
mordida nos lábios.
Vou vomitar, sinto a bile pairando em minha língua.
— Vou tomar um pouco de ar.
Nem faço questão de me virar para ver se Waylen me escutou, apenas
saio desse lugar como um furacão, fazendo questão de passar pelos dois.
Corro do jeito que os meus saltos permitem, serpenteio entre as pessoas e
encontro a sinalização indicando a saída. No fundo do bar, as portas de
metal brilham como uma opção segura para escapar desse ar, que se tornou
poluído e eu as empurro com ainda mais força, o vento da noite chicoteia
meu cabelo no rosto no momento em que já me encontro inclinada contra a
parede, para poder puxar o ar para dentro dos meus pulmões. Lágrimas
enturvecem a minha visão, só que não estou nem aí, não quero ver nada.
Estou me sentindo uma grande ridícula, querendo fazer parte de um jogo
que eu não conseguiria ter forças o suficiente para manter, nem mesmo se
eu quisesse. Eu nunca poderia ter brincado com o fogo, eu deveria saber
disso, agora as lavas me queimam e me tornam cinzas. Me tornam um belo
de um nada.
Saio de perto da parede ao lado da porta e me encolho quando a
mesma se abre e se fecha em um estrondo.
Em um segundo eu estava afastada, sozinha, agora, no outro, já me
encontro pressionada, minha coluna se chocando contra a maldita parede de
novo, por conta de mãos grandes que me levam até ela como a porra do
Flash. É Sebastian, sua respiração descompassada batendo com força em
meu rosto à medida que seu hálito o lambe por conta da proximidade. Ele
parece emputecido, a escuridão da noite deixando as suas feições sombrias,
coisa que nunca havia acontecido antes. Se o castanho das suas írises se
fechando e se tornando mais escuro, for para me amedrontar, está fazendo
um péssimo trabalho, pois não me sinto intimidada. Na verdade, me sinto
ainda mais brava e pronta para acertar seu saco, pois estou cheia desse novo
Sebastian e dessa nova cadeia alimentar. Eu não quero ameaças, brigas,
jogos sádicos envolvendo outras pessoas e muito menos quero estar dentro
de algo danoso, eu quero o que tínhamos antes. Eu quero a pureza, a leveza,
a amizade e o amor de volta.
Será que é tão difícil perceber o óbvio?
— Se você não se afastar de mim agora, vou começar a me debater —
profiro entredentes. — E se eu começar a me debater, vou gritar.
O que acontece a seguir me faz grunhir.
A boca de Sebastian se colide com a minha em uma batida que me
deixa desnorteada e com os lábios doendo. Fico imóvel, de olhos
arregalados e com as mãos estendidas aos céus, como se tivesse acabado de
ser feita de refém. Seu corpo se pressiona contra o meu e, no minuto em que
tenta me invadir com a sua língua, saio do torpor e da espécie de transe.
Luto contra a vontade de corresponder e me debato, socando-o no peito, tão
fracamente, que ele mal se mexe, suas mãos pegando as minhas, as
entrelaçando e pondo-as acima da minha cabeça em um enlace que não me
dá brechas para fugir. Todo o meu corpo cede e eu o permito entrar na
minha boca, contudo apenas por poucos segundos, porque seu gosto não é
seu gosto, ele fora alterado por outra há pouquíssimo tempo e eu
simplesmente não posso suportar. Me debato mais uma vez e acho que ele
percebe que é para valer agora, pois afasta seu rosto, poucos centímetros de
distância, só para me dar espaço, mesmo que ainda esteja me prendendo. E
de todas as formas possíveis.
— Você beija outra e acha que pode vir me tocar? — cuspo com nojo.
— Estou falando sério, Sebastian, se afaste de mim.
— Eu não aguento mais isso. Eu não aguento mais você comendo o
meu juízo, Kayla Marie Benson. Você me provocou primeiro, chegando aqui
para acabar com a minha diversão e ainda mais com outro cara, um que eu
não gosto nem um pouco. Ao contrário do que acha, aquela menina se
aproximou de mim, começou a dançar comigo e eu fiquei com vergonha de
afastá-la, meus amigos todos estavam me vendo. Quando eu vi que você
estava olhando, achei uma boa oportunidade de provocar de volta, porque
estava me matando vê-lo tão perto, querendo tocar algo que deveria ser
meu. E aí você foi para a pista e disse o que disse. Meus neurônios
simplesmente explodiram e eu a beijei, mas porra, linda, não foi capaz de
despertar nada em mim. Eu estou morto por dentro desde que me deixou.
Completamente morto. — Nossas testas se unem e ele resvala nossos lábios.
— Sou completamente louco por te querer ainda, essa é a verdade e você
deveria começar a pagar pelo que está fazendo comigo. Deveria começar a
pagar agora mesmo.
Por que a voz de Sebastian está tão rouca, tão sexy e por Deus, por
que estou tendo tesão nessa conversa?
Inferno de homem gostoso.
Acho que menti. Há sim, uma coisa que eu gosto nesse novo
Sebastian; seu jeito um pouco mais, digamos, ignorante de lidar comigo.
É, é isso, acho que também estou morta por dentro, só isso explica eu
estar admitindo um absurdo desses a essa hora.
Balanço a minha cabeça para afastar os pensamentos intrusivos e
empino o queixo.
— Posso saber o que você tem em mente? — Definitivamente morta,
é assim que eu me encontro logo que sinto a pergunta, cheia de segundas
intenções, escapar por entre meus lábios. — Espera, não diga, você não vai
conseguir.
A risada que reverbera da sua garganta me faz arrepiar.
— E ainda estamos em um lugar tão propício, ninguém vai escutá-la
gritar.
— Ah, então você quer mesmo me matar?
Mais outro sorriso sacana.
— Só se for de tanto fazê-la gozar.
Não acredito que acabei de ouvir o que ouvi, tão pouco acredito que
estou mesmo ansiando para que cumpra as suas palavras e não blefe.
Contudo, estamos nos fundos do Lost Paradise, na porcaria da saída, em um
beco escuro e silencioso e, mesmo que o nosso entorno seja esquecido e
quase ninguém passe por aqui, ainda assim estamos à vista e isso é tão
fodido e errado. Eu deveria preservar minha honra e a minha dignidade, eu
deveria me dar o devido valor e deveria ter pulso firme, afirmando que não
vou me entregar em um ambiente como esse, ainda mais depois do que
acabou de fazer com outra naquela pista de dança, só que… porra!
Sebastian me solta do seu aperto, levanta a barra do meu vestido, me
acomoda bem entre as suas coxas torneadas e não posso negar, estou à sua
mercê, bem como também estou sentindo a mais pura excitação correr em
minhas veias por conta do perigo iminente de saber que podemos ser pegos
a qualquer momento. A ideia de nós dois aqui, nos fundindo em um só,
depois de tanto tempo, faz com que a minha mente se torne um borrão,
sumindo com todas as problemáticas de deixar isso acontecer e meu corpo
anseia por mais contato, tremendo da cabeça aos pés. A sensação de déjà vu
me deixa ainda mais tonta e preciso que, diferente de antes, naquele outro
beco, no meio da chuva torrencial, não ameace, apenas se esfregue em mim
com tudo que tiver direito. Que ele desperte a sua fúria e me faça pagar, me
marcando, me possuindo, me arrebatando e entrando fundo. Pode me
xingar, pode dizer o quanto não valho nada, o quanto deseja me odiar e o
quanto vai me odiar, porém que faça tudo isso com o seu pau, que estou
sentindo falta junto à minha vagina, desesperadamente.
Está nítido o quanto me quer e eu o quero de volta. Para agora. Para
sempre. De repente, o beijo na loira se torna tão pequeno e insignificante,
que só faço querer rir, porque é a mim que ele verdadeiramente deseja e
ama.
Os pensamentos se dissipam e estremeço assim que a sua mão
escorrega para dentro da minha roupa, seus dedos passando pela minha
região sensível, coberta pelo tecido de renda, depois, na maior lentidão,
decide brincar com o elástico da minha calcinha, só para me levar ao limite.
— Kayla, Kayla… — Meu nome desliza como uma sentença e
Sebastian ri bem baixinho, próximo da minha orelha. — Você consegue
controlar seu coração, mas não sua boceta, não é? Consigo ouvir daqui o
quanto ela está chorando por mim. Pobrezinha. Devo dar a ela o que tanto
quer ou devo me arrastar mais um pouco? — Não tenho tempo de
responder, na verdade, não tenho nem tempo de processar suas palavras
direito, pois ele enfia um dedo dentro de mim sem avisar e eu arqueio a
coluna quando meus músculos internos o prendem, um “oh” de surpresa
escapa da minha boca com a sensação estarrecedora de preenchimento. —
Não segure seus gemidos, linda, põe para fora. Está tentando ser silenciosa
ou só está com medo que descubram que o virgem aqui — debocha. —,
sabe te foder e te fazer gozar como ninguém? — Puta. Que. Pariu. — Isso,
assim, continua. Pode gemer à vontade, eu quero cada maldito homem nesse
bar sabendo que você está sendo fodida por mim. Eles provavelmente te
comeram com os olhos quando você chegou, mas quem é que está te
comendo agora, huh?
Eu não sei se Sebastian está tentando me chatear, se está querendo
pisotear meu coração ou se está apenas sendo um idiota de marca maior,
porém as suas palavras rudes e o seu comportamento mais agressivo só me
fazem ficar ainda mais molhada e ainda mais faminta. Senhor, o que é que
está acontecendo comigo? Me tornei, de repente, uma bela depravada com
certos tipos de fetiches e tenho quase certeza que foi o ambiente propício
desse bar. Se esse garoto decidir continuar com a boca suja e com essa nova
pegada um pouco mais ríspida, vou lambuzar toda a sua mão com a minha
viscosidade, em segundos. Não vou me aguentar. Vou explodir e ainda vou
clamar por mais, porque, uau, ele fica muito sexy com esse olhar primitivo,
com o osso da mandíbula estufado e as sobrancelhas grossas unidas,
enquanto me esquadrinha como se quisesse me comer até que eu desapareça
da sua vista.
Maldita raposa.
Estou há um tempão inflada por conta de toda essa nossa tensão. Esse
jogo de gato e rato estava me matando e hoje à noite foi a gota d’água, só
serviu para que eu sentisse ainda mais vontade de jogar tudo para o ar, agora
com o intuito de ir atrás do queijo bem na ratoeira. Se eu sair viva ou morta
da armadilha, quem se importa, o sabor e a sensação de provar do proibido,
minutos antes de descer para o inferno, valerá a pena. Não sei se Skalbeck
pensa a mesma coisa, acredito que sim, afinal de contas, decidiu me seguir
até os fundos do bar, pela segunda vez consecutiva. É uma boa
demonstração do seu sadomasoquismo, como gosto de brincar. Não é como
se eu pudesse reclamar da sua insistência, no entanto. Eu adoro, para ser
bem sincera. Adoro quando me persegue, quando me direciona o olhar, a
palavra e adoro ainda mais, o jeito como me reivindica. Não sei como ainda
não percebeu que o meu corpo fala sozinho, o correspondendo, para mostrar
a ele como sou e sempre serei sua, independentemente do que aconteça.
Não sei como não consegue perceber o que está claro, bem na sua fuça, em
letras garrafais dizendo o quanto eu o amo.
E cacete, ele não para de me tocar, indo cada vez mais fundo, fazendo
o prazer entre as minhas coxas se tornar cada vez mais doloroso e
insuportável. Vou esmagá-lo com a minha boceta, não quero nem saber.
Espero que acrescente mais um, porque estou planejando prender seus
dedos aqui dentro do meu interior, para que nunca mais vá embora e deixe
de me tocar.
— Se… Sebastian — gemo e afundo os incisivos no meu lábio
inferior assim que parece escutar meus pensamentos, introduzindo mais um
dedo, alargando a minha carne e movimentando-os para dentro e para fora
em um ritmo que quase me faz amolecer. Sebastian percebe o estado do
meu corpo e a vacilada que ele dá, por isso que rosna, me pressiona ainda
mais contra a parede e se curva, sua mão livre pairando acima da minha
cabeça como um lembrete de quem é que tem tudo sob controle. — Ah,
céus. Que... v-vergonha. Alguém pode passar por essa rua, sabia?
Mais uma risada, que faz o meu pelo se eriçar, lhe escapa.
— Não seja cínica. Você está excitada com a possibilidade de ser
pega.
— Quem disse?
— Eu disse, sua pequena megera safada.
Megera. Acho que esse é um dos meus mais novos apelidos.
Reviro os olhos com a audácia e nossa, não consigo não pensar em
Allie e Dean do livro O Jogo, terceiro livro da série Off Campus. Eles
também transaram num beco de um bar, em algo muito parecido com o que
estamos passando. Estar reproduzindo essa cena icônica é como estar
realizando o sonho de todas as bookstans, inclusive o meu. Espero que
nunca me acordem.
Allie, minha querida Allie-Cat, estou me juntando a você no clube das
safadas esta noite.
Simplesmente perco o fôlego e qualquer linha de raciocínio no
momento em que Sebastian bate mais fundo, atinge um novo lugar
desconhecido e acaricia meu clitóris com força e precisão, estrelas dançando
no ar à medida que seu polegar massageia meu ponto inchado e trêmulo de
necessidade. Seguro o grito gutural em minha garganta e vejo ele fazer o
mesmo, espremendo os olhos e pressionando a boca, para não mostrar o
quanto está afetado e o quanto está louco de desejo. Não sei por que ainda
está tentando, ele é péssimo em fingir, estou vendo daqui o volume
exuberante na sua calça, maltratando seu jeans e o coitado do seu zíper, que
parece prestes a voar, a qualquer minuto. Como se quisesse mesmo pagar
para ver, pronta para lhe arrancar à força um descontrole, me movo contra a
sua mão, uma, duas, três vezes, rebolando para que possa ter acesso a toda
extensão da minha boceta, sem nenhum pudor ou vergonha de estar
parecendo desesperada para ser saciada.
— Você continua tão quente, tão gostosa, tão fodidamente apertada.
Hmmm. — Me pegando de surpresa mais uma vez, Sebastian estica a língua
para fora e a passa sobre meus lábios, de baixo para cima, depois lambe os
seus, como se esse fosse o único jeito de transferir e sentir o meu gosto.
Choramingo de desgosto por não ter aproveitado quase nada e o desgraçado
sorri. — Agora você quer me beijar, é?
— Se eu quiser te beijar, eu beijo, idiota.
— Que megera gulosa, quer os meus dedos e agora a minha boca.
Quer o meu pau também?
Não sei se gemo alto por conta dos seus dedos exploradores, me
penetrando de dentro para fora ou se é por conta da menção ao seu pau, que
faz o meu interior contrair de forma vergonhosa, contudo preciso morder a
minha mão para poder me resguardar. Não quero atrair possíveis pessoas
curiosas. Não quero que acabem com o meu barato logo agora que ele
começou a ficar bom.
Mais uma vez choramingo quando Sebastian retira os dedos de dentro
de mim e me vira bruscamente, fazendo com que eu fique de frente para a
parede. Mordo o lábio inferior e sinto o frio passar por minhas coxas
desnudas, bem a tempo de suas mãos também passarem por elas,
acariciando-as até que meu vestido suba e quase revele a minha bunda, onde
ele desfere um tapa em uma das nádegas. Santo Deus, o que ele está
planejando fazer comigo?
— Vestido bonito. — Ouço-o me elogiar, depois de mordiscar
rapidamente o lóbulo da minha orelha. — Prata, curto e decotado. Aposto
que ficaria ainda mais interessante no chão. É uma pena que não podemos
fazer isso aqui.
Não podemos, mas eu juro que gostaria.
— Vá direto ao assunto. Você vai me pegar por trás ou não vai? —
Viro sobre os ombros para ter um vislumbre do seu rosto e vejo o instante
em que suas írises passam a brilhar com luxúria e uma outra coisa que
desconheço. — Vai me fazer gozar como disse que faria?
O tempo que Sebastian demora a me responder é o tempo em que leva
os dedos à boca, provando um a um, cheio de sorrisinhos e com o cérebro
rodando e rodando informações. Posso escutar e entender daqui que está
ganhando tempo, porém decide abrir a boca alguns minutos depois, que
parecem mais uma eternidade.
— Sabe, eu gostaria, era a minha intenção no início, só que vendo
essa sua carinha de desespero, acho que vai ser mais legal se você ficar na
vontade. Essa será a sua punição por ser desobediente. Garotas más não
devem receber as coisas assim tão facilmente.
Rio sem sentir um pingo de graça.
— Você não pode estar falando sério.
— Ah, linda, estou. Se você quiser mesmo que eu te coma por trás,
deixe de ser medrosa e converse comigo, como tanto enrola para fazer, me
dizendo o que realmente quer de mim. Hoje eu passei dos meus limites. Em
tudo. Não vai mais acontecer.
Como se não tivesse acabado de me enxotar mais uma vez, ele me dá
um selinho, volta para dentro do estabelecimento e eu encaro o beco escuro
sem piscar.
Pouso os dedos sobre os meus lábios e bato o pé no chão como uma
criança.
Não acredito que Sebastian acabou de me dar um selinho. Um selinho.
Não acredito que acabou de ir embora e me deixou aqui, ainda sentindo seu
toque por todo o meu corpo. Lágrimas sobem aos meus olhos com uma
mescla de raiva e vergonha.
Impressionante como eu só faço tudo errado. Quando que eu vou
começar a aprender?
Quando Waylen foi dançar com Kayla na pista de dança, eu fiz o que
disse que faria, fiquei sentada nos banquinhos enquanto tomava a minha
bebida, meus olhos atentos no que poderia acontecer com os meus amigos a
qualquer momento. Eu sentia que um babado fortíssimo estava prestes a se
desenrolar, meu faro, que capta situações embaraçosas à vista, logo apitou e
por mais que eu estivesse preparada para intervir e salvar minha melhor
amiga de possíveis problemas, afastando qualquer distração ao meu redor
para me concentrar nela e no nosso novo amigo — incluindo mandar
embora todos os homens que sentavam ao meu lado para me xavecar com
cantadas baratas e perguntas idiotas do tipo: “nossa, você é linda e
diferente, não me parece americana, de que lugar você é?”, como se meu
país também não ficasse na América —, nada teria sido capaz de conseguir
neutralizar minha careta de espanto assim que vi o beijo de Sebastian em
outra garota, que não era a minha Kay-Kay.
Fiquei de coração partido no exato segundo em que perscrutei seu
rosto, não mais carregado de diversão e sim, de uma dor tão profunda, que
me fez levantar em um ímpeto para arranca-la de lá e a proteger em meus
braços. No entanto, tão logo fiz menção de ir ao seu encontro, Kayla saiu
empurrando todo mundo e se direcionou até a saída de emergência. Eu iria
segui-la, Waylen também, mas, no exato instante em que ela saiu correndo,
Sebastian afastou a garota loira que estava beijando, soltou um suspiro
audível e exasperado e correu para fazer o mesmo percurso da saída, indo
atrás dela. Decidimos que seria melhor aguardar, afinal, eles poderiam
conversar, se entenderem ou até mesmo poderiam brigar até dizer chega e
era justo que fizessem qualquer coisa com privacidade.
Não importava o que Kayla decidisse fazer, nós a apoiaríamos.
E o que fosse que estivessem fazendo, durou de dez a vinte minutos,
não mais que isso. O primeiro a sair foi Sebastian, com uma pose que eu
não conseguia distinguir muito bem, e dois minutos depois saiu Benson,
cheia de lágrimas e um misto de tristeza e raiva no olhar. Por mais que eu
tenha insistido para que me contasse o que aconteceu, ela não quis, apenas
se limitou a chacoalhar os ombros para cima, implorando para que
fôssemos embora, porque se sentia cansada e sem clima para permanecer no
Lost Paradise. Eu respeitei o seu momento introspectivo, concordei que
deveríamos ir embora e fomos todos de encontro ao meu carro. Deixei
Waylen em sua casa, ele tão preocupado que era de dar dó, parecia se sentir
culpado por ter concordado em ir para a pista provocar Sebastian, e depois
segui para nosso dormitório no campus da MU, porém não sem antes
chamar o loiro de canto e sussurrar em seu ouvido que não era para se
preocupar, que ele não tinha culpa e que ela ficaria bem.
Kayla não conseguiu nem se despedir, estava de olhos fechados e com
a cabeça encostada no vidro. Fiquei o resto do caminho todo na dúvida se
ela estava mesmo dormindo ou só fingindo para não ter que conversar,
entretanto não quis tirar a prova dos nove, deixei que ficasse do jeito que se
sentia melhor. De jeito nenhum que eu iria incomodá-la. É por isso que a
nossa amizade dá tão certo, só ficando cada vez mais e mais forte com o
passar do tempo. A gente se entende, entendemos nossas personalidades e
as respeitamos acima de tudo, sem pressão, cobrança ou exigência. E,
embora a minha melhor amiga tenha evoluído muito desde que nos
conhecemos, ela ainda é muito diferente de mim. Enquanto eu gosto de
esbravejar, colocar tudo para fora e ficar falando, falando e falando, ela, às
vezes, prefere ficar em seu casulo, pensar sozinha, entender suas próprias
emoções e só depois colocar para fora, com muito mais calma e cautela. Até
porque essa é Kayla Benson, essa é a garota por quem me encantei desde o
momento em que quis fugir de mim, ela é cheia de nuances e com uma
personalidade forte.
Muitos podem dizer que ela é difícil de lidar, só que eu não acho,
nada nela é difícil, as pessoas que não a conhecem verdadeiramente é que
complicam tudo. Ao meu ver, Kayla é muito fácil. Amá-la é fácil. Tão fácil
que não me vejo em uma vida onde não a tenha. Ela é a irmã que eu nunca
tive. A minha metade.
Foi com esse sentimento pulsando em minhas veias que estacionei o
carro, saí do meu lugar e fui abrir a sua porta, ajudando-a a subir ao passo
que a apoiava em meus ombros. Ajudei a tirar sua roupa, a deitei na cama e
dormi ao seu lado, abraçando-a. Minha amiga tentou muito ser silenciosa,
no entanto, consegui ouvir as suas fungadas e o seu choro reprimido nos
primeiros minutos, até que pegasse realmente no sono e dormisse tranquila
a noite toda.
Fiquei sentindo tanta dor e angústia, que a única coisa que fui capaz
de fazer foi abraçá-la ainda mais forte durante a madrugada.
Mas então eu acordei hoje cedo e Kayla não estava em lugar nenhum,
supus que tenha ido correr, como sempre gosta de fazer quando algo sério
acontece e ela precisa organizar as ideias. Aproveitei que estava sozinha e
decidi colocar uma música animada, para expelir toda a energia negativa
aqui presente e fui fazer uma faxina geral no dormitório. Assim como a
minha melhor amiga, também gosto de me movimentar quando estou
preocupada com algo, a única diferença entre nós duas é que eu sou a
sedentária da amizade, já ela é a musa fitness, que corre vários quarteirões e
vai à academia. O máximo que eu faço é dançar com os meus pais no
estúdio deles nos dias em que vou visitá-los.
Ah, e cantar, claro, mas cantar e compor nem conta.
Se contasse, eu seria a pessoa mais saudável do planeta.
A música Fresa da Tini embala a minha limpeza e eu saio da mesinha
de estudos para ir em direção à estante recheada de livros, dedilhando e
passando o pano na lombada de alguns, para tirar a fina camada de sujeira
imperceptível que sempre se acumula sem que a gente se dê conta. São
tantos livros de romance que fico impressionada. Não sei como Kayla dá
conta disso tudo.
Sorrio internamente ao ver Para Todos Os Garotos Que Já Amei e
lembro da Kayla e do Sebastian vestidos de Lara Jean e Peter Kavinsky na
festa. Só vi o filme uma única vez e nunca nem toquei nos livros. Com
curiosidade fazendo meus dedos coçarem, o puxo da prateleira para vê-lo
melhor e começo a abri-lo, na intenção de folheá-lo.
Antes mesmo de poder observar qualquer detalhe, dou alguns passos
para trás, em surpresa, assim que um pedaço de papel dobrado cai do livro e
vai em direção ao chão, aterrissando como uma pluma no assoalho.
Me agacho para colocá-lo de volta no lugar, supondo que não é nada
demais, quando a folha se abre um pouco e reconheço a caligrafia da minha
melhor amiga. A coisa que mais me chama atenção é o começo, que diz
Querido Sebastian... Bem, só pode ser uma carta. Uma carta muito pessoal
e carregada de sentimentos, porque ela com certeza descarregou tudo aqui
nos primeiros dias da separação. Demoram mais dois segundos para que eu
me lembre e tenha ainda mais certeza do que estou pensando, a cena de nós
duas me vem logo à mente.
— Elsa. — Estávamos nós duas, pintando as unhas sentadas no chão,
quando ela decidiu me chamar. Pincelei a última camada de esmalte pérola
em meu dedão e ergui minhas írises, incentivando que continuasse e ela
continuou, só que sem olhar para mim de volta, muito concentrada ou
querendo parecer. — Vamos supor que eu fizesse uma carta para Sebastian
contando toda a história da minha vida e declarando meus reais
sentimentos, você acha que eu deveria enviá-la algum dia, mesmo que
ainda permanecêssemos distantes?
Tombei a cabeça um pouco para o lado e a estudei de um outro
ângulo.
— Por que, você fez isso?
— Não, claro que não, é apenas uma suposição. Olha bem para mim,
eu lá sou de estar escrevendo cartas.
Dei de ombros, fechando a tampinha do esmalte.
— Se for de coração e se você sentir que é mesmo necessário, se for o
único jeito de você conseguir ser sincera de verdade, acho válido, nobre e
muito bonito. Cartas são românticas.
— Ou uma perda de tempo. — Bufou. — Foi uma pergunta tão
aleatória, né? Muito sem pé nem cabeça. Vamos falar de outra coisa. Qual
a cor que devo pintar as unhas da minha mão?
Me empolguei e fui logo procurar uma boa combinação.
Confesso que achei o questionamento muito estranho, porém ela
conseguiu me enrolar tão bem durante o dia todo que, como posso ver,
esqueci rapidinho do assunto. Se eu não esbarrasse com essa carta,
provavelmente nunca mais me lembraria desse pequeno e rápido momento
do nosso dia.
E por mais que eu esteja muito, muito curiosa para saber o que tem
aqui dentro, não vou ler nem espiar o conteúdo, pois já posso imaginar
sobre o que seja; a verdade, apenas a verdade dela sobre quanto o ama e
isso não diz respeito a mim. Diz respeito à Kayla. Diz respeito a Sebastian.
Somente aos dois.
Não acredito que ainda não enviou. Do jeito que é, deve estar
esperando o momento certo. Entretanto, quando é que ela vai dar o braço a
torcer e perceber que, não importa o quanto tente lutar contra, esse papel
pode ser a chave para uma possível reconciliação ou perdão? Está tudo
aqui, escrito e exposto com tanta veracidade, que não terá como não sentir
ou como contestar suas emoções. Sei que está esperando, sei que primeiro
precisa da evolução, mas isso já não é o suficiente para compreenderam —
até mesmo ela própria — que as suas prioridades, os seus interesses e a sua
personalidade estão mudando? E mudando para melhor?
Uma conversa é importante, é o primeiro passo e eles não precisam se
apressar, podem tentar aos poucos, de uma forma muito mais saudável,
respeitosa e com o apoio das pessoas que, para ambos, verdadeiramente
importam. Podem voltar a serem amigos, podem voltar a conversar e, aos
poucos, tão logo se sentirem prontos, podem retomar o relacionamento e se
dedicarem a isso. Pelo menos é o que penso. Posso estar equivocada e
movida pela minha grande vontade de ver a minha Kay-Kay bem e feliz
novamente, embora ele tenha pisado muito na bola ontem, não posso deixar
de pensar que posso ajudá-la com apenas um empurrão.
Mas e se ela ficar com raiva? E se me odiar? E se eu fizer algo que
torne tudo ainda muito pior e sem saída? Eu definitivamente não me
perdoaria.
É algo a se pensar, eu sei e eu vou, com calma, estudar a melhor
forma de fazer isso dar certo. Eles se amam, são alma gêmeas, precisam
ficar juntos ou se separar de vez, porque todo esse silencio e essa incerteza
entre eles só prolonga ainda mais o sofrimento de ambos.
Coloco a carta onde estava, deixo o livro entre os outros, parecendo
que ninguém nunca o tocou, e me sento na cama com o coração pulando.
Me sinto em dúvida, pois também tenho a minha parcela de culpa no
que aconteceu e é como se eu tivesse acabado de encontrar a solução
perfeita.
Só que primeiro preciso conversar muito seriamente com Kayla sobre
ontem, sobre o porquê do choro e como está se sentindo hoje. Se ela me der
qualquer indício de que ainda deseja arduamente se resolver, vou tentar dar
meu jeito.
Já chega de eu ficar quieta só testemunhando tanto sofrimento.
Bryan, eu, Lionel, Maddox, Justin e Kellan decidimos brincar de
jogar futebol americano do lado de fora da nossa casa. É finalzinho de tarde
e nós estamos fazendo a nossa própria bagunça, sem camisa e suados,
enquanto algumas garotas, que moram pela vizinhança, saem ou ficam em
suas janelas para nos observarem, sem nenhum disfarce. Meus amigos — e
o meu irmão — só falam disso entre si, meio que vira uma competição de
quem chama mais atenção e eu não poderia estar me importando menos
com quem para e nos olha. A verdade é que ando distraído desde ontem à
noite, após ter ficado tão duro de desejo, que cheguei em casa e as minhas
bolas ainda estavam doendo, porque Kayla Benson me fodeu desde que
resolveu aparecer no Lost Paradise com aquele vestidinho, aquele maldito
batom vermelho realçando seus lábios carnudos e bem desenhados, e a
merda da companhia daquele garoto Waylen.
Eu sei que ela estava com Elsa, não foi como se tivesse ido sozinha
com ele, ainda assim aquele moleque conseguiu me irritar. Não vou muito
com a cara dele, para ser bem sincero. É muito palpável o quanto é sonso,
com aquela carinha fofa, as bochechas sempre vermelhas e o sorriso doce
no rosto. Aposto que é um personagem para enlaçar as mulheres em sua
teia, aparentemente inofensiva, mas que com certeza é perigosa. Eu não o
conheço e Kayla também não, não sei por que ainda insiste em tê-lo ao seu
lado como se fossem inseparáveis. Ainda pensou que dançar com o idiota
ao meu lado fosse uma boa ideia, como se eu não fosse me importar. Acho
que nunca senti tanta raiva na vida e olha que sei que ela só foi parar lá para
me provocar, para me dar o troco por eu tê-la provocado primeiro com a
loira, que nem fiz questão de gravar o nome. Só que eles estavam muito
juntos, muito íntimos e ela ria tanto que me incomodou. “O que poderia ser
tão engraçado?”, foi o que me questionei enquanto fingia prestar atenção
na loira, no entanto a verdade é que meus ouvidos estavam atentos a eles,
tentando identificar o que tanto conversavam.
Quando percebi que eu não iria obter nenhuma informação, fiz uma
coisa estúpida. Deixei que a Ellie — ou seria Ellen... Evelyn? — se
aproximasse e me beijasse, porque era o que ela queria desde o princípio.
Não menti ao dizer que não senti nada. Foi morno, sem graça, daquele tipo
que não desperta uma faísca, e esquisito, já que eu sabia que só podia
funcionar com uma outra pessoa, uma que esbarrou em mim e saiu da pista
feito um tornado. Eu sei que eu não deveria me arrepender ou me sentir mal
por ter beijado outra garota, é isso que solteiros fazem, porém não fiz com a
melhor das intenções e muito menos estava com o intuito de querer seguir
em frente, sem contar que, no fundo, fiquei com medo de ter estragado
alguma coisa e deixei tudo e todos para trás, pronto para segui-la e
confrontá-la, mesmo sabendo que Kayla não deveria se importar com o que
faço ou deixo de fazer, já que foi ela a me enxotar e a me tratar com
desprezo, como se nossa história não tivesse servido de nada.
Vê-la naquele beco, como na outra vez, foi demais para mim e para o
meu juízo afetado pelos seus feitiços e que, não importa o que eu faça, não
consegue se libertar. Tenho certeza que ela me aprisionou e me deixou
louco, porque quando penso com clareza nas coisas que disse e nas coisas
que quase fiz, como pensar em comê-la contra aquela parede fria só para
que soubesse que sim, eu a marquei de alguma forma, nem que seja só
sexualmente falando, não me reconheço. Continuo não me reconhecendo
quando lembro que tive forças para me afastar e para a deixar lá, depois de
quase ter a feito gozar em minhas mãos, louca por uma segunda rodada no
meu pau. Não sei que besta enjaulada que me possuiu, mas agi de uma
forma que nunca imaginei agir na vida, cheio de confiança, controle, pelo
menos um pouco, e com uma leve pitada de sadismo, por ter gostado de
escolher sair bem no momento mais quente.
Eu queria fazer com que ela pagasse por cada mau comportamento,
principalmente o daquela noite, e não a fodi como sei que gostaria. Minha
intenção era frustrá-la, deixá-la querendo mais, para que chegasse no seu
dormitório e não conseguisse pensar mais em ninguém, apenas em mim, no
homem que tinha em suas mãos e acabou perdendo por puro capricho e ego.
Eu queria que ela se arrependesse amargamente por conta da maldita
aposta.
Eu queria que ficasse acordada até tarde imaginando o que eu poderia
fazer por ela caso ainda permanecêssemos juntos até hoje. Eu poderia
deixá-la no topo, eu poderia satisfazê-la de todas as formas e naquele
momento ela se deu conta disso, pois a deixei em êxtase, vendo estrelas.
Contudo, também mostrei, novamente, que o controle é meu. Diferente de
antes, não é como ela quer, é como eu quero.
E se Kayla não tivesse quebrado meu coração, não seria assim. Não
haveria desencontros em cafeterias, brigas em becos, beijos em
desconhecidas e nada dessas coisas. Meus olhos, minha vida e o meu
mundo seriam dela. Ninguém nunca importou antes e ninguém nunca iria
importar, porque era ela, sempre seria ela em qualquer circunstância. Seria
Kayla Benson no meu presente, no meu futuro e até mesmo na porra da
eternidade, porque a minha alma e do que quer que ela fosse feita, seriam
dela, simples assim. Eu a vi e a quis, seria muito piegas dizer que parecia
que eu a conhecia de outras vidas? É, talvez seria, mas foi o que eu senti.
Nosso encontro foi tão por acaso que parecia que havíamos sido
predestinados um ao outro. Tão irônico. Estávamos predestinados ao
fracasso, isso sim.
Por sorte, meus amigos e Bryan não perguntaram o que aconteceu.
Acho que na cabeça deles eles pensam que eu fui brigar e dizer, para que a
irmã mais nova de Kellan, me deixasse em paz, pois, a partir daquele
momento, eu iria pegar quem eu quisesse. Coitados.
— Passa a bola para mim, Sebastian — meu gêmeo grita assim que
me vê parado por alguns segundos. Balanço a cabeça, tentando me
concentrar e arremesso a bola em sua direção. — Obrigado, quarterback.
— Pisca e sorri.
Meu coração afunda um pouco.
Tenho mais uma preocupação para adicionar à lista, Bryan Skalbeck
indo embora mais tarde. O final de semana passou tão rápido, não me
pareceu suficiente para ficar de saco cheio dele, querendo o mandar de volta
para Detroit com um chute na bunda. O queria em Maevis e às vezes fico
me perguntando por que, além da aparência, tínhamos que ter sonhos tão
parecidos, nos fazendo seguir por caminhos afastados quando sempre
fomos tão unidos e inseparáveis. É difícil ficar longe de alguém que nasceu
com você, literalmente falando. Não há um momento da minha vida que eu
não me recorde de estarmos juntos. Sempre fomos melhores amigos um do
outro e sempre tivemos as nossas melhores memórias compartilhadas. Ele é
uma extensão minha, uma que me deixa ainda mais forte e com ainda mais
garra para persistir, pois mesmo estando a quilômetros de distância, luto
para que sinta orgulho de mim da mesma forma que sinto orgulho dele. No
dia em que Bryan chegou, meu mundo se coloriu e se preencheu
novamente, e tenho medo que ele perca a cor tão logo meu irmão for
embora, já que algo em mim voltará a ficar vazio. É por isso que, por mais
que eu ame quando matamos a saudade, também odeio, porque a parte da
despedida é a mais difícil. Mas pelo menos nós ainda temos mais algumas
horas juntos, horas essas que temos que gastar falando com a nossa mãe e
com o nosso pai por ligação daqui a pouco, para contar as coisas que
fizemos e como nos divertimos juntos.
Bem superficialmente, já que nem ferrando vou dar qualquer detalhe
do bar, eles ficariam envergonhados. E eu mais ainda.
Mais algumas partidas depois e nós voltamos para dentro de casa, a
graça da brincadeira havia acabado e nós só precisávamos tomar banho e
comer.
Cada um foi para o seu canto e assim que terminei de me arrumar, o
gêmeo mais irritante do mundo apareceu no meu quarto com o celular já no
ar, não me dando nenhuma dúvida de que estava na videochamada com
Tessa e August Skalbeck.
— Olha ele aqui, mamãe — informa Bryan enquanto enfia o celular
na minha cara. — Está um grande homem, não é mesmo?
Olho para a tela e a primeira coisa que noto é o sorriso largo da
mamãe e os olhos emocionados do nosso pai. Por Deus, parece até que
ficaram sem falar com a gente por séculos, sendo que fazemos chamadas ou
trocamos mensagens quase todos os dias. Mas tudo bem, eles são uns pais
babões, eu sei. Nós dois somos seus maiores orgulhos e temos muita sorte
de tê-los.
Não sei quantos podem ter o privilégio de falar isso, todavia eu e
Bryan crescemos em um lar repleto de amor, carinho e atenção, nunca
tivemos esse lance de filho favorito e protegido, sempre tivemos o mesmo
tipo de tratamento, sem mais, nem menos. Tessa e August iam aos nossos
jogos, levantavam cartazes com os nossos nomes, enfeitavam a casa com
fotos nossas e sempre, sempre, eram um amor conosco. Até hoje é assim, na
verdade. Costumamos dizer que, para eles, nós ainda não crescemos, somos
os mesmos garotinhos de antigamente. É engraçado, porém fofo, mostra o
quanto se preocupam e o quanto se importam, mesmo eu e Bryan
espalhados em diferentes cantos dos Estados Unidos. Temos uma relação,
nós quatro, tão linda e sincera que percebo o quão raros somos. Nossa
família é uma família de verdade. Morreríamos e mataríamos um pelo
outro, sem nem pensarmos duas vezes.
E se me perguntassem do que mais sinto orgulho no mundo, diria de
ter nascido um Skalbeck. É a minha maior e mais valiosa herança.
Falando em meus pais, eles eram vizinhos e melhores amigos no
começo. Conviveram juntos por longos anos, praticamente a infância e a
pré-adolescência toda, no entanto se separaram quando a minha mãe, junto
dos seus pais, nossos avós, mudaram para um bairro distante. Não havia
muito como manter contato, eles eram apenas crianças na época e acabaram
tendo que fazer novas amizades para se acostumarem com a ausência que a
separação trouxe. De acordo com os dois, eles nunca se esqueceram um do
outro, ficaram marcados na memória por toda as belas aventuras que
viveram, ambos foram suas respectivas paixonites, mas, como o universo
nunca está para brincadeira, eles se reencontraram na faculdade, sendo
colegas do mesmo curso. Voltaram a se falar no mesmo momento que se
reconheceram, e aí, bem, óbvio que papai não a deixou escapar dessa vez.
Eles saíram, namoraram, noivaram e quando mamãe descobriu que estava
grávida, decidiram que era o momento perfeito para se casarem em uma
linda cerimônia, a barriga da dona Tessa já aparente sob o vestido branco.
Muito coisa de filme. Não tem como não ser um grande fã deles dois
e de tudo que construíram.
— Vocês dois são tão lindos! — ela solta como a mãe coruja que é.
— Que saudade que eu sinto de vocês, meus filhotes. Me contem como foi
o final de semana, estou empolgada. Quero cada detalhe.
Um ruído se faz audível e August aparece mexendo na câmera para
conseguir ficar mais visível. Bryan e eu fazemos “fiu fiu” assim que somos
agraciados com seu rosto, porque, puxa, ele merece, é um coroa galã e
tanto.
— Obrigado, obrigado, eu sei que sou demais. — Ele meio que faz
uma reverência e a gente ri. — Preciso estar de olho na mãe de vocês, sabe
como é, a minha querida não sabe muito bem lidar com a tecnologia e
sempre corta meu rosto nas ligações.
Isso é verdade.
— Já pensou que pode ser por querer, pai? — Bryan brinca. — Ela
tem medo que Sebastian e eu fiquemos prestando mais atenção em você do
que nela.
— Há, há, há. Até parece. Não tenho ciúmes dos homens da minha
vida.
Tá vendo, eu disse, família de comercial de manteiga.
— Ewww — Bryan e eu contorcemos nossos rostos em careta no
instante em que os dois se olham, sorriem, papai feliz pelos “homens da
minha vida” e dão um selinho estalado em frente à câmera. O amor deles às
vezes chega a ser enjoativo. — Que nojo. Se continuarem assim, vou
desligar a chamada.
— Vocês fazem coisas muito piores e ninguém fala nada. — Os olhos
de August se estreitam em desafio, que até pela tela de um celular dá para
notar, claramente expondo nossas travessuras. — Quer dizer, o Bryan faz
mais, Sebastian ainda é um garoto intocado e virgem.
Ai, essa não.
De repente, me engasgo e o meu irmão cai na gargalhada.
É, pois é, eu não contei para os meus pais sobre Kayla. Simplesmente
não deu tempo.
Olho de forma ameaçadora para Bryan, ainda tossindo, mas ele segue
rindo como se não pudesse acreditar no que ouviu.
— Ah, com certeza. — Ele volta a equilibrar seu celular direito,
prestes a soltar alguma piadinha que vai me envergonhar ainda mais. —
Bryan está tão virgem e intocado quanto a Mia Khalifa. Confia.
Não demora muito para que a minha mão acerte seu pescoço.
— Mia? Quem é Mia? — Ouço a voz da minha mãe ao longe e
rapidamente voo para cima de Bryan, querendo matá-lo. Me penduro nas
suas costas e tento arrancar o aparelho da sua mão, sem sucesso. — Ei,
meninos, não briguem. Parem já com isso! — Sua advertência entra por um
ouvido e sai pelo outro, porque estou muito ocupado pensando em tirar a
vida do seu filho mais velho. Se existe mesmo essa história que falam, do
gêmeo do bem e gêmeo do mal, ele é o maldito gêmeo do mal. — Nossa,
vocês continuam teimosos. Isso tudo é por conta dessa tal de Mia?
— Já chega, meu bem — é papai mandando a sua esposa parar e
tenho certeza que também está envergonhado, pois, ao contrário dela, ele
sabe quem é essa. —Meninos, ligamos para vocês individualmente mais
tarde. E Sebastian, pode dar um troco no seu irmão, ele anda mentindo
demais.
Tessa começa a falar, só que é cortada no meio assim que a ligação se
encerra.
Mais gargalhadas de Bryan Skalbeck.
Reviro os olhos.
— Eles ainda acham... eles ainda acham que você é virgem. — Cobre
a boca com as mãos, querendo abafar seus sons. O que é que é tão
engraçado? Ele não para de rir! — Que maldade, Seb. Você perdeu o
cabaço e nem teve a decência de contar para eles. Já pensou no quanto eles
ficarão magoados?
Minhas írises o fulminam.
— Cale a boca.
— Vai fingir castidade? Nossos pais nem são religiosos.
Volto a ir para cima dele, só que Bryan se esquiva, me fazendo rolar
os olhos pela segunda vez.
— Que horas você volta para Detroit mesmo?
— Puxa. — Faz cara de ofendido. — Já está me expulsando? Achei
que me amasse.
Sorrio à contragosto por conta da sua apelação.
— Amo, só que você continua sendo um cuzão. E não fale nada a
eles, por favor, depois eu mesmo conto.
— Eu não iria contar, idiota, estava só zoando com você. Pare de ser
chorão.
Respiro fundo e cruzo os braços.
— Quem é que está chorando aqui?
Bryan dá de ombros e se aproxima.
— Você. — Aponta o dedo em riste em minha direção. — Mas aposto
que é porque estou indo embora.
Simples assim, ele me desarma, a saudade já começando a consumir
meu peito.
— Não é, não.
— É, sim.
— Claro que não. — Eu dou mais um passo.
— Claro que sim.
Então ele dá mais outro e a gente se abraça, com direito àqueles tapas
nas costas e risadas em meio à emoção. Não é como se a gente não fosse
nunca mais se ver, provavelmente vamos fazer a nossa reunião em família
esse ano, nem vai demorar muito, ainda assim, é difícil. Mesmo sendo um
grande insuportável, o queria comigo para sempre. Acho que posso pensar
na possibilidade de prendê-lo aqui, ninguém poderia me julgar.
— Vê se você se cuida, ouviu, Sebastian? Peguei o número de todos
esses caras e vou me informar certinho como você anda vivendo a sua vida,
não quero nem sonhar que esteja aqui mal. Se acontecer, eu corro de
Michigan à Montana em segundos.
— Jura? — Surpresa transborda em minha voz. — Correria isso tudo
por mim?
— Eu morreria por você, irmão, correr seria o de menos.
Pisco uma porção de vezes.
— Vou realmente sentir a sua falta, Bryan.
— Eu sei, eu sei. Mas estaremos juntos em breve.
Assim que nos afastamos, ele aperta meu ombro.
— Você não pediu, no entanto vou te dar um conselho. Eu vi quando
Kayla te viu beijando outra. Ela parecia... não sei, despedaçada. Juro que
quase a vi chorar naquela pista de dança. Uma pessoa que não se importa,
não ficaria daquele jeito. Estou falando isso de forma inteligente, retirando
o véu da raiva e você deveria começar a fazer isso.
— O que está querendo dizer?
— Estou querendo dizer que essa história pode ser mais profunda do
que aparenta.
Pelo visto eu não sou o único que já pensou isso alguma vez.
E se Bryan, que estava completamente inconformado, chateado e com
raiva, conseguiu perceber isso, alguma coisa realmente deve ter.
O que será que essa garota está me escondendo? Ou será que está
tramando?
— Prometo que vou começar a prestar mais atenção. Agora vem,
vamos comer, aposto que Justin está preparando um ótimo banquete de
despedida.
Um barulho rosna no ar.
— Porra. — Bryan esbraveja. — Minha barriga até roncou. Ainda
bem que temos um nerd prendado.
É a minha vez de rir.
— Sim, ainda bem.

Meu irmão foi embora no domingo, poucos minutos depois do jantar.


Ele me mandou mensagem assim que chegou e a gente ficou conversando
até pegarmos no sono. Até mesmo cinco dias depois, continuamos fazendo
a mesma coisa, com a mesma rotina de descrever como foi o nosso dia um
para o outro. É sempre a mesma linha; corrida, treino, estudo, momento
com os caras.
Nada acontece de novo, porque vivemos como robôs programados
durante a semana.
Exceto agora, que algo fora do normal acontece quando abro o meu
armário no vestiário. É um papel dobrado em cima das minhas coisas, o que
é um tanto quanto estranho, afinal, esse negócio não estava ali antes. Olho
para um lado, olho para o outro e nada, nem ninguém parece suspeito. Os
meninos estão rindo entre si, brincando, enquanto tomam banho e trocam de
roupa.
Eles não prestam atenção em mim, então não é uma pegadinha.
Da próxima, vou começar a trancar meu armário, não gosto da ideia
de ninguém mexendo nas minhas coisas sem permissão.
Puxo o papel com curiosidade e, ainda com a mão enfiada no armário,
eu o abro. Meu coração sobe até a garganta tão logo vejo a primeira frase
escrita. É uma carta. Uma carta à mão e que parece ser... Engulo em seco.
Parece ser de Kayla.
Ela que deixou aqui?
Mesmo trêmulo, afasto os pensamentos e me preparo para ler.
“Querido Sebastian, hoje faz um mês desde que nos vimos pela
última vez, quando você declarou nosso término de forma silenciosa e
dolorosa. Pode parecer idiota e completamente atrasado da minha parte,
porém resolvi escrever de volta para você nessa folha de papel, embora eu
não saiba se vou ter coragem de te entregar algum dia. Por mais que você
tenha escrito para mim abertamente em um jornal que acumula centenas de
leituras toda vez que é publicado, me vejo na obrigação de nos resguardar
e de só dirigir minhas sinceras palavras a você, porque, por mais que as
outras pessoas estejam sabendo da nossa história, elas não viveram o que
vivemos e elas jamais iriam conseguir entender o que vou fazer questão de
declarar nessa pequena carta pessoal que te dedico.
Durante os meses em que ficamos juntos, eu deixei de te dizer muitas
coisas. Não porque eu não queria ou porque não me sentia pronta, mas
porque tinha medo de que você percebesse o quão feia a minha história é.
No entanto, nesse momento, eu preciso que você veja o meu interior e tenha
ciência da minha alma.
Como não sei me expressar muito bem ou que parte mencionar
primeiro, acho que nada mais justo do que começar pelo começo, que é
quando meu pai conhece a minha mãe.
Ela cantava no bar do meu pai em Scranton, cidade em que vivíamos
na Pensilvânia, para ganhar umas gorjetas já que havia saído da casa dos
pais, no caso meus avós, para morar em uma rua cheia de trailers e com o
intuito de ser livre. Meu pai disse que se apaixonou por ela no mesmo
momento em que a viu entrar pelas portas do seu estabelecimento. Ela era
negra de pele escura, usava tranças e tinha sempre um cigarro
descansando em uma de suas orelhas na maior pose de fodona. Meu pai a
quis e a conseguiu sem nem precisar de muito esforço. Eles se apaixonaram
perdidamente, passaram a morar juntos na pequena casa nos fundos do
bar, mamãe passou a cantar regularmente, trouxe mais clientes e fãs e,
poucos meses depois, acabou engravidando de Kellan. De repente, aqueles
dois se transformaram em três e tudo estava uma maravilha, até que quase
dois anos depois eu nasci. Comigo ainda recém-nascida, com quatro ou
cinco meses de idade, Cecília, nossa mãe, recebeu um convite para se
juntar à uma banda em outro estado e foi. Ela simplesmente arrumou suas
malas, fez uma carta se despedindo do meu pai, deixou tanto eu quanto
Kellan dormindo em casa e se mandou das nossas vidas, como se nada no
mundo fosse mais importante do que sair viajando e ganhando dinheiro,
como se dois seres ainda muito pequenos não precisassem do seu colo e do
seu amor.
Sebastian, meu pai ficou arrasado. Minha mãe era a mulher da vida
dele e ele não sabia o que fazer com duas crianças dependendo dele para
tudo. Ele precisava trabalhar, ele precisava comprar nossa comida e ele
precisava seguir em frente. Foi difícil e extremamente complicado, mas ele
conseguiu. Meu pai cuidou da gente, deu o seu máximo, conseguiu tocar o
bar e ainda faturou tão bem durante aqueles anos que crescíamos que, aos
quatro anos, lembro de nos mudarmos para uma casa nova, a casa em que
viveríamos até o dia em que eu e meu irmão decidiríamos fugir. Bem, essa
não é uma parte para agora, não quero me adiantar nos acontecimentos
que desgraçaram a mim e a minha família. Porque, querido corredor, se
você pensa que ter sido abandonada pela minha mãe foi a pior coisa que já
aconteceu comigo, gostaria de deixar bem claro que não entra nem no top
10. Voltando a falar dela, mesmo que nunca tenha nos procurado, bem
como vice-versa, papai recentemente juntou a mim e a Kellan para
informar que ficou sabendo que a minha mãe morreu justamente no dia em
que nos abandonou, aos 26 anos de idade. Não sei se por karma ou por
qualquer outra coisa do destino, porém, de acordo com as notícias que ele
ficou sabendo só depois de mais de vinte anos, o carro em que estava
seguindo viagem capotou e explodiu no meio da estrada. Ela morreu na
hora. Sem nenhuma chance de mudança de vida. Sem nenhuma chance
para o sucesso ou para a vida em família. Sem nenhuma chance de sequer
tentar fazer diferente no futuro.
Absolutamente sem nenhuma chance.
Foi doloroso ter descoberto sobre seus sonhos interrompidos, mas eu
já estava em um estágio da minha vida tão pútrido que disse para mim
mesma que ela tinha tido o fim que merecia. Pois, se Cecília não tivesse ido
embora naquele dia, ela não teria nos abandonado, ela não teria morrido e
ela definitivamente não teria entregado a mim e a Kellan nas mãos da
minha abusadora.
Ah sim, minha abusadora, minha madrasta, a pior parte da minha
história e a parte mais difícil que estarei escrevendo. A propósito, o nome
dela é Cora. Não sei muito bem como meu pai a conheceu, muito menos de
que buraco ele a arrumou, entretanto, quando eu tinha 8 anos e Kellan 10,
ele nos apresentou a ela como sendo sua nova amiga. Cora passou a estar
com a gente todos os finais de semana. Ela jantava com a gente, assistia
filme e até mesmo brincava comigo e o meu irmão algumas vezes, quando
parecia disposta. Suas visitas se tornaram frequentes e cada vez mais ela ia
tomando espaço em nossas vidas. Até que, do dia para noite, meu pai a
trouxe para morar conosco e disse que iria se casar, que Cora iria tomar
conta de todos nós. A princípio, tanto eu quanto Kellan tínhamos gostado
da informação, ela, pelo pouco que mostrava, parecia ser legal.
Só que ela estava fingindo, Sebastian. Cora estava escondendo a sua
face perversa atrás daquela sua pose amigável para que ninguém
desconfiasse do que seria capaz de fazer. Ela ainda era um amor com papai
e até mesmo com Kellan, não comigo. Lembro até hoje da primeira vez em
que ficamos sozinhas juntas, já depois de ela estar casada e bem
consolidada na família. Eu ainda era só uma criança sonhadora e amável
quando ela me puxou, apertou o meu braço, olhou no fundo dos meus
olhos, sorriu de forma maligna e disse que eu era igualzinha à vadia da
minha mãe. Exatamente com essas palavras. Eu fiquei sem entender nada,
até porque não sabia que ela tinha a conhecido e muito menos sabia o que
aquele pequeno comentário significava. Não demorou muito depois disso
para que eu descobrisse que Cora era uma narcisista psicopata que sentia
e ainda sente ódio pela minha mãe, afinal de contas, em sua cabeça doente,
meu pai ainda a ama e, mesmo depois de anos, ainda não conseguiu a
esquecer.
Cora tem uma obsessão meio doentia pela minha mãe. Pelo meu pai
também. Ela seria capaz de qualquer coisa para se manter ao lado dele.
Até mesmo maltratar e torturar uma criança, no caso eu. Até mesmo fazer
com que, pouco a pouco, meu pai fosse perdendo o encanto e o afeto por
mim.
Como ela me achava parecida com a minha mãe, como ela sabia que
meu pai e eu éramos grudados, Cora, com ciúmes, desferiu todo o seu ódio
para cima de mim ainda muito cedo. Ela tratava Kellan bem na medida do
possível, ele não era uma preocupação e um perigo para ela, eu sim. Então
as torturas físicas e psicológicas começaram. Minha madrasta, quando
tinha a oportunidade de ficar sozinha comigo, me batia, me fazia chorar,
me diminuía, dizia o quanto eu era feia e uma completa inútil como a
minha mãe. Ela gritava, puxava o meu cabelo e ainda ameaçava que, caso
eu contasse ao meu pai, passaria a machucar Kellan também, pois sabia e
ainda fazia questão de dizer que meu pai nunca acreditaria em mim. Então
Cora me deixava de castigo amarrada no pé de uma cadeira, muitas vezes
com fome, até que eu decorasse a história por detrás dos meus arranhões
caso alguém perguntasse. A história era sempre a mesma; caí na escolinha
brincando de pique esconde com meus amigos.
Papai acreditava.
Kellan também.
Ninguém ao meu redor percebia que estávamos dividindo o mesmo
teto com um monstro cruel e sem escrúpulos. Nem as professoras, aquelas
mesmas que falavam mal do meu cabelo, conseguiam prestar atenção no
meu comportamento amedrontado. Eu tentava deixar meus machucados
visíveis para que pudessem fazer algo a respeito, esperançosa de que
alguém fizesse aquilo parar de doer tanto, mas Sebastian, acho que eu
sempre fui invisível para o mundo. Acho que eu sempre fui assim desse
jeito, sem graça, sem valor, porque ninguém prestava atenção em mim. E eu
tinha tanto medo de contar para o meu pai ou para o meu irmão as coisas
que eu estava passando. Eu tinha tanto medo que aquela louca encostasse
um dedo em Kellan. Eu simplesmente vivia com medo, até mesmo dentro da
minha casa.
E se você quer uma resposta agora por eu ter me tornado tão fechada
e tão sem amizades, está aí o motivo: eu não saía do meu quarto para nada,
apenas para fazer as coisas mais básicas como comer e ir ao banheiro.
Tinha vezes em que eu preferia fazer xixi na cama do que ter que me
aventurar em encontrar Cora pelos corredores. Passei anos fazendo isso.
Passei anos sofrendo e sendo submissa a ela, aguentando porrada na cara
e em meu coração, que absorvia todos os xingamentos e todas as revoltas
daquela mulher. Foi por isso que fui perdendo minhas esperanças e a
minha fé. Foi por isso que perdi a minha autoestima, a minha inocência, a
minha doçura e o meu jeito leve de observar a vida. Foi por isso que fui,
cada vez mais, chegando no fundo do poço, lá no limbo, sendo engolida por
demônios que não estavam mais embaixo da minha cama como costumava
achar, e sim que estavam o tempo todo sobre mim, me vigiando e me
punindo como se eu tivesse feito algo muito errado por simplesmente
nascer, sendo que eu nem pedi para vir ao mundo.
Aí, já naquela fase de revolta, aos doze, treze anos, comecei a dar
indiretas para o meu pai sobre a personalidade da mulher dele em todos os
momentos em que ela não se encontrava, só que sempre era repreendida
quando ousava falar qualquer coisinha de mau ao seu respeito. Estava
nítido que meu pai estava cego e eu fiquei enlouquecida sem saber o que
fazer. Até que, logo após uma surra na cozinha, eu corri para o quarto que
eles dividiam e contei tudo para o meu pai, tudo o que vinha sofrendo por
mais ou menos três anos. No começo, meu pai ficou espantado, me abraçou
e eu pensei que tudo correria bem, que ele finalmente a expulsaria da nossa
casa e continuaríamos sendo uma família.
De novo, errei feio ao ser ingênua.
Cora chorou, fez uma atuação digna de Oscar, disse que eu estava
bancando a menina com ciúmes do papai e o convenceu a me dar uma
bronca. Todas as nossas vidas desandaram a partir desse dia, quando eu
percebi que já não havia mais saída para mim. Eu estava tão triste e doente
que eu não tinha forças nem para pensar em revidar, eu apenas aceitava,
porque realmente comecei a crer que eu estava destinada a sofrer, que eu
havia sido enviada para a Terra para ser humilhada. Deixei que o meu pai
pensasse o que quisesse sobre o mim e ainda disse a Kellan, que foi o único
que acreditou nas minhas palavras, que ela tinha vindo me atacar apenas
uma vez em uma briga que eu mesma provoquei, e que não tinha nem
chegado a acertar. Lhe garanti com todas as letras que Cora não me batia
e bem, não deixava de ser uma verdade depois de um tempo. Ela sabia que
não podia mais deixar marcas no meu corpo que eles desconfiariam e
prosseguiu só com as torturas psicológicas e o que soube fazer de melhor,
me afastar do meu pai. Ou melhor, fazer com que ele se afastasse de mim.
Não é surpreendente, mas ela conseguiu. Nossa relação se desgastou
e passamos a ser meros desconhecidos que dividiam uma casa, a mesma
mesa de jantar e que às vezes, para não dizer sempre, brigavam. Nossa
casa se tornou um caos completo, ninguém tinha mais absolutamente
nenhuma paz, porque Kellan também passou a brigar com os dois para me
defender. Isso fez com que a gente vivesse de castigo em nosso quarto como
dois presidiários, só com tempo de ir para escola e mais nada. Nenhum de
nós dois teve uma boa adolescência. Nós não tínhamos liberdade, atenção e
amor. Nosso pai dedicava todas as coisas que seriam para nós, para Cora,
que se alimentava disso.
Foi então que a nossa relação de irmãos se tornou ainda mais forte.
Foi então que, juntos, reivindicamos e mudamos o significado de família
para que coubesse só nós dois.
Mas aí nós crescemos, Kellan depositou sua fome de mudança no
futebol americano e eu nos livros e nos estudos, porque sabia que seria
minha única forma de mudar de vida. Fomos aceitos na Universidade local
e, com o passar do tempo, Kellan entrou em contato com a Maevis
University para uma possível transferência. Eu fiz a mesma coisa. Nós dois
conseguimos, avisamos que estaríamos indo embora por conta dos estudos
e sumimos das vidas deles dois dias depois, acreditando que teríamos um
novo recomeço.
E eu tive.
Eu tive você, Elsa e até mesmo os meninos, que me acolheram tão
bem.
Eu queria te proteger e nos proteger, porque você, Sebastian
Skalbeck, era o meu recomeço e a minha pontinha de esperança.
De um jeito totalmente estranho e inexplicável, você conseguiu me
enxergar e mesmo assim gostar de mim. Foi a primeira vez que eu senti
como se eu valesse alguma coisa. Por mais que eu tentasse demonstrar que
não queria você no meu pé, no fundo eu estava torcendo para que você
continuasse, porque eu também tinha te enxergado e gostado. Você era
lindo, atencioso e diferente, o tipo de garoto com quem eu nunca me permiti
me envolver antes. Você parecia um sonho e ao mesmo tempo um pesadelo,
porque, caso eu te deixasse entrar, eu sabia que eu iria te machucar ou te
manchar com a minha escuridão de alguma forma. Por isso que tentei
relutar, por isso que te disse tantos nãos, por isso que te alertei tanto, mas
você não me ouviu e mesmo assim continuou. E eu deixei. Eu também fui
tola e deixei você me ter quando sempre soube que nós não éramos
indestrutíveis.
Antes que você pense que vou desmentir ou simplesmente ignorar a
parte das nossas vidas que nos quebrou para sempre, quero dizer que sim,
houve uma aposta, houve o que Stacy me fez expor na frente da MU inteira,
porém acho que você não está pronto para que eu me explique e me
defenda, e eu entendo isso. Eu entendo o seu ódio por mim e eu aceito,
porque antes ódio, que significa sentir algo, do que sua indiferença. E eu
também acho que, no fundo, preciso mesmo ser a vilã da sua história, até
porque é sempre isso que eu sou. Eu sou a vilã para Cora, sou a vilã para o
meu pai, agora para você e também para o meu irmão, que acabei
magoando nessa bagunça toda. Eu sou um buraco negro e aposto que não
sou mais um interessante.
Eu sou um feio e que suga almas até não sobrar mais nada da
existência da pessoa.
Eu sou quebrada e tenho o poder de quebrar.
E quebrar você, Sebastian, me destruiu mais do que todas as vezes
em que cheguei a apanhar um dia. No entanto, no fundo, também foi
necessário para que eu percebesse que preciso de ajuda. Eu realmente não
poderia estar com você, te amando, quando nem faço isso por mim.
E eu juro, do fundo do meu coração, que vou tentar melhorar. E dessa
vez por mim mesma.
Mas, ainda assim, que fique bem claro que eu te amei à minha
maneira e que sempre vou te amar, independentemente das fases das nossas
vidas a partir de agora, que deverão seguir separadas tanto para o seu bem
quanto para o meu. Posso ter mentido e omitido várias coisas ao longo
desse tempo, contudo nunca falei tão sério quando disse que você era o
meu melhor amigo. Sempre será, na verdade. Sempre será o meu arco-íris.
Sempre será a constelação mais bonita do meu céu. Sempre será o meu
corredor e o meu quarterback favorito. Sempre estará nas minhas
memórias e na melhor página da minha história.
Eu sinto muito por ter te feito chorar e por ter te feito quebrar na
frente das pessoas que sempre te veem tão poderoso e inabalável.
Eu sinto tanto por termos acabado dessa forma.

Eu ainda vou te dizer tudo pessoalmente e ainda vou te explicar que


fazer a aposta com Elsa só foi um mero pretexto que encontrei para te ter
perto de mim todos os dias sem peso na consciência, porque eu já sabia que
seria sua até mesmo naquela época, e também era o que queria dizer à
Stacy quando a mesma me interrompeu.
Porém, agora não é o momento, as coisas ainda estão muito recentes
e dolorosas, mesmo depois de um mês.
Em breve, talvez, assim que a poeira baixar e eu conseguir me
perdoar por isso e todas as coisas que aconteceram em minha vida.
Até lá, viva, leia e jogue.
Não deixe de fazer nada por minha causa.
Continue brilhando daí que eu continuo tentando ascender daqui.
Outra coisa, você nunca estará banido do meu jogo ou do meu
coração.
Você estará sempre em campo e marcando touchdowns.
Você estará sempre correndo e parando para ver as estrelas.
E eu sei que elas vão mostrar um caminho de volta para nós dois.
Como diz em Querido John: “é lua cheia, o que me faz pensar em
você, porque eu sei que não importa o que eu esteja fazendo ou onde eu
esteja, essa lua é do mesmo tamanho que a sua”. Algo bem parecido com o
que você me disse naquela noite em que invadimos o estádio. Fiquei me
perguntando se você havia assistido ao filme ou se era mesmo tão
sentimental para dizer algo tão bonito quanto parecia. A verdade é que não
importa se você assistiu ou não, o que importa é que essa frase representa o
que estou sentindo enquanto te escrevo de frente para a lua.
É para você perceber o quanto me marcou em tão pouco tempo.
Espero que, algum dia, também seja capaz de me perdoar e de me
amar de novo.
Com amor, sua linda.”
Chego ao fim e percebo que estou chorando quando uma lágrima
pinga na carta, a manchando com a minha dor. A nossa dor.
Não vou ler uma segunda vez, não vou aguentar. As palavras ainda
estão tatuadas em minha mente e eu preciso me afastar, o papel parece
chamas entre meus dedos. Largo a carta dentro do meu armário e procuro o
primeiro banco para me sentar, o peito subindo e descendo por conta da
minha respiração frenética.
A história é mesmo mais profunda e eu me sinto engolindo água.
Estou escrevendo o meu trabalho de Produção Textual quando alguém
bate à porta.
Sei que não é Elsa, ela acabou de sair não tem nem dez minutos para
ir ensaiar com a sua turma de Música, então só pode ser Kellan.
Arrasto a cadeira para trás alegremente e saltito na ponta dos pés até a
porta, abrindo-a. Meu sorriso se esvai no minuto em que encaro Sebastian,
que tem um papel entre os dedos, balançando-o no ar. Ele parece acabado,
como quem acabou de chorar. Há marcas arroxeadas abaixo dos seus olhos,
seu cabelo está molhado, despontando para os lados em uma verdadeira
bagunça, e parece que vestiu suas roupas às pressas, pois os cadarços dos
seus tênis não estão nem amarrados. Fico preocupada e volto a olhar para o
papel, minha intuição gritando em minha mente que sei muito bem o que
está escrito ali.
Não.
De jeito nenhum que é a minha carta.
Preciso me segurar na madeira com força ao sentir minhas pernas tão
moles quanto duas gelatinas. Repito para mim mesma, de jeito nenhum que
é a minha carta. Um looping infinito se passa em minha cabeça enquanto
fico em silêncio. Não quero falar nada. Não quero descobrir nada.
— Posso entrar? — Sua voz rouca me desperta do meu transe e me
arrepia e eu nem tenho como contestar, Sebastian passa por mim e adentra
meu dormitório sem precisar da autorização que pediu. Fecho os olhos por
um segundo, murmuro um xingamento para mim mesma e tranco a minha
porta tão lentamente, que fica nítido o quanto estou querendo prolongar o
que quer que veio fazer aqui. Porque, céus, ainda estou querendo acreditar
que não tem nada a ver com a carta que escrevi, que não enviei e que, por
acaso, estava conversando com a minha melhor amiga sobre ela esses dias.
Estávamos falando sobre possibilidades, sobre meus sentimentos, sobre eu
querer consertar tudo ou ficar na mesma. Elsa parecia diferente, mais
perspicaz do que o comum e eu não fazia ideia que estava mesmo sendo
séria. Não. É bobagem da minha cabeça, ela não fez isso, é só coincidência.
Não teria como Elsa Castillo saber da carta, muito menos o lugar que eu
havia a guardado com segurança. O papel que estou pensando não tem nada
a ver com o que ele está segurando, meu papel ainda está dentro de um livro
importante, muito bem protegido. Giro nos calcanhares e, mesmo com a
confiança abalada, me aproximo e o fito dentro dos olhos avermelhados. —
Eu recebi. — Novamente, estende a carta ao lado do rosto e eu pisco, sem
reação. — Estava lá no armário do vestiário, em cima das minhas coisas. É
mesmo... tudo verdade?
Lambo os lábios.
— O que é tudo verdade?
Solta um muxoxo, guarda a carta dentro da sua jaqueta e se aproxima,
me fazendo recuar por conta da dor que vejo perpassar por suas írises.
— A sua história. Cora. Seu pai. Eu.
Toda a cor some do meu rosto e sei que fico pálida com a revelação.
Não posso acreditar que isso está mesmo acontecendo, justo no momento
em que me encontro com raiva dele depois do que aconteceu no Lost
Paradise. Quer dizer, não é raiva do tipo verdadeira, mas é raiva. Fiquei tão
insatisfeita por não ter me dado o que eu queria naquela saída de
emergência, que fui dormir chorando, parecendo uma adolescente depois de
ver seu crush com outra e logo em seguida te dando um fora humilhante.
Sei que são coisas totalmente diferentes, porém acho que a margarita
intensificou minhas emoções, sempre me considerei fraca para bebidas
alcoólicas, de qualquer forma. Como se não bastasse, tive que acordar ainda
mais cedo para correr, porque, mesmo após horas do acontecido, ainda me
sentia fervendo por dentro. A maldita sensação dos seus dedos me
preenchendo não saía da minha cabeça e eu tive que gastar os meus
pulmões para poder começar a sentir qualquer outra coisa que não fosse o
que eu estava sentindo.
Não sou idiota, sei o que Sebastian quis me dizer naquele beco
quando escolheu ir embora, entendi seu recado e o achei bem audacioso, no
entanto, não mudou em nada o meu desgosto e o meu mau humor ao longo
da semana, só aumentou.
A doutora Ella que teve que me aguentar, pois não parei de falar um
minuto na nossa consulta. Mas enfim, por mais que tenha sido recente, esse
acontecimento não tem nada a ver com o que enfrentaremos agora, ele nem
ao menos importa mais. As coisas estão mesmo sérias e mais reais do que
eu poderia imaginar. O momento que tanto temi e enrolei, parece que
finalmente chegou e não tenho mais alternativa senão ter aquela conversa
com Sebastian. Minha carta tinha chegado em suas mãos, ele tinha lido e
agora sabia de tudo. Ou pelo menos quase tudo.
Sugo o ar com precisão, encaro o chão e clamo a Deus para não
chorar.
— Não sei como essa carta chegou até você, quer dizer, eu até
desconfio, entretanto sim, é tudo verdade o que você leu. Eu a escrevi
poucos dias depois da sua carta aberta no Intrigue, foi uma forma que
encontrei de lhe dar uma resposta muito mais íntima e respeitosa. Nunca
tive coragem de enviar, no entanto. Ela é tão pessoal e verdadeira,
Sebastian, nunca falei abertamente sobre meu passado daquele jeito para
ninguém. E tenho certeza que sentiu o baque, consigo perceber através da
sua feição. — Só agora consigo levantar a cabeça para encará-lo, o
autorizando a ver o que há dentro de mim. — Minha vida nunca foi fácil e
eu sempre deixei isso muito claro a você desde o começo, então não venha
dizer que nunca me conheceu. Posso não ter te contado os detalhes, porém
eu fiz muito mais, eu te mostrei, eu te deixei me ver na pior e mesmo assim
o permiti entrar, porque você foi o que eu nunca tive. Você foi o único a se
interessar por mim, o único que quis realmente me conhecer de dentro para
fora, não se importando com o meu buraco negro. Você, Sebastian
Skalbeck, gostou de mim à primeira vista e eu fiquei me perguntando, desde
aquele dia, como isso foi possível, se eu sempre tive que ficar me
esforçando para que me dessem atenção, lutando para que me notassem e
vissem que tenho valor. Contudo, isso não acontecia quando estávamos
juntos. Você me olhava como se nada mais importasse no mundo e eu
acreditei desde o primeiro segundo. Fui verdadeiramente feliz ao seu lado,
sabia? De um jeito que nunca havia sido nos meus dezenove anos.
— Por que... — A voz embarga e ele precisa engolir em seco, o
pomo-de-adão descendo e subindo em sua garganta, mas mesmo assim
continua. — Por que, depois do que aconteceu, você não me procurou e
contou a verdade? Por que não tentou se explicar? Por que quis que eu a
odiasse?
— Eu não quis que você me odiasse! — falo um pouco mais alto do
que o planejado e Sebastian sobressalta. Passo a mão pelo meu cabelo e
tento, mais uma vez, manter a calma. — Eu só quis... esperar o tempo certo.
Você estava com raiva, estava pensando mal de mim, estava tudo tão
recente que eu deixei esfriar, para que tivesse tempo necessário para pensar
e reorganizar suas ideias. Como eu disse na carta, o que aconteceu serviu
para que eu entendesse que preciso de ajuda, porque a minha saúde mental
sempre esteve em jogo e ela ficou um fiasco desde que te quebrei. Eu queria
me cuidar, me tratar, dar um basta no meu passado, sentir que sou boa e
suficiente para mim mesma para depois, muito melhor, ir atrás de você, para
poder te contar a verdade e implorar por uma segunda chance. Foi o que
fiquei empenhada em fazer esse tempo todo. — Como um gato acanhado,
me movo até ele, acabando um pouco com a nossa distância. Agora mais
perto, tenho que inclinar a cabeça levemente para trás, seus olhos vidrados
nos meus. Sendo pega de surpresa por mim e acho que até mesmo por ele,
que entreabre os lábios, Sebastian pega meu antebraço e encontra a minha
mão, segurando-a como se não quisesse que eu escapasse, como se tivesse
medo que eu decidisse dar um basta nessa conversa. Não há mais essa
alternativa. — Só Elsa e Kellan sabem, porque contei para ele naquele dia
em que nos resolvemos, que estou fazendo terapia. O nome da minha
doutora é Ella. Estou sendo ajudada profissionalmente e te digo que está
sendo uma experiência incrível. E essa é a minha história. Por isso que
fiquei calada, por isso que aguentei todas as merdas, por isso que me
mantive afastada por certo tempo, por isso que tomei todas as minhas
decisões, foi pensando no melhor para nós. Nunca quis parecer egoísta,
narcisista, sem coração, megera — digo a palavra com certo sarcasmo. —
ou qualquer outro adjetivo ruim que você, seus amigos e a Maevis inteira
tenham me enquadrado. Posso ter mentido, posso ter, de certa forma,
enganado, posso ter agido errado e como uma vadia, mas posso te garantir
que foi apenas no começo, quando eu não queria admitir que te queria da
mesma forma que você me queria. Até porque eu não estava disposta a ter
um romance, Sebastian. Eu não acreditava no amor, na verdade, nunca me
deram muitos motivos para pensar o contrário. Eu só acreditava no amor do
meu irmão por mim e no meu por ele, porém parava aí. Eu não confiava em
amizades, me fechava para todas elas, nunca deixei que se aproximassem de
mim, afastava todo mundo que tentava, agindo como um bicho do mato.
Por um lado, era porque eu tinha medo das pessoas e do que elas eram
capazes, por outro, era porque eu não queria que vissem como eu era cheia
de defeitos e cicatrizes. Era humilhante. Todo mundo me parecia normal
enquanto eu, só sabia ser estranha e traumatizada. — Ele aperta ainda mais
a minha mão e eu mordo o interior da minha bochecha com certa força, o
choro já querendo me esmagar. — Mas eu não me sinto mais assim. Eu te
disse na carta o quanto você, Elsa e até mesmo Justin, Lionel e Daniel
mudaram a minha vida para melhor e foi a mais pura verdade. Foi com
vocês que eu vi que eu poderia amar e ser amada de volta. Eu vi que as
pessoas poderiam se importar comigo naturalmente e com boas intenções.
Eu vi que somos todos iguais e que somos todos imperfeitos. Todo mundo
carrega uma luta, uma dor, uma dificuldade, não só eu. Não é porque eu
sofri que tenho que me fechar para a felicidade, não, de jeito nenhum. É
justamente por eu ter sofrido que devo buscar a mais plena das felicidades.
E essa minha felicidade tem um nome. É o seu.
Uma lágrima cai na minha bochecha ao mesmo tempo que uma
desliza pela de Sebastian.
— Foi isso que te levou à aposta? — Meneio a cabeça como quem
quer dizer “mais ou menos”. — Desculpe, eu só preciso entender.
— Tudo bem, você tem total direito de perguntar. A aposta,
obviamente, foi uma idiotice minha. Você estava se aproximando cada vez
mais e merda, Deus está de testemunha do quanto tentei te manter longe. Eu
disse que não lhe queria, só que na verdade eu estava doida por você, doida
para te provar. Não lembro muito bem como e quando descobri sobre sua
virgindade, entretanto confesso que não acreditei, você jogava comigo de
uma forma tão confiante e experiente, fiquei confusa e logo disse para mim
mesma que você mentia e usava essa questão para benefício próprio, para
ser disputado pelas garotas do campus. Coloquei isso na minha cabeça
porque queria achar que, assim como todo mundo, você não era tão bom
quanto aparentava ser. E quanto mais eu colocasse isso na minha cabeça,
mais eu poderia querer fugir para longe. Mas eu não quis. Quanto mais
você me puxava, eu te puxava de volta, fazendo com que ficássemos presos
um no outro. E aí eu só quis achar uma desculpa para continuar com o jogo
sem um peso na consciência. Eu só quis encontrar uma justificativa para te
ver todo dia e a aposta, na época, veio a calhar. Eu disse à Elsa que iria me
aproximar para tentar descobrir se você era mesmo virgem ou não, mas para
ser sincera, essa merda sequer me importava. Tanto que se você perceber,
nunca comentei nada do tipo, nunca dei qualquer indício de que estava
tentando descobrir essa parte da sua vida. Fiquei ocupada em te conhecer de
verdade, em ser a sua amiga e em ser o seu amor, sem nem mesmo me dar
conta de que estava me esforçando para tal. No entanto, no exato segundo
em que me dei conta, mandei essa aposta para o inferno e nunca mais
pensei nela. Admito, eu tinha na minha cabeça que você jamais descobriria,
porque eu não tinha intenção de contar. Mais uma vez, errada, erradíssima.
— Com a mão livre, enxugo a minha pele e ergo os ombros, um sorriso sem
humor e meio triste pincelando meus lábios. — Me desculpe, lindo. Eu
sinto tanto por ter feito tudo errado. Tanto, tanto, tanto. Não teve um minuto
em que não pensei em você, no seu sofrimento e na dor que lhe causei.
Pode perguntar à Elsa, ela testemunhou tudo, ficou até preocupada por me
ver no fundo do poço. Eu não conseguia não chorar, eu não conseguia não
me martirizar, eu não conseguia não me culpar por ter acabado com a coisa
mais bonita que já tive. Passei dias na cama, sem querer levantar, sem
querer encarar a luz do sol e as pessoas dessa universidade, que ficavam me
apontando o dedo como se eu fosse o pior monstro da face da Terra. Só que
eu sabia que eu não poderia mais ficar remoendo o que tinha acontecido, eu
tinha que me levantar para consertar cada pequena coisa que quebrei. Foi
isso que eu fiz. Pode ter soado como arrogância e prepotência, contudo eu
tinha que voltar a ser uma garota normal, eu merecia um pouco de
normalidade depois de ter passado por um tsunami destruidor. Eu merecia
erguer a cabeça e me inserir de volta, mesmo que todos me odiassem e
interpretassem de outra forma. Eu só... precisava começar de algum lugar.
Se eu quisesse te ter de volta, eu precisava dar as caras e fazer diferente.
Seu semblante, assim que termino de falar, é uma mistura de
confusão, tantos sentimentos rodando seu interior, que me vejo rodando
junto com ele, ficando com vertigem, sem saber onde me segurar para
conseguir passar pelas suas próximas falas e ações, que sei que poderão
doer. A melhor opção é na fé. Só ela é capaz de me manter em pé agora.
Sebastian entreabre os lábios e sei que vai pôr para fora o que esteve a
tanto tempo entalado no fundo da sua garganta.
— Porra, Kayla, eu também fiquei mal. Eu fiquei mal pra caralho.
Fiquei sem comer, fiquei vomitando, fiquei com o coração completamente
em frangalhos, nada mais parecia fazer sentido sem você ao meu lado. Eu
pensei tantas coisas a seu respeito. Pensei que você me usou, que só quis
brincar comigo, que sua intenção era me humilhar e até que tinha gostado
de presenciar a cena das pessoas escutando a sua confissão. Eu te xinguei,
te amaldiçoei, gritei com você em meus pensamentos, fiquei pensando nos
nossos momentos e em como era uma atriz por ter me feito acreditar que
tínhamos algo real. Quando me reergui, depois de um tempão no limbo,
jurei que iria odiá-la até o último minuto da minha vida. Então eu te
provoquei, te disse coisas horríveis, te acusei de um monte de merda, fui
estúpido, grosso, provavelmente te magoei, te fiz chorar e ainda achei que
deveria puni-la, como se você não tivesse feito isso o suficiente consigo
mesma. Fomos errados em vários níveis nessa porra. — Quão ferrado é se
eu disser que um sorriso desponta no canto das nossas bocas? Bem, muito.
— Embora eu não fizesse ideia da realidade, peço desculpas pelo meu jeito
de lidar com a situação, sei que não foi a melhor, nem para mim, nem para
você. E, sendo sincero, acho que eu não estava querendo ser coerente, eu só
queria, talvez, fazê-la falar que havia algo errado nessa situação, já que, vez
ou outra, eu parava para analisar nossa relação e via muitas incoerências,
muitas coisas que não conseguiam se encaixar. Eu ficava pensando no
episódio do dormitório, quando me ligou em meio à uma crise, ficava
pensando nas nossas intimidades, nas nossas brincadeiras e nada fazia
sentido. Ninguém consegue fingir por tanto tempo. Uma hora a máscara
tem que cair, uma hora a pessoa tem que se mostrar, nem que seja
minimamente e isso nunca ocorreu com você. Pensar assim me dava ainda
mais raiva, porque me sentia um idiota ainda maior por ficar querendo
achar pelo em ovo. Mas agora vejo que não era ilusão minha, realmente
havia algo por trás, a história era bem mais profunda do que parecia, eu só
consegui enxergar o raso, enquanto nós, Kayla, nos afundávamos.
Uma tonelada de peso parece sair das minhas costas. Sebastian está se
abrindo, está mesmo se abrindo para mim, olhando e prestando atenção em
cada detalhe sem deixar a raiva e a mágoa ofuscarem a interpretação da
verdade. Ele parece estar acreditando em mim, o que faz meu peito encher
de esperança, assim como faz com que eu fique me questionando o porquê
de ter demorado tanto para chegar a essa sincera conversa. Embora eu tenha
estabelecido alguns critérios para achar o momento perfeito, sinto como se
eu estivesse, no fundo, no fundo, com medo de ser desacreditada e de ter a
minha história de vida, que me marcou e me maltratou tanto, reduzida a
mentiras. Eu estava com medo de nunca ser o momento certo, porque
poderíamos acabar como sempre acabamos, em brigas, em um final
definitivo, sem mais nenhuma chance de perdão.
“E será que ele vai mesmo me perdoar?”, uma voz muito animada
preenche minha cabeça com a pergunta. “Será que poderemos ter o nosso
final feliz?”
O coração salta em minha garganta.
— Não vou te isentar, Sebastian, você me machucou. Seu desprezo,
seus insultos e seus achismos me feriram. Muitas vezes eu quis gritar, eu
quis espernear, indignada com o quanto você, e as pessoas ao nosso redor,
não tinham a capacidade de me verem com um olhar mais apurado, um
olhar mais humano, para que pudessem enxergar a minha luta e os meus
avanços. Porém, de novo, eu também sabia que eu não poderia exigir nem
esperar empatia da sua parte. Seria extremamente ridículo e ilógico esperar
que uma pessoa apunhalada, se virasse para o seu agressor e perguntasse:”
espera aí, está tudo bem? Poderia me responder o que te levou a fazer
isso?”, como se pudesse ser justificada ou até diminuída a dureza dos
golpes. Para você, eu fui uma vadia e nada poderia mudar esse fato. E tudo
que eu contei também não justifica meus erros, muito menos me torna
inocente e é por isso que digo que não quero que sinta pena de mim ou que
fique pensando que seu sofrimento não foi válido ou até mesmo que passou
dos limites. Não te contei a minha dor para que ela anulasse a sua, não, de
jeito nenhum. Eu te contei da minha dor para que visse como ela é capaz de
cegar e levar pessoas por caminhos tortuosos. Foi o que aconteceu comigo.
Eu errei, vacilei primeiro e assim, como efeito dominó, te arrastei para
dentro de uma bolha de decisões precipitadas e equivocadas. Eu te dei o
aval, Sebastian. Eu te dei o aval para que me destruísse, para que se
vingasse, para que me odiasse e, por mais que doesse e me machucasse
feito o inferno, eu não tinha como reclamar, apenas aceitar. É como dizem,
uma ação sempre gera uma reação.
Sebastian arfa.
— Não importa. Acho que a maior dor agora, Kayla, é saber que nos
perdemos. Tínhamos algo lindo e ele se foi, voou para longe por conta da
pressa, por conta da falta de diálogo e infinitos outros erros. Você me
quebrou, eu te quebrei e agora estamos em cacos. Não importa quem é o
vilão, quem é o mocinho ou até quem é o maldito herói, nessa nossa história
todos nós fomos derrotados.
Balanço a cabeça de um lado para o outro de forma muito categórica
e até me surpreendo com a minha força para negar o que acabou de soprar,
ficando na ponta dos pés para tocá-lo. Eu também estava pensando dessa
forma antes, eu também achava que seria difícil, eu também achava que era
necessário esperar, porém não é, não tem que ser. Admito que fiquei com
medo, por mim mesma, obviamente, de que Sebastian acabasse me
anulando e fazendo com que a minha terapia viesse a ser perdida, só que sei
e percebo agora, que não tem como. Eu já mudei muito, eu já evoluí muito,
hoje eu aceito e estou disposta a coisas boas, não sou como a antiga Kayla,
não sou como ela há muito tempo e a doutora Ella só está me lapidando,
como um bom e velho diamante. Ela está me ajudando na questão do
passado, não na questão do presente, porque esse eu sei muito bem o que
quero e não tenho planos de abrir mão. Sem contar que amo Sebastian da
mesma forma que estou aprendendo a me amar cada dia mais; com
resiliência.
Eu o quero comigo, para que possamos evoluir juntos, como casal e
como pessoas. Não importa para que lugar tenhamos ido, sempre
acabaremos voltando um para o outro.
E Sebastian Skalbeck, quando estávamos juntos, nunca me diminuiu,
somente me engrandeceu. O capitão é isso: soma, amor, respeito,
companheirismo, parceria, compreensão e amizade. Ele me tratava como
sua rainha, seu maior desejo, seu maior tesouro do Universo. Nunca me
senti desprotegida ou algo menos do que segura. Ele sempre foi meu ponto
de paz, meu melhor amigo e minha outra metade repleta de bondade. Tudo
aquilo que eu não encontrava em mim, eu encontrava nele. Ele era para
mim como uma escola, um lugar onde eu poderia me inspirar e me espelhar,
querendo mesmo ser melhor. Antes eu queria ser melhor só por ele, para
agradá-lo, porém não é mais assim que me sinto desde que acabamos.
Agora eu quero ser melhor, primeiramente para mim mesma, pois só assim
eu vou conseguir ser boa para os outros. Serei boa para Sebastian, para
Elsa, para Kellan e para as raposas do Maevis Fox, se eles quiserem, um
dia, me aceitar de volta. Quero ser melhor internamente para, só assim, ser
uma melhor profissional, uma melhor perseguidora de sonhos, uma melhor
esposa e uma melhor mãe. Eu quero ser para os outros o que nunca foram
para mim. Eu quero agregar. Eu quero fazer a minha parte. Eu quero fazer a
diferença. A diferença em mim e nas pessoas.
Preciso fazer com que ele entenda isso.
— Até mesmo na derrota é possível perceber vitórias, corredor —
trago à tona esse apelido tão emblemático, sorrindo comigo mesma e
pressiono a ruga entre as suas sobrancelhas com o dedão, sumindo com a
sua preocupação, depois dedilho o seu nariz afilado e o contorno da sua
boca, fazendo-o gemer e sei que é de fome, de desespero, de saudade, de
amor. — Você é um atleta, você é um homem experiente nessa parte,
deveria saber muito mais do que eu, que nem toda derrota é uma perda.
Derrota não tem somente aspectos negativos. É justamente dela que tiramos
as maiores lições. E eu tirei a minha, aposto que tirou a sua também. —
Levanto seu queixo para que não deixe de olhar dentro dos meus olhos. Me
fazendo soltar um gritinho, ele aperta a minha cintura. Limpo a garganta. —
Toda história recomeça quando chega ao fim, Sebastian. Deixe-me fazer
diferente dessa vez. Eu só preciso de uma segunda chance para te mostrar o
quanto te amo e o quanto nada mais importa. Podemos passar uma borracha
no passado, podemos seguir em frente, podemos começar novamente.
Começar do zero.
— Você… me ama?
De tudo que eu falei, o garoto só prestou atenção nessa parte?
Dou risada e vejo que assume de volta o Sebastian fofo.
— Amo. Com todo meu coração.
— E quer começar do zero?
— Sim. Quero seu perdão e a sua amizade de volta. Quero, se for da
sua vontade, poder conversar com os nossos amigos e nossos respectivos
irmãos sobre a nossa decisão e o nosso futuro, para que não haja mais nada
escondido. Quero nosso primeiro encontro, nosso namoro oficializado e
quero, sobretudo, conhecer seus pais para agradecê-los pelo presente que
colocaram no mundo para que eu viesse buscar. E tudo sem pressa,
obviamente. Quero aproveitar cada fase e cada momento, para poder
eternizá-los na linda história que recontaremos. Só preciso que confie em
mim. E se for difícil confiar, confie em você, confie no amor que sente por
mim. Esse amor restaurará tudo que um dia fora quebrado.
Meu coração está desesperado no meio do meu peito só pela forma
com que bate, massacrando minha caixa torácica. O de Sebastian segue na
mesma sintonia que o meu, pois o sinto como se estivesse pulsando dentro
de mim, só pelos nossos corpos estarem tão próximos. Eu juro que posso
ouvir até mesmo o som que fazem.
— E quanto ao Waylen? Preciso saber o que vocês têm antes de tomar
minha decisão.
Sei que está querendo ceder, mas ainda insiste em encontrar questões
para as quais tenho as respostas. Não sei se caio na gargalhada ou se reviro
os olhos.
— O nome da minha doutora é Ella Pratt. E Waylen se chama Waylen
Pratt. O garoto é filho da minha terapeuta, idiota. Nós nos conhecemos na
clínica e estamos nos tornando amigos. E a propósito…
Percebendo que estou querendo muito rir, ele diz:
— O quê?
— Waylen não gosta de mulheres. Ele é gay. Seu ciúme e a sua cisma
esse tempo todo foram idiotas.
Seus olhos se arregalam, me fazendo liberar a risada. Ele não
imaginava, eu também não, contudo o loiro se abriu totalmente para mim
em uma das nossas primeiras conversas. Waylen é muito bem resolvido
com a sua sexualidade, obrigada. Não foi por ter se interessado em mim que
ele se aproximou. Se aproximou porque é realmente incrível e tem um
coração enorme.
— Não pode ser verdade. — Afirmo novamente e sorrio, venenosa.
— Juro que vou mesmo matar você, sua megera.
Dou de ombros.
— Faça o que quiser. Só me aceite de volta na sua vida.
— Tenho medo — confessa baixinho. — Que garantia eu tenho de
que você não vai embora de novo?
— Não posso te dar nenhuma garantia concreta, só posso te dizer que
não há para onde eu ir. Meu lugar é no seu coração. Só, por favor, me
coloque nele de volta e tudo ficará bem.
Agora é sua vez de contornar a minha boca.
— Não posso.
— Por que não pode?
— Porque você nunca saiu dele.
Ah, não é possível que as minhas bochechas estão queimando. É sério
que estou mesmo envergonhada?
Sem pensar muito, me jogo contra seus braços e ele me ajuda a
prender minhas pernas ao redor da sua cintura, pegando-me no colo como
se eu não pesasse nada. É automático uma lufada de alívio escapar dos
nossos lábios.
Casa. Me sinto retornando para casa depois de tanto tempo longe.
— Vou reconquistá-lo — prometo contra seu peito. — Eu vou fazer
tudo voltar a ser lindo, capitão.
— Espero que sim, pequena megera.
Uma carta. Uma carta escrita, enviada e tudo mudou. Se antes eu
estava odiando Elsa por ter se intrometido, agora quero agradecê-la. Ela
sempre acaba tendo razão, me ajudando mais do que eu conseguiria fazer
por mim mesma. É um poço de sensatez e inteligência.
Um passo de cada vez.
Um passo de cada vez e a chegada logo estará perto.
Eu não acreditava em uma possível reconciliação entre mim e Kayla.
Uma segunda chance para nós parecia utópico e inalcançável. Meu coração
estava atolado por raiva, mágoa e decepção, não havia espaço para pensar
em finais felizes. Ela tinha decretado o nosso fim, tinha sido muito clara em
cada uma das suas ações e eu não admitia ter pensamentos que a
humanizassem. Ela era uma vilã, uma egoísta, uma mentirosa e uma
quebradora de corações, sua imagem estava manchada para mim e nada
nunca seria capaz de consertá-la. Mas já dizia meu caro amigo Justin
Bieber, nunca diga nunca, e era óbvio que eu deveria tê-lo escutado para
não ter que, no fim, pagar a língua, porque a história tinha mesmo dois
lados, como tanto temi. Ela era muito mais séria, muito mais profunda e
muito mais complexa do que eu e qualquer um poderia imaginar.
Quando comecei a ler a carta, pensei que não seria nada demais. Na
minha mente, Kayla estava apenas querendo me dar o troco pelo bar, estava
apenas querendo brincar comigo e mexer ainda mais com a minha cabeça,
mas soube que estava completamente enganado assim que me aprofundei
um pouco mais em suas palavras, adentrando suas emoções cruas e,
consequentemente, seu passado conturbado e difícil. Posso dizer que foi a
pior experiência da minha vida, acho que nunca me deparei com algo tão
visceral, perverso e comprovador da maldade humana, pelo menos não que
tivesse acontecido com alguém que fosse tão próximo. Mil e uma emoções
tomaram conta de mim. Eu quis gritar, eu quis chocar meus punhos em algo
e eu quis rasgar aquelas palavras e jogar fora, para que nunca mais viessem
atormentar a minha vida. Minha mente projetava os acontecimentos e eu
não conseguia respirar, como se tudo, em segundos, tivesse acontecido
comigo e não com ela. E aí eu fui chegando mais longe, fui chegando perto
do final e as coisas ficaram ainda mais complicadas, e acho que isso foi o
estopim para que eu derramasse minhas lágrimas, pois Kayla Benson, a
garota que eu achei que fosse uma maldita mentirosa fria e calculista,
declarou seus verdadeiros sentimentos sobre mim e revelou me amar. Fiquei
em choque por vários e vários minutos, sem acreditar que havia mesmo lido
o que eu li. As belas palavras martelavam a minha mente e ecoavam em
meu sistema, mexendo com cada órgão vital meu, quase me fazendo entrar
em colapso no vestiário. A sorte é que nenhum dos meninos prestou atenção
em mim, mesmo que eu estivesse lendo um papel incomum no meio deles.
Quer dizer não tão sorte assim, já que, ao mesmo tempo que eu queria que
me deixassem em paz, eu também queria que alguém me percebesse,
puxasse a carta das minhas mãos e falasse que era tudo invenção, afinal, eu
precisava que aquilo não fosse real, eu precisava que se tratasse de mais
enganação e inverdades manipuladas para me comover, pois seria sufocante
encarar a realidade atual das nossas vidas e ver que ela está errada e
incompleta, até porque ficaria nítido que haviam coisas escondidas por
algum motivo muito maior e muito mais sério, que definitivamente não
caberiam no meu entendimento.
Confesso que, nos primeiros minutos, pensei na possibilidade de a
carta ser só mais um meio para uma jogada final e uma trapaça, porém
depois, não via sentido em acreditar nessa versão. A história da sua vida
estava ali e eu sei que poderia ser mentira, só que não fazia sentido, o que
ela ganharia com isso? Vingança? Também não me parecia plausível. Acho
que Kayla poderia inventar qualquer outra história, não uma que a deixasse
tão vulnerável e exposta. Ela nunca gostou disso, a propósito. Nunca gostou
de falar muito de si, do seu passado, do seu pai e da família que deixou na
Pensilvânia, entretanto sempre deixou claro que fora machucada e que a sua
vida não havia sido mil maravilhas. Ela até teve uma crise de ansiedade
após uma ligação do seu pai, não foi algo contado, eu vi com meus próprios
olhos o seu estado e me parecia assustador, a garota jogada no chão
enquanto se debatia, tremia e implorava por ajuda. Não havia como ser
ficção, cada detalhe da carta batia com o seu comportamento e com as
coisas que me falava, era só ser esperto e ligar um por um. Era só deixar de
lado e pensar em Bryan, meu irmão, que me alertou que esse caos poderia
ter mais camadas do que ela deixava visível.
Então somei um mais um, acreditando que só havia tido coragem de
me contar agora — e apenas por carta, uma forma que a deixava oculta,
sem olhar dentro dos meus olhos — por conta do nosso recente
desentendimento, provavelmente cansada de sustentar um fardo. Corri para
me trocar às pressas, disse aos meus amigos que tinha algo importante a
fazer e corri até o seu dormitório, exigindo explicações, já que algumas
partes ainda me pareciam confusas.
Se a carta tinha sido difícil, escutá-la falar a verdade diante de mim
foi três vezes mais. Todas as palavras escritas estavam guardadas em seu
olhar, era só encarar suas írises com um pouco mais de calma e qualquer um
perceberia sua dor. Foi, mais uma vez, visceral. Cortante. Esmagador. Não
justificava, eu sabia e ela mesmo confirmava isso, mas ver no que Cora, sua
madrasta, a transformou, a ponto de ela afastar todas as coisas boas em sua
vida, incluindo eu, me deixava ainda mais revoltado e cheio de raiva. A
aposta não havia sido uma escolha, não havia sido de caso pensado, era só
um pretexto para deixar que eu me aproximasse. Ela me amava. Eu
definitivamente não esperava escutar isso.
Eu também não esperava que ela me pedisse uma segunda chance.
Muito menos esperava aceitar. No entanto, aceitei, porque começamos
errado e terminamos errado. Nossa história toda foi recheada de escolhas
ruins e, como há sentimento, ela precisa ser recomeçada enquanto há
tempo, precisa ser recomeçada de algum lugar. Aprendi desde pequeno que
todo mundo erra e merece ser perdoado, caso realmente mostre
arrependimento e vontade de fazer diferente.
E Kayla quer fazer diferente.
Eu quero fazer diferente, porque também sei que tive os meus erros.
Não posso dizer que será fácil, não posso dizer que esquecerei o que sofri,
que tudo se apagará e que viveremos um conto de fadas a partir de agora.
Não, não é isso. Eu aceitei perdoar, seguir em frente e tentar voltar com a
nossa amizade. Iremos caminhar aos poucos, do começo, sem pressa e sem
querer ultrapassar nossos limites. Ainda iremos conversar melhor, ainda
iremos expor as nossas mágoas e ainda iremos falar abertamente de cada
pequena coisa que nos machucou, para que possamos estar, cada vez mais,
livres desses meses que nos transformaram em uma bola de destruição. Não
é da noite para o dia que as coisas vão voltar a funcionar, sabemos disso,
mas agora nós não temos mais mentiras e omissões fazendo uma barreira
entre nós. Agora as coisas estão pontuadas, os pingos finalmente estão nos
is, sabemos as motivações e os sentimentos reais de cada um. Não é teoria
da conspiração, não é achismo, não é desejo e não é vontade, é a verdade. E
ela é só uma. Sem contar que Kayla está buscando ser uma pessoa melhor,
ela está fazendo terapia e até o modo como fala parece outro, provando
ainda mais o seu ponto e a sua carta. Ela pegou os seus erros e resolveu
aprender com eles, sem vitimismo, evoluindo e querendo um melhor futuro.
A pequena megera pode até ter se escondido e escolhido me manter
afastado, porém foi para voltar muito melhor e muito mais confiante,
diferente de antes.
E tudo que eu criticava nela acabou tendo uma explicação. Fiquei um
pouco envergonhado com os meus afrontes, admito, mas creio que não
posso me culpar muito, eu não tinha noção do que estava sendo escondido.
Minha reação foi automática diante do meu sofrimento e do meu coração
partido, que até agora está tentando se reajustar à realidade. Era a única
coisa que eu podia fazer diante da minha visão do que tinha acontecido. Eu
só queria... que ela sentisse um pouco na pele o que era estar sofrendo. Que
visse o que me causou e que colocasse a cabeça no travesseiro para dormir
e percebesse o que havia perdido. Meu mundo estava turvo e eu não
conseguia enxergar com clareza, então eu fazia o que achava que estava
certo, lutando contra o meu próprio coração, que sempre quis estar perto,
independente de que jeito fosse.
O que importa é que passou, ou pelo menos vai passar, e que temos
muito trabalho pela frente. Temos muita coisa para reconstruir e estou
disposto a reiniciar. Não quero mais saber de raiva nem de rancor. Eu mudei
e mudei mesmo, entretanto o novo Sebastian aceita que não há mais por que
ir à guerra. O novo Sebastian aceita a realidade e escolhe agir com
coerência e sensatez.
Se Kayla me ama como diz, ela vai reacender a confiança e vai nos
trazer de volta. E se não for para acontecer, pelo menos poderemos seguir
em paz, sabendo que tentamos de tudo. Pelo menos poderemos seguir em
paz estando bem um com o outro e consigo mesmo. Pelo menos não haverá
pendências.
— Sebastian? — Minha cabeça gira para o lado para olhá-la e ela
parece ainda mais linda nesse ângulo. Estamos deitados no chão do
dormitório, de barriga para cima, com as pernas estiradas e as nossas mãos
entrelaçadas no meio, a única coisa entre nós. Não sei como chegamos a
essa posição durante o tempo em que estou aqui e, ao mesmo tempo que é
cômico, também é certo e confortável. Nós não nos beijamos ainda. Aquilo
na saída do Lost Paradise não pode ser chamado de beijo e acho que pode
demorar um pouco até que estejamos prontos para esse passo. Agora parece
que realmente voltamos para o começo, como se estivéssemos com
vergonha até do menor dos toques. Irônico, se pararmos para pensar o que
aprontamos nas outras vezes em que nos encontramos. Mas é o certo, não
é? Nós nos desfizemos das nossas armaduras anteriores e estamos
desarmados, depois de um acordo de paz. Ainda estamos aprendendo a lidar
com a calmaria, ainda estamos aprendendo a lidar com a trégua e com a
nossa nova realidade, que de nada tem a ver com a dos meses que passamos
longe um do outro. A nossa atmosfera mudou radicalmente, o ar já não é
mais rarefeito e precisamos, aos poucos, voltar a respirar dentro da
normalidade. Foram um pouco mais de dois meses na raiva, no choro, na
decepção e na amargura, não dois dias. Não temos como voltar ao que
éramos como se nada tivesse acontecido, nem mesmo se quiséssemos. Nós
mudamos muito e agora precisamos nos alinhar uma segunda vez. — Eu
contei tudo para o Kellan naquele dia. Contei da Cora, dos maus-tratos, do
quanto sofri e do quanto fui ameaçada e coagida a nunca contar nada para
ele, pois tinha medo que aquela asquerosa pudesse fazer algo parecido ou
pior do que fazia comigo, com ele. Contei também da aposta, do que me
motivou e dos meus reais sentimentos por você. Se meu irmão não
mencionou nada antes ou também nem tentou interferir e conversar com
você, foi porque eu pedi. Eu supliquei a Kellan que me deixasse achar o
tempo perfeito para que me abrisse. Estamos todos bem agora. — Como se
tivesse se lembrado de algo, Kayla respira fundo. — Mais ou menos. Os
meninos ainda me odeiam.
Contorço meus lábios em um sorriso.
— Isso é só questão de tempo. Assim que souberem a verdade, vão
voltar a te adorar. Você vai ser tipo a megera suprema deles agora.
A gargalhada de Kayla flutua até os meus ouvidos.
— Eu não sei se gosto desse apelido. — Franze o nariz em uma careta
depois da sua fala. — Não, não gosto. Vocês estavam adorando me
humilhar assim.
— Ei, nada disso. — É a minha vez de fazer cara feia, a empurrando
com o ombro. Segundos depois, tento disfarçar meu sorriso maldoso
passando a língua pelo lábio inferior. — Na verdade, quando eu te chamava
de megera me soava bem sexy. Vai dizer que não sentia a tensão nessa
palavra? — Faz que não com a cabeça, claramente sendo uma cínica e eu
bufo uma risada, puxando-a pelas nossas mãos grudadas e deixando-a ainda
mais perto. — Achei que não tolerasse mais mentiras, Kayla Benson —
sopro contra seu rosto.
— Não tolero. E se quer uma verdade, você estava me tratando muito
diferente.
— Porque você quebrou meu coração.
— É, mas não é isso. Você parecia perigoso e...
— Gostoso? — brinco com ela e Kayla arregala os olhos. — Ah, não,
nem me olha assim. Você estava gostando da minha abordagem. Minha
nova pegada te deixou molhadinha que eu sei.
É a minha vez de gargalhar tão logo ela desfere um soco fraco no meu
ombro.
— Vai se ferrar. — Um biquinho emburrado logo aparece em sua
boca. — Não era sobre isso que deveríamos conversar. Para de ser safado.
Até quando você me odiava não conseguia tirar as patas de cima de mim.
— As patas?
— É, as patas. Cachorro.
Balanço a cabeça. Inacreditável.
Há alguns minutos eu acabei de pensar que estávamos tímidos e que
seguiríamos com calma, só que olha nós aqui nos provocando de novo. É
uma coisa inerente a nós, pelo visto. Quando menos percebemos, estamos
nos alfinetando. Eu, pelo menos, realmente não consigo segurar o meu lado
que a quer em cima de mim ou embaixo de mim, o tempo todo.
Já percebi que é inútil tentar lutar contra. Vou continuar.
— E a propósito, quem disse que eu não a odeio?
— Ninguém disse. É meio óbvio. Você está deitado no chão e de mão
dadas comigo. Que tipo de ódio é esse, Sebastian?
— Ok. Tudo bem. Você venceu. Não vamos seguir por esse caminho.
Me fala como anda o pessoal da sua casa. Tem notícias? — Pela mudança
brusca de assunto, ainda mais um que não lhe alegra em nada, Kayla se
mexe desconfortavelmente e eu levanto nossas mãos, para poder brincar
com os seus dedos e tentar deixá-la menos tensa. — Sei que não é legal,
porém acho que precisamos ser mais do que honestos um com o outro
agora. Eu quero ficar por dentro de tudo que eu não fiquei. Eu quero
conhecer cada parte da sua história e te conhecer ainda melhor. Eu quero
que se abra comigo, aos poucos e no seu tempo, claro, e quero que não
tenha medo ou receio. Acabou o julgamento. Eu juro que acabou e que
estou aqui de corpo e alma.
— Eu sei que sim. — Kayla puxa para si as nossas mãos unidas e
planta um beijo no dorso da minha. — Você pode me perguntar o que
quiser. Ao contrário de antes, eu não tenho mais problemas com isso. E não,
não tenho notícias. Bloqueei o número do meu pai e o número da Cora no
meu celular naquele mesmo dia em que me encontrou chorando. Ainda não
quero entrar em contato com nenhum deles.
Ergo as sobrancelhas.
— Mas pretende?
— A doutora Ella diz que é necessário.
— Compreendo, só não sei se gosto dessa ideia. Não a quero perto
dessa Cora. Se dependesse de mim, nunca mais ela teria notícias suas. —
Quando me lembro de tudo que Kayla passou, fúria me toma. Rilho os
dentes. — Eu juro por Deus, linda, se essa mulher aparecer em minha
frente, eu não respondo por mim.
E não respondo mesmo.
Toda vez que penso que ela a tocou, que ela a maltratou, que ousou
fazer da sua vida um inferno, quero mandar tudo se foder e ir atrás dela para
matá-la. Não entra na minha cabeça que haja gente tão maldosa assim,
capaz de destruir a vida e os sonhos de uma garotinha, transformando-a em
um robô que não conseguia acreditar no amor e no lado bom e bonito da
vida. A justiça é podre, Kayla me falou sobre isso, me disse que não teria
nada a seu favor e que, muito provavelmente, seria acusada de calúnia e é
nesses casos que entendo quem faz justiça com as próprias mãos, pois é
extremamente difícil, no nosso país, alguém como a garota ao meu lado,
conseguir provar que é uma vítima. O povo e o sistema estão contra ela há
séculos e a favor de criminosos e criminosas como sua madrasta, que é
branca, privilegiada e a favor da família.
Por mais que eu tente, mal consigo mensurar o quanto sofreu e o
quanto é forte por ter se mantido de pé, mesmo após enfrentar tantos e
tantos traumas, ainda mais sem o apoio de um pai, que ao invés de apoiá-la,
se virou contra ela por conta de um rabo de saia. É por isso que minha
garganta está entalando constantemente desde que li a carta que escreveu.
Fico imaginando a pequena Kayla sendo agredida, sofrendo calada, cheia
de hematomas pelo corpo e tendo que dizer que adquiriu enquanto brincava
com seus amiguinhos na escola. Ela com fome, presa a uma cadeira,
chorando em silêncio à medida que se perguntava o que fez para merecer
sempre tantos castigos. Me dá ódio, raiva, revolta e uma vontade absurda e
incontrolável de ter algum tipo de poder para voltar no tempo e salvá-la,
arrancando-a daquele pesadelo constante para colocá-la em meio a uma
verdadeira infância, cheia de amigos, risadas, bicicletas, raspadinha e amor,
tudo o que ela sempre mereceu e não lhe foi dado. Seriamos nós contra o
mundo e eu queria ver quem ousaria passar por cima de mim para tentar
sequer tocá-la de uma forma diferente. Eu jamais deixaria.
Merda, eu podia imaginar que seu passado era difícil, contudo, não
podia imaginar que ele era tão forte. Eu acho que eu nunca vou conseguir
me reerguer do baque. Uma parte minha estará sempre presa naquela carta,
sofrendo junto com ela. Queria ter sabido de tudo antes, para poder ajudá-
la, todavia percebo que eu não poderia, não cabia a mim esse papel. Talvez,
se pararmos para pensar sobre o que aconteceu entre nós com clareza,
poderemos ver que teríamos que ter um tempo separados, de qualquer
forma, porque ela precisava pensar mais em si e correr atrás do que nunca
conseguiu correr. E eu, por outro lado, precisava mudar algumas
características em mim, como parar de ser apressado, confiar mais no
Universo, parar com essa minha neura de querer embarcar e correr atrás do
mundo. O que é meu, será meu, não adianta.
Sem mencionar o fato de que eu me sinto mais... experiente, talvez?
Acho que a inocência sumiu um pouco do meu corpo. Em todos os sentidos.
Agora eu percebo que a vida não é um conto de fadas, que o mundo não é
totalmente colorido e que há monstros nos cercando aqui fora. Precisamos
ser cuidadosos com as pessoas ao nosso redor, prestar mais atenção, sermos
mais empáticos e ter um olhar mais apurado, pois nem tudo é o que parece
ser.
Tem uma série norueguesa que ficou muito famosa na internet há
alguns anos. Nunca vou me esquecer, principalmente depois de hoje, da
frase que vi circulando pelos posts nas redes sociais na época. Dizia assim:
“Todos aqueles que você conhece estão lutando uma batalha que você
desconhece. Seja gentil. Sempre.”
E é verdade. O Sebastian de hoje percebe que não dá para encarar
mais o mundo de outra forma. Temos que ser realistas, realistas
esperançosos. Mesmo que tudo pareça desmoronar, uma hora ou outra,
vamos ficar de pé.
— E por acaso você acha que eu quero Cora perto de você? —
resmunga Kayla um tempo depois, sendo retórica. — Pode ter certeza que
vou garantir, até o meu último suspiro, que ela não se aproxime de nada que
me diz respeito.
Eu luto contra, juro que luto, no entanto, quando percebo, já estou
sorrindo.
— Isso foi você querendo dizer que eu sou seu?
Ela também não consegue disfarçar.
— Não sei, você é?
Me olha com aquelas írises pidonas e quase gemo com a cena mais
sexy e fofa que já vi. Se antes eu poderia ter dúvida, agora tudo fica muito
claro. É muito melhor estar assim com Kayla, brincando e numa boa, do
que estar com as nossas constantes trocas de farpas, que levavam à mágoa e
chateação. Assim não há desgaste, não há dor de cabeça, não há coração
doendo e mente diariamente lutando entre o certo e o errado, só há leveza,
certeza e fé de um amanhã melhor. Nós não éramos nós naquelas brigas.
Algumas eram divertidas, não posso mentir e dizer que não gostei de ver
seu descontrole e o quanto parecia entregue a mim, mas elas eram, não sei,
vazias. Toda vez que tentávamos um contato mais próximo, não parecia
genuíno, parecia para provocar, para punir, para expor nossa raiva e nossas
angústias. Agora não mais. Agora é real. Agora seremos nós, tomaremos o
controle e voltaremos ao começo, quando parecíamos dois jovens
apaixonados e cheios de amor para dar.
Aqui é o nosso ponto de partida.
— Não me lembro um dia que eu não tenha sido — respondo
sinceramente. — Quando eu nem te conhecia direito, meu coração parou de
ser meu para ser seu no primeiro segundo. Quando nos separamos, mesmo
ele sem forças, ainda batia e chorava por você. Quando eu jurei que iria te
odiar, não consegui fazer com excelência, porque fosse lá o que eu estivesse
sentindo, ele jamais conseguiria superar ou ultrapassar o meu amor. Acho
que esse sentimento sempre tomará conta de mim, não importa o tempo, a
vida e a distância. Não importa o que aconteça, se o sol deixar de queimar,
se o céu mudar de cor ou se as estrelas caírem, eu sempre, sempre,
continuarei sendo seu.
Meu coração dá uma guinada no momento em que ela decide não
falar nada, apenas fazer. Kayla se aproxima, põe a cabeça em meu peito e
enlaça meu corpo em um abraço. O seu perfume me invade e eu percebo o
quanto senti a sua falta, o quanto esse tempo longe foi angustiante,
tenebroso e desesperador. Fecho os olhos e preciso engolir em seco, porque
não posso chorar agora, em sua frente. Só que minha nossa, me sinto tão
aliviado e tão realizado. Eu sabia, desde o fatídico dia, que queria perdoá-la
e que queria que dissesse que se apaixonou por mim. Passei noites
sonhando com essa sua confissão e sempre acordava arrasado por ver que
eu não poderia esperar nada disso, que mesmo eu querendo muito, não iria
acontecer. Foi difícil me deparar com a realidade de que a mulher da minha
vida mentiu, me enganou e não me amava de volta.
Mas Kayla Benson me ama. Ela me ama!
Estou tão feliz que posso explodir.
E admito, em segundos essa garota acabou com toda a marra que
tentei construir.
— Sabe — continuo após tossir, para não deixar transparecer a minha
emoção. —, você disse que iria me reconquistar e que iria provar seu amor
por mim. Estou esperando desde já, que fique bem claro, mocinha. Eu não
quero ter mais nenhuma dúvida quanto a nós. Eu não quero ter mais
nenhum medo. Eu quero poder mergulhar de cabeça e preciso que me
mostre que não estamos mais no raso. Uma prova. É tudo o que eu te peço.
Ainda abraçada a mim, ela ergue sua cabeça, ficando a centímetros de
distância do meu rosto. Seus olhos tentam fixar nos meus, contudo acabam
escorregando para a minha boca, onde passam alguns segundos a
encarando. É rápido, coisa de poucos instantes, entretanto para mim, parece
uma eternidade. Solto o ar que nem sabia estar segurando assim que Kayla
se concentra nas minhas írises, sorrindo sem descolar os lábios, pronta para
falar.
— Eu vou te dar uma, duas, três, quantas provas quiser. Não me
importo de correr atrás do que quero. Uma certa raposa me ensinou isso
uma vez. Ela correu atrás do que ela queria, correu muito e agora será a
minha vez. — Logo que estou prestes a dizer algo, me interrompe ao
estender a mão. — Só preciso que me diga se está tudo bem com isso. Se
está tudo bem mostrar que me perdoou para os seus amigos, para o pessoal
da Maevis University, para o mundo todo...
— Meus amigos vão ficar mais felizes do que eu, já te disse. E acha
mesmo que me importo com o que vão falar? Eu quero é que todos eles se
fodam. Só a gente precisa saber da nossa história, ninguém mais.
Mais outro sorriso se esgueira pelo seu belo rosto e agora um bem
grande, deixando seus dentes perfeitamente brancos e alinhados à vista.
— É tão bom te ver assim, Skalbeck. Não finja que me odeia nunca
mais, ouviu?
— Hmmm. Acho que só entre quatro paredes. — Aproximo minha
boca da sua orelha, só para sussurrar: — Ou você acha que esquecerei de
você implorando para ser comida por trás?
Como está próxima de mim, sinto quando seu coração acelera.
Fricciono os lábios para não dar risada.
— Já está com pressa? Achei que iríamos com calma dessa vez.
Ah, céus, é mesmo uma megera. Preciso de todo autocontrole do
mundo para não a beijar e para não cumprir com o que tanto desejou nos
fundos do Lost Paradise, agora mesmo.
Prendo um grito em minha garganta no momento em que, sem
intenção, se move em cima de mim. A impeço de continuar e a olho muito
sério.
— É melhor sair de cima de mim, linda, estou ficando duro.
— Ai, cacete.
Ela rola para o lado, como se eu tivesse uma doença contagiosa e
acabamos rindo ao mesmo tempo. Assim que escutamos um barulho de
porta sendo aberta, paramos e nos sentamos no chão rapidamente, nos
entreolhando. Não tenho nem tempo de processar o que está acontecendo
quando Elsa Castillo aparece em nosso campo de visão, usando uma jaqueta
jeans, camiseta branca com a foto da Selena Quintanilla estampada, uma
legging preta, All Star branco com pequenas flores e cabelo preso em um
rabo de cavalo alto. A melhor amiga de Kayla está carregando uma bolsa
contendo o seu violão e tem livros e algumas partituras sendo segurados
com o outro braço.
Seus olhos se arregalam e saltam entre mim e a garota ao meu lado no
instante em que finalmente se dá conta do que está bem à sua frente.
— Vocês... — Ela larga a bolsa do violão no chão, meio atordoada e
sem acreditar, e passa a apontar para nós com o dedo. — Vocês se
acertaram? Como? Por quê? — Essa última pergunta sai carregada de
desconfiança, então espalma a cintura.
Kayla bufa uma risada e se levanta, marchando em direção à amiga.
— Como diabos você encontrou aquela carta, Elsa Guadalupe
Castillo?
Seu rosto se transforma em um perfeito “merda, me lasquei”.
— Estava limpando a sua estante. Peguei um livro e ela caiu. — Elsa
fecha os olhos e dá um jeito de levar a mão à boca, mordiscando os cantos
do polegar em nervosismo. — E antes que me pergunte, eu não tinha
certeza se iria enviá-la, mas você me disse o que tinha acontecido no bar e
falou com convicção que ainda esperava o seu perdão e a sua segunda
chance. Eu só quis te ajudar, amiga. Eu não aguentava mais te ver triste
pelos cantos, não aguentava mais ver o sofrimento de Sebastian e o que esse
sentimento fazia com ele, ou melhor, com vocês dois e resolvi agir antes
que fosse tarde demais. Sei que estava contando com a hora certa, só que
droga, eu sou sua amiga, eu te conheço, se dependesse de você para
encontrar o momento certo, nunca haveria conversa, você sempre acharia
que deveria esperar mais, melhorar mais, ter mais paciência. Sei que estava
com medo e só quis ajudar, só quis fazer com que ele percebesse que você
foi errada, mas que você o amava, sempre o amou. Então, enquanto eles
estavam treinando, entrei no vestiário e tentei encontrar alguma forma de
guardar aquela carta para que você visse. — Dá ênfase ao se virar para
mim. — Graças ao seu armário aberto, consegui enfiar lá. O quão
encrencada eu estou?
— Zer0. — Dou de ombros ao responder e acabar com seu
sofrimento. — Foi importante a sua ajuda.
Elsa põe a mão no coração e simplesmente sei que volta a respirar.
— É, Frozen. Você é a pessoa mais curiosa e mais intrometida que
conheço, mas uau, obrigada, estávamos mesmo precisando desse seu
empurrão.
— Então não estão com raiva de mim?
— Não — dizemos em uníssono.
— Então se acertaram e são um casal de novo?
— Nos acertamos, nos perdoamos e ainda não somos um casal. —
Flexiono os joelhos para me levantar do chão e escorrego as mãos para
dentro dos bolsos da calça logo que começo a me movimentar até elas. —
Ei, não precisa ficar triste.
— Para com essa cara de velório, Elsa — Kayla repreende a amiga,
achando graça. — Nós vamos tentar de novo. Ainda é cedo para afirmar
que somos um casal.
— Exato — confirmo. — Porém, eu ainda sou dela e ela ainda é
minha. E se vocês se encontrarem com o Waylen, peçam desculpas por
mim.
— Ele achou que você fosse matá-lo — Elsa conta.
— Eu achei que eu fosse matá-lo. Faltou bem pouco.
— Que loucura — Kayla completa. — Estávamos todos no caos e
agora estamos assim. A vida é mesmo uma montanha-russa.
Tem razão, a vida é mesmo uma montanha-russa, contudo espero que,
a partir de hoje, estejamos sempre lá em cima.

Assim que saio da sala de aula, sinto o celular vibrando em meu


bolso. É Sebastian me mandando mensagem pela primeira vez. Um sorriso
de ponta a ponta pincela meu rosto ao ver o seu contato salvo ainda com
aquele apelido que lhe dei por ficar me perseguindo como um stalker.
Skalker: Acabei de descobrir que posso te encher de mensagens. Não
somos mais inimigos.
Meus dedos começam a digitar uma resposta à altura.
Eu: Aposto que estava sentindo falta disso.
Skalker: Claro que estava. Para quem que eu ia contar cada passo
do meu dia? Ou para quem que eu ia mandar nudes? Estou com saudades
de me gabar sobre meu pau para você, Kayla.
A foto que ele me enviou certa vez no vestiário enche a minha mente,
me fazendo morder os lábios ao despertar uma certa parte minha
adormecida.
Eu: Se você for ficar me enjoando com esse seu monstro guardado
nas calças, vou te bloquear.
Pontinhos dançam na tela, um segundo depois da minha mensagem.
Skalker: Credo, Kayla, você continua a mesma chata. Não entendo
sua lógica. Não quer que eu te envie, mas quer que eu te enfie, né?
O mesmo idiota de sempre, pelo visto.
Que fique bem claro, não estou reclamando, eu quero que permaneça
assim, porque não quero perceber, em nenhum momento, que não
conseguiremos mais voltar ao início. Coisas assim, mesmo parecendo
besteira, me fazem tão feliz que sinto como se quisesse gritar ao mundo
que, mesmo com muita tentativa de me fazer cair, não me encontro mais no
chão, me encontro flutuando tão alto que me sinto nas nuvens, o vento
soprando o meu cabelo, beijando a minha pele e, ainda por cima, com o
coral dos anjos retumbando entre mim e Sebastian, como se tudo finalmente
estivesse em seu lugar.
E eu acho que tudo está em seu devido lugar mesmo. Estamos de
volta ao jogo. Ao nosso jogo, que não tem nada a ver com mostrar
superioridade um ao outro e sim, mostrar amizade, companheirismo, amor,
confiança, alegria e todas as coisas que nos faziam tão únicos e tão
apaixonados. Estamos de volta à competição saudável e natural, agindo
como dois oponentes que se respeitam e que têm em comum um único
objetivo: vencer em cada etapa.
Porque, juntos, seguiremos rumo à final.
Eu: Você mal começou a me enviar mensagens de texto e eu já quero
que me deixe em paz. Ao contrário de você, eu não estava sentindo falta.
Reviro os olhos para mim mesma. Que mentira mais fajuta acabei de
contar. Passei um tempão escrevendo mensagens para ele e apagando,
porque me esquecia que estávamos sem nos falar e vivia sentindo a
necessidade de compartilhar com Sebastian as mínimas coisas que
aconteciam comigo. Eu estava sempre querendo a sua opinião, os seus
conselhos, suas palavras de duplo sentido, seu sarcasmo nas horas mais
inapropriadas e as suas constantes mensagens aleatórias que, na maioria das
vezes, não queriam me dizer nada, apenas perturbar qualquer coisa que eu
estivesse fazendo. Eu estava sempre querendo contato, mesmo quando não
podia. E agora tê-lo assim, é muito mais que um sonho, é muito maior do
que qualquer desejo que poderiam me conceder. Eu definitivamente mal
posso conter e esconder a minha felicidade.
Só são mensagens. Mas para mim, tem um significado muito maior.
É a nossa história sendo recontada, querendo continuar de onde foi
interrompida. E eu mal posso esconder a euforia em mim desde que tivemos
a nossa conversa. Toda vez que me deito e coloco a cabeça no travesseiro,
fico sem acreditar que ela aconteceu mesmo e que foi real. Sofremos tanto,
nos martirizamos tanto, metemos os pés pelas mãos, agimos muitas vezes
como dois adolescentes imaturos e, no fim, vimos que estávamos os dois
seguindo por caminhos errados por conta do medo ou de sentimentos que
não deveriam ter a chance de nos guiarem. Se não tivéssemos uma terceira
pessoa para nos mostrar o caminho, provavelmente continuaríamos atolados
em desordem e rancor, escolhendo, dia após dia, enfiar cada vez mais
espinhos em nossos corações.
Eu sabia que tudo se resolveria com uma conversa, ainda assim fiquei
surpresa e emocionada. Achei que Sebastian não acreditaria em mim, achei
que ele fosse me renegar mais uma vez e achei, muito sinceramente, que
poderia perdê-lo para sempre. Mesmo que eu quisesse muito, eu o sentia
tão, mas tão longe, cada vez mais escapando por entre meus dedos, como
areia. No entanto, eu deveria confiar um pouco mais em sua inteligência,
em sua perspicácia e em sua bondade. Apesar de ter ficado querendo pagar
de bravo, indiferente e no controle, ele não poderia mudar a verdade e ela
ficou escancarada, não cabia ser cabeça dura, não cabia insistir em outra
narrativa, então não tinha como seguir com a guerra declarada. Nós
tínhamos que sentar e conversar feito adultos, para podermos pontuar cada
pequena coisa que fez com que ficássemos afastados. E assim fizemos. Nos
perdoamos e decidimos deixar tudo e qualquer coisa para trás, inclusive, no
dormitório, nós concordamos que caso quiséssemos seguir em frente, não
poderíamos ficar jogando certas coisas na cara um do outro. Deveríamos
realmente começar do zero.
Concordei, óbvio, porque era a oportunidade perfeita, que eu fiquei
esse tempo todo implorando aos céus para que me aparecesse. Eu só queria
mais uma chance, só mais uma para poder fazer diferente e agora que eu a
tenho, irei para cima sem mais nenhum medo, respeitando meu tempo e o
tempo dele. Irei amá-lo como nunca e mostrar a ele o quanto me arrependi
de ter sido a causadora da nossa ruptura. Eu irei fazê-lo feliz, todos os dias,
para que saiba e tenha a certeza que tem uma grande parceira do lado, capaz
de mover o Universo inteiro por ele.
O passado ficou de lado, não iremos mais pensar nele, pensaremos no
agora. O agora é tudo que nós temos e tudo que não tivemos.
O agora é a ínfima parte do infinito que será Kayla e Sebastian.
Confiaremos nele e ele nos fará para sempre.
Resisto à vontade de cruzar os dedos e foco no que acabou de piscar
no visor do meu celular.
Skalker: Vou ignorar essa sua mentira para o nosso próprio bem.
Skalker: E aí, megera, tá fazendo o quê?
É, acho que não menti, eu não estava com saudade disso. Eu estava
morrendo.
Eu: Parada no meio do corredor. Acabei de ser liberada da aula. Vou
encontrar com a Elsa e o Waylen no refeitório daqui a alguns minutos.
Skalker: Legal. Eu tô assistindo um trabalho do Justin, uma matéria
que nós temos em comum.
Eu: E por que não tá prestando atenção?
Skalker: Tééééédio. E eu não aguento mais escutar a voz desse cara.
Já não basta em casa, agora na faculdade também?
Uma pessoa passa por mim e me olha torto quando me vê rindo para
o telefone em minhas mãos. Dane-se. Vão me ver muito assim agora.
Eu: Espero que ele perceba que você está usando o celular e te
dedure.
Skalker: Kayla, você gosta de vôlei?
Minhas sobrancelhas se unem.
Que garoto aleatório.
Eu: Gosto.
Skalker: Então segura esse bloqueio.
Rio sem humor.
Não é possível que usou essa.
Espera...
Arregalo os olhos assim que percebo que ele realmente me bloqueou.
Que filho da mãe!
Dura menos de um minuto e Sebastian me desbloqueia.
Skalker: KKKKKKKKKKK
Se assustou que eu sei. Foi só brincadeirinha.
Balanço a cabeça. Ainda me mandou um emoji de beijinho.
Mando um do dedo do meio de volta.
Skalker: O que você está sugerindo que eu faça com esse dedo?
Eu: Não sei. Use a imaginação.
Por mais que a brincadeira esteja divertida, preciso agilizar e ir
encontrar meus amigos. Se eu ficar falando com Sebastian, vou passar o dia
todo aqui.
Eu: Espero que não tenha ido ao banheiro com esse silêncio. Tenho
que ir agora. A gente se fala depois?
Cerca de um minuto ou dois depois, ele aparece.
Skalker: Que engraçadinha. Tive que guardar o celular para bater
palmas para o Justin. Ele acabou a apresentação e eu tive que fazer meu
papel de amigo.
Claro, como se ele tivesse sequer prestado atenção no coitado.
Skalker: E sim, a gente se fala depois. Não esquece de falar com o
Waylen por mim.
Eu: Vou falar, mas não sei se ele irá te perdoar.
Sebastian manda uma mensagem com a carinha preocupada e eu rio,
guardando o celular de volta no bolso. O pobre do Waylen vai é ficar feliz
sabendo que o capitão está implorando por perdão, isso sim. Ele adora os
meninos do time.
Saio do bloco e passo a caminhar pelo campus, indo até o refeitório.
Alguns minutos depois e eu já estou dentro do local. Estico o pescoço
para encontrar os meus amigos e logo os vejo em uma mesa no canto,
apenas os dois sentados. Elsa está com seu fone descansando no seu
pescoço, com cadernos e folhas ao lado, provavelmente o trabalho do seu
curso que não consegue largar, e Waylen parece radiante enquanto os dois
conversam. Estou ficando um pouco com ciúmes dessa cena, eles não
podem ficar muito tempo sozinhos e longe de mim, por isso que desato a
andar mais rápido, me enfiando ao me sentar no meio deles. E como chego
de forma abrupta, ambos se assustam e gritam meu nome em repreensão.
— Que garota mais maluca. — Waylen olha para Elsa e finge que eu
nem estou aqui. — Além de chegar atrasada, ainda chegou chamando
atenção.
— Ei, olhe para mim, não para ela. — Faço biquinho e aperto as
bochechas do meu amigo, virando seu rosto em minha direção. Só o solto
quando ele começa a falar embolado, os lábios na famosa boca de peixinho
o impedindo de ser compreendido. Ao contrário do que eu pensei que
aconteceria, Pratt não está tentando falar nada de importante, está apenas
me xingando de forma carinhosa. — Pare com isso. — O empurro de leve
no ombro, fazendo a minha melhor amiga rir baixinho em seu canto,
adorando ser telespectadora da cena que protagonizamos. — Eu estava
trocando mensagens com Sebastian, por isso me atrasei. Não foi por querer.
— Meu Deus, é isso que pessoas apaixonadas fazem?
Olho para a minha melhor amiga sem saber do que ele está falando,
porém ela apenas sacode os ombros para cima e sei que está fingindo, Elsa
Castillo sabe muito bem sobre o que ele está falando. Acho que perdi
alguma coisa.
— Você ficou sorrindo feito uma boba ao falar do nosso quarterback
favorito — Waylen responde meus questionamentos antes mesmo que eu
possa perguntar. — Foi tão automático que nem se deu conta.
Pisco uma, duas, três vezes, depois dou risada, ainda processando.
— Merda, eu não consigo disfarçar a minha felicidade. Sinto que se
me perguntarem qualquer coisa sobre Sebastian, vou vomitar arco-íris.
— Awwwwn — Elsa solta com voz de bebê e tanto eu, quanto Pratt
giramos as nossas cabeças em sua direção. Está com os olhos semicerrados
e parece ser ela a apaixonada, por conta da carinha que faz. — Eu também
vou vomitar arco-íris. Me sinto no paraíso com a minha Kay-Kay
finalmente com o seu amor.
— Tecnicamente ainda não é o amor dela — o loiro faz questão de
lembrar. — Mas vai ser muito, muito em breve. Kaylinha já, já será a rainha
das raposas. Espero que não se esqueça de nós quando estiver no topo da
cadeia alimentar de Maevis. Juro que nunca mais lhe ajudo com aquela
máquina de café. Se depender de mim, na próxima, vou deixá-la te engolir.
Céus, como são dramáticos.
Como Elsa presenciou nossa reconciliação, tive que contar a Waylen
assim que nos vimos, para que ele ficasse por dentro e não perdesse
nenhum capítulo. Até porque eu não tinha mais só uma pessoa para me dar
conselhos, agora eu tinha duas e era mais do que necessário que ficassem
no mesmo nível de informação. E posso afirmar, com convicção, que o filho
da minha terapeuta ficou muito feliz por mim e por Sebastian, disse que
temia por sua própria vida e que agora não haveria mais medo, pois o
quarterback saberia que suas preferências eram outras, totalmente
diferentes das dele. Apesar de sua brincadeira, ele me abraçou e disse que
estaria aqui comigo para o que eu precisasse. Também disse que não pôde
presenciar o começo, que chegou um pouco atrasado, mas que presenciará a
partir de agora e disse que está disposto a pedir perdão por ter me ajudado a
fazer ciúmes nele, pois, com toda certeza, quer poder dizer à faculdade
inteira que se tornou amigo do astro do Maevis Fox através da ex/futura
namorada dele.
Ele fala coisas assim sobre os populares da MU, porque sempre, tanto
aqui quanto no ensino médio, fora tratado como loser. Então ele adora zoar
sobre essas coisas sempre que arranja uma oportunidade.
Faço uma nota mental para me lembrar de contar isso a Sebastian
depois, ele precisa mesmo sentar e conversar direito com o Waylen. Já
posso até ver o nosso amigo morrendo e dizendo que venceu na vida.
— Eu acho que você esqueceu do fato que essas pessoas me odeiam
— generalizo ao apontar para os alunos circulando pelo refeitório. — Eu
nunca poderia estar no topo da cadeia alimentar. Começando pelo principal,
na cabeça de Stacy Cameron eu sou a inimiga mortal dela. E ela é a número
1. A abelha rainha.
Por falar na nossa Dean Humphrey de Montana, ela está tão
escondida e tão quieta que chega a ser estranho. Parece criança quando está
afastada das nossas vistas e em silêncio, a gente sabe que está aprontando
alguma. A garota continua postando suas fofocas no jornal, contudo ela mal
aparece nas festas, nas redes sociais e eu, depois do ocorrido, nunca mais
me bati com a sua infeliz presença.
Pode ser que tenha finalmente se dado conta de quão ruim é e está
sofrendo sozinha o peso disso, vai saber. A verdade é que não me importo.
Stacy Cameron nunca mais vai poder me atingir. Não estou mais guardando
nenhum segredo e ela sabe muito bem disso. Estou livre de qualquer
maldade e espero que a redatora do Intrigue também, porque seria péssimo
se estivesse planejando acabar com a vida de outra pessoa, como fez com a
minha. Que Deus toque em sua consciência e a faça rever seus conceitos de
certo e errado. Todo mundo tem a chance de mudar, todo mundo tem a
chance de querer começar de novo e eu jamais a condenaria para sempre.
No entanto, não é hora de pensar nela agora e, de qualquer forma,
essa parte também já se encontra no meu passado.
E antes que Waylen possa falar qualquer coisa sobre Stacy, mudo de
assunto.
— Ei, por falar no nosso quarterback, ou melhor, no meu
quarterback, ele está querendo tanto o seu perdão, que só sabe me falar
disso quando menciono você. Vou ter que te mandar o contato dele para que
você mande mensagem o perdoando, só assim o pobre Sebastian vai
conseguir viver em paz.
Risadas preenchem o ar, dele e de Elsa.
— Já disse, só o perdoo quando ele postar uma foto comigo. Um story
marcando o meu arroba já é mais do que suficiente — diz Waylen,
categórico e não posso acreditar que continua insistindo mesmo nisso. Nem
mesmo a argentina ao nosso lado, pois ela dobra o braço em cima da mesa e
enfia a sua cabeça por ali, seus ombros tremendo com as risadas que tenta
fazer com que saiam silenciosas. Estou a um passo de me posicionar do
mesmo jeito. — Aff, impressionante, vocês duas nunca me levam a sério.
— Porque você é engraçado! — A voz da nossa amiga soa abafada,
porque ela não ousa erguer a cabeça, está com medo de que volte a ter uma
crise de riso. — E droga, Waylen, não consigo ficar séria. Você acabou de
me desencadear uma crise. — Eu disse. — Só… por favor, pare de fingir
ser um topa tudo por fama, todo mundo já entendeu que você detesta a
classe burguesa dessa cidade.
— Ei, eu não detesto coisa nenhuma. Só tenho algumas ressalvas,
como, bem, todas as possíveis, mas não vem ao caso. Eu realmente adoro os
atletas e acho que Skalbeck será o nosso próximo Tom Brady.
Toooodo mundo fala e pensa assim.
Deve ser porque é verdade, Sebastian é e será uma lenda ainda maior
quando estiver na NFL. E eu vou estar ao seu lado como sua maior fã.
Vou continuar usando suas camisetas em todos os jogos.
Vou gritar tanto que a mulherada ficará irritada, entretanto, de
qualquer forma, elas saberão quem eu sou.
— Já vi que vou ter que ficar de olho no Waylen, é capaz de Sebastian
começar a gostar mais dele do que de mim — brinco ao dar de ombros e
pesco uma batata-frita da bandeja de algum deles, não sei ao certo de quem.
Mordo um pedaço, mordo mais outro e assim que termino de engolir,
alterno meu olhar entre os dois. — O que é que vocês dois estavam
conversando antes de eu chegar, hein? Não é só vocês que devem saber da
minha vida, eu também devo saber da de vocês.
É a vez de Elsa olhar para o Waylen e o Waylen olhar para a Elsa.
Quero só ver quem vai se entregar primeiro.
— Não é nada. São só problemas no trabalho. Iremos nos apresentar
no teatro, minha voz era a principal e eu tinha uma dupla, só que ela decidiu
cair fora. Agora estamos fazendo umas audições para encontrar um timbre
que encaixe perfeitamente com o meu. Eu estava apenas desabafando, é
desgastante não gostar de nenhum e ter que dizer tantos “nãos”. As pessoas
ficam chateadas, tristes e eu também fico. Ainda não consigo não separar as
coisas. — Ela bufa, cheia de frustração e finca o cotovelo na mesa,
encostando um lado do seu rosto em sua mão fechada. — A professora
também não tá me ajudando em porcaria nenhuma, só fica dificultando. É
como se ela quisesse passar a responsabilidade para mim, o que é uma
droga. A verdade é que não vejo a hora de me formar e de mandar minhas
músicas autorais para as gravadoras.
— Reclamar da vida de universitário é sempre a melhor opção, huh?
Eu tava completando a fala, antes de você chegar, dizendo que tirei uma
nota horrível na matéria que passei dias me matando de estudar, trancado na
porcaria do meu quarto. Como se já não bastasse a humilhação, o professor,
antes de me entregar, falou para mim bem assim: “Parabéns, Pratt, o
senhor conseguiu se superar”. — Ele imita a voz e os trejeitos do tal
professor. — Abri um sorrisão e peguei a prova, só para ver uma nota pior
do que a da última vez. E olha que da última vez eu nem sequer tinha
estudado. No entanto, é isso, pelo menos mostrou que o professor não
mentiu, eu realmente me superei sendo ainda mais incompetente.
— É, amigos, a vida acadêmica não é mesmo para iniciantes — falo.
— Também estou cheia de perrengue, escrevendo um livro que vale boa
parte da nota da prova. Não aguento mais olhar para a frente do computador
e não sair nada.
Eles concordam e a gente começa a reclamar dos nossos respectivos
cursos, juntos.
Posso estar adorando escrever, posso estar com o começo, o meio e o
fim montado em minha cabeça, porém tem vezes que simplesmente não sai
uma palavra. Meus dois neurônios param de funcionar, minha cabeça dá um
curto-circuito, nada sai e nada entra. Pensar em palavras se torna a coisa
mais difícil do mundo.
Ainda bem que a minha inspiração me move e não me faz desistir.
Bem no momento em que os dois estão debatendo sobre seus
fracassos, uma vibração me faz saltar. É Sebastian. E é Sebastian
novamente querendo me atazanar.
Espera… não tem nada a ver isso.
Skalker: Olha eu de novo, hahaha. Espero que eu não esteja
incomodando. Vou direto ao ponto, os meninos querem fazer uma tarde de
jogos amanhã, o que acha de vir? Seria uma ótima desculpa para
comentarmos com todos sobre como estamos. Está preparada ou prefere
adiar mais um pouco ainda?
Leio o pequeno texto duas vezes, sentindo minha pulsação acelerar.
Eu: Eu não fujo mais de uma luta. Estou preparada.
Meu irmão, Lionel, Maddox e Justin estão sentados no sofá, de frente
para mim e Sebastian. Depois de nós dóis contarmos toda a verdade, alguns
deles nos encaram como se pudessem chorar a qualquer momento.
Exceto Daniel Maddox.
Esse daí está me encarando com uma expressão tão fria, que o
ambiente se torna glacial em segundos.
Ele curva o corpo para a frente, apoia os cotovelos em suas coxas
cobertas por uma calça preta rasgada nos joelhos, que deixa à mostra
algumas das várias tatuagens que rabiscam suas pernas, e estala os lábios de
uma forma tão alarmante, que me faz sobressaltar do puff no qual me
encontro.
— Sinto muito por sua história, sei muito bem o quão fodido é ter um
trauma, mas é sempre bom deixar claro que não dá para ficar saindo
fazendo merda a torto e a direito e depois colocar culpa na infância ou no
passado difícil. Ninguém tem culpa dos nossos problemas e a gente não
deve descontar ou projetar o que está dentro de nós, no outro.
Kellan já se apruma para falar, provavelmente para me defender,
porém eu não deixo.
— Você tem total razão. — Me coloco na mesma posição que ele,
para que possamos falar de igual para igual. — Eu disse várias vezes ao
Kellan, disse ao Sebastian também, que eu quis fazer o que eu fiz e em
nenhum momento tentei parecer diferente disso, em nenhum momento quis
tirar a minha culpa ou me fazer parecer uma mocinha incompreendida. Eu
tenho dezenove anos, eu sabia muito bem que o que eu estava fazendo era
errado, nojento, infantil e qualquer adjetivo ruim que queiram colocar, eu
sabia e mesmo assim fiz, porque não tinha nada, nem ninguém que pudesse
me fazer parar. No entanto, por mais que eu tivesse a noção da gravidade do
problema, eu dizia para mim mesma que não era nada demais, que era só
um meio para alcançar Sebastian. Eu não sabia o que era amor e paixão na
época, mas eu senti isso pelo amigo de vocês no primeiro momento em que
nossos destinos se cruzaram e eu fui atrás do que eu queria, mesmo me
enganando ao dizer que não tinha nada a ver com querer deixar ele entrar na
minha vida e sim, para ver como ele era uma farsa, assim como eu. Se ele
fosse, eu o chutaria para longe, só que é claro que Sebastian não era, nunca
foi e o resultado disso foi tê-lo como meu melhor amigo, como minha
primeira paixão avassaladora e sufocante. — Sinto sua mão afagando as
minhas costas e isso me deixa um pouco mais tranquila, embora meu
coração esteja acelerado e querendo sair pela minha boca. — Eu me
arrependi, Maddox. Me arrependi tanto que passei esse tempo todo
sofrendo calada, na minha, sem atormentar ninguém, para que pudessem
colocar a cabeça em ordem. Foi isso que eu fiz comigo também, coloquei a
minha cabeça em ordem e afirmei a mim mesma que eu nunca mais iria
viver da forma que eu estava vivendo, me submetendo a tão pouco por
achar que eu merecia, de tanto que passei a minha vida inteira ouvindo isso.
Eu disse que eu ia buscar o melhor, que eu ia me reerguer das cinzas e que
iria correr atrás de todos que eu machuquei. Contei toda a verdade ao meu
irmão, não deixei nada mais entre nós, pedi perdão e estamos restaurando a
nossa amizade de novo, porque Kellan, mais do que ninguém, sabe o que
vivemos naquela casa. Ele assistiu tudo e ele sabe que não foi fácil, que
ninguém sairia daquele lugar com um bom psicológico. E aí eu me permiti
fazer a mesma coisa com o Seb. Lhe ofereci a verdade, pedi perdão e disse
que iria fazer diferente e é o que estamos tentando. Antes de qualquer coisa,
queríamos ter essa conversa com cada um de vocês, para que ficasse tudo
esclarecido, nada mais como antes. É realmente um novo começo.
— Tudo bem, mas você só se arrependeu porque ele descobriu e a
largou. Se não tivesse acontecido, você continuaria enfiada na mesma
mentira.
Uau, ok, é tapa atrás de tapa, eu aguento.
Aprumo os ombros e Daniel faz o mesmo, sem desviar o olhar.
— Novamente você tem razão. Mas não é assim que acontece? É
caindo que se levanta. É errando que se aprende. Ou melhor, é errando que
se corrige o erro. Não sou perfeita, estou longe disso e sei que não vou ser,
ninguém aqui é, porém eu precisei encarar a dor de frente para perceber que
nunca mais quero vê-la de novo. Eu precisei estar no chão para perceber
que meu lugar não era ali, que eu merecia muito, muito mais. Foi necessário
que eu perdesse Sebastian para que eu entendesse de uma vez por todas que
não consigo mais viver sem ele, que o amo e que o quero comigo para
sempre, porque ele me motiva mais do que poderia entender, mais do que
eu conseguiria externar em palavras. — Meus olhos enchem de lágrimas ao
falar de Sebastian, de nós e não consigo me segurar o suficiente, todos
percebem que estou chorando. Agora o capitão não afaga mais as minhas
costas, ele me abraça de lado e me aperta com força, também me dizendo,
através do seu gesto, que faz das minhas palavras as suas. — Eu estaria
mentindo se dissesse que ficava sonhando em encontrar meu príncipe
encantado, eu não ficava e acho que eu nem poderia, porque nem nos meus
melhores sonhos eu conseguiria idealizar alguém parecido. Ele é muito
mais do que eu poderia pedir. Ele é a minha metade e eu vou protegê-la até
o fim. E de verdade, vou ficar triste se não nos apoiarem, vou ficar triste se
não quiserem me aceitar de volta, afinal, adoro todos vocês, mas também
não é como se eu fosse dar para trás ou parar de lutar pelo que eu acredito
só porque não conseguem ver verdade em mim. Eu sei do meu coração, eu
sei o que eu quero agora, eu sei o que estou disposta a fazer, sei do quanto
sofri, do quanto evolui e do quanto mudei. Podem achar que não e eu
também não ligo se não acharem, contudo eu me tornei uma mulher foda do
caralho e só de eu achar isso, já basta. Não estou aqui por aprovação, que
fique bem claro. Não é isso que estou buscando nem de Sebastian, mas fico
feliz que ele tenha conseguido, mesmo em meio à raiva, me enxergar como
humana e me perdoar. — Mudo o foco de Daniel e olho para cada um
espalhado pelo sofá. — Eu aposto que cada um aqui já magoou alguém, se
arrependeu e pediu por uma segunda chance. Eu aposto que cada um aqui já
errou, já falou o que não devia, já fez escolhas erradas e já tratou,
provavelmente, muitas mulheres de uma forma que as fez se sentirem mal.
Aposto que já foram mal interpretados, que já foram julgados, que já
agiram com imaturidade e, principalmente, aposto que já perdoaram e
foram perdoados. Então, sejamos sinceros, por que só eu não tenho o direito
de nada disso? Por que só eu tenho o direito de continuar sofrendo e longe
do homem que eu amo? Ter ido me cuidar, cuidar da minha saúde mental e
pedir perdão não foram o suficiente?
— Olha, eu amo vocês — Sebastian emenda ao me ver em silêncio,
junto com seus amigos. — Amo mesmo, vocês sabem. Agradeço do fundo
do meu coração toda a ajuda e todo o suporte que me deram, nunca vou ser
capaz de retribuir o que fizeram e o que continuam fazendo por mim, só que
eu gostaria de lembrar que a Kayla não deve nada a vocês, porque ela não
fez nada diretamente a Lionel, a Justin e a você, Maddox. Sei que tomaram
as minhas dores e que querem me proteger acima de tudo, porém peço que
percebam que ela está aqui por respeito, querendo ser honesta, sincera e
querendo fazer diferente, abrindo até a própria história de vida dela para
vocês. Não vamos esquecer, por favor, do jeito que a tratamos também. Se
vamos apontar erros, vamos falar dos nossos também. É fácil só falar do
que nos convém, né?
Interrogações pairam na minha cabeça quando Daniel Maddox repuxa
seus lábios em um sorriso, fazendo a sua pose de bad boy evaporar.
— É, raposas, eles se amam mesmo. — Os meninos se dobram do
tanto que riem. Busco por Kellan e procuro por explicações, entretanto ele
parece tão confuso quanto eu, olhando seus amigos de time como se
estivesse preocupado. Eles não param, no entanto. Mas Maddox resolve se
acalmar, buscando por fôlego. — Fiquem calmos. Sebastian acha que não,
só que a gente viu, na festa da república, depois da confusão, quando ele
subiu para conversar com você. A gente dá umas fofocadas algumas vezes e
em uma delas tivemos que falar sobre o que faríamos caso ele aparecesse
dizendo que te perdoou. Claro que não imaginávamos essa conversa, não
fazíamos ideia dos seus motivos, entretanto falamos que deveríamos cavar
até o fim para saber se vocês dois sabiam o que estavam fazendo, até
porque sempre apoiaríamos qualquer decisão do nosso capitão. Foi o que eu
acabei de fazer agora. Tentei te colocar contra a parede, Kayla, mas bem,
parabéns, você foi ótima nas respostas e nos argumentos. — Todos eles
confirmam e Lionel e Justin até me mandam um joinha. — A gente não vai
te julgar, Kayla, ainda mais depois do que nos contou. E você acha mesmo
que eu tenho moral para falar sobre perdão? Eu perdoei o Lionel e olha que
ele pegou a minha mãe ainda estando casada com o meu pai. Depois disso,
acho que virei Jesus, só tem bondade no meu coração. Aqui é perdão 100%
garantido.
— Vocês estavam me testando, é isso? — Entreabro os lábios e
depois cruzo os braços, fingindo chateação. — Caramba, vocês me fizeram
chorar. Chorar. — Depois sorrio, pois não tenho como não estar feliz,
também estou sendo aceita por eles, os melhores amigos que Sebastian
poderia ter. Eles se importam tanto com o líder, que o apoiam em todas as
suas decisões, as perguntas e apontamentos que Daniel me fez, são provas
da sua fiel lealdade. Primeiro eles testam o terreno, depois deixam o amigo
entrar com segurança. Não importa o que tenham me dito, sei que foi
necessário para que pudessem perceber que não estou para brincadeira,
muito menos que irei me acovardar diante das adversidades. Estou pronta
para enfrentar tudo e todos. Não sei o que foi que aconteceu, contudo agora
me sinto ainda mais confiante e corajosa. — Não importa, quero que
saibam que nunca falei tão sério na minha vida como agora. Alguém aqui
me deu o apelido de megera, não sei se foi o Lionel ou o Sebastian, mas
vou me tornar a pior das megeras caso tentem mexer com qualquer um de
vocês. Prometo por tudo que é mais sagrado que estou de volta, muito
melhor e muito mais forte, e que não vou a lugar nenhum. Posso não fazer
parte do Maevis Fox, mas estou no time de vocês. Meu coração é e sempre
será laranja. Laranja feito uma raposa. E passei esse tempo todo, mesmo
longe, na torcida.
Um coral de “Own, meu Deus” reverbera pela sala e Justin Harris e
Lionel Prince correm até mim para me abraçarem, cada um de um lado.
Quase me sinto sufocada com esses dois brutamontes em cima de mim,
porém tento aproveitar o máximo possível, rindo dos resmungos de
Sebastian às minhas costas, porque ele acabou de ter sido empurrado e
deixado para trás. Nesse ínterim, meu olhar cruza com o do meu irmão no
sofá, que parece inflado de felicidade, orgulho e… paz. Ele sibila para mim
um “eu te amo” e eu digo de volta, tão emocionada que sinto como se
pudesse viver nesse momento para sempre. O momento que eu tanto
esperei, tanto sonhei e tanto tive medo de que não acontecesse. Passei horas
do meu dia imaginando o que faria se recebesse a oportunidade de ter as
pessoas que eu amo de volta e era exatamente isso, o aperto, o toque, o
sorriso e o calor dos meus meninos.
Tentei pagar de durona, porém, no fundo, estava com tanto, tanto
medo. Se eu só tivesse Kellan e Sebastian de volta, não me sentiria
completa. Esses garotos se tornaram a minha família. O meu verdadeiro
significado de casa e moradia. Eles me fazem rir, me fazem ficar com raiva,
me fazem revirar os olhos boa parte do tempo e me dão uma dor de cabeça
danada, entretanto são as constelações do meu céu, junto de Elsa e agora
Waylen. Aquela Kayla que saiu da Pensilvânia jamais pensaria que poderia
dizer isso, mas ela é amada e está cheia de amigos. Amigos de verdade.
Amigos que ela nunca mais vai deixar escapar.
Nunca mais.
Pisco os cílios para não chorar novamente e vejo que os meninos se
separam de mim quando meu irmão os enxota com a mão, se levanta e vem
ficar em minha frente. Tombo a cabeça para trás e sorrio assim que sinto
suas mãos em cada lado do meu rosto, acariciando minhas bochechas.
— Viu, só? Eu disse que tudo voltaria ao normal. — Com os dedos
em pinça, ele aperta o meu nariz, me fazendo contorcê-lo em uma careta
engraçada. — Posso não ser a pessoa mais religiosa desse mundo, no
entanto, sei que Deus recompensa todas as boas pessoas no fim. Você é uma
delas e Ele está cheio de planos, pronto para abençoar essa nova fase da sua
vida. E eu estarei aqui, acompanhando todas elas, maninha, é bom que saiba
disso. — Perto do meu ouvido, Kellan fala bem baixinho, só para que eu
escute: — Sebastian pode até te amar, mas eu sempre, sempre, não importa
o que aconteça, te amarei mais. Exorbitantemente mais. Infinitamente mais.
Ele se afasta e me vê prendendo uma risada, que na verdade, mais
parece um choro entalado.
— Eu também te amo mais — sopro no mesmo tom. — E não
importa a mulher que você venha a ter um dia, eu sempre, sempre, não
importa o que aconteça, serei a número um no seu coração.
— Claro que sim. — Pisca para mim e abre o seu sorriso sagaz, capaz
de deixar qualquer uma apaixonada. — Minha futura namorada que lute
para entender e para te agradar. Falando nisso, promete contar para mim se
tudo der certo com o Sebastian? Depois de tudo, eu mereço ser o primeiro a
ficar sabendo.
Não sei como o quarterback escutou, muito menos sei como se
aproximou tão rápido, porém está aqui, brincando com Kellan.
— Pode deixar, Benson, que eu vou pedir a mão da sua irmã para
você.
— Seu filho da mãe, eu vou cobrar. Ainda me dá um pouco de nojo
saber de vocês dois juntos, só para deixar claro.
“Já é o momento que eu me levanto e vou embora?”, pergunto a mim
mesma, enquanto eles ficam se provocando.
— Então já adianto, nem queira saber dos detalhes — Sebastian
aconselha, veneno e malícia gotejando por cada sílaba. — Eu e a sua irmã
cometemos loucuras na cama.
— Eca. Porra. Que nojo. — Kellan finge estar pronto para dar um
soco nele, mas Skalbeck desvia e começa a gargalhar. — Juro, Kayla, tira
esse homem de perto de mim. Meu inferno começou. Se ele abrir a boca
para falar qualquer coisa, vou lhe dar a surra que o livrei de tomar.
Meu irmão mais velho está tentando me deixar com medo? Porque
não fico. Eu só me seguro para me manter séria, pois a verdade é que estou
soltando fogos de artifício por dentro. Eles estão brincando, se divertindo
juntos e Kellan sabe que amo Sebastian e que Sebastian me ama. Não há
mais mentira, não há mais fingimento e não há mais aquela vontade que eu
sentia de poder agir como um casal quando ele estivesse por perto de nós.
Isso vai poder acontecer, porque meu irmão sabe que estamos apaixonados
e, além disso, nos apoia e torce para que nos entendamos definitivamente.
As coisas estão voltando ao eixo. E, se depender de mim, elas vão
ficar ainda melhores do que antes.
— Ei, vocês dois, calem a boca — Lionel ordena, do outro lado da
sala, com uma caixa do jogo Twister em mãos. — Megera, venha para cá,
não é porque te perdoamos que vamos pegar leve com você hoje, na nossa
noite de jogos. Levanta essa bunda e venha me ajudar.
Faço o que o idiota pede e quando estou perto de me aproximar,
Justin passa por mim na velocidade da luz, carregando dois baldes de
pipoca em um braço e um pack de cerveja no outro. Sorrio comigo mesma e
penso no quanto esta noite será divertida.
Sem falar nada, puxo a caixa da mão do Lionel e começo a abrir
sozinha. Ele me olha com os olhos arregalados, murmurando que eu não
poderia ter feito isso, só que apenas dou de ombros e lhe mostro a língua.
Uma vez com o jogo em mãos, jogo a caixa em sua direção, ele se empenha
para pegar, como se fosse uma bola de futebol, e eu estendo o tecido,
parecido com um tapete, no chão, chamando todos eles para se
aproximarem. Coloco a roleta próxima do tapete, troco o peso dos pés e
bato apenas uma palma, só para chamar atenção.
— Como vamos brincar? — pergunto. — Vai ser em dupla ou todo
mundo junto?
— Nem fodendo que vai ser todo mundo junto — Sebastian atropela
todo mundo ao falar primeiro e o encaro como quem pergunta: “tá, mas por
quê?” — Não é óbvio? Aqui só tem homem. Você é a única garota. Não vai
rolar.
— Como se a gente fosse maliciar com a Kayla. — Lionel revira os
olhos. — Isso aqui é uma brincadeira inocente.
— O caralho que é — o capitão resmunga. — Vai ser em dupla e
acabou. Kayla vai jogar comigo.
— Claro que vai — Maddox ironiza após beber da sua longneck, um
sorriso malcriado despontando no canto da sua boca, brilhosa por conta do
álcool. — Você quer é ficar roçando nela à vontade.
— Ei, Sr. Todo de Preto, me respeita! — Aponto o dedo em riste em
sua direção, pagando de séria e fingindo que não gostei do que acabou de
dizer. Eu quero mais é que Sebastian roce em mim mesmo. — E Skalbeck,
você não pode ser tão maldoso, somos todos amigos. Mas já que sugeriu em
duplas, vamos começar assim. Eu e você. Lionel e Justin. Maddox e Kellan.
— Por mim. — Prince sacode os ombros e começa a andar em
direção às bebidas, que estão espalhadas no centro, perto do sofá. — Agora
nada de se esfregar no meu pau, Justin.
— Você que não se esfregue no meu, idiota. — Harris tira os óculos, o
guarda no primeiro lugar seguro que encontra e se agacha, para mexer na
roleta. — Eu vou ser o árbitro, vou ficar aqui girando o spinner e dizendo
quais devem ser as posições das mãos e dos pés de vocês. Quem é que vai
primeiro?
Sebastian levanta o dedo como se estivesse no maternal e me puxa
para perto. Eu rio da sua pressa, tiro a minha sandália e piso no tapete, me
colocando perto da palavra Twister, um pé no círculo amarelo e o outro no
círculo azul mais próximo. Ele fica de frente para mim e faz a mesma coisa,
só que se mantém na parte oposta. Não demora mais do que dois segundos
para que Daniel, Kellan e Lionel se aproximem, como uma plateia ao nosso
entorno.
Não é com isso que me importo, entretanto. Encaro Sebastian dentro
das írises e deixo que perceba o desafio implícito perpassando pelas
minhas. O bastardo morde um sorriso e sei que não tem nada de espírito
competitivo enfeitando seu rosto. É safadeza pura.
Tenho certeza que não vou aguentar esse menino, desde aquela cena
nos fundos da boate, sei que está com a mente ainda mais suja e impura.
Movida pelo calor subindo em minha espinha, grito para que Justin
gire o ponteiro da roleta. E ele faz.
— Mão direita no vermelho!
E a minha brincadeira com Sebastian começa. Eu me contorço para
um lado, ele se contorce para outro, eu tento leva-lo cada vez mais para fora
do tapete e, ao contrário do que estou tentando fazer, ele só se aproxima e
sei que é para me provocar, para me encurralar e para deixar nossos corpos
em posições bizarras. É o que acontece depois de algumas rodadas, porque
assim que percebemos, estou com o garoto quase embaixo de mim, minha
bunda muito próxima do seu quadril. Se eu fizer qualquer movimento ou se
for indicada qualquer outra cor, posso muito bem acabar do jeito que ele
sempre quis, disponível para que se mova contra mim. Juro que sinto
minhas bochechas queimando.
— Kayla? — sussurra-grita em sua posição estranha e eu tento me
virar nos trinta para olhá-lo. — Só uma pergunta, você está usando um short
por baixo dessa sua saia?
Dã, claro que estou, só que isso ele não precisa saber.
Faço cara de pensativa, depois de assustada.
— Ai, merda.
— O quê?
— Nem a calcinha eu coloquei.
Uma fala. Uma única fala e Sebastian perde o equilíbrio, caindo no
tapete. Embora ele tenha me levado junto, com suas pernas querendo me
proteger, ainda venci e venci tanto que não me aguento e rolo para o lado,
me acabando em risada.
Ele me traz de volta, nem aí para os outros tentando entender o que
acabou de acontecer e afasta minhas tranças do rosto para que eu possa ver
sua cara de criança brava.
— Você será pra sempre a minha ruína, Kayla Marie Benson.
E você será para sempre o homem da minha vida.

Depois de eu claramente ter vencido Sebastian no Twister, Lionel


venceu o Justin e o Kellan venceu o Maddox por bem pouco, o que fez com
que eu e meu irmão ficássemos nos gabando por boa parte da noite. Uma
parte bem pequena, vale ressaltar, porque depois fomos derrotados nos
jogos de tabuleiro. Foi humilhante.
Os meninos acharam ainda mais vontade para brincar, porque foram
direto para o videogame e eu aproveitei, que não sabia mexer, para atualizar
Elsa e Waylen sobre como tudo havia dado certo e como eu estava me
divertindo. Foram horas de troca de mensagens, horas em que os meninos
ficaram em frente à televisão e Sebastian não tirava os olhos de mim, até
que, à 1h da manhã, Lionel, Maddox e Kellan adormeceram na sala. Não sei
se foi de sono, de exaustão ou porque beberam mais do que aguentariam.
Quando eu pensei em ir embora, Sebastian se levantou do sofá e me
trouxe para o seu quarto, dizendo que de jeito nenhum ia me deixar sair tão
tarde. Fiquei e ainda me encontro relutante de dormir aqui, porque minha
nossa, é tão pessoal. Esse quarto me traz lembras e memórias que me
deixam envergonhada e excitada, pois muita coisa, muita coisa mesmo,
aconteceu aqui, entre essas paredes e simplesmente não dá para ignorar ou
fingir que não tive os melhores orgasmos da minha vida aqui dentro. Como
se a minha mente não fosse o suficiente para me deixar nervosa, ele está,
nesse exato momento, trocando de roupa, descartando a blusa do seu corpo,
jogando-a para dentro do guarda-roupa e em seguida fazendo a mesma
coisa com seu short. Mordo o interior da bochecha e tensiono todo o meu
corpo quando o vejo ficar de cueca boxer preta.
— Espero que não tenha problema de eu dormir assim. — Todos os
problemas do mundo. Embora eu esteja visivelmente querendo que
Sebastian se cubra como se estivesse indo fazer uma visita ao Alasca, nego
ao balançar a cabeça e sorrio, um sorriso tão xoxo que quase o faz rir, seus
lábios tremelicando à medida que me fita da cabeça aos pés. — Então tira a
roupa. Vou pegar uma camiseta minha para você vestir.
Santo Deus.
Será que Sebastian consegue ouvir o barulho do meu coração?
Limpo a garganta e nem sei se confirmei sobre a camiseta, mas ele já
está indo buscar. Escorrego meus olhos e encaro seu corpo e a droga da sua
bunda durinha e arredondada, quando fica de costas. Ela está maior do que
da última vez que o vi pelado, tenho certeza, não estou ficando louca ou
imaginando coisa. Também continua o mesmo gostoso de sempre, tão alto
que faz cada canto e cada objeto desse quarto parecerem minúsculos se
comparados a ele. Por isso que está me roubando o ar, porque sua presença
está ocupando todo o espaço, não sobrando nada para mim.
Lambo os lábios e troco o peso dos pés, ainda perto da porta,
encostada à parede e com as minhas írises praticamente engolindo seus
músculos. Uau. Que costas definidas. Acho que acabo de perceber que
tenho uma tara muito grande nas costas de Sebastian. A cada mínima flexão
delas, para procurar a roupa, minhas coxas se apertam.
É melhor eu olhar para outro lugar ou não vou conseguir dormir com
a minha calcinha encharcada.
Sobressalto assim que ele se vira, com medo que escute meus
pensamentos, porém consigo disfarçar que foi por conta do susto da
camiseta voando em minha direção.
— Vira para o lado — peço para que eu consiga me trocar, o
problema é que o quarterback continua parado, de frente para mim. — Vira
para o lado — repito, porque pode ser que ele não tenha me escutado.
Uma risadinha rouca e muito sexy escapa da sua garganta, me
fazendo lembrar do beco do Lost Paradise. Engulo em seco e não me
permito desviar o olhar quando abre a boca para falar.
— Dois meses não foram suficientes para eu esquecer do seu corpo,
pequena megera. Eu ainda conheço cada parte dele. Cada pinta. Cada sinal.
Cada curva e cada centímetro de pele.
Mais uma, duas, três cambalhotas no meio do meu peito. Se ele
continuar falando desse jeito, meu coração vai dar um salto tão grande que
vai sair pela boca.
Repito a palavra “calma” para mim mesma tantas vezes, que ela passa
a parar de fazer sentido, então balanço a cabeça e ignoro seu olhar me
queimando. Tiro a minha roupa, ficando de calcinha e sutiã, e rapidamente
escorrego sua camiseta pelo meu corpo. A propósito, ela ainda tem seu
perfume e internamente fico feliz por isso.
— Ah, garota, você fica ainda mais gostosa usando minhas roupas. —
Mais calor sobe ao meu rosto e Sebastian abaixa o seu para esconder o
sorriso arrebatador e brilhante. Começa a andar para a cama e quando se
afunda no colchão, dá batidinhas para que eu me aproxime. — Você tá
parecendo um animal acuado, Kayla. Tá com medo?
Não, só com muita vontade de te beijar. Não que eu vá dizer isso, de
qualquer maneira.
Bufo para fingir desdém, arrasto meus pés até a cama, me deito e
puxo o lençol para cima de mim, me virando e lhe dando as costas. Ouço
um farfalhar e sei que também está virado para o outro lado, me deixando
com mais espaço. Cubro a boca com a mão para evitar rir baixinho.
— Eu não tenho medo de você — confesso. — Eu tenho medo do
quanto eu quero você.
— Ah, é?
Tum. Tum. Tum. Tum.
Meu coração é a única coisa audível entre nós. Até que não é mais,
porque outra movimentação acontece na cama, é Sebastian em cima de
mim. Seu rosto está tão perto do meu que não enxergo mais nada, só os seus
lábios vermelhos, que parecem clamar meu nome. Sinto sua respiração
quente e irregular, que se mistura com a minha. O brilho em seu olhar reluz
e eu acho que ele vai acabar com a nossa distância, acho que vai me beijar e
não vai ligar para o lance da calmaria que concordamos.
Merda, merda, merda.
Se aproxima mais e eu fecho os olhos, porque acho que vai mesmo
acontecer. Mas é óbvio que me enganei. O breu toma conta quarto e me faz
abrir os olhos, vendo bem a tempo que ele acabou de desligar o abajur, que
se encontra, infelizmente, na mesinha bem ao meu lado, por isso que se
aproximou. Maldito.
Toco o meio do meu peito e busco por oxigênio tão logo se afasta e
volta à sua posição, me deixando vazia, desnorteada e com raiva por ter
sido enganada.
— Boa noite, linda — sopra e mesmo não podendo vê-lo, sei
exatamente como deve estar sorrindo. — Se sonhar comigo, me acorde,
talvez eu pense em realizar suas fantasias.
Arrumo o meu travesseiro e coloco a mão por baixo, querendo
ignorar seu desafio para poder dormir.
Uma hora se passa e eu não consigo nem fechar os olhos.
Na minha infância, quando papai ia trabalhar e Cora saia, eu ficava
sozinha com Kellan em casa e, como irmão mais velho, ele que fazia
comida para mim. Sempre eram as mais fáceis, porque ele não mandava
nada bem na cozinha, mas durante um certo tempo, nas ocasiões em que
percebia que eu estava triste ou indisposta, me trazia doce ou alguma coisa
que tivesse bastante açúcar, para me alegrar. Ele passou a fazer isso com
frequência e a sua maior especialidade se tornou as panquecas.
Panquecas pela manhã. Panquecas à tarde. Panquecas à noite. Não
tinha tempo ruim, logo que a fome batia e Kellan queria me surpreender, ele
fazia panquecas e, com a calda de mel ou chocolate, deixava nelas várias
carinhas sorrindo. Gostava tanto das suas receitas que, em um determinado
momento, pedi para que me ensinasse seus truques, os quais as deixavam
tão gostosas e diferentes.
E não é que eu aprendi mesmo?
Me tornei uma especialista, como o meu irmão.
A minha favorita é a com geleia de frutas, calda de chocolate e
chantilly.
E assim que eu acordei hoje de manhã, antes de Sebastian e todo
mundo, depois de ter ficado quase a madrugada toda virando de um lado
para o outro para pegar no sono, resolvi descer e passar um tempo na
cozinha. Foi então que eu vi os ingredientes para fazer a minha panqueca
favorita, fiz um coque nas minhas tranças e, ainda vestida na camiseta do
líder dessa casa, resolvi mexer no que não era meu, para saciar minha
barriga, que ronca de fome.
Estou aproveitando e preparando o café para Sebastian também. Não
que eu seja a pessoa mais romântica do mundo, só que merda, me senti com
muita vontade de acorda-lo com uma surpresa, já que estou aqui em sua
casa. Ele provavelmente vai gostar e vai ser mais uma coisa para fazermos
juntos antes de eu ter que ir embora.
O frio na minha barriga está tão grande que eu já não sei mais
distinguir o que é fome e o que é nervosismo. Estou novamente ficando
nervosa por ficar a sós com Sebastian, como se nem nos conhecêssemos.
Estou sentindo tudo pela segunda vez e parece que os sentimentos
embaralhados estão ainda mais intensos e avassaladores, pois meu coração
não consegue ficar calmo e nem as minhas pernas querem parar de tremer.
Na verdade, nem as minhas mãos, que eu tento a todo tempo fazer com que
voltem ao normal, para eu poder terminar de preparar as panquecas, agora
já postas nos pratos. Uma para mim com bastante chantilly e a outra…
Ai, meu Deus, será que devo pôr muito ou pouco?
Melhor maneirar, não sei se Skalbeck é um fã como eu.
Não, já sei, é melhor levar comigo o frasco com o creme lá para cima,
assim ele pode fazer do jeito que preferir.
“Isso, Kayla, é a melhor opção!”, meu subconsciente me avisa e sinto
como se quisesse dar soquinhos no ar de felicidade.
Despejo os morangos por cima e… voilà, estão prontas.
Saltito pela cozinha e vasculho os armários em busca de uma bandeja.
Assim que encontro, a coloco em cima da ilha e distribuo os pratos em
cima. Pegando em cada extremidade, a levanto para tirá-la daqui e passo a
caminhar, serpenteando pelos móveis, passando pela sala e finalmente
subindo as escadas. Viro no corredor, tentando ser a mais silenciosa
possível e abro e fecho a porta com cuidado, querendo apenas acordá-lo
quando a bandeja já estiver na cama.
Mas meu sorriso se desfaz ao ver Sebastian acordado, de costas,
vasculhando algo pela janela. De cueca.
Foco.
— Você ainda continua com essa sua mania de acordar cedo, né?
Ele se assusta ao ouvir minha voz, girando com os lábios entreabertos
e a mão no peito. Em segundos, seu queixo vai ao chão tão logo vê o que
estou segurando. Então pisca uma, duas, três, uma porção de vezes.
— Eu… — Como sua voz sai arranhada, limpa a garganta e tenta de
novo. — Eu achei que você tivesse ido embora.
Meu coração afunda um pouco no peito, quase quebrando, porque
percebo que estava na janela procurando por mim. Estava preocupado, com
medo de que eu tivesse ido embora. E tenho certeza que não era medo só de
eu ter ido embora da sua casa.
Preciso fazer com que Sebastian Skalbeck entenda de uma vez por
todas que não vai mais se livrar de mim. Eu vou atormentá-lo e amá-lo até o
fim das nossas vidas.
— Acordei mais cedo para te trazer café na cama. — Levanto a
bandeja com as panquecas e sorrio, meu estômago revirando como o
Triângulo das Bermudas à medida que encaro dentro dos seus olhos
carregados de emoções cintilando para todos os lados. — Ai, minha nossa,
é melhor você parar com isso.
— Parar com o quê?
— Com o que você está fazendo. Está me olhando como se eu tivesse
acabado de lhe mostrar nossas alianças.
Ele ri.
— Você me trouxe café na cama, linda, isso automaticamente indica
que você tá querendo casar comigo.
O olho como quem diz: “é, talvez”, e depois presto atenção nos meus
próprios pés, que se movem em direção à cama. Repouso a bandeja com as
panquecas no meio, tiro o meu prato, pego os talheres, a lata de chantilly e
afundo minha bunda no colchão, encostando as minhas costas na cabeceira
enquanto o prato fica em cima das minhas pernas esticadas. Ele solta uma
risadinha e também pega o seu, correndo para ficar do mesmo jeito que eu
mesmo, só que do outro lado da sua enorme cama de casal.
Com um garfo, pesco um morango e espirro um pouco de chantilly
em cima.
— Ah, quase ia me esquecendo, não coloquei muito porque não sabia
se você gostava. Você gosta? — indago depois de engolir a fruta e lamber o
canto da minha boca, o estendendo o creme. Sebastian faz que sim com a
cabeça e eu lhe entrego, assistindo-o espalhar o chantilly por cima de quase
toda a sua panqueca, sem nenhuma moderação. Não consigo não sorrir com
o pensamento de que nisso ele é igualzinho a mim. — Espero que goste.
Não é querendo me gabar, mas elas saem sempre gostosas quando eu faço.
É a única coisa que sei fazer direito.
O fantasma de um sorriso cobre sua boca ao me escutar e sei que já
está pensando maldade, é isso que sempre faz. Não importa o que eu fale,
sempre vai dar um jeito de pensar o pior da situação.
— Dez dólares pelo seu pensamento — brinco ao passo que começo a
comer e Sebastian se nega a dizer. Ué. — Por que, foi pesado?
— Não, linda, é porque você falou que as panquecas são as únicas
coisas que você sabe fazer direito. Eu discordo. Você senta como ninguém.
Oh.
Ele adora me provocar, não tem jeito. Está enganado se pensa que vou
deixar barato dessa vez. Circulo meu lábio inferior com a língua, de um
jeito que demonstre o quanto estou querendo ser malvada e lhe aponto o
meu garfo.
— Como chegou a essa conclusão se nunca provou outra sentada? —
Estreito meus olhos, então deixo o meu garfo muito perto do seu pescoço.
Ou devo deixar perto dos seus olhos? Qual será que parece mais
ameaçador? Não importa, ele não se sente nem um pouco intimidado.
Parece até que está gostando, suas pupilas se expandem com luxúria e os
seus lábios se retorcem de lado, em um sorriso que me incentiva a
continuar. — Ou será, lindo, que provou e eu não fiquei sabendo?
Ele pega a minha mão, que segura o garfo e, com certa força, a vira
em minha direção. Longe o suficiente para não me machucar e perto o
suficiente para me provocar e desregular a minha respiração.
— O que acontece se eu disser sim?
Arfo, sentindo meu peito queimar.
— Vou fazer você esquecer todas elas.
Sebastian umedece os lábios com a língua, depois puxa o garfo da
minha mão de vez, me pegando desprevenida, e raspa as pontas bem de leve
no meu pescoço, fazendo com que eu tombe a cabeça um pouco para trás.
Depois ele para e se inclina para alcançar a minha orelha, a fim de soprar:
— Eu não tive outra. Nunca vou ter. Tome o garfo e vá comer. Não
brinque com o perigo.
Agora querendo mesmo enfiá-lo entre os seus olhos, pego o garfo e
enfio com força no pedaço da panqueca, para que perceba o que eu gostaria
de estar, na verdade, fazendo isso com ele. Não sei o que é tão engraçado,
porém Sebastian ri. De novo. Só pode ser algum tipo de teste, porque depois
que percebeu que me deixar na vontade é divertido, ele só faz isso. Sua
maior diversão se tornou me torturar e eu sempre caio feito um patinho.
— Você, Sebastian Skalbeck, é um grande ingrato — resmungo com a
boca cheia. — Eu acordei cedo, te trouxe café na cama como prova do
quanto quero te ver bem e te fazer feliz e é assim que você me agradece? —
Balanço a cabeça, fazendo o maior drama. — Não quero mais conversar. —
Enfio outro pedaço na minha boca, agora pegando o chantilly, que estava
largado na cama, quase perto da bandeja, e colocando-o nas últimas
porções. — Não te preparo panquecas nunca mais. Nem mesmo que você
peça, implore ou que prometa comprar todos os cafés ou livros do mundo
para mim.
— Já entendi — fala e eu o espio de esguelha. — E falando sério
agora, estou feliz por estar aqui, pequena megera. Achei que nunca mais
fosse ter esses momentos com você de novo. Quando te vi entrando com o
nosso café da manhã, por um momento pensei que estivesse sonhando.
Estou me sentindo desse jeito desde que tivemos a nossa conversa. Parece
que a qualquer momento você pode desaparecer e eu não quero que isso
aconteça, eu não quero perceber que esses últimos dias foram um delírio. Se
isso acontecer, Kayla, estarei perdido.
A atmosfera desse quarto dá um giro de cento e oitenta graus, o que
me faz colocar o meu prato, já vazio, na bandeja, pegar o dele também e
tirar todas as coisas de cima da cama, colocando na mesinha ao meu lado,
para sobrar espaço para o que estou prestes a fazer. Engatinho pelo lençol e
me aproximo, meus joelhos agora estão um em cada lado do seu quadril, me
mantendo ajoelhada e não totalmente sentada em seu colo. Sebastian segura
a minha cintura e eu levo minhas mãos à cada lado do seu rosto, o
mantendo preso em mim.
— Vou te dizer uma coisa do fundo do meu coração e espero que se
lembre disso pro resto da sua vida. — Pegando a sua mão livre, entrelaço
junto à minha e as trago para o meio do meu peito, para que consiga sentir
cada um dos meus batimentos. — Se você soubesse o quanto eu te amo, o
quanto eu sou louca por você, o quanto não existe uma Kayla sem o
Sebastian, seus medos sumiriam e dariam lugar a maior das certezas,
porque você me deu uma oportunidade, a oportunidade que eu estive esse
tempo todo clamando a Deus, e pode ter certeza que ela não será
desperdiçada. Eu não quero ir embora. Eu não quero sair do seu lado nunca
mais. Não sei se ficou claro, mas você continua sendo o meu melhor amigo,
Sebastian. Você continua sendo o cara que me apresentou a confiança, o
amor, a bondade, a pureza do ser humano e, claro, as estrelas e o arco-íris.
Você continua sendo meu ponto alto, meu ponto fraco e o meu ponto de luz
que, junto com a minha, some com qualquer treva ao nosso redor. Também
quero ressaltar que eu nunca atuei ao seu lado. Eu sempre fui eu e até
mesmo quando achei que não estava sendo, eu estava, porque cada mínima
coisa que eu fazia era sobre você. Sobre nós. Sobre como eu queria te ter.
— Encosto nossas testas e o sinto me trazer mais para si. — Eu te tive e eu
amei cada segundo. Eu amo você. Eu amo você e acho que nunca mais serei
capaz de amar outro alguém.
— Eu também amo você, Kayla — declara, me fazendo afundar os
incisivos no meu lábio inferior. Não vou chorar. — Amo tanto você que
dói. Que me torna pequeno. Que me deixa à mercê, refém, com uma arma
apontada em minha testa. E, por favor, entenda, se não for você, não será
ninguém.
Céus, minha alma acabou de sair do corpo, contudo só preciso saber
de uma coisa.
— Esse é o momento em que a gente se beija?
Bem lentamente, ele leva sua cabeça para o lado e depois para o
outro, negando como se tivesse uma ideia muito melhor. Solto um gritinho
quando, de repente, me empurra para ficar deitada, pesca rapidamente o
frasco de chantilly, se põe sobre mim e me lança o sorriso mais canalha do
mundo.
— Sabe que momento é esse? O momento de te provar inteira. —
Lambe meus lábios, eu grunho. — Tira a minha camiseta — ordena com
uma voz tão imperiosa, que quase me faz gemer só por conta dela. Não
reclamo, tão pouco protesto contra, me ergo um pouco para tirar a camiseta
do meu corpo e ele me ajuda, jogando-a para o lado, ansiedade, saudade e
tensão acumulada, claramente percorrendo nossas veias e anuviando nossos
cérebros. Sebastian desce seus olhos para os meus seios, exprimidos pelo
sutiã e ri, passando a mão pela alça. — Vai ter que tirar isso daqui, baby. A
calcinha também.
Oh, Deus, eu vou morrer.
Estou até suando.
Enquanto levo minhas mãos às costas para descartar meu sutiã, tenho
que erguer meu quadril, porque Sebastian já está descendo com a minha
calcinha de renda pelas minhas pernas.
Nua, arreganhada, molhada e sendo devorada pelo olhar dele. É assim
que me encontro.
— Porra, Kayla, que saudade sua, que saudade desse seu corpo — diz
ao passo que se acomoda no meio das minhas pernas. É então que ele
coloca o chantilly na frente dos nossos rostos e eu uno as sobrancelhas. —
O quê? Achou mesmo que eu não gostasse? Eu gosto. Gosto muito nas
panquecas, mas definitivamente vou gostar muito mais em você. Se
prepara, porque acabei de pular o almoço, já vou comer a sobremesa.
Então, sorrindo de forma atroz, Sebastian balança o frasco do
chantilly e o aperta, colocando o creme um pouco acima do meu umbigo,
subindo pela minha barriga e terminando no vão entre meus seios. Cada
parte se arrepia e eu gemo seu nome, o puxando pelos cabelos e o fazendo
enterrar o rosto a centímetros de distância do meu corpo e do doce. Me
fazendo soltar seus fios para segurar o lençol, a respiração do quarterback
ondula em minha pele febril e, com as írises malignas conectadas nas
minhas, ele coloca a sua língua úmida para fora, circula o meu umbigo,
deixando um rastro de saliva na região, e depois lambe o caminho
pecaminoso que fez com o creme branco.
— Hmmmm. Gostosa. — No momento em que se aproxima dos meus
seios, que se encontram apontados para cima de tão duros, busco por ar.
Não consigo respirar, ele está sumindo com tudo, sugando minhas forças no
meio de suas lambidas. — Me responda com sim ou não, Kayla, eu posso te
comer?
Jesus.
— S-sim.
— Posso provar de novo esses peitos? Posso provar de novo a sua
boceta? Faz muito tempo desde a última vez.
— Sim, inferno, você pode. Mas e o nosso combinado?
Mais um sorriso rasga a sua bochecha, no entanto Sebastian fica
ocupado demais passando chantilly nos meus mamilos intumescidos para
responder. Apertando um dos meus seios e enchendo a mão com ele,
deixando-o sujo e em uma completa meleca, ele se direciona para o outro,
ainda com a cobertura escondendo o meu bico. Querendo sumir com o
creme, o garoto com o pau duro, que fica roçando em mim toda vez que se
movimenta para a frente, circula a auréola, vai sumindo com o doce e
depois chupa com vontade, sugando qualquer resquício, que poderia ficar,
do chantilly. Mesmo com as investidas, sua mão ainda continua brincando
com o outro seio, me estimulando e me sujando de uma forma tão erótica,
que preciso fechar os olhos com força, friccionando os lábios para abafar os
meus gritos.
Nunca fiz nada parecido com isso, nunca brinquei com comida na
hora do sexo, agora estou tão excitada que sinto como se eu pudesse gozar
só com a língua e a boca de Sebastian pelo meu corpo, porque cacete, o
filho da puta sabe o que está fazendo, sabe muito bem como me dar prazer e
me proporcionar orgasmos. E dessa vez com chantilly. Com chantilly.
Gotículas de suor cobrem minha testa e o calor na minha boceta só
cresce, ela está implorando por alívio. Ela vem implorando por alívio há
muito tempo, desde que Sebastian se afastou e depois voltou para brincar
com ela, deixando-a encharcada e logo após não fazendo nada para
recompensá-la. Ele foi embora várias vezes e me deixou sozinha, tendo que
eu mesma dar conta da situação como uma adolescente com os hormônios à
flor da pele. Porém, não vou suportar mais, eu vou aproveitar, eu vou gozar
por todas as vezes que ele me tirou esse direito.
Com Sebastian indo em direção ao seio que ele sujou, pronto para
mais uma sobremesa, abro um pouco mais as minhas pernas, afasto as
minhas dobras, enfio um dedo dentro, reviro os olhos e gemo com o meu
próprio vai e vem.
Quando Sebastian percebe o que estou fazendo, ele para de mordiscar
o meu mamilo e afasta a minha mão da minha própria vagina, me olhando
como se olha para uma criança que acabou de cometer uma coisa muito
feia. Choramingo e tento me penetrar de novo, só que ele não deixa,
intensificando os dedos envolta do meu pulso.
— Nem pense nisso — adverte. — Essa boceta vai gozar na minha
cara, não nos seus dedos. Mas já que está tão desesperada assim, não se
preocupe, estou indo dar atenção a ela agora.
Sebastian joga o frasco de lado, vai um pouco para trás, para
conseguir colocar a cara entre as minhas pernas e, antes que possa me dar o
que tanto quero, coloco uma perna no seu ombro e me equilibro nos
cotovelos, só para olhá-lo.
— Eu sei o que você quer perguntar — diz antes mesmo que eu
consiga achar a minha voz. — Não se preocupe. Estamos indo com calma.
Você está com necessidades e eu estou te ajudando. Não é para isso que
servem os amigos?
Me jogo de volta contra o colchão, sugando o ar.
— Espero que eu seja a única amiga sua a receber esse tipo de ajuda.
— Sim. Minha língua e meu pau só funcionam por e para você, sua
pequena megera gostosa.
— Acho bom.
Preparada para o que vem, ciente de que preciso ser ainda mais
silenciosa, para não acordar os nossos amigos e o meu irmão dormindo nos
quartos ao lado, ponho a mão perto da minha boca e a mordo assim que
sinto Sebastian sair distribuindo beijos pela minha coxa, que ainda segue
firme em seu ombro. O garoto brinca com a parte interna dela antes de
analisar o quanto estou pulsando e escorrendo — literalmente — por ele,
sua língua poderosa e que sabe o que faz novamente entra em ação para se
banquetear com a minha boceta. Ela passa por minhas dobras, desliza pelo
meu ponto duro e inchado e me invade com tanta força, que me faz arquejar
e erguer o meu quadril, querendo me esfregar nele, para que acabe de uma
vez por todas com esse formigamento que me arrebenta e me deixa maluca
e esfomeada. Ouvindo minhas preces, Sebastian me chupa, me prova, me
come e me devora como se eu fosse a sua sobremesa favorita, sem pena,
enfiando cada vez mais fundo, alternando ora mais lento, ora mais rápido,
do jeito que sabe que faz a minha mente explodir e a minha visão ficar
turva.
— Oh — gemo e procuro pelos fios do seu cabelo, querendo enterrar
sua cara ainda mais entre as minhas pernas, meus quadris se esfregando
cada vez mais rápido, uma fricção que faz nós dois xingarmos palavreados
incompreensíveis. — Porra, Sebastian, se continuar assim, vou gozar na sua
boca.
— Tão rápido assim? — Para e ergue o rosto, veneno gotejando, tanto
por suas írises quanto pela sua boca, que ostenta seu típico sorriso. — Que
precoce.
— Vai se foder, a culpa é sua. Quem foi que me deixou atiçada esse
tempo todo?
Uma risadinha, uma única risadinha é o suficiente para me fazer
afundar sua cabeça no meu centro já lambuzado outra vez.
Como um bom garoto, que não vai mais me deixar passar vontade,
Sebastian circula a ponta da língua no meu clitóris e introduz não só um,
mas dois dedos na minha entrada. A leve ardência me invade assim que os
enfia totalmente e engulo um gritinho de dor, porém nem sob tortura que
vou reclamar. É aquela dor passageira, que logo é substituída por prazer e
excitação, principalmente por estar acompanhada de um oral fenomenal, um
que consegue brincar e dar atenção para cada centímetro da minha parte
íntima, que, nesse momento, está latejando com a língua dele me fodendo e
seus dedos bombeando para dentro e fora de mim. Minha nossa. Eu quero
gritar. Eu quero acordar todo mundo, não me importo, só quero que escutem
como esse homem me maltrata, me ama e me faz desfalecer na sua própria
cama. Porque é assim que eu me sinto, prontinha para encontrar com Deus,
sem nenhuma força para fazer o menor dos movimentos. Até o meu cérebro
parece ter sido fundido, tudo que consigo prestar atenção é na volúpia
cavando toda a minha existência e me consumindo dos pés à cabeça.
Ao mesmo tempo que o garoto entre as minhas pernas parece um
anjo, também parece o próprio diabo, a personificação do inferno, enquanto
gosta de me ver queimar viva.
— Foda-se. Você é meu — menciono logo que começa a acelerar o
ritmo das sugadas e das estocadas, agora muito mais concentrado em dar
atenção ao meu clitóris, porque sabe que é ele que vai me fazer gozar de
vez. — E eu te amo. — Reviro os olhos com a pontada lá embaixo, que
cresce cada vez mais. — E eu sou sua.
— Repita. Repita esse final agora mesmo.
— Eu sou sua. Inteiramente e completamente sua. Cada centímetro,
milímetro e polegada.
É o suficiente. Mais um movimento diferente e eu gozo na porra da
boca de Sebastian, que suga para si todo o meu gosto. Ele se levanta, depois
chupa os lábios, sem querer desperdiçar nada, e vem até mim.
— Abra a boca.
Eu o obedeço e logo os dedos, que usou para me masturbar, estão
dentro da minha boca, o gosto do meu próprio orgasmo se dissolvendo em
minha língua.
— Bem melhor que chantilly, huh?
Faço que sim.
Uma batida na porta faz com que a gente se afaste um do outro,
assustados. Pânico e horror tomam conta do meu rosto, porque tenho
absoluta certeza que não a tranquei assim que cheguei.
— Ei, pombinhos, o café já está pronto. — É Justin. Ou seria Lionel?
— Vocês já estão acordados?
Merda, por que Sebastian fica em silêncio?
— Ahn, sim, acordamos agora — minto e Sebastian se afunda no
travesseiro para não rir. — Um segundo. Estamos descendo.
— Tudo bem.
Passos avisam que ele acabou de sair. Se não teve nenhuma gracinha,
então não foi o Lionel, foi mesmo o Justin.
— E agora, megera, como vou dizer aos meus amigos que já comi?
Pego o outro travesseiro e fico de joelhos, pronta para sufocá-lo.
Antes tudo parecia perdido e mesmo que eu estivesse voltando minha
vida ao normal, ela parecia sem graça, como se algo estivesse faltando.
Como se Kayla estivesse faltando. Agora que a tenho de volta, percebo que
nada pode ser comparado a sua presença, porque ela é, meio ironicamente, a
minha alegria, embora tenha sua fama de emburrada que eu,
particularmente, adoro. E eu tentei muito me desvencilhar da sua figura, dos
seus efeitos e da nossa história, eu tentei muito seguir em frente e não olhar
para trás, para que eu pudesse entender e perceber que ela não era e nunca
seria para mim, mas minha nossa, eu estava só tentando me enganar e
enganar meu coração. Se antes estava claro, agora com a nossa volta e com
o tempo que estou passando com ela, só reforçou todos os pensamentos do
Sebastian que a conheceu e logo se apaixonou perdidamente. Kayla Benson
é mesmo a garota por quem devo lutar e não deixar que um único erro
apague todas as lindas coisas que vivemos. Kayla Benson é mesmo a minha
única. A única que vejo, a única que desejo, a única que amo e a única que
quero na minha cama, na minha casa, com os meus amigos e a única que
quero e tenho vontade de apresentar aos meus pais.
Kayla Benson, mesmo que não tenha nem ideia disso, é a minha
maior garantia que Deus existe e que nossos destinos, desde que somos
enviados à Terra, já estão traçados e nós não podemos fazer nada quanto a
isso, mesmo querendo muito mudar a ordem dos acontecimentos. Ela é o
meu maior exemplo de que cada pequena coisa que acontece na nossa vida
não é por acaso, é por uma razão. Ela também é o meu maior exemplo de
que cada pessoa que passa na nossa vida não é em vão, não é somente por
passar, é muitas vezes para servir de teste, de lição ou para ser uma dádiva,
um milagre, um presente. Ela me mostra que quando é para ser, o Universo
conspira a favor e não contra. Que quando se ama e se quer estar com
aquela pessoa, perdoar é um ato tanto para o outro, quanto para si. Que
perdoar significa se dar uma chance, se dar uma chance de não ficar preso
em amarras do passado, de mandar embora a tristeza, a solidão, a raiva e
todos aqueles sentimentos que bloqueiam seu ar, para poder aceitar de bom
grado o poder do amor em seu corpo, em sua mente e em sua vida. Ela vem
me ensinando cada dia mais que perdoar não tem nada a ver com esquecer,
com passar a mão na cabeça e consentir com os erros das pessoas. O perdão
tem a ver com ir mais adiante, tem a ver com atravessar a ponte que poucos
conseguem, tem a ver com a plena vontade de se libertar e de ser mais do
que mágoa e rancor. Tem a ver com acreditar. Tem a ver com fé.
Tem a ver, principalmente, com saber que todo mundo erra e está
sujeito ao erro. Porque naquele dia pode ter sido ela, mas amanhã pode
muito bem ser você.
E eu, nos meus momentos de raiva, nunca pensei que poderia estar
falando isso, porém a megera não se limitou a apenas pedir desculpas,
usando palavras e promessas, porque falar é fácil, todo mundo consegue, ela
está fazendo muito mais, ela está mostrando para si mesma, para mim e para
os seus amigos o quanto se arrependeu e o quanto lutou arduamente para se
tornar uma nova versão de si. Ela já não mais reclama, não fica reclusa e
está sempre querendo falar, querendo dar sua opinião, coisa que antes ela
não permitia. Hoje é notório que Kayla não aceita mais se anular, se
depreciar e se colocar para baixo. Não há mais um buraco negro em sua
vida, sugando-a a todo instante, a garota está alcançando a luz, a sua própria
luz e isso sozinha, sendo lapidada, como costuma dizer, pela sua terapeuta, a
doutora Ella, que vem fazendo um grande trabalho, o que me deixa
orgulhoso e feliz por ter conseguido não mascarar a realidade com as
minhas dores e só com os meus problemas. Quando eu estava ferido, eu fiz
um monte de merda e olha que só tive um coração partido. Kayla, por outro
lado, teve toda uma infância e pré-adolescência traumática, ela nunca teve
um suporte, apenas traumas e lógico que isso a afetou e afetou a sua
socialização com terceiros. Se eu com pouca coisa agi errado, imagine ela.
Seria estúpido da minha parte não lhe conceder o meu perdão e não
aceitar o seu pedido de segunda chance. Eu via que ela estava diferente,
então por que não? Por que não lhe trazer de volta e lhe dar uma nova
oportunidade de fazer diferente? Por puro ego e birra, só para que eu
continuasse afirmando que o meu e só o meu ponto de vista estava certo?
Não, muito obrigado.
Não acho que vamos ser perfeitos, seria ilusório e idiota pensar assim,
entretanto acho que agora estamos mais maduros e fortes. Não importa a
tormenta, passaremos por ela como dois adultos que sabem o caminho de
casa mesmo na chuva.
Lionel, Justin, Daniel e Kellan também notam o quanto ela está
diferente, o quanto aquela Kayla, que parecia que poderia quebrar qualquer
garoto e nem ligar, já ficou no passado para dar lugar a uma garota muito
mais confiante e que transmite saber o que quer, nem um pouco pronta para
abandonar o barco. Inclusive, na noite dos jogos, bem como no dia seguinte,
na manhã em que todos nós tomamos café na mesa — sim, ela me obrigou a
fazer isso mesmo depois de eu ter me saciado com as panquecas e com ela
—, o ambiente entre nós parecia outro. Os meninos, até mesmo o Daniel
Maddox, pareciam diferentes, mais leves, mais felizes, como se também
tivessem se livrado de um grande peso após o perdão, após a minha garota
voltar para a minha vida e para a vida deles. O próprio Maddox passou a
sorrir e a interagir mais naquele café da manhã, querendo saber o que Kayla
fez esse tempo longe da gente, muito mais falante e comunicativo do
qualquer outro dia que estivemos juntos. Posso afirmar que a energia se
transformou e que aquela casa pareceu finalmente estar completa. Foi
durante aquela hora, enquanto estávamos todos comendo junto, que me dei
conta que estávamos todos enfeitiçados, de um jeito muito bom, pela irmã
mais nova do nosso amigo e companheiro de time. Estávamos todos em sua
vida e ela nas nossas, para sempre, porque construímos um laço, uma
amizade e um carinho incapaz de ser superado ou silenciado.
Kayla falou e agora eu tinha mais certeza, ela tinha o mesmo coração
que nós, ele era laranja e ela fazia parte do nosso time. Não do nosso time
no campo, mas na vida. Ela era nossa parceira, a nossa mascote e o nosso
amuleto da sorte.
Toda vez que penso em como a afastamos, só quero poder fazer
diferente.
E meu irmão está do outro lado da tela, em uma das nossas ligações,
me ouvindo pôr meus pensamentos em palavras.
— Eu mal fiquei com raiva da Kayla e já estou sentindo pena — diz
Bryan ao mesmo tempo que bebe uma Coca-Cola, deitado em sua cama. —
Por que dona Tessa nos criou tão coração mole assim?
Eu e ele ainda não tínhamos conversado depois que eu e Kayla
Benson voltamos um para a vida do outro. Bryan Skalbeck estava ocupado
com a faculdade, tendo que correr atrás dos dias que ficou aqui em Maevis e
não conseguiu estudar o resto do seu conteúdo, e eu não quis atrapalhá-lo
com a minha vida, fiquei o aguardando ter uma folga para que pudéssemos
chegar a esse momento.
— Não sinta pena dela. — Eu não gostaria de ser grosseiro, entretanto
acho que soou um pouco, porque meu gêmeo me encara, lá da sua câmera
frontal, como se uma segunda cabeça tivesse acabado de brotar no meu
pescoço. — Kayla não quer ser uma vítima e a gente não deve colocar ela
nessa posição. A vida dela foi difícil e dolorosa, isso deu para entender, só
que não é de pena que ela precisa.
Não dei detalhes da história da vida de Kayla a Bryan, fui sucinto e só
toquei no assunto para contextualizar os motivos que me levaram a perdoá-
la, acho que não cabe a mim ficar falando a todo mundo, poderia se tornar
algo banalizado. Embora ele seja meu irmão, sangue do meu sangue e eu
confie nele mais do que em mim mesmo, essa dor não é minha e eu não
posso ficar compartilhando-a como se não fosse extremamente pessoal. Sei
que Benson diz que não importa mais, que sempre vai querer falar quando
tiver que falar sobre sua infância, até mesmo para poder ajudar outras
pessoas que passaram ou podem estar passando pela mesma coisa, porque
abusos acontecem, acontecem dentro de casa e ela não quer mais se manter
calada, quer ser uma porta-voz, porém, novamente, ela que tem que decidir
onde contar, como contar e a quem contar. Em algum momento, se quiser
compartilhar seu passado com o meu irmão, vou ficar feliz e ciente de que
podem ficar cada vez mais próximos, no entanto vou deixar que ela decida
isso e não eu.
— Eu sei, cara, me expressei mal. — Ele se levanta, joga a lata do
refrigerante fora e depois volta a se sentar em sua cama, me deixando
presenciar todo o tour. — É que eu sempre fico muito triste ao descobrir
que alguém que eu conheço teve ou ainda tem algum problema familiar
muito sério. Nunca consigo entender como pais podem ferrar com a saúde
mental de seus filhos assim, a troco de nada. Isso não deveria acontecer.
Todo mundo deveria ter o direito de ter pais como os nossos, Bastian. Toda
criança deveria ter o direito de crescer em um lar saudável e cheio de amor.
— A vida é injusta, irmão. Enquanto uns ganham, outros perdem. —
Mudo meu celular para a outra mão e deito um pouco mais no meu
travesseiro. — As batalhas nunca param e nós, privilegiados, temos que
olhar além da nossa bolha para perceber e tentar, pelo menos um pouco,
fazer a diferença na vida dessas pessoas. Assim que eu li a carta que Kayla
fez, automaticamente minha raiva e qualquer coisa que eu estivesse sentindo
por ela caiu por terra. Eu lia aquelas palavras e não conseguia acreditar. Vou
ser sincero, boa parte de mim estava esperando que fosse mentira, porque
seria menos doloroso, seria algo que eu conseguiria lidar melhor do que se
fosse verdade. Só que aí eu fiquei de frente para ela, ela começou a falar,
começou a se emocionar e eu sabia que não tinha como não ser. Aí Kayla
disse que me amava, Bryan. Ela disse que sempre amou, que se afastou para
me dar espaço e para voltar muito mais forte. Acho que nunca vou ser capaz
de transmitir em palavras a felicidade que eu fiquei quando passei a
perceber que não havia ficado louco, que nossa história havia mesmo sido
verdadeira, que eu amava e que era recíproco.
— Eu disse a você, não disse? Eu a olhei naquela pista de dança e
soube que tinha algo de errado. A história não parecia bater. Estava claro
que ela se importava.
— É verdade — confirmo e quando percebo, estou sorrindo. — Cara,
como você conseguiu se dar conta disso tão rápido?
Então, lá em Detroit, Bryan parece o homem mais convencido do
planeta.
— Sebastian, meu querido Sebastian, você pode até ter meu rosto,
mas não a minha inteligência e a minha sagacidade com as mulheres. Eu as
conheço como a palma da minha mão.
“Estava demorando”, é o que penso ao revirar os olhos.
— Ah, você está duvidando? — Bryan parece mesmo querer me
provar o contrário. — Mais experiência que você eu tenho, pelo menos.
Chacoalho os ombros.
— Eu não me importo. Estou feliz sendo experiente apenas em Kayla
Benson.
A cena do chantilly me vem à cabeça e eu preciso focar no que Bryan
está falando para não ter uma ereção ao lembrar do doce espalhado por sua
pele macia.
— Pela sua cara, você acabou de pensar em vocês dois transando. Não
me diga, não quero saber, ainda é estranho pensar que meu irmãozinho já
não é mais virgem.
— Você é ridículo.
— E você é apaixonado. Dá no mesmo.
— Para de ser idiota, eu sei que você está feliz por mim, consigo
sentir. Conexão de gêmeo, lembra?
Cinco segundos se passam até que Bryan ri e afirma.
— Claro que estou, mané. Eu sempre vou te apoiar. — Faço cara de
emocionado e rimos ao mesmo tempo. — Agora me diz, você vai voltar
para ela, não vai?
— Está muito óbvio?
— É óbvio quando se trata de Kayla. Você é o cachorrinho dessa
garota.
— Bem, a parte do cachorro eu não posso negar, só que sobre voltar
para ela, é algo que estou deixando fluir. Não estamos com pressa.
— Você vai me avisar quando acontecer, né? Eu juro que caço você se
me enganar mais uma vez. Qualquer coisa que ocorra, quero saber.
— Não se preocupe, vou te deixar a par de tudo — garanto. — Fique
de olho nas suas mensagens e não me ignore.
— Não vou. Acha mesmo que eu vou perder os próximos capítulos
dessa novela?
Ergo as minhas sobrancelhas.
— Minha vida amorosa virou entretenimento agora?
— Pode apostar que sim. — Um sorriso sacana cobre seus lábios.
Credo, ele é tão parecido comigo. Será que as pessoas me veem assim?
Bem, espero que sim, meu irmão é bonitão. Depois de mim, ele é o homem
mais bonito do mundo e suponho que seja porque Bryan tem os mesmos
traços que eu. Pisco. Preciso parar de pensar nisso, meu ego às vezes é tão
inconveniente. Trago a câmera para mais perto e ouço ele complementar: —
Sua vida amorosa tá melhor que Netflix. Uma coisa meio clichê com drama,
que deixa os telespectadores apreensivos e querendo pular logo para o final.
Acho graça da sua análise.
— E você, telespectador, o que espera do final?
Bryan solta um “hmmm”, como se estivesse pensando no que lhe
deixaria satisfeito.
— Não sou muito ganancioso. Eu só quero que o meu irmão tenha o
que ele sempre sonhou. Uma linda carreira na NFL e a sua esposa. E, de
preferência, que essa esposa seja a Kayla.
Assim que me dou conta, meu subconsciente diz amém.
— Me parece um bom final.
— Sim, digno de Oscar. A propósito, diga à sua amada que depois eu
e ela precisamos ter uma conversinha muito séria. Vou parecer ameaçador,
dizendo que não vou permitir que ela o machuque novamente, depois vou
sorrir e abraçá-la como um bom cunhado faz.
Sim, não precisa ser um gênio para saber que Bryan vai fazer mesmo
o que disse. Ele vai dar um sermão na Kayla, um sermão que não teve a
oportunidade de dar no final de semana em que esteve aqui, e depois vai
abraçá-la bem apertado, dizendo um “bem-vinda de volta”. É a cara dele
fazer isso. Primeiro ele paga de macho alfa, depois de protetor. Sua maior
qualidade é ser compreensivo como eu.
— Acho que ela vai gostar.
— Claro que vai — soa, mais uma vez, convencido. — Eu sou
incrível.
Então ele começa a pentear os fios do seu cabelo com as pontas dos
dedos, a câmera, antes para a nossa conversa, agora servindo de espelho.
Uh, não acredito que parou para se admirar.
— Acho que vou desligar — informo ao atrair sua atenção. —
Desculpe, não quero atrapalhar o seu namoro com você mesmo.
Bryan solta uma risada alta.
— Está me chamando de narcisista?
— Por que, você é?
— Dã, claro que não. Ser narcisista é um defeito e eu não tenho
defeito.
Puta merda, não acredito que ele meteu essa.
Antes de apertar o botão vermelho para encerrar a ligação, eu
murmuro:
— Seu ego não está cabendo no mesmo espaço que o meu, tchau e até
mais.
Não demora muito para que a notificação de Bryan, me chamando de
idiota através das mensagens, apareça na tela. Aperto na conversa, mando
um emoji dando tchau e, no momento em que estou prestes a sair do app,
vejo uma bolinha verde ao lado do nome de Kayla, indicando que ela havia
mandado mensagens que eu ainda não havia lido. Foi durante o tempo em
que estive na ligação, só pode.
Nossas trocas de mensagens aparecem e eu desço os olhos para as
últimas.
Megera linda: Oi!:)
Megera linda: Se tiver aí, queria te atualizar das minhas leituras.
Deixei um pouco o romance de lado e estou começando um gênero novo.
Suspense. O nome do livro que estou lendo é Joyland e ele é do Stephen
King, mesmo autor de It, A Coisa. Queria começar lendo esse, mas It é um
calhamaço, como quase todas as obras do autor, e eu decidi embarcar nos
curtinhos por enquanto, para me acostumar com a escrita dele.
Clico na foto que ela me enviou e vejo que me mandou a foto da capa
do livro, depois mais uma dela com a capa próxima do seu rosto, bem
abaixo dos olhos. Tudo que consigo enxergar é um parque de diversões ao
fundo e o desenho de uma mulher ruiva com a boca aberta, horrorizada,
usando um vestido verde e com uma câmera antiga em uma das mãos.
Parece realmente interessante.
Volto a ler o restante do que escreveu, só que antes paro no novo
nome do seu contato e sorrio sozinho. Antes estava apenas “linda”, porém
diante das mudanças de apelidos, tive que acrescentar mais uma palavrinha
imprescindível na frente.
Megera linda: Não sei se você está interessado em saber, Seb, mas
tem todo um mistério envolvendo um assassinato no parque de diversões
onde o personagem principal começou a trabalhar depois de ter terminado
com a namorada. Ele se chama Devin. Inclusive, toda vez que eu leio, fico
pensando que quero ler depois um livro de romance que tenha a temática de
parque. Deve ser romântico.
Megera linda: Você já terminou “Vergonha”? Se não, tenha
vergonha e termine.
Nossa, que engraçadinha. Eu nem deveria ter dito a ela que estava
continuando minha saga de leitor sozinho, agora vai ficar me fiscalizando.
Mas eu gosto.
Eu: Desculpa a demora, eu estava em uma videochamada com o
Bryan. E puxa, me parece legal esse Joyland. O que você está achando?
Cinco minutos depois, que mais parecem uma longa espera, ela me
responde.
Megera linda: É estranho sair da minha zona de conforto, mas estou
gostando. E parece que vai ter um pouco de romance também. Já estou
sentindo umas migalhas.
Megera linda: Não fuja da pergunta, você terminou o livro ou não?
Merda.
Fico mordiscando o meu lábio inferior enquanto fico escrevendo uma
resposta.
Eu: Não tive tempo, linda.
Eu: Mas não se preocupe, terminarei em breve.
Megera linda: Acho bom.
Três pontinhos dançam na tela, indicando que tem mais coisa a me
dizer. Espero pacientemente.
Megera linda: Sabe, vou ser sincera, não te mandei mensagem só
por isso. Quero saber se estará livre amanhã à noite. Quero te fazer uma
surpresa.
Leio a mensagem mais de dez vezes e o meu coração consegue bater
mais rápido em cada uma delas.
Eu: Mais? O café na cama na semana passada não foi suficiente?
Megera linda: Definitivamente não. Esqueceu que eu estou querendo
te reconquistar?
Ah, Kayla, se você soubesse.
Eu: Tudo bem. Você quem manda. Estarei livre.
Megera linda: Esteja pronto depois das 19h. Quando eu te mandar
uma mensagem, você vem me encontrar na frente do meu dormitório. Não é
querendo te deixar ansioso, mas será inesquecível.
Como se dizer isso fosse o bastante para me deixar tranquilo.
Eu: O que é que você está tramando, sua megera?
Ainda bem que eu estou deitado, porque se eu estivesse em pé,
desabaria com sua mensagem.
Megera linda: Te mostrar o quanto nunca esqueci da nossa história e
de nada que vivemos e prometemos um ao outro.
Quando percebo que não vai me mandar mais mensagem, que essa foi
a sua última, obviamente para ser misteriosa e me deixar ainda mais
ansioso, largo o celular, viro para o outro lado da cama e fecho os olhos,
querendo que amanhã chegue logo.

Eu tentei não ficar ansioso, só que simplesmente não tinha como. Eu


lia suas mensagens a cada cinco segundos, à espera de que me desse uma
deixa de que eu podia ir ao seu encontro, o problema é que nem perto das
19h era. Então eu comecei a fazer um monte de coisa ao mesmo tempo, só
para me manter ocupado e, quando eu parasse, já fosse a hora de me
arrumar. Gostaria de dizer que comecei a me arrumar no horário que pediu,
porém eu estaria mentindo, já que comecei a procurar minha roupa antes das
17h. É por conta da droga dos mesmos sentimentos de antes, que nunca
passam. Podem passar dias, meses ou anos, eu sempre sentirei calafrios e
tremedeiras se tratando dela e de estar perto dela. Sempre serei como um
adolescente encontrando seu primeiro amor.
Sabe o filme ABC do Amor? Então, me sinto como o Gabe com sua
paixão pela Rosemary. Até já vomitei na privada por causa da Kayla
também.
Não que eu faça mais isso, a propósito, realmente ficou no passado,
mas eu não poderia deixar passar a coincidência e não fazer a comparação.
Voltando ao que interessa, eu tentei me arrumar a passos de lesma,
tentando fazer com que os minutos se estendessem em horas. Primeiro
escolhi a roupa, tomei banho, depois fiquei desfilando pelo quarto com a
toalha pendendo na cintura, olhei o celular mais algumas vezes, pus um
filme para passar na tevê e, lá pelas 18h40, vesti a roupa, calcei o tênis,
passei aquele perfume para ficar ainda mais cheiroso e penteei o cabelo em
frente ao espelho. Assim que eu terminei, só tinham se passado apenas dez
minutos e nada de Kayla mandar mensagem. Eu não aguentei mais esperar
nem um segundo, arrumei o meu quarto e saí de casa rumo ao seu
dormitório. Até que eu chegasse nele, com certeza já teria dado o horário e
aí ninguém precisaria ficar mais esperando.
Um quarteirão depois, chego ao destino e me coloco na porta, de
braços cruzados, só esperando seu sinal.
Três minutos de espera se passam até que meu celular, já na minha
mão, começa a tremer com uma nova mensagem. Meu coração acelera.
Megera linda: Estou pronta. Já pode vir.
Mesmo nervoso, consigo rir.
Eu: Já estou aqui na frente. Minha ansiedade atacou.
Megera linda: Sério mesmo????
Eu: SERÍSSIMO.
Megera linda: Ai, droga, tô descendo.
Guardo o celular no bolso da minha calça cargo e a espero.
Eu não sei quanto tempo demora, me parece rápido, entretanto no
instante em que Kayla aparece e passa a caminhar em minha direção, tudo o
que consigo prestar atenção é nela e em como está vestida. Parece
maquiada, coisa que raramente a vejo usar no dia a dia, com argolas nas
orelhas, suas tranças semi-presas, usa um vestido floral verde de alcinhas
que possui uma fenda em sua perna, revelando sua coxa poderosa e os
coturnos pretos em seus pés. Ela sorri para mim e é bem nesse momento que
esqueço como se respira, pois a lua vertiginosa acima de nós, a ilumina e a
faz brilhar.
Caramba, não sei se é possível, mas está ainda mais linda. Fabulosa.
Perfeita.
Acho que nunca vai existir uma mulher tão bonita quanto a que está
em minha frente. E ainda bem que ela me ama. Kayla me ama!
— Uau. — Assobio quando pego a sua mão e a giro, meus olhos a
deslumbrando de baixo para cima, fazendo-a soltar uma gargalhada tão
sincera e gostosa, que parece soar como música em meus ouvidos. Nada
consegue superar o som da sua risada. Só ela mesmo. — Essa noite é
mesmo uma ocasião especial, huh?
— Sim. Eu quis ficar à altura.
A puxo em um solavanco, a abraço e depois beijo sua testa.
— Você já vai começar a me dizer o que vai acontecer? — indago e
Kayla ergue os olhos, fazendo que não com a cabeça. — Por Deus, mulher,
tenha misericórdia. Estou ficando nervoso.
— Desculpa, lindo, mas eu disse que seria uma surpresa.
Eu bufo de frustração, então a megera se afasta, sorrindo por ter o
poder nas mãos. Ela abre a bolsa, que eu sequer havia percebido que estava
usando, e tira de lá de dentro um tecido.
Uno as sobrancelhas e a olho com estranhamento assim que a vejo se
aproximar com aquela coisa na mão.
— O que é isso?
— Vira — ordena, porém eu fico no mesmo lugar, ainda confuso. —
Eu mandei você virar, Sebastian.
Por conta do seu tom de voz, eu faço o que está mandando.
— Você vai ficar sem ver nada até a gente chegar lá — avisa, já
colocando o pano nos meus olhos para me vendar. Fico na escuridão total
quando dá o nó, me gira para a sua frente e pega na minha mão. Grunho,
sem gostar dessa brincadeira. — Não fica assim, vai ser divertido, eu
prometo. Vou te guiar o tempo todo. Pode confiar, Seb. Eu não vou soltar a
sua mão. Nunca mais.
Nunca mais.
Sinto o quão sério está falando e sei que não é somente sobre esta
noite.
— Tudo bem. Vamos logo.
— Vamos, apressadinho. — Começa a andar e a andar rápido. Preciso
acelerar os passos, meu braço livre tateando o ar para cima e para baixo
enquanto, sem enxergar absolutamente nada, me deixo ser guiado por ela.
— Cuidado! A árvore.
Freio como se fosse um carro e fico tentando procurar a árvore.
No segundo em que ouço a risada de Kayla ao meu lado, paro e
resmungo como uma criança, porque sei que acabou de tirar uma com a
minha cara.
— Megera — rosno para a minha frente, embora saiba que Kayla está
ao meu lado. — Se você quis fazer graça, saiba que não achei engraçado.
— Eu não podia perder a oportunidade, foi mal. Agora vamos.
Anda comigo de novo, e a gente vai para um lado, depois vai para o
outro, e eu não consigo compreender o que está fazendo ou que caminho
está seguindo. A única coisa que eu sei é que onde quer que esteja me
levando, ainda é pelo campus da MU. Mas, meu Deus, isso não diminui a
minha ansiedade e o meu nervosismo em nada. Sinto que estou começando
a suar na testa e nas mãos.
Kayla serpenteia comigo mais uma vez até que para, me fazendo
aguçar os ouvidos para me atentar aos sons e assim, quem sabe, tentar
descobrir uma pista do que está acontecendo. Mordo o interior da bochecha
e espero, até que escuto o barulho de uma porta, talvez, sendo empurrada e
depois fechada uma vez que estamos dentro do local.
Não consigo me atentar a mais nada depois disso, porque o zumbido
do meu coração não deixa espaço para mais nenhum som. Respiro fundo e
sigo os comandos da garota ao meu lado, que está se divertindo à medida
que fica me guiando pelo nosso destino. É só quando piso em algo familiar
que meu cérebro acende a luz do reconhecimento. A veia do meu pescoço
lateja e eu mordisco agora o meu lábio inferior, com emoção me subindo
aos meus olhos fechados.
Afundo os meus tênis na grama, na minha grama e coloco as mãos na
venda.
Não posso acreditar que Kayla me trouxe aqui.
— Você pode ver agora. — Sua voz sai como um sopro doce, cheio de
sentimentalismo e eu, um pouco trêmulo, subo a venda pela minha cabeça, a
puxo e a mesma voa assim que dou de cara com a sua surpresa. — Bem-
vindo de volta ao nosso lugar especial, Seb.
É o estádio. O campo de futebol americano do Maevis Fox. O lugar
que invadimos e que vimos as estrelas juntos. O lugar que nos marcou e que
ficará para sempre marcado nos nossos corações e nas nossas memórias. O
lugar onde eu parava para pedir a Deus que fizesse tudo passar e parar de
doer. O lugar onde rezei olhando as estrelas, pedindo para que fosse feito o
melhor para a minha vida e o meu futuro. O lugar onde sonho, onde cresço
profissionalmente e agora onde a tenho de volta, porque é o que eu e o
Universo queremos e estamos alinhados.
Mas não para por aí.
O campo está diferente.
Meus olhos automaticamente se fixam na toalha xadrez estendida no
chão, como um piquenique, uma cesta ao lado contendo várias comidas.
Tem enfeites e até pequenas velas, que transformam o ambiente ainda mais
em um local romântico.
— É o encontro para jantar que não tivemos a chance de ter — ela
responde as minhas dúvidas e me abraça de lado, enlaçando minha cintura.
Mesmo paralisado e em choque, a abraço de volta, minha visão enturvecida
por conta das lágrimas que querem escorregar pelo meu rosto. — Eu fiquei
com isso na minha cabeça desde que terminamos. Eu até mencionei na
carta, não sei se você lembra. — Faço que sim, pois me lembro. Eu me
recordo de cada linha que escreveu. — Assim que voltamos para a vida um
do outro, eu sabia que tinha que partir de mim a iniciativa de preparar o
jantar e de transformar ele em inesquecível, para que você também
percebesse que eu me lembro de cada detalhe, que vivi tudo intensamente
junto com você. Ninguém sentiu mais, nem ninguém sentiu menos. Nós
sentimos as mesmas coisas, ao mesmo tempo. E o momento em que você
me trouxe aqui, Sebastian, foi o mais lindo de toda a minha vida. Eu sabia
que tinha que voltar aqui para ver as estrelas, tão de perto assim, uma
segunda vez. Eu sabia que nosso encontro precisava ser sob elas. E eu
também sei que eu preciso te mostrar, cada segundo da minha vida, o
quanto você foi, é e sempre será especial para mim. Se antes você chegou a
me provar o quanto me queria, agora é a minha vez de fazer o mesmo. Não
vou parar até te conseguir de volta e de uma forma definitiva.
Esse instante acaba de entrar para o momento mais feliz da minha
vida.
— Você não tem noção, linda, do quanto sempre quis escutar isso.
Você não tem noção de como vou viver para sempre nesse segundo. — Paro
de abraçá-la, só para colocar minhas mãos em seu rosto, resvalando nossos
narizes enquanto sinto uma única lágrima me escapar. — Você realmente
me deixou sem palavras. Eu sempre sou o que diz muito, mas agora não sei
dizer mais nada, só obrigado. Obrigado por ter preparado a melhor surpresa
que eu poderia receber e obrigado por estar tão disposta a nos consertar.
Saiba que estou percebendo tudo.
— Não me agradeça. — Contorna a minha boca com o polegar. —
Estou fazendo o que eu deveria ter feito há muito tempo. É só o começo.
— Sim, é só o começo.
Kayla planta um beijo no canto da minha boca, sorri e diz que
precisamos nos sentar, pegando a minha mão para me conduzir até a toalha.
Ela se senta em uma ponta, eu me sento na outra e a vejo colocar a cesta
entre nós, abrindo-a por completo, para que eu possa ver o que tem dentro.
Tem potes com lasanha, tem refrigerante, suco de laranja, torta de limão e
cupcakes com estrelinhas, a mesma decoração que Justin estava fazendo
naquele dia. Não pode ser coincidência. Tenho a mais absoluta das certezas
que ele a ajudou com a comida e com a invasão ao estádio. Ela nunca
conseguiria entrar aqui sem a ajuda de alguém do time, porque realmente
não poderia ter acesso.
Sorrio ao pegar um cupcake.
“Eu tenho os melhores amigos do mundo”, comemoro internamente
assim que mordo um pedaço do bolinho.
— Poxa, você inverteu a ordem — me repreende quando percebe que
estou no doce. — Primeiro era a lasanha, depois o cupcake ou a torta. Não é
assim que se janta.
— Nossa, me desculpa, mamãe — brinco e dou de ombros, enfiando
todo o restante na minha boca. Ela murmura algo que não compreendo,
depois pega os talhares e o seu pote de lasanha de dentro da cesta, se
preparando para comer. Fico parado, só a admirando enquanto leva o garfo
com o pedaço da massa à boca e sei que Kayla percebe mesmo de cabeça
baixa, porque sorri minimamente, quase de maneira imperceptível e um
rubor ameaça cobrir as maçãs do seu rosto. — Por que você não para de me
olhar e continua comendo?
— Porque te olhar é muito mais interessante.
— Tudo bem. — Dá de ombros ao enfiar mais uma garfada de lasanha
em sua boca. — Pode me olhar se é o que você quer, eu sei que sou bonita.
Agora é a minha vez de entortar os meus lábios em um sorriso de
canto.
— Sabe, é?
— Sim.
Uma resposta curta, contudo, que já é suficiente para eu ter ainda mais
noção de que a mulher em minha frente, essa que me preparou essa
surpresa, se tornou outra. A Kayla de antes nunca diria o que disse sobre a
sua beleza, tão pouco a afirmaria assim, categoricamente. Ela nem ao menos
conseguia enxergar o que eu via nela, ficava sempre me perguntando e
buscando por explicações, como se eu fosse um lunático por achá-la a
criatura mais preciosa desse mundo. Mas agora não. Agora ela já percebeu,
já se enxerga da mesma forma que eu a enxergo e isso é muito melhor do
que qualquer coisa que eu poderia pedir.
Minha garota tem que saber mesmo o quão foda ela é.
— Você está me surpreendendo tanto, Kayla — solto de forma
sincera. — A todos nós, na verdade. Estamos todos, pelo menos um
pouquinho, nos inspirando em você, em como escolheu dar a volta por cima
sozinha.
— É — concorda e seu olhar, de repente, se torna melancólico. —
Papai costumava me dizer que sua mãe costumava lhe dizer que há males
que vêm para o bem. Hoje eu vejo que é verdade. É no pior que você
consegue encontrar o seu melhor.
Ela deixa a sua comida novamente dentro da cesta e vem para o meu
lado. Estico as pernas e a puxo para que fique confortável, deixando-a se
deitar com a cabeça em minhas pernas. Seus olhos logo encaram o fundo
dos meus, depois sobem para o céu, uma lufada de ar escapando pela fresta
entre seus lábios.
— Ainda é difícil falar sobre o seu pai?
— Um pouco — Kayla responde depois de chocar seus longos cílios.
— Antes, quando eu pensava nele, eu sentia muita mágoa, muita raiva.
Agora, quando eu paro para falar e pensar, parece que estou vivendo um
luto. Eu só sinto saudades de como éramos antes de Cora aparecer. Sinto
falta do seu lado paternal, daquele que me presenteava com livros, que me
levava na sua cacunda para passear no pequeno parque perto de casa, que
me chamava de filha com muito amor e daquele que me colocava para
dormir com um “boa noite” e um beijo na testa. Sinto falta de quando
éramos três, não quatro. Sinto falta do meu pai que morreu, que não existe
mais, que se perdeu em algum lugar nas estrelas. E é essa fase que estou
vivendo nesse momento. A fase de entender que ele se foi, que nunca mais
vai voltar e que preciso deixá-lo ir.
Um relato tão forte que, me pondo em seu lugar, não sei se eu
conseguiria me manter em pé por tanto tempo.
— No instante em que as coisas se tornarem insuportáveis, se segure
em mim. — Traz de volta seu olhar até o meu e eu aproveito para dedilhar
seu rosto. — Você nunca mais se sentirá sozinha em sua vida.
— Eu sei, Seb, eu sei. Eu já não me sinto mais.
— Eu também. Estou completo agora.
Com o coração martelando as costelas, eu olho para o céu e sinto
como se as estrelas estivessem piscando para mim.
— Elas são tão lindas daqui. — Kayla parece encantada, apontando o
seu dedo lá para cima. — Já fez o seu pedido a elas hoje?
— Sim.
— Qual foi?
— Não posso dizer.
Meu pedido, Kayla, é que os seus sejam sempre atendidos.

O voo para Seattle dura um pouco mais de quatro fucking horas, o que
me deixa beirando o tédio e sem o que fazer. Temos um jogo importante
hoje fora de casa, mas a única coisa com que sou capaz de ficar preocupado
é com a mensagem que recebo de Kayla.
Megera linda: Eu, Elsa e Waylen estamos tomando conta da casa
para vocês. A gente só consegue se perguntar como vocês podem ser tão
bagunceiros.
Megera linda: Ah, encontrei uma das suas camisetas do time no seu
guarda-roupa. Resolvi vestir para assistir ao jogo mais tarde.
Uma foto aparece logo embaixo dessa sua mensagem. A abro, tendo
que manter o gemido na porra da minha garganta ao vê-la no espelho do
meu banheiro, de costas, enquanto usa apenas a minha camiseta do Maevis
Fox, meu número e o meu sobrenome bem grande por ali. A megera foi
sagaz, ela fez de propósito, achou um bom ângulo para me mostrar a polpa
da sua bunda e o vislumbre da sua calcinha de renda branca. Ela só pode
estar maluca se acha que isso me ajuda em alguma coisa. Não vou poder
jogar se só ficar pensando em chegar em casa para lhe ver pessoalmente
desse mesmo jeitinho.
Eu: Se perdermos o jogo, se considere culpada, terei morrido de
tesão.
Megera linda: Go, foxes!
Ah, Kayla Benson, você me paga.
Eu: Você vai ver a raposa quando eu chegar. Me espere amanhã.
Chego depois do almoço.
Megera linda: Eu já ia te esperar de qualquer jeito. Acho que estou
necessitando daquele nosso outro tipo de amizade.
Eu: Que coincidência, eu também. Ainda bem que temos um ao outro.
Muito bons amigos.
Megera linda: Sim, ainda bem que temos um ao outro. Bom jogo,
amigo. Estarei te vendo pela tv.
Rio comigo mesmo, desacreditando de como ela se tornou uma
provocadora nata.
Me assusto assim que Lionel agarra meu telefone, querendo ver o que
estou fazendo.
— Está conversando com a Kayla? Ah, porra, não me diga que você
estava ao meu lado fazendo sexo através de mensagens?
Puxo meu braço de volta, guardando meu celular e me ajeitando mais
na poltrona.
— E o que te interessa? Vai cuidar da sua vida.
O avião fretado só com os jogadores não dá certo. É muito homem
grande e pesado junto. Ninguém tem espaço e paz para absolutamente nada.
— A mim não interessa, mas o Kellan tá logo ali atrás e ele ouviu
tudo.
— É, ouvi — grita Benson. — Infelizmente, porque agora a ideia de
pular desse avião me parece maravilhosa.
Balanço a cabeça e rio com o drama, eu nem estava fazendo nada
demais.
Éramos só eu e Kayla, cada vez mais próximos, sendo apenas nós.
Depois do nosso encontro no campo de futebol americano, tivemos
mais um e foi na sua cafeteria favorita da cidade. Ela até ganhou um selo de
cliente fiel.
É como digo, as coisas estão voltando ao eixo e eu só quero ganhar o
jogo, voltar para casa e ter a minha melhor amiga comigo de novo.

Quando eu chego em casa no dia seguinte, com a vitória, eu a


encontro no meu quarto, deitada na minha cama e com a minha camiseta
laranja moldando seu belo corpo. Eu tranco a porta, jogo a minha pequena
mala no canto do quarto e abro os braços logo que a vejo se levantar e
correr até mim, pegando-a no colo e quase indo para trás pela força com que
monta em mim. Seus braços enlaçam meu pescoço e Kayla distribui vários
beijos por meu rosto, exceto minha boca. Ela olha para o meu rosto e sorri
tão largo, que sinto como se tivesse acabado de pegar o melhor prêmio da
minha carreira.
— Parabéns, parabéns, parabéns! — Coloco-a de volta no chão, rindo
e ela bate palminhas, toda feliz. — Vocês arrebentaram. Amassaram todos
aqueles jogadores ridículos. E aquele cara que te jogou no chão? Nossa,
fiquei com tanta raiva. Eu quase ia atravessando a televisão para dar na cara
dele. Ninguém mexe com o meu Seb.
Puta merda, eu a amo tanto.
Rio e a trago de volta para mim, minha mão na sua cintura e a sua no
meu peito.
— Não faz mal. Eu derrubei ele de volta depois. E acho que você foi
o nosso amuleto. Toda vez que usa a minha camiseta, a gente ganha.
— Acho que é porque vocês querem me impressionar. E conseguem.
Então, em uma mudança drástica, sua expressão se torna bem
malcriada ao passo que a sua mão, que estava em meu peito começa a
descer pela minha barriga, em um caminho perigoso e que sei muito bem
onde termina. Xingo um palavrão e Kayla morde um sorriso, já fazendo
meu pau ficar grosso e duro debaixo dos jeans. Ela esfrega sua palma para
cima e para baixo, tocando todo o meu comprimento e me fazendo
estremecer, dando umas cambaleadas até me bater contra a parede. Estou a
muito tempo sem que ela me toque aqui embaixo. Não sei o que planeja,
mas não vou aguentar quase nada.
— Você venceu, lindo. É a vez da minha língua amiga entrar em ação.
Você a quer, não quer?
Porra.
— Mais do que tudo.
Como a mais bela das miragens, Kayla vem até mim, se ajoelha e
passa a abrir o botão da minha calça, depois o zíper. Com mais uma olhada
sacana aqui para cima, ela abaixa minhas calças até meus tornozelos junto
da minha cueca, as írises carregadas de luxúria presas às minhas. Diversão
também perpassa por elas quando vê o meu pau saltar perto do seu rosto,
quase batendo em um lado da sua bochecha, as veias aparentes e o líquido
pré-gozo fazendo a ponta rosada brilhar em perolado.
— Sempre pronto para mim — se gaba ao me envolver com seus
dedos, se dobrando para lamber o gosto salgado da minha excitação. Tombo
a cabeça para trás, fecho os olhos e pressiono os lábios só com essa pequena
sensação, que me parece o paraíso. — Hmmm — geme como eu costumo
fazer quando estou entre suas pernas e depois se aproxima de novo,
passando o nariz ao longo da minha extensão. — Bom. Muito bom.
Minhas pernas tremem e sei que ela nem chegou na melhor parte.
Estou fodido. Completamente fodido.
Meu pau engrossa ainda mais na sua mão, porém Kayla não se
importa, ela para de me torturar, de se torturar e me coloca finalmente em
sua boca gostosa. Um “oh” escapa dos meus lábios e eu me repreendo na
hora, porque há pessoas nessa casa. No entanto, não consigo me segurar,
estou irracional, como um animal. Estou sentindo tanto desejo que me torno
primitivo, coloco as mãos envolta das suas tranças, fazendo um rabo de
cavalo e movo sua cabeça para a frente para me engolir mais, também a
ajudando nos movimentos de vai e vem, meu quadril se movendo junto. A
pequena megera quer mesmo que eu me lembre desse momento, dessa
recompensa que ganhei, porque se empenha ao sugar com mais força,
usando a mão para trabalhar na parte que fica, a que não consegue engolir,
seu pulso rodando em movimentos rápidos e que me apertam.
— Ca-ra-lho — sibilo entredentes e Kayla se afasta para respirar, baba
vaza pelo canto da sua boca, entretanto ela só sabe sorrir, estudando minhas
reações e o quanto estou ofegante. — Jesus. Minha nossa. Eu estou tentando
pensar na calcinha da minha avó que encontrei na sua gaveta aos doze anos
para ver se duro mais do que cinco segundos, mas porra, com você assim,
nem isso tá funcionando.
Mais uma risadinha reverbera de sua garganta. E que garganta.
Antes que eu possa falar qualquer coisa, ela me toma de volta,
chupando e lambendo como se sua vida dependesse disso. Solto um gemido
longo, tento me concentrar para não gozar, tento até me afastar, porém
Kayla não deixa, ela me mantém preso. Como percebo que está gostando e
que não vai desistir, faço vir logo, arremetendo fundo em sua garganta. A
garota engasga um pouco, mas nem isso é capaz de pará-la, só atiça ainda
mais seu desejo de me provar por inteiro.
Entro, saio, entro de novo, vejo pontinhos pretos em minha visão e,
com um último suspiro, gozo em sua boca, cobrindo sua língua com a
minha semente quente. Ainda de joelhos, engole e some com cada gota, se
deliciando com o meu gosto.
Pego-a pelo braço, a faço se levantar e passeio com meu polegar por
sua boca agora inchada e avermelhada. Sem me importar com nada, depois
de estar com meu cérebro fundido por seus encantos, a beijo pela primeira
vez depois desse tempo todo. Certo que já tínhamos tentado outra vez, como
no dia da chuva e nos fundos do Lost Paradise, contudo não valeram. Eles
não foram reais. Esse é. É cheio de saudade, de vontade, de amor, de luxúria
e tem o meu gosto. O nosso gosto.
Emaranho minhas mãos no seu cabelo e devoro sua boca, fazendo-a
arfar e ficar na ponta dos pés, tocando meu rosto como se quisesse nos
fundir. Mordo, lambo, chupo sua língua e me deleito com tudo que passei
esse tempo todo me negando a ter. Não sei se fora apressado, no tempo
certo ou até mesmo errado, no entanto não há mais nenhuma chance de eu
ficar longe. Impossível sermos só amigos. Ela é minha. Nossa química é
gritante, sufocante, incapaz de ser contida e mantida presa dentro de nós.
Quando se separa da minha boca, Kayla afunda seu rosto em meu
pescoço, em uma mescla de cansaço, vergonha e descrença. Aposto que
consegue ouvir meu coração trovejando.
— Eu te amo — me pega de surpresa, porque dentre todas as coisas
para me dizer agora, eu não imaginava que fosse dizer as três palavrinhas.
— E por favor, nunca mais pare de me beijar.
— Eu te amo. — Faço com que me olhe, para que possa ver a verdade
em mim. — E nunca mais vou parar de te beijar.
Doutora Ella, depois de um certo tempo falando comigo sobre o meu
passado, me perguntou o que espero do meu futuro daqui a cinco, dez anos.
E eu acho que é uma ótima pergunta. Se fosse antigamente, eu
provavelmente daria uma única resposta: espero que com ainda mais
propósitos para querer continuar vivendo. Mas hoje, hoje eu consigo ter um
bom panorama da minha vida atual e da minha vida daqui em diante. Eu me
vejo carregada de propósitos e cheia de orgulho por estar viva. Eu me vejo
formada, mais velha, mais experiente, reconhecida, dona de uma editora,
revelando escritores talentosos ao mundo, expandindo a leitura, noiva,
talvez até sendo tia e com o mesmo grupo de amigos. Eu me vejo feliz,
forte e ao lado do homem que eu amo. O passado já não significará mais
nada, será apenas uma lembrança distante, como a Kayla da Pensilvânia.
— Meu futuro será bom, bonito e leve — completo, olhando-a
enquanto estou sentada com as pernas na posição de yoga. É assim que
sempre fico nas nossas consultas. Deitada ou sentada desse jeito. Realmente
se tornou o lugar mais aconchegante que conheço. Estar aqui já faz parte
dos meus dias e da minha rotina. A Ella é uma boa amiga agora. Sim, como
seu filho. E ela super adora e aprova nós dois juntos, a propósito, disse que
eu, Waylen e Elsa formamos um belo e poderoso trio, cada um com sua
essência. Não tenho como discordar. — Eu não desejo luxo, poder e muito
menos quero ser uma superstar. Eu só quero o que é meu por direito, o
poder de sonhar. Eu só quero continuar com a felicidade que estou sentindo,
a que nunca senti antes, a que me deixa mais leve e me faz sorrir toda vez
que me olho no espelho e me dou conta de quem sou e do que me tornei. Eu
quero que meu irmão, Sebastian, Elsa, Waylen, Lionel, Justin e Daniel
continuem ao meu lado. Eu quero tudo o que estou vivendo hoje, lá na
frente, só que todos nós muito mais maduros e realizados.
Ella balança a cabeça, coisa que sempre faz quando termina de me
ouvir falar ininterruptamente, depois tira seus óculos do rosto e o posiciona
no seu colo, junto com seu caderninho de anotações.
— E o presente, você se sente no controle dele?
Sugo o ar e inclino a cabeça um pouco mais para o lado.
— Eu acho, na minha perspectiva, com todo o conhecimento que
você me trouxe, que nenhuma pessoa no mundo é capaz de ter o total
controle da sua vida. Nós não somos robôs, nós não fomos fabricados ou
programados, nós somos pessoas com carne, osso e imperfeições. É normal
se perder às vezes. É normal nem sempre saber o que fazer, ficar em dúvida,
se sentir feliz, depois em outro dia se sentir para baixo. Nós temos emoções,
as emoções nos movem e nos fazem humanos, quem gosta de estar no
controle de tudo o tempo todo é psicopata, justamente por ser incapaz de
sentir, fazendo tudo sempre muito calculado. O que a gente não pode,
mesmo saindo dos trilhos, é perder o rumo do nosso trem ou querer dar para
outra pessoa a função que nós temos de governá-lo. E eu me sinto hoje
assim. No meu presente sou eu que mando e mesmo que eu provavelmente
venha a dar algumas derrapadas no meio dessa minha viagem, sei que vou
corrigir e que nunca mais vou querer saltar para fora. Então eu não diria que
tenho o controle do meu presente, mas sim que estou adorando o caminho
dele.
Quando minha terapeuta sorri, sei que arrasei na resposta e que ela
ficou orgulhosa.
Não foi decorada, minha fala veio do coração, é como venho me
sentindo desde que a carta fora enviada ao Sebastian por Elsa, que fez o
papel da irmã da Lara Jean nas nossas vidas. A princípio parecia um erro,
parecia não ser o momento, porém agora percebo que tinha que acontecer
como aconteceu. Nós não somos mais os mesmos, percebemos isso e é
justamente por não sermos mais os mesmos que as nossas versões de agora
combinam. Elas se reinventaram. Nosso amor se reinventou, passou por
todas as dificuldades e continuou sólido. Depois do nosso beijo e da
promessa que fizemos sobre nunca mais deixar de nos beijarmos quando
tivermos vontade, estamos cumprindo, no entanto acho que ainda há um
pouco de cuidado, até porque ainda não conversamos sobre uma possível
volta. Acho que tanto eu quanto Sebastian estamos querendo realmente
curtir cada momento desse processo, aproveitar cada fase, para só depois
darmos um passo maior.
É, sem dúvidas, a melhor fase da minha vida. Tanto como eu estou
me sentindo comigo mesma quanto com os outros. Depois da terapia, tudo
mudou e sei que vai mudar ainda mais. Esse aqui é só o início da minha
libertação.
O processo é lento e é preciso ter calma, mas como um passarinho,
passei pelas asas machucadas e agora estou no processo de levantar voo. É
questão de tempo até que eu esteja voando e cantando por aí, sem medo de
cair.
— Essa foi a melhor colocação que você poderia fazer, querida — diz
a doutora, me fazendo sorrir. — Estamos fazendo um belo trabalho juntas,
não estamos?
Claro que estamos.
— Eu fiz tantas coisas ruins naquela época, só que o meu maior
acerto e a melhor coisa que fiz por mim mesma foi buscar por ajuda. Muitos
me chamaram de egoísta, porém não é egoísmo priorizar sua saúde mental,
é necessidade. Eu tive que olhar para dentro de mim mesma antes de tentar
fazer qualquer coisa pelo outro. Eu disse “sim” para mim e diria quantas
vezes mais fosse preciso. Não me arrependo, nem por um segundo, de ter
pisado nessa clínica e de ter te conhecido, Dr. Pratt. Obrigada por estar me
ajudando constantemente a desenvolver uma nova Kayla Marie Benson.
A doutora Ella que agradece, me parabeniza e continua falando mais
algumas coisas sobre o passado, o futuro e o presente até que a nossa sessão
termina. Eu a agradeço mais uma vez e, quando fecho a porta do seu
consultório, dou de cara com Elsa e Waylen, que me trouxeram e ficaram
me esperando até agora, livres por conta dos intervalos entre as nossas aulas
que, por coincidência, se estenderam por mais de uma hora hoje.
— E aí, como foi? — Elsa, rodando a chave do seu carro entre os
dedos, pergunta assim que eu me coloco no meio deles e começo a andar
até a saída. Minha melhor amiga sempre faz essa pergunta depois de uma
consulta, se tornou uma religião. Eu gosto, mostra a sua preocupação e o
quanto gosta de saber de cada pequeno detalhe que me envolve. Waylen
também vira o rosto para saber. — Não precisa responder, dá para ver na
sua cara o quanto está radiante.
“Quando que eu, Kayla Benson, estaria radiante?” É por isso que eu
digo, a terapia e o fato de estar sendo mesmo feliz muda completamente
uma pessoa.
— Hoje tivemos uma ótima conversa — esclareço para os dois
curiosos. — Tem vezes que é difícil, só que hoje foi extremamente
esclarecedor.
— Que bom, Kaylinha. É tão bom saber que a minha mãe está te
ajudando. Pena que não podemos falar muito sobre, Ella disse que não
devemos sair misturando as coisas.
Concordo com o Waylen, porém, antes que eu possa fazer menção de
falar qualquer coisa, Elsa Castillo destrava seu carro, abre a porta do
motorista e, antes que o nosso amigo perceba que a porta do carona está
livre, corro até ela, escorregando para o assento e fecho a porta no segundo
em que ele já está perto de se aproximar, gritando meu nome sem acreditar
no que eu acabei de fazer.
Elsa, que também já está dentro, começa a rir e chamar o Waylen de
perdedor.
— Você precisa ser mais esperto, cara — brinco quando, com muita
raiva, ele entra e se senta nos bancos de trás, dando um pequeno tapa na
minha cabeça. — Ei, não faça isso. Vacilou, perdeu.
— Vocês não precisam ficar brigando por minha causa. Mi corazón es
grande.
Olho para trás bem a tempo de Pratt soltar:
— Do que é que ela nos xingou?
— De nada. Elsa apenas disse que eu sou e sempre serei a sua melhor
amiga.
— Até parece, a frase saiu curta para tudo isso aí que você tá falando.
Elsa me dá um tapa, manda eu me virar e dá partida no carro, meu
corpo quase voando para a frente. Murmuro um “meu Deus” e coloco o
cinto antes que eu me esqueça e depois seja tarde demais.
— A gente tem que começar a definir os dias de quem vai sentar
comigo aqui frente — a nossa motorista particular comenta, colocando seus
óculos de sol no topo da sua cabeça. — Vocês não podem ficar brigando
sempre por isso.
— Não precisa definir nada — sou rápida em responder. — Eu gosto
das nossas briguinhas para ver quem consegue abrir a porta primeiro.
— Claro que gosta. — Waylen bufa lá atrás. — Você sempre ganha.
Meu amigo não pode ver, mas eu sorrio com muito gosto.
Desde que começamos a sair juntos, que foi quando fomos pegando
mais intimidade um com o outro, brigamos pelo lugar da frente. Eu não
gosto de dar o braço a torcer, esse lugar sempre foi meu, é isso que digo nas
nossas trocas de farpas, porém Waylen garante que, quando eu não estou,
nos momentos em que estou ocupada com Sebastian e meus outros
amiguinhos — palavras dele, não minhas —, esse lugar fica muito mais
divertido sendo ocupado por ele. Discordo e só para provocar, fico pedindo
à Elsa que diga a verdade, que fui eu que cheguei primeiro e mereço ficar
na frente, entretanto a boa garota só se esquiva e fica dizendo que devemos
criar um método, como acabou de dizer agora. Nem eu, nem o Waylen
aceitamos. Acho que fica mais legal esses nossos desafios.
O loiro reclama, diz que eu fico trapaceando, só que eu sei que é só
para se vitimizar, no fundo ele adora nossas competições de corrida até o
carro.
— Ah, e já que Kayla tá na frente e você nem reclamou, Frozen, eu
quero poder escolher a música.
— Vá em frente. — Elsa liga o som e pede que ele conecte sua
playlist. — Escolha a nossa trilha sonora de volta para a MU, garoto.
Um minuto depois de Waylen mexer no seu celular, a música explode
e não leva mais do que meio segundo para que a gente a reconheça.
É Obsessed da Mariah Carey.
Rio anasalado.
— Uma vibe mais anos 2000. — Estalo a língua no céu da boca. — É,
achei tendência. O que vamos fazer depois, assistir o reality show da Paris
Hilton?
— Nem uma coisa, nem outra — a garota ao meu lado murmura
baixinho. — Essa escolha me parece como uma mensagem subliminar.
Uma espécie de indireta. Ao meu ver, essa indireta foi para você, Kay-Kay.
Coloco a mão no peito, faço cara de surpresa e me viro para ele como
se estivesse protagonizando uma novela mexicana.
— Não acredito que você foi capaz de fazer isso comigo, Waylen
Pratt.
— Você mereceu depois de ter pegado meu lugar. Obcecada.
Rio ao mesmo tempo que ele e Elsa.
Ah, eu não posso dizer outra coisa, eu amo esses dois.
E, embora eu brinque com o meu ciúme, sei o quanto eles se deram
bem e viraram a companhia um do outro. Sempre somos nós três, óbvio,
mas nas vezes em que estou com Sebastian, Elsa fica com o Waylen e eu
fico feliz de saber que ela está com alguém e não sozinha tocando música,
como gostava de fazer antes. Eu até chamo Elsa para ficar na casa dos
meninos, só que a única vez que ela aceitou foi justamente quando eles não
estavam e foi embora antes mesmo de eles chegarem. Não entendo o seu
comportamento, ela sempre encontra uma desculpa sobre alguma coisa para
fazer, entretanto eu acho mesmo é que tem algo a mais aí.
Vai saber.

No momento em que voltamos ao campus da universidade, eu e meus


amigos vamos cada um para um lado, para as suas respectivas aulas.
Embora eu esteja dez minutos adiantada, decido entrar na sala mesmo
assim, talvez até consiga pegar a tranquilidade da sala vazia para escrever
mais um pouquinho. No entanto, quando estou prestes a empurrar a porta,
ela se abre e é Stacy Cameron. É a primeira vez que estamos nos vendo,
então tanto eu quanto ela paralisamos por alguns segundos, tempo
suficiente para eu me perguntar o que diabos está fazendo aqui. Parecendo
pura arrogância e capricho, a garota do Intrigue sorri para mim, fechando a
porta atrás de si e me fazendo recuar assim que caminha.
— O que você está fazendo aqui?
Entro em estado de alerta, afinal, essa sala é minha, não tem nada a
ver com Stacy.
— Calma, Little Benson, eu estava apenas fazendo uma entrevista
com o seu professor. Parece que ele ganhou um prêmio de Letras ou algo
assim. Não vim aqui sabotar você, se é o que está pensando. Eu nem ao
menos estava lembrada da sua existência, sendo bem sincera. Faz quanto
tempo mesmo?
Ao mesmo tempo que ela parece a mesma, com a mesma vestimenta
rica de milhares de dólares e a pose inabalável, é como se algo tivesse
mudado em seu olhar. Não me entenda mal, ele ainda é duro, capaz de fazer
você virar pedra, como se ela fosse a Medusa, só de você olhar, porém não
sei, me parece mais triste do que soberbo. É como se ela ainda estivesse
tentando segurar as pontas e mostrar que nada aconteceu, que tudo segue
perfeitamente bem. Estou falando isso porque entendo e sei reconhecer
quando há fingimento. Stacy Cameron passou por alguma merda fodida
esse tempo em que resolveu se resguardar e só agora está tentando voltar a
ser o que era antes. Contudo, a mim ela não engana, eu não sou como os
outros, eu olho atrás das cortinas. Minha vida antes era a mesma, pagar de
muralha quando eu me sentia toda derrubada por dentro. Uma pessoa que
tem traumas, reconhece a outra, até porque semelhante reconhece
semelhante. E, se for parar para analisar, Stacy pode ser muito mais
parecida comigo do que eu imaginava. Suas ações, provavelmente, devem
ter um motivo muito forte e sombrio por trás.
Quem gosta de ferir, muitas vezes é porque já foi ferido.
“Não se combate o mal com o mal.”
“Faça pelos outros o que gostaria que tivessem feito por você.”
São coisas que repito para mim mesma, pois embora Stacy Cameron
tenha me arruinado por puro ego e prazer, só para mostrar quem é que
manda, o acontecido da aposta já fora abandonado e não me importa mais.
Sem contar que, até mesmo antes, no auge da raiva, eu não colocava a culpa
toda nela. Eu sabia que ela tinha sido uma tremenda vaca, sabia que ela
tinha feito por vingança e para me arruinar mesmo, sem nenhum tipo de
pena, mas também sabia que eu não poderia ficar odiando só a ela. Se eu
não tivesse feito nada de errado, ela ficaria quieta, por não ter nada para
jogar na minha cara, só que é claro que eu também tinha sido uma vaca com
uma outra pessoa.
Eu deixei o caminho fácil, muito fácil.
Todavia, agora eu posso fazer diferente.
Ao invés de cutucar, vou lhe mostrar que a única que me odeia é ela,
porque não alimento esse sentimento e nem nunca vou alimentar.
Ao invés de gritar, de acusar e ser uma grande filha da puta, vou
tentar ajudar, ajudar de verdade, como uma pessoa que também passou por
dificuldades e sabe o que é estar no fundo do poço.
— É, faz alguns meses — digo despretensiosamente. — E eu não
estava insinuando que você estava aqui por causa de mim. Só perguntei
porque fiquei surpresa por ver você aqui, não é o seu lugar. Além disso,
você sumiu, Stacy, por onde andou?
Ela pisca uma, duas, três vezes, atordoada com o modo como estou
levando a conversa. Provavelmente pensou que eu fosse insultá-la ou bater
de frente com ela, talvez, quem sabe, reacender a rivalidade que havíamos
criado lá no início. Stacy estava preparada para a guerra, não para o que eu
estou fazendo nesse momento.
— Como assim por onde andei? — Ri, completamente sem humor. —
Desde quando é da sua conta?
— Não é, só achei estranho. Você está bem?
Mesmo que muito imperceptivelmente, ela vacila.
— Você ficou louca? — exige saber, seus olhos entrando em conflito
enquanto varre cada centímetro do meu rosto para ver se estou brincando ou
se isso não se trata de uma pegadinha. — Me poupe, Kayla. Eu ouvi dizer
que o Sebastian te perdoou, mas eu ainda sou eu, a Stacy Cameron, a garota
que armou para você se foder. Não é assim que você deve me tratar, ainda
mais sendo a primeira vez que fica de frente para mim depois do ocorrido.
Nós não nos damos bem, esqueceu? Nós nos alfinetamos, não perguntamos
coisas pessoas. Qual é, não force a barra, você me odeia que eu sei. Não vá
por esse caminho, não queira bancar a superior e a cheia de maturidade, no
fundo, aposto que está me amaldiçoando nessa sua cabecinha.
— Não, não. De jeito nenhum. — Nego ao balançar, tanto a minha
cabeça, quanto o meu dedo indicador. Depois o aponto em sua direção. —
Você me odeia. Você que foi uma completa idiota comigo desde o começo,
eu apenas me defendi e não me curvei só porque é a rainha e os outro são
seus súditos. Você esperava que eu fizesse as suas vontades, só que não fiz,
então achou, na sua cabeça, que deveria me derrotar e provar ao mundo que
eu não prestava, mas você sim. Aí armou para mim e, além de me fazer
perder o Sebastian, me expôs para todos em Maevis e fez com que eu fosse
hostilizada. — Me aproximo, apertando a alça da minha bolsa. — Se eu te
odiasse de verdade, naquela época, eu teria revidado, porque eu não teria
nada a perder. Não foi o que aconteceu, no entanto. Se você não pensava
muito em mim, eu também não pensava muito em você. Eu estava ocupada
sofrendo por mim mesma, pelos meus erros e pelas minhas merdas. Eu
estava ocupada tentando me perdoar, tentando ser melhor e tentando
recuperar o meu garoto. E eu consegui todas essas coisas. Eu hoje estou
recuperada, feliz e completamente diferente daquela garota que você
conheceu. É por isso que estou te perguntando onde esteve e como está,
porque, ao contrário do que fizeram comigo um dia, eu mais do que
ninguém, sei como é importante oferecer ajuda. Principalmente para
aqueles que nos feriram.
Sobressalto assim que começa a bater palma, não se importando em
chamar atenção dos alunos que passam por nós para irem em direção às
salas.
— Bravo. Que história de superação. Agora onde você está vendo que
eu preciso de ajuda? Ainda mais da sua?
— Stacy, está tudo bem, você não precisa dizer nada para mim. Nós
não somos amigas, talvez nunca sejamos, mas eu já fui assim como você.
Eu sei o que é odiar o mundo. — Abro a minha bolsa, pego o cartão da
doutora Ella e o estendo. Seus olhos queimam o papel. — Se você está
passando por algum tipo de problema, não se sinta sozinha, eu também tive
um milhão deles. Se você está sentindo aquela sensação insuportável de não
aguentar ficar presa dentro da sua própria cabeça, não tenha vergonha de
pedir ajuda. Eu pedi e isso não me fez mais fraca, me fez mais forte. Está aí
o número da minha terapeuta. Caso não queira ela, peça indicação de
outras. Caso não queira marcar consulta, caso não queira se mostrar ou
revelar sua identidade, ligue e diga que é uma conhecida da Kayla
precisando desabafar. Tenho certeza que ela não hesitará em te ajudar.
Com muita hesitação, ela puxa o cartão e arrebita o nariz.
— Eu peguei por educação e para que pare de falar, não pense que eu
preciso ou estou concordando com esse seu papo sem pé nem cabeça.
— Ok. Tudo bem.
Quando está prestes a se virar, eu a chamo.
— Stacy?
Ela vira sobre os ombros.
— O que é agora?
— Eu te perdoo.
Choque percorre cada centímetro do seu rosto.
— Mas eu… e-eu não pedi perdão. Eu não estou arrependida.
Dou de ombros.
— Certa vez a minha terapeuta, essa aí que você está segurando o
número, me disse que, às vezes, precisamos perdoar àqueles que nunca
foram capazes de nos pedir perdão, porque esses são, geralmente, os que
mais doem. E eu te perdoar não é por você, é só mais um ato de amor por
mim.
— Credo, você realmente virou outra. A Kayla que eu conheci jamais
falaria tanta baboseira. Francamente viu.
Pisando duro, seus saltos tilintam contra o piso assim que, depois de
resmungar, gira nos calcanhares e me deixa sozinha. Stacy passa pelo lixo,
porém ao contrário do que eu imaginei que fosse fazer, ela não joga fora o
papel contendo o número da Ella, ela guarda em seu bolso. Ela guarda. E
eu vejo tudo.
Isso só pode ser um sinal.
É por isso que não tenho mais dúvida, Deus realmente sabe o que faz.
Nosso embate veio na hora certa, no momento em que eu me encontro
muito mais sujeita a perceber e fazer coisas que eu nunca faria antes. Talvez
eu tenha exagerado, talvez eu tenha passado vergonha, contudo eu não
poderia deixar a oportunidade passar. Eu não poderia, com um olhar mais
atento, ver sua realidade distorcida e fechar os olhos. Enquanto eu puder
ajudar, não importa quem seja ou o que tenha feito, vou fazer. Seria
hipocrisia se eu não fizesse ou nem ao menos tentasse, já que fiquei um
tempão mal, reclamando do quanto as pessoas não se importavam umas
com as outras e o quanto eram incapazes de serem empáticas. Eu fiquei
implorando para que olhassem para mim, para que enxergassem o meu
sofrimento e agora que vi um tão parecido com o meu, não quis ficar calada
e me isentar da minha responsabilidade.
Sim, talvez Stacy seja mesmo má por natureza, não importa, o que
vale mesmo é que fiz o meu papel, matando qualquer mal-entendido que
pudesse ter entre a gente. Mais um assunto em que eu colocava uma pá de
terra por cima.
Se ela fosse brigar ou se ressentir, que fizesse isso sozinha. Eu estava
fora. Eu estava bem longe.
Mas, se por algum acaso eu consegui mudar sua opinião sobre pedir
ajuda, nem que tenha sido 1%, melhor ainda.
— Você ajudou a Stacy? Tipo, Stacy, a Stacy Cameron?
— Sim, Sebastian, foi o que eu disse.
Ele está tão espantado, parece até que eu acabei de dizer que ajudei a
enterrar o corpo dela. Sebastian abre a boca, fecha a boca e um longo “uau”
embasbacado é a única coisa que sai por ela.
— E depois? O que aconteceu depois?
— Ela fez pouco caso, claro, mas guardou o número no bolso e foi
embora. Tipo, poderia ter sido muito pior, ela com certeza poderia ter
acabado com a minha raça ali mesmo, no corredor, na frente de todo
mundo, porém não foi o que Stacy fez. Posso estar maluca, só que eu vi que
ela estava diferente, eu senti na minha pele. Olhei nos olhos dela e foi como
se tivesse um flashback. Fiquei me perguntando se era assim que as pessoas
me viam antes. — Dou de ombros, o balde de pipoca ainda em meu colo,
enquanto a série continua pausada na televisão do quarto de Sebastian.
Corri ao encontro dele assim que as minhas aulas terminaram, eu precisava
lhe contar o que tinha acabado de acontecer comigo. — Eu só quis, de
alguma forma, ajudar. Queria que pudesse perceber, através do meu gesto,
que até mesmo na dor, podemos oferecer amor. Foi uma forma de mostrar
que ela também não está sozinha e que eu não a odeio e nem tenho a
mínima vontade de continuar com a rivalidade feminina que criou. Foi um
basta. Realmente todo aquele caos ficou no passado.
— Uau — repete e então pisca. — Linda, acho que Deus vai te dar o
melhor lugar no céu. Eu definitivamente não teria conseguido fazer o que
você fez.
— Você ainda tem raiva dela?
— Não, eu tô pouco me importando com Stacy, só que eu a quero
bem longe de mim. E antes que você fale do perdão, não é porque
perdoamos que temos que ter contato. Cada um no seu canto e já está bom.
— Um V se forma entre as minhas sobrancelhas quando ele tira o balde de
pipoca de cima de mim, só que se desfaz no minuto seguinte ao por sua
mão no meu pescoço e me puxar para me dar um beijo. Um não, vários
beijos. Começo a rir e ele continua, salpicando beijos pela minha garganta.
— Mas não é porque eu ainda não sou um ser totalmente evoluído que não
fiquei orgulhoso. Você está igualzinha aquela música da Selena Gomez,
como é o nome dela mesmo?
— Kill’Em With Kindness?
— Isso, garota, essa mesmo! Você está matando a todos com
bondade.
Rio, agora sendo a minha vez de beijar seus lábios.
— Nossa, por falar em Stacy, agora me lembrei de uma fofoca. Você
sabia que o Lionel estava tentando ficar com ela, mas só recebia não? Tão
estranho. Ele é o único de nós que ela ficou empenhada em rejeitar. Depois
do que ela fez comigo, expondo toda a nossa história para a universidade
inteira, ele ficou com ranço e, toda vez que a gente menciona o fato de ele
ter tido desejo por ela, começa a dizer que vai se matar. Acho que dessa
você não sabia, né?
— Não sabia, porém não me surpreende. Lionel deseja todas as
mulheres do mundo.
— É, ele deseja mesmo.
Acabo lembrando de algo muito importante, então rapidamente me
animo.
— Sebastian do céu, eu preciso te mostrar algo. — Pulo da cama, vou
até a minha bolsa caída no chão e de dentro tiro a minha pequena agenda de
anotações. Sob seu olhar repleto de curiosidade, volto e me sento, agora em
sua frente. — Antes de eu te mostrar, vou ter que te contar. É o seguinte,
estou com um trabalho de Produção Textual em processo e queria saber a
sua opinião. É um conto de romance. E ele é, bem, como posso dizer, ahn,
inspirado em nós.
Seus olhos duplicam de tamanho e o sorriso já explode em seu rosto.
— Em nós? Tipo eu e você?
— O que está acontecendo com você hoje que só faz pergunta óbvia?
Sim, claro que eu e você. Quem mais seria a minha referência romântica?
— Ah, merda, venha aqui, eu vou ter que te beijar de novo.
Assim que ele tenta me pegar, me esquivo para o lado, fazendo que
não.
— Beijos só depois. Quero que você preste atenção em mim. Foco. —
Bato o indicador na minha agenda, para que fique claro que vou começar a
ler o que tem aqui dentro. São minhas emoções. Todas elas. O que quer que
esteja escrito nessas páginas, é direcionado a ele. Como eu disse uma vez,
Sebastian Skalbeck é a minha maior inspiração, tudo flui quando eu penso
na nossa conexão. Coloco na página do parágrafo específico e ergo meus
olhos. — Antes de eu ler o trecho que escrevi, que é para você me dizer se
está bom ou não, vou resumir a história que estou escrevendo. Ele é o
melhor jogador de futebol americano profissional do mundo e ela é uma
escritora, não muito renomada, que quer sair da sua zona de conforto e
escrever sobre clichês com jogadores de futebol americano. Pronta para dar
tudo de si, ela decide começar a ir atrás de jogadores, como uma espécie de
experimento. O nome dela é Katherine e ela sai com vários atletas não
famosos, até que, dentro da casa de um deles, ela conhece o Sage Salazar, o
melhor e a celebridade da liga, que fica encantado pela mulher no segundo
em que a vê. Ele começa a rondar a vida dela, até que acaba descobrindo
das suas experiências e propõe ensiná-la tudo o que ela quer tanto saber, até
mesmo os segredos mais obscuros do esporte. Mas é claro, com uma única
condição, Katherine não pode dormir e sair com mais nenhum outro.
— Katherine e Sage Salazar — ele parece estar sentindo o gosto dos
nomes em sua boca. — Qual o sobrenome dela?
— Barnes.
Mais um sorriso se estende por seus lábios.
— Ah, tudo faz sentido agora. Katherine Barnes é Kayla Benson.
Sage Salazar é Sebastian Skalbeck. Você pensou em cada mínimo detalhe,
huh?
Não consigo não me sentir orgulhosa com Sebastian me olhando
assim.
— Eu disse, foi inspirado em nós. Eu tinha que colocar nossas
iniciais. KB e SS. Era obrigatório. Você gostou?
— Ainda estou tentando entender como me sinto sobre você ter outro
jogador de futebol americano. Eu queria continuar sendo o único.
— Meu lindo, Sage nem existe, ele não é uma ameaça. Você sempre
será o meu quarterback favorito.
— Era só para ouvir você falando isso. — Aperta meu nariz e eu me
afasto, porque sei que pode me beijar a qualquer segundo. E se ele fizer, não
vou conseguir parar. — Eu gostei da história, tem uma vibe dos livros que
você me indicou, o que significa que eu super leria. Você é realmente muito
criativa.
— Obrigada — agradeço com o meu coração pulando no peito. —
Tem mais, quero que você me fale o que achou do que escrevi. Estou perto
de acabar a história e queria saber se parece emocionante.
— Vá em frente, linda, leia para mim.
Sua voz e o apelido tiram um pouco a minha concentração, me
deixam levemente nervosa e com as mãos suando, contudo, não deixo me
afetar. Eu quero ler para Sebastian. Eu quero que seja sincero comigo e que
me ajude a melhorar, caso não tenha ficado legal. Eu quero que ele sinta
minhas palavras, a minha escrita e o amor de Katherine por Sage, porque é
exatamente igual ao meu amor por ele; forte, profundo, avassalador, cheio
de camadas e intenso. Tão intenso que me faz buscar o ar agora, quando
encaro o texto que eu mesma escrevi.
— Preste atenção em cada palavra — aviso, tentando fazer com que
entenda que, além de ser uma citação, também é uma declaração. Uma
declaração de Katherine para Sage. Uma declaração de Kayla para
Sebastian. Limpo a garganta, aprumo os ombros e me sinto pronta para
começar. — “Todos nós temos medo. Alguns têm medo de escuro, de altura,
de carro em alta velocidade, de lugares apertados, já outros, têm medos
atípicos. Eu era uma dessas pessoas. O meu maior medo era me apaixonar
por Sage Salazar. Me assombrava que ele, dentre todos os lugares do
mundo que poderia estar, passasse a maior parte do tempo morando em
minha cabeça. Me assombrava que ele, mesmo distante, pudesse ter tanto
efeito sobre o meu corpo e o meu coração, que deixou de bombear sangue
para bombear o seu nome em cada canto do meu sistema. Era assustador
saber que eu estava fora de controle e só ele sabia como organizar cada
peça em seu devido lugar, porque tinha tido acesso ao meu interior sem a
minha permissão. Mas estava tarde para lutar contra os seus efeitos. Eu
tinha que entender e achar um jeito de conviver pacificamente com o meu
próprio medo e foi o que eu fiz quando me tornei melhor amiga do que eu
sentia por Sage. A paixão logo deixou de ser inimiga e se tornou uma
aliada, uma que me impulsionava sempre para cima, não mais para baixo.
A paixão, com o tempo, se reinventou e se tornou amor. E o amor me
reinventou. E o que era medo, hoje se tornou força.”
Assim que termino, mesmo com vergonha, levanto a minha cabeça,
vendo Sebastian com a maior expressão de bobo. Muito, muito fofo.
Certa vez, no Instagram, eu vi um vídeo sobre o olhar quando se está
apaixonado e ele reunia vários casais de filmes se olhando, provavelmente
no instante em que se davam conta de que estavam diante da pessoa mais
especial da sua vida. Parece que Sebastian está tendo, mais uma vez, esse
momento.
Ele me olha como se eu fosse tão incrível, mas tão incrível, que não
consegue acreditar.
Coro na sua presença de um jeito que nunca fiz antes.
— Kayla Marie Benson... — Frio na barriga. Não dá. Simplesmente
não posso aguentar quando ele resolve me chamar pelo meu nome
completo. — Você tem certeza que não quer seguir a carreira de escritora?
Linda, essa foi a coisa mais emocionante e poética que já ouvi. Você não
pode guardar isso só para si e para o seu professor. Você tem que mostrar o
seu talento ao mundo.
— Você acha mesmo? — indago esperançosa. — Acha que as
pessoas iriam gostar?
— É claro que sim. — Sebastian volta a me puxar, só que dessa vez
eu deixo, ficando entre as suas pernas. — Todo mundo iria adorar. A ideia é
muito boa. Pense nisso. — Pincela meu nariz com o dedo, depois o aperta,
me fazendo rir e afastar sua mão com um tapa. — E sobre as palavras, eu
prestei atenção. Em cada uma. Você pensou nos seus sentimentos por mim
ao escrever?
— Eu penso no que eu sinto por você em cada instante da minha
escrita e da minha vida. Você, Sebastian Skalbeck, é para mim como a
Monalisa é para o Leonardo da Vinci, como A Noite Estrelada é para Van
Gogh, como Guernica é para Pablo Picasso. Minha maior obra de todas.
— E você é o maior touchdown da minha história.
Então eu o beijo. Longamente. Ininterruptamente. Até faltar fôlego.
— Eu não me vejo sem você, sabia? — é o que murmura depois de
me dar vários selinhos.
— Que bom, capitão, porque eu não tenho planos de te deixar sem
mim tão cedo.
— Como assim tão cedo? Você tem que dizer nunca.
Abro a boca para falar, entretanto alguém abre a porta com tudo,
como se a casa estivesse pegando fogo e vejo Kellan entrar com o celular
na mão, tão pálido que me preocupa e me faz saltar da cama, indo em sua
direção para saber o que está acontecendo. Mesmo que nada tenha sido dito
ainda, vejo em suas írises claras que é algo muito, muito sério, afinal, em
condições normais não teria invadido o quarto desse jeito. Eu nem ao
menos sei se desejo saber. Está com cara de que vai tirar a minha paz e
acabar com toda a minha alegria.
— Kayla — meu irmão profere meu nome como se estivesse com
medo. — É o papai na chamada. Ele disse que não consegue falar com você
há meses e que quer ouvir a sua voz. Eu insisti para que ele deixasse nós
dois em paz, que estávamos bem sem ele, só que ele está insistindo e eu não
sei mais o que fazer. Não quero agir de forma precipitada ou na base da
raiva e por mais que eu não queira que se magoe, acho que a decisão de
falar com ele ou não, é sua. O que você quiser fazer, irei apoiar.
Sinto a mão de Sebastian em meu ombro e sei que se levantou
preocupado, pronto para dizer que não devo aceitar, tendo em vista o que
aconteceu da última vez, no entanto não quero que pense que vou
desmoronar. Não vou. Não posso mentir, saber que ele está do outro lado da
linha me abala, me deixa um pouco aérea e zonza, porém sei que posso
aguentar, sei que posso lutar minhas próprias batalhas e sei que estou pronta
para assumir a minha voz e me impor nessa história pela primeira vez.
Se meu pai quer tanto falar comigo, ele vai falar, só não posso
garantir que ele vá gostar.
Ignorando os olhares dos dois, empino o queixo e, antes de pegar o
celular de Kellan, peço sem encarar ninguém em específico:
— Podem me deixar sozinha por um momento? Eu preciso fazer isso.
É por mim mesma. Vai ficar tudo bem.
Mesmo a contragosto, eles aceitam, Kellan entrega o celular e puxa
Sebastian para fora, o som da porta sendo fechada bem no segundo em que
coloco o celular no ouvido. Me direciono à janela e observo o tempo lá
fora, repetindo para mim mesma que o meu trem está seguindo viagem e eu
não posso pular fora.
A única capaz de resolver os seus problemas é você mesma, Kayla,
respire fundo e mostre-o para que veio.
Fecho a mão livre em punho e respiro fundo quando digo:
— Sou eu, Kayla. O que quer?
Um som estranho surge do outro lado da linha, até que ele começa a
falar.
— Nossa, olá. Como é difícil entrar em contato com você. O que
aconteceu com seu número, trocou? — Não, te bloqueei, é o que tenho
vontade de falar, mas mordo a minha língua. — Seu irmão também não
quer muito me atender. Vocês estão mesmo bem?
Santa hipocrisia, como se Evan Benson se importasse.
— Estamos ótimos. Maevis é incrível. Por que você não vai direto ao
ponto? O que tanto quer falar comigo? Se arrependeu de não ter feito o seu
papel de pai? Se separou daquela cobra e está querendo me dar a notícia em
primeira mão?
Ouço a sua respiração pesada logo que fica quase um minuto em
silêncio.
— Eu sempre fiz o meu papel de pai — mente na cara dura. Aperto a
ponta do nariz e libero uma risada. — Não adianta você querer dizer que
não, eu sei todos os meus esforços, eu sei das coisas que abdiquei e do
quanto tive que ralar para criar você e o seu irmão. Estou ligando porque
você desapareceu, não deu nenhum sinal de vida, fiquei preocupado e quis
checar se estava tudo em ordem. Mas é sempre assim, não importa o que eu
faça, não importa o quanto eu tente, não será suficiente para você parar de
ser tão grosseira comigo e com a Cora. Nós nunca fizemos nada de mal,
filha, juro que queria entender de onde vem essa sua revolta. Mesmo com
quase vinte anos nas costas, não amadureceu e ainda age como uma garota
pequena e mimada. Cora cuidou de nós, preencheu nossa família, deu amor
para você e Kellan e é assim que a trata? A mentira que contou naquele dia
não foi suficiente? O que mais vai me dizer agora, que ela tentou te mantar
sufocada enquanto você dormia?
É doloroso quando estranhos não acreditam em você, entretanto
quando seu próprio pai não acredita, não há palavras no mundo capazes de
descreverem o que se sente. É uma mistura de tristeza, angústia e revolta. É
uma mistura de querer gritar e querer chorar. Não que eu vá fazer nenhum
dos dois agora, contudo é o que eu gostaria. Anos se passaram e ele
continua o mesmo influenciável e sem opinião própria de sempre. Posso
dizer que está até mais grosso e com muito mais vontade de defender a sua
amada, não se importando se o que me diz me machuca ou não. Evan nem
ao menos para e escolhe as suas palavras, ele só as diz, porque tem a mais
absoluta das certezas que eu sou a vilã, a garota rebelde que ele não
conseguiu conter e que hoje o trata mal sem motivo.
— Foi você quem ligou para mim, então não reclame do que eu falo
ou deixo de falar. Tenho quase vinte anos nas costas e se hoje falo dessa
forma da Cora, é porque desde a minha infância fui abusada, maltratada e
tratada como lixo por aquela velha covarde e dissimulada. Não me importo
se não acredita, você nunca vai acreditar, nunca vai fazer o seu papel de pai,
porque não sabe o que é isso, mas aguente, pois vou falar cada mínima
coisa que ela fez comigo. Ela me chamava de vadiazinha. E sabe por que,
Evan? Porque eu me parecia com Cecilia e ela não conseguia suportar o
fato de que a presença da minha mãe sempre ficaria acesa naquela casa e na
sua memória. Ela me deixava sem comer, me amarrava na cadeira, me
chutava, me batia, muitas vezes me beliscava por baixo da mesa, quando
todos nós estávamos tomando café ou jantando em família, e me dizia
coisas horríveis sobre eu ser feia, sobre ninguém ser capaz de me amar. Ela
ria e se gabava de como estava fazendo com que você se distanciasse de
mim, alegando que, no tempo certo, só ela seria a única mulher em sua
vida. E olha, devo dar meus parabéns, Cora conseguiu. Você nunca, nunca,
conseguiu perceber nada. Na verdade, você percebia, você via meus
hematomas, eles eram visíveis e estavam por toda parte, mas você fechava
os olhos para poder continuar brincando de casinha.
— Mentira! Que Jesus te perdoe dessas suas falsas acusações. —
Aposto que está se benzendo uma hora dessa, porque veja só, ele se diz
religioso, frequentador da igreja, servo de Deus. Continuo olhando para o
céu, para as nuvens, para qualquer coisa bonita que apague essa conversa
feia e os sentimentos feios do passado que estão duelando com a minha
nova versão. Eu não vou chorar. Eu não vou dar o gostinho de mostrar
fraqueza, tão pouco vou mostrar que ainda tem efeitos sobre mim, porque
não tem. Meu pai morreu, ele morreu há muito tempo, esse que está falando
comigo eu nem sei quem é e nem quero saber. — Meu Deus, como você
pode brincar com assuntos tão sérios? Isso tudo é porque eu tive outra? Por
que me casei de novo? Um pai continua sendo um pai quando encontra
outra mulher. Eu teria tempo para as duas, mas você me queria só para
você.
— Já chega! Para! Para com essa baboseira! — falo mais alto do que
eu gostaria, perdendo um pouco do meu controle. — Será que você não
percebe que Cora inventou tudo isso para nos afastar? Para que você nunca
percebesse o mal que ela causou a mim? Esse papo de ciúmes é mentira, é
ridículo, foi o que ela conseguiu arrumar na época para te engabelar, para
fugir das acusações que eu fiz e você caiu, sem nem ao menos apurar a
verdade. Eu estava destruída, claramente sangrando em sua frente, só que
ao invés de ajudar, você acabou de me matar. Por sua culpa, eu cresci com
uma perspectiva de merda sobre a vida. Eu achei que não merecia amor, que
não era digna de viver, de respirar, de ser feliz. Eu achei, durante muito
tempo, que eu tinha vindo à Terra para sofrer, que essa era a minha missão,
por isso que passei tantos anos aguentando tudo calada. Você sabe o que é
uma garotinha pequena sonhar com a morte? Não, você não sabe, nunca
saberá o que é sofrimento. Mas eu sei. E se quer tanto saber da minha vida,
já que deve ter sido Cora que ficou insistindo para você ligar, porque ela é
uma fofoqueira miserável que adora se deliciar com o meu sofrimento,
fique sabendo e já avise a ela que nunca estive tão bem, tão realizada e tão
feliz. Eu estou cuidando das feridas que ela fez em minha mente, estou
rodeada de amigos, tenho um homem incrível que me ama, um que sequer
vocês vão conhecer e estou vendo de perto o sucesso que Kellan vai fazer
quando for um jogador profissional. E antes que vocês pensem que vão
mamar da fortuna e do império que nós dois vamos construir, já deixo bem
claro que não vão, porque estão mortos, tanto para mim, quanto para ele.
Acabou. Essa é a última vez que ouvirão a minha voz e saberão do meu
paradeiro — declaro muito segura e ainda com o queixo empinado. Eu não
abaixei a cabeça por nenhum segundo. Tanto metaforicamente, quanto
literalmente. — Decreto agora, Evan, que você e Cora ficarão no meu
passado. E pode avisar para a sua mulher, se ela chegar perto de mim ou do
meu irmão, tomarei medidas cabíveis e ainda irei aí na Pensilvânia fazer um
escândalo na vizinhança, expondo todo o horror que passei nessa casa. Ela
sabe muito bem que eu posso fazer isso e se quiser continuar com a vida e
com a fama de boazinha intacta, esqueça que eu existo e nem profira o meu
nome.
Ponho a mão no coração para o acalmar. Assim que meu pai está
prestes a retrucar, eu o corto pela última vez na minha vida.
— Adeus, Evan. Adeus, Cora. Vão se ferrar todos vocês.
Então desligo a ligação, sentindo a euforia correr pelas minhas veias.
Fico olhando para a tela do celular e começo a rir, do nada. Uma crise
de riso tão grande que tenho que me curvar, agora tocando a minha barriga,
que passa a doer. Puta merda, eu os mandei se ferrar, eu falei tudo o que
sempre quis falar e eu dei um basta no meu maior problema. Paro de rir e,
aos poucos, começo a chorar. É um choro silencioso e calmo, muito mais de
alívio do que de qualquer outra coisa. Óbvio que tem dor e tristeza, óbvio
que foi a coisa mais difícil que tive que fazer, só que eu fiz. Eu fiz. Eu fiz e
a sensação é maravilhosa. Libertadora. Parece que acabei de chutar para
longe as últimas grades que ainda queriam me manter presa. Parece que
estou vendo o sol, as minhas asas prontas para alçarem voo, querendo se
aventurarem sozinhas pela primeira vez.
A claridade que estou vendo é a luz no fim do túnel. Ela sempre
existiu. Ela sempre esteve aqui comigo. E agora eu estou perto, muito perto
de brilhar.
Se a Kayla do passado tivesse como me dar um abraço agora, sei que
faria, aquela garota está extremamente grata, eu sinto. E foi por ela que eu
aguentei firme até o fim e não desabei. Para poder lhe dar orgulho. Para
poder falar que conseguimos.
Saio correndo do quarto, descendo as escadas gritando o nome de
Kellan e Sebastian, os verdadeiros homens da minha vida.
Pulo o último degrau e me lanço em cima deles, que já estavam
esperando por mim.
— Eu consegui — digo, os abraçando forte. — Eu o enfrentei. Eu
realmente consegui.
Nenhum dos dois fala nada, não é o momento de falar, é o momento
de sentir. Sebastian me envolve ainda mais em seus braços e Kellan beija a
minha cabeça.
Dois embates em um dia só.
Mais cedo foi com Stacy, agora com o meu pai e, de certa forma, com
Cora.
Quando eu contar à doutora Ella, ela não poderá se conter de
felicidade.
Kayla dá um passo para trás, ainda sorrindo, e entrega o celular do
irmão a ele, que o pega e o guarda, ainda com um semblante um pouco
preocupado e com uma certa raiva. Do seu pai, claro. Enquanto a gente
estava aqui embaixo esperando, Kellan quase abriu um buraco no chão, de
tanto que andou de um lado para o outro em círculos, murmurando sobre
como faltou pouco para mandar todos eles ao inferno. Ele tentou protege-la,
ele disse “não” várias vezes, disse para seu pai, que agora sei se chamar
Evan, se afastar e deixar Kayla em paz, todos os dois, mas ele não o ouviu,
disse que não iria discutir com o filho por conta das coisas que Kayla dizia,
enchendo sua cabeça, e que queria porque queria falar com a garota. Sem
alternativa, Benson deixou que a irmã decidisse o que gostaria de fazer. Ele,
mesmo querendo protege-la a todo custo, sabia que não deveria ser ele a dar
o ponto final. Kayla tinha que fazer isso por ela mesma e ele precisava
confiar que tudo sairia bem.
Confesso que estava tão nervoso quanto, meu corpo todo estava
tremendo em aflição e a cena de ela em seu dormitório, chorando no chão e
em posição fetal, ficava como um looping em minha cabeça, rodando em um
espiral que me deixava tonto e com vontade de subir para o meu quarto e me
postar ao seu lado, para ampará-la caso precisasse de um abraço assim que
terminasse a ligação. Eu queria socorrê-la e não deixar que o seu pai
arruinasse todo o esforço e toda a luta que estava tendo para se manter de pé,
desde que decidiu enfrentar seus monstros do passado e cuidar de si. Eu
queria pegar aquele celular da sua mão e, sem me importar, gritar com o seu
pai, exigindo saber que tipo de homem ele era, que tipo de ser humano é
cúmplice de um abuso contra a sua própria filha. Sinceramente, eu queria
fazer com que ele pagasse cada dor que fez Kayla sentir ao longo desses
anos, queria ameaçá-lo, amedrontá-lo, para que nunca mais ousasse falar o
nome dela em voz alta, quem dirá ficar a importunando com ligações ou até
mesmo com a sua presença de bosta. No entanto, mesmo querendo muito
todas essas coisas, eu tive que me controlar, respirar fundo e confiar na
minha garota, porque é isso que ela precisava de mim e do seu irmão nesse
momento tão difícil. Confiança. Ela precisava que a gente a respeitasse, que a
gente acreditasse no seu poder e na sua força de sair firme de todas as
situações, até mesmo as que mais a destroem, deixando-a sozinha naquele
quarto.
Se Kayla Benson precisasse de qualquer um de nós, ela chamaria.
Mas ela não chamou. Ela se colocou no meio do furacão e disse: a mim
você não devasta.
E ele não a devastou, passou correndo com medo dela.
Essa pequena megera está destruindo com tudo agora. E de um jeito
bom. Muito bom.
— Minha nossa, eu estava morrendo de preocupação. Sobre o que
vocês conversaram? — Kellan não consegue não manter a pose de irmão
mais velho curioso. — O que ele queria? O que disse a ele?
— Eu disse a verdade. — Seus olhos se intercalam entre nós dois. —
Eu disse toda a verdade. E não chorei ou vacilei a voz em nenhum momento.
Eu falei tudo o que sofri nas mãos da Cora, do quanto cresci ferrada e do
quanto ele também tinha uma grande, grande parcela de culpa no estrago que
fez em minha mente e no meu coração. Óbvio que Evan jogou a culpa em
mim, tentou me fazer parecer louca e a sua esposa a salvadora das nossas
vidas, só que eu não recuei e falei tudo o que sempre esteve entalado em
minha garganta. Depois que eu descarreguei cada palavra com gosto, dei um
basta. Pode ter certeza que os dois vão ficar um tempão sem nos procurar. E
se eles tentarem de novo, eu os enxoto mais uma vez. Agora que consegui,
vou ser cada vez mais dura, do jeito que aqueles dois merecem. — Um peso
gigantesco parece lhe escapar quando inspira e depois solta o ar pela boca.
Lembro da nossa conversa à noite no campo de futebol e sei que está o
deixando ir. Sei que está se libertando. — E antes que me perguntem, eu
estou bem. De verdade. Doeu? Doeu muito, porém foi necessário. É o
encerramento de um capítulo e o começo de vários outros. Não preciso de
mais nada, só vocês comigo.
— Nós estamos com você, pequena.
Kellan se aproxima novamente para abraçá-la e eu faço o mesmo.
— Sempre estaremos.
— Então é tudo que me importa.
Olho para o meu amigo e companheiro de time.
— Já que estamos os três aqui dessa forma, como promessa é dívida,
estou querendo pedir a mão da sua irmã a você, Kellan.
— O quê? — Kayla quase grita, pega de surpresa. — Como assim,
Sebastian? E a nossa promessa de ir devagar?
— Desisti — respondo simplesmente. — Eu não quero mais saber de ir
devagar. Eu também não preciso mais de provas. Eu já tive todas elas. Você
vem me mostrando, dia após dia, o seu amor por mim e o seu amor por você
mesma. O que acabou de acontecer é a maior prova de todas. E eu te amo,
megera. Eu quero você hoje, amanhã, depois da manhã, daqui a um ano, dez,
vinte, trinta, o quanto nos for permitido. Eu quero você nessa vida, nas
próximas e para além do Universo. É você e sempre será. A gente se ama,
não se ama?
— É claro que a gente se ama.
— Então pronto. Seja minha oficialmente. Para que perder tempo? Nós
já perdemos tempo demais. Chegou o nosso momento. Esse é o nosso
momento.
Ela vem e pega em minhas mãos, os olhinhos cheios de lágrimas.
— Bem, acho que vou ter que deixar vocês a sós — Kellan informa,
pronto para girar nos calcanhares. — E sim, Sebastian, que ódio de mim por
dizer isso, mas você tem o meu apoio. Hoje eu percebo que a melhor opção
para a minha irmã sempre foi ter do lado dela alguém como você. Obrigado.
É tudo o que eu mais gostaria de ouvir na vida.
O agradeço de volta, sorrio, o assisto se virar e subir as escadas de dois
em dois. É só quando some do meu campo de visão que volto a olhá-la
dentro dos olhos. Dentro da sua alma. Justin Timberlake não errou, é
realmente como estar se olhando no espelho.
— Você tem certeza? — volta a perguntar. — Não me entenda mal, eu
estou a ponto de explodir de felicidade, é que... não quero te precipitar. Eu te
amo, você sabe disso, só não quero, nem por um segundo, que depois perceba
que tomou a decisão errada por conta do calor do momento. Sei que está feliz
e orgulhoso pelo que fiz, mas é mesmo o que quer agora?
— Não é o que eu quero agora, Kayla Benson, é o que eu quero desde
que te vi nas arquibancadas. Nós dois me parece certo em qualquer
circunstância. — A puxo para mim, do jeito que sempre amo fazer,
enlaçando sua cintura e prendendo seu queixo com meus dedos em formato
de pinça. — Você quer ser a minha namorada ou não? Eu te amo, inferno!
Você é a garota dos meus sonhos. Da minha vida. É o ar que eu respiro. Nada
faria sentido se eu não tivesse você. E droga, é claro que eu tenho certeza.
Você perguntar uma coisa dessas me ofende, sabia?
Ela solta uma risadinha envergonhada.
— Não precisa ficar nervoso.
— Eu não estou nervoso — digo eu, obviamente, nervoso.
— Está um pouquinho.
— Tá. Um pouco. Mas é que estou te pedindo em namoro e você ainda
não me deu uma resposta.
Ela se põe na ponta dos pés, entrelaça os pulsos ao redor do meu
pescoço e encosta nossas cabeças. Kayla fecha os olhos e sussurra:
— Achei que estivesse óbvio. É claro que eu quero ser a sua namorada.
Você precisar que eu ainda te dê uma resposta me ofende, sabia?
— Foi só para garantir. — Dou de ombros e beijo seus lábios uma,
duas, três vezes. — E que o jogo comece de novo, linda.
— Sim. E que ele nunca tenha fim.
Volta a me beijar, emaranhando seus dedos por entre os fios do meu
cabelo.
— Ei, namorado — me chama assim que interrompe nosso beijo, os
lábios vermelhos e inchados por conta da pressão dos meus, se erguendo em
um sorriso que me deixa desconfiado. — Acabei de ter uma ideia incrível.
— Ah, é? Me conte então, namorada, quero saber.
— Avisa à Elsa, Waylen, Lionel, Maddox, Justin e até mesmo Kellan,
que está lá em cima, que quero todos eles hoje à noite, lá no Lost Paradise.
Quero todo mundo comemorando esse dia maravilhoso com a gente.
Sorrio, porque adorei a ideia e sou capaz de fazer tudo o que ela quer.
— É pra já! Manda quem pode e obedece quem tem juízo. — Pisco.

No fundo do bar, estamos eu, Kayla e todos os nossos amigos, sentados


em uma daquelas mesas que abriga um grande e espaçoso estofado circular
da cor azul bebê, que por sorte, consegue suportar muito bem cada um de
nós. Eles estão radiantes porque finalmente oficializamos a nossa volta. Já
nos parabenizaram, já nos abraçaram, já cantaram, já gritaram, já fizeram
com que dançássemos na pista de dança e agora já estão, se não me falha a
memória, abrindo o terceiro champagne desde que chegamos aqui. Segundo
Justin, que é o que está comprando os mais caros, como o riquinho do bem
que é, temos que brindar e curtir como se não houvesse amanhã. E olha que
ele nem de beber gosta.
Segundo suas palavras quando questionado, é por uma boa causa.
Com a mão repousada na coxa de Kayla, pego a minha taça e levo o
líquido borbulhante aos lábios, vendo que ela faz o mesmo. Está
impecavelmente linda, com suas tranças soltas, batom vermelho e vestidinho
justo de ombro a ombro. Seu colo está bem exposto, sua pele cor de oliva
brilhando e daqui de onde estou, consigo ver com excelência o quanto seus
seios fartos estão amontoados um no outro por conta do decote. Santa Mãe de
Deus, essa mulher é um pecado e acho que nunca vou me acostumar com a
sua beleza exorbitante.
Não é por nada não, mas que mulher eu tenho ao meu lado, viu.
Sou a porra de um sortudo.
Com esse pensamento, aproveitando que não tem ninguém prestando
atenção na gente, beijo a sua bochecha, fazendo-a se virar para mim com um
grande sorriso no rosto.
— Garoto, você sempre me pega de surpresa.
— Você está ao meu lado, gata desse jeito, não consigo me segurar.
Ela faz um biquinho tão fofo, que a minha vontade é beijá-la até cansar,
porém é óbvio que nos interrompem antes mesmo que eu possa tentar. Nós
dois viramos para a frente, Lionel querendo falar algo.
— Sebastian, meu caro amigo Sebastian, estou curioso sobre uma
coisa. Você já fez as pazes com o nosso recém-chegado Waylen Pratt?
Risadas explodem na mesa, incluindo do próprio Waylen. É claro que
Lionel seria o primeiro a brincar com isso, ele não foi capaz de esquecer o
meu ataque de fúria da outra vez que estivemos aqui, quando eu achava que o
loiro queria roubar a Kayla de mim. Lionel Prince, pode se fazer de
desligado, entretanto ele é muito esperto quando quer, é sempre o primeiro a
perceber as coisas ao seu redor e foi ele o único a saber que eu não estava
muito bem-humorado para o lado de Waylen naquela noite. Sempre fico
morto de vergonha ao lembrar.
— Elsa, Kayla, as raposas sabem mesmo o meu nome. — É a única
coisa que consegue prestar atenção. Mais risadas. — E sim, Sebastian já me
pediu desculpas, só que eu não me importo, eu adoro esse pequeno conflito
que tivemos. Toda vez que lembro que o quarterback do Maevis Fox se
sentiu ameaçado por mim, por mim, um pobre coitado, meu ego vai de 0 a
100 muito rápido.
É a minha vez de rir.
Esse garoto é mesmo uma figura, agora percebo o que a Kayla sempre
vem me dizendo. Waylen é divertido, engraçado e carismático. Segundo a
minha namorada, ele nos adora, adora o time de futebol americano e, por
sempre ter sido tratado como loser a sua vida toda, fica todo deslumbrado por
estar sendo inserido, mesmo que aos poucos, no grupo dos populares. Por
isso que acabou de soltar, todo ainda sem acreditar, que as raposas sabem
mesmo o seu nome. Ele achou que isso nunca fosse acontecer em sua vida.
Por isso que veio hoje, dizendo que ia aproveitar cada segundo. Disse que ia
até tirar foto para registrar, porque segundo ele, na hora em que for contar
que é nosso amigo, ninguém vai acreditar e ele vai adorar poder provar com
ótimas imagens.
— Acho que eu nem posso te desmentir agora, Pratt — falo. — Eu
realmente fiquei com ciúmes. Mas você estava de complô com a dona Kayla
para me atingir, eu estava no meu direito de ficar com raiva.
— Eu só estava ajudando a minha amiga — declaro sonsamente. É,
ainda o acho sonso, porém um sonso legal. — E deu certo, veja só vocês,
namorando. — Ele finca os cotovelos na mesa e entrelaça as mãos abaixo do
queixo, olhando para nós com os cílios piscando. Se estivéssemos em um
desenho animado agora, corações estariam saltando de seus olhos.
— Siiiiiim! — Elsa completa após seu amigo falar, também partilhando
da mesma felicidade e emoção que ele. — Kay-Kay e Sebastian finalmente
estão juntos. Eu sempre soube que esse momento chegaria e eu falei a ela
várias e várias vezes para manter a calma, porque no fim, tudo o que é seu
encontrará uma maneira de chegar até você, não importa o tempo que leve
para acontecer.
— Você tem razão. — Passo o meu braço pelos ombros de Kayla, a
abraçando e ela encosta a cabeça em meu braço. — Obrigada pela ajuda que
nos deu, cupido.
— Não tem de quê, cunhadinho. Eu posso te chamar assim, não posso?
— Claro que pode — é Kayla que responde por mim. — Você é a
minha irmã, Frozen. Na verdade, todos vocês fazem parte da minha família
agora. — Como se quisesse dar um discurso e parecer séria, ela se desencosta
de mim, apruma os ombros e olha com carinho para cada pessoa aqui
presente. — Foi por isso que chamei vocês aqui, para agradecer tudo o que
fizeram por mim. Obrigada por terem me acolhido, por terem acreditado em
mim quando nem eu mesma acreditava e, acima de tudo, obrigada por terem
me perdoado e me aceitado de volta. Hoje eu passei por um momento muito
difícil, um momento que me fez perceber o quanto estou forte e o quanto
quero focar no que verdadeiramente importa, que são as pessoas que eu amo
e que me amam sem cobrar nada em troca. Foi hoje que percebi o quanto
estou disposta a me divertir e a viver de verdade. Espero que permaneçam
comigo, em cada fase dessa minha nova vida e dessa nova Kayla, que vai
ganhando cada vez mais espaço em mim, porque eu não vou abandonar vocês
nunca. Elsa, Waylen, minhas queridas raposas, nós podemos não ter nenhum
tipo de laço sanguíneo, mas são vocês que correm por minhas veias. — Então
olha para mim e já sei que vai me fazer chorar. — E você, Sebastian,
obrigada por não ter desistido de mim. De nós. Obrigada por dividir seus dias
comigo, por ser meu namorado e meu eterno primeiro melhor amigo. É,
desculpa aí, Waylen. — A gente ri e o loiro diz que está tudo bem, corações
ainda em seus olhos. — Você é a estrela mais brilhante do meu céu. Para
sempre.
— Por favor, não se beijem — Kellan suplica, ao lado de Elsa. — É
sério, eu não quero ver.
— Deixa de bobagem — a garota ao seu lado o repreende, depois se
volta para nós. — Se beijem, por favor, tá todo mundo aqui implorando.
— Sim, sim, sim — Justin concorda, erguendo a sua taça. — Vocês se
beijam e a gente tira foto. Vai Daniel, aponta a câmera do seu celular.
— Eu?! — Maddox afunda o indicador em seu peito, depois bufa. — É
claro que ia sobrar pra mim. Que vergonha, está todo mundo olhando. —
Mesmo reclamando e sendo um grande bad boy emburrado, por puro
fingimento para manter a sua pose, óbvio, ele tira seu celular do bolso e o
centraliza em uma boa posição. — Se beijem logo. Vamos acabar logo com
isso.
Com todos os nossos amigos a espera, a gente se beija, bem no
segundo em que o flash de Maddox nos atinge.
Escuto mais champagne abrindo e eles gritando, comemorando e
fazendo um brinde a nós.
Sim, definitivamente eu sou o cara mais sortudo do mundo.
JORNAL DA MAEVIS UNIVERSITY
Saudações, queridos alunos e professores da MU! Stacy Cameron
passando aqui no Intrigue com mais uma fofoca fresquinha para vocês. Se
lembram do último bafafá envolvendo nosso quarterback favorito,
Sebastian Skalbeck, e a irmã de Kellan Benson, a Little Benson? Pois então,
há algum tempo, fontes me relataram que os dois estavam sendo vistos
juntos normalmente pelo campus, depois de meses separados. Ninguém
sabia dizer em que pé estava a relação deles, era óbvio que haviam se
perdoado, mas teriam eles reatado o romance ou estavam, quem sabe, com
uma possível amizade? Bem, independentemente de qual tenha sido a
dúvida de vocês, eu a respondo agora. Sebastian Skalbeck e Kayla Benson
estão oficialmente namorando. Sim, namorando! Leitores que estavam no
Lost Paradise na semana retrasada, me contaram que eles foram flagrados
cheios de grude, pegação e muita comemoração ao lado de seus amigos no
bar que vem dando o que falar entre os universitários de Maevis.
Até que fazem um casal bonito, não fazem?
Eu sei, eu sei, eu não esqueci o lance da aposta, achei extremamente
errado e fiz o que achei certo na época, contudo, se o nosso capitão
escolheu perdoá-la, quem somos nós para não fazê-lo? No fim, a verdade é
só uma, Kayla errou e, provavelmente, se apaixonou no meio do caminho.
Mas também, quem não se apaixonaria pelo rei das raposas se tivesse a
oportunidade? Não podemos julgá-la. O que podemos fazer é torcer para
que os pombinhos sejam felizes e que não haja mais corações partidos
nessa história.
E com isso, eu digo a vocês, façam como Kayla e Sebastian,
pratiquem mais o perdão. Não teremos veneno hoje, apenas essa lição.
Stacy Cameron não tem que ser uma vaca o tempo todo, não é? Embora ela
adore ser uma.
Amplio a foto do jornal que Elsa me mandou e fico lendo e relendo o
que Stacy Cameron escreveu, uma porção de vezes. Como assim ela foi
minimamente respeitosa e não soltou nenhum tipo de veneno? Como assim
ela declarou apoio a mim e a Sebastian publicamente? E, como se não fosse
forte o suficiente, ainda meio que deixou implícito para que seus seguidores,
aqueles que estavam me odiando, fizessem o mesmo?
Ok, eu estou em choque, por essa eu definitivamente não esperava.
Algo em mim me faz pensar que ela se sentiu em dívida comigo após
eu ter lhe entregado o número da minha terapeuta. Algo em mim me faz
pensar, por um segundo, que está tentando se redimir do seu jeito. Que, do
mesmo jeito que usou da sua coluna de fofocas para me atingir, está a
usando para me parabenizar e falar de perdão. O final do jornal não pode ter
sido coincidência. Ela quis me mostrar que eu a ajudei em algo, nem que
tenha sido só lhe perguntar como estava.
Tenho certeza que não estou delirando.
Mesmo em choque, já que eu não estava esperando nada em troca, até
porque jamais imaginei que Stacy Cameron fosse sair do seu pedestal de
garota má, ainda mais me favorecendo em algo, estou feliz pelo que acabei
de ler. Pode significar que talvez, só talvez, a garota tenha salvação. Isso já é
bastante coisa.
Até porque ninguém é 100% ruim, não é mesmo?
Deixo meu celular de lado e encaro o quarto antigo de Sebastian. Sim,
foi isso mesmo que eu disse, quarto antigo. Três dias depois de ele ter me
pedido em namoro oficialmente, resolveu contar para os seus pais, Tessa e
August, sobre nós. O casal ficou tão feliz, mas tão feliz, que comprou
passagens para que nós pudéssemos visitá-los nesse final de semana. E eles
compraram para Bryan também, que veio do Michigan diretamente para o
Kansas, só para não perder a oportunidade de ficarmos todos nós reunidos
pela primeira vez.
Quando eu cheguei, eu estava morrendo de vergonha, também com
medo de que os pais de Sebastian não fossem gostar de mim, mas minha
nossa, todos os dois me trataram super bem desde o primeiro momento. Eles
são uns amores, exatamente como seus filhos, o que explica a excelente
criação que tiveram. Tessa é alta, bonita, tem cabelo castanho na altura dos
ombros, olhos da mesma cor e uma doçura impressionante, que parece a
mesma que o seu filho mais novo carrega em suas írises. Agora August é,
basicamente, Sebastian e Bryan numa versão mais velha. Os três juntos
parecem trigêmeos.
Certeza que o pai deles, na adolescência, foi um atleta muito popular e
cobiçado. Ele tem muita cara de que era um galã nos anos 80/90.
Faz mais ou menos uma hora que chegamos e subimos para o quarto
de hóspedes, para guardarmos nossas coisas, tem uns dez minutos. Bryan
também está no seu quarto, desfazendo suas malas. Assim que me viu, ele
me abraçou e falou desenfreadamente sobre como tinha me entendido na
pista de dança, na vez que teve em Maevis, e que tinha falado para o irmão
que havia algo mais profundo na nossa história. Confesso que fiquei um
pouco perdida no que ele estava falando, porém no fim, quando me abraçou
novamente e disse que estava feliz por eu ter voltado e voltado com tudo,
agora até para conhecer seus pais, me senti verdadeiramente em paz. Eu não
tinha mais nenhum assunto pendente, tudo já estava resolvido, o que me
deixava nas nuvens.
Quer dizer, eu tinha um único assunto pendente. A demora de
Sebastian tomando banho em sua suíte.
Céus, eu precisava tomar um banho também, nós iríamos jantar daqui
a pouco.
Sem me importar em bater, eu abro a porta e entro no banheiro, sua
figura pelada sendo coberta pela névoa do chuveiro quente. O vidro do box
está embaçado, entretanto consigo ver, pelo menos um pouco, o vislumbre
da sua bela bunda. O ambiente quente parece tão erótico, me faz morder
meu lábio inferior e apertar as minhas coxas.
Seja qual for a sua ideia depravada, Kayla, a esqueça imediatamente,
você está na casa dos pais dele, tenha modos!
Balanço a minha cabeça, tentando colocá-la no lugar e limpo a minha
garganta para ser ouvida. Sebastian se assusta, porém fecha o chuveiro e se
vira para ver o que está acontecendo, abrindo uma fresta entre o vidro para
poder me olhar de cima à baixo e de baixo até em cima. Não demora mais
do que três segundos para que um sorriso cafajeste apareça em sua boca,
como se tivesse entendido tudo.
— No banheiro do meu antigo quarto, na casa dos meus pais? É, me
parece divertido. Perigoso, mas excitante.
Reviro os olhos e cruzo os braços, só para que não veja os meus
mamilos despontando através da minha blusa.
— Eu não vim atrás de sexo, vim pedir pra que se apresse, eu também
quero tomar banho.
— Isso não é um problema, baby. Eu tomo banho com você.
— Não, obrigada, eu sei das suas intenções.
Que, por sinal, são iguais às minhas.
— Entra logo aqui dentro, Kayla Marie Benson.
Inferno, eu não resisto a esse homem, não com essa voz rouca dizendo
meu nome completo.
Tiro a minha blusa, minha calça e me livro da minha calcinha como
num passe de mágica. Escorrego para dentro do box e quando ele avança,
fazendo minhas costas se colidirem contra o azulejo, coloco minha palma
em seu peito para contê-lo.
— É só banho, Sebastian, para andar mais rápido. Não vai ter nada
além disso.
— Aham, claro, é só banho. — Ignora completamente o meu pedido,
cobrindo a minha boca com a sua e sugando a minha língua de uma forma
tão forte, que me faz gemer e amolecer em seus braços. — Você não me
engana, pequena megera. Eu sei exatamente quando você está sentindo
fome de mim.
— Seus pais estão lá embaixo — murmuro assim que coloco a cabeça
na curvatura do seu ombro. — Não podemos.
— É só você ficar quietinha, ser uma boa garota e gemer meu nome
bem baixinho.
Me fazendo soltar um “oh” de surpresa, ele me pega no colo e
pressiona todo o meu corpo contra a parede do chuveiro, meus braços e
minhas pernas o envolvem e se seguram firme para o que está por vir. É
claro que eu deixo que ele faça comigo o que quiser, não consigo refrear o
meu desejo, a minha vontade de sempre ter tudo dele. Eu nem ao menos sei
se algum dia vou ter o suficiente de Sebastian Skalbeck.
— Escuta. — Chupo a pele do seu pescoço, lambendo até mesmo a
umidade da água. — Eu nunca fiz sem camisinha. Tipo, nunca mesmo.
— Eu também não. Bem, é meio idiota falar isso, sendo que eu só
transei com uma única pessoa em toda a minha vida e foi você. Mas se você
quiser parar, a gente para.
— Não, não é isso. O que eu estou querendo dizer é que estou limpa,
não tenho nada, já fiz exames. E, de qualquer forma, eu tomo remédio desde
a minha primeira relação.
— Certo. — Sebastian pressiona meu bico e eu gemo. — Mas é só
essa vez, tá? Melhor não arriscar. Você não quer um mini Sebastian ou uma
mini Kayla agora, quer?
— Não. Só depois.
Sua risada soa baixinha perto do meu ouvido, porém, logo que estou
prestes a sorrir junto, ele liga o chuveiro, deixa a água cair em cima de nós e
alinha seu pau na minha entrada, me fazendo arfar em antecipação. Essa é
sempre a melhor sensação do mundo. Tê-lo dentro de mim é, sinceramente,
perfeito, só que as vezes que antecedem esse momento me levam ao céu,
pois sei que serei preenchida de todas as formas possíveis. E agora que não
teremos nada entre nós, apenas pele com pele, sei que irei do céu ao inferno
em questão de segundos. Contudo, irei amar cada segundo.
Compartilho um gemido com Sebastian quando ele fica totalmente
encaixado, meus músculos internos se alargando para acomodarem toda a
sua extensão grande e grossa.
— Puta merda — rosna. — Sua boceta está me esmagando. Que
delícia.
Com o peito subindo e descendo, eu ainda encontro forças dentro de
mim para provocá-lo.
— Fala baixo ou seremos pegos.
Ele rosna mais uma vez, entretanto não fala nada, porque começa a
estocar para dentro de mim, minhas costas arranhando no azulejo toda vez
que, juntos, nos movimentamos. Meus seios se esfregam contra seu peito
enquanto meu clitóris se aperta e se esfrega no seu sexo para cima e para
baixo.
— Você vem sendo uma garota muito má, sabia? — Captura minha
boca novamente, em um beijo que sai totalmente desencaixado. — Está
pedindo por isso há tempos. Malcriada e gostosa do caralho.
Nós encontramos um ritmo, que vai de lento a rápido, depois de
rápido a lento, meu canal o recebe com tanto reconhecimento, que ele entra
e sai com facilidade, deslizando e arremetendo fundo contra a minha vagina.
Tombo a cabeça para trás, Sebastian lambe toda a extensão da minha
garganta, o chuveiro ainda descarregando tudo em nós e eu sinto como se
estivéssemos presos em uma bolha. Nossa bolha. É carnal e com tanto amor
que não consigo pensar em nada, apenas nesse momento. A névoa que roda
por esse banheiro parece a névoa presa em minha própria mente.
Então ele empurra seu traseiro, quase saindo de mim completamente,
só para avançar depois com mais força, atingindo um novo ponto dentro de
mim. Engulo os gemidos, finco as minhas unhas em suas costas musculosas
e não tenho um pingo de dó por estar deixando marcas. Ele é meu e eu
posso o marcar como quero, onde quero e na hora que quero.
Eu pulo contra seu pau, cavalgando, o engolindo completamente e a
boca do meu estômago começa a formigar. Eu o quero mais, muito mais,
mas meu corpo já está dando sinais de que não vai aguentar muito tempo.
Ele está entorpecido de prazer. O nó está crescendo, crescendo e uma hora
vai explodir.
— Vem para mim, megera, vem.
— Estou quase. — Aperto as minhas pernas entorno do seu quadril,
minha mão prestes a puxar os fios do seu cabelo. Sinto que ele treme, xinga,
também prestes a perder a sua sanidade. — Oh, céus, quase, quase lá.
Choramingo quando, moendo contra mim, Sebastian crava os dentes
em meu ombro. Eu busco seus lábios novamente, não me importando com
as gotas de água que caem, e mordisco seu lábio inferior ao me afastar,
gritando assim que meu clímax chega e faz tudo dentro de mim explodir.
Ele não quer saber, continua bombeando em mim, chamando meu nome,
maltratando minha boceta com as suas estocadas. Então urra, o prazer lhe
consumindo de dentro para fora, até que sai de dentro de mim, me põe no
chão e começa a jorrar seu líquido em minha barriga.
Eu não consigo me desencostar da parede, sinto que se eu der um
passo, minhas pernas irão ceder e me levar ao chão.
Não consigo respirar.
Está tudo muito quente e Sebastian me olha dos pés à cabeça, vendo a
água sumir com o que acabou de jogar em mim.
Mesmo cansada e ofegante, eu ando e fico na ponta dos pés, o
beijando. É um beijo calmo dessa vez. Sereno. Carinhoso. Totalmente
diferente do que acabamos de fazer, mas que representa o que somos, um
misto de selvageria e ternura. Como bons amantes e bons amigos.
Somos imperfeitos, no entanto somos perfeitos em sermos nós. E que
bom que eu o tenho.
Para sempre.
CINCOANOSDEPOIS
Como você se vê daqui a cinco, dez anos?
Mesmo depois de tanto tempo, eu ainda me lembro dessa pergunta que
Ella Pratt me fez em uma das nossas consultas da época.
Antes de eu começar a responder, gostaria de resumir o que aconteceu
nos últimos anos. Eu continuei na terapia, obviamente, me amando e me
recuperando tanto do meu passado que, dois anos depois de começar, eu tive
alta, pois já estava mais do que pronta e preparada para seguir meu caminho
sozinha. Doutora Ella, junto de Waylen e Elsa, me prepararam uma festa de
despedida. Foi linda e emocionante, me fez chorar em tantos níveis que eu
achei que eu nunca mais fosse parar. Aquela clínica e aquela mulher mudaram
a minha vida e se transformaram numa parte de mim, estar indo embora me
deixava um pouco triste, mesmo que eu estivesse com aquela sensação de
dever cumprido no peito, cheia de alívio e gratidão. Cada pessoa daquele
lugar, desde a recepcionista até os profissionais e até mesmo a máquina de café
que nunca trocaram, fizeram meu mundo ainda mais colorido junto comigo,
era como se eles me mostrassem as cores certas enquanto eu o pintava,
pincelada por pincelada, desenho por desenho.
E mesmo eu indo embora, sabia que eu não poderia esquecê-los, então
sempre fiz questão de manter contato. Quando eu podia, os visitava e deixava
presentes para a doutora Ella como forma de agradecimento. Até mesmo hoje,
depois de passados três anos, eu faço a mesma coisa e não tenho nenhum
interesse de parar.
Ah, e eu me formei na Maevis University. Tenho o meu tão sonhado
diploma em Literatura.
Cora e Evan tentaram entrar em contato comigo nos últimos anos e dessa
vez pessoalmente, mas como eu prometi uma vez, os enxotei ainda mais para
longe, com a ajuda da polícia. Agora eu tenho uma medida protetiva contra
eles, que os impede de se aproximarem de mim.
No entanto é o seguinte, eles definitivamente já não importavam mais
na minha vida.
Quem importa de verdade continua aqui, como Elsa e Waylen, meus
melhores amigos do mundo todinho. Nossa amizade só se fortificou com o
tempo. Uma é o meu raio de sol e o outro é a minha caixinha de segredos.
Juntos somos inseparáveis. O famoso trio que todo mundo sonha em ter.
E não, eu não esqueci de Kellan, Lionel, Justin e Daniel Maddox, ainda
somos uma família, porém eles passam muito tempo ocupados com suas vidas
de estrelas.
Até porque eles não são mais raposas, são astros da NFL, mas bem, eu
não posso me aprofundar muito na história deles, acho que cada um vai ter a
chance de contar a sua própria algum dia e eu estarei aqui na torcida.
E olha que loucura, nunca pensei que eu fosse dizer isso, porém aquela
minha história sobre Katherine Barnes e Sage Salazar, que deveria ser só um
pequeno trabalho de conto para matéria de Produção Textual, virou um livro
que se tornou um best seller do New York Times. Óbvio que eu não tinha a
intenção de publicá-lo, entretanto eu tirei nota máxima e Sebastian ficou
insistindo para que eu o deixasse ler. Quando me venceu pelo cansaço e eu lhe
entreguei o manuscrito, Sebastian o terminou em dois dias, dizendo que estava
apaixonado pelo casal, como um dia ficou pela Lara Jean e pelo Peter
Kavinsky. Não preciso nem dizer o quanto ele falou que eu precisava expor a
história para o mundo, não é mesmo? Porque ele fez isso durante semanas,
meses, até que eu comecei a perceber que eu realmente sentia algo a mais com
aquela história, até porque ela era muito pessoal e íntima minha, então
comecei a escrever mais capítulos, desenvolvendo coisas que eu não tinha
conseguido na primeira versão. Fiz alguns ajustes, adicionei mais personagens,
mais enredo e, assim que terminei, me dei conta de que estava amando dar
vida às histórias que vinham surgindo em minha cabeça. Era uma enxurrada de
sentimentos e descobertas, mais uma camada minha até então desconhecida e
que eu tive acesso durante aquele período de construção.
Eu trabalhei muito em Katherine e Sage, eu estudei muito, passava horas
na frente do computador montando estratégias e planejando como eu poderia
mandar meus livros para as editoras. Até que um dia eu deixei de temer e o
enviei para várias. Tive algumas respostas e me arrisquei naquela que me
parecia a melhor opção.
Em pouco tempo, “Que o Jogo Comece” estava na lista dos livros mais
vendidos. E agora eu estou, muito surpreendentemente, com uma legião de
leitores que me acompanham nas redes sociais e não perdem um lançamento
meu. Eles me mandaram tantas mensagens sobre como queriam que o livro
virasse uma série, para que fosse contada a história dos amigos dos
protagonistas, que não tive como não acatar aos seus pedidos. Como diz o
ditado, a voz do povo é a voz de Deus, e é por isso que já estou no meu
terceiro livro desse universo.
E o que Sebastian fez esse tempo todo?
Aposto que essa é uma ótima pergunta a se fazer agora.
Sebastian Skalbeck, como seus melhores amigos, também está em um
grande time de futebol americano, o Carolina Panthers. Ele é o quarterback
em ascensão, vive nas manchetes e nas capas de revista. E não, não há
polêmicas com o seu nome, na verdade, a mídia sempre o exalta como o
queridinho da nação. Os jogadores que são descompromissados, que não
querem nada e vivem em farra e em polêmicas, toda vez que sobem em
manchetes, falam que eles deveriam seguir o exemplo de Sebastian. Acho que,
se meu noivo não fosse um cara incrível e apaixonante, todos os jogadores do
mundo o detestariam. Contudo, não é isso que acontece. Ele é adorado e
respeitado por todos, como no tempo da faculdade, nada mudou nesse quesito.
E sobre o nosso relacionamento, a mídia sabe que estamos juntos há
anos, mas eles cansaram de se intrometer, sabem que somos reservados e não
vamos nos expor. Nós amamos quem nos acompanha e torce por nós, tanto
separadamente quanto como casal e é por isso que, de vez em quando, muito
raramente, postamos fotos nossas, com legendas que contenham declarações,
nas nossas redes sociais, para que saibam que estamos juntos e que
permaneceremos assim para todo o sempre. O post mais recente que fizemos
foi quando ele me pediu em casamento no último Super Bowl, depois de um
jogo em que eles saíram campeões. Eu fui comemorar no meio do campo e,
em meio às estrelas, mesmo que de outra cidade, ele se ajoelhou e tirou uma
caixinha de veludo do bolso do seu uniforme.
Os fotógrafos tiraram uma foto e nós compartilhamos a notícia ao
mundo.
Muitas mulheres dizem que ficaram surpresas com seus pedidos de
casamento, eu não fiquei, sendo bem sincera. Eu já sabia que isso iria
acontecer. Desde que nos encontramos, desde que voltamos a namorar, nós
sabíamos que esse seria o nosso futuro, porque nada seria capaz de nos separar.
Nós viveríamos uma vida inteira juntos e é isso que estamos fazendo, bem,
desde sempre. Nós ainda não nos casamos, também não temos nada planejado,
porém moramos juntos desde que saímos da faculdade com ele draftado.
No começo foi em um apartamento pequeno, mas agora, depois da nossa
incrível conta bancária, temos a nossa própria mansão na Carolina do Norte.
A mesma mansão que, um dia, Sebastian me prometeu.
— “Você vai ser minha. Pode ser daqui a dias, semanas, meses ou anos,
mas você vai ser. Vai ser minha porque esse se tornou o meu maior jogo e eu
vou até o fim para conseguir a vitória. E aí eu vou te dar meu sobrenome, você
vai me dar um time de futebol inteirinho de filhos e juntos nós vamos ter uma
casa enorme com piscina, biblioteca, um campo e uma pista de corrida
inteirinha só sua. Você vai admirar o sol nascer enquanto corre e eu prometo
que te admiro da janela todas as manhãs. De uma forma muito maior, claro. A
beleza do sol é pequena se comparada com a beleza desse seu rosto.”
Ainda estamos em processo de concretizar o sobrenome e o time de
futebol inteiro de filhos, mas juntos nós temos uma casa com piscina,
biblioteca, um campo e uma pista de corrida só minha. E sim, ele me assiste
correr todas as manhãs da janela do nosso quarto. A gente sempre acaba
fazendo amor depois.
E esse é o jeito que eu me encontro cinco anos depois.
Na minha casa. Na nossa sala, com o meu noivo ao meu lado, enquanto
assistimos uma partida de hóquei na tevê.
Mexo no diamante do meu anel e o vejo se remexer, emburrado.
— Não consigo acreditar que você está me fazendo assistir esses caras e
esse esporte — resmunga como um senhor chato e eu rio, virando sobre os
ombros para encará-lo. A propósito, continua lindo como a porcaria de um
deus, se não ainda mais lindo do que no tempo da faculdade. Está mais velho,
mais másculo, com seus 26 anos de idade, quase 27, e até deixou a barba
crescer, coisa que não fazia antes. Ele também fez uma tatuagem no braço. São
constelações. Constelações de como estava o céu na noite em que invadimos o
estádio do Maevis Fox pela primeira vez. Eu a adoro. É a coisa mais linda de
todas. Amo desenhá-la toda noite com as pontas dos meus dedos, antes de
dormir. — Seu marido é jogador de futebol americano, você deveria respeitar a
minha profissão. Esse negócio de ficar patinando no gelo não me parece legal.
Sim, marido, ele adora dizer que já somos casados. Porque bem, essa é a
nossa vida há muito tempo.
Sacudo os ombros para cima e faço cara de desdém.
— Ah, é? Pois eu acho ótimo. Acho incrível. Se brincar, é o meu esporte
favorito do mundo. Os homens ficam lindos patinando.
Ele me olha ofendidíssimo.
— Você não pode estar falando sério.
— Mas eu estou.
— Kayla, Kayla, essas coisas dão divórcio...
Não me aguento, tombo a cabeça para trás e rio.
— É brincadeira, amor, meu Deus. Você nunca vai gostar deles? Nem
mesmo depois de ler Off Campus?
— Por acaso algum desses aí na televisão é o John Logan?
Fico embasbacada.
— Você deveria preferir o Garrett, sabia?
— De jeito nenhum. Logan e Grace são superiores.
— Só se for na sua cabeça.
— Bem, na minha cabeça, “eu e você” não tem para ninguém.
Quando eu menos espero, está me deitando no sofá, ficando em cima de
mim.
— Nisso você tem razão, lindo, eu e você somos melhores do que
qualquer casal já criado.
Beija minha testa, meu nariz, depois minha boca.
— Nós somos épicos. E eu amo você, minha esposa.
— Eu também amo você, meu esposo. Eu não mudaria nada na nossa
história.
— E eu não mudaria nada nela. Nem mesmo uma vírgula.
Porque se antes éramos fortes, hoje somos imbatíveis. O tempo só nos
aperfeiçoou.
Obrigada Deus. Universo. Estrelas. Vocês me deram muito mais do que
eu merecia. E eu definitivamente não mudaria nada na minha história.
E como você se vê daqui a cinco, dez anos?
Ah, eu me vejo vivendo.

FIM
Colocar aquelas três letrinhas indicando o fim de Kayla Benson e
Sebastian Skalbeck foi bem difícil. E por vários motivos. É difícil escrever
um casal cheio de camadas, que requer cuidado, que requer atenção, que
requer estudo e também que requer muito de mim e do meu tempo. Eles me
sugaram, todos esses personagens desse universo e eu fiquei muito tempo
presa com eles, abdiquei até de várias coisas da minha rotina e do meu dia a
dia, querendo dar o meu melhor tanto para vocês, que estão lendo, quanto
para eles, que mereciam o melhor final possível. Tive vários imprevistos,
tive que adiar o lançamento, tive que me virar nos trinta, mesmo com
contratempos e tudo parecendo querer dar errado, mas não pensei em
desistir em nenhum momento, porque eles ficavam na minha cabeça,
“vamos, Luana, você consegue, você é capaz, segura na nossa mão que a
gente segura na sua”.
E aí, com muito empenho, dedicação, suor e lágrimas, o final chegou
e também foi difícil. Dizer adeus é sempre muito difícil, eles se tornam
parte da gente e saber que essa aventura com o quarterback e sua megera
chegou ao fim, me deixa um pouco vazia. Porém, como a Kayla disse sobre
sua terapia, eu me sinto com aquela sensação de dever cumprido. Eu sei que
eu fiz tudo por eles. Eu sei o quanto eu fiz por eles. Os dois são, sem
dúvidas, o meu casal mais bem desenvolvido e mais bem explorado. Eu
amei cada segundo. Óbvio que me irritei em vários outros também, mas faz
parte do processo, é o que o torna tão real e o que o torna a minha maior
fonte de prazer. Mesmo na dificuldade, meus personagens e a minha escrita
me tornam mais fortes. Espero que vocês tenham conseguido captar isso e
também a minha evolução diante desses dois atos.
Depois dessa história, existe uma outra Luana Oliveira dentro de mim
e sei que ela é capaz de muita, muita coisa. Coisa que eu não tinha nem
noção que eu era capaz de fazer.
Então eu gostaria de começar agradecendo a Deus, por ter me dado
forças e por ter sempre me mostrado um caminho quando eu mais
precisava. Deus é poderoso e Ele age na minha vida de uma maneira tão
grande, que eu consigo o sentir em cada detalhe. Também gostaria de
agradecer ao meu pai, a estrela mais brilhante dessa galáxia que, através da
nossa foto que eu deixo guardada perto de mim quando eu escrevo, sempre
me dá inspiração e me traz conforto. Na verdade, a sua memória sempre me
conforta, em qualquer ocasião da minha vida. Eu o amo muito e se hoje eu
estou aqui escrevendo e enchendo vocês, com as histórias que moram na
minha mente, é por causa dele, meu maior incentivador.
Mãe, também não poderia deixar de agradecer você, minha fã número
um. Obrigada por me apoiar tanto, sendo essa quase bookstan incrível. Eu
juro, quando ela menos perceber, já que ama esse mundo literário e as
autoras nacionais, será uma leitora tão voraz quanto a filha.
Irmãos, primos, minha família no geral, que é bem grande por sinal,
eu vou estar sempre aqui dando orgulho para vocês.
Carol e Rary, vocês continuam sendo as melhores amigas desse
mundo, obrigada.
Reh, minha beta, minha Elsa, minha Frozen da vida real, você sabe,
eu não tenho palavras para você. Se eu ficar falando sobre a nossa amizade,
vou ficar escrevendo, escrevendo e escrevendo, me estendendo muito e
sendo cansativa, mas saiba que cada coisa dita por Kayla à Elsa, fui eu
dizendo a você. Obrigada por estar comigo em mais uma jornada. Seremos
sempre nós duas, exatamente igual a elas.
Stephany, minha revisora, eu sei que eu te coloco em várias
enrascadas, me perdoa, mas você é incrível e eu fico muito feliz de ter te
encontrado. Obrigada por me ajudar tanto e por ser sempre tão paciente
comigo, com a minha escrita e com os meus personagens. Seus conselhos
eu vou levar para a vida.
E por último, mas de jeito nenhum menos importante, eu gostaria de
agradecer às minhas leitoras, as minhas raposas, que transformaram Kayla e
Sebastian em um sucesso e o meu direct em um completo caos. Obrigada
por sempre me mandarem tanto amor e por nunca, nunquinha, desistirem de
mim. Saibam que eu nunca vou desistir de vocês também. Espero que
tenham gostado dessa jornada e que ela tenha sido cheia de ensinamentos
como foi para mim. Espero que tenham sorrido, chorado, se emocionado,
ficado com raiva e que tenham vivido cada parte muito intensamente.
Espero que as raposas tenham deixado uma marca laranja no coração de
cada uma de vocês.
Mas e agora, será que acabou?
Fica aí o questionamento, não é mesmo?
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