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- E tu tens um Condado?

- Porquanto eu o fiz, eu o tenho.

Minha relação com o tabaco remonta de tenra idade. Não me lembro quão jovem era, decerto
muito jovem, fascinava-me com as plantas de fumo que nasciam em canteiros descuidados, no
interior onde muitas férias passei.

Não era uma planta comum, não o comum de estrito senso, mas digo comum sem efeito,
aoristo entre o mato; não, não era. Presumo que nunca tenha sido.

Também jovem descobri os engenhos que se davam daquela planta singular. Ora, sei então
que, aquilo que a maioria aprendeu por pura inferência do quotidiano, eu lentamente
sintetizei desde seu começo mais basal: “os cigarros e charutos são feitos desta planta que
tanto me intriga!”. Lembro de assim pensar.

O tempo passou. Eu cresci, e junto, o horizonte de poder e liberdade. Trabalhando desde cedo,
pude experimentar o tabaco em suas muitas formas de apreciação; exceto aquela que, latente,
era a verdadeira paixão: o cachimbo com suas misturas finas. Fumei todos os tipos de charuto,
o que era -- e continua sendo bom --, mas faltavam notas e nuances; tornou-se enfadonho
além de hábito caro. Sobre o cigarro, deste nunca gostei. Vejo-o mormente como advento de
praticidade que entrega nicotina de forma ágil, quase nada de sabor e muito menos
complexidade.

Aqui começa a terraplanagem do Condado.

Como a maioria dos homens, me casei. Com o casamento vêm juntas as obrigações e nova
vida. Em certo pondo desta nova vida, dei por certo ter feito uma escolha não errada, mas
precipitada; aprendi com isso. Minha companheira era daquelas que odiava qualquer fumaça,
principalmente a do fumo. Levei isso como concessão normal por muito tempo, o que
qualquer homem faz por sua mulher; muito embora, dolorosa era a solidão, subproduto da
falta de uma contrapartida. Como é de toda fraqueza humana, deixei minha concessão e
acabei por conhecer o mundo dos cachimbos e suas misturas de tabaco. Foi pela sorte de
encontrar um nobilíssimo amigo, o qual hoje chamo de confrade com eterna gratidão, que
pude aprender com maestria o que este universo tinha de melhor. Mas as fumadas eram
reprimidas pela culpa e no final causavam amargor.

Caí no vício de um inimigo inexpugnável para minha pessoa: o álcool. Tornou-se meu
companheiro diário, por anos, sem saber da dura pena à qual ele me sentenciava.

Sem delongas, eu vi e senti o mal; lutei e venci. Os dias de abstinência eram duríssimos. Eu
apelidei de “sede vampiresca” aquela que me deixava acordado por toda a madrugada. Sem
falha, O Rei é infalível e guarda planos que nenhum conde pode aferir sem o tempo certo.
Nestas noites eu fumava, era o que eu tinha. Eu fumava e apreciava cada segundo daquele
tempo em que o fumo era abrasado e minha psique arrefecida. Cada sabor tornou-se mais
claro, cada nota foi guardada, cada fornilho era lembrado. Um lapso temporal ligou minha
infância criativa àqueles momentos preciosos onde eu concentrava meu intelecto puramente
em desfiar e dissolver sabores. Uma admiração imensa por quem quer que fizesse aquelas
composições de tabaco sobreveio em mim. Seriam magos, alquimistas, uma espécie de chefes
renomados? Sem dúvidas eu sabia que, não menos, eram os refinados mestres que dos quais o
conhecimento eu ansiava e desejava, de tal forma que ardia quase em cobiça. Eu queria
aprender, desde o começo.

Não muito longe deste insight, veio uma abrupta separação. Essa eu costumo chamar de “um
tiro na espinha”, porque dela não me parece obter-se pleno conserto. Voltei à casa da mãe e
fui acolhido. Pouco me sobrava, a não ser trabalhar e levar a vida de forma quase automática,
cumprindo as tarefas e fechando o dia sem uma missão maior; meu castelo tinha sido
demolido.

Com os meses passando, a resiliência trabalha. Um homem costuma ter apenas duas escolhas
por vez, as do meio nunca dão certo. Uma, era continuar autômato; outra, procurar uma nova
missão para me dedicar plenamente. Não se enganem, de forma alguma foi uma depressão;
mas sim, um momento de profunda apreciação da realidade e sua verdade: uma inexorável
estrada reta, com pedras agudas, mas reta. Eu escolhi a missão, a derrota não me fora
apresentada. Pensei na parte boa, de estar livre para um recomeço! Neste tempo eu contei
com um habilidoso comerciante que me muniu de matéria prima, tabacos de alta qualidade e
próprios para misturar. Contei também com um velho sábio que me inflamou a força latente e
ensinou bastante para começar. Contei ainda com um exímio artesão que me forneceu as
ferramentas necessárias para testar. O tempo foi bom, o Rei mais ainda.

A vida de um ex alcoólatra, solteiro e um tanto caseiro não é lá das mais animadas (podem rir,
eu também rio disso). De fato, eu tinha todo o tempo para testar e errar. A tendência
empirista mesclada com uma fé ardente modela uma perseverança indelével. No meu caso,
não minto, cheia de burradas, não obstante, uma perseverança indelével.

O erro me frustra, mas um homem são deve sempre controlar o predicado desta sentença.
Erros seguidos dão num saldo de mínimo acerto, mormente conhecer o cerne do erro. Esta
dinâmica leva à possibilidade de acerto que, lentamente, se refina por muitos meios;
principalmente o esforço e humildade de pedir ajuda. Sim, é duro notar que você não sabe
nada, mas pelo menos sabe o que não sabe; disto criam-se dúvidas certeiras.

Por 3 anos foi assim. No final das contas, ou começo, eu comecei a aprender testando sem
muitos erros. Descobri mais um incrível amigo, o que me forneceu o que então tornou-se uma
especialidade em curso, a Virgínia brasileira. Foi afiançado por um daqueles mestres, que eu
sonhava em conhecer, ser uma das melhores do mundo (podendo ser a melhor, respeitadas
diferenças).

O tabaco “mater” de grande maioria das mais finas misturas, é também o éter em potencial de
toda esta alquimia. Ela muda e melhora com o tempo, é rica em açúcares, por si só pode ser
simples e complexa, muda nuances com pouco espaço entre plantações, de ardente se torna
doce, de ácida pode compor dulçor, equilibra outros tipos de tabaco, interage belissimamente
com muitas formas de processamento. É aquela antiga planta da minha infância, de folhas
esplendorosas e flores lindas. É a mais amada no Condado!

Hoje, depois de alguns anos dedicados a ela, posso finalmente começar a entregar algo fino e
nobre que meus confrades merecem. Afinal de contas, somos uma grande potência desta
variedade incrível de tabaco. Com firmeza digo que não tenho o melhor, mas o é o meu
melhor que eu entrego.

Seguirei a jornada e só há espaço para otimismo. Neste caso, o tempo é puro amigo.

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