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Gastroenterologia Semiologia - GESEP

monohidrato de colesterol, carbonato de cálcio


ou bilirrubinato, menores do que 2 mm, e que
5 PANCREATITE também podem impactar na papila e obstruir a
drenagem do ducto pancreático. A repetição
destes episódios pode levar a disfunção do
Dr. Joachim Graf
esfíncter de Oddi. O termo lama biliar refere-
se a suspensão de cristais, mucina,
glicoproteínas e fragmentos de células, que
Objetivos
também pode provocar obstrução ductal,
embora de forma mais transitória.
1. Definir pancreatite aguda
2. Conhecer as principais causas de pancreatite
Quais aspectos são relevantes na
aguda
história medica?
3. Conhecer aspectos relevantes da história medica
4. Valorizar aspectos do exame físico
A pancreatite aguda geralmente se apresenta
5. Identificar as principais alterações laboratoriais
com dor de início súbito no abdome superior,
6. Reconhecer os principais diagnósticos
especialmente quando a origem é biliar. A dor
diferenciais de pancreatite
é de tal intensidade que os pacientes são
7. Como avaliar a gravidade da pancreatite aguda e
internados muitas vezes pelas equipes
reconhecer fatores de mau prognóstico
cirúrgicas devido a apresentação clínica e
8. Reconhecer as principais complicações da
diagnósticos diferenciais. Geralmente é
pancreatite aguda
epigástrica, contínua e severa, podendo se
9. Conhecer os princípios do tratamento
irradiar em faixa ao longo dos rebordos costais
para região dorsal, e as vezes para porção
Como se define pancreatite aguda? direita do epigástrio na pancreatite biliar.
Cerca de metade dos paciente experimenta
É um processo auto-digestivo do pâncreas no irradiação dorsal da dor. Por vezes é tão severa
qual enzimas pancreáticas ativadas causam que o paciente não consegue distinguir ente
injuria ao pâncreas levando a resposta dor torácica inferior e abdominal alta. O
inflamatória local e sistêmica. quadro doloroso se associa a náuseas, vômitos
e febre. A dor da pancreatite pode melhorar
Quais são as principais causas? com o paciente em pé e curvado para frente,
sendo muito chamativo para o diagnóstico a
Cálculos biliares seguidos da ingestão de álcool posição antálgica conhecida como prece
respondem pela maioria das causas, chegando maometana
a aproximadamente 65% dos casos. A
pancreatite biliar virtualmente nunca Como é o exame físico?
cronifica, enquanto a alcoólica geralmente
evolui a cronificação. Geralmente se observa taquisfigmia, com
pulso chegando a 140 bpm, e a respiração pode
Demais causas incluem exposição a certas ser rápida e superficial. Pode haver hipotensão
drogas como azatioprina e esteróides entre significativa em função das ações sistêmicas
mais de 50 drogas identificadas, manipulações das citocinas combinada a desidratação. Pode
endoscópicas da ampola de Vater ocorrer aumento gradual da temperatura em
(colangiopancreatografia endoscópica horas. A presença de picos de febre alta sugere
retrógrada), hiperlipoproteinemias, alguma complicação como abscesso
hiperparatireoidismo, infecções virais, pancreático ou mesmo colangite ou
especialmente pelo vírus da parotidite pneumonia. O nível de consciência pode
(caxumba) e coxsackie B, tumores ampulares e deteriorar rapidamente.
traumatismo fechado de abdome. Em A face na pancreatite pode se encontrar
determinadas regiões o Ascaris lumbricóides pletórica, contrastando com a face lívida e
foi incriminado como causa. abatida da perfuração abdominal.
Na inspeção pode se observar em casos graves
É importante destacar que a principal causa de de pancreatite aguda necro-hemorrágica o
pancreatite biliar são os cálculos biliares de sinal de Cullen, uma descoloração verde-
pequeno volume, com cerca de 4mm ou amarronada ou azulada da região
menores, e que esta á a faixa de detecção dos periumbilical e o sinal de Turner, quando este
métodos ultra-sonográficos rotineiros. O achado estiver presente nos flancos. Estes
termo microlitíase refere-se a cálculos de achados se devem a drenagem de liquido
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ascítico hemorrágico ao longo dos planos das no lado esquerdo, elevação do diafragma e
fascias, infiltrando o tecido subcutâneo. atelecatsias; em casos mais graves podem ser
Ocorrem em cerca de 3% das pancreatites detectados infiltrados alveolares sugestivos da
agudas graves. Lesões semelhantes podem ser síndrome da angustia respiratória.
observadas na ruptura de gravidez ectópica. Os sinais radiológicos mais comumente
reconhecidos na pancreatite aguda são: ar na
alça C duodenal, a alça sentinela, que
representa dilatação proximal e focal de uma
alça jejunal no QSE, o sinal da amputação do
cólon transverso (cutoff) que representa
distensão do cólon até a porção transversa com
ausência de gás distalmente a flexura
esplênica. Outros sinais observados incluem o
halo renal, apagamento da margem do psoas,
aumento da densidade dos tecidos moles
epigástricos, afastamento gastrocólico,
Cullen Grey-Turner calcificações pancreáticas e na vesícula biliar.
É importante lembrar que a radiografia do
abdome também pode estar completamente
O abdome se apresenta menos tenso do que normal na pancreatite aguda.
em casos de perfuração, embora se detecte
quase sempre intensa sensibilidade difusa a Ultra-sonografia
palpação, do abdome que se encontra Pode identificar as litíase biliares como causa
distendido. No inicio o abdome pode se da pancreatite
apresentar flácido sem dor a descompressão.
Nesta fase também pode se detectar dor Tomografia computadorizada com contraste
circunscrita a palpação. É típica a discrepância Trata-se do exame de escolha para o estudo do
entre a severidade dos sintomas e os discretos pâncreas e as complicações que incidem sobre
achados de exame físico nesta fase. Mais o órgão, como as necroses, os pseudocistos e
tardiamente pode haver descompressão abscessos
positiva.
Quais são os diagnósticos diferenciais?
Quais são as alterações bioquímicas e de
imagem relevantes ao diagnóstico? Numerosas doenças extra-pancreáticas podem
causar dor e elevação sérica e urinaria da
Amilase amilase, e devem ser consideradas no
Níveis elevados de amilase, três ou quatro diagnóstico diferencial
vezes acima do limites superior da
normalidade no sangue, por um a cinco dias, Na apresentação as dificuldades diagnósticas
indicam pancreatite aguda. Os níveis séricos diferenciais de pancreatite aguda são
começam a aumentar 2 horas após o inicio dos perfuração de ulcera duodenal, colecistite
sintomas, se elevam progressivamente nas aguda, íleo e peritonite, isquemia intestinal,
primeiras 12 horas, e vão caindo nos próximos dissecção de aneurisma de aorta, gravidez
cinco dias. Níveis aumentados na urina ectópica e até apendicite aguda, porque todas
persistem por mais tempo do que no sangue, estas condições podem também se associar a
cerca de sete a dez dias. níveis elevados de amilase e lípase. No caso de
ulcera duodenal perfurada, isquemia do
Lipase intestino delgado e obstrução o aumento das
Aumentos da lípase são levemente mais enzimas se deve ao vazamento para a cavidade
acurados do que os da amilase, e são peritoneal das enzimas intraluminais. No caso
especialmente úteis em fases mais tardias. A de ruptura de gravidez ectópica o aumento na
elevação é sugestivo porém não é amilase se deve que as trompas de falópio são
patognomônica pois pode ser observado seu ricas nesta enzima.
aumento também em casos graves de infartos
mesentéricos, obstrução intestinal, colangite. Também devem ser consideradas situações
que apresentam hiperamilasemia e cursam
Rx simples de tórax e abdome com ou sem dores abdominais típicas, como as
Exames de fácil realização, disponíveis , parotidites, insuficiência renal,
baratos e informativos. A radiografia de tórax macroamilasemia, medicações (opiáceos),
pode evidenciar derrame pleural geralmente cetoacidose diabética, alcoolismo crônico,
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paraneoplasias, queimaduras, infarto do
miocárdio e anorexia nervosa

Como avalio a gravidade?

A grande maioria dos pacientes apresenta


forma branda que responde ao tratamento
clinico de hidratação, analgesia e reposição de
oxigênio. Cerca de 15% apresentam na
admissão ou irão apresentar na evolução lesão Outros escores como o APACHE II (Acute
a órgãos, com mortalidade chegando a 50%. Physiology And Chronic Health Evaluation) ou
Tais paciente apresentam necrose de até 30% o Sistema Glasgow de escore não são tão úteis
do pâncreas, identificada pela tomografia na identificação de risco preditivo individual,
contrastada. sendo mais valiosos para identificar grupos
similares de pacientes, possibilitando estudos
Sistemas de escores: comparativos de estudos internacionais.
Não existe marcador isolado de gravidade na Outros fatores de mau prognóstico:
pancreatite aguda.
O desenvolvimento recente mais importante Obesidade
tem sido o reconhecimento que muitos Pacientes com pancreatite aguda e com
pacientes com as formas graves tem IMS>30Kg/m2 tem mal prognóstico,
marcadores de falência de órgãos na especialmente pela reserva respiratória pobre
apresentação clínica o que levou ao uso de e maior volume de gordura peripancreática a
métodos de escalas prognósticas. ser digerida, ambos fatores adicionais de risco
Existem vários sistemas de avaliação,
entretanto atualmente se aceita que a Derrame pleural
impressão clinica precede a todos. A presença de derrame pleural precocemente
Em nosso meio se utiliza o sistema de escores em radiografias de tórax se associa a evolução
de Ranson que pontua a presença de cinco pior.
critérios presentes ou não na admissão do
paciente a seis critérios durante as primeiras Proteína C reativa (PCR)
48 horas. Tem mais validade na pancreatite A elevação tardia da proteína de fase aguda, a
biliar e permite prever a evolução em 70 a 80% PCR, em valores acima de 150mg/l é incomum
dos casos. em formas bradas de pancreatite aguda. As
formas mais graves costumam se associar a
níveis de PCR acima de 200mg/l.

Alterações tomográficas
A tomografia computadorizada com contraste
pode identificar áreas de má perfusão do
pâncreas, havendo estreita correlação com a
necrose macroscópica. Quanto maior o
volume de tecido necrótico maios o risco de
infecção do mesmo.

Outro sistema utilizado na Europa e o de


Marshall. Os pacientes com pior prognósticos
sãos os que inicialmente apresentam escores
de Marshall de 2 ou mais, e que não melhoram
estes escores nas primeiras 48 horas

Fig 1. necrose de 50% do corpo e cauda do pâncreas


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Quais são as principais complicações?

As principais complicações são a infecção da


necrose do pâncreas, abscesso pancreático,
pseudocisto pancreático, trombose da veia
esplênica e portal, hemorragia gastrointestinal,
diabetes mellitus e pancreatite crônica
segmentar.

Princípios do tratamento

A boa prática medica no tratamento da


pancreatite aguda impõe avaliações clinicas,
hematológicas e bioquímicas repetidas do
paciente. A presença da síndrome de resposta
inflamatória sistêmica (SRIS) identifica
pacientes em risco aumentado de disfunção de
órgãos, especialmente quando estão presentes
três ou quatro dos critérios de SRIS estão
presentes ou persistem apos 48 horas: febre,
taquicardia, taquipnéia, leucocitose

O tratamento inicial é basicamente de caráter


conservador, baseado na correção de
hipovolemia, tratamento da dor e provisão de
oxigênio.

Referencias

1. Imrie C.W. Acute Pancreatitis. In:


Weinstein W.M.; Hawkey C.J.; Bosch J.
Clinical Gastroenteroly and Hepatology
1aEd 2005
2. Martins R.D. Pancreatites, In: Miszputen
S.J. Guia de Gastroenterologia 2a edição,
2007
3. Moradpour D., Blum H.E. Abdominal Pain.
in Siegenthaler W. Differential Diagnosis in
Internal Medicine 1st english Edition, 2007
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Leitura complementar
Anatomia e fisiologia do pâncreas

O pancreas é um órgão retroperitoneal, disposto obliquamente na cavidade abdominal, com a


cabeça encaixada na curvatura do duodeno, e a cauda situada no hilo esplênico.

É constituído por células acinares, ductais e das ilhotas. As células das ilhotas, que respondem pela
função endócrina, e representam apenas 1 a 2% do total da massa do pâncreas, são representadas
pelas células alfa (produtoras de glucagon), células beta (insulina), células delta (gastrina,
somatostaina)e células PP (polipeptideo pancreático). Pode haver mais de um milhão de ilhotas de
Langerhans, no pâncreas, mais concentradas na região da cauda.

Ilhotas de Langerhans no pâncreas

O ácino pancreático, composto por células acinares e ductais é a unidade funcional do pâncreas. As
células acinares secretam as enzimas amilase, lipase, ribonuclease, proelastase,
procarboxipepetidase, quimiotripsinogenio e tripsinogênio no interior do sistema ductal, em forma
inativa. Essas enzimas são secretadas pelo pâncreas em resposta ao estímulo de colecistoquina
(CCK), um peptídeo produzido no trato gastrointestinal. A liberação da CCK por sua vez depende
de dois mecanismos, que coordenadamente regulam o nível de CCK no trato gastrointestinal: o
primeiro denominado peptídeo monitor, é produzido nas células acinares pancreáticas e secretado
na luz intestinal, e o segundo é o fator intestinal , o fator liberador de CCK luminal, que estimula a
liberação de CCK em resposta a ingestão de proteína ou gorduras.

Existem dois receptors para a CCK, o CCKb, localizado no Cérbero e o receptor CCKa, localizado no
piloro. A colecistoquinina exerce sua ação sobre o CCKa determinando a constrição do piloro e
dessa forma determinando retardo do esvaziamento gástrico
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As células ductais secretam água, bicarbonato e eletrólitos, que mantém o pH adequado para que a
secreção alcance de forma inativa o duodeno. Essa secreção é estimulada pela secretina, liberada
pelo duodeno.

Ácino pancreático

Ao entrarem em contato com a secreção duodenal, as enzimas inativas são ativadas em reação
autocatalítica.

Fisiopatologia

Dependendo do tipo de agressão exercido sobre o pâncreas, na maioria da vezes calculo biliar
encravado na ampola de Vater, ou exposição ao álcool, ocorre lesão ao ácino pancreático, com
retenção e ativação das enzima digestivas, que iniciam processo de autodigestão. As principais
enzimas envolvidas neste processo são a tripsina, quimiotripsina, elastase e fosfolipase. Tendo
ocorrido lesão do ácino, com a conseqüente liberação das enzimas é ativado o sistema de
complemento e as cascatas inflamatórias, alem de substancias que causam aumento da
permeabilidade vascular, e citocinas, que estimulam a chegada de leucócitos, amplificando o
processo inflamatório local, estabelecendo condições para ciclagem de eventos inflamatórios que
eventualmente culminam em isquemia e necrose do órgão. À medida que o processo evolui, áreas
maiores são envolvidas, incluindo gordura peripancreática e da região retroperiotoneal. A liberação
na circulação das moléculas inflamatórias determina efeitos sistêmicos, ocorrendo permeabilidade
capilar generalizada, hipotensão, hipóxia e febre, configurando resposta inflamatória sistêmica que
pode culminar em disfunção de múltiplos órgãos.

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