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O Zigurate

BIBLIOGRAFIA, PRÁTICAS

A magia das quatro direções cardeais


Publicado por FRATERABSTRU
Esse é o tipo de assunto que eu acho muito divertido, porque pode parecer simples a
princípio: você aprende uma série de equivalências que são fáceis de memorizar… mas
depois, quando sai da sua bolha, descobre que elas são tudo menos universais. Cada tradição
vai seguir um padrão e é difícil fazê-las concordarem entre si, o que é um pouco incômodo,
porque com frequência essas atribuições não são apresentadas como um conjunto simbólico
de uma dada tradição e sim como realidade pura e simples. E aí é um prato cheio para o cínico
declarar que ninguém tem razão e é tudo bobagem. Bem, primeiro vamos dar uma olhada
nessas várias possibilidades, depois podemos pensar no que fazer com isso.

Atribuir as quatro direções cardeais aos quatro elementos


(https://ozigurate.com.br/2021/01/25/sobre-os-elementos-parte-i/) é um ato dos mais naturais,
nem que seja simplesmente pela mera virtude de o número encaixar. Quem começou a
estudar magia pelo viés da Golden Dawn/Thelema ou da Wicca, deve ter aprendido o seguinte
arranjo:

Direção leste – elemento ar (logo correspondência com questões ligadas ao intelecto,


pensamento, linguagem, razão)
Direção sul – elemento fogo (vontade, inspiração, criatividade)
Direção oeste – elemento água (emocional, intuição, etc)
Direção norte – elemento terra (questões ligadas à existência no mundo físico, o corpo
físico, mas também antepassados, etc)

Se procurar pelo assunto no Google é bem provável que seja esse o esquema que você vai
encontrar com maior facilidade (descontando-se os muitos sites que tratam de supostas
tradições xamânicas). Quando praticamos um ritual como o Ritual menor do Pentagrama, é
esse o mapa utilizado, que determina os nomes cabalísticos entoados em cada direção e os
arcanjos invocados (Rafael no leste, Gabriel no oeste, Miguel no sul e Uriel no norte). Quem
aprendeu com o livro do Echols, High Magick, também reparou que dá para associar cada
direção a uma série de atribuições ligadas aos elementos, como as estações (primavera no
leste, verão no sul, outono no oeste e inverno no norte, num círculo que acompanha bem a
lógica elemental e a sequência da passagem das estações), cores, sensações e as ferramentas
mágicas. Até aí tudo bem.

Um talismã do elemento água criado para “derivar mais alegria da vida”, segundo Regardie.

Então, pressupondo que alguém queira realizar um ritual ligado às suas emoções, por
exemplo, a fim de lidar com processos difíceis, ou então construir um talismã do ás de copas
para derivar mais graça da vida (que é o exemplo que o Regardie oferece no seu How to make
and use talismans, que vemos acima) – nesse caso, sendo um trabalho de água, a pessoa
realizaria o ritual voltada para o oeste, possivelmente invocando forças como o arcanjo
Gabriel, o rei elemental Nicksa e o rei da água no sistema enoquiano, Raagiosl. Esse é o tipo de
recomendação que você vai encontrar no material ligado a esse modelo. Até aí tudo bem.

Esse é também o arranjo utilizado a princípio pela Josephine McCarthy no site da Quareia
(https://ozigurate.com.br/2021/06/07/o-treinamento-da-quareia/), aparecendo pela primeira vez
na lição 2 do módulo 1 de Aprendiz, Tarot Basics. Mas voltaremos ao trabalho da Josephine
mais para o final deste texto. O que eu quero apontar aqui é uma questão que ela apresenta
nessa lição e que, de cara, nos deixa um pouco desestabilizados: a ideia da substituição dos
elementos de acordo com o hemisfério onde nos localizamos. Ar e água, aparentemente,
continuam no mesmo lugar, enquanto terra e fogo trocam de posição quando se sai do norte
l í l li i já li l l
para o sul. Uma possível explicação para isso, que eu já li em alguns lugares, tem a ver com o
caminho do sol: no hemisfério norte, o sol nasce no leste, chega ao seu zênite no sul (por isso,
o elemento fogo ali), se põe no oeste e volta ao leste pelo norte (fazendo o caminho
subterrâneo, como consta na mitologia egípcia e mesopotâmica, por isso o elemento terra). No
hemisfério sul, o sol nasce e se põe na mesma direção, óbvio, mas tem o seu zênite no norte.

Para quem trabalha nos moldes da GD, essa informação é desestabilizadora, porque implica
trocar as posições dos arcanjos e nomes divinos no RmP… e quem tem familiaridade com esse
sistema sabe que ele é tudo menos um sistema flexível. Mas ainda estamos apenas começando
a confusão.
No blog da Benebell Wen (https://benebellwen.com/2020/02/13/elemental-directional-
correspondences-in-ritual-magic-east-vs-west-how-do-you-reconcile-conflicts/), uma taróloga,
astróloga e praticante de magia daoista, há um post comparando os diversos sistemas de
atribuições… e aí a gente vê que a versão da GD não é o único sistema possível, nem mesmo
dentro da chamada tradição esotérica ocidental[1].

Aparentemente, a GD derivou esse arranjo do sistema de John Dee, segundo Regardie. Não
tenho condições de parar tudo para começar a fuçar os textos do próprio Dee atrás dessa
informação, então vou confiar nele, por ora. Um outro arranjo possível, mais antigo, é o de
Agrippa, nos seus três livros da Filosofia Oculta, que propõe a seguinte equivalência:

Leste – fogo
Sul – terra
Oeste – ar
Norte – água

A lógica aqui é derivada da astrologia: ao distribuirmos os doze signos no céu, começando


com Áries no ascendente, ficamos com um signo cardinal de cada elemento em cada ponto:
Áries no leste, casa 1 (fogo), Câncer no norte, casa 4 (água), Libra no oeste, casa 7 (ar) e
Capricórnio no sul, casa 10 (terra). Daí a atribuição desses elementos às quatro direções… mas
também é claro que, apesar de toda a autoridade de Agrippa, não temos porque pressupor
qualquer naturalidade da equivalência entre o ascendente e Áries (um equívoco, aliás, que
muito astrólogo adepto da astrologia moderna comete e causa muita confusão no
entendimento das casas). Seria possível, por exemplo, estabelecer um padrão usando o Thema
Mundi, o horóscopo mítico que distribui a posição dos planetas no princípio do universo.
Nesse caso, famosamente teríamos Câncer no ascendente, o que resultaria no elemento água
no leste, ar (Libra) no norte, terra (Capricórnio) no oeste e Áries (fogo) no sul (ou seja, o
arranjo da GD, apenas substituindo leste e oeste!).

E ainda tem um último arranjo, proposto pelo ocultista (e, francamente, maluco[2]) Guillaume
Postel em seu Absconditorum clavis (1547), que é o seguinte:

Leste – terra
Sul – água
Oeste – ar
Norte – fogo

No entanto, eu não sei qual a lógica utilizada por Postel, e a Benebell também não tece
maiores comentários no seu post, por isso não tenho muito o que dizer além de apontar para o
fato de que esse arranjo existe e pode ou não ter sido usado na prática. Eu mesmo desconheço
qualquer sistema mágico que o utilize, mas não deixa de ser interessante, nem que sirva só
para apontar para o detalhe curioso que é o fato de que esses arranjos partem todos de
lugares diferentes: tanto Dee quanto a Josephine quanto o pessoal da GD são ingleses; Agrippa
era alemão; e Postel, francês.
e a a e ão; e oste , a cês.

Von den Winden vnd vyer zeitten des Jars, gravura de Johannes Regiomontanus, 1512.

Na sequência, vamos passar da Europa para a Mesopotâmia, mudando de lógica das


correspondências, dos elementos para os planetas. Os entusiastas do site Enenuru reuniram
bastante material sobre o assunto neste link aqui
(http://enenuru.net/html/misc/fourwinds.htm), que eu recomendo para quem tem interesse no
assunto (apesar de que está um pouco bagunçado).

Só que antes de tratar dessas equivalências (que, francamente, são uma bagunça), vale citar
de novo a invocação dos deuses das quatro direções que eu já mencionei no texto sobre
fórmulas babilônicas (https://ozigurate.com.br/2022/05/23/nove-formulas-para-magia-
babilonica/):

Š
Šamaš ina paniya (Shamash à minha frente)
Sîn ina arkiya (Sîn às minhas costas)
Nergal ina imniya (Nergal à minha direita)
Ninurta ina šumeliya (Ninurta à minha esquerda)

Presumindo-se que o exorcista estaria voltado para o leste, faz todo o sentido o deus do Sol,
Shamash, estar associado ao leste, pois é onde o Sol nasce. A atribuição do oeste com a Lua (o
deus Sîn) pode ser compreendida em contraposição, colocando o outro luminar na direção
oposta. A atribuição de Nergal e Ninurta, no entanto, é mais misteriosa… e com isso eu quero
dizer que eu não faço ideia de onde vem. E o mais misterioso ainda é que, quando traduzimos
essas atribuições em termos de planetas (pois a atribuição entre deuses mesopotâmicos e os 7
planetas é tradicional já na literatura babilônica), Nergal é o deus de Marte, e Ninurta, de
Saturno. Quase dois milênios depois, por volta do século XIII d.C. a mesma equivalência das
direções cardeais aparece num volume chamado O Livro Jurado de Honório, um grimório de
magia astrológica atribuído a um certo Honório de Tebas (não confundir com o Papa
Honório), que contém uma mescla curiosa de técnicas judaicas e cristãs dos dois lados do
Cisma do Oriente. O Livro Jurado atribui o leste ao Sol, o oeste à Lua, o sul a Marte e o norte a
Saturno – exatamente as mesmas correspondências que acabamos de ver – mas o que consta
nele e não na literatura babilônica é uma extrapolação disso com os outros 3 planetas,
atribuindo o sudeste a Júpiter, o sudoeste a Vênus e noroeste a Mercúrio. É fascinante como
um conceito desses consegue perdurar por tanto tempo, apesar das mudanças radicais de
pensamento religioso que se deram no Oriente próximo e cujo material certamente se reflete
no grimório.

Em outros textos sumérios, vemos que a cada um dos quatro ventos é atribuída uma
divindade, a quem eles servem: Ea/Enki (sul), Enlil (leste), Adad, Ninurta e/ou Ninlil (norte) e
Anu (oeste). Vocês vão reparar que, fora Ninurta associado ao norte, que se repete, temos aqui
um novo conjunto de divindades. Não há, no entanto, equivalências planetárias nesse caso
(apenas 7 deuses são associados aos planetas, ao passo que a tríade Anu-Enlil-Ea era
considerada acima dessas correspondências)… mas havia uma dimensão elemental, que
emerge em textos babilônicos tardios (sobre isso, conferir o livro Mystical and Mythological
Explanatory Works of Assyrian and Babylonian Scholars, de Alasdair Livingstone). Ea, senhor
das águas em Eridu, que dominou as águas da criação do Absu nos primeiros mitos
cosmológicos, é o deus da água; Enlil, cujo nome significa literalmente “senhor do vento” é o
deus do ar; enquanto a Anu, deus do céu, cabe o fogo, com a noção antiga de que as camadas
superiores dos céus eram constituídos de fogo. Sobra uma direção que é a da terra, mas aí,
apesar de uma equivalência entre Ninurta e a terra fazer sentido (pois se trata de um deus
agrícola), já não seria mais uma interpretação tradicional.

Assim, temos aqui água no sul, ar no leste, fogo no oeste e aí sobra terra para o norte… o que é
um arranjo diferente de todos que já vimos!

Porém, para além das correspondências planetárias e elementais, parece que havia também
um entendimento de que os ventos possuíam uma característica que seria intrínseca à sua
natureza. Um provérbio sumério (https://etcsl.orinst.ox.ac.uk/cgi-bin/etcsl.cgi?
text=t.6.1.04#)diz o seguinte:

O vento norte é um vento satisfatório; o vento sul é prejudicial ao homem.


O vento leste é um vento que traz chuva; o vento oeste é maior do que o povo que lá habita.
O vento leste é um vento de prosperidade, o amigo de Naram-Sîn.

(A referência ao vento oeste como sendo “maior que o povo que lá habita” é provavelmente
um comentário pejorativo sobre os amorreus, que moravam para o oeste e eram vistos como
meio bárbaros)
meio bárbaros).

Então, se for pensar por essa perspectiva, um ritual de prosperidade elaborado dentro dessa
corrente, por exemplo, provavelmente seria feito voltado para o leste, enquanto um ritual
destrutivo com vela preta e tudo seria voltado ao sul, o que é coerente com outros aspectos da
mitologia mesopotâmica conhecida como o mito de Adapa. Nesse mito, o sábio antediluviano
Adapa teria sido atacado com violência pelo vento sul e arremessado ao mar. Em resposta, o
sábio se vale do seu conhecimento de magia e utiliza uma fórmula poderosa que quebra as

asas do vento sul (o livro Adapa and the South Wind: Language Has the Power of Life and Death
(https://www.jstor.org/stable/10.5325/j.ctv1bxh2cx), de Shlomo Izre’el, aliás, explora esse
assunto mais a fundo).

Mas tem mais: a partir daí também começa a emergir algum tipo de proto-Feng-Shui na
literatura de presságios. Em mais um exemplo citado na página do Enenuru, parece que
existia alguma noção da importância da direção à qual a porta da sua casa se abre: se ela abre
para o norte, você vai prosperar; se abrir para o sul, seu coração será feliz; mas se abrir para o
oeste, você vai morrer (a parte do leste está ilegível por causa de avarias na tabuinha). O duro
é que essa associação também não dialoga com o que vimos acima, onde consta que o vento
destrutivo é o sul e não o oeste. Ainda assim faz sentido, creio, associar o oeste com morte,
sendo a direção onde o próprio Sol “morre”.

Ao mesmo tempo, as direções sul e o oeste não são os únicas destrutivas, e cada um dos ventos
também tem um caráter maléfico, como consta na série de fórmulas de exorcismo Utukku
Lemnutu: o vento sul traz poeira, o norte parte a terra ao meio, o leste com a chuva também
faz o corpo definhar e o oeste traz devastações sem fim às planícies.

Bem, infelizmente a Mesopotâmia acabou mais confundindo do que explicando as coisas. O


que complica a nossa vida é que parece que nunca aconteceu de algum sábio ter passado a
limpo essas questões todas e o que a gente tem aqui na verdade são vários fragmentos
possivelmente de tempos e locais distintos que não dialogam entre si.

E que tal se avançarmos um pouco mais na direção do oriente? Como explica o líder espiritual
do Himalayan Institute, Pandit Rajmani Tigunait, num artigo do site Yoga International
(https://yogainternational.com/article/view/the-significance-of-the-four-directions-in-practice),
há na tradição do Yoga (ou pelo menos em uma das doutrinas mais conhecidas dentro da
tradição do Yoga) uma relação entre cada direção e um conceito, o que explica as divindades
que presidem aí.

A atribuição das divindades aqui é a seguinte:

Leste – deus Indra, senhor das tempestades


Oeste – deus Varuna, o senhor dos oceanos
Norte – deus Vishnu, o preservador
Sul – deus Yama, senhor da morte:

Como explica Tigunait:

“O leste é a direção onde o sol nasce. É a fonte da luz e inspiração – a fonte da própria vida. É a
hora do despertar, o ponto de início. O leste nos diz que é hora de levantar, despertar, começar a
se mexer. Ele nos motiva a lançar fora nossa inércia e começar o dia. Mas, assim que o fazemos,
nossas preocupações e ansiedades, dúvidas e medos, surgem. Portanto precisamos que o
protetor do Leste – nossa própria força de vontade, determinação e clareza mental – nos
h h i ó i h d é d l j d
acompanha. No conhecimento yóguico, o Senhor Indra é o protetor do leste. Manejando seu
poderoso relâmpago, ele estilhaça nossas dúvidas, medos e ansiedades para que possamos
avançar com determinação renovada – livres da dúvida e do medo. Porque começamos nossa
jornada diária a partir do leste, a melhor hora para a prática espiritual é ao nascer do sol”.

E ele prossegue: o oeste, então, é o fim do dia, o ponto em que precisamos descansar e deixar a
nossa consciência se dissolver para que possamos ter forças para o dia seguinte. Assim Varuna
traz calma e tranquilidade. Já o norte “é determinado pela estrela polar”, por isso representa
uma “convicção inabalável”. Por fim, o sul é o descanso completo, quando o corpo não dá
conta mais e é preciso “trocar de veículo”.
Em algumas outras (https://www.speakingtree.in/blog/hindus-worship-ten-directions) fontes
(https://medium.com/@drsheetalnair/the-10-directions-as-per-hinduism-98d802aa2ea7), o deus
do norte muda da Vishnu para Cubera, deus da prosperidade, e há também divindades para as
outras direções, as chamadas colaterais: sudeste (Agni, deus do fogo); sudoeste (Nirruti, deus
ou deusa da decadência e da tristeza); noroeste (Vayu, senhor dos ventos) e sudeste (Ishana,
uma das encarnações de Shiva). Dikapala é, aliás, o termo usado em sânscrito para se referir
aos guardiões das direções. Em todo caso, por esses motivos, dentro das tradições abrangidas
pelo termo “hinduísmo” geralmente os praticantes se voltam para o leste ou para o norte.

Círculo mágico do grimório cipriânico conhecido como Clavis Inferni, contendo os sigilos dos
reis demoníacos das quatro direções, Egyn, Oriens, Amaymon e Paimon. Imagem da Wellcome
Library.

Há certamente outros sistemas de equivalência, mas acho que já vimos o suficiente por
enquanto. Um site sobre reiki (https://reikise.com.br/os-4-elementos-e-as-4-direcoes/), no qual
eu esbarrei em minhas pesquisas, oferece mais uma variação e um outro site, que se pretende
xamânico (https://www.vivernatural.com.br/xamanismo/leitura-das-quatro-direcoes/)[3],
oferece ainda outra possibilidade – todas diferentes dos arranjos que vimos -, mas não tenho
como rastrear as origens desses conceitos. Há também divindades budistas que são guardiões
das direções chamados de Quatro Reis Celestiais; quatro demônios das direções cardeais nos
das direções chamados de Quatro Reis Celestiais; quatro demônios das direções cardeais nos
grimórios ocidentais[4]; e até mesmo a mitologia da obra de William Blake tem um de seus
quatro Zoas para cada direção [5]. Mas, de novo, acho que já vimos o suficiente.

Tendo conferido alguns sistemas ocidentais, os fragmentos que nos sobraram da Mesopotâmia
e o que parece ser o sistema mais comum na Índia, o que podemos tirar disso tudo? Bem, uma
constante é que o Sol nasce no leste e se põe no oeste. Isso não muda, pelo menos, e as noções
simbólicas que se desenvolvem a partir daí e caracterizam os conceitos das direções parecem
ter esse fato como ponto de partida. Todo o resto, no entanto, parece variar. Isso não quer

dizer que seja tudo bobagem e que nada disso faça sentido, mas sim que parece ser relevante
partirmos, não de uma abordagem rígida, mas maleável (o que é, de novo, uma má notícia
para o sistema da GD).

De fato, voltando à obra da Josephine, o segundo módulo de Aprendiz


(https://www.quareia.com/apprentice-module-2) do Quareia tem uma forte ênfase no trabalho
com as direções, e a quinta lição, Patterns and Maps in Magic, ensina a avaliar o terreno,
descobrir suas potencialidades e a força dos elementos em cada direção, a fim de que você
possa trabalhar a favor da corrente e não contra. Ela também desenvolve um sistema para
além da questão das correspondências elementais, tratando dos princípios ligados às direções,
o que ela entende partir dos dois eixos, leste-oeste e norte-sul. O poder mágico, o fluxo da
criação, flui naturalmente do leste para o oeste: do leste vêm o Verbo divino criador, enquanto
o oeste é o receptáculo. Já o tempo flui do norte para o sul: o norte é o reino dos ancestrais,
enquanto o sul é o “limiar angélico do futuro”. Apesar de as equivalências elementais
variarem de local para local, entende-se que esse padrão seria constante independente do
local. Isso consta na primeiríssima lição do segundo módulo de Aprendiz, Directions, onde ela
deita as bases para esse tipo de trabalho, com o ritual de confirmação que funciona como uma
entrada na egrégora do seu sistema mágico.

Mas é claro que você não precisa estar necessariamente inserido nesse tipo de treinamento
para explorar as potencialidades do trabalho com as quatro direções. É possível desenvolver
um ritual genérico de saudação das quatro direções, seus poderes e guardiões dentro daquilo
que você já pratica, e valer-se de técnicas divinatórias para mapear o território.

Antes de fazer um ritual com um objetivo prático, você pode usar um pêndulo para perguntar
qual a melhor direção para esse trabalho ou então uma tiragem de tarô com quatro cartas (ou
oito, se seguir pelo método europeu). Para mapear os elementos, você pode meditar em cada
direção ou também recorrer ao tarô. Se você tem ferramentas associadas aos quatro
elementos, você pode dispô-las num arranjo como o da Golden Dawn a princípio, com a adaga
no leste, o cálice ao oeste, o pentáculo ao norte e varinha ao sul, então tirar três cartas para
avaliar a adequação desse arranjo. Na sequência, você realiza uma alteração, como trocar as
posições norte e sul, e tira as cartas de novo a fim de comparar os resultados. É tentativa e
erro, mas funciona.

Claro que, se você trabalha com um sistema tradicional que se mantém constante ao longo de
vários séculos e funciona (como parece ser o caso das atribuições de divindades hindus), o
melhor, creio eu, é seguir a tradição. Mas, dentro de uma prática ocidental, especialmente no
trabalho com os elementos clássicos, que são um aspecto sublunar da Criação, por isso
mutáveis por natureza, a rigidez dogmática e o amor pelas planilhas não é a melhor
abordagem.

***

[1] Para ser mais específico, esse arranjo não é o único nem mesmo dentro do sistema da GD. Na verdade, trata-se do
arranjo dos rituais microcósmicos, como o do Pentagrama. No Ritual menor do Hexagrama, que é macrocósmico, usa-
se os hexagramas dos 4 elementos numa ordem determinada pela sequência dos elementos na roda do zodíaco: fogo no
leste, terra no sul, ar no oeste e água no norte. Essa sequência, no entanto, aparece apenas no RmH. Até onde eu sei,
para todas as outras equivalências, usa-se o modelo do RmP.

[2] Eu não digo isso levianamente. Postel foi o tradutor de várias obras cabalísticas importantes, mas sua busca por
um universalismo capaz de unificar as três religiões abraâmicas o levou a crenças estranhas. Ele acreditava que uma
mulher, conhecida como mãe Zuana, seria a própria encarnação da Shekinah judaica e tinha o projeto de instituir o
hebraico como a língua de reino universal, sob a bandeira do rei da França. Essas heresias não passaram
despercebidas pela Inquisição, mas eles mesmo chegaram à conclusão de que Postel era “non malus sed amens” (não
mau, mas demente).

[3] Digo “se pretende”, porque, apesar de o xamanismo ser uma prática real e respeitável, com muita frequência o
termo é usado de modo equivocado para se referir a um sistema New Age que se apropriou, diluiu e muitas vezes
deturpou conhecimentos indígenas, produzido por brancos para brancos. Para ilustrar a questão, o símbolo que eu
encontro em vários sites usado para descrever essas atribuições das direções e elementos é chamado de Roda de
Medicina (Medicine Wheel), sendo um exemplo dessa apropriação, criado por um homem branco, Arthur Storm, que
fazia cosplay de indígena (https://thetrackingproject.org/a-theft-of-spirit/) e apresentou esse conceito pela primeira vez
em 1972 (https://books.google.com.br/books?
id=HO6tY6cWqnsC&pg=PA116&lpg=PA116&dq=medicine+wheel+new+age+storm&source=bl&ots=pjhdPnsJgm&sig=ACf
BR&sa=X&ved=2ahUKEwj1uZqaksf5AhXSAbkGHReJBd04ChDoAXoECBAQAw#v=onepage&q=medicine%20wheel%20new
O fato de que muita gente parece não saber ou não se importar com esse fato é um tanto preocupante.

[4] Há uma entrevista com o autor Dr. Al Cummins no podcast Glitch Bottle sobre esse assunto (The Four Kings &
Cyprian’s Mirror (https://www.youtube.com/watch?v=jtVbecGZ7zk)).

[5] The Four Zoas é um dos poemas proféticos da fase mais alucinada da poesia de Blake. Os Zoas são entidades que
surgem a partir da queda e divisão do ser humano primordial: Urizen representa a razão, a lei e as tradições, agindo
como o demiurgo por desejar aprisionar o espírito na matéria; Tharmas representa instinto e força; Luvah é o
princípio do amor; e Urthona ou Los representa a inspiração e a imaginação. Como consta no verso 280 do livro VI,
Urthona tem seu lar no norte, sendo equivalente ao elemento terra; Urizen ao sul (ar); Luvah ao leste (fogo) e Tharmas
ao oeste (água)… mas parece que eles mudam de lugar posteriormente (fonte 1 (https://books.google.com.br/books?
id=F5IrDgAAQBAJ&pg=PA170&lpg=PA170&dq=urizen+east+four+directions&source=bl&ots=dy2G_vk_JC&sig=ACfU3U3
BR&sa=X&ved=2ahUKEwjB6dfOk8f5AhUMH7kGHfBRBeMQ6AF6BAgWEAM#v=onepage&q=urizen%20east%20four%20
e 2 (https://books.google.com.br/books?
id=6CNzBgAAQBAJ&pg=PA85&lpg=PA85&dq=urizen+east+four+directions&source=bl&ots=kTpGC9Sibn&sig=ACfU3U0R
BR&sa=X&ved=2ahUKEwjB6dfOk8f5AhUMH7kGHfBRBeMQ6AF6BAgVEAM#v=onepage&q=urizen%20east%20four%20
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