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RESUMO
Este trabalho tem por objetivo subsidiar a reflexão em torno da real necessidade e
importância da transposição de águas do Rio São Francisco face a ampla distribuição
geográfica de significativos mananciais subterrâneos na região Nordeste. São aqui também
defendidas a tese de que o problema da sede e da baixa exploração agrícola no semi-árido
nordestino não reside na escassez de água, mas decorre da ausência histórica de políticas
sistemáticas para viabilizar soluções duradouras e a de a utilização racional dos recursos
hídricos subterrâneos das bacias sedimentares, das aluviões e dos aqüíferos fissurais
constituir-se-ia em solução alternativa ao consumo humano e à irrigação. A distribuição da
água a ser transposta restringe-se a alguns tributários, alguns dos quais com oferta hídrica já
regularizada, e pode mesmo ser entendida como uma desfeita à maioria da população do
semi-árido, que não seria atendida pela oferta hídrica proposta pela obra. Deve-se levar em
consideração o fato de que alguns estudos apontam para reservas exploráveis de águas
subterrâneas estimadas em 29,6 x 109 m³/ano. A capacidade de produção varia entre 50 e
700 m³/h, por poço, em algumas bacias sedimentares do Nordeste.
ABSTRACT
The objective of this paper is to subsidize the reflection about the needs and importance of
the deviation of water from San Francisco River, facing the spacial distribution of significant
unexplored groundwater reservoirs. The thesis that the problem of the thirst and low
agricultural exploration in the region do not reside in the shortage of water, but elapse of
historical absence of systematic policies to make durable solutions possible and that the
rational use of grounwater resources of sedimentary basins, alluviums and basement
cristalline rocks in the semi-arid area of the Northeast, is an alternative solution to the human
consumption and irrigation are also held in this paper. The limited distribution of the
deviated water to some branches, some of them with already regularized offer, could even be
had as an affront to the people of the semi-arid, who won't be assisted by the proposal of the
deviation. Some studies point to reservations of groundwater of around 29,6 x 109 m³/ano
and production capacity between 50 and 700 m³/h, per well, in some sedimentary basins of
the region.
INTRODUÇÃO
O projeto de transposição de águas do Rio São Francisco vem sendo apresentado pelo
governo federal como instrumento de transformação da realidade sócioeconômica do
Nordeste por garantir o abastecimento humano e a irrigação. O projeto visa abastecer 6,8
milhões de pessoas e irrigar 300 mil hectares de terras, através do aumento e da garantia da
oferta hídrica. Nesse aspecto, segundo Guimarães Júnior et al., (2000), ele é muito ambicioso
e distante da realidade nordestina, devendo ser visto com restrições, notadamente quanto aos
custos finais para o consumidor da água transposta.
De acordo com Kelman (1999), nenhum estado nordestino tem disponibilidade hídrica
inferior ao limite simbólico estabelecido pela ONU para caracterizar uma região como tendo
estresse hídrico (1.000 m³/habitante-ano), já que no Nordeste a disponibilidade hídrica é da
ordem de 4.000 m³/habitante-ano. Para Kelman (ibid.) esse fato deve, inclusive, constituir
um estímulo àqueles que acreditam que a generalização da gestão dos recursos hídricos tem
enorme potencial para ajudar a resolver a equação desenvolvimentista do Nordeste.
Assim sendo, diante das adversidades climáticas, constata-se que o uso e a gestão das águas
subterrâneas no Nordeste assumem papel de crucial relevância, requerendo intervenções
compatíveis com a realidade e baseadas na qualidade e disponibilidade dessas águas. Além
disso, a transposição de águas do Rio São Francisco segundo eixos preferências de
distribuição, também não atenderá às demandas afastadas desses eixos e isso poderá gerar no
futuro, conflitos e inquietações políticas oriundas do baixo nível de atendimento regional.
Para Suassuna (2000) com a obra da transposição estaremos em breve na busca de instituir
novos instrumentos legais para o que denomina de "gestão da torneira".
BACIAS SEDIMENTARES
Recentemente, a imprensa pernambucana veiculou matéria com o título "CPRM faz jorrar
água no Sertão do Pajeú". Trata-se de resultados de estudos hidrogeológicos (Silva, 1993;
Silva, Morais e Sousa, 1994), (Oliveira, 1994; Leite et al., 2000, apud Silva, 2000) em
sedimentos arenosos da Bacia Sedimentar de Fátima, na microrregião do Pajeú (PE), cujos
resultados demonstraram o elevado potencial para captação de água subterrânea de boa
qualidade naquela bacia.
Até pouco tempo atrás, bacias sedimentares com dimensões reduzidas e destacadas do
pediplano geral, como é o caso da Bacia de Fátima (270 km²), eram consideradas, do ponto
de vista hidrogeológico, como improdutivas. Nessas bacias, geralmente, os aqüíferos são
sedimentos arenosos, por vezes parcialmente consolidados, com características locais de
baixa porosidade e permeabilidade. Estudos de geologia-geofísica iniciados na primeira
metade da década de 90 na Bacia de Fátima, no entanto, mostraram evidências favoráveis à
acumulação de águas subterrâneas de boa qualidade em sedimentos com profundidades da
ordem de 450 metros.
De acordo com Silva (ibid.), continuam sendo realizados estudos para definir limites de
vazão, recarga do aqüífero e um modelo de gestão que garanta o eficiente atendimento à
população. O sistema atual apresenta bons parâmetros hidrodinânicos e uma produção de 60
m³/hora, por poço. Segundo Silva (ibid.), "Fátima é um bom exemplo de uma intervenção
simples, cujos resultados proporcionaram um espetacular impacto social".
Na contramão das intervenções simples, existem no Brasil inúmeras obras que exemplificam
o mau uso do dinheiro público, que servem apenas para alimentar uma cultura política
megalomaníaca. Segundo Rebouças (1997), o poço no Brasil é considerado como uma
solução paliativa, aguardando pelo lobby das empreiteiras, que é fortíssimo: "ninguém faz
um trabalho para uma política de águas e, sim, para uma política de obras".
No Rio Grande do Norte ocorre uma situação muito particular. A menos que haja uma
revolução na agricultura do estado, a previsão é de que só a partir de 2020 haja necessidade
de aumento da oferta hídrica (SERH/RN, 1998). Além disso, segundo Guimarães Júnior et
al. (2000), só a vazão regularizada do Açude Armando Ribeiro Gonçalves, de 15 m³/s, seria
suficiente para abastecer toda a população potiguar. No caso específico da Bacia Potiguar,
também se dispõe de um grande número de poços perfurados para petróleo cujas águas
poderiam ser tratadas, para suprirem, através de adutoras, as demandas das populações
residentes nas áreas de embasamento cristalino.
Na microrregião do Pajeú (PE), boa parte da produção de tomate, que abastece as indústrias
de sucos e concentrados de polpa, provêm do plantio irrigado, às margens de tributários do
Rio Pajeú. Estudos realizados por Silva, Morais e Sousa (1994), em alguns tributários
menores, mostraram que o potencial por poço é da ordem de 60 m³/dia, o que seria suficiente
para irrigar, mesmo por derramamento no solo, 1 (um) hectare de cultura não muito exigente
por água, a um custo de locação e construção de um poço tipo Amazonas, de US$ 500,00
(quinhentos dólares).
Costa Filho e Costa (2000) estimaram em 0,1 x 109 m³/ano o potencial das aluviões no
Estado de Pernambuco.
Sousa (1987) enumera uma série de exemplos de tributários: entre outros, Potengi, Seridó e
Trairi, no RN; Peixe, Piancó, Espinharas e Piranhas, na Paraíba; e Brígida, Pajeú e Moxotó
em Pernambuco, que são utilizados, inclusive para abastecimento humano, com poços do
tipo Amazonas.
PROVÍNCIA CRISTALINA
Apesar dos baixos níveis de vazão e qualidade da água, o aqüífero fissural é um meio
produtor importante, que não pode ser desprezado, face aos investimentos na perfuração de
cerca de 50.000 poços tubulares e ao fato de que o poço no cristalino está mais próximo do
usuário final. Muitos desses poços foram perfurados em fases críticas de estiagem e, na
prática, nesses períodos o governo gastou muito dinheiro na perfuração de poços tubulares,
impondo, na maioria das vezes, prazos e níveis de produção não condizentes com a correta
execução técnica de trabalhos dessa natureza.
Leite e Möbus (2000) afirmam claramente que o Estado do Ceará carece de uma política de
acompanhamento e de informações constantes sobre a situação dos seus poços tubulares,
como distribuição e potencial, destacando a marcante ausência de programas de
monitoramento e acompanhamento sistemático da situação das obras, através de atualizações
de bases de dados e gerência única apoiada e alimentada pela comunidade e pelos órgãos
gestores.
Para Silva, Silva e Galvão (1999), outros fatores, em menor ou maior grau, também
contribuíram para a baixa oferta de água no semi-árido nordestino. Destacam que, após a
fase de atuação da SUDENE na hidrogeologia do Nordeste, novas tecnologias de exploração
de água subterrânea deixaram de ser pesquisadas e a intermitência de ações políticas e
aportes financeiros regulares para solucionar o problema também causou uma lacuna de
conhecimentos e um quadro de dificuldades que só serão superados retomando-se as
pesquisas dos mananciais subterrâneos.
Segundo Rebouças (1997): "Não podemos separar a água subterrânea da superficial, seus
gerenciamentos, monitoramentos, o planejamento de bacias e poços, bem como o uso e
ocupação do solo. A má utilização do solo é um dos principais mentores da degradação da
água. Tem que existir uma visão mais ampla, e integrar todos esses determinantes é o
grande desafio."
É difícil imaginar a redenção sócioeconômica do Nordeste sem uma visão de conjunto das
alternativas de soluções para o problema da água no semi-árido nordestino.
As reservas exploráveis de água no subsolo nordestino são da ordem de 29,6 x 109 m³/ano,
ou 81.7 x 106 m³/dia (Mente et al., 1994, apud CPRM, 1999).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caberia incluir, como sugestão, que se efetuasse um amplo programa federal, conduzido a
nível de cada estado nordestino, de levantamento das necessidades e indicação de soluções,
tanto individuais como conjuntas, com utilização dos recursos financeiros destinados à
transposição de águas para estudo, captação e distribuição das reservas subterrâneas,
inclusive, se necessário, aproveitando a disposição espacial estratégica das bacias
sedimentares para a transposição dessas águas para estados vizinhos no Nordeste.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SILVA, Sebastião. M. P. da; MORAIS, Franklin de; SOUSA, Marcos F. de. Sistemas
de informações para gestão e monitoramento dos recursos naturais da microrregião
do Pajeú – PE. Projeto Alto Pajeú; Água no Sertão do Pajeú: O Município de
Afogados da Ingazeira. Recife: CPRM, 1994. 25p. (Série Recursos Hídricos, 3).