Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
IADII - João Assunção (Sebenta)
IADII - João Assunção (Sebenta)
Introdução ao Direito
II
Dr. José Aroso Linhares
Bibliografia utilizada:
João Assunção
P á g i n a 1 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
1.
- O sistema jurídico é um sistema pluridimensional – uma vez que é composto por vários
extratos – e dinâmico – sendo, desta forma, um sistema aberto, um sistema que tem um tipo
de desenvolvimento regressivo;
A evolução do sistema é nuclearmente desencadeada
por uma experiência de problemas
- Quando se considera o sistema jurídico dá-se atenção a uma prática de estabilização, uma
vez que a tarefa do sistema é, precisamente, precipitar em termos normativos (precipitar em
normas legais, por exemplo) as exigências da validade comunitária que o direito assimila.
Estas exigências, apesar de importantes, não bastam para a resolução das controvérsias
práticas; é fundamental a conversão destas exigências comunitárias em critérios e
fundamentos possíveis de serem mobilizados pela prática;
O sistema jurídico corresponde a uma exigência de estabilização, daí que se possa, em termos gerais, dizer que, em
cada tempo e em cada ordem jurídica há uma tarefa de estabilização cumprida pelo sistema que poderemos dizer, em
sentido amplo, como uma tarefa dogmática – trata-se de converter uma certa validade comunitária numa
dogmática estabilizada que possa ser mobilizada imediatamente, pelo juiz, numa controvérsia prática.
- Já vimos que a validade comunitária, apesar de ser uma dimensão relevante para o direito,
não basta como referente para poder responder às controvérsias. Na verdade, podemos
definir duas dimensões indispensáveis à realização do direito de uma certa comunidade: A
validade comunitária e a controvérsia prática;
- Existe uma dialética constante entre estas duas dimensões uma vez que, as exigências da
validade comunitária vão-se transformando ao longo da história e vão sendo reconstruídas,
permanentemente, pela prática. É neste exercício permanente de resposta às controvérsias
que a validade comunitária se vai experimentando e evoluindo;
P á g i n a 2 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
- Desta dialética irá surgir, constantemente, alterações a exigências que, até ao momento, a
prática não tinha exigido. Assim, a prática reconfigura constantemente as exigências da
validade comunitária às novas circunstância, não sendo possível, desta forma, idealizar uma
rigidez destas exigências ao longo dos tempos.
2.
-Não seria possível entender o mundo prático do direito apenas com as duas dimensões
enunciadas. Se assim fosse estar-se-ia a impor ao juiz que este resolvesse a controvérsia
prática em nome dessa validade comunitária. Esta imposição estaria condenada ao fracasso
devido à complexidade que é identificar e compreender, na sua plenitude, as exigências da
ordem de validade comunitária;
- Como já vimos, estas exigências variam nos períodos da história e de comunidade para
comunidade. É necessário que, em cada uma delas e num dado momento da história, as
exigências sejam clarificadas de modo a poderem ser mobilizadas pelo juiz – Terá que
existir uma objetivação das exigências da communitas de modo a clarificá-las num dado
período histórico e numa dada comunidade;
- Só com este esforço de objetivação, inserido numa prática de estabilização, será possível
formar o sistema jurídico, que, como já vimos, é uma dimensão fundamental para a
compreensão da prática do direito;
Com o sistema jurídico seremos capazes, perante as controvérsias práticas, de perceber o que é e o que não é,
efetivamente, relevante para o direito num dado momento ou numa certa comunidade. Funciona, então, como
uma espécie de filtro que, apoiado nas normas objetivas do sistema jurídico, permite ao julgador
compreender se uma determinada controvérsia prática é, de facto, um problema jurídico.
P á g i n a 3 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
Deste modo, não deveremos falar, apenas, de uma decisão do juiz mas sim de uma decisão
judicativa ou de um juízo decisório.
A componente de decisão tem a ver com o ato de vontade do juiz sustentada numa autoridade;
no entanto, essa decisão deve ser racionalmente comunitária, isto é, essa decisão deve ser,
simultaneamente, um juízo. O juízo representa a componente de realização do sistema jurídico.
4.
- Como já vimos, o sistema jurídico é um sistema pluridimensional, isto é, é composto por
estratos distintos e todos eles vinculantes.
Estratos do sistema jurídico:
Princípios normativos;
Normas legais;
Critérios de jurisprudência judicial;
Critérios de jurisprudência dogmática;
Realidade jurídica.
5.
- É importante a distinção entre critérios e fundamentos. O fundamento encontra-se,
nuclearmente, associado ao estrato dos princípios normativos, tendo o juiz que mobilizar os
princípios como fundamentos do seu juízo-decisório, justificando, com eles, essa mesma
conclusão racionalmente plausível. Apesar de justificar essa conclusão do juiz, os
fundamentos (leia-se princípios normativos) não propõem uma solução ou um tipo de
solução para os variados problemas que o julgador vai encontrar ao longo do seu percurso. O
fundamento não dispensa um esforço por parte do julgador para obter essa mesma solução.
Podemos, então, concluir que os princípios normativos não antecipam os problemas que
o julgador irá atravessar, no entanto, as suas exigências acompanham o juiz na sua
travessia e têm que estar, inevitavelmente, presentes no seu juízo decisório;
- O critério encontra-se associado a todos os restantes estratos do sistema jurídico. O critério
servirá como resolução imediata de qualquer tipo de problema que o julgador enfrente na sua
travessia ou como pré-esquematização de uma solução. Serão os critérios que o juiz deverá
interpretar de modo a responder aos mais variados problemas e a encontrar solução para o
seu problema jurídico.
P á g i n a 5 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
a) Por um lado, o julgador não poderá tratar a orientação oferecida pelos princípios-
fundamentos como se esta orientação correspondesse ao apoio proporcionado pelos
critérios-mapas. Como já vimos, os princípios-fundamentos não antecipam problemas
nem fornecem soluções para esses mesmos problemas e, neste sentido, exigem um
tratamento diferenciado dos critérios;
b) Por outro lado, o julgador não deverá pretender construir o percurso como se este
fosse liberto dos critérios-mapas. O primeiro passo do julgador deve ser sempre
procurar esses mesmos critérios. Depois de encontrados, o juiz deverá, por um lado,
experimentá-los no terreno (isto é, verificar se o determinado esquema de solução
proposto se adequa à situação-problema concreto) e, por outro lado, mobilizar
inteligentemente as suas instruções (isto é, ter em atenção se os critérios propostos
não vão contra os princípios-fundamentos. O julgador nunca poderá caminhar em
sentido oposto àquele que a luz do farol indica, mesmo que o mapa que dispõe assim o
proponha).
B
1.
Iremos, ao longo dos pontos seguintes, analisar os diferentes estratos que compõem o
sistema jurídico. Comecemos pelos princípios normativos. É bom ressalvar,
antecipadamente, que não se deve confundir princípios normativos com princípios gerais do
direito. Os princípios normativos são objetivações de compromissos prático-comunitários,
dotados de uma dimensão de validade que estes compromissos traduzem ou realizam com a
emergência destes princípios num certo contexto histórico-cultural e com uma prática de
realização que, continuamente, os transforma.
- Apesar das transformações motivadas pela experiência de realização das intenções prático-
comunitários, os princípios normativos também se revestem de uma dimensão estabilizadora,
uma vez que se traduzem em objetivações dessas mesmas intenções da validade comunitária.
É esta estabilização que os converte em fundamentos, revestidos de uma dimensão
axiológica (valores que se vão mutando ao longo dos vários contextos históricos) e uma
dimensão dogmática estabilizadora que os faz assumir o papel de expressões normativas do
direito nas quais o sistema jurídico justifica o seu sentido;
P á g i n a 6 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
-Assim sendo, assume-se que o sistema jurídico (e o poder judicial!) deverá seguir sempre
estas intenções da ordem de validade comunitária, nunca desprezando a já falada indicação
da luz do farol, sob pena de não se poder considerar esse sistema jurídico uma ordem de
pleno direito.
A título de exemplo, abordemos o princípio da legalidade criminal. Depois do
processo de construção de um projeto de juridicizão do poder e da consequente
monopolização político-estadual do direito de punir, é essencial prevenir a
possibilidade de converter o sujeito jurídico num destinatário-objeto de soluções
arbitrárias e/ou persecutórias. Emerge, assim, um grande compromisso
normativamente estabilizado como princípio – Princípio da legalidade criminal.
Este princípio assume o papel de fundamento do sistema jurídico e, por esse motivo,
poderemos declarar que, caso as suas exigências não sejam seguidas, não estaremos
perante uma ordem de direito. Como é evidente, este princípio jurídico fundamental é
marcado por uma dinâmica histórico-cultural, isto é, o princípio não é entendido
da mesma maneira ao longo da história. A pesar disso, no nosso ciclo histórico do
direito este princípio é irrenunciável, ficando-se a dever este facto, a uma prática de
estabilização de um compromisso comunitário, compromisso esse que se vai mutando
através da, já falada, exigência de realização, que se traduz numa dialética sistema-
problema, mas sempre assumindo um núcleo essencial irrenunciável.
c) Os princípios como direito-jus (um autêntico direito vigente): Para esta conceção os
princípios já não são pré-jurídicos mas princípios constitutivamente jurídicos, isto é,
princípios que nos aparecem ligados à institucionalização do direito a partir de um
exercício de comparabilidade (exercício associado com a prática de resolução de uma
controvérsia). Os princípios são, assim, genuinamente jurídicos que nascem da
própria experiência do direito. Por outro lado, os princípios jurídicos, uma vez
assumidos enquanto especificações juridicamente relevantes (relativas aos problemas
jurídicos) da validade comunitária, valem e vinculam enquanto direito sem
P á g i n a 8 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
1.2. Duas classificações que a compreensão dos princípios como jus permite
considerar
a) Os princípios segundo a posição que ocupam na consciência jurídica geral:
Esta classificação tem a ver com a menor ou maior dependência do conteúdo do direito
relativamente a um contexto histórico situado. Perante isto, podemos dividir os princípios
em três graus distintos:
Princípios mais contingentes: Neste grau
existe uma grande assimilação dum contexto
histórico. Os princípios têm sentido num
Princípios que determinado contexto histórico, acabando por
exprimem a intenção
última do direito
ser substituídos quando se dá uma rutura e a
Princípios Jurídicos ordem que existia é superada.
fundamentais Princípios Jurídicos fundamentais: São
aquisições culturais irrenunciáveis,
Princípios mais contingentes independentes de um contexto histórico e
que, sem a presença deste património, não se
pode afirmar que uma ordem seja,
efetivamente, uma ordem de direito.
Princípios que exprimem a intenção
axiologicamente última do direito: Sem
estes princípios não é possível admitir a
existência de direito.
P á g i n a 9 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
P á g i n a 10 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
Princípio da autonomia:
P á g i n a 11 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
P á g i n a 13 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
norma legal se traduz numa escolha (influenciada por um programa político ou mesmo
pelo jogo político) do legislador – Castanheira Neves designa esta dimensão da
norma legal de Ratio Legis;
À lei não é, apenas, uma prescrição autoritária fornecida pela primeira dimensão. A lei
é, também, um critério jurídico e um critério que tem de ser, inevitavelmente,
inserido no sistema jurídico. É fundamental que o juiz, quando está a considerar a
lei, não tenha em atenção, apenas, a dimensão imperativa da lei. O juiz já não é uma
mera boca da lei; espera-se que este considere a segunda dimensão, inserindo a lei no
próprio sistema jurídico e relacionando-a diretamente com os princípios
(fundamentos). Deve, então, questionar se a solução a que o legislador chegou é ou
não é uma solução compatível com as exigências dos princípios – Castanheira Neves
designa esta dimensão da norma legal de Ratio Iuris.
2.3.
-O contraponto Ratio legis/Ratio iuris permite levantar um problema pertinente que é o
problema da lei injusta. O problema da lei injusta é um problema trans-sistemático, isto é,
está para além da própria participação numa ordem jurídica, uma vez que o problema põe-se
quando, em termos imediatos, o legislador, quando está a fazer a sua escolha em nome de um
programa ideológico-político, decide, em termos explícitos e deliberados, prescindir das
exigências de um princípio. Sintetizando, é um problema trans-sistemático porque é um
problema da própria ordem político-social que, claramente, não pode ser considerada,
verdadeiramente uma ordem de direito;
- A questão que nos importa não é tanto a questão trans-sistemática da lei injusta, mas sim
uma questão que se levanta ao considerar o contraponto Ratio legis/ratio iuris no âmbito
do sistema Jurídico:
A questão é levantada quando, num Estado de Direito, o legislador prescreve uma
solução sem qualquer tipo de intenção de violar os princípios do sistema
jurídico. Assim, quando se considera em abstrato essa solução, não se dá conta de
nenhuma violação de um princípio e, mesmo quando se mobiliza a mesma na
prática, esta é adequada para a maioria dos casos concretos que visa responder; no
entanto, esta lei, pode não ser adequada para determinado caso que o juiz está a
analisar. A lei, na perspetiva desse caso, revela-se desadequada. Como poderá,
então, o juiz resolver o problema? A solução terá que ser sistemática e
metodológica: O juiz vai ter recursos, na realização do direito em concreto, que
vão permitir enfrentar o problema e resolvê-lo. Destacamos dois desses recursos:
P á g i n a 14 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
2.4. As normas legais já não beneficiam de uma presunção de validade como os princípios
enquanto Ius. Beneficiam, sim, de uma presunção de autoridade e vinculam-nos
enquanto autoridade político-constitucional.
2.5. Quanto à classificação das normas podemos destacar três perspetivas:
a) A perspetiva da estrutura propõe classificar as normas consoante a própria estrutura
hipotético-condicional da proposição. Assim, podemos fazer as seguintes distinções:
Proposições normativas autónomas: Apresentam um enunciado com hipótese e
estatuição, formando um critério completo sem necessidade de recorrer a outras
normas
Proposições normativas mas não autónomas: Não têm um sentido completo.
Para o obterem remetem para outra ou outras normas. A remissão pode-se fazer
de várias formas, originando normas distintas:
Normas de remissão explícita: Remetem para outra(s) norma(s), referindo
expressamente essa(s) norma(s). Ex.: Art.º 953º C.C. ;
Normas de remissão implícita: A norma jurídica não remete
expressamente para outra norma, mas estabelece que o facto ou situação a
regular é ou se considera igual ao facto ou situação disciplinada por outra
norma para a qual, portanto, implicitamente remete: É o regime jurídico, que
esta estabelece, que vem a aplicar-se. São remissões implícitas:
Ficções jurídicas: O legislador determina que uma determinada
situação é ou se considera como se fosse igual à situação prevista
noutra lei. Ex.: Art.º 805.º/2)/C) C.C. – A resposta do direito
ficciona uma situação que não existiu.
Presunções jurídicas: Estabelece-se uma relação entre dois tipos de
situações, uma delas está comprovada, a outra não. Essa relação
estabelece-se com o recurso à presunção. A presunção pode ser:
P á g i n a 15 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
P á g i n a 16 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
P á g i n a 17 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
P á g i n a 19 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
P á g i n a 21 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
P á g i n a 22 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
Alguma doutrina considerava que esta transformação de uma decisão judicial numa
prescrição normativa geral e abstrata atribuía aos tribunais, ainda que
excecionalmente, uma tarefa legislativa – Posição mais assertiva. O assento é, de
facto, uma prescrição normativa geral e abstrata e criar estas prescrições é da
competência do legislador, logo, quando o tribunal emitia um assento, estaria a
assumir uma tarefa legislativa;
Outra posição doutrinária considera que a emissão de um assento continua a ser um
ato jurisdicional e que seria a única circunstância em que a jurisdição judicial
estava autorizada a criar direito no nosso ordenamento jurídico - Esta posição só faz
sentido numa compreensão unidimensional do sistema jurídico, uma vez que ignora
o estrato da jurisprudência judicial, considerando que os tribunais apenas criavam
direito em situações absolutamente excecionais.
b) -A índole da fixação da jurisprudência que hoje está em vigor na nossa ordem jurídica
é diferente daquela que encontrávamos no instituto dos assentos porque, embora
continuemos a ter o requisito da existência de duas decisões jurídicas opostas
referentes à mesma matéria fundamental do direito, a decisão, que vai ser tomada na
P á g i n a 23 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
instância superior relativamente ao segundo caso, é a decisão que, enquanto tal, nos
vai oferecer um critério da jurisprudência judicial;
-Não nenhum recurso posterior de generalização. A decisão não vai ser convertida em
norma. Esta, como qualquer decisão judicial (esta com especial força) é que vai ser
mobilizada como um critério da jurisprudência judicial beneficiando de uma
presunção de justeza mais forte porque foi construído no âmbito do percurso de
estabilização da jurisprudência. Significa isto que, algum tribunal para contrariar esta
decisão vai ter que contra-argumentar de forma muito especial para poder divergir
deste critério;
P á g i n a 24 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
A expressão “lacuna” sugere uma falha no sistema jurídico do ponto de vista de uma
visão unidimensional do sistema jurídico. Hoje, deparados com estas lacunas, é
exigido ao julgador que realize direito sem a mediação do estrato das normas,
recorrendo aos outros estratos. A expressão “lacuna”, surge hoje, em rigor, como
superada pois, fruto de uma visão pluridimensional do sistema jurídico, exige-se ao
julgador que este supera a imperfeição legal recorrendo aos restantes estratos. No
século XIX, fruto da conceção unidimensional do sistema que aí predominava,
considerava-se que, na presença de uma lacuna, esta deveria ser superada recorrendo
aos princípios como Ratio, normas legais mais gerais e abstratas capazes de absorver
um número mais variado de problemas juridicamente relevantes;
P á g i n a 26 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
1)O método jurídico: O método jurídico é um esquema metódico que foi construído no
século XIX. Era o método de pensar teoricamente de modo a racionalizar a prática
teoreticamente. Para entender este método importa referir a seguinte nota:
Com este método dá-se a separação entre o direito e o pensamento jurídico pois o
pensamento jurídico pretendeu ser uma ciência dogmática do direito, passando as suas
intenções a serem puramente teoréticas. A ciência do direito passa a ter a intenção
exclusiva de conhecer o direito. O pensamento jurídico vai, então, reconstituir,
analiticamente, um sistema de normas, compreender a unidade e coerência do sistema
e as relações entre essas mesmas normas. Este conhecimento científico das normas
P á g i n a 27 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
seria indispensável para garantir condições para que a prática do direito fosse uma
prática de aplicação. Podemos, então, afirmar, que num plano imediato, a intenção era
apenas de conhecimento, mas num plano mediato existe uma intenção prática. A
ciência jurídica assume, então duas tarefas principais:
P á g i n a 28 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
Compreensão global: Para a teoria tradicional, o texto não é apenas a Letra em si.
Quando falamos de texto estamos a identificar todas as significações que sejam
intrínsecas à norma. Não estamos a identificar apenas o significado literal das palavras
utilizadas porque o texto jurídico, para além das significações literais, tem outras
significações intratextuais (Elemento Histórico e sistemático).
Elemento Histórico: tem a ver com a relação que o texto estabelece com as
circunstâncias históricas do seu aparecimento, estando ligado a certo percurso
que culmina na sua produção-constituição;
Elemento sistemático: Quando estou a ler uma norma não a devo considerar
como se estivesse isolada pois ela faz parte de um sistema de normas que tem
uma coerência horizontal. Para compreender cada norma tenho que ter em conta
as relações que se estabelecem entre essa norma e as restantes.
- Apesar do texto não se confundir com o elemento gramatical, na perspetiva tradicional, este
desempenha uma função autónoma, distinta dos restantes elementos, uma função que se
nos impõe com uma prioridade analítica e cronológica, que lhe fornece uma força
prescritiva (valor normativo que nos vincula logo à partida e que condiciona todo o
processo de interpretação). Assume-se, então, que o elemento gramatical assume uma
relevância negativa. Trata-se de assumir que a letra, só por si, desempenha um papel
delimitador das possibilidades de interpretação da norma. O elemento gramatical
desempenha como que uma fronteira da interpretação. Assume, assim, uma tarefa de
exclusão uma vez que, tendo uma força prescritiva, esta exclui, imediatamente, o campo
interpretativo que não se adeque à letra mesmo que se adequa aos restantes elementos. Neste
campo temos duas posições divergentes:
A primeira defende que o sentido terá que corresponder à letra;
A segunda corresponde à «teoria da alusão», uma teoria mais moderada que defende
que terá que haver uma correspondência mínima entre o sentido e a Letra, por mais
mínima que seja.
Nas duas posições, a função negativa da letra permite excluir alguns sentidos
que se designarão por candidatos negativos
- A letra também assume uma função positiva, uma função de seleção. A relevância positiva
do elemento gramatical já não se nos impõe como autónoma. Aqui vai atuar em conjunto
com o elemento histórico e sistemático. Também já não vai ter um carácter normativo,
passando a ter um valor apenas heurístico. Assim, o elemento gramatical, inserido no jogo
com os restantes elementos vai selecionar, entre os sentidos possíveis, os sentidos mais
naturais (candidatos positivos) dos sentidos menos naturais (candidatos neutros). Deste jogo
entre os elementos intratextuais vai resultar um único sentido de interpretação que,
recordemos, esta escolha não tem valor normativo, apenas heurístico!
P á g i n a 29 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
3) O objetivo da interpretação
-Dentro dos sentidos possíveis como é que se vão considerar as intenções dos três
elementos intratextuais de modo a reconstituir um único sentido? Para responder a esta
questão consideremos duas posições:
a) Subjetivismo interpretativo: Segundo esta posição, aquilo que é necessário
reconstituir quando se interpreta uma norma é a intenção do legislador real criador
dessa mesma norma. Deve-se reconstituir o conteúdo da lei como aquilo que se
reconhece ter sido querido pelo legislador num certo momento histórico – Privilegia
o elemento histórico.
b) Objetivismo: Esta posição defende que a partir do momento em que a lei é publicada,
esta desprende-se do seu autor e, portanto, o que importa é a intenção que está
associada ao próprio texto. O intérprete terá que, então, considerar o texto, abstraindo-
se das intenções do legislador real. A posição objetivista autonomiza a intenção
expressa na lei porque presume que quem a criou foi um legislador razoável que
beneficia de uma presunção de razoabilidade – Privilegia o elemento
sistemático
A presunção do legislador razoável corresponde a três dimensões:
Presume que o legislador consagrou as melhores soluções
(Razoabilidade quanto ao conteúdo ou método material);
Presume que o legislador se soube exprimir com suficiente correção o seu
pensamento (Razoabilidade no plano formal-expressivo);
Presume que o legislador conferiu às suas formulações uma autêntica
flexibilidade evolutiva (Razoabilidade no plano evolutivo).
É importante realçar que, no próprio objetivismo, existem duas vertentes
distintas:
Objetivismo Histórico: Defende que o intérprete deverá procurar
reconstituir o sentido daquela norma, presumindo que o seu legislador a
construiu em condições razoáveis no plano material e formal. Designa-se
por objetivismo Histórico porque a preocupação do intérprete vai ser
reconstituir o sentido da norma que corresponderia ao contexto histórico
em que foi produzida. Esta posição submete, apenas, as duas primeiras
dimensões da razoabilidade do legislador;
Objetivismo atualista: O intérprete deve interpretar a norma conferindo-
lhe um certo sentido evolutivo. O intérprete, segundo esta posição, vai,
então, privilegiar o sentido que a norma terá à luz do contexto atual.
Assim, submete as três dimensões da razoabilidade do legislador.
P á g i n a 30 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
b) Elemento sistemático:
Disposições reguladoras do instituto (tema e matéria) em que se integra a norma
a interpretar (Contexto de lei);
Disposições reguladoras de problemas ou institutos afins dos disciplinados pela
norma (Lugares paralelos);
Interpretação dogmática.
P á g i n a 31 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
b)
A superação da teoria tradicional da interpretação reconhecida no
contributo decisivo da Jurisprudência dos interesses
1.)
- Já no nosso século a teoria tradicional de interpretação começou a ser questionada e posta
em causa. Heck evolui os estudos de Jhering (que se baseava numa genética de fins) para
uma defesa da análise dos interesses (e dos seus conflitos) que estão subjacentes a cada
norma. Assim surge a Jurisprudência de interesses que vem assumir os seguintes postulados
metódicos:
a) O princípio da obediência À lei;
b) Afirmação dos interesses enquanto elementos transtextuais;
c) A lei enquanto imperativo que tem como conteúdo específico uma decisão valoradora
de um conflito de interesses;
d) Reconhecimento dos limites normativos da lei;
e) A intenção prática do pensamento jurídico. Competir-lhe-ia, fundamentalmente,
orientar a prática do direito, concorrendo para a obtenção de adequadas decisões
jurídicas dos casos concretos que a vida social põe ao juiz, ou ao jurista em geral, em
termos de individualizados conflitos de interesses.
-Interesses: Tudo aquilo que na realidade social se nos apresenta sob o modo de apetências,
motivos, forças… Uma noção de interesse que pode ter todas as apetências, tanto do sujeito
individual como dos grupos!
- A relação da norma legal com os interesses: A norma legal, para além de solução de um
conflito de interesses, é, ela própria, expressão de possíveis interesses. Quer isto dizer que
temos como objeto da valoração um conflito de interesses.
-Duas dimensões da norma legal:
Dimensão estrutural do comando-imperativo: É a dimensão imperativa da
lei. O legislador é um representante legítimo da comunidade jurídica. Quando
Formula a lei, este vai pôr termo a um conflito de interesses, optando por um
em detrimento do outro. Por ser um representante legítimo, a prescrição que
elabora é uma prescrição imperativa que manifesta uma vontade;
Dimensão material dos interesses e da solução valoradora: É a dimensão da
lei em que se insere a solução que o legislador optou.
P á g i n a 32 | 33
Introdução ao Direito II | João Assunção
2. O objeto de interpretação
- O objeto de interpretação vai ser a solução valoradora de interesses e já não o texto. O
texto já não tem o carácter constitutivo que tinha na teoria tradicional. O elemento
gramatical passa a ser considerado, sempre, no jogo com os restantes elementos, deixando,
deste modo, de ter a sua relevância autónoma. Deixa, também, de exercer a função de
exclusão que assumia na teoria tradicional. Assim, o elemento gramatical, nesta nova teoria,
tem um valor meramente heurístico e não autónomo.
3. O objetivo de interpretação
- A jurisprudência dos interesses vem defender que é preciso reconstituir a vontade real do
legislador, não num sentido psicológico (como na teoria tradicional –posição subjetivista)
mas sim a solução do conflito de interesses que o legislador escolheu. O que importa
reconstituir é a finalidade prática da norma – SUBJETIVISMO TELEOLÓGICO
P á g i n a 33 | 33