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Introdução ao Direito II | João Assunção

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra –


2014\2015

Introdução ao Direito
II
Dr. José Aroso Linhares

Bibliografia utilizada:

João Assunção

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Introdução ao Direito II | João Assunção

Capítulo III – A experiência do Sistema jurídico


enquanto conversão da validade transsubjetiva numa
dogmática estabilizada
A

1.
- O sistema jurídico é um sistema pluridimensional – uma vez que é composto por vários
extratos – e dinâmico – sendo, desta forma, um sistema aberto, um sistema que tem um tipo
de desenvolvimento regressivo;
A evolução do sistema é nuclearmente desencadeada
por uma experiência de problemas

Existe uma permanente dialética entre problema-


sistema

- Quando se considera o sistema jurídico dá-se atenção a uma prática de estabilização, uma
vez que a tarefa do sistema é, precisamente, precipitar em termos normativos (precipitar em
normas legais, por exemplo) as exigências da validade comunitária que o direito assimila.
Estas exigências, apesar de importantes, não bastam para a resolução das controvérsias
práticas; é fundamental a conversão destas exigências comunitárias em critérios e
fundamentos possíveis de serem mobilizados pela prática;

O sistema jurídico corresponde a uma exigência de estabilização, daí que se possa, em termos gerais, dizer que, em
cada tempo e em cada ordem jurídica há uma tarefa de estabilização cumprida pelo sistema que poderemos dizer, em
sentido amplo, como uma tarefa dogmática – trata-se de converter uma certa validade comunitária numa
dogmática estabilizada que possa ser mobilizada imediatamente, pelo juiz, numa controvérsia prática.

- Já vimos que a validade comunitária, apesar de ser uma dimensão relevante para o direito,
não basta como referente para poder responder às controvérsias. Na verdade, podemos
definir duas dimensões indispensáveis à realização do direito de uma certa comunidade: A
validade comunitária e a controvérsia prática;
- Existe uma dialética constante entre estas duas dimensões uma vez que, as exigências da
validade comunitária vão-se transformando ao longo da história e vão sendo reconstruídas,
permanentemente, pela prática. É neste exercício permanente de resposta às controvérsias
que a validade comunitária se vai experimentando e evoluindo;

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- Desta dialética irá surgir, constantemente, alterações a exigências que, até ao momento, a
prática não tinha exigido. Assim, a prática reconfigura constantemente as exigências da
validade comunitária às novas circunstância, não sendo possível, desta forma, idealizar uma
rigidez destas exigências ao longo dos tempos.

2.
-Não seria possível entender o mundo prático do direito apenas com as duas dimensões
enunciadas. Se assim fosse estar-se-ia a impor ao juiz que este resolvesse a controvérsia
prática em nome dessa validade comunitária. Esta imposição estaria condenada ao fracasso
devido à complexidade que é identificar e compreender, na sua plenitude, as exigências da
ordem de validade comunitária;
- Como já vimos, estas exigências variam nos períodos da história e de comunidade para
comunidade. É necessário que, em cada uma delas e num dado momento da história, as
exigências sejam clarificadas de modo a poderem ser mobilizadas pelo juiz – Terá que
existir uma objetivação das exigências da communitas de modo a clarificá-las num dado
período histórico e numa dada comunidade;
- Só com este esforço de objetivação, inserido numa prática de estabilização, será possível
formar o sistema jurídico, que, como já vimos, é uma dimensão fundamental para a
compreensão da prática do direito;

Com o sistema jurídico seremos capazes, perante as controvérsias práticas, de perceber o que é e o que não é,
efetivamente, relevante para o direito num dado momento ou numa certa comunidade. Funciona, então, como
uma espécie de filtro que, apoiado nas normas objetivas do sistema jurídico, permite ao julgador
compreender se uma determinada controvérsia prática é, de facto, um problema jurídico.

- A racionalidade que importa mobilizar para compreender o discurso jurídico, a partir de


agora, será uma racionalidade conformada numa dialética Sistema-problema, enquanto
dimensões fundamentais do discurso jurídico.
- O julgador terá sempre que responder ao problema jurídico realizando o sistema
jurídico. Assim sendo, poder-se-á dizer que, a resposta que se espera por parte do juiz não
deve ser uma mera decisão pessoal ou orientada por convicções individuais – A resposta do
juiz deve ser racional à luz do sistema jurídico e não uma mera decisão.

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Deste modo, não deveremos falar, apenas, de uma decisão do juiz mas sim de uma decisão
judicativa ou de um juízo decisório.
A componente de decisão tem a ver com o ato de vontade do juiz sustentada numa autoridade;
no entanto, essa decisão deve ser racionalmente comunitária, isto é, essa decisão deve ser,
simultaneamente, um juízo. O juízo representa a componente de realização do sistema jurídico.

4.
- Como já vimos, o sistema jurídico é um sistema pluridimensional, isto é, é composto por
estratos distintos e todos eles vinculantes.
 Estratos do sistema jurídico:
 Princípios normativos;
 Normas legais;
 Critérios de jurisprudência judicial;
 Critérios de jurisprudência dogmática;
 Realidade jurídica.

4.1. Contraponto com a compreensão normativista do sistema.


- Para a conceção normativista do século XIX, o direito é constituído integralmente por
normas, propondo, desta forma, um sistema jurídico unidimensional, que conta apenas com
normas legais, ignorando todos os restantes estratos.
4.2.
-A nossa conceção do direito (direito já não assente, apenas, em normas legais) traduz-se
num sistema jurídico pluridimensional em que todos os estratos que o compõem, são direito
vigente;
- Ora, o direito vigente terá que ser, inevitavelmente, vinculante. De facto, todos os estratos
vinculam o julgador, na medida em que todos vão ser relevantes para a solução do caso
concreto; no entanto, os estratos vinculam o julgador de maneira diferente;
- Esta diferenciação vinculante tem a ver com o próprio sentido atribuído à vinculação.
Normalmente considera-se a vinculação num sentido prescritivo-autoritário, isto é,
compreende-se que algo é vinculante com base numa autoridade que assim o exige. Este tipo
de vinculação apenas, no nosso sistema jurídica, se relaciona com o estrato das normas
legais. Nenhum outro estrato é vinculante com base na autoridade;
- No entanto, todos são vinculantes. É-nos então exigido compreender a vinculação num
sentido mais amplo, de modo a que todos os estratos possam beneficiar de outros tipos de
vinculações.
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5.
- É importante a distinção entre critérios e fundamentos. O fundamento encontra-se,
nuclearmente, associado ao estrato dos princípios normativos, tendo o juiz que mobilizar os
princípios como fundamentos do seu juízo-decisório, justificando, com eles, essa mesma
conclusão racionalmente plausível. Apesar de justificar essa conclusão do juiz, os
fundamentos (leia-se princípios normativos) não propõem uma solução ou um tipo de
solução para os variados problemas que o julgador vai encontrar ao longo do seu percurso. O
fundamento não dispensa um esforço por parte do julgador para obter essa mesma solução.
Podemos, então, concluir que os princípios normativos não antecipam os problemas que
o julgador irá atravessar, no entanto, as suas exigências acompanham o juiz na sua
travessia e têm que estar, inevitavelmente, presentes no seu juízo decisório;
- O critério encontra-se associado a todos os restantes estratos do sistema jurídico. O critério
servirá como resolução imediata de qualquer tipo de problema que o julgador enfrente na sua
travessia ou como pré-esquematização de uma solução. Serão os critérios que o juiz deverá
interpretar de modo a responder aos mais variados problemas e a encontrar solução para o
seu problema jurídico.

 Analogia da luz do farol


- Através desta analogia é possível distinguir fundamento/critério e perceber a sua
utilização pelo julgador quando este encontra-se a solucionar um problema jurídico.
Imaginemos o juiz como sendo um caminhante que terá que realizar uma travessia de um
território desconhecido, um território que nunca foi percorrido anteriormente. É simples
perceber que o caminhante nunca poderia atravessar adequadamente este território se
contasse, apenas, com a sua inventio. É indispensável que a sua inventio beneficie de apoios
e orientações comunitariamente vinculantes. O caminhante poderá, então, contar com dois
tipos de apoios:
a) O primeiro apoio consiste na luz de um farol que lhe possibilita orientar-se ao longo
da travessia. Evidentemente que o caminhante não deverá ignorar esta indicação; no
entanto, esta não lhe vai antecipar os problemas que o indivíduo vai encontrar (a luz
do farol não antecipa encruzilhadas, armadilhas ou atalhos). Esta indicação
proporciona ao caminhante uma orientação fundamental, tendo este que respeitar as
exigências dessa mesma indicação (terá inevitavelmente que seguir a luz), não
devendo seguir um percurso que o afaste de tais exigências – FUNDAMENTOS.
b) O segundo apoio consiste na existência de um mapa mais ou menos pormenorizado
que permitem ao caminhante antecipar situações-problemas e propõem soluções,
alternativas ou tipos de soluções para estes problemas – CRITÉRIOS.
- A travessia deve submeter-se a duas exigências fundamentais:

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a) Por um lado, o julgador não poderá tratar a orientação oferecida pelos princípios-
fundamentos como se esta orientação correspondesse ao apoio proporcionado pelos
critérios-mapas. Como já vimos, os princípios-fundamentos não antecipam problemas
nem fornecem soluções para esses mesmos problemas e, neste sentido, exigem um
tratamento diferenciado dos critérios;
b) Por outro lado, o julgador não deverá pretender construir o percurso como se este
fosse liberto dos critérios-mapas. O primeiro passo do julgador deve ser sempre
procurar esses mesmos critérios. Depois de encontrados, o juiz deverá, por um lado,
experimentá-los no terreno (isto é, verificar se o determinado esquema de solução
proposto se adequa à situação-problema concreto) e, por outro lado, mobilizar
inteligentemente as suas instruções (isto é, ter em atenção se os critérios propostos
não vão contra os princípios-fundamentos. O julgador nunca poderá caminhar em
sentido oposto àquele que a luz do farol indica, mesmo que o mapa que dispõe assim o
proponha).

B
1.
Iremos, ao longo dos pontos seguintes, analisar os diferentes estratos que compõem o
sistema jurídico. Comecemos pelos princípios normativos. É bom ressalvar,
antecipadamente, que não se deve confundir princípios normativos com princípios gerais do
direito. Os princípios normativos são objetivações de compromissos prático-comunitários,
dotados de uma dimensão de validade que estes compromissos traduzem ou realizam com a
emergência destes princípios num certo contexto histórico-cultural e com uma prática de
realização que, continuamente, os transforma.

A novidade e especificidade dos problemas permite repensar as exigências dos princípios


normativos. A dialética sistema-problema vai alterando as intenções e exigências prático-
comunitários transformando os princípios normativos que as objetivam. Assim, os
princípios são mutáveis e a sua validade adequa-se a determinado contexto histórico.

- Apesar das transformações motivadas pela experiência de realização das intenções prático-
comunitários, os princípios normativos também se revestem de uma dimensão estabilizadora,
uma vez que se traduzem em objetivações dessas mesmas intenções da validade comunitária.
É esta estabilização que os converte em fundamentos, revestidos de uma dimensão
axiológica (valores que se vão mutando ao longo dos vários contextos históricos) e uma
dimensão dogmática estabilizadora que os faz assumir o papel de expressões normativas do
direito nas quais o sistema jurídico justifica o seu sentido;

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-Assim sendo, assume-se que o sistema jurídico (e o poder judicial!) deverá seguir sempre
estas intenções da ordem de validade comunitária, nunca desprezando a já falada indicação
da luz do farol, sob pena de não se poder considerar esse sistema jurídico uma ordem de
pleno direito.
 A título de exemplo, abordemos o princípio da legalidade criminal. Depois do
processo de construção de um projeto de juridicizão do poder e da consequente
monopolização político-estadual do direito de punir, é essencial prevenir a
possibilidade de converter o sujeito jurídico num destinatário-objeto de soluções
arbitrárias e/ou persecutórias. Emerge, assim, um grande compromisso
normativamente estabilizado como princípio – Princípio da legalidade criminal.
Este princípio assume o papel de fundamento do sistema jurídico e, por esse motivo,
poderemos declarar que, caso as suas exigências não sejam seguidas, não estaremos
perante uma ordem de direito. Como é evidente, este princípio jurídico fundamental é
marcado por uma dinâmica histórico-cultural, isto é, o princípio não é entendido
da mesma maneira ao longo da história. A pesar disso, no nosso ciclo histórico do
direito este princípio é irrenunciável, ficando-se a dever este facto, a uma prática de
estabilização de um compromisso comunitário, compromisso esse que se vai mutando
através da, já falada, exigência de realização, que se traduz numa dialética sistema-
problema, mas sempre assumindo um núcleo essencial irrenunciável.

1.1. Os princípios como direito vigente


1.1.1. Três diferentes conceções dos princípios
a) Princípios como Ratio (os chamados princípios gerais de direito): Esta conceção
descende de uma compreensão normativística dos princípios, compreensão essa
associada ao pensamento positivista do século XIX. Para esta conceção, os princípios
não são, em si mesmo, considerados direito vigente uma vez que, como sabemos, a
corrente positivista defendia um sistema jurídico unidimensional, isto é, um direito
exclusivamente constituído por o estrato das normas legais. Para estes doutrinários, os
princípios gerais de direito são vistos como recursos que a ciência do direito constrói
para conhecer melhor as normas legais que constituem o direito. Os princípios são,
então, pressupostos racionais, mobilizados pela ciência do direito, que vão ser
obtidos através de um esforço de generalização. A ciência do direito vai, então,
procurar sintetizar um conjunto de normas referentes a um assunto comum em 2 ou 3
normas (ainda) mais gerais e abstratas do que as primeiras. A esse resultado de
generalização designará por princípios gerais de direito, ficando estes com o papel de
reproduzir de forma mais geral e abstrata as normas legais vigentes, não funcionando,
portanto, como fundamentos. Os princípios gerais de direito não acrescentam soluções
prático-normativas às normas legais vigentes nem funcionam
como exigências de validade das segundas.
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b) Os princípios como intenções (intentio): Esta compreensão dos princípios já não


assume que estes sejam obtidos a partir das normas legais, como sucedia com a
primeira conceção. Este entendimento defende que os princípios têm um carácter
pré-jurídico, isto é, associados aos princípios estão ligadas intenções morais,
definindo, deste modo, os princípios como, inicialmente, princípios morais que
traduzem expectativas sociais ou compromissos de uma determinada comunidade e
que, só depois de serem objetivados, é que se tornam princípios jurídicos. Como
ganham, então, essa juridicidade? Para adquirirem essa juridicidade os princípios pré-
jurídicos terão que ser objetivados em decisões legitimadas no plano político
constitucional (transformadas em normas legais por um órgão institucional legítimo)
ou por decisões judiciais formalmente vinculantes (no caso do direito Common
law). Sintetizando, para se tornar princípios jurídicos terão que ser objetivados por
uma autoridade que lhes fornece a sua força jurídica.
 Apesar da necessidade de objetivação, admite-se que estes princípios
possam ser invocados em dois planos diferentes:

 Em relação ao poder legislativo: É importante que o legislador tenha em atenção as


intenções morais que regulam a comunidade para a qual está a legislar – os princípios
pré jurídicos têm uma função regulativa para a constituição do direito positivo.
 Em relação ao poder judicial: Os princípios pré-jurídicos podem intervir, no plano
judicial, em duas situações:
I. Quando o juiz se encontra com uma norma legal excessivamente aberta ou
indeterminada – Nestas situações o juiz está autorizado a recorrer a estes
princípios como apoio para vencer as dificuldades levantadas;
II. Quando o juiz é confrontado com um caso omisso – Pode recorrer aos
princípios para construir uma solução para o caso,

Os princípios assumem uma função regulativa no direito


positivo constituído (em I) e uma função regulativa na prática
de integração ou desenvolvimento do direito positivo (em II)

c) Os princípios como direito-jus (um autêntico direito vigente): Para esta conceção os
princípios já não são pré-jurídicos mas princípios constitutivamente jurídicos, isto é,
princípios que nos aparecem ligados à institucionalização do direito a partir de um
exercício de comparabilidade (exercício associado com a prática de resolução de uma
controvérsia). Os princípios são, assim, genuinamente jurídicos que nascem da
própria experiência do direito. Por outro lado, os princípios jurídicos, uma vez
assumidos enquanto especificações juridicamente relevantes (relativas aos problemas
jurídicos) da validade comunitária, valem e vinculam enquanto direito sem

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necessidade de serem objetivados por parte de uma autoridade. Estes princípios


(já vimos, válidos e vinculantes) devem ser tratados como fundamentos e não como
critérios uma vez que os princípios não fornecem um esquema de resolução (por mais
abstrato que ele seja) aos problemas. Os princípios são manifestações de exigências
que devem estar presentes na prática de realização do direito e, só diante dos
problemas é que as exigências dos princípios se tornam totalmente compreensíveis (só
quando estamos a seguir a luz do farol e nos deparamos com os problemas é que
somos capazes de compreender, na situação concreta, o que é que aquele compromisso
comunitário me exige – não pode ser considerado fora de um contexto concreto).

Para esta conceção os princípios não são normas/critérios! São


fundamentos!

1.2. Duas classificações que a compreensão dos princípios como jus permite
considerar
a) Os princípios segundo a posição que ocupam na consciência jurídica geral:
Esta classificação tem a ver com a menor ou maior dependência do conteúdo do direito
relativamente a um contexto histórico situado. Perante isto, podemos dividir os princípios
em três graus distintos:
 Princípios mais contingentes: Neste grau
existe uma grande assimilação dum contexto
histórico. Os princípios têm sentido num
Princípios que determinado contexto histórico, acabando por
exprimem a intenção
última do direito
ser substituídos quando se dá uma rutura e a
Princípios Jurídicos ordem que existia é superada.
fundamentais  Princípios Jurídicos fundamentais: São
aquisições culturais irrenunciáveis,
Princípios mais contingentes independentes de um contexto histórico e
que, sem a presença deste património, não se
pode afirmar que uma ordem seja,
efetivamente, uma ordem de direito.
 Princípios que exprimem a intenção
axiologicamente última do direito: Sem
estes princípios não é possível admitir a
existência de direito.

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b) Os princípios segundo a posição que ocupam no sistema:

 Princípios positivos: Os princípios positivos são os princípios que o direito


vigente (particularmente o direito objetivado nas normas legais) terá que
objetivar, de forma explícita ou implícita, de modo a afastar uma alternativa a
esses princípios, alternativa essa igualmente plausível. Assim sendo, é
fundamental existir uma manifestação inequívoca desse princípio, de modo a
salvaguardar a sua vigência numa ordem jurídica;
 Princípios transpositivos: A maior parte destes princípios está consagrada na
lei, no entanto, não são considerados princípios positivos. Não são considerados
positivos uma vez que o que os leva a serem positivados não é o mesmo motivo
que levou à objetivação dos primeiros. Os princípios transpositivos não têm
nenhuma alternativa plausível; estes não poderão ser extintos nem
suspensos, seja em que contexto for – uma ordem social sem a presença destes
princípios não pode ser considerada, verdadeiramente, uma ordem de direito.
Estes princípios transpositivos são exigências constitutivas de diferentes
domínios do direito, sem as quais esses domínios não são concebíveis. O
princípio transpositivo está sempre associado a um domínio específico do
direito; no nosso contexto atual esse domínio do direito não é
institucionalizável sem esse princípio, isto é, só são concebíveis os vários
domínios do direito se estes princípios estiverem presentes, seja objetivados ou
não, já que, mesmo que não esteja objetivado, o princípio vale e terá que ser
respeitado;
 Princípios suprapositivos: Podemos autonomizar um conjunto de princípios
que estão diretamente associados à experiência da pessoa enquanto sujeito
jurídico (pessoa enquanto titular de direitos e deveres). Ora, não se poderá
pensar a pessoa em sentido jurídico sem distinguir dois polos: O pólo do Suum
(o da autonomia/dos direitos) e pólo do commune (o da responsabilidade/dos
deveres). Apesar destes polos terem exigências contrárias é possível associar
exigências que são comuns a todos os domínios do direito. Essas exigências
últimas, que se essenciais quando associadas à condição de pessoa enquanto
sujeito jurídico, são identificadas como princípios suprapositivos, isto é,
princípios que são comuns a toda a experiência do direito.
-Percebemos a existência de princípios suprapositivos enquanto princípios comuns a toda a
experiência do direito, se considerarmos a grande intenção que deve estar na base de
qualquer experiência de direito, que é a construção ou institucionalização de uma
comunidade de sujeitos-pessoas. Todos os princípios são manifestações dessa
preocupação, uma vez que correspondem às exigências comuns a todos os domínios do
direito.

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- Que exigências são essas?


 O pólo do Suum associa-se a duas ideias (exigências) fundamentais:
 Uma ideia de liberdade-autonomia: Há uma esfera de autodeterminação de
cada sujeito que não pode ser suprimida;
 Uma ideia de igualdade dos sujeitos da controvérsia: Ambos os sujeitos de
uma controvérsia terão, inevitavelmente, de surgir numa condição de igualdade
perante o terceiro (o juiz). Esta igualdade está associada à condição de sujeito
de direito, condição de toda a pessoa humana. Uma ordem que não atribui a
condição de sujeito de direito a toda a pessoa humana, não é uma ordem de
direito.

 A estas duas exigências associam-se dois princípios (suprapositivos):

 Princípio da autonomia:

 Dimensão negativa: Exige que, cada um de nós, por ser sujeito de


direito, não possa ser convertido num objeto da prepotência de
outros sujeitos nem da sociedade e da comunidade como um todo –
traduz a exigência de que cada um de nós tem que ser
protegido da prepotência dos outros.
 Dimensão positiva (princípio de participação): Se se define o
sujeito como autónomo também se espera que este participe
mobilizando um património de direitos subjetivos – É-nos
conferido possibilidades de intervenção através de um
património de direitos subjetivos, que vamos dinamizar,
cruzar, interrelacionar com os restantes sujeitos.

 O pólo do commune associa-se a uma ideia (exigência) fundamental:


 Ideia de responsabilidade: Podemos distinguir vários planos desta ideia de
responsabilidade:
o Responsabilidade que resulta das relações voluntárias: Se eu não cumpro
uma prestação a que me vinculei vou ser responsável pelo não
cumprimento – Responsabilidade comutativa;
o Responsabilidade que resulta da produção de um dano: Se eu produzo um
dano no património de outro sujeito ou um dano que afeta a integridade
física de outro vou ser responsável por um certo equilíbrio que eu
coloquei em causa – Responsabilidade pelo equilíbrio que coloquei em
causa

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o Responsabilidade criminal: Enquanto membro de uma certa comunidade


eu sou corresponsável por certos bens – tenho o dever de preservar
certos bens comunitários (paz, honra, etc.);
o Responsabilidade associada à solidariedade: exigência de participar,
eventualmente, com sacrifícios para o benefício da comunidade ou
sociedade como um todo – Responsabilidade ativa de participação
assente na ideia de solidariedade.

 A esta ideia de responsabilidade associam-se dois princípios (suprapositivos),


de índole diferente, que funcionarão como limites dos limites, isto é, limitarão
os limites à liberdade que a responsabilidade jurídica impõe a cada sujeito da
comunidade. As exigências que estes princípios impõem são exigências de
estabelecer fronteiras ou limites para a responsabilidade jurídica (nos mais
variados planos). Podemos, então concluir, que a responsabilidade jurídica não
é (nem poderá ser!) uma responsabilidade infinita, isto é, uma responsabilidade
sem qualquer limite. Os dois princípios em causa:

 Princípio do mínimo: O princípio do mínimo limita num plano material


a responsabilidade jurídica. No que se traduz estes limites materiais
levantados pelo princípio do mínimo? Estes limites fazem com que a
responsabilidade jurídica não possa ser excessiva no plano das exigências
que nos impõe. A exigência imposta terá que ser aquela que é
indispensável para permitir o livre desenvolvimento da nossa
autonomia no seio da comunidade. Há que haver uma procura de
equilíbrio de modo a que a exigência imposta pela responsabilidade
jurídica não seja nem excessivamente pesada, nem excessivamente leve
para o sujeito jurídico. Este princípio exige, então, a proporcionalidade
das limitações que a responsabilidade jurídica – Terá que haver uma
articulação das funções do direito que permitam afirmar que a
resposta dada pelo direito é a resposta indispensável para permitir o
livre desenvolvimento da autonomia do sujeito jurídico.
 Princípio da formalização: O princípio da formalização limita num plano
formal a responsabilidade jurídica. Este exige que, seja qual for a
responsabilidade que nos for devida, esta terá que estar formalmente
limitada, isto é, teremos de saber onde é que ela começa e onde é que ela
acaba. Assim, o princípio da formalização exige um esquema (seja ele
qual for) comunicável/objetivo, que nos permita saber onde começa e
acaba a responsabilidade jurídica dos sujeitos-pessoas. Esta imposição é
fundamental para assegurar a justiça de tratamento dos sujeitos-
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pessoas, já que, caso os membros de uma comunidade não conheçam


(nem tenham recursos para conhecer) os seus deveres, viveriam sem
saber quais seriam as consequências dos seus atos, podendo ser
responsabilizados, excessivamente ou por defeito, injustamente. É, então,
fundamental a existência de esquemas claros e determinados que
estabeleçam os limites (onde começa e acaba) da responsabilidade
jurídica de cada sujeito.

Estes princípios suprapositivos (do mínimos e da formalização) gerais a todos os


domínios do direito, terão que ser projetados e institucionalizados nos diferentes
domínios do direito. Com esta projeção e institucionalização num domínio específico do
direito já poderemos falar de princípios transpositivos.
Ex.: Princípio do Mínimo projetado no direito penal origina o princípio transpositivo
da proporcionalidade.
Princípio da formalização projetado no direito penal origina o princípio
transpositivo da legalidade criminal.

1.3. O problema da juridicidade dos princípios

2. As normas legais como critérios


2.1. Quando pretendemos abordar o estrato das normas legais do sistema jurídico, é
importante perceber que estaremos a considerar todo o tipo de leis, seja normas legais
tradicionais (leis que se exprimem através de programas condicionais e que são gerais e
abstratas), seja prescrições concretas e singulares, revestidas de um sentido teleológico, que
o Estado providência veio tornar possível. Neste estrato vai existir uma especial relevância
para as normas legais, normas que serão mobilizadas como critérios pois apresentam um
esquema de solução fechado e acabado.
2.2. As normas legais apresentam duas dimensões que é imprescindível o juiz ter em conta
quando dá uma resposta a um caso concreto:
 Uma dimensão imperativa, uma vez que a lei é a expressão de um poder/vontade
(também política) legítima. A lei é então uma decisão impositiva de um poder,
tendo, deste modo, sempre, ao nível do seu conteúdo, elementos de expressão
político-ideológico. Esta índole política traduz-se na possibilidade que as leis têm de
ser objetivações de programas políticos. Podemos concluir que esta dimensão da

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norma legal se traduz numa escolha (influenciada por um programa político ou mesmo
pelo jogo político) do legislador – Castanheira Neves designa esta dimensão da
norma legal de Ratio Legis;

 À lei não é, apenas, uma prescrição autoritária fornecida pela primeira dimensão. A lei
é, também, um critério jurídico e um critério que tem de ser, inevitavelmente,
inserido no sistema jurídico. É fundamental que o juiz, quando está a considerar a
lei, não tenha em atenção, apenas, a dimensão imperativa da lei. O juiz já não é uma
mera boca da lei; espera-se que este considere a segunda dimensão, inserindo a lei no
próprio sistema jurídico e relacionando-a diretamente com os princípios
(fundamentos). Deve, então, questionar se a solução a que o legislador chegou é ou
não é uma solução compatível com as exigências dos princípios – Castanheira Neves
designa esta dimensão da norma legal de Ratio Iuris.

2.3.
-O contraponto Ratio legis/Ratio iuris permite levantar um problema pertinente que é o
problema da lei injusta. O problema da lei injusta é um problema trans-sistemático, isto é,
está para além da própria participação numa ordem jurídica, uma vez que o problema põe-se
quando, em termos imediatos, o legislador, quando está a fazer a sua escolha em nome de um
programa ideológico-político, decide, em termos explícitos e deliberados, prescindir das
exigências de um princípio. Sintetizando, é um problema trans-sistemático porque é um
problema da própria ordem político-social que, claramente, não pode ser considerada,
verdadeiramente uma ordem de direito;
- A questão que nos importa não é tanto a questão trans-sistemática da lei injusta, mas sim
uma questão que se levanta ao considerar o contraponto Ratio legis/ratio iuris no âmbito
do sistema Jurídico:
 A questão é levantada quando, num Estado de Direito, o legislador prescreve uma
solução sem qualquer tipo de intenção de violar os princípios do sistema
jurídico. Assim, quando se considera em abstrato essa solução, não se dá conta de
nenhuma violação de um princípio e, mesmo quando se mobiliza a mesma na
prática, esta é adequada para a maioria dos casos concretos que visa responder; no
entanto, esta lei, pode não ser adequada para determinado caso que o juiz está a
analisar. A lei, na perspetiva desse caso, revela-se desadequada. Como poderá,
então, o juiz resolver o problema? A solução terá que ser sistemática e
metodológica: O juiz vai ter recursos, na realização do direito em concreto, que
vão permitir enfrentar o problema e resolvê-lo. Destacamos dois desses recursos:

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 Hipótese metodológica de correção: Para resolver o caso, o juiz vai


atribuir à norma significações que se possam compatibilizar com os
princípios – Correção da norma na perspetiva dos princípios;

 Hipótese metodológica de preterição: Por vezes a hipótese


metodológica de correção é impossível de atingir, sendo necessário a
solução de preterir, uma solução bem mais drástica. Esta hipótese só se
aplica em situações limite, isto é, só quando for absolutamente
impossível compatibilizar o critério da norma legal com a exigência
dos princípios é que o juiz estará autorizado a preterir a norma legal. –
O juiz deve dar preferência à Ratio Iuris em caso de
conflito insanável entre norma legal e princípios.

2.4. As normas legais já não beneficiam de uma presunção de validade como os princípios
enquanto Ius. Beneficiam, sim, de uma presunção de autoridade e vinculam-nos
enquanto autoridade político-constitucional.
2.5. Quanto à classificação das normas podemos destacar três perspetivas:
a) A perspetiva da estrutura propõe classificar as normas consoante a própria estrutura
hipotético-condicional da proposição. Assim, podemos fazer as seguintes distinções:
 Proposições normativas autónomas: Apresentam um enunciado com hipótese e
estatuição, formando um critério completo sem necessidade de recorrer a outras
normas
 Proposições normativas mas não autónomas: Não têm um sentido completo.
Para o obterem remetem para outra ou outras normas. A remissão pode-se fazer
de várias formas, originando normas distintas:
 Normas de remissão explícita: Remetem para outra(s) norma(s), referindo
expressamente essa(s) norma(s). Ex.: Art.º 953º C.C. ;
 Normas de remissão implícita: A norma jurídica não remete
expressamente para outra norma, mas estabelece que o facto ou situação a
regular é ou se considera igual ao facto ou situação disciplinada por outra
norma para a qual, portanto, implicitamente remete: É o regime jurídico, que
esta estabelece, que vem a aplicar-se. São remissões implícitas:
 Ficções jurídicas: O legislador determina que uma determinada
situação é ou se considera como se fosse igual à situação prevista
noutra lei. Ex.: Art.º 805.º/2)/C) C.C. – A resposta do direito
ficciona uma situação que não existiu.
 Presunções jurídicas: Estabelece-se uma relação entre dois tipos de
situações, uma delas está comprovada, a outra não. Essa relação
estabelece-se com o recurso à presunção. A presunção pode ser:
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Introdução ao Direito II | João Assunção

 Presunção Jurídica Iuris tantum: Quando a presunção pode ser


refutada mediante prova em contrária. Ex.: Art.º 1826 C.C.;
 Presunção Jurídica Iuris et ed Iure: A presunção é absoluta, não
admite prova em contrário. Ex.: Art.º 1260/3) C.C.
 Proposições não normativas: Não apresentam uma estrutura condicional
(hipótese e estatuição). Podemos distinguir entre:
 Definições: Definem o significado Jurídico de um determinado termo. Ex.:
Art.º 2003 C.C.;
 Classificações: Classificam algo juridicamente. Ex.: Art.º 203 C.C.

b) A perspetiva da articulação ou da coerência sistémica entre normas exige a


relação de normas entre si. Dentro desta perspetiva podemos realizar uma
classificação que, no fundo, tem a ver com relações de especialidade territorial, ligadas
ao âmbito de validade espacial:
 Normas Nacionais ou globais: Aplicam-se em todo o território do Estado. Sucede
com as normas contidas na maior parte das leis e decretos-leis;
 Normas regionais: Só se aplicam numa determinada região. É o caso das normas
integradas nos decretos legislativos regionais;
 Normas locais: Aplicam-se apenas no território duma autarquia local.
- Podemos destacar outra classificação em relação ao âmbito pessoal de validade:
 Normas gerais: Estabelecem um regime-regra, isto é, estabelece para um certo
tipo de situações uma solução-regra;
 Normas especiais: Consagram uma disciplina nova ou diferente para círculos
mais restritos de pessoas, coisas ou relações, mas não diretamente oposta ao
regime comum das normas gerais – Respeitam o regime-regra, adaptando-o
 Normas Excepcionais: Consagram um regime oposto ao regime-regra, num sector
restrito.

c) A perspetiva do vínculo lógico com a ação combinada com a perspetiva da


autonomia privada tem a ver com o vínculo que se estabelece com a ação dos
sujeitos, combinada com uma certa perspetiva de autonomia privada. Significa isto
que se pode classificar as normas jurídicas consoante a sua aplicação seja dependente
(ou não) da manifestação de vontade dos sujeitos a que essas normas se dirigem:
 Normas imperativas (injuntivas ou cogenses): A sua aplicação não depende
de nenhuma manifestação de vontade dos sujeitos a que essas normas se
dirigem. Estas normas são impostas aos sujeitos, podendo exigir-lhes um
comportamento positivo (facere) ou negativo (non facere). Por isso, podemos
classificá-las em:

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Introdução ao Direito II | João Assunção

 Precetivas: Impõem uma conduta ao sujeito – Comportamento positivo;


 Proibitivas: Proíbem uma conduta – Comportamento negativo.

 Normas Permissivas (ou dispositivas): Normas cuja aplicação depende da


manifestação de vontade dos sujeitos a que essas normas se dirigem. Podem ser:
 Facultativas (concessivas ou atributivas): Permitem ou facultam certos
comportamentos, reconhecendo determinados poderes ou faculdades;
 Interpretativas: Determinam o alcance e o sentido de certas expressões
ou declarações negociais suscetíveis de dúvida;
 Supletivas: Consagram soluções, soluções que podem ser afastadas pelos
sujeitos privados, ou seja, são normas que estabelecem um critério mas há
possibilidade de os sujeitos privados virem a manifestar que querem uma
outra solução. As normas supletivas só valem se os sujeitos privados
não manifestarem que querem uma outra solução.

3. Os critérios da jurisprudência judicial


-Quando falamos de jurisprudência judicial estamos a considerar as decisões tomadas pelos
tribunais relativamente a questões jurídicas concretas, isto é, estamos a falar de decisões
de controvérsias práticas juridicamente relevantes. Estas decisões judiciais, tomadas como
exemplos de resolução de casos concretos, são suscetíveis de serem convocados como
orientação da decisão de casos concretos futuros, ou seja, podem ser mobilizados como
critérios.
-No entanto, não são critérios da mesma índole que as normas legais, uma vez que, sendo as
decisões jurisprudenciais resoluções de casos concretos, estas não comportam uma
formulação nem uma estrutura lógica como as normas legais, nem constituem um critério
geral e abstrato nos mesmos termos em que se apresentam as normas legais. Estes critérios
são, prejuízos suscetíveis de serem utilizados em soluções futuras em casos análogos.
-Há uma certa vinculação que as decisões judiciais, tomados como critérios para a resolução
de casos futuros, podem, efetivamente, assumir, mesmo num sistema de civil law. Estes
prejuízos beneficiam sempre, no plano metodológico-argumentativo (no plano da
argumentação construída para fundamentar o sentido da decisão jurídica), de uma autêntica
presunção de vinculação. Do ponto de vista do plano metodológico-argumentativo, cumpre
reconhecer que, a coerência interna do sistema e a sua unidade implicam que, ao
considerar um caso, o julgador tenha em conta as decisões anteriores de casos
semelhantes/análogos. Implica, então, uma presunção de vinculação específica que é
assumida por estes prejuízos tomados como critérios.
-Que presunção de vinculação?

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Introdução ao Direito II | João Assunção

 Ideia de presunção de correção (Século XIX) – Presume-se que a decisão do


caso anterior foi aquela que deveria ter sido no momento e à luz dos sentidos
que o sistema jurídico deveria assumir;
 Ideia de presunção de justeza (mais atual) – Justeza enquanto adequação da
decisão às exigências do caso concreto e aos sentidos estabelecidos no sistema
jurídico – presença da dialética sistema-problema;
- Esta presunção de justeza importa reconhecê-la como ilidível (não absoluta), ou seja, é
suscetível de ser afastada através de uma contra-argumentação ou contrafundamentação.
-Significa isto que, pretendendo o julgador afastar o precedente existente, deverá o julgador
fundamentar, de modo plausível, a sua opção (o afastamento desse precedente) – Haverá
uma gradação da exigência dessa contra-argumentação diretamente proporcional à índole
da própria decisão. Assim, se estiver em causa o afastamento da decisão de um tribunal
superior, o ónus da contra-argumentação ficará agravado, ou seja, é preciso argumentar
de modo muito mais profundo as razões do afastamento.
-Assim, a presunção de justeza (não absoluta) implica duas dimensões distintas:
 Princípio da inércia argumentativa: Existindo um precedente judicial evocável ele
deverá ser convocado. À luz deste princípio, havendo uma ligação entre as decisões já
tomadas e aquelas que se vão tomando, é garantido densidade à prática/realidade,
conferindo unidade ao sistema jurídico;
 Se, porém, o caso se assuma suficientemente diferente para que se justifique o
afastamento desse precedente judicial, cabe, então, ao julgador assumir o ónus da
contra-argumentação e, assim, fundamentar as razões do afastamento – Esse
juízo-decisório que o julgador realiza deverá convocar todo o sistema jurídico, em
todos os seus estratos, encontrando um contributo, nos fundamentos e nos critérios,
que sustentam a sua decisão judicial.
-À jurisprudência judicial corresponde, assim, uma presunção de vinculação ilidível de
justeza, isto é, impõe a busca de uma solução adequada, uma realização justa,
praticamente adequada e sistematicamente fundamentada do direito naquela concreta
realidade em que pretende efetivar-se.
4. A dogmática ou Jurisprudência doutrinal
- A compreensão atual da dogmática distancia-se bastante da conceção que poderíamos
encontrar no século XIX. Em lugar da ciência dogmática do direito, uma dogmática
meramente reprodutiva, perfila-se hoje uma dogmática autenticamente constitutiva;
- Esta compreensão atual implica, inevitavelmente, que a dogmática tenha que ser
considerada um dos modos de constituição da juridicidade vigente. Para compreender
esta compreensão é necessário considerar a indissociabilidade da jurisprudência dogmática
com a jurisprudência judicial, possibilitando, deste modo, convocar uma unidade prático-
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Introdução ao Direito II | João Assunção

prudencial e a intenção hermenêutica sistemático-dogmática. Significa isto que, nem a tarefa


de descrever reconstitutivamente o direito vigente, nem a tarefa de esclarecimento de
categorias ou usos linguístico pode ser sustentada autonomamente: A unidade
intencionalmente global é cumprida em nome de uma racionalidade prática sujeito/sujeito.
-Vimos, então, que uma das funções da dogmática será propor modelos de solução que vão
surgindo. Estes modelos (que tanto poderão ser critérios como fundamentos) dogmáticos-
normativos beneficiarão de uma presunção ilidível de racionalidade, enquanto conversão
de uma presunção de auctoritas a assumir o sentido originário de uma presunção de
legitimidade histórico-cultural. Esses modelos normativo-dogmáticos podem:
 Oferecerem-se-nos como critérios – Esquemas de solução com um nível de abstração
superior aos dos precedentes jurídicos e significativamente menos concentrados e
menos abstratos do que aqueles que as normas constroem;
 Assumir uma tarefa privilegiada de explicitação-constituição de princípios-
fundamentos, capazes de acentuar a importância e as possibilidades de projeção das
exigências com que estes nos responsabilizam e de “inventar novos faróis”

Em qualquer dos casos, estes modeles proporcionam-nos fundamentos prático-


discursivos metodológico-argumentativamente preciosos (iluminados por uma
presunção de racionalidade)

- Sintetizando, a dogmática assume 3 funções/tarefas:


 Função heurística – Corresponde a uma constituição/Inventio autónoma, inovadora e,
por isso, antecipante, de fundamentos e de critérios a partir da análise dos sentidos
exigidos pelo sistema jurídico. A reflexão sobre os fundamentos e critérios geram
perguntas novas e soluções/possibilidades de solução novas;
 Função estabilizadora – Possibilita a institucionalização compensatória da abertura
predicativa do prático-normativo;
 Função desoneradora – Na medida em que os apoios que disponibiliza libertam o
jurista de uma problematização sem fim.
- Por fim resta dizer que a presunção de racionalidade da dogmática é também ilidível, isto é,
não absoluta. Uma vez aceite, não significa que esta tenha de ser mantida por um tempo
indeterminado. Porém, caso se pretenda abandonar uma proposição e seguir uma nova, não
basta que existam mais argumentos a favor da nova posição. É necessário que esses
argumentos sejam tão bons que não só justifiquem esta solução mas justifiquem também o
rompimento com a tradição que esta representa. Vale aqui o princípio da inércia
argumentativa. Todo o que pretender propor uma nova solução suporta o ónus da (contra-)
argumentação.

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Introdução ao Direito II | João Assunção

2. Caracterização dos três tipos de experiência constituinte

2.2. Existem três modos de constituir direito:


a) Experiência constituinte consuetudinária:
 Para a experiência consuetudinária, o Direito constituir-se-á quando se
cumpre. Remete-nos, portanto, para um costume com relevância jurídica. O
costume é uma prática que se repete ao longo do tempo, cuja origem é
impossível de determinar, que se foi estabilizando, e, nessa estabilização, foi
sendo introduzida um significado jurídico. Essa prática é, então, repetida como
se fosse uma prática com relevância jurídica à qual está associada uma
exigibilidade de a cumprir. Essa exigibilidade decorre do comportamento ter-
se tornado habitual, quase natural entre uma certa comunidade e, portanto, todos
os sujeitos dessa comunidade vão repetindo esse comportamento e vão
atribuindo um significado jurídico ao mesmo (Não há nenhuma prescrição
prévia);
 Não sabemos a partir de que momento a prática se estabiliza e a partir de que
momento essa prática estabilizada passou a ter significado jurídico. Esta
indefinição leva-nos a concluir que esta experiência é uma experiência de
sedimentação prático-cultural, não tendo nada de racionalmente
deliberado;
 Reveste-se de um carácter impessoal ou anónimo, não podendo ser atribuído
a uma decisão-voluntas;
 O sentido normativo da experiência consuetudinária é, manifestamente de
imanência comunitária, já que radica nas intenções comunitárias e existe
como realidade comunitária, e exprime uma originária autonomia normativa,
sendo os membros da comunidade os próprios interessados e destinatárias do
costume, são responsáveis pela sua constituição e subsistência;
 Por tudo que já vimos, a experiência consuetudinária tem uma índole
tradicional, que se traduz numa dimensão do passado, já que a constituição do
Direito pressupõe a sedimentação prático-cultural do comportamento, nessa
mesma comunidade.

b) Experiência constituinte legislativa:


 Nesta experiência constituinte o direito constitui-se no momento em que a
norma legal é escrita. A índole é programática uma vez que a prescrição
legislativa é um programa racional, um programa para o futuro. O legislador
prescreve esse mesmo programa para que esse venha a ser cumprido/realizado
no futuro. O Direito constitui-se e manifesta-se, portanto, enquanto se
proclama-prescreve;
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Introdução ao Direito II | João Assunção

 Prescrição de critérios-regras sendo programas condicionais ou finais;


 Na legislação afirma-se um modo programaticamente racional. No entanto,
esta racionalidade que está associada à legislação pode ser entendida de
maneiras diferentes:
 Racionalidade que está associada à lei enquanto uma racionalidade
axiomática-abstrata – Estado Demoliberal;
 Racionalidade estratégica ou teleológica – Estado Social;
 Na base da prescrição legislativa está sempre uma decisão de um poder com
competência legislativa, sendo esta expressão de uma voluntas. A este poder
legislativo está associado uma possibilidade de inovação, não existindo, na
experiência constituinte legislativa, um processo lento de transformação, mas
sim a possibilidade de uma rutura radical, possibilidade essa que nos expõe a
uma contingência política às justificações ideológicas que a sustentam;
 Enquanto o costume tem uma índole não textual, a lei tem uma índole textual,
sendo o próprio texto constitutivo e as prescrições normativas inseridas nesse
texto constitutivo impostas de forma autêntica;
 Já vimos que o costume está associado a uma imanência comunitária. A lei não
apresenta esta índole. Esta tem uma índole claramente estatal, sendo a
legislação, atualmente, um instrumento de planificada intervenção política,
acabando os Estados por governar com as leis. Na lei também persiste uma
heteronomia normativa que se contrapõe à autonomia normativa do costume e
que nos permite estabelecer uma distinção entre os titulares do poder legislativo
e os destinatários das prescrições normativas (apesar dos autores serem também
eles destinatários dessas prescrições normativas).

c) Experiência constituinte jurisdicional:


 Na experiência constituinte jurisdicional, o direito constitui-se e manifesta-se
enquanto se realiza em concreto;
 O direito realiza-se, então, quando o juiz responde a uma determinada
controvérsia. Evidentemente o juiz responde ao caso concreto em termos
racionais, uma racionalidade de índole problemático-dialética. No fundo
espera-se que o juiz responda realizando o sistema jurídico. O juiz emite,
portanto, um juízo decisório, uma vez que à decisão do juiz é incutido uma
racionalidade que o faz mobilizar o sistema jurídico e as suas exigências
comunitárias;
 Esse juízo decisório é emanado por um poder-autoridade (o juiz) que deverá
assumir uma condição de tercialidade em relação ao caso concreto,
mobilizando as exigências da validade comunitária e do sistema jurídico
vigente;

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Introdução ao Direito II | João Assunção

 A decisão judicativa é um critério-exemplum que se exprime num texto, já não


constitutivo mas agora expressivo de uma Ratio decidendi;
 Apresenta uma índole comunitária-prudencial e mediação normativa pelo
juíz, entre os sujeitos-partes e entre a normativadade do sistema jurídico e a
realização em concreto desse sistema;
 A experiência jurídica jurisdicional é de índole prudencial uma vez que nos
remete ao concreto juízo normativo. A dimensão de tempo que aqui
corresponde, nesta experiência, ao direito é o presente, sendo certo que o
direito, aqui, concebe-se como uma normativa validade comunitária que
continuamente se afirma nos casos da sua problemática realização atual.

 Diferentes perspetivas do direito:


 Para a experiência consuetudinária, o Direito é um comportamento social que se
estabiliza, institucionaliza e repete. Esta institucionalização/estabilização é
sempre uma estabilização tradicional. O direito é indissociável da tradição;
 Para a experiência legislativa o Direito é visto como uma regra de conduta ou
regulativo autossubsistente. É, assim, um conjunto de regras que visam o
comportamento futuro;
 Para a experiência jurisdicional o direito é, antes de mais, constituinte da
estabilização da validade comunitária que se traduz no sistem. O direito é,
então, visto enquanto objetivação da validade comunitária que se traduz numa
série de fundamentos e critérios que depois a jurisdição vai tornar relevantes
quando responder ao concreto, daí que responder a um caso exija sempre
mobilizar este sistema.
2.3. O relevo atual dos três tipos de Experiência
- Tendo em conta estas três experiências podemos facilmente perceber que hoje, estas
experiências têm índoles diferentes. Hoje, dificilmente encontramos uma ordem jurídica em
que se possa dizer que a experiência consuetudinária é a experiência mais relevante. No
entanto, temos ordens jurídicas que dão grande importância ao costume mas através, por
exemplo, da experiência legislativa, não sendo a experiência nuclear dessa mesma ordem
jurídica;
- Em todos os sistemas de common law, a experiência mais relevante é a experiência
jurisdicional. Não esquecer que a experiência legislativa, nestas ordens jurídicas, também é
uma experiência relevante mas não a polarizadora;
- Em todas as ordens jurídicas que se inserem na família romano germânica, a experiência
polarizadora é a experiência legislativa, sendo a experiência jurisdicional relevante mas
não polarizadora;

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Introdução ao Direito II | João Assunção

- Concluindo, se nos países da common law a experiência polarizadora é a experiência


jurisdicional, nos sistemas de civil law a experiência polarizadora é a legislativa.
3. Algumas especificidades do nosso sistema de legislação:
- Existe uma dificuldade em estabelecer uma fronteira entre o que é a criação do direito pela
legislação e a criação do direito pela jurisprudência judicial. Tendo em conta esta realidade,
podemos considerar uma série de respostas que existem no nosso sistema que têm como
intenção estabilizar a jurisprudência, de a fixar;
a) -Antes de abordar essas atuais respostas é pertinente analisar um instituto de direito
processual que vinculou entre nós, que foi o instituto dos assentos. Os assentos eram
decisões do Supremo Tribunal de Justiça a funcionar em pleno. Para o Supremo
Tribunal de Justiça o fazer teríamos que estar perante duas decisões judiciais relativas
à mesma matéria fundamental do direito. Detetando-se este conflito torna-se
indispensável abrir uma nova possibilidade de recurso para o último dos dois casos
julgados, para o Supremo Tribunal de Justiça. Este tribunal, a funcionar em pleno,
tinha, então, que decidir o último caso e partiria dessa decisão para construir uma
norma geral e abstrata que iria valar vincular para o futuro;

-Cabia, portanto, ao Supremo Tribunal de Justiça, utilizando este instituto, resolver um


conflito da jurisprudência e criar um critério, autónomo do caso concreto, que
reproduzisse a decisão de forma geral e abstrata, fixando, deste modo, a
jurisprudência. Quanto a este ponto, existia uma divergência doutrinária:

 Alguma doutrina considerava que esta transformação de uma decisão judicial numa
prescrição normativa geral e abstrata atribuía aos tribunais, ainda que
excecionalmente, uma tarefa legislativa – Posição mais assertiva. O assento é, de
facto, uma prescrição normativa geral e abstrata e criar estas prescrições é da
competência do legislador, logo, quando o tribunal emitia um assento, estaria a
assumir uma tarefa legislativa;
 Outra posição doutrinária considera que a emissão de um assento continua a ser um
ato jurisdicional e que seria a única circunstância em que a jurisdição judicial
estava autorizada a criar direito no nosso ordenamento jurídico - Esta posição só faz
sentido numa compreensão unidimensional do sistema jurídico, uma vez que ignora
o estrato da jurisprudência judicial, considerando que os tribunais apenas criavam
direito em situações absolutamente excecionais.

b) -A índole da fixação da jurisprudência que hoje está em vigor na nossa ordem jurídica
é diferente daquela que encontrávamos no instituto dos assentos porque, embora
continuemos a ter o requisito da existência de duas decisões jurídicas opostas
referentes à mesma matéria fundamental do direito, a decisão, que vai ser tomada na

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Introdução ao Direito II | João Assunção

instância superior relativamente ao segundo caso, é a decisão que, enquanto tal, nos
vai oferecer um critério da jurisprudência judicial;

-Não nenhum recurso posterior de generalização. A decisão não vai ser convertida em
norma. Esta, como qualquer decisão judicial (esta com especial força) é que vai ser
mobilizada como um critério da jurisprudência judicial beneficiando de uma
presunção de justeza mais forte porque foi construído no âmbito do percurso de
estabilização da jurisprudência. Significa isto que, algum tribunal para contrariar esta
decisão vai ter que contra-argumentar de forma muito especial para poder divergir
deste critério;

 Concluindo, é, então, importante perceber que a fixação da jurisprudência atual tem um


carácter diferente do que o Instituto dos assentos. Nunca há a criação de uma norma geral
e abstrata nem a atribuição a esse critério de uma vinculação autoritária. Há, sim,
critérios da jurisprudência judicial com uma especial força ao nível da sua presunção de
justeza, tornando-os mais difíceis de superar, contribuindo, desta forma, para a
estabilização da jurisprudência.

4. Dimensão funcional da legislação


-Há determinadas funções que são desempenhadas pela lei e que não podem ser
desempenhadas por outros modos de criação de direito, uma vez que essas tarefas estão
associadas às próprias características da lei. As características normativas da legislação
permitem que a lei desempenhe um conjunto de funções jurídicas indispensáveis nas atuais
ordens jurídico-sociais:
1. Funções Político-sociais
a) Função de ordenação político-social e reformadora: A lei é um programa
para o futuro. Neste sentido, ela poderá assumir uma dimensão
reformadora/transformadora, inclusive de certas práticas sociais. Se há a
intenção de transformar certas práticas sociais, um dos recursos mais eficazes
para o conseguir é a alteração da legislação. Existe, então, uma dinâmica
transformadora que só pode existir através da experiência legislativa.

b) Função instituinte e planificadora regulamentar: Esta função traduz-se na


atribuição a diferentes órgãos de competências e numa planificação da possível
atuação desses órgãos. Existe, portanto, associado à lei, uma dinâmica de
institucionalização da ordem político-social;

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Introdução ao Direito II | João Assunção

2. A lei, atualmente como a compreendemos, não desempenha, apenas, funções político-


sociais. No contexto das sociedades contemporâneas, a lei é, também chamada a
desempenhar Funções Jurídicas
a) Função jurídica de garantia: Garante a autonomia dos sujeitos jurídicos. No
quadro da relação do sistema jurídico com o sistema político, a lei assume uma
função de garantia da autonomia dos cidadãos. Esta função é, particularmente,
visível quando consideramos as diferentes projeções do princípio da
formalização em diversos princípios transpositivos de legalidade. Esta função
de garantia não poderia ser desempenhada, nos mesmos termos, por qualquer
outra experiência de constituição do direito, pois só a lei tem um carácter
programático capaz de limitar a responsabilidade exigida ao sujeito no futuro;

b) Função jurídica de integração: É uma função particularmente relevante no


nosso sistema jurídico e noutras sociedades que apresentam divisões éticas,
religiosas, culturais, etc. Ora, numa sociedade assim fragmentada torna-se
difícil falar de referências valorativas comuns. Numa sociedade dividida torna-
se indispensável que, em relação a certos problemas jurídicos haja uma opção
do legislador que vincule todos os indivíduos uma vez que, existindo essa
divisão, a unidade integradora não se vai encontrar no plano das referências
valorativas. O legislador deve, então, objetivar legislativamente uma solução
vinculante. Mais uma vez só a lei pode assumir esta função uma vez que é o
único modo de criação de direito que goza de uma presunção de autoridade que
vincula todos os sujeitos jurídicos de uma determinada sociedade.
4.3. Limites normativos da lei
-Quando falamos de limites normativos da lei estamos a considerar os problemas que se
levantam quando nos confrontamos com um caso concreto e o julgador terá que
mobilizar critérios para o resolver. Num sistema de Civil Law espera-se que o julgador
mobilize, inicialmente, uma norma legal como critério para a resolução do problema
jurídico. O problema dos limites normativos coloca-se neste momento. Que problemas são
esses?
-Os problemas dos limites normativos são problemas metodológicos, ou seja, problemas
sobre o método de realização do direito em concreto. Podemos destacar quatro grandes
limites normativos:
a) Limites objetivos: Quando há a ausência de uma prescrição legislativa possível de
ser mobilizada num caso concreto. As leis disponíveis, no estrato das normas legais
do sistema, não preveem todos os problemas juridicamente relevantes sendo estas,
então, limitadas no plano da sua extensão. Se não for possível encontrar um critério
legal que seja capaz de responder ao problema juridicamente relevante, diz-se, por
influência da conceção normativista do século XIX, que estamos perante uma lacuna.
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Introdução ao Direito II | João Assunção

A expressão “lacuna” sugere uma falha no sistema jurídico do ponto de vista de uma
visão unidimensional do sistema jurídico. Hoje, deparados com estas lacunas, é
exigido ao julgador que realize direito sem a mediação do estrato das normas,
recorrendo aos outros estratos. A expressão “lacuna”, surge hoje, em rigor, como
superada pois, fruto de uma visão pluridimensional do sistema jurídico, exige-se ao
julgador que este supera a imperfeição legal recorrendo aos restantes estratos. No
século XIX, fruto da conceção unidimensional do sistema que aí predominava,
considerava-se que, na presença de uma lacuna, esta deveria ser superada recorrendo
aos princípios como Ratio, normas legais mais gerais e abstratas capazes de absorver
um número mais variado de problemas juridicamente relevantes;

b) Limites de validade: Este problema coloca-se quando, tendo o julgador encontrado


uma norma, no momento em que a experimenta como critério para a resolução do caso
concreto, dá-se conta de que, se usar aquele critério para responder àquele caso
concreto, há certas exigências dos princípios gerais do direito que irão ser
desrespeitados. As normas têm então limites de validade. Se ela for mobilizada num
caso concreto e violar um princípio normativo esta não poderá ser válida. As opções
legislativas são, assim, limitadas pelos princípios. Recordando a analogia do mapa, o
julgador nunca poderá utilizar um mapa que contrarie a luz do farol. A validade do
mapa é limitada pelo respeito que apresenta em relação às exigências do farol, pois
este beneficia de uma presunção de validade enquanto princípio fundamental do
direito.
 IMPORTANTE: Os limites da validade só se colocam quando a norma é
mobilizada! Ela pode respeitar, quando em abstrato, as exigências dos
princípios mas, no caso concreto, podem desrespeitar as mesmas.

c) Limites temporais: -Dizem respeito à valorização de uma certa dinâmica cultural.


Exigem uma versão de um sistema aberto. A norma legal surge num certo contexto,
presumindo uma certa realidade, permanecendo vigente, em termos formais, num
período mais ou menos longo.
-O problema dos limites temporais coloca-se quando o juiz seleciona a norma e essa
norma, no plano formal, é uma norma em vigor na ordem jurídica, no entanto é
desajustada em termos reais.
-Dois problemas que se podem colocar:
 Relação direta da norma legal com o estrato da realidade jurídica: Coloca-nos
perante uma perda de eficácia de uma lei. Quer isto dizer que, quando a lei surgiu,
previa um determinado tipo de situação que era real naquele contexto histórico. A
realidade jurídica tem a sua dinâmica: um problema que se coloca hoje pode-se já não
colocar amanhã. Pode, então, acontecer que o problema que a norma tipifica já não

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Introdução ao Direito II | João Assunção

exista ou se tenha alterado. Sendo assim, a resposta da norma é ineficaz tornando-se a


lei obsoleta
 Diz respeito a uma relação que se tem que se estabelecer entre a norma jurídica e
o estrato dos princípios: Uma norma formalmente vigente pode não se ajustar às
atuais compreensões dos princípios. O desajustamento manifesta-se, então, na relação
imediata da norma com os princípios normativos, dizendo-se que a norma foi
superada por caducidade material. Assim acontece graças à alteração da
compreensão dominante do princípio normativo que fundamentava a norma ter-se
alterado significativamente, retirando fundamento à validade da norma.
d)Limites intencionais: Sendo a norma legal um programa para o futuro (geral e
abstrato) esta estará sempre sujeita a limites intencionais. Quando o juiz está a resolver
um problema concreto não encontra todas as suas especificidades rotuladas numa
norma. A resposta que o juiz dará é, então uma resposta que terá sempre, em maior ou
menor medida, que vencer a distância que separa o critério legal (geral, abstrato e
programático) do plano concreto. Esta passagem só é possível de realizar se o juiz
tiver em conta os restantes estratos do sistema jurídico

Segunda parte- Introdução à metodologia


Capítulo I – O sentido do problema da interpretação como
momento do problema metodológico da realização
judicativamente concreta do direito
A)
A teoria tradicional da interpretação reconstituída a partir
da Herança do método jurídico

1)O método jurídico: O método jurídico é um esquema metódico que foi construído no
século XIX. Era o método de pensar teoricamente de modo a racionalizar a prática
teoreticamente. Para entender este método importa referir a seguinte nota:
 Com este método dá-se a separação entre o direito e o pensamento jurídico pois o
pensamento jurídico pretendeu ser uma ciência dogmática do direito, passando as suas
intenções a serem puramente teoréticas. A ciência do direito passa a ter a intenção
exclusiva de conhecer o direito. O pensamento jurídico vai, então, reconstituir,
analiticamente, um sistema de normas, compreender a unidade e coerência do sistema
e as relações entre essas mesmas normas. Este conhecimento científico das normas
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seria indispensável para garantir condições para que a prática do direito fosse uma
prática de aplicação. Podemos, então, afirmar, que num plano imediato, a intenção era
apenas de conhecimento, mas num plano mediato existe uma intenção prática. A
ciência jurídica assume, então duas tarefas principais:

 Tarefa de simplificação do material em estudo de modo a conhecê-lo mais


facilmente;
 Tarefa de contribuir para a aplicação do direito ao caso concreto, assegurando
a realização formal da norma jurídica.
- Nesta intenção de compreender e conhecer o sistema de normas, o pensamento jurídico vai
debruçar-se sobre as proposições legais. Quando este considera a norma, o pensamento
jurídico vai apenas considerá-la na sua racionalidade, abstraindo-se da hierarquização das
normas, considerando-as horizontalmente. As normas são assim consideradas por
pressuporem e mobilizarem os mesmos conceitos jurídicos. Os conceitos jurídicos que vão
ser sistematizados pela ciência do direito (Princípios como ratio) são a chave desta unidade –
UNIDADE HORIZONTAL POR COERÊNCIA CATEGORIAL
1.2) Momentos do método:
a) Momento científico - O momento científico é composto por duas etapas principais:
Jurisprudência Superior e inferior. Quando nos referimos a jurisprudência superior ou
inferior estamo-nos a referir a instâncias distintas da ciência do direito. A
Jurisprudência superior irá ocupar-se das tarefas mais nobres, enquanto que a inferior
ocupa-se com as tarefas prévias. Os materiais jurídicos vão ser, inicialmente,
trabalhados pela jurisprudência inferior. O resultado deste trabalho vai ser submetido
à tarefa de construção-sistematização conceitual desempenhadas pela jurisprudência
superior. Assim, a jurisprudência inferior, nas suas tarefas de análise jurídica e
concentração lógica (formação dos princípios como ratio) formará um autêntico
sistema de normas. Desse trabalho, a Jurisprudência superior, na sua tarefa de
construção-sistematização conceitual, criará um sistema de conceitos. É o rigor
conceitual que ditava a coerência e unidade do direito.
b) Momento Hermenêutico – O momento hermenêutico é indispensável para a
determinação do sentido da norma, sendo fundamental para possibilitar a aplicação
que o paradigma normativista do século XIX exigia.
2. O objeto da teoria tradicional da interpretação da lei
- Para a teoria tradicional da interpretação, o objeto da interpretação é o próprio texto da
norma, considerado na sua globalidade e no seu carácter constitutivo:
 Compreensão constitutiva: Para a teoria tradicional, o texto em si é constitutivo de
direito. No próprio texto vamos encontrar os critérios de juridicidade;

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 Compreensão global: Para a teoria tradicional, o texto não é apenas a Letra em si.
Quando falamos de texto estamos a identificar todas as significações que sejam
intrínsecas à norma. Não estamos a identificar apenas o significado literal das palavras
utilizadas porque o texto jurídico, para além das significações literais, tem outras
significações intratextuais (Elemento Histórico e sistemático).
 Elemento Histórico: tem a ver com a relação que o texto estabelece com as
circunstâncias históricas do seu aparecimento, estando ligado a certo percurso
que culmina na sua produção-constituição;
 Elemento sistemático: Quando estou a ler uma norma não a devo considerar
como se estivesse isolada pois ela faz parte de um sistema de normas que tem
uma coerência horizontal. Para compreender cada norma tenho que ter em conta
as relações que se estabelecem entre essa norma e as restantes.
- Apesar do texto não se confundir com o elemento gramatical, na perspetiva tradicional, este
desempenha uma função autónoma, distinta dos restantes elementos, uma função que se
nos impõe com uma prioridade analítica e cronológica, que lhe fornece uma força
prescritiva (valor normativo que nos vincula logo à partida e que condiciona todo o
processo de interpretação). Assume-se, então, que o elemento gramatical assume uma
relevância negativa. Trata-se de assumir que a letra, só por si, desempenha um papel
delimitador das possibilidades de interpretação da norma. O elemento gramatical
desempenha como que uma fronteira da interpretação. Assume, assim, uma tarefa de
exclusão uma vez que, tendo uma força prescritiva, esta exclui, imediatamente, o campo
interpretativo que não se adeque à letra mesmo que se adequa aos restantes elementos. Neste
campo temos duas posições divergentes:
 A primeira defende que o sentido terá que corresponder à letra;
 A segunda corresponde à «teoria da alusão», uma teoria mais moderada que defende
que terá que haver uma correspondência mínima entre o sentido e a Letra, por mais
mínima que seja.
 Nas duas posições, a função negativa da letra permite excluir alguns sentidos
que se designarão por candidatos negativos
- A letra também assume uma função positiva, uma função de seleção. A relevância positiva
do elemento gramatical já não se nos impõe como autónoma. Aqui vai atuar em conjunto
com o elemento histórico e sistemático. Também já não vai ter um carácter normativo,
passando a ter um valor apenas heurístico. Assim, o elemento gramatical, inserido no jogo
com os restantes elementos vai selecionar, entre os sentidos possíveis, os sentidos mais
naturais (candidatos positivos) dos sentidos menos naturais (candidatos neutros). Deste jogo
entre os elementos intratextuais vai resultar um único sentido de interpretação que,
recordemos, esta escolha não tem valor normativo, apenas heurístico!

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3) O objetivo da interpretação
-Dentro dos sentidos possíveis como é que se vão considerar as intenções dos três
elementos intratextuais de modo a reconstituir um único sentido? Para responder a esta
questão consideremos duas posições:
a) Subjetivismo interpretativo: Segundo esta posição, aquilo que é necessário
reconstituir quando se interpreta uma norma é a intenção do legislador real criador
dessa mesma norma. Deve-se reconstituir o conteúdo da lei como aquilo que se
reconhece ter sido querido pelo legislador num certo momento histórico – Privilegia
o elemento histórico.
b) Objetivismo: Esta posição defende que a partir do momento em que a lei é publicada,
esta desprende-se do seu autor e, portanto, o que importa é a intenção que está
associada ao próprio texto. O intérprete terá que, então, considerar o texto, abstraindo-
se das intenções do legislador real. A posição objetivista autonomiza a intenção
expressa na lei porque presume que quem a criou foi um legislador razoável que
beneficia de uma presunção de razoabilidade – Privilegia o elemento
sistemático
 A presunção do legislador razoável corresponde a três dimensões:
 Presume que o legislador consagrou as melhores soluções
(Razoabilidade quanto ao conteúdo ou método material);
 Presume que o legislador se soube exprimir com suficiente correção o seu
pensamento (Razoabilidade no plano formal-expressivo);
 Presume que o legislador conferiu às suas formulações uma autêntica
flexibilidade evolutiva (Razoabilidade no plano evolutivo).
 É importante realçar que, no próprio objetivismo, existem duas vertentes
distintas:
 Objetivismo Histórico: Defende que o intérprete deverá procurar
reconstituir o sentido daquela norma, presumindo que o seu legislador a
construiu em condições razoáveis no plano material e formal. Designa-se
por objetivismo Histórico porque a preocupação do intérprete vai ser
reconstituir o sentido da norma que corresponderia ao contexto histórico
em que foi produzida. Esta posição submete, apenas, as duas primeiras
dimensões da razoabilidade do legislador;
 Objetivismo atualista: O intérprete deve interpretar a norma conferindo-
lhe um certo sentido evolutivo. O intérprete, segundo esta posição, vai,
então, privilegiar o sentido que a norma terá à luz do contexto atual.
Assim, submete as três dimensões da razoabilidade do legislador.

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4.) Os elementos intratextuais e a sua relevância determinada pela opção


quanto ao objetivo da interpretação
-Já vimos que a importância de cada elemento varia dependendo da opção quanto ao objetivo
da interpretação. Vejamos agora quais os argumentos que cada elemento pode mobilizar para
a interpretação das normas:
a) Elemento Histórico:
 Normas legais, nacionais e estrangeiras, que vigoravam na época da formação
da lei e a influenciaram;
 Obras de doutrina que serviram de inspiração à fórmula normativa;
 A história evolutiva do instituto da figura ou do regime jurídico em causa;
 As circunstâncias conjunturais da ordem política, económica e social que
determinaram ou motivaram a elaboração da medida em causa (occasio legis);
 Trabalhos preparatórios/materiais de lei: Conjunto de documentos que foram
sendo produzidos a partir do momento em que se iniciou o processo de
construção da norma em questão;

b) Elemento sistemático:
 Disposições reguladoras do instituto (tema e matéria) em que se integra a norma
a interpretar (Contexto de lei);
 Disposições reguladoras de problemas ou institutos afins dos disciplinados pela
norma (Lugares paralelos);
 Interpretação dogmática.

5.) O problema dos resultados da interpretação


- Como sabemos, a relevância positiva do elemento gramatical não tem carácter normativo,
apenas heurístico. Assim, quando o intérprete seleciona um sentido, este é suscetível de ser
alterado. Podemos classificar, desta forma, vários tipos de interpretação:
a) Interpretação declarativa: É aquela em que o intérprete vai determinar o sentido de
uma lei optando por um dos sentidos mais naturais, ou seja, optando por um dos
candidatos positivos;
b) Interpretação extensiva: É aquela em que o intérprete atribui à norma um sentido
mais extenso do que aquele que é o sentido mais natural das palavras usadas na
formulação gramatical, não sendo o sentido escolhido um candidato positivo, mas
neutro;
c) Interpretação restritiva: Corresponde a um sentido menos extenso/mais restritivo do
que aquele que é o sentido mais natural da formulação gramatical da lei. Opta na
mesma por um candidato neutro;

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d) Interpretação enunciativa: É aquela em que se extrai da norma um sentido que não


estará naturalmente explícito na norma, estará apenas implícito, tendo o intérprete que
o extrair utilizando argumentos puramente lógicos.

b)
A superação da teoria tradicional da interpretação reconhecida no
contributo decisivo da Jurisprudência dos interesses
1.)
- Já no nosso século a teoria tradicional de interpretação começou a ser questionada e posta
em causa. Heck evolui os estudos de Jhering (que se baseava numa genética de fins) para
uma defesa da análise dos interesses (e dos seus conflitos) que estão subjacentes a cada
norma. Assim surge a Jurisprudência de interesses que vem assumir os seguintes postulados
metódicos:
a) O princípio da obediência À lei;
b) Afirmação dos interesses enquanto elementos transtextuais;
c) A lei enquanto imperativo que tem como conteúdo específico uma decisão valoradora
de um conflito de interesses;
d) Reconhecimento dos limites normativos da lei;
e) A intenção prática do pensamento jurídico. Competir-lhe-ia, fundamentalmente,
orientar a prática do direito, concorrendo para a obtenção de adequadas decisões
jurídicas dos casos concretos que a vida social põe ao juiz, ou ao jurista em geral, em
termos de individualizados conflitos de interesses.
-Interesses: Tudo aquilo que na realidade social se nos apresenta sob o modo de apetências,
motivos, forças… Uma noção de interesse que pode ter todas as apetências, tanto do sujeito
individual como dos grupos!
- A relação da norma legal com os interesses: A norma legal, para além de solução de um
conflito de interesses, é, ela própria, expressão de possíveis interesses. Quer isto dizer que
temos como objeto da valoração um conflito de interesses.
-Duas dimensões da norma legal:
 Dimensão estrutural do comando-imperativo: É a dimensão imperativa da
lei. O legislador é um representante legítimo da comunidade jurídica. Quando
Formula a lei, este vai pôr termo a um conflito de interesses, optando por um
em detrimento do outro. Por ser um representante legítimo, a prescrição que
elabora é uma prescrição imperativa que manifesta uma vontade;
 Dimensão material dos interesses e da solução valoradora: É a dimensão da
lei em que se insere a solução que o legislador optou.
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2. O objeto de interpretação
- O objeto de interpretação vai ser a solução valoradora de interesses e já não o texto. O
texto já não tem o carácter constitutivo que tinha na teoria tradicional. O elemento
gramatical passa a ser considerado, sempre, no jogo com os restantes elementos, deixando,
deste modo, de ter a sua relevância autónoma. Deixa, também, de exercer a função de
exclusão que assumia na teoria tradicional. Assim, o elemento gramatical, nesta nova teoria,
tem um valor meramente heurístico e não autónomo.
3. O objetivo de interpretação
- A jurisprudência dos interesses vem defender que é preciso reconstituir a vontade real do
legislador, não num sentido psicológico (como na teoria tradicional –posição subjetivista)
mas sim a solução do conflito de interesses que o legislador escolheu. O que importa
reconstituir é a finalidade prática da norma – SUBJETIVISMO TELEOLÓGICO

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