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Copyright © 2020 Dudaah Fonseca

Capa: ML Capas

Edição Editorial: setembro/outubro de 2020

Diagramação Digital: AK Diagramações

Análise crítica: Janicley Fernandes

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,


personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação
da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.

Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.

Todos os direitos reservados.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa


obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.

Criado no Brasil.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e


punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Nota da autora

Playlist

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12
Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19

Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Capítulo 24

Capítulo 25

Capítulo 26

Capítulo 27

Capítulo 28

Capítulo 29

Capítulo 30

Capítulo 31
Capítulo 32

Capítulo 33

Capítulo 34

Capítulo 35

Capítulo 36

Capítulo 37

Capítulo 38

Capítulo 39

Capítulo 40

Epílogo

Bônus

Agradecimentos

Outras Obras

Contato
O livro é para maiores de dezoito anos. Contém gatilhos emocionais,
violência sexual, violência verbal, drama, sexo, cenas de ação. Não é um
livro dark, mas poderá engatilhar sentimentos, sensações, ou lembranças

ruins. Dessa forma, deixo o aviso de antemão, assim pode optar por
prosseguir com a leitura ou não.

Leitor (a) se tiver alguma crítica construtiva não deixe de escrever sua
resenha quando terminar a leitura. Se preferir, pode me procurar nas redes
sociais que terei o prazer de ler e responder.

Boa leitura!
SPOTIFY

AMAZON MUSIC
“Aprendi que existem coisas boas no mundo se você procurar por elas.
Aprendi que nem todo mundo é uma decepção, incluindo eu mesmo.”
— Por Lugares Incríveis

Meu avô estava falando algo sobre ter comprado um Annihilator. Uma
das raças de cavalos mais caras do mundo. Além da sua nova aquisição, virão
outros seis cavalos que foram resgatados de seus “donos” em terrível estado
por maus-tratos. É um assunto que me interessa muito, porém meus

pensamentos e atenção estão voltados para ela. Arizona.

Ragner — meu irmãozinho — é apaixonado pela morena de incríveis


olhos azuis. Sinceramente, qualquer pessoa ficaria fascinado por ela. Arizona
tem um sorriso que ilumina tudo. Como o sol em um dia perfeito.

Eles estão dançando no espaço que foi montado para nos divertirmos. É
Arizona quem tem comandado a playlist da festa de casamento de Miguel e
Nay.

Eu não deveria olhar para ela assim. Arizona merece um homem


normal, completo, sem traumas que o perturbam diariamente.

Sou uma pessoa que viu o pior dos seres humanos diante dos próprios
olhos, que sentiu na pele a perversidade, que foi abusado física e
psicologicamente de formas tão cruéis que até hoje não consigo relatar para o

meu terapeuta.

Que tipo de homem eu seria para essa mulher incrível e cheia de vida
que é a Arizona? Um estorvo.

Eu a amo profundamente. A primeira vez que tentou se aproximar, fui


grosseiro com o único intuito de afastá-la. Sempre me senti sujo, corrompido.

Não sei se um dia irei melhorar verdadeiramente, mas continuo


tentando. Seguindo em frente com a terapia, dando orgulho para os meus
pais, sendo o irmão mais velho exemplar. Devo isso aos meus pais. Eles me

salvaram.

Mas aquela sensação de vazio no peito continua forte. Como se não


compensasse eu continuar vivendo, tentando ir contra todos os pensamentos
fodidos que invadem a minha mente.

Lembrei-me do quanto a protegi das garotas populares que adoravam


fazer bullying com ela — felizmente na época em que regressou à escola
havia acabado de vencer o câncer. Seu cabelo ainda estava crescendo.

Não conseguia entender a razão de algumas garotas da instituição


menosprezarem a Arizona. Ela sempre foi o tipo de menina que preferia ficar
lendo, escutando músicas, fazendo sua arte no seu caderno de desenho, ao
invés de participar de grupinhos. Era receptiva, apesar da timidez.
Cumprimentava todos os funcionários do colégio com o seu lindo sorriso.

E eu sempre pelas beiradas. Admirando-a de longe, me apaixonando


mais e mais.

Na feira de ciências do colégio ela havia trabalhado duro para criar um


robô caseiro de papelão. Todos os projetos ficaram em uma antessala
esperando o momento certo de cada estudante pegar o seu e levar para o
espaço de apresentações. Eu estava passando pelo corredor quando vi uma
das garotas — que perseguiam ela — cortando alguns fios da parte do
comando eletrônico do robô.

Adentrei a sala furioso. Ameacei a garota falando que entregaria ela à


direção. Ela saiu correndo e dei um jeito de unir os fios nas entradas corretas.
Poderia dar muito errado, contudo, quis arriscar. Arizona estava empolgada,
pois tinha se dedicado muito ao projeto, tendo como auxílio apenas vídeos.

Vicente havia entrado na sala e perguntou o que havia acontecido. Sem


muita paciência expliquei que estava consertando o que haviam sabotado. Ele
ficou de guarda na porta.

E quando avisou que Arizona estava vindo, rapidamente encaixei o


último fio na entrada que faltava. Escondi-me dentro do banheiro. E escutei a
conversa deles. Vicente revelou a identidade da menina que tentou sabotar o
seu projeto e levou o crédito do conserto do robô.

Tive vontade de desmenti-lo. No entanto, não me importava. Na cabeça

do Vicente, eu cuidava da Arizona por ela ser da minha família. E não queria
crédito por isso. Não mesmo.

Por mais que eu negasse meus sentimentos para os meus dois melhores
amigos — Anthony e Miguel — eles sabem que a amo desde a adolescência.
E esse amor não diminuiu com o tempo. Pelo contrário. Tem aumentado de
uma forma assustadora. Como se a qualquer momento não fosse caber dentro
do meu ser.

Prefiro ver a minha garota feliz ao lado de um homem que realmente a

mereça do que comigo. Antes, acreditava veementemente que esse homem


poderia ser o Vicente. Agora, não tenho mais certeza.

—Viva ao povoamento da família! —proferiu o Anthony ao puxar a


cadeira para o meu lado e se sentar.

Ele estava dançando com a tia Jas. Os poucos momentos em que ele
deixava sua postura de homem glacial, eram quando estava com a família.

— Então seremos tio.

— Meio que já somos tios dos pirralhos. Por sermos mais velhos
ganhamos essa colocação. O Miguel é o nosso tio, mas nós três nos
consideramos irmãos.

Sorrio e sorvo um pouco do vinho.

— Quando vi você babando na ursinha, lembrei de uma coisa.

Iria negar, mas resolvo não me estressar.

— Fala logo, irmão. Sei que adora uma fofoca.

— Arizona mais uma vez tentou interceder pelo amiguinho. Meu pai,
por mais que doa no fundo do coração dele, não irá ceder para a nossa
ursinha. Não em relação a isso. Se Vicente quiser trabalhar na advocacia terá
que se candidatar como qualquer outro.

— Ele passou na OAB. E parece que ganhou uma promoção na

empresa que trabalha.

— Então por que ele quer tanto trabalhar com a gente?

— Não sei. Talvez pelo peso que daria no currículo dele — fito a

Arizona, e prossigo: —Ele quer ser Promotor. Porém, antes precisa ter no
mínimo três anos de atuação como advogado ou de prática jurídica geral.

— Ele pode ter prática jurídica, caso a função que exerça no emprego
seja de consultoria ou assessoramento.

Sorrio quando vejo que meu pai trocou de parceira com meu irmão.
Agora o juiz Medeiros está dançando com a Arizona.

Está ficando complicado controlar meu desejo por ela. Ela deixou de
ser uma garota para se transformar em um mulherão de fazer qualquer um

babar. Muitas vezes, a fim de aplacar a intensidade da gana por ela, me


masturbo pensando nela, de olhos fechados até liberar o gozo denso.

Quando estou no clube de sexo meu único objetivo é buscar alívio e


praticar meu fetiche. Não acontece nada emocional. É apenas carnal. Foda
crua, forte, cheia de putaria. E mesmo assim, após chegar ao ápice sinto que
falta alguma coisa, que não foi o bastante.

— Ele foi na galeria da família levar o convite da formatura dele para


nós.

Vicente mandou mensagem falando a respeito. Contudo, desde o nosso

encontro no bar passei a ignorar suas mensagens. Antes fazia questão de me


manter por perto para ter certeza de que Arizona estaria em boas mãos.
Entretanto, ao perceber sua abrupta mudança nos últimos meses, preciso de
um tempo.

Meu melhor amigo nunca confiou verdadeiramente no Vicente. Na


época do colegial ele só se aproximou de nós porque pedi para o Miguel ser
amigável e receptivo.

Miguel era firme em suas análises pessoais. E desde o começo tentou


abrir meus olhos para enxergar a verdadeira personalidade do melhor amigo
da Arizona. Eu fui tolo por colocar esperança em cima dele demasiadamente.

—Você vai? — indago.

—Porra nenhuma! Sabe muito bem que ele não passa confiança

alguma. Falei isso várias vezes para você.

—Eu já vou. Irei estudar para o concurso.

ARIZONA

Nay não terá lua de mel agora. Decidiram viajar juntos no meio do ano
para as Maldivas. Na verdade, será uma viagem em família, pois levarão o
Savas com eles. O segundo casamento de Miguel e Nay foi intimista, lindo e
perfeito. Depois do susto que levamos com o sumiço da peste da família —
após o acidente — só tínhamos o que agradecer e comemorar.

— Você não vai desistir agora, Arizona!

Faço careta ao olhar para a profissional, Jake, esterilizando as mãos.


Por algum motivo louco decidi colocar um piercing no mamilo direito. Acho
sexy e bonito. E está na minha lista mental de uma das coisas que quero fazer

antes de morrer. Não que esteja próximo. Deus me livre.

Depois que venci o câncer sinto que tenho que aproveitar tudo que
tenho direito. Acreditar nos meus sonhos, correr atrás das minhas ambições
na área profissional, continuar firme e forte nos meus projetos filantrópicos.

Pensando bem...Eu deveria ter riscado a ideia de colocar um piercing.

— Nay, estou arrependida.

— Vai ser rápido. Não irá sentir quase nada por conta da pomada

anestésica.

— Puta merda! —xingo, brava comigo mesma.

— Vamos falar qualquer coisa enquanto a Jake faz o trabalho.

Fala pousando a mão em cima do ventre. Fazia pouco mais de três


semanas que seu segundo casamento aconteceu. E desde que anunciou a
gravidez aderiu à mania de acariciar seu ventre como forma de proteção,
carinho. Talvez, toda mãe fique assim durante a gestação.
— Comprei um vestido para a mãe do Vicente usar na formatura dele.
Nenhum dos vestidos dela servem mais. Estão pequenos.

—Eu sei que você gosta muito dela, Arizona, mas não acho justo se
preocupar tanto com a mãe dele, sendo que o Vicente é perfeitamente
saudável para cuidar das coisas do dia a dia da própria mãe.

— Ele tem estudado e trabalhado bastante, Nay. E faço isso pela dona

Hermínia. Tenho um carinho maternal por ela.

— Que a Eleonor nunca escute isso.

Rimos, sabendo que a minha mãe é muito ciumenta com todos nós. Ela
fala cautelosamente:

— Mesmo assim não deixe de fazer suas coisas para atender às


necessidades do Vicente. Ele é um homem adulto, tem que aprender a dar
conta de tudo.

Prefiro encerrar o assunto. Perdi as contas de quantas vezes discutimos


sobre a amizade que tenho com o Vicente. Ela sabe que o amo desde a
adolescência, que ele foi muito importante enquanto eu fazia o tratamento.

Sinto que a família toda tem certa implicância com o Vicente. Não sei
quando isso realmente começou. Para mim ele continua sendo o garoto que
me apoiou, que me protegeu.

Ainda não tive coragem de me declarar para ele, mas farei isso após sua
formatura. Finalmente tomarei a iniciativa e espero que dê tudo certo. Que
seja recíproco.

Ao longo dos anos ele teve duas namoradas, porém não duraram muito.
Por mais que doesse no fundo do meu coração vê-lo com outra garota,
continuava fazendo o meu papel de melhor amiga o apoiando e torcendo pela
sua felicidade. Porque no final era isso que importava. Amigos de verdade

agem assim.

Colocarei em risco nossos anos de amizade ao me declarar. Mas juro


que, às vezes, o olhar que ele me direciona não é simplesmente de um amigo.
É mais que isso.
Toco a aréola do meu mamilo que está mais rosada que o normal —
após colocar o piercing — sentindo um pouquinho de desconforto. A joia de
ouro branco ficou bonita. Acho que a dor valeu a pena.

— Ficou sexy.

Sorrio para a Nay pelo reflexo do espelho. Jake foi atender uma ligação
pessoal, então fico mais à vontade para analisar o meu novo adereço.
— Estou me sentindo estranha e erótica.

Ela ri.

— Com o tempo você vai se acostumar. Apenas siga as


recomendações. —Suspira. —Já estou pensando que irei estranhar quando
tirar os meus piercings.

Por conta da amamentação e principalmente de higiene, Nay irá tirar os


piercings dos seus seios ao menos nos primeiros oito meses de vida do seu
bebê. Depois voltará a usá-los normalmente.

Após efetuar o pagamento, entramos na primeira farmácia do shopping


para comprar a pomada que a Jake prescreveu. Em seguida fomos na
confeitaria preferida da Nay para ela matar seu desejo. Ela cismou em querer
comer bolo gelado de morango.

Por enquanto só posso agradecer por ela não ter entrado na fase de
desejar e misturar alimentos que nunca passaram pela cabeça de alguém em

sã consciência.

Dentro do automóvel blindado, Kostas — líder da equipe que faz a


minha segurança — dirige, e Hades está no banco do passageiro. Desde que
saímos mais cedo o segurança da minha tia — e melhor amiga — passa
informações em tempo real para o marido protetor e paranoico da Nay.

— Cuidado para não enjoar do Miguel.


— Impossível. Ele me irrita, mas o amo.

— Se você diz... — a provoco.

Nay mostra a língua para mim e deixa o celular de lado.

— Então esse é o seu grande ano — profere sugestiva, mexendo as


sobrancelhas bem-feitas.

— Quando eu estiver com o meu diploma em mãos será uma vitória.

Em novembro será minha colação de grau. Estou animada e ansiosa,


afinal, serei a nova Bioquímica no mercado de trabalho. No hospital da
família continuo contratada como estagiária do melhor biomédico da equipe.
Consegui ser aprovada para a nova fase do estágio por mérito próprio.

Meus pais queriam abrir uma exceção para eu entrar como contratada
da equipe do doutor Rafael Sena. Contudo, não seria justo e nem queria
crescer profissionalmente tendo meus pais como ponte. Muitas pessoas do

nosso círculo social esperam por isso, tabloides de fofocas querem


exatamente essa imagem de mim. Obviamente não darei esse gostinho.

Eu sou capaz.

Quero atuar no desenvolvimento de vacinas. Quem sabe, se Deus


permitir, não consiga descobrir ou desenvolver algo eficaz para doenças que
hoje em dia são consideradas incuráveis.

— Sei exatamente como é — sorri. — Não esquece que nesse final de


semana estaremos de plantão no Instituto da família.

A vó Selena adora colocar Elordi e eu na mesma escala de atividades

do Instituto. Ela sabe que desde a nossa adolescência não nos damos bem.
Apesar de alguns anos para cá termos começado a nos tratar melhor do que
antes.

— Impossível. Bem que poderia ver se o Anthony trocaria comigo...

— Se ousar fazer isso a dona Selena irá buscar você pela orelha.

—Tenho que finalizar alguns pedidos na galeria — comento,


encostando a cabeça no seu ombro.

— Seu admirador secreto continua comprando todos os seus quadros?

Desde que abrimos a galeria e começamos a vender as obras, que todos


os meus quadros são comprados por um único colecionador. A princípio não
estranhei. Tem amantes de vários tipos de artes que adoram acumular. Com o

passar dos meses notei que não era um apreciador de arte realista aleatório.
Minhas obras são sempre adquiridas por ele.

Solicitei ao Luri que pesquisasse sobre o homem misterioso. Queria


matar minha curiosidade. Na minha cabeça era um senhor barrigudo, estilo
lorde, que fuma charuto e toma um bom vinho enquanto namora sua coleção
de obras de artes.

Luri disse que ele é um milionário que não aparecia na mídia. Não me
enviou fotos e nenhum relatório. Apenas descreveu a aparência física. No
fim, minha imaginação não conseguiu acompanhar as características que

narrou para mim. Eram confusas demais.

— Continua. Ao menos nenhuma obra fica encostada. E todo dinheiro


que entra para o Instituto é bem-vindo.

— Com certeza.

Ezequiel me aguarda na garagem individual do clube de sexo. Entro na


antessala que é um compartimento de poucos metros quadrados com um
frigobar, sofá de couro, espelho e um banheiro. Dispo-me do terno de três
peças. Pego a máscara vitoriana preta com detalhes em prata que costumo

usar, encaixando-a perfeitamente no meu rosto.

Faz quase uma semana que não venho ao clube secreto. Nem os
exercícios pesados na Colmeia conseguiram tirar minha tensão dos últimos
dias.

As pessoas que frequentam o clube são seletas. Assinamos um contrato


de confidencialidade. O custo financeiro para fazer parte não é barato.
Anthony e eu optamos por nos tornarmos sócios com o único objetivo de
mantermos nossas identidades o mais protegidas possível.

Normalmente quando venho, costumo andar pelos cômodos que são


divididos por grandes tendas de tecidos egípcios presas no pé-direito alto.

O rock clássico preenche meus ouvidos, assim como os gemidos.


Homens e mulheres trepando de diferentes formas pelos sofás de couro,

alguns pendurados no balanço erótico enquanto estão sendo fodidos


duramente, outros presos em brinquedos de sado, dominador; alguns estão
submissos sendo puxados pela coleira de couro com pedrinhas de diamantes.

Uma preta de longos cabelos cacheados para na minha frente. Outra


regra essencial do clube era evitar falar. Somente o necessário.

Faço sinal para ela me seguir. Adentramos um dos quartos, logo a


desconhecida, usando máscara verde-escura com pedrinhas de esmeralda,
senta-se na cama. Ela começa a beijar o meu abdome, descendo para a virilha

até encontrar o meu pau.

Ergo os braços apoiando as mãos no dossel de madeira. Olho para ela


vendo-a quase se engasgar ao tentar engolir o meu pau. Quando me fita
sensualmente vejo nos seus olhos o desejo. Sendo exigente, pego-a pela nuca
fazendo-a mamar no meu pau com força, sem descanso.

Nunca trepei com uma mulher que lembrasse a Arizona fisicamente.


Nenhuma morena de longos cabelos escuros e olhos azuis reluzentes. Não
poderia alimentar mais essa paixão, nem que fosse sexualmente com outra

pessoa.

Arizona era única.

Com o coração quase pulando para fora do peito, Kostas ainda tem
coragem de brincar erguendo a garrafinha de água gelada. Estou prestes a
tentar derrubar o grandão barbudo quando finalmente me entrega a
garrafinha. Bebo a água quase toda.

A tia Jas comandou o treino hoje. Juro que não sou de reclamar dos
treinos, mas hoje a mulher estava uma máquina mortífera.

Na arquibancada, o casal vinte — Miguel e Nay — estão conversando e


sorrindo com o Elordi. A maioria dos caras estão sem camisa, pois algumas
áreas de treinamento não têm sistema de refrigeração. Elordi é o único que
insiste em ficar com a camisa esportiva. Não que eu queira vê-lo sem
camisa..., mas parece que ele só se livra da parte de cima quando não estou
presente.
Nunca questionei ninguém a respeito, afinal, qual seria o motivo dessa
minha curiosidade?

—Ainda bem que olhar demais não arranca pedaço — diz Kostas com
seu tom debochado.

— Estou olhando para o casal.

— Claro que está.

Balança a ponta da minha trança como se tivesse o poder de me


despertar de algo. Kostas adora se intrometer na minha vida. Sorte dele que o
amo como se fosse um irmão mais velho.

Quando Elordi afasta-se dos meus amigos vou até eles.

— Aposto que não vieram treinar, pois sabiam que a tia Jas estava
atacada.

— Acha que faríamos isso, ursinha?

Meus Deus, Miguel é tão irritante quando tenta se fazer de inocente.

— Com toda certeza!

— Tia Jas descobriu que o tio Enzo colocou a bunda dela no seguro.
Discutiram, algumas coisas foram quebradas e agora ele está igual um
cachorrinho querendo carinho da dona — esclarece Nay.

— E vocês nem para avisar no grupo de emergência. Muito obrigada!


— Sou bem irônica.

Miguel ri, porém, para ao levar uma cotovelada da sua esposa.

— Acabei me distraindo. Foi mal, ursinha. Amanhã eles já estarão de


bem.

— Espero.

— Ele ao menos deveria ter avisado para a tia Jas que tinha colocado a
bunda dela no seguro — profere Nay, pensativa.

Quando vejo o Miguel abrindo seu colete do terno, percebo que está
ferrado. Claro que o gênio deve ter feito algo parecido, ou em maior
proporção. Nem quero estar por perto quando Nay souber que seu marido
colocou alguma parte do seu corpo no seguro.

—Posso tomar banho no quarto de vocês? O meu, dos meus pais e de


outras pessoas da família estão em manutenção. Algum sistema novo está

sendo colocado.

—Falamos para o...

Miguel interrompe sua mulher, falando:

—Claro que pode, ursinha. Vai lá!

—Ok. Até!

Capturo meu fone de ouvido da Bose, ligando-o assim que o encaixo


em cima da minha cabeça. Logo a música da cantora Dua Lipa me anima,

fazendo eu balançar a cabeça e braços. No meu aniversário de vinte anos

fomos a um show dela em Londres. A voz da mulher ao vivo é perfeita.

Coloco as alças da mochila nas costas e saio em direção ao andar onde


ficam os quartos da família dentro da sede. No elevador vou cantando a parte
do refrão da canção Don't Start Now. Sem conseguir evitar mexo o quadril,

braços e mãos.

Espero o sistema me identificar. Quando a porta dupla abre, entro de


olhos fechados, entusiasmada. Largo a mochila em cima do colchão, curtindo
os últimos minutos da música.

Quando viro de frente paraliso ao ver o Elordi tomando banho. O jato


de água está caindo nas suas costas, sua mão está apoiada no vidro, enquanto
a outra massageia o que os outros homens normais chamam de pau.

Eu não sei o que fazer. Parece que meus pés não obedecem aos meus

comandos. Estou muito ferrada.

Para começar, nunca imaginei que o Elordi teria uma tremenda


anaconda no lugar de um pau normal. Pensando bem...ele é um homem alto,
muito másculo, forte.

E por algum motivo não consigo parar de olhar para o seu peitoral onde
a água escorre livremente, enquanto sua mão grande continua acariciando seu
pau.

Umedeço meus lábios sentindo minha garganta seca. Não é a primeira

vez que vejo um homem nu. Na verdade, os que eu vi foram nos vídeos
pornôs. Quem nunca? Pois é. Agora ao vivo e em cores...

Eu deveria sair correndo, mas não consigo sair do lugar.

Quando Elordi abre os olhos automaticamente para de tocar no seu


membro robusto, ou melhor na sua anaconda. Escorre a água do seu rosto
com a mão como se não acreditasse que eu estivesse a poucos metros de
distância.

Queria saber quem teve a brilhante ideia de deixar o banheiro da suíte


exposta para o quarto. Era totalmente de vidro.

Eu poderia fingir um desmaio — apesar de não ser o mais maduro a se


fazer —, porém nem isso sou capaz de fazer agora.
Cubro o rosto com as minhas mãos, espiando pela brechinha entre
meus dedos o marrento puxar a toalha do aparador, enrolando-a envolta da
sua cintura. Não iria adiantar nada. Meu cérebro havia guardado a sete chaves
sua imagem tomando banho, relaxado, tocando no seu membro.

Meus Deus! Não foi correto eu ter continuado o olhando, mas


simplesmente não consegui desviar meus olhos dele.
Isso me fez lembrar do dia que o conheci e fui totalmente rejeitada. Na
época eu já estava curada do câncer, meu cabelo estava crescendo, mesmo

assim sentia insegurança com a minha própria imagem. Talvez as garotas se


cobrem mais que os garotos, no quesito aparência física.

Sentada no chão observava sua interação com a Atena. Os desenhei


sorrindo, cativada pela amizade dos dois. Quando o Elordi pulou do palanque

diretamente na piscina de treino dos cavalos fiquei fascinada. Sem dúvida foi
um dos desenhos que mais tinha gostado de fazer.

Acreditei que naquele dia iríamos ser amigos. Principalmente por


sermos da mesma família. No entanto, foi um ledo engano. Fui amigável,
mesmo morrendo de vergonha. Ele era um garoto mais velho, muito bonito e
misterioso.

Ao me esnobar grosseiramente, arranquei o desenho jogando-o em sua


direção com raiva. E naquele dia não nos entendemos mais. Sinceramente

sentia que o Elordi não gostava de mim, e isso mexia comigo mais do que
deveria.

Obviamente fiquei muito magoada com a sua rejeição. Então minha


arma de defesa era ser tão dura com ele quanto ele era comigo.

Eu entrei em um processo de desconstrução pessoal. Aprendi a me


amar, respeitar meu corpo, aceitar o que realmente sou. O que criei em volta
do Elordi nunca seria possível. Provavelmente seu jeito bad boy havia
capturado uma parte do meu coração adolescente bobo. E então resolvi

esquecer.

Posso ter me precipitado na época em relação ao Elordi. E depois de


tudo que o Vicente havia feito por mim, ter insistido na nossa amizade em um
momento que pensei que não iria sobreviver, por ter continuado ao meu

lado...Nada mais certo do que o valorizar.

E acho que foi assim que comecei a me apaixonar pelo Vicente. Só não
entendo como de repente voltei a pensar nesses sentimentos que estavam
sucumbidos pelo Elordi.

Sinto quando o meu fone de ouvido é tirado da minha cabeça.

Elordi era muito mais alto que eu. Sem graça acabo tirando minhas
mãos do rosto, sentindo minhas bochechas quentes.

Ele começa a falar e eu só consigo prestar atenção nas gotículas de

água escorrendo pelo seu peitoral, abdome e se perdendo entre sua virilha e
toalha que o cobre da cintura para baixo.

Estou com algum problema. Fato.

—Arizona, você está bem? — Meneio a cabeça positivamente. —


Enquanto eu falava você parecia no mundo da lua.

O correto seria no mundo da anaconda. Mas é melhor deixar isso para


lá.

— Desculpa. Eu não sabia que você estava aqui. O meu quarto, assim

como os da maioria, está em manutenção.

— E simplesmente entrou aqui e ficou parada me olhando tomar


banho?

Ele não era muito de sorrir. Porém, o sorrisinho cínico que puxa nos
seus lábios me deu vontade de surrar sua cara bonita.

— Não foi proposital.

Cruza os braços grandes marcando os músculos naturalmente.

— Olha, eu entrei distraída... escutando música. Se eu soubesse que


estaria tomando banho jamais teria entrado.

— Então pode sair! Vou me arrumar rápido e deixo o quarto livre para
você.

Um calor se instala no meu corpo a ponto de eu sentir minha garganta


seca. Definitivamente não estou bem. Rapidamente busco minha mochila na
cama, afoita. Pego meu fone de ouvido de sua mão, sob seu olhar de ônix.
Profiro:

— Isso nunca mais vai acontecer. Desculpa!

De repente tenho uma súbita vontade de chorar.


— Eu não quis ser rude, Arizona.

Ele parece desconcertado. Acharia fofo se fosse em outra circunstância.

— Não foi!

Saio da suíte o mais rápido possível.

A primeira coisa que faço ao entrar no meu apartamento é ir direto para


o banheiro tomar um banho frio. Após me enxugar, hidrato o corpo e visto
uma camiseta customizada bem folgada.

Enquanto estou preparando meu jantar, converso com a minha mãe


pelo Facetime. Ela está no intervalo do seu plantão. Eleonor foi minha

doutora fada durante o meu tratamento, e continua sendo uma mãe


maravilhosa. Foi como um sopro de vida em nossas vidas.

Rio bastante quando me conta da última que os gêmeos — Apolo e


Enrico —aprontaram. Encerramos a chamada quando seu bip começa a tocar
sem parar. É uma emergência.

Entro no meu estúdio, pronta para finalizar a arte realista que comecei a
fazer há duas semanas. Não estava conseguindo me concentrar o suficiente.

Mas agora que estou cheia de emoção e querendo expor isso, irei concluir.

Escutando a banda de rock The Strokes consigo me soltar mais, relaxar.


Depois de mais de uma hora capturo o pano em cima da mesa onde ficam os
meus lápis, tintas e pincéis, para tirar um pouco da tinta que respingou nas
minhas mãos. Não adianta muito, porém, é uma mania que adquiri.

Espero que o meu admirador não se assuste com essa minha obra.
Apesar de que, a maioria dos meus quadros são desenhos realistas
perturbadores. Pode assustar em um primeiro momento.

A fisionomia é de uma mulher que tem o cabelo preto preso. Um tecido


branco cobre seus olhos e a base do nariz. Em cima tem duas manchas
vermelhas mescladas com preto na região dos olhos. Abaixo desenhei
perfeitamente o pescoço, ombros, e no lugar dos seios tem as mesmas
manchas os cobrindo.

Deitada na cama, visualizo algumas mensagens, respondendo somente


as importantes. Ignoro as figurinhas do Gato de Botas segurando o chapéu
com os olhos enormes brilhando, que o sonso do Miguel enviou várias vezes
para mim.

Agora com mais calma me dou conta de que a peste armou para que eu
encontrasse o Elordi dentro do quarto. Nay foi sua cúmplice. Mas a mente
perversa era do Miguel.

Depois de sair da universidade peço para o Kostas ir direto para a casa


do Vicente. Esse horário ele está trabalhando. Desde que começou a trabalhar
na importadora de vinhos — uma das mais conceituadas do mercado —
optou por trocar o horário do seu curso para a noite. Realizou essa troca
assim que concluiu seu estágio na Defensoria Pública do Estado do Rio.

Ainda é difícil o visualizar nessa carreira, pois desde que nos


conhecemos ele queria ser médico. Antes de prestar vestibular havia me dito
que mudou sua escolha. Segundo ele, tinha mais chances de construir uma

carreira sólida e promissora sendo do meio jurídico.

O apoiei mesmo não concordando. Na minha cabeça fazia mais sentido


fazer aquilo que realmente gosta. Status, dinheiro, não é tudo. Conjecturei
que não seria justo eu falar isso para o meu melhor amigo sendo que nasci
privilegiada. Mesmo assim aprendi desde cedo a valorizar as pequenas
coisas, ser independente, lutar pelo que acredito.

Vicente está tentando ser o melhor. Almeja ser Promotor, contudo,


enriqueceria seu currículo se trabalhasse em uma advocacia renomada.
Sabendo que não era o correto, algumas vezes fui até o tio Enzo interceder

pelo Vicente.

Ele tem ânsia de vencer, de mostrar que driblou todas as dificuldades. E


devido a tudo que aconteceu com a sua mãe... fiquei com pena. Além disso,
sou apaixonada pelo meu melhor amigo. Eu só quero que realize todos os

seus sonhos.

Destravo o portão de ferro o fechando em seguida. Suspiro ao fitar o


pequeno jardim descuidado. Dona Hermínia adorava passar o final de semana
cuidando das suas plantas e flores.

Bato na porta de madeira. Depois de longos minutos dona Hermínia me


recebe. Sorrir assim que me ver. Afasta a cadeira de rodas para eu entrar.

Infelizmente ficou paraplégica após ser atropelada por um carro. A


motorista era uma senhora por volta dos cinquenta anos que teve uma crise de

hipoglicemia e perdeu a consciência enquanto dirigia.

Ela pagou uma indenização que Vicente usou para quitar as prestações
da casa, que era financiada pelo banco.

— Menina, que bom que veio. Estava pensando em você.

Abaixo para a abraçar. Definitivamente não parece mais a loira bonita,


jovial e sorridente sempre fora. Desde que ficou nessa condição se esforça
para levar a vida.

— Trouxe um presente para a senhora.

— Sabe que não precisa. Fico sem graça com os seus mimos.

Desfaço o meu sorriso quando noto sua expressão de dor.

— São as dores nas costas?

— Sim. Hoje estão mais fortes. Logo irão passar.

— Quer deitar-se na cama? Esticar a coluna e os pés ajuda.

— Tem toda razão.

Ajudo-a a deitar-se na cama. Tiro a mini mochila de couro sintético das


costas colocando-a em cima da sua cadeira. Rapidamente vou à sala pegar as
duas sacolas, que estão o vestido, o par de sapato e alguns acessórios para ela
usar na formatura do seu único filho.

Sem querer acabo reparando demais na bagunça que está a sala de

estar. Aliás, a casa toda parece que não é limpa há semanas. Não é saudável
viver em um ambiente assim, ainda mais uma pessoa que vive com a saúde
instável.

Regresso ao quarto, indagando:

—Tomou os seus remédios?

— Sim, minha menina.


— A senhora tá pálida demais. Continua sentindo falta de ar?

— Muito pouco.

— A senhora pode estar anêmica. E só teremos certeza se fizer o


exame. Vou ligar para o Vicente agora mesmo para amanhã levar a senhora
no hospital...

— Não, filha. Por favor!

Segura minha mão impedindo que eu me afaste.

— Tem que se cuidar. Sabe que tenho muito carinho pela senhora.
Meus pais também gostam muito da senhora.

Seus olhos se enchem de água. Acaricio sua mão trêmula.

— Você é um anjo. Sua família é muito abençoada. Fizeram muito por


mim e pelo meu filho.

Falarei para o Vicente levar sua mãe ao hospital. Desde que ficou nessa

condição meus pais autorizaram o tratamento dela no Hospital Arizona


gratuitamente.

Convenci a dona Hermínia a aceitar o fisioterapeuta vir na sua


residência duas vezes por semana. Eram importantes os exercícios para sua
circulação sanguínea e evitar quaisquer outros problemas de saúde.

— Comprei um vestido belíssimo, sapato e brincos para usar na


formatura do Vicente.

Falo tirando os itens das sacolas estendendo-os na outra ponta da cama.

Ela sorri bastante emocionada.

— Menina, são lindos. É minha cor preferida!

— Vermelho combina com a senhora.

— Não precisava gastar comigo. Além disso, nem sei quando será a
colação de grau do Vicente.

A encaro sem entender. Vicente distribuiu todos os convites de sua


formatura. Seria impossível dona Hermínia não saber. Um pouco sem jeito,
profiro:

— A formatura do Vicente é daqui três semanas.

Ela me olha parecendo confusa. Por fim fala:

— Que cabeça a minha. Ele...me falou. Eu que esqueci, fiz confusão.

— Força um sorriso. — Querida, na mesinha perto do sofá tem uma gaveta


que guardo vários álbuns de fotografia. Poderia buscar? Estou pensando em
montar um álbum caseiro com os melhores momentos da infância do Vicente.

—Claro! Só um instante.

Abro a gaveta e começo a retirar os álbuns colocando-os no braço do


sofá. Vejo quando uma fotografia solta cai no chão. Agacho-me para pegar.
Franzo o cenho a tocando. Lembro-me que foi registrada no meu
aniversário de dezesseis anos. Por mais que tivesse rasgada, via-se somente

Elordi e Vicente, que estavam perto um do outro.

Xereto dentro da gaveta para ver se encontro a outra parte. Mas não
encontro. Retorno ao quarto com os álbuns e a fotografia presa entre os meus
dedos.

— Pode me ajudar a escolher, menina?

— Claro que sim. — Estendo a fotografia rasgada na sua direção. —


Caiu quando estava pegando os álbuns.

— Esse é o seu primo postiço.

— O que é mais estranho ainda. Só deixaram Vicente e ele.

— Eu acho que rasguei sem querer, filha. Essa foto foi tirada no seu
aniversário de dezessete...

—Dezesseis — corrijo.

— Foi mesmo. Agora lembrei. Desculpa ter estragado a foto.

— Está tudo bem, dona Hermínia.

Coloco a foto na mesa de cabeceira e vou me sentar na outra ponta da


cama.
Dona Hermínia não almoçou ainda. Falo que farei algo rápido para a
gente almoçar. A deixo terminando de escolher as fotografias para montar o
álbum caseiro que dará de presente de formatura para o Vicente.

Meu presente para ele será o último desenho que fiz de nós dois, com
base na última foto que tiramos juntos em um passeio pela praia do Leblon.

Na cozinha, não consigo evitar minha feição de desgosto. A pia está


lotada de louças sujas, mesa com vários copos em cima, a lixeira cheia de
lixo. Está imunda. Tem quase duas semanas que não venho aqui. Das últimas

vezes a casa nunca esteve tão bagunçada como está agora.

Abro a geladeira e vejo algumas embalagens de refeições, jarras de


água — algumas secas, inclusive — caixinha de leite, frutas passadas, quase
estragadas. O freezer tem cubos de gelos e carnes extremamente congeladas e

sabe Deus se não estão vencidas. Isso está muito errado.

— Menina, é melhor pedir algo do restaurante da esquina.

Nem escuto a dona Hermínia chegar. Ela está muito envergonhada.

Ela sempre foi uma excelente dona de casa. Tudo era bem
arrumadinho, limpo, sempre tinha um bolo em cima da mesa, geladeira cheia
e organizada. E desde que ficou doente parece que nada é o mesmo.

— Vou pedir comida de um bistrô italiano maravilhoso. Vai adorar! —


Sorrio, tentando disfarçar o meu desconforto.

Ofereço-me para lavar a louça, enquanto aguardamos a refeição, mas


dona Hermínia quase implora para que eu não faça. Para não a deixar mais
sem graça, resolvo apenas limpar a mesa com um pano e álcool para que
possamos almoçar.

Kostas vem entregar nossa refeição que pedi via aplicativo. O chamo
para se juntar a nós. Porém, como o barbudo é teimoso, disse que só irá
almoçar quando eu estiver no hospital.

— Vicente ainda não fez as compras do mês?

Sorve um grande gole do suco de laranja. Em seguida responde sem me


olhar:

— Ele não teve tempo.

— Se quiser posso fazer. Sabe que adoro a senhora...vocês, aliás.

— Tenho certeza de que será muito feliz, menina. Vai encontrar o amor
verdadeiro quando menos esperar.

Fala de repente como se quisesse me dizer mais alguma coisa.

Ela era conhecedora dos meus sentimentos pelo seu único filho.
Revelei a ela quando me pegou chorando no meu aniversário de dezoito anos.
Naquele dia fiquei magoada pelo Vicente não ter ficado até o final da
comemoração. Ele atendeu uma ligação de sua namorada e disse que ela

estava precisando dele. Não demonstrei na frente dele o quanto aquilo me


magoou.

Dona Hermínia me encontrou no jardim da morada dos meus pais e ali


revelei o que sentia pelo Vicente. E desde que soube não demostrou ser
contra e nem a favor. Ela acredita que Vicente e eu estamos predestinados
apenas a sermos amigos.

— Talvez eu o tenha encontrado.


— Não acho certo continuar guardando isso para você. Fale de uma vez
para o meu filho.

Sua voz sai quase em tom de súplica.

— Na formatura dele. Após a formatura iremos jantar... pretendo contar


quando estivermos a sós.

Rapidamente coloco meu jaleco, enquanto caminho apressadamente


para o laboratório. Cumprimento meus colegas de trabalho e direciono-me à
minha área. Começo a fazer alguns cálculos dos componentes químicos antes
de finalizar as análises.

Em determinado momento a cena de ter encontrado o Elordi tomando


banho invade os meus pensamentos. Começo a balançar minha mão e dedos
em frente ao meu rosto como se fossem capazes de espantar as imagens que
parecem ter ficado gravadas na minha memória.

— Arizona, está tudo bem?

Fernanda, a morena de lindos cabelos cacheados indaga. Patrícia, assim


como ela, está me olhando.

—Estou sim. Apenas incomodada com alguns mosquitinhos.

Erguem a sobrancelha. Uso uma desculpa esfarrapada. O hospital não


tem nenhum tipo de mosquito.

—Eu já retorno. Irei ao laboratório Beta buscar alguns resultados.

Tiro o jaleco por estar sentindo calor. Fala sério! Impossível eu estar na
menopausa.

Adentro o escritório da Nay sem bater. Ela desvia sua atenção dos
documentos na sua frente me fitando sem entender nada. Nem eu sei o que
está acontecendo comigo.

— Você está bem corada.

Jogo meu jaleco em cima da cadeira estofada e cubro minhas


bochechas com as palmas das mãos. Estou febril.

— Estou muito brava com o Miguel.

— Então... sobre aquilo...

— E você foi cúmplice da peste do seu maridinho.

— Miguel quis dar uma força para vocês. E acho que foi uma boa ideia,
não é? — Abre um sorrisinho malicioso.

— Meus Deus! Foi uma péssima ideia. Eu vi o Elordi tomando banho,


tocando no pintão dele.

Começo a andar pela sua sala, irritadíssima. Nay começa a rir muito, a

ponto de largar a caneta na mesa e encostar as costas na cadeira de couro.

— Pintão? Sério, Arizona?

— Definitivamente não é um pintinho.

— Eu sei que é um pintão.

A encaro com as mãos na cintura. Indago:

— Sabe? E por acaso você viu?

— Calma, ursinha. Nunca vi, juro. — Ela me encara, séria. —Sabe que
está com ciúme dele agora, né?

— Não...não estou!

— Porra, você me olhou como se fosse pular no meu pescoço. Um


pouco pior daquela vez que apareceu no laboratório para tirar satisfação das

fotos que saíram na mídia, minha e do Elordi como um casal.

— Não fui tirar satisfação com você. Eu só queria saber a verdade.

— Fora as outras vezes que isso aconteceu. Admite logo, ursinha.

Bufo tentando não me estressar.

— Vamos encerrar esse assunto. — Respiro fundo. — Miguel que se


cuide, vai ter troco. Você escapa porque está buchudinha.
Ela sorri, acariciando seu ventre.

— Nossa intenção foi a melhor.

— Ah tá.

— Então...pintão, hein? — Mexe as sobrancelhas toda sugestiva.

Nay é a minha melhor amiga. Tinha que desabafar com ela, ou iria

explodir.

— Não sabia que era possível um homem carregar algo tão grande
entre as pernas.

— Eu que o diga — fala, fechando os olhos por alguns instantes. —


Graças a Deus fui agraciada por ter um homem grande, de pau grande e que
fode bem pra cacete.

— Eca!

Revira os olhos.

—Você é virgem, mas não é nenhuma santinha. Lembra que tivemos


várias conversas sobre sexo com a Eleonor, com a vó Selena, com todas as
tias. Logo concluímos que seríamos tão safadas quanto elas.

Acabo rindo do seu comentário. Ela pergunta:

— Gostou do que viu?

— Pelo amor, Nay!


— Conte logo.

— Fiquei impressionada com a... Anaconda.

A morena começa a gargalhar. Estou a ponto de deixar sua sala, porém


pede para eu ficar. Quando finalmente para seu ataque de riso, limpa o
cantinho dos seus olhos e me encara.

— Tem que melhorar seus adjetivos. Fora sua impressão do pau dele,
sentiu mais alguma coisa?

— Vergonha.

— Conta logo, Arizona. Seja sincera comigo. Não sentiu seu coração
batendo mais forte, friozinho na barriga, calor, arrepio, nada...?

Sim, eu senti tudo isso e muito mais. Estou um frenesi de confusão.

Meu bip toca no bolso do jaleco. Rapidamente o pego para ler a


mensagem. É o doutor Castiel.

— Tenho que ir! O doutor Castiel está esperando eu apresentar o


resultado que solicitou.

— Continuamos essa conversa depois.


Vicente não respondeu minha mensagem e nem retornou à ligação. Sei

que tem trabalhado bastante para conseguir um aumento na empresa que está
trabalhando e estudando no seu tempo livre para o próximo concurso. A
última coisa que devo fazer nesse momento é exigir sua atenção.

— A próxima escala está pronta, meu anjo.

— Eu sei, vó. Novamente estarei trabalhando com o Elordi.

Não sai como uma reclamação. Apenas concluí que meu primo postiço
e eu estaremos no mesmo projeto sendo que todos sabem que as chances de
brigarmos é alta.

— Vocês fazem um belo trabalho em dupla. As mulheres adoram


vocês, bebê.

Auxiliamos as vítimas de tráfico humano em seus projetos nos cursos

técnicos que o Instituto oferece para se especializarem e conseguirem um


emprego no mercado de trabalho que anda cada dia mais exigente.

Beijo na bochecha da minha avó e vou ajudar dona Marta. Em seguida


auxilio mais três que estão fazendo o curso técnico em Segurança do
Trabalho.

No próximo ano a família irá inaugurar um terceiro prédio do Instituto


Eleonor, que será a sede principal. Fazemos um excelente trabalho em
fornecer ajuda profissional para as vítimas, cursos técnicos, tudo que for
necessário para se recuperarem e regressarem à vida na sociedade da melhor

forma possível.

Encosto-me na coluna da parede e cruzo os braços observando as


mulheres se dedicando aos seus projetos. Elas terão um belo futuro pela
frente.

Logo minha atenção fica no Elordi interagindo com a sua amiga.

Elordi é bastante próximo da Alicinha. Ela é uma das diversas


voluntárias que integram o quadro de ajudantes do Instituto da família. O
pouco que sei é que perdeu a mãe para o tráfico humano, desde então se
dedica à caridade.

Ela é uma pessoa bacana, simpática e bonita. É um pouco mais alta que
eu, tem cabelo curtinho, visual despojado. Sempre está sorrindo, se
dedicando aos seus compromissos referentes ao Instituto.

Desde que são amigos percebi, que Alicinha o olha com esperança de
que passem da zona de amizade. Talvez, aconteça um dia. Elordi nunca
namorou sério, não a ponto de apresentar alguém para a família. Pensando
bem... ele nunca foi visto publicamente com nenhuma mulher — tirando as
mulheres da família.

Sei que ele e Anthony frequentam um clube de sexo seleto,


provavelmente adora a vida que leva sem compromisso. Nem quero saber o
que faz naquele lugar...

— Formam um lindo casal, não acha? — indaga Nay, ao se aproximar


de mim.

Eu poderia confirmar apenas para ela me deixar em paz. Nay adora me


instigar. No entanto, para ser sincera não consigo imaginá-los como um casal.

Parece que sofro de algum bloqueio cognitivo.

— Tenho que ir ao banheiro. Com licença! — Forço simpatia.

Atravesso o salão tentando me manter neutra. Acho que devo voltar a


fazer terapia. Entro no banheiro e tranco a porta. Abro a torneira e molho
minhas mãos olhando meu reflexo no espelho.

Estou péssima. Desligo a torneira e levo minhas mãos úmidas para a


minha nuca. Escuto baterem na porta e antes de falar que já estou saindo,
escuto a voz gutural:

— Arizona, você está passando mal?

Ao sair me deparo com o Elordi. Jesus! Nem estou conseguindo olhar


para ele sem lembrar...

— Estou bem.

— Certeza? Você saiu tão rápido do salão. Está enjoada?


Depois que me curei do câncer, passaram a ficar em alerta a qualquer
sintoma de um possível retorno. Sinto frio na espinha só de imaginar. Fitando

as feições marcantes do Elordi consigo ver sua preocupação.

— Estava apertada... por isso saí tão rápido.

—Qualquer coisa que sentir... avise-me que ligo para os seus pais
imediatamente.

Sorrio do jeito que ele fala. Acho que ele é mais pilhado do que meus
pais. O que agora está sendo uma novidade. Quer dizer, no colegial vivíamos
como cão e gato, mas a qualquer sinal de que eu iria ao banheiro com certa
pressa, lá estava ele querendo saber se estava passando mal. Isso era
realmente adorável.

Elordi ainda tem esse cuidado comigo. Apesar de me rejeitar, de ser


grosso a maior parte do tempo... sempre esteve por mim.

Quando vou falar, Alicinha aparece. Tímida, fala:

— A vó de vocês está chamando no salão.

Sorrio para ela e saio na frente dos dois.


Chego em casa exausto com o dia de trabalho. Infelizmente não ganho

o que realmente mereço por exercer e fazer serviços que ultrapassam o meu
cargo.

— Trouxe o jantar, mãe.

Largo as sacolas em cima da mesinha da sala de estar. A casa está um


lixo. Infelizmente, desde que minha mãe ficou paraplégica as coisas ficaram
difíceis.

— Tem três dias que você não aparece, Vicente. Por onde esteve?

Odeio suas perguntas e conselhos. Solto a respiração forçadamente.


Tiro meu carregador da mochila de couro e coloco meu celular para carregar.

—Trabalhando, estudando, trabalhando... agora mais do que nunca


preciso ser alguém na vida. Não sou um privilegiado, mãe.

Desfaço o nó da gravata largando-a em cima do sofá.

— Arizona esteve alguns dias atrás aqui. E advinha?

— O que?

Indago totalmente desinteressado. Começo a tirar as embalagens de


comida das sacolas.

— Ela encontrou essa foto.


Joga a fotografia que rasguei anos atrás. Tirei a Arizona deixando
somente Elordi e eu. Desde que a tenho costumo ficar olhando, admirando,

cogitando um sonho que é impossível de ser realizado.

— O que falou para ela?

— Eu tive que mentir para a minha menina, Vicente! Falei que rasguei
a foto sem querer.

— Arizona é bobinha. Deve ter acreditado. — Dou de ombros.

— Onde eu errei com você, meu filho? Você não era assim.

E lá vamos nós para a mesma ladainha de sempre...

— Não começa! Hoje não, mãe!

— Assuma quem você realmente é. Seja sincero com a Arizona, não


iluda a menina...

A fito sentindo desgosto.

— Arizona não é mais nenhuma garotinha.

— Você vai magoá-la... ela é sua melhor amiga.

Sim. Arizona sempre foi e será a minha melhor amiga. Só que agora
meus interesses estão em primeiro lugar.

— Ela é. Acontece que agora irei pensar em mim.

— Eu nunca deveria ter falado sobre o seu pai...


Não conclui a frase. Começa a chorar.

— Agora é tarde para chorar o leite derramado. A última coisa que

serei é um derrotado como o meu pai. Todos aqueles que riram e me


humilharam no colegial vão pagar caro! Todos que duvidaram da minha
capacidade terão que me engolir.
Minha avó nos reúne em um círculo para comunicar que as crianças
serão liberadas mais cedo de suas atividades, pois a professora de Arte
Contemporânea precisará resolver um problema pessoal. Ficaremos
responsáveis por eles até as mães terminarem seus projetos.

Elordi, Miguel, Nayara e eu estamos acostumados a lidar com os


pirralhos da família. Essas trinta crianças não dariam tanto trabalho assim.
Enquanto as aguardávamos, continuamos auxiliando as mulheres guerreiras
que logo estarão no mercado de trabalho com diploma de curso técnico.

Alicinha insiste para nos ajudar com as crianças. No entanto, minha avó
foi categórica ao dizer que era melhor continuar com a mesma função.

Tenho vontade de trocar de lugar com ela. Vejo nos olhos castanho-
escuros que quer continuar perto do Elordi. Deveria alterar nossas funções.

Opto em cumprir a ordem da vó Selena e, no fundo, eu sei a razão de


não haver jogado a ideia da troca, pois de repente, assistir sua interação com
o Elordi tocou em uma parte do meu coração. Uma terra desconhecida,
arredia.

Meu celular vibra no bolso da calça jeans de cintura alta. Era uma
mensagem da Nay. Abro o WhatsApp e tusso por tamanha surpresa ao ler:

“Pensando na Anaconda né, minha filha?”

Parece que a sad da família entrou na onda dos memes. Limpo a


garganta, guardando o celular rapidamente no bolso.

Vamos para o jardim, especificamente na área que foi construída para


recriação das crianças ao ar livre. Nay propõe que a primeira brincadeira seja:
passe o anel. No caso, usaremos uma das pedrinhas que ela pega do jardim de
rosas vermelhas. Daí em diante começamos uma maratona de brincadeiras
que poucas crianças têm a experiência de brincar. Afinal, hoje em dia a
maioria estão absortas na tecnologia.

Faltando alguns minutos para acabar a recreação, Miguel sugere a

brincadeira: cabra-cega. Sendo o marido cuidadoso, deixa avisado que a Nay


não será a cabra. Todo cuidado é pouco. Palavras da peste da família.

O garotinho vendado começa a vir em minha direção. Permito que me


capture, pois o coitadinho está penando. Abaixo-me para desamarrar o lenço

colorido. Nay venda os meus olhos e me ergo pronta para prosseguir com a
brincadeira. Ainda bem que escolhi o meu par de tênis mais confortável para
vir.

Os sons das gargalhadas das crianças me fazem rir. É algo contagiante.


Algumas se arriscam em passar perto de mim, e por pouco escapolem.

Eu poderia colocar em prática o que aprendi no treino às cegas na


Organização Secreta, porém perderia a graça muito fácil. Nesse momento não
estou em missão.

Elordi e Miguel estão livrando as crianças de serem agarradas por mim.


Estão parecendo dois garotos bobos. Assim como eu, também estão se
divertindo.

Esbarro minhas costas num corpo grande e forte. Sendo bem treinada,
me viro rapidamente agarrando o braço masculino. Pressuponho que seja o
Miguel. E estou a ponto de projetar seu corpo para a grama usando uma
técnica de jiu-jitsu, porém seguro à vontade.

A fragrância almiscarada com variações picantes e quentes invadem o

meu nariz. Era o Elordi. Só ele tem esse perfume no mundo todo. Na sua
última temporada no Japão retornou com esse aroma que foi feito
especialmente para seu uso.

Elordi costuma passar suas férias no Japão. É seu refúgio espiritual.

Anthony tem sido seu maior parceiro para ir ao Koyosan, nas montanhas da
província de Wakayama, na região centro-sul do Japão. Miguel apresentou
aos seus dois melhores amigos e tornou-se o verdadeiro bálsamo deles.

Respirando em tragos começo a subir minhas mãos pelo seu braço. Sua
pele febril e máscula faz o meu corpo se arrepiar. Mesmo vendada, pressiono
mais os meus olhos fechados ao tocar no seu maxilar, em seguida na sua
barba-cerrada que arranha minha pele de um jeitinho gostoso.

Meus dedos viajam delicadamente por cada cantinho de seu rosto

anguloso. Não deveria estar fazendo isso, mas faço. Estou sendo guiada pelo
meu instinto e energia. Os indicadores contornam seu nariz romano, suas
sobrancelhas grossas, suas pálpebras, orelhas... cada lugarzinho. Quando as
desço para perto de sua boca sinto sua respiração quente, pesada.

Elordi segura o meu pulso e juro que por alguns segundos penso que
vai beijar a minha mão. Porém, quando uma das funcionárias vem avisar que
havia terminado a recreação o encanto se quebra. Como se tivéssemos sido
acordados num estalo de dedos.

Quando solta o meu pulso, abaixo o lenço. Deparo-me com os seus


olhos de ônix me avaliando seriamente. Meus olhos estão marejados, sei que
estão. Uma emoção forte está dominando o meu corpo.

Seu olhar desce para a minha boca, depois volta a se fixar nos meus

olhos. Elordi está me estudando, querendo saber o que estou pensando.


Nunca estivemos tão próximos como estamos agora... não que eu me lembre.

Passamos a adolescência brigando, nos evitando. O que mais me doía


era não poder ter sua amizade. Eu me aproximei, porém o bad boy deixou
claro que não me queria por perto. Se sentir rejeitada é uma das piores
sensações que existem.

— Vou ajudar vocês a recolherem os brinquedos.

Escutamos a voz da Alicinha. Dou dois passos para trás para me afastar

do Elordi. Forço um sorriso para ela quando se aproxima com a rede que
guardamos as bolas.

— Terminaremos mais rápido — fala.


Foi constrangedor ter sido visto pela garota que habita meus sonhos

mais profundos, tomando banho e alisando o meu membro. Naquele


momento eu estava pensando na sua boquinha carnuda recebendo o meu pau,
bebendo a minha porra... nenhuma foda era capaz de aplacar meu desejo pela
Arizona.

Seus grandes olhos azuis refletiram desejo. Sei que ficou abalada, mas
isso não quer dizer nada. Na verdade, acho que ela ficou impressionada com
o meu tamanho.

Miguel armou para que ela entrasse no quarto. Quase caímos na


porrada, contudo, me contive.

Como se as coisas não pudessem ficar piores... ficaram. Arizona e eu


estamos nos evitando mais do que o normal. E após receber seu carinho
singelo no meu rosto —na brincadeira de cabra-cega, enquanto estava

vendada — foi como sentir o que era viver no paraíso. Mais um pouquinho e
teria beijado a palma de sua mão.

Deus do céu! Tenho que me controlar. Sou um homem feito.

Por algum motivo ela ficou emocionada. Quis questionar, desejei ser
capaz de superar meus traumas e ser forte o suficiente para confessar o que
guardo por tantos anos. Não sou homem apto para tê-la como minha mulher.
Ela merece mais. Muito mais.

— Ursão, não está conseguindo trançar meu cabelo? — indaga

Romana, nitidamente impaciente.

Desde que o meu carinho começou a falar, ganhei diversos apelidos.


Nos últimos anos “ursão” tem sido o que se refere a mim com mais
frequência.

— Irei começar novamente. Errei.

— Você estava bem distraído.

— Coisas do trabalho — minto.

Meu pai e eu penamos para aprender a fazer penteados de menina.


Assistimos muitos vídeos no Youtube e tivemos algumas aulas práticas com a
dona Agatha. O universo feminino é complexo, temos que ter o maior
cuidado possível.

Sinceramente não penso em formar minha própria família, nem penso


em ter filhos. Meus irmãos são como se fossem meus filhos, afinal, por ser
muito mais velho tomei essa responsabilidade com honra. Contudo, caso um
dia eu decida ser pai solo, com certeza quero uma menininha.

— Vamos chegar atrasados, mano. Tenho teste de matemática — fala


Ragner.

O caçula entra devidamente pronto, segurando sua bola de basquete.


— Esqueceu de bater na porta?

E lá vamos nós para uma dose de discussão dos pirralhos.

— Não seja tão chatinha. Você está usando batom?

— Brilho labial. Qual o problema?

— Papai não vai gostar disso. Não vai dizer nada, irmão? Você é muito

menina para usar essas bobagens.

Falando assim Ragner parece ser mais velho que ela. Assim como o
restante dos homens da família, sofremos de possessividade aguda.

— A mamãe deixou! E não me enche, garoto!

Hoje fiquei de levar os meus irmãos à escola. Minha mãe pediu, pois
bem cedinho se encontraria com a sua equipe no fórum para irem à casa onde
as vítimas do processo estão em segurança. E o juiz Medeiros está em São
Paulo. Foi palestrar na semana do curso de Direito da USP.

Termino a trança escama de peixe e beijo a cabeça da minha irmãzinha.


Seu cabelo preto brilha de tão sedoso. É idêntico ao da mamãe. Em
contrapartida herdou os olhos azuis reluzentes do nosso pai. Uma
combinação perfeita.

Emburrada, junta a mochila do chão colocando-a nos ombros. O


temperamento também recebeu do temido Juiz Medeiros. Se na pré-
adolescência já está nos assustando, nem quero imaginar quando de fato for
uma adolescente.

— É fraquinho, não tem problema.

Esforço-me a concordar com a Romana. Ragner me olha feio.

— Olha, no refeitório os garotos ficam olhando muito para ela. Fora


que na sala dela tem uns moleques almofadinhas que... nem sei o que dizer.

Romana é só uma menininha.

Puxo o ar com força pela informação. Meu pai não vai gostar nada de
saber disso.

— Quase não tenho amigos. Você, Asher, Apolo, Átila, Enrico,


Manassés, Savas, Thor e Theus espantam todos que querem se aproximar! —
Enumera todos eles nos dedos.

— Somos uma boa equipe. — Ragner pisca o olho direto para mim, e
conclui: — Nenhum moleque vai chegar perto da minha irmãzinha!

— Eu sou mais velha que você. Argh!

Meu carinho não espera por nós. Sai do seu quarto brava. Para
provocar, o caçula grita no batente da porta do quarto:

— Mas é menina!

— Bom trabalho, irmão!

Fazemos o nosso toque de mãos e descemos para fazer a primeira


refeição do dia.

Há muitos anos não desenhava o Elordi. Essa semana minha inspiração


foi totalmente exclusiva para ele. Quis evitar, fiquei com raiva de mim
mesma, arranquei as folhas do caderno de desenho profissional, jogando-as
no chão com força...irritada por estar pensando nele, quando sei que não
deveria.

Eu escolhi esquecer qualquer sentimento romântico que tive por ele na


época que nos conhecemos. Não irei colocar meu futuro em jogo por estar
assim... estranha.

Vicente esteve comigo durante todos esses anos. Esteve ao meu lado

durante o meu tratamento, me abraçou apertado todas as vezes que pensei que
o câncer iria voltar... ele é o homem certo.

Não tem nada mais clichê que se apaixonar pelo melhor amigo.
Todavia, aconteceu. E agora estou decidida a me declarar, e sinceramente
espero que possamos viver essa história de amor que tem perpetuado na
minha imaginação.
— Não vai ficar para o almoço, filha?

Viemos tomar café da manhã na mansão principal das terras, onde os

meus avós residem. Aos domingos nos reunimos. É uma tradição. Hoje
minha avó e tia Agatha prepararam a primeira refeição do dia especialmente
para o Elordi. Hoje ele fará o concurso para delegado civil.

A Secretaria de Segurança Pública abriu o concurso emergencial para

chamada imediata, após resultados das provas objetivas. Elordi quer ser
delegado para mudar um pouco as coisas, ajudar mais as pessoas. Apesar de
ser cético em grande parte do tempo, todos sabemos que tem um coração
enorme.

Obviamente ele ganha muito mais advogando na Advocacia Lacerda.


Entrou com os seus dois amigos como sócios do tio Enzo. Fizeram por
merecer. Provaram para o tio Enzo que estavam capacitados. Mas ele quer ter
essa experiência como delegado. Escutei quando conversava com os nossos

tios.

— Combinei de me encontrar com o Vicente, papai.

O doutor Severo passa a mão grande no cabelo loiro — que quase não
vemos os fios grisalhos. Meu pai sempre teve birra para o lado do meu
melhor amigo. Minha mãe que sabe domar a fera.

— Queria tanto que fosse menor de idade — bufa, puxando-me para


um abraço.

— Podemos jantar juntos.

— Mereço isso por nos trocar...

— Pai, sério?

— Ok, não digo mais nada. — Beija a minha testa. — Cuide-se.

Estou dentro do carro esperando Kostas confirmar sua comunicação


total com os demais seguranças. Elordi desce as escadarias da entrada da
morada indo em direção à sua moto. Ele definitivamente chama atenção por
onde passa. Quando para perto da sua moto, falo para o líder da equipe:

— Eu já venho, Kostas!

Ao notar minha presença descansa o capacete em cima do tanque da


moto. Ficamos no encarando como se tivéssemos todo o tempo do mundo.

Quando percebo fico na ponta dos pés para alcançar sua bochecha e

pressiono meus lábios na sua pele. A barba bem-feita belisca a minha pele de
um jeitinho gostoso. Em seguida o abraço, fechando os olhos ao sentir sua
fragrância almiscarada exalando de forma sutil...uma delícia.

Elordi não esperava por isso. Seus braços grandes e pesados demoram a
retribuir o afeto. Nitidamente fica surpreso. Quase suspiro quando sinto seu
abraço.
Minha mão direita vai para a sua nuca, e então sussurro pertinho do seu
ouvido:

— Sei que não vai precisar, mas nunca é demais. Boa sorte na sua
prova. — Sorrio quando me abraça mais forte.

Nos minutos seguintes mantemos o carinho. Desfazemos o abraço, só


então sinto minhas bochechas quentes. Elordi está me olhando de um jeito

enigmático, diferente, diria até um pouco sombrio. Ele aperta o nariz


rapidamente com os dedos, e volta a me olhar.

— Agora acredito de verdade que irei me sair melhor.

Suas palavras me fazem sorrir. A sombra de um sorriso surge nos seus


lábios. Meneio a cabeça e vou em direção ao carro. Até a hora que entro no
veículo blindado sinto seu olhar me seguindo.
Por alguma razão Kostas tira a playlist de bandas de rock e coloca a de
músicas românticas dos anos 80. O grandão me conhece como ninguém, e
por mais que tente não consegue guardar suas opiniões.

— Quer dizer alguma coisa? — indago.

— Na verdade, achei bem fofo você ter ido desejar boa sorte para o
garoto de ouro.
— Por favor, Kostas. A família inteira o abraçou e desejou sorte para
ele. Fiz... por empatia.

— Você é inteligente para muitas coisas, mas quando se trata de


sentimentos é um desastre ambulante.

— Onde está querendo chegar com isso?

— Que você deveria rever seus verdadeiros sentimentos pelo garoto de


ouro.

— Não tenho sentimentos amorosos por ele. Somos da mesma


família... apenas isso.

Elordi passa por nós pilotando sua moto que custou quase meio milhão
de reais, e logo atrás Ezequiel o segue no carro junto com os outros da equipe
que fazem a segurança dele. Como sempre, o meu primo postiço está usando
sua jaqueta de couro preta e luvas de motociclista.

— Amo você como se fosse minha irmãzinha — declara o que eu já


sabia. Sorrio e ele prossegue: — Seu grande defeito é ser boa demais. Coloca
a bondade acima de situações que não deveria.

Expiro e inspiro. Minha mãe havia me dito isso algumas vezes. Talvez,
seja verdade.
Enrugo o nariz ao ler a mensagem do Vicente. Ele disse que está me
esperando no restaurante La Fiduccia. O restaurante de altíssimo nível fica no

coração de Copacabana. Almocei diversas vezes nesse estabelecimento.

Estou surpresa pela escolha do meu melhor amigo. Na verdade,


pensando nas últimas ocasiões que estivemos juntos em uma social, ele tem
optado por lugares da alta sociedade.

Sei que está ganhando mais agora que subiu de cargo na importadora
de vinhos. Contudo, nesses ambientes os valores são exorbitantes. Antes ele
concordava em aceitar que eu pagasse metade da conta — o que não era um
problema para mim — agora faz questão de arcar com o valor sozinho.

— Tudo em ordem! — avisa Kostas pelo comunicador do seu ouvido,


que é quase imperceptível. — Está com a sua arma?

— Prefiro o meu arco.

Ele sorri fechando a porta do carro.

— Não tenho dúvidas de que seja uma excelente arqueira. Mas


precisamos manter a discrição, ursinha.
— Com toda certeza. — Coloco a bolsa transversal no meu ombro, e
inquiro: — Quer que eu peça sua sobremesa favorita para a viagem?

— Sempre me levando para o mau caminho — bufa. — Quero calda


extra de frutas vermelhas.

— Do jeitinho que você gosta. — Pisco para ele.

O maitre me recebe com toda sua simpatia. Direciona-me à mesa que


Vicente está. O ambiente requintado tem uma bela vista do calçadão. Sou
recebida com um abraço do meu melhor amigo e um beijo demorado na
bochecha.

Conjecturei que nunca iria me declarar para ele. Todavia, acabei


mudando de opinião a respeito por várias vezes. Minha inconstância era
fundamentada pelas atitudes do Vicente.

Por muito anos pensei que me tinha somente como sua melhor amiga.
Em outros momentos parecia sentir algo por mim. O jeito que me olhava,

quando me tocava com mais carinho do que deveria. Isso foi alimentando as
esperanças que rondam o meu coração.

O sommelie serve o vinho na minha taça. Sem conseguir me segurar


leio rapidamente a safra. Pelo tempo deve ser um dos mais caros do
restaurante. Em seguida fazemos o pedido da entrada, prato principal e
sobremesa.
— Aposto que já veio aqui muitas vezes — diz, antes de tomar um gole
de seu vinho.

Lembro-me que durante nossa adolescência Vicente viajava com a


gente. Meu pai obviamente não gostava, mas aceitava. Minha mãe sempre
quis manter o meu melhor amigo por perto em forma de agradecimento e
carinho, que sente por ele ter sido meu único amigo durante alguns anos.

Fora isso, costumava participar de alguns almoços e jantares que eu ia


com os meus pais. A maioria nos restaurantes mais requintados do Rio,
outros na casa de conhecidos do meu pai. Vicente ficava sem jeito no
começo, depois era como se já estivesse acostumado. O ensinei regras de
etiqueta a pedido dele. Meu melhor amigo deixou claro que não queria passar
vergonha na frente de ninguém. Na época achei bobagem.

— Algumas.

— Convidei o Elordi.

Por muito pouco não bebo todo o vinho que estava na taça. Ele
continua:

— Ele não tem respondido minhas mensagens.

Vira o rosto olhando para a belíssima paisagem carioca.

A amizade dos dois não é como o Vicente gostaria que fosse. Elordi
tem uma amizade fortíssima com o Anthony e Miguel, e nunca permitiu que
ninguém entrasse nessa equação. Eles são apostos. Acredito que meu melhor
amigo esperava ser mais próximo do Elordi, pois desde que o conheceu ele

foi seu salvador no colegial.

Vicente sofria muito bullying por ser magro demais, por não ter
habilidade nenhuma com esportes, por ser bolsista. Apelidos horríveis não
faltavam para ele. Isso mexeu com o meu melhor amigo. Ele realmente ficava

abalado. Elordi o defendia das ofensas, das agressões.

Sou grata ao Elordi por tudo que fez pelo Vicente quando ninguém
mais tinha coragem.

Cheguei a falar com a Irmã que era diretora ne época, fui à supervisão,
fiz pequenos protestos. Eu também fui alvo de bullying. Com apoio dos meus
pais e muita terapia aprendi a lidar com essa situação que tanto me magoava.
Pessoas que praticam o bullying também precisam de ajuda psicológica.

No início foi difícil dividir a atenção do Vicente com o Elordi. Na

minha cabeça, o bad boy iria acabar magoando o meu amigo da mesma forma
que fez comigo quando tentei me aproximar. Porém, depois aprendi a lidar
com a amizade deles.

Só que Elordi nunca deixou de fato o meu melhor amigo participar de


sua vida, fazer parte do seu trio imbatível.

— Ele tem estudado muito para o concurso. Aliás, a essa hora já deve
ter começado a prova.

Vicente estreitou o olhar.

— Vocês têm se falado muito?

— Normal. — Dou de ombros.

Ele sabe que minha relação com o Elordi nunca foi das melhores.

Resolvo falar mais:

— Minha avó e tia fizeram o café da manhã em família para desejar


boa sorte ao Elordi. Ficamos a manhã toda juntos.

—Ele vai passar. Tem se saído bem em vários concursos.

Seu tom de voz não faz jus ao sorriso que molda seus lábios.

— Elordi estuda para concurso desde que estava na graduação. Tenho


certeza de que irá passar nesse também.

— Você está diferente — comenta, me avaliando. —Seu olhar... parece

mais leve, feliz.

—Eu estou — afirmo. — A galeria está indo bem, estou aprovada em


quase todas as disciplinas, minha família está ótima, graças a Deus. E você
logo estará formado e tenho certeza de que conseguirá alcançar seus sonhos.

Captura minha mão por cima da mesa, segurando meus dedos,


acariciando-os com carinho.
— Você tem sido meu maior suporte, Arizona.

Sorrio sem saber o que dizer. De repente essa demonstração de carinho

não tem o mesmo efeito de quando aconteceu em outros momentos.

— E sua mãe como está?

— Bem. Obrigado por ter comprado roupa e sapato para ela ir à minha

formatura. Não saberia escolher.

— Sua mãe pareceu surpresa quando falei da sua formatura. — Ele


termina de mastigar lentamente. — Ela disse que esqueceu.

— Pode ser os remédios.

— Talvez. Para ter certeza seria bom ler a bula do remédio e ver quais
são os efeitos colaterais.

— Sei que quando foi lá em casa, estava uma bagunça... eu realmente


não estou tendo tempo de limpar nada. Estou vendo alguém para cuidar da

limpeza.

— Sua mãe merece todo o cuidado possível. Além disso, a leve ao


hospital para fazer um hemograma completo. Acho que dona Hermínia está
com anemia.

— Farei isso! Estou vendo uma Casa de Repouso.

— Vicente, não acho uma boa ideia!


— É uma das melhores casas de repouso da cidade.

— Se for onde estou pensando, é caríssima a mensalidade. Poderia

investir o dinheiro que está juntando para ampliar a casa de vocês, fazer uma
reforma. Sua mãe adora cuidar do jardim, mas nem tem como sair sozinha
para a área externa. Faz tempo que falei que deveria fazer uma rampa de
acesso.

— Não terei tempo de cuidar diariamente da minha mãe, Arizona.


Tenho que pensar no que é melhor. E para ela, nada melhor que ter tudo que
precisa.

— Ela entende que não pode ficar perto dela o tempo todo. Dona
Hermínia sente um orgulho filha da mãe de você, Vicente. Só que deixá-la
em uma Casa de Repouso... eu não sei.

— Estou fazendo o certo.

— Por que não contrata uma cuidadora, então? Posso conseguir

alguém. Se for o caso, ajudo você a pagar.

Sua feição muda para irritado.

— Sei que vem de uma família podre de rica e que dinheiro nunca será
um problema para você. Mas não precisa ficar sempre fazendo caridade.

— Não é caridade, Vicente! Meu Deus, eu adoro sua mãe. E somos


amigos.
Suspira largando os talheres dentro do prato.

— Vamos encerrar esse assunto. Quero apenas aproveitar o almoço

com você. Pode ser?

— Depois voltamos a falar sobre isso.

Não diz nem que sim e nem que não.

Cogitei que a Nay e eu fôssemos maratonar alguma série. Contudo,


recebemos o alerta do Luri. Faz alguns dias que estamos em cima de uma
quadrilha que faz o transporte de crianças para o tráfico.

Sigo direto para o vestiário. Outras mulheres que estão escaladas nessa

missão terminam de trajar a roupa feita especialmente para nós. Logo depois
saio terminando de fazer o coque firme no cabelo.

—Precisamos ser rápidos! Não estamos com a quantidade adequada


para o tamanho da missão. Os outros estão no norte e sul comandando outras
atribuições — fala o tio Edu.

— Essa quadrilha sequestra crianças da periferia e as mantêm em


cativeiro até o momento que o traficante de crianças entra em contato com

eles para dizer como será feito o transporte. Luri conseguiu invadir o sistema

de comunicação deles. As crianças serão levadas amanhã. São cerca de vinte


e cinco, mas podem estar com mais —comunica o tio Enzo.

— Sempre seguimos o protocolo de missão. No entanto, quando se


trata de crianças sabem que exijo que salvemos o quanto pudermos. Os

cativeiros são subterrâneos. Fora isso, Luri conseguiu imagem por satélite da
área florestal onde estão escondidos e viu que tem algumas covas pelas
redondezas.

Suspiro fundo, sabendo que as coisas irão piorar. O líder continua:

— Possivelmente estão jogando os corpos das crianças que não


aguentaram. Quando finalizarmos deixaremos pontos específicos para a
polícia encontrar essas covas e assim serem identificadas. A família merece
saber o que aconteceu.

Kostas me entrega o Arco Composto. Um dos modelos mais potentes


do mercado e um dos meus preferidos.

Nay fica com cara de poucos amigos por não poder ir, porém sabe que
não seria certo arriscar se machucar estando grávida.

Sou escalada para ficar na equipe do Hades, assim como o Kostas.


Quase duas horas depois entramos pelo caminho de terra que nos levará para
a floresta onde os bandidos estão. Dentro do carro confiro milimetricamente
meu arco.

Ao descermos começamos a colocar o colete, encher os coldres. O líder


vai pelo outro caminho junto com sua equipe. Cubro meu rosto com a
máscara de ninja, deixando apenas meus olhos e parte das sobrancelhas
livres.

— Seja uma boa garota, Arizona.

— Kostas, até parece que não me conhece.

— Conhecemos muito bem. Essa família só tem filhos de gênio


terrível. Então, não se coloque em perigo —fala Hades, me olhando
seriamente.

Sigo o comandante da missão para a zona que nos foi designada.


Usando a luneta de visão noturna começamos a nos mover no meio das
aberturas da mata. Estou transpirando, sentindo meu coração batendo cada

vez mais forte.

— Estão arrastando algumas crianças para longe da vivenda de


madeira! —Escutamos o Luri pelo comunicador.

Antes de chegarmos ao local escutamos tiros. O show começa. Há


muitos deles. Teremos que dar conta seja como for. Três estão atirando de
dentro da casa de madeira. Em meio às lutas corporais e tiros, busco escudo
no tronco de uma árvore.

E então estico o braço o erguendo próximo da minha bochecha e com

precisão libero a flecha. Acertei no peito do bandido. Rapidamente miro nos


outros, acertando-os em lugares diferentes. Não é o suficiente para matá-los.

—Avancem para dentro da casa! Estão feridos! — falo pelo


comunicador.

Vou para o campo minado. Uso todas as flechas. Um dos brutamontes


vem para cima de mim. Desvio do soco e acerto sua jugular com a ponta do
arco fazendo o sangue jorrar. Ele cai no chão segurando seu pescoço,
querendo conter o sangramento.

Vem outro com um enorme pedaço de madeira. Saco a arma dos dois
coldres e disparo dois tiros certeiros no meio da sua testa. Foram longos
minutos lutando, atirando, dando tudo para acabar com esses monstros.

— Tem outra casa de madeira. A três quilômetros da primeira. Eles

estão escondendo algumas crianças nas covas. Sejam rápidos! — comunica,


desesperado. —Estou segurando o sistema da polícia, internet..., mas
parecem estar querendo impedir. Puta que pariu!

Sem mais munições e sem poder esperar corro para dentro da mata.
Não poderia deixar eles matarem as crianças. Devem estar desesperadas e não
aguentarão muito se forem soterradas.
Encontro um dos infelizes jogando terra para dentro da cova. Filho da
puta! Sem nenhuma arma, não me resta outra opção a não ser luta corporal.

Aplicarei o golpe infalível do mata-leão, mas ele vê que me aproximo.

— Seu miserável! São apenas crianças!

O homem é duas vezes maior do que eu. Pelo comunicador chamo por
reforço. Tento desviar como posso, contudo, acabo sendo alvo de alguns

socos seus no meu estômago, que por muito pouco não roubam todo o meu
oxigênio. Os meus golpes não parecem o desestruturar como gostaria. Miro e
acerto diversas vezes, sujando as luvas de couro com o seu sangue.

Vou ao chão com um dos seus golpes e antes que consiga me levantar
agarra meu tornozelo. Arrasta-me e me joga dentro da cova. O cheiro podre
causa ânsia. Penso que irei machucar alguma criança ao cair..., mas caio em
cima de corpos pequenos sem vida. A vontade de chorar se mistura com o
pavor.

— Filho da puta! — escuto a voz gutural do Elordi.

O homem relincha como um animal de dor e então o som de tiro me faz


gelar. Grito:

—Elordi! Elordi!

Tento ficar em pé, mas a terra, lama e os corpos não deixam eu me


manter firme. E então seu corpo é derrubado dentro da cova ao meu lado,
quase cai todo em cima de mim. Tremendo, soluçando pelo choro, tiro a luva
e toco no rosto dele. O pavor de o tiro ter sido fatal... não vou conseguir

ajudá-lo nessas condições.

E então ele abre os olhos e posso voltar a respirar melhor.

—Onde... foi o tiro? — pergunto baixinho, o olhando.

O bandido começa a jogar terra dentro da cova. Ergo a mão fazendo


ponte em nossas faces para não entrar terra nos meus olhos e nem nos de
Elordi.

— No braço. Acho que foi de raspão. Precisei fingir, pois tem mais
deles...vamos esperar ajuda — responde me olhando seriamente.

De repente fico com medo de que seja o fim. Estamos terrivelmente


machucados e sendo enterrados vivos sobre corpos de crianças. Não sabemos
se chegarão a tempo de nos salvar, se ao menos um de nós irá sobreviver.

Elordi fecha os olhos com força, sentindo dor.

— Onde mais está machucado?

— Acertaram uma facada na minha coxa.

— Meu Deus! Deve estar sangrando pra cacete...

Fito seus olhos de ônix, atônita.

— Vai ficar tudo bem. Eu prometo —fala.


Seus olhos estão cheios de lágrimas, sinto as minhas molhando o meu
rosto. Elordi estica os braços para cima de mim, sendo meu escudo mesmo

sentindo dor e estando mais ferido do que eu. Continuam jogando terra em
cima de nós.

Em meio à essa catástrofe, estamos mais perto um do outro do que já


estivemos um dia. Nossas bocas estão tão próximas, sua respiração quente

aquece meu rosto, seu suor se misturando com o meu, nossas respirações
pesadas.

E se realmente for o nosso fim? Se continuarem jogando terra,


ficaremos sem oxigênio. Morreremos tão rápido...

Talvez, não tenha mais um amanhecer para nós. Umedeço meus lábios,
sentindo-os secos e sedentos. Eu quero beijá-lo. Pode ser a última coisa que
eu faça.

—Arizona... — sua voz sai sôfrega.

Passo o polegar nos seus lábios...

— Estão vindo, porra! Vamos fugir logo! Chega!

A voz de um dos bandidos nos desperta. Não demora muito para o


Kostas, junto com outros membros, virem nos resgatar. Mesmo machucado
Elordi teima comigo para eu ir primeiro.

Fora da cova vejo o quanto sua coxa está sangrando. Toco na sua testa
sentindo-o febril. Sem perder tempo solicito a equipe de resgaste.

Somos os primeiros a chegar na sede da Organização. Fiz os primeiros-


socorros assim que entramos no carro. Queria ter ido para a enfermaria com
ele, ter certeza de que está fora de perigo. No entanto, Kostas praticamente
implorou para eu cuidar dos meus machucados antes que meu pai chegue e
arranque a cabeça dele.

— Alguma notícia do Elordi?

— O machucado na coxa foi feio. O garoto está sendo bem cuidado.

— Certeza?

— Credo! Está parecendo o seu pai, ursinha.

Assim que a enfermeira do plantão termina agradeço rapidamente e


saio sob seus protestos. Preciso ver o Elordi. Paro no corredor ao vê-lo do
outro lado. Nós nos encontramos. Eu só quero ter certeza de que ele está
realmente bem, fora de qualquer perigo.

E sob o olhar de todos, sem me importar com nada fixo meu olhar no
seu como se só existisse nós dois. Agora estou mais aliviada. Não sei como e

nem porque, porém começamos a andar o mais rápido que conseguimos. Ele

mais devagar devido ao machucado — que agora está com um curativo e


pontos que fica visível pelo espaço que rasgaram na calça.

Vamos ao encontro um do outro como se fosse a última coisa a se fazer


em vida. E então nos abraçamos. Não consigo conter a emoção. O abraço é

forte, nem nos importamos com os machucados. Eu só quero sentir seu calor.

Ele está bem.


É como se o tempo parasse, enquanto mantemos o abraço apertado. O
barulho do tiro, o Elordi caindo ferido dentro da cova, a terra sendo jogada
em cima de nós... as cenas do momento aterrorizante que passamos a menos
de duas horas invadem a minha cabeça.

Somos treinados severamente dentro da Organização Secreta para


manter condicionamento físico e psicológico preparados para as missões.
Muita coisa pode dar errado. Vivemos sob um risco incalculável.

Porém, saber que uma pessoa importante se arriscou para salvar você,

que se colocou em risco... não tem como controlar a emoção. Elordi faz parte
da minha família. Ele é e sempre será importante na minha vida.

Nós nos afastamos e continuamos presos em algum tipo de teia. Seus


olhos estão fixos em mim, enigmáticos, intensos.

— Você está realmente bem? — pergunto, fitando os pontos que levou


na perna.

— Dolorido. — Ele toca meu queixo, analisando o machucado. — Se


esse infeliz não estiver morto me certificarei de cortar todos os dedos dele.

O jeito que fala parece que é mais para si. Ele acaricia minha bochecha
levemente, quase um raspar de dedos e limpa a garganta voltando a ter sua
postura altiva.

— Graças a Deus! Eu estou ficando velha demais para me fazer passar


por isso, meu filho — fala tia Agatha, olhando seu filho da cabeça aos pés
para ter certeza se não está faltando nada. — E você, querida? Machucaram
muito...

Um pouco sem graça forço um sorriso. Só então reparo que estão no


corredor os principais líderes da colmeia, Anthony, Miguel e Nayara. A cara
dos três me faz sentir vergonha. Nunca agi assim com o Elordi.
Para completar meu pai chega soltando alguns palavrões. Doutor Alex
Severo nunca concordou com o fato da sua garotinha arriscar sua vida dentro

do legado que faz parte da família há décadas.

Enquanto o meu pai exige para os enfermeiros de plantão que preparem


as salas de exames para Elordi e eu, continuo presa nos olhos de ônix do
primogênito dos Medeiros.

Algo mudou dentro de mim.

Só fui para casa quando escutei o tio Edu afirmar que todos os bandidos
estavam mortos. Inclusive o que bateu na Arizona. As crianças resgatadas
ficarão sob a guarda do Estado até encontrarem seus responsáveis.

Infelizmente nem todas tiveram a mesma sorte.

Não conseguimos salvar todas. Pelo menos salvamos a maioria e


acabamos com uma quadrilha que fazia o sequestro e transporte de crianças
para o tráfico humano.

Luri deixou alguns encarregados de plantão para acompanharem o


trabalho da polícia e principalmente terem certeza de que as crianças serão
entregues para os seus responsáveis.

Não era paranoia da nossa parte esse cuidado extra após a missão.

Muitos dos homens engravatados e fardados que deveriam proteger e


melhorar a segurança pública são pontes dos mafiosos.

Encerro a ligação com o meu pai e fecho os olhos. Logo os olhos azuis
oceânicos transbordam na minha cabeça.

Quando a vi atravessando o campo minado fiquei desesperado. Gritei


por ela, mas no meio da guerra que estávamos duvidei que tivesse escutado o
meu chamado.

O maior e acredito que único defeito da Arizona era ser boa demais a
ponto de colocar a sua vida em risco. E ela estava disposta a salvar todas as
crianças possíveis, mesmo que isso custasse a sua própria vida.

Quando consegui executar alguns dos bandidos que entraram no meu


caminho fui atrás dela. Estava sem munição, mas não daria tempo de esperar

chegar mais. Quando a escutei pedindo reforço pelo comunicador o ar fugiu


dos meus pulmões.

A mulher era uma máquina. De longe era uma das melhores soldadas
da colmeia. Destemida, sempre pronta para qualquer missão, ágil, sempre
pensando nas vítimas. O maior problema era não medir as consequências.

Arizona sempre teve um coração puro. Puro demais.


Por um momento, enquanto estávamos naquela cova feridos, à mercê
dos bandidos, pensei que iríamos no beijar. Seria meu primeiro grande beijo

de verdade.

Nas trepadas, as mulheres bem que tentam beijar minha boca, mas não
retribuo. Não da forma normal. Rapidamente trato de dispersar a atenção da
minha boca.

Há tantos anos venho sonhando com os lábios cheios da Arizona. Seria


um dos grandes prazeres da minha vida sentir seu gostinho, saborear sua
boca, morder, chupar, lamber.

Tenho que me controlar. Não posso tomá-la como minha, não sabendo
que tem sentimentos pelo Vicente. Aliás, eu a empurrei para isso quando a
rejeitei. E sinceramente não sei o que fazer, principalmente agora que o seu
melhor amigo não me passa mais tanta confiança.

Talvez, seja o ciúme falando mais alto.

— Viemos dormir com você, ursão.

Romana entra no meu quarto, seguida do nosso irmão caçula. Como se


fossem os donos da minha cama, cada um se deita do meu lado, esticando o
meu braço e colocando o travesseiro deles por cima para ficar o apoio ideal.

Não é sempre que venho dormir na morada dos meus pais. Apesar de
ter o meu apartamento na área nobre da cidade, faço questão de me dividir
entre lá e cá para acompanhar o crescimento dos meus irmãos de perto. E
quando o meu pai está viajando a trabalho gosto de ficar com eles.

As terras da família são uma verdadeira fortaleza, contudo, por ser o


mais velho e por amá-los demais prefiro ficar constantemente aqui até o meu
pai chegar e assumir seu lugar.

— Nunca mais acampamos perto da cachoeira —comenta Romana,

puxando o edredom para cima do seu corpo.

— Tenho que concordar com a chatinha. Podemos acampar no próximo


final de semana? — pergunta Ragner.

O pirralho fica de costas, praticamente se colando nas minhas costelas.


Será uma longa noite...

— Podemos — afirmo.

— Agora conta alguma história, ursão — pede Romana.

Sendo o excelente irmão que sou, começo a narrar uma das centenas de
histórias infantis que decorei por causa deles.
Acatando um pedido especial dos meus avós, Anthony e eu decidimos
participar do evento beneficente como atletas. Se fosse um evento direto do

Instituto Eleonor estaríamos dentro num piscar de olhos. Mas como era algo
em prol de uma das causas que apoiamos, concordamos.

Pensei que passaria o feriado treinando, estudando e cuidando de


alguns assuntos relacionados à advocacia Lacerda. Ainda não saiu o gabarito

preliminar da prova do concurso que prestei no domingo, mas estou


confiante.

Desde domingo que não vejo a Arizona. Tenho stalkeado seu


Instagram. Muitos homens a seguem e comentam nas suas fotos. Um
absurdo. Entrei no perfil de cada marmanjo e sem conseguir me segurar
enviei mensagens no direct pedindo — e ameaçando — para respeitarem
mulher comprometida e pararem de comentar o que não devem nas fotos
dela.

Deus, que ela nunca descubra. Será outro segredinho.

— Vai lá garanhão! Apostamos em você — fala o Miguel, colocando


seus óculos escuros da Dior.

Anthony está inscrito no hipismo. O homem é fera nessa modalidade.

— Então irão ganhar. — Pisco para ele.

— Espero! Todos da família apostaram em você. Não nos decepcione,


garoto de ouro.

Entro no portão de início e começo a acariciar o Puro Sangue Inglês.

Atena que nem sonhe com uma coisa dessas. Escuto as instruções do tratador
de cavalo por educação. Conheço praticamente tudo do universo dos cavalos.
Monto no garanhão marrom, conversando com ele.

À nossa frente está o hipódromo impecável, que contém os pavilhões

de aposta divididos entre o público geral, sócios — onde está a família — e, o


espaço para os profissionais.

Na hora da largada, todas as portas da frente são abertas


simultaneamente. Seguindo os passos de um jóquei profissional, me
posiciono da melhor forma. Apesar do meu peso ser maior do que o de um
jóquei, estou conseguindo manter uma excelente posição.

Dentro do meu percurso e focado, sigo firme. A adrenalina é fantástica.


Por alguns instantes cogito que ficarei para trás, mas o Puro Sangue parece

ter tanta sede de vitória quanto eu. Logo tomo a frente e alcançamos o
primeiro lugar.

Ofegante e suado, agradeço ao garanhão fazendo carinho e falando com


ele. O entrego para o tratador de cavalos.

Tiro meu capacete de jóquei e pego rapidamente a garrafa de água que


Anthony me oferece. Estou pronto para outra corrida. No entanto, prefiro
treinar na pista que temos nas terras da família, com os nossos cavalos e de
preferência com a Atena.

Participei como competidor apenas por ser uma ação social que
promoveram em prol de crianças carentes, que têm algum tipo de deficiência
física ou mental. Olhando ao redor, praticamente só vejo os principais sócios
do Jockey Club, que compõem a elite carioca.

— Belo espetáculo, Jóquei —profere Miguel com um sorrisinho


estúpido no rosto.

De duas a uma. Ele deve ter aprontado algo, ou já fez merda.

— Parabéns, irmão. Sua mãe tirou fotos de você na corrida para uma
vida toda. — brinca Anthony.

— Chamou bastante a atenção das coroas e novinhas. Pensando bem,


nós três somos bem cobiçados. Porém, sempre estive fora de alcance das
garras afiadas das solteiras e comprometidas.

— Muito humilde da sua parte, Miguel.

— Estou constatando um fato, Anthony. Além das mulheres, nosso


amigo também chamou a atenção de bastantes homens.

Lá vem a peste do caralho.

—Isso não é novidade — falo, dando de ombros.


—Vicente parecia hipnotizado, irmão — revela Miguel, ganhando total
atenção minha e do Anthony. — Em certo momento até abaixou os óculos

escuros para conferir se você realmente era real.

Rapidamente meus olhos percorrem pelo mar de pessoas procurando


pelo Vicente. Ele havia enviado uma mensagem ontem falando que estaria
presente no evento de hoje a pedido da Arizona. Isso me deixou puto, mas

não tinha o que fazer. Ele fazia parte da vida dela e era o melhor candidato a
ganhar o coração da garota dos meus sonhos.

— Acho que ele já foi embora. Arizona ainda não chegou. O sonso
estava tão vidrado em você que nem sentiu falta da melhor amiga — sibila
Miguel com toda tranquilidade do mundo.

— Será que aconteceu alguma coisa com ela? Arizona costuma ser bem
pontual — indago curioso, afastando as engrenagens ruins da minha mente.

— Eu falei que o Vicente estava te olhando como se fosse um pedaço

de carne, e você está preocupado com a falta de compromisso da ursinha?

— Eu estou falando sério, peste.

— Eu estou falando que acho que ele quer a sua bunda, e você parece
que não está nem aí.

Seguro-me para não socar sua cara. Anthony tenta segurar a risada, mas
é mais forte que ele.
— Falamos sobre isso mais tarde!

— Não estou preparado para essa conversa. Amo você, irmão. Mas

tenho limite. — diz Miguel se afastando. — Vejo vocês no coquetel.

Começo a andar em direção ao vestiário junto com o Anthony. A


corrida dele era a última da programação.

—Vi o jeito que ele estava olhando para você. Claro, ser homossexual
não é problema. Toda orientação sexual deve ser respeitada. Só que é
estranho... Quer dizer, ele e a ursinha são amigos há tanto tempo. Ao menos
ela deveria saber. Ou, será que ela sabe e não comentou nada a pedido dele?

Não estava esperado por essa.

Vicente, até onde sei, só namorou com garotas. Se ele realmente for
gay, será que não assumiu sua verdadeira orientação por receio dos
julgamentos?

Preciso pensar com calma.

Paro de andar quando vejo a Arizona na companhia do herdeiro mais


novo dos Lobato. Ela está sorrindo, aparentemente à vontade escutando a
conversa fiada do paquerador nato.

A morena está trajando um vestido sofisticado e moderno. O tecido tem


listras verticais vermelhas e brancas. Na frente tem botões brancos com as
iniciais da marca de alguma grife e para meu desespero os botões terminam
onde não deveriam, deixando muito em exibição. Seu longo cabelo está preso
em uma trança elaborada, e seus lábios parecem maiores pintados de

vermelho.

— Luige não perde tempo.

Seria tão fácil acabar com esse mauricinho...

— Eu posso ir lá, caso queira continuar se fazendo de forte — fala


Anthony esperando por uma posição minha.

— Arizona sabe se defender.

— Ela é sua mulher, caralho! No fundo você sabe disso. Assume de


uma vez.

Inseguranças.

Traumas.

Dúvidas.

Medo.

Ah, foda-se.

Passo direto da entrada do vestiário indo até eles.


Aceitei o convite da Arizona para ir ao evento social do Jockey Club.

Nesse lugar quase noventa por cento das pessoas são da alta sociedade do
Rio. Tenho que marcar presença, mostrar que sou tão bom quanto eles.

Tive que mostrar a minha carteira de motorista para o segurança


confirmar meu nome na lista e autorizar a entrada. Um cúmulo.

Minha melhor amiga enviou uma mensagem dizendo que chegaria


atrasada. Preferi sentar-me afastado da família dela. O doutor Severo me olha
desconfiado, um olhar que nunca mudou desde que me conheceu.

Será que ele sabia que rumo eu levaria a minha vida?

Nossa relação que já era limitada ficou pior quando soube que eu havia
mudado de ideia sobre o curso de graduação. O doutor e doutora Severo em
um dos típicos almoços que fui convidado deixaram claro que se eu não
passasse de primeira no vestibular para entrar em medicina, custeariam

cursinho preparatório.

Eu quis ser médico. Ter presenciado a minha menina lutando contra o


câncer me fez querer ser médico para ajudar pessoas que tem essa doença
maldita. Mas aquele garoto sonhador e bonzinho ficou no passado.

Somos movidos a dinheiro. No fim das contas, as pessoas são


decepcionantes e egoístas.
Encaro o hipódromo ansioso para assistir à corrida. Em especial um
jóquei.

Quase não consigo controlar meu sorriso quando vejo o Elordi montado
no cavalo, parecendo um rei, um lorde inglês. É angustiante guardar o que
sinto por ele, não poder falar para todos ouvirem o que está guardando dentro
do meu coração.

Em determinado momento abaixo os óculos escuros para o olhar sem as


lentes. É um homem másculo, com toda sua maestria, rústico, misterioso.
Sempre quis saber mais dele, dos seus gostos, do porquê nunca fazer
exercício físico sem camisa. Um típico bad boy.

Bato palmas com vontade quando ganha. Ele é bom em tudo. Não tinha
nada que esse ordinário não sabia fazer.

Por ter um compromisso preciso desmarcar com a Arizona. Sei que não
tenho sido um bom amigo faz tempo, mas quero sempre a manter por perto.

Preciso dela.

Confiro a mensagem que o meu atual Sugar Daddy enviou,


confirmando que autorizou minha entrada no Copacabana Palace. Respiro
fundo, sabendo que no final tudo daria certo. Necessito de dinheiro.
Eu não sei até quando irei conseguir me controlar sem levantar
bandeira. Sou uma pessoa que foi inserida no tráfico humano com oito anos
de idade e fui abusado de tantas formas que até hoje não consegui expor tudo
para o meu terapeuta.

Vivo em um constante processo de recuperação.

Não posso negar que me tornei um privilegiado quando o juiz Samuel


Medeiros e a pedagoga especializada em Comportamento Infantil, Agatha
Teixeira, quiseram me adotar. Meu pai queria ser pai solo e minha mãe queria

ser mãe solo. Eles não namoravam, nem tinham qualquer relação amorosa.
Só que mudei os planos deles.

Na época, não sabia que minha mãe se aproximou do meu pai


unicamente para traçar o plano de vingança arquitetado pela sua irmã mais

velha. Uma longa história cheia de reviravoltas, mas que teve um final feliz.
Independente de tudo que passaram, não deixaram nada me atingir, muito
menos a minha irmã que já havia nascido quando meu pai descobriu tudo.

Se não fosse a minha família, sinceramente nem sei o que teria


acontecido comigo.

A sensação de esmorecimento, dor e raiva foram diminuindo conforme


fui avançando no tratamento. Ter uma base familiar forte era meu melhor
escudo contra os meus transtornos.

Eu tinha uma tendência suicida enorme. As cicatrizes das tentativas


estão gravadas na minha pele.

E de longe eu nunca seria uma boa opção para a Arizona. O amor


machuca, mas tem um lado bonito. Infelizmente não cheguei a conhecer a
forma mais bela de amar com a garota que tem o meu coração.

Afastei-a pensando em seu próprio bem. Arizona não merece carregar


meus problemas nas suas costas. Nem eu sei direito como lidar com eles.

Arizona contém mais o sorriso quando percebe que estou me

aproximando. Nem eu sei o que irei falar.

Ela não é a minha namorada.

Ela não sabe o que sinto por ela.

Eu não tenho direito de me sentir assim.

Eu não posso impedir que seja paquerada.

Eu não posso...ah, caralho!

— Eu espero você lá, gatinha. Te envio a localização por mensagem.

Luige Lobato era o típico playboy da elite. O grande problema é que


não colocava limites nas suas festinhas. No seu aniversário uma jovem por
muito pouco não morreu de overdose. Outro resultado de suas festinhas foi
um boletim de ocorrência contra um dos seus amigos o acusando de estupro.

Antes de sair o boletim de ocorrência a mídia especulou muito. E sabe


o que me tirou do sério? As pessoas atacando a vítima como se ela fosse a
culpada. A garota pode ter dito que não queria mais transar na hora H. Isso
não deveria ser um problema. Não é não.

Comentários esdrúxulos criticando o modo de vida da garota,


divulgando as publicações de fotos de sua rede social. Procurando algum
jeito de colocar a vítima como culpada, querendo justificar o que fizeram

com ela. Independentemente de ela gostar de festas, de usar roupas decotadas

e curtas, isso não dá direito a homem nenhum de passar dos limites.

Eu sempre vou estar do lado da vítima até que se prove o contrário.

Depois que ela fez os exames e foi constatada a violência, os


julgamentos diminuíram. Contudo, misteriosamente a garota não foi até o

fim. Acredito que o patriarca dos Lobato deve ter pagado uma pequena
fortuna para a vítima desistir, ou conseguiu na base da ameaça. Infelizmente
nem todas tem estrutura psicológica para lutar.

Encaro Luige controlando a impulsividade. Ele finge um sorriso e fala:

— Medeiros como sempre está convidado.

Eu realmente nunca tive vontade de ir às festinhas desse babaca.

— É mesmo? — diz Arizona, me avaliando.

— Anthony e Miguel também estão. Passe o recado! — sorri. — Eu


vou indo. Nos vemos mais tarde.

Quando faz menção de beijar a bochecha da Arizona, rapidamente toco


no braço dela, a fazendo ficar de frente para mim. Luige direciona um olhar
curioso. O ignoro e pude voltar a ficar mais calmo quando sai com toda sua
pose de dono do mundo.

Os olhos oceânicos vão para onde minha mão e dedos estão.


Desconsertado desfaço o contato físico, por mais singelo que seja.

— Pelo jeito você gosta de vários entretenimentos — afirma, me

olhando.

— Esse tipo de festa não vale a pena, acredite.

Noto certo desconforto em sua expressão facial. Arizona mantém sua

postura, mais sisuda assevera precipitadamente:

— Então imagino que já foi em várias.

Passo a mão na barba, confuso.

Será que ela ficou incomodada? Suspiro tentando manter a calma.

— Está errada...

— Será que ir ao clube de sexo não é o suficiente?

A ursinha realmente está irritada. Por um breve instante noto decepção,


talvez mágoa.

Nunca mantive essa parte da minha vida oculta da família. Nem tentei,
pois sei que saberiam mais cedo ou mais tarde. Minha mãe não gostou de
saber, mas respeitou.

— Eu nunca fui a nenhuma dessas festinhas, Arizona. E nem


recomendo. Você sabe qual é a fama do Luige.

Pondero que tenha baixado a guarda, e então profere:


— Nada melhor que tirar a prova.

Juro que sinto que o meu coração fica diferente. Sou muito novo para

ter um infarto do miocárdio.

— Você ainda está pensando em ir à festinha daquele imbecil?

— Ele me convidou. Vai ser bom eu conhecer novas pessoas, me

divertir um pouco.

Meu batimento cardíaco está anormal e a ansiedade elevadíssima.

— Realmente sabe o que acontece nas festas do Luige?

— Irei descobrir mais tarde quando eu estiver lá.

Ah, não vai mesmo!

— Acontece putaria, surubão, drogas...

— Tirando a parte das drogas, o resto parece bom para mim.

Acho que estou perdendo oxigênio.

— Está falando sério?

Sorri como uma diabinha.

— Estou precisando relaxar, me distrair.

— Arizona, me escuta...

— Tchau, Elordi!
Deixa-me plantado como um idiota. Cristo, que vontade de guardá-la
em um potinho. Olho para o teto, expirando e inspirando.

— E eu pensando que ia se declarar. Tsc, tsc... — Estala a língua.

— Agora não, Anthony.

— Agora não quer me ouvir, ou agora não vai assumir?

Não sei qual dos meus dois melhores amigos é o mais irritante.

— Agora não enche a porra do meu saco.

— Sabemos quem gostaria de estar enchendo...

— Caralho, Anthony! Eu vou cuidar desse assunto. Não consigo


acreditar que ele esteja interessado em mim.

— É melhor se preparar. Pelo andar da sua carruagem é mais fácil ele


se assumir gay e declarar o que sente por você, do que você assumir o que
sente pela Arizona.

— Espero que seja um equívoco.

— Arizona vai mesmo na festa do mauricinho.

— Kostas estará com ela. E não posso a impedir.

— Mas pode ir, irmão. Cuide do que é seu, ou vem outro cuidar
rapidinho. A ursinha, com todo respeito e amor de irmão que sinto por ela, é
uma mulher belíssima. Os caras estão de olho nela. — Dá um tapinha
camarada na minha face, e conclui: —Se liga, mano.

Que situação fodida.

Após trocar de roupa, coloco minha roupa de jóquei dentro da mochila


e saio. Meu celular vibra dentro do bolso da bermuda jeans. Era uma
chamada perdida da Alicinha. Penso em retornar, mas chega notificação de
mensagem nova. Leio:

Está livre para irmos ao cinema?

Eu não tenho nenhum compromisso. Na verdade, me escalei para ir à


festa do Luige somente para ter certeza de que a Arizona ficará bem. Alicinha

pode estar alimentando sentimentos por mim, além da amizade, que nunca
poderei corresponder.

Claro, já conjecturei diversas vezes namorar alguma garota para tirar a


Arizona do meu sistema, tentar esquecer o sentimento que me condenei a não
viver. No entanto, não seria justo me relacionar com uma pessoa por esse
motivo.
Digito a resposta:

Tenho compromisso!

Sento-me na cadeira ao lado do tio Alex. É a única desocupada. Meu


avô, que está atrás de mim, me abraça pelos meus ombros, encostando seu
rosto no meu.

— Parabéns, filho.

— Obrigado, vô. — Beijo seu braço.

— Deveria ter investido na carreira de jóquei.

— Viveria com o coração na mão, seu Eduardo — fala minha mãe, de


onde estava sentada ao lado do meu pai.

— Nosso filho tem potencial, morena. Mas concordo que seria uma
aflição do cacete — diz meu pai, me fitando.

Sou parabenizado pelos outros integrantes da família. Menos por

Miguel, que foi levar a Nay para atacar a cozinha do clube. Minha avó
explica a ausência deles. Se bem que desconfiei que não estariam, pois disse
que só nos veríamos no coquetel. Arizona também não estava, porém fiquei
tranquilo ao ver o Luige na área dos competidores.

— Arizona vai à festa da besta do Luige Lobato.

Encaro o tio Alex através das lentes escuras dos óculos. Ele continua
olhando para a pista de corrida.

— Eu estou sabendo, tio.

Seria burrice admitir que estou indo vigiar sua filha como um
cachorrinho. Então, prefiro omitir.

— Espero que vá, Elordi. Sei que Luige não tem uma boa fama.

— Eu irei — admito olhando os competidores. —Tentei alertar ela,


porém recebi uma bela resposta afiada.

Ele sorri.

—Arizona já é uma mulher feita. Não posso controlá-la, impedir que


viva sua vida do jeito que acha melhor. Claro, se ela estivesse seguindo um
caminho errado, sem volta, seria o primeiro a resgatá-la.

Prefiro continuar calado. Tio Alex está certo.

— Pedi um helicóptero para vocês.

— Estava pensando mesmo em irmos de helicóptero.

— Se eu pudesse escolher um genro com certeza seria você, Elordi.


Porém, esse poder não está nas minhas mãos.

Fico sem ação. Por essa eu não esperava.


Anthony ganhou a corrida. O aguardo na área dos competidores e
entrego uma garrafa de água para ele. Em seguida falo que irei para o salão

onde está acontecendo o coquetel. Não curto, mas por educação tenho que
ficar.

Arizona está perto da Nay. Estão conversando e sorrindo.

— Algumas garotas estão bem animadas com a sua ida à festinha do


Luige —comenta Miguel antes de beber um gole do suco natural.

— Sabe por que estou indo. É um fofoqueiro de primeira.

— Os boatos chegam até mim, irmão.

Luige não participou do coquetel. Logo após a corrida foi embora. Pelo

que sei, suas festinhas começam cedo e duram até o dia raiar. Despeço-me
dos meus pais e vou para o heliporto do clube aguardar a Arizona.

Meia hora depois Arizona aparece mexendo no seu celular.

— Estou só esperando a resposta do Vicente. O convidei.

Ótimo! Era tudo que eu precisava.

— Ou, pode deixar para ir em outra oportunidade.


— Para que deixar para amanhã o que podemos fazer hoje.

Sua frase toca em mim como uma lufada de ar. Ela volta a olhar para a

tela do celular e bufa.

—Vamos! Vicente não vai poder ir.

Ezequiel e Kostas foram de carro para Búzios. Menos de uma hora e

meia depois o helicóptero pousa na pista da mansão do Lobato.

Na medida que estávamos nos aproximando da área da piscina, sinto


que Arizona faz uma careta fofa. Claramente nunca esteve em uma festa
desse tipo antes, ou talvez tenha cogitado que eu tivesse exagerado.

Várias pessoas se pegando dentro da piscina, fora dela, dançando,


algumas garotas sem a parte de cima do biquíni e por aí vai...

Fomos para o bar aberto e pedi uma garrafinha de água ao barman.

— Eu quero uma Gim-tônica com morango — pede a ursinha

ganhando um sorriso aberto do barman.

Era uma das suas bebidas alcoólicas preferidas.

— Vai começar em grande estilo.

— A bebida vai me ajudar a ficar... desinibida.

Agradece quando recebe o drinque. Eu juro por Deus que não estava
preparado para assistir ela pegar o morango e chupar de leve a metade da
fruta. Em seguida o morde fechando os olhos por alguns segundos em deleite

com o sabor da fruta misturado à bebida.

Eu só consigo imaginar a morena me chupando até sua boca doer...

Afasto os pensamentos libertinos quando três garotas se aproximaram


dela. As conheço de vista. São filhas de pessoas importantes na sociedade. A
loira sorri para mim, mas não retribuo. Desvio minha atenção delas.

Puxo o ar algumas vezes quando a Arizona aceita ir dançar com elas


dentro da mansão.

Ela vai com as garotas e fico igual um pateta. Nem era para eu estar
aqui.

Luige aparece agarrado à duas mulheres. Pela cor dos seus olhos e a
maneira que está esfregando o nariz com os dedos a cada meia dúzia de
palavras que diz, evidencia que havia cheirado pó.

Ainda bem que não se deu ao trabalho de me cumprimentar e muito


menos de ter chegado perto da Arizona. O cara está muito doido.

Averiguo a Arizona algumas vezes rapidamente. Ela parece estar se


divertindo. A morena dança muito bem. E se eu ficar olhando-a, é capaz de
ficar duro, pois minha mente vai longe quando se trata dela.

Estava pronto para ir ver a Arizona mais uma vez, quando uma mão
pequena com longas unhas pintadas de rosa acaricia a minha coxa por cima
da bermuda.

É uma bela mulher com longos cabelos cor chocolate.

— Faz tempo que estou vendo você sozinho. Não está a fim de se
divertir?

— Estou ótimo aqui.

— Minhas amigas... — aponta para elas que estão próximas à piscina


— e eu gostamos de dividir. Somos totalmente livres de tabus. Curtimos a
vida como gostamos.

—Isso é bom. Cada um faz aquilo que gosta, que tem vontade. Mas
realmente não estou interessado.

—Tem certeza? Vai perder a oportunidade de ficar com três mulheres


lindas, desimpedidas e que sabem o que fazer.

Pronto para responder para a garota, a voz da Arizona tomou a vez:

— Ele tem sim, querida. Vamos dançar!

Deixo que Arizona me puxe para si. Entrelaça nossas mãos como se
fôssemos acostumados. Sua mão macia e pequena quase se perde dentro da
minha.

A faço parar de andar antes de nos misturarmos às pessoas que estão


dançando freneticamente. Quero colocá-la contra a parede, entender sua
atitude... saber se sente algo por mim, ou se sou só eu me iludindo.

Ficamos conectados no olhar um do outro.

Antes que eu pudesse nos levar para um lugar mais tranquilo. Nós nos
assustamos ao ver uma garota rolando a escada até parar no chão. Só
desligam o som quando alguns convidados começam a pedir.

A garota está inconsciente.

— Chamem uma ambulância! — Arizona grita ao se soltar de mim.

Ela fica de joelhos para verificar o pulso da garota.

— Está muito fraco — diz angustiada.

Aproximo-me colocando o dedo indicador e médio na cavidade entre a


traqueia e o músculo do pescoço. Quase não sinto. Pelo cheiro de álcool que
a garota emana, ela pode estar em um estado de overdose de álcool ou
drogas.

A viro colocando na posição de recuperação, virando a cabeça para o


lado a fim de evitar asfixia.

Não esperava que fosse terminar a noite fazendo atendimento de


primeiros-socorros.
Eu fiz questão de acompanhar a garota até o hospital. Elordi não me
deixou sozinha. Ficamos com ela até seus pais chegarem. Veio à memória
que os vi no coquetel do Jockey Club.

Despeço-me do Elordi com um abraço demorado no estacionamento do


hospital. Eu estou chocada com o que havia presenciado. Era uma situação
triste.

Por outro lado, não estava preparada para explicar ao Elordi porque agi
daquela maneira quando a bonitona de peitos enormes estava dando em cima
dele. Peguei a conversa no final. Claro que um homem grande como ele daria
conta de três mulheres fácil.

Senti-me atormentada com a possibilidade...

Eu não sei por que estou agindo como uma completa idiota. Se ele
exigir uma explicação... Ficarei muda.
Sentada na sala de estudos da universidade, deixo de escanteio o livro
que estou lendo para ajudar no meu trabalho de conclusão de curso, para

desenhar. Estou em um estado de letargia tão grande que nem consigo me


concentrar nos meus estudos.

Contorno o rosto do Elordi aplicando o realismo intenso que carrego


em todos os meus desenhos.

Quando me dou conta da sombra que faz quase por completo na mesa,
ergo o rosto me deparando com o olhar do Vicente. Sorrateiramente cubro
meu caderno de desenho descansando os meus braços em cima.

Ele está impecavelmente em um terno de marca que ganhou do seu


chefe de presente de aniversário. Vicente era o tipo de homem que não
passava despercebido. E agora que deixou a barba crescer, ficou com o ar
mais rústico.

Meu melhor amigo se tornou um homem muito bonito. Não que eu

tivesse dúvida disso.

— Está desenhando o Elordi — sibila.

O olho sem jeito.

Na verdade, há dias só tenho desenhado o Elordi. Tem quase três dias


que nos vimos desde o fatídico feriado. E tudo que faço é pensar e desenhar
ele.
— Um presente... para ele.

— Não tem que mentir para mim. Sou o seu melhor amigo.

Puxa a cadeira e se senta na minha frente.

Até uns dias atrás era o homem que eu acreditava fielmente estar
apaixonada. Estou uma bagunça de sentimentos.

— Estou falando sério, Vicente. Elordi passou em primeiro lugar no


concurso. Meus tios irão fazer um jantar para comemorar. E todos irão
presenteá-lo com algo.

Era verdade, ao menos isso.

— Elordi sempre consegue o que quer... Incrível!

Não gosto do tom que usa. O defendo:

— Ele é esforçado, Vicente. Mesmo com o trabalho, segue o


cronograma de estudos fielmente.

Vicente estreita o olhar me avaliando.

— Não sabia que tinham ficado próximos.

Irritada, começo a guardar meus lápis dentro do estojo com estampa de


caveiras coloridas.

— Estou falando o que todos sabem. E não estamos próximos —


minto.
— Tudo bem se ficarem amigos. É que sei lá... você sempre teve birra
com a minha amizade com ele.

A verdade é que sempre quis algum motivo para odiar o Elordi por ter
me rejeitado.

— Eu apenas não queria que fizesse papel de bobo. Elordi só tem dois
amigos. Anthony e Miguel. E você ficava atrás deles... eu estava querendo

evitar que saísse magoado.

Levanto-me da cadeira com as minhas coisas nos braços.

— E agora ficou irritada comigo sem motivo! Por que não conta o que
realmente está acontecendo? Tem a ver comigo?

Esse era o problema. Não tinha a ver com ele.

— Tenho que ir. Nos falamos depois.

— Não terminamos de conversar, Arizona.

Vem falando e me seguindo.

— Estou indo trabalhar, Vicente. Em outro momento conversamos.

— Saí mais cedo do trabalho para almoçarmos juntos, passar um


tempo...

— Deixemos para outro dia.

Vicente segura meu braço com força. Fico sem reação pela maneira que
intercede. Ele nunca tinha agido assim antes. Sempre foi carinhoso,

cuidadoso.

— Desculpa... não queria agarrar seu braço assim.

O encaro chateada pela situação. Faz tempo que ele não é o Vicente...
meu melhor amigo, a pessoa pela qual me apaixonei e criei sonhos
românticos.
Almoço no refeitório do hospital com a minha mãe. Nem sei expressar
o quanto amo essa mulher. Ela sempre será a minha doutora fada. Apelido
que a nomeei quando entrou no programa de seleção para trabalhar no
hospital Arizona. Minha mãe se aproximou de mim no momento que mais
precisei, sem saber que eu era filha do seu primeiro amor.

— Está pensativa — murmura, me olhando com carinho.


— Estou um misto de confusão ambulante.

Deixo de lado a refeição.

— Com certeza isso tem a ver com o Vicente.

— Sim...

— E com o Elordi.

Ai meu Deus! Ainda bem que estamos sozinhas na mesa.

— Mãe, sério?

— Seríssimo, ursinha. Filha, você tem que parar, respirar e pensar o


que realmente sente. Parou para pensar que essa implicância toda que tem
com o Elordi pode ser amor incubado.

— Elordi sempre foi irritante... comigo.

— Ele não agiu como deveria com você quando se conheceram, mas
filha, não estou passando pano para ele, juro. — Cruza os dedos indicadores

em frente aos lábios e os beija. — Não fazia muito tempo que o Elordi tinha
sido adotado pelos seus tios. E sabemos o quanto ele sofreu.

Nesse ponto minha mãe tem razão. Dona Eleonor prossegue falando:

— Esqueceu o quanto chorou no meu colo, chateada com o Elordi? —


É impossível esquecer. — Você chegava da escola falando o quanto ele era
idiota, insuportável, que ia quebrar o nariz dele. E do nada começava a chorar
super magoada por ele continuar a ignorando, por não querer sua amizade.

— Eu acho que vou chorar de vergonha agora, mãe.

Ela ri e começa a fazer carinho nos meus dedos.

— Disse que pretende se declarar para o Vicente após a formatura dele.


Aconselho a não agir sem antes ter certeza absoluta.

— Eu sou apaixonada pelo Vicente, mamãe. Ele esteve comigo o


tempo todo, insistiu em ser meu amigo quando não queria ninguém, ele...

— Ele raspou a cabeça para provar para você que não tinha ficado feia
sem cabelo. — Sorri com certa emoção. — Foi um choque quando eu abri a
porta e o vi careca.

Sorrimos. Ela entrelaça nossas mãos.

— Gratidão é um tipo de amor. Não confunda isso com ato de troca,


com dívida ou que tem que retribuir de alguma forma o que o seu melhor

amigo fez por você. Com o tempo, confesso que acreditei que pudessem
namorar, noivar, casar... sempre foram tão bonitinhos juntos. Mas conforme
foram crescendo vi que era somente amizade.

— Mãe...

— Você tem um coração gigante. Parou para pensar que se colocou no


dever de amar seu amigo, pois têm que ficar juntos devido a tudo que
dividiram?
— Não... talvez.

— Meu amor, não se declare se não tiver cem por cento de certeza.

Meneio a cabeça concordando.

— Agora mudando de assunto. Você sabe que é a minha filha


preferida, não é?

— Eu sou a sua única filha, engraçadinha.

— Os gêmeos querem muito acampar nas proximidades da cachoeira


principal. Apolo disse que os primos todos querem. E Enrico falou com todas
as letras que seus outros tios e tias não irão poder. A única que sobrou da lista
foi você.

— Inacreditável que fui a última opção dos meus irmãos.

Minha mãe sorri abertamente.

— Serão todos os pirralhos da família sob a sua responsabilidade. Sei

que dá conta. É minha filha.

— Muito esperta, dona Eleonor. Eu topo.

— Aleluia! Terei um dia de meninas com as suas tias.


Faltando alguns minutinhos para terminar meu expediente pego o

celular para ler as notificações. Enrugo o nariz ao ver as centenas de


emoticons de cobra que a Nay enviou. Subo as mensagens, percebendo o
quanto minha família fala no grupo geral da família. Nem se eu quisesse iria
conseguir acompanhar a conversa.

Abro a conversa com uma colega de classe me convidando para irmos a


um Bar Club famosinho na zona sul do Rio. Pondero o convite. Era dia de
semana, costumo sair apenas aos finais de semana. E sinceramente no estado
caótico emocional que estou, provavelmente sair e me distrair será algo que
fará bem para mim. Confirmo à Carol que irei.

— Irei sair por volta das dez horas, Kostas.

— Estaremos prontos, ursinha.

Meu celular vibra e rapidamente o pego dentro da mochila. É o Vicente

querendo saber se amanhã poderíamos tomar café da manhã juntos na


confeitaria perto da universidade. Eu poderia ignorar, mas acho que seria
bom conversarmos. Respondo com um simples: ok.

Se minha mãe falou tudo aquilo sem saber como agi na festa do Luige
com o Elordi... se soubesse teria dito com toda certeza do mundo que estava
certa. Mas nem eu sou capaz de admitir, de ter certeza... eu sou uma cadela
insegura.

Meus dedos comicham para digitar alguma mensagem para o Elordi.

Eu poderia o parabenizar por ter passado em primeiro lugar, ou poderia


enviar o último desenho que fiz dele com um bilhetinho o parabenizando.

Ele com certeza vai me achar uma bobinha. É raro ele ir à galeria da
família. Acho que o meu primo postiço não curte desenhos realistas. Suspiro

bloqueando a tela do celular, fechando os olhos e massageando as têmporas.

São quase dez horas e eu ainda estou decidindo o que irei vestir. Ao
menos a maquiagem e cabelo estão prontos. Por fim opto por um cropped e
calça flare. Escolho o par de saltos altos mais confortáveis que tenho.

Tenciono em procurar um cropped de mangas longas, pois só agora


percebo que Vicente marcou o meu braço por tamanha força que usou ao me
segurar — na hora estava tão irada e pasma com a sua reação que nem notei
—, porém não o troco.

Logo sumirá... assim espero.

— Está tudo limpo. Estaremos de olho, menina.

— Certo, Kostas. Fique tranquilo, ok.

— Impossível — resmunga.

Aperto sua bochecha antes de sair do carro.


Encontro as garotas da minha sala, reunidas em duas mesas que
juntaram. Cumprimento todas. Não somos amigas, porém nos damos bem. E

devido às sociais da turma nos falamos amigavelmente.

Peço uma Gim-tônica com hibisco e mais uma rodada de aperitivos.


Sinto o frescor da bebida após sorver o líquido geladinho.

Sentado na banqueta do bar, vejo o Kostas tomando uma cerveja. Eu

sei que tem mais algum membro da equipe. O localizo na área vip. Está sério,
compenetrado e olhando para todos os lados sutilmente.

Alguns carinhas da universidade se juntam a nós. São dos cursos de


medicina e engenharia. Quando uma das garotas vai dançar, a cadeira vaga ao
meu lado logo é ocupada pelo Sérgio.

— Adoraria te conhecer melhor.

Tenho vontade de enfiar todas as batatas fritas dentro da minha boca.


No entanto, sorrio fingindo simpatia. Sei bem onde essa conversa vai parar...

— Não sou tão interessante assim.

— Admiro sua família. Principalmente seu pai, espero conseguir fazer


minha residência no hospital Arizona. Nossa, seria um sonho.

Perdi as contas de quantos carinhas da medicina se aproximaram de


mim ao longo dos meus anos na universidade com o mesmo papinho. Não
queria generalizar, mas juro que parece que todos querem a mesma coisa.
Conhecer o meu pai, conseguir residência no hospital Arizona, ter o doutor
Severo como mentor e se tudo der certo fazer parte do corpo médico.

— Basta continuar estudando muito e arrasar na seleção. Nunca desista


dos seus sonhos, querido. — Sorrio o deixando sem reação.

Levanto-me para ir ao bar pedir outra Gim-tônica.

— O cara te incomodou?

—Não! — respondo ao Kostas.

Após beber o drinque vou para a pista de dança. Fico perto da Carol e
das outras garotas. Danço para valer a ponto de suar bastante. Reverso entre
uma dança e outra para ir ao bar tomar uma Gim-tônica. Na minha última ida,
Kostas impede trocando o pedido que fiz por uma garrafa de água. Ele não se
importa nem um pouco com a minha cara feia.

— Não quer uma cerveja?

Viro para responder ao desconhecido. E puta merda! Que desconhecido


lindo. É ruivo, faz o estilo lenhador. Muito estiloso.

— Agora estou na água. Quem sabe depois.

Ele sorri mostrando os dentes alinhados e branquinhos.

— Estava vendo você dançar. Fiquei impressionado. Está sozinha...?

— Meu amigo, se eu fosse você... — interrompo o Kostas.


— Estou apenas com o meu amigo.

Aponto para o Kostas. O ruivo o encara e se direciona novamente para

mim.

— Então, vamos dançar?

— Claro!

O carinha ganha pontos comigo, pois em momento nenhum da dança


desce as mãos para onde não deve. Ele dança bem. Dançamos uma,
duas...cinco músicas. E então ao ver o jeito que está cobiçando os meus
lábios o beijo.

Eu já havia beijado muitos carinhas, mas nenhum foi tão especial a


ponto de querer dar uma chance, de conhecer melhor a pessoa e quem sabe
investir em um relacionamento. Principalmente pelo fato de o Vicente estar
rondando o meu coração, porém agora o... Elordi voltou a me assombrar.

Retornamos a dançar, antes dou um selinho em sua boca. Depois de um


tempo sussurro em seu ouvido que vou ao banheiro.

Beijar um cara qualquer não foi bom. O beijo foi normal, ele sabe
beijar bem, porém não me senti em êxtase. Queria apenas esquecer o Vicente
e não pensar no Elordi. E presumi que sair para dançar, conversar, paquerar e
beijar outro homem ajudaria.

Paro de andar e começo a balançar a mão e dedos na frente do meu


rosto como se pudesse tirar a imagem do Elordi, que parece estar a menos de
um metro de distância me encarando com os seus olhos em brasas.

Quando começa a se aproximar, balanço freneticamente as mãos e


dedos querendo espantá-lo com a força do pensamento. Só pode ser
brincadeira.

Oh, céus, ele realmente está aqui.

Cubro o rosto com as mãos querendo evitar o contato visual. Do jeito


que estou será difícil sair correndo, a não ser que tire os meus saltos altos,
mas até fazer isso...

— Eu vim te buscar!

— Não pedi para vir...

— Ah, então me chamou para ver outro enfiando a língua na sua boca
— fala, furioso.

Afasto as mãos do meu rosto.

— Eu também estava com a língua...

— Sério, Arizona! Vamos! Já bebeu o suficiente.

— Mas eu não te chamei, seu brutamontes!

— Mas chegou no meu celular uma mensagem sua pedindo para buscá-
la, pois o Kostas não estava bem.
Olho em direção ao bar onde o Kostas estava. Nem sinal do sonso de
uma figa.

— Para estar assim deveria estar fazendo algo muito importante. — O


fito seriamente. — Estava no clube de sexo por acaso?

— De novo falando disso. — Parece incomodado. Ótimo!

— Estava com quantas? Ou melhor, será que não estava com aquela
bonitona peituda?

Qual é a chance de eu ter ingerido alguma droga sem saber? Estou


agindo como uma namorada ciumenta.

Envergonhada e controlando uma súbita vontade de socar alguém e


chorar, decido sair andando o mais rápido possível — dentro do que os meus
saltos permitem — para o estacionamento.

— Espera, Arizona!

Não acredito quando não vejo os carros da minha equipe de segurança


no estacionamento. Cristo, eu vou matar o Kostas.

— Por que está agindo assim? Só consigo pensar que se importa


comigo, que está com ciúmes...

O olho impetuosamente, tanto que ele não ousa a se aproximar mais.

— Por que sempre me rejeitou?


— Eu não... fazia de propósito.

— Sabe quantas vezes me olhei no espelho, pontuando os meus

defeitos? Tentando entender por que nunca quis se aproximar de mim.

— Pare, Arizona...

— Perguntei mil vezes o que todas as garotas tinham que eu não tinha.

Claro, não estava no meu melhor momento. Meu cabelo estava crescendo
naquela época, estava ganhando peso...

— Arizona...

— Queria ao menos ter sido sua amiga. Tentei me convencer de que era
um garoto rebelde, que por conta de tudo que sofreu tinha dificuldade de
deixar as pessoas se aproximarem..., mas você parecia ser assim só comigo.

— Eu nunca quis...

— Sabe quantas vezes troquei de roupa a fim de querer chamar sua

atenção, de parecer descolada como as outras garotas do colégio? — Afasto


as lágrimas com o dorso da mão. — Eu só quero saber por que nunca gostou
de mim? O que eu não tenho, Elordi? Pelo amor de Deus, me diz!

Soluço engolindo o choro. Seus olhos de ônix estão cheios de lágrimas.


Com a voz trêmula, volto a indagar:

— O que eu não tenho? O que essas mulheres do clube de sexo têm?


Por que nunca fui merecedora da sua amizade? Por que nunca deixou eu me
aproximar? Sabe o quanto me senti um nada quando tratava a Nay com todo
carinho do mundo, e eu... não existia para você? Responde, Elordi!

—Arizona... me perdoa... por tudo que fiz você sentir, eu não tinha
ideia de que se sentia assim.

Aproximo-me o encarando.

— Responde, Elordi. Eu mereço saber por que de tanta indiferença.


Seja o que for aguento. Sobrevivi com isso até agora, depois que souber não
será diferente.

Ele olha para cima e depois volta a fixar o olhar no meu.

— Eu não sou bom para você.

— Não foi isso que perguntei. Se é ou não bom para mim. Diga, porra!

— Eu...

Diante da sua falta de palavras junto toda a minha dignidade do chão e

viro de costas pronta para ir embora.

De supetão sinto sua mão grande e pesada me capturar pela nuca... e


então sua boca toma a minha num beijo forte, intenso, desesperado. Parece
que está queimando, ardendo. Enfia sua língua em minha boca tomando tudo,
purgando. Elordi tem perícia, pegada.

Agarro suas costas o apertando contra mim, querendo que tome tudo,
que continuemos nos beijando até cansarmos. Elordi é um homem grande,

forte, viril, tão másculo e sexual. Sua boca continua me consumindo, sedento.

Quando penso que largará os meus lábios, os suga fortemente. Arfo,


sentindo o meu corpo febril. Estou de um jeito que nunca estive antes. Meu
coração está batendo loucamente. O desejo só aumenta causando tremores.

Só consigo pensar que não quero que acabe.

Após sair do trabalho vou direto para o flat onde o meu outro Sugar
Daddy alugou para mim. Fica em um prédio bem localizado no Leblon.

Assim que chego sinto o cheiro delicioso de comida caseira.

Ramiro Gonçalves adora cozinhar. Para um magnata do petróleo, trinta


e oito anos, casado com uma bela mulher e pai de dois garotos, parece até
inacreditável que um cara como ele seja gay. E ainda por cima tenha um
Sugar Baby. Não sou o primeiro. Mas segundo ele sou um dos seus casos
mais longos.

—Comprei o melhor lagostim do mercado — diz assim que entro.


Era um homem atlético, bonito, saudável. Sinceramente o melhor
Sugar Daddy que tive desde que ingressei nessa vida aos dezoito anos. Nem

gosto de lembrar do que me submeti para conseguir dinheiro.

Aproximo-me dele e nos beijamos.

—Irei tomar um banho. Já venho!

—Ok. É o tempo de eu terminar de preparar tudo.

Jantamos relaxados. Ele fala sobre o seu trabalho detalhadamente. O


assunto não me interessa em nada. Porém, faço o meu melhor em parecer
curioso. Esse é o meu trabalho. O escutar, apoiar, ser uma excelente
companhia e de quebra ser bom de cama para fazê-lo descarregar as energias.

Após o jantar tomamos o restante do vinho e começamos a nos pegar


no sofá. Por mais que Ramiro seja um homem bonito meus pensamentos
nunca estão com ele.

Eu fecho os olhos e imagino que o Elordi está me beijando, tocando o


meu corpo. Ele domina meus pensamentos, sonhos sórdidos e coração.

Elordi foi o meu herói durante o colegial. Nunca hesitou em me ajudar,


em me defender dos valentões. Ao mesmo tempo o odeio por ter tudo, por ser
bom em tudo que faz, por existir.

Eu o amo e odeio com tanto afinco que tenho medo de mim mesmo.

A única coisa que ele não tem é o amor da Arizona. Por um tempo
desconfiei que minha melhor amiga era apaixonada pelo seu primo postiço.
Contudo, me precipitei. E caso fosse apaixonada pelo Elordi, nunca

permitiria que ficassem juntos. Ele não iria tomar a única coisa que tenho.
Arizona me ama além da amizade. Nunca retribuí, porém se precisar irei usar
isso a meu favor.

Não queria ser assim. Eu não sabia que era gay. Elordi me despertou

esse sentimento. Tudo que sou é culpa dele. Somente dele.

—Isso... porra que gostoso! — geme Ramiro.

Sou assim por culpa do Elordi.


Parece que o mundo parou para nós. Eu nunca senti isso antes. Sua mão
continua firme na minha nuca, me mantendo cativa, presa sob seu domínio
viril. Eu me torno um frenesi de sensações, principalmente quando cola seu
corpo forte e duro contra o meu, me agarrando pela cintura.

Estou completamente arrebatada.

Vamos parando o beijo lentamente, buscando ar por necessidade. Uma


emoção tão violenta domina o meu corpo que aperto os lábios — levemente
inchados devido ao beijo bruto e intenso — para contê-la.

Seus lábios úmidos e macios escorregam para a minha bochecha, vão


subindo até minhas pálpebras capturando as lágrimas teimosas.

— Eu evitei você por nunca ter me considerado bom o suficiente. —


Sua voz treme um pouco.

Seus cílios longos sombreiam seus olhos escuros cheios de emoção,


receio. Volta a proferir:

—Quando a vi pela primeira vez fiquei impressionado com a cor dos


seus olhos, com o jeito que estava segurando o lápis e olhando para mim.
Você me direcionou um olhar tão puro, sincero... que fiquei com raiva por
saber que não merecia tê-la como amiga. Não merecia nada.

Sua mão que está na minha cintura sobe, ficando na lateral da minha
clavícula.

— Você parecia um pequeno anjo. E eu... um garoto cheio de traumas,


que não queria mais viver. Afastei você pensando que estava te fazendo bem.
O certo.

— Então pensou que o melhor seria me ignorar? Isso doeu pra caramba
—confesso.

— Meus sentimentos por você foram mudando com o passar dos anos
—murmura rouco, emocionado. — Eu comecei a ver você de outra forma.
Ficando cada dia mais angustiado com a sua presença... estava disposto a

conviver assistindo sua felicidade com outro homem.

— E... agora?

— Agora estou disposto a ser o seu homem. Lutar por você.

Fico sem ar, sem fala.

Impulsiono o meu corpo contra o seu, o abraçando fortemente. Não sei


como faremos amanhã, mas quero viver esse momento, o agora, com ele.
Esquecer as inseguranças, as lembranças que me magoaram tanto.

Posso respirar aliviada quando me abraça de volta, retribuindo o


carinho.

— Fica comigo... até eu dormir? — indago, esperando ansiosamente


pela sua resposta.

— Vou cuidar de você, Arizona.

Desfazemos o abraço e quando percebo, sua mão está buscando a


minha, entrelaçando nossos dedos. Nunca cogitei que ficaríamos tão
próximos como estamos agora. A sensação de segurança predomina em mim.

Eu sempre me senti segura com o Elordi.

Passamos a adolescência nos engalfinhando, trocando farpas. Eram


raros os momentos em que não estávamos discutindo. Agora, com mais

clareza, percebo que nada era mais doloroso de que o seu silêncio e

afastamento. Preferia estar brigando com o bad boy, invés de ser alvo da sua
indiferença.

Elordi abre a porta do Knight XV para eu entrar. Estou me sentindo um


pouco zonza. Provavelmente tenha sido a quantidade de bebida que ingeri, ou

o beijo... meu Deus! Que beijo. Meu corpo está formigando, um calor latente
sem fim.

— Você está sentindo alguma coisa? — pergunta assim que entra no


carro.

Estou sentindo tantas coisas que nem sei por onde começar.

— Acho que foi o álcool —respondo, um pouco tímida.

Outra Gim-tônica cairia bem agora. Preciso relaxar.

Somos adultos, sabemos separar as coisas. De repente o medo de como


agir me atinge. Não posso ter um pequeno surto agora.

— Assim que chegarmos no seu apartamento, tome um banho de água


fria. Vai ajudar!

Banho... por que ele tinha que falar essa palavra? Estou tendo um
gatilho do dia que o vi tomando banho, tocando seu pau enorme pra cacete,
seu corpo molhado, peitoral definido, másculo.
— Espero que ajude.

Após colocarmos o cinto de segurança, assume o volante. Pelo

retrovisor vejo o outro carro blindado da sua equipe. Amanhã todos saberão
que nos beijamos. Espero que o Ezequiel não seja um linguarudo igual ao
Kostas. Céus!

Tento parecer plena. Mas estou uma confusão.

Nem mesmo a voz do cantor Hozier me relaxa quando Elordi liga a


mídia de som do automóvel. Ele dirige compenetrado, segurando o volante
com firmeza. O homem é todo enorme e de uma elegância incontestável.

Ao estacionar, desliga o carro e abre a porta para mim. Saio do veículo


devagar para não pagar o mico de cair. Sou um desastre na maior parte do
tempo. Desta vez, Elordi não captura a minha mão. Meus dedos comicham,
ansiosos para buscar o contato. Entretanto, me contenho.

Ainda não sei até que ponto iremos.

Lavei a alma ao desabafar e o questionar. Porém, não quer dizer que


vamos começar algo, que iremos entrar de cabeça. Não temos mais tempo
para brincadeiras, somos adultos, temos nossos sonhos e objetivos. Não sei
até que ponto irão se encontrar.

E além disso... tem o Vicente.

— Fique à vontade. Eu vou tomar banho —falo, sentindo minhas


bochechas acalorarem.

Elordi esteve no meu apartamento poucas vezes. Nunca veio sozinho.

Sempre estava na companhia do Anthony, Miguel ou até mesmo da Nay. Isso


me fez lembrar que desabafei, ou melhor, falei o quanto ficava triste por vê-lo
tratando a minha melhor amiga — e tia — com tanto carinho, sendo que
comigo era totalmente o oposto.

— Você se machucou.

— O quê?

Entendo sua afirmação quando vejo que está olhando para a marca que
está no meu braço. Na verdade, está com nuances roxinhas. Sibila sério, se
aproximando:

— Como isso aconteceu?

Pega o meu braço com leveza e cuidado. O examina com o seu olhar,

averiguando.

Eu não quero mentir. Não deveria omitir que Vicente no seu momento
de estresse segurou o meu braço a ponto de o machucar e na hora não agi,
pois não esperava uma atitude dessa do meu melhor amigo e possível paixão
da minha vida.

— Sou estabanada. — Não o olho. — Bati na quina do suporte da mesa


de desenho.
— Quando sair do banho, colocarei uma compressa. Está um
pouquinho inchado aqui. — Toca com cuidado em cima da pele arroxeada.

Pego-me sorrindo, fitando o vinco que se forma entre suas sobrancelhas


grossas, seu olhar concentrado. Quando volta a me encarar rapidamente me
recomponho. Aponto em direção ao corredor e falo:

— Eu vou...

— Estarei te esperando aqui.

Ou, poderia ir comigo...

Não! Que pensamentos são esses?

Demoro mais do que devia no banho. Uma parte minha não quer lidar
com o Elordi no momento. Não enquanto não tenha certeza do que realmente
quero. Sua presença é marcante, me instiga, me faz sentir coisas que estão
aflorando com força total.

Visto um camisetão preto e uma calcinha de algodão bem confortável.


Enxugo o máximo que posso o meu cabelo na toalha. Ao sair do quarto não
consigo evitar sentir um friozinho se instalando no meu estômago.

A sala de ambiente aberto para a cozinha era bem espaçosa. Cogito que
o encontrarei sentado no sofá, ou na sacada. Mas para minha surpresa o
Elordi está cortando morangos em cima da tábua. Em frente está uma jarra
com algo que havia preparado e outras frutas dentro com bastante gelo.
Quando nota minha presença ergue o rosto anguloso e por alguns
segundos fica me olhando como se nada mais existisse. Era impossível não

ficar envergonhada. Ele é um homem intenso, lindo demais da conta.

— Fiz chá gelado de frutas — diz, voltando a picar o morango.

Era uma das minhas bebidas preferidas. Principalmente se for de...

— Erva-doce, uma colher de açúcar de coco, maçã, laranja e morango


—disserta me deixando pasma.

Não lembro de ter tomado esse chá com ele por perto. Pelo visto Elordi
não era tão indiferente quanto pensei.

Sento-me na banqueta ansiosa para tomar o chá refrescante. Ao


terminar enche o copo de vidro com o líquido. Agradeço e tomo um gole me
deliciando com o gosto maravilhoso. Elordi começa a limpar tudo que sujou.
Seria uma visão melhor ainda se estivesse sem camisa.

Eu preciso me policiar.

— Pedi para você ficar, mas não tem que ficar. Só se quiser.

— Ficarei até dormir.

— Ok.

Elordi abre a parte do freezer da geladeira e pega a compressa. Sem


nenhuma cerimônia puxa a outra banqueta ficando de frente para mim. Em
seguida, pega o meu braço e descansa a compressa em cima, a segurando.

— Não vai nem experimentar o chá?

— Obrigado, mas não gosto. De nenhum tipo. Só tomava chá na marra


com a minha mãe e a vó Selena, quando estava gripado.

— Eu me lembro de vê-lo reclamando. Porém, era obediente.

Sorrimos nostálgicos.

— Nunca as desrespeitaria.

Não duvidava. Anthony e Miguel também tinham a veia rebelde


impulsiva. Contudo, os três mosqueteiros nunca rebateram ou responderam
aos pais, ou qualquer outro membro mais velho da família quando o assunto
era sério.

Depois de escovar os dentes retorno para o quarto. Elordi havia tirado


os sapatos, está mais à vontade. Tenho vontade de falar para ele que pode

tirar a camisa, caso queira, mas segurei a língua.

Deitamos na cama de lado, um de frente para o outro. Nossos dedos


estão quase se encostando. Estou receosa pelo que estou sentindo, medo de
estar errada, de sair magoada.

Quando percebo, meus dedos tocam no seu pulso. Elordi tenta afastá-
lo, mas seguro seu pulso em um pedido silencioso para não evitar o meu
carinho. Seu suspiro soa como permissão.
Acaricio seu pulso sentindo a pele protuberante que a tatuagem de
Sakuras vermelhas escondem. Passo todos os meus dedos por cima

percebendo as automutilações. Não consigo controlar as lágrimas.

— Caralho... não chora — sussurra rouco.

— Promete que nunca mais vai se ferir?

— Arizona... não se sinta assim por mim.

Vou subindo os dedos, tocando as texturas das cicatrizes dos cortes.


Pensar que ele poderia não ter sobrevivido me dói na alma.

— Não as toque. São nojentas, mostram o quanto sou fraco e


inconstante.

Segurando o seu braço me afasto do colchão e começo a beijar seu


pulso, sentindo as marcas proeminentes nos meus lábios. Nem posso
imaginar o quanto que sofreu, a dor que causou a si mesmo para se livrar da

miséria que passou. Paro de beijar só no fim da tatuagem.

Quando o olho, seus olhos estão fechados. Elordi está chorando


silenciosamente. Pego seu outro braço e faço o mesmo carinho. Quero ser
capaz de apagar tudo que fizeram com ele, tudo que causaram.

Quero que Elordi seja feliz.

Sua mão livre começa a mexer nas mechas dos meus cabelos ainda
úmidos. Continuo beijando suas marcas de mutilação que se infligiu.
Quando termino me aconchego nos seus braços. Elordi me abraça forte,
pressionando. Beija minha cabeça e ficamos em silêncio. Fungo, contendo

mais o choro.

Espreguiço-me ainda de olhos fechados, inalando o perfume exótico do


Elordi no travesseiro que estou segurando como se minha vida dependesse
disso. Ao abrir os olhos vejo que realmente estou sozinha no quarto — na
cama, já havia percebido.

São quase sete horas da manhã. Rapidamente vou para a cozinha com o
intuito de preparar um café da manhã rápido para começar o dia com o pé

direito.

Fico surpresa ao ver várias delícias para o café da manhã no balcão.


Aproximo-me sem conter o sorriso bobo nos meus lábios. Está tudo
bonitinho, arrumado e uma delicada flor dentro em um copo com água. Para
alguns pode parecer brega, mas adoro coisas simples, fofas.

Pego o bilhete e leio:

“Almoçamos juntos! Irei buscá-la, após sua aula. Beijos”


Estou me sentindo uma adolescente.

Estou terminando de comer o misto quente quando Kostas entra no meu

apartamento assobiando. Traz minha bolsa que havia ficado dentro do carro.

— Que delícia!

Dou uma palmada na sua mão enorme quando tenta pescar um

croissant.

— Quanta delicadeza!

— Você mandou uma mensagem para o Elordi se passando por mim.

Ele larga minha bolsa em cima da banqueta de madeira.

— Eu? Claro que não, ursinha. Jamais faria isso.

— Fingido — canto.

— Estou chateado agora com você, sabia? Eu não estava legal, ursinha.
Meu celular estava sem bateria, o seu estava dentro do carro...

O deixo falando sozinho. Só tenderia a se enrolar mais na mentira.

Cogito em me arrumar mais do que costumo fazer. Não quero parecer


simples demais para ir almoçar com o Elordi. Por fim, opto por um vestido
leve de verão, maquiagem básica, porém, passo batom vermelho, que por
algum motivo, me faz sentir-me mais mulher quando uso um de cor forte.
Coisa minha.
Separo outra muda de roupa para trocar assim que chegar no hospital.
Sou funcionária como qualquer outro, tenho que seguir as regras de

vestimenta.

— Inacreditavelmente todos estavam sem bateria, seu celular era o


único que estava carregado, por isso...

Reviro os olhos por ainda estar escutando o Kostas inventar mais e

mais desculpas. Era um contador de histórias furadas. Ele não vai admitir.

Após a aula de Bioquímica Ambiental, fecho meu fichário e saio da


sala ansiosa para ver o Elordi. Nem peguei no celular para ver as mensagens.
Talvez, seja bom conferir se o meu primo postiço enviou alguma mensagem.
Vai que ele tenha tido algum imprevisto... espero que não.

Com a mão dentro da bolsa e olhando para ver se encontro o celular no


meio da bagunça, me espanto quando sinto puxarem justamente o meu braço
dolorido.

Estou pronta para xingar e me defender, mas paro ao ver que é o


Vicente.

— Qual o seu problema, Vicente?

Ele está bravo, me olhando com ira.

— Eu fiquei te esperando um tempão na porra da confeitaria, Arizona!


Combinamos de tomar café da manhã juntos.
O encaro me sentindo culpada. Acabei esquecendo.

— Esqueci completamente, Vicente. Desculpa!

Vicente solta uma risada, debochado.

— Só não vim aqui mais cedo, pois tive que voltar ao trabalho. Você
sabe o que é isso?

— Fale baixo, Vicente! Quando estiver calmo conversaremos — falo


pronta para sair.

Para piorar as coisas segura novamente no meu braço machucado. Puta


de raiva, o puxo com força para sair do seu aperto.

— Você já o machucou uma vez! Não me toque mais assim, Vicente...

Minhas palavras voam quase tão rápido quanto o Elordi, que vira o
Vicente e o soca. Com agressividade cai no chão. Elordi está parecendo um
touro. Cambaleante Vicente se levanta com a boca entreaberta e expressão de

dor presente no seu rosto, agora machucado.

Os acadêmicos logo fazem presença para assistir à violência. Carol para


ao meu lado e entrego meu fichário para ela segurar. Seguro a camisa do
Elordi pelas costas.

—Não faça mais nada, por favor — peço, implorando.

Tento impedir que o Elordi avance para cima do Vicente, mas ele faz
outra vez. Acerta em cheio um soco no olho do Vicente que cambaleia.

Ele está fora de si.

— Qual a porra do seu problema, Elordi? — indaga Vicente, com a voz


trêmula.

— Você é um homem de merda! Machucou a Arizona, caralho! Como

teve coragem de fazer isso? E ainda por cima fez de novo.

A feição do Vicente muda drasticamente.

— Não a machuquei de propósito. Eu juro! Arizona sabe disso. Fale


para o seu primo, Arizona.

Vicente me olha com o olhar suplicando por ajuda. O sangue estava


escorrendo do seu supercílio.

Como eu posso escolher um lado?

O moreno avança para cima do Vicente. Peço angustiada, contendo o

choro:

— Solta ele, Elordi. Todos estão olhando. Solta!

O solta fazendo o meu melhor amigo bater as costas na parede.

— Tem sorte de ela estar me pedindo. Se isso acontecer de novo, eu


juro por Deus que ninguém vai me parar, Vicente.

Não sei o que fazer.


— Arizona, me desculpa. Você sabe que não fiz por mal.

Elordi estende a mão, que tinha no dorso respingos de sangue que tirou

do Vicente, em minha direção. Sinto o olhar desesperado do meu melhor


amigo ao notar a mão do meu primo, aberta esperando a minha.

Com o coração na mão, entrelaço minha mão com a do Elordi sentindo


o aperto carinhoso. Encaro o Vicente e falo:

— Vou pedir para o Kostas o acompanhar à enfermaria.

Viro de costas e saio andando com o Elordi.

Parece que estou preso em um pesadelo. Não acredito que Arizona

possa estar com o Elordi. Ela não o suporta, acompanhei de perto a


implicância que tinham um com o outro.

Como pude ser tão estúpido?

Gemo quando sinto o médico dando o último ponto. Levo três pontos
no supercílio. Aquele miserável.

Hoje acordei animado, pensei que teria um momento legal com a minha
melhor amiga enquanto tomaríamos café da manhã. Fiquei plantado igual um

idiota esperando a princesinha chegar. Minhas mensagens não foram

respondias, nenhuma ligação foi retornada. Nem a porra de uma explicação.

— Agora que foi atendido. Estou indo!

— Espera, Kostas! Pode me dar uma carona?

— Foi mal, cara! Vou para o lado contrário.

Meneio a cabeça concordando.

Invento uma desculpa qualquer para o meu chefe. Não estou com
cabeça para aguentar aquela gentinha do meu trabalho. Ao chegar no flat não
consigo mais segurar o choro.

Começo a pegar objeto por objeto, os atacando na parede, no chão.


Gritando, cheio de cólera.

Arizona tem mentido para mim. Desconfiei que pudesse estar próxima

do Elordi, mas não a ponto de me trocar por ele.

Depois de quebrar tudo caio de joelhos no chão, chorando e mordendo


a minha mão com força.

Meu corpo começa a sacudir de tão violento o choro e dor que estou
causando a mim mesmo mesclado aos meus sentimentos que estão
destruídos.
Apoio minha mão no chão sentindo-a latejar e sangrar devido à
mordida. Meu coração está esmagado.

Elordi não vai ficar com a Arizona.

Arizona não vai me deixar por ele.

Arizona não vai ter o que eu sempre quis.

Elordi não vai tirar ela de mim.


Ezequiel abaixa os óculos escuros estilo aviador ao olhar para a mão do
Elordi entrelaçada com a minha. O linguarudo do Kostas bufa e tira algumas
cédulas de dinheiro da carteira, estendendo para o Ezequiel que pega com um
sorrisinho de lado.

Inacreditáveis esses dois.

O líder da segurança do Elordi abre a porta do carro para mim.


Agradeço ao me acomodar no banco.

Tiro um vidrinho de álcool em gel da minha bolsa. Em seguida pego a

mão do Elordi, derramando a substância coloidal no dorso de sua mão.


Esfrego bem até não ter nenhum vestígio de sangue.

Eu estou mal pela atitude do Vicente. Não sei o que está acontecendo
com ele, mas não é de hoje.

— Se ontem tivesse me contato que ele tinha machucado o seu braço,


teria feito coisa pior — confessa.

Ao erguer a cabeça sou dominada pelas suas duas pedras de ônix.


Elordi ainda está furioso.

—Por isso... não contei.

Ele aperta o nariz com o polegar e dedo indicador, desviando o rosto do


meu.

Elordi está pensando que omiti para proteger o Vicente. Uma parte de
mim poderia ter feito isso involuntariamente. No entanto, não contei para não
criar confusão, pois eu resolveria. Trato de explicar:

— Eu não acobertei o que ele fez...

— Você fez sim! Sabe disso — profere afável.

— Vicente estava nervoso. Nas duas vezes.


— E está fazendo de novo. Porra, na minha cara!

— Irei conversar com ele, Elordi. Alguma coisa deve estar

acontecendo, mexendo com a cabeça dele.

— Antes de um erro vem o amor, antes do primeiro empurrão vem o


amor, antes do primeiro tapa vem o amor. Você e eu lidamos com mulheres
que foram vítimas de violência doméstica no instituto. Não defenda na minha

cara um moleque que a machucou.

Sinto muita vergonha. Eu poderia ter reagido na primeira vez que


Vicente machucou o meu braço. Seu aperto foi forte e bruto a ponto de
marcar a minha pele. Entretanto, na hora fiquei tão abismada com a sua
atitude que não reagi fisicamente. A decepção foi maior que tudo naquele
momento.

Jamais pensei que voltaria a acontecer. Mas novamente meu melhor


amigo ultrapassou qualquer linha de sensatez que tinha ao me machucar pela

segunda vez. Estava a ponto de estourar com ele, quando o Elordi apareceu
na velocidade da luz partindo para cima do Vicente.

Eu posso estar terrivelmente errada sobre meus sentimentos pelo


Vicente. Mas independentemente sempre vou amá-lo e desejar sua felicidade.

No fundo, me sinto um pouco culpada pelo Vicente ter estourado agora


há pouco. O que não está certo, pois não esqueci de propósito o nosso
compromisso. E mesmo que tivesse sido, nada justificaria a maneira que agiu
comigo.

Agora mais do que nunca sei o quanto é difícil para uma mulher que é
vítima de violência doméstica enxergar que o homem que ama nunca vai
mudar. Ele sempre vai justificar a agressão e ainda por cima a culpar. E para
piorar mais a situação, a vítima começará acreditar que a culpa do seu

parceiro ser violento é totalmente dela.

É uma realidade triste que acontece a cada quatro minutos no país. Os


índices são assustadores.

Elordi tem razão. Acobertei o Vicente, mesmo que indiretamente fiz


isso.

Desde que comecei a ser filantropa me deparei com diferentes


realidades. O instituto da minha família não dá apenas assistência e um
recomeço para vítimas do tráfico humano. Estamos crescendo muito,

tentando ao máximo ajudar mulheres, crianças e adolescentes desamparados.


Tenho que fazer por onde e ser um exemplo.

— Você tem razão —falo.

— Não tem que se sentir culpada. Só quero que enxergue que a atitude
dele foi péssima. — Toca no meu queixo, querendo meu olhar no seu. — Sei
que o Vicente é o seu melhor amigo, mas isso não o torna um ser humano
perfeito.

Meneio a cabeça de leve. Elordi prossegue:

— Aceito tudo que vem com você. Até sua amizade com ele. Mas é
bom ele saber qual é o lugar dele agora.

Continuo calada, seduzida e impressionada com essa versão do Elordi.

— Agora vamos almoçar. Reservei uma mesa para nós no Lasai.

Sorrio. Era o meu restaurante preferido.

No carro vamos apreciando as músicas da banda Kaleo. Amo a voz do


vocalista. Adoro essa banda. E pelo jeito ele também curte.

Elordi estaciona e logo desce do carro para vir abrir a porta para mim.
Eu já ia abrir..., mas ele gosta de fazer isso. E sem dúvida é um hábito que
pouquíssimos homens têm.

De mãos dadas entramos no sobrado de 1902. Um dos mais antigos do

Botafogo. O restaurante tem uma estrela Michelin. Não segue uma decoração
chiquérrima. É charmoso, o ambiente é moderno, com móveis de madeira,
adega e uma cozinha aberta. No segundo andar tem um terraço aconchegante
com jardim vertical. Tudo de muito bom gosto.

O melhor de tudo, era que as receitas do cardápio priorizavam os


produtores e pescadores locais e os ingredientes da horta que possuem.
O moreno me surpreende mais uma vez quando opta pelo menu
degustação: festival. Nesse o chefe irá preparar um menu especial para nós.

— Você é muito observador, ou tem algum aliado?

Espero que não pague o mico de babar olhando para esse homem.

Elordi está deliciosamente bonito demais trajando roupa social.

Acredito que devido ao seu tamanho, sua expressão forte e marcante, nem
mesmo usando suéter social azul-marinho e por baixo uma camisa social
branca — ambas as mangas acumuladas no seu antebraço, despertando
olhares curiosos para as Sakuras vermelhas tatuadas na sua pele — parece
um mauricinho. Ele sempre teve presença.

— Quando se trata de coisas que você gosta... sou bem atento — revela
quase tirando o meu fôlego.

— Queria muito que tivesse sido esse Elordi, de agora, no passado.

— Vou ter de revelar mais uma coisa.

— Estou escutando.

Meus dedos estão pertinho da taça de vinho. Caso não aguente o que
tem para me dizer, colocarei álcool no organismo.

— O Elordi do passado já gostava de você. E o de agora está disposto a


recuperar o tempo perdido.
Meu coração está batendo em haustos. Estou sem saber o que dizer. Ele
puxa um sorrisinho bonito, e diz:

— Temos todo o tempo do mundo. Vamos prosseguir juntos do nosso


jeito, sem pressão.

Captura minha mão por cima da mesa a levando aos seus lábios. Depois
fica acariciando a palma da minha mão com o seu polegar.

O almoço transcorre maravilhosamente bem. A conversa flui. E por


vezes me pego sorrindo só de olhar o seu sorriso bonito.

Mesmo sendo em direção contrária da advocacia, faz questão de vir me


deixar — e eu falei que poderia vir numa boa com o Kostas.

Amanhã cedo ele fará os exames físicos e psicológicos para tomar


posse do cargo público. Elordi continuará trabalhando na advocacia da
família — a qual ele é sócio —, porém não poderá mais advogar. Ficará
apenas auxiliando em alguns casos internamente.

— Obrigada por me trazer — agradeço, desencaixando o cinto de


segurança.

— Espero você na casa dos meus pais.

Havia esquecido que o jantar em comemoração da aprovação do Elordi


no concurso ficou para hoje. Estou ansiosa para saber se vai gostar do meu
presente.
— Nos vemos lá. — Sorrindo, impulsiono meu rosto em sua direção e
beijei o canto da sua boca. — Até!

Nem tenho tempo de abrir a porta. Elordi me chama e logo sua boca
toma a minha num beijo molhado. Dou passagem para a sua língua, quase
derretendo quando sua mão pesada se mantém firme na minha nuca e a outra
na minha garganta.

É selvagem, forte e tão gostoso que só quero continuar o beijando.


Tudo fica em câmera lenta. Seus lábios aveludados continuam me
consumindo, me tomando para si, matando uma saudade que estava
adormecida entre nós.

Mordo parcialmente os lábios quando sinto umedecer minha bochecha


com a sua boca, seguindo para a minha orelha. Pressiono minhas unhas no
seu braço quando suga o lóbulo da minha orelha para depois plantar um
beijinho embaixo.

Retorna pelo mesmo caminho, deixando rastros molhados e quentes na


minha pele. Quando vem tomar novamente minha boca, sem conseguir
resistir, mordo de leve seus lábios macios. Elordi urra, pressionando um
pouco mais sua mão na minha garganta e na nuca.

E novamente nos beijamos como dois desesperados, sedentos. São


longos minutos...
Permaneço de olhos fechados absorvendo a intensidade do nosso beijo,
do que estou sentindo. Elordi deposita vários beijinhos na minha boca.

Quando penso que irá parar, mordisca meus lábios e os umedece ao lamber.

Puta merda! Que homem!

— Agora sim posso ir trabalhar tranquilo — profere.

Deparo-me com o seu olhar profundo ao abrir os olhos. Deus do céu!


Espero não estar com cara de boba.

— Eu também — admito.

Antes de sair do carro o abraço forte, inalando seu perfume único.


Finalmente saio do carro seguindo para o elevador com pressa. Estou quase
atrasada.

Troco de roupa rapidamente no banheiro feminino e sigo para o


laboratório. A parte que trabalho está cheia de amostras para eu analisar.
Cumprimento meus colegas e me concentro ao máximo.

Na hora do meu intervalo saio para ir pegar um chá na cafeteria do


hospital. Quando vejo a Nay tenho vontade de correr, mas é tarde demais.

— Nem pense nisso!

— Agora não, Nay...

— Agora não, Nay. — Faz uma imitação ridícula. — Acho que já


podemos mudar seu apelido para safadinha. — Pisca, antes de entrelaçar seu

braço com o meu.

— Não estou confortável para falar sobre...

— Tem noção do quanto torcemos para vocês? Ezequiel fez um gif do


momento do beijo de vocês. Claro, não espalhamos a novidade para a família
toda. Deixaremos essa parte com vocês.

— Gif? Tá de brincadeira!

Nay tira o celular do bolso do jaleco, desbloqueia e abre o aplicativo de


mensagem. Aperta na conversa com o seu marido e vai subindo as

mensagens. Paro de andar ao ver o gif de pouquíssimos segundos do


momento que Elordi me puxou pela nuca e nos beijamos.

— Vocês são tão fofoqueiros.

— É o mau da nossa família. — Sorri.

— Se não estivesse grávida juro que iria te beliscar.

Minha melhor amiga ri e beija minha bochecha.


— Estão namorando?

— Claro que não. Nos beijamos e estou conhecendo o Elordi que disse

estar disposto a lutar por mim.

— Cacete! — xinga baixinho. — O garoto de ouro não brinca em


serviço. Aleluia!

Durante o lanche, conto a Nay tudo que aconteceu. Inclusive o episódio


de mais cedo com o Vicente. Ela fica irritada comigo por ter ocultado o que o
meu melhor amigo havia feito.

Nem quero saber o que meu pai vai fazer quando souber. Por isso quero
falar para ele, e não que saiba por terceiros.

Ignoro as mensagens e ligações do Vicente. Ainda não é o momento de


conversarmos. Respondo a mensagem da Carol, dizendo que pegarei o meu
fichário com ela amanhã.

Após tomar banho, enrolada no roupão finalizo a moldura artesanal que


montei para o desenho realista que fiz do Elordi. Embrulho o quadro com
papel kraft e finalizo com um laço vermelho.

Depois de secar e escovar o cabelo, opto em usar calça jeans e uma

blusinha com o slogan da banda Nirvana e meu par de vans preto. Pego
minha bolsa, o presente e saio do meu apartamento.

Kostas está estranhamente calado. Porém, seu olhar ansioso


direcionado para mim, mostra o quanto está se segurando. Chego atrasada —

o que não é novidade.

Peço a bênção dos meus avós, que são os primeiros que vejo na mansão
dos meus tios assim que entro. Logo sorrio ao escutar a falação alta, risadas,
barulhos comuns de quando uma família enorme se reúne.

A mesa extensa de madeira do jardim está linda, contendo algumas


travessas de comida pronta. Vejo meu pai perto da churrasqueira com o tio
Edu e tio Samuel. Tia Agatha e sua mãe estão experimentando algo da panela
que está no fogão a lenha. E as crianças estão pelo jardim brincando.

Isso me faz lembrar que terei que tomar conta deles sozinha nesse final
de semana. Deus é mais.

Minha mãe sai de perto das minhas tias e vem me receber.

— Como você está, minha bebê?

— Ótima, mamãe. — Beijo sua bochecha.

— Hum...pelo visto seu presente será bem especial.


— Não é novidade que a maioria dos meus presentes são os desenhos
que faço. — Dou de ombro, querendo parecer indiferente.

— O que eu sei é que minha filha talentosa só faz desenhos para quem
é importante, de coisas ou pessoas que a inspiram. — Mexe as sobrancelhas.

— Nem comece, por favor.

— Eu só quero saber por que fui a última saber que estava se pegando
com o Elordi?

Cristo! Olho por cima dos seus ombros para encontrar a carinha de
culpada da Nay.

— Prometo contar tudo depois. Só não espalhe.

— Não sei até quando irei aguentar. Assumam logo.

— Mãe, vamos com calma.

Sorrindo, estica as palmas das mãos no ar deslizando-as

dramaticamente e sibilando:

— Já consigo imaginar você entrando montada na Atena no casamento


de vocês. Meu bem... será um marco. Tipo um casamento real. Porra, vai ser
lindo!

Seguro as mãos da minha mãe.

— Menos. Bem menos, mãe.


Faz careta para mim e sai indo para perto das minhas tias.

A fragrância masculina exótica é sentida pelo meu olfato. É o Elordi.

Ao virar para ele sou alvo do seu sorriso tímido, misterioso. Nada de perder o
controle. Principalmente por estarmos na frente dos nossos familiares.

— Estava para te ligar.

— Não perderia seu jantar de comemoração.

Estendo o presente em sua direção. Ao pegar seus dedos tocam nos


meus e prendo os lábios parcialmente entre os dentes para não soltar um
suspiro.

Seus dedos passam por cima do embrulho com certo carinho e apreço.
Como se estivesse acarinhando um objeto raríssimo de alta estimativa. Isso
toca o meu coração.

— Seu talento é um dom.

— Meus pais falam isso. Aliás, todos da família. Mas nunca tinha
escutado de você — murmuro, segurando a emoção.

Abre o pacote e o escuto arfar rouco.

— Com certeza é uma das coisas de maior valor que tenho agora.
Obrigado, minha... Arizona.

E outra vez me deixa sem palavras.


O jantar, como qualquer outra refeição que fazemos juntos, é marcado
pelas gracinhas do tio Enzo e Miguel. Conversamos, escutamos os planos do

patriarca da família para um novo investimento que nos colocará como sócios
e sobre o Instituto Eleonor.

Tia Maria Flor está falando algo e finjo estar prestando atenção. Eu
estou ocupada demais olhando a interação do Elordi com a irmã. Romana

sabe usar talheres perfeitamente bem. Assim como todos nós, os pirralhos
tiveram aulas na escola de etiqueta. Mas a Romana faz questão de pedir para
o seu irmão cortar sua carne.

Romana pisca para mim e sorri. Retribuo o sorriso com as bochechas


quentes por ter sido pega no flagra. Ela é uma criança muito esperta. Espero
que não tenha percebido que eu estava quase babando no seu irmão mais
velho.

— Então o plano é ficar trabalhando como delegado durante um ano?

—pergunta tio Enzo.

— Quero ter essa experiência. Ajudar o máximo que puder estando


nesse cargo. Continuarei estudando para outros concursos.

— O bom é que não precisa esperar o fim do estágio probatório para


tomar posse em outro cargo público — comenta tia Agatha. — Estamos
muito orgulhosos de você, meu amor.
Estranho quando vejo o Miguel enchendo sua taça de vinho sem parar,
tomando tudo em goladas longas. Anthony parece estar se divertindo e faz o

mesmo que o seu melhor amigo.

Eles estão aprontando.

— Passa o vinho, tio Alex, por favor — pede Anthony.

— É a última garrafa cheia. Vou buscar mais na adega.

— Eu vou, tio — diz Elordi, pedindo licença ao se levantar.

Não faz nem dois minutos que tinha entrado na mansão e a Nay falou:

— Poxa, Elordi saiu tão rápido. — Franzo o cenho para ela. — Pode
pegar o vinho sem álcool para mim, ursinha?

— Mas você está tomando suco, Nay...

— Está negando isso para o seu afilhado ou afilhada?

— Estou indo, dramática.

Ao entrar na adega e ser pressionada contra a porta que foi fechada


bruscamente me dou conta do plano. Recebo o beijo de língua do Elordi de
bom grado, quase virando uma massa sôfrega nas suas mãos.

Gemo com boca grudada na sua quando aperta minha cintura.


Intensificamos o beijo, mudando de ângulo, nos entregando totalmente. De
alguma forma estamos saciando nossos desejos secretos, os que nunca
revelamos.

O beijo vai ficando lento quando o ar se faz necessário.

— Temos que voltar...

Ofego quando sinto seu pau duro no meu ventre. Oh, cacete! Só de
lembrar... sinto um calor imensurável.

— Aham...

Roça seus lábios nos meus. Aperto mais minhas mãos nas suas costas.
Sussurra:

— Vai na frente. Preciso de um tempo.

Ou eu posso ficar e... melhor não. Nem sei se caberia tudo dentro de
mim. Fecho os olhos por alguns segundos me recriminando por estar
pensando em sexo. Não é o momento para isso.

— Ok. Eu vou indo.

Afasta-se me olhando com os olhos em brasa.

— Preciso pegar o vinho...

— Eu levo, Arizona.

Antes de voltar para a família paro no banheiro para arrumar o meu


cabelo. Constato o quanto meus lábios estão inchados. Minha cara de safada
vai me entregar. Que situação!
Jogo álcool em cima da marca de mordida que cortou a pele da minha
mão. Fecho os olhos por longos minutos, aguentando a dor calado. Puxo o ar

com força e prossigo com o curativo.

Ainda bem que o Ramiro não está mais na cidade. Nem sei o que diria
para ele. Destruí a sala do flat.

Após juntar os cacos de vidros e de arrumar a sala vou tomar um banho


quente.

Arrumo minha mochila com os meus livros de estudos e saio. Irei


dormir em casa hoje. Pago o Uber, seguindo para o portão da minha casa.

Odeio essa vizinhança. Os vizinhos costumam ficar na frente de suas


casas até altas horas da noite, fofocando sobre a vida alheia. Bem coisa de
pobre.

— Cheguei, mãe!

Largo a mochila em cima do sofá velho.

— Pelo amor de Deus, Vicente! Onde você estava?


Quis revirar os olhos.

— Ocupado. Trabalhando, estudando, correndo atrás de uma vida

melhor.

— Poderia ao menos me ligar, filho. Pensei até em ligar para a Arizona.


— Seu olhar doce se fixa nos pontos do meu supercílio e na minha mão
enfaixada. — Como se machucou? O que aconteceu?

Aproxima-se com a cadeira de rodas.

— Culpa da sua querida Arizona.

— Mas como?

— Ela me fez perder a cabeça. Acabei segurando o braço dela a ponto


de a machucar. Não foi por querer, eu juro. Mas nas duas vezes que
aconteceu eu estava tão irado... que nem me dei conta.

Pela atitude do primogênito dos Medeiros tive certeza de que os estou

perdendo.

Elordi nunca vai me enxergar, nunca vai notar o amor que guardo há
tantos anos. Sei que ele me bateu num momento de fúria. Sempre foi
impulsivo. E apesar de ter feito isso unicamente para defender a Arizona, eu
o perdoo.

Meu amor por ele é maior que qualquer outra coisa.


— Está se escutando, meu filho? — indaga com nítido desespero. —
Você jamais machucaria a Arizona. Você sempre cuidou dela, passaram por

muitas coisas juntos.

— Ela está no meu caminho, mãe. — Seguro a vontade de chorar. —


Elordi apareceu no momento que machuquei o braço dela e me bateu. Isso é
culpa dela. —Aponto para os pontos na minha pele.

— Fez isso para proteger a Arizona. Perfeitamente aceitável!

— Eles estão juntos, mãe — revelo sentindo um gosto amargo na boca.


— Mas não por muito tempo.

— Vicente, não te reconheço mais. Por favor, meu filho, olha para
mim. — A fito. — Vamos procurar ajuda profissional para você. Terapia
pode dar certo. Esse sentimento que está nutrindo pelo Elordi não é normal.
Isso não é amor, filho.

Solto uma risada seca. Desprezando suas palavras, falo:

— Nunca vou deixá-los em paz. Eu o amo. Ele vai ter que me aceitar,
pois sou assim por culpa dele.

— Ser gay é sua orientação, meu filho. Não tem a ver com o Elordi,
comigo... com ninguém. E não tem problema nenhum ser homossexual.

— Sou assim por causa dele. E juntos eles não vão ficar!

— Pense na Arizona. Ela é sua melhor amiga...


— Eu a amo também. Hoje quando ela escolheu ir com ele, ao invés de
ter ficado para me ajudar, senti meu coração esmagar. Ver os dois partindo...

sem mim. — Soluço sem conseguir conter o choro. — Na verdade, descobri


que amo os dois. Talvez, ame mais o Elordi.

Minha mãe cobre a boca com os dedos, chorando silenciosamente. A


preocupação é visível nos seus olhos cheios de lágrimas. Dona Hermínia não

entende o que sinto.

Pego a identidade falsa — a qual paguei uma pequena fortuna — e


coloco dentro da carteira. A usei para me cadastrar no site de Sugar Baby.

Nesse meio é necessário ser esperto.

Coloco a última abotoadura de punho que contém as iniciais do meu


nome e sobrenome. Um presente de um dos meus clientes. Não são das
melhores, mas por enquanto dá para o gasto.

Ao sair vejo minha mãe tomando café da manhã na mesa da cozinha.

— Tome café comigo, meu filho.


Olho para o pão dormido e a mortadela sem vontade alguma de fazer a
primeira refeição do dia.

—Irei comer a caminho do trabalho.

Assim que entro no Uber pego o celular dentro da mochila. Arizona


não respondeu nenhuma das minhas mensagens. Ontem enviei várias e liguei.
Quero que ela me perdoe.

—Chegamos, doutor.

—Obrigado! — Pago a corrida.

Meses atrás havia feito o credenciamento para conseguir a carteira de


visitante. Por estar usando documentação falsa, entrei com o pedido como
amigo do detento.

Fito o prédio de um dos presídios mais antigos do Rio de Janeiro na


dúvida se devo prosseguir, ou ir embora. Algumas pessoas estão na fila da

portaria para começarem a entrar. A calçada está uma nojeira. Lixos


extraviados e espalhados.

Quando entro no prédio deteriorado tomo o cuidado para não tocar em


nada. O cheiro não era dos melhores. E visivelmente falta limpeza.

Muitas mulheres vão de encontro aos seus companheiros. Todos os


visitantes têm os produtos que trouxeram averiguados pelos agentes
penitenciários.
— Vicente.

Encaro o homem de cabelo grisalho e de barba estilo lenhador. É alto,

apesar da idade avançada, definido. As olheiras escuras abaixo dos seus olhos
demostram que os anos que têm ficado preso não têm sido fácies.

Ele sorri abertamente e aparentemente emocionado. Consigo sibilar:

—Oi... pai.
Desde que minha mãe revelou quem era o meu progenitor tive
vergonha. Argus José Morais nada mais era que um traficante de drogas barra
pesada da região sudeste do país. Ele cresceu na favela, se criou e desde então
se viu dentro do crime.

Saber disso aos dezesseis anos de idade mexeu mais comigo do que
deveria. E desde então queria provar de alguma forma para o meu pai que não
seria como ele. Que alcançaria meus objetivos sem sujar minhas mãos.

Mero engano.

Passei anos recusando suas ligações. Era sempre o mesmo número


descartável. Para um bandido, até que era inteligente demais. Minha mãe se
envolveu com ele sem saber o que realmente fazia. Sozinha, solitária e jovem
se entregou à paixão.

Segundo minha mãe, decidiu colocar um ponto final na relação deles


por pensar que Argus era um homem casado. Na verdade, foi bem pior que
isso. Argus vivia no meio ilícito, matando gratuitamente e escravizando seus
homens para conseguir vender mais e mais.

Grávida e desiludida Hermínia não pensou duas vezes em mudar de


cidade, recomeçar e esquecer que um dia se envolveu com o homem que
possuía a índole mais obscura que conheceu. Talvez, tenha puxado isso do
meu pai.

O sangue sempre fala mais forte.

Eu a coloquei contra a parede, quis saber quem era o meu progenitor.


Arrependi-me amargamente. Seria um escândalo se soubessem minha origem
paterna, principalmente agora que estou lutando para ser um Promotor.

Quando atendi pela primeira vez sua ligação, implorou para eu o


escutar. Fiquei em pânico ao saber que o juiz que o condenou há mais de
trinta anos de prisão havia sido o juiz Samuel Medeiros. Nunca senti tanto
medo de descobrirem de quem sou filho.

Se não fosse minha mãe ter me registrado com ausência de paternidade,


com certeza o juiz Samuel ligaria os pontos. Arizona comentou comigo uma
vez que sua família costuma investigar as pessoas que os cercam por questão
de segurança e devido às tentativas de sequestro.

Não tenho o sobrenome do meu pai, nunca foi visto comigo e muito
menos as pessoas próximas a ele sabiam da minha existência e vice versa.

— Como você é mais bonito pessoalmente, meu filho. Puxou para sua
mãe, com toda certeza. — Toca no meu rosto. — Nem acredito que veio.

— Isso não significa que estou disposto a aceitar.

Ele suspira, afastando as mãos marcadas pela idade da minha face.

— Você é o meu filho. Sua mãe errou quando negou o direito de eu

saber da sua existência. Quando descobri sobre você já estava com quase
treze anos. Controlei-me ao máximo para não o trazer para minha vida, mas
preciso de você. Precisamos um do outro, garoto.

Seguro a risada. Argus está desesperado. Com certeza devo ser sua
única chance de sair desse buraco.

— Nunca vou ser um derrotado como você. Olha onde está...vive num
inferno.
Ele ergue a cabeça me olhando profundamente.

— Errei no passado por ter confiado em pessoas que não deveria.

— Diga de uma vez o que está planejando.

Meu pai estuda as pessoas ao nosso redor e volta a me encarar.

— Entrei para uma máfia italiana.

— Como se já não estivesse no limbo.

— Escuta, meu filho. Essa será nossa porta para uma vida onde
dinheiro nunca mais será problema.

— Para isso estou estudando para ser Promotor.

Ele puxa um sorrisinho com certo orgulho.

— E será. E estando nessa posição irá nos ajudar muito.

— Estou escutando.

— Fiz um acordo com o mafioso italiano. Ele quer dominar os

negócios aqui no nosso país. Mas tem uma Organização Secreta que luta
contra isso. São verdadeiros soldados treinados. Klaus quer acabar com eles.
Derrubá-los.

— Tirou essa Organização Secreta de algum filme? — zombo, sem


acreditar.

— Eles são como uma grande colmeia. São defensores e estão abalando
muito os negócios. Criaram sua própria tecnologia, são altamente treinados

fisicamente e psicologicamente. Com armas de última geração e roupas feitas

de materiais especiais.

— Não existe uma força especial unificada brasileira.

— Porque não faz parte de nenhum órgão público do país. É uma


Organização que tem sedes em alguns países. Eles se mantêm por conta

própria.

— E quem são eles?

Argus parece me avaliar bem, como se quisesse pegar alguma mentira


na minha expressão facial.

— No Brasil quem está comandando é a família Lacerda e Medeiros.


Os dois líderes, que são irmãos, unificaram as duas colmeias.

Abri a boca sem saber o que pensar. Arizona nunca falou nada a

respeito. Somos melhores amigos. Ela confia em mim cegamente. O fito


pasmo. Argus continua falando:

— Sua melhor amiga e o filho mais velho do juiz Medeiros são


membros dessa Organização.

— Impossível... Arizona é doce, sempre foi uma menininha insegura,


delicada.

— Era, Vicente. Precisamos de você, filho. Nos ajude a chegar até eles,
ou melhor, descobrir onde é a sede deles aqui no Rio...E teremos o nosso
futuro garantido.

O olho apavorado, quase perdendo a postura, falando:

— Nada pode acontecer com a Arizona. Nem com o Elordi, pai. Fui
claro?

— Meu filho, estamos falando do nosso futuro. Se tivermos que passar


por cima deles, passaremos. Eles não pensam duas vezes em atirar em um de
nós.

— Só entrarei quando me der certeza de que nada acontecerá a eles


dois, pai.

— Com a Arizona até entendo, mas o filho da puta do garoto? Ele é


filho do homem que me colocou nessa jaula, porra! Acorda, moleque! Pense
em você. Em nós, na nossa família.

Os agentes começam a anunciar o fim da visita. Saio sem dizer nada


para o meu pai. Seu olhar é ansioso, mas também vejo medo.

Se algo acontecesse com eles, não iria aguentar. Morreria junto.

Encosto-me no murro descuidado do prédio, sem me importar de sujar


e amassar meu terno. Estou desnorteado.
Ter noção do quanto era importante para a Arizona, escutar seus relatos
de como se sentia me resumiu a nada. Magoei uma das pessoas mais
importantes da minha vida, pensando que estava fazendo o certo ao criar uma

distância enorme entre nós.

Foi difícil para mim, um garoto adolescente marcado por traumas que
feriram até a alma, decidir que não era digno da garota mais linda que tinha
visto na vida.

Quando a vi pela primeira vez com seu caderno de desenho, lápis e


sorriso angelical, não enxerguei uma garotinha pálida, magra e sem cabelo.

Caralho, fui cativado pelos seus olhos oceânicos, seu sorriso doce e
puro. Tão puro que me senti sujo de ser alvo do seu olhar, de olhar para ela;

com medo de a contaminar com a minha indecência.

Eu poderia ter declarado meu amor por ela quando exigiu uma resposta
sincera de mim no estacionamento. Preferi agir. Não aguentava mais. Estava
afundando cada vez mais com as suas palavras, ao escutar o quanto feri seus
sentimentos, o quanto fui fraco por não ter aceitado sua amizade sincera.

Beijar a Arizona me fez sentir um homem completo. Dei-me conta de


que não conseguiria mais empurrá-la para longe de mim, de ver outro homem
tomando o meu lugar.

O meu lugar é com a Arizona. Esse é o meu lugar incrível.

— Então você arrebentou a cara do sonso? — indaga Anthony, me


entregando o copo com um pouco do licor. Um dos mais caros do mundo.

— Não como eu queria.

— Você sabe que poderia ter colocado em jogo seu cargo público, não
é?

— Na hora não pensei em nada disso, Anthony. Fiquei cego, porra!


Arizona não disse que seu braço tinha sido machucado pelo Vicente.
Acobertou a atitude dele.

— Talvez ficou com receio de contar e você matar o cara que está
apaixonado por você — fala, Miguel, se sentando na grama.

Estamos na morada que está sendo construída para mim. Costumamos


conversar, bater papo tomando alguma bebida. É o nosso momento de
desabafar.

Após o jantar de comemoração a família passa mais um tempo junta e


depois cada um segue para sua casa. Despeço-me da Arizona com um beijo
demorado na sua bochecha. Não quero chamar a atenção mais do que já
estávamos.
Eles sabem que possivelmente começamos a nos pegar às escondidas,
mas estão se fazendo de desentendidos. O que agradeço verdadeiramente.

— Cara, você adora provocar — diz o Anthony para o nosso melhor


amigo.

—Vicente é gay. E tá tudo certo. A questão aqui é que não confiamos


nele. É estranho ele não ter contado nem para a melhor amiga — profere,

antes de tomar uma golada do licor direto do gargalo da garrafa.

— Eu vou falar com ele.

— Vai perguntar se ele quer a sua bunda?

— Caralho, Miguel! Estou falando sério.

— Não queria estar, mas também estou falando seríssimo.

Anthony ri, jogando o braço por cima do meu ombro. Ele profere:

— Temos que fazer as coisas no estilo Lacerda, irmão. Vamos

investigar.

— Alex fez isso uma vez. Sem a minha irmã saber. Não encontraram
nada, porém na época ele era uma criança — sibila o Miguel, tirando um
saquinho de sementes de girassol do bolso, o abre e nos oferece. Derrama um
pouco em nossas mãos e começamos a comer. Ele prossegue: — Alex fez
isso para ficar mais tranquilo. E como não descobriu nada, teve que aceitar o
Vicente na vida da sua única filha. Mas se pensarmos bem, Vicente esteve
sempre com a Arizona, era uma criança. Que mal ele poderia causar?

A peste está certa. Vicente era bom no passado, um garoto cheio de

sonhos, queria ser médico para ajudar pessoas e esteve com sua melhor amiga
no pior momento da vida dela.

— Ele mudou claramente. Nas poucas vezes que nos encontramos, o vi


rejeitar chamadas da Arizona. O moleque não é o mesmo.

— Se corrompeu...vai saber os motivos dele ter mudado. Por isso agora


tem que ser investigado. Ninguém anda ganhando presente caro sem motivo.

— Quero ter certeza antes de falar com a Arizona. A última coisa que
preciso é que ele a use para me atingir, que faça joguete conosco.

— Assim que se fala, garoto de ouro. E não esqueça que está nos
devendo por termos acobertado a safadeza de vocês debaixo do teto dos
nossos avós — fala o Miguel, antes de encher a boca com mais sementes de
girassol.

Meu melhor amigo está deixando de fumar. Então adotou semente de


girassol para ficar mastigando quando sente falta da nicotina. Está fazendo
isso pelo seu bebê que chegará em alguns meses.

Olhando para o céu escuro iluminado pela lua e estrelas, tenho certeza
de que tenho que enxergar o Vicente não apenas como amigo da Arizona e
sim como uma pessoa que pode nos atrapalhar.
Pela manhã saio cedinho para realizar os exames que solicitaram antes

de tomar a posse. Após a fazê-los, vou para a consulta com o médico. Em


seguida venho direto para a advocacia.

Assim que começar a trabalhar como delegado, virei à advocacia para


ajudar em alguns casos — mas sem atuar — e auxiliar na parte burocrática.
Uma das melhores coisas que fiz na vida foi ter entrado como sócio do tio
Enzo.

Confesso que acabei optando por Direito por admirar o meu pai, por
saber que poderia fazer a diferença. Seja como membro da colmeia, na minha

profissão e projetos do Instituto. Esse é o meu propósito na vida. Não passei


pelo inferno para me perder depois de tudo que meus pais fizeram por mim.

— Tem certeza de que não vai ficar sobrecarregado?

— Nada. Quanto mais trabalho, melhor.

Anthony começa a embalar a irmãzinha que está no seu colo, grudada


nele igual um macaquinho à sua mãe. Tia Jas foi auxiliar o tio Enzo na
audiência junto com outro advogado do grupo.
Lia está gripada e meu melhor amigo — assim como seus pais — não
acham correto deixá-la na creche, pois isso resultaria em mais crianças com

gripe. Se todos tivessem mais consciência, o convívio social seria bem


melhor.

— De qualquer forma, nas minhas folgas da delegacia, estarei


trabalhando aqui com vocês.

— Isso que nos confortou — fala bem-humorado, baixinho para não


atrapalhar o sono da sua irmãzinha.

— Eu vou sair mais cedo hoje. O delegado aposentado, conhecido do


meu pai, gostaria que eu fosse à delegacia que irei assumir para ele me
apresentar à equipe. Mesmo aposentado vez ou outra ajuda o pessoal lá. Ia
recusar, mas por educação e respeito acabei aceitando.

— Vai tranquilo.

Sorrio ao constatar que falta menos de vinte minutos para meu


expediente encerrar. Combinei de jantar com o Elordi em um restaurante
mineiro charmoso, que tem na zona oeste. Ele disse que iria sair mais cedo do
trabalho para ir à delegacia onde irá assumir o cargo de delegado, a pedido de
um conhecido do seu pai — que se aposentou sendo delegado da mesma

unidade.

— Então foram só amassos?

— Nay, já te disse. O que mais quer saber?

— Detalhes, meu anjo.

— Foi maravilhoso. — Mordo parcialmente os lábios, sentindo um


calor se instalar na minha nuca. —Elordi é gostoso. Chega assustar. Essa é a
verdade.

Ela ri vindo me abraçar apertado.

— Ursinha safadinha.

— Lá vem você. Está vendo por que não gosto de falar tudo.

— O que mais aconteceu? Conta logo.

Será que eu conto que senti a anaconda? Melhor não...

— Paramos o beijo porque ele ficou duro. E eu...

— Diz que você ajoelhou e conheceu a anaconda pertinho da sua cara.

— Puta merda, Nayara! Desisto.

— Você está muito azeda hoje. Quando quiser falar, estarei com os
ouvidos prontos.
— Não sei quem é pior. Se você, minha mãe ou as tias.

— É de família. Além disso, qual o problema de ter ajoelhado e ter

pegado o que sempre foi seu?

Aperto os lábios para não soltar um suspiro. Só de lembrar do Elordi


tomando banho fico abobalhada.

Como passaremos pela Barra da Tijuca peço para o Kostas parar na


delegacia. Irei surpreender o Elordi. E, sinceramente, a cada instante quero
ficar mais perto dele.

Vejo o carro dele estacionado quase em frente à entrada da delegacia.

Kostas faz questão de entrar comigo, mesmo afirmando que não precisava. O
ambiente é hostil, acredito que seja pela carga pesada que os funcionários têm
que lidar todos os dias.

Estou me aproximando da recepção quando visualizo, a alguns metros


de distância, o Elordi parecendo bastante interessado no que a bela loira
bronzeada está falando. O que me incomoda mais é vê-la tocando
demoradamente no braço dele, como se fossem velhos amigos.
Nem sei se estou preparada para ver o estrago que esse homem vai
fazer quando estiver uniformizado.

— Você sabe que o garoto Medeiros não iria pisar na bola.

O sussurro rouco me trouxe de volta para o planeta terra. Poderia ter


sido um anjo, mas foi quase. Kostas sem dúvidas é um dos meus anjos da
guarda.

— Ela é bem... malhada.

Bufo me recriminando por estar comparando o meu corpo com o dela.


Não sei o tipo de mulher que o Elordi costuma transar no clube de sexo. E se
eu não for parecida com elas fisicamente? A loira bonitona faz o padrão que a
maioria dos homens — segundo pesquisas ridículas que fazem as mulheres se
sentirem mais inseguras com os seus próprios corpos — apontam.

— Sou mais você.

— Não é isso...

Ela apoia a mão na mesa que contém vários documentos os fazendo


cair no chão. Elordi e ela se abaixam em sintonia para pegar os papéis. A
loira coloca uma mecha do cabelo atrás da orelha, sorrindo abertamente para
o delegado, quando toca na mão dele ao capturarem o mesmo documento.

— Não posso chegar lá e agir como a namorada dele. Sem álcool fica
difícil —resmungo.
— Se está pensando em bater nela, tudo certo. Estamos na delegacia
mesmo. O que são alguns salários mínimos para você? Nadinha.

Pensando por esse lado não tenho muito a perder...

Kostas murmura:

— Mas a Arizona que conheço vai agir da melhor forma possível.

— Eu vou?

— Estou apostando nisso.

Ok.

Eu posso fingir que não estou morrendo de ciúmes do Elordi, espantar a


loira bonita e depois descontar minha raiva nele no primeiro treino que
fizermos em dupla.

— Irei lá.

— Maquiagem, ok, cabelo, ok, tudo ok. Vai lá, ursinha!

Com o meu par de vans lilás paro pertinho deles. Assim que notam
minha presença sorrio — fingindo que está tudo bem. Abaixo e selo meus
lábios com os do Elordi em um selinho casto.

— Vou ajudar vocês — falo juntando rapidamente os documentos. —


Estou morrendo de vontade de comer aquela Vaca Atolada.

Espero que nenhum dos dois tenha percebido a referência. Saiu sem
querer.

Levantamos juntos e entrego os documentos para a loira. Elordi faz o

mesmo e rapidamente entrelaça nossas mãos tendo o olhar da desconhecida


em nossas mãos unidas.

— Obrigada, pela ajuda. — O sorriso não alcança seus olhos. — Com


licença, preciso resolver uma coisa importante.

Ela sai tão rápido que nem tivemos tempo de sermos apresentadas.
Acho bom assim, pois evitou constrangimento desnecessário para ambas.

—Arizona...você está apertando a minha mão. Não a ponto de


machucar, mas pode estar dificultando o sangue circular.

Céus! Nem percebo que tinha começado a descontar meu ciúme


enrustido na mão grande e pesada do Elordi. Afrouxo o aperto.

— Pensei em passar aqui para irmos juntos ao restaurante.

Elordi me abraça, colando o meu corpo no seu.

— Adorei que tenha vindo. — Beija o canto da minha boca.


Infelizmente Elordi e eu não trocamos muitos beijos após nossa saída
do restaurante. O líder da colmeia convocou um treino de simulação de

última hora. Fomos direto para a sede.

Elordi tem sorte de eu não ter sido a sua parceira no treino. Não
esqueço a ceninha que presenciei. Além disso, estou indignada comigo
mesma por ficar tão afetada. Somos solteiros que estão ficando casualmente.

Não tem nada definido.

Durmo na casa dos meus pais, pois sabia que se fosse para o meu
apartamento chegaria atrasada no meu compromisso com as crianças. E eles
ficariam jogando isso na minha cara até cansarem.

Sou acordada pelos meus irmãos se jogando em cima de mim. Acho


incrível reclamarem por acordarem cedo para irem à escola, contudo, para
acampar não se importaram de levantarem às cinco horas da madrugada.

Agradeço quando minha mãe me entrega uma xícara de chá de erva-

doce. Tomo comendo alguns biscoitos caseiros que desastrosamente tentou


decorar para os deixar fofos... o que não aconteceu.

— Os outros estão chegando. Qualquer coisa chame seu pai, ou um


dos seus tios. As mulheres dessa família estarão ocupadas demais relaxando
no spa.

— Ok, madame. — Pisco para ela.


Abro o porta-malas do jipe Wrangler para as crianças jogarem as
mochilas dentro. As barracas e tudo que precisaremos estão em cima do

suporte do carro de trilha.

— Cadê o Ragner e Romana?

Savas passa a mão no cabelo antes de responder:

— Eles não vêm, tia.

— Tiveram um compromisso com o tio Elordi — fala o Thor.

Elordi comentou por alto que passaria o dia com os irmãos. Nem
lembrei de falar sobre o acampamento. Mas as respostas dos meninos deram
a entender que os irmãos Medeiros sabiam.

Só dou partida quando todos confirmam que estão com o cinto de


segurança. Mesmo a gente estando nas terras da família, é sempre bom
manter o bem-estar, segurança e dar exemplo para os pirralhos.

Saio do jipe rindo dos garotos reclamando do Átila, que peidou


algumas vezes durante o caminho. Graças a Deus as janelas estavam abertas.

— Parem de me encher! Aposto que foram os ovos mexidos — sibila,


colocando sua mochila nas costas.

— Não pode prender, meninos. Faz mal. Claro, se puderem liberar os


gases o mais longe possível das pessoas... todos serão gratos.
Iniciamos a trilha até a cachoeira principal. Era ótimo podermos morar
longe da agitação carioca, da poluição e perigo constante. As terras da família

são um verdadeiro paraíso natural.

— Antes de começarem a pular na água, vamos montar as barracas e


organizar a fogueira para acendermos no entardecer.

—Sim, tia — falam em uníssono.

Quando nos aproximamos sorrio ao ver uma barraca enorme montada,


a fogueira montada com a grelha e três grandes cantis térmicos. Penso que
tenha sido preparado por alguém da família para nós.

No entanto, Ragner sai de dentro da barraca somente de sunga de


patinhos e com óculos de mergulho fazendo uns passinhos de dança. Paralisa
ao nos ver.

Franzo o cenho e logo escuto as gargalhadas da Romana. Não demora


muito e surge pendurada nas costas do irmão mais velho. Saem da pequena

trilha que leva ao banheiro ecológico.

Romana escorrega do colo do irmão e força um sorriso.

Desvio minha atenção dos gominhos do Elordi que estão marcados na


camisa de compressão térmica.

Encaro os pirralhos esperando uma explicação. Ragner e Romana


olham para os primos que estão ao meu lado, suados da caminhada que
fizemos até chagarmos aqui — na cachoeira principal — e entreabrem os
lábios fingindo surpresa. Olho para as pestes que estão perto de mim e estão

fazendo a mesma expressão.

São péssimos atores.

— Nossa...vocês vieram — fala Ragner.

— Pois é... que coincidência — diz Asher.

— Agora vamos poder acampar todos juntos — sibila Romana,


olhando para o seu irmão mais velho, fazendo sua melhor carinha de
inocente.

Ela é boa nisso.

— Acabou dando... para a gente vir — comenta Savas.

— Que bom que deu tudo certo — emenda Apolo.

—Mas esse não era o plano? — indaga Manassés, recebendo olhares

furiosos dos irmãos e dos primos.

— Aooo, Manassés! Você fala demais, mano — reclama Átila.

Sem conseguirmos resistir Elordi e eu começamos a rir dos pirralhos.

Recebo um beijo demorado na bochecha do Elordi.

Acho que não estou mais com ciúmes...

O delegado começa a nos ajudar a montar as barracas. Claro que


fazemos isso trocando sorrisos com as crianças. Eles são bagunceiros, nos

irritam, tiram nosso sossego. Entretanto, amamos mais que tudo nessa vida.

A ursinha e eu temos cupidos mirins. Enquanto continuo montando a


barraca tendo três auxiliares —Átila, Enrico e Theus — que mais atrapalham
do que ajudam, tento ao máximo me concentrar no serviço de escoteiro.

Meus olhos estão paquerando a morena. Definitivamente a Arizona


usando legging é um perigo iminente. A mulher tem uma bunda que puta
merda... me faz pensar em cada putaria que tenho até medo.

Sei que desde ontem ela parece um pouco desconfortável, irritada,


talvez. Obviamente não lhe agradou ver outra mulher jogando charme para

cima de mim.

Tentei ser educado por ser filha do delegado aposentado, senhor


Stefano, conhecido do meu pai. Claro que não dei abertura, mas ela não
pareceu se importar. Terei que deixar as coisas bem claras... se bem que
Arizona a desconcertou. Porém, de qualquer forma irei esclarecer as coisas
para evitar problemas futuros.
Entro na água com as crianças — sem tirar a camisa térmica. Não sei se
é o momento de revelar à Arizona o que tatuei nas minhas costas. Isso pode a

assustar.

Quase babo quando a morena começa a se despir da roupa esportiva.


Meu sangue está pulsando mais quente nas artérias só de olhar o mulherão de
biquíni. O modelo tipicamente brasileiro é uma tentação, um pecado.

Não consigo acreditar como Arizona não percebe o quanto é linda.


Chega a ser absurdo.

Assim que mergulha na água nada um pouco. Controlo-me para não


fazer besteira. E então entramos na brincadeira com os pirralhos.

Aproveitando a distração das crianças, abraço a ursinha brava e


ciumenta, beijando seu cabelo molhado.

— Pelo jeito ficou mesmo zangada comigo.

— Eu... não. Não estou!

Tenta sair de dentro dos meus braços.

— Imagine se estivesse.

Seus olhos azuis parecem mais claros com a luz do sol.

— Olha, por que tinha que ser tão gentil com a sua nova colega de
trabalho? Ela vai ser o seu braço direito lá?
Seguro a risada.

— Falou certo. Colega de trabalho. Nem temos contato, nem

começamos a trabalhar juntos...

— Agora imagine quando começarem.

— Não é algo que tenha que se preocupar.

Espio as crianças e rapidamente a seguro pela nuca, levando um pouco


do seu cabelo molhado com os meus dedos. Afirmo:

— Estou falando sério, Arizona. Estou com você. Você tem a porra do
meu coração. Não seria tolo de errar contigo outra vez. Principalmente agora
que sei que é recíproco.

Controlo a vontade de a beijar na boca, pois nesse momento minha


cabeça pervertida não é confiável.

Estou pensando que quando a tiver na minha boca... irei sugar até sua

alma.
Arizona é geniosa.

Seus olhos oceânicos mostram sua alma de forma tão transparente que
não poderia ficar mais cativado. Eu perdi tempo, sei disso. Poderia ter
conquistado meu espaço no seu coração como amigo e caminhar para o
atingir com todo amor que sinto por ela desde que a vi pela primeira vez.

Acovardei-me cogitando que meus traumas, as marcas que carrego no


corpo, o meu psicológico fodido e taras eram demais para ela aceitar. Decidi
por Arizona sem ter lhe dado a chance de escolher, de me conhecer

verdadeiramente.

Senti vergonha e receio.

Assistir seu crescimento, amadurecimento e não poder participar como


queria me machucou. Fui um masoquista. Porém, isso chegou ao fim.

Independentemente de qualquer coisa, agora estou pronto para lutar por nós.

Ela foi o meu primeiro romance e será o último.

— Passou mais o ciúme? — indago bem-humorado.

— Não é bem ciúme...

— Uhum. — A ursinha ainda está brava. — Escuta, jamais a magoaria.


Assim que começar a trabalhar deixarei as coisas claras com a filha do
Stefano.

— Caso ela não entenda, posso desenhar.

Gargalho a puxando para mim.

Arizona tenta escapar, mas acaba aceitando meu carinho. Suas costas
colam no meu peitoral coberto pela camisa térmica. Aproveitando a distração
das crianças, esfrego meu nariz no seu cabelo molhado inalando o cheirinho
do seu xampu. Sem resistir escorrego meus lábios pertinho da sua orelha e
sussurro:
— Gostosa do caralho.

O corpo pequeno e cheio de curvas estremece.

— Elordi... as crianças.

— Fique mais um pouquinho nos meus braços, pequena. Temos que


compensar o tempo perdido.

Relaxo mais quando seus dedos começaram a alisar minhas mãos, que
estão unidas em cima do seu umbigo. A abraço apertado.

Meu coração não poderia ter outra dona a não ser ela. Minha Arizona.

Nos divertimos bastante com os pirralhos. Os deixo aproveitando a

cachoeira quando está perto de anoitecer. Acendo fogueira e começo a


esquentar o jantar. Minha mãe teve a gentileza de deixar as refeições pré-
prontas. Estranhei a quantidade exorbitante, mas agora sei que armaram para
nós. Ou seja, fez a quantidade ideal para doze pessoas.

Enquanto a comida esquenta pego uma toalha, uma muda de roupa e


sigo a trilha do banheiro ecológico. Na mesma extensão do banheiro
colocaram um chuveiro que se alimenta da água corrente da cachoeira. Tomo

um banho rapidamente, me visto e retorno para a área do acampamento.

Perdi as contas de quantas vezes acampei com os meus pais, meus tios
e primos. Uma verdadeira bagunça. Amo essa família demais. Nunca pensei
que pudesse ter pais como a Agatha e Samuel. De alguma forma sou
abençoado.

Ao retornar, todos tinham saído da água. Arizona está enxugando o


cabelo da minha irmã. Antes que eu babasse —, pois claramente meu pau
está babando por ela — entro na barraca para buscar uma camiseta minha.

—Veste — murmuro.

— Eu estou molhada, Elordi.

Jesus Cristo! Eita duplo sentido. Finjo tranquilidade e explico:

— Todos os pirralhos estão quase secos. Pode ficar resfriada.

Ergue a sobrancelha bem-feita estudando minha feição. Quase imploro:

— Só veste.

— Ok.

Solto o ar dos pulmões aliviado.

Comemos quase em paz total. Manassés está reclamando desde que


Asher e os demais falaram que vão contar lendas urbanas. Não aprovo, pois
sobrará para Arizona e eu. Resultará em todos os pirralhos querendo dormir

conosco. E não será nada confortável.

Arizona faz brigadeiro nas panelinhas individuais e cada um pega a


sua. Preferia contar história de aventuras, engraçadas. Mas as crianças estão
certas de quererem histórias de terror — menos o Manassés.

—Eu começo — diz o Asher. — Irei contar a lenda: a babá e o

telefone.

O caçula gruda em mim e força um sorriso quando o olho.

Escutando o Asher narrar a história tenho que concordar que até que é
um pouco interessante.

— Não escutou um barulho, tio? — pergunta Manassés baixinho.

— Nadinha. Se estiver com medo peço para o Asher parar.

— Juro que escutei, tio Elordi. Não é medo. É questão de segurança.

Acho que seria ótimo você ir lá conferir... eu cuido do pessoal por aqui.

Sorrio para ele.

— Buuu!

Átila tem a brilhante ideia de assustar o irmão — pelas suas costas — o


fazendo levantar de supetão e se jogar no colo da Arizona que quase cai do
banco de madeira. Todos começam a rir.
— Sua besta! — xinga o irmão, agarrado a Arizona.

Algumas horas depois nos encontramos deitados na maior barraca com

dez crianças coladas nas nossas costelas, pés quase nas nossas caras, braços e
pernas por cima de nós. O lado bom é que estão babando no colchão. E ainda
bem que nenhum faz mais xixi na cama.

Tiro meu braço dormente debaixo da cabeça dos meus irmãos o

esticando para tocar no cabelo sedoso da Arizona. Tenho esperança de não


estar em sono profundo e podermos escapar para namorar um pouquinho.

Ela desperta me presenteando com os seus olhos oceânicos e faço sinal


para sairmos da barraca. Sou o primeiro a começar a tirar lenta e
cuidadosamente as crianças que estão quase entrelaçadas comigo.

Desço o zíper da barraca e saio espreguiçando o corpo. Rapidamente


vou à outra barraca pegar o colchão e cobertor para Arizona e eu deitarmos
ao ar livre. A fogueira ainda está acessa.

Sento-me no colchão apoiando as costas no banco de madeira. Arizona


vem quase na ponta dos pés. Estico as pernas e abro espaço para se encaixar
entre elas.

Beijo seu ombro assim que se deita entre minhas pernas. Está friozinho,
logo a morena cobre nossas pernas. Ela está usando um shortinho de moletom
que deixa muito pouco para a imaginação e um camisetão. Tenho quase
certeza de que não traja calcinha e sutiã.

Maravilhosa.

Logo iremos oficializar nosso relacionamento. Quero que seja uma


grande surpresa. Estou arquitetando minuciosamente.

— Sem dúvida iríamos acordar moídos amanhã — murmura

suspirando.

Começo a acariciar sua barriga por cima do camisetão folgado.

— Com toda certeza.

Passa a acarinhar minhas mãos. Estamos num silêncio gostoso, nos


curtindo.

A morena inclina levemente a cabeça e roço meus lábios nos seus,


ansioso e cheio de paixão. Sua respiração calma está chegando na minha boca
e me impulsiona a beijar. Entrelaço minha língua com a sua saboreando o

beijo lento.

Percebo quando sua respiração oscila e sem conseguir domar o desejo,


aprofundo tomando seu gosto, bebendo seus gemidos.

Que mulher, porra.


Para compensar o dia que não fui trabalhar preciso vir trabalhar em
pleno sábado, quando normalmente a maioria das pessoas está aproveitando o
melhor da cidade carioca. Claro, ainda não sou um desses privilegiados.

A conversa que tive com o meu pai continua me atormentando. O pior


de tudo foi saber que Arizona, minha melhor amiga e uma das pessoas mais
importantes da minha vida, escondeu de mim sua outra identidade. Ainda não
caiu a ficha.

Enviei mensagens e liguei diversas vezes apetecendo pelo seu contato.


Nada.

Quanto mais longe estivermos um do outro, mais chances do Elordi a


conquistar definitivamente. Aquele miserável! Não entendo como posso o

amar e odiar tanto. Esses sentimentos têm me consumido assustadoramente.

— Vicente...?

Ergo a cabeça e vejo Lucrécia encostada no batente da porta segurando


a alça da sua bolsa de grife. Quando comecei a trabalhar na empresa, a filha
do dono — Lucrécia — me recebeu com toda sua simpatia.

Se eu fosse um homem normal teria investido nela. Porém, aproveitei


que estava encantada comigo para ser merecedor dos seus presentes caros.
Um dos meus relógios de maior valor foi ela quem me presenteou.

Ela era inteligente. Percebeu que não conseguiria nada comigo e parou
com os presentinhos. Não vem mais perder tempo papeando comigo na
minha sala, me convidando para jantares nos melhores restaurantes e muito
menos para a acompanhar em sociais com seus amigos ricos filhinhos de

papai.

Estava sem paciência para continuar encenando. Além de andar


ocupado demais sendo Sugar Baby, estudando e sofrendo com o meu amor
enrustido pelo primogênito dos Medeiros.

— Oi, Lucrécia. Já está de saída?

— Sim, deu o horário. Vim liberar você.

Agora não tenho mais privilégios. Sou como qualquer outro


funcionário. Tenho que sair o mais rápido possível dessa empresa. Não tenho

mais paciência.

— Gentileza sua vir me avisar. — Escondo o escárnio.

— Tenha um bom final de semana.

— Igualmente — forço-me a dizer.

Pelo pai dela não teria a necessidade de repor a falta. Sei que foi coisa
da Lucrécia.
Fecho a porta do flat a trancando em seguida. Acendo a luz e deixo o

celular cair no chão ao ver um homem sentado no sofá me encarando. Nunca


o vi na minha vida.

O cabelo preto com fios grisalhos faz um belo conjunto com a barba
rala. Em alguns dedos carrega anéis grossos de ouro com pedras preciosas.

— Estava esperando por você, Vicente. Sou Klaus Bianchi.

Dei alguns passos para trás pronto para sair correndo pela porta. No
entanto, fico inerte quando exibe a arma banhada a ouro em minha direção.
Puta merda!

— Nem pense nisso! Sente-se! — Aponta em direção da poltrona com


a arma.

Sento-me contrariado e morrendo de medo de perder a vida. Estou


lidando com um dos caras mais perigosos do mundo. Ele descobriu onde
moro, tem uma arma e pode atirar no meio da minha testa a qualquer
momento.
— Estive com o meu pai. Não sei o que ele disse para você, mas não
aceitei. Agora vai embora, senhor Bianchi.

O mafioso continua me olhando e estudando minha expressão.

— Você e seu pai já estão dentro.

— Senhor Bianchi, teve um mal-entendido.

— Estou confiando em você, Vicente. Aceitei a proposta do seu pai por


saber que é o melhor amigo da garota que é da família que faz parte da
colmeia. Claro, não vamos esquecer que tem contato com o filhinho do
Medeiros.

— Eu não aceitei! Não enquanto não prometerem que nada irá


acontecer com a Arizona e Elordi.

Ele soltou uma risada rouca e sorveu o restante do líquido de cor


âmbar. Só agora percebo que tinha um copo com bebida na mesinha ao lado

do sofá.

— O dinheiro que irão ganhar será o suficiente para superar o luto.

— Estou falando sério! Posso ajudar, porém nada pode acontecer a eles
dois.

Passa a mão na barba me avaliando.

— Meu único objetivo é acabar com a colmeia. Eles têm prejudicado


muito os negócios, perdemos milhões de dólares com a intervenção deles!

Alguém tem que ter culhão para colocar um fim nisso.

— Nada pode acontecer com eles. São meus amigos!

Solta uma risada e sibila:

— Seu pai sabe que gosta de pau?

O encaro muito desconfortável. E então noto seu olhar ansioso, com um


brilho diferente em minha direção.

— De onde tirou isso?

— Um viado conhece outro.

Quase me engasgo. Ele sorri maliciosamente. Continua:

— No meu mundo é impossível um homem na minha posição ser gay.


Seria uma vergonha, desonra, anomalia — debocha. — Os homens que me
satisfazem à noite não acordam no outro dia. Atiro na cabeça deles com toda

frieza que fui criado, para não correr o risco de me chantagearem, ou de


terceiros descobrirem.

O fito calado. Um breve silêncio se instala. E então volta a falar:

— Não me decepcione, Vicente. Faça o que tenha que fazer e terá a


vida que sempre sonhou. Garanto. — Levanta-se e tenho certeza de que é
mais alto do que aparenta. É um homem muito bonito. — Se não fizer o que
seu pai me prometeu, terei mais um motivo para matar você. Afinal, sabe o

meu maior segredo.

Klaus sai com toda sua altivez.


Retornamos à mansão principal antes do almoço. A família toda está na
casa dos meus avós para o típico almoço de domingo. As crianças passam por
nós alvoraçadas. Estão loucas para irem para o espaço de jogos que meu avô
arquitetou para sua diversão e dos netos, é claro.

Capturo a mão da Arizona a impedindo de continuar subindo a


escadaria.
— Bem que poderíamos escapar.

A alça do vestidinho simples escorrega do seu ombro exibindo a

marquinha que o biquíni deixou. A coloco no lugar escondendo o bronzeado


que acho bem sensual.

— Podemos escapar depois do almoço.

Busco na memória que havia prometido jogar videogame com os


garotos. Seria um péssimo irmão e tio se desmarcasse.

— Vai dormir no seu apartamento ou na casa dos seus pais?

— Na casa dos meus pais. — Estreita as sobrancelhas.

— Deixa a janela aberta.

Entreabre os lábios carnudos e seguro a vontade de mordiscá-los. Sibila


baixinho:

— Está brincando! Cristo, vai mesmo entrar no meu quarto pela janela?

— Vou fazer o que deveria ter feito há anos — falo bem-humorado.

— Posso dar a senha do sistema de segurança... quer saber?

— O que?

— Não irei facilitar as coisas para você, bonitão. Tem mesmo que pular
a janela, se arriscar e fazer tudo o que tanto esperei. Aguardo você à noite.

Pisca e sai andando como se não tivesse dito nada demais. A ursinha
não está sendo fofa.

O almoço em família está sendo como todos os outros. Falação,


brincadeiras, piadas sem graças, tio Alex provocando o Miguel, Miguel
emburrado com o tio Alex e assim segue o nosso domingo.

Ninguém toca no assunto do acampamento. Como se tivessem com


amnésia, como se não soubéssemos que armaram para Arizona e eu nos
encontrarmos. Os pirralhos são tão artistas que nem falaram a respeito.

Os olhares estavam sobre nós. Sinto que esperam pela grande novidade.
Creio eu que uma atualização do status do nosso relacionamento.

Obviamente, não acontece. Ainda não pedi a morena em namoro.

— Percebeu que estão quase soltando as línguas curiosas?

— Reparei, Anthony.

— Poderiam assumir logo para nossas famílias xingarem de felicidade


e pararem de fingir que não estão curiosos.

— Faremos isso quando... ela aceitar o meu pedido.


— Não fez ainda?

— Quero que seja perfeito.

— Vejam só... o garoto de ouro é realmente romântico.

— Não começa, Anthony!

— Lembrei que você não lia somente livros de terror e suspense

policial. Curtia Camões, Clarice Lispector, Emily Bronte, Jane Austen e


tantos outros que não me recordo.

— Leio tudo que é bom. E talvez, esteja descobrindo que sou


romântico, pois estou vivendo o que lutei e recusei no passado.

— Cara, agora é sua chance.

Tenho consciência disso.

Adentro a morada dos meus pais carregando o meu irmão nas costas.
Está quase cochilando agarrado no meu pescoço. Para não correr o risco de
esmorecer o corpo a ponto de se soltar, mantenho minhas mãos firmes em
suas pernas. Romana está nas costas do meu pai no mesmo estado do caçula.
— Cuidem dos caçulas — pede minha mãe.

E nem precisa a dona Agatha pedir.

Meu pai fica responsável por colocar a Romana na cama, enquanto o


Ragner fica sob meus cuidados. Fico de costas para a cama e Ragner apenas
se joga de olhos fechados. Os pirralhos realmente estão exaustos.

Descalço os pés dele, pego seu pijama e usando minha desenvoltura de


trocar irmãos sonolentos, o troco. Confiro a temperatura do ar-condicionado
selecionando a temperatura que meus pais costumam fixar. O cubro sabendo
que não irá demorar muito para o cobertor estar mais no chão do que no seu
corpo.

Encosto a porta do quarto no exato momento que meu pai está saindo
do quarto da menina dos nossos olhos.

— Vai dormir em casa?

Segura meu rosto com carinho.

— Sim.

Respondo sucinto. Afinal como explicaria para o meu pai o plano


sórdido que pretendo colocar em prática com a Arizona? Melhor manter em
segredo.

— Use camisinha.
Mas que porra...

— Pelo amor de Deus, pai!

Ele sorri exibindo os dentes perfeitamente alinhados e brancos.

— Estou brincando, garoto. Sei o quanto é responsável. Mas é sério,


vão devagar. Alex disse que é totalmente a favor do relacionamento de vocês,

mas desabafou que não está pronto para ser avô.

Prefiro ficar em silêncio. Era do meu conhecimento que a fofoca rolava


solta na minha família.

— Finalmente vai viver com a Arizona o que tanto evitou.

— O senhor melhor do que ninguém sabia dos meus motivos.

— Por isso não posso deixar de sentir orgulho. Passaria por tudo de
novo para no final você ser meu filho. Nasceu para ser meu filho, Elordi.
Meu e da sua mãe. É um homem forte. — Sorri.

Nós nos abraçamos apertado. Beija minha cabeça e sigo para o meu
quarto.

Depois de um longo banho vou para a mesa de estudos. Acesso meu


cronograma que salvei no ICloud e leio o conteúdo que tem que ser estudado
hoje. Entro no fórum de questões, pego a apostila manual em que escrevi os
mapas de estudos.
Paro de estudar quando o alarme do celular tange. Desligo o
computador, levanto-me indo em direção à cozinha para comer algo.

Coloco em cima do balcão as bandejas de presunto e queijo, requeijão e


pão de forma. Faço dois sanduiches, sirvo suco de laranja no copo e sento-me
na banqueta. Na primeira mordida, escuto um som vindo da área externa.

Com o sanduíche na mão me aproximo da porta francesa. Sei o que

esperar, mas só quero ter certeza. Meus pais estão quase transando na piscina.
Volto a sentar na banqueta limpando a minha mente da curta cena que
presenciei — e que flagrei várias vezes ao longo dos anos. São um casal
apaixonado.

Coloco o que sujei na máquina de lavar louça. Antes de sair da cozinha


pego o giz verde e escrevo na lousa preta que mede do teto ao chão:

Pedir para o senhor João trocar a água da piscina! Urgente!

Ps: filho mais velho implora.

São quase uma e meia da madrugada. Trajando roupa esportiva estou


pronto para correr até a mansão dos meus tios. Ezequiel faz o favor de avisar
a equipe que está de plantão para não informar ao tio Alex que estou indo
invadir o quarto da sua única filha.

Passo reto pelos seguranças. Coloco as mãos na cintura calculando


como farei para subir na sacada do quarto da Arizona. A árvore não fará
ponte, então terei que arriscar. Para quem não vive sem uma adrenalina, isso
é quase nada em comparação.

Subo na árvore me apoiando nas partes mais grossas. Equilibro-me em


pé no galho e pulo para dentro da sacada. Consigo firmar o corpo sem cair.

Ofegante e com muito calor a observo de costas debruçada sobre a


mesa de desenho. O conjuntinho de dormir que está usando, mesmo sendo

folgado no seu corpo, deixa pouquíssimo para a imaginação. Santo


misericordioso!

Pego o celular de dentro da braçadeira de corrida e envio uma


mensagem para a Arizona. Ela tira os fones de ouvidos sorrindo ao me ver.

— Estou impressionada — diz animada.

— Se não for para impressionar, nem faço.

Ela sorri fechando a porta.

—Sinta-se em casa. Já conhece o meu quarto.

Era verdade. Poucas vezes tive o prazer de conhecer seu quarto durante
nossa adolescência. Mudou pouca coisa. Arizona desenhou uma árvore de
cerejeira finíssima na parede que sua cama fica encostada. O fundo verde-
piscina enaltece a arte.

A estante de livros embutida está repleta de livros, tem pequenos varais


coloridos onde pendurou fotografias. Aproximo-me para as olhar de perto.
São fotos suas com seus pais, irmãos, em família e especialmente uma minha.
Meu sorriso só não é maior, pois do lado tem uma fotografia dela com o seu

melhor amigo na época que ainda estava no hospital fazendo tratamento.

Nunca a faria se desfazer de algo que marcou sua vida. Vicente esteve
com ela num momento que não a conhecia, foi seu único e melhor amigo por
um longo tempo.

Agora tenho meu lugar na vida da Arizona. O qual pertenço e não irei
sair, a não ser que a morena queira.

— Essa foto era o meu segredinho sujo.

Aponta para a minha foto, um pouco tímida.

— Foi no meu aniversário de dezoito anos.

— Sim. Como estava de fotógrafa... digamos que gosto de ficar com


algumas fotos.

— E a minha foto estava inclusa nessa seleção.

Agarro sua cintura a puxando para mim.

— Está suado... muito suado — murmura passando o nariz na curva do


meu pescoço.

— Posso tomar um banho rapidinho...

— Não! Eu gosto.
— Gosta?

— Tanto que estou com vontade de lamber você.

Jesus Amado! A respiração que havia se acalmado vai para haustos


num tempo recorde.

— Não deveria falar essas coisas, Arizona.

— Deveria tirar a camisa — mordisca os lábios, ansiosa.

Dedilho pela sua clavícula, os passando pela ponte dos seus mamilos.
Começo a acariciá-los por cima do tecido de algodão fininho e quase urro ao
sentir um piercing no seu seio direito. Belisco o biquinho trazendo o
piercing.

— Não estava usando ontem e hoje mais cedo. Teria percebido.

— Tirei antes de ir para a cachoeira. Não saberia explicar para os


pirralhos. Sabemos que estão entrando numa das piores fases.

— Deixa eu ver?

Meneia a cabeça lentamente. Deslizo a alça do pijama admirando a


marquinha que o biquíni deixou — desta vez completo — resvalo seu
mamilo quase babando ao ver o biquinho rosado tendo o piercing de enfeite.
Quente pra caralho. Umedeço os lábios com a minha própria saliva, abaixo a
cabeça caindo de boca no peito macio, natural.
Arizona finca os dedos entre meus cabelos para se apoiar. Beijo o bico,
passo a língua em toda a auréola e coloco o máximo que consegui na boca, o

chupando.

— Cacete... Elordi — geme.

Espalho beijos por todo o seu seio até alcançar sua boca, plantando um
selinho molhado.

— Me deixa fazer você gozar na minha boca, pequena?

Fica na ponta dos pés e beija minha boca com sofreguidão. Pego-a pela
bunda a fazendo montar no meu colo.

Deitamos na cama. Tenho o cuidado de não pesar mais do que deveria


em cima dela. Levo meus lábios para o seu ombro, beijando, lambendo.
Agarro a alça com os dentes a escorregando a ponto de o mamilo que estava
coberto ficar exposto. O acarinho, mamo com a morena esfregando as pernas
nas minhas.

Trilho beijos e mordidinhas pela sua barriga, à medida que o tecido se


acumula abaixo dos seus seios. Seguro nas laterais do shortinho e mantenho
suas pernas firmes.

Passo o nariz por cima da sua boceta, esfrego a barba sabendo que está
sentindo quase tudo devido ao tecido ser fininho. Desço mais um pouquinho
e percebo que havia soltado lubrificação natural deixando uma mancha quase
imperceptível.

Faço menção de tirar seu shortinho, no entanto, a morena segura

minhas mãos. A encaro percebendo suas bochechas rubras. Pergunto:

— Quer que eu pare, pequena?

— Não! Tem certeza de que quer ver a minha...você sabe, entendeu?

— Tenho certeza de que quero comer sua boceta com a minha boca.

Ela cobre o rosto com as palmas das mãos. O som da minha risada
vibra. Subo e tiro suas mãos de seu rosto. A ursinha é uma graça. Vontade de
a abraçar e nunca mais soltar.

— Se não quiser, não faço.

— Eu quero. É só... não sei o tipo que gosta. Você não tem preferência?
Isso existe?

— Que perguntas são essas?

— Você está rindo da minha cara.

— Não estou, Arizona. É que nunca perguntaram isso para mim.

— Responde, Elordi.

— Não tenho preferência. Isso é loucura.

— Então como vou saber que minha amiguinha lá embaixo é seu tipo?

Tenho minha parcela de culpa nessa insegurança que Arizona plantou.


Se ela soubesse que é a mulher mais linda que já vi na vida... ainda poderia
duvidar. E não posso esquecer que meus longos anos frequentando o clube,

que é do seu conhecimento, podem ter contribuído indiretamente para a sua


instabilidade.

—É perfeita. E irei te mostrar isso todos os dias da minha vida. —


Beijo a ponta do seu nariz.

Desço fazendo trilha de beijos. Escorrego o shortinho pelas suas coxas


grossas e pernas. Sentado sob meus joelhos pego o tornozelo da morena
trazendo seu pé para minha boca. Beijo seus dedinhos sentindo a maciez da
pele, o mordisco.

Planto beijos pelas suas pernas, coxas, conhecendo cada detalhe do seu
corpo. Fico de frente para sua vagina pequena, admirando os lábios vaginais
gordinhos, toda lisinha. Fecho a minha boca em cima dela como se fosse
beijar e sugo o que mantive nela. Melo meus lábios e barba com seu sabor de

mulher gostosa.

Já posso imaginar minha largura a tomando.

Abro seus lábios metendo o dedo do meio lentamente. Suas paredes me


apertam. O tiro e enfio novamente a fazendo gemer como uma gata no cio.

Espero que com a Arizona possa ser eu mesmo. Sujo, puto, malicioso.

— Está tão molhadinha, Arizona... gosta assim?


Coloco mais pressão ao colocar outro dedo. Ela é pequena. Caralho!

— Sim...ai...isso.

Ronrona quando estimulo seu clitóris com a língua, sem tirar os dedos
de dentro dela. Não demora muito para a Arizona arfar, gozando. A minha
garota é sensível. Que coisa gostosa.

Sem perder tempo me lambuzo com seu mel, chupando sua bocetinha
centímetro a centímetro. A comendo com a boca, manipulando seu clitóris,
movo um dedo para dentro dela. Espalmo uma mão no seu ventre a mantendo
no lugar. A morena rebola na minha cara, me incentivando, querendo mais.

Arizona parece agoniada, quente. A cada segundo a deixava mais


encharcada. Tiro a metade dos dedos e os rodo sem largar sua boceta dos
meus lábios. Seu corpo treme e sabia que estava gozando pela segunda vez.
Sugo seu clitóris com força, enquanto continua com o orgasmo invadindo seu
corpo.

Vou subindo, cheirando seu corpo pequeno e macio. Arizona me pega


pela nuca e nos beijamos saboreando seu gostinho. Paramos o beijo aos
poucos. Deito-me de lado totalmente rendido, apaixonado. Meu dedo passeia
do seu braço até a curva do seu quadril. Indo e voltando.

—E você?

—Estou bem. Fiz minha garota gozar. — Dou de ombros como se não
fosse nada demais.

Ela me empurra, rindo.

— Vamos tomar banho?

— Não é uma boa ideia tomar banho com você. Tenho um autocontrole
ótimo, mas... é melhor não atiçar.

Raspa os lábios por cima da minha boca.

—Certo — suspira. — Já volto!

Para evitar ficar com o pau mais duro ainda, fico de bruços para não
olhar a bunda fenomenal que a Arizona tem. Não aguento muito.

Arizona dorme usando meu peitoral como travesseiro. Conversamos até


sermos vencidos pelo sono. Amanhece e preciso ir para casa. Tenho meus
compromissos logo cedo.

Acordo a morena com beijos na sua bochecha e pescoço.

— Como pode ter tanta disposição?

— Estou indo. Combinamos algo mais tarde.

Puxa-me em um abraço dengoso e murmurou:

— Não vai, moreno. Fica mais um pouquinho.

— Adoraria, mas realmente tenho que ir.

Abre os olhos oceânicos, que tanto adoro, preguiçosamente.


— Ok. Combinamos algo.

Nos beijamos suavemente.

Definitivamente estou fazendo coisas que nem quando era adolescente


fazia. Esse é o preço que estou pagando por ter demorado tanto a ter atitude.

Saio de fininho do quarto da Arizona com medo de fazer qualquer

barulho e acordar alguém. Nem sei como explicaria que dormi no quarto da
morena, que a fiz gozar gostosamente com a minha boca e que dormimos
agarradinhos.

Escuto passos pesados vindo da escada. Não tenho tempo de me


esconder. Tio Alex surge com as luvas de boxe penduradas nos seus ombros
e ensopado de suor.

Paralisa e ficamos nos encarando.

Se ele atacar me jogo do primeiro andar. Entre o chão e ele, prefiro

ficar nas mãos da gravidade. Tio Alex respira fundo, mira o teto e fica
olhando fixamente para cima por longos minutos. Quando volta a me encarar
faz joinha com os polegares enormes dando espaço para eu passar.

Poderia ser uma armadilha. Na hora que estivesse perto dele suas mãos
enormes se fechariam em volta do meu pescoço. Era uma possibilidade.
Porém, o tio não está com o olhar de quem queria matar alguém. Apenas o
Miguel tem a honra de receber esse olhar do doutor Severo.
Quando piso no degrau a voz grossa profere:

— Dá próxima vez entre pela porta, Elordi. A senha é o aniversário dos

meus filhos. Ordem decrescente. Mas posso liberar sua digital para acesso
rápido.

Poderia agradecer e dizer que não é necessário. Assim posso repetir


esse momento adolescente com a minha garota novamente.

— Obrigado, tio! Tenha um bom dia.

Puxa o ar para os pulmões e diz:

— Bom, bom... não mais. Mas irei me esforçar.

Entendi o recado.
Respiro fundo, miro o teto e fico olhando fixamente para cima por
longos minutos. Quando volto a encarar o Elordi faço joinha com os meus
polegares dando espaço para passar. Um sinal claro de que não o mataria por
estar saindo do quarto da minha filha.

Senhor, seu filho não está pronto para ser avô.

Meus dedos comicham para agarrar o pescoço do meu sobrinho. Amo o


garoto de ouro, tenho um orgulho enorme do homem que é. Porém, ainda
estou me acostumando com o fato de que minha filha é uma mulher

independente, forte, destemida e que pode direcionar sua vida para o caminho
que julgar ser melhor.

Confio no Elordi, não tenho dúvidas sobre isso. Mas meu lado pai
protetor gostaria de colocar todas as minhas crias numa redoma. Infelizmente

não posso fazer isso e minha mulher com certeza desaprovaria.

Não consigo ser igual a Eleonor. A morena é uma mãe tranquila, não
tem tantas neuras igual a mim. Morro de ciúmes da Arizona, Apolo e Enrico.
Quero os proteger de tudo mesmo sabendo que é impossível. Esse sentimento
inclui minha mulher e meus irmãos. Quase inevitável.

Deveria matar o Elordi. Nem quero imaginar o que fez com a minha
filha..., mas se eu o matar não terá nenhum outro à altura da Arizona. Ficarei
na merda do mesmo jeito. Então o que me resta é continuar sendo passível.

Controlando-me ao máximo, profiro:

— Dá próxima vez entre pela porta, Elordi. A senha é o aniversário dos


meus filhos. Ordem decrescente. Mas posso liberar sua digital para acesso
rápido.

O primogênito do Medeiros parece surpreso.

— Obrigado, tio! Tenha um bom dia.


Puxo o ar para os pulmões. Respondo:

— Bom, bom... não mais. Mas irei me esforçar.

Meneia a cabeça e começa a descer os degraus.

Adentro o quarto ansioso, angustiado. Jogo as luvas de boxe com força


no chão. Preciso desabafar, se não irei sair correndo atrás do garoto de ouro...

Eleonor está tomando banho. Sento-me na tampa do vaso sanitário a


encarando. Sorri quando nota minha presença.

— Que tromba é essa?

— Encontrei com o Elordi no corredor. Estou passado, Eleonor. Foi só


eu dizer que o queria como genro que logo tomou atitude. E ainda por cima
debaixo do nosso teto.

— Que notícia maravilhosa! — exclama empolgada. — Finalmente os


dois se acertaram.

— Ele passou a noite com a nossa filha e você acha a notícia


maravilhosa?

— Pelo amor de Deus, Alex! Arizona é uma mulher adulta. O que


esperava?

— Ao menos poderiam ter esperado até o casamento, não é?

Não estou me sentindo bem.


A morena bufa, revirando os olhos.

— Não pensou assim quando era você querendo entrar entre as minhas

pernas.

— Era diferente.

Eleonor ri.

— Olha, não vamos nos intrometer. Apenas torcer para engatarem logo
um namoro e serem felizes.

—Acho que seria uma boa aconselhar Arizona a colocar o implante


contraceptivo, não é? Posso fazer o procedimento. É jogo rápido.

— Alex, eles são responsáveis, adultos e independentes.

— Esse é o último ano dela na faculdade. Gravidez nesse momento


pode fazê-la adiar os estudos, atrapalhar seus planos...

— Vem aqui, amor. Você está tenso demais.

— Eles são intensos demais, Eleonor. Só não quero que atropelem as


coisas e acabem sabotando o relacionamento.

— Entendo o que está sentindo. De qualquer forma não temos o poder


de controlar a situação. É a vida deles, bebê.

Dispo-me e entro no box, suspirando.

Fecho os olhos sentindo o jato forte de água molhar o meu corpo. Ao


abri-los aprecio a minha esposa ensaboando seu corpo cheio, macio e

moreno.

— Pelo menos ela não está com o Vicente.

Minha mulher começa a gargalhar. É inevitável não a acompanhar.

Ao entrar em casa vou à cozinha. Meus pais estão preparando o café da


manhã. Geralmente acordamos cedo, principalmente dia de semana.

— Saiu para correr antes das seis horas, filho?

Poderia mentir para a minha mãe. O que não costumo fazer, aliás. No
entanto, pelo olhar que troca com o meu pai sei que estão cientes de onde

estou vindo. As novidades correm soltas nessa família quase na mesma


velocidade da luz.

Na verdade, estou exagerando um pouco. É impossível serem mais


rápidos que a velocidade da luz. A teoria geral da relatividade de Einstein é a
prova disso. De qualquer forma minha família continua sendo fofoqueira à
beça.

— Parem de fingir. Claro que sabem onde eu estava.


Sorriem cúmplices.

— Como não escutamos gritos do Alex daqui, deduzimos que ele não

viu você.

— Viu sim, pai.

— E... seu tio reagiu normalmente?

Nesse caso normalmente para minha mãe seria mais como: seu tio não
quis te matar?

Sirvo-me de um pouco do suco verde — que meu pai sempre faz e


minha mãe odeia — sorvo o líquido gelado saboreando a couve, limão, maçã,
pepino, gengibre, mel e linhaça. Por fim, os encaro falando:

— A vontade de matar se fez presente nos olhos do tio Alex. Porém,


guardou para si.

— Reagiu melhor do que eu esperava — gargalha meu pai.

Obviamente os meus tios e tias — tirando o tio Alex — estão se


divertindo com o fato de o loiro raiz da família estar controlando a ânsia de
acabar comigo.
Sou o primeiro a chegar na advocacia. Regina — secretária de anos do

escritório — já está organizando sua mesa para iniciar mais um dia de


trabalho. Nem sei o que faremos quando se aposentar.

Acesso o sistema para finalizar os últimos despachos. Logo após terei


que conferir se encaminhei tudo certinho para o Anthony. Nada de ser

desleixado com os nossos clientes. Mergulho nos afazeres.

Com uma pilha de processos físicos em mãos sigo para o gabinete do


Anthony. Ao adentrar sua sala o vejo sentado sem a parte de cima do terno de
três peças, tentando colocar compressa nas suas costas que estão
terrivelmente feridas.

Engulo em seco sabendo que ele machucou a si mesmo... em forma de


punição.

Assim como agarrei-me à automutilação meu amigo continua preso a

ela.

Anthony continua imerso na dor. Tenho conseguido me sair bem até


agora. Porém, estaria mentindo se dissesse que não sinto vontade de causar
dor ao meu corpo, fechar os olhos e apagar de vez o que fizeram comigo.

Coloco os processos no sofá de couro e rapidamente tranco a porta. Se


meus tios virem o filho dessa forma ficarão loucos. Acreditam
verdadeiramente que a terapia e acompanhamento profissional, que se
estende há tantos anos, tem surtido efeito no primogênito deles.

E por um tempo teve. Contudo, há quase um ano Anthony vem tendo


recaídas graduais. Miguel e eu temos guardado bem o segredo, somos leais e
nos amamos a ponto de tentarmos dividir nossas dores.

Anthony, Miguel e eu tivemos um passado fodido. E lutamos dia após

dia para não o deixar interferir na nossa vida. O que é muito difícil.

— Ajudo você.

Anthony senta-se na beira da mesa de madeira. Lamento


profundamente ao constatar que alguns cortes estão em carne viva. A
tatuagem do homem de perfil com asas de anjos que cobrem suas costas não
aplaca os cortes e cicatrizes. Agilmente vou ao banheiro buscar a caixinha de
primeiros-socorros.

Inicio os cuidados em silêncio. Felizmente nenhum corte exige ponto.

Não está tão ruim como das outras vezes.

— Fiz de novo.

— Você não está sozinho, Anthony.

— Sei que não estou. — Treme ao sentir o álcool ir de encontro aos


machucados. — Quando vi já estava me machucando. Foi mais forte do que
eu.
— Acho que chegou o momento de contar para os seus pais...

— Não! Pelo menos, não agora. Depois que tiver a minha vingança

conto tudo a eles.

— Apesar de não concordarmos com a sua mudança para Turquia,


apoiamos você. Mas definitivamente essa vingança está abalando seu estado
emocional.

— Bom, estou vivendo para me vingar. Depois que conseguir... não sei
o que farei. Sinceramente não pensei no depois.

Termino o curativo ao cobrir alguns cortes com gazes e esparadrapo da


melhor forma que consigo. Assim não ficarão colados à camisa social,
roçando e nem sangrando.

— Obrigado, irmão.

A gratidão transparece nos olhos azuis turquesa.

Tenho a impressão de que meu pai está querendo falar sobre algo. Mas
como não diz nada prefiro não perguntar. Contudo, no fundo estou sentindo
que o jeito que me estuda — durante o café da manhã — poder ter a ver com
o fato de ter encontrado o Elordi, ou saber que o moreno dormiu comigo.

Que situação!

Assim que saio da sala de aula meu celular vibra. Sorrio ao ver o nome
do Elordi na tela. Atendo:

— Nem vou perguntar como sabe que minha aula acabou nesse exato

momento.

— Kostas não me disse nada.

Acabo sorrindo. Prossegue:

— Adoraria almoçar com você, mas preciso ajudar o Anthony com


algumas coisas e passar na delegacia.

Seguro o suspiro. Não tenho o direito de agir como uma ciumenta.

— Resumindo, passará o dia ocupado.

— Exatamente. À noite temos treino, então se quiser podemos fazer

alguma coisa.

—Talvez, repetir o que fizemos ontem. Apesar de ter sido a única que
recebeu agrado.

Eita coragem! Simplesmente não quero mais esconder meus desejos,


principalmente quando envolvem o Elordi. Agora não tenho mais por que
evitar.
— Arizona... eu sou um homem romântico. Mas quando fala assim não
tem como falar coisas bonitinhas para você, morena.

— No momento não estou querendo escutar coisas bonitas.

Sua risada grossa me faz sorrir.

— Bom, só posso torcer para aguentar tudo que estou guardando para

você.

— Saberá a resposta quando cumprir tudo isso.

— Então nos vemos à noite. Cuide-se, qualquer coisa que precisar sabe
que largo o Anthony e tudo mais para ir rapidinho até você.

Juro que quase vi coraçõezinhos rosas na minha frente.

— Agora eu sei, Elordi. Beijos.

Saio mais cedo do trabalho para vir visitar a dona Hermínia. Vicente
não a levou para fazer os exames o que me irritou bastante. Kostas está de
cara feia desde que avisei que viríamos a casa do Vicente.

— Pode ficar mais bonito se sorrir um pouco.


— Arizona, sei que essa senhora não tem culpa do filho chato pra
cacete que tem. Entretanto, acho que deveria ver outro jeito para visitá-la,

manter contato.

— Sabe o quanto dona Hermínia é importante para mim.


Independentemente de Vicente e eu estarmos afastados, ela continuará
fazendo parte da minha vida.

— Nem vou falar qual é o seu problema.

— Kostas, não irei demorar.

Espero pacientemente dona Hermínia abrir a porta para mim. Disfarço


o desconforto que sinto ao constatar que a casa estava quase, ou até mais suja
do que da última vez que vim visitá-la. Talvez, deva considerar solicitar uma
agência para mandar algum profissional dar conta da bagunça e sujeira da
morada.

— Eu trouxe um bolo de milho e queijo.

— Menina, não precisava.

— Sei que gosta. E não gosto de vir de mãos vazias.

Noto que dona Hermínia está com a expressão facial mais abatida.
Apesar de estar sem fome a acompanho na fatia de bolo com café puro que
fiz. A cozinha, como quase todos os outros cômodos, precisa de uma boa
limpeza.
Ajudo-a a deitar-se na cama. Ela parece inquieta, triste e angustiada.

— Tenho um carinho enorme por você, Arizona. Também sou muito

grata por tudo que sua família fez por mim e meu filho.

— Adoro vocês. Sabe disso.

— Por isso me dói o que irei dizer a você.

— Está me assustando.

Seus olhos estão cheios de lágrimas e algumas começam a descer pela


sua face.

— Preciso contar algo... que sem dúvida vai mudar sua forma de
pensar.

Segurando a mão frágil da dona Hermínia espero que revele o que tanto
quer. Profere:

— Arizona, em momento algum concordei com as atitudes do meu

filho. Mas eu sou mãe. Vicente é o meu único filho, sempre fomos só nós
dois. Não que justifique. É que não tenho mais esperanças.

— Estou ficando preocupada, dona Hermínia.

— Vicente é muito apaixonado por...

— Você! — completa Vicente ao entrar no quarto.

Com a mão encostada no batente da porta tem o olhar fixo e mim.


Desvio o olhar do Vicente ao sentir o aperto firme da dona Hermínia. A

encaro estranhando a situação.

Estou chocada por saber que meu melhor amigo depois de anos está
apaixonado por mim. Sinceramente parece até brincadeira, de muito mau
gosto.

Se tivesse sido algumas semanas atrás não pensaria duas vezes em me

jogar nos braços do Vicente. Eu idealizei esse momento de tantas formas,


contudo, desabrochei para a verdade que tanto tentei ocultar do meu coração.

Eu estou apaixonada pelo Elordi.

Acredito sim que por um tempo posso ter amado o Vicente. Porém,
agora tenho noção que posso ter misturado o sentimento de amizade com
amor, gratidão.

Eu amo o Vicente como amigo. Ele sempre vai ser o meu melhor
amigo. Mas agora o Elordi está na minha vida e ocupa o lugar que sempre lhe

pertenceu.

Fito a dona Hermínia e indago:

— Era isso que a senhora ia me dizer?

Abstêm seu olhar do meu para encarar o filho.

— Sim, filha.
Dona Hermínia está mentindo. E não falará o que iria dizer com o
Vicente presente. Beijo sua testa me despedindo dela com a promessa de a

visitar na próxima semana. Retornaria para escutar o que realmente iria me


revelar hoje, antes do seu filho aparecer.

Vicente segue meus passos e antes de alcançar a porta entrou na minha


frente, desesperado.

— Então é isso? Declaro-me e sai como se eu não existisse mais na sua


vida!

— Você não está apaixonado por mim!

— Porra, Arizona olha para mim. — Segura meu rosto entre suas mãos.
— Eu sou apaixonado por você. E sabe quando tive certeza? Quando a vi
saindo com o Elordi sem olhar para trás. Doeu na alma. Sei que fui um
completo idiota com você, que machuquei seu braço, mas não foi intencional.

— Pare de falar bobagens. Por que está fazendo isso?

— Só agora me dei conta do que sinto. Você é minha melhor amiga,


sempre cuidamos um do outro, lembra das vezes que dormi com você no
hospital? Como a acompanhei durante seu tratamento... montamos uma longa
playlist de músicas que prometemos dançar antes dos trinta anos, lembra? —
Sorri, emocionado.

— Não é justo o que está fazendo, Vicente.


— Sei que também é apaixonada por mim. Desculpa não ter
correspondido antes. Fui um medroso, tolo. Nós nos amamos, Arizona.

Sem conseguir segurar mais as lágrimas, afasto suas mãos do meu


rosto.

— Eu não sou apaixonada por você. Acreditei que fosse, mas...

— Elordi confundiu você! Eu dei espaço para o seu primo chegar no


seu coração. Culpa minha!

— Elordi não me confundiu. Pelo contrário, sempre...

— Temos a chance de reverter nossa situação. Fizemos tantos planos,


nós... sempre fomos bons juntos.

— Podemos continuar sendo amigos. Apenas amigos, Vicente.

— Não faz isso com a gente, por favor, Arizona. Olhe para mim. — O
encaro. — Eu te amo.

Se estiver sendo sincero terá que aprender a conviver com esse


sentimento. Agora ao escutar essas três palavras tenho certeza de que só amo
um homem. Elordi Medeiros.
“O amor é a coisa mais bela do mundo. Infelizmente, também é uma
das coisas mais difíceis de manter, assim como uma das mais fáceis de se
desperdiçar”

Pausa - Collen Hoover

A declaração do meu melhor amigo mexe comigo. Ele está no lugar


que estive há algumas semanas. Se Elordi não tivesse revelado sentir algo por
mim com certeza hoje teria caído nos braços do Vicente.

Estou determinada a fazer meu relacionamento com o Elordi dar certo.


Quero isso. O quanto antes deixar as coisas claras com o Vicente será melhor.
Assim evitaremos constrangimentos e decepções futuras.

Olhando no fundo dos seus olhos castanho-claros não consigo enxergar

honestidade. Não consigo ver o Vicente que conheço. Eu só vejo impudicícia.

— Por que está fazendo isso?

Vacila por alguns instantes. Não demora muito para voltar ter a mesma
expressão de desespero, angústia.

— Estou perdendo você.

— Somos amigos. Sempre estaremos um na vida do outro, Vicente.

— Eu demorei, mas caiu a ficha. Preciso de você! Só tenho você e

minha mãe. Por favor, Ari.

Os castanhos dos seus olhos ficam um pouco mais claros devido às


lágrimas acumuladas. Não é isso que queria. Porém, tenho certeza de que
dona Hermínia não iria revelar, supostamente, o que seu filho sente por mim.

Era outra coisa.

— Pode estar confuso...


— Que merda, Arizona! Acredita em mim!

— Não acredito. E sabe o que é pior?

— Ari, por favor...

— Sabia que eu era apaixonada por você... e mesmo assim fazia


questão de esfregar suas namoradas na minha cara. Um grande amigo você

foi, não? — profiro magoada.

— Fui um estúpido! Juro que estou arrependido e morrendo de medo


de perdê-la. Não irei aguentar, Ari.

— Se estiver sendo sincero vai enxergar que está confuso. Assim como
percebi.

— Não posso acreditar que me trocou por aquele cara.

— Vocês não são objetos, não troquei ninguém. Eu sou apaixonada


pelo Elordi.

— Sabia que estava escondendo de mim a relação de vocês. Mentiu


para mim!

Passa a mão no cabelo transtornado.

— Tem coisas da sua vida que não me conta e nunca exigi explicações.
E sinceramente não estava confortável para falar sobre o Elordi com você.
Principalmente quando eu ainda estava entendendo os meus sentimentos por
ele.

Solta uma risada debochada.

— Ele não é homem para você.

— Quem decide isso sou eu.

— Não seja boba, Arizona. Acha mesmo que ele vai parar de

frequentar o clube? Talvez, por um tempo. E depois...vai acompanhar ele?

O encaro com raiva. Pior de tudo é que suas palavras me afetam.


Muito.

— Isso não é dá sua conta, Vicente!

— Ele vai te machucar! Ao menos sabe o que seu primo faz com as
mulheres que come?

Saber que o Elordi frequentava o clube de sexo sempre mexeu comigo,


por mais que tentasse negar. Imaginá-lo com outras mulheres consome meus

pensamentos causando um ciúme insano que corre quente por todo o meu
corpo.

Sinceramente não acredito que seja normal. Afinal, nunca tivemos


nada. Mas isso me machucou muito. E por nunca ter sido merecedora da sua
atenção acabei ficando mais insegura e descontente com o meu corpo.

Não satisfeito Vicente fala:


— Elordi come várias ao mesmo tempo, amarra elas... é um animal
pervertido! É por esse homem que está declarando amor? Você não é esse

tipo de mulher! Merece mais. Muito mais.

Não o deixarei sair vitorioso dessa. Chega de ser boazinha.

— Talvez, eu goste do clube, goste de ser amarrada. Viverei essa


experiência com o Elordi. Não falaremos mais sobre o meu relacionamento.

Cheguei no meu limite!

— Pelo jeito o Medeiros fez uma lavagem cerebral em você.

Resolvo mudar de assunto e encerrar a conversa.

— Cuide melhor da sua mãe. A leve para fazer os exames, sabe que
não cobramos nada.

— Espera, não vai ainda.

Tenta segurar meu braço, mas sou mais rápida. Abro a porta dando de

cara com o Kostas. O barbudo está cético, fitando o Vicente com dureza.

— Vamos, Kostas.

— Arizona, por favor. Escuta...

— Chega, Vicente!

— Ari, não pode sair assim. Tem que me escutar.

Vem nos seguindo até o portão da humilde residência.


— Cara, ela encerrou o assunto. Que saco! Será que tenho que falar em
inglês? Porque o português tá foda! — diz Kostas sem paciência.

Entro no carro e não olho pela janela até nos afastarmos da casa do
Vicente.

Deveria ter perguntado como ele soube dessas coisas do Elordi. No


entanto, na hora fiquei tão abalada que nem o questionei. Realmente estou

mal.

— Está bem para treinar?

— Sim.

— Podemos ir para o seu apartamento. Faço o grande esforço de comer


sorvetes e tantos outros saturados, assistindo aqueles filmes de romances dos
anos oitenta que você adora.

Como é cínico esse ser humano. Kostas adora comer besteiras e assistir

filmes românticos. Apenas me usa para disfarçar. Julga ser machão e fazer
coisas de meninas —palavras dele — acabaria com a sua reputação.

— Vergonha passou longe de você.

— Foi apenas uma sugestão, ursinha. O chatonildo a magoou.

— Estávamos afastados e agora nossa amizade está indo ladeira abaixo.

— Sabe que não tem a obrigação de o manter na sua vida, não é?


Prefiro ficar calada. É uma situação muito complicada. Não posso
simplesmente menosprezar e abandonar alguém que esteve comigo no

momento mais crítico da minha vida.

Troco de roupa rapidamente no vestiário feminino. Kostas não irá


treinar hoje. Hoje o tio Samuel vai comandar o treino de jiu-jitsu, pois o
professor titular está fornecendo um treino extra para os membros que estão
se preparando para entrarem nas missões de campo.

Peço permissão do tio Samuel para entrar no tatame. Cumprimento


primeiro o mestre — tio Samuel — em seguida os outros por ordem de faixa.

Quando toco nas mãos grandes do Elordi sinto seu olhar como brasa em mim.
Devolvo o olhar rapidamente. Não quero ser uma cadela com ele, mas estou
com raiva. Muita.

Ocupo meu lugar ao lado dos membros que são faixa roxa de três
graus. Após a oração, nos erguemos e Miguel puxa o aquecimento a pedido
do tio.

Depois de longos vinte minutos de aquecimento — o qual suei bastante


—formamos pares para iniciarmos o treino. Elordi olha para mim como se
avisasse que iria ser o meu par. Rapidamente puxo o Miguel que está quase

chegando no outro membro com o qual formaria par.

Eu sou um perigo iminente para o Elordi nesse momento. De forma


alguma posso deixar meus problemas pessoais afetarem meu desempenho e
convívio na Organização.

— Acho que me confundiu com o garoto de ouro — sussurra Miguel.

— Não mesmo — respondo seca.

Tio Samuel assim como os demais professores da Organização gostam


de repetir os movimentos básicos, pois se tivermos uma excelente base
conseguiremos manter o padrão exigido e deixar claro que aprendemos.

Iniciamos as levantadas técnicas com o Miguel reclamando por eu estar


usando força demasiada ao lança-lo no ar, sendo que estamos praticando a
arte suave. Não estou conseguindo controlar minhas emoções. Isso é uma

droga!

— Não precisa aplicar tanta força, Arizona — tio Samuel chama minha
atenção.

— OSS — respondo.

Miguel espera o irmão sair para murmurar:

— Espero que escute o que o Samuel disse.


O ignoro inspirando e expirando para prosseguir com o treino sem
jogar o Miguel para fora do tatame.

Conjecturo inventar uma desculpa para não rolar com ninguém. Porém,
procuro me acalmar e focar no treino. Quando chega a minha vez de rolar
com o Miguel quase rio da cara de desgosto que faz.

Em pé um de frente para o outro com os pés e pernas firmes para evitar

uma técnica que nos leve ao chão, percebo que minha paciência está por um
fio ao notar que Miguel não agirá. Espera meu ataque. Pois bem... assim faço
ao segurar firme na aba direita do seu quimono tão rápido ao cruzar e ajoelhar
que não tem tempo de evitar passar por cima das minhas costas e cair de
costas.

Coloco meu joelho na sua barriga com força demais o fazendo perder o
ar por alguns segundos. Respirando em sorvos longos o seguro o máximo que
posso. No entanto, o faixa-preta sai usando técnica e pouca força.

Fico com uma vontade terrível de gritar. Continuo segurando o


estrangulamento sentindo meu sangue subir, o corpo quente, pescoço e rosto
queimando.

—Bate, Arizona — escuto o tio Samuel. — Tem que saber o seu limite,
caso contrário o oponente se aproveita.

Persistente continuo aguentando o estrangulamento apelidado de


Ezequiel. Estou ficando sem ar, mas quero aguentar.

—Chega, Arizona! Bate! — vocifera Elordi.

Antes do moreno pedir Miguel já estava afrouxando o estrangulamento.


Bato nas costas do meu par para acabar logo com o rola.

Finalizamos o treino. Saio rapidamente indo em direção à arquibancada

para beber água da garrafa que gentilmente Kostas deixou para mim.

Nem precisou o tio Samuel chamar o Elordi para conversarem sobre a


intromissão dele, enquanto me fazia de forte. Temos que respeitar a
hierarquia dentro do tatame. Culpa minha.

Tiro a parte de cima do quimono não suportando mais o calor. Escuto o


celular do Elordi tocando. O vejo ao lado da bolsa esportiva. O nome
Alicinha pisca na tela conforme a chamada insiste.

Poderia atender e saber o motivo por estar ligando tão tarde da noite.

Entretanto, não tenho direito de fazer isso. Eles são amigos. Acontece que
Alicinha gosta do Elordi. O celular para de tocar, logo começa a subir as
notificações de mensagens enviadas por ela.

Acho que hoje já tive minha conta de drama.

Saio para ir ao vestiário apenas buscar minhas peças de roupas e bolsa.


Kostas pareceu surpreso quando me vê saindo da área interna da sede
desacompanhada.
— Vamos esperar o garoto Medeiros, ou...?

— Não, Kostas. — Quando entra no veículo blindado, aviso: — Para

casa dos meus pais.

Estou tão chateada que perdi a coragem de esperar o Elordi.


Anthony usou a desculpa de estar ocupadíssimo com um caso para não
comparecer ao treino. Obviamente não arriscaria ser descoberto participando
do treino de jiu-jitsu. Suas costas estão muito machucadas para suportar
qualquer exercício. Possivelmente passaria a semana toda sem participar de
treino físico.

O ajudei em alguns casos durante o dia. Após falar com a Arizona pelo
celular, verifiquei o andamento dos resultados das etapas que já realizei antes
de tomar posse. Consegui notas excelentes nas etapas da primeira fase. Agora

estou na última etapa da segunda fase. Encaminhei os certificados que


comprovam os meus títulos. Devido à urgência o andamento está sendo
supreendentemente rápido.

Cheguei à colmeia ansioso para ver a Arizona. Assim que entra no

tatame percebo que está tensa. Suas mãos pequenas abrem e fecham
fortemente antes de começar a cumprimentar os membros — seguindo a
hierarquia de faixa. Até o tom da sua voz que costuma ser meio-soprano está
mais contralto.

Algo a irritou seriamente.

Penso em formar dupla com ela. Franzo o cenho quando prefere ser
dupla com o Miguel, ao invés de comigo. Concluo que não quer misturar as
coisas. Afinal, somos da mesma família, somos membros da Organização

Secreta e quase namorados.

Enquanto pratico as técnicas, tento não comparar nossa relação com a


dos nossos melhores amigos. Miguel e Nay têm uma longa história. São
melhores amigos desde sempre, namoraram — sem assumir oficialmente —
por dez anos, casaram, estão no segundo filho e treinam juntos. Não é um
problema para eles, logo não deveria ser para nós dois.
Era angustiante quando me colocavam como parceiro da Arizona.
Assistir seu desempenho, força, determinação, suor brotando do seu corpo

escultural... queria evitar ao máximo ter contato para continuar controlando


meus sentimentos.

E justo hoje meu pai não formou as duplas. Deixou a livre escolha.

Miguel estava estrangulando a minha mulher. Eu conheço a Arizona,

tinha certeza de que não bateria. Sairia desmaiada, mas não se entregaria. Ela
é porreta, faz o possível e impossível para aguentar a pressão dos treinos.

Entendo que é algo que faz para provar sua força. Nem precisa disso.
Depois de tudo que passou está mais do que evidente a princesa guerreira que
é.

Desobedecendo a hierarquia vocifero para a Arizona bater antes que


apague. Profiro sem perceber que o Miguel havia afrouxado o
estrangulamento.

Nem espero meu pai pedir para permanecer no tatame. Mesmo


morrendo de calor e sentindo o quimono incomodar, aguardo todos saírem.

— Filho, sabe que vai ter que controlar a proteção que sente pela
Arizona durante os treinos. Antes era mais fácil controlar, mas agora que
estão juntos... é tudo mais intenso.

— Foi mais forte de que eu. Ela está brava por alguma coisa e queria
ultrapassar o limite do seu corpo.

— Percebi que a ursinha está irritada. Acho que foi você.

— Eu?

— Notei o olhar que ela lhe direcionou. Só... resolva.

Fito a morena de costas bebendo água. Vasculho minha memória e

nada vem. Nossa conversa pelo celular foi descontraída, cheia de promessas
que antes eram ocultas. Desvio a atenção dos olhos azuis do meu pai para
olhar para a morena, porém ela não estava mais na quadra de artes marciais.

Puta merda.

Meu pai beija a minha testa antes de subir na sua moto e sair pilotando
sendo seguido pela sua equipe. Aviso que dormirei em casa. Subo na moto —
um dos presentes do juiz Medeiros — sentindo o olhar do Ezequiel quase
furando o meu corpo.

— Falei com o Luri. Essa semana ele começa a puxar a ficha do


Vicente.
— Certo. Estou fazendo isso para garantir.

— Quando cheguei na sala do Luri, Miguel já estava tentando descobrir

a nova senha de acesso para ele mesmo procurar tudo sobre o Vicente.

Seguro a risada. É bem o feitio do Miguel fazer isso.

— Vamos ao apartamento da Arizona.

— A ursinha foi para as terras da família.

Não posso negar que estou intrigado pela Arizona não ter me esperado
como combinamos.

— Ela está brava com alguma coisa.

— O motivo soube há pouco pelo Kostas.

— Pois diga.

— Começa com a letra V e termina com chato pra caralho.

— Arizona esteve com o Vicente? — indago irado.

Não a quero controlar. Jamais faria isso. É que Vicente não é o mesmo.
Estive a ponto de entregá-la de bandeja para o melhor amigo, certo de que era
o homem ideal para ela. Tive que ser muito altruísta, pois sinceramente ainda
não me sinto digno de tê-la como minha. Contudo, estou disposto a ser.

— A menina foi visitar a mãe dele. Se encontraram lá por acaso. Ao


que parece discutiram.
— Se ele a tiver tocado...

— Cortará a mão dele fora? — Estala a língua. — Não será necessário.

Vicente não a machucou. Kostas garantiu.

Entrego minha mochila para o Ezequiel e pego celular. Quando


desbloqueio o aparelho para entrar em contato com a morena, vejo as
chamadas perdidas e notificações de mensagens da Alicinha. Depois lerei as

mensagens e saber do que se trata.

— Passaremos no meu apartamento primeiro.

— Como quiser, garoto.

Coloco o capacete pronto para esclarecer as coisas com a Arizona.

Quando entro na morada dos meus pais sigo para a cozinha. Encontro
minha mãe atacando o pote de sorvete. Largo minhas coisas em uma das
banquetas, pego uma colher e me sento perto dela a ajudando a comer o
sorvete sabor Cookies cream. Um sabor tipicamente americano, mas que o
Brasil adotou por conta da procura.

— Dia difícil? — pergunto.


Eleonor respira profundamente.

— Realizei uma ressecção de intestino delgado. Removi as partes

doentes, reconectei os órgãos sadios. Fiz tudo direitinho. Optei por retirar
todo o intestino para ter absoluta certeza de que não deixaria nada passar.

É uma das cirurgias mais perigosas que tem. Prossegue:

— O paciente teve uma parada cardíaca. Fizemos de tudo para o


reanimar, mas... o perdemos.

Beijo seu braço, acarinhando sua mão.

— Sinto muito, mamãe.

— A primeira vez que perdi um paciente fiquei mal pra caramba. Seu
pai passou a semana toda comigo tentando me animar. Nunca irei me
acostumar com isso.

— Fizeram o possível, mãe. Tem coisas que são inevitáveis.

— Aprendi a lidar melhor com o tempo. Entretanto, sempre fico


pensando ou procurando outra solução para ter evitado. — Enche a colher de
sorvete colocando tudo na boca. — Por que está com essa carinha?

Quase arranco o pote de sorvete das suas mãos e saio correndo. Porém,
nesse momento minha mãe está precisando mais.

— Fui visitar dona Hermínia, ela queria me dizer algo, Vicente chegou
e declarou ser apaixonado por mim. Discutimos, nos magoamos, estou com

raiva e fervendo de ciúme do Elordi... é isso!

— Não acho que o Vicente seja apaixonado por você. O olhar dele
passa admiração, proteção, orgulho... apesar de que percebi a mudança nele,
o que não agradou o meu coração de mãe. Agora paixão?

— Pois é! Não acreditei.

— O que o garoto de ouro fez?

— Nada... diretamente nem de propósito. O problema sou eu.

— Passo pano para nós mulheres. A culpa sempre é dos homens. —


Sorri, enchendo minha colher de sorvete.

— Elordi é um homem ativo sexualmente, tem os gostos dele... nunca o


vi com mulher alguma, mas não tenho dúvidas de que as mais belas
frequentadoras do clube devem conhecê-lo na cama. Eu só... acho que não

preencho os requisitos para entrar nessa com ele.

Engulo o choro junto com o sorvete.

— Meu bebê lindo, sei que sua autoestima a persegue desde a época
que ficou doente. Isso mexeu com você, não teria como não a afetar. E tá
tudo bem sentir insegurança, ninguém é onipotente em todos os campos. Só
Deus.

— Elordi sempre foi tão bonito, mãe. E por nunca ter me deixado
aproximar, acabei resumindo minha aparência a nada. Não estou jogando
toda a minha insegurança em cima dele, mas é que... acaba sendo uma

extensão das rejeições que foram direcionadas a mim.

— Entendo perfeitamente, ursinha. É normal que se sinta assim. Você


sempre foi uma garota linda por dentro, pura, boa, caridosa... e foi
exatamente isso que o Elordi viu em você. Infelizmente ele sofreu muito, só

ele sabe o quanto e suas atitudes com você não foram propositais. E sim,
creio eu, uma maneira de protegê-la.

Levanto-me da banqueta para buscar outro pote de sorvete.

Tento dormir escutando música, mas nem isso abranda meus conflitos
internos. Minha cabeça não para um minuto. Dispo-me do pijama e trajo um
vestido simples de alças finas.

Na garagem subterrânea coloco a digital no painel de controle para


abrir a caixa das chaves dos automóveis. Pego a chave do jipe Wrangler
acionando o alarme para o destravar.

Geralmente quando estou chateada desconto nos desenhos, porém a


frustração está tão grande que nem quis arriscar.

Ao sair da garagem com as janelas da frente do jipe abertas vejo alguns

membros de plantão fazendo a guarda das redondezas. Passo pela plantação


de girassóis — um dos meus lugares preferidos de todo o mundo — inalando
o cheirinho de ar puro e sabendo que não poderia ter lugar melhor do que
esse.

Estaciono o carro em frente dos estábulos enormes e rústicos. Sigo em


direção a justamente onde estão os cavalos dos Medeiros. Especificamente
tem uma em especial que sempre tive muito afeto, apesar dos tratadores de
cavalos e de o veterinário reclamarem do temperamento dela para mim... é
uma rosa com espinho. Atena sofreu muito antes de ser do tio Samuel.

— Ao menos estão todos de bom humor.

Acarinho todos os cavalos e éguas, falando com uma voz mansa e fofa.
Os animais entendem os seres humanos. E sinceramente desde que comecei a

me encontrar às escondidas com a Atena, percebi o quão tem feito bem para
mim. Essas últimas semanas não tive tempo de visitá-la como costumo fazer
fielmente.

— Como vai meninona?

A Mustang reconhece minha voz inalando meu cheiro. Acaricio seu


topete sabendo o quanto gosta. Para a agradar mais comicho meus dedos na
sua crina e ganacha.

— Perguntaria como foi seu dia. Porém, sei que não tem um dia sequer

que não dê trabalho para os tratadores. Só é boazinha com o seu menino, né?

Relincha toda mansa. Um sinal claro de que estou correta em tudo que
digo.

Entro na baia da Atena — que aliás é a maior de todas e tem apenas ela
como moradora — para ficarmos pertinho uma da outra. Acariciando o pelo
preto e macio me sentindo confortável para conversar, desabafar.

Estou chateada, confusa, triste...

— Eu amo muito o Elordi. — A égua relincha totalmente situada na


declaração. — Mas acho que não sou o suficiente.

Passo a mão na sua crineira segurando a vontade de chorar. Atena


consegue fazer eu sorrir ao passar a narina no meu cabelo.

— O que está querendo me dizer, menina?

— Que é mais do que suficiente.

Gelo dos pés à cabeça. Não tenho coragem de olhar para trás e ver que
o Elordi está aqui. Fecho os olhos por alguns minutos, inspirando e
expirando. A voz gutural prossegue:

— Todos os dias irei provar o quanto é suficiente. Aliás, mais do que


isso. Grande parte da sua insegurança foi culpa minha. Não sabia que estava

te machucando ao manter distância... magoei muito você. Mas isso acabou.

Para sempre.

Cacete... ele está realmente aqui.

Atena relincha para o seu dono toda saudosa.

Seu perfume tão exótico chega aos meus sentidos. Aperto os olhos
quando o calor do seu corpo atrás do meu predomina e sua mão grande se
espalma na minha barriga — por cima do tecido fino do vestido.

— Faço a maior declaração e vai continuar de costas...? — questiona


bem-humorado.

— Estou com vergonha.

Ri e beija minha cabeça. Abro os olhos e acompanho os movimentos


dos seus dedos na crina da Atena.

— Era um momento desabafo, Elordi.

— Esqueci que são velhas amigas.

Viro de frente capturando seu olhar minucioso.

— Miguel! Aquele linguarudo de uma figa...

— Calma aí, ursinha. Miguel não revelou seu segredo. Muitas vezes a
peguei visitando a Atena. Inclusive a primeira vez que vi vocês juntas foi
quando estava correndo pelas terras e vim fazer uma rápida visita a essa

mimada. — Acaricia a testa da égua. —Fiquei escondido, admirando a

interação de vocês.

— E nunca comentou a respeito — falo pensativa.

— Não éramos próximos — lamenta.

Guiada pela sensatez profiro:

— Temos que conversar.

— E muito. Porém, deixaremos para amanhã.

— Prefiro que seja agora. Sei que não foi legal sair sem dizer nada e...

— Irei descontar tudo depois, morena.

Entreabro os lábios entendendo as segundas intenções na sua promessa.

— Vai?

— Com toda certeza de que tenho que... te amo. Sempre amei com tudo

de mim. Sempre foi e será você, Arizona.

Estende a palma da mão em minha direção esperando que a pegue. E


como não poderia? Entrelaço meus dedos com os seus e saímos da baia.
Elordi promete a Atena que antes de irmos embora iremos nos despedir.

Vejo sua moto alguns metros de distância do estábulo. Explica o fato de


não ter escutado o barulho do motor.
Suas mãos ficam firmes na lateral da minha cintura me suspendendo
para me sentar em cima do capô do jipe.

— Amanhã conversaremos com mais calma. Agora quero esclarecer


algumas coisas.

Espalma as mãos na lataria, se encaixando entre minhas pernas.

— Agi como uma boba insegura.

— Falei isso antes para você, mas falarei de novo para não restar
dúvidas. —Olha-me com toda sua intensidade. — Naquela época, mesmo
sem cabelo, pálida, com os braços marcados e roxos por conta das agulhadas
que levou durante anos, magrinha, pequena, frágil... pra mim era a menina
mais linda que já tinha visto na minha vida.

Meus lábios tremem e os mordisco para não desabar no choro. Não


estava preparada para isso. Nunca estou quando se trata do Elordi.

— Amei você por tudo que é, e não focado na aparência física.


Desculpa, perdoa o homem que assume ser seu enquanto o nosso para sempre
durar... perdoa por ter rejeitado sua amizade pura, por ter te ignorado, por tê-
la feito se comparar a outras garotas e mulheres que nunca, em hipótese
alguma, poderiam chegar na terra árida que é o meu coração. Só você habita
nele, amor.

Sem conseguir me conter o abraço sentindo o gostinho salgado das


lágrimas umedecerem os meus lábios. Ficamos um bom tempo abraçados,
suas mãos acarinhando minhas coxas expostas, outrora minhas costas.

Deus do céu... como o amo.

Quando consigo me controlar leva sua mão ao bolso da jaqueta de


couro e tira uma caixinha pequena na cor preta.

— Guardo esse presente há tanto tempo que... acho que finalmente


chegou o momento de ser seu.

Fico encantada com o cordão finíssimo de ouro que tem como pingente
um girassol. No centro tem várias pedrinhas de diamantes. É tão delicado e
bonito.

— Meu Deus... é lindo... perfeito.

Elordi abre o girassol — o dividindo no meio sem soltarem —


revelando um medalhão de ouro. O aproximo e leio a data...

— O dia que nos conhecemos. Gravaremos no medalhão nossas datas.

— Nossas datas... — sorrio. — Eu amei. Muito.

— Queria que o pedido de namoro fosse surreal de tão foda, porém


sinto que não devo mais prolongar. Minha Arizona, quer namorar comigo?

Não quero que ninguém me belisque. Tem que ser real. É real.
Estou altamente cativada e emocionada. Nem nos meus maiores sonhos
pensei que pudesse ter sido tão romântico.

A questão aqui não foi ter sido pedida em namoro com um colar lindo
de ouro e diamantes. E sim de dentro do pingente conter um medalhão o qual
solicitou que gravasse a data que nos conhecemos e que a partir de agora terá
todas as nossas datas.
Amanhã mesmo irei na joelharia pedir que gravem a data de hoje. O dia
que fui pedida em namoro pelo garoto por qual sou apaixonada desde a

adolescência — por mais que tivesse lutado contra isso devido os percalços.

Emocionada começo a pensar nas próximas datas que seriam gravadas


no medalhão. Nossas datas.

— Ser sua namorada foi algo que sonhei muito — confesso, sendo alvo

dos seus olhos de ônix.

— E tê-la como minha era um sonho distante. Mas agora as coisas são
diferentes.

— Quero ser sua namorada.

— Bom, deixa eu colocar o colar em você.

Sem sair do capô do jipe afasto o cabelo para o Elordi colocar o colar
no meu pescoço. Arrepio-me toda quando planta um beijo na curva do meu

pescoço. Quando se afasta o puxo pela jaqueta de couro para alcançar a sua
boca. Sua mão grande agarra minha nuca colocando pressão, força.

Torno-me uma massa sôfrega, seu beijo quente e gostoso me


consumindo, seu perfume inebriando os meus sentidos, o hálito fresco
mesclado ao meu... a emoção de beijar o homem da minha vida sempre vem
voraz, intensa demais.

Paramos o beijo para buscar fôlego. Elordi acaricia o meu nariz com o
seu de olhos fechados. Enquanto estou bem atenta para não perder nenhum
detalhe do seu rosto másculo. A garganta fica seca quando o assisto umedecer

os lábios com a ponta da língua, como se estivesse saboreando algo que ainda
está sob seus lábios.

Emoldura o meu rosto com as suas mãos pesadas olhando fixamente


nos meus olhos. Profere:

— Desculpa ter demorado tanto.

— Você chegou a tempo.

— Graças a Deus — murmura. — Você ajudou muito na minha


recuperação.

— Ajudei? Mas como...

— Você trouxe luz para o meu coração. Por mais que tivesse tentado
não sentir, me afastar... lá estava você no meu pensamento igual um anjo.

— Tem que evitar fazer essas declarações tão bonitas para mim. Ao
menos uma vez por mês é o suficiente.

Jocoso morde o canto do lábio segurando o riso.

— É mesmo? Gosto de dizer coisas bonitas para a minha mulher.

— Acontece que toda vez que é fofo tenho vontade de reinar em você,
Elordi.
Ri envolvendo seus braços em meus ombros.

— Então eu sou fofo?

— Quando diz essas coisas para mim tenho vontade de te morder,


apertar, beliscar. Uma hora vou acabar fazendo isso.

— Tá tudo certo. Pode fazer tudo isso comigo. Sendo você, não tem

problema.

— Olha a vontade surgindo de novo.

— Pensei em deixar nossa conversa para amanhã. Mas se quiser


falamos agora.

Suspiro lembrando da discussão que tive com o Vicente. Ele


impulsionou o gatilho, a insegurança cadela domando minhas ações e
pensamentos.

Não sou nenhuma menininha. Porém, passei anos tentando me aceitar

fisicamente. Tenho sido forte, muito aliás. Contudo, não posso fingir que não
existe as incertezas sendo que estão assombrando os meus pensamentos.

— Elordi, nem sei como começar. Agora que estamos aqui, juntos... só
vem à cabeça que fui imatura.

— Não tem que se julgar culpada. Estou disposto a tudo para darmos
certo. Fale, o que lhe afligiu?
— Nós não transamos ainda. Então fico me perguntando se serei o
suficiente. É um homem experiente e gosta de algumas coisas que não são do

meu conhecimento.

— Sei que saber, ter acompanhado a minha história no clube de sexo


mexeu com você antes e agora. Não me orgulho de ter transado com outras.
Sinceramente... se eu tivesse sido um adolescente normal, sem ter conhecido

o sexo sujo, sem ter sido abusado sexualmente... teria guardado a minha
primeira vez. Fui apresentado ao sexo da maneira mais cruel possível.

Controlo o choro ao notar a dor nos seus olhos. Nem posso imaginar o
que ele passou dentro do tráfico humano. Faria qualquer coisa para tê-lo
protegido... queria ser capaz de tirar essa dor que carrega há tantos anos
dentro de si.

Após alguns segundos de silêncio volta a pronunciar:

— Jamais vai me escutar falando sobre o que passei e não tem por que

se sentir insegura, pois na época não estávamos juntos. Caralho, precisei


liberar a tara de algum jeito, por mais mecânico que fosse. Novamente não
me sinto mais homem por ter transado com várias. Meu amor, desculpa por
causar esse desconforto. Se estivesse bem antes, ou se tivesse tomado
coragem antes, nunca teria pisado no clube.

Espalmo minhas mãos por cima das suas que estão nas minhas coxas
expostas.

— Não quero que mude seus gostos. Diga quais são, Elordi?

Puxa a respiração soltando-a lentamente.

— Eu sou shibarista.

— Então é praticamente de BDSM?

— Não. Gosto de amarrar, de curtir o sexo por alguns minutos tendo a


parceira totalmente amarrada, sem alternativa de fuga. Posso estar parecendo
sujo, mas isso é apenas uma extensão do que sou. Você não tem que gostar,
posso viver sem o shibari.

— Só irei saber quando experimentar.

— Está falando sério?

— Muito sério. Além disso, tenho vontade de conhecer o clube de sexo.

— Estando comigo não tem problema. Ficará claro o nosso

compromisso para os frequentadores.

— Perfeito.

O prendo entre minhas pernas o fazendo sorrir. Choramingo quando


roça os lábios nos meus e contorna com a língua a minha boca. É uma tortura
agoniante sendo que estou louca para o beijar. Finalmente me beija trazendo
sua língua para dentro da minha boca, entrelaçando-a com a minha.
Mudamos o ângulo ao movimentar a cabeça, intensificando o beijo viciante.

O garoto de ouro é meu.

Após nos despedirmos da Atena decidimos ir para a minha casa. Para o


desespero do meu pai o moreno dormirá comigo novamente debaixo do seu
teto. Elordi deixou a moto para um dos seguranças buscar depois.

Assumo o volante do jipe com ele no banco do carona.

— Como soube que eu gosto de praticar shibari?

Continuo prestando atenção na estrada querendo fugir do seu olhar


inquisidor.

— Fui visitar a dona Hermínia. Encontrei o Vicente, como sabe não


estamos no melhor momento da nossa amizade, e ele revelou o que você
fazia no clube.

— Vicente vai ter que aceitar o lugar dele na sua vida. Não sou seu
amigo e sim seu homem. E tudo bem terem uma amizade, mas o Vicente não
é mais o mesmo. Venho prestando atenção nisso há um tempo. Tem
consciência disso?

— Ele passou por muita coisa desde que a dona Hermínia sofreu o

acidente. Não que justifique, mas não quero ser imparcial. Vicente... esteve
comigo quando mais precisei. Parece errôneo o afastar de uma vez por todas
da minha vida.

— O pingo de consideração que tenho por ele é justamente por ter sido

seu amigo verdadeiro nesse período da sua vida. Apenas isso.

— Eu sei.

— Estranho ele saber o que faço no clube sendo que a identidade de


todos os membros é mantida em sigilo. Usamos até máscara lá dentro.

— Não o questionei na hora porque fiquei enfurecida pelo que disse. E


em hipótese alguma deixaria o Vicente falar mal de você.

— Irei descobrir como ele conseguiu essa informação. — Toca no meu

joelho. — Agradeço por ter defendido a minha honra.

Acabo sorrindo, mas não muito. Logo me lembro o outro motivo do


meu ciúme.

— Alicinha ligou e enviou várias mensagens para você.

— Vi as notificações no celular, ursinha. Mas não cheguei a ler


nenhuma mensagem e muito menos retornar a ligação.
— Então... ela costuma entrar em contato tão tarde da noite?

— Não, não mesmo. Depois saberei do que se trata e falo para você,

namorada.

Poderia ser super madura e dizer: não precisa. Entretanto, eu quero


saber. É do meu total interesse.

Entramos na morada dos meus pais na ponta dos pés. Troco o vestido
pelo pijama no closet rapidamente. Elordi já está deitado na cama sem a
jaqueta e os coturnos.

— Sabe que pode tirar a camisa, né?

Elordi aperta os lábios me olhando seriamente. Algo se passa na mente


nerd do meu namorado.

— Posso ficar sem camisa quando não tivermos debaixo do teto dos
seus pais.

O moreno está escondendo alguma coisa.

Sento-me na beira da cama com um joelho dobrado para dentro. Meus


dedos começam a separar as mechas longas para iniciar uma trança.

— Poderíamos ter ido para a casa dos seus pais então. Poxa, Elordi!

Ele ri se sentando. Fala:

— Vira de costas. Eu faço a trança.


Rapidamente sento-me de costas para o moreno. Seus dedos agilmente
começam a trançar o meu cabelo. Parece que tenho um belo homem

habilidoso em várias áreas. Obrigada, Senhor.

— Espertinha. Só não quero que a gente avance o sinal perto dos seus
pais, ou de qualquer membro da família.

— Tão respeitador — murmuro descontraída.

— Prontinho.

Passo a mão pela trança tendo certeza de que ficou melhor do que as
que faço. Ponto para o garoto de ouro. Beijo seus lábios suavemente.

— Ficou ótima.

Elordi me acorda apenas para avisar que estava indo. Combinamos de


almoçar juntos.

Hoje tenho apenas dois tempos de aulas. Para adiantar o meu serviço no
trabalho decido ir trabalhar até o horário do almoço. Anthony, tia Jas e eu
entramos em um acordo de contratar pessoas adequadas para administrarem a
galaria. Não daríamos conta de tudo sozinhos. Fora que temos outras

profissões. Então reservamos nosso trabalho na galeria da família.

Estranho quando a secretária da doutora Evelyn — uma das melhores


ginecologistas da equipe — vem avisar que a doutora estava querendo falar
comigo. Tiro as luvas de látex jogando-as no lixo.

Bato de leve na porta do consultório da doutora e entro — sabendo que

estava à minha espera. Fico surpresa quando vejo o meu pai usando a roupa e
touca de cirurgião.

— Ok... cadê a doutora Evelyn?

— Hoje é a folga dela, querida. Na verdade, a usei para vir até aqui sem
parecer muito constrangedor.

— Já está, pai. O senhor não estava fazendo uma cirurgia?

— Apenas acompanhando de perto um novo médico da equipe

realizando a cirurgia. Sabe como sou sistemático.

— Por que estamos no consultório da doutora Evelyn?

— Sua mãe está ocupada fazendo uma cirurgia de emergência. E


adoraria que ela estivesse aqui, porém tenho que fazer isso. Filha, seu ciclo
menstrual continua certinho?

Fico tão chocada que nem tenho reação. O doutor Alex Severo está
fazendo de novo. Está me envergonhando.
— O senhor está estranho tem uns dias. Só fale de uma vez, pai.

Cruzo os braços esperando por sua resposta.

— Sei que o Elordi tem dormido no seu quarto. — Limpa a garganta,


passando a mão em cima do peito esquerdo dramaticamente. — Entendo que
são adultos, independentes. Mas acho que não estão prontos para terem um
bebê.

— Pai, não teremos um bebê. Não agora.

— Vocês são intensos demais. Todos sabem disso. Quero apenas


garantir que termine o curso tranquila, que passem por todas as etapas sem
dramas — suspira. —Sem querer invadir sua privacidade, filha, ainda é...
você sabe... sim?

Eu quero a minha mãe. Só ela para controlar o doutor Severo. Nada de


surtar com o meu pai agora.

— Sim. Por enquanto.

— Certo. Olha, posso colocar o implante no seu braço. Não é minha


área, mas seu pai fez a lição de casa. Com a taxa de noventa e nove por cento
é o método mais eficaz que existe.

— Pai...

— A anestesia é local na parte superior interna do braço, onde irei


inserir o implante abaixo da superfície da pele com essa agulha aqui. —
Mostra-me ela lacrada, e prossegue: — Mais fácil que isso não tem, minha
filha. Depois quando tiverem casados e estiverem prontos para bebês é só

pedir que eu tiro. Agora traz o bracinho aqui.

Não movi meus pés pensando que o correto seria me cuidar. Camisinha
não é tão eficaz assim — claro, indiscutível o uso dela durante o ato sexual,
principalmente por conta das doenças sexualmente transmissíveis —, porém

quanto a gravidez era um risco à parte. Meu pai estava sendo exagerado, mas
coerente.

—Vai doer? — pergunto ao me sentar na sua frente.

— Sei que odeia agulhas. — Pega um pacote de luvas descartáveis. —


As pesquisas vêm apontando que as pílulas anticoncepcionais agridem muito
a saúde das mulheres. Devido ao seu histórico, sua mãe e eu vimos que não te
faria bem. As injeções anticoncepcionais têm desvantagens que assustam pra
cacete. O melhor no momento é o implante. Especialmente para você, minha

única filha.

Sorrio por saber o quanto sou cuidada pelos meus pais. Mesmo que eu
passe por situações de pura vergonha.

— Estou de acordo. Seja o mais rápido que conseguir, pai.

— Pode deixar.
Saio do hospital louca para encontrar o Elordi. Apesar do
incomodozinho que estou sentindo no local onde meu pai fez o procedimento

para inserir o implante... estou com uma libido surreal. De repente só penso
que devo fazer sexo o quanto antes com o meu namorado.

Quero saber transar, sentir o prazer de verdade, não que o meu vibrador
seja ruim...

— Irei almoçar, ursinha.

— Fique tranquilo, Kostas.

— Agora que não está mais querendo a cabeça do garoto de ouro, estou
tranquilão.

Usando a senha de acesso do elevador privativo, subo direto para o


andar da presidência da advocacia. Cumprimento a Regina com um abraço.
Ela já está saindo para almoçar.

Adentro o gabinete do Elordi de fininho. O moreno está abotoando


alguns botões da camisa social branca próximo ao sofá de couro sintético. Se
eu correr posso impedir que continue e tire a camisa social para aproveitar
tudo que esconde dos meus olhos.
— Cheguei numa boa hora.

Seus dedos param de colocar os botões que têm as iniciais da marca

gravados dentro das casas.

— Derramei café na outra camisa.

— Nem para ter esperado eu chegar — sorri.

— Se tivesse chegado uns minutos antes...

Jogo a bolsa transversal no sofá de um lugar ao me aproximar do


moreno. Apoio as mãos no seu abdome, ficando na ponta dos pés para
alcançar sua boca. O beijo que era para ter sido singelo se transforma em algo
sedento, cheio de paixão.

O empurro até sentar-se no braço do sofá. Suas mãos estão ansiosas e


firmes apertando meu quadril, me arrancando gemidinhos. Os beijos estão
ficando um pouco perto do que quero. Sempre são gostosos, molhados,

quentes. Porém, agora quero muito mais.

— Pequena, espera...

Cai de costas no sofá e vou para cima do seu corpo enorme e


musculoso. O faço esquecer seja lá o que iria dizer ao sugar seu lábio inferior
o fazendo urrar roucamente. Elordi não é um homem contido. Gosto muito
disso.

Arfo com a boca colada na sua quando sua mão grande desceu um tapa
estalado na minha bunda por cima do jeans. Infelizmente não estou de vestido
ou saia. O que dificulta um pouquinho as coisas. Mas a fricção, o esfregar dos

jeans é tão delicioso.

— Caralho, juro que quando me der essa bunda...

— Vai ter que a merecer. Está pensando que será fácil, moreno?

Obviamente estou sendo guiada pelo tesão. Eu vi o que o Elordi guarda


entre as pernas. Nem morta vou deixá-lo me pegar por trás. Não mesmo!

Voltamos a consumir o prazer nos beijando deliciosamente.

O telefone fixo começa a tocar sem parar em cima da mesa. Mas nada
seria capaz de nos parar. Os amassos estão tão bons. Por um momento penso
em interromper e atender o telefone para saber quem está atrapalhando o
nosso momento. Quando penso que teríamos paz, soam batidas na porta.

Continuamos namorando sem nos importar, até que a voz gutural do

Miguel chama a nossa atenção:

— Sei que estão ocupados querendo fazer bebês, mas acho que devem
saber que o Alex está preso. O vulgo loiro raiz agrediu o Vicente. Nem
acredito que o Alex vai pagar não sei quantos salários mínimos. Enzo está lá
resolvendo as coisas.

Paramos de nos beijar afoitos. Olho assustada para o meu namorado


que me devolve um olhar tranquilo. Saio de cima do Elordi indo abrir a porta
dando de cara com um Miguel debochado.

— Estou me sentindo péssimo em atrapalhar. Mas senti o dever de

avisar. Apesar de não gostar do seu pai.

— Meu pai realmente foi preso?

— Enzo já está na delegacia. Ele ligou logo para o meu irmão. Sabe

que se tivesse me ligado só o tiraria de lá depois de um mês.

— Porra, Miguel! Fala sério — peço indo buscar minha bolsa no sofá.

— Estou falando sério. Teria algumas semanas de paz com o loiro raiz
quietinho atrás das grades.

— Irmão, o que aconteceu? Sem brincadeira.

— Não sei como o Alex soube que Vicente machucou o seu braço, o
que resultou nele chegando com seu uniforme e touca hospitalar no trabalho
do Vicente. Alex socou o Vicente, foi uma briga feia e foram parar na

delegacia.

Merda! Eu poderia ter evitado isso.


Não sou um pai controlador. O meu maior problema é proteção
demasiada que tenho pelos meus filhos, irmãos e esposa. Quando se vive
situações traumáticas e extremamente difíceis, como as que já passei, tem-se
por resultado minhas paranoias no quesito segurança.

Quando olho para a minha filha tenho certeza de que não poderia ter
feito um trabalho melhor. Arizona foi muito bem educada e Eleonor
contribuiu para sua criação.

Minha única filha tem planos grandiosos para consolidar sua carreira,

tem seus projetos e ações filantrópicas. Arizona enfrentou uma doença


maldita no início da sua adolescência... mostrou o quanto é guerreira. Nunca
tive dúvidas.

E quando vejo a maneira que minha filha e o garoto de ouro se olham...

sinto o amor deles e sei que por serem jovens, intensos e de personalidades
fortes, isso pode estragar o amor. Nem tudo é superável. Todos têm o seu
limite. Por mais bonito que o amor seja.

Tive que usar o consultório da doutora Evelyn para fazer o pequeno


procedimento no braço da Arizona. Minha filha não ficou nada confortável,
pois sei que quando se trata de conversas que evolvam sexo, intimidade e
garotos prefere a mãe liberal do que seu velho pai. E está tudo bem quanto a
isso. Mas não consigo me controlar.

Sorriu mesmo parecendo extremamente envergonhada.

— Estou de acordo. Seja o mais rápido que conseguir, pai.

— Pode deixar.

Arizona tirou o jaleco e deitou-se na maca. Enquanto preparava todo o


material necessário para o procedimento, minha filha parecia que tem um
ninho de formiga no braço. Ora estava para cima, depois unilateral, depois o
dobra acima da cabeça.

— Unilateral é melhor, minha linda.

Bufou o deixando de forma unilateral.

— Não vai colocar nenhuma música clássica para tocar?

Segurei a risada conferindo a anestesia.

— Sabe que não é uma cirurgia, Arizona. Pare de drama.

—Sei lá... de repente estou me sentindo dentro do seriado Grey’s


Anatomy.

— Sua mãe adora essa série que tenho quase certeza que é infinita.

Comecei a fazer a assepsia na pele macia da minha filha usando a


mesma cautela e atenção de quando faço um procedimento mais arriscado.
Apliquei a anestesia furando sua pele com a agulha fina. Arizona fez uma
caretinha de incômodo.

Conferi a data de fabricação e validade do material. Em seguida abri a


caixa do implante verificando o produto. Guardarei o número de lote por
questão de segurança. Tirei o bisturi do lacre individual para fazer um corte
muito pequeno, apenas para ajudar a inserir o implante.

Tracionei a pele inserindo o implante procurando o deixar bem locado


no subcutâneo tendo a perícia de não tocar em nenhum vaso sanguíneo.
Tendo absoluta certeza de estar no local ideal, liberei o dispositivo dentro da

pele.

Mais fácil que irritar o Miguel.

— Prontinho, filha.

Molhei a gaze com álcool setenta por cento para passar no vestígio fino

de sangue que ficou onde fiz o procedimento.

— Já tenho o que contar no almoço de domingo — debochou sentando-


se na maca.

— Estou ansioso.

Descartei as luvas e todo o material que usei na lixeira. Ajudei minha


filha vestir o jaleco.

— Até que não foi tão ruim.

—Quando estiverem casados e prontos para bebês, basta tirar.

Abraçou-me encostando a cabeça no meu peitoral. Beijei seu cabelo


cheiroso, fechando os olhos por alguns segundos.

— Obrigada, pai. O senhor é o melhor. Apesar das altas vergonhas que


passo.

— Se eu não a deixasse envergonhada... com certeza estaria sendo um


pai errado.
A doutora que cuida da equipe dos internos teve uma emergência

familiar. Comandaria eles até o doutor Hugo iniciar o seu plantão. Sou
conhecido pelos residentes por ser carrasco. Sinceramente concordo com
eles.

O meu maior problema é saber que estão prestes a se tornarem médicos


de verdade, e não levaram a sério o curso. Para cuidarmos das pessoas temos
que ter responsabilidade, estudo e saber agir sob pressão em diversas
situações. E, infelizmente, um ou outro que leva esse período tão sério que é
a residência na brincadeira.

Apalpo os bolsos do meu uniforme pensando que estou com o celular.


Peço o celular do Zayn — um dos principais seguranças da minha família —
para avisar ao Samuel que consegui os laudos médicos de um caso que irá
julgar. Antes que possa buscar seu número na agenda, paro de andar quando a
notificação do grupo “seguranças em apuros” chama a minha atenção.

Leio a mensagem do Kostas:

Nem sonham com isso! Estou guardando segredo. Se o doutor


Severo descobre estou frito no óleo quente, irmãos. Por mim eu mesmo
acabava com o Vicente. Ele machucou o braço da minha protegida,

porra!

Juro que vi vermelho. Entrego o celular para o Zayn indo em direção ao


estacionamento. Agora eu mato o Vicente! Depois coloco a Arizona de
castigo por ter escondido essa fatalidade de mim? Não, ela já é adulta. E

tecnicamente nem mora mais conosco. Mas continuo sendo o pai dela, então
posso sim.

— Doutor Severo, para onde está indo?

— Cometer um homicídio. Coisa rápida!

Nem espero o carro parar direito e já saio do veículo igual um touro.


Entro na importadora de vinhos ignorando os olhares curiosos. Afinal, estou
usando o uniforme e touca cirúrgica. A recepcionista vem tentar me conter,
porém continuo andando firmemente.

Ao longo dos andares indago sem paciência onde fica o escritório do


Vicente Ferraz Almeida. Quando finalmente obtenho a resposta, sigo em
frente. Devo estar parecendo um lunático, pois ninguém tem coragem de
entrar na minha frente.

Abro a porta brutalmente chamando a atenção do moleque.

— Doutor Severo, o que...?


Rujo como um animal selvagem.

Vicente nem precisa levantar-se da cadeira. Agarro o colarinho do seu

terno o puxando por cima da mesa arrastando os objetos junto com ele. O
mantenho preso com uma mão e direciono o soco no seu olho direito.

Gemendo de dor o solto furioso.

— Você machucou a minha filha! Sabia que não era confiável!

— Foi sem querer! Arizona sabe disso e já nos resolvemos.

Avanço em sua direção acertando suas costelas repetidas vezes. Mais


um pouco e posso quebrá-las...

Vicente tenta escapar, mas o pego acertando um soco no estômago.


Estou tão irado... que definitivamente arcar com as consequências é a minha
última preocupação. Respirando em sorvos prossigo com o furor.

Quando vou acertá-lo novamente Zayn segura o meu punho.

— Basta, senhor. A polícia já está subindo.

Não seria nada bom estampar os noticiários. Posso acabar com o


Vicente do jeito que gostamos de fazer na colmeia.

E lá vou eu responder pelo crime de lesão corporal.

QUARENTA MINUTOS DEPOIS...


Não posso ser hipócrita ao dizer que pessoas que têm um sobrenome

importante, prestigio e dinheiro não são bem tratas por mais que tenham
cometido algo errado. Definitivamente não me orgulho disso. Não sou
nenhum exemplo a ser seguido.

Ao menos Eleonor e eu estamos sabendo ensinar aos nossos filhos. Eles

sabem que não podem sair por aí fazendo tudo que tem na telha tendo a idade
que for. Precisam ser responsáveis pelas suas próprias vidas e pelas vidas
alheias. Graças a Deus Arizona nunca fez nenhuma loucura do tipo, mas os
gêmeos... Jesus Cristo que nos ajude a mantê-los no bom caminho.

Vicente faz o boletim de ocorrência e pelo tempo deve estar realizando


o corpo de delito. Zayn fez o favor de ligar para o Enzo. E estou o
aguardando em uma sala pequena com ar-condicionado, sofá desgastado e
um bebedouro.

— Trinta e cinco salários mínimos — diz Enzo assim que entra na sala.

Felizmente pude ir ao banheiro conjugado lavar as mãos que estavam


com vestígios de sangue.

— É isso aí! Vida que segue, cunhado.

— Alex, se você o tivesse matado...

— Não matei... ainda.


— Poderia ter feito do nosso jeito.

— Não consegui me controlar. Aquele moleque do cacete machucou a

minha filha!

— Estou sabendo.

— E por que fiquei sabendo por acaso? Se não tivesse pegado o celular

do Zayn nunca saberia.

— Arizona, creio eu, estava procurando o momento certo de contar


para você.

Rio sem humor algum.

— Então todos sabiam?

— Menos meus pais, você e Eleonor.

— Nem o Elordi teve a dignidade de me contar.

— Ele não quis passar em cima da decisão da namorada. Além disso,

havia surrado o Vicente assim que descobriu.

— Ok. Já o perdoei.

Enzo sorri colocando as mãos no bolso da calça social.

— Acho que estou mais calmo.

— Espero mesmo. Acertei com o delegado, mas você tem que ir para
fazermos conforme a Lei.
Levanto-me do sofá pronto para arcar com as consequências.

Estamos aguardando o meu pai na advocacia. A sensação de que a


culpa é minha não abandona minha cabeça de jeito nenhum. Indiretamente
tenho culpa, afinal escondi o que Vicente fez.

No fundo sei que não havia revelado ao meu pai o tétrico dia que meu
melhor amigo machucou o meu braço, pois sabia que sua reação seria essa.

Doutor Alex Severo primeiro bate e depois conversa... e olhe lá.

Miguel ligou para o Enzo que garantiu estar tudo sob controle. Claro
que os salários mínimos que meu pai pagou não farão falta. A questão é que

por ele ser um médico renomado e estarmos quase sempre na mira da mídia,
poderia ser um escândalo. Tudo que fazemos na vida nos traz consequências.

Meu pai sofre do mesmo problema que todos da família sofrem:


síndrome do impulsivo.

— Poderia ter sido pior — profere Miguel nos encarando. —Alex


poderia ter matado ele. Mas pensando bem, até que seria bom...

— Miguel! — meu namorado chama a atenção do melhor amigo.


— Estou brincando. A ursinha sabe disso. Agora é sério. Poderia ter
sido pior. Ainda bem que o loiro raiz o deixou consciente, não é?

Sinceramente estou preocupada com o estado do Vicente, e sim que


quando sua mãe o vir todo machucado, ficará preocupada. Dona Hermínia
respira o seu único filho.

A porta do escritório do Elordi é aberta, logo meu tio e pai entram. A

cena até seria cômica se não soubesse que saiu do hospital usando o uniforme
e touca hospitalar cirúrgica como se estivesse indo passear trajado numa
roupa informal.

— Pai, meu Deus!

O abraço sendo apertada pelos seus braços enormes.

— E mais um dia normal para a família — resmunga Miguel.

Tio Enzo, Miguel e meu namorado saem para nos deixar sozinhos. É

óbvio que tenho que esclarecer as coisas com o meu pai, devo respeito a ele.

— Espero que não tenha contado para o proteger. Porque se a resposta


for sim, irei agora mesmo naquela delegacia acabar com o Vicente.

Sento-me na mesa de centro de frente para o doutor Alex.

— O senhor sabe o quanto Vicente foi importante para mim.

— Sei tanto que o aguentei todo esse tempo.


— A princípio ocultei para o proteger. Estou assumindo minha falha,
pai. Coloquei a culpa no estresse dele e, não nele. Depois da conversa que

tive com o Elordi... admiti o que não queria.

— Por céus, cada dia que passa gosto mais do garoto de ouro. Credo!

Sorrimos. Suspiro quando pega minha mão a acariciando


afetuosamente.

— Quantas vezes o Vicente a machucou?

— O quê? — Estreito o olhar. —Pai, foi uma única vez.

— Por mais forte que sejamos, não estamos imunes a tudo, minha vida.
Bati no Vicente por ele ter te machucado, bati nele com raiva de isso ter
acontecido antes e não fiquei sabendo para a defender e afastá-lo, mesmo
contra sua vontade. Eu sou o seu pai, Arizona. Enquanto eu respirar estarei
protegendo você, seus irmãos e sua mãe com tudo de mim.

Seus dedos afastam as lágrimas dos meus olhos e sorrio ao sentir o


beijo na minha testa.

— Minha mãe vai pirar quando souber.

— Mas vai ficar bem. Pode deixar que conto o que aconteceu. Assim
amenizo o meu lado.

Despeço-me do meu pai. Ando e paro perto da parede de vidro do


gabinete do moreno tendo uma visão privilegiada da cidade maravilhosa. O
escuto entrar e viro de frente olhando suas pedras de ônix.

Elordi está compenetrado... diria até bravo.

— Está com pena do Vicente?

Cruzo os braços odiando o fato de ter me perguntado isso. Como


poderia mentir para o homem que tem o meu coração nas palmas enormes

das suas mãos?

— Fiquei preocupada sim. Assim como nós, meu pai também foi
treinado na Organização. Poderia ter matado ele.

Aproxima-se o suficiente para eu sentir sua respiração febril no meu


rosto.

— Percebi que era uma das suas preocupações. Cogitei até que iria
perguntar algo dele para o Miguel.

— Não perguntei, pois na hora estava mais preocupada com a situação

do meu pai.

O sorriso que estampa seu rosto bonito se torna sombrio. Vem para
mais perto fazendo minhas costas encostarem no vidro. Ergue o braço direito
espalmando a mão atrás de mim, abaixa o tronco... passando o nariz pelo meu
queixo, o subindo pela lateral do meu rosto.

Estou estupidamente arrepiada.


— Quando eu te pegar só vou parar quando sua bocetinha estiver
inchada —sussurra no meu ouvido, soprando o hálito refrescante.

Por um momento penso que irei me decompor. Elordi é tão gostoso e


boca suja que mexe comigo de um jeito absurdo. Porra, eu gosto disso. Pra
caramba.

— Espero que cumpra tudo isso, Elordi. Se não, não será mais o garoto

de ouro.

Puxa um pequeno sorriso olhando no fundo dos meus olhos.

—É mesmo? E qual será o meu novo apelido, morena?

— Garoto de prata, garoto de bronze...

O moreno faz uma expressão facial de que não gosta nada dos possíveis
novos apelidos. Sorrio tocando sua barba cerrada e puxando seu corpo pelo
passante da calça.

— Só aceito ser o de ouro — diz humorado.

— Então cumpra suas promessas.

— Teremos o nosso momento. Quero que nossa primeira vez seja


incrível para você.

Será que devo contar que tive contato apenas com o meu vibrador?
Talvez, devesse revelar gravando um áudio e enviando no seu WhatsApp.
Acho que assim seria menos vergonhoso.

— Suas bochechas estão rubras. O que está pensando?

Na sua anaconda, moreno.

Recomponho-me tentando afastar a safadeza do meu corpo.

— Que será incrível para nós dois.

— Vou fingir que acredito.

Com a mão na sua nuca impulsiono minha boca para cima da sua.
Gemo quando coloca pressão quase tirando o meu ar. Esses beijos ainda vão
me matar de prazer. Então tudo certo.

Sua mão desce para a minha bunda a apertando, a castigando com sua
pegada forte. Eu gosto. Arfo quando suga a minha língua para logo a
entrelaçar com a minha num beijo faminto, cheio de paixão.

Depois de quase meia hora em amassos deliciosos almoçamos no seu


escritório. Entre conversas triviais e sorrisos, comemos harmoniosamente. O
ajudo a recolher todas as embalagens recicláveis, as jogando no lixo.
O deixo com muito custo. Me acompanha até o elevador. E mais uma
vez nos beijamos.

Antes de regressar ao hospital irei ao shopping, que fica na rota, para


gravar a data que o Elordi me pediu em namoro. Gravarei todas datas no
medalhão de girassol que me presenteou.

Kostas caminha ao meu lado e entramos juntos na joalheira. Um

atendente simpático se apresenta e logo digo do que preciso. Tiro com


cuidado o cordão delicado do meu pescoço o entregando e ansiando que volte
para o lugar que pertence.

Na outra extensão da loja vejo Lucrécia segurando uma taça de


champanhe. Ao virar em minha direção, sorri acenando. Não demora muito e
vem até onde estou. Preferia que não, afinal só nos conhecemos de vista.

— Arizona, faz tempo que não nos vemos.

Beija a lateral do meu rosto, nem chega a encostar. Forço simpatia.

— Pois é. Como está?

Sorve um pouco mais do líquido e diz:

— Acho que estou me recuperando do tombo que levei com o Vicente.


Conheci um carinha, filho de um empresário hoteleiro... e confesso que estou
gostando dele.

A encaro sem entender. Pensei que Lucrécia e Vicente tivessem se


envolvido. No passado me magoou, pois estava com a ideia fixa de que era
apaixonada pelo meu melhor amigo. Fora que naquele momento, pareciam

realmente estar em um relacionamento. Ao menos foi o que percebi e que


Vicente comentou por alto.

— Tombo? Vocês não chegaram a se relacionar?

— É como eu disse. Vicente não me curtiu. Na verdade, acho que

nenhuma mulher o agrada. Pensei até que vocês tinham algo, mas depois que
vi que são apenas melhores amigos a ficha caiu. Bem que você poderia ter me
contato, Arizona. Se bem que não temos tanta intimidade... mesmo assim
seria bom ter falado.

— Espera, eu não tinha o que falar sobre o Vicente.

Ela ri como se tivesse escutado uma piada. Claramente perdi algo


muito importante.

— Está brincando, certo?

— Realmente não estou entendendo, Lucrécia. Seja direta.

— Vicente é gay, Arizona. Como não sabe que seu melhor amigo gosta
da mesma fruta que você?

Atônita a fito sem reação alguma.


Ser ignorado pela Arizona tem me consumido insanamente. Meus
pensamentos estão sempre imaginando cenas dela com o Elordi. E eu sem
nenhum deles. Queria ser forte o suficiente para seguir em frente, mas não
consigo. Não quero. Preciso deles na minha vida, ou ao menos de um.

Eles não podem simplesmente seguir juntos, não quando amo ambos
profundamente.
Usei as informações que Klaus enviou sobre o Elordi para fazer a
cabeça da minha melhor amiga, que despertou em mim um homem que era

hospedeiro. Quero ser amado pela Arizona, nunca quis tanto.

No passado acreditei fielmente que era apaixonada por mim. Talvez,


tenha sido em algum momento. Porém, meus sentimentos estavam voltados
somente para o seu primo. Precisei disfarçar quem realmente sou para evitar

julgamentos e constrangimentos.

Magoei a menina dos meus olhos. Arizona não me olha como antes,
com aquela adoração demasiada e intensa paixão. Mas no fundo dos olhos
azuis reluzentes enxerguei a bondade, o carinho que sempre teve por mim.

Precisarei apenas de tempo para fazê-la ser a minha Arizona de antes.

Bato a porta de casa furioso. Adentro o quarto da minha mãe sem


conseguir segurar as lágrimas.

— Você não tem o direito de se intrometer, mãe! — Passo a mão no

cabelo, desesperado.

— Como não, meu filho? Está fora de controle! Não o reconheço mais.
Precisa de ajuda. A menina tem que saber a verdade, chega de mentiras!

Há tantos anos venho sentindo um vazio no coração, que foi preenchido


pelo amor que sinto pelo Elordi, agora descobri ser pela minha melhor amiga.
Parece que ninguém é capaz de entender os meus motivos. Não sou o errado
da história. Estou lutando para ter meu lugar merecido na sociedade e na vida
do mais novo casal que tem sido uma tortura os imaginar em meus

pensamentos.

— Eu amo os dois, mãe.

— Vicente, como isso é possível? Amar tudo bem, mas o que me causa
aflição é a maneira que se refere a Arizona, ao primo dela, o jeito que almeja

vencer na vida. —Funga, chorando. — Isso que me dá medo. Aqui, meu


filho. — Coloca a palma da mão aberta por cima do seu peito esquerdo.

Eu estou cansado.

Deito-me na cama ao seu lado em posição fetal, apoiando a cabeça no


seu colo. Meus lábios tremem e choro como nunca havia feito antes na sua
frente, ou na frente de qualquer outra pessoa. Nem mesmo quando era alvo de
bullying dos garotos da escola.

Continuo chorando violentamente, sentindo as mãos da minha mãe

fazendo carinho na minha cabeça. Não quero estar me sentindo vulnerável,


não quero viver um conflito interno, não quero rejeitar o que sou e muito
menos culpar alguém.

— Está tudo bem, filho. Sua mãe sempre vai te amar — murmura com
a sua voz chorosa.

Soluço, meus ombros tremem devido ao choro, agarrado no colo da


minha mãe como se minha vida dependesse disso.

— Deixa eu te ajudar, meu amor. Por favor, não continue seguindo esse

caminho, filho.

Sou incapaz de responder. Não consigo parar de chorar.

Novamente vim ao presídio visitar Argus José. Quero ter menos


contato possível, mas acabo seguindo meus instintos. Aceitei sua proposta
por estar envolvida em uma ilusão luxuriosa. No entanto, agora que o próprio
mafioso sabe quem eu sou e não tenho escolha de sair desse plano sórdido,
não me resta outra opção.

— Meu filho, que saudade.

Dou alguns passos para trás para criar uma distância e evitar que seus
braços alcancem o meu corpo. Não quero sujar nem amassar meu terno. Fora
que não sinto nenhuma afeição. Na verdade, meus sentimentos em relação ao
meu pai são confusos. Ainda é um desconhecido. Um desconhecido do qual
me envergonho.
— Estou fazendo o que eu posso. Arizona se afastou de mim — revelo
sentindo a saliva amarga na boca.

Seu semblante muda drasticamente.

— Então é melhor começar a pensar um jeito de essa garota voltar a ser


sua amiga, se apaixonar por você. Estamos nas mãos dele.

— Você nos colocou nas mãos dele. — Sorrio sarcástico.

— Se fizermos o que o ele quer... teremos tudo que sempre sonhamos.

Assumo a postura fria, pronto para persistir no plano e alcançar meus


objetivos.

Estava tendo um dia de merda no trabalho. Não via a hora de sair dessa
empresa e nunca mais colocar as solas dos meus sapatos aqui. Pensei que
Lucrécia seria a única a estragar o meu dia. No entanto, sou surpreendido
pela visita nada amistosa do doutor Alex Severo.

Assim que entra no meu escritório enroupado com seu uniforme e touca
hospitalar noto pela sua expressão facial dura que serei o alvo da sua fúria.
Tão logo me puxa por cima da mesa como um saco de batatas, são golpes

atrás de golpes. O homem é enorme.

O doutor Severo vem como pai defender sua cria. E fez um excelente
serviço. Estou sentindo dor por todo meu corpo. Para apenas quando um dos
seus homens anuncia a chegada da polícia. Se ele fosse um homem esperto
teria acabado comigo de uma vez. Pouparia dores de cabeça futura. Sempre

estarei na vida da sua filha. Não poderia viver sem tê-la por perto, ser o seu
carinho e apoio.

Conforme o corpo de delito é feito, imagino romanticamente Arizona


entrando pela porta querendo saber de mim, como estou. Chego a fechar os
olhos por alguns minutos. Infelizmente em nenhum momento a porta é aberta
por ela.

O delegado franze o cenho quando afirmo que não levarei a ocorrência


adiante. Não farei a Arizona ficar com mais raiva. É tudo que não preciso

nesse momento delicado que está nossa relação. Mesmo estando com raiva
por ter levado uma surra fodida do pai dela, não era sua culpa.

Meu celular vibra no bolso da calça social. O pego e vejo que é uma
chamada telefônica do Ramiro.

— Finalmente atendeu, querido.

Recomponho-me e limpo a garganta antes de falar:


— Muito trabalho. Hoje realmente está puxado. Estou com saudades —
minto como sempre faço.

Escuto o som da risada rouca do Ramiro sem ânimo algum. Quero


apenas encerrar a ligação, encher meu organismo de analgésicos e qualquer
outra droga que faça as dores amenizarem.

— Eu também, meu amor. Acredito que no próximo final de semana

estarei no Rio. Mataremos a saudade — suspira. — Tenho ótimas notícias.


Consegui o que me pediu para a sua mãe.

Mantenho a postura e sentimentos impassíveis.

— Obrigado. Muito mesmo.

— Tudo por você, querido. Hoje mesmo irão na sua casa recolher sua
mãe, acredito que antes das seis horas da tarde. A noite eu ligo. Beijos!

Não me dou ao trabalho de ligar para empresa e avisar que não voltarei

hoje.

Antes de descer do carro vejo o automóvel com o slogan da clínica de


repouso. Cumprimento o técnico de enfermagem e enfermeiro. Entregam o
documento referente à estadia da minha mãe na Casa de Repouso. Era o
mesmo documento que Ramiro enviou para mim pelo aplicativo de
mensagem. Autorizo a entrada deles.

Minha mãe está saindo da cozinha manuseando sua cadeira de rodas.


Sorri ao me ver, mas seu sorriso não dura muito quando nota os dois homens
vestidos com roupas brancas.

— O que esses homens são, Vicente?

— Vieram buscar a senhora. — Meu tom de voz sai cortante. — A


senhora irá morar na melhor Casa de Repouso...

— Essa é minha casa! Nossa casa! — se desespera.

— Mãe, por favor...

— Não saio daqui! Vou ligar para a polícia. Ainda respondo por mim!

— A senhora não tem escolha. Eu tenho sua curatela.

— Impossível! Respondo por mim, sou totalmente capaz... a não ser


que...

Minha mãe cobre a boca, fechando os olhos fazendo as lágrimas caírem


pelo seu rosto. Controlo-me para não voltar atrás na decisão.

— Vou arrumar a mala da minha mãe — anuncio antes de me retirar da


sala.

O ar não está chegando completamente nos meus pulmões.

Dona Hermínia não reluta, não fala e muito menos direciona seu olhar
para mim. As lágrimas continuam umedecendo seu rosto.

Não tenho escolha. Uma hora ou outra minha mãe iria abrir a boca e
colocar tudo a perder.

Tento sorrir após escutar o que Lucrécia disse, mas não tenho reação
alguma. Nem teria como ser uma brincadeira, apesar do sarcasmo eminente
em suas expressões faciais. Quero muito acreditar que tenha sido uma
brincadeira de péssimo gosto. Não por questão da orientação sexual do
Vicente. E sim pela mentira.

— Que pergunta essa minha. Claro que sabia, desculpa. É que quando
lembro que fui uma otária em ter investido nele fico com raiva.

Sorve o restante do champanhe. Acho que preciso de álcool no


organismo. Porque a única idiota dessa história sou eu.

Agradeço aos céus quando o atendente vem avisar que a gravação no


medalhão está pronta. Despeço-me de Lucrécia crente de que não estou em
um mundo paralelo. Realmente fui enganada esse tempo todo. Por mais que
ainda esteja visivelmente ressentida com o Vicente, ela parecia honesta. Não
faz sentido ter inventado.

Confiro a data gravada no medalhão e rapidamente o coloco no meu


pescoço. Pago pelo serviço e saio da joalheria pensativa.

Kostas está incrivelmente calado. E agradeço por isso. Acredito que

todos os seguranças da família estão meio que envergonhados por manterem


um grupo de mensagens que funciona mais como um grupo de apoio e terapia
para desabafarem.

Claro que Zayn não pensou que ao emprestar o celular para o meu pai o

doutor Severo fosse ler a mensagem do grupo deles, que subiu a notificação
justamente quando estava nas mãos do meu pai.

Retorno ao trabalho querendo esquecer a revelação que Lucrécia fez,


mas parece impossível. O doutor Rafael Sena chama minha atenção algumas
vezes durante a tarde de tão desatenta que estou.

Ao fim do expediente recebo a ligação do Elordi. Recuso seu convite


para jantar, pois realmente não estou bem emocionalmente. Afirmo que irei
me dedicar ao novo desenho que estou tentando terminando há semanas — o

que de fato não era uma mentira. Além do mais, meu namorado não tem que
lidar com a decepção tremenda que estou sentindo pelo meu melhor amigo.

Cogitei mais cedo em ir para a casa da Nay. No entanto, não quero


atrapalhar sua programação em família. Deixarei para desabafar com a minha
melhor amiga — e tia — amanhã quando viesse trabalhar.

Sorrio quando minha mãe entra no laboratório. Ainda usa o conjunto


cirúrgico.

— Fiquei sabendo de tudo.

— Meu pai se adiantou — rimos.

— Quando apontei o bisturi na direção dele rapidamente desembuchou.


— Faz uma carinha de inocente. — Claro que não fiz de propósito. Estou do

lado do seu pai, só para você saber.

Encosto-me no balcão suspirando.

— Tenho culpa. Poderia ter evitado isso, mãe.

— Filha, não quero me meter na sua vida. Meu papel sempre será o de
orientar, cuidar e proteger você, mesmo quando não achar necessário. Você e
seus irmãos são tudo para nós. E preciso ser sincera, tudo bem?

Meneio a cabeça e prossegue:

— Acho que deveria se afastar do Vicente. Pelo menos por um tempo,

acredito que seja o mais saudável a se fazer. Ele passou dos limites quando a
machucou. Não tiro a razão do seu pai. Se fosse eu ter lido a mensagem sairia
do mesmo jeito de onde estivesse para fazer picadinho do Vicente.

Miro seus olhos castanho-esverdeados sabendo que não poderia ter tido
uma mãe melhor que minha Eleonor.

— Criei e alimentei um Vicente totalmente diferente do qual vem se


mostrando. E hoje descobri que mentiu para mim a vida toda.

— Conversaram?

Minha mãe não esconde a insatisfação da possibilidade de eu ter


conversado com Vicente depois da briga que teve com o meu pai.

— Não. Encontrei a filha do patrão dele na joalheria. Fui gravar a data

do pedido de namorado que Elordi fez e aceitei. — Minha mãe une as mãos
rente ao rosto apertando os lábios, sem conseguir esconder o enorme sorriso.
— Depois conto tudo com maiores detalhes, prometo. Continuando,
encontrei a Lucrécia e pensei ter entendido errado. No entanto, afirmou que
não teve chance com o Vicente porque ele é gay.

— Puta merda! Mas ele teve namoradinhas no colégio, lembro das


vezes que ficou chateada.

— Vicente mentiu para mim. Durante todos esses anos. Sou uma idiota.
A maior.

— Não faz sentido ter escondido a verdadeira orientação dele, filha.


Dona Hermínia, pelo que a conheço, jamais o rejeitaria. Muito menos você.

— Irei descobrir a razão de ele ter mentido. E pensando bem... uns dias
atrás quando fui visitar dona Hermínia, ela estava disposta a revelar algo
sobre o filho. Vicente chegou na hora dizendo ser apaixonado por mim. Dona
Hermínia concordou, mas não acreditei.
— Então parece bem mais sério.

— Muito. Vicente mudou e eu não quis enxergar isso. A cada atitude

que me magoava, encontrava uma explicação para não parecer pior de que
realmente era. Meu Deus, mãe, fui tão... estúpida.

Desabo quando me abraça.

— Você sempre abusou da sua melhor qualidade e defeito para lidar


com as pessoas, Arizona. A bondade excessiva pode ser perigosa.

A abraço mais forte sentindo segurança e carinho nos seus braços.

Antes de sair do laboratório minha mãe me acompanha até o vestiário,


pois queria mostrar o colar que ganhei do moreno. Por questão de normas e
higiene todos os funcionários não podem usar adornos. Sem falar que a
possibilidade de aderência de microrganismos nas superfícies dos objetos é
altíssima.

Dona Eleonor quer tirar foto para mandar no grupo que tem com as
minhas tias e avó. Estrago seus planos, pois eu quero anunciar à família sobre
o atual status de relacionamento que Elordi e eu estamos. Minha mãe revira
os olhos, mas aceita.
Após tomar um banho trajo um vestido leve de alças finas com

pequenos girassóis estampados no tecido branco. Descalça, vou para o


estúdio que montei em um dos quartos.

Encaro a tela sem inspiração para continuar dando vida ao desenho


realista que estou fazendo. A face da mulher está inacabada, consigo apenas

terminar as enormes mãos que tampam a sua boca. Realço as marcas


deixando o mais perto possível da realidade.

Na cozinha, preparo uma refeição rápida e sigo para o estúdio. Sento-


me na cadeira de frente para a tela ansiando que a inspiração seja capaz de
tirar-me um pouco do estado letárgico. Todavia, continuo mastigando
lentamente fitando a obra com os pensamentos no Vicente.

Sigo em direção à cozinha para colocar o prato e talhares dentro da pia.


Após escovar os dentes retorno ao estúdio pronta para concluir o desenho.

Minha mão guia o pincel tingido de preto a centímetros de distância da tela e


suspiro sabendo que não adianta forçar. Não é assim que irei conseguir
terminar o desenho.

Regresso ao quarto e tiro o celular do cabo do carregador. Ignoro as


mensagens e ligações do Vicente mesmo com ânsia de o confrontar e, envio
uma mensagem para o Kostas avisando que iremos sair.
O celular vibra exibindo a foto do Vicente. Largo o celular em cima da
cama e saio do apartamento sem levar nada a não ser a chave.

— Aonde vamos? — indaga Kostas assim que entrono elevador.

— Apartamento do Elordi.

Toco no colar com o medalhão que está combinando com a minha

roupa. Pode até ser cafona, mas não me importo.

Entramos direto no prédio de classe média alta. Kostas tem o cartão de


acesso. Saio do carro e vou para perto da janela do motorista. Profiro:

— Vou dormir aqui.

— Chocado... não estou — diz bem-humorado.

— Até amanhã.

— Avise caso queira que a deixe na universidade.

— Certo. Boa noite.

O vidro que estava na metade abaixa totalmente. Kostas estende o


braço e fazemos nosso toque especial. Sorrimos e sigo para dentro.
Cumprimento um dos nossos seguranças que estão na garagem e uso o cartão
que Kostas tem para passar no painel digital e seguir direto para a cobertura.

Surpreendo-me quando vejo o moreno parado na antessala com o


celular na mão. Elordi está descalço, usando calça de moletom folgada e
camisa de manga curta. Parece pronto para deitar na cama e dormir, mas vim

justamente para mudar seus planos. Apesar da climatização fria,

definitivamente o calor que emana do meu corpo não permite que eu sinta
frio.

— Estava tentando falar com você pelo Facetime.

Solto o cartão em cima da mesinha de madeira rústica e vou em sua

direção determinada a termos uma noite de sexo. Poderia frear a loucura,


ainda mais por não ter contado que sou virgem. Mas não quero perder tempo,
quando sentir a barreira não terá como voltar atrás.

O quero agora, amanhã, depois e para sempre.

Fico na ponta dos pés colando meu corpo ao seu e tomando sua boca
num beijo de língua, molhado e cheio de saudade. O que pode ser loucura já
que hoje mais cedo namoramos no seu gabinete antes de o Miguel bater na
porta para anunciar a confusão.

Esfrego-me sentindo seu pau começar a despertar. O medo está


presente, mas o desejo e ansiedade de transar está falando mais alto. Preciso
disso. Quero esquecer todo o resto.

Arfo com a boca colada na sua quando dobra um pouco os joelhos em


um convite claro para subir no seu colo. Escuto o celular indo de encontro à
madeira e, logo suas mãos grandes agarram minha bunda firmando minhas
pernas envolta da sua cintura.

— Estou morrendo de tesão, pequena — murmura rouco.

— Eu também. Vim para transarmos.

Seus olhos de ônix ficam mais escuros. Deixo escapar um gemido


quando me pressiona com certa violência na parede. Minha calcinha está

úmida, estou sentindo. Nem posso imaginar o estrago que fará quando
finalmente fizermos sexo.

— Tem gostado de me provocar, não é?

Segura firme a lateral do meu rosto, acariciando meu queixo com o


polegar.

— Sim. Mas hoje realmente quero e preciso. — Estou quase


implorando.

— O que aconteceu, amor? Quem deixou você triste? — Passa o

polegar por cima dos meus lábios.

— Não quero falar. Não agora. Preciso de você.

— Vamos transar, mas não hoje e nem agora.

— Quero dar para você, porra!

Elordi puxa um sorrisinho sombrio.

— E vai. Muito, aliás. Vai ser minha putinha, vai deixar eu te comer do
jeito que eu quiser — sopra olhando no fundo dos meus olhos.

Mais um pouco e juro que vou derreter. Cacete. Gosto que use palavras

chulas, que faça promessas libertinas e vou amar mais ainda quando fizer
tudo que vem prometendo.

Desce a mão pressionando um pouco minha garganta. E então me beija


fortemente. Agarro sua nuca, puxando seu cabelo querendo ser

completamente dele.

Quando percebo, ele já havia sentado no sofá comigo no seu colo.


Movimento meu corpo para frente e para trás sentindo seu membro duro,
louco para sair e encontrar seu lugar dentro de mim. Ah, céus, como almejo
isso.

Tento tirar sua camisa, mas me impede. Suga meu lábio com vontade
fazendo eu gemer descaradamente. Nem tive tempo de tentar o livrar da
camisa, pois fecho os olhos ficando mole ao sentir seu nariz, barba, lábios,

dentes e saliva no meu pescoço.

Seguro seus ombros com força quando começa a beijar acima dos meus
seios até que escorrega as alças e os puxa para fora. Estou parecendo uma
gata no cio, sem vergonha alguma na cara. Levo uma mão para seu cabelo
quando começa a mamar no meu mamilo entumecido, puxando o piercing,
lambendo e voltando a chupar.
Ficarei marcada.

O afasto tomando sua boca e esfregando minha boceta coberta pela

calcinha melada no seu pau coberto. Elordi urra rouco quando paro de me
esfregar nele e passo a acariciar seu pau. Mordo seu queixo, passando a
língua em seguida até os seus lábios.

O moreno tem os olhos densos e sombreados pelos cílios longos. Leva

sua mão para dentro do moletom tirando o monstro do seu pau que passa do
seu umbigo. Minha boca chega a salivar admirando o pau largo, longo e
grosso. A cabeça parece um cogumelo, rosado, brilhando devido o pré-
sêmen.

Agarro o mastro sem conseguir o fechar em minha mão. Consumi


alguns vídeos pornôs, não parece ser difícil masturbá-lo.

Elordi pega a base do meu vestido e solto seu pau para nos livrarmos da
minha roupa. Volto a pegar sentindo o peso, admirando o que agora é meu.

Somente meu.

— Você é tão gostosa, amor.

Desencosta as costas do sofá para plantar um beijo em cada um dos


meus seios, em seguida sela meus lábios com a sua boca deliciosa.

—Vamos transar?

Solta uma gargalhada rouca e gostosa de se ouvir.


— Está doida para me dar essa bocetinha. Uma putinha.

Segura meu cabelo com força, fazendo eu inclinar a cabeça.

— Irei fazer você gozar com meus dedos e boca.

— Quero que goze para mim.

— Minha porra sempre é para você.

Minhas bochechas estão febris, minha vagina cada vez mais molhada e
só penso em ser desse homem.

Capta a lateral da minha calcinha a puxando para cima, desce a mão e


afasta o tecido de algodão. Definitivamente não é uma lingerie sexy, mas nem
pensei em trocar quando estava vindo para cá de tamanho desespero de o
encontrar.

Assisto hipnotizada quando começa a se masturbar. Pressiono meus


dedos nas minhas coxas.

—Cospe — ordena ao mesmo tempo que começa a brincar com o dedo


no meu clitóris.

— Quer mesmo que eu cuspa?

— Estou mandando, amor. Cospe no meu pau.

Mesmo envergonhada cuspo no seu pau o melando com a minha saliva.


Sua mão e dedos espalham o cuspe por toda a região a fazendo deslizar com
mais facilidade.

Rebolo no seu colo extremamente excitada, queimando de tesão,

sentindo seu dedo dentro da minha boceta, enquanto o assisto se masturbar. É


tão erótico, gostoso.

Estou latejando no meu íntimo, tocando meus seios, rebolando e com


os olhos fixos no seu pau enorme. Elordi está com os lábios grossos

entreabertos, gemendo rouco, me olhando como se eu fosse a mulher mais


bonita do mundo, as veias do seu pescoço e rosto estão marcadas, sua
respiração em sorvos igual a minha.

Cacete, até prestes a gozar esse homem não deixa de ser bonito.

— Goza, minha putinha gostosa. Goza para o seu homem, para o


homem que te ama loucamente. Vem, amor.

Não duro mais. Tremo sentindo a sensação intensa no meu abaixo


ventre se espalhando por todo o meu corpo, fazendo os dedos dos meus pés

se apertarem entre si.

Elordi alcança o orgasmo fazendo sua porra melar meus seios e barriga.
Mordisco os lábios, assistindo sua expressão de puro êxtase, urrando, sem
tirar os olhos de mim e só em seguida os fechando por alguns instantes.

— Puta merda! Melei você, amor.

Alisa minha boceta melada e sorri. O beijo, misturando nossas salivas,


satisfeita por este momento que ficará gravado na minha memória.
Estava prestes a ir ao apartamento da minha namorada para descobrir o
que a havia deixado triste. Sei que assimilar a surra que seu pai deu no seu
melhor amigo mexeu com ela. Pior, a fez pensar que de alguma forma tem
culpa indiretamente.

Arizona não tem culpa das ações do Vicente. E diante do erro que
cometeu novamente, minha namorada fez o que costuma fazer sempre: foi
boa demais. Procurou uma justificativa para a forma que seu amigo agiu
mesmo estando com raiva e sabendo que não havia atuado de forma correta,

ocultou para o proteger. Obviamente isso me deixou irado.

Fora este acontecimento, claramente outra coisa aconteceu para querer


esquecer, seja lá o que for, a ponto de querer transar. Por mais que seja louco
de amor, a desejar com todo meu coração e corpo há anos, não seria

displicente com a mulher que amo. Não faria da sua primeira vez um ato
impensado de sua parte. Quero ser o melhor que não fui durante os anos que
a afastei de mim.

Afasto meus dedos da sua bocetinha pequena sentindo-os grudentos por


conta do seu gozo. Minha porra sujou parte da sua barriga e seios. Para um
homem depravado como eu, chega a ser uma obra de arte ver a farra que fiz
no corpo da morena.

Arizona arfa olhando para o meu pau que amolece, mas sendo

ganancioso não demoraria muito para ficar rijo. Toco no seu mamilo,
apertando o biquinho rosado que tem o piercing, o puxando entre meu dedo
indicador e polegar. Aperta os lábios carnudos querendo conter os gemidos.

— Ainda quero transar.

Sorrio erguendo o olhar para capturar seus olhos oceânicos.

— Eu sei.
— Então...?

— Quer trepar para esquecer algo que a afetou muito — afirmo. —

Não é uma boa opção, amor. Faremos nossa primeira vez da melhor forma
possível.

Escorrego minhas mãos e dedos pelas laterais do seu corpo, sentindo as


curvas e pele macia até parar nas suas coxas grossas.

Não estou me sentindo usado pelo fato de a morena ter vindo a mim
para esquecer o que tanto a magoou. Ficaria puto da vida se não fosse eu a
pessoa a quem recorresse.

Então sempre que a Arizona tiver um problema e quiser descontar isso


no sexo — após termos nossa primeira vez — ela pode sentar em mim e
esfolar meu pau à vontade. Ficarei mais que feliz. Feliz pra caralho.

— Desculpa, Elordi. Parece que estou te usando.

Abraço a morena cheirando seu pescoço.

— Sei disso, morena. Agora quer conversar sobre o que a deixou


extremamente chateada.

— Não. Podemos só namorar?

— Faremos melhor. — Pisco o olho para ela.

A tiro do meu colo. Posiciono-me de joelhos de frente para as suas


pernas. Tenho vontade de rir quando Arizona arregala os olhos quando pego

por baixo das suas panturrilhas para a deixar totalmente exposta.

— Não é melhor apagar a luz? — pergunta tímida.

Arizona vai de tímida à putinha em questão de minutos. Adoro isso,


juro por Deus. Gosto das duas versões da minha mulher, nem posso saber o
que me espera quando finalmente transarmos.

— Nada disso! Esqueceu que já chupei você?

— Cacete, Elordi... você tem a boca tão suja.

Mordisca o canto dos lábios carnudos um pouco inchados devido aos


beijos longos e mordidas que lhe dei. Não tinha certeza se a minha mulher ia
gostar dos pejorativos que sou costumado a usar, mas diante da sua
satisfação, captei que todos foram bem-vindos.

— E você adora.

— Muito. Por mais louco que possa parecer — sorri.

Aproveitando que relaxou distancio suas pernas. Beijo seus pés,


admirando as unhas bem-feitas pintadas de vermelho, mordisco arrancando
uma risada sua. Beijo cada um dos seus dedos sentindo-os macios. Subo para
sua coxa deixando um rastro de beijos.

— Encosta as costas no sofá.


— Amor, estou uma bagunça aí embaixo.

— Gosto assim. Toda melada com cheiro de fêmea. Não tenho

frescura, morena. Dá essa boceta pra mim.

Tenta protestar, porém domino a situação ao fazê-la resvalar, a


puxando por baixo dos joelhos. Embolo seu vestido na cintura, afasto sua
calcinha para o lado. E olhando nos seus olhos passo o nariz pela vagina

pequena melando meu nariz, queixo, boca e barba.

Logo caio de boca na coisa mais gostada do mundo: a boceta da minha


mulher.

Arizona está tomando banho no meu quarto a contragosto. Deixou claro


que queria minha companhia debaixo da ducha. No entanto, estaria exigindo
bastante do meu autocontrole. Fora que ainda não falei sobre a tatuagem e
sobre o fato de eu comprar todas as suas obras de arte anonimamente.

Luri é um aliado e tanto. Sorte que Arizona recorreu a ele para


descobrir a identidade do admirador secreto de suas obras, contudo, não
obteve tanto sucesso.
Sorrio quando a morena me abraça apertando seus braços no meu
abdome.

— Sente-se que o lanche já está pronto.

Fiz uma batida de iogurte natural de morango — que a vó Selena


costuma fazer e distribuir para a família — e adicionei mais morango, amora
e mirtilo. Pego duas taças de sobremesa, as encho com iogurte até a metade.

Derramo mix de oleaginosas, em seguida acrescento chantili e complemento


com o que sobrou do iogurte.

— Quando penso que não me impressiono. Lá vem você, garoto de


ouro.

Entrego a taça e uma colher. Sento-me ao seu lado.

— Não deveria dizer, mas passará a vida toda sendo impressionada por
mim.

Sorri antes de levar a primeira colherada à boca.

— Hum...está bem-bom.

Depois de um tempo distraindo, saboreando o lanche da noite, resolvo


perguntar sobre o que a deixou chateada.

— Vicente chateou você? — Decido ser direto.

— Desta vez não diretamente.


— Sempre morri de ciúmes de você com ele. Mesmo sabendo que eram
somente amigos. Quero que saiba que tudo bem falar sobre ele comigo. É do

meu interesse.

Encara-me profundamente. São tantos sentimentos atravessando seus


olhos azuis que não consigo de fato saber o que se passa na sua cabeça.

— Sabe que acreditei por muito tempo que o Vicente poderia ser o

homem certo para mim?

Meneio a cabeça sem vontade alguma de continuar comendo.

Sabia tanto disso que o empurrei para a mulher que amo, pois
acreditava que ele era o cara ideal. Por mais que aquilo me machucasse, fiz
por ser altruísta.

Entre a garota pura ficar com um fodido como eu, preferi desistir de
lutar pelo seu coração antes mesmo de entrar na batalha. Claro, não sabia dos
seus sentimentos por mim e muito menos que Vicente se tornaria um

ambicioso de merda.

Diante o meu silêncio, profere:

— Ele mudou muito, Elordi. Nem de longe parece mais aquele garoto
sonhador, gentil, que adorava ajudar as pessoas, que não perdia uma ação
social comigo, bom filho... não queria enxergar sua mudança, pois estaria me
protegendo de uma grande decepção. Fiz isso sem perceber e esperançosa de
que fosse somente uma fase.

Passo o dorso da minha mão na sua bochecha afastando as lágrimas

silenciosas.

— Você o ama — falo sentindo um nó se formar na glote impedindo


por alguns segundos a entrada de ar nos meus brônquios e pulmões.

— Como amigo sim. Porém, me deixei levar pela amizade, por tudo
que Vicente passou comigo no momento mais difícil da minha vida.

— Essa imagem que tem do antigo Vicente atrapalhou você de o


enxergar como realmente é.

— Ele era uma pessoa boa, Elordi.

Lembro-me das diversas vezes que o protegi dos valentões da escola.


Ele era um garoto retraído. Sua única amizade era com a Arizona. Além é
claro, de querer insistir em fazer parte do meu círculo de amizades, que se

resumia apenas com Anthony e Miguel. Vicente era estudioso, estava sempre
com um livro na mão. Os garotos foram cruéis com ele, o fizeram desistir de
entrar em várias atividades que queria participar. O protegi como pude.
Porém, sabia que quando estivesse longe voltaria a ser o alvo dos valentões.

Entretanto, quando começou a levar o benefício das coisas que eu fazia


ocultamente para a Arizona, entendi que o garoto inocente estava mudando.

— Acredito nisso também, morena.


— Fui uma idiota. Mesmo triste com as atitudes dele, da sua falta de
comunicação, da rejeição e de ser trocada diversas vezes por alguma coisa

que inventava de última hora, da falta de cuidado com a própria mãe... dos
seus gostos requintados —bufa. — Procurava uma justificativa.

— A mudança dele não é sua culpa. De ninguém.

— Depois que saí da advocacia fui a uma joalheria no shopping gravar

a data do pedido de namoro. — Toca no colar que lhe presenteei. A fito


orgulhoso. — Encontrei Lucrécia, filha do patrão do Vicente e acreditava
que tivessem sido namorados, ou ficantes. Porém, disse com todas as letras
que não teve chances com o Vicente por ele ser gay.

Rapidamente volta à minha cabeça todas as desconfianças do Miguel


com a orientação do amigo da minha namorada. Puta merda! Se ele estiver
certo sobre sua outra insinuação... nem sei como irei revelar isso à mulher
que amo.

— Pouco me importa a orientação sexual do Vicente. A questão é a


mentira. Se eu sou ou era a melhor amiga, por que permitiu que eu me
iludisse? Juro que teve ocasiões que Vicente pareceu corresponder. O que
está acabando comigo é a mentira e a falsidade.

— É isso que iremos descobrir. Acredito que Vicente está escondendo


mais do que pensamos. Solicitei ao Luri para levantar tudo sobre ele. Espero
que saiba que se for algo muito mais sério, não sei... se por acaso estiver
envolvido com coisas ilegais que sejam do interesse da colmeia, vamos agir

como sempre fazemos.

A morena pareceu realmente mais decepcionada e assustada com esta


nova possibilidade.
Francamente não quero que o Vicente esteja envolvido com coisas
ilegais. Isso acabaria com a minha namorada. Arizona também o protegia do
bullying. Ao contrário dele, que parecia se afetar pelo que os garotos cruéis
da escola falavam, Arizona ignorava o máximo os comentários maldosos que
recebia das garotas por conta da sua aparência frágil devido ao tratamento
que havia vencido há pouco tempo.
Crianças podem ser bem cruéis.

Beijo o ombro da morena que está usando uma camiseta minha.

Por mais que eu seja um ciumento do caralho, tenho que admitir que se
descobrirmos que o Vicente realmente está num caminho sem volta, isso irá
quebrar o coração da minha garota.

Sei que ela o ama como amigo e tem uma gratidão enorme por ter
ficado ao seu lado quando não tinha mais nenhum amigo. Vicente insistiu,
fez coisas admiráveis, a protegeu e criaram um laço de amizade forte. Mas
seu caráter mudou drasticamente.

— Tudo bem ele ter ambição, mas a ponto de estar envolvido com
coisas ilegais? Meu Deus, isso acabaria com a dona Hermínia. Seria uma
grande decepção.

— É algo que não temos o poder de mudar, caso seja verdade.

Meneia a cabeça olhando nos meus olhos. Nem posso imaginar a luta
interna que está travando consigo mesma.

Levanto-me da banqueta e começo a recolher tudo que sujei, colocando


dentro da pia.

— Você não disse o que a Alicinha queria ligando e enviando


mensagens tão tarde da noite.

Puxo um sorriso sabendo que minha namorada é tão ou mais ciumenta


que eu. Não é um problema. É quente pra caralho e às vezes fofo, vindo da
Arizona, é claro.

Queria muito não ter conhecido o sexo sendo abusado, violado da


forma mais vil que um ser humano pode sofrer. Com certeza teria esperado
para ter minha primeira vez com qualquer outra pessoa. No fundo, sempre fui
romântico e um leitor assíduo de livrinhos de história, antes de entrar no

índice de pessoas que são vítimas do tráfico humano.

Fantasiei encontrando o primeiro amor, vivendo aventuras e


constituindo família. Porém, no dia que entrei no inferno junto com a minha
mãe biológica — que hoje guarda poucas lembranças na memória — eu
queria morrer o mais rápido possível para não usarem mais o meu corpo.
Meu psicológico criou uma defesa para que quando estivesse sendo violado
fosse desligado.

Mas não fui forte o suficiente. Comecei a sentir vontade de me

machucar, sentir dor para tentar esquecer o que faziam comigo e no fim me
tornei um potencial suicida.

Se eu não tivesse passado por esse inferno, não teria me julgado tanto a
ponto de afastar a garota que me apaixonei e por qual daria tudo para não ter
machucado mesmo sem saber, pois acreditei estar fazendo o certo.

E, o melhor...teria guardado minha primeira vez para ela.


— Ainda não me respondeu.

Vou até ela e giro a banqueta para ficar de frente para mim, assim

posso me encaixar entre suas pernas.

— Ela queria conversar sobre a ideia que teve sobre fazer cinema ao ar
livre com filmes e documentários voltados para as mulheres do Instituto. Não
retornei as ligações, li as mensagens e disse que poderia passar para a vó

Selena.

Abraça minha cintura e ergue o rosto.

— Tudo bem vocês serem amigos. Confesso que tenho ciúmes.


Entretanto, de forma alguma iria me intrometer... a não ser que eu perceba
que ela esteja dando em cima de você.

Mexe o narizinho de um jeito fofo e sorrio, beijando sua testa.

— Não somos amigos. Nos damos bem, conversamos sobre coisas do

Instituto. Porém, nunca dei brecha para que pensasse algo amoroso entre nós
dois.

Curvo-me um pouco para beijar seus lábios macios e carnudos. O beijo


que era para ter sido delicado, acaba se tornando sôfrego, esfomeado. Quando
descolamos nossas bocas, distribuo selinhos no canto da sua boca, queixo e
mandíbula.

— O que está pensando, morena? — pergunto ao notar sua carinha


safada.

— Quer mesmo saber?

— Acho que já sei. — Puxo o ar para os meus pulmões.

— Ainda quero transar.

Gargalho abraçando e cheirando seu cabelo. A pego e a faço montar no

meu colo e seguimos em direção ao meu quarto.

Acordo mais cedo do que costumo quando percebo que o Elordi não
está mais na cama. Antes de dormirmos foram longas horas nos beijando,
conversando e trocando carícias, desta vez, inocentes.

Sentada na cama com o corpo letárgico não demora muito para eu


despertar ao ver o homem alto e forte adentrar o quarto trajando calça social,
camisa social azul-marinho e colete com os botões contendo as iniciais do
seu nome e sobrenome.

Sorrio quando entrega a xícara para mim. Inalo o aroma das


especiarias.
— Hibisco com maçã, especiarias e mel.

— Assim não aguento, amor.

— Aguenta sim, morena.

Senta-se na cama, pertinho de mim e beberico o chá fumegante.

— Muito bom — murmuro. —Tem alguma audiência agora cedo?

— Sim. Apesar de ter passado todos os meus clientes para o Anthony,


ainda irei representar o cliente nesta audiência. E por volta das dez horas
estarei assinando o meu termo de posse.

— Que orgulho. Tenho aula, mas posso faltar para acompanhar você.

— Nada disso. Será rápido, pois logo terei que estar na advocacia para
conferir se passei tudo para o Anthony.

Tomo mais um pouco do chá.

— À noite comemoramos — falo cheia de segundas, terceiras e quartas

intenções.

Elordi abre um sorriso lindo.

— Após o treino serei todo seu.

Nos beijamos longamente. Por pouco não solto a xícara. Esse homem
não tem pena de mim, meu Deus.

— Na bancada está a chave. Mas pode usar a senha nos painéis. — Me


olha parecendo um pouco tímido e diz: — A senha é a data do aniversário da

Romana, Ragner... e do seu aniversário. Nesta ordem.

Pego sua mão e beijo a palma, emocionada e mais cativada pelo garoto
que me apaixonei na adolescência e que sempre continuei amando.

— Eu te amo.

Vem para mais perto, afasta meu cabelo e sinto seu hálito soprar no
meu ouvido, arrepiando-me toda:

— Amo você muito mais. Desde sempre.

Toma minha boca num beijo lento e profundo. Devolvo na mesa


intensidade.

Após três aulas da Imunologia sigo para a sala do meu orientador para
buscar o rascunho de doze páginas que escrevi sobre a problematização do
meu tema: como a vacina age no corpo.

Além de ter devolvido o manuscrito com observações, o doutor Lázaro


Carvalho entrega um livro que irá me ajudar na parte histórica. Conversamos
por mais de meia hora. Fico totalmente atenta nas suas explicações e

orientações.

No corredor, bufo ao ler a nova mensagem da Nay. Pede para eu parar


no quiosque de frutos do mar pertinho da praia — que fica a caminho do
hospital — e pedir camarão no alho, sal e azeite para viagem. Para quem
queria comer goiabada com sal, mais cedo, mudou drasticamente o desejo.

Respondo com um emoticon sorridente.

Ao guardar o celular na bolsa paro de andar ao ver o Vicente parado no


meio do pátio principal do bloco de ciências humanas. Ele mantém as mãos
no bolso da calça social de linho. Os machucados não escondem sua beleza.
E como sempre está impecável. Sempre soube se vestir bem.

— Você não responde minhas ligações e mensagens — diz se


aproximando.

Agarro o fichário como se fosse um escudo. Estamos praticamente

sozinhos, pois este horário ainda está tendo aula na maioria dos cursos que
são do período da manhã.

— Não quero falar com você. Pelo menos não agora.

— Seu pai me arrebentou... você sequer perguntou como eu estava.

Doeu o ver machucado. Realmente parece magoado.

— Depois da última conversa que tivemos o que você esperava? Que


eu continuasse atrás de você igual uma cadelinha? Esquecendo dos meus
próprios sentimentos, colocando nossa amizade em primeiro lugar? Pelo

jeito, era o que esperava.

— Não prestei queixa contra seu pai.

— Se tivesse feito cuidaríamos disso.

— Fiz por você, Arizona. Porque eu te amo, porque passaria por


qualquer coisa para no final ficar comigo... como era para ter sido desde o
início.

Fiz menção de andar e ele entrou na frente estendendo as mãos no ar,


pedindo calma.

— Escute-me, por favor.

— Tenho compromisso, Vicente. Quando eu sentir que devo te escutar,


falar com você, saberá.

— Vai encontrar seu primo?

Solto uma risada de nervosa.

— Meu namorado. E não devo satisfações a você — o defronto austera.


— Como soube que o Elordi frequenta o clube?

Cala-se por alguns instantes e profere:

— Um conhecido frequenta o clube e...


— Mentira. Todos usam máscaras, tem a identidade protegida de várias
formas.

— Estou falando a verdade, Ari. Por acaso, ele negou?

Vicente está mentindo.

Estou em um conflito interno. Como pude ser tão cega?

A paixão que acreditei sentir e gratidão demasiada que tenho pelo


Vicente me deixou com uma venda nos olhos.

— Preciso de você, Arizona. Você me excluiu da sua vida, depois de


tudo que vivemos juntos! Não estou mentindo. Amo você, porra! Minha
formatura é daqui dois dias, prometeu que estaria comigo.

Engulo em seco, sendo fria o suficiente para não o deixar me envolver.

— Seja honesto comigo ao menos uma vez — o encaro. — Por que


escondeu sua orientação sexual? Por que me iludiu, mentiu e continua

tentando me enganar?

Parece em choque. Depois de longos minutos, questiona:

— De onde tirou essa difamação?

— Você é gay. E continua jurando amor por mim, quando sabemos que
não é verdade. O que ainda está escondendo? Quem é você, Vicente? Uma
coisa posso garantir: não é mais o meu melhor amigo. Nem de longe se
parece com ele.

Seguro a vontade de chorar me sentindo impotente, com medo do filho

da dona Hermínia ser pior do que mostrou ser.

Acreditando que não obterei nenhuma resposta para as indagações que


fiz, começo a andar em direção à saída do prédio, me sentindo naufragar.

Destilando raiva, pronuncia:

— Não sou viado, caralho! É mais fácil o Elordi ser, não podemos
esquecer que passou pela mão de muitos homens.

Guiada pela cólera ergo a mão fechada, acertando o seu nariz com um
soco. Ajo tão rápido que nem dá tempo de o Vicente reagir. É pego
desprevenido. Ignoro a dor latejante que se espalha na minha mão e dedos,
respirando em haustos o olhando tentando conter o sangramento.

— Arizona, porra...

— Nunca mais fale do meu namorado ou de qualquer outra pessoa que


eu ame. Dou minha palavra que se tiver a infelicidade de acontecer será bem
pior.

Viro de costas, andando com passos apressados.

— O que aconteceu? —questiona Kostas vindo ao meu encontro.

Estamos no estacionamento.
— Quebrei o nariz do Vicente.

— Queria tanto ter visto.

— Sério, Kostas? Preciso de gelo.

Com perícia segura a palma da minha mão.

— Vai resolver. Talvez, fique inchado.

Entramos no carro. Cumprimenta o membro que está como motorista.

— O que ele fez?

— Foi extremamente nojento ao falar do Elordi.

— Quem ele pensa que é para falar do garoto de ouro?

Seguro a risada.

Pego a garrafa de água gelada que me entrega e coloco de forma


horizontal encostado na minha mão.

—Vamos parar no quiosque perto da praia. Nay está com desejo e hoje

irei atender o novo bebê da família — comunico.

— Então, vocês desfizeram a amizade?

— Vicente não é mais aquele meu melhor amigo. Agora vejo isso.

— Vamos parar na igreja também, José. Temos que agradecer que a


ursinha finalmente enxergou quem é o Vicente.
Em outro momento até poderia rir, mas a dor na minha mão não
permite.
Enviei uma mensagem para Nay pedindo que me esperasse na sua sala
e não no refeitório como havíamos combinado mais cedo. Carregando a
sacola de papel com a embalagem que contém seus camarões no alho, azeite
e sal, continuo andando pelo hospital um pouco aérea e cumprimentando
rapidamente alguns colegas de trabalho que passam por mim.

— Você me deixou ansiosa. Isso não se faz com uma gestante.


A escuto dizer assim que entro no seu escritório. Coloco a sacola em
cima da sua mesa e praticamente desabo na cadeira.

— Você está triste — afirma, passando seu olhar sobre mim tentando
deduzir mais alguma coisa. — O que aconteceu?

Entreabro os lábios pronta para começar a falar, mas não consigo.


Estou exausta emocionalmente, extremamente decepcionada com o homem

que julguei ser meu melhor amigo.

Eu amo o Vicente. De certo modo foi inspiração para mim, sua


amizade era uma dose extra de esperança que eu tinha na época que fazia
tratamento. Obviamente agora entendo que misturei os sentimentos. Porém,
jamais pensei que fosse se mostrar um ser humano cruel.

Tenho medo desse Vicente que vi hoje. Ele não é mais o meu melhor
amigo.

Umedeço os lábios sentindo o gostinho das lágrimas. Minha maior

decepção é saber que Vicente continua mentindo sobre o que diz sentir por
mim, por ter falado do abuso que Elordi sofreu de uma maneira totalmente
torpe.

Quando meus tios adotaram o Elordi foi algo que conseguiram manter
oculto o quanto puderam da mídia a fim de proteger o primogênito.

No entanto, como Elordi era vítima de uma grande rede de tráfico de


crianças, que graças a Deus foi descoberta pela polícia federal juntamente
com outros oficiais da justiça, não conseguiram segurar a identidade dele por

muito tempo.

Infelizmente na escola essa parte lôbrega do passado do meu namorado


se tornou de conhecimento de todos quando Caio — um dos maiores
valentões da escola e filho de um diplomata — revelou o passado do Elordi.

Isso poderia tê-lo abalado? Acredito que de certa forma sim, porém
continuou usando sua faceta de bad boy. Nada parecia o abalar. Por mais que
tentasse não gostar dele, por toda a rejeição que sofri da sua parte, o
admirava.

Em nenhum momento em todos esses anos Vicente proferiu sobre o


passado do Elordi. Era um tipo de conversa que nunca tivemos por respeito
ao garoto que sobreviveu ao tráfico humano.

No entanto, debatíamos o quanto seria perfeito que esse meio de gerar

mais de trinta bilhões de dólares acabasse. Mas enquanto for rentável,


pessoas ruins continuarão roubando vidas, iludindo mulheres e homens com
promessas falsas fora do seu país de origem.

— Descobri que fui uma tola, Nay. A maior idiota de todas por amar e
acreditar cegamente no meu melhor amigo.

— Vicente realmente veio mostrando ser um cara cheio de ambições.


Não sabe como queria que seus olhos se abrissem quanto a isso, mas agora
olhando para você assim, estou me sentindo mal.

— É mais que ambição, Nay. Vicente continua negando sua orientação


sexual, continua mentindo, tentando me enganar sem se importar com os
meus sentimentos. E hoje foi tão sórdido ao usar o passado do Elordi que...
estou enojada até agora.

— É pior do que pensávamos — diz pensativa.

—Muito. — Suspiro. — Só penso na dona Hermínia, pois realmente


não quero mais contato com o Vicente. Contudo, também não posso me
afastar dela. Tenho um carinho enorme por ela.

— Que merda, hein. Sua mão...?

Abro e fecho a mão direita a sentindo latejar. Soquei o nariz do Vicente


totalmente despreparada o que quase ocasionou uma dor a mais. Por muito
pouco não foi uma luxação. Naquele momento só queria causar dor ao

Vicente por ter falado algo tão absurdo do Elordi.

Nayara levanta-se e vem verificar minha mão lesionada.

— Ossos carpais não saíram de sua posição. — Analisa apalpando


minha mão, do pulso até o dedo mindinho. — Gelo e gel massageador vão
resolver.

Afasta-se e vai até o frigobar vintage que mantém no seu escritório, de


onde pega uma bolsa de gelo flexível. Agradeço quando a entrega para mim.

— Vai ao treino hoje?

— Não. Estarei na galaria cuidando de alguns assuntos. Não estou com


cabeça para treinar.

Pega a embalagem e talheres recicláveis dentro da sacola. Indaga ao se

sentar para comer:

— Conte ao Elordi o que aconteceu.

— Posso contar que quebrei o nariz do Vicente. Agora o motivo... é


demais até para mim — digo revoltada.

Mastigando lentamente continua me olhando atentamente.

— Elordi aguenta, ursinha. Nesse momento não podem mais esconder


nada um do outro.

— Queria tê-lo protegido de todo o mal que lhe causaram ainda

criança. Mexe comigo, pois o tempo que passamos longe um do outro eu


poderia estar ajudando no seu tratamento psicológico, o amando. — Aperto
os meus lábios sentida.

— De alguma forma você o ajudou. Elordi sempre a admirou, mesmo


de longe cuidava de você. Tem muito o que ser conversado entre vocês. O
importante é que agora estão juntos. Amém, Senhor!
Sorrio pelo jeito que fala. Então, algo que estava martelando na minha
mente me impulsiona a comentar:

— Nós ainda não transamos.

— Mudamos de assunto muito rápido — fala antes de levar mais um


camarão à boca.

— Ele não tira a camisa, pelo menos não perto de mim. Na escola
Elordi era do time de polo aquático. E depois de alguns meses começou a
esconder seu corpo da cintura para cima.

— Humm — murmura ainda mastigando.

— Será que ele tem alguma insegurança? Apesar de parecer o motivo


mais óbvio no momento. Sofro disso e sei que não é nada fácil. Porém, venho
melhorando e posso o ajudar em relação a isso. Sabe de algo a respeito, Nay?
Nunca falaram a respeito?

Nega meneando a cabeça. De repente começa a tossir. Levanto da


cadeira deixando a bolsa de gelo cair no chão para acudir a Nayara.
Rapidamente a puxo da cadeira, passo os braços em volta do seu tronco, cerro
o punho da mão e coloco o nó do polegar. Estou pronta para começar os
primeiros-socorros quando lembro do meu sobrinho — postiço — dentro do
ventre da mãe dele. Não posso de jeito nenhum aplicar força no estômago da
Nayara.
— Engasgou mesmo? Puta merda! O que eu faço?

Nayara se afasta batendo de leve a palma da mão um pouco abaixo do

pescoço.

— Estou bem. Foi um pequeno engasgo. Sem desespero.

Abre a garrafa de água térmica e sorve um longo gole. Ao fechar,

começa a rir.

— Tem noção de que estamos no hospital, né?

— Fiquei desesperada, poxa!

Tento segurar a risada, mas acabo rindo. Eu fui ridícula.

— Vê se mastiga bem, Nay. Espera, você engasgar teve a ver com a


pergunta que fiz?

Infelizmente o bip da Nayara toca e rapidamente o pega, avisando que


o doutor Fontes a está convocando.

Em outro momento irei falar, tirar tudo que ela sabe sobre o meu
namorado, e que fiquei privada de saber.
Não tive dúvidas de que a vitória seria nossa. Fernandez Antielle, foi
acusado pela sua ex-esposa de ter sido o mandante do seu sequestro. As

provas contra ele foram forjadas. Tudo passou pela perícia, pois sempre fica
alguma coisa que indique o verdadeiro culpado — no caso, essa pequena
falha mostrou a inocência do meu cliente.

Se eu tivesse alguma dúvida da inocência do seu Antielle, jamais teria

aceitado o seu caso. Nossa advocacia só defende clientes que são realmente
inocentes.

Recusei o convite do senhor Antielle de ir à sua empresa, que é uma


das maiores no ramo de investimentos imobiliários, alegando ter outro
compromisso inadiável.

Assim que me vê, Ezequiel joga a chave do Mercedes-Benz G63 AMG


blindado. Jogo a parte de cima do terno, bolsa masculina transversal e pasta
de couro no banco de trás e assumo o lugar do motorista.

— Hoje o seu tio Enzo que vai treinar vocês.

— Miguel já deve ter xingando de tudo que é nome. Tio Enzo vem
pegando pesado com a gente.

Ezequiel contem o sorriso.

Contudo, é do nosso conhecimento que tanto ele como Hades e Matias


adoram quando pagamos nossos pecados nos treinos. É como uma pequena
vingança por termos aprontado demasiadamente durante a adolescência.

Agora consolidei oficialmente a minha investidura no cargo público.


Na segunda-feira começo efetivamente na delegacia. Poderia começar
amanhã mesmo —sendo que tenho o prazo de até quinze dias, contados da
assinatura do Termo de Posse.

Preciso do restante dessa semana para organizar tudo na advocacia e


me preparar para cuidar de casos como conselheiro, e da parte burocrática
quando estiver de folga na delegacia.

Cumprimento Regina que acena e continua prestando atenção na

ligação. Ao entrar no escritório do Anthony o vejo olhando inertemente para


a paisagem que tem da cidade carioca pelo vidro. Quando nota minha
presença, logo reparo seu olhar fundo, nitidamente apresentando cansaço.

— Não tem dormido — cauciono.

Senta-se na cadeira, encostando as costas no apoio, fechando os olhos


azul-turquesa por alguns segundos. Cruzo os braços o encarando atentamente.
Esperando que esteja pronto para falar, desoprimir.
— Tive... outra crise.

O ar pareceu fugir dos meus pulmões por alguns instantes. Já presenciei

algumas crises. A paralisia do sono assombra o Anthony há muitos anos,


antes mesmo dos meus tios o adotarem.

— Poderia ter ligado para mim, ou para o Miguel.

— Pensei, mas preferi ficar sozinho. Não dormi mais.

— Chegou o momento de falar com os seus pais, irmão.

— Não irei. É capaz do meu pai suspender o projeto de expandir a


advocacia na Turquia. Preciso disso.

— Então, vamos ao grupo de apoio. O acompanho. Esse episódio foi


mais forte que os outros?

— É um inferno como sempre... só que dessa vez demorou um pouco


mais. Vi todos eles em cima de mim, me machucando, e como sempre não

consegui mexer um músculo nem gritar, nada. Um verdadeiro terror.

Gostaria muito que houvesse uma cura para o problema de saúde do


meu amigo. E mesmo estando claro que é necessário voltar ao tratamento
constante, irá aguentar o quanto puder para nada interromper seus planos.

— É melhor não ir ao treino. Suas costas ainda estão sarando...

— Preciso de exaustão física. Estão melhores, posso aguentar.


Está correndo o risco de machucar as costas que estão em processo de
cicatrização para lhe causar mais dor. Suspiro sabendo que Miguel e eu

estamos de mãos atadas referente ao Anthony.

Olho o triângulo invertido um pouco acima do seu pulso direito. Nós


três —Anthony, Miguel e eu — fizemos essa tatuagem para simbolizar nossa
irmandade, lealdade e amizade.

Conversarei com o Miguel sobre o nosso melhor amigo. Temos que


encontrar um jeito de o ajudar.

Falo com a minha namorada pelo celular antes de sair da advocacia.

Arizona faltará no treino para resolver algumas coisas referente à galeria.


Noto seu tom de voz mais barítono, não quis ser insistente em perguntar se
havia acontecido alguma coisa. Esperaria minha mulher estar pronta para
dizer.

Como sou bastante paciente consigo esperar até amanhã.

Depois de duas horas e meia de treino de ataque e defesa com apenas


quatro intervalos de cinco minutos para escutar explicações objetivas e
didáticas do tio Enzo, finalmente pagamos o de hoje.

— Cansou, peste? — indaga tio Enzo para o irmão caçula.

Estão se alfinetando desde à tarde por conta de uma ousadia do Miguel


sobre um caso de um cliente importante.

— Nadinha, irmão. E não pense que me foder no treino vai fazer eu

voltar atrás.

Enzo abre um pequeno sorriso diabólico e sai deixando o Miguel


desconfiado.

Seguimos para o gabinete do Luri. Assim que adentramos, a colmeia


informou que havia conseguido algumas coisas sobre o Vicente. Preferi
deixar para saber da novidade após o treino.

— Não gosto quando entram na minha sala sem bater — ralha Luri
desviando a atenção da tela enorme do seu computador.

— Para de show, Luri. Fale de uma vez — diz Miguel se sentando na


cadeira.

Luri empurra a pasta de couro na minha direção. A pego para ler o que
dizia o dossiê. O líder da equipe de hackers profere:

— Vicente Ferraz Almeida, se cadastrou no site de Sugar Baby usando


o nome Henrique Souza de Lima, está no ramo há seis anos. No momento
tem um Sugar Daddy fixo, se chama Ramiro Gonçalves, um magnata do
petróleo. O flat alugado no Leblon, onde se encontram, está no nome falso do
Vicente. Encontrei o registro do nome falso do Vicente na secretaria de

segurança pública. Está credenciado como visitante no presídio, como amigo


do detento Argus José de Morais.

— É pior do que pensei — murmura o Miguel, pensativo e sério.

Luri continua:

— Estava esperando conseguir as filmagens das câmeras de segurança


da penitenciária. Porém, encontrei o registro do Uber que Vicente pediu pelo
aplicativo para ir até a delegacia. Bem fácil — fala tranquilamente. — Outra
coisa, não encontrei nenhum parentesco do Vicente, ou do Henrique que
liguem ao criminoso. Nada no passado de ambos remete à alguma ligação.

— O que mais, Luri? — inquiro sem tirar a atenção do dossiê.

— Argus era um traficante barra pesada da região sudeste do país.


Fazia grandes negócios. Mas como toda pessoa que vive de coisa ilegal, uma

hora caiu nas mãos da justiça e foi pego. Seu pai, o juiz Medeiros, foi quem
julgou e condenou Argus José de Morais a mais de trinta anos de prisão. A
coisa é mais do que drogas, o cara tem uma lista imensa de crimes. Está tudo
aí. Obviamente continuarei investigando. Estou analisando toda a lista de
contato que Argus tinha antes de ser preso. Fora Vicente, vulgo Henrique,
nunca recebeu visita de ninguém.
Encaro os meus dois melhores amigos sem reação. No fundo, queria
que tudo não tivesse passado de uma brincadeira e desconfiança do Miguel.

— Como isso é possível? Quer dizer, não o fato de ele ser gay. Mas não
faz sentido.

— Agora mais do que nunca faz sentido, irmão — diz Anthony sisudo.

— É mano, a questão nunca foi a Arizona. E sim você.

Jogo o dossiê em cima da mesa com a cabeça fervilhando, a gana


subindo e esquentando meu sangue.

— A questão é que Vicente tem se encontrado com um bandido que


meu pai condenou. Esse homem não o procurou à toa. Claro que deve saber
que Vicente é amigo da Arizona, uma Lacerda e consequentemente é
próximo a mim. Filho do juiz que o mandou viver o resto da sua vida atrás
das grades.

— Como não tem registro de visita íntima, podemos descartar a


possibilidade de o Vicente ser Sugar Baby do bandido.

Fito o meu melhor amigo deixando claro que não estou no meu melhor
momento para apreciar seu humor.

— Estamos tratando de uma coisa séria, Miguel.

— Agora quero ser chamado de: Profeta Miguel.


— Agora não, mano — pede Anthony.

— Eu avisei. Pau no cu, irmãos. É isto! — fala a peste do meu melhor

amigo.

Ignoro o Miguel e indago o Luri:

— Tem certeza de que não são parentes?

— Não tem nenhum registro. E quero deixar claro que quem fez a
identidade falsa do Vicente está de parabéns. É quase perfeita. Hermínia
Ferraz de Almeida registrou o filho sem pai, então podemos considerar o fato
de o Argus ser pai biológico do Vicente. É uma possibilidade que não
descartei. Entrei em contato com a equipe da Tailândia, solicitando que
coloquem na tecnologia facial Argus, Hermínia e Vicente, que mostra a
porcentagem de quanto o filho tem do pai e quanto tem da mãe. Não
liberaram para nós, aliás, nenhuma outra sede da Serpentes of Anarchy, pois
está em fase de teste. Porém, já é algo.

Vicente realmente vai partir o coração da minha garota. E não vou


poder fazer nada.

— Tem outro cliente fixo fora Ramiro Gonçalves?

— Não. Mas pelas minhas contas os clientes diminuíram desde que


Ramiro se tornou seu Sugar Daddy oficial.

— O que está pensando, Miguel? — questiono irritado por estar


estalando a língua no céu da boca.

— Que eu estava certo. É bom pra caralho ter razão.

— Sem palhaçada, irmão — diz Anthony.

— Tá, falando sério agora. — Ajeita o boné na cabeça e fala: — Segura


essa vontade de matar o Vicente até Luri conseguir mais informações. Temos

que entrar em campo quando tivermos mais um passo à frente. Agora virou
assunto da colmeia. Claro que esse cara deve estar usando o Vicente para
atingir a família. Não sou o senhor Murat, mas estou quase, e juro que estou
sentindo que pode ter mais alguém envolvido.

— Acredito nisso também — declara Luri.

— Talvez Vicente esteja sendo manipulado ou se deixando levar pelas


circunstâncias. Principalmente agora que a melhor amiga dele está
namorando o amor de sua vida. Irmão, precisamos de um psiquiatra para nos
ajudar. A meu ver o moleque sempre foi apaixonado por você, mas agora

pode estar o odiando devido aos últimos acontecimentos envolvendo você e a


ursinha.

— Pare de falar isso, porra — exprimo.

— Então diz você agora, Anthony.

— Preciso lembrar o que aconteceu no Jockey Club?

— Não! — Olho para o Luri, e solicito: — Continue investigando.


Conforme novas atualizações avise imediatamente, por favor.

Precisando de ar puro saio do gabinete do Luri com a cólera queimando

meu corpo.
Poderia ir muito bem colocar o Vicente contra a parede e descobrir até
que ponto está envolvido com o Argus José Morais. É da minha natureza ser
impulsivo. Porém, com o passar dos anos, sendo educado pelos meus pais,
treinando na colmeia a parte teórica e prática, acabei evoluindo.

Mas neste momento quero mandar tudo para casa do caralho e acabar
com o Vicente. Estou com raiva por ter acreditado no seu caráter, por ter
cogitado e empurrado ele para a mulher que amo, conjecturando que era o
homem ideal para Arizona.

— Não fique se martirizando.

Miguel oferece o saquinho com as sementes de girassóis. Aceito,


despejando um pouco na palma da mão.

— Desde que o conheci e soube que era o melhor amigo da Arizona... o


invejei por ser um garoto normal, sem dramas e passado conturbado. Ele
tinha a atenção da garota que senti amor puro assim que a vi pela primeira
vez.

— Todos estão sujeitos a errar. Naquela época Vicente realmente


parecia ser um garoto tranquilo — comenta Anthony pegando o saco de
sementes da mão do Miguel.

— Nada de ficar se culpando por ter saído da jogada, acreditando que o


senhor perfeito era o cara ideal para a sua garota.

— Tentei ser amigo dele pela Arizona. Queria ter certeza de que não
havia errado sobre o perfil que tracei do Vicente. E agora essa merda toda.

Encosto as costas ensopadas de suor no concreto frio.

— Você anda escondendo muitas coisas da ursinha. É o momento de


revelar que tatuou o desenho que ela fez, nas suas costas, não só por ter
achado o desenho foda, e sim porque a queria de alguma forma com você.
Diga que sempre contornou as sabotagens das cadelas invejosas da escola
contra ela, fale que é seu admirador secreto e mantém os quadros dela

somente para você... mostre que por mais podre que o melhor amigo dela
seja, nada será capaz de parar vocês.

Anthony, de nós três, era mais centrado, definitivamente o mais


reservado. Todavia, sempre sabia o que dizer.

Uma pena a maioria dos seus conselhos não surtirem efeito para si
próprio. Como se não precisasse de ajuda quando todos nós sabemos que
vivemos o inferno na cabeça, no corpo, na alma e por este motivo sempre
iremos precisar de ajuda profissional.

— Farei isso. É só que estou com tanta raiva de mim por não ter
percebido a real intenção do Vicente.

— Sem julgamentos, irmão. Enquanto você só tinha olhos para a


Arizona, o Vicente só tinha olhos para você — diz Miguel com um ar

risonho.

O idiota está se divertindo.

— Não tenho problema algum com a orientação do Vicente. Minha


maior preocupação é até que ponto ele está envolvido com o bandido que foi
condenado pelo meu pai, pior ainda, se está planejando algo contra a minha
mulher. A mesma que o admirava, que o incluía em tudo, que o ajudou a vida
toda sem esperar nada em troca.

— Se ela já ficou extremamente decepcionada com essa mentira,

imagina quando souber que seu melhor amigo nutre amor pelo seu homem.

Puxo o ar com força para os meus pulmões.

— Era para a gente estar tomando umas cervejas. Vamos marcar para o

final de semana.

Miguel dá uma palmada nas costas do Anthony em forma de despedida.


Pelo jeito havia esquecido que as costas do nosso melhor amigo está com
ferimentos recentes.

— Porra, esqueci completamente que lascou suas costas!

Anthony apoia o braço na parede, respirando e soltando o ar lentamente


sem abjugar uma lamúria de dor.

— Está tudo bem! Só preciso de alguns minutos — profere Anthony,

de olhos fechados.

— Acho que devemos falar com os seus pais, Anthony. Você não está
nada bem. Voltou com a paralisia, não tem dormido direito, está ansioso —
sugere Miguel.

— Irei melhorar. Não posso regredir agora, não quando finalmente vou
conquistar a primeira etapa do que sempre sonhei.
— Podemos fazer uma viagem espiritual. Agora podemos ir para a
Índia, o que acha?

Costumamos fazer nossa jornada espiritual no Japão. Tem sido um dos


melhores remédios naturais para nós. Porém, ultimamente nos despertou o
interesse de irmos à Índia. É um país de histórias antigas, uma das mais
antigas do mundo, o país dos contrastes, cores, ancestralidade, religiões.

— Seria ótimo. Prefiro esse tipo de ajuda... no momento — responde


ao Miguel. Abre os olhos totalmente cético. — Amo os meus pais mais do
que tudo nessa merda de vida, seria angustiante vê-los decepcionados
comigo. Algo que será inevitável quando eu retornar da Turquia, pois lá serei
o verdadeiro diabo.

Nos mantemos calados.

Demorei para pegar no sono na noite anterior. Estou terminando de me


arrumar quando recebo a mensagem do meu namorado avisando que me
aguarda na garagem. No meu estado normal com certeza não perderia a
oportunidade de o convidar para o meu apartamento, beijar sua boca deliciosa
e nos perdermos por longos minutos em amassos maliciosos.

No entanto, controlo minha tara pelo meu namorado sabendo que não

poderíamos nos atrasar ao compromisso de última hora que nossa vó Selena


nos encaixou.

Minha avó ligou quase uma da manhã para solicitar minha participação
na feira de artesanato que as mulheres do Instituto Eleonor estão fazendo

hoje. Somos comprometidos nos fins de semana com o Instituto conforme a


escala que a vó Selena organizou. Ainda bem que não tenho aula hoje pela
manhã e realmente estou precisando distrair a mente. E pelo jeito Elordi
também foi escalado para a missão de última hora.

Ao sair do elevador na garagem, não caminho diretamente até onde


meu namorado está encostado no Knight XV, com a atenção inteiramente no
celular.

Parada, aperto com força a alça da bolsa transversal, admirando a

beleza rústica do Elordi Medeiros.

Meu cérebro não para de produzir dopamina. Estou sentindo o aumento


da energia corporal, da frequência cardíaca e pressão arterial — não sou
hipertensa, tenho certeza disso —, claramente meu cérebro também está
produzindo mais norepinefrina. Nem vou comentar o estrago que a ocitocina
está fazendo em mim. Esse hormônio do amor está sendo uma verdadeira
cadela comigo.

Sinto que a cada dia que passa estou amando mais o Elordi. É

impossível não sentir medo do amanhã, saber se vamos realmente passar por
tudo juntos.

— Pode tocar também. Se quiser, é claro — fala humorado.

Mordo o cantinho do lábio imaginando o quanto quero me acabar no


seu corpo másculo, lambê-lo todinho...

— Pelo jeito minha namorada está com fome.

Aproximo-me mantendo o controle. Não posso atacar meu namorado


como uma desesperada.

— Muita. — Passo os braços pelos seus ombros, fico na ponta dos pés
e tendo suas mãos grandes apertando minha cintura, nos beijamos
longamente. — Bom dia.

— Bom dia, pequena.

Passa o nariz pela minha bochecha, fazendo um pouco de cócegas com


sua barba.

— Vó Selena também pediu sua ajuda?

— Sim. Anthony, Miguel e Nay não participarão por terem


compromissos profissionais.
— Depois podemos almoçar, curtir um pouco.

— Excelente. Antes de irmos ao Instituto, vamos tomar café da manhã?

Eu pago.

Elordi sorri e beija a ponte do meu nariz.

Como estou com o Elordi, o líder da minha segurança irá nos encontrar

no Instituto da família.

Decidimos fazer a primeira refeição do dia na Confeitaria Colombo.


Literalmente uma lenda, fez parte da história do país e foi declarada
Patrimônio Histórico e Artístico. A decoração exuberante é a primeira coisa
que chama a atenção. E dá vontade de comer tudo que tem no cardápio.

Toda a decepção e estresse de ontem com o Vicente cessa com a


companhia do Elordi.

Entramos de mãos dada até o elevador da garagem subterrânea do


Instituto, que é destinado à família. Ainda não falamos formalmente para
nossa família sobre o atual status do nosso relacionamento. Claro, a fofoca
deve rolar solta nos grupos do WhatsApp.

Desentrelaço minha mão da sua assim que entramos no jardim onde

estão montadas todas as barracas de artesanatos.

— Algum problema?

— Nenhum. Bom, ainda não falamos sobre nós para nossa família...

— Acha mesmo que não sabem que vocês estão juntos? — questiona
Kostas ao descer seus óculos escuro até a metade da ponte do seu nariz.

— Claro que sabemos que sabem. É só que... é melhor anunciarmos


formalmente. — Sinto minhas bochechas esquentarem.

— Não é por nada não, sei que vocês são os alecrins dourados que
nasceram no campo sem serem semeados. Contudo, não são as pessoas mais
discretas desse mundo. Só de olhar para vocês dá para ver que se pegam —
articula Kostas com o seu ar de deboche.

Meu namorado segura a risada e fico com vontade de puxar a orelha


dele como se fosse um pestinha.

— Meus netos queridos. — Vó Selena nos puxa para um abraço triplo.


—Elordi, preciso que dê uma força para os rapazes carregando as caixas do
estúdio para cá. E você, bebê, pode ajudar na decoração? Temos pouco
tempo.

Vó Selena desfaz o abraço e vai cumprimentar o Kostas.


— Meu filho, parece que emagreceu. Venha se alimentar, a cozinha
está repleta de bolos, croissants, pães de queijo fresquinhos.

Kostas acompanha minha avó feliz da vida.

Ajudo com a decoração, sou braço direito de algumas mulheres as


auxiliando a montarem as estantes de exposições de suas respectivas
barracas.

— Fez um belo trabalho, Arizona.

Encaro a Alicinha que segura uma enorme cesta de lírios orientais.

— Obrigada. — Fito os lírios. — São lindos.

— São da pequena plantação da minha avó. Desde que minha mãe


faleceu começou a se dedicar às flores de vários tipos. Esses lírios orientais
são o orgulho dela. Seus preferidos — diz orgulhosa.

— Minha avó adora lírios também.

— Eu trouxe para a barraca de arranjos. — Aponta para o outro lado do


jardim. — Comentou que dona Selena gosta, o pouco que sei... seu primo
também curte flores.

Aperto os lábios sentindo a pontada do ciúme.

Alicinha sabe que Elordi gosta de flores, e com certeza deve saber de
outros gostos triviais do meu namorado ao longo do tempo que ambos vem
conversando.

— Verdade.

— O chamei para irmos ao cinema algumas vezes. Infelizmente


recusou todas. — Suspira. — Nunca o vi com nenhuma mulher, sei lá... acho
que seu primo tem namorada. Ou não faço seu tipo.

Por mais ciumenta que descobri ser, de forma alguma quero erguer uma
espada anunciando rivalidade feminina. Estalo a língua no céu da boca,
tentando me manter neutra, serena.

— Alicinha, Elordi e...

Sou interrompida por uma voluntária do Instituto que chega atarantada


pedindo ajuda para Alicinha. Coloco as mãos no bolso da calça jeans jogger
sentindo certo incômodo por não ter revelado sobre o fato do Elordi e eu
estarmos namorando.

Claro, não tenho obrigação nenhuma de falar, revelar algo pessoal para
ela, contudo, por saber dos seus possíveis sentimentos pelo meu namorado o
certo seria esclarecer as coisas.

Caminhando pensativa freio os pés quando escuto um assobio baixinho,


rouco. Sorrio sabendo que era o Elordi. Pega-me pela mão e descaradamente
nos beijamos esfomeados atrás de uma das barracas. Estamos parecendo dois
adolescentes que namoram escondido dos pais.
Sua língua quente e macia toca a minha, movimentamos a cabeça
conforme aumenta a intensidade do beijo latente, gostoso. Agarro-o pelas

costas, amarrotando sua camisa de marca, sentindo o calor emanando do seu


corpo de macho rústico.

Choramingo quando morde meus lábios, mas logo passa a língua úmida
por cima da minha boca, mantendo o aperto na minha nuca, puxando um

pouco o meu cabelo.

Era uma dorzinha deliciosa de sentir, causa uma sensação instigante no


meu ventre, na minha boceta. Vergonhosamente estou umedecendo minha
calcinha.

Engulo o gemido quando aperta minha bunda, parece que o tatuado é


tarado no meu traseiro. E por prezá-lo que infelizmente não penso em dar de
quatro para ele. Acho que não aguento.

— Diga o que está pensando, amor — pede, beijando o meu queixo.

— Nada demais.

— Fala, pequena. Pelo tom das suas bochechas só poderia estar


pensando sacanagens.

— Estou com calor. O que é perfeitamente normal com esse sol e com
os seus beijos.

— Nem posso imaginar como ficará quando estiver montada no meu


pau, penando para me engolir até o talo, suando para se acostumar —
murmura com os seus olhos de ônix presos nos meus.

Puta merda! Estou quase me desmanchando nos seus braços. Mas nada
de ficar jogando. Quero transar e será com o Elordi, obviamente.

— Espero que aguente, Elordi. Está me fazendo esperar demais. E já


posso imaginar você suando enquanto me dá muito prazer, pois não aceito

menos.

Beijo o canto da sua boca pronta para sair. Mas o meu homem de ouro
é mais rápido ao agarrar minha cintura, sai abraçado a mim, enchendo a curva
do meu pescoço de beijos, arrancando risadas minhas.

Tento me soltar dele, achando graça. Sem êxito sou agraciada com os
seus lábios macios tomando os meus. Quando descolamos os lábios e olho
para frente fico sem graça ao notar o olhar tristonho da Alicinha em cima de
nós. Afasto-me do Elordi.

— Quando estivermos na frente da Alicinha ou quando ela estiver por


perto é melhor ficarmos comportados. Ela gosta de você Elordi.

O moreno olha por cima da minha cabeça, viro para a direção onde a
Alicinha estava, mas ela não está mais na barraca. Falo:

— Vi no olhar dela agora como pareceu supressa e decepcionada,


talvez magoada. Até a entendo, pois passávamos a maior parte do tempo nos
evitando, discutindo por coisas bobas. Só não quero magoá-la. Tenho
sororidade e respeito aos sentimentos dela.

Meu namorado sorri e beija minha testa.

Não tem como sentir mais orgulho da minha namorada. Sinceramente


por mais educado que seja, pelo fato do amor incondicional e respeito que
sinto pela Arizona andarem de mãos dadas... não sei se seria passivo como
ela está sendo com a Alicinha.

Prova disso é quando vou no direct dos caras que comentam suas fotos
de biquíni. Na verdade, eles deixam comentários em praticamente em todas
as fotos dela. Fico louco com os elogios ousados. O problema não é a minha

mulher publicar uma foto de biquíni exibindo sua beleza natural nas suas
redes sociais.

Sou um doente de tão ciumento, mas jamais a impediria de ser livre.


Ela é um caralho de tão linda e gostosa. Então nunca iria reprimi-la, pedir que
não mostrasse, o que agora, só eu tenho o direito de tocar, beijar, fazer tudo
que for consentido. Entretanto, sempre que tiver a oportunidade de dizer que
estamos juntos farei com todo prazer do mundo.

Arizona sempre teve essa aura da bondade em volta de si. O pior de

tudo é que a mulher da minha vida nunca reparou. Ela simplesmente vai e
faz, ajuda sem esperar nada em troca. Nunca destratou ninguém por nada. E
ao mesmo tempo se mantém uma guerreira altamente treinada nas missões da
colmeia.

— Nunca demonstrei qualquer interesse por ela — falo, olhando seus


olhos cor de céu e deslizando suavemente os dedos pela sua bochecha.

— E... nunca percebeu o interesse dela por você?

— Percebi sim. Por isso nunca aceitei nenhum convite dela, ou que se
aproximasse mais de mim. Nosso contato sempre foi por conta do nosso
trabalho aqui no Instituo.

— Cerca de meia hora atrás ela estava falando sobre você. Eu ia falar
sobre nós, porém fomos interrompidas.

— Alicinha não é boba, Arizona. Minha recusa aos convites dela


sempre foram sinais claros da falta de interesse. E outra, claro que ela deve
ter notado meu olhar de homem perdidamente apaixonado para você, quando
estava distraída. Essas coisas são perceptíveis. Às vezes nos engamos, mas
enfim.

— Vamos ser discretos na frente dela.


Deus do céu como tenho vontade de abraçar essa mulher e nunca mais
soltar. Passei o dedo indicador pela sua sobrancelha natural bem-feita,

apreciando de pertinho sua expressão.

Não colocaria em dúvida a sororidade da Alicinha, se fosse ela no lugar


da Arizona — algo utópico, afinal, meu coração só é habitado por uma
mulher. De forma alguma iria levantar algum tipo de rivalidade.

— Não seremos, amor. Alicinha é uma mulher forte, vai encontrar


alguém que a mereça. E nós dois perdemos tempo demais. Vou te beijar,
abraçar, cheirar seu cabelo e pescoço na frente de qualquer pessoa. Menos do
seu pai.

Solta uma gargalhada gostosa. Passo meus braços envolta do seu corpo
pequeno e macio, fechando os olhos ao inalar o cheirinho bom do seu cabelo.

Chegou o momento de contar os segredos que guardei durante esses


anos. Depois de tantos anos guardando o amor que sinto pela Arizona no

fundo do meu coração, como se estivesse lutando para mantê-lo no fundo do


Oceano Pacífico, finalmente emergiram. Meu amor por essa mulher fez com
que quaisquer dúvidas submergissem.

Assim que terminar meus afazeres no Instituto solicitarei ao Ezequiel


para cuidar da pequena viagem que faremos para a morada da floresta. Tem
um lugar especial onde guardo todos os quadros da Arizona. Irei revelar
absolutamente tudo.

— Gosto de você assim... despreocupada. Não é errado pensar nos

sentimentos, fazer o que quer.

— Por favor, pare de ser essa coisa fofa. Não aguento, Elordi.

Finca as unhas nas minhas costas marcando o tecido da camisa ao

mesmo momento que sustenta uma carinha de garota sapeca.

— Terminaram os serviços, bebês? — indaga vó Selena ao se


aproximar com o Kostas.

Arizona quis desfazer o abraço, contudo, uso um pouco de força para


mantê-la grudada no seu homem.

— Vó, nós estávamos...

— Tudo bem, Arizona. Sei que se pegam. Nem posso imaginar como
os bebês de vocês serão ursinhos de tão fofos, bochechudos. — Coloca a mão

em cima do peito esquerdo, conservando um ar sonhador na face.

— Eu disse, alecrim dourado — profere Kostas para Arizona.

— Claro que minha mãe não segurou a novidade. Na verdade, vovó,


contaremos sobre o namoro no próximo almoço em família.

— Pra quê isso, ursinha? Capaz do doutor Severo organizar um


casamento surpresa para vocês — diz o Kostas recebendo um sorriso enorme
da minha avó.

— Alex realmente adora o fato de ter o Elordi como genro. Não que o

deixe feliz, mas ele confia muito em você, meu neto.

Subsisto numa feição tranquila. Por dentro mantenho em cativeiro o


medo que o tio Alex causa em mim.

— Farei minha melhor cara de surpresa quando contarem durante o


almoço. —Pisca o olho, sorrindo. — Vocês sabem que sou ótima nisso.

Na verdade, não é não. Vó Selena acredita que seja, todavia, todos nós
sabemos que disfarçar não é seu forte.

Recuso mais uma vez a chamada telefônica da Lucrécia. Desde ontem


quando levei o soco da Arizona que não apareço no trabalho. Estou me
sentindo um lixo, sozinho.

Por muito pouco a Arizona não quebrou o meu nariz. Caso tivesse
conseguido teria que passar por uma cirurgia de correção de fratura nasal para
restabelecer a região. Está terrivelmente inchado, dolorido e quando mastigo
dói tudo.
Após tomar dois analgésicos de uma vez escuto a campainha tocar.
Penso em não abrir ao ver o mafioso. Porém, ele sabe que estou aqui. E

ignorá-lo só pioraria as coisas para o meu lado.

Ao abrir a porta seu olhar cético fixa no curativo que o médico fez
ontem no hospital. Fecho a porta e me jogo no sofá.

— Adoraria ter novidades boas, Vicente. Mas pelo seu estado nem

preciso presumir nada — diz com sua voz rouca.

Elegantemente abre o primeiro botão do terno impecável e senta-se no


sofá. Klaus é um homem bonito, de uma beleza singular com um ar
misterioso, que são grandes chamativos.

— Ainda não tenho nenhuma informação favorável.

— Quem fez isso com você? — inquire sério.

— Arizona..., mas foi um acidente.

Klaus mostra os dentes brancos e alinhados ao exibir um sorriso


diabólico, irônico.

— E ainda assim quer protegê-la?

— Nosso acordo ainda está de pé. Nada de machucar os dois.

— Seja inteligente, garoto. Recuso-me a acreditar que uma pessoa tão


inteligente como você se submeta as migalhas de uma garota mimada, que
sempre teve tudo na porra da vida dela sem preocupação alguma. E pelo que

sei o filho do Medeiros e ela estão namorando. Sua melhor amiga o

abandonou, Vicente.

— Vou recuperar a Arizona. Ela é minha! Eu a amo.

— Nós dois sabemos que não é ela quem você ama.

Calo-me sem forças de rebater, ou negar. São anos sufocando o amor


que sinto pelo Elordi. O pior de tudo é que não consegui impedir de o odiar
também.

— Vou dar um jeito de descobrir onde fica a Organização.

— É isso que espero, Vicente. Muitos tentaram invadir o sistema da


Organização Serpentes of Anarchy. Porém, nenhum hacker foi capaz de
chegar perto. Estou apostando muito alto em você.

—Farei o possível...

— Esse tipo de coisa na máfia não existe. Se falhar não espere ver a luz
do sol novamente. A partir de hoje não visite mais seu pai na penitenciária. A
essa altura a Organização deve estar revirando tudo para encontrar qualquer
coisa contra você.

Nós nos encaramos por longos minutos até que o mafioso levantou e
saiu sem dizer mais nada.
Infelizmente Alicinha foi embora antes que eu pudesse conversar com
ela. Lembrei de tudo que o meu namorado falou, e sim, eu sei que não temos
por que nos conter. Porém, gostaria de ter explicado que não escondi o

namoro para fazê-la de boba, enfim.

Elordi e eu almoçamos juntos, depois veio me deixar no hospital. Meus


pais tiveram uma pausa ao mesmo tempo, então apareceram no laboratório
me chamando para acompanhá-los num café no refeitório. Claro, optei por
chá. Conversamos sobre a as minhas aulas na faculdade, sobre os gêmeos.

Regressando para o laboratório sinto meu celular vibrar no bolso do


jaleco. Sorrio ao ver que era uma mensagem do meu namorado. Leio:

Kostas irá te levar para o hangar da família. Faremos uma pequena

viagem.

Digito rapidamente:

O que está aprontando, moreno?

Logo a palavra digitando, surge seguida de três pontos seguidos.


Empolgada e curiosa, leio:

Saberá assim que nos encontrarmos no hangar. Te amo, cuide-se.


Suspiro antes de enviar um emoticon de coração.

Saio do elevador na garagem privativa do hospital quase saltitando de


ansiedade. Contudo, mudo minha feição ao ver o semblante do Kostas sério
falando com alguém pelo comunicador.

— Missão?

— Sim. Mudanças de planos. Elordi já está indo para a base.

— Então vamos.

Antes de entrar no carro abro o porta-malas para tirar a bolsa de


emergência que contém meu uniforme e principais acessórios da colmeia.

Outro membro da Organização está como motorista.

— Estou tentando contato com o Luri.

No banco de trás me dispo da roupa que estava e começo a trajar o


uniforme da colmeia.

— As três equipes saíram na frente. Estão a caminho do Distrito de


Valença. Consegui invadir a rede de um servidor, fácil demais na minha
opinião, e ao ver pela câmera do notebook, vi alguns homens falarem com o

chefe que não é nada mais nada menos que Klaus Bianchi. Ele está na nossa

lista — escutamos o Luri falar, rapidamente.

— Ele está lá?

—Tenho quase certeza que é uma emboscada. Foi tão fácil invadir o
servidor. Sabemos que os mafiosos utilizam a melhor tecnologia que

conseguem para se resguardarem.

— Quais as coordenadas, Luri?

— Os principais membros autorizaram a missão. Soubemos há poucas


horas que os italianos e irlandeses fizeram uma aliança para imperarem no
tráfico humano infantil.

Ignoro a ânsia que sobe. Abro a caixinha do comunicador, ligo e coloco


nos meus ouvidos.

— Então não mataremos todos?

— Precisamos de três vivos. Acabei de mandar as fotos dos cretinos


para você, Kostas. Aparentemente não tem vítimas com eles. O que é ótimo,
pois assim temos mais liberdade para agir. A parte que estão é conhecida
como cidade fantasma. Mesmo assim irei interromper todas as fibras ópticas
da região por garantia.

— Elordi está comandando uma das três equipes? — pergunto,


preocupada.

— Sim. O líder e Enzo estão nas duas primeiras. Anthony e Miguel

acabaram de sair. Qualquer coisa me chame pelo comunicador.

Agradeço a tia Jas quando me entrega o arco e o porta-flechas


abastecido.

— Você vem na minha equipe, Arizona.

— Sim, senhora.

Confiro o Arco Composto de fibra de carbono. Confiro rapidamente a


arma. Em seguida pego duas Uzi colocando-as nos coldres da calça.

Fazemos mais da metade do caminho de helicóptero. A equipe de


logística rapidamente organiza os carros para que continuássemos dali.
Afinal, não poderíamos simplesmente pousar na cidade abandonada
chamando a atenção dos criminosos.

Finalmente acessamos a cidade pela Rodovia RJ-151. Cubro meu rosto


com a máscara e coloco as luvas nas mãos.

—Atenção, membros! As quatro equipes estão em confronto.


Conseguiram ligar a luz da cidade, uma pena, pois no escuro teríamos
vantagem. Os primeiros a chegarem espalharam as câmeras portáteis —
comunicou Luri.

Os carros estacionam a poucos metros de distância da entrada da cidade


fantasma. Rapidamente saímos do carro. Uma equipe está vigiando os carros.
Nunca se sabe o que se passa na cabeça dos bandidos, eles podem tentar

colocar um localizador na lataria de um dos automóveis, ou uma bomba. São


inúmeras as hipóteses.

Escutamos tiros, vozes e barulho de motor de motos. Realmente devem


estar pensando que viemos sem perceber que tudo não passa de uma

armadilha. Tia Jas faz o sinal e nos separamos. Mato alto, construções velhas
devido ao tempo e a luz fraca é a primeira visão ampla que temos da cidade
abandonada.

Decido entrar no prédio de dois andares que exibe um letreiro


permanente: Empreza de Força e Luz M. J. Cardoso. Logo dá para notar
que o prédio era antigo. Empresa com Z, parede descascada, janelas
quebradas, portas abertas, sujo.

Com cautela subo para o segundo andar. Aparentemente vazio.

Realmente espero não estar errada. Posiciono-me na janela quebrada ao ver


quatro bandidos vindo em direção à entrada da cidade, pilotando motos e
armados.

Com precisão espero o momento certo e disparo a flecha no primeiro


alvo acertando no peito esquerdo. O criminoso cai da moto causando um
acidente com outro que o seguia. Rapidamente começo a disparar outras
flechas. Ao notarem o bombardeio regressam, mas continuo atirando. Para o

meu desespero a batalha lá embaixo prossegue fortemente. Antes de descer

vejo quando vários motociclistas se aproximam.

Estou para pedir reforço quando vejo o Miguel — que está sem
máscara — em cima do telhado de uma das casas segurando a porra da
metralhadora que ainda está em fase de teste da Organização. A equipe de

produção a batizou de Sniper.

Oh, céus... espero que não dê merda.

— Miguel, ainda não testamos a porra do Sniper em campo — ralha


Luri furioso pelo comunicador.

— Chegou o momento — responde. — Eu cuido deles, ursinha. Sai


daí, pois todos os outros estão em campo. Um deles pode chegar até você.

Posiciona a metralhadora e começa a disparar sem parar nos


motoqueiros. Foi um verdadeiro massacre. Saio rapidamente do prédio

antigo. Tia Jas pede reforço.

Chego no momento que um dos vermes está sufocando um integrante


da equipe. Logo, ergo a perna usando a força do quadril para girar e acertar
em cheio a lateral do rosto do homem fazendo o sangue jorrar no ar. Quando
pensa pegar a arma, tiro a que estava no coldre mirando uma bala no meio da
sua testa. A guardo novamente no coldre e seguimos adiante.
Mais lutas corporais encontramos à frente. Meus olhos lagrimam
quando sinto o impacto de um soco na minha costela. Com o arco longe —

após ter sido tirado de mim em um descuido — pego uma flecha e enfio no
olho do cara quando vem para cima de mim. Engulo a dor terrível nas
costelas, corro até o arco e continuo firme na missão.

— Perdi a comunicação com o Elordi e os outros membros que estão

com ele. Quem estiver disponível siga para o prédio azul, é o único que tem
dessa cor na cidade. Parece que é uma parte onde funcionava a usina
hidrelétrica — profere Luri falhando em esconder sua preocupação.

— Vamos chamar a atenção deles no telhado. Alguém corre para a


direção do tal prédio — fala o Anthony pelo comunicador.

Quando olho para cima o vejo armado no telhado de um casebre. Do


outro lado está Miguel e demais integrantes da Organização. Sem pensar duas
vezes anuncio que sou uma das pessoas a caminho do prédio azul.

— No três corram o mais rápido que puderem — ordena Luri.

Olho para Kostas do outro lado da rua. Faz o sinal com a cabeça e ao
escutar três, saímos correndo. Minhas pernas estão pegando fogo, contudo,
consigo manter o fluxo de oxigênio sem precisar parar para puxar o ar. Estou
assustada com a falta de comunicação do Elordi.

Estranhamente não tem ninguém ao redor do prédio azul. Passamos


pela porta de ferro que range produzindo um ruído áspero contra o piso.

— Vou olhar no andar de cima. Vasculhe aqui embaixo — falo para o

Kostas.

— Aparentemente vazio, Luri. Tem certeza de que o último sinal dele


foi nesse prédio? — indago pelo comunicador.

— Sim. Tentei tudo. Nada tem a porra de um sinal — vocifera com a


respiração pesada. — Continuei procurando. Irei checar toda a cidade
fantasma.

Rapidamente subo as escadas armada com o arco pronto para disparar


uma flecha. Chego ao terceiro andar que está em um breu total até refletores
serem ligados em direção ao centro. Paraliso quando vejo o Elordi dentro do
tanque de água. Ele está se debatendo com força contra o vidro, mas nada
adianta. A água não para de encher o tanque... está quase alcançando o topo.

Elordi está sem camisa e tem três cabeças que foram decapitadas dentro

do tanque.

— Precisamos de ajuda, porra! Elordi está preso dentro de um tanque!


— grito desesperada.

Começo a disparar flechas em direção do vidro, mas nada parecia surtir


efeito. Seus olhos de ônix não escondem o receio. Capturo as armas nos
coldres. Estrategicamente Elordi se afasta ficando somente de um lado e
emerge buscando oxigênio. Furiosa começo atirar num único ângulo do vidro
com o intuito de o estourar. Nada. Nem a porra de uma rachadura.

Isso não pode estar acontecendo.

— Calma, eu vou te tirar daí!

Tiro a máscara respirando em haustos. Subo a pequena escada que tem

atrás até alcançar a tampa do tanque. Por muito pouco meu corpo não extenua
ao perceber que a base tem um tipo de mecanismo automático. Usando do
meu desespero tento empurrar o ferro, sentindo as lágrimas umedecerem
meus lábios.

— Samuel e outros membros estão chegando — avisa Luri.

— Luri, pelo amor de Deus, o vidro do tanque não quebra. A base é


automática, não afasta.

— Puta merda! Calma, vou encontrar um jeito.

Desço as escadas e vou para a frente do tanque. Encosto minhas mãos


no vidro com um medo insuportável dominando o meu corpo.

— Estão vindo, amor. Seu pai está a caminho, vamos arrumar um jeito
de quebrar.

Olho para o topo do tanque sentindo minhas pernas fraquejarem ao ver


que não tem um mísero espaço para o Elordi puxar oxigênio. Estudo ao redor
atrás de algo que possa ser capaz de abrir a tampa do tanque. Vejo canos de
ferro sendo ligados diretamente ao tanque. Sem pensar duas vezes peguei
duas flechas no chão ajoelho-me, ergo os braços levando toda a força para as

flechas conseguirem furar os canos.

Tremendo, chorando, continuo no propósito. Não posso ficar parada.


Sinto-me mais esperançosa quando vejo o tio Samuel entrar com alguns dos
nossos. Quando levanto e vejo o medo fixar nos seus olhos viro em direção

do Elordi.

E então o vejo desacordado... afogado. O medo nunca se fez tão


presente. E depois de tantos anos finalmente entendi porque sempre estava
coberto da cintura para cima. Suas costas são marcadas pela tatuagem de
Samurai de perfil com algumas sakuras tingidas de vermelho caindo sobre
ele.

Esse desenho que tatuou nas suas costas é meu.

Era um dos desenhos que estavam faltando quando achei meu caderno

profissional na sala de Achados e Perdidos da escola. Lembro perfeitamente


de cada traço, de longe era um dos meus desenhos preferidos. Tentei
desenhar novamente várias vezes, mas nunca consegui.

Corro para o tanque batendo com força, chorando, desesperada. Tio


Samuel chama pelo filho diversas vezes, xinga o Luri exigindo que encontre
um jeito. E então, começa a bater contra o vidro com os próprios punhos.
— Consegui, caralho!

Tio Samuel sobe as escadas assim que a tampa é aberta por uma

alavanca automática. Puxa o Elordi. Com ajuda dos nossos o deita no chão,
de lado. Tento encontrar pulsação, mas não consigo sentir nada.

— Ele não está respirando — engulo o choro. —Elordi, amor, estamos


aqui, tiramos você.

Afasto-me um pouco para o tio Samuel começar a fazer a reanimação


cardiopulmonar. Inicia as compressões torácicas, fortes, colocando força e
fazendo de forma ritmada. As lágrimas do juiz Medeiros não o impedem de
seguir, não foram capazes de fazê-lo fraquejar diante da situação
aterrorizante.

Segurando sua mão fria um filme passa pela minha cabeça desde o dia
que nos conhecemos até o momento de hoje mais cedo. Sou incapaz de
acreditar que esse seria o nosso fim. Não assim, não agora. Silenciosamente

olhando para o rosto do homem da minha vida...oro.


Se eu pudesse lhe dar alguma coisa na vida, eu lhe daria a capacidade
de ver a si mesmo através dos meus olhos. Só então você perceberia como é
especial para mim.

Frida Kahlo.

Recuso-me acreditar que minha história com o Elordi seja uma tragédia
shakespeariana. Desde o dia que nos conhecemos, mesmo diante da sua
rejeição à minha amizade, de alguma forma torcia para no futuro nos darmos
bem.

E agora, depois de anos, finalmente fomos capazes de jogar limpo pela


primeira vez. Afastando a insegurança, pisando nos receios e seguindo em
frente... agora de mãos dadas.

— Vamos, meu filho! — exclama desesperado.

Tio Samuel continua com as compressões torácicas fortes, ritmadas e


não para por um segundo, sem interrompê-las. Mesmo chorando, segurando a
mão fria do meu namorado, respiro fundo pronta para agir. Não posso deixar
a emoção dominar totalmente meu corpo.

— Vou fazer respiração boca a boca.

— Faz... assim não interrompo as compressões cardíacas.

Tampo as narinas do Elordi com os dedos, coloco os lábios em torno da

sua boca e inspiro o ar pelo nariz, em seguida sopro o ar dentro da sua boca,
fazendo o peito se elevar. Continuo fazendo a insuflação sentindo meu corpo
tremer pelo pavor de não termos conseguido o salvar a tempo percorrendo
por todo o meu sistema.

Isso não.

Por favor, meu Deus.

O choro vem intenso quando o Elordi reage jorrando água pela boca.
Rapidamente tio Samuel volta a colocá-lo de lado, seguro sua cabeça
sentindo o alívio me abraçar. Logo outros membros da equipe adentram o

local. Pude respirar mais aliviada quando Kostas vem sendo seguido pelos
membros do resgate da Organização.

— Você vai ficar bem, amor — murmuro, tocando seu rosto.

— O helicóptero já está pronto — avisa Kostas.

— Fica acordado, meu filho — pede tio Samuel, fungando e segurando


a mão do seu primogênito que tosse muito.

— Matamos todos! — comunica Ezequiel, sem tirar os olhos do seu


protegido. — Puta que pariu! Juro que quase tive um filho quando perdemos
a comunicação.

— Sei como se sente. Sinto isso 24/7 desde o dia que me designaram
para cuidar da segurança da peste — diz Matias antes de puxar a máscara da
sua cabeça.

Acompanhamos todos os procedimentos da equipe médica de resgate


que trabalha exclusivamente para a colmeia. Estou extremamente tensa, pois
Elordi está querendo dormir. A socorrista começa a ditar alto alguns níveis
corporais do meu namorado, deixando claro que por ser vítima de
afogamento claramente está com hipóxia.

— Seu pai já está na sede aguardando o Elordi. Ele vai ficar bem — diz
Anthony, mas nada e ninguém seria capaz de me acalmar.

— Eu vou no helicóptero com ele...

— Querida, irá no outro. Não posso deixar meu filho sozinho por nada.
Nos vemos na sede.

— Vamos, ursinha. O outro já está pousando.

Estou odiando o fato dos meus pensamentos estarem recapitulando os


melhores momentos que tive com o Elordi, como se fosse a merda de uma
despedida, jogando mais drama para esse momento tão ruim que estamos
passamos.

Meu Deus, o Elordi todos esses anos escondeu o desenho que fiz na
adolescência tatuado nas suas costas.

Passei tanto tempo acreditando que me repudiava por, de alguma


forma, não ser o seu tipo de garota, quando na verdade, eu já era a sua garota.

Já havíamos começado uma história que nós dois não soubemos administrar,
deixando a insegurança e traumas assumirem o controle da situação.

Sorrio entre as lágrimas quando as mãos pesadas do Anthony e do


Miguel capturam as minhas mãos, sincronizados, olhando para mim com o
carinho que sempre tivemos uns pelos outros.

Antes de pousarmos no hangar da colmeia vejo a equipe do resgaste e


tio Samuel perto da maca levando o Elordi para dentro.
— Vamos cuidar dos seus machucados, ursinha. Depois pode ficar com
o Elordi...

— Agora não, Miguel. Não vou sair de perto dele.

— Escuta, tem que se acalmar, não parou de chorar...

Anthony dá uma cotovelada nas costelas do Miguel que reclama

olhando feio para o melhor amigo.

— Ficaremos juntos. Como sempre foi.

Por questão de higienização ficamos do lado de fora do quarto de


emergência montado e organizado pelo corpo médico, que são membros da
Organização. Meu pai o está examinando, tem duas enfermeiras e tia Agatha
está a alguns metros de distância da cama sendo abraçada pelo marido que
não tira os olhos do seu primogênito.

Meu pai está verificando seus níveis arteriais, certificando-se se estão

aceitáveis os de oxigênio e dióxido de carbono. Rapidamente a enfermeira


verifica a posição da ventilação mecânica não invasiva que foi colocada no
Elordi pelos socorristas.

Nay para pertinho de mim e passa a mão no meu cabelo. Estamos nós
quatro extrínsecos assistindo meu pai cuidar do Elordi, torcendo e orando
silenciosamente para que não tenha tido nenhum tipo de edema, lesão.

— Vocês sabiam da tatuagem — assevero.


Os suspiros coletivos foram instantâneos.

— Na verdade, a família toda sabia. Somos fofoqueiros? Sim, muito.

Porém, quando é um segredo muito particular conseguimos segurar a língua


— profere Miguel.

— E olha que a língua coçou pra caralho — murmura Anthony.

— Era algo só de vocês, ursinha. Não podíamos nos intrometer.

Quando era necessário que falassem, optaram por manterem segredo.


De verdade, a minha família é uma montanha-russa de emoções. Mas os
amos demais e sei que fizeram o certo em terem guardado o segredo do
Elordi.

Talvez, na época, se eu soubesse desse segredo não teríamos ficado


juntos. Eu estava cega na paixão que alimentei pelo Vicente, com raiva do
Elordi por sua rejeição e ainda assimilando as recentes mudanças que o
tratamento contra a leucemia havia deixado no meu corpo tanto fisicamente,

quanto emocionalmente.

É doloroso cogitar que se essa descoberta de hoje fosse há alguns anos,


não teríamos ficado juntos. Provavelmente ficaria louca por ele ter roubado
um dos meus desenhos favoritos, ter tatuado na sua pele e mantido em
segredo. O taxaria como uma pessoa anormal. Afinal, como alguém que não
suportava ficar no mesmo cômodo que eu poderia ter marcado seu corpo com
uma obra minha? O acharia doido pra caramba.

Claro, agora sei que Elordi, assim como eu, sofre de insegurança física

e emocional. Ele tem seus traumas, sentiu na pele a violência que um ser
humano podre pode causar ao próximo sem remorso. Não posso o culpar por
ter ocultado esse segredo que veio ser descoberto num momento tão
agoniante. O entendo.

— Está brava? — inquiri Nay.

A última coisa que estou nesse momento é brava.

— Não.

Respondo sem tirar os olhos do Elordi, que ainda está sendo examinado
pelo meu pai.

Involuntariamente respirei debaixo da água. Não havia mais espaço no


tanque para emergir e puxar oxigênio. Senti minha laringe relaxar sem poder
controlar, então aspirei engolindo grande quantidade de água. A última coisa
que pude fazer foi olhar o quanto aguentei para a mulher que amo.
Definitivamente nunca quis tanto ficar vivo, logo eu que tentei várias vezes
me suicidar.

A morte sempre pareceu convidativa para colocar fim no vazio que

mora dentro de mim, da ânsia e nojo que sinto de mim mesmo por saber o
que fui obrigado a fazer, e o que fizeram comigo sem meu consentimento.

Aos poucos tenho caminhado para uma recuperação. Talvez, eu passe o


resto da minha vida fazendo terapia. Mas nada se compara ao sopro de vida

que minha família representa. Eles não se importam como meu passado,
sempre fizeram parte do meu tratamento. Então, o mínimo que posso fazer é
me manter vivo, esquecer a vontade que tenho de me machucar para aliviar a
dor, de ser o melhor ser humano que conseguir.

Esses filhos da puta não podem me tirar da minha família.

A troca gasosa não funciona mais no meu corpo, a densidade da água


nos pulmões, meu corpo pesando mais e mais. E então tudo se apaga de vez.

Sinto as compressões torácicas fortes contra o meu corpo, o ar sendo

soprado para dentro da minha boca. E então consigo empurrar a água para
fora do meu corpo. Mesmo o sentindo letárgico, meu corpo reage lutando
para se manter funcionando.

Mesmo com a visão turva sorrio ao encarar os olhos oceânicos da


minha garota, mas não posso apreciar mais devido ao sono querendo domar
meu corpo. Quero firmemente obedecer ao pedido do meu pai para me
manter acordado, mas está muito árduo.

Cenas do momento em que cheguei na missão na cidade fantasma

voltam à memória. Avançamos bem contra os criminosos assim que


chegamos no Distrito de Valença, fui seguindo o plano tendo dois membros
me seguindo, lutando contra qualquer um que surgisse no caminho. Porém,
durante o percurso adentraram o velho prédio azul no anseio de acabarem

com quem estivesse escondido lá dentro.

Durante a luta corporal com um dos criminosos o comunicador acabou


saindo do meu ouvido. Nem tive tempo de me preocupar em colocar, pois
sabia que algo muito errado havia acontecido. Não esperei por ninguém,
entrei no prédio antigo.

Viemos sabendo que tudo poderia ser uma grande armadilha. Mesmo
assim resolvemos arriscar. Klaus Bianchi pode estar liderando uma grande
captura de pessoas para seu comércio sexual e de órgãos, que vem crescendo

absurdamente. O mafioso tem tentado instalar seu negócio no norte do país.


Contudo, sempre o derrubamos.

O local parecia deserto. Mas só o fato de não escutar nada e muito


menos não ter sinal algum dos membros da colmeia, que preferi continuar.
Não os deixaria para morrer para salvar minha pele. Definitivamente não
estudamos a Organização, muito menos fui educado para ter pensamento
egoísta quando se trata de situações perigosas e de alto risco.

A cada avanço pelo prédio, reparei que era uma espécie de hidrelétrica,

talvez uma parte dela. Com a Uzi na mão e enxergando pela visão noturna
instalada no topo da arma, pausei os pés ao escutar lamurias. E então
refletores foram ligados e prendi a respiração por alguns segundos ao ver os
dois membros da nossa equipe que entraram no prédio, em cima da tampa de

um tanque que começava encher.

O plano seria correr o mais rápido que conseguisse até a outra


extremidade e analisar a área antes de avançar até o local onde os membros
estavam presos. Não tinha como solicitar ajuda, e se eu saísse poderia ficar
cercado lá embaixo... se já não estivesse agora. Só não poderia ficar com as
mãos atadas. Sei que Luri devia estar pelos cabelos por ter perdido a
comunicação comigo, então logo viria alguém atrás de nós.

Avancei alguns passos e parei ao ver dois homens encapuzados atrás

dos membros. E antes que eu pudesse atirar neles, deceparam instantemente a


cabeça deles diante de mim. Foda-se tudo! Acertei um deles no braço, porém
senti meu corpo ganhando a dose de alguma droga, só poderia ser. Consegui
apenas tirar o dispositivo que havia sido disparado contra as minhas pernas.

Meu cérebro estava recebendo um choque com as últimas cenas.

A minha mulher chegando, disparando flechas contra o vidro do


tanque, atirou contra o vidro...nada era capaz de o quebrar. Arizona chorava
silenciosamente ante o desespero. E eu não podia fazer nada, infelizmente. As

cabeças dos membros dentro do tanque tornavam tudo mais fúnebre,


macabro.

Sou trazido de volta ao sentir meu corpo ser erguido e removido, mas
tudo se passou como um borrão, até não sentir mais nada.

Passo a mão na garganta, mantendo os olhos fechados. Meu nariz e


garganta estão ardendo como se eu estivesse terrivelmente gripado. Após
alguns minutos, ao abrir os olhos sem dificuldade, a pouca luz que ilumina o
quarto vem do abajur alto, próximo à cama e das lâmpadas do corredor.

Sorrio ao ver a Arizona dormindo, tendo como travesseiro a beirinha da


cama hospitalar. Acarinho seu cabelo sedoso o sentindo úmido. Fico
preocupado ao ver sua mão enfaixada. Suas expressões, angústia, lágrimas e

seu esforço para me tirar de dentro do tanque estão cravadas na minha


memória.

— Pequena...

Arizona desperta no susto, atônita. Mas relaxa assim que toco no seu
braço, feliz por estar bem. Seus olhos apresentam cansaço e deixam evidente
que chorou bastante, até a pontinha do seu nariz está rubra.
A morena me olha com tanto amor que tive certeza de que se realmente
existe reencarnação, em todas as vidas meu coração irá pertencer a ela.

Segura minha mão com as mãos e dedos, muito emocionada.

— Eu vou chamar o meu pai, os seus pais, todo mundo...

— Antes quero sentir seu cheiro, um pouco do calor do seu corpo,


quero um beijo.

Aproxima-se ficando pertinho do meu rosto. Toco no seu rosto,


sorrindo e sentindo minhas lágrimas hidratarem os meus lábios. Como amo
essa mulher, caralho! Fecho os olhos, inalando seu perfume, sentindo a
maciez do seu cabelo, da sua pele.

E então cai a ficha de que ela sabe, que me viu sem camisa. Um dos
segredos foi revelado em um dos momentos mais angustiantes da minha vida.
Não era para ter sido assim, no meio de uma missão. Estava tudo planejado
para termos um cenário romântico, longe de todos.

Puta merda.

— Arizona, sei que viu a tatuagem. Juro que minha intenção não foi
pensada para te magoar. Eu só era um tolo apaixonado, e não pensei duas
vezes em mantê-la pertinho de mim, mesmo de forma simbólica, tatuada no
meu corpo.

— Eu amo você. E fiquei muito assustada ao ver você se afogando,


desacordado... não estou indignada por ter escondido a tatuagem. Tem noção
o quanto foi altruísta esses anos todos?

Meu interesse em Arizona sempre será voltado para sua felicidade,


nossa felicidade.

A pego pela nuca, tomando sua boca num beijo longo, demorado. Sua
língua toca a minha de forma esfomeada, assim como estou cheio de gana

pela morena gostosa. A mulher de toda minha vida, porra! Estou prestes a
sentar para pegá-la pela cintura quando escutamos a voz do Miguel:

— Tá bonzinho já, irmão.

Sorrimos entre o beijo, e antes que se afaste, selo mais uma vez nossos
lábios em um selinho singelo.

Miguel se aproxima e entrega uma caneca de chá fumegante para


Arizona. Posso sentir o cheirinho bom de erva-doce.

— Que horas são?

— Quase seis horas da manhã.

Fito a minha mulher sabendo que deve estar exausta.

— Ficou aqui comigo o tempo todo? Poderia ter ido descansar. Aliás,
todos vocês — murmuro.

Capturo a mão pequena da Arizona, a que está enfaixada,


aproximando-a da minha boca. Beijo algumas vezes, recebendo uma dose do

seu carinho quando beija a minha testa. Aceita a caneca de cerâmica,

agradecendo ao nosso amigo.

— Sabe que ninguém escuta ninguém nessa família. Estamos juntos em


todos os momentos.

Miguel pega minha mão e sorrimos verdadeiramente aliviados. Nossa

irmandade e ligação era absurda, mas muito real.

— Você nos assustou, Elordi. Luri quase teve um treco. Samira já deve
ter dado algum chá para ela, sabemos o que alivia.

A peste do meu melhor amigo nunca perde a piada. Não satisfeito,


prossegue:

— Fora que o loiro raiz do seu sogro estava desesperado. Ele meio sabe
lidar com você sendo o genro dele, e Deus nos livre que tivesse partido para
outra, ele ficaria louco aqui.

— Cala a boca, peste! — diz meu pai ao entrar no quarto.

Ele havia saído direto do hospital para vir cuidar do Elordi. Minha mãe
quis vir, mas meu pai garantiu que seria melhor a dona Eleonor ficar em casa

com os gêmeos e os sobrinhos — Ragner e Romana — assim a tia Agatha

poderia vir ficar com o filho mais velho tranquilamente.

Meus outros tios estiveram aqui e ficaram até às quatro da manhã.


Quando meu pai garantiu que o Elordi não corria risco algum de vida, se
deram por satisfeitos e foram para os seus respectivos quartos. Só irão arredar

o pé daqui quando virem o Elordi acordado.

Não saí do quarto desde que fomos liberados para ficar. Nay fez o favor
de pegar mudas de roupas limpas e minha necessaire no meu quarto, então
pude tomar banho no banheiro anexo ao quarto hospitalar.

— Vou chamar os tios, avisar ao Antony e acordar a Nay, que insistiu


em esperar mesmo eu prometendo que a acordaria assim que despertasse,
enfim. Sabemos como os Severos são teimosos — fala antes de sair,
arrancando uma risada do doutor Alex Severo.

Meu pai começa a examinar o Elordi com muita atenção, como sempre
costuma fazer com todos seus pacientes. Afasto-me um pouco para realizar o
exame de oxigenação. Neste momento, meus tios entram no quarto
acompanhados dos meus três melhores amigos.

— Tudo normal, garoto — anuncia tirando sons de contentamento e


comemoração. — Recomendo ficar mais seis horas de observação...
— Tio Alex, realmente me sinto bem — diz o meu namorado ansioso.

Meus tios estão em cima do Elordi transbordando de alegria e amor.

Apesar de estar exausta, me mantenho firme, pois só sairei daqui com ele.

Decido não ir contra as recomendações do doutor Severo, primeiro por


ele ser meu tio e o segundo por ser meu sogro. Nada de o deixar contrariado.
Sou muito grato por ter vindo correndo para a sede da colmeia cuidar de
mim. Mas no momento, o que mais desejo é ficar sozinho com a minha
namorada.

Definitivamente não quero ser um insensível. Principalmente por saber


que minha mãe quase se desmanchou de tanto chorar pensando que o pior

havia acontecido.

Dona Agatha nunca aceitou o fato de meu pai e eu estarmos dentro de


uma Organização Secreta. No dia que o juiz Medeiros revelou essa parte da
sua vida, minha mãe com certeza recebeu essa revelação melhor do que
cogitamos. Mesmo assim, jamais escondeu que preferia que nos
mantivéssemos longe do perigo.
Infelizmente é algo que cultivamos e fazemos para tornar o mundo um
lugar melhor. Claro que a Organização não vai conseguir acabar com toda a

escória, contudo, ao menos já estamos fazendo nossa parte.

Demorei a entender que somos uma família que possui muito dinheiro.
Muito mesmo. A carreira jurídica que vários membros da família têm não
trouxe tanta riqueza, mas sim o prestígio mesclado à inteligência para investir

em várias áreas rentáveis, todo dia traz mais resultados positivos para
diversas contas bancárias.

E não poderia ser mais satisfatório usar esse dinheiro para melhorar as
condições dos menos favorecidos, de quem realmente precisa. Fazemos as
ações filantrópicas e sociais sem esperar nada em troca, muito menos que seja
divulgado por algum veículo de comunicação.

— Podemos passar a noite com você, filho.

— Mãe, rainha de toda minha vida, juro que estou bem. Tio Alex disse

que só preciso de mais repouso.

— Acho viável ir ao hospital fazer todo tipo de exame, assim teremos


mais certeza de que seu pulmão está sem vestígio algum de água, e...

— Meu amor, Alex afirmou que nosso filho está fora de qualquer
perigo. Mesmo assim, concordo em ir ao hospital fazer um checape
minucioso.
— Eu vou. Se assim ficarão mais tranquilos, faço o checape. — digo
antes de beijar a mão da minha mãe.

— Tem certeza de que não quer que a gente fique?

Minha mãe quando passa por um susto, como o que passou algumas
horas atrás, fica insistente, demora um pouquinho para se acalmar de
verdade.

— Tia Agatha, nosso garoto de ouro está ótimo. Agora ele precisa
apenas do carinho da...

— Ah...entendi — diz minha mãe sem conseguir disfarçar seu


contentamento.

Foram longos minutos recebendo o carinho e votos de boa recuperação


dos meus familiares. Ainda bem que meu melhor amigo parecia cansado
demais para soltar alguma gracinha que fosse envergonhar a Arizona na
frente de todos.

— Enfim a sós — murmuro encarando a morena.

Arizona coloca a caneca em cima da cabeceira da cama hospitalar,


assim que se aproxima.

— Está confortável?

— Nem um pouco. Só quando deitar comigo.


— Ficará desconfortável se eu deitar aí contigo.

— Então vamos para o meu quarto.

A morena aperta os lábios carnudos sem conseguir conter o ar risonho.

Aposto que deve estar relembrando do dia que me viu tomando banho.
Claro que Miguel não perderia a oportunidade de nos aproximar mesmo que

acidentalmente, numa situação constrangedora. De qualquer forma, não posso


deixar de ser grato pelo seu empurrãozinho.

— Ok. Mas o meu também está livre. Não está mais em manutenção. Já
colocaram o sistema novo.

Sorrio ao notar suas bochechas rubras.

Deus do céu, como amo essa mulher.

— Então vamos para o meu que é mais perto.

— Vou pegar a cadeira de rodas.

— Não precisa, pequena. Estou bem para andar.

Levanto-me da cama tendo noção de que meu corpo ainda está fraco, e
uma pequena tontura me faz ficar sentado antes de colocar os pés no chão.

— O que sentiu?

— Tontura.

— Vou pegar a cadeira de rodas, antes de irmos para o quarto,


passaremos na cozinha. Tem que beber bastante líquido e comer algo.

Não a contrapus.

Quando chegamos na cozinha, havia uma deliciosa panela de sopa no


meio da mesa do refeitório com um bilhetinho da vó Selena. Ela havia pedido
para um dos membros trazer, sabendo que nada como uma sopa de vovó para
ser a primeira refeição após ficar algumas horas dormindo.

E como sempre está deliciosa.

— Aceite mais essa colherada.

Peço oferecendo a colher de sopa para a morena. Arizona faz uma

caretinha fofa e logo leva a xícara de chá de camomila à boca.

— Você não comeu nada, amor.

— Realmente estou sem apetite.

Seus olhos estão marejados, seus dedos da mão direita sobem e descem
pelas minhas costas nuas. A todo instante está tocando-a, acariciando...
chega a fechar os olhos por alguns instantes.
— Preciso da minha mulher forte. Faremos uma pequena viagem à casa
da floresta.

Estreita as sobrancelhas bem-feitas contrariada.

— Tem que repousar, Elordi. Isso podemos deixar para outro final de
semana.

— Definitivamente não iremos mais ficar adiando as coisas. Estou


bem, pequena. Vamos viajar, tem coisas que preciso te contar.

— A tatuagem não é mais uma delas.

Me olha com seus olhos da cor do céu como se estivesse enxergando a


porra da minha alma.

— Sim. Não mais.

Pousa a mão que está nas minhas costas na minha coxa e resvala o
nariz pela lateral do meu rosto, sua respiração aquecendo minha pele. Quando

toca os lábios na minha orelha causa um arrepio gostoso por todo o meu
corpo. E então planta um beijo antes de beijar meu pescoço e escorregar os
lábios macios pelo meu ombro.

Parece que meu coração vai escapar da caixa torácica.

Realmente a minha namorada não tem noção do que causa em mim. Se


anos atrás já causava sensações jamais antes vividas, agora tudo fica forte,
intenso demais, louco pra caralho.
— Agora pode mostrar todos esses músculos grandes e cheios para a
felicidade infinita da sua namorada — sussurra me fazendo rir.

— Então agora devo andar por aí sem camisa?

— Nem fodendo! Só pra mim. Não me faça passar raiva, Elordi.

A abraço e beijo sua cabeça ainda achando graça.

Com os olhos fechados sinto suas unhas seguirem os traços da sua obra
de arte que tatuei nas costas. Estamos há bastante tempo sentados na cama,
em silêncio, as palavras neste momento não são necessárias.

Quando entramos no quarto, Arizona rapidamente busca uma camisa

minha no pequeno armário embutido e veste, após se despir da roupa que está
usando, ficando alguns segundos apenas com uma calcinha pequena, é o
suficiente para o meu pau ganancioso querer ficar animadinho.

Sento-me entre suas pernas deixando espaço o suficiente para ela poder
admirar a tatuagem. E desde então estamos presos nesse momento.

O sangue está pulsando mais vigorosamente e fervendo nas artérias, o


calor tomando conta, o arrepio delicioso brincando com os pelos da minha

pele... tudo que foi abafado por tanto tempo está vindo à tona.

— Sabe o quanto fiquei furiosa por ter achado meu caderno e terem
justamente arrancado o meu desenho preferido?

— Imagino que sim. Vez ou outra Miguel comentava a respeito, ou


escutava alguém da família falar o quanto estava chateada por ter perdido seu

desenho. — Sopro lentamente quando beija pertinho da minha nuca. — Não


tinha como pedir permissão para você... naquela época o melhor de mim para
você estava amarrado, pois meu único intuito era te afastar.

Suspira e volta a deslizar os dedos por minhas costas, pegando cada


detalhe da tatuagem.

— Parou para pensar que tem um fator positivo por não termos nos
envolvidos na adolescência?

— Algumas vezes.

— Acho que não estaríamos preparados para viver esse amor, que já
sentíamos antes mesmo de admitirmos. Chega a ser um pouco doloroso
pensar assim, talvez nada romântico..., mas pode ser uma verdade.

— Eu estava passando por muita coisa, pequena. Mesmo tendo


acompanhamento psicológico, indo a terapias, tendo todo o amor e suporte
dos meus pais, da nossa família...uma parte minha continuava quebrada,
triste. E do jeito que já te amava, eu não seria bom para você, Arizona. Meu
amor por você poderia ter sido tóxico, dependente. Agora que estamos juntos,

consigo constatar todas essas dúvidas como certezas.

— E eu estava agindo como se estivesse tudo bem, que o bullying das


garotas não me incomodava, que a falta do meu cabelo não estava mexendo
comigo, que não deveria me importar com as opiniões quando, na verdade,

elas importavam sim. Claro, hoje uso o foda-se, o que é muito bom, aliás.
Fora que estava dependente do meu melhor amigo.

— Porém, nada disso tira o fato de que a magoei muito, que alimentei
suas inseguranças. E se pudesse voltar atrás, teria feito diferente.

Posiciono-me de flanco direito. Arizona joga a perna esquerda por cima


das minhas sem parar de fazer carinho nas minhas costas com uma mão.

— Nada que agora a gente não supere... juntos. Eu amo você, amor. —
Acaricia o meu nariz com o seu. — Agora você é meu, moreno. Todo meu.

Não tem como mudar.

Seus lábios macios tocam a minha boca. Logo minha mão vai para sua
nuca, colocando mais pressão no beijo de língua que tanto adoro. A sensação
de beijar o amor da sua vida é inexplicável. Parece que a cada beijo, cada
carícia... se torna mais intenso, selvagem.

Poderíamos ficar assim para sempre, se fosse possível.


Nunca vou me cansar do nosso amor.

Com a garrafinha de água na mão, ingiro grandes goles sem tirar a


atenção da morena que dorme preguiçosamente na minha cama, trazendo paz
para a minha alma e coração. O relógio marca oito e meia da manhã.
Passamos horas namorando, nos beijando, falando coisas bobas e sorrindo.
Momentos que nunca vivi antes, mas com certeza agora sempre vou ter.

Apoio o joelho no colchão, abaixo o tronco, beijo sua bochecha


suavemente e saio do quarto em direção ao escritório do Luri.

Desde que nos passou o dossiê do Vicente, as informações martelam na

minha cabeça. Arizona não sabe que seu melhor amigo é sugar baby, nem
que tem visitado um presidiário condenado pelo meu pai. Todavia, saberá por
mim. Conhecendo como a conheço sei que isso vai decepcioná-la e perder
qualquer esperança de reconstruir sua amizade com o Vicente.

Por mais que o odeie e sinta um ciúme do cacete... sei que o Vicente foi
e ainda é muito importante para a minha namorada.

Encosto-me no batente da porta de aço que contém a placa de


identificação do cargo e nome completo do responsável. Ao sair do elevador
com óculos escuros, segurando uma garrafa térmica grande e, ao me ver,

desce os óculos até a ponte do nariz me olhando com puro tédio.

Ontem ele e sua amada esposa também foram me ver.

— Vou fingir que não estou te vendo em pé, me olhando com esses
olhos de quem vai pedir alguma coisa, sendo que deveria estar em repouso.

— Preciso de um favor, Luri.

— Você e as outras duas pestes não pedem favor. E sim exigem, seus
capetas — fala após colocar sua mão no leitor biométrico e a porta abrir. —
Aliás, como você está?

— Bem, obrigado.

— Está mais que bem pelo visto. Para estar aqui...

— Qual é, Luri? Relaxa um pouco.

— Como diabos irei relaxar? Quando não é o Anthony ou o Miguel, é


você que deixa até o cabelo do meu saco branco, porra! Por que não esperou
reforço? Por que sempre querem fazer o que não é para fazer?

Respirei fundo o deixando jogar a raiva para fora. É o mínimo que


merece, após eu ter desobedecido.

— Acho que vou começar a dizer o contrário do que realmente quero


que façam. Vocês são do contra, caralho! Toda missão fico mais tenso que o

normal, pois sei que os três mosqueteiros de araque vão querer colocar os

rabos no campo minado fazendo o que bem quiserem. Não diga nada, Elordi!
Sou mais velho que você e ao menos a educação de vocês nesse quesito é
inquestionável.

Começa a ligar os equipamentos de última geração, fazendo a tela

principal que ocupa grande parte da parede, ligar anunciando o software que
contém a marca da Serpentes of Anarchy ocupar o centro da tela.

— Samira disse para não me estressar, mas como isso é possível?


Desde a adolescência vocês três me perturbam. Na verdade, o Miguel torra a
minha paciência desde que começou a falar e vir mexer na minha sala
enquanto seu avô e irmãos estavam em treino. Vocês dão mais trabalho que
dez crianças birrentas chorando ao mesmo tempo. Só Deus sabe se vou ter
saúde emocional para aguentar os outros pirralhos. Essa família tem que parar

de fazer filho, sério. Samira, a minha adorável esposa e mulher da minha vida
acha que sou muito dramático, não concordo. Acha que estou exagerando?

Procedo calado esperando pacientemente que termine sua histeria


matinal.

— Fala alguma coisa, Elordi? — explode.

Seguro o sorriso, e falo:


— Você disse para eu não dizer nada, Luri.

Senta-se na cadeira de couro, pega a garrafa térmica, a abre, toma um

gole e fala mais calmo:

— Do que precisa, garoto?

— Que crie um perfil falso no site que Vicente é cadastrado como

sugar baby. Faça a melhor oferta, marque no melhor restaurante da cidade


para hoje à noite.

— Pelo que ando acompanhando Vicente, que responde pelo codinome


Henrique Souza de Lima, nem tem aceitado nenhuma proposta. Apesar de
captar as entradas dele, movimentando a conta e tal.

— Por isso faça o perfil mais interessante que puder.

— Certo. E depois?

— Deixe o perfil falso ativo por algumas horas, depois apague.

— Hoje é minha noite de folga. Se quiser posso deixar um dos


plantonistas atento ao local que forem jantar.

— Não será necessário...

— Vou deixar por precaução. Tô ficando velho, não doido.


Estava me sentindo terrivelmente sozinho. E então tomei coragem de
vir visitar minha mãe na Casa de Repouso. Quero muito seu carinho, abraço...
colo de mãe.

Na recepção da elegante Casa de Repouso insisto em enviar mais


mensagens para a Arizona, implorando para que aceite se encontrar comigo
para que eu possa esclarecer as coisas, contar a verdade, a minha verdade.

— Pode me acompanhar por aqui, senhor Ferraz. Sua mãe está no


jardim.

— Ela tem se alimentado bem? Tem feito alguma atividade?

— O doutor que está de plantão pode passar melhor o quadro de saúde


da sua mãe. Posso adiantar que dona Hermínia não tem se alimentado direito,

não come toda a refeição apesar de ter muita insistência da Cuidadora, tem
começado a praticar a natação, mas não evolui por não apresentar vontade
alguma.

Sinto o desconforto por saber que minha mãe não está nada feliz. Essa
Casa de Repouso é uma das mais chiques que tem no país. Claro, sei que não
veio por vontade própria, mas pensei que iria se conformar e aproveitar o
luxo que nunca teve antes na sua vida.

— Qualquer coisa pode chamar qualquer um dos Cuidadores.

Apontou para os funcionários usando roupa branca espalhados pelo


jardim, alguns auxiliando idosos na caminhada, outros jogando xadrez ou
cartas com os moradores da casa.

Aproximo-me da minha mãe. Ela está pensativa, olhando para a


paisagem incrível do jardim, sentada na sua cadeira de rodas na área que a
grama não invade.

— Mãe...

Assusto-me por ver olheiras profundas, os olhos tristes. Ajoelho na sua


frente sentindo um nó na garganta. Faço menção de tocar suas mãos, contudo,
as encolhe rapidamente segurando nos braços da cadeira.

— Mamãe, eu pensei que ia acabar se adaptando. Mas faz pouco tempo

que está aqui, tenho certeza de que vai gostar. Posso fazer algo para que se
sinta mais à vontade? A decoração do seu quarto, posso deixar tudo do seu
jeitinho.

Nunca antes havia recebido um olhar tão duro quanto o que minha mãe
direciona-me nesse momento. Os olhares de preocupação, indignação e
decepção já estiveram presentes, agora este que parece tão sem vida, sem
emoção é novidade.
— Vai embora! — esbraveja com o semblante sério.

— Não, mãe. Vim ficar com a senhora. Sei que não entende, mas aqui é

o melhor lugar. Prometo que assim que tiver com uma condição financeira
melhor venho lhe buscar. Lembra que sempre sonhamos em ter uma casa em
frente à praia, afastada de tudo? Teremos um lar assim com todo conforto que
merecemos, mamãe.

— Quero que vá embora, Vicente. Agora mesmo!

— Está assim por conta daquelas coisas que falei sobre a Arizona e o
primo dela? — engulo em seco. — Ela descobriu que sou gay, mãe. Irei fazer
de tudo para contornar a situação, pois preciso dela na minha vida. Elordi não
vai ficar com ela, os dois não podem me deixar de lado, fingir que não existo.

— Se eu tiver a oportunidade de encontrar a Arizona de novo vou


contar tudo, Vicente. Já que não pude te salvar...

As lágrimas começam a descer pelo seu rosto, pingando no tecido do

seu vestido florido, prossegue com a voz embargada:

— Já que de alguma forma falhei com você, que não consegui te salvar
de si mesmo... vou salvar a menina. Na primeira oportunidade que eu tiver,
juro por Deus, que irei contar tudo.

Sem conseguir conter a cólera falo:

— Não mesmo! Nem pense em se intrometer nisso, mãe. Por isso a


coloquei aqui. Está contra seu próprio filho e a favor deles.

— Você não a ama, sabe disso. Está com essa obsessão descabida. Está

tendo a oportunidade de contar a verdade para a Arizona, e vai desperdiçar.


Assuma que é gay, que ama o Elordi, mas sequer é capaz de aceitar isso por
saber que não é correspondido, por invejar o Elordi por ser bem-sucedido
sem ter precisado usar do sobrenome que carrega, que não suporta o fato de

ele ter a única coisa que você tinha e ele não. Mas que isso mudou a partir do
momento que os viu juntos.

— Não! Isso nunca. Não sabe o que está dizendo.

— Não venha mais! Está me matando aos poucos —murmura chorosa,


desviando os olhos dos meus. — Mesmo assim sou incapaz de te odiar, filho.
Entretanto, não posso mais o acalentar quando tem feito mal a si mesmo e
pretende fazer às outras pessoas.

Engulo o choro e profiro:

— Ligo para saber da senhora.

Saio o mais rápido que posso me sentindo sufocado. Pior do que


quando cheguei.
Retorno para dento do prédio parando na primeira parede buscando
apoio para as minhas mãos, respirando em sorvos sentindo as lágrimas
umedecerem meus lábios. Eu tinha consciência que minha mãe havia ficado
magoada pela internação, mas acreditei...bom, ao menos quis segurar na
esperança de que iria entender os meus motivos.

Estou me sentindo oco por dentro.


— O senhor precisa de ajuda?

Uma das Cuidadoras indaga ao ver meu estado.

— Obrigado. Já estou me recuperando do mal-estar.

— Se preferir pode ficar na sala privativa de visitas, posso verificar sua


pressão e...

— Realmente não precisa.

Afasto-me caminhando em direção a saída. Do jeito que estou é


impossível ter uma conversa com o médico a respeito da minha mãe. Pego o
celular no bolso da calça social para chamar um Uber e antes que pudesse
acessar o aplicativo pisca na tela: número desconhecido.

Pondero em não atender. Tenho quase certeza de que é o meu pai. O


pouco que, infelizmente, conheço do mafioso, não é de seu feitio tratar de
assuntos importantes por telefone, correndo o risco de ser rastreado. Na

terceira tentativa de chamada, acabo atendendo.

— Puta que pariu, moleque! Escuta, não tenho muito tempo.

— Aquele seu amigo foi claro ao dizer que não podemos ter contato por
agora.

— Eu sei disso. Recebi essa informação. Escuta, por que internou sua
mãe na Casa de Repouso?
— Está me vigiando?

Por instinto acabo olhando ao redor sem me importar em disfarçar.

Aparentemente não tem ninguém por perto que esteja as escondidas,


acompanhando os meus passos.

— Queria saber do andamento das coisas já que não entrou mais em


contato. Não vejo a hora de sair daqui meu filho. Agora explique: por que sua

mãe está numa Casa de Repouso?

Controlo a emoção que estava a flor da pele alguns minutos atrás, e


respondo:

— Mamãe sabe de algumas coisas e ameaçou contar caso não mudasse


de ideia.

— Isso é bem a cara da sua mãe. Sempre querendo ser a santa, a boa
samaritana.

— Ela não é problema seu. Não esqueça onde está, a vida que levou e
que ainda tem, pois se comparar não chega aos pés da minha mãe. Dela eu
cuido!

Bufa soltando uma respiração exasperada.

— Desculpa! Estou ansioso, nervoso. Sua mãe foi e ainda continua


sendo importante para mim. — Faz uma pausa e continua: — Hermínia
nunca vai mudar, nunca deixará de fazer o certo mesmo que seja para você, o
maior amor da vida dela. Tem certeza de que não tem risco algum de ela falar
algo que prejudique o plano?

— Tenho.

— Certo. Mesmo que o meu amigo tenha dito que não era para termos
contato, qualquer mudança nos planos me comunique, filho. Vou desligar.

Adentro o meu escritório e fico curioso com o número de pastas


arquivos, documentos e mais documentos formando três pilhas em cima da
mesa. Desde que comecei a trabalhar na importadora, fiz além do que era
pedido para conseguir subir de cargo o mais rápido possível, assim teria um

salário mais decente.

Mas desde que seu Pedroso passou a se ausentar mais, deixando sua
herdeira no comando, ela tem aproveitado para descontar em mim qualquer
merda que esteja acontecendo na sua vida de princesa, ou simplesmente não
superou o fora que recebeu de mim. Um cara da ralé como eu.

Mulheres como a Lucrécia não aceitam um “não” numa boa. Isso mexe
com o ego podre de rico delas.
Começo a mexer nos documentos infinitos. Ao constatar os números,
cálculos, gráficos e planilhas nos primeiros documentos logo percebo que

isso não deveria estar na minha mesa. E sim no setor de contabilidade.

—Eu trouxe esse par de luvas e máscara para você poder trabalhar, sem
correr perigo de ter uma crise alérgica com a poeira.

Claro que isso deveria ser coisa da Lucrécia.

— Houve um equívoco. Essas coisas deveriam estar com o contador e


os auxiliares.

Lucrécia se aproximou estendendo o kit em minha direção. Ergueu a


sobrancelha ao perceber que não iria pegar. Fala:

— Acontece que o contador e os auxiliares estão com muito trabalho. E


você, como anda faltando, não dá satisfações acredito que pode repor as
horas não-trabalhadas ajudando seus colegas.

— Então sempre vai ser assim?

Cruza os braços me fitando com um ar cínico iluminando seu rosto


impecavelmente maquiado.

— É pouco comparado a forma como me iludiu.

Sem conseguir segurar a risada, solto uma gargalhada.

— Inacreditável.
—Inacreditável você manter essa postura de bom moço, sorrir para
tudo e para todos conservando sua mentira. Engana todos o tempo todo. Meu

pai, todos os funcionários e clientes, meus amigos, eu...e até sua melhor
amiga.

Fechei o semblante.

— Não fale do que não sabe.

— Sabe o que é engraçado? Quando encontrei a Arizona um dia desses


na joalheria, juro por Deus que por um momento pensei que ela não soubesse
da sua orientação sexual.

Solta uma risada que não dura muito, quando seguro seu braço sem me
importar de a estar machucando.

— Então foi você? — A sacudo cheio de cólera.

— Está me machucando!

Ela tenta se soltar, mas coloco mais força, fazendo com que solte um
gemido de desconforto.

— Diga o que exatamente disse a Arizona?

— E-Eu juro que não falei o que ela já deveria saber, Vicente. Só
comentei que não ficamos, pois você obviamente é gay.

Lucrécia tenta se soltar de novo, contudo, não permito. Estou tão cego
de raiva... ela estragou tudo.

Liberando um sorriso sombrio, olho no fundo dos seus olhos sem

qualquer remorso por vê-los cheios de lágrimas acumuladas.

— Quer saber a verdade, Lucrécia?

— Apenas me solte, Vicente! Agora! Eu vou gritar, acabar com sua

carreira em qualquer ramo. Quem pensa que é? Me solte agora mesmo, porra!

Quando faz menção de gritar agarro seu maxilar colocando pressão no


aperto.

— Dane-se você e essa empresa de merda!

— Desgraçado...

Sorrio com deboche ao proferir:

— Nem se eu fosse hétero iria querer sua boceta fácil, entendeu?


Mulheres fúteis como você jamais passariam na minha cama. Agora engole o

choro, supera o fato de que eu nunca vou te comer e se vira sozinha nessa
porcaria de empresa.

Largo seu queixo quando as lágrimas começam a descer pelo seu


queixo.

Tenho plena consciência de que a Lucrécia pode me processar por


assédio moral, ante a humilhação que a fiz passar em local de trabalho.
Todavia, sei que a probabilidade de mover algo assim é quase nula. A filha

do Pedroso presa pela reputação, adora estar nos holofotes por motivos que a

enalteçam.

Passo no Recursos Humanos para avisar sobre a minha demissão. O


quanto antes me desligarem da empresa, melhor.

Sentado na cadeira da confeitaria Casa Cavé, continuo mandando


mensagens para a Arizona. Tenho que reverter essa situação. Saio do
WhatsApp quando sobe um e-mail novo anunciando uma nova mensagem
que recebi no chat do site que sou cadastrado como sugar baby.

Acesso o site na esperança de que tenha uma excelente proposta. Agora


não posso mais contar com o salário que ganhava na importadora. Ramiro
não virá nesse final de semana, como havia dito na última vez que nos
falamos por telefone, sendo assim não entrará dinheiro. Nosso acordo não
permite que receba ligações minhas fora de hora.

Ramiro não é ruim. Porém, bastante regrado com a questão de dinheiro.


Isso incomoda.
Fico curioso ao ler a apresentação do Sugar Daddy. Jovem, milionário
e reservou o jantar num dos restaurantes mais caros do Rio de Janeiro. E pelo

jeito tem pressa. Ao menos é objetivo. Acesso seu perfil no site para me
certificar. Tem algumas informações sobre sua profissão e constato que é um
frequentador assíduo e seletivo no site por conta dos perfis dos outros garotos
que se relacionou. Pena não ter foto.

Diante da oferta generosa que oferece apenas para um jantar a dois,


aceito sem pensar duas vezes.

É melhor me garantir, afinal não sei até quando terei o Ramiro.

Jogo meu celular em cima da cama após ler as mensagens do grupo da


minha turma da faculdade, onde a representante da turma avisa que a
formatura será adiada mais uma vez por dois professores — que eles
consideram importantes — estarem doentes, um deles inclusive está
internado.

Por mim teria logo a formatura e pronto. Se esperarmos mais não vai
mudar em nada o quadro de saúde dos professores. O último concurso que
prestei fiquei no maldito terceiro lugar. Elordi passou em primeiro e não
assumiu o cargo. Então o segundo colocado tomou posse. Espero que em

breve tenha um novo concurso do Ministério Público Estadual.

Sou Bacharel em direito, passei na OAB — A Ordem dos Advogados


do Brasil —, o que vai complicar são os três anos de experiência exigidos de
atuação como advogado ou de prática jurídica em geral. Apesar de na

empresa ter cuidado um pouco da parte jurídica, nem todas as causas foram
distintas. O pior de tudo é que só serão computadas as atividades após a
minha formação.

Fecho o último botão da camisa social cor de vinho pensativo e um


pouco desanimado. Talvez sair da empresa do senhor Pedroso tenha sido
precipitado. Mas seria impossível continuar lá com a Lucrécia descontando
sua frustação em cima de mim, fora que a filha da puta foi a responsável pelo
meu segredo vir à tona.

— Eu vou conseguir — repito como um mantra.

Depois de todo o bullying que sofri na escola, as ofensas, os apelidos e


humilhações, todos irão engolir o fato de que o garoto franzino, pobre e filho
de mãe solteira subiu na vida. Faz parte do círculo do alto escalão da merda
dessa sociedade. O dinheiro e minha inteligência vão me proporcionar isso.
Chego ao restaurante sofisticado no Leme e me apresento com o nome
falso a hostess, que logo identifica a reserva avisando que irá me acompanhar

até a mesa.

Estou ansioso para jantar com o sugar daddy. O valor que recebi na
minha conta digital foi o mais alto que ganhei durante todos esses anos que
estou atuando nessa área.

Espero que não seja um velho asqueroso, pois já tive minha cota. Tomo
um gole do vinho que o sommelier serve sem eu solicitar. Disse apenas que
era sugestão do meu acompanhante.

Sinto a ansiedade tomar conta quando vejo o Elordi se aproximando

elegantemente com sua postura de dono do mundo. Ele sempre foi assim:
soberano, misterioso, singular. Meu corpo fica em alerta se dando conta de
que o encontro que tenho hoje não é com um sugar daddy e sim com...

— Boa noite, Henrique Souza de Lima — cumprimenta compenetrado


ao proferir meu nome falso. — Mas prefiro chamá-lo pelo seu nome
verdadeiro.

Afasta a cadeira e se senta com toda sua pose de lorde inglês. Elordi
Medeiros sempre chamou atenção. Por mais que não quisesse, era impossível
não o notar onde quer que fosse.

Recordo bem as primeiras emoções que causou em mim. No fundo já


temia não ser homem cisgênero. Não nasci no corpo errado e sim minha
orientação é algo que veio junto comigo sem eu querer, sem desejar sentir
atração por homens. E as humilhações na escola só pioraram a confusão

interna que estava passando.

Quando conheci a Arizona, a garota com os olhos azuis mais incríveis


que já tinha visto na minha vida, foi como uma luz no fim do túnel diante o
sofrimento constante que vivia na escola. Ser seu melhor amigo foi a melhor
coisa que poderia ter me acontecido. Mesmo assim não me sentia à vontade
para falar sobre minha sexualidade quando nem eu mesmo a aceitava.

Quando Elordi surgia na minha frente, sentia o coração bater mais


forte, começando a imaginar suas mãos segurando as minhas, muitas cenas

românticas fantasiadas. Mas não podia mostrar para ninguém quem eu


realmente era. Isso iria atrapalhar mais minha vida de alguma forma.

E todas as vezes que ele estava sério, lendo algum livro de terror ou
romance, longe de todos, o admirava sonhando que pudesse ser “diferente”
como eu era. Por nunca ter aceitado nenhuma investida das garotas da escola
e faculdade, tinha esperança de que fosse como eu.
Cristo, como sonhava com isso. E então comecei a perceber seus
olhares para a Arizona. A minha melhor amiga. E juntando ao fato da

descoberta do meu progenitor, tudo veio como uma combustão.

Elordi nunca iria me amar como o amo.

Por esta razão não posso deixar simplesmente que ele tire a Arizona de
mim. Ela ficará comigo... já que não podemos ficar juntos.

Ao mesmo tempo que o amo perdidamente tenho raiva por sempre ter
conseguido tudo, sempre ter sido o destaque, ser o querido, o preferido, ter a
vida perfeita. O que ele não tinha era a minha Arizona. Ela já está me
deixando de lado por causa dele, se afastando, me excluindo dolorosamente
da sua vida. Isso não vou permitir.

E agora que sei que fazem parte de uma Organização Secreta, que
dividem esse segredo juntos, mesmo quando não se davam bem... não sairei
do caminho deles.

Se tivesse alguma de chance de me aceitarem como sou, de me


incluírem nesse amor, poderíamos viver os três. Pois apesar de estar nutrindo
furor, amo eles. Entretanto, conhecendo ambos como conheço, jamais
aceitariam uma proposta dessa.

Então só me resta foder a cabeça deles.


— Isso é alguma brincadeira, Elordi?

Ele tenta parecer relaxado.

— Qual a sua ligação com Argus José Morais?

Não passa despercebida a surpresa e tensão na sua expressão, no jeito


que seus olhos castanho-claros me olham com certo temor.

— Não o conheço. Vou embora agora mesmo...

— Se levantar e sair desse restaurante antes que a nossa converse


acabe, irá conhecer uma parte minha que muitos odiaram conhecer. Garanto.

Sobressaltado, mantém uma postura de alerta.

— Já disse que não conheço!

— Então tem ido visitar um presidiário condenado pelo meu pai,


usando nome falso para passar o tempo? — O encaro cético.

Creio que para transparecer confiança, sorve o restante do vinho da sua


taça. Digo:

— Posso pedir mais uma garrafa, caso ajude a falar a verdade.

— Peguei o caso dele. Não contei para a Arizona, pois sei que atuam
apenas em defesa de pessoas inocentes. Nós, pobres mortais não temos muita

opção.

— E então decidiu que seria uma excelente ideia usar um nome falso?
Parece muito à vontade em estar cometendo falsificação de documento, ou
acha que o artigo 297 do Código Penal, com pena de dois a seis anos de
reclusão não se aplica a você. Claro, como advogado deve saber de tudo isso,

mas para estar se arriscando concluo que Argus José Morais deve ser uma
pessoa muito importante.

Solta uma risada querendo disfarçar o nervosismo.

— O que quer ouvir de mim?

— A verdade, Vicente. Só isso interessa.

— Uso nome falso para proteger minha identidade verdadeira. Quero


ser a porra de um Promotor de Justiça. Acha o quê? Que devo me orgulhar de
ser sugar baby, isso acabaria com a minha credibilidade. Não sou

privilegiado.

— Ainda não respondeu minha pergunta. Não interessa a forma como


ganha dinheiro desde que não prejudique ou faça mal a alguém. A grande
questão aqui é a mentira. Tem noção do quanto isso vai afetar a Arizona? Se
precisava tanto de dinheiro por que não pediu a ajuda dela, por que não
conversou com a pessoa mais confiável e que sempre o idolatrou?
— Arizona vai entender os meus motivos. E acho bom sair do caminho.

— Não existe ninguém que vai me tirar do caminho. Poderia ter ido

perguntar ao meu pai, mas estou aqui te dando uma oportunidade de ser
honesto.

— Você é ridículo.

— Ridículo é querer se aproveitar da Arizona, tê-la enganado por tanto


tempo e ainda por cima envolvido com um bandido. Quem é Argus, Vicente?
São parentes? Ou está fazendo algum trabalho sujo para ele aqui fora?

— Chega dessa merda! Não sou obrigado a dar satisfações a você. Se


tem alguém que devo explicações é para a Arizona.

— Argus está envolvido com a máfia? Você faz parte de algum


esquema deles contra a minha família?

Encosta as costas na cadeira parecendo ter recebido um baque a ponto

de ficar esvaído.

Quero muito estar errado com as minhas suposições.

Todavia, sabendo que Vicente tem tido contato com um homem que foi
condenado na justiça pelo meu pai, nada me tira da cabeça que pode ter coisa
pior sendo encoberta. O pior de tudo é a sensação de ter acreditado nele, de
ter criado algum tipo de gratidão por ser amigo da mulher que amo.

— Máfia? — profere, e continuo em silêncio. — Parece até coisa de


filme. Aliás, por que a máfia iria querer causar mal à sua família?

Sorrio sem emoção alguma diante da sua encenação, observando o

conjunto das suas expressões faciais, principalmente a região palpebral. Ele


está nervoso, ansioso e nitidamente mentindo.

— Fala como se não soubesse.

Jogo observando a expressão que se forma entre suas sobrancelhas e


nos cantos risórios, juntamente com a elevação da pálpebra superior expondo
a microexpressão facial de medo.

— É porque não sei. — Noto a queda perceptível do seu volume vocal.


— Não tenho conhecimento sobre máfia alguma.

Continuo o olhando sério.

— Nunca apresentei qualquer interesse por você. O fato de nunca ter


me visto com garotas não diz nada sobre a minha orientação sexual. Então,

Vicente, se começou a nutrir algum tipo de raiva doentia por mim por algo
que fiz involuntariamente, juro que recomendo tratamento psicológico.

— Se ouviu? Tá falando absurdos.

— Realmente sinto muito pela Arizona e dona Hermínia.

— Como assim? Seja claro!

— Te dei a chance de ser sincero, Vicente. Não por você e muito


menos por mim. E sim, pela Arizona.

— Não tenho o que esconder, ou temer.

O fito sem emoção alguma o assistindo se afogar mais e mais nas suas
mentiras.

— A partir de agora não tem mais conversa. Tudo que fizer terá

consequências. Está envolvido com um bandido, talvez esteja passando


informações para ele, ou armando algo em conjunto. Pior... podem estar
envolvidos com gente pior que vocês, que não irão ter pena de os destruir se
falharem. Não irei recuar, muito menos considerar o fato de você ter sido
importante para a minha mulher.

Levanto da cadeira sob seu olhar e aviso:

— Diga para Argus ou para o outro covarde para quem vocês estão
trabalhando, que logo será riscado na nossa lista. Não temos pena. Pode pedir
o que quiser para o jantar. É por minha conta.

Sem esperar que diga algo me afasto indo em direção a saída.


Ezequiel abre a porta do carro. Entro e sento-me no banco de couro. O
membro que está como motorista hoje começa a dirigir assim que o líder da
equipe que faz a minha segurança se acomoda.

— Tudo certo para irem à casa da floresta. Arizona já o está


aguardando no hangar da família — diz ao desligar a tela do seu celular.

— Ótimo — murmuro ao desbloquear a tela do meu celular.


Sorrio com a quantidade de mensagens que os pirralhos dos meus
irmãos enviaram para mim. Estão querendo que eu prometa fazer tudo que

quiserem no próximo final de semana. Respondo todas as perguntas me


comprometendo a fazermos programas juntos no final de semana que vem.

— O hacker de plantão não capturou nada suspeito antes, durante e


após o jantar, até o momento. Mesmo assim está atento até o Vicente sair do

restaurante.

Bloqueio a tela do celular suspirando ao ver a foto da minha namorada


ocupando a tela.

— Ele está mentindo.

— Juro que se pudesse iria me ajoelhar agora mesmo e erguer as mãos


para o céu agradecendo esse milagre.

Solta uma risada rouca.

— Estou falando sério, Ezequiel.

— Eu também, garoto — estala a língua nos lábios, bufa e profere: —


Olha, entendo que Vicente seja importante para a Arizona e acredito que
realmente foi um bom menino. Mas ele mudou muito, e infelizmente para
pior. E diante de tudo que o Luri descobriu temo até onde ele possa ir para
conseguir o que quer. Afinal, o que ele realmente quer?

— Depois de tudo que Anthony e Miguel falaram sobre os olhares do


Vicente... o jeito diferente que me olhava, hoje não tive dúvidas do que vi nos
seus olhos. — Passo a mão na barba exasperado. — Vicente gosta de mim.

— Estou zero chocado. Mas é estranho. Não por ele ser gay, isso não
tem nada a ver. A questão é ele estar mentindo, ter manipulado a melhor
amiga, todos ao redor.

— A conversa que tivemos foi pela Arizona. Vicente teve a chance de

se salvar seja lá no que esteja metido. Agora já não posso mais fazer nada.
Vou olhar nos olhos da minha mulher e revelar a verdade mesmo sabendo
que irá machucá-la. Porém, serei sincero ao dizer que tentei salvar a pele do
homem que acreditou fielmente ser seu melhor amigo.

Não será nada fácil a conversa que vou ter com a Arizona. Direi tudo
que descobrimos sobre o Vicente, mas será algo que ficará para depois do
momento romântico que foi preparado às pressas pela minha mãe, que fez a
pequena viagem mais cedo à casa da floresta.

Nem sou capaz de dizer o quanto estou ansioso ao revelar tudo que
venho guardando durante esses anos.

Quando chegamos no pátio do hangar seguimos em direção ao


helicóptero onde minha namorada e Kostas estão conversando. Retribuo seu
sorriso me sentindo o maior sortudo da porra desse mundo. Juro que tem
momentos que parece um sonho finalmente estarmos juntos.
Nem dou tempo de um cumprimento.

Agarro seu rosto com as palmas das mãos, abaixando a cabeça para

capturar seus lábios carnudos e macios. Suas mãos buscam apoio na minha
cintura, apertando meus músculos com força, acentuando o desejo absurdo
que sentimos um pelo outro com apenas um beijo. Quis muito estapear sua
bunda, a pegar pela nuca e devolver a mordida de um jeito mais intenso,

quando mordisca meu lábio.

— Quero mais um — sussurra manhosa com um ar risonho.

— Tem todos os meus beijos. Todos são seus.

Passo a mão no seu cabelo longo e sedoso. Desviamos a atenção de nós


com o limpar de garganta do Kostas.

— O piloto já se certificou de tudo. Previsão meteorológica está ótima


para essa a noite. Combustível e rádio tudo certo. E o segurança que está lá
na casa da floresta afirmou que o aeródromo está perfeito.

— Muito obrigado, Kostas. Voltamos no domingo à noite.

— Vamos sentir a falta de vocês. Agora vão logo!

— Tem certeza de que não quer que a gente acompanhe vocês? —


indaga Ezequiel ignorando o olhar enérgico do Kostas.

— Eles já falaram que não vão precisar de nós. Sério, não me façam
brochar agora. Tenho um encontro, pessoal.
Acabamos sorrindo do jeito do Kostas.

— Vai tranquilo! Realmente não precisaremos de vocês.

— Amém! Vamos, cara!

Kostas faltou arrastar o Ezequiel para longe de nós.

Apreciamos a vista incrível da ecorregião de floresta tropical na cidade


de Ubatuba. É a casa da Floresta dos meus pais. Ao menos duas vezes
durante o ano costumamos vir passar uns dias, algumas vezes a família toda
vem. Pensei que apenas o meu pai tinha essa casa de emergência. Mero
engano da minha parte.

Tio Edu, assim como todos os meus outros tios — exceto Miguel —
construíram casas em florestas espalhadas pelo Brasil de forma estratégica. A
casa do tio Enzo ainda está em processo de construção.

Todos optaram por regiões menos conhecidas e habitadas,


consequentemente tendo o cuidado para não invadir as aldeias indígenas.
Fora que o Luri cuida de toda a parte tecnológica para impedir que os
satélites localizem as casas, ou qualquer outra pessoa, que por acaso esteja
sobrevoando, espalhe a notícia. Tem uma parte da equipe dele que cuida

disso.

O piloto faz o pouso da Bell 525 Relentless — versão executiva — na


parte indicada. Saio inalando o ar puro. Estendo a mão para a Arizona que
segura prontamente para descer com mais facilidade do helicóptero. Pego a

bolsa de viagem que trouxe de suas mãos.

Agradecemos o piloto. Em seguida o segurança que estava de plantão


se aproxima com a mochila nas costas.

— Está tudo como pediu, patrão. Amanhã à noite retorno.

— Obrigado. Façam uma boa viagem.

O caminho de pedras que segue a trilha até a casa está devidamente


iluminado. Por ser uma ocasião especial todos os membros foram liberados.
Restando apenas Afonso que agora voltará para o Rio.

— A última vez que estive aqui foi no aniversário de...

— Sete anos do meu irmão. É, eu lembro. — Sorrio com a lembrança.

Digito a senha no painel de segurança próximo à porta. Afasto-me para


minha namorada entrar primeiro, tranco a porta e sorrio quando vejo sua
expressão de surpresa diante da decoração romântica.

Tem velas aromáticas de Jasmim — sua fragrância preferida — pelo


piso de madeira, as almofadas coloridas que costumam ocupar o sofá foram
substituídas por vermelhas e brancas, a lareira ecológica ajuda a iluminar a

sala de estar. No forno tem dois pratos de Risoto vegetariano de abóboras


grelhadas com farofa de couve e amêndoas. Tem petiscos frios e quentes, a
adega está abastecida, tudo parece estar perfeito.

Porém, sou um caralho de homem nervoso e ansioso. Durante o

caminho para cá cogitei dispensar o vinho, mas acho que vou precisar tomar
alguns goles para tentar me acalmar. Podemos ou não ter nossa primeira vez
juntos e isso com certeza está mexendo comigo. Obviamente só faremos sexo
se a minha mulher estiver pronta.

Será a primeira vez que vou foder sem ser um animal tarado. No clube,
meu corpo funciona conforme minhas lembranças dolorosas do abuso sexual,
de toda a violência que conheci ainda criança.

Não quero estragar nosso momento.

Arizona descansa os pés dos saltos de tira e coloca o meu blazer — que
estava usando desde que o coloquei por cima dos seus ombros antes de
entrarmos no helicóptero — no braço do sofá. Não pude deixar de notar o
quanto está malditamente sensual usando um vestido de cetim simples de
alcinha com tiras na lateral na cor vermelha. Tem pouca maquiagem no rosto
e a única joia que usa é o colar que lhe presenteei.
— Esse lugar é incrível. Nunca vou me cansar de dizer isso.

— Você conhece quase todos os lugares da casa —murmuro ao me

aproximar dela.

Senta-se na base do sofá e dando espaço para me encaixar entre suas


pernas.

— Eu conheço todos os lugares daqui. Até seu quarto.

Não perco nenhum movimento dos seus lábios carnudos totalmente


enfeitiçado.

— Antes de qualquer coisa. Está com fome? Quer um vinho...?

— Não e não. Mesmo se estivesse não ia querer. Sabe que sou curiosa,
Elordi. Qual parte da casa não conheço? — Apoia as mãos na minha cintura.

— É um compartimento secreto que fica no meu quarto. O lugar onde


guardo um dos meus bens mais valiosos.

Sorri entusiasmada.

— Que são...?

— Irei mostrar. Venha, amor.

Entrelaçamos as mãos e vamos em direção às escadas.

Deus do céu, espero não a assustar. Talvez, se formos levar para o lado
da psicologia, eu seja um obcecado por tudo que tenha a ver com a Arizona.
Não é bem assim... eu acho.

Mesmo a ignorando como um perfeito idiota que eu era, sempre fui

muito observador. Capturava os mínimos detalhes para guardar na memória,


por simplesmente querer estar por dentro de todo o assunto que tinha a ver
com a mulher da minha vida. Desde os seus tiques, gestos, expressões de
cada sentimento notoriamente exposto... absolutamente tudo.

Fui altruísta em abrir mão de conquistar seu coração, de ter desistido


antes mesmo de tentar simplesmente por querer seu melhor, sabendo que não
era quem precisava.

Seria uma carga emocional desenfreada em sua vida. Me arrependo de


tê-la afastado, machucado seu coração, e empurrado a insegurança que já
sentia, por conta do tratamento de saúde pesado que passou, para o abismo.

Mas eu ainda era um adolescente aprendendo a lidar com o passado


infernal que tive. E a última coisa que Arizona precisava naquela época era

um namorado tóxico. Do jeito que amava iria acabar ferindo nos dois,
desgastando nosso amor, o transformando em algo feio.

Agora estou mais forte. Mais controlado emocionalmente. Os traumas,


lembranças dolorosas e pungentes ainda se fazem presente. Contudo, agora
aprendi a lidar melhor com o apoio da minha família e ajuda profissional.
Mesmo assim tem dias que estou depressivo, mas tenho me esforçado.
Amadureci, aprendi com os meus erros, estou aceitando ser eu depois de tudo
que fui submetido no tráfico humano.

Assim como a sala de estar, a suíte tem velas aromatizadas, algumas


flores que foram trazidas da plantação, a lareira embutida na parede também
está ligada fazendo um belo par romântico a paisagem que temos daqui do
alto, da floresta.

Destravo a passem secreta ao apertar um botão pequeno atrás do


exemplar de It: a coisa. A estante de livros faz um pequeno barulho
anunciando o destravamento. Empurro, ainda temendo sua reação quando eu
acender a luz do cômodo e se deparar praticamente com todas as suas obras
penduradas na parede.

As obras da Arizona são minha exposição particular, que acalenta meu


coração desde que comecei a adquiri-las anonimamente. Era uma forma de
tê-la comigo.

Não a acompanho quando dá um passo à frente. Estreita os olhos em


nítido questionamento e divertimento.

— Não vai entrar comigo?

— Prefiro ficar aqui enquanto conhece o meu paraíso particular.

Ligo a luz. Uma atrás da outra se acende iluminando o ambiente e todas


as obras expostas.
Arizona faz um giro lentamente sem desviar os olhos das paredes que
estão repletas dos seus desenhos realistas e algumas pinturas. A morena

parece não acreditar no que está diante dos seus olhos oceânicos. Como se
quisesse ter certeza do que está vendo, se aproxima de uma obra. Ela
desenhou perfeitamente uma congolesa, que ainda está inserida no Instituto
da família, que se instalou em alguns países africanos para ajudar os menos

favorecidos. Os traços finos, cada detalhe da face da preta guerreira e mãe


solo, impactam qualquer pessoa por parecer tão real.

Os minutos se passam e não consigo me mover. Estou esperando que


diga algo. Mesmo que me xingue, que diga que sou louco.

Estou sedento por qualquer reação.

Põe os dedos por cima dos lábios claramente abalada. E então as


lágrimas começam a escorrer pela sua face. Aproximo-me tentando controlar
as próprias emoções e medo do que está pensando.

— Não pense que comprei suas obras por não apreciar arte. Sempre
admirei seu talento, sempre me espantou o fato de desenhar de forma tão
realista. Sei que cada obra para o artista é diferente, especial.

O silêncio volta a perpetuar. E então profiro:

— Foi mais forte que eu Arizona. Quando se trata de você sou um


viciado do caralho. Absolutamente tudo que se refira a você estou atento,
quero conhecer, saber. Simplesmente guardo na mente, e ajo sem pensar
muitas das vezes.

— E-eu tinha pedido para o Luri investigar sobre o comprador das


minhas obras — sussurra. — Acobertaram você. O que mais devo saber,
Elordi?

Finalmente vira de frente. Não consigo identificar o que realmente está

sentindo, nem poderia. É um frenesi de emoções.

— Que por te amar tanto simplesmente não conseguia me manter


longe. Lutei tanto comigo mesmo para tentar te esquecer, me martirizando
por saber que não era bom o suficiente para uma garota tão doce, bonita,
sensível. Eu só... queria tê-la comigo de alguma forma. Roubar seu caderno
de desenho no colegial, arrancar a folha com o desenho foda que havia feito e
decidir que aquela seria a tatuagem que carregaria nas minhas costas para
esconder um pouco das cicatrizes não foi o primeiro passo.

O ar parece que não está chegando nos meus pulmões. Continuo:

—Sempre a admirei de longe e juro por Deus que sempre foi uma
tortura fingir indiferença. E então o sentimento foi florescendo de forma
absurda, sem controle. Me vi a defendendo das garotas metidas da escola, a
protegendo dos comentários maldosos por causa da sua aparência frágil, que
para mim nada mais era que um lembrete do quanto foi um soldado de guerra
ao vencer o maldito câncer, impedi as sabotagens delas nos seus trabalhos,
principalmente nos de apresentações.

Entreabre os lábios quebrando o caminho que as lágrimas seguiam.

— Toda vez que entrava no banheiro me certificava se não estava


passando mal, meu maior medo era do seu câncer voltar. Comecei a ter um
relacionamento melhor com Deus, pois meio que aprendi a orar naquela

época... pedindo que nunca mais ficasse doente. Só não queria que sofresse
de novo, que passasse por tudo de novo. Eu ficava atento a cada passo seu, a
qualquer sinal de alerta imediatamente correria para falar aos seus pais. Só
sabia te amar escondido, meu único amor.

Toco nas suas mãos trêmulas, sem desviar os olhos dos seus.

— Eu já te amava numa intensidade tão forte que... me aproximei do


Vicente não para te irritar como pensava. Mas sim porque via nele o cara
ideal para a garota que roubou meu coração sem saber. Na minha cabeça o

idealizava, sempre pareceu ser um bom garoto, esteve do seu lado durante
seu tratamento, inteligente, bondoso. Aguentaria o manter por perto, forçar a
amizade simplesmente para ter certeza se ele realmente a merecia. Isso
acabava comigo e sou o maior estúpido por ter pensado assim até pouco
tempo. Antes de todas as revelações. Seria feliz por vê-la feliz com um
homem sem... normal. Me julguei fodido demais para ser digno do seu amor.
Não seria completamente feliz, mas sua felicidade iria me atingir mesmo de

longe.

Estava ébrio, perdido na paixão quando afastou as mãos das minhas e


segurou no tecido da camisa social com força.

— Você alimentou minha ilusão... com outro homem — diz séria.

— E me arrependo muito.

— Ele sempre ganhou meus abraços e admiração por coisas que não
tinha feito. — Se refere ao imbecil. — Poderia tê-lo abraçado, beijado e
admirado mais. Me fez acreditar que era ele, quando na verdade, sempre foi
você. Te julguei, me magoei com as suas atitudes, sofri pela sua rejeição.
Poderíamos ter evitado isso, Elordi.

Prefiro continuar calado. Arizona parece com raiva e ao mesmo tempo


tão... cheia de amor.

Parece que estamos estalando de tanto tesão.

Fica na ponta dos pés e alcança meus lábios, os roçando por cima dos
meus. Ainda de olhos abertos ficamos no embate intenso, explodindo de
desejo, paixão.

Minhas mãos praticamente se fecham na bunda grande a puxando para


montar na minha cintura. Não aguento mais.

Estou como um animal imaginando sua bocetinha apertada, pequena,


cremosa... louca para torturar o ganancioso do meu pau. Por céus, quero
muito que acabe comigo.

Nossas línguas buscam uma a outra com urgência assim que nos
rendemos ao beijo. Podemos ficar muito tempo nos beijando, todavia,
nenhum será o suficiente para sanar a gana que sinto pela minha mulher.

— Porra... agora você vai pagar por cada provocação, Arizona — digo

sentindo meu lábio latejando por conta da mordida.

— Quem está em dívida aqui é você, amor. Há tempos estou querendo


transar, e você se controlando. Me deixando puta da vida!

Sinto o sorriso dos seus lábios próximo à minha orelha.

— Putinha vai ficar quando começar a foder meu pau sem folga.

Agarro seu cabelo pela nuca, direcionando seu rosto para mim.

— Eu te amo pra caralho, Arizona. Muito. Realmente quer transar?

— Nem ouse ser a porra de um homem fofo nesse momento que estou
ardendo de tesão. Vai me comer, cumprir tudo que vem me dizendo...

Aperto sua bunda com a mão, enquanto a outra continua firme na sua
nuca. A morena safada passa a língua por cima da minha boca, atiçando,
querendo o que tanto sonhei sem acreditar que um dia se tornaria realidade.

Ajudo-a a descer do meu colo lentamente, sem pressa. Agora temos


todo o tempo do mundo. Nada suplantaria a entrega que faremos agora. A

nova intimidade que iremos alcançar.

Meus dedos tocam sua pele macia à medida que afasto as alças finais
do vestido, deixando-as escorregarem por seus ombros. Suas mãos trabalham
desabotoando a camisa. Quando termina, tiro a camisa jogando no chão.

Abaixo o tronco à medida que vou puxando o vestido para baixo,

expondo cada parte do seu corpo bronzeado naturalmente, cheio de curvas,


macio, cheiroso. Tão feminina, tão mulher, tão minha. Sentindo a boca seca e
tarado na minha mulher, assim que os seus seios fartos ficam à mostra, passo
o rosto neles, cheiro, e então abocanho o mamilo direito, puxando de leve o
piercing no biquinho rosado.

—Vou querer foder seus peitos depois... vai ser gostoso, morena.

Arizona está como uma massa sôfrega, os cílios longos sombreando os


olhos cheios de tesão, paixão. As palmas de suas mãos pequenas estão no

meu cabelo, onde mantém um alicerce para se manter em pé. Começo a


mamar no seu outro seio, sem deixar de beliscar o mamilo que tem o
piercing, lhe causando um pouquinho de dor mesclado ao prazer.

Passa a buscar apoio nos meus ombros quando vou abaixando,


molhando sua pele com os beijos. De joelhos observo o tecido do vestido
escorregar do seu corpo, amontoado nos seus pés pequenos. Seguro seu
quadril largo e planto um beijo no seu umbigo.

Fecho os olhos por alguns segundos tentando me controlar. Passo o

nariz por cima da calcinha, que exibe um pouco da excitação no tecido.


Cheiro, passo o rosto, por fim afasto a calcinha de lado dando espaço
suficiente para beijar seus lábios vaginais pequenos, melando meus lábios
com seus fluídos.

Ergo-me respirando em haustos, com o coração batendo mais forte que


nunca. Coloco a mão na sua clavícula e beijo sua boca lentamente, aprofundo
o beijo a cada misero segundo. A morena cola em mim, me deixando mais
ambicioso, sentindo os seios contra o meu peitoral, a boceta coberta pela
calcinha raspando a calça. Puta merda... estou tão duro.

Não vou gozar antes da minha mulher. Não porque isso poderia
machucar minha masculinidade. Longe disso. É que sempre que puder me
segurar para primeiro lhe proporcionar prazer, farei.

Estamos apenas começando.

Fomos parando o beijo aos poucos assim que suas mãos começam a
passear nas minhas costas com mais intensidade. Olhando nos seus olhos, sou
nocauteado novamente pela minha mulher, quando começa a beijar meus
dedos, palma da mão, escorregando para as sakuras vermelhas, sentindo a
pele machucada pelas automutilações, as tentativas de suicídio que falharam,
e não tenho como apagar.

Assim como na primeira vez que as beijou, me emocionou enchendo

meu coração de amor, agora acontece o mesmo. Arizona não se importa com
a merda do meu passado. Provou isso antes, e parece disposta a me lembrar
sempre que possível. Vai para o meu braço esquerdo repetindo o mesmo
carinho.

Em seguida começa a beijar meu pescoço. Lambe, deixa pequenos


chupões, mordidinhas. Mordisca meu mamilo arrancando uma risada nervosa
dos meus lábios. Vai descendo, fazendo o desespero toldar no meu ser.

A interrompo, puxando-a para cima. A morena para justamente com a


mão praticamente comichando por cima do meu pau. As únicas coisas que a
impedem são: a calça e cueca.

— Assim vou gozar, Arizona.

— Mas nem toquei direito em você — murmura com a voz carregada

de desejo.

— Meu pau não tem muito controle quando se trata de você. Ou


melhor, não temos.

— Pensei que quisesse me virar do avesso — fala querendo fingir


inocência.

— É uma putinha safada, morena — seguro seu rosto. —Deita na


cama.

Descalço os pés e abro o cinto sem tirar os olhos dos seus. Arizona é

uma mistura de anjo com ninfeta, deusa... porra, nem sei dizer ao certo.

Meu membro ereto pula para fora da cueca, passando do meu umbigo.
Alivio um pouco a dor iniciando uma masturbação lenta, espalhando a
lubrificação natural que sai da cabeça robusta por ele todo.

Subo na cama e deito de lado. Começo a beijar sua bochecha, mordisco


sua orelha, passo a língua, enquanto minha mão grande arregaça o tecido da
sua calcinha para conseguir invadir o tecido.

Esfrego a palma da mão aberta no pouco espaço que tenho, arrancando


gemidinhos abafados da morena. Entreabre os lábios quando meto um dedo,
tendo certeza do quanto está encharcada. Uma delícia sem tamanho. Dou
atenção para os seus seios, enquanto fodo sua boceta quente com os dois
dedos. Arqueja buscando minha boca, mexendo o quadril, ficando rubra,

querendo gozar o quanto antes. Prolongo como posso, e então belisco de leve
seu brotinho voltando a estimular sem pena, com força.

Ondula e goza sugando minha língua. Como é gostosa!

— Gostosa do caralho! Agora sim vou sugar até não aguentar mais.

Era diferente de tudo que senti em toda minha vida. Como se


finalmente estivesse completo, satisfeito, feliz.
Com o tom de voz soprano, cheio de desejo acumulado, mando:

— Senta na minha cara, pequena.

Parece não acreditar, apesar de ainda estar se recuperando. Beija meus


lábios castamente. Deito reto e ajudo-a montar no meu rosto. Seu cheiro de
fêmea natural me deixa louco.

Meto a língua na sua bocetinha saboreando o seu mel. Porra, amo isso.
Mantenho as mãos no seu traseiro macio, enquanto a fodo com a boca.
Arizona movimenta o quadril, esfregando a boceta mais ainda na minha cara.
A como com vontade.

Posso sentir meu pau pesado, o saco duro e cheio. A chupo com mais
força, sem pausa, atolado na vagina pequena, a explorando.

— Eu vou gozar, amor...ah, Elordi. Não aguento mais.

A morena ronrona como uma mulher perdida na onda de prazer.

Continuo a chupando. Paro quando está prestes a gozar, a desço do meu


rosto a fazendo esfregar a boceta molhadinha por todo meu peitoral até
amassar a coluna do meu pau. Minha rola anseia entrar na morena, mas antes
a farei gozar mais uma vez.

O pego pela base, esfrego nos seus lábios vaginas sem a penetrar.

— Puta merda... só mete.


— Já, já, meu amor. Goza mais uma vez. Mela mais o meu pau. Isso,
caralho — profiro rouco, suando, quando o pega, apertando um pouco e

friccionando a cabeça ao redor da sua vagina como se fosse a merda de um


vibrador. — Continua, minha putinha gostosa.

Massageio seus seios com força, brinco com os biquinhos, aperto o seu
mamilo direito fascinado pelo piercing.

Descerro os lábios assistindo à cena sexual da minha mulher usando o


meu pau, dominando. Coloco a mão na lateral do seu rosto. No momento que
passo o polegar pelos seus lábios inchados pelos beijos intensos e mordidas, a
morena o chupa. Meu pau não para de babar, se continuarmos assim vou
gozar.

E então minha mulher goza espalmando as mãos no meu peitoral duro.


Suada, com nuances pelo corpo devido aos meus apertos, mordidas, beijos,
chupões, cabelo numa bagunça sexy, natural.

Cai sobre mim lentamente. A abraço com carinho, passeando a mão


pelas suas costas e bunda. Não fico surpreso quando a morena começa a
beijar meu peitoral, rebolar sutilmente o quadril, querendo mais.

Troco nossas posições arrancando uma risada sua. Sem colocar o meu
peso todo em cima do seu tenho apoio do meu braço e cotovelo. Acaricio seu
rosto com os dedos, perdido nos seus olhos azuis. Gemo roucamente quando
toca no meu pau, descendo e subindo as mãos lentamente.

— Se sentir um desconforto muito grande, paramos. Temos todo o

tempo do mundo.

— Mesmo que sinta não vou pedir para parar. Finalmente vou ter você
por completo, moreno.

Acomodo minhas coxas entre as suas, meu pau encosta na sua boceta
sensível. Está toda melada, lubrificada, prontinha para receber seu homem.
Beijo seu nariz antes de firmar a mão na sua nuca.

Começo a meter lentamente sentindo o calor purgar de mim. Arizona


mia igual uma gatinha manhosa. Sigo para uma segunda tentativa de a
penetrar por completo. A morena tem uma vagina pequena, talvez um pouco
demais para o meu tamanho, mas com jeitinho, lubrificação e calma iremos
nos encaixar.

Suas unhas resvalam minhas costas, marcando minha pele a fogo

quando tento mais uma vez penetrá-la. Pressiono mais uma vez sua bocetinha
a me receber. Beijo sua boca carnuda, abafando seu gemido quando
finalmente entro mais um pouco. Saqueio seus lábios, quando encontro a
barreira do hímen.

— Agora vou tê-la por completo, amor.

Entro na sua bocetinha apertada. As lágrimas começam a escorrer pelo


seu rosto. Começo a beijar sua face, e paro de meter ao notar sua expressão
de dor. Continuo com o movimento após a pausa, entrando todo de uma vez

na sua vagina quente, melada e apertada pra caralho.

— Está doendo... cacete! — choraminga e beijo suas bochechas


coradas.

— Vamos ficar um pouco quietinhos, pequena. Vai se acostumar com o

seu homem, respira, me beija.

Agarra minha nuca com força, sugo sua língua e acaricio seu mamilo.

— Agora vai me dar essa boceta gostosa toda hora — falo, antes de
beijar seu queixo. — Vai aguentar?

—Vou — responde firme, tentando esconder a dor.

Não duvido.

Meu pau que lute.

— Não esperava menos da minha putinha.

A morena sorri um pouco mais confortável. Sinto sua mão apertando


minha bunda, subindo para a minha coluna, apertando minha carne,
marcando a região sem piedade. Parece que meu coração está socando meu
peito de tão grande é o meu tesão, desejo.

Abro um pouco de espaço entre nossos sexos para estimular seu clitóris
com os dedos severamente.

— Ai... ai...

Saio um pouco de dentro da sua boceta e meto de novo até o talo


arrancando gemidos. Abro um pouco os lábios, respirando como um touro,
fodendo a minha mulher que passou a me acompanhar nos meus
movimentos.

O tesão emanando dos nossos corpos, nossos sexos melados pelos


fluidos naturais fazendo o som do charco ao se encontrarem. Sugo sua orelha,
pressiono mais meu corpo contra o seu. Meto profundamente a fazendo
estremecer, lagrimar mais, pedindo por mais, falando o meu nome em êxtase.

A morena começa ondular, gozando, me apertando. Lambo seus lábios,


os beijos. Continuo com as investidas duras, sem pausas, enterrando fundo no
calor da sua boceta gananciosa. Minha rola cresce, incha e prossigo com os
movimentos, urrando como um animal.

Paro de meter para esfregar mais seu clitóris inchadinho, a fazendo


alucinar. Arizona goza de novo, erguendo um pouco o quadril, rebolando.
Tomo sua boca num beijo, estocando sem dó. Meu saco pesa, sinto o arrepio
intenso domar meu corpo se estalando na minha coluna e explodo porra
dentro da minha mulher. Com fôlego continuo duro, estocando. Descolamos
os lábios, nos olhando com as pálpebras pesadas, lânguidos. E então vou
parando os movimentos quando o jato de gozo para.

Beijo sua boca delicadamente, suado.

Mansamente começo a tirar meu pau melado de esperma e sangue de


dentro da sua boceta. Deito-me na cama, logo Arizona se acomoda nos meus
braços. Preciso de alguns minutos para assimilar a intensidade de tudo que
vivemos agora.
“Se eu fosse um carpinteiro, eu construiria para você uma janela para
minha alma. Mas eu deixaria a janela fechada e trancada, assim, toda vez que
você tentasse olhar por ela... tudo que veria seria seu próprio reflexo. Você
veria que minha alma é um reflexo de você.”

Pausa – Collen Hoover

Nunca vou esquecer dessa foda. Parece que agora entendo como é
gostoso fazer sexo quando é com a pessoa que você ama. Tudo é mais
intenso, quente, delicioso. Nada se compara.

Fecho os olhos ao sentir os beijos carinhosos da minha mulher na curva


do meu pescoço. Estou feliz por estarmos juntos, de não a ter perdido. Ainda
posso não a merecer — como uma parte de mim acredita —, mas isso agora
me dará forças para ser melhor todos os dias.

Carrego no corpo marcas que causei a mim mesmo por não suportar o
inferno que vivia sendo escravizado no tráfico humano. Desconhecidos
abusando do meu corpo, fodendo a minha cabeça, tirando minhas esperanças
de dias melhores e sugando a merda da minha vida.

Perdi as contas de quantas vezes desejei que algum dos traficantes


atirasse no meio da minha testa para acabar com o meu tormento diário. A
morte havia se tornado uma saída para mim. Era melhor do que continuar
sendo abusado, escutando os pedidos de socorro das outras vítimas.

Fiz sexo com a Arizona sem precisar amarrá-la, consegui controlar


minhas taras. E isso para mim é novidade.

Quando comecei a frequentar o clube de sexo, todas as trepadas comigo


eram usando as técnicas de Shibari nas minhas parceiras. Era só assim que
transava. As queria amarradas, imobilizadas... o resto eu cuidava para nos
proporcionar prazer. Por um tempo pensei que o fato de eu ser shibarista
seria mais um problema, outra terrível consequência dos traumas que passei.

Mas o meu terapeuta deixou claro que não é um problema gostar dessa

técnica. O lado bom é que sou um praticante responsável, prezo pelo bem-
estar e prazer da minha parceira. Tenho autocontrole. Busquei nessa arte algo
para conter a dor que carrego no fundo da alma.

Arizona volta a encostar a cabeça no meu peito e começo a acariciar

seu cabelo sedoso.

— Estou pronta para a segunda rodada.

A abraço gargalhando. Deus do céu! Essa morena realmente existe e é


somente minha.

— Estranharia se não estivesse.

— Mas antes preciso de um banho rápido.

Olha para baixo e vira o rosto em minha direção fazendo uma careta

fofa. Óbvio que viu a lambança que fizemos e como estamos melados de
porra. Toco na sua bochecha rubra, segurando a risada.

— Estamos bem... sujos.

— Sim, estamos. Não usamos camisinha, enfim.

Minha namorada apoia o cotovelo direito na cama e me olha com os


seus intensos olhos azuis sem parecer apavorada pelo fato de ter gozado
dentro dela — o que foi gostoso pra caralho. Ou ainda estar lânguida pelo

momento incrível que tivemos, assim não caiu a ficha que o espermatozoide

pode estar a caminho ou só esperando o momento da ovulação para


finalmente plantar nossa cria.

Porra, a possibilidade de termos um bebê me enche de alegria. Imaginei


várias vezes nós dois sendo pais de uma linda menina que tem os olhos iguais

ao dela. E agora esse sonho me parece muito mais real.

— Você sabe, sei que sabe, ou tinha quase certeza de que eu era
virgem. Bom, quis contar com todas as letras para você. Porém, sempre
acontecia alguma coisa, ou você usando todo seu autocontrole não deixava a
gente ir para a próxima etapa, enfim. Confesso que o fato de ainda não ter
transado, era por ter idealizado muito por um tempo a famosa primeira vez.
Depois comecei achar bobo, depois só queria não ser mais. Porém, agora sei
que valeu a pena esperar. Foi perfeito. Você é perfeito.

—Nunca me senti tão bem como estou agora. Ou melhor, desde que
começamos a nos relacionar. Quero que saiba que se pudesse teria guardado
minha primeira vez para você — profiro com sinceridade.

Sorri emocionada. Prossigo:

— E sobre não termos usado camisinha. Estou totalmente limpo. Agora


não podemos ignorar que existe uma chance de termos bebês...
— Na verdade, uso método contraceptivo. O meu pai que implantou no
meu braço.

Morde o canto dos lábios carnudos.

Ainda bem que meu pau está mole, caso contrário iria amolecer. Só o
fato de o tio Alex ser mencionado fico em alerta. Nos damos bem, somos da
mesma família, tenho sua bênção para namorar sua filha. Mas o homem é

enorme, sabe como colocar pressão apenas com o olhar. Claro que ele não
deixaria sua única filha ter bebês antes de passar por toda a formalidade.

— Então zero chances de gravidez.

— Espera, você realmente não se importaria de termos um filho agora.


Quer dizer, nem me formei ainda, faz pouco tempo que estamos namorando,
e...

A calo selando nossos lábios com calma.

— Sabe como nossa família é. Amam ter filhos. Não sou diferente, e
acho que você também não. Mas tudo bem, morena. Podemos pensar,
planejar para daqui uns anos.

Pego sua mão e levo aos lábios, beijando dedo por dedo.

— Já consegue imaginar nosso futuro? — indaga baixinho.

— Sempre imaginei. E agora sei que será realizado no tempo certo.


A morena monta no meu colo esfregando descaradamente a boceta no
meu pau.

— Quero escutar mais. — Coloco seus cabelos longos para trás dos
seus ombros para não impedirem a visão espetacular que tenho dos mamilos
fartos. — Sei que um bebê...

— Bebês — falo no plural.

Agarro sua cinturinha fascinado pelo seu corpo cheio de curvas, sem
máculas, com o meu cheiro de macho impregnado na sua pele macia.

— Continue.

— Imagino nosso casamento ao ar livre com a participação especial da


Atena — sorri lindamente apoiando as mãos no meu abdome. — Nós dois
viajando pelo mundo, eu chegando do trabalho e encontrando você fazendo
bagunça na cozinha, a gente fazendo amor, trepando como dois selvagens por
quase todos os lugares da casa. O que mais aquece o meu coração é imaginar

você desenhando, ou pintando alguma obra sua descalça, usando uma


camiseta minha, enquanto mantém nosso bebê protegido e quentinho no seu
ventre.

Roça seus lábios nos meus. Sem conseguir aguardar seu beijo o tomo
de forma profunda, lenta. Nossas línguas se tocam quentes, molhadas,
ansiosas. O beijo se torna mais erótico.
— Morena, acabou de perder a...

— Aguento — sussurra e volta a me beijar, rebolando sutilmente no

meu pau.

Amasso sua bunda, apertando os dois montes cheios que sou


terrivelmente tarado a fazendo gemer abafado. Nem posso imaginar o quanto
vai ser gostoso foder seu cuzinho. Vai ficar viciada querendo meu pau em

todos os lugares.

— Será mesmo que sua bocetinha apertada aguenta o meu pau? Porque
vou meter até o talo, morena.

Ergue-se um pouco e agarro suas coxas enquanto acolhia lentamente


meu pau no seu interior. Era uma tortura, uma deliciosa tortura. Tinha que ser
no seu tempo para não machucar sua vagina. Levo meus dedos para o seu
clitóris o estimulando e tendo certeza de que estava lubrificada.

— Ohhhhh...

Estremece sentindo minha rola preencher todas suas paredes internas,


abrindo-a para receber seu macho. Não perco nenhuma expressão do seu
rosto que demonstra o tesão, o desejo primitivo, forte.

— Está quase lá, meu amor. Desce mais um pouco.

Arfo quando consegue me receber por completo. A puxo pela nuca,


escorrego a boca pelo seu pescoço, subo para a orelha, desço para o queixo e
abocanho o seu seio direito. Amo o caralho do piercing.

— Quero mais forte — ofega cravando as unhas no meu peitoral.

Rebola para frente para trás, depois gira o quadril lentamente,


torturando meu pau. Afasto minhas mãos da sua bunda, deslizando-as por trás
das suas pernas.

— Traz suas pernas para frente, amor — peço, sentindo as gotas de


suor começarem a brotar no meu corpo.

Arizona faz o que pedi. Gememos juntos, pois logo sentimos a


diferença. Puta merda! Que gostoso.

—Quica, minha putinha. Engole meu pau... é todo seu, amor.

E como uma amazona selvagem começa a me cavalgar sem parar.


Seguro seus calcanhares impulsionando as investidas, metendo, sentindo meu
pau chegar o mais fundo possível, arreganhando sua boceta gulosa,

arrancando gemidinhos da sua boca.

— Isso, amor... toma o meu pau, engole tudo — rosno agoniado, louco
de tesão, paixão.

Minha mulher inclina a cabeça para trás, chora sentindo o prazer se


instalar no seu corpo. Convulsiona, diminuindo o ritmo das reboladas. E
então, agarro firme sua cintura e começo a meter com mais força, tirando seu
ar, a fazendo delirar.
— Porra... Elordi!

Continuo a fodendo. Afasto a mão direita da sua cintura encaminhando

para o seu clitóris. Sinto meus testículos mais pesados, a pressão deliciosa e
angustiante se instalando na minha rola. Estou quase gozando, contudo, quero
prolongar mais.

Estimulo o pontinho duro do seu grelinho inchado. A morena tenta

afastar meu braço querendo diminuir o aperto avassalador que está sentindo,
porém não permito. Quero que tenha outro orgasmo.

Urro metendo até as bolas quando minha mulher goza outra vez.
Continuo masturbando seu clitóris durinho fazendo voltas seguidas e mais
lentas, espalhando o gozo por toda a região. Minha rola cresce dentro dela,
sei que não vou aguentar segurar mais. Explodo num longo jato de porra,
jogando o esperma quente dentro da minha mulher.

Que caralho... que delícia.

Tomamos um banho quente antes de entrarmos na banheira vitoriana de


mármore branco. Saio por alguns minutos para buscar o vinho, taças e
algumas frutas fatiadas para beliscarmos.

Arizona me fez sentar de costas para ela. E assim, estou desde que

entrei na banheira. Estou recebendo seu carinho, carícias, todo seu amor.
Seus dedos deslizam pela omoplata, seguem reto pela coluna. Depois seus
lábios assumem o percurso que faz sem pressa.

Engulo o rugido baixo quando mordisca minha nuca.

Mantenho o controle. Nem que a Arizona esfregue a boceta na minha


cara vou cair na tentação. Debaixo dos jatos de água do chuveiro transamos
mais uma vez. Sua boceta está sensível, precisa de cuidados e de um
tempinho.

— A tatuagem ficou muito perfeita.

— Sim. Quase tão perfeita quanto o desenho original.

Sinto seu sorriso nas minhas costas quando encosta a boca pertinho do

lóbulo da minha orelha.

— Amo você, moreno — murmura.

Sorvo o restante do vinho e coloco a taça no apoio de madeira. E então


deito parcialmente tendo como travesseiro o corpo pequeno da minha mulher.
Arizona começa a passar os dedos pelos fios molhados do meu cabelo,
enquanto sua outra mão acaricia meu peitoral.

— Te amo tanto que sequer pode ser medido.


— Não me faça chorar mais. Por hoje foi o suficiente.

Olho para a janela enorme que fica na lateral esquerda de onde está a

banheira. A floresta é iluminada apenas pela lua.

— Posso perguntar uma coisa?

— O que quiser, amor — respondo.

— Nunca teve curiosidade de conhecer sua tia biológica? Saber mais


sobre como tudo aconteceu.

Lembrar do meu passado sempre traria o sabor de um remédio amargo


na boca. Tive uma infância humilde em uma cidadezinha no interior de
Fortaleza. Minha mãe era profissional do sexo, conhecida na cidade, julgada.
Mas nunca havia deixado faltar um prato de comida para mim.

Sempre fui muito sozinho. Porém, amava me perder nos livros de


histórias infantis. Uma lembrança que tenho muito nítida é de estar no quintal

sentado na sombra de uma árvore, lendo algum livro infantil, enquanto minha
mãe estendia as roupas no varal da nossa casa de madeira. Morávamos no
fundo da casa da minha tia.

Elas não se davam bem. E uma das discussões que tiveram — que
inclusive resultou em tapas — foi quando minha mãe havia aceitado a oferta
de trabalho de um homem que havia conhecido. Mariluce — minha mãe
biológica — não fazia ideia que estava entrando no tráfico humano. Ela não
era uma má pessoa. Eu a amava.

— No meu aniversário de dezoito anos meus pais entregaram para mim

um dossiê sobre a vida da minha tia biológica e do meu pai biológico. Li e


depois joguei fora.

— Ela o tratava mal?

— Sim. Odiava o fato da minha mãe e eu morarmos atrás da casa dela.


Tinha vergonha de ter uma irmã... que era profissional do sexo, de eu ter sido
fruto de um cliente aleatório da minha mãe e morria de ciúmes do marido
com a irmã.

— E seu pai?

— É um turco. Pelo que estava no dossiê foi um cliente da minha mãe.


Não tive interesse algum em procurar ele, ou minha tia.

— Entendo. — Beija minha cabeça. — Sinto muito.

— Sou muito grato por ter sido adotado pelos meus pais. Nem posso
imaginar o que teria sido de mim se o seu Samuel ou dona Agatha não
tivessem aparecido.

— Nem consigo imaginar uma coisa dessas.

— Eu também não.

— Desculpa ter tocado no assunto. É que essa parte da sua história não
sabia em detalhes. Fiquei sabendo por alto. E como...não éramos próximos.

Sorrio e beijo seu braço.

— Não tem problema. Tem coisas sobre o meu passado que sempre vão
perturbar o meu presente, pois não tenho controle sobre tudo. Por isso ainda
me trato. Tento ao máximo diminuir as lembranças da minha mãe biológica e
eu vivendo no tráfico humano, da nossa separação, da sua morte... por isso

luto internamente para não esquecer dela debaixo do sol escaldante, estendo
roupa no varal, seu vestido simples balançando conforme o vento batia e eu
debaixo de uma árvore lendo um livro, e vez ou outra a olhando.

— Consigo imaginar a cena.

— E sua mãe biológica, amor. Os tios nunca tocaram no assunto.

Suspira melancólica.

— Não a conheci. Meu pai disse que ela era modelo, namoraram antes

dele conhecer minha mãe Eleonor. Soube da gravidez meses depois,


aparentemente Leah, minha mãe biológica, havia sumido após revelar a
gravidez. Então meu pai revirou tudo atrás de nós com a ajuda do tio Edu. Me
encontraram num prostíbulo sendo cuidada por terceiros. Leah havia falecido
cerca de um mês. Tiveram certeza de que ela havia sido vítima do tráfico de
pessoas um tempo depois de ter contado sobre a gestação para o meu pai.

— Os tios com certeza iriam te encontrar.


— Sabe, não consigo imaginar outra mãe a não ser a minha mãe
Eleonor. Você sabia que antes de ela ficar com o meu pai sonhava com uma

garotinha correndo por uma plantação de girassóis?

— Fiquei sabendo. Achei insano quando escutei a vó Selena comentar


com a minha mãe.

— Nasci para ser filha de Alex e Eleonor.

— E para ser minha.

Desencosto do seu corpo, giro para ficar de frente e a puxo para o meu
colo. Sorrio ao escutar seu gritinho e gargalhada gostosa. Seus braços ficam
em volta dos meus ombros.

— Nem tem como eu contestar. É a mais pura verdade, moreno.

Começa a depositar vários beijinhos na minha boca. Fecho os olhos


absorvendo toda a aura que nos rodeia, o amor intenso.

Nunca vou permitir que Arizona realmente veja como é minha alma. É
tudo tão sujo, sombrio que sou incapaz de compartilhar tudo. Prefiro apenas
que sinta meu amor, que sinta e veja as pequenas coisas que sempre farei por
ela, por nós.

E garantir minha melhora todos os dias.


Acordo abraçada ao travesseiro. Desperto de vez com bastante apetite.
Fomos dormir de madrugada e não faço ideia de que horas são. Pego uma
camiseta do Elordi que estava jogada na poltrona e ando até a janela. Afasto
parcialmente as cortinas apreciando a imensidade da floresta, tendo uma
paisagem incrível. Mas logo o meu olhar se fixa na figura máscula nadando
nu no rio de água límpida, parecendo um verdadeiro deus do Olimpo.
Sorrio admirando os movimentos dos seus braços grandes trabalhando
no nado, os músculos extrínsecos das costas e o trapézio se movendo a cada

braçada na água. E claro, da bela bunda que tem.

Elordi é um homem grande.

Passo a mão na nuca lembrando de como foi gostoso todas as vezes que
transamos. Não me arrependo um minuto por ter esperado tanto para perder a

virgindade. Doeu um pouco, mas o ardor e desconforto foram ficando de lado


a cada investida.

Claro que não iria me contentar apenas com um baita primeiro sexo
quente pra cacete. Queria mais. E agora que estou sentindo minha vagina um
pouquinho dolorida, sei que posso ter extrapolado agindo como uma tarada.

Suspiro como uma tola apaixonada e paro de espiar o meu namorado


nadando.

Entro no banheiro louca para fazer um xixizinho. Quase gemo de

alívio, mas noto que realmente minha vagina está ardendo um pouco. Decido
tomar um banho gelado e lavar bem minha parte íntima. Higiene é tudo.
Encho o copo com o suco fresco de laranja com cenoura e saio de
dentro de casa. Sorvendo o suco delicioso, aproveito para admirar mais o

meu namorado que parece ter uma energia infinita. Como pode ter tanta
disposição depois de tanto sexo que fizemos? Bom, quando me recuperar ele
que me aguarde.

— Estava pensando em te acordar só depois que fizesse o almoço.

Tira um pouco o excesso de água do rosto, se apoia na borda de


madeira que separa a varanda da casa do rio.

— Se tivesse na cama comigo teria ficado bem mais.

— Por céus, amor. Vamos dar um tempinho para a sua...

— É, infelizmente tem razão. — Agacho pertinho dele permitindo que


o tecido do vestido leve e rodado fique entre minhas pernas. — Mas amanhã
estarei melhor. Então...me aguarde.

Seu sorriso não dura muito. Questiona sério:

— O que está sentindo?

— Nada.

Meu namorado e eu estamos entrando num novo patamar de


intimidade. Todavia, não sei como dizer que sua anaconda fez um belo
trabalho na minha vagina. Trabalhou tão bem que a deixou parcialmente
vermelha, sensível.
— Arizona...?

— Estou sensível lá embaixo. O que é normal depois de tudo que

fizemos.

Quando apoia as palmas das mãos abertas na madeira me ergo. E com


toda sua glória caminha até a cadeira que está um roupão preto.

—Vamos cuidar disso, pequena. Deveria ter me controlado mais —


fala com sua voz soprano.

Minha mente está bem longe, sem conseguir desviar do corpo do meu
namorado.

— Arizona...?

Quando para na minha frente fico na ponta dos pés, alcanço sua boca e
o beijo lentamente. Suas mãos grandes vêm para o meu rosto, aprofundando
mais o beijo. Arfo quando mordisca meus lábios.

— Vamos entrar. Quero ver como está sua boceta.

Oi? Elordi tenta segurar a risada sem sucesso.

— Tá brincando? Claro que sim. — Forço um sorriso sentindo minhas


bochechas quentes.

— Estou achando graça por ainda estar sentindo vergonha de mim.


Somos um casal. E não tenho frescura nenhuma em cuidar de você seja como
for. Pelo contrário, sinto prazer. Agora vamos entrar.

Ok. Posso estar agindo com uma bobona, mas não consigo evitar. Poxa,

não tem nem vinte e quatro horas que transamos como coelhos e já vamos
pular para a outra etapa do nível de intimidade.

Encaro o rio cogitando de pular e nadar para longe... uma alternativa de


sair dessa situação vergonhosa.

Saio da inércia quando captura minha mão e me forço a acompanhá-lo.

— Achei a pomada.

Aperto os lábios assistindo ele destampar o tubo de Hipoglós de

amêndoas.

— Levanta o vestido.

— Eu passo, amor.

— Faço isso. Coisa rápida, pequena.

Sentada em cima do balcão da pia do banheiro puxo o vestido para


cima exibindo a minha intimidade. Pelo fato de estar bem sensível preferi
ficar sem calcinha.

Elordi se abaixa com um pouco da pomada no seu dedo enorme. Sinto

um arrepio gostoso e alívio quando começa a aplicar a pomada.

— Está bem vermelhinha, morena. Extrapolei.

— Nós extrapolamos — o corrijo.

— Prontinho. — Beija cada uma das minhas coxas e para acabar de vez
com a minha sanidade planta um beijo na minha intimidade, na parte que não
aplicou a pomada. — Sem calcinha hoje. Quando formos embora use uma
cueca minha.

— Prefiro continuar sem.

Seus olhos de ônix ficam mais intensos. O agarro entre minhas pernas e
suas mãos buscam suporte no mármore.

— Nem por um caralho correremos o risco de o vento bater e levantar

seu vestido. Principalmente estando sem nada por baixo.

— Caso aconteça, o que o meu delegado vai fazer? — indago cheia de


segundas intenções.

—Vou te dar uma surra de pica. De um jeitinho bem diferente.

Merda. Como não querer dar para ele quando fala essas coisas? Estou
muito ferrada.
Elordi coloca o risoto vegetariano de abóboras grelhadas com farofa de

couve e amêndoas no forno para esquentar. Nada de desperdiçar. Ontem


acabamos não jantando, pois estávamos ocupados demais. Para completar a
refeição, Elordi está preparando uma salada de batata com gorgonzola e
manjericão.

Bebi apenas o suco e comi duas maçãs. Prefiro esperar o almoço para
me saciar. Ofereço ajuda, mas recusa alegando que preciso ficar quietinha por
conta da minha atual condição. Não insisto, pois realmente prefiro ficar
sentada na banqueta o observando cozinhar sem camisa, trajando uma
bermuda Adidas preta, tendo de fundo as músicas do cantor Alfred García.

Tudo estaria perfeito se não tivesse notado certa tensão no ar.

— Quer me contar algo, Elordi?

Para de cortar as batatas cozidas, direcionando o olhar para mim.

— Temos que ter uma conversa séria. Muito importante.

— Comece.
— Primeiro vamos almoçar.

Nem posso imaginar o que seja. E sinceramente agora eu estou

preocupada. Sua voz rouca interrompe a linha dos meus pensamentos:

— A conversa que teremos não tem nada a ver conosco. Não pense
besteiras, morena.

Meneio a cabeça sem conseguir sorrir.

Durante o almoço consigo me distrair. Elordi me faz rir, falamos de


tudo um pouco. A cada segundo gosto mais de tê-lo comigo.

— Agora pode falar — digo sem conseguir conter mais a aflição.

Estamos sentados na banqueta. Já lavamos e guardamos a louça. E até


alguns instantes apreciávamos o sabor do vinho tinto.

— É sobre o Vicente.

Impossível não sentir um aperto no coração.

Ainda estava sendo difícil não o ter mais na minha vida. Nem teria
como passar por cima de todas as suas mentiras, acusações. Mesmo querendo
parecer bem, madura com a situação... estou apenas maquiando a dor de
perder meu amigo de infância. De saber que não tinha a mesma importância
na sua vida, que me usou.

— Elordi, não quero mais falar sobre o Vicente. Pelo menos hoje.
Vamos aproveitar as horas que ainda temos nesse lugar maravilhoso.

— Ontem fui jantar com o Vicente.

O fito com certo espanto.

— Mas pensei que tinha ido...

— Não falei a verdade ontem, pois estava focado em ter uma conversa

definitiva com o Vicente. Meu único intuito era tentar arrancar a verdade dele
numa conversa pacífica.

Recordo que havia dito que solicitou ao Luri para investigar sobre a
vida do Vicente. Sinto um calafrio se instalar na minha coluna.

— O que descobriram?

— Luri descobriu que Vicente é sugar baby e que usa uma identidade
falsa com o codinome Henrique Souza de Lima. Tem utilizado essa
identidade falsa para trabalhar como sugar baby e na secretaria de segurança

pública. Vicente tem visitado um presidiário chamado Argus José de Morais.


Ainda estão tentando encontrar qual a ligação do Vicente com esse bandido
que foi condenado pelo meu pai. Esse detento tem uma lista enorme de
crimes, sendo os principais tráfico de drogas e homicídios.

— O que mais? Fale tudo! — exijo.

— Luri contatou a equipe da Tailândia para testarem as faces da dona


Hermínia, do detento e do Vicente. Uma das possibilidades é que o Argus
seja o pai do Vicente.

— Ele não conheceu o pai. Até onde sei dona Hermínia mantinha isso

em... segredo.

— Durante a conversa observei atentamente o Vicente. Ele está


mentindo, encobrindo não só o Argus, mas outra pessoa. Sem dúvida alguma
deve ter um cara maior por trás. E sinceramente acho que estão usando o

Vicente para nos atingir.

Engulo a vontade de chorar atenta em tudo que diz.

— Morro de ciúmes de você, amor. Mas nunca iria me colocar acima


dos seus sentimentos, das suas decisões e muito menos tentar te controlar.
Nunca. — Coloca sua mão por cima da minha, fazendo carinho no dorso com
o seu polegar. — Coloquei o Vicente contra a parede para tentar arrancar a
verdade dele, para o salvar seja de quem estiver o usando. Eu iria estender a
mão para o cara, que foi seu melhor amigo por tantos anos, por amor a você.

Somente por isso.

Desvio o olhar do seu, não conseguindo mais segurar as lágrimas.

— Vicente inventou mais mentiras, se enrolou, negou todas as minhas


suspeitas. E sei que ele deve estar trabalhando para algum mafioso, pois sabe
sobre a colmeia.

— Nunca contei nada sobre a Organização para ele.


— Sei disso. Quando comecei, perguntei se Argus e ele estavam
trabalhando para a máfia, e não escondeu o espanto. Tentou disfarçar, porém

já tinha notado. Sabe que se eu estiver certo sobre tudo, não vou poder salvar
o Vicente. Isso iria contra a Organização, contra tudo que acreditamos e
prezamos. E que nem você...

Meus lábios tremeram.

— Sei que também não vou poder... salvá-lo.

—Ele está obcecado por você. Então o ideal é manter distância. —


Puxa a respiração com força e olha no fundo dos meus olhos. — Tem outra
coisa que adiei contar, querendo muito que não passasse de suspeita, que não
fosse real. Vicente nutre algo nada saudável por mim e isso parece ter se
difundido a paixão.

Encaro o Elordi em choque. Depois dos momentos maravilhosos que


tivemos, a última coisa que esperava era que fosse revelar algo que jamais

passou pela minha cabeça antes.

Vicente é apaixonado pelo Elordi.

E por mais que doa ter sido enganada por tanto tempo pela pessoa que
acreditei fielmente ser o meu melhor amigo, a ficha começa a cair.

No colegial Vicente sempre quis muito se enturmar com o Elordi.


Sempre fazia de tudo para chamar sua atenção, muitas vezes nem queria falar
sobre o Elordi e lá estava o meu melhor amigo o enaltecendo, dizendo que
estava sendo redondamente enganada sobre a personalidade difícil do Elordi.

Foram incontáveis as vezes que o Elordi defendeu o meu melhor amigo


dos valentões da escola. E acreditei que sua admiração pelo primogênito do
tio Samuel era devido ao fato dele ser o seu salvador, de impedir o bullying
em massa que sofria.

Porém, nunca passou na minha cabeça que o Vicente estava se


apaixonando pelo Elordi. Cacete! Descobri sua verdadeira orientação sexual
há pouco tempo. Vicente chegou a namorar garotas, nunca conversou comigo
que estava em dúvida sobre sua orientação, nunca sequer tocou no assunto
comigo.

Encolho minha mão evitando o carinho do meu namorado. Levanto-me


da banqueta respirando em haustos, furiosa.

Preciso de ar puro.

Saio pela porta francesa, caminho e paro pertinho do rio.

— Arizona...

— Ele me enganou por tanto anos. Vicente realmente ama você. Não é
de agora, Elordi. Fui tão burra. A porra de uma idiota. Tudo estava tão diante
dos meus olhos, mas... nunca pensei que o Vicente estivesse escondendo
tantas coisas de mim.
Continuo olhando para o rio.

— Encontrei uma foto do meu aniversário de dezesseis anos na casa da

dona Hermínia. Estranhei o fato de estar rasgada, deixando somente você e


ele. Quando questionei, dona Hermínia disse que havia rasgado sem querer.
— Sorrio sem vontade. — Não questionei. Como sempre confiei demais nas
pessoas.

Fecho os olhos sentindo o gosto das lágrimas umedecerem meus lábios.


Busco na memória o dia que dona Hermínia parecia angustiada pronta para
confessar algo. Vicente chegou e atrapalhou à revelação da mãe a impedindo
de dizer a verdade.

Como fui cega.

— Não queria que estivesse sofrendo, meu amor.

Permito que me acolha nos seus braços grandes e pesados.


AOS DEZESSEIS ANOS DE IDADE...

Eu não via a hora de terminar o ensino médio. Para uma escola de


renome, as Irmãs não prestavam atenção em muita coisa. Mesmo sendo a
melhor escola católica do país, a religião não se fazia muito presente. Todos
são grandes atores quando se trata de fingirem ser o que não.
Claro, não sou diferente.

A única pessoa que realmente é pura é minha melhor amiga. Arizona,

depois da minha mãe sem dúvida alguma é a pessoa que mais amo nessa
vida.

Há um certo tempo tenho notado que parece querer ser mais que minha
amiga. Por mais que adore seus carinhos, de ser o centro da sua atenção...não

posso corresponder. Não quando nem eu consigo assumir o que realmente


sou.

Desde que conheci o Elordi Medeiros que me sinto diferente. Adoraria


ser um dos seus melhores amigos, de o ter por perto, ser próximo. Até pensei
que poderíamos ser, mas foi um mero engano.

— Cadê seu salvador, bichinha?

Tremo da cabeça aos pés ao escutar a voz do Caio. Assim que o seu
segundo soldado entra, fecha a porta do banheiro masculino. Sou capitão do

grupo de Debates sobre Atualidades que participa de várias competições pelo


estado. Ao menos duas vezes por semana nos reunimos para simular uma
competição de debate. Sempre tenho o cuidado de conferir a agenda de
treinos — que algumas vezes acontece de treinarem aos sábados —
justamente para não encontrar o Caio e seus amigos cruéis.

Quase tive um treco quando notei que estava acontecendo o treino.


Porém, consegui me controlar. Eu só não poderia vacilar e ficar sozinho.

Não consegui segurar a vontade de urinar. Além disso, estou me

curando de uma infecção urinária a qual, inclusive, ainda estou tomando


antibióticos. A culpa é do Caio e de seus amigos de merda. Passaram a me
atacar no banheiro... bem longe dos olhos do Elordi e de qualquer outra
pessoa que poderia me ajudar. Por este motivo passei a segurar a urina e

evitava beber água justamente para diminuir a vontade de urinar.

Mas hoje realmente estava para urinar nas calças. E como não me
viram, acreditei que não teria risco algum de nos encontrarmos.

— Por favor, Caio — imploro antes mesmo de começar sua sessão de


maldade gratuita.

— Pensa que não sei que adorou a surra que o Medeiros me deu por sua
causa, viado? — Solta uma gargalhada. — Vai se arrepender por ter aberto a
boca para o metido.

— Juro que não falei. Elordi apenas deduziu. Todos sabem que não me
deixam em paz. Por favor, não me machuque!

Vou dando passos para trás sentindo meus olhos arderem pelas
lágrimas acumuladas.

Caio passou a me chamar pejorativamente de bichinha depois que me


espiou vendo fotos de modelos de sunga. Estava tão distraído que não havia
notado sua presença. Por alguma razão Caio não espalhou o boato — o que
agradeci verdadeiramente —, mas é algo que ele e seus dois amigos fazem

questão de me xingar quando estamos apenas nós quatro.

Nem se eu quisesse teria chance contra ele. Sou magro demais, não
tenho habilidade alguma para lutar. Sou um zero à esquerda quando se trata
disso.

Totalmente o oposto do... Elordi.

Como adoraria que ele entrasse nesse banheiro e me salvasse. Como


preciso dele. Mas ao mesmo tempo tenho raiva por ser bom em tudo o tempo
todo.

Caio vem para cima de mim. E como um verdadeiro covarde me abaixo


protegendo minha cabeça, chorando. As risadas dele e de seus amigos se
misturam. E então sou arrastado pelo porcelanato frio.

— Por favor, isso não, Caio! Socorro! — grito a plenos pulmões.

Seguro na parede de uma das cabines individuas querendo impedir que


continuem me puxando. Gemo de dor quando puxa o meu cabelo, sem forças
não consigo evitar que me ajoelhe diante da privada cheia de urina. A ânsia
de vômito sobe na hora.

Apoio as mãos no vaso sanitário lutando para não conseguirem enfiar


minha cabeça dentro.
— Ninguém vai te ajudar. Sabe por quê? Ninguém se importa de
verdade com você seu molenga. Enfiem a cabeça!

— N-Nãoooo...

Não consigo evitar. Para o meu desprazer acabo engolindo água com
urina. Me debato, tento afastar as mãos deles da minha nuca e cabeça, mas
são mais fortes. Desde que entrei nessa escola comecei a ser perseguido pelo

Caio.

Simplesmente tenho que ser mais forte e continuar aguentando as


humilhações. Estudar nessa escola irá me proporcionar um futuro melhor.
Não posso desistir, não depois de ter conseguido uma bolsa, não depois de
minha mãe sentir tanto orgulho por seu único filho estar tendo oportunidades
que não teve na juventude.

Meu corpo é jogado para trás tão rápido que não tenho como evitar o
impacto dolorido que causa na minha cabeça. Mesmo sentindo dor, sentindo

minha garganta, nariz e olhos ardendo, me levanto querendo me trancar em


uma das cabines vazias. Porém, não sou rápido o suficiente. O amigo do Caio
me puxa pela camisa.

— Seu lugar nunca será aqui. É um pobretão viado do caralho! Sempre


será um perdedor. Tem sorte de ter sua amiguinha feia e o primo metido dela
para te defender às vezes. Fazem só por caridade.
Normalmente aguento tudo calado. Se eu rebater as coisas ficam piores.
Mas odeio quando falam mal da minha melhor amiga. Nem sabem o que ela

passou de verdade. Explodo:

— Não falem da Arizona! Vocês são uns merdas, filhinhos de papai!


Vocês não chegam aos pés dela. Juro que dá próxima vez que falarem da
minha amiga vou denunciar vocês.

Começam a gargalhar. O amigo do Caio me força a ficar de joelhos.


Tento me soltar, mas o outro o ajuda a me segurar. Entro em desespero maior
quando o vejo abaixar o short esportivo que tem o símbolo do time da escola.
Mantendo um sorriso diabólico nos lábios, tira seu pau para fora, o segura
pela base e mira na minha cara.

— Entenda de vez o seu lugar bichinha.

Abaixo a cabeça sentindo a urina quente escorrendo pelo meu cabelo.


Seu amigo ergue minha cabeça. Protejo meus olhos e boca para não engolir

nada.

Contudo, o outro empata o fluxo de oxigênio tampando o meu nariz.


Com os braços presos por eles não tenho um mínimo de chance. Abro a boca
buscando ar e recebo urina. Sem conseguir segurar a ânsia vômito.

Caio termina de urinar em cima de mim sem se importar com o fato de


eu estar vomitando.
— Tenha um ótimo dia. E espero que não abra a boca. Adoraria pedir
para o meu pai acabar com qualquer chance profissional da sua mãe.

Me permito chorar quando saem do banheiro. Ergo-me e vou em


direção à pia olhando o reflexo de um derrotado, medroso. O que me
alimenta é a sede de vencer na vida. Na primeira oportunidade vou acabar
com todos eles. Vão se arrepender amargamente por terem me humilhado.

Aos vinte e um anos de idade...

Mais uma vez recuso a ligação do número desconhecido. Nem preciso


atender para saber que é o meu progenitor. Quando tinha dezesseis anos,
minha mãe revelou sobre o meu pai. Nunca me senti tão triste, à medida que
ia escutando seus relatos ia me resumindo a nada.

Para um homem que sonha em ser Promotor, ser filho de bandido não é
algo para levar a conhecimento público. Ainda bem que dona Hermínia me
registrou com ausência de pai, caso contrário estaria ferrado.

Observo minha mãe dormindo no sofá. Aproximo-me e cubro seu


corpo com a manta macia. Moramos numa casa simples, num bairro horrível.
Mas sou grato por nunca ter deixado faltar nada. Porém, agora tenho que
assumir todas as despesas.

O que ganha com sua aposentadoria por invalidez mal cobre as


despesas. O dinheiro que ganhou da indenização usamos para quitar as
prestações em aberto do financiamento dessa casa. Era um pedido seu e
cumpri, mesmo desejando que usássemos esse dinheiro para darmos entrada

em um apartamento aconchegante e seguro.

A segunda vez que senti medo na vida de perder alguém, foi quando
soube do acidente que havia sofrido. A motorista do carro era uma senhora
diabética que teve uma crise, perdeu a consciência e saiu fazendo estrago.

Tristemente minha mãe foi a que mais sofreu. A primeira vez que senti medo
de perder alguém foi quando a Arizona ainda estava em tratamento. Nem
queria imaginar a dor que seria a perder por uma doença tão cruel.

— Vicente, deixei comida para você dentro do micro-ondas —


murmura sonolenta.

— Vou sair com uns colegas do trabalho — minto.

Beijo sua cabeça. Antes de me afastar segura minha mão.

— Deus te projeta, meu filho. Tome cuidado.

— Vou tomar.

Ignoro as mensagens da Arizona. Minha amiga não é mais uma


prioridade. Não quando estou com sede de vencer na vida. O pouco tempo
que me sobra é para estudar e atender os meus sugar daddys.

Talvez eu não precisasse ser sugar baby se tivesse conseguido um


estágio na Advocacia Lacerda. Mas nem isso consegui, simplesmente por
quererem me colocar no patamar de qualquer outro candidato. Isso não
aceito.

Sei que a Arizona falou com os tios sobre darem uma chance para mim.
Meio que a manipulei fazendo certo drama por não estar ao menos estagiando
numa advocacia de renome quando tenho todo potencial. Rapidamente disse
que falaria com os seus tios. Aleguei que não precisava, mas no fundo era o

que mais desejava. Todavia, foi em vão.

Me identifico para a recepcionista do hotel luxuoso localizado no


Botafogo. Tem dois meses que tenho sido o sugar baby de um prestigiado
empresário do Rio Grande do Sul. Desde o primeiro jantar que tivemos que
tem sido generoso. Inclusive estou usando o Rolex que me deu no primeiro
encontro que tivemos.

Desde os dezoito anos quando comecei no ramo, tive que lidar com
todo tipo de clientes. Por mais nojento que achasse um velho barrigudo,

fazendo tudo que queriam, me submetendo a coisas que em sã em


consciência não faria... coloquei na minha cabeça que tudo ficaria no passado
quando finalmente alcançasse o meu objetivo profissional.

Eu seria finalmente respeitado, invejado. Era só questão de ter


paciência.

Assim que o velho abre a porta do quarto estampo um sorriso falso no


rosto. Tomamos o melhor vinho, comemos uma das melhores refeições
disponíveis no cardápio. E então o escuto falar sobre os negócios bem-

sucedidos.

Quando beija minha boca engulo a repulsa. Nesses momentos uso a


tática da imaginação. Então acabo relaxando ao imaginar que o Elordi é quem
está me beijando. Sempre funciona.
AOS TREZE ANOS DE IDADE...

Tremo de frio. Ofereço o cobertor velho e fedido para a moça que


notoriamente está pior do que eu. Os traficantes a jogaram no calabouço
avisando que por hoje não viriam buscar mais ninguém. Outras duas
mulheres a carregaram até o colchão mais próximo. E diante da situação, a
única coisa que eu poderia fazer era oferecer meu cobertor.

A última vez que vi minha mãe faz mais de um ano. Chorei muito

quando soubemos que iriam nos separar. Mas não tinha como lutar contra
esses criminosos. Vivemos sob os olhos deles, seguindo as regras como
prisioneiros, sendo escravizados.

Encolhido num canto da parede tiro do bolso um pedacinho de vidro

que peguei do chão num dos quartos da boate que fica em cima, onde...
abusaram de mim. Guardo esse pedaço de vidro há muito tempo.

Claro que com esse pedaço não teria como me defender dos homens e
mulheres que violentam o meu corpo. Mas esse pedaço de vidro começou a
trazer um certo alívio para o meu corpo.

Aproveito a pouca luminosidade que tem no quarto, subo a manga


comprida da camisa e aperto os lábios com força sentindo o objeto cortante
ferir a minha pele. As lágrimas salpicam dos meus olhos e continuo

observando o sangue escorrer pelo novo corte que irá cicatrizar assim como
os outros. A sensação traz certo conforto.

Depois de me automutilar desço a manga da camisa para cobrir meu


momento de fraqueza, mas que de alguma forma também me faz bem.
Guardo o pedacinho de vidro no bolso, abraço os meus joelhos e encosto a
cabeça na parede úmida.
Sonho com a minha mãe no quintal da nossa casa, estendendo roupa no
varal. Nunca passou pela minha cabeça que entraríamos nesse inferno. Minha

mãe chegou em casa animada como nunca havia visto antes. Disse que havia
recebido uma proposta incrível de trabalho e que sairíamos daquela pobreza.
Nos mudaríamos para São Paulo, teríamos tudo que nunca tivemos.

Mas quando fomos levados para um prédio que parecia abandonado

lembro que Mariluce segurou tão forte minha mão que sabia que algo muito
errado estava acontecendo. E então continuamos andando seguindo o homem
que havia lhe prometido o tal trabalho na cidade grande. Vimos vários
homens armados próximos a caminhões. Mulheres e crianças sendo
arrastadas para alguns deles.

Mariluce me pegou no colo e tentou correr comigo, mas um homem


que havia lhe feito a promessa falsa a capturou pelo cabelo. Chorando muito,
abraçada comigo ainda no seu colo, nos direcionaram para um dos

caminhões. Nossas malas foram jogadas dentro de outro caminhão que estava
vazio — contendo apenas bolsas, mochilas.

Os meses se arrastaram assistindo minha mãe chegar cada dia mais


machucada no calabouço. As vezes que tentei defendê-la arranquei risadas
dos bandidos e apanhei como nunca pensei que seria possível.

Então veio o primeiro abuso sexual. Minha mãe me segurou pelas


pernas querendo impedir que me levassem para cima. Mas não tinha como

vencermos os criminosos.

Quando me jogaram no quarto e vi um homem se despindo tremi dos


pés à cabeça. Todos nós que vivíamos no calabouço sabíamos o que
acontecia na parte de cima. Era uma boate, mas havia vários quartos onde
muitos de nós éramos levados.

Bati na porta, gritei até quase perder a voz. Mas isso parecia fascinar o
doente. Então desliguei minha mente, deixando que roubasse qualquer
resquício de pureza que havia dentro de mim, que violentasse o meu corpo.
Não tinha mais forças para lutar contra o adulto mais forte que eu.

Dor, muita dor.

De fato, não sabia o que era sexo até me jogarem naquele quarto. A
única coisa que sabia a respeito era que minha mãe era falada na cidade por
trabalhar com isso.

E queria muito não ter conhecido esse sexo que machucava, que faz
doer, que violenta, que abusa, que marca seu corpo, que te deixa doente, que
não respeita o “não”. Nem Deus parecia escutar meus pedidos socorro.

Aos quinze anos de idade...

Estou sob proteção dos federais junto com outras crianças que foram
resgatadas. Lembro que um dia antes os criminosos pareciam muito
alterados, mais atentos que o normal. Então avisaram que à noite iríamos ser
transportados para outro lugar. Estava subindo no caminhão quando começou

o tiroteio demasiadamente. Muitos dos bandidos morreram, assim como


vítimas.

Não gosto de falar muito. Então evito as crianças que estão residindo na
mansão comigo, onde é uma senhora que faz as refeições e nos dá a

medicação.

Temos recebido muitos especialistas para nos ajudarem com o trauma.


Odeio pensar que nada trará resultado para mim, mas para mim, é a mais pura
verdade. Não consigo progredir. Tenho vergonha de pensar no que passei...
imagine falar.

Estou inquieto desde que Agatha Teixeira — uma das profissionais da


justiça que está trabalhando no caso — disse que vai me adotar. Juro que não
consigo entender como uma mulher como ela tem coragem de colocar um

nojento como eu na sua vida. Para ser seu filho.

Gosto dela. Suas visitas me fazem bem. Ela não força conversa, muito
menos coloca seu trabalho acima do meu atual estado. É paciente, inteligente,
engraçada e muito doce. Uma pessoa boa, que tem um sorriso lindo, uma
profissional bem-sucedida.

Também me sinto bem na presença do juiz Samuel Medeiros. Apesar


do semblante sério, quando fala comigo seus olhos suavizam.

Mas de fato Agatha me surpreendeu ao dizer que pretende ser minha

mãe adotiva. Não mereço essa chance. Sei que quando o processo chegar ao
fim, serei encaminhado para algum abrigo. E ninguém vai querer adotar um
garoto de quinze anos problemático.

Bebo o chá que a senhora responsável por nós fez para a melhorar a dor

de cabeça e indisposição. Subo para o quarto. Tento ler o livro que ganhei da
Agatha. Entretanto, nada me distrai. Levanto da cama e me tranco no
banheiro.

Pego a lâmina fina que tirei da gilete e escondi dentro da caixa


acoplada do vaso sanitário. Penso em não buscar alívio dessa forma, mas é
mais forte que eu.

Entro na banheira e encosto as costas. A luz do sol está na minha


direção se chocando um pouco com a lâmina. Respiro fundo, ansioso. Puxo

as mangas da camisa para cima e gemo ao ferir meu pulso direito. Não sendo
o suficiente faço o mesmo com o pulso esquerdo.

Os oito anos que vivi naquele inferno perturbam minha cabeça. As


imagens da minha mãe sendo agredida, seus gritos de socorro, meus gritos de
socorro, os homens tocando no meu corpo, me machucando.

Perco o controle. Quero mais, mais e muito mais. A dor da lâmina


entrando mais fundo no meu pulso traz certo êxtase. Paro de me automutilar
quando perco as forças. Minha mente começa a ir para longe, um silêncio...

uma calmaria. Uma pequena dose de alegria chega no meu coração quando
começo a ver o rosto bonito da Agatha sorrindo para mim. A imaginação é
colocada de lado quando escuto um impacto forte.

Então meu corpo é erguido. Escuto a voz rouca e desesperada do juiz

Medeiros.

Queria ter forças para dizer que: tudo bem eu morrer. Assim poderia
ficar em paz. Não teria mais dores, as lembranças ruins não iam mais me
machucar.

Sinto um frio imenso dominar meu corpo. O juiz Medeiros me coloca


no carro, deita minha cabeça no seu colo. O escuto falar com outra pessoa
angustiado. Rasga algo, e não demora muito para escutar a pressão em volta
dos meus pulsos destruídos.

— Seja forte, garoto. Sua história não termina assim —declara com
vigor.

— Os médicos do pronto socorro já estão à nossa espera. Nosso hacker


conseguiu contato. — Reconheço a voz de um dos seguranças do juiz
Medeiros.

— A pulsação dele está fraca — diz o juiz Medeiros fora de si quando


coloca dois dedos unidos na artéria do meu pescoço. —Vamos lá, meu filho!
Você tem muito o que viver, vou ajudá-lo a superar seus traumas.

Novamente me perco no silêncio, sentindo meu corpo esmorecer.


Recebo a mensagem da minha mãe falando que a família toda está na
sua morada. Por mais que esteja com muita saudade dos meus pais e dos
gêmeos, devido ao choque de informações que tive do meu namorado, o que
eu estou precisando no momento é ficar no silêncio do meu apartamento.

Mas talvez eu não tenha que ficar me cobrando pelas atitudes do


Vicente nesse momento. O que preciso no momento é evitar pensar no quanto
machucou meu coração com suas mentiras.

— Acho que podemos aproveitar a ocasião e revelar o que todos já

sabem — diz Elordi arrancando um sorriso dos meus lábios.

— Nem posso imaginar o quanto fofocaram sobre a gente.

— Minha orelha está quente desde ontem — profere humorado.

Estamos em frente à casa dos meus pais.

— Só para sua informação, a janela do meu quarto ficará aberta —


murmuro, recebendo o aperto de suas mãos na minha cintura.

Pela intensidade que me olha aguardo sua resposta que com certeza virá
sem pudores. O que definitivamente amo é o fato de ser boca suja. Outra
coisa do meu namorado que só tenho para mim. Muitos nem imaginem que o
homem sério, culto e reservado tem um linguajar que me faz esquentar em
questão de segundos.

— Vou fingir que não escutei isso — fala Kostas ao se aproximar com
a minha bolsa.

Ele foi nos buscar no hangar da família. Passamos o curto caminho


escutando ele falar sobre o encontro incrível que teve com uma bailarina de
um programa famoso de um canal aberto da televisão.

— Agradecemos sua discrição, Kostas — digo com um pequeno tom


de ironia.
Bufa, nos olhando com cara de tédio.

— Sério que acham que são discretos? Puta que pariu, hein. E outra

coisa, nessa família são...

— Ah, meus netos! — Vó Selena abre a porta animadíssima e fica de


braços abertos nos esperando.

— São muito discretos — conclui Kostas debochado.

De mãos dadas vamos até a vó Selena. Nem tivemos tempo de pedir a


bênção, pois nos recebe com um abraço apertado.

— Senti falta de vocês, bebês. Como não participaram do almoço em


família resolvemos de última hora fazer um jantar para todos.

— Bom, vovó... nós fizemos uma pequena viagem...

— Vou fingir que não sei de nada. Apenas digam de uma vez que estão
namorando sério. Estamos ansiosos para escutar isso de vocês.

— Eu disse — murmura Kostas

Seguimos nossa vó até o jardim. A família adora fazer e preparar as


refeições ao ar livre. Por isso todas as moradas têm cozinha gourmet externa.
Somos espaçosos, falamos demais e temos muitos pirralhos. Então, fazer
reuniões de família em local fechado não é uma boa opção.

Sorrio quando Romana vem correndo para o irmão mais velho.


— Ursão, que saudade.

Elordi a pega no colo com carinho. A garotinha de longo cabelo preto

aperta as bochechas do irmão arrancando risadas dele. Em seguida o abraça.

— Também senti sua falta, ursinha.

Me aproximo recebendo seu meio abraço já que me puxa para perto

com seu bracinho curto. Acaricio seu cabelo e beijo seu ombro.

— Como foi seu final de semana?

— Chato. Estamos de castigo por culpa do Asher.

Direciono o olhar para o loiro marrento brincando com a priminha Lia


de boneca. Asher passa a maior parte do tempo com o semblante sério,
fechado. Mas quem não o conhece pensa que não é nada amoroso. O
primogênito do tio Edu é um garoto muito esperto, inteligente e muito
protetor. No entanto, tenho que concordar que tem sido um verdadeiro bad

boy.

— O que aprontaram?

— Ei, irmão. — Romana enruga o narizinho. — Eu disse que a culpa


foi do chato do Asher. Não minha.

— Asher brigou com o bobão que fica no pé da nossa irmãzinha.


Inclusive até nas aulas de robótica, acredita? — explica Ragner segurando um
espetinho de frango ao se aproximar de nós.
Elordi desce a irmã do colo sabendo que possivelmente os dois irão
iniciar uma pequena discussão. Ragner e Romana se adoram, mas o caçula

dos Medeiros pegou para si o papel de manter todos os possíveis pretendentes


da irmã bem longe dela. Era uma forma de a proteger.

— E vocês destruíram o laboratório de robótica, seu turrão.

— Romana, nem foi um estrago tão grande assim.

— Foi o suficiente para ficarem de castigo e serem suspensos. Vocês


têm sorte de não terem sidos expulsos — diz tia Agatha olhando para os seus
filhos mais novos.

Sabemos que o único motivo dos pirralhos da família não terem sido
expulsos da instituição católica, foi pelo simples fato de a família ser um dos
donos do colégio prestigiado. Obviamente mantemos isso em segredo das
crianças até se formarem. Aliás, é algo que não vazou para a mídia e se
depender de nós nunca será do conhecimento deles.

Meus pais e meus tios prezam muito pela educação das crianças da
família nessa nova geração. Assim como nós, eles têm tudo que o dinheiro
pode proporcionar. Todavia, não estão sendo criados para terem tudo na mão
quando bem quiserem. Pelo contrário. Os presentes são méritos que devem
ser alcançados, não vivem sob pressão e sim rodeados de incentivo para
melhorarem quando não forem bem em alguma disciplina. E claro,
aprendendo a respeitar as diferenças.

Não há regras sobre gênero. São livres para se descobrirem, sem

maldade ou preconceito disfarçado. Por isso, desde cedo são acostumados a


participarem de projetos sociais do Instituto Eleonor envolvendo crianças
mais novas ou da idade deles. E acredito que estamos fazendo um bom
trabalho quanto a isso.

Porém, todos os pirralhos têm algo que é de família. São impulsivos,


arteiros.

— Resumindo. Asher começou e nós participamos — admite Ragner


com o olhar suave em direção à mãe. — Estamos arrependidos, mamãe.

— Eu acredito, meu amor. Mas ainda continuam de castigo.

Ragner suspira.

Ficamos envolvidos na conversa da nossa família que fluía de um

assunto para o outro. Nay pega a bandeja de petiscos, segura meu braço e
vamos em direção à piscina. Estamos numa distância segura para podermos
fofocar.

Minha melhor amiga — e tia — não tem papas na língua. Então seria
constrangedor começar a corar excessivamente na presença dos meus avós,
pais, tias e tios.

— Ok. Estou pronta para escutar em detalhes.


— Eca! Não vou te contar todos os detalhes. Sabe disso, não é?

— Conte o máximo que puder. Não se faça de puritana, ursinha. Sei

que é uma safada. Todas nós somos. — Pisca antes de comer um petisco.

Sem mais delongas começo a narrar uma das noites mais perfeitas da
minha vida. A única coisa que ganha é o dia que o Elordi me pediu em
namoro. Após recontar todo o momento romântico, digo:

— Vocês sabiam de tudo.

Nay tenta enfiar mais petiscos na sua boca. Pego a bandeja da sua mão.

— Nada de se entalar de comida. Só admita.

— Olha, não se esqueça que estou grávida.

— Por Deus, Nay. Como você é dramática. Quero apenas que assuma.

— Não podia quebrar o voto de silêncio que fiz quanto a isso. —


Acaricia sua barriga. — Juro que tive muita vontade de sacudir você e gritar

na sua cara revelando o que praticamente sempre esteve diante dos seus
olhos, Arizona. Caramba foi terrível conter a minha língua.

— Tenho que admitir que de todos, quem mais me surpreendeu foi o


Miguel.

— Meu marido surpreendeu a todos. Entretanto, sempre jogava uma


indireta ou outra para você, ou para o Elordi. Mas vocês dois eram tão... nem
sei dizer o que eram, enfim.

— O que importa é que agora estamos juntos — falo sem deixar de

transparecer meu ar de mulher apaixonada.

— E estamos muito felizes por finalmente terem se acertado. Basta


agora comunicarem oficialmente a família.

— Pois é. Mesmo sabendo que todos já sabem.

— Ora por favor. Não há nada que a gente faça que essa família não
saiba — diz humorada.

Decido mudar o rumo da conversa.

— Elordi me falou sobre o que descobriram do Vicente.

— Ursinha, sinto muito. Miguel me contou sobre a investigação que


Luri fez. Não esperava que o Vicente fosse tão longe, seguir por um caminho
que muitos entraram e não conseguiram sair.

— Estou com medo de ele estar envolvido com a máfia. Se for verdade,
não vou poder...

— O defender. É, eu sei.

— Minha maior preocupação no momento é dona Hermínia. Ela ama o


filho, nunca mediu esforços para não deixar faltar nada. E não me refiro a
bens materiais, e sim amor, carinho, atenção. Será uma tremenda decepção.
— É muito triste ver que um homem como o Vicente, que tinha tudo
para alcançar seus objetivos de forma honesta, está num caminho cheio de

ilusão, fascinado pelo dinheiro, poder.

Encaro Nay concordando com suas palavras. Estou de mãos atadas. Se


tudo for confirmado, se realmente Vicente estiver trabalhando para um
mafioso não vou poder ajudá-lo.

E isso agora está me consumindo. Depois de ter tido sua amizade no


momento mais crítico da minha vida, agora não vou poder estender a mão
para ele, abrir seus olhos, tentar livrá-lo desse caminho pernicioso.
Literalmente teria que dar as costas para uma pessoa que amei muito e ainda
amo como amigo.

As crianças estão no balcão onde estão os receptáculos com vários tipos


de sobremesas, em fila — seguindo a ordem do menor para o maior — para
se servirem. Continuamos sentados á extensa mesa sorvendo vinho,
conversando, rindo e muito satisfeitos com a deliciosa refeição.

— Na próxima semana saberemos o sexo do nosso bebê —comunica


Miguel, segurando a mão da esposa carinhosamente em cima da mesa.

— Espero que seja uma menina — diz o vô Eduardo.

— Eu também estou nessa torcida — fala vó Selena.

— Ou pode ser um casal — conversa meu pai segurando a risada.

— Quem sabe trigêmeos — Tia Agatha profere animada.

— Na última ultrassom só vimos um bebê. E de verdade espero que


seja apenas um. Vamos aos poucos — pronuncia Nay parecendo um pouco
preocupada agora, com a possibilidade de estar com mais de um bebê.

— Tudo bem, mamãe. Papai e eu ajudamos você. Não importa se será


um, dois, três, quatro...

Rimos. Nay interrompe o filho.

— Entendi, meu bem. Mas tenho certeza de que estou com apenas um
bebê. — Beija a cabeça do Savas. O garotinho direciona sua atenção para a

torta de limão.

As outras crianças retornam à mesa. Meu namorado me olha com seus


intensos olhos de ônix e sei que chegou o momento. Minhas bochechas já
estão quentes.

— Aproveitando que estamos reunidos gostaria de comunicar


oficialmente que Arizona e eu — segura minha mão ganhando mais a atenção
dos nossos familiares — estamos namorando.

E por incrível que pareça, nossa família fica em silêncio. Em seguida

voltam a conversar normalmente, como se não tivessem escutado o anúncio


do Elordi.

— Isso é sério? — indago sem acreditar que não deram importância.

Então voltam a nos olhar com certo deboche em seus semblantes. Meu
Deus, até os pirralhos estão se divertindo com a situação.

— Eu disse, ursinha. Todos sabem que estavam se pegando —


cochicha Kostas para mim.

— Estamos brincando, filha — fala minha mãe. —Finalmente


assumiram. Desejamos tudo de bom para o namoro que sabíamos que mais
cedo ou mais tarde iria acontecer.

— Vai com calma na bebida, loiro falso. Todos sabem que é conivente

com a relação da sua filha filhinha com o Elordi —provoca Miguel.

— Elordi sabe disso. Tem minha bênção. Nunca foi um segredo — diz
meu pai.

— Logo será vovô. Irmã, espero que seu marido esteja com o coração
bom — fala Miguel amando provocar meu pai.

— Espera, você está grávida? — questiona minha avó entusiasmada.


Bebês nessa família nunca são demais. Por céus!

— Não, vovó...

— Cuidei disso — fala meu pai, fazendo a maioria das pessoas rirem.
Cristo, claro que já estão sabendo que colocou o implante no meu braço. —
Quem sabe depois da Arizona se estabelecer mais na carreira, depois do
casamento, enfim.

— Já estão pensando em casamento? — questiona tio Samuel nos


encarando com um ar risonho.

— Sim.

— Não.

Falamos ao mesmo tempo, porém com respostas distintas. Meu pai se


engasga e minha mãe prontamente bate nas suas costas sem delicadeza.

Volto a olhar para o meu namorado sem graça. Claro que temos planos

para o futuro, e isso inclui casamento, filhos e tudo mais. Mas não é algo que
faremos agora. Bom, foi isso que entendi quando estávamos tendo o nosso
momento romântico e franco na banheira.

Relaxo quando o moreno sorri para mim.

— Não iremos nos casar agora. É algo que conversamos e queremos.

— Viu, Alex. Não precisava se engasgar à toa — brinca tio Edu.


Todos nós gargalhamos.
Coloco meu celular para carregar assim que saio do banheiro. A tela
logo acende indicando o carregamento, mensagens de texto e ligações
perdidas do Vicente. Tenho ignorado há dias, pois antes já necessitava de
distância devido à descoberta de suas mentiras. E agora, após saber que fui
mais enganada do que pensava pretendo desligá-lo da minha vida.

Meu ex-melhor amigo é apaixonado pelo meu namorado. E guardou


esse segredo por todos esses anos. Pior de tudo é que Vicente encheu a boca
para dizer que era apaixonado por mim ao perceber que Elordi e eu

estávamos nos envolvendo. Não havia acreditado nele, e pelo menos essa
minha intuição não falhou.

Com pesar olho para uma fotografia minha com o Vicente na época que
eu estava em tratamento. As outras fotografias penduras no varal são dos

meus pais comigo, dos meus irmãos, outras em momentos espontâneos em


família e uma do Elordi.

Seguro a ponta da gramatura do papel cogitando que devo tirá-lo do


varal de fotos. Meu intuito no momento é querer me desfazer das lembranças
do Vicente, que sempre guardei com muito carinho. Coloco mais pressão no
dedo polegar e indicador que esmagam a ponta da fotografia..., mas não
consigo puxar.

Era justamente a foto que o Vicente está com a cabeça raspada. Que

raspou para me opiar.

Lembro do dia que apareceu careca, segurando um buquê de rosas


amarelas na porta do aconchegante apartamento dentro do hospital, que meu
pai pediu para construírem e adaptarem para que eu pudesse fazer o
tratamento de forma mais confortável.

Vicente foi meu único amigo por um longo tempo. Seu apoio, carinho e
amizade foram essenciais para mim.

Puxo o ar para os meus pulmões e me afasto, querendo evitar as

recordações.

Entro no closet e começo a enxugar melhor meu corpo. Meu namorado


está no haras, matando a saudade da Atena. Combinamos de almoçar juntos
amanhã para comemorarmos seu primeiro dia oficial como delegado. Mas

definitivamente sou ansiosa demais quando se trata do homem que amo.

Saio do closet trajando um vestido curto de tecido levinho rosa-claro,


chinelos e cabelo solto. Mesmo correndo o risco de cochilar amanhã durante
alguma aula, nada vai me impedir de ficar acordada até de madrugada na
companhia do meu moreno.

Fecho a porta do quarto. E começo a andar com passos calmos pelo


corredor. Paro com a mão no corrimão quando vejo meu pai subir os degraus
distraidamente, todo melado de chantili e com nuances vermelhas sob sua

pele branca. Na sua mão esquerda traz um recipiente de vidro com morangos
e chocolate derretido. Pausa assim que me vê.

— Vai sair? — pergunta quebrando o silêncio.

— O senhor sabe que está todo melado de chantili...?

Me arrependo da indagação ao me dar conta de que poderia ser um


joguinho íntimo dos meus pais. Eca.
— Então, sua mãe...

— Esquece a pergunta pai.

Ainda bem que os quartos são à prova de som. Respondo sua pergunta
anterior.

— Estou saindo para me encontrar com o Elordi.

—Tudo bem — murmura sem jeito. — Se divirta. Quer dizer, não


muito, você sabe.

Aproximo-me e beijo sua bochecha.

— Boa noite, pai.

Desligo o carro ao estacionar em frente ao haras. Saio sentindo as


batidas do meu coração acelerado. É incrível viver o amor que sempre
sonhou na adolescência. De fato, estou parecendo uma adolescente vivendo
seu primeiro amor, pois Elordi é o meu primeiro amor.

O bad boy que me irritava profundava e que fiz de tudo para esquecer.

Entro no estábulo e logo sou surpreendida pela visão maravilhosa de


ver o meu namorado suado, sem camisa, apenas de calça jeans e botas

carregando fardos de feno para dentro da baia da Atena.

Agora percebo o quanto estou obcecada pela tatuagem que cobre suas
costas. Se pudesse ficaria olhando para o desenho o dia todo.

Umedeço os lábios apreciando o moreno que tem meu coração em suas


mãos. Jesus Cristo! Sou uma tola apaixonada. Não consigo evitar certos

pensamentos.

— Vai ficar só me olhando, morena.

Sua voz soprano me tira dos meus devaneios.

— Estava o admirando.

Encosto-me na porta da baia. Atena não demora a reconhecer minha


voz e se aproxima. Com muito carinho acaricio sua crina e chanfro.

— Como vai menina? Foi boazinha com seu tratador?

— Como sempre deu bastante trabalho. Apesar de não ter demorado


tanto para obedecer nos treinos como é rotineiro da personalidade dela.

Atena relincha toda mansinha, passando o nariz no meu cabelo.

— Ela tem a personalidade forte. Fazer o quê?

Escuto o som da sua risada rouca e rio sem parar de acarinhar a Atena.

Meu corpo se arrepia quando seus braços e mãos abraçam minha


cintura, colando seu peitoral suado nas minhas costas. Seu perfume

masculino exótico que tanto adoro misturado ao seu suor me agrada, o deixa

mais quente do que é.

Estava tão distraída que nem percebi quando saiu de dentro da baia e
veio para pertinho de mim.

— Que bom que veio. Estava pensando em buscar você para dormir

comigo. — Beija a curva do meu pescoço.

— E eu queria ao menos ficar mais um pouco com você, mesmo


sabendo que acordamos cedo amanhã.

Atena chama atenção do Elordi. Logo meu namorado tira uma mão da
minha cintura e começa a fazer carinho na testa dela.

— Então vamos para a casa dos meus pais?

— Prefiro não abusar tanto do bom humor do seu pai. Tem colchonete

de casal, cobertores e travesseiros na carroceria da RAM.

Refere-se a caminhonete estacionada lá fora.

— Certo. Vamos ficar perto da plantação de girassóis.

— Nem precisava pedir. A levaria para lá. Sei que são seus preferidos.
Vou tomar um banho rápido. Tem uma garrafa térmica com água no banco
do passageiro.
— Ok. Estarei te esperando aqui com a Atena.

Seco meu corpo com a toalha que trouxe. Tomei banho no chuveiro que
foi colocado atrás do estábulo onde os trabalhadores o usam para se
limparem. Trajo a cueca e bermuda de moletom cinza.

Apesar da Arizona não ter tocado no assunto que envolve o Vicente, sei
que está se esforçando para se manter forte diante das revelações que tanto a
machucaram. É uma situação foda.

Minha garota vai ter de ficar do lado oposto do cara que foi seu melhor
amigo. Para uma pessoa como a Arizona que é boa, que tem princípios,
caráter e fiel a todos que ama, será como uma facada no seu coração.

Infelizmente não vou ter como impedir, ou livrar a pele do Vicente por
amor a ela. A conversa que tive com o Vicente no restaurante foi justamente
para tentar livrá-lo das mãos do maldito que está mexendo com ele, como se
fosse uma marionete somente para nos atingir.

O foco agora é saber de quem é a cabeça que está por trás do Vicente e
do Argus. Fora que ainda não temos confirmação alguma se são parentes.
Me despeço da Atena e saio do estábulo secando meu cabelo na toalha,
no outro braço seguro as peças de roupa sujas.

— Vou com o meu carro. Assim amanhã quando acordarmos cada vai
para sua respectiva casa evitando mais atraso.

— Tudo bem. — Beija meus lábios delicadamente.

Cubro o colchonete aberto na carroceria com um dos cobertores.

— Está uma noite linda.

— Muito.

Agarro sua cintura e a suspendo sentando-a na carroceria. Arizona

descalça os pés, começa a engatinhar em cima do colchonete sem se importar


de mostrar seu rabo avantajado para mim. Caralho, a morena está sem
calcinha.

Olho para o céu estrelado tentando contar algumas estrelas no intuito de


conter o desejo.

— Poderia ter pego uma outra cueca minha para usar.


— Prefiro ficar sem quando estamos juntos. — Sorri descarada.

— Se não tivesse sensível, juro que...

— Nada de promessas. Agora só ação, amor.

O tesão primitivo vem com tudo. Sei que ainda está muito sensível para
receber meu pau, mas nada impede de a comer com boca. Como se tivesse

lido meus pensamentos sensualmente desliza os dedos por suas coxas grossas
até onde seu vestido cobre. E amassa o tecido o subindo lentamente e para ao
deixar amontoado na sua cintura.

Encosta a cabeça e costas nos travesseiros e abre as pernas. Sua boceta


definitivamente está piscando para mim.

Expiro e inspiro quando me aproximo ao ficar entre suas pernas. Pego


sua perna direita pelo calcanhar, passo o seu pezinho na minha cara sem tirar
os olhos da bocetinha. E então capturo seu olhar quando planto um beijo em
cada um dos seus dedos. Faço o mesmo com seu outro pé. Deito de bruços

apoiando o peso nos cotovelos, enquanto mordisco de leve suas coxas.

— Você é uma provocadora, Arizona.

Passo o nariz por toda sua virilha e desço para sua vagina, inalando seu
cheiro de fêmea. Esfrego a barba por toda a região, esfrego o queixo e sinto
os dedos da minha namorada puxarem meu cabelo.

Toco sua boceta com os dedos e os abro apreciando seu íntimo. Ainda
está um pouco avermelhada devido ao fato de termos exagerado. Fico
fascinado assistindo o clitóris pequeno sair da capa de proteção. Mantendo

sua boceta totalmente exposta e meto a língua sentindo umedecer e agradar


meu paladar com seu gostinho salgado.

Minha saliva se misturou com seu mel natural, me lambuzando todo. A


morena resvala, segurando com mais força meu cabelo, tentando escapar da

pressão deliciosa. Porém, a mantenho no lugar me acabando na sua boceta.

—Ah...assim, assim...

Goza alucinadamente abrindo os lábios carnudos em perfeito O. Beijo


sua boceta melada, admirando os efeitos do ápice que ainda está tendo efeito
no corpo da minha namorada. Subo o meu corpo, abaixo a alça fininha do
vestido e mamo seu mamilo, intercalando entre morder e puxar o piercing,
lambo, beijo.

Tomo sua boca num beijo faminto, longo. A morena fogosa desce a

mão pelo meu peitoral parando sua mão em cima da bermuda. Urro com os
lábios presos nos seus, no instante que começa acariciar meu pau duro. Para
foder com o meu autocontrole enfia a mão pequena dentro da cueca. Acaricia
meus testículos, sobe pela base do meu membro. Fica subindo e descendo
vagarosamente, me torturando.

— Se continuar assim vou gozar na sua mão, pequena —murmuro,


agarrando sua nuca com força.

— Não vai gozar na minha mão. — Mordisca meu queixo. — Vai

gozar na minha boca.

Filha da puta.

Coloco mais pressão na sua nuca olhando no fundo dos seus olhos

azuis.

Tira a mão de dentro da minha cueca e coloca as duas mãos contra o


meu peito me empurrando. Ajudo-a a me livras dos trajes e tenho a belíssima
visão da minha namorada masturbando meu pau com suas mãozinhas.

Luto para manter meus olhos abertos quando abocanha a glande que
está brilhando devido a lubrificação natural que escapa dela. Seguro sua nuca
controlando o animal que existe dentro de mim para não ser muito bruto.
Urro flexionando meus músculos, sentindo as veias do meu corpo latejarem.
Arizona escorrega os lábios pela minha rola até onde consegue. Volta para o

início tentando seguidas vezes engolir o máximo que pode, as lágrimas


escorrendo, deixando no caminho sua saliva, se fartando.

Cresço na sua boca, sentindo a pressão avassaladora nas minhas bolas.


Estou muito perto de gozar. Com o coração acelerado, respirando em haustos,
encho sua boquinha de porra. Escapa pela lateral da sua boca o líquido
embranquecido. Para acabar de vez comigo, passa o indicador levando o que
pegou para dentro da sua boca.

Olho para o céu estrelado apreciando a sensação gostosa de ter gozado.

Sorrio quando sinto seu corpinho subindo para cima de mim querendo
aconchego.
A pior sensação é sentir mil lágrimas presas em você e acabar se
afogando dentro de si mesma.

Uma criatura Estranha – site pessoal.

Após tomar café da manhã apressada subo para o quarto para pegar
minha bolsa. Meus pais e irmão já tinham saído. Elordi e eu perdemos o
horário, fomos dormir quase às três da manhã. Ainda bem que tenho apenas
três tempos de aula hoje.

— Bom dia, alecrim dourado — cumprimenta Kostas abrindo a porta

do carona.

— Estou atrasada. Foi mal. Está me esperando desde cedo.

Kostas faz sinal para a equipe que irá nos seguir e entra no carro

assumindo o banco do motorista.

— Imaginei que fosse se atrasar. Quando você e o garoto de ouro estão


juntos perdem o foco. Normal.

Coloco o cinto. Desbloqueio a tela do celular e sorrio com a mensagem


do meu namorado. O respondo sem conseguir segurar o sorriso bobo.

— Eca! Já está falando com o seu namorado? — diz humorado.

Passo para outras mensagens e respondo a vó Selena dizendo que posso


dar uma forcinha para ela no Instituto.

— Depois da aula vamos ao Instituto.

— Claro. Pretende ficar lá até que horas?

— Não sei. Tem algum compromisso? Se for com a tal bailarina, libero
você.

— Infelizmente não. Os novos membros da Organização chegam antes


do almoço. Todos os líderes têm que estar lá. Sabe como funciona.
— Sim, eu sei. Fica tranquilo. Deixa o carro comigo. Sabe que sou
treinada.

— Proteção nunca é demais. E você é minha responsabilidade. Pode me


esperar no Instituto da família.

— Combinado.

Guardo a apostila da disciplina de Bioquímica Ambiental. Conforme a


professora foi explicando, marquei os textos e exemplos mais importantes.
Quando estiver em casa faço o mapa mental de tudo que foi explicado na aula
de hoje.

Kostas está encostado na lataria do jipe tirando fotos suas.

— São para a pretendente?

— Claro que...são — murmura e guarda o celular.

Dentro do carro tento não me importar com o Kostas cantarolando e


batucando os dedos no volante. O que ele segurou para não falar de manhã,
talvez por ter esquecido, não sei... agora quer deixar seu comentário.
— Sabe sobre as últimas descobertas do Luri — confirmo.

— Que bom que tocou no assunto. — Reviro os olhos. —Como está se

sentindo?

— Péssima.

— Porra, fala sério, ursinha? Tem todo o direito de estar com raiva,

muita, muita raiva do Vicente. Aquele moleque não presta!

— Não está sendo fácil assimilar. Quer que eu simplesmente acabe


com ele?

— Podemos fazer isso agora?

— Sem brincadeira, Kostas.

— Não estou brincando — bufa. — Desculpe, estou sendo insensível.


Só que definitivamente não é fácil saber que está sofrendo por uma pessoa, a
qual você sempre foi leal.

— Só preciso de um tempo.

Kostas aciona o alarme do carro e me entrega a chave. Segue para o


carro da equipe que faz minha escolta. Guardo a chave dentro da bolsa e

entro no prédio do Instituto Eleonor.

Mal consigo pedir a bênção da vó Selena, pois me abraça apertado


rapidamente e pede para eu ajudar Carla — uma das funcionárias — a
organizar o refeitório.

Hoje receberemos mais vítimas do tráfico humano. Infelizmente o

índice de pessoas que saem com vida são baixos. E muitos não têm muita
perspectiva de um novo recomeço, nem todos conseguem vaga para
manterem um tratamento psicológico. O Instituto oferece tudo isso e mais um
pouco.

Não é um processo fácil. Algumas vítimas em determinado momento


querem desistir, lutam diariamente com os traumas que viveram.
Definitivamente é um processo longo, doloroso.

De dois em dois anos acontecem as formaturas dos cursos técnicos que

o Instituto oferece. E não tem nada mais satisfatório do que assistir a vitória
de uma pessoa que sofreu tanto na vida. Traz esperança de dias melhores, de
que nosso trabalho voluntário e humanitário tem realmente ajudado.

— Cheguei! Posso ir levando as travessas? — indago a Carla puxando


o elástico do pulso e perdendo o cabelo num rabo de cavalo.

— Pode sim, benzinho. Logo chega mais ajuda. Fomos pegos de


surpresa com a chegada dos novos integrantes.

— Tudo certo — sorrio.

Paro no meio do salão do refeitório ao ver Alicinha montando arranjos


de lírios justamente no balcão de madeira de self-service. Logo as palavras do
meu namorado vêm a minha mente. Realmente não tenho por que ficar sem
graça na sua presença, ou qualquer sentimento de culpa por estar namorando

o cara que ela gosta.

Volto a andar em passos lentos. Coloco a travessa na parte indicado do


balcão.

— Imagino que trouxe os lírios orientais da sua avó — puxo conversa.

Para de mexer no arranjo e sorri amigavelmente.

— Com toda certeza. Depois de mim, a pequena plantação de lírios da


vovó é a coisa que mais ama no mundo. Vizinhos próximos do sítio sempre

costumam ir comprar dela.

— É ótimo sua avó ter outra renda além da aposentadoria.

— Concordo. Inclusive, se quiser conhecê-la um dia, me avise. Dona


Stela vai adorar te conhecer e preparar um almoço bem farto para nós.

— Combinamos um dia.

— Olha, sei que você e Elordi estão juntos. Naquele dia quando os vi
cheios de carinho ficou claro. Mas hoje sua avó chegou contando a novidade

para todos.

— Alicinha, de forma alguma quis fazê-la de boba. Quando ia falar que


estávamos namorando, outra voluntária havia aparecido e saíram juntas.

— Para ser sincera sempre notei os olhares do Elordi para você. E


como nunca tinha visto você corresponder, ou demonstrar interesse... meio

que me iludi pensando que o conquistaria. E está tudo certo. Respeito você
como mulher e respeito o relacionamento de vocês.

Meneio a cabeça feliz por notar sinceridade na sua fala e olhar.

Após o pequeno discurso de boas-vindas da minha avó todos nós


seguimos para o refeitório. Sento-me ao lado de vovó que está numa conversa
animada com a diretora do Instituto. Termino de comer e levo a bandeja para
a área indicada para ser recolhida.

Guiada pelo meu instinto resolvo ir à casa da dona Hermínia. Se tem


alguém que pode saber quem é Argus José Morais é ela. Não vou chegar
falando as coisas que descobri do seu único filho. Nem sei se teria coragem
para isso. Mas irei perguntar se sabe quem é esse detento.

Aviso a vovó que estou indo embora.

Dirijo tentando controlar a ansiedade. Acho improvável dona Hermínia


saber da outra profissão do filho. Isso a devastaria. A conheço o suficiente
para ter certeza disso. Para ela que sempre foi mãe solo o fato de nunca ter
deixado faltar nada para o filho era motivo de orgulho e espelho para o

Vicente nunca desistir dos seus sonhos, para trilhar um caminho de


honestidade.

Mas parece que nada foi o suficiente para ele.

Estaciono o carro em frente à casa. Fito a casa simples notando que


parece mais abandonada do que das outras vezes que vim. Destravo o portão
de ferro e caminho até parar diante da porta de entrada. Bato na madeira
aguardando a dona Hermínia.

Estranho a demora. Bato outras vezes aplicando mais força. Nada. Sigo

para a janela no intuito de espiar, mas é algo impossível por causa da cortina.
Também não escuto movimentação alguma que esteja vindo de dentro da
casa. Giro e seguro a maçaneta da porta de saída da cozinha. Assim como a
da frente está trancada.

Quando tiro o celular do bolso escuto uma senhora me chamar próxima


ao portão.
— Moça, dona Hermínia não está em casa.

Reconheço sendo a vizinha da frente da dona Hermínia. É uma das que

fica sentada na calçada de tarde conversando com outras mulheres.

— Sabe informar se ela vai demorar? Ou com quem saiu?

Raramente dona Hermínia saia de casa. Vicente nunca tinha tempo para

sair com a mãe. E devido aos percalços que um cadeirante passa numa cidade
que não tem acessibilidade como deveria ter, para ela era cansativo,
desmotivador sair e precisar de ajuda para ir de uma calçada para outra, de
esperar o ônibus o qual o elevador para cadeirantes esteja funcionando.

Apesar de eu sempre ter oferecido todo suporte, desde o financeiro,


dona Hermínia nunca aceitou. E respeitei sua vontade. A única coisa que não
me impediu de oferecer foi a fisioterapia. Para facilitar o profissional vinha
aqui na sua casa.

— Vixe, minha filha... já tem semanas.

— Seja direta, por favor. Tem semanas que ela não vem em casa?

— Um pessoal vestido de brancos, acho que todos eram enfermeiros,


vieram buscar Hermínia. O filho dela chegou bem na hora. Pensamos até que
ela tinha passado mal. — Diminui o tom de voz. —Não é por nada não...
Deus sabe que não sou fofoqueira e não levanto falso testemunho. — Ergue a
mão para o céu, conclui: — Aposto que aquele filho dela metido a besta a
internou em algum lugar. Desde esse dia nunca mais vimos nenhum dos dois.

Fico sem reação por alguns instantes.

Tinha um tempo que Vicente estava cogitando colocar a mãe na casa de


repouso, mas pensei que mudaria de ideia. Pelo menos naquele tempo ainda o
via como o meu melhor amigo.

— Obrigada pela informação.

Saio e coloco a trava do portão.

— O que pretende fazer, minha filha? Pode contar comigo.

Agradeço antes de entrar no carro. Ligo para o Luri sentindo a cólera


em todas as minhas entranhas.

— E-Espero que seja muito importante. Caso contrário, vou desligar —


ofega e escuto risinhos da Samira.

Oh, céus. Sem alternativa decido falar:

— Preciso saber para onde o Vicente levou a mãe. Deve estar em


alguma casa de repouso.

— Puta merda! Só um minuto, amor da minha vida todinha — sussurra


para Samira. — Quando pediram para eu investigar o Vicente não
comentaram nada sobre a mãe. Como soube disso?

— Estou na frente da casa dela. Uma vizinha informou que tem


semanas que vieram buscar dona Hermínia.

— Cadê o Kostas?

—Preciso da informação para agora, Luri. Desculpa atrapalhar, mas


realmente tenho que encontrar ela, me certificar de que está bem — digo. —
Kostas está na sede.

— Certo! Estou colhendo todos os dados dos sistemas das casas de


repouso particulares e de asilos.

— Ela deve estar num privado.

— Vou levar alguns minutos.

— Estou aguardando.

Vinte minutos depois chega o endereço da casa de repouso no meu


celular. Começo a dirigir sendo guiada pelo GPS. A clínica é afastada da
agitação da cidade. Fica na estrada Rio Grande. Meu celular toca, o nome do

Luri aparece na tela de multimídia. Atendo clicando no botão do volante,


logo o GPS volta a aparecer no painel.

— Vou mandar uma equipe para você.

— Não quero chamar a atenção. Quero me certificar primeiro de que


dona Hermínia está bem. Depois irei conversar com ela. Talvez saiba quem é
esse tal de Argus.
— Ainda estou tentando encontrar a resposta para esse mistério. A
equipe da Tailândia ainda não mandou resposta sobre a pesquisa parental dos

três.

— Dona Hermínia é importante para mim, Luri.

— Eu sei, porra! — bufa. — Vou ver se entro em contato com o Kostas


para ele ir até você. Está armada?

— Sim.

—Ao menos isso. Mesmo assim vou pesquisar a área da clínica


verificar se não tem nada suspeito. Já acessei as câmeras das avenidas e
estrada. Fique atenta ao celular.

— Ficarei.

Encerramos a chamada.
Eles sabem tudo sobre mim.

Precisei colocar uma máscara fria e indiferente para conseguir lidar


com o Elordi naquele maldito restaurante. Uma hora dessas devem estar
juntos, mais apaixonados do que nunca. Arizona vai me esquecer para
sempre, deve até estar sentindo nojo de mim. Principalmente agora que sabe
o que faço.
Estou no silêncio do flat... mais sozinho do que nunca, sem saber o que
fazer.

Apesar de odiar e amar o Elordi com todas as forças, por pouco não
cedi. Por muito pouco não revelei que estou trabalhando para um mafioso que
odeia a família dele tanto quanto o meu pai. Esse não era o plano. Não era
para eu estar nessa situação de merda.

Escuto a campainha tocar. Me surpreendo ao reconhecer o poderoso


Klaus usando roupas esportivas. Abro a porta receoso e impactado com a
masculinidade elegante, ao mesmo tempo rústica, do mafioso.

Quem o vê assim, suado, usando calça esportiva, camisa e jaqueta, com


fones de ouvidos nem passa pela cabeça que é um dos homens mais perigosos
do mundo. Tranco a porta assim que entra. Desliza o capuz, passa as mãos no
cabelo preto com fios grisalhos.

— Está sem seus homens? — indago.

— Estão me esperando no segundo quarteirão. Pensei que tivesse


entendido que a Organização Secreta uma hora dessas já deve saber que
Argus e você são pai e filho, que trabalham para mim — profere sem
esconder a raiva.

— Ontem jantei com o Elordi. Eles descobriram muitas coisas sobre


mim. Mas não sabem que Argus é meu pai, e que trabalhamos para você.
— Por muito pouco não matamos o filho do Medeiros.

Arregalo os olhos, sentindo uma pontada no peito.

— Você prometeu, Klaus! A única coisa que pedi foi para não
machucar Arizona e Elordi — vocifero passando a mão no cabelo. —
Arizona bloqueou meu contato, não consigo mais falar com ela.

Começo a respirar com dificuldade. Indago:

— Como ele está? Está no hospital?

— Não prometi. Quando se trata dos meus interesses nada mais


importa. E seu querido Elordi sobreviveu. Infelizmente conseguiram tirá-lo
do tanque de água a tempo. Inclusive está tão bem que assumiu oficialmente
seu cargo de delegado — fala sem ânimo.

Vai até a mesa das bebidas e serve uísque, sorvendo o líquido sem
perder a elegância.

— É melhor tirar essa ideia de proteger seus queridos, Vicente. Eles


querem te foder. E não é seu cu — diz sarcástico. —Matar a cria do Medeiros
seria um triunfo. Não sabe a quantidade de pessoas que sonham com o fim
dessa Organização que só serve para nos fazer perder dinheiro e tempo.

— Estou fora! — digo com o pingo de coragem que ainda tenho.

Sorri diabolicamente passando a mão na barba grisalha.


— Prefere passar a vida toda ralando, sendo um sugar baby? — O fito
com vergonha. — É um homem muito inteligente, bonito e merece tudo o

que dinheiro pode proporcionar.

— Vou passar no concurso...

— Conheço pessoas como você, caro. Nada será o suficiente. Sempre


vai querer mais, desejar mais, ter mais. Como se estivesse com sede o tempo

todo e por mais que beba água, nada vai matar sua sede.

Levanto-me e vou em direção à janela querendo distância do Klaus.

— Se não posso sair. Quero ao menos que garanta que nada vai
acontecer a eles.

Sinto meus pelos arrepiarem quando se aproxima. Sua respiração


quente chega na minha nuca, causando sensações confusas no meu interior.

— Tenho um casamento de aparência. Casei-me com uma mulher

virgem, típica moça que serve apenas como esposa modelo e para gerar
herdeiros. Temos um filho. E ele vai ter que assumir os negócios da famiglia
quando chegar a hora. Terei que deixar tudo pronto para esse momento.
Infelizmente não tive como fugir do meu destino. Sou naturalmente um
homem cruel. Os homens que dormem comigo não acordam no outro dia.
Nunca posso deixar rastros.

Estranho o fato de estar falando sobre sua família.


— Posso tirar você dessa vida, Vicente. Escolha o país, a mansão,
apartamento o que quiser. O mantenho se prometer ser exclusivamente meu.

Quando tudo isso acabar, o levo comigo.

O encaro sem reação. Olha no fundo dos meus olhos sem a dureza
rotineira que costuma manter, e continua:

— Desde que o vi pela primeira vez, quando vi sua foto, senti que era

diferente. E não estou errado quanto a isso, caro. Até as piores pessoas sabem
amar. Mesmo que seja de um jeito louco, sabem. Darei um jeito de o manter
sempre protegido. Tenho mais experiência. No entanto, temos uma coisa em
comum. Sofremos por um amor impossível, não correspondido. Fique do
meu lado, comigo e prometo que será feliz, amado.

— Temos um trato. Tenho minha mãe, tem o meu pai, eu não posso...

Me calo dando conta de que estou realmente cogitando aceitar a


proposta do Klaus. Um mafioso. Tento me afastar, porém segura meu rosto

com suas duas mãos grandes.

— Seu pai vai receber o dinheiro que prometi. Ele é um covarde que te
usou para chegar até mim, para ter minha atenção e ainda conseguiu negociar.
Bom, o fiz acreditar que sim. Argus só pensa no rabo dele. E sua mãe pode ir
com a gente, posso colocar ela na melhor clínica recebendo o melhor
tratamento, cuidados. Garanto.
Assisto umedecer seus lábios sensualmente com a língua. Entreabro os
lábios e aceito o convite silencioso do beijo profundo. Nunca havia beijado

com tanto desejo antes.

Klaus me emperra contra a parede com força sem largar a minha boca.
Gemo roucamente quando mordisca meus lábios. Nunca pensei que teria uma
transa tão cheia de entrega. Imaginei diversas vezes, mas todas minhas

ilusões me levavam somente a ele. O Elordi.

E pela primeira vez não precisei fingir que estava gostando, imaginar
que era o Elordi. Eu só conseguia sentir o Klaus de todas as formas.

Fiz algo que não costumo fazer. Usei meu sobrenome para não ser

barrada na entrada da Casa de Repouso. Estou aguardando cerca de uma hora


a diretora me receber. Infelizmente não passaram nenhuma informação sobre
dona Hermínia, antes tenho que ter autorização.

Apesar do lugar ser muito sofisticado. Não traz nenhuma sensação de


aconchego. É frio, sem vida.

— Senhorita Severo Lacerda. Fiquei surpresa por saber que estamos


recebendo a visita de um integrante de uma das famílias mais tradicionais do
país.

— Diretora Carla, estou aqui para visitar dona Hermínia Ferraz


Almeida.

— Ela está conosco há pouco tempo. Abrimos uma vaga, apesar de


fazer seleção dos interessados apenas no começo do ano, por sermos gratos

ao senhor Ramiro Gonçalves.

Durante o caminho para cá Luri ligou mais uma vez e disse que o
magnata do petróleo, sugar daddy oficial do Vicente, havia conseguido a
vaga para a dona Hermínia.

— Tenho muita consideração e carinho por dona Hermínia. Ela é uma


mulher inspiradora, passou por muita coisa. Quero muito vê-la, diretora
Carla.

— O único que tem permissão para visitar é o filho da senhora

Almeida.

—Pergunte a ela se quer me receber.

— Apenas o filho tem o poder de decidir.

— Claro que não! Dona Hermínia é lucida, responde por seus atos.

— No dia da internação foi anexada a cópia da curatela.


E as coisas só pioram.

— Preciso de apenas de alguns minutos com ela. Se precisa de algo,

qualquer coisa me diga que providencio — murmuro.

A mulher parece pensar nos prós e contras.

— Tem no máximo cinco minutos. Meu chefe pode chegar a qualquer

momento.

— Muito obrigada.

— Vou chamar a enfermeira para lhe acompanhar.

Olho com pesar para a dona Hermínia, que tem seus olhos e
pensamentos perdidos pela imensidão do jardim. As enormes olheiras
debaixo dos seus olhos, parece que envelheceu de repente.

— Tem dias que ela não faz os exercícios. Nem a fisioterapia na


piscina tem força para fazer. O doutor indicou suplemento para tentar

compensar a perda de peso rápida, que perdeu drasticamente.

— Ela não fez amizade com nenhum interno?

— Não gosta de conversar. Fica sempre assim quietinha, tristonha.


Semana que vem começará a ter acompanhamento psicológico.

Agacho na sua frente e pego suas mãos frias ganhando sua atenção.
Seus olhos castanho-claros estão cheios de lágrimas. Sorrio e beijos os dorsos
de suas mãos.

— Minha menina...nem acredito que está aqui.

— Estou aqui pela senhora. — Toca meu rosto com seus dedos, e
acaricia o meu cabelo. — Está mais bonita, se é que seja possível. Tem algo
diferente.

— Prometo que conto tudo o que anda acontecendo na minha vida para
a senhora. Mas só depois — respiro fundo. —Vicente a internou contra sua
vontade.

As lágrimas que estavam se acumulando logo começam a molhar sua


face abatida.

— Perdi o meu Vicente. Em algum momento eu errei na educação do


meu filho.

Seus ombros balançam devido ao choro.

— A senhora sabe quem é Argus José Morais? Ele é da família de


vocês? É o pai do Vicente? — questiono. — Tenho que saber quem é esse
homem, dona Hermínia. Vicente o tem visitado na penitenciária.

Me fita parecendo não acreditar no que eu disse. Cobre a boca com a


mão, as lágrimas descem uma atrás na outra. Dona Hermínia aparenta estar
em choque, como se tivesse em outra dimensão. Toco no seu rosto
desesperada por uma resposta. Encaro o Vicente caminhando apressadamente
com uma enfermeira ao seu lado vindo em nossa direção.

— Por favor, dona Hermínia. Preciso que responda a minha pergunta

— chamo sua atenção. — Prometo que vou tirá-la daqui.

— Está perturbando minha mãe, Arizona! Espero que não tenha falado
nada — profere praticamente suplicando com o olhar.

Claro que não falaria com a dona Hermínia como o seu filho faz para
ganhar dinheiro tão rapidamente.

Beijo a testa da dona Hermínia e viro de costas ignorando o meu ex-


melhor amigo.

Olho para céu que escureceu de forma rápida anunciando uma grande
tempestade. Sinto os primeiros pingos na minha pele. Odeio dirigir na chuva.
Que merda!

— Arizona, espera! Arizona!

Pego o celular dentro da bolsa e tenho vontade de me chutar ao


constatar que estou sem bateria. Tiro a chave do carro do bolso menor, sem
parar de andar.

— Quero só alguns minutos. Depois te deixo em paz.

Entra na minha frente, pauso.

— Não temos nada para falar.


— Em nome da amizade que tivemos no passado, quero alguns minutos
da sua atenção.

Me assusto com o trovão alto e longo que corta o céu.

— Quero respostas, Vicente. Em nome da amizade que tivemos no


passado, seria capaz de ser honesto? Pelo menos uma única vez na porra
dessa vida.

— Prometo responder suas perguntas. Vamos para outro lugar, onde


podemos sentar e tomar algo.

Por um breve momento pude notar um resquício de honestidade.


Novamente me assusto com a intensidade do trovão e pingos mais grossos
começam a cair do céu.

— Vamos nos apressar antes que comece a cair chuva forte — digo.

— Se quiser posso dirigir. Sei que não gosta de dirigir na chuva.

Ainda não sei até que ponto o Vicente é perigoso. Presumo que caso
tente algo contra mim será mais fácil o deter estando no banco do carona.
Entrego a chave para ele. Espero que o Kostas esteja a caminho, assim que
vir o meu jipe irá me seguir.

O caminho é feito em silêncio absoluto. No meio do caminho somos


surpreendidos pela intensidade da chuva. Aciono o botão do desembaçador e
coloco a ventilação no máximo. O vendaval está fortíssimo.
— Melhor pararmos no acostamento — falo.

— Já passamos pela parada de ônibus. O posto de gasolina não está

muito longe. É mais seguro.

— Diminua um pouco mais a velocidade.

— Elordi contou que marcou um jantar se passando...

— Estou sabendo de tudo, Vicente.

— O que falou para minha mãe?

— Nada sobre a forma que ganha dinheiro. Fui visitá-la, queria ter
certeza se estava bem.

— Sabe que jamais a machucaria.

Prefiro ficar calada por estar tensa demais por conta da chuva e visão
ruim que estamos tendo da estrada. E por estar ao lado de uma pessoa que
julguei conhecer. Espero que seja honesto e responda minhas indagações.

Isso vai ajudar nas investigações, principalmente se estiver sendo capacho de


algum mafioso.

— Sua mãe está infeliz naquele lugar. — Não consigo conter minha
língua.

— Ela está segura, sendo cuidada, está na melhor casa de repouso da


cidade. Minha mãe vai se acostumar e perceber que tudo que faço é para o
seu próprio bem.

— Está muito equivocado, sabe disso. Sua mãe está triste, abatida,

parece sem vida. Como tem coragem de falar toda essa baboseira. Dinheiro
não traz felicidade. Nem todos são movidos a dinheiro como você! Para o
carro!

— Fácil falar quando se nasce no berço de ouro, não é? Sabe de uma

coisa? Apesar de amar você, não posso deixar de falar que esse seu discurso é
papo furado. Queria ver se tivesse nascido sem ser uma privilegiada!

Puxo a respiração tentando manter a calma sem sucesso.

— Para o carro agora! Kostas deve estar perto. Irá fazer o retorno assim
que vir o meu carro.

— Vou parar no posto de gasolina. Desculpa, não quis me alterar.

Entro em pânico quando o carro da pista contrária vem com luz alta.

Vicente perde o controle e o carro patina no asfalto molhado. Grito assustada,


e ele mantém as mãos firmes no volante. Bato a lateral da cabeça com força
na janela. Ele freia tentando conter o veículo o jogando para o lado direito.
Percebo que algo atingiu a lataria do carro devido ao impacto.

Finalmente recupera o controle.

Passo os dedos na cabeça a sentindo latejar fortemente. Olho para


frente e vejo alguns cones e placas de avisos formando barricadas caídos na
pista na nossa frente. No caminho para a casa de repouso vi as barricadas de
avisos sobre uma nova pavimentação que estão fazendo para entrada que até

então boa parte ainda está no cascalho.

—Você está bem, Arizona? Ei, fala comigo. — Segura meu rosto.

— Batemos em algo. Sentiu o impacto também?

—Deve ter sido nos cones e nas placas. Culpa do filho da puta que veio
de luz alta. — Liga o pisca alerta do carro.

— Será que foi somente nisso? E se atingimos algum animal?

Faço menção de tirar o cinto de segurança, mas me impede.

—Deixa que eu saio para ver. Está escuro, a chuva está muito forte.

Vicente sai do carro e vai para a área onde estavam os cones altos e
grossos, e placas sinalizando a barricada e obras da pavimentação. Ele fica
alguns instantes olhando fixamente para o chão. Assustada resolvo sair de

dentro do jipe. Ele finalmente vira de frente e vem para a porta do carona
antes que eu possa sair.

— O que foi? — indago assim que clico no botão para o vidro abaixar.

— Atingimos um cachorro.

— Não podemos o deixar assim. Tem certeza de que ele não está
respirando?
—Absoluta! Está perigoso demais para continuarmos parados aqui na
beira da estrada.

Concordo por ainda estar assustada com o acidente.

— Está tremendo — profiro olhando para as suas mãos.

— Frio.

Fico aliviada quando finalmente chegamos ao posto de gasolina.


Vicente me entrega a chave do carro e fala:

— Preciso ir ao banheiro. Te encontro na conveniência.

Sai apressado em direção ao banheiro que fica num complexo separado


da conveniência, que inclusive está com bastante fregueses. Só então me dou
conta da quantidade de carros que estão estacionados. Algumas pessoas
inclusive estão dentro dos veículos. Provavelmente esperando a tempestade
passar para voltarem para a estrada.

Entro na conveniência, compro uma água e tomo enquanto aguardo


ansiosamente o Kostas chegar. Ele verá o carro estacionado e saberá que
estou aqui. Algumas das pessoas que estavam dentro dos carros estacionados
aproveitam a trégua que a chuva deu e seguem viagem.

Sorrio quando vejo o Kostas saindo da Ranger. Saio de dentro da


conveniência e meu coração começa a funcionar mais rápido quando vejo o
moreno tatuado saindo do carro blindado com seu olhar de águia, observando
o lugar.

Perco o ar quando me olha. E apesar de enxergar muito amor, vejo que

está bravo. Muito bravo.

— Quem te machucou? — indaga cético fitando o ponto específico da


minha testa.

Aposto que deve estar vermelho devido a batida brusca.

— Sofri um pequeno acidente. Ou melhor, sofremos.

— Com quem estava, Arizona? — pergunta meu namorado sério, sem


demonstrar qualquer emoção.

— Não é só o garoto de ouro que está putasso não, Arizona. Estou


muito puto por não ter me esperado, por ter sido imprudente. Vicente está
aqui?

— Sim. Está no banheiro — respondo olhando para o Elordi.

Impossível não ter notado decepção no seu olhar. Kostas segue em


direção ao banheiro.

Elordi e eu ficamos numa batalha interna, nos encarando.


Desvio o olhar do meu namorado quando percebo que Kostas sai do
banheiro masculino sem o Vicente. Começo a olhar para os lados para ter
certeza se não tinha saído e mantido distância com a chegada do Elordi e
Kostas.

— Ele não está no banheiro — afirma Kostas.

Faz sinal para outro membro da equipe ir em direção a conveniência.


— Não está lá dentro! Vicente deve ter pegado uma carona com
alguém — digo me sentindo uma completa idiota.

— Vamos confirmar. Mandei uma mensagem para o Luri averiguar as


imagens das câmeras de segurança — profere o meu namorado no seu modo
sério.

Após a confirmação do membro, de que Vicente não está dentro da

conveniência, meu namorado abre a porta do carro para mim e entro sabendo
que fui uma grande imbecil. Elordi assume o banco do motorista. Observo
suas mãos grandes comandarem o volante, seus olhos escuros atentos na
estrada, a feição séria.

Sei que fui estúpida em querer dar uma chance para o Vicente ser
sincero comigo. Para ser honesta, queria muito que ele mostrasse
arrependimento pelas suas mentiras, que assumisse seus erros e contasse a
verdade. Assim eu poderia salvá-lo das mãos do mafioso para qual está

trabalhando.

Mas sabe quando você ama muito uma pessoa e mesmo depois da
mesma a decepcionar, magoar profundamente... não consegue simplesmente
virar as costas e seguir em frente, pois o bem que fez no passado não foi
apagado? É desta forma que estou me sentindo com o Vicente.

— Eu sei que está bravo. E com razão. Na verdade, agora estou me


sentindo muito idiota por ter tido um fio de esperança quando Vicente
prometeu que responderia minhas perguntas.

— Estou muito puto, Arizona — fala sem alterar o tom de voz. — Não
quero ser um escroto com a mulher que amo. Então preciso de um tempo,
pelo menos até chegarmos no seu apartamento.

Suspiro sentindo a dor de cabeça aumentar.

Assim que entro no apartamento jogo minha bolsa no sofá.

— Ok. Agora vamos conversar.

— Vai tomar um banho quente. Irei fazer um chá para você.

Não direciona o olhar para mim. Tira a camisa do uniforme, sua


carteira e coldre os colocando em cima da banqueta. Somos um casal, adultos
e geniosos. A última coisa que devo fazer é rebater exigindo uma conversa
que teremos dentro de poucos minutos.

Após o banho verifico a parte dolorida que bati na janela do carro. Está
bem vermelho. Possivelmente ficará um hematoma, mas dentre alguns dias
irá sumir. Trajo um conjuntinho de dormir e sigo para sala enxugando o meu

cabelo.

Inalo o cheirinho maravilhoso de camomila com especiarias. Tem uma


xícara e colocado ao lado dela uma cartela de dipirona. Elordi está bebendo
água olhando para qualquer ponto do apartamento menos para mim. Tiro uma
pílula da cartela, tomo acompanhado de um pouco de água, que servi no

copo. Em seguida pego na alça da xícara, indo me sentar no sofá. Encolho as


pernas, sorvo um pouco do chá, que é uma delícia.

O moreno senta-se na mesinha de centro, ocupando o espaço entre nós


com suas pernas.

— Estou bravo por saber que estava com ele depois de tudo que
conversamos na casa da floresta. Se colocou em risco. Pegou a porra de uma
estrada sozinha, não chamou o Kostas, sequer me mandou uma mensagem.

— Não foi assim, Elordi. Eu não sabia que o Vicente iria aparecer lá.

— Acredito em você. Mas o pior foi ter acreditado na conversa de que


ele iria ser honesto. Caralho, Arizona! Ele teve todas as oportunidades
possíveis para ser verdadeiro, para pedir ajuda. Eu ofereci ajuda... por você.

— Eu fui à casa da dona Hermínia. Se tem alguém que deve saber


quem é Argus, é ela. Fui surpreendida ao chegar lá e saber por uma vizinha,
que havia semanas que não estava mais residindo na casa. Vicente a internou
contra a vontade dela. Ele tem a curatela. Acho improvável dona Hermínia ter
assinado consciente do que se tratava. A deficiência a abalou muito, mas não

a deixou incapaz.

Encaro seus olhos que estão atentos em mim.

— Dona Hermínia emagreceu, está abatida, depressiva. Eu poderia ter


ajudado ela muito antes. Acabei deixando-a de lado conforme fui me

distanciando do Vicente.

— Pequena, você não tem culpa.

— Quero tirá-la daquele lugar — murmuro. — Perguntei a ela se


conhecia o Argus. Ela ficou em choque, começou a chorar mais e não
conseguiu dizer mais nada. Infelizmente, Vicente chegou no momento e
resolvi sair para evitar uma cena. Principalmente na frente da dona Hermínia.

— Luri vai conseguir descobrir quem é Argus. Falamos sobre isso.


Escuta, entendo seu carinho e respeito pela dona Hermínia. E sinto em dizer

que não vamos ter como salvar o filho dela, uma vez que temos certeza de
que está trabalhando para um mafioso.

— Acabei dando uma última oportunidade para o Vicente justamente


por querer salvá-lo — confesso o fazendo puxar a respiração pesadamente.
— Sinto muito. Sei que agi como uma tola, mas só de pensar que dona
Hermínia vai ficar devastada quando vier à tona tudo que seu amado filho
fez... nem posso imaginar o quanto ela vai sofrer...

— Assim como você está sofrendo. A conheço o suficiente para saber

que está se mantendo forte, que dentro de você existe uma pequena esperança
de que ele possa sair desse caminho.

— Desculpa, eu...

—Falei isso ontem para você — lembra. — Se o Vicente for até o fim
com esse mafioso, ficará na nossa mira. Isso não posso mudar, nem você. O
único que pode impedir é o líder. E sabemos que o tio Edu não vai perdoá-lo.

Descruzo os joelhos, coloco a xícara no chão e sento-me na beirada do


sofá.

— Sei que não tenho mais como o ajudar — sussurro.

Fecho os olhos, segurando as lágrimas quando o Elordi beija a parte


que machuquei no acidente.

— Pede algo para a gente jantar. E liga para o seus pais. —Meu
namorado sorri com a careta que faço. — Vou tomar um banho. Depois quero
saber em detalhes como foi esse acidente que sofreram.

Beija rapidamente meus lábios antes de se levantar.


Hoje foi meu primeiro dia oficial como delgado na delegacia de

homicídios. O delegado Stefano organizou um café da manhã um pouco


exagerado — para o meu gosto. Queria que tivesse sido apenas uma
apresentação formal e rápida, assim voltaríamos o quanto antes para o
trabalho.

Nem saí para almoçar. O Delegado-Geral Fabrício Cavalo um senhor


de cinquenta e quatro anos, veio pessoalmente me cumprimentar. Em seguida
fez um breve resumo dos casos que mais estamos sendo cobrados pela mídia.
Tem muita coisa acumulada. E obviamente, num dia só não teria como
organizar tudo.

Porém, consegui abrir dois inquéritos. Expedi duas portarias, com


ordens detalhadas à escrivã Raquel — filha do doutor Stefano —, e aos
investigadores sendo claro sobre os locais que devem ir, referente a cada

caso, verificar se houve testemunhas, enfim.

O restante do dia passei verificando alguns relatórios de casos que


estavam parados na delegacia. Foi cansativo. No entanto, para um primeiro
dia, pude tirar algumas conclusões que inevitavelmente afetam a população.

Não sou ingênuo em pensar que posso mudar o sistema. Mas sei que
posso fazer a diferença, mesmo que seja mínima.
Estava planejando ter um jantar romântico e agradável com a minha
namorada depois de um longo dia de trabalho. Não trocamos muitas

mensagens. Entretanto, a última coisa que gostaria de saber era que tinha ido
sozinha para um local isolado e que, principalmente, estava na companhia do
Vicente.

Vicente é um perigo. Não sabemos como vai agir, até que ponto pode

ir.

Apesar da minha namorada estar tentando se fazer de forte, de fingir


que não está sofrendo com a escolha do seu ex-melhor amigo... sei que seu
coração está quebrado.

Arizona não é o tipo de pessoa que esquece da noite para o dia o que
fizeram por ela. Sua bondade é uma virtude que poucos tem. Porém, aponto
como seu ponto fraco. Se Vicente realmente estiver envolvido com o
mafioso, caso fiquem frente a frente, no fundo sei que minha namorada não

irá o machucar como faria com qualquer outro bandido que somos
designados a acabar.

Ela acredita que sim. Mas sabemos que não faria isso com uma pessoa
que detém sua gratidão, apesar das mentiras, da forma como a magoou e
enganou.

Não posso impor que mude. Definitivamente não o tipo de homem que
age no intuito de machucar emocionalmente a mulher que ama, a fazendo se
sentir culpada quando não tem culpa de nada.

A única coisa que posso fazer é continuar do seu lado, ser seu porto
seguro quando precisar.

— Não aconteceu mais nada? — indago e sorvo um pouco do vinho.

Enquanto jantamos Arizona narra o acidente que tiveram. Graças a


Deus não foi grave.

— Isso é tudo — murmura.

Meu celular vibra em cima da mesa. Desbloqueio clicando na


mensagem do Luri. Os vídeos das câmeras de segurança do posto de gasolina
flagraram o momento que Vicente sai do banheiro masculino parecendo um
pouco desnorteado, tenso demais e se aproxima do condutor do Gol. A
conversa dura segundos, em seguida entra no banco do passageiro e saem em
direção a estrada.

Entrego o celular para a minha namorada.

— Foi um pouco antes de chegarem.

— Parece que o acidente o abalou. Ou estava receoso por saber que


logo chagaríamos para te buscar.

— Acredito que sim.


Coloca o celular na mesa.

— Vem aqui.

A chamo para se sentar no meu colo. Afasto seu cabelo dos ombros e
beijo pertinho da sua orelha.

— Vamos esquecer isso, morena. Vou cuidar de você.

Sorri acariciando minha nuca.

— Antes de você cuidar de mim quero saber como foi seu primeiro dia
de trabalho, delegado. — Beija o canto da minha boca.

— Fui recebido por um café da manhã um pouco exagerado.

— Sei como você é — fala humorada.

— Pois é. Fiquei um pouco deslocado, enfim. A ideia foi do doutor


Stefano, perdemos um bom tempo da manhã nesse café de apresentação. Mas
claro, não iria ser mal-educado com a equipe.

— Então... aposto que a filha do doutor Stefano também deve ter ficado
a frente nas felicitações, na organização do café da manhã.

Me olha profundamente. Tenho vontade de rir por achar seu ciúme


fofo.

— Ela é escrivã.

— Então ficará sempre perto de você.


— Somente quando o trabalho exigir sua presença.

— Entendo — profere segurando o meu rosto. — Espero que ela saiba

que é um homem comprometido.

— Todos sabem.

— Vou aparecer lá às vezes.

— Irei adorar receber minha mulher no meu trabalho. —Beijo sua


boquinha carnuda. — Limpo tudo aqui. Me espera na cama com óleo de
massagem.

— Agora mesmo!

Pula do meu colo indo em direção ao quarto.

Desperto esticando os braços ainda de olhos fechados. Elordi acordou


por volta das cinco e meia da madrugada. Iniciou o dia fazendo exercícios e
preparei o café da manhã para quando terminasse, fizesse a primeira refeição
do dia antes de ir para o trabalho.

Após um beijo super quente voltei para a cama. O moreno disse que
não era necessário eu preparar o café da manhã. Mas do mesmo jeito que

gosta de cuidar de mim, adoro cuidar dele. Somos parceiros em tudo, então

não posso querer sempre receber.

— Eu sei, minha preta linda. Infelizmente hoje estou de plantão.


Apenas quarta-feira terei folga — escuto Kostas falar pelo Facetime com a
atual mulher que está saindo.

Sento-me na banqueta e sirvo café na xícara sem deixar de prestar


atenção na sua conversa.

— Não pode trocar sua folga, neném? — a mulher pergunta.

Seguro a risada diante do apelido. Meu Deus, nunca na vida pensei que
fosse escutar alguém chamar esse barbudo grandão de: neném.

— Infelizmente não posso, meu bombom — amansa seu tom de voz.

— Tente conversar com sua patroa. Você disse que ela é uma ótima

pessoa.

— Quando quer. Não é sempre. — Estreito o olhar para o Kostas. —


Às vezes é pior de que dez crianças chorando ao mesmo tempo. — Se faz de
coitadinho.

Cínico. Reviro os olhos e começo a comer torrada com requeijão.

— Tudo bem. Adoraria que fosse jantar comigo e meus amigos. Mas
entendo. Te adoro, neném.
Diante de mim, presencio o Kostas sorrindo e dizendo para a namorada
desligar, enquanto ela rebate pedindo que ele faça. Foram longos minutos.

Dolorosos por sinal. Estava para pegar o celular da sua mão e encerrar a
ligação, já que ambos se recusavam a tomar iniciativa.

Assim que encerra a chamada de vídeo, suspira.

— Tinha esquecido como é meloso quando está apaixonado.

— Esse é nosso segredo sujo, ursinha. Tenho uma reputação.

— Grande reputação ser um mulherengo.

— Sou um puto de respeito. Respeito todas, faço sexo sem frescura,


não fico prometendo o que não vou cumprir e muito menos saio com várias
ao mesmo tempo. Um puto como eu não se encontra com facilidade.

— Se está dizendo. — Dou de ombros.

— Qual a programação de hoje? Espero que não seja a mesma de

ontem.

Sabia que não ia esquecer.

— Desculpa, Kostas — peço com toda sinceridade o encarando.

— Está pensando que vou perdoar você por estar me olhando com essa
carinha fofa e seus grandes olhos azuis, se fazendo de inocente? — questiona.
— Perdoada! Porra, sou muito fácil.
Sorrio o assistindo servir café para ele.

— Não tenho aula pela manhã. Então troquei meu turno no sistema do

hospital. Depois do almoço irei à universidade para dois turnos de aula, e


acredito que depois irei passar na galeria.

— Beleza.

Fiquei feliz por saber que meu pai está realizando uma extensa cirurgia,
assim evito seu sermão. O doutor Alex não se contentou em ter repreendido
minha ida a casa de repouso sem equipe de segurança e, principalmente, ter
aceitado conversar com o Vicente sem ninguém por perto, por quase uma

hora ontem, durante a ligação. Foi preciso minha mãe tirar o celular da sua
mão para poder conversar comigo.

— Por favor, não fale sobre o erro que cometi ontem.

Nay puxa a cadeira ao meu lado. Estou no laboratório fazendo o meu


trabalho. Bom, estava até a minha melhor amiga entrar com seu semblante
sisudo. Ou seja, sabe o que aconteceu ontem.
— A intenção é jogar na sua cara fofa mesmo.

— Sério, Nay.

— Estou brava por ter se colocado em risco, poxa.

— Eu sei me defender. Esqueceu o que fazemos?

Me refiro a Organização Secreta. Nay suspira.

— Sabe que poderia ter tido alguma emboscada. Arizona, não temos
ideia até onde o Vicente pode ir. Miguel me contou tudo.

— Ontem não pensei muito, Nay. Só agi pela emoção.

— Entendo.

Nay mordisca o canto do lábio.

— Fale o que está segurando.

— Algo que passou pela minha cabeça.

— Estou escutando.

— Por que não se afasta por um tempinho da colmeia? Digo, das


missões que possivelmente envolverão o Vicente.

A fito pasma com sua sugestão.

— Sério que me falou isso? Logo você. Devo lembrar que você
escondeu de todos seus planos durante as missões da Organização?
— Estava sendo movida pela vingança, Arizona. Eu me machuquei.
Muito. Só não quero que aconteça o mesmo com você.

— São situações diferentes — acrescento.

Nayara prefere não sobrepor. Abre os braços me chamando para um


abraço. Aceito prontamente.

Após a aula de fotoquímica sigo para a biblioteca na companhia de uma


colega de turma. Sento-me na cadeira colocando meu fichário, notebook e
bolsa na mesa. Abro o arquivo e leio antes de retomar a escrita do meu TCC.

Por volta das quatro horas da tarde saio da biblioteca. Meu celular vibra

e acredito que seja o Kostas me ligando. Me surpreendo ao ver um número


privado na tela. Atendo:

— Alô?

Paro no corredor ao escutar fungados e respiração em sorvos.

— Arizona...me perdoa.

Reconheço a voz do Vicente.


— Você fugiu ontem do posto de gasolina. Eu realmente ia escutar o
que tinha para me dizer, queria apenas a verdade.

— Eu sou um merda. Mas não podia, eu... acabaria de vez com a minha
carreira, minha mãe só me tem. Sou sua única família. Tive medo. Estou com
medo.

— Do que você está falando? — indago tensa.

— Me perdoa. Por favor, mas não posso me entregar. Foi um


acidente...desculpa. Eu te amo.

— Que porra está dizendo? Explica!

Continuo andando para fora do prédio da universidade. Paro ao ver


duas viaturas de polícia paradas em frente e seis oficiais civis rondando o
local. Olho em direção ao estacionamento e vejo outros policiais analisando o
Jipe, tirando fotos. Muitos alunos e funcionários estão com a atenção na ação
deles. Kostas conversa com um deles parecendo alterado.

— O que você fez, Vicente?

Escuto seu choro abafado acompanhando por vários pedidos de perdão.

— Me perdoa, sinto muito. Eu não vi... juro que não vi.

— Responde!

Vicente desliga o celular sem me responder.


Caminho para o estacionamento.

— O que está acontecendo? — pergunto.

— A senhorita é dona do veículo?

— Sim, eu sou. O que houve?

— Precisa nos acompanhar até a delegacia. É suspeita de atropelar e

matar Alice Alves da Silva.

Kostas me segurou quando meu corpo pareceu pesado demais para me


manter em pé. O oxigênio parece não chegar nos meus pulmões, minhas
mãos começam a suar, meu coração bate loucamente contra o peito.

Sinto o gosto das lágrimas umedecerem meus lábios. Não pode ser, não
pode ser.

— Já liguei para o seu tio Enzo, Arizona. Fique calma.

— Alicinha...? — questiono o fitando, que meneia a cabeça

confirmando.

— Precisamos ir à delegacia. Temos a ordem para apreender seu


veículo e levar para perícia. — Apresenta o documento oficial. — Pode
acompanhar o policial Edson.

— Eu vou com ela dentro do carro.

— É advogado dela?
— Praticamente o irmão mais velho dela. E você sabe que não eu não
sou o advogado dela, pois me ouviu falar com o próprio pelo celular —

responde Kostas com sua voz fria.

Ele me ajuda a entrar dentro do carro da polícia.

— Arizona, tudo será esclarecido.

— Alicinha está morta? Tem certeza de que é ela.

— Tenho sim. Luri confirmou. Ele está tentando resgatar as filmagens


das câmeras de segurança da estrada. Tudo será esclarecido — sussurra.

—C-Como aconteceu? Eu não vi ninguém na estrada, eu...

— Saberemos em breve. De fato, ela morreu vítima de atropelamento.


Pode ter sido antes de você passar pelo trajeto. Estava caindo o céu sobre
nossas cabeças de tão forte que foi a chuva, ninguém deve ter visto até hoje
mais cedo.

Coloco a mão sobre o peito me sentindo péssima. Agora a ligação do


Vicente faz todo sentido. Seu desespero, o medo presente na sua voz e
respiração.

Volta à minha cabeça a cena do acidente que tivemos ontem. A maneira


como ele ficou parado olhando para a barricada, sua feição de pavor quando
não me deixou sair do carro para ver o cachorro que havia atingido com o
Jipe. Por isso ele fugiu na primeira oportunidade que teve no posto de
gasolina.

Vicente agiu a sangue frio.

Eu poderia ter salvado a Alicinha se tivesse saído do carro, teria ligado


para a emergência, teria prestado os primeiros-socorros.

Algo dentro de mim quebrou para sempre.

— Mas que caralho! — xinga Kostas quando vê uma pequena


quantidade de pessoas em frente da delegacia. — Luri falou que o caso foi
noticiado pelo jornal local — diz ao desbloquear o celular.

Saio do carro da polícia morrendo de vergonha e culpa. Kostas e outros


dois seguranças que vieram no carro atrás da viatura, me escoltam. Escuto as
pessoas me xingarem, exigirem justiça pelo o dano que causei.

— A avó dela está no hospital! Você tirou tudo que ela tinha, maldita!
— ouço uma mulher usando vestindo longo falar com os olhos cheios de

raiva direcionados para mim.

Não consigo dizer nada.

— Vamos colher o depoimento.

— Estamos esperando o advogado — profere Kostas.

— Iremos colher o depoimento...

— Onde está o delegado titular?


Só então me dou conta de que estamos na delegacia que o Elordi
trabalha.

— Em reunião com o Delegado-Geral. Isso pode levar mais algumas


horas e não devemos perder tempo.

Kostas ia rebater, mas o tio Enzo chegou segurando uma pasta de couro
sintético.

— Doutor Enzo Lacerda — cumprimenta o delegado.

— Arizona, está gelada.

— Não estou me sentindo bem, tio. Eu...

Nem tenho mais forças e sou amparada pelo meu tio. Tudo está
girando, estou suando frio, por fim tudo ficou escuro.
“Em nome da sua estabilidade emocional, e da sua saúde mental, você
vai precisar entender que desistir, recuar, se retirar de algumas relações e
pessoas não significa fracasso, às vezes é sobre ser leal a você, ao que você

sente”

Iandê Albuquerque
Foi um acidente.

Não pensei direito quando o vi o corpo ensanguentado da mulher sendo

lavado pela chuva. Foi a porra de um acidente. E por estar dirigindo, eu que
responderia pelo crime. Isso acabaria com a minha carreira, com todos os
meus anos de estudo e dedicação. Não posso ter antecedentes criminais.

— Para quem você ligou? — indaga Klaus tirando o celular

abruptamente da minha mão.

Arizona nunca vai me perdoar.

Estou uma pilha de nervos, não consegui dormir, muito menos comer.
Precisei ligar ao menos para pedir perdão pelo que fiz a uma inocente. Agi
como um verdadeiro covarde. Tive medo, receio, pois sabia que não teria
nenhuma chance, que acabaria com qualquer oportunidade de investidura no
cargo público.

Ontem ao chegar no flat afoito tive a grata surpresa de ver o Klaus me

aguardando. Nem consegui explicar direito o que havia acontecido. Tomou a


medida de me tirar do flat e me trazer para um dos seus esconderijos. Vim o
caminho todo vendado. Deixei um bilhete para o Ramiro avisando que não
voltaria e encerrando nosso compromisso.

— Arizona — respondo fitando seus olhos gélidos.

Joga o celular dentro de um jarro com água. Meu celular particular e


outros aparelhos eletrônicos tiveram o mesmo destino.

— Não seja estúpido, porra! Acha que ela vai ser presa? —indaga

debochado.

— Claro que não. — Fungo passando as mãos no cabelo. —Ela nunca


vai me perdoar. Matei uma pessoa, não prestei socorro... sabendo que ela
poderia prestar os primeiros-socorros. Foi um acidente.

— Você sim ficaria na prisão, caro. Mas estando comigo nada o irá
atingir.

Encaro seus olhos e lembro da proposta que fez. Não deveria estar
preocupado com o fato da Arizona se prejudicar por minha causa, de me
odiar por saber que matei uma pessoa inocente e fiquei calado, que sempre
escondi o amor que sinto pelo Elordi, e que ao mesmo tempo não suporto
nutrir esse sentimento que vem me consumindo. Porém, estou. Eu a amo
também.

Talvez seja o momento de tentar me recuperar desse amor não


correspondido e ficar com o Klaus. De qualquer forma já estou nas suas
mãos.
Saio da sala que organizaram exclusivamente para reuniões, de

consciência limpa. O Delegado-Geral simplesmente pensou que conseguiria


fazer eu titubear diante da pressão das pessoas que estão acima de nós e da
mídia, querendo respostas para alguns casos que ainda estão em investigação.

Comecei a trabalhar oficialmente ontem. Não posso simplesmente

apressar a investigação dos casos de homicídios que mais querem respostas e


algo para dizer à mídia, e acabar atrapalhando as investigações, muito menos
tirar conclusões precipitadas. Pior ainda, arquitetar a solução de forma
manipulada como infelizmente acontece em alguns órgãos públicos.

Franzo o cenho quando vejo Ezequiel no corredor. Profere:

— Arizona está na sala reservada. Foram à universidade atrás dela para


a trazerem aqui e colher o depoimento. O acidente que sofreu ontem com o
Vicente fez uma vítima fatal. Estão tratando ela como suspeita. A vítima foi a

Alice Alves da Silva. Eles estão com apenas uma parte das filmagens da
câmera de segurança do posto de gasolina.

Puta merda! Não posso acreditar.

— Aquele filho da puta!

Deduzo que por ser o covarde que conheço, Vicente não teve coragem
de socorrer a vítima. Arizona mais uma vez está envolvida na bagunça que
ele fez.

— Quem está com Arizona?

— Enzo. Anthony e Miguel estão em audiência.

— Tem certeza de que é a Alicinha? — pergunto lamentando pelo o


infeliz acidente.

— Sim. — Entramos no elevador. — O corpo foi encontrado por um


ciclista que logo acionou a polícia. A avó da Alice a reconheceu, inclusive
mora num sitio pelas redondezas.

— Por que o Kostas não me avisou, caralho?

— Obviamente porque sabemos que não pode atuar no inquérito.

Saímos do elevador.

— Basta a Arizona dizer a verdade. Ela não estava dirigindo.

— Arizona não disse nada até o momento. Seu tio pediu um tempo a

mais para o delegado Rezende.

Ando em direção a sala onde sei que deixaram a Arizona. Paro no meio
do caminho quando Raquel entra na minha frente.

— O delegado Rezende sabe que é namorado da suspeita, então até o


depoimento pediu para não terem contato.

— Rezende sabe muito bem que não vou ficar à frente da investigação.
Estou indo ficar com a minha mulher. Volte ao trabalho — expresso a

fazendo sair da minha frente.

Adentro a sala pequena que contém um sofá e televisão que está


desligada. Minha namorada está sentada no sofá com os braços apoiados nas
pernas e mãos cobrindo o rosto. Kostas que está em pé, perto da pequena
janela sai para nos dar privacidade.

—Amor — murmuro me aproximando.

Arizona ergue a cabeça e me corta o coração ver seu estado. Seus olhos
estão opacos, tão tristes. Se levanta e acolho seu corpo trêmulo dentro dos
meus braços. Seu choro é sofrido, angustiante.

Sei que ela está se culpando.

— Juro que não vi ela. — Soluça me olhando. Toco seu rosto com os
dedos. — Eu deveria ter saído do carro, mas acreditei no que ele havia me
dito. Sou responsável por esse acidente tanto quanto o Vicente.

— Não é! Ele estava conduzindo o veículo, foi um acidente. Mas ele


negou socorro à vítima, mentiu para você.

— Mas eu estava lá, Elordi. E-Eu...tenho culpa sim. Não deveria ter
deixado ele dirigir, não deveria ter ido até a casa de repousou, não deveria ter
acredito nele. — Funga, respirando em haustos. — Agora a avó da Alicinha
está sozinha, destruí elas.
— Escuta, amor, preciso que tente ficar calma. Eu também estou triste
pela morte da Alicinha. Foi um infeliz acidente. Tudo será esclarecido pela

perícia. Arizona, você não tem culpa. O único culpado saiu do local do
acidente sem prestar socorro, não mostrou um pingo de humanidade para
socorrer a Alicinha — profiro segurando seu rosto entre minhas mãos. As
lágrimas continuam molhando seu rosto. — Inspire e expire. Isso, pequena.

Seus lábios tremem por conta do choro que está tentando conter. Minha
garota está aniquilada. E sinto não poder fazer muito, por não ter o poder de
consertar seu coração, de tirar a dor que está sentindo.

Sento-me do seu lado no sofá, com a mão entrelaçada à sua. Está


suando frio. Sua pressão sem dúvida está baixa.

— O delegado Rezende precisa do seu depoimento, pois é


extremamente importante. Não tem o que esconder. Narre a verdade até o
momento que cheguei no posto de gasolina para buscar você.

Meneia a cabeça concordando. Beijo sua testa.

Os pais da Arizona entram na sala. Tio Alex está nervoso. Todavia,


quando vê o estado da sua filha abaixa a guarda. Me levanto para abrir espaço
para ele. Tia Eleonor me cumprimenta sem conseguir sorrir e vai para perto
da filha.

— Eu venho chamar você — aviso encarando os olhos tristes da minha


mulher.

— Ficaremos aqui com a nossa filha — diz tia Eleonor.

Esqueço da educação quando adentro o gabinete do delegado Rezende.

— Creio que tem ausência de subsídios indicativos de que a minha


mulher tenha realmente algo a ver com o evento criminoso em apuração —

digo encarando o Rezende.

— Tem sim, Elordi. O delegado Rezende está ciente disso.

— E por que caralhos foram buscar minha mulher na universidade


como se ela fosse a autora? — indago fervendo de raiva. — Sabe que agiu
errado. — Aponto para o Rezende.

— Estamos com uma parte das filmagens do posto de gasolina.


Identificamos a placa e o carro já está na perícia. Irão começar assim que
saírem do local que ocorreu o atropelamento.

Vira a tela do computador em minha direção. Assisto o momento que


chegam no pátio do posto de combustível. Segundos depois Arizona sai do
carro e segue em direção a conveniência. As filmagens não capturaram o
Vicente saindo do carro, muito menos indo ao banheiro.

— Ela saiu pela porta dianteira lado direito. — Gesticulo com a mão,
indignado pelo rumo que apurou os fatos. — Pela porta do carona!

— Elordi. —Tio Enzo chama a minha intenção.


— E cadê o restante das filmagens? — questiono.

— Por conta da chuva, parece que ocorreu um erro no HD do aparelho

da câmera. Por enquanto temos somente esses poucos minutos de gravação.

— Esclareci para o delegado Rezende que quem estava conduzindo o


veículo era Vicente Ferraz Almeida. E que foram precipitados com a
investigação.

— Ele tem que responder por homicídio culposo — falo.

— Vamos esperar os resultados da perícia e ver se conseguimos


recuperar as imagens das câmeras do medidor de velocidade que tem naquela
estrada, e se tem em mais algum quilômetro.

Que grande bosta de delegado Rezende é.

— Agora pretende apurar com mais precisão? Era para ter agido assim
desde o começo — rosno e o assisto afrouxar a gravata.

Tio Enzo se ergue e fica na minha frente.

— Você é o delegado titular, mas não pode assumir o caso por motivos
óbvios. E sinceramente, acha que vale a pena responder um processo
administrativo interno por conta desse... palerma? — sua voz grossa sai num
murmúrio. Uso o meu autocontrole para não piorar a situação. — Traga a
Arizona. Após o depoimento ela será liberada. Luri está capturando as
imagens das câmeras de segurança da estrada e tentando limpar, pois estão
embaçadas devido à chuva.

Obedeço ao meu tio.

Rezende não gostou nada de eu ter acompanhado o depoimento da


Arizona. Minha namorada narrou tudo em perfeita dicção, apesar de as
lágrimas continuarem descendo pelo seu rosto e sua voz embargar em alguns
momentos. Tive que segurar a vontade de me intrometer, mas não dei esse
gostinho para o delegado Rezende.

Assim que o depoimento chega ao fim, Arizona é liberada. A


acompanho até o estacionamento que fica nos fundos do prédio. Tem alguns

conhecidos da Alicinha e de sua avó em frente à delegacia. Não fizeram


tumulto, estão apenas querendo que a justiça seja feita.

—Tem certeza de que não quer ir para casa com a gente, meu bem?
Cuidamos de você — indaga tia Eleonor para a filha, que está inconsolável.

—Quero ficar no meu apartamento — responde.

—Vem aqui, minha filha amada. — Meu sogro a abraça, fazendo


carinho na sua cabeça.

Aproximo-me do Ezequiel e Kostas que estão no outro carro o qual

permiti a entrada para estacionarem aqui dentro.

— Ele estava no flat?

— Não. O membro da equipe disse que ele deixou um bilhete avisando

a saída e término com o Ramiro. E as filmagens das câmeras de segurança


foram apagadas. Só tem gravado até ontem à noite, o momento que ele chega
desesperado e com a roupa ensopada no prédio — responde Kostas.

— Deve estar sob proteção do mafioso — digo pensativo.

— Agora não temos mais tempo. O líder já está sabendo sobre o


Vicente. Alguém de dentro da penitenciária vai ter uma conversinha com o
tal Argus. Temos que agir o quanto antes —pronuncia Ezequiel.

Agora não tem mais volta. Vicente é assunto da Organização Secreta.

— Ezequiel, descubra qual o hospital que a avó da Alicinha está


internada. Quero também que ofereça um funeral digno do jeito que a avó
dela quiser. Preste todo o suporte e qualquer coisa me avise, por favor.

— Agora mesmo!

Dentro do carro o silêncio é excruciante. Arizona apoia a cabeça no


meu ombro, puxo sua mão para junto da minha tentando de alguma forma ser
seu alicerce.
É como se meu corpo estivesse afundando a cada segundo. E não tenho
forças para emergir. Parece que estou presa num pesadelo horrível. Estou me
culpando pela morte da Alicinha, pois sinto que de alguma forma eu poderia
ter evitado, tê-la socorrido.

Ela não merecia morrer assim. Era uma garota linda, boa, inteligente.

Entramos no meu apartamento e descalço os pés. Estou me sentindo


sufocada, culpada, decepcionada, impotente.

— Vou preparar...

— Preciso de um tempo sozinha.

Praticamente corro até o meu ateliê. Começo a tirar alguns quadros que
fiz inspirados na amizade que tinha com o Vicente, os jogando no meio do
cômodo. Tiro-os com tanta violência da parede que não sinto as escoriações
que causam nas palmas das mãos. Vou para o outro lado, puxo o protetor da
obra que havia finalizado e daria de presente de formatura para o Vicente. Era
a última foto que tiramos juntos — antes de tudo vir à tona — na praia do
Leblon.

Encaro a foto com tanta raiva que não cabe dentro de mim. Mesmo

minhas unhas sendo curtas, as uso para destruir o papel. Grito do fundo da
alma estragando o desenho realista, o aniquilando. O jogo perto dos outros.

Desesperada começo a tirar todos os meus cadernos de desenho das


gavetas fazendo uma pilha deles no centro do ateliê. Abro outro

compartimento tirando mais desenhos soltos procurando desesperadamente


os que fiz daquele covarde de merda. Rasgo, enquanto grito, enquanto choro.

Ajoelho-me no meio das obras e cadernos de desenhos. Abro um


arrancando e rasgando os desenhos que fiz do Vicente. As lagrimas começam
a molhar alguns dos papéis.

Continuo freneticamente rasgando, destruindo tudo que tenha a imagem


daquele que acreditei ser meu melhor amigo, daquele que esteve comigo
durante o tratamento do maldito câncer, daquele que acreditei ter sido

apaixonada, daquele que acreditei ser uma pessoa boa, daquele que tinha
minha gratidão e amizade, daquele que me usou, daquele que atropelou uma
pessoa inocente e não teve coragem de pedir ajuda, de socorrer.

Grito sentindo minha garganta arder, chorando, enquanto minhas mãos


e dedos não param de arruinar tudo que tenha a imagem do Vicente.

Nunca vou o perdoar. Eu estou odiando com todas as forças uma


pessoa que um dia amei.

— Amor, chega. Machucou suas mãos.

— Fui tão burra. Eu o odeio. Aquele ambicioso de merda! — grito, sem


parar de destruir os desenhos.

— Nem posso imaginar como está sendo difícil para você, pequena.

Mas não se machuque mais, olha para mim.

Paro sentindo falta de ar, sentindo minhas mãos e dedos arderem,


soluçando.

Elordi senta no chão e me puxa para os seus braços. Tento controlar o


choro, engolir a cólera, decepção, mas não consigo. Explodo num choro
silencioso, que vem do fundo da alma. Minhas mãos seguram com mais força
a camiseta do meu namorado.
Queria muito ter conseguido evitar a dor que minha mulher está
sentindo. Mas não tinha como. Arizona explodiu, chorou, expressou raiva e
decepção. Machucou as palmas de suas mãos com tamanha força e violência
que usou para arrancar as obras, destruindo tudo que tinha a imagem do seu
ex-melhor amigo.

Não pensei que fosse tão longe. Quis a impedir, temendo que se
machucasse mais. No entanto, Kostas segurou meu ombro e entendi que era o
momento de minha namorada liberar toda sua tristeza, cólera.

Acordo cedo, preparo o café da manhã o mais caprichado possível


torcendo para que se alimente. Ontem não comeu nada. Bebeu apenas uma
xícara de chá de camomila, após tomarmos banho juntos. Antes de retornar
ao quarto, recolho tudo que destruiu no seu ateliê. Além de todos os desenhos

que fez do Vicente, depois quando se acalmou esvaziou os porta-retratos que


tinham fotos deles juntos em momentos descontraídos e algumas que estavam
no hospital, na época do seu tratamento.

Eu sou um homem muito ciumento, possessivo. E confesso que as fotos


dos dois juntos sempre me incomodaram. Entretanto, não usaria o fato de
estar comigo, muito menos utilizaria o nosso amor para fazer a minha mulher
se desfazer de tudo que era relacionado ao Vicente. Não subjugaria seus
sentimentos.

Respeito tem que andar de mãos dadas com o amor. Se não torna o
relacionamento perigoso.

Descarto os sacos de lixo reciclável no compartimento embutido no


canto da cozinha. Adentro o quarto indo direto para a cama. Deito de lado
apoiando o cotovelo no colchão e observo a morena. Arizona demorou muito
para dormir. Ficou aconchegada nos meus braços, fiz cafuné na sua cabeça.
Por volta das duas horas da manhã conseguiu pegar no sono.

Toco sua face, as mechas do seu cabelo sedoso e cheiroso, seus braços,

quadril. Subo novamente com os dedos comichando no seu corpo.

— Se me deixar agarrar você como um travesseiro juro que durmo


mais um pouco — sussurra.

— Quero que ao menos saia do jejum.

Abre os olhos exibindo o azul cor do céu que tanto amo. Respiro fundo
ao constatar que a tristeza continua fazendo morada neles, ou melhor, em
todo seu ser. Estão um pouco inchados fazendo par com as olheiras profundas
que ganhou de ontem para hoje.

— Soube da avó da Alicinha?

Seguro sua mão com carinho.

A primeira mensagem que li no celular foi do Ezequiel comunicando

que dona Stela já estava no seu sítio na companhia de uma amiga que é sua
vizinha mais próxima. Falaram que a avó da Alicinha estava no hospital,
porém estava em observação na UPA — unidade de pronto atendimento da
prefeitura do Rio de Janeiro.

Aproveitou para deixar dona Stela informada sobre o andamento do


inquérito. Ezequiel ofereceu todo o suporte. Dona Stela aceitou e implorou
para que o culpado por ter tirado a vida da sua única neta pague pelo que fez.
Infelizmente as leis brasileiras são falhas — em alguns casos — por
conta disso, reflete na aplicação das mesmas. Vicente não é reincidente, e

será réu primário. O que vai facilitar muito sua vida. O pior de tudo é ser
julgado e poder cumprir a pena em regime aberto. Mas o Ministério Público
pode entender que o réu agiu com o dolo eventual. Ou caso seja pronunciado
poderá ser julgado pelo tribunal do júri.

Tenho que ser honesto em dizer que dificilmente Vicente pegará uma
pena digna do dano irreparável que causou a Alicinha e sua avó.

Agora que tio Edu está sabendo do envolvimento do Vicente com


algum peixe grande, que com certeza deve estar na nossa lista, não podemos
simplesmente o encontrar e entregar para as autoridades. Ele sabe sobre a
colmeia. Então ficará sob nossas mãos. A decisão final será do líder.

— Ela está em casa. Ezequiel a acompanhou e a amiga que estava


dando apoio.

— Alicinha e eu tínhamos conversado na segunda. Combinamos que


iria almoçar com ela e sua avó no sítio. Não consigo acreditar que ela morreu
— revela consternada.

— Pedi para o Ezequiel providenciar tudo que dona Stela precisar.

— Ela deve estar me odiando...

Cobre o rosto com a mão, sentida. Deito e puxo para apoiar a cabeça no
meu peitoral.

— Ezequiel contou a verdade para ela. Você não teve culpa.

Beijo sua cabeça e acaricio suas costas.

Arizona está se esforçando para comer. Não estou insistindo por


enxergar que está tentando se alimentar. A campainha toca e levanto-me para
abrir a porta. Miguel mandou uma mensagem dizendo que viria.

—Bom dia! Espero que tenha bastante coisa para comer, pois estou
pronto para o segundo round — diz Miguel, que entra na companhia da
esposa.

Nós nos cumprimentamos. Logo atrás está Anthony e Kostas.

— Viemos prestar nossa solidariedade e passar as últimas informações


— comunica Miguel ao abraçar minha namorada.

— Obrigada por estarem aqui — murmura Arizona, desta vez


abraçando a Nayara em seguida o Anthony e Kostas.

Miguel puxa a cadeira para sua esposa se sentar, logo senta na cadeira
do lado dela. Anthony se apoia no balcão de frente para nós e Kostas está

enchendo seu prato com tudo que tem na mesa, mastigando um pão de queijo

que enfiou na boca.

— Luri limpou as filmagens da câmera de segurança —começa


Anthony. — Tem o momento que passam pelo medidor de velocidade, o
momento do acidente e o exato momento que Vicente sai do carro e caminha

em direção às barricadas. Por conta da distância, mesmo aproximando o


máximo é impossível ver o corpo da Alicinha.

Fito a minha namorada que está encarando seu copo de suco.

— A perícia já constatou como tudo aconteceu? — pergunta.

— O laudo deve sair dentre alguns dias. Porém, um dos peritos é o


senhor Verdelha, conhecido do meu pai. Ele disse que Alicinha deveria estar
andando pelo acostamento, em algum momento deixou um molho de chaves
cair, se abaixou para procurar e, infelizmente, foi justamente quando o carro a

atingiu arrastando seu corpo. Encontraram as chaves próximo ao local que ela
foi atingida, alguns metros adiante encontraram a bolsa. Estudaram a área e
constataram que o sítio da avó da Alicinha fica pelas proximidades. Que cria
a hipótese forte de que ela estava na parada de ônibus, mas devido à
tempestade, achou melhor regressar ao sítio. E no meio do caminho
aconteceu a fatalidade.
Agarro a mão da Arizona assistindo as lágrimas descerem lentamente
pelo seu rosto.

— Com as imagens da câmera de segurança ficou tudo esclarecido.


Claro, seu depoimento também foi muito importante. Os peritos ainda estão
realizando um estudo ampliado para que fique detalhado — conclui Miguel.

— O encontraram? — indaga.

— Não. Fugiu como um rato — responde Miguel. — Nem o celular


dele o Luri localizou. Com certeza deve ter o destruído com medo de ser
rastreado, já que sabe o nosso segredo.

— Ontem ele me ligou pedindo perdão, chorando. Questionei diversas


vezes o que queria dizer com aquilo, mas quando vi os policiais comecei a
entender que deveria ser algo referente a ele. O número era privado sem
dúvida também já deve ter sido descartado.

— Por desencargo de consciência puxei as últimas chamadas do seu

telefone só para ter certeza se o dito cujo não tinha ligado para você de outro
número. Avisei ao Luri para acessar o sistema do celular e tentar puxar a
ligação, mas ele disse que não tinha sinal algum — revela Kostas antes de
colocar mais um pão de queijo na boca.

— Ele pode ser preso a qualquer momento. Se os policiais o


encontrarem. O que duvido muito — profere Anthony nos encarando.
— Sabemos que o tio Edu vai tratá-lo como qualquer outro que está na
lista da Organização — fala Nayara olhando com pesar para a melhor amiga

e sobrinha.

— Quero tirar a dona Hermínia da casa de repouso. Vicente é um


covarde. Não vai aparecer nem para ir visitar a mãe. Sabe que agora está
sendo caçado.

— O processo de suspensão da curatela vai levar um tempo. Podemos


usar a favor o fato de ser um foragido, e claramente que dona Hermínia está
em pleno uso de suas faculdades mentais —articulo.

A morena aperta de leve minha mão agradecendo silenciosamente.

— Hoje à noite terá reunião. Edu pediu para eu avisar —comunica meu
melhor amigo, fazendo carinho na barriga da esposa.

Conhecendo a mulher que tenho sei que vai querer participar do treino,
que funcionará como uma válvula de escape.

Fecho o zíper da bota cano baixo preta e cubro meu rosto com as mãos.
Estou uma bagunça terrível. Desconsiderei ir ao enterro da Alicinha várias
vezes desde que Ezequiel informou o endereço do cemitério. A pedido do
Elordi, contratou uma funerária para organizar tudo.

Dona Stela — avó da Alicinha — optou por não estender o velório. Ela
não tem familiares, apenas bons amigos que estão do lado dela nesse
momento tão difícil.

— Se preferir podemos ir depois.

Escuto meu namorado se aproximar. Descubro meu rosto e o olho me


esforçando para não desmoronar.

— Eu quero ir... apesar de estar com medo de não ser bem-vinda.

— Kostas falou que uma mulher xingou você quando desceram do


carro. Amor, foi um momento de indignação e dor daquela mulher, que é
uma das vizinhas e amigas da dona Stela. Agora eles sabem a verdade.

Suspiro fitando minhas mãos.

— De alguma forma ele vai pagar pelo que causou — afirmo.

Fecho os olhos quando beija meu ombro.


Mantemos distância do grupo de pessoas. Além dos amigos da dona
Stela e Alicinha, tem muitos funcionários do Instituto Eleonor e meus avós.

Aperto com força os lírios orientais que trouxe. Não são tão bonitos como os
da plantação da sua avó.

O pastor da igreja que dona Stela costuma frequentar —informação que


Ezequiel nos passou — narra uma passagem bíblica contida em Salmos 34,

versículo 18. Enquanto a narração do pastor alcança meus ouvidos, na minha


mente vem a última conversa que tive com a Alicinha. Ela não merecia ter
tido sua vida interrompida dessa forma.

É uma sensação de injustiça, impunidade e revolta muito grande. Não


consigo parar de pensar no maldito. Mas não tem como voltar atrás, muito
menos saber o que iria acontecer naquele trágico dia.

Nos aproximamos assim que as pessoas começam a deixar as flores no


jazigo. Vó Selena abraça dona Stela que passou o tempo todo segurando a

mão de suas amigas, incluindo a que me recebeu na delegacia cheia de raiva.


Sem dúvida alguma entendo o ímpeto que estava sentindo, afinal perdeu um
ente querido.

— Obrigada por ter vindo, dona Selena.

— Imagina. Alicinha era muito querida por todos nós do Instituto.


Nada que eu diga irá confortá-la, pois só Deus tem esse poder de fazer isso
com o tempo. Mas quero que saiba que estamos à sua disposição. Deixei meu
número particular com sua amiga, o guarde e me ligue quando precisar de

algo, ou só quando quiser conversar — diz minha avó segurando suas mãos.

— Muito obrigada, dona Selena. O senhor Ezequiel tem sido muito


gentil conosco. Ajudou em tudo.

Se abraçam mais uma vez antes de vó Selena se afastar.

Elordi é o primeiro a prestar solidariedade e pêsames. Estou travada.


Vó Selena coloca a palma da mão aberta no meio da minha coluna, sorri e me
olha com todo amor, compreensão me incentivando a ir a dona Stela.

— Dona Stela, sinto muito. Muito mesmo. Não era para estarmos nos
conhecendo assim — lamento sem conseguir segurar as lágrimas.

— Soubemos da verdade, como tudo aconteceu. Não tem culpa, minha


filha — soluça me fitando. — Não queria que a Alicinha saísse naquele dia.
Havia acordado inquieta, angustiada. Sorrindo para mim, disse que iria

apenas ao cinema com os amigos. Foi um acidente, um infeliz acidente que


tirou meu bem mais precioso. Estou sofrendo, está doendo tanto..., mas sei
que ela está no reino de Deus.

Abraço dona Stela com todo carinho.


Fiquei ao lado da Arizona quando todos foram embora.
Silenciosamente se despediu da Alicinha e colocou os lírios em cima do
jazigo.

Agora estou observando minha mulher treinando muay thai com


Kostas. A cada giro que dá no quadril largo e acerta com um chute forte — o
qual ele defende com o aparador de chute —sentimos que está agitada,
descontando tudo que pode nos golpes.

Confiro a hora no relógio digital que está na parede da área de treino de


artes marciais constatando que Arizona está há quarenta minutos treinando.
Nem parou para se hidratar.

— Acho que podemos fazer uma pausa — profere Kostas ofegante.

— Não — diz Arizona sem parar de disparar golpes certeiros e fortes.

Kostas arregala os olhos para mim pedindo ajuda. Para não deixar
dúvidas move os lábios e leio: por favor.

— Vai ficar esgotada, amor. Após a reunião com certeza terá treino.

— Melhor ainda — fala.

É isso que ela quer. Cansar seu corpo e mente, se punir.


— Vou assumir o lugar do Kostas.

Piso no tatame indo em direção a eles.

— Ou pode treinar com a gente.

— Eu juro que quero minha mãe agora! — exclama Kostas nitidamente


cansado e temendo ficar por mais tempo recebendo golpes, desta vez duplo.

— Arizona, pare um pouco.

Apoia as mãos, que estão envoltas em bandagem, nos joelhos. Os


dorsos dos seus dedos, apesar de estarem protegidos, tenho certeza de que
estão machucados por conta dos impactos violentos.

— Eu só quero esquecer um pouco esses últimos acontecimentos.


Parece que estou entalada, que tem um nó na minha garganta. Estou o
odiando tanto, estou me odiando.

Se ergue descansando as mãos na cintura. Está muito suada, com

nuances pelo seu pescoço e colo.

— Não tem que ficar se punindo. Infelizmente a vida da Alicinha não


ficou em suas mãos, as atitudes egoístas e ambiciosas do Vicente não
estavam nas suas mãos.

Seguro seu rosto molhado de suor olhando no fundo dos seus olhos
azuis.
— Me leva no clube.

Puxo o ar, pois não esperava que fosse pedir logo isso agora.

— Iremos, mas não agora. Morena, você está tão frágil.

— Quero isso. Quero experimentar, conhecer as técnicas do shibari. Eu


quero esquecer esses últimos acontecimentos nem que seja por algumas

horas, Elordi. Por favor, amor — sussurra.

— Quer ir hoje?

— Sim.

— Então guarde um pouco da sua energia, amor.

Fica nas pontas dos pés e alcança meus lábios. A beijo com gana, a
faço gemer quando mordisco seu lábio carnudo. A morena não deixa barato e
devolva na mesma intensidade que tanto adoro.

— Vou tomar um banho e tentar dormir um pouco.

— Vai conseguir dormir agarradinha no seu homem.

Um pequeno sorriso surge nos seus lábios.

Só então nos damos conta que Kostas saiu do tatame há um bom


tempo, deixando apenas o par de aparadores no chão. Coitado.

— Peguei pesado com ele.

— Ele aguenta, pequena — sorrio.


Preferi não ir para casa dos meus pais como disse que faria hoje. Após
o enterro da Alicinha viemos direto para a colmeia. Assim que cheguei,

planejei me esgotar fisicamente. Para o bem da minha sanidade queria ao


menos esquecer, nem que fosse por algumas horas toda a tragédia que nos
pegou de surpresa, tudo que o Vicente fez.

Porém, meu cérebro não para de projetar o momento do acidente, o


rosto apavorado do Vicente, o fato de eu ter acreditado no que disse e ter
continuado dentro do carro. Isso está me martirizando.

Assim que o líder entra na sala de reuniões, acompanhado dos irmãos,


levantamos por respeito.

— Podemos iniciar — diz tio Edu com seu olhar cético. —Estou a par
da situação. O plano era pressionar o Argus dentro da penitenciária para
revelar a verdade. Mas isso chamaria a atenção dos demais, além dele, deve
ter outros envolvidos e que tenham ligação direta com o cabeça de tudo.
Então mudei o plano. Um dos homens que fazem parte do círculo de Argus
revelou que o chefe é Klaus Bianchi. Consegui a transferência dele para outra
penitenciária. Argus deve estar para enlouquecer lá dentro, pois deve ter
percebido que o plano que tinha com o mafioso de pessoas não deu certo.

Também revelou que Argus José Morais é pai do Vicente Ferraz Almeida.

Seguro o braço da cadeira com força.

— Entendo que estavam investigando a vida do Vicente e que


chegaram ao Argus, porém até o momento não tinha certeza se eram parentes,

enfim. Pelo fato do Vicente estar com o Klaus e possivelmente esteja


protegido pelo mesmo, não vamos deixar de mirar na cabeça dele — expressa
o líder olhando diretamente para mim. — Vicente é um deles. Estava usando
a amizade que tinha com você para descobrir este lugar e favorecer um dos
piores traficantes de pessoas que ainda está respirando.

— Estou totalmente ciente — falo.

— Vocês sabem que a maioria das vezes fazemos justiça com as


próprias mãos. Em outros momentos entregamos para a justiça no anonimato.

Entretanto, Vicente sabe demais. E definitivamente Klaus merece uma morte


lenta e dolorosa —profere tio Enzo.

— Minha equipe está firme. Qualquer sinal captado iremos atacar —


comunica Luri.

— Podemos deixar um dos nossos disfarçados na casa de repouso que a


mãe do Vicente está internada. Ele pode tentar ir vê-la, é uma possibilidade
que não podemos descartar. Além disso, devemos mantê-la em segurança. —
Olho para o meu namorado quase me desmanchando em agradecimento.

— Providencie isso, Luri — ordena o líder.

— Temos que acabar com o Klaus antes de ele sair do país. Um


informante disse que ele está querendo fixar seus negócios na Turquia. Está
querendo se enraizar no Oriente Médio. E sabemos o quanto será fodido para

derrubarmos eles lá — articula tio Samuel encarando o líder.

— Qualquer novidade iremos nos comunicando — diz o tio Edu. —


Quero aproveitar que estão quase todos aqui, de qualquer forma, depois irei
fazer o comunicado oficial no auditório para todos os membros, avisando que
Samuel ficará como principal líder no próximo ano. Passarei minhas férias
com a minha esposa e filhos na Jamaica, fazendo ações humanitárias do
Instituto Eleonor. Além disso, tenho outros projetos profissionais que irão
tomar muito do meu tempo. Mas isso não quer dizer que não irei participar

das missões, estarei presente em algumas. No entanto, a liderança ficará com


o meu irmão mais velho.

— Fingimos que sentiremos falta dele?

Miguel murmura para o Anthony sem se importar por todos terem


ouvido, inclusive o líder. Claro que a peste fez de propósito.

— Será meu oponente no treino, peste — avisa fazendo o Miguel bufar.


— Jasmim e Samira irão comandar o treino. Reunião encerrada.

Luri não esconde o sorriso gigantesco ao escutar o nome da esposa.

Fala:

— Nossa... vocês não têm noção como ela está doida por esse treino.
Game over peste e companhia.

Fecha o computador, e sai assobiando.


Tenho certeza de que o Luri deve estar assistindo ao treino e comendo
pipoca. Ele adora quando os nossos superiores nos arrebentam no treino.

Fizemos meia hora de alongamento. Depois fomos para o circuito de


crossfit que contém diversos obstáculos. Mantemos o ritmo ágil que Samira
grita, a plenos pulmões, para mantermos. A mulher se transforma quando está
à frente do treinamento.
Meus olhos estão atentos na Arizona. Tio Alex chegou no início do
treino e sentou-se na arquibancada, do lado da sua irmã caçula. Pelas suas

roupas constato que veio direto do hospital. Sua atenção está na sua
primogênita.

— Samira está sendo má — resmunga Miguel e puxa a garrafa de água


da mão do Anthony, sorvendo o líquido como um desesperado.

— Ela é esposa do Luri. Luri nos atura, atrapalhamos a vida dele


sempre que temos a chance, então. — Anthony dá de ombros.

— Vamos começar os embates. Líder e peste, vocês debutam —


anuncia Samira.

Arizona se aproxima e não contenho a vontade tocar sua pele. Toco


carinhosamente no seu braço sentindo sua pele febril e molhada devido ao
suor.

— Suas mãos estão ardendo? — indago baixinho.

Quando fomos tomar banho tive a certeza de que os dorsos dos seus
dedos estavam machucados, alguns inclusive com pequenos cortes. Ontem já
havia ferido as palmas das suas mãos. Assim como fiz ontem, hoje cuidei
novamente dos seus machucados. Para evitar quaisquer questionamentos
preferiu escondê-los usando outra bandagem.

— Um pouquinho.
— Talvez, seja melhor adiarmos o plano de...

— Quero ir — sussurra.

Não discuto. Se minha mulher decidiu ir ao clube de sexo, então


iremos.

Estamos no meio do nada. E no momento não posso ter celular, nem


tenho como saber da minha mãe. Ficaremos reclusos aqui até o Klaus
conseguir finalizar a logística para levar as novas pessoas que traficou para
fora do país.

Ele está arquitetando um cruzeiro falso, assim não levantará suspeitas e

tem mais chances de efetuar seu plano com sucesso. Sem que a Organização
Secreta o localize e impeça o tráfico.

Irônico que eu passei a participar de algumas ações sociais do Instituto


da família da Arizona onde as vítimas são justamente pessoas que viveram no
tráfico. Sempre admirei o trabalho incrível que faziam, a maneira como
conseguiam ajudar as vítimas, restaurarem suas vidas depois de terem vivido
traumas imensuráveis.
E cá estou... envolvido com um mafioso de pessoas, indo contra tudo
aquilo que sempre abominei. Depois de tudo que me sujeitei para ter coisas

boas na vida, agora pertenço a Klaus Bianchi. Meu destino está nas suas
mãos sujas de sangue, não tem mais volta.

Sou tão podre quanto o Klaus. Nem posso o julgar mais.

Assusto-me quando joga uma pilha de documentos em cima da

mesinha de centro. Passo praticamente o tempo todo dentro do quarto. Na


frente dos homens do Klaus agimos sem levantar qualquer suspeita que os
levem a pensar que estamos num relacionamento, nada de demonstração de
afeto. Quando estamos sozinhos as coisas são diferentes.

— Cópia do inquérito e tudo que a polícia tem de você. Um contato da


polícia entregou para um dos meus homens.

Começo a ler tudo. E claro, tem provas suficientes contra mim. Fico
estático quando vejo a foto do corpo da Alicinha. Ela era uma das voluntárias

do Instituto Eleonor. Nunca nos falamos. Puta merda!

— Pela sua cara a conhecia — conclui servindo uísque no copo.

— De vista. Ela parecia uma boa pessoa.

— Acho que agora deve estar mais tranquilo. Não aconteceu nada com
sua querida Arizona — profere sisudo e ingere um gole do uísque sem tirar
os olhos de mim.
Arizona deve estar se culpando pelo que aconteceu com a Alicinha.

— Em momento algum pensei que iria acontecer.

Largo os documentos e relaxo as costas no sofá de couro, fechando os


olhos.

— Tenho uma surpresa para você no porão.

— Nessa casa tem porão? — questiono ao abrir os olhos.

— Improvisamos para que fique do jeito que eu gosto, para quando for
necessário dar o exemplo para os meus homens.

O pequeno sorriso que enfeita o seu rosto é cruel.

— Seja direto, Klaus.

— Durante a conversa que tivemos no almoço insisti para que falasse


um pouco da sua vida. E quando narrou alguns episódios que passou nas
mãos de Caio, o valentão da sua escola, que o humilhou por tantos anos, não

consegui resistir.

Espantado me levanto do sofá.

— O-O que você fez?

— Vamos ao porão.

O sigo pela mansão. Quando abre a porta do porão não tenho tempo de
tampar o nariz antes de aspirar o cheiro podre.
— Não precisarei de você — fala para o um dos seus homens que veio
nos seguindo. Rapidamente retorna pelo corredor estreito, para e começa a

subir as escadas.

Caminho atrás do Klaus que anda com toda sua elegância para o fundo
do cômodo de iluminação precária. Sinto a sola do eu sapato grudento.
Quando olho para o chão para verificar no que pisei, engulo em seco por ter

quase certeza de que é sangue. Aqui é o local provisório onde Klaus pratica
hecatombe, onde aplica os castigos quando alguém falha com ele.

Para de andar e abre espaço para eu ver a surpresa. Distancio a mão do


nariz sem me importar com o cheiro terrível quando vejo o ruivo
desacordado. Caio Schumacher — o imbecil que fez da minha vida um
inferno no colégio — está diante de mim, com as mãos e pés acorrentados
numa cadeira de ferro presa ao chão. Seu rosto está terrivelmente machucado,
grandes hematomas nas regiões dos olhos, boca inchada, sangue seco nos

cantos dos lábios e está sem roupas.

Nunca na minha vida imaginei que o veria assim... tão fodido,


vulnerável.

— Como o capturou? Devem estar atrás dele. Caio é filho de


diplomatas, é de uma família tradicional de São Paulo — digo sem tirar os
olhos do ruivo.
— Quando minha equipe descobriu seu padeiro fiquei feliz por saber
que esse filho da puta estava na cidade a trabalho. O raptamos durante o

percurso que fazia para o aeroporto.

Segue para o outro lado da sala onde está uma mesa de ferro com
vários tipos de objetos em cima.

— Venha aqui, caro. Quero que veja as centenas de opções.

Me obrigo a ir até onde o Klaus está. Seus olhos praticamente se


iluminam enquanto observa os objetos macabros.

— Infelizmente o catálogo não está completo. — Puxa um pequeno


sorriso de lado. — Escolha um para começar.

— Klaus, por favor... não posso. Foi um erro ter o trazido aqui.

— Estou realizando seu sonho, Vicente. Aposto que toda vez que ele te
machucava, humilhava... sonhava devolvendo tudo que ele lhe causou.

Comigo pode ser sempre você mesmo. Agora pode fazer tudo isso.

— Não assim. Queria alcançar o topo na minha carreira no judiciário,


ser requisitado, mostrar para ele e todos os outro que venci na vida. Que a
bichinha medrosa estava acima deles. Mas não posso o matar.

— Agora está acima dele. O machuque, o faça suplicar pela vida. —


Me encara com muita expectativa e paixão. — Por fim terei a honra e prazer
de o matar.
Fecho as mãos sem conseguir dizer nada, ainda olhando para os objetos
perfeitamente arrumados em cima da mesa.

— Tem algo que ainda não inaugurei desde minha estadia no país. —
Olha para o lado esquerdo e seu sorriso cresce. — Venha conhecer o Berço
de Judas. É sem dúvida um dos meus preferidos.

Nos aproximamos do dispositivo em formato piramidal feito de

madeira. É uma das técnicas de tortura mais assustadoras da Idade Média.

— Na Itália tenho um perfeito. Mas esse dará para o gasto.

Encaro as cordas grossas suspensas, e tremo da cabeça aos pés fitando a


ponta do instrumento.

— Vou ordenar para que venham colocar aquele infeliz no dispositivo.

Não consigo dizer uma palavra.

Menos de um minuto depois três subordinados do Klaus entraram. Um

deles tira um molho de chaves do bolso e abre os cadeados que prendem as


correntes. Meus dedos comicham devido ao meu estado de nervosismo.
Afasto-me quando se aproximam segurando o Caio que está começando a
despertar.

Porra, claro que sonhei com o dia que esse infeliz pagaria pelo
tormento que fez na minha vida. Mas minha imaginação não foi tão hedionda
como o plano do Klaus está sendo.
Engulo em seco quando Caio começa a gritar e suplicar para o
soltarem. Ele está suspenso no ar pelas cordas e preso no dispositivo de couro

na cintura.

— Podem sair! — manda.

— Klaus, acho que...

— Por favor, por favor, Meus Deus! Eu tenho dinheiro, digam quanto
querem. — Esperneia Caio se remexendo no ar, chorando.

Klaus solta uma risada rouca quando Caio começa a urinar de medo.

— Nem começamos e já está assim — fala sem conseguir esconder a


satisfação. — Como tenho assuntos importantes, não terei o prazer de o
deixar ao menos doze horas suspenso. Isso deixaria a sessão mais
emocionante.

Com seu jeito vistoso começa a puxar as mangas da camisa social sem

tirar os olhos do meu algoz.

— Caio, acho que se lembra de ter feito a vida do Vicente uma merda.
Estou certo?

Caio controla o desespero e pela primeira vez seus olhos se fixam em


mim. Franze as sobrancelhas ruivas, seus olhos crescem, sem conseguir
controlar o choro, suplica:

— Por favor, me perdoa. Me solta...


— No meu mundo não existe a palavra: perdão — exclama Klaus se
aproximando do suporte onde controla o dispositivo. —Aproxime-se,

Vicente.

— Deixe o ir — murmuro quando me aproximo.

— Vai se divertir. Essa é sua vingança, Vicente.

— Vicente, que bosta se transformou? Quem é esse cara? Por favor, me


escuta dá tempo de voltar atrás. Não vou contar para ninguém... nãoooooo.

Grita apavorado quando Klaus comanda o dispositivo e seu corpo desce


de supetão — sem encostar na ponta da madeira. Klaus gargalha se
divertindo com o sofrimento do Caio.

— Eu tenho filhos, esposa, por favor... me soltem — implora chorando


desesperado.

— Tenho certeza de que ficarão melhores sem você. — Solta uma

risada. — Vicente fará as honras.

Assumo o lugar do Klaus e seu corpo fica próximo ao meu. O choro e


palavras de exortação do Caio vão ficando distante à medida que meus dedos
se fixam no dispositivo. Estou suando frio, parece que meu coração vai sair
pela boca, adrenalina percorrendo minha corrente sanguínea. Puxo a
respiração, olho para o Caio suplicando pela sua vida como se não merecesse
isso, como se tivesse sido uma pessoa boa.
Arrepio-me quando os dedos de Klaus sobem pela lateral do meu
corpo, escorregam pelo meu braço até chegar nas minhas mãos. Como se

soubesse que iria desistir colocou força sobre meus dedos o pressionando
para baixo.

Foi uma verdadeira cena de terror. Caio vomitou de dor quando seu
ânus entrou em contato com a ponta do instrumento. Tento o suspender no ar

novamente quando volto a mim. Klaus toma a frente e o suspende. Coloca a


palma da mão na barriga e me afasto, mas paro quando não consigo evitar o
vômito.

Que merda eu fiz?


Respiro fundo quando minha mulher sai do banheiro usando uma
minúscula calcinha preta e um robe de seda longo que está aberto exibindo
boa parte dos seios fartos que tanto adoro. Estamos na antessala compacta.

Levanto do sofá com a caixa média que contém a máscara vitoriana que
há um bom tempo tenho guardada, sonhando com o dia que a Arizona iria
usar. Claro, se fosse da sua vontade querer vir ao clube.
— Pedi que fossem buscar no meu apartamento. Faz um tempo que
mandei fazer pensando em você.

Abre a caixa e sorri.

— São realmente de Topázio?

— Sim. Topázio azul, assim como a cor dos seus olhos.

— É muito bonito. — Sorri, tocando a máscara.

— A regra principal do clube é usar máscara, uma das formas de


proteger nossa identidade.

— Ajude-me a colocar, por favor.

Coloco a caixa em cima do sofá. Arizona fica de costas para mim,


espero que encaixe a máscara na sua face e amarro.

— Ficou bom? O material é leve.

— Está perfeita. Como não poderemos tirar lá dentro em hipótese

alguma, foi feito do melhor material para deixar o mais confortável possível.

Com agilidade ponho a minha máscara sob seu olhar atento.

— Devo me preocupar com alguma conhecida sua lá dentro?

Seguro a risada.

— Não ouse rir da minha cara, Elordi.

—Morena, ninguém vai chegar em mim sem minha permissão.


Obviamente não terão. Estamos entrando como casal. Depois irá assinar seu
termo de confidencialidade como frequentadora do clube. Por eu ser um dos

sócios não terá problema entrar sem ter assinado antes.

— Está parecendo um clube de respeito — fala mordiscando o lábio


carnudo.

— É um lugar sério. Todos que participam são adultos bem resolvidos,

sabem como funciona.

Capturo as pontas soltas do robe que estão caídas na lateral do seu


corpo e os puxo para frente, propositalmente escondo um pouco os mamilos
bonitos da minha namorada e faço um laço.

— Apesar de todos serem respeitosos, não deixarão de olhar. Sabe


como sou ciumento — murmuro a fazendo sorrir.

— Pelo que sei as mulheres não costumam ficar lá dentro de robe.


Acho que estou vestida demais para quem veio para transar, amor.

Suas bochechas coradas são contraditórias, mas acho adorável.

— Nem brinque com isso, pelo amor de Deus.

Novamente sorri e me abraça. Retribuo o afeto carinhosamente.

— Pronta?

— Confio em você — afirma me encarando. — Vamos.


De mãos dadas, ficamos em frente a porta automática que abre assim
que coloco o polegar no leitor de digital. Saímos no corredor e sigo em

direção ao hall do clube.

A voz do cantor Labrinth preenche nossos ouvidos e abafa os gemidos


de prazer dos frequentadores. A poucos metros de distância está acontecendo
uma orgia, todos livres e desimpedidos, apenas buscando prazer. Passamos

por vários cômodos que são separados pelas tendas egípcias.

Apresento à minha namorada as diferentes formas de transa, sexo. Cada


um se perdendo no seu fetiche. Ignoro os olhares furtivos em nossa direção.
Jamais conseguiria compartilhar minha mulher com outro homem ou com
mulher. Está fora de cogitação.

Paramos no canto de uma das tendas. Nossa atenção vai para a loira
sendo fodida de quatro por um preto alto, musculoso e por um ruivo que está
debaixo dela comendo sua boceta. Além de nós dois, um homem sentado na

cadeira de couro próximo a cama assiste tudo fascinado.

Atrás da minha mulher, desço a mão pela sua barriga, passo por cima
da sua calcinha. Afasto-a para o lado, fecho os olhos e encosto nariz e lateral
do rosto na cabeça, cabelo. Minha namorada está excitada, muito
molhadinha.

— Está gostando de assistir a putaria, amor? — indago pertinho da sua


orelha.

Suas unhas cravam na pele do meu braço. Abro os olhos voltando a

atenção para a cena pornográfica ao vivo. Coloco mais pressão no seu clitóris
fazendo círculos lentos e fortes.

—S-Sim... cacete, Elordi.

Arizona aperta as pernas, mas não me atrapalha. Continuo a


masturbando, beijando seu pescoço, enquanto revezo em assistir o trisal.
Minha namorada goza nos meus dedos rebolando seu quadril e torturando
mais o meu pau duro nas suas costas. Prossigo provocando seu grelinho duro,
sentindo meus dedos melados pelo seu mel. A morena geme alucinadamente.

Tiro meus dedos da sua boceta e levo aos seus lábios, os melando. Sem
que espere beijo seus lábios carnudos sentindo seu gosto, apreciando sem
frescura, sem pudor.

— Vai gozar mais uma vez, pequena — aviso.

Agarro um punhado do seu cabelo com força deixando sua cabeça rente
à cena erótica que está diante dos nossos olhos. Novamente meus dedos
comicham o caminho da sua intimidade. Meto um dedo na sua vulva
escorregando com um pouco mais de facilidade devido o gozo e lubrificação
que estão mesclados.

Os minutos se tornam torturantes e prazerosos para a minha namorada.


Sem pressa, faço a mágica com os dedos dentro da sua vagina pequena,
escutando seus gemidos, os tremores do seu corpo, sua respiração

descompassada. Quando alcança o clímax sinto suas unhas fincarem, desta


vez, por cima do tecido da calça quase alcançando a pele da minha coxa. Não
me importaria se tivesse me machucado. Iria valer a pena.

Afrouxo o aperto no seu cabelo. Arizona vira de frente, coloca as mãos

no meu rosto e toma minha boca num beijo delicioso, lento. Desço as mãos
pela sua cintura até parar com as palmas das mãos abertas nos seus montes
cheios que sou louco. Os esmago a fazendo gemer na minha boca.

Paramos o beijo sem alvoroço. Fito seus lábios levemente inchados


devido aos beijos e chupões, seu rosto bonito corado, seus olhos cheios de
paixão... eu sou muito sortudo por tê-la como minha mulher. Acaricio seu
rosto totalmente cativado.

Sem dizer nada entrelaço nossas mãos e sigo para outro ambiente do

clube.

Entramos numa tenda vazia. Solto sua mão e caminho até o móvel que
ficam guardadas as cordas de algodão. Tem várias embalagens que contém o
mesmo tipo de corda, que é a mais indicada para a pratica do shibari. Tiro a
corda e descarto o plástico dentro do compartimento embutido que é o lixo, o
mesmo que irei descartar a corda.
Fecho a cortina da tenda, deixando claro para os demais frequentadores
que não queremos telespectadores.

Para o meu deleite minha mulher se despe do robe. Suavemente


começa a tirar a calcinha a deixando em cima do tecido de seda. Afasto seu
cabelo sedoso para o lado e beijo demoradamente sua nuca.

— Vamos explorar os sentidos. Ficará imobilizada, e vou ter o cuidado

para que se sinta confortável. Se estiver apertado demais, me avise, qualquer


sinal de desconforto fale comigo, amor. Entendeu?

— Entendi.

— Deite no meio do colchão com os pés rentes e pernas abertas.

Sobe no colchão se posicionando do jeitinho que mandei. A observo


controlando minha tara, na medida que desenrolo a corda com destreza. De
joelhos no colchão, peço:

— Erga sua mão direita.

De prontidão ergue o braço. O pego e inicio o processo de passar a


corda em volta do seu pulso, deixando simetricamente perfeito, faço o
primeiro nó e entrelaço com o seu tornozelo, em seguida o uno a sua coxa.
Arizona fica totalmente imobilizada; faço o mesmo processo do lado
esquerdo do seu corpo.

Quando termino observo seu olhar com muitas expectativas, apesar de


estar de um jeito submisso, totalmente a minha mercê.

Esse fetiche não coloca em jogo a independência e empoderamento da

Arizona como mulher. É apenas uma prática sexual que oferece uma
experiência construtiva, uma ferramenta de prazer onde aumenta o
intercâmbio de confiança e emocional das duas pessoas que estão praticando.

Observo seus músculos acompanharem sua respiração... e me perco a

admirando por alguns segundos. Para a provocar, me aproximo encostando


meu peitoral no seu corpo nu sem colocar meu peso por completo contra ela.

Abocanho seu mamilo puxando o piercing, sendo apreciando pelo seu


gemido. O solto e digo:

— Vou fazer você esquecer de tudo, morena. Agora só existe nós dois.

Beijo sua boquinha castamente.

E então a faço ter sua primeira experiência estando imobilizada pela

técnica shibari.

Se passaram duas semanas desde a experiência prazerosa que tive no


clube do sexo com o meu namorado. Por alguns instantes desde que
havíamos entrado no ambiente seleto, me senti um pouco promíscua, que

estava fazendo algo errado. Mas logo tratei de trancar esses pensamentos e

me permiti ser livre, a fazer tudo que tivesse vontade, a experimentar coisas
novas.

Não me arrependo. Há muito tempo guardava a vontade de conhecer o


clube. É um lugar extremamente erótico, livre de tabus sexuais, limpo e

altamente convidativo.

Quando fiquei imobilizada diante da técnica de amarração do Elordi,


cogitei em desistir. Porém, estava domada pelo prazer e novas descobertas,
então falaram mais alto do que o fato de estar amarrada, totalmente exposta.
Não tenho dúvidas de que quero praticar mais shibari. Nem todas vezes
precisaremos ir ao clube, podemos fazer em casa sem problema algum.

Confio no homem que tem o meu coração de olhos fechados.

Fecho o meu fichário quando a garçonete da lanchonete vem deixar o

meu pedido. Agradeço. Na mesa a frente estão sentados alguns colegas que
eram da classe do Vicente. Um deles veio perguntar se eu sabia do Vicente,
pois estavam tentando entrar em um acordo para marcarem a nova data da
colação de grau que foi adiada por alguns problemas. Respondi com um
simples: não. Quando insistiu, disse que não era mais amiga do Vicente.

A colação de grau do Vicente seria um dos dias mais importantes da


vida dele e da sua mãe. Dona Hermínia sempre teve muito orgulho do seu
único filho. Não a visitei mais, pois não tenho coragem de olhar nos olhos

dela.

Nem sei qual será o destino do Vicente — caso exista alguma chance
de escapar da Organização Secreta. Sinceramente, não me importo. Não mais.
A única coisa que sinto é por não poder poupar a dona Hermínia do

sofrimento diante do futuro triste que seu filho terá.

Um dos membros da colmeia está trabalhando no cargo de serviços


gerais da casa de repouso — obviamente disfarçado. Contudo, não tem como
ficar vinte e quatro horas a observando, se certificando de que o Vicente e
nem Klaus mandará alguém para tentar busca-la, ou lhe fazer mal. Estou um
pouco mais tranquila pelo fato de o Luri ter acesso às câmeras de segurança
do prédio. Ele deixou uma pessoa da sua equipe para monitorar e reportar
caso algo suspeito surja.

Meu celular vibra em cima da mesa e sorrio ao ver a foto da Nay.


Profiro:

— Espero que não esteja ligando para eu responder suas centenas de


mensagens no WhatsApp.

Nayara tem feito bastante isso. Principalmente agora que está


comprando o enxoval do seu bebê. Semana retrasada Matias fez uma
transmissão ao vivo — no grupo que todos fazem parte e ninguém consegue
acompanhar as conversas — durante a ultrassom da descoberta do sexo do

bebê. A família foi abençoada por termos mais um menino na família. Foi
lindo acompanhar a emoção do Miguel, Nay e do Savas — o primogênito
deles.

— Gosto da sua opinião. Você tem um lado todo artístico.

— Pensei que já tinha decidido o tema do quarto.

— Ainda será o tema Safari. Mas quero algo mais original. Quero que o
Caleb ame tudo, que saiba que é muito amado.

— Ele sabe disso, Nay. Você é uma mãe fantástica para o Savas, não
será diferente com o Caleb.

Escuto seu suspiro do outro lado da linha. Mexo o canudo de papel em


círculos lentos no copo, sabendo que a cabeça da Nay está querendo entrar
em combustão. Por muitos anos acreditou que não teria filhos. Não fazia

parte dos seus planos devido ao seu passado traumático. Porém, Miguel e ela
foram se curando juntos... depois veio o Savas, e logo aprendeu a ser mãe.
Nada melhor que um dia atrás do outro.

— Ok. Tenho que controlar a ansiedade. Depois conversamos sobre os


modelos do desenho que fez para a parede do quarto do Caleb. Você desenha,
Miguel, Savas e eu dizemos se aprovamos ou não, e Anthony irá pintar.
Deus do céu, como é mandona.

— Sim, senhora Lacerda.

— Te amamos, ursinha.

Se refere a ela e seu bebê que está quentinho e protegido no seu útero.

— Amo vocês!

Queria muito estar com os meus fones de ouvidos para impedir a voz
desafinada do Kostas alcançar meus tímpanos. Desde ontem estou escutando
seus relatos do término do relacionamento casual com a bailarina.
Normalmente ele parte para outra. Mas parece que ela pegou de jeito o

coração mulherengo dele.

Murcho quando coloca novamente para repetir a música Vida de Corno


do cantor Falcão. Abaixo o volume do som, e indago:

— Ela não te traiu, Kostas.

— A cadela sem coração já está com outro. Um CEO do ramo


hoteleiro, acredita? Qual o problema das mulheres em ficarem gamadas por
CEOs? — reclama irritado. — Ele não vai oferecer mais para ela do que

ofereci. A reputação do cara voa longe de tão ruim. Ao menos sou sincero.

— Se gosta dela deveria ter assumido um namoro, não acha?

— Ei! Você meu amigo, que está sorrindo com o que passei, cuidado
com a sua cabeça, pois amanhã será sua vez... — canta horrendamente
meneando a cabeça. — Ela nem conversou comigo sobre isso. Apenas

mandou uma fodida mensagem me despachando. Merecia mais que isso.

— Ora, por favor. Você já fez isso! Me contou, lembra?

— Queria ao menos uma despedida digna. —Volta a cantar: — Ela não


me respeitou, e tome gaia. Foi embora e quer voltar, e tome gaia.

Pela misericórdia!

Aproveito que saí do laboratório para ir buscar um chá para responder


as mensagens do meu namorado. Combinamos de ficar no seu apartamento e
pedirmos pizza para o jantar.

Elordi disse que o Inquérito sobre o caso da Alicinha ainda está em


andamento, e que até o final do mês sai o resultado final da perícia. Sabemos

que dificilmente Vicente será capturado pela polícia, pois está na mira da

Organização.

Meu celular anuncia outra mensagem. É do Elordi, leio:

Dona Stela aceitou a ajudante. Ela começa amanhã.

O dia acabou melhorando com essa notícia. Pelo fato de a dona Stela
não ter mais nenhum parente vivo e por ser uma senhora de idade não seria
nada seguro ficar sozinha no sítio. Há dias fico inquieta, pensando que se
passasse mal não teria ninguém para socorrer, ligar para a emergência.

Então pedi para o Elordi oferecer para ela uma funcionária do lar para
cuidar da casa, ajudar no preparo das refeições e residir com dona Stela de
segunda a sexta. Pelo que soubemos seus vizinhos costumam confraternizar
no final de semana, sendo assim a Cuidadora terá folga e retornará na
segunda de manhã.

Não fiz o pedido direto por ainda me atormentar pelo o que aconteceu.
Ainda preciso de um tempo.

Respondo a mensagem do meu namorado com emoticon de mãos


unidas em oração e um coração.
Despeço-me da minha mãe no estacionamento com um forte abraço e
beijo carinhoso na bochecha. Entro no carro torcendo para que o Kostas tenha

parado com o drama.

— Está melhor? — pergunto.

— Sim. Amanhã tenho um encontro.

Sorri sem vergonha alguma na cara.

— Vamos para o apartamento do Elordi.

— Estou sentindo que logo irão morar juntos.

— Ainda não. Temos tempo para isso.

Pensando bem, tem bastante coisas minhas no apartamento do Elordi. E

tem várias roupas, itens pessoais e outras coisas do meu namorado ocupando
um espaço do meu closet. Não me incomodo. Talvez daqui uns anos a gente
converse sobre dividirmos o mesmo teto oficialmente.

Celular do Kostas toca. Prontamente atende e fico atenta quando fala o


nome do Luri.

— Coloca no viva voz, por favor — peço em alerta.


— Estamos indo para o apartamento do garoto de ouro. Do que
precisa?

—Vocês são os mais próximos da casa de repouso onde dona Hermínia


está. Dois membros saíram de moto, mas a sede é muito mais distante. Vi um
funcionário suspeito. Não o encontrei no registro de funcionários.

— Acelere! Temos que estar lá o quanto antes — profiro para o

membro que está dirigindo o carro. Ele acena.

— Até onde pude enxergar em tempo real através das câmeras de


segurança a área da casa de repouso está limpa. Mas não tenho como ter
certeza nesse caralho! Outro carro dos nossos também está a caminho.

— Onde está o membro que começou a trabalhar disfarçado? —


questiono.

— Ele entra no plantão em duas horas. Inclusive é um dos que saiu de


moto até o local — explica. — Puta merda! As imagens estão falhando.

Qualquer novidade entro em contato.

Sinto meu corpo com sintomas de lipotimia. Quero não pensar no pior,
mas diante da situação não consigo controlar meus próprios pensamentos.

— Calma, logo verá a dona Hermínia — fala Kostas olhando para a


tela do seu celular. — Elordi também está a caminho.

Meia hora depois entramos na Estrada Rio Grande. O trânsito está


horrível nas principais avenidas. Impossível não me lembrar do dia do
acidente, as mesmas barricadas continuam no local. Estou enjoada.

Meus batimentos aceleram quando percebo a quantidade de carros e


pessoas do lado de fora do prédio. Mal espero o carro parar, abro a porta e
saio desesperada no meio da multidão de pessoas desesperadas. Além dos
funcionários, pacientes e tem outras pessoas próximos a alguns residentes da

casa de repouso.

— O que está acontecendo? — indago aflita para a diretora Carla que


parece em choque. — Cadê dona Hermínia?

— Não sei se todos estão aqui fora. Estava no horário de visita, depois
começou uma confusão, o alarme de incêndio tocou e até agora estamos
esperando os bombeiros. Meu Deus, sinto muito. Eu...não sei se realmente
tem algo pegando fogo, não sei.

Passa as mãos em cima da cabeça desesperada.

— Arizona!

Escuto a voz do Kostas, mas corro até a entrada contra seus protestos.
Tem um pouco de fumaça na entrada principal, tampo nariz e boca para evitar
inalar, mesmo sabendo que não irei impedir por muito tempo.

Desesperada começo a entrar em alguns cômodos torcendo para a


encontrar.
— Área de fisioterapia. Foi a última vez que Luri captou ela saindo na
companhia do funcionário falso. Porra! Vamos, logo!

Só então percebo que está com o celular nas mãos. Corro atrás do
Kostas. Podemos respirar melhor, pois não há fumaça. Entramos no
complexo de fisioterapia. Fico responsável por abrir as portas do lado
esquerdo e Kostas do direito. Chamo pela dona Hermínia.

Com os olhos embaçados pelas lágrimas continuou a procurando.


Entramos na área das piscinas e perco o ar por alguns instantes ao ver o corpo
da dona Hermínia boiando e a cadeira de rodas na borda da piscina. Pulo na
piscina sendo seguida pelo Kostas. Nadamos até seu corpo.

Kostas a coloca de barriga para cima, a chamo e nada. Saio da piscina e


puxo o corpo frágil da dona Hermínia.

— Merda! Ela não está respirando.

Aproximo minha orelha do seu nariz. Não escuto nada, nem som da sua

respiração. Observo sua pele roxa controlando o choro. Inicio a massagem


cardiopulmonar. Faço as compressões torácicas ritmadas, com a mão sobre a
outra.

Perco a noção do tempo, enquanto tento a reanimar.

— Arizona, não tem mais o que fazer. Sinto muito.

— Não, não! Só parar com a chegada dos paramédicos. Cadê eles,


porra? — questiono chorando.

Meus braços estão formigando. No entanto, continuo com as

compressões cardíacas.

— Estou aqui, dona Hermínia, por favor. Volta, meu Deus, ela não
merecia isso.

Sem parar de fazer as contrações vejo o momento que o Elordi se


aproxima. Peço desesperada:

— Traz os paramédicos aqui, amor. Chama o meu pai, minha mãe,


quem for. Não posso parar de fazer as compressões, por favor.

Se ajoelha ao meu lado.

— Não podemos fazer mais nada pela dona Hermínia, amor. Sinto do
fundo da minha alma.

Segura meus pulsos e só então percebo o quanto estou tremendo.

Observo o corpo da dona Hermínia sem vida. Choro como uma criança,
sentindo uma dor terrível.
Elordi tentou me convencer de irmos para seu apartamento. Mas não
aceitei. Decidi vir à sede da colmeia para ficar por dentro das informações

recentes que Luri obteve. Estou malditamente quebrada por dentro pela forma
covarde que mataram a dona Hermínia.

Membros da nossa equipe conseguiram capturar o desgraçado que a


matou na rodovia seguindo para Niterói. O estão trazendo para a sede.

Provavelmente o indivíduo não tem nenhuma informação útil que nos possa
ajudar a localizar o esconderijo do mafioso. Klaus é peixe grande, não é
estúpido. Claramente deve ter contrato um bandido qualquer para fazer isso,
sem dúvida sabia que o contratado não escaparia.

Kostas irá aguardar a liberação do corpo da dona Hermínia para


podermos enterrá-la de forma digna. Elordi convocou um advogado do grupo
da Advocacia Lacerda para cuidar das documentações e autorizações.

Estou num estado interno de estupor. Agora tenho que ser fria e manter

a sanidade intacta até encontrar os verdadeiros culpados que são: Klaus e


Vicente.

Mal entramos no escritório do Luri e fomos bombardeados pelas


últimas notícias:

— Não foi o Klaus que mandou matar dona Hermínia. O cara já


confessou que foi a mando do Argus José Morais e está se borrando nas
calças, implorando pela sua vida de merda. Recuperei o HD das câmeras de
segurança. Ele entrou disfarçado como visitante de um dos internos, trocou

de roupa no vestiário dos funcionários usando o uniforme que foi dado por
um enfermeiro, que também iniciou um pequeno incêndio numa das salas de
jogos dos idosos.

Estou um pouco surpresa por saber que não tem dedo do mafioso e do

Vicente nisso. Afinal, dele não duvido de mais nada.

— Faz sentido. Argus não deve ter mais nenhum contato com o filho e
o mafioso. O covarde sem dúvida está pirando querendo notícias. Aliás, pode
ter inclusive cogitado que, de alguma forma, dona Hermínia poderia
atrapalhar seu plano ao revelar quem ele era para você, Arizona. Vicente
tinha contato com o pai durante um tempo, deveria relatar o quanto eram
próximas. Lembra que comentou que em algumas ocasiões sentiu que dona
Hermínia queria dizer algo?

Meneio a cabeça de forma positiva diante da hipótese do meu


namorado.

Cruzo os braços sentindo um pouco de frio. Elordi me entrega uma


camisa extra que estava na sua mochila no carro. Me troco dentro do seu
veículo, mas continuo com as roupas de baixo molhadas.

— Recuperei a filmagem em que vi o bandido conduzindo dona


Hermínia em sua cadeira de rodas na área da fisioterapia do prédio. O infeliz
simplesmente a jogou na água de forma covarde, mesmo ela implorando para

que não fizesse. Em seguida saiu correndo para fora da instituição, entrou
num carro de um dos visitantes e fugiu.

Ficamos em silêncio por alguns minutos. Nem posso imaginar o terror


que dona Hermínia passou. Luri pergunta:

— O que faremos com o enfermeiro?

— Vamos fazer ele pagar por tudo na justiça. Usaremos as filmagens


no processo. E deixe alguém de olho nele, o cara pode tentar fugir — diz
Elordi.

— Quanto ao Argus, não duvido que terá o que merece. O circo deve
estar se fechando para ele dentro da penitenciária.

— Pelo que o informante, que aliás já foi transferido para outra


penitenciária, informou que Argus estava prometendo muitas coisas para os

detentos, isso dentro da prisão é o fim. Uma hora os líderes dos grupos lá de
dentro vão se revoltar e cortar a cabeça dele fora — profere Luri.

— É exatamente isso que eu quero. Argus vai sofrer muito na prisão.


Mantenha um novo informante para ficarmos por dentro — digo sem mostrar
qualquer emoção. — Quem vai fazer a sessão com o executor da dona
Hermínia?
— Ezequiel — responde o Elordi.

— Irei

assistir.

Estou enxugando o cabelo com a toalha sob o olhar atento do Elordi.


Não me deixou sozinha nem um segundo.

— Posso cuidar de tudo.

— Aprecio muito isso, amor. Mas realmente quero continuar na missão


até o fim.

Aproximo-me e suas mãos agarram minha cintura. Sento-me no seu

colo apertando a toalhas com força.

— Ela não merecia aquilo — murmuro.

— Não mesmo. — Beija meu braço.


Estou realmente preocupado com o emocional da minha namorada.

Arizona tem sofrido com as perdas num curto intervalo de tempo. Ela está
sendo a mulher forte que sei que é, mas tem se esforçado além da conta para
isso. Me entristece saber que está sofrendo tanto, e não posso amenizar.

Seus olhos oceânicos estão fixos no executor da dona Hermínia. O

rosto dele está esfolado de tanta surra, alguns dentes voaram no ar devido aos
socos violentos.

— Tem certeza de que não sabe de mais nada? — questiona Ezequiel


com sua voz grossa, cética.

Suas mãos estão meladas de sangue do infeliz.

O covarde confirmou que foi contratado pelo Argus. Antes de entrar


disfarçado como visitante na casa de repouso, estudou o local por uma
semana para ter um plano de entrar sem chamar atenção e matar dona

Hermínia.

Ele disse que a única coisa que Argus revelou foi que sua ex-mulher
iria acabar abrindo o bico e atrapalharia os seus planos.

— Por favor, não sei de mais nada. Contei tudo, eu juro. Argus me
contratou para matar, não entrou em detalhes. Me entreguem para polícia,
mas não me matem.
Minha mulher fecha os olhos no instante que o Ezequiel estoura o
joelho do executor com um taco de beisebol. Rapidamente desligo o som,

impedindo que a continue escutando o desgraçado chorar e gritar de dor.

— Ele não sabe de mais nada. Se soubesse falaria para tentar se livrar.
Antes mesmo de chegar aqui já tinha contado quem o contratou —
pronuncio.

— Ezequiel já irá sair para saber o que decidimos.

— Diga para o matar — murmura Arizona antes de sair do cômodo.

Fito o nome da dona Hermínia gravado no túmulo feito de granito. Três

dias se passaram desde o seu enterro. Quase toda a família participou do


momento fúnebre em apoio a mim e consideração que tinha por ela.

Não posso questionar mais o fato de ter se mantido calada, se sabia de


tudo que seu único filho fazia por pura ambição, se tinha ideia no caminho
sem volta que ele havia escolhido para caminhar.

Independentemente do ser humano frio e ambicioso que o Vicente se


tornou, nada mudaria o fato de que dona Hermínia continuaria sendo sua
mãe. Sua maior tristeza deve ter sido assistir seu filho se perdendo e não
poder fazer nada para o salvar. A maneira que a vi na casa de repouso... a

tristeza estava sendo hospedeira no seu olhar e corpo. Ela estava solitária,
imensuravelmente triste.

Eu só quero que ela descanse em paz. Sei que está num lugar bem
melhor, disso não tenho dúvida. O que não me conformo é saber a forma

covarde que sua vida foi roubada.

Enxugo as lágrimas com os dedos e respiro fundo antes de me afastar.

Estava na galeria da família, decidi aproveitar o tempo à tarde para vir


visitar dona Hermínia. Não tive aula de manhã, então trabalhei de manhã no
hospital para ter a tarde livre.

Estranho quando o Kostas começa a caminhar apressadamente em


minha direção. Atenta olho ao redor para me certificar se não tem ninguém
suspeito. Todavia, o cemitério está praticamente vazio. Só vi cinco pessoas e

estão mais à frente do pavilhão que eu estava.

— Alguém suspeito?

— Miguel acabou de avisar que o Luri rastreou uma conversa suspeita


num Rádio Comunicador. A localização deu no Esqueleto Tourist Hotel.

Rapidamente vamos em direção ao carro. Antes de entrar, abro o porta-


malas e pego a mochila que contém o uniforme e acessórios extras da
Organização.

Recordo-me que fica na zona sul do Rio. A construção do luxuoso hotel

foi abandonada em 1972 quando a construtora decretou falência. E nos anos


oitenta a construção do Gávea Tourist Hotel — que passou a ser conhecido
popularmente como Esqueleto — serviu de abrigo de moradores de rua e
esconderijo de criminosos. Depois de uns anos ficou novamente abandonado.

O carro entra em movimento e começo a trocar de roupa. O membro


continua atento no trânsito. Kostas começa a colocar seus comunicadores no
ouvido. Quando o nome do Luri pisca na tela do multimídia do carro estendo
o braço e toco na tela digital. Sua voz preenche o veículo:

— Enzo, Jas e Miguel estão indo para Baía de Guanabara. O que pude
entender na conversa, eles irão pegar as pessoas traficadas lá e levar para
Niterói — comunica. — Klaus, Vicente e outros da laia deles estão no
Esqueleto, provavelmente irão de helicóptero. E como sabem que estamos

atentos em todos os meios de transporte, acreditou que iria se safar. Deve ter
achado genial ser pego pela sua equipe em um lugar abandonado. Pela manhã
localizei o lugar onde estavam refugiados...

— Por que não nos avisou? — vocifero, colocando as luvas.

— Ordens do líder. De qualquer forma não estavam mais lá.


Encontraram um corpo de um homem que possivelmente foi torturado até a
morte, pois não tem sinal de tiro. O identifiquei como: Caio Schumacher.
Além dele, não tem nenhum outro corpo.

Termino de amarrar o cabelo sentindo um frio horrendo no estômago.


Só conheço um Caio Schumacher. E era justamente o valentão do colégio.
Depois que saiu da escola — para o alívio da maioria — nunca mais soube de
notícias suas, e nem queria.

— Elordi já está sabendo? — indago.

— Anthony, Samuel, o líder e ele estão a caminho do Esqueleto. O


plano inicial do Klaus não era esse, algo deve tê-lo apressado. No local onde
estavam, recuperamos algumas coisas que tentaram destruir. Creio que a ideia
era sair do país num cruzeiro levando as vítimas, algo assim. Ainda não tenho
certeza.

— Logo entro em contato pelo comunicador. Agora vou neutralizar


toda a internet alguns raios de quilômetros de toda a área do hotel e um pouco

mais, garantir que nada vaze, além de segurar as operadoras de telefone e


celular.

Estaciona o carro próximo aos outros que estão um pouco dentro da


trilha da Floresta da Tijuca. Um dos membros abre o porta-malas do veículo
blindado e se afasta. Kostas e eu começamos a nos armar. Kostas coloca o
colete, desço a máscara para o meu rosto e confiro a lanterna presa no topo da
Uzi.

— Atenção, pessoal são seis horas da tarde! Tentem ser o mais rápidos

possível. Já estou segurando os meios de comunicação — escutamos o Luri


pelo comunicador.

— Estamos entrando, qual o nível?

Escutamos tiros e nos apressamos em correr na mata.

— Puta que pariu, Anthony. Eu não disse que podia, filho da mãe! —
esbraveja no comunicador.

— Interliga meu comunicador com o do Elordi!

— Espera, já libero de todos — exclama, xingando vários palavrões em


seguida.

A epinefrina toma conta do meu sistema quando entramos em ação


contra alguns dos homens do mafioso que estavam a espreita. Avançamos

para dentro do hotel abandonado. Kostas faz o sinal com três dedos
direcionando para o andar de cima, os outros dois seguem para o lado
esquerdo onde tem mais cômodos.

— Elordi e Samuel estão no rumo da Pedra da Gávea com outros


membros da equipe, tem alguns deles na região. Não sei se Klaus e Vicente
continuam dentro do Esqueleto — comunica Luri exaltado. — Anthony está
retornando para o prédio junto com outros da equipe dele. Ezequiel está no
Pico da Tijuca voltando com outros membros. Mataram todos que os
atacaram. Caralho, graças a Deus que nesse horário não tem mais nada

funcionando.

Me afasto quando vejo um drone pequeno sobrevoando o local.


Reconheço sendo um dos nossos equipamentos.

Adentramos o décimo andar tentando. Os outros estão limpos, tudo

muito calmo. Seguimos o mesmo esquema com três dos nossos subindo para
o próximo.

Somos surpreendidos por uma pequena explosão vindo de um dos


cômodos do décimo andar. E então tiros ecoam pelo local. Atiro no meio da
testa de um dos criminosos que pretendia atirar nas costas do Kostas.

Surgem cinco vindo de outros cômodos em nossa direção.


Descarregamos as balas neles. Sem que tivéssemos tempo de recarregar as
armas, outros três homens enormes tentam nos cercar.

— Precisamos de ajuda, porra! — vocifera Kostas para que o escutem


pelo comunicador.

Corremos para os cômodos vazios torcendo para um dos tiros não nos
acertar. Kostas entra num e eu no outro. Tiro a faca Karambit do coldre da
coxa, me encosto na parede, controlando um pouco a respiração. Quando
escuto seu passo prontamente mantenho a faca entre meus dedos pronta para
o acertar. Sem ter tempo para pensar, ao adentrar lentamente o cômodo com a
arma de fogo rente ergo o braço de forma certeira na sua jugular fazendo o

sangue jorrar.

Solta a arma no intuito de tentar conter o sangramento em massa. Pego


e miro na sua cabeça. Espio encostada no batente, vou em direção aos sons de
luta e urros.

— Tem mais deles chegando no prédio! Atenção, porra! Preciso de


todos no Esqueleto agora! — grita Luri pelo comunicador.

Entro no cômodo e disparo nas panturrilhas do grandão que estava


enforcando o Kostas. O terceiro bandido está morto no canto da parede.

— Carrega a sua arma, Kostas.

Kostas cospe sangue e agilmente carrega a Uzi.

Suspiro quando percebo que tem mais deles vindo. Nos encostamos na

lateral da parede a usando como escudo quando escutamos mais tiros e vozes.
Reconheço alguns integrantes da colmeia que lutam frente a frente contra os
bandidos. Sem esperar mais um minuto damos reforços — mesmo
precisando.

Descarrego a arma de fogo acertando alguns alvos. Antes que pudesse


pegar outra faca ninja do coldre da perna esquerda uma mulher com cicatriz
enorme, que passa pelo seu olho direito, avança em minha direção com uma
faca na mão.

Puta merda.

Quando tenta me ferir com a faca pego distância. Olho para frente
sabendo que todos estão ocupados tentando se salvar. Na sua terceira
tentativa de acertar com a faca, aproveito para acertar suas costelas com um
golpe de muay thai. Encaro o vazio na parede que sem dúvida foi projetado

para colocar os elevadores, sabendo que deveria colocar em prática o plano.

E então quando veio novamente desviei nos direcionando para poucos


metros de distância dos buracos. Avança novamente, desvio. Sem paciência,
corre o curto espaço entre nós para se jogar em cima de mim com a faca
firme em sua mão. Aproveito me abaixo, e me jogo no chão. Passa por mim,
antes que tenha tempo de frear seus pés chuto a articulação do seu joelho com
força a impulsionando para frente.

Sem onde segurar seu corpo foi direto para o lugar do elevador. Seu

grito ecoou.

— Tem um helicóptero pelas redondezas, caralho! Estão no topo do


prédio. Preciso de alguns de vocês lá agora! Atirem. Cadê a porra da equipe
área, Silas? — escuto Luri pelo comunicador.

Com todos tentando conter os homens do Klaus, decido aproveitar para


seguir o caminho. Passo pela zona de perigo, capturo uma arma de um dos
bandidos mortos e sigo para as escadas que estão bem deterioradas.

Com uma cólera insana tiro a máscara quando vejo o Klaus e Vicente.

O mafioso rapidamente aponta a arma dourada em minha direção, faço o


mesmo. Vicente está magro, seus olhos estão fundos, aparentemente muito
abatido. Seus olhos estão cheios de água. Desvio o olhar para encarar sua
mão direita trêmula segurando uma arma.

— Muito corajosa, senhorita Arizona — debocha.

— Acabou para vocês!

— Sério, garota? Vou estourar seus miolos...

— Pela distância que estamos duvido que acerte.

Klaus ri tentando não parecer nervoso. Ele sabe que está fodido.

— Arizona, me perdoa, eu...

— Cala a sua maldita boca! — grito com toda a força olhando para o

Vicente. — Seu pai, o mesmo que decidiu ajudar mandou matar sua mãe.
Você é um desgraçado, Vicente.

As lágrimas correm soltas pelo seu rosto, parece desnorteado. Como se


eu tivesse dado um gatilho para acabar com o seu emocional.

— Juro que não sabia, Arizona. Eu não sabia.

— Ele mandou matar sua mãe de forma covarde. Não cheguei a tempo
de salvá-la, se tinha alguém que poderia ter impedido era você, seu doente!

— exclamo.

— Arizona... sinto tanto.

— Se entrega, Vicente.

Rapidamente Klaus segura o braço dele como se fosse um boneco.

— Pode parar com a porra dos seus joguinhos. Vicente não vai se
entregar.

Faz o Vicente ir para atrás dele e começa a caminhar em minha direção.


Não recuo.

— Não coloquei todos os meus homens lá embaixo para acabar com o


máximo de pessoas dessa Organização maldita por nada! Estão por toda a
floresta. — Sorri diabolicamente. — Espero que ao menos seu namoradinho,
ou que aquele filho da puta do Medeiros já esteja morto. Ao menos terei o

prazer de matar um de vocês.

Estou atenta no seu dedo no gatilho. Quando fizer menção de atirar,


farei o mesmo e vou tentar desviar mesmo não tendo nada como escudo.
Ainda estou de colete, então tenho uma chance.

— Não atire nela, Klaus! Você prometeu. — A voz do Vicente sai


desesperada.

— Irei fazê-lo superar — murmura. — Infelizmente não terei o prazer


de a torturar, seria uma honra. Também serviria a grande parte dos meus
homens.

Me mantenho firme mesmo sentindo um asco enorme desse crápula.

O mafioso se aproxima mais. Me assusto ao escutar o disparo, pois não


capturo o momento que aperta o gatilho. Parece que perco uns segundos de
respiração. Vejo ele cair de bruços no chão segurando a arma. Encaro sua

cabeça, enxergando o buraco circular adornado e sangue saindo.

Vicente se afasta andando de frente para mim ainda segurando a arma e


chorando. Fico firme, e profiro:

— Larga a arma, Vicente.

Balança a cabeça negativamente e para de andar. Ele está na beira do


arranha-céu.

— Amo você, Arizona... também amo o Elordi. Mas ao mesmo tempo

o odeio, não sei explicar como isso se instalou dentro de mim — gargalha
entre o choro. — Me perdi, eu só queria ser alguém importante, ter tudo que a
merda do dinheiro pode comprar, ter dado uma vida digna para a minha mãe.

Grita contra o vento. Tento controlar minha emoção, mas não consigo.
Eu sei o que tenho que fazer, preciso fazer isso.

— Juro que não sabia que iam tirar minha mãe de mim. Fui um burro,
estúpido. A perdi, perdi você, perdi tudo.
Para a minha surpresa joga arma no chão. Abre os braços e fala entre os
soluços do choro:

— Espero que um dia me perdoe, que mantenha só as lembranças boas.


De quando eu realmente era o seu amigo. Por favor, tenta me perdoar,
Arizona. Você e minha mãe... eram tudo para mim.

Um filme passa na minha cabeça. O dia que nos conhecemos, o quanto

foi insistente para ser meu amigo, os momentos que passamos juntos desde o
meu tratamento contra o câncer. Tudo. Lembro de absolutamente tudo.

Sorrindo para mim sem parar de chorar abre os braços. Porra, não! E
então fecha os olhos e joga seu corpo para trás. Grito seu nome correndo para
a beira do prédio danificado. As lágrimas intrujam minha visão e assisto seu
corpo cair.

Praticamente caio de joelhos no chão sem forças de me manter em pé.


Ouço os passos, vozes e comandos. Mas não olho. Braços fortes me puxam

para longe do precipício. Reconheço a voz do Elordi.

— Ele...ele se matou. Ele...

Não consigo falar. Está doendo muito. Muito.


5 DE FEVEREIRO DE 2018

Sorrio para a foto. O fotógrafo que minha turma contratou para marcar
os melhores momentos da nossa colação de grau clica mais três vezes no
botão da câmera profissional. Mantemos o sorriso verdadeiro em nossos
rostos.

Apesar da maioria das colações de grau acontecer no começo da noite,


optamos por fazermos de manhã. Assim todos poderão sextar à noite,
comemorar até não querer mais. Oficialmente sou a mais nova Bioquímica do

mercado.

Concluí meu estágio no Hospital da família em janeiro. Agora que


estou formada, irei tirar um ano sabático. Pretendo me dedicar mais a galeria,
aos projetos do Instituto Eleonor, e viajar para algumas ações humanitárias.

No caso das viagens, obviamente teria a companhia do meu namorado


sempre que possível.

Elordi há um mês tomou posse no cargo de Delegado da Polícia


Federal. Claro, tenta ao menos duas vezes por semana ir a Advocacia Lacerda
para ajudar, em alguns casos pelo menos, na parte burocrática.

Nosso relacionamento continua mais forte do que nunca. Como


qualquer outro casal, tem momentos que nos desentendemos, mas não
conseguimos nos afastar. Sempre fazemos as pazes, nunca dormimos

chateados um com o outro.

Além disso, há duas semanas, praticamente temos levado uma vida de


casal. A morada que estava sendo construída para ele nas terras da família
ficou pronta há três meses. Então me fez o convite de morarmos juntos.
Confesso que senti um friozinho na barriga, mas aceitei. Quando se trata do
moreno me jogo de cabeça.
Decoramos os cômodos juntos. E todos os quadros que comprou se
passando por meu admirador secreto estão espalhados pela casa.

— Finalmente! — vibra um dos meus colegas de turmas quando somos


liberados da sessão de fotos.

Apolo e Enrico vem correndo para onde estou. Graças a Deus escolhi
um vestido de tecido leve. Abaixo-me, nos abraçamos em conjunto.

— Você está linda, mana. A mamãe tirou tantas fotos que pegou o
celular do papai para continuar tirando — diz Apolo passando a mão no seu
cabelo loiro.

Beijo demoradamente sua bochecha.

— Papai chorou. Mas não diz que falei, ele meio que acha que é
segredo. Como se ninguém tivesse visto ele chorar — murmura Enrico com
toda sua marra.

— O doutor Severo adora se fazer de forte. Porém, sabemos que é uma


das maiores manteigas derretidas da família — sussurro fazendo os meus
irmãos rirem.

Ergo-me quando meus pais se aproximam junto com o Elordi. Damos


um abraço em família com os gêmeos entre nós. Alguns professores vêm nos
cumprimentar. Entrelaço minha mão com a do meu namorado e saímos do
pequeno círculo de atenção que meus pais estão recebendo dos docentes.
— Amanhã podemos acampar com os pirralhos.

— Tem certeza de que à noite não quer se encontrar com o pessoal da

sua turma no pub?

— Prefiro ter você só para mim — falo colocando meus braços por
cima dos seus ombros.

Suas mãos grandes agarram minha cintura.

— Eu também, sabem muito bem disso, morena. — Um lindo sorriso


enfeita seus lábios. — Parabéns, amor. Estou muito orgulhoso e feliz pela sua
conquista.

Selo nossos lábios sem aprofundar o beijo. Elordi quase suplica para o
ajudar a controlar nossos beijos quando estivermos perto do meu pai. Como
sou uma namorada incrível tenho me controlado sempre que possível.

— Podemos ir logo para o restaurante, ursinha? — pergunta Apolo

quando se aproxima.

— Estamos com fome — resmunga o Enrico mostrando toda sua falta


de paciência. É de família.
Quase quarenta minutos depois entramos no restaurante Marius

Degustare. Minha mãe reservou o restaurante todo para nossa família.


Primeiro porque ocupamos bastante espaço, segundo porque queremos
privacidade.

Adoro esse lugar. É decorado com rochas, objetos marítimos e

antiguidades. É um ambiente exótico, que se destaca. Além disso, já foi


mencionado no livro “100 lugares para se conhecer antes de morrer”. O
melhor de tudo é que a gastronomia é brasileira e mediterrânea.

— Por favor, pessoal, não façam muito barulho quando começarem a


parabenizar a Arizona — diz Miguel acariciando as costinhas do seu filho
caçula. — Caleb já arrotou e estou torcendo para que durma um pouco.

Miguel e Nay tiveram uma noite bastante agitada... por conta do bebê
deles. Pelos desabafos da Nay no grupo das mulheres da família, seu caçula

estava tendo cólicas, ficou bem enjoadinho. Caleb está com três meses, desde
que nasceu não tem deixado seus pais terem uma noite de sono completa.
Claro, quem se diverte são os demais integrantes da família. Principalmente
por causa do Miguel.

— Do nada me deu vontade de cantar bem alto — profere meu pai


arrancando risada de todos. Menos do Miguel.
— E eu de bater palmas — completa Matias.

Começo a receber abraço de todos os meus familiares. Tentamos ao

máximo não fazer barulho para evitar que o novo bebê da família acorde
irritado e comece a chorar para o desespero de todos.

De leve beijo as costas do Caleb inalando o talco antialérgico infantil


que acho muito cheiroso. Sento-me na cadeira entre Nay e meu namorado.

— Como está se sentindo? Conseguiu dormir um pouco? — pergunto a


olhando com carinho.

— Estou me sentindo uma vaca — rio. — Savas é que tem sido um


verdadeiro anjo, ursinha. Enquanto Miguel foi resolver um assunto de última
hora na advocacia, Caleb dormiu depois da mamada e Savas disse que não ia
sair de perto de nós, e que se seu irmãozinho acordasse iria distrai-lo para que
não atrapalhasse o meu sono.

— Savas é tudo.

— Repus uma hora e meia de sono.

Rimos.

Os garçons começam a trazer a refeição. Sorvo um pouco do vinho e


tento acompanhar as diversas conversas que estão rolando à solta. Minha
família é enorme, então falam várias coisas ao mesmo tempo, mudam de
assunto rápido, enfim. Uma loucura que amo.
Elordi conversa com seu pai e nosso avô. Em determinado momento
apoia sua mão pesada na minha coxa. Encaro todos com o coração

transbordando de amor. Kostas está rindo de algo que Ezequiel e tio Enzo
estão falando, os pirralhos estão sendo solidários em não fazerem tanto
barulho para não acordarem o caçulinha da família.

Ainda penso na dona Hermínia e Vicente. Eles poderiam estar aqui

comigo, fazendo parte dessa etapa da minha vida. Perdi as contas de quantas
vezes imaginei que as coisas poderiam ter sido diferentes. Se Vicente tivesse
sido honesto com seus próprios sentimentos, que tivesse sido franco comigo,
que tivesse seguido o caminho do bem, que tivesse freado sua inveja e
ambição. Ele poderia ter conquistado tudo que sonhou com honra, sem se
corromper. Eu teria ajudado sendo sua melhor amiga. Infelizmente não
consigo desligar o meu cérebro e coração para evitar pensar nele, nos
momentos da nossa adolescência, do quanto foi meu alicerce durante meu

tratamento.

Não sei se realmente teria tido coragem para matá-lo. É uma pergunta
que não posso responder.

Naquela noite que se suicidou fiquei muito mal. Foi como se uma parte
de mim tivesse ido com ele. Mesmo diante das suas maldades, das suas
mentiras, de tudo que descobri e me machucou terrivelmente não conseguia
ser indiferente, fingir que não existia mais. Por mais que tivesse tentado,
quando o vi naquele dia trágico, tive certeza.

O homem da minha vida me conhecendo melhor que ninguém, falou

com o nosso líder para abrir uma exceção quanto ao que fazer com o corpo
do Vicente. Ele foi enterrado ao lado da sua mãe. Não comparecemos, não
estava em condições emocionais para presenciar.

A única coisa boa que restou daquela noite foi o fato de termos

impedido que centenas de mulheres e crianças fossem traficadas. Mais uma


vez a Organização Secreta ajudou no combate ao tráfico de humano —
obviamente longe dos olhos da sociedade.

Luri fez uma ligação anônima sobre uma organização criminosa estar
na mansão que Klaus estava usando como refúgio. Foi uma forma de
encontrarem o corpo do Caio Schumacher. Dois dias depois os noticiários só
noticiavam o assassinato do filho dos diplomatas.

Há quatro meses Argus José Morais foi assassinado brutalmente por

outros detentos. Antes disso deve ter desejado a morte, pois pelo que
soubemos e acompanhamos, passou a ser uma marionete nas mãos dos
“chefes” da penitenciaria, que nada mais eram os que tinham mais poderes
aquisitivos lá dentro. Sofreu por meses, sendo capacho, apanhando, vivendo
o verdadeiro inferno estando vivo.

Justiça foi feita. Ele colheu tudo que plantou.


— Quer dançar, pequena? — indaga o meu namorado.

Estou comendo a sobremesa pela segunda vez.

Tem um pequeno espaço para dançar ao som da música romântica que


está num volume baixinho no fundo. Tio Edu e sua esposa abriram a pista de
dança, logo depois tio Enzo foi com sua amada esposa.

— Quero sim.

Nos movimentamos num ritmo lento nos encarando. Amo os olhos de


ônix do Moreno. Na verdade, o amo todinho. Passamos por bastante coisa.
Ele é meu alicerce, meu porto seguro, meu parceiro para todas as horas.

Elordi sempre teve meu coração. Demorou um pouco para o pegar para
si, mas chegou a tempo.

— Agora que concluiu seu curso superior, que estamos morando


juntos... estive pensando que estamos prontos, meu único amor.

— Para? — Beijo seu queixo.

Elordi olha para o lado e Romana se aproxima trazendo um caixinha de


madeira muito delicada. A atenção de todos está sobre nós. E eu estou
perdendo algumas batidas do meu coração super apaixonado por esse moreno
lindo.

— Tatuei o desenho que fez nas minhas costas há anos, sempre a


admirei de longe, mesmo criando uma distância que a machucou, que nos
machucou, meu maior desejo era ter o seu amor. E tenho isso. Eu sou um
homem apaixonado, que sempre vai respeitar suas opiniões, escutar você, ser

seu suporte, não que precise de um homem para a proteger, pois sei que é
capaz, mas sim porque a amo, Arizona. Você me faz querer sempre ser
melhor, sua bondade me atinge e emociona, quero ter bebês com você e
prometo que nunca iremos dormir brigados mesmo que tenhamos anos de

relacionamento. Quero envelhecer do seu lado, quero te encontrar em todas


as vidas.

Puxo o ar tentando controlar a emoção sem sucesso. Elordi abre a


caixinha e vejo um lindo anel muito delicado, o ouro trançado e no topo um
diamante que tem colocado do lado um minúsculo girassol. Automaticamente
levo meus dedos ao pingente de girassol que carrego no pescoço, o qual
gravo nossas datas.

Se ajoelha no chão e pergunta olhando no fundo dos meus olhos:

— Arizona Luna Lacerda Severo, quer se casar comigo?

Os suspiros ecoam em coletivo.

— Pelo amor de Deus, não acordem o meu bebê — implora Miguel,


recebendo caras feias dos nossos familiares.

Sorrio entre as lágrimas, e respondo um enorme:

— Sim! Um milhão de vezes sim, amor.


Meu moreno escorrega o anel de noivado no meu anelar, o beija em
seguida. Quando se ergue me jogo nos seus braços muito emocionada, o

enchendo de beijos. Seus braços fortes me tiram do chão, mantendo um


abraço seguro e carinhoso.

— Te amo, moreno. Meu Deus, eu...juro que não esperava.

—Amo você, meu único amor. — Nos beijamos emocionados.

Quando desço do seu colo sorrio ao ver que todas as mulheres da


família tiraram os saltos — menos Romana que está de all star — os
largando no piso para virem até mim. Uso meu noivo como apoio para
descalçar os pés dos saltos de tira única. Fazemos uma roda, comemorando e
dando alguns pulos tentando ao máximo nos conter e não fazer barulho para
não acordar o Caleb.

DOIS ANOS E DOIS MESES DEPOIS...

Sarai gargalha quando conduzo sua mãozinha gorda na testa da Atena.


Sempre a trago para visitar minha amiga fiel. Na verdade, Arizona e eu
gostamos que nossa filha tenha contato com animais e natureza.

Meu anjo de olhos azuis — um pouco mais escuros do que sua mãe —

está completando seis meses de idade hoje. É uma garotinha muito esperta,
carinhosa. Bom, menos quando está com fome. Isso é algo que também
puxou da sua mãe. Além disso, adora estar na companhia dos nossos
familiares. Caleb e Sarai são os centros das atenções no momento.

Atena relincha mansinha fazendo minha bebê gargalhar mais a ponto


de jogar a cabecinha para trás. Cheiro seu pescoço sentindo o cheirinho do
seu talco e colônia.

No dia do meu casamento — que foi feito próximo a esse haras, pois
queríamos a presença da Atena — após minha esposa dizer sim, anunciou
que estava grávida. Fiquei extremamente emocionado. Fazia menos de um
mês que havia tirado o método contraceptivo, pois tínhamos decidido que
queríamos começar a formar nossa própria família. Foi um dos dias mais

importantes e felizes da minha vida.

Acompanhei toda a gestação da Arizona. Participei de absolutamente


tudo. Ela decidiu que queria parto humanizado. Confesso que fiquei
assustado, então comecei a ler sobre o assunto, ficar por dentro da prática.
Tudo ocorreu bem. Me emocionei, estive o tempo todo com a minha mulher
passando amor, confiança e incentivando.
Chorei quando peguei Sarai nos braços, escutando seus gritos,
admirando seus traços delicados. Ser pai de menina foi um sonho realizado.

Optamos por descobrir o sexo do bebê apenas no nascimento. Eu sentia que


era uma menininha.

— Tete... — balbucia Sarai olhando para mim.

Tata é a forma que se refere a Atena.

— Vamos nos despedir da Atena, meu amorzinho. Mamãe veio nos


buscar — falo quando vejo minha mulher estacionando o Troller.

Minha mulher está à frente da indústria farmacêutica Severo Lacerda.


Ela e Nay são as patroas, montaram uma equipe excelente. Optaram por
selecionar apenas mulheres para os cargos de chefia. Depois de uma extensa
seleção, apresentaram os currículos das profissionais para meus sogros e
outros dois sócios. A indústria tem chamado atenção do mercado
internacional, além de estar atraindo mais investidores.

Apesar disso, Arizona não trabalha longas horas. Tem um horário


especial, pois assim pode se dedicar mais à nossa filha. Eu fiz a mesma coisa.
Não estaria sendo um bom pai e marido se não abrisse mão de algumas
coisas. Tudo que pretendemos fazer dialogamos, isso tem fortalecido nosso
relacionamento.

Arizona voltou a pintar com a mesma energia de antes. A nossa


pequena a inspirou desde que fez morada no seu ventre. Revelei as fotos que
tirei dela concentrada pintada, ostentando um barrigão, com as mãos e dedos

sujos de tintas, descalça e usando uma camisa minha. Amava chegar em casa
e ver minha mulher dessa forma.

Raramente a pego perdida em seus pensamentos. E sei que ainda pensa


nas perdas que sofreu no passado. Respeito seus sentimentos. Ela vai ao

cemitério visitar dona Hermínia. Admitiu para mim que perdoou o Vicente. E
está tudo bem. De verdade, não esperava menos da minha esposa. Apesar de
o ter perdoado, suas visitas no cemitério são para dona Hermínia.

Costumamos visitar dona Stela. Ela adora a Sarai, inclusive fez


algumas roupinhas de croché para nossa menina. Criamos um elo com dona
Stela. E ficamos mais tranquilos pelo fato de ter uma Cuidadora com ela em
seu sítio.

— Atena, preciso levar seu menino e sua menininha, pois minha mãe já

ligou dizendo que falta apenas nós.

Atenta minha bebê logo vira a cabecinha a procura a mãe. Arizona a


pega no colo, enchendo Sarai de beijos.

— Por que trocou o vestido longo por essa saia do caralho?

Quase solto um gemido encarando suas coxas e pernas torneadas.


Ontem estávamos nas preliminares quando sarai abriu o berro. Nossa
pequena tem passado os últimos dias enjoadinha por conta do dentinho que
começou a nascer.

— Olha a boca, amor — repreende fazendo uma careta fofa. — Bom,


estou apenas querendo facilitar as coisas para você.

Pisca o olho direito. Ela não sabe a vontade que estou de a comer do
jeitinho que gostamos.

— Certo. Sou forte. Aguento mais algumas horas.

— Então vamos, moreno.

Nos despedimos da Atena. Abro a porta do passageiro para Arizona


entrar com nossa filha. Quando se acomoda, apoio minhas mãos no banco e
beijo sua boca. Sorrimos entre o beijo com o balbuciar e mãozinhas nervosas
da Sarai nas nossas faces.

Sento-me no banco do motorista e começo a dirigir. Sorrio escutando a

minha mulher brincando com nossa filha, a fazendo gargalhar.

Sou muito abençoado por tê-las.

Carrego dentro de mim marcas que nunca serão apagadas, ou


esquecidas. Mas tenho melhorado, todos os dias me sinto mais forte, mais
saudável mentalmente. Tinha tudo para continuar perdido na minha dor,
remoendo o passado, querendo me machucar para esquecer o que passei. Mas
eu superei. É possível sim... encontrar a felicidade depois de quase ter se
afogado num oceano cheio de dor.
LIVRO 9

O MEU ANJO TATUADO

Minha respiração se altera quando percebo que não consigo me mexer.


Tento focar meu olhar apenas no teto, mas sei que estão aqui... eles sempre
estão. A pressão sobre o peito aumenta. Queria enfiar na minha maldita
cabeça que isso é um pesadelo, mas a consciência de que estou acordado e
que vou sentir todo aquele horror me assusta, perturba.
Não consigo controlar.

Os demônios se aproximam de mim. Não consigo movimentar

nenhuma parte do meu corpo. Por mais que eu tente, minha voz não sai. Sinto
as lágrimas rolarem pelo meu rosto se misturando com o suor.

Eles estão rindo de forma macabra, só consigo enxergar parcialmente


as faces devido ao capuz longo que estão usando. E então aquele maldito

cheiro de quando estava no cativeiro começa invadir o ambiente.

Sem que eu consiga impedir um se aproxima, enquanto os outros


continuam com os sorrisos e dentes enormes à mostra. Aperto o lençol do
colchão com força quando o sinto em cima de mim, puxando a calça de
moletom para baixo. Estou desesperado, por mais que eu tente não consigo
me afastar, o tirar de cima de mim.

Mordo meus lábios com força quando sinto a respiração dele no meu
pescoço, descendo pelo meu abdome. Sei que tem mais deles dentro do meu

apartamento, esperando a vez de entrarem para me violentar. Escuto as vozes,


os murmúrios. Perco o ar dos pulmões quando sinto as mordidas na minha
virilha.

Novamente vou ser violentado e machucado por vários homens. Quero


gritar, quero matá-los com as minhas próprias mãos, mas não consigo sequer
abrir a boca. Estou residindo no inferno nesse momento.
— Anthony! Caralho, garoto!

Reconheço a voz do Kostas e os demônios se vão quando meu corpo é

sacudido pelo líder da minha segurança. Meu corpo sai da letargia.


Rapidamente sento-me no colchão, fechos os olhos sentindo as lágrimas
descerem, desta vez com lentidão.

— Estava paralisado, fazendo barulho com a boca como se não pudesse

falar, chorando — relata. — É a segunda vez que acontece nessa semana.

— Diga algo que não sei.

Levanto-me e vou em direção ao banheiro. Bato a porta, deixando claro


para que não entre. Kostas ainda está se acostumando com o meu
temperamento, agora que passou a ser o líder da minha segurança.

Há sete meses deixou de ser líder da segurança da Arizona promovendo


outro integrante da colmeia para ocupar o lugar que foi seu por anos. Foi uma
decisão que partiu dele, pois queria mais do que nunca ficar o mais longe

possível da cidade.

O principal motivo foi o fim do seu relacionamento conturbado com a


bailarina famosa. Por estar há muito tempo na família, não pensei duas vezes
em o aceitar como o novo líder da minha equipe. Desde então está estudando
a língua turca. No meu tempo livre o ajudo com as pronúncias, passo bastante
dicas.
O maior receio do Kostas é saber o que estou passando e esconder dos
meus pais. Ele não teme pela sua cabeça, e sim minha saúde. Aprecio sua

lealdade e preocupação. Porém, estou muito perto de finalmente iniciar minha


vingança.

Era para eu ter ido à Turquia há dois anos. No entanto, adiei meu plano
por conta de burocracias para conseguir instalar uma sede da Advocacia lá,

além de que, havia prometido ao Miguel que iria esperar o nascimento do


Caleb e seu primeiro aniversário. Depois o Elordi me fez prometer aguardar o
nascimento da Sarai para poder viajar para outro continente.

Por serem meus irmãos de alma cumpri com a minha palavra. Além
disso, nossa família recebeu outro integrante. Tio Edu e tia Maria Flor nas
ações humanitárias que fizeram na Jamaica completaram a família ao adotar
Maria Eduarda. Uma menina preta de oito anos que foi resgatada após sofrer
vários tipos de abusos. Eles ficaram no país que é insular no Caribe dois

meses a mais para resolverem as questões da adoção. Normalmente deveriam


ter ficado bem mais, mas Tio Edu com seus contatos conseguiu apressar as
coisas.

Lavo meu rosto com a água, busco a toalha de rosto e enxugo. Minha
respiração volta ao normal gradativamente. Tem sido cada vez mais
aterrorizante a paralisia. Fiz tratamento com a melhor psicoterapeuta, além de
fazermos acompanhamento com o especialista da paralisia do sono, fora as
terapias.

Para uma pessoa fodida até a alma como eu, apesar de ter recebido o

melhor tratamento... não fui ingênuo ao pensar que iria me curar. O pior é
não conseguir de fato seguir em frente. Carrego dentro de mim a sede de
vingança.

E para colocar o plano em prática terei que desviar da educação que

meus pais adotivos me deram. Nunca escondi o que faria contra todos os
envolvidos que colocaram minha mãe e eu no tráfico humano. Meus pais me
aceitaram mesmo assim. Minha mãe em especial até uns meses atrás tinha
esperança de que eu fosse desistir.

Mas não consigo. É algo que nunca tive como controlar.

Tenho consciência de que quando finalizar a vingança nada irá mudar.


Vou continuar sendo o doente que sou. Sinceramente não me importo. Nada
mais importa, a não ser efetuar com sucesso minha vingança.

Continua...
Primeiramente quero agradecer à Deus por este projeto ter ganhado
proporções imagináveis. A minha amada mãe, dona Maria José, por sempre

apoiar os meus projetos. Um agradecimento carinhoso a todos os meus


leitores que me inspiram e acreditam no meu trabalho, aos leitores que
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LIVROS DA SÉRIE O Juiz Tatuado:

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Luís Eduardo e da Maria Flor.

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casal Luís Eduardo e Maria Flor.

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Agatha.

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O DELEGADO TATUADO.

Duologia Rio de Janeiro

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Série Os Falcão (são 4 livros)

O PREÇO DO PODER (livro 1 da série Os Falcão)

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NOSSO ÉDEN (livro 1 da trilogia Irmãos Ferrara)

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