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2007
Reencarnação Consciente
A Partida
Estava parado diante de seu mestre. Lutava com seus medos. As mãos
molhadas, cabelos da espinha eriçados... Estranhas sensações o cortavam! De todos
os lados brotavam energias, que só em teoria conhecia. O início de sua aventura...
Uma que nenhum ser humano havia realizado antes: “A reencarnação em vida”.
Seu mestre realizava os preparativos para a “aceleração molecular” do espírito.
Aceleração que permitiria a “parte” de seu ser voltar no tempo, reintegrando o “espírito
do futuro” ao “espírito do passado”, mesclando o homem ao menino. Habitando a partir
daquele momento seu próprio corpo, bem conhecido de Jorge, mas esquecido através
das décadas, seu corpo de menino, com apenas 12 anos de nascido.
Existia uma diferença fundamental agora, um espírito mais velho, com maior nível
de consciência, um homem, passando dos 40, viveria no corpo ainda jovem, uma nova
vida pra viver, com a experiência da antiga vida. Situação repleta de possibilidades, o
garoto carregaria as lembranças do homem, seus feitos, sucessos e fracassos,
revividos sob nova batuta.
Reviver? O que poderia ser mudado? Doenças... Meses perdidos em cima de
uma cama? Acidentes... Grande desperdício de tempo, recursos e saúde. Morte, esse
mistério da vida... Seria possível alterar os eventos que levaram à morte prematura de
seu pai?
Numerosas, intensas e magníficas dúvidas atravessavam a mente. A única coisa
certa era a viajem ao passado. O que havia retido na memória representava um grande
perigo, possivelmente para toda a humanidade, dependendo da projeção obtida
através dos conhecimentos carregados. Sair do século XXI e entrar nos anos setenta,
século XX, levando dúvidas, medos, certezas e expectativas, uma mistura psicológica
altamente explosiva!
Acredito ser óbvia a intenção do “grande plano”, não tinham o propósito de
interferir na linha do tempo de forma agressiva. O passado já havia sido escrito pelos
homens, essa responsabilidade não seria alterada, os caminhos trilhados pelas nações
e planetas, nos milhares de sistemas espalhados pelo cosmo, não seriam questionados
por agora, cada grupo assumindo a própria jornada. O grande plano apenas
supervisiona o trabalho diário, não altera o contínuo espaço-tempo por motivos banais,
os ignorantes o intitulam “Deus”, muitos o chamam “O Pai”. Seguem criando condições
favoráveis visando ao desenvolvimento dos seres humanos, ou não humanos, nas
diversas moradas deste Universo. Entre catástrofes e anos de calmaria alguns
“enviados” habitam nesses planetas, de tempos em tempos convivem entre os seres
comuns na tentativa de mostrar o melhor caminho. Idéias luminosas em mentes
abençoadas. Este é um dos recursos do grande plano. O experimento realizado
através de Jorge seria mais uma tentativa, criar um novo recurso... Apenas isto!
Jorge pensava em seus pais. Será que ele os reconheceriam? Por maior que
fosse o esforço, mesmo rebuscando os meandros da memória, não conseguia ter
certeza das personalidades que encontraria.
O tempo promove mudanças, assim é esperado, um mero indício de haver-se
vivido o decorrer das épocas. Os pais é que normalmente tomam conta de seus filhos.
Em nosso planeta os filhos não estão preocupados em compreender a personalidade
de seus antepassados, é da natureza humana, crianças são extremamente
egocêntricas. Esta é uma característica indicadora do nível de maturidade dos seres.
Os verdadeiramente adultos não acreditam ser o centro do universo, são exemplos de
sobriedade, retidão no caráter e sempre com intenções definidas em relação ao
próximo. Os seres assim agindo não provocam aflições nos companheiros de jornada,
Antonio Luiz Canelhas Junior 3
Registro Biblioteca Nacional Nº007702-V03 – 17/08/2007
Reencarnação Consciente
mostram suas intenções de início, colocam o bem estar da coletividade como meta. A
vida não é apenas um jogo, ganhar ou perder dinheiro, prestígio ou poder, isso é
secundário, uma mera conseqüência, a vida é algo muito mais precioso do que estas
mesquinharias, esta pouca coisa que alguns teimam em realizar durante décadas,
afetando a qualidade de vida dos que deles se acercam.
Esses seres, não satisfeitos, até ensinam outros como tornar a vida um
amontoado de tristezas, torturas e sofrimentos. O pior é que a maioria já aprende isto
na escola ao entrar em contato com a coletividade. A incompetência para viver feliz é
inegável! A culpa não recai sobre os jovens, é crime praticado por todos, mesmo
conhecedores da dor provocada pelo sistema, insistem em deixar os jovens
abandonados à própria sorte. Desleixo para com as mentes em desenvolvimento...
“Quem semeia ventos colhe tempestades!”
Assim pregava um dos enviados do grande plano: “Todo aquele, pois, que ouve
estas minhas palavras e as pratica será comparado a um homem prudente que edificou
a sua casa sobre a rocha; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e
deram com ímpeto contra aquela casa, que não caiu, porque fora edificado sobre a
rocha. E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as pratica será comparado
a um homem insensato que edificou a sua casa sobre montes de areia; e caiu a chuva,
transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, e
ela desabou, sendo grande a sua ruína”.
Ele também ensinou: “Ouvistes o que foi dito: amareis o vosso próximo e odiareis
o vosso inimigo. Eu então, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos
perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o
seu sol sobre maus e bons e vir chuva sobre justos e injustos. Porque, se amardes os
que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os cobradores de rendimentos
públicos o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais?
Não fazem os estrangeiros também o mesmo? Portanto, SEDE PERFEITOS COMO É
VOSSO PAI CELESTE”.Esta é a meta que deveria balizar as nossas vidas: o amor ao
próximo!
Jorge pensava nestas palavras do mestre de Nazareth, tentando atingir o
significado de sua experiência. Quantos entenderão tal significado? O Nazareno andou
entre nós e até hoje ninguém segue seu exemplo! Que comportamento assumir diante
de pessoas tão amadas e, no entanto, tão desconhecidas?
Sua mãe ainda era viva, seu pai morrera quando tinha somente 22 anos de idade.
As lembranças de seus irmãos se faziam mais presentes. Como seriam eles naquela
época? Como iriam reagir diante do menino transformado? Dormiria um menino,
pensando como um menino, e acordaria pensando como um homem. Deveria tomar
cuidado, qualquer passo em falso poderia representar uma internação numa instituição
para pessoas especiais, ser tido como louco ou superdotado. Mas assim não era, se
tratava de um homem comum, como outro qualquer... Como seria considerado?! Ser
internado numa clínica era um de seus maiores temores.
A perda da liberdade também o deixava muito nervoso e angustiado. Novamente
sofrer com as diligências que o julgo alheio acarreta. Outros ditando o que comer,
vestir, aonde ir, quase tudo enfim... Ser um menino aos olhos do mundo! Como seria?
Estar preso em um corpo de criança. Sem álcool, sem sexo, sem expressão de juízos!
Preso... Preso... Simplesmente preso!
Como se não bastasse tudo isso, teria que voltar à escola. Seria o pior, ou quem
sabe, o melhor a ser vivido naqueles dias. Não tinha idéia de como seria esta nova
chance de aprender, ou melhor, reaprender. Se possível ampliar os conhecimentos,
O Sonho
Jorge estava dentro de um castelo... Um Castelo? Assim parecia, algo lhe dizia
que estava no interior de um castelo. Um salão com muita gente, pé direito alto, muito
alto, paredes rústicas, uma pintura estranha para nossa época, com certeza era uma
edificação muito antiga. Pessoas vestidas de maneira nada homogênea. Vários estilos
de época, alguns pareciam chineses, outros europeus, também negros de tribos
africanas, hindus... Gente de todo canto do planeta, de tempos remotos e de épocas,
assim lhe parecia, de épocas futuras, vindas de todo espaço-tempo! Passado, presente
e futuro se misturando de uma forma ruidosa.
Parecia uma grande festa, uma festa de loucos. As roupas de Jorge eram
“normais”, vestia trajes característicos do início do século XXI, um típico carioca. Ele se
sentia em um filme, misto de terror e ficção científica. Ali, ficou assistindo àquela
loucura dos homens. Seres que estavam bem à sua frente, comendo, bebendo,
fazendo sexo, gritando, correndo, todos sem o menor constrangimento por estarem
fazendo aquelas coisas, sem o menor pudor! Com assombrosa naturalidade sexos,
bocas, corpos, de tudo ou de todos, viam-se viscosas gotas pingando, escorrendo,
provenientes dos excessos executados por seus corpos. Era o fruto de mentes
insaciáveis, que tentam mitigar os desejos da carne. Não percebiam a impossibilidade
de tal aspiração! Os prazeres corporais são sempre de natureza impermanente,
fugazes, são ávidos por uma próxima oportunidade, procriam vícios. Com sua prática
zelosa provoca vícios. Com o exercício conseguem escravizar a alma do ser humano.
Um espetáculo repugnante para alguns, um deleite para uma boa parte dos seres que
vivem em nosso planeta. Quantos não desejariam mergulhar, deslizar, se lambuzar,
com fartura, ser parte daqueles seres, sentir com eles, despudoradamente se unir aos
participantes daquela festa?
Os vícios têm a capacidade de arregimentar legiões, verdadeiras hordas. Algo
comum dentre os habitantes, encarnados ou não, de nosso planeta!
Jorge permaneceu estático, assustado com o que presenciava, jamais vira algo
parecido, principalmente quando começou a sentir as vibrações que emanavam
daqueles seres! Seus olhos começaram a ver mais do que a matéria comum, começou
a enxergar suas almas, algumas com formas animalescas, outras se assemelhavam a
vermes com cabeças humanas, alguns eram dois! O segundo parecia um animal com
aspectos humanos, fundido ao primeiro. O primeiro não se dava conta do papel que
desempenhava, servindo de instrumento, meio do não corpóreo atingir a matéria mais
densa. Uma cena em particular deixou Jorge atônito. Seres, não corpóreos, buscavam
sem sucesso beber o sangue de um animal recém estripado, lançado sobre uma
espécie de mesa de forma característica, como uma enorme bacia feita de prato
coletivo, onde alguns se fartavam de carne fresca e sangue quente... Jorge estava
aterrorizado!
Em meio a sua confusão mental surge à sua frente um garoto, de uns treze anos
de idade, cujo semblante era totalmente diferente dos demais. Aliviando assim o
desespero no qual Jorge se encontrava. Foi o único a entabular uma comunicação com
ele. Inesperadamente o menino fala de uma viagem, viagem no tempo, esperava pela
explicação, entender o que era aquilo tudo, onde estava, qual a razão de ter sido
trazido para aquele lugar. Que espécie de “festa” era aquela?!
O garoto estendeu sua mão a ele, foi então que outras pessoas acercaram-se
deles. De algum lugar saíram dois elefantes “empalhados”, ornamentados como se usa
na Índia, bastante exóticos! Os elefantes deslizavam à sua frente, como se estivessem
em cima duma passarela móvel ou possuíssem rodas. O garoto lançou, com presteza,
uma das mãos em direção a um dos elefantes e outra segurou firme a mão de Jorge.
Segurou firmemente em uma argola que pendia daquela espécie de sela que ornava os
elefantes. Neste momento foram puxados a uma velocidade estupenda,
instantaneamente já se encontravam em outro local, outra sala, outro mundo... Os sons
desapareceram, um silêncio balsâmico tomou conta de seus ouvidos.
Passados uns poucos minutos, como que voltando de um transe, algumas
daquelas pessoas, puxadas juntamente com ele, em sua maioria mulheres, começaram
a procurar... Receosas, apreensivas, olhando ao redor, buscando com os olhos,
querendo encontrar outros seres... Jorge interpretou os sentimentos que emanavam
daquelas pessoas, sentiu. Elas procuravam seus perseguidores, inimigos, monstros,
algo ou alguém que desejasse o mal daquela gente. Ele não conseguia entender tudo
que sentia... Literalmente podia sentir os outros seres! Seus medos, desejos, todos os
pensamentos brotando dentro de sua mente. Ele percebia a essência dos que estavam
ao seu redor. Bastava focar a mente em um daqueles seres que o cercavam e
imediatamente começava a ouvir seus pensamentos, como se estivesse dentro de
suas mentes. Foi quando Jorge olhou para o garoto novamente... Nada... O menino
não era transparente para Jorge!
– Você pode fazer com que todos nós viajemos no tempo? – Jorge insistia em
penetrar a mente do menino.
– Sempre que for necessário. Sempre que algo de verdadeiramente bom possa
acontecer em função da viagem. – respondeu com firmeza, porém, com uma
expressão de felicidade.
O peixe havia feito uma limpeza na alma de Jorge, sua mente estava apaziguada
com o mundo. Foi então que ele olhou para o menino, notou que ele apontava para a
rua em frente da casa. Ele conhecia aquela rua, era familiar, fazia parte de sua
infância. Por instantes o viço das tenras idades atravessou o sistema sensível dele.
Lembrava de como era ser criança, não de acontecimentos da infância, antes de
qualquer coisa, uma recordação sensorial. Vontade de rir e brincar. Olhando para a rua
que se encontrava totalmente alagada, como um rio, reconheceu um homem que
passava. Parecia impossível, mas era real... Real? O homem estava exatamente como
há anos atrás! Como seria possível? O homem estava bem, jovem, cheio de saúde.
Mais incrível ainda era o fato dele caminhar em meio aquele rio... Rua?! Rua em forma
de rio... O fato era que o homem caminhava tranqüilamente no meio daquelas águas.
Parecia desconhecer o que se passava ao seu redor. A rua inundada, por um rio
caudaloso, com forte correnteza. Seria impossível ficar de pé naquelas águas. Jorge
olhava para a rua... Para o menino... Para o peixe... Onde estava o Peixe? Um
desespero tomou conta de Jorge, sentiu suas pernas amolecerem, sentiu que iria
desmaiar...
Abanou a cabeça com vigor com medo de cair... Que susto! Viu-se em sua cama,
no seu quarto, ao lado de sua atual esposa. Ele estava vivendo o seu terceiro
casamento. Em sua mente gravitava um pensamento único, viajar no tempo, não como
de vezes anteriores, não desejava viajar a esmo pelo tempo descobrindo a verdade
dos acontecimentos históricos, desvendando o que nos reserva o futuro, o futuro da
raça humana. Era uma idéia insólita, uma viagem muito estranha, viajar para a época
em que tinha apenas uma década de nascido. Por que viajar para onde já se
conhecem os fatos? Que tolice! Que desperdício de oportunidades! A carne havia
tomado conta dele novamente. Passou dias sem conseguir pensar direito em nada que
fazia. A todo momento vinha a idéia da viagem, a imagem daquela rua e daquela casa.
Só tinha um jeito.
– Vou até aquela rua e procurar aquela casa.
Jorge ainda estava longe de ser “um homem acima de qualquer suspeita”,
humano exemplar, exemplo de sobriedade, sempre reto no agir. Muitas transformações
e reformas deveriam ser promovidas em seu espírito, muitos eram os problemas que
se encontravam enraizados na mente dele. Sujeiras, marcas psíquicas de uma vida. A
ira era um se seus piores pesadelos, uma manifestação que trazia conturbações,
alteravam o andamento de sua vida. Quando a ira se pronunciava, as alterações se
faziam notar. Sob sua regência coisas banais se transformavam em problemas
insolúveis, sempre deixando seqüelas, proliferando conturbações mentais e uma série
de situações não resolvidas. Muito por limpar. A ira era um trabalho constante, levando-
o a uma atitude indiferente em determinadas ocasiões, o medo de despertá-la estava
sempre presente, conhecia os resultados, quando tomava conta as conseqüências
podiam ser desastrosas. Em casos mais raros ela havia solucionado alguns problemas
que em outras condições a solução imediata seria, no mínimo, trabalhosa, mesmo
assim a ira deixa suas seqüelas indeléveis. Ficava patente que a vida sem ira seria
mais confortável. Viver sem usar o lado instintivo, a força animal, é possível, embora
não seja algo muito fácil de realizar... O medo é muito útil nos momentos certos. Viver
sem a estupidez, a irracionalidade da ira era algo muito importante para Jorge,
acabando por fazer dele um homem solitário. Estava, por vezes, em meio a uma
multidão e, mesmo assim, estava só. Divertir-se, rir, brincar, ser espirituoso e estar,
sempre, completamente só. Não se sentia parte integrante da humanidade, sofria
muito, não entendia a maioria dos motivos apresentados, justificando o apego a essa
vida que todos tanto querem, enfim, a vida era algo desejado, mas ao mesmo tempo
sem sentido! Casar, ter filhos, os melhores motivos, verdadeiros alicerces pra muitos,
nada representava para Jorge... Poder, fortuna, fama, família, isto tudo parecia uma
enorme tolice. Jorge buscava entender essa grande porção da humanidade que
governa nosso planeta.
Ele alegava ter seus motivos. Incrivelmente as pessoas comuns sequer se
questionam em relação a tais fatos. Jorge se considerava indigno de ser pai, acreditava
não ser capaz de gerar um outro humano completamente são. Não o aspecto físico
incomodava, isso sim, o lado emocional do ser humano, que nascendo e se criando a
seu lado, convivendo e absorvendo características psíquicas suas... Isso o enchia de
dúvidas. Sentia-se mau só de pensar em gerar mais um psicopata social, mais um ser
devotado a “avidez e podridão”, como ele costuma dizer.
Com a expressão “avidez e podridão” ele designa os seres que pensando apenas
em seus interesses, família, bens, prestígio, poder, destroem o planeta sem o menor
remorso. Para sua plena satisfação, os seres da “avidez e podridão”, fazem qualquer
tipo de acordo. Visando seus interesses mais imediatos o futuro para esses seres é
algo incompreensível. Sabe-se que, no máximo, eles consideram o futuro da própria
prole. Caminham para a morte amando somente seus interesses, não se importam com
os outros seres, humanos ou não. Jorge se perguntava:
planeta, seria o melhor para todos nós. Poder viver em paz é tão importante quanto
uma boa alimentação. Afinal, somos ou não animais racionais?
Por vezes Jorge sentava num canto de casa e chorava, choro da alma, solitário,
quase perdeu as esperanças. Dizia-se um homem sem sonhos, não ter mais o que
sonhar, sabendo que nada do que desejasse para toda a humanidade se realizaria.
Perdia o significado da palavra sonho.
Havia convivido intimamente com três mulheres, sem nunca ter certeza dos seus
sentimentos em relação a elas. Não queria ser o pilar mestre de um lar, detestava a
idéia de ser obrigado a gerar recursos financeiros para sustentar quem quer que fosse.
Por vezes não tinha muita vontade de gerar os necessários recursos para si mesmo.
Ele dizia que para viver em paz nesse mundo dos homens, é necessário
renunciar a muitas coisas. Certa ocasião me falou de um dia em especial, ao
contemplar sua esposa dormindo no sofá repousando tranqüilamente. Enquanto
assistia à cena sua mente trabalhava... Orava, pedia a Deus o direito de poder viver em
paz com aquela mulher, se possível ter forças para viver no mundo dos homens e gerar
recursos para sustentá-la. Ele chorou baixinho para não acordá-la. Três casamentos...
Tinha medo do futuro, medo de ser impossível ser um homem da paz e fazer coisas
simples como manter uma família.
Esse era o homem que viajaria no tempo, desencadearia uma revolução
sistêmica... Ou não?! Tudo dependendo dos resultados dessa primeira jornada
temporal... Um novo sistema divino... Outra entre tantas tentativas do “grande plano”,
visando acelerar o processo de evolução humana... A tentativa realmente aconteceria?!
Um homem ao repassar pela própria vida, conhecendo um pouco de suas
possibilidades, tentaria dentro de uma “nova” vida construir um futuro diferente? Onde
os sonhos voltassem a ter um significado? Um futuro onde poderia mostrar as pessoas
que tudo pode ser mudado. Efetuando em nossas mentes uma revisão de valores, uma
reforma íntima, a verdadeira reconstrução espiritual. Capaz de ser realizada por
qualquer ser inteligente, de coração limpo, propondo-se a mudar a qualidade de seus
pensamentos, sentimentos, enfim, serem novos seres humanos.
Ele teria umas poucas décadas para revisar os seus valores, matar fantasmas
que o assombravam, sem criar novos problemas para a mente, novas cicatrizes em
sua psique. Até mesmo seus mestres não tinham idéia do que seria ou não possível
alterar durante a viajem. Viajar no tempo-espaço, dentro de sua própria alma...
Quantas possibilidades podem ser geradas? Tudo depende do viajante.
Jorge foi interrompido por uma pessoa que passava e parou para cumprimentá-lo.
Era uma antiga conhecida do bairro, querendo saber por onde ele andava, o que tinha
feito nesses anos, tagarelava com entusiasmo! Com pouco interesse foi respondendo
as questões propostas pela antiga vizinha, subitamente pensou em perguntar pelo que
veio procurar. Ela se recordou de imediato do antigo senhor que morava na tal rua.
Para o completo espanto dele a pessoa que ele procurava, o homem do sonho, era o
tio, já falecido, daquela jovem senhora. Notou que Luana havia perdido o semblante
alegre e fitava-o, enigmática! Ela acabara de lembrar-se dos últimos dois dias de vida
de seu tio. Antes de morrer seu tio contou ter sonhado com um garotinho da rua, e
agora, só naquele instante ele associou a descrição do garoto ao nome real dele. O
menino chamava-se Jorge. O menino do sonho de seu tio estava bem diante de seus
olhos... Perguntando pelo seu tio?
Jorge acabava de se dar conta que o Tiago em questão era filho do “homem que
andava no meio das águas”. Isso fez com que Jorge começasse a andar
vagarosamente até um banco da praça e sentar-se... Assombrado, com o coração aos
pulos, pálido, sem saber o que pensar. Luana acompanhou primeiro com os olhos
depois foi juntar-se a ele, sentando ao seu lado. Seus olhares se cruzaram e
automaticamente se abraçaram... Um abraço estranho pra eles, sentimentos nada
comuns começaram a passar pelo coração de ambos.
Ele segurou-a pelos ombros e pediu-lhe que ouvisse seu sonho sem dizer ou
perguntar nada. Apenas ouvir, como um desabafo... Assim foi. Luana apenas manteve
uma expressão de assombro diante do relato, da descrição da casa de seu tio. Sim, ela
tinha certeza, a casa do sonho era a casa de seu primo Tiago, filho do tal que andava
na rua cheia de água do sonho do sempre maluquinho Jorge. Nem bem acabava de
narrar-lhe o sonho e ela o pegou pela mão...
Não te falei nada ainda, mas meu tio sonhou com você dois dias antes de
morrer, amanheceu perguntando se alguém sabia onde você morava...
Jorge estava perplexo com os acontecimentos à sua volta, começava a intuir que
a tal “correnteza”, citada “pelo garoto”, se referia aos acontecimentos. Já estava ali,
bem debaixo de seus pés, invisível, porém atuando com força. Um rio farto pelas
chuvas, levando tudo que encontrava pelo caminho, querendo ou não, a correnteza nos
carrega com sua força imaterial. Forças desconhecidas ali já atuavam. Para muitos,
uma realidade intuída, atuando junto a nós em nosso dia a dia, uma força viva da mãe
natureza.
– Podemos entrar Luana? Gostaria de ver o quintal. Existe algum lago no quintal
da casa? – ele parecia muito mais animado agora, tinha encontrado o que
julgava ser o fim de sua aventura.
– Temos que esperar um pouco. A casa fica fechada, o Tiago já deve estar
chegando... Você parece mais calmo.
– Espero que esse sonho saia da minha cabeça agora que encontrei a casa.
Isto já estava passando dos limites, eu estava começando a me sentir um
idiota... Pensei que estava ficando pirado.
Novamente ele sentia uma sensação estranha no ar, algo que já havia sentido
antes. Algo voltava a dar sinal, sentimentos conhecidos, intuídos, algo que vinha do
interior de sua mente. Novamente o ambíguo, a dualidade surgia com força. Mundos
“desconhecidos” nascem e crescem enterrados no intimo de cada um... Seu rosto já
deixava transparecer alguma coisa.
Quando o mineiro chegou perto deles, Jorge já não falava, só olhava para os
olhos dele, eram diferentes, mas transmitia algo semelhante ao “peixe”, muito
sentimento... Amor!
– Luana... Amigo... – cumprimentou os dois com calma e mansidão.
Luana, mais que depressa, pôs-se a narrar os acontecimentos das últimas horas.
Estranhamente, pensava Jorge, o tal mineiro não demonstrava nenhuma surpresa,
como se tudo fosse extremamente normal, comum. O mineiro escutava tudo
atentamente, não fazia perguntas nem comentários, apenas escutava tudo com o olhar
perdido no horizonte. Ela foi até o ponto que havia chegado antes...
– Você não estava esperando, procurando, sei lá, alguém guiado por sonhos? –
perguntou Luana sem dar descanso às cordas vocais, estava muito excitada
para se permitir pausas.
O mineiro olhou para Luana, depois para Jorge, que praticamente estava
mumificado. Sentimentos, razões, instintos, tudo dando voltas na mente do sonhador,
deixando-o meio zonzo, o estômago dava sinais... Não dizia uma palavra nesse tempo
todo. O mineiro colocou sua mão sobre a calva de Jorge. Nesse momento ele começou
a ver uma criança flutuando bem à sua frente... A criança foi envelhecendo,
transformando-se em ossos, virou pó... Jorge gemeu rouca e sofregamente... Viu uma
“caverna”, começou a ver um “animal”, não... Não era um animal qualquer... Era um
feto humano... Luz, muita luz, uma criança acabara de nascer... Ele estava sentindo o
processo do tempo em seu espírito... Agora tinha a própria imagem diante de si.
– Meu mestre! É o senhor nesta carne? – Jorge começou a chorar. Fez uma
série de movimentos, gestos, que aparentemente nem ele mesmo conhecia.
– Seu treinamento deve iniciar-se o mais breve possível. A data para a
aceleração molecular, a inversão do espaço-tempo, está muito próxima. Como
você já sabe devemos procurar o ponto ótimo das energias. Vamos. Temos
muito que fazer até a data de sua partida – falava com autoridade.
– Sei que você sentiu... Sei que você sabe que é parte disso também. Não
esqueça de dizer a Tiago que estive aqui. Vou voltar. Muito obrigado por fazer
parte de meu destino, ele não seria tão lindo sem você no meu caminho, você
fez muito por mim hoje! – a mente de Jorge reagia de maneira diferente, ele
ainda não se dava conta do alcance dos últimos acontecimentos.
Antes da “Aceleração”
A data da partida já havia sido fixada. Seu mestre já havia feito todos os cálculos.
A aceleração molecular se daria no local e horário pré-estabelecidos.
Todo o trabalho agora seria feito pelo viajante, sua auto-preparação não era um
mero capricho do mestre, muito iria depender das opções escolhidas após a regressão.
Não eram simples desejos, tudo estava amarrado, planos foram feitos, ele foi escolhido
dentre uma humanidade de “voluntários”, foi escolhido, em parte, pelas suas
deficiências. Era agora um “iniciado” nas viagens do tempo-espaço. Ele deveria pôr o
experimento em andamento.
A missão já estava em curso. Aquele que, entre uma vida e outra havia pedido
por esta oportunidade, já penetrava nas malhas de sua própria mente. Sua evolução
espiritual entrara em campo desconhecido. O grande plano também estava vivendo
uma nova experiência, sabem os resultados desse tipo de trabalho, das possibilidades
infinitas, só o tempo irá mostrar o resultado.
Ele sabia ser sua viagem uma realidade, mesmo assim, as dúvidas corroíam suas
entranhas, afinal ele era apenas um ser humano como outro qualquer. Ficava
totalmente confuso, perdido, entre os conceitos de fé e realidade. É fácil dizer-se
possuidor de uma fé inabalável. A materialização da fé cobra muito mais do ser
humano, devemos possuir uma verdadeira consciência do que somos capazes de
abarcar em nossas mentes, conhecer a concepção que nos cabe, até onde podemos
chegar na concepção de Deus, onde não existam crenças, somente convicções, vindas
da experimentação pessoal. Crenças não cabem neste ponto, nesses momentos
ficamos frente a frente com a realidade do grande plano, somente são aceitos o sentir e
o saber consciente, onde não existem dúvidas a respeito da existência de um sistema
inteligente trabalhando no cosmo. Jorge realizaria uma missão experimental traçada
pelo grande plano.
Vários experimentos estavam sendo realizados por todo o cosmo, visando o
desenvolvimento do “grande plano”, fornecendo informações para os que trabalham
diretamente com os dirigentes. As análises sempre são feitas em suas mentes, com
total consciência das realizações dos “pequeninos embriões” da humanidade. Esses
pequeninos normalmente criam uma série de mitos, lendas, em torno desses seres tão
incompreendidos. Um quadro lastimável... Fruto do pouco conhecimento a respeito das
legiões que labutam incansavelmente na realização do grande plano... A realização de
uma humanidade cósmica. “Existem muitas moradas na casa do Pai”1.
Os homens criam filosofias, religiões, chegam ao extremo, deixam vazar “o caldo”
que brota de suas mentes pouco utilizadas. Esses seres matam em nome de Deus...
Matam em nome do amor! Possuem conhecimento ilustrado, muitos dados pelas
universidades, defendem seus conhecimentos como se fossem provenientes de fonte
superior. Pura insensatez! Aqueles que são desprezados por não pertencerem ao meio
“dito culto”, fala incorreta (?), desconhecimento científico (?), conhecimentos tidos de
excelência que poderão vir a ser a tolice do amanhã, os “sem cultura” sim, muitas
vezes são infinitamente superiores em sua conduta e sentir... Estes são sempre os que
fazem o “grande plano” não morrer e provocam o júbilo dos dirigentes. Aos outros,
principalmente aos ilustrados, resta a pergunta: Como se tornar digno de carregar
algum conhecimento transcendente de alta monta? Também já foi dito e repetido: “A
quem mais é dado mais será cobrado”2. Quando a lei do amor será colocada em
prática? Essa é a Lei primeira deixada pelo grande plano, a Lei maior para os
pequeninos. Esse é um planeta embrionário na escala evolucionária do cosmo.
– Não estou aqui pra te dar muito – seu mestre falava com firmeza –
basicamente realizarei sua passagem, seus conhecimentos devem aflorar
durante suas meditações. Você deve buscar a parte mais pura da criação.
Lembre-se dos momentos em que seus sentimentos afloram. Estes são os
momentos da vida e da morte. Cuidado com os seus instintos. Nos momentos
cruciais da vida, eles nos mostram vários caminhos, eles podem nos dar a
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Reencarnação Consciente
O mineiro não podia falar mais nada. Jorge deveria continuar dentro de certos
limites, saber demais seria prejudicial, fugiria dos objetivos. Muitos seriam beneficiados
com sua experiência caso obtivesse resultados favoráveis, esperados pelo grande
plano, poderiam retirar vários seres deste planeta, bastando desenvolver um sistema
que fornecesse a evolução dos seres com requisitos mínimos, assim é a exigência dos
Dirigentes.
O Mineiro deveria calar-se. O silêncio agora deveria falar mais que todas as
palavras.
Jorge deveria, durante aquele mês de dezembro, trabalhar suas dúvidas. Com os
olhos do entendimento, ir buscando elementos do passado, encontrar os pontos de
risco. Analisar com a razão, principalmente com muita sensibilidade, buscando os mais
profundos sentimentos vividos na primeira passagem. Os transtornos experimentados
pelo coração assumiriam crucial importância naquela jornada. Ele estaria mergulhado
numa realidade incomum já no primeiro segundo de sua curiosa viagem. Mesmo para
os que não alcançam o incrível desta jornada, creio eu, os perigos de tal aventura são
evidentes.
Não deveria externar suas emoções quando lá chegasse. As mudanças nele
ocorridas, se possível, deveriam aparecer lentamente, gradualmente, não levantar
suspeitas, evitando chamar atenção sobre si, provocando o menor número de conflitos
possível. Ele dormiria com doze e acordaria com uma mente de mais de quarenta. Para
todos os observadores ele seria apenas o menino de sempre, dormiria falando,
gesticulando, pensando como uma criança, acordando como um homem preso num
corpo de menino. Talvez gestos calmos e lentos, respostas curtas e monossilábicas
fossem a melhor maneira de atuar. Realmente... Durante dias sua vida seria uma
experiência teatral, viveria o papel de um menino.
Grande preocupação representavam seus pais, suas lembranças não possuíam a
exatidão desejada. Apenas lembranças da infância e adolescência. A forte impressão
exercida pela vivência dos acontecimentos dos últimos anos o deixava preocupado.
Sua mãe sofrera muitas alterações na psique, a morte do marido marcava o fim de uma
época. Tudo se modificara em suas vidas, mudanças nas finanças e em seus
comportamentos. O nível de liberdade sofrera profundas mudanças, limites não eram
conhecidos. Algumas loucuras foram executadas com um requinte todo especial.
Dinheiro, liberdade e falta de maturidade são reconhecidamente uma das mais
explosivas misturas do planeta. Desde tempos imemoriais esta combinação está
acabando com a vida de muitos seres humanos, matando, literalmente, alguns e
deixando cicatrizes indeléveis em outros. Quantos não estão aleijados e quantos não
vão morrer ainda por isso? Quantas guerras começaram assim? As conturbações
vividas, durante as inevitáveis adaptações da mãe viúva, tinham alterado suas
impressões, partes da infância e adolescência desapareceram da mente, sua mãe não
cansava de dizer que ele só guardara na lembrança as coisas ruins do convívio
familiar.
Seu mestre o advertira a respeito da tentação das argüições, provocando
possíveis suspeitas nos envolvidos. Dentro do que foi traçado pelo grande plano, o
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retorno deveria realizar-se com a memória comum, aquilo que retiramos da vida, se
pesquisas fossem feitas, impressões alheias se somariam às lembranças do
reencarnado. Nada além do comum, assim deveriam as mudanças ser realizadas a
partir do comportamento do indivíduo. Fazia-se necessário gastar um mínimo de tempo
no preparo da viagem, não dando chance ao reencarnado de sofrer alterações
advindas desse estágio.
O exemplo seria a grande arma do reencarnado, a base de sua conduta deveria
ser construída na confiança depositada no grande plano e na Lei do Amor. O viajante
deveria usar suas armas da melhor maneira possível. O grande plano esperava
resultados mais animadores desta vez. Os grandes exemplos enviados por eles não
geraram os resultados esperados... Até hoje! Aqueles seres, os humanos da Terra,
ainda mantinham milhões de seus semelhantes cativos. Homens feitos escravos em
nome de Deus. Homens escravos de homens... Em nome de Deus!
Seu pai foi um homem trabalhador, construíra uma vida através do sacrifício
próprio, imigrante europeu, sofrera na infância e adolescência. Aos dez anos de idade
carregava carvão nas costas para ajudar na renda familiar. Filho de um quitandeiro em
Ramos, nos subúrbios do Rio de Janeiro, trabalhou duro por toda a vida... Morreu sem
viver a aposentadoria! Conseguiu colar grau quando já casado e com um filho. A
batalha por uma digna qualidade de vida no Brasil nunca foi matéria fácil para um
trabalhador, nesse país os que acreditam no trabalho ainda sofrem muito. As condições
financeiras e culturais de seu avô e seu pai não eram privilegiadas, contribuindo
negativamente para a formação de seu quadro psíquico. Aquele cidadão, pai, seguia as
regras, amava as frases feitas, os ditos populares, homem de pouco conhecimento
filosófico acadêmico, sempre caminhando pelas trilhas conhecidas e populares. Vencia
os limites somente quando acossado pelas circunstâncias financeiras ou pelos apelos
de sua família, desempenhava seu papel de homem e chefe de família, com certeza
um de seus maiores orgulhos. A família era tudo pra ele. Homem muito religioso, na
concepção mais comum desta expressão, “coroinha” na infância e “cacique de mesa”
depois, espírita fervoroso, dirigente de reuniões Kardecistas, pessoa que beirava o
fanatismo. Um homem que buscava a salvação em detrimento da evolução. Quando
analisadas suas várias facetas, empresário, homem religioso, pai de família, surgiam
grandes paradoxos, seus atos contradiziam seus discursos, coisa comum dentre os
que buscam a salvação e não a evolução.
A mãe de Jorge havia feito um casamento para fugir do pai. Saiu do jugo de um
para cair sob o jugo de outro. Tinha problemas com toda a sua família. Não
compreendia os valores dos pais e irmãos. Não encontrava seus próprios valores.
Amava e odiava ao mesmo tempo, tudo era vivido com muita intensidade, por vezes
intenso demais pra ela mesma, vivendo um eterno vulcão sentimental, tendo seu
emocional em constante convulsão, totalmente imprevisível. Defendia seus filhos como
uma leoa. As brigas com o marido eram quase inevitáveis. O fenômeno que mais
contrastava em sua personalidade era sua mediunidade, podia concentrar energias
com facilidade, realizar curas, trabalhar com os menos favorecidos, alimentando e
educando crianças órfãs, trabalhando sempre o externo. Criou várias instituições ao
longo da vida, tratamento e abrigo de idosos abandonados, orfanatos, tratamento de
doenças mentais, uma espécie de hospital psiquiátrico para pessoas com problemas
espirituais. O mundo dos machos era mais um novelo sentimental para essa filha de
imigrantes italianos, muitas de suas realizações foram atribuídas ao seu marido, o
mesmo já ocorrera com seu pai, em menor número é bom que se diga, seu pai era um
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Quando pensava em seu irmão mais velho nada o incomodava. Conhecia o futuro
dele, sabia que ele tinha uma maneira toda própria de ver as coisas. Seu futuro seria
brilhante, aos trinta e cinco anos seria um dos melhores do planeta em seu ramo de
atividades, gerenciando projetos de bilhões de dólares, atuando em todo o planeta. Ele
comentava por vezes de maneira jocosa: – Meu irmão é como aqueles camaradas que
aparecem em propagandas de cartão de credito internacional! – Em relação a ele o
problema seria inverso, mudá-lo não seria uma opção, não comprometer seu futuro
seria a meta. As mudanças espirituais de Alex já estavam programadas no futuro, na
época da inversão seu irmão estava cuidando disso, sempre através do academicismo
bem é verdade, mas ele estava estudando, fazendo cursos universitários de teologia e
assuntos ligados à espiritualidade humana. Alex sempre foi um ser auto-suficiente,
estudou teologia demonstrando ao pai que conhecia melhor aquilo, que o pai, pensava
saber, grande engenheiro, aprendeu a sobreviver dentre os homens do poder, sabia
ver e pronunciar-se quando a palavra cabia. Jorge encontraria Alex já perto de sua
maior idade, estaria com os alicerces de sua personalidade formados, bastaria não
incomodar, deixar seu caminho seguir como antes. Terminando a universidade em
quatro anos e meio, sendo um dos melhores de toda a universidade, empregado antes
mesmo de concluir o curso, casando logo em seguida. Ele ficaria pouco tempo nessa
primeira grande empresa que lhe acolheu no início de carreira, entraria para uma
multinacional, estabeleceria residência na Europa, lá se tornaria o homem de negócios
que é hoje. Jorge talvez devesse aprender mais com Alex, absorvendo alguns
elementos de sua mente. A falta de determinação causou muitos problemas
profissionais na vida de Jorge, aprendeu que excesso de sentimentos não combina
muito com engenharia, sua primeira formação. Sentimento sem direcionamento acaba
deixando a pessoa sem saber aonde ir. Tudo nessa vida deve ser coordenado e
direcionado.
Já quando pensava em sua irmã mais nova a preocupação novamente se
instalava. Dentro do futuro vindouro muitos eram os pontos de sofrimento e lágrimas,
embora ela tivesse a capacidade de esquecer esses momentos, ele desejava um futuro
melhor para ela. Não completou seu ensino médio, nunca se capacitou
profissionalmente... Bom... Sua profissão era ser mãe, como muitas mulheres
brasileiras. Não era uma dona de casa dita exemplar, mas também seu marido era um
cidadão que deixava muito a desejar como marido e pai. Como amante... Jorge nunca
ousou perguntar. Certo era que todo final de mês seus filhos tinham que comer o que
tinha, ela pedia dinheiro a Jorge e à mãe, únicos a lhe ajudarem a criar seus filhos. Já
havia se casado antes com um homem de melhor poder aquisitivo, amigo de Jorge,
mas que também tinha suas manias estranhas, bizarras. Esse primeiro casamento
terminou em parte por desinteresse, em parte por querer viver em paz. Tanto sacrifício
e luta por nada. O segundo bateu nela várias vezes, alcoólatra, sem formação moral
básica, para Jorge ele não passava de um aproveitador. A maior virtude de sua irmã
era a vontade, o desejo profundo de lutar por uma vida simples e em paz. Clarice
parecia não dar valor ao mundo material, pouco lhe bastava para viver, os filhos e que
demandavam um gasto financeiro que, ingenuamente, foi desconsiderado, por ela, no
momento de colocá-los no mundo. Tendo um teto, comida na mesa, um homem de
bom humor para compartilhar a cama, ficava plenamente satisfeita, sua vida era uma
grande aventura feliz. Jorge às vezes ficava admirando Clarice brincando com os filhos
no quintal da casa, ela parecia uma criança, todos se divertiam como se não houvesse
um amanhã. Quem sabe se o mundo não é só isso mesmo? “Olhai para os lírios do
campo, como crescem; não trabalham nem fiam... “3. Ela também não estava
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preocupada com a evolução, mas também não estava preocupada com a salvação. Ele
por sua vez desejava um futuro melhor para Clarice, sem fome, sem tantos atropelos
financeiros, não queria mudar a maneira de ser de sua irmã, nada disso, apenas queria
que ela fosse capaz de gerir seu próprio sustento, sem mudar sua maneira de ser,
simples e feliz. Será que isso seria possível? No fundo ele sabia que sua irmã, a seu
modo, sempre viveu com mais arte de que ele. Lembrava dos desamores de Clarice,
sentimentos de dor, sem ter com quem conversar em família, nas condições
psicológicas em que ela se encontrava quando nasceu seu primeiro filho, caminhos
trilhados por ela dentro de uma sociedade que nunca amou as mães solteiras,
caminhos estes muito questionáveis, envolvendo o mistério da paternidade... Quem
não conhece uma história dessas? Tantas pequenas coisas que poderiam ser de outra
maneira... Assim são os fatos que envolvem os filhos que são gerados dentro de um
ambiente de brigas e desconfianças. Isso tudo acontecendo logo após a morte do pai.
Restava uma pergunta: Será que não foram esses descaminhos que a levaram ao
encontro da paz interior? Jorge tomava consciência do que não deveria ser mudado.
Ela só necessitava de apoio, mais um pouco do lado material, pouco que somado ao
pouco que tinha, fazendo-a viver melhor, mas não perdendo a paz conquistada. No
fundo, sem saber, ela praticava o grande conhecimento, viver com o mínimo
necessário, uma Lei básica do grande plano, a Lei do Equilíbrio.
Jorge, como sua mãe, era um “emocional”, muito já havia ocorrido sem a mínima
necessidade, criando apenas muita instabilidade. Quando tinha trinta e sete anos de
idade ainda não sabia o dia de amanhã, com mais de quarenta, na época da inversão
seu amanhã não era promissor, todo dia que nascia guardava sua dose nefasta de
insegurança. Também se formara engenheiro, verdade seja dita, estudou sem saber
bem o motivo daquilo tudo, achava que a vida deveria ser algo mais simples, o curso
foi feito por imposição de seu pai, nunca foi um desejo dele. Depois da morte do pai foi
estudar música, tocando profissionalmente na noite, dando aulas de seu instrumento.
Pela música largou todo o resto, queimara seus navios como diziam os amigos. A
música foi uma vontade sua, mas já era tarde para ele começar uma carreira sólida
num meio tão difícil. Iniciou seus estudos musicais aos vinte e cinco anos de idade.
Alguns conseguem superar as dificuldades de iniciar-se tão tarde na música, mas esse
não foi o caso de Jorge, ele já se preocupava muito com o vil metal, foi negligente com
a arte em si. Aos trinta, sua maior preocupação na vida era o dinheiro, essa tônica iria
persegui-lo até o dia da inversão. Foi cozinheiro, garson, “vagabundo”, dono de
restaurante, desocupado... Bom é que sempre tentou e nunca parou de aprender. Aos
quarenta, voltou para a faculdade para fazer licenciatura em física, complementação
feita em cima do curso de engenharia. Aos quarenta e poucos, prestou concurso e
tornou-se funcionário público do Estado do Rio de Janeiro. Importante é que sempre
procurou a evolução e o autoconhecimento. Toda vez que tentava exercer a profissão
de engenheiro descobria-se mais “manso” do que deveria, não podendo sonhar em ser
um engenheiro de verdade. Ele tinha muito mais semelhanças com sua irmã do que
com seu irmão. A busca do seu modo de viver em paz é que passou a balizar sua vida.
Descobriu isso sim, que ensinar era uma das suas maiores vocações, assim manteve-
se dentro da área educacional a partir do momento em que conseguiu sua primeira
colocação como professor numa cidade do interior do estado.
Na ocasião em que teve o sonho e o conseqüente encontro com seu mestre, já
estava no caminho da paz, não havia encontrado uma vida estável, mas já não
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Reencarnação Consciente
A Chegada
Neste momento ele experimentou uma contração, ele realmente estava sofrendo
um processo de redução da “massa corpórea”. Seus cabelos balançavam ao vento,
não sentia isto há anos, estava calvo no início desta viajem. Enquanto os cabelos da
cabeça reapareciam, os do resto do corpo desapareciam. Ele sofria uma verdadeira
transformação.
Simultaneamente as energias pareciam brotar do interior de seu “corpo”... Ele
experimentou várias ereções durante o processo. Dava gargalhadas, sentia “calores”
acompanhados de um sentimento de fúria. Sentia todo tipo de sensações,
acompanhadas de uma infinidade de emoções.
Lentamente o processo chegava ao fim. Tanto as mudanças quanto à velocidade
de vôo diminuíam, até o repouso ser conseguido.
Jorge não acreditava... Novamente menino... Ao tomar consciência de sua “nova”
condição, falou emocionado.
Ele pensou em dialogar com aquela voz, mas não deu tempo. Aquela imagem à
sua frente terminou se dissipando. Tudo sendo pintado por uma explosão violeta.
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Reencarnação Consciente
Aquilo foi um susto terrível. Estava se sentindo pesado... Com um pouco de dor de
cabeça... Aquela leveza que experimentava há pouco havia sumido por completo...
Notou que estava escuro, não conseguia ver absolutamente nada. Entrou em
pânico mais uma vez. Começou a pensar que o tinham abandonado em “algum lugar”
estranho, ridiculamente pensou:
Espantado com o som da própria voz, abriu os olhos. Seu coração batia forte e
muito rápido, pensou que teria um ataque cardíaco. Olhou para o teto e reconheceu a
luminária... Percebeu com assombro que se achava deitado numa cama. Neste
momento o resto de seus sentidos “acordaram”... Veio a audição, o olfato, tudo em fim,
num explodir de sensações físicas.
Com muita coragem foi virando lentamente a cabeça até reconhecer a cama ao
seu lado. É... Tinha outra cama além da sua naquele quarto. Havia um rapaz deitado
nela!
Em um gesto rápido voltou seu rosto novamente para o teto. Tinha que tomar
coragem e investigar o resto daquele cômodo. Lentamente foi sentando na cama,
conforme se movia a cama estalava, fazendo um barulho terrível, uma verdadeira
sinfonia de ruídos, tudo que ele não queria. Pretendia levantar sem acordar a pessoa
que estava na outra cama.
Já sentado, iniciou a investigação do cômodo, buscando a confirmação de suas
suspeitas. Estava em um quarto residencial, com grande armário, uma mesa e duas
camas. Havia uma única janela e um aparelho de ar condicionado abaixo dela. Não
sabia o que pensar... Alívio por conhecer o cenário ou pânico pelo mesmo fato. Quando
olhou para suas mãos, seus braços, seus pés... Que loucura, ele estava, realmente,
preso num corpo de menino.
bem maior do que imaginei. – falou com todas as letras, pausadamente. Seu
irmão não estava acostumado com esse modo de agir e falar, ele era um pré-
adolescente de classe média.
Levantou os olhos e deu de cara com seu irmão fitando-o como quem analisa um
objeto desconhecido.
– Você está bem? Tudo legal? – Perguntou Alex com uma calma medida.
– É sonho... Foi um sonho... Vou ao banheiro. – em um ato de coragem e
confiando em sua memória, iniciou a sua jornada propriamente dita...
Levantou-se, deu a volta na cama, foi até a porta do quarto, abriu e saiu
fechando a porta atrás de si.
Aquela revelação era mais que uma coincidência, aquele era um dos sinais, que
normalmente passam despercebidos, pela maioria de nós, um sinal que corretamente
interpretado, nos dá o devido sentido de nossas vidas. Quando estamos cheios de
idéias preconcebidas, nos achando senhores da verdade perdemos o poder da
simplicidade, não conseguimos enxergar os sinais que a vida nos dá todos os dias,
vindos de todos os cantos, inclusive do próprio ser. Insatisfações... Angustias...
Alegrias... Desejos indefinidos... Fazer uma leitura constante dos nossos sentimentos,
buscando os sinais que nos dão a devida grandeza da influência de nossa interação
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Reencarnação Consciente
com o mundo, tanto o mundo externo quanto o mundo interno. Seja na vitória ou na
derrota, os sinais estão lá... Prontos para serem colhidos e analisados. Os sinais são
sempre precisos... Nós é que não os interpretamos corretamente e a tempo hábil.
Jorge não deixou escapar muito de si para o ambiente, mesmo assim as
mudanças não passavam despercebidas, agora sabia que certo equilíbrio estava se
estabelecendo. Não deveria entusiasmar-se com os resultados, forçar poderia ser
perigoso par todos. “O caminho do meio” era uma ótima opção de conduta. Seus
desejos internos fervilhavam, deveria suportar por mais tempo, muito tempo ainda, sua
mente e os amigos do grande plano seriam suas únicas companhias.
Quando Jorge pensava em sua mulher... Quase enlouquecia, lembrava de seu
cheiro, seus beijos, dormir sentindo seu calor... Fazer carinho, receber suas carícias,
chegar ao orgasmo simultaneamente com a mulher amada... Sexo com amor, com
muito amor e intimidade é bom demais! Ele sabia quem havia sido a cúmplice no
extermínio de sua virgindade... Será que teria coragem de repetir a façanha? Seu corpo
era virgem, mas sua mente não! A energia era de um garoto de 12 anos, mas a
racionalização do ato era de um homem de mais de 40 anos de idade. Ele sabia que a
mulher, da primeira relação, não era a pessoa ideal para este fim, pensando como
homem e não como menino não iria repetir aquele ato. A lembrança de sua esposa
estava muito viva em sua mente... O sentimento ainda era de traição!
– Trair a minha gata com qualquer uma... Acho que não vou sentir tesão...
Minha linda é tão gostosa... – pensava ele, angustiado com aquela situação,
dentro de um corpo cheio de energia, uma mente apaixonada por uma mulher
que tinha apenas 7 anos naquela época, pior, estava muito distante da
localidade onde ele se encontrava. Era uma situação insólita!
O viajante das épocas sentia que não deveria deixar aqueles desejos tomarem
conta de sua mente, havia outras coisas para se ocupar, assuntos de maior relevância.
Em poucos dias começaria o período escolar. Aulas, escola, novas interações com o
mundo adolescente iriam se iniciar, relacionamentos com os seres de “sua faixa etária”,
uma experiência que não trazia boas recordações. Da primeira vez ele havia sido
rechaçado pelos grupos ligados aos modismos, ele era um menino muito sentimental
naquela primeira época, com o tempo havia aprendido a dominar-se. Agora deveria
controlar o adulto que carregava dentro de si, apenas proteger-se, não podia agredir
aqueles seres de forma alguma, entretanto estes seres estavam no ápice da cultura da
crueldade, eles eram simplesmente adolescentes.
Além de seus colegas de cruz, estariam lá os professores, inspetores,
coordenadores, diretores, uma porção de adultos com o poder de determinar “o melhor
caminho a ser seguido”.
– Mais pessoas mandando em minha vida! Se tiverem reações tipo meus pais...
Acho que vão representar o menor de meus problemas. É só fazer o serviço
bem feito... Ser profissional... – Ele deu uma gostosa gargalhada e pensou – É
só ser um profissional melhor do que eles!
Os Primeiros Contatos
– Isso vai ser uma moleza, uma tremenda terapia ocupacional. Enquanto eu me
preparo para as decisões mais importantes do futuro. Isso vai ser a minha
melhor distração, vai ocupar o meu tempo de uma forma construtiva e acredito
que vai ser muito divertido...
Devido à fusão de duas grandes empresas, seu pai, um dos homens de confiança
de uma delas, ligado particularmente a um grande acionista, exatamente o que
entregara suas ações, teve sua posição desestabilizada, tornando-a insustentável
dentro do grupo, levando-o a pedir seu afastamento da empresa recém formada.
Sabotagens, tentativas de denegrir a imagem de profissionais, coisas que os
detentores do poder sabem fazer com maestria. Como ocorre, infelizmente com grande
freqüência, os justos pagam pelos duvidosos, esse foi o caso de seu pai.
Dentro de casa foram meses de alta tensão. Embora já fosse conhecido o
desfecho de tudo aquilo, foi esta a inesperada ocasião para a consolidação de uma
grande amizade. Jorge iria se tornar um grande amigo de seu pai!
Com muito cuidado Jorge aproximou-se de seu pai, com carinho, com palavras
de compreensão, dando-lhe ânimo, dizendo ao pai o que era amplamente conhecido,
afirmando que ele era um dos grandes em seu ramo. Poucas vezes se ouve isso de um
filho, um garoto de 13 anos. Mesmo usando uma linguagem bem simples o impacto da
situação foi natural... Uma criança dando forças a um profissional tarimbado. Jorge
recebeu o primeiro abraço significativo de seu pai, para ele um abraço de épocas,
nunca recebido antes, um abraço de mútua compaixão! Diante daquele abraço toda a
família sentiu-se solidária a seu pai, a situação durante aqueles instantes pareceu não
ser tão grave!
Como já era esperado pelo viajante, seu pai foi admitido em uma empresa do
mesmo ramo, o transtorno seria a transferência para outro estado. A primeira grande
mudança em suas vidas já estava em curso.
Um dos membros da família iria ficar distante dos demais, seu irmão, que estava
cursando seu primeiro semestre na faculdade, não participando desta etapa da vida
familiar. Ao final de 1973 todos se mudariam para uma nova cidade em um novo
estado. Seu irmão trilharia seu caminho solo pela primeira vez.
Na verdade Jorge estava voltando pra casa, pra conhecer melhor a cidade onde
nascera. Descobrir as características de uma época, tendo a grata visão de suas
lembranças, encontrando pessoas conhecidas. Somente o viajante as conhecia nessa
nova vida, já sabia de antemão quem era um possível amigo ou não. Conhecia muito
sobre pessoas e lugares que reencontraria, poderia conhecer ainda mais e melhor sua
cidade natal.
Para Clarice é que tudo seria novidade, uma grande oportunidade de observar a
adaptabilidade do ser humano. Sua irmã iria conhecer aquela cidade pela primeira vez,
agora teria idade suficiente para reter suas experiências.
– Serei apenas mais um adolescente. Não posso ficar sozinho o resto de minha
vida, eu também posso aprender com ela, com novas experiências... Puxa!
Nada tem sido da mesma maneira! Por que não?
A única coisa que lembrava com nitidez era o sabor de seus beijos... A sapeca
havia lhe ensinado muito bem a arte de beijar.
escolherem onde queriam estudar no futuro, ficando preparados para se colocar entre
os primeiros de qualquer concurso ou prova de acesso às universidades, desde que
assumissem um compromisso com os estudos e com seus professores. Sendo
preparados para seguir a careira escolhida. O colégio, visando a uma preparação
específica, separava logo na primeira série do ensino médio as suas turmas por áreas
do conhecimento humano, objetivando as diferentes carreiras escolhidas por seus
alunos. “Exatas” para os que iriam cursar engenharia, física, matemática e áreas
correlatas. “Humanas” para os que iriam cursar advocacia, pedagogia, letras...
“Biomédica” para os que iriam cursar medicina, biologia, odontologia... Assim se
organizavam os alunos e a grade curricular desde o início do ensino médio,
privilegiando as futuras necessidades do aluno quando dentro da universidade.
Naquela escola Jorge iria mudar o “seu destino”, deveria alterar os
acontecimentos, da primeira vez graduara-se em engenharia, desta vez iria direcionar
seus esforços noutra direção, iria buscar o primeiro desejo, que fora abandonado.
Muitas vezes erramos por não seguir os impulsos iniciais e passamos o resto da vida
se justificando pela opção que foi feita no passado. Jorge iria para a área biomédica.
Novamente não iria conhecer muitas pessoas que eram seus antigos parceiros de
estripulias escolares, essas pessoas que eram conhecidas de Jorge talvez nunca
viessem a conhecê-lo, as mudanças estavam se acentuando a cada quinzena...
A primeira grande ruptura, em relação ao passado vivido, iria ocorrer no momento
de sua nova escolha. Dali em diante seu futuro guardaria pouquíssimas relações com o
futuro conhecido, o passado começava a se desmanchar diante de sua nova escolha, o
futuro tornando-se desconhecido novamente, pelo menos uma boa parte dele!
Deveria passar a estudar muito, preparar-se para uma nova carreira, tão nova
que todos os olhos do mundo invisível se voltariam para ele, o grande-plano estava
atento às suas opções, espreitando e antevendo os desdobramentos de seus atos.
Interferindo se assim se fizesse necessário! O viajante havia sido informado a esse
respeito, o mais importante seria sempre a lei do amor... “Amai-vos uns aos outros
como o Pai vos amou 4”. Fica claro que não seria exigida a perfeição por parte do
viajante, ela só pertence ao “Pai”. O mundo que constitui o Pai estaria atento, visando o
sucesso do experimento.
A mãe dele ficou estupefata com os modos de seu filho. Não acreditava no que
havia visto. Via seu filho meio como uma caixinha de surpresas. Nenhum de seus
filhos, inclusive o próprio Jorge, havia se comportado tão elegantemente diante das
situações desconhecidas. No Rio de Janeiro ele ia pra escola a pé se fosse de seu
interesse, nunca foi imposto a ele esse convívio com estranhos! Sua mãe apenas ficou
abanando a cabeça afirmativamente e no final deu dois beijinhos em D. Maira a acenou
pras crianças.
O viajante primeiramente tratou de manter um bom diálogo com D. Maira.
Conseguindo as graças da mãe espera abrir caminho par os braços da filha. Era meio
ridículo aquilo tudo... Da primeira vez ele não fez nada, ela tinha feito tudo sozinha,
mas ele sabia que naquele instante a menina tinha outro pretendente em sua mente, a
primeira vez já havia fornecido este dado, não devia ir com muita sede ao pote ou poria
tudo a perder. Alem do mais tudo era diferente da última vez, ele nas Exatas, onde
predominava o sexo masculino, desta vez haveria outras pessoas para conhecer,
novas experiências, quem sabe os planos poderiam ser totalmente transmutados!
Com duas semanas de escola e as dificuldades acadêmicas se iniciando, a
proximidade entre eles foi natural. O que um dominava melhor era o ponto fraco do
outro. O que aproximava os dois um pouco mais, era o fato de Jorge dominar muito
bem, tanto física como matemática. Coisa que não era muito natural dentre os
estudantes das áreas humanas e biológicas. Além disto, a proximidade de suas
residências foi fato decisivo, em caso de necessidade ele era pra ela uma opção
segura. Ela sentia sua determinação em ajudá-la, um aluno empenhado nos estudos,
como ficou claro nas vezes em que ele havia lhe procurado para estudar língua
portuguesa. Ela poderia contar com sua ajuda nas áreas que não tinha domínio.
Estava parecendo que determinados relacionamentos estão escritos no Céu.
Jorge por vezes esquecia-se totalmente de quem ele era, sua sensibilidade aflorava,
aquela menina parecia uma bela mulher, conversava com desenvoltura, era
maravilhoso... Nada disso esteve presente na primeira vez! Nestes últimos anos não
havia conseguido conversar assim com nenhuma pessoa de sua idade aparente, todos
eram crianças, crianças vivendo suas vidas dentro da normalidade, dentro de suas
mentalidades naturais é bem verdade, ele é que estava fora de sincronia. Ele havia
sofrido muito com sua irremediável condição de solitário, não podia revelar nada,
condição básica a ele imposta pelo grande-plano. Sentia-se pela primeira vez, nesta
viagem, como se fosse um integrante daquele tempo-espaço, coisa que nunca dera
valor, em vidas, até então. Com os de sua idade aparente normalmente se sentia como
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Reencarnação Consciente
um peixe fora d’água, acabando ser considerado, por vezes, um tremendo esquisito,
uma criança fora dos padrões. Aquele relacionamento, aparentemente, tinha uma
tendência a acalmar seu coração, sentir-se um ser humano como outro qualquer. Pela
primeira vez em vidas soava agradável a expressão “normal”, estranhamente esse
sentimento ecoava agradavelmente em sua mente. O surpreendente disto é que jamais
tais colocações foram um incômodo. Ser diferente era motivo de orgulho, adorando ser
tachado de louco, extraterrestre e coisas desse gênero. Aquilo tudo estava mexendo
com sua maneira de ver o mundo. Aquela menina o deixava encantado... Por vezes
pensou ser um canalha. Isto vinha à tona quando sua verdadeira idade gravitava em
sua mente!
– Deus que me perdoe... Por fora só tenho quatorze anos, estou quase fazendo
quinze, que diferença também... Meu Deus! Um sinal, por favor! Estou
embarcando no potencial deste meu novo corpo... – Ele pensava com pureza
d’alma, angustiado pela lembrança dos momentos de solidão, com o coração
confuso... Confusão feita de lembranças de sua vida anterior... Que falta fazia
um carinho, um aconchego, um beijo... Sexo... Tormentos que se alojam em
suas bases religiosas, tormentos que são uma afronta aos desejos e instintos
do ser natural.
Em suas meditações algo de novo também acontecia, sentia-se em paz, uma paz
abrangente, pois agora, reinava em seu coração o amor por Deus e a faísca do amor
que Deus nutre pela humanidade. Não sentia o coração seco como antes, aquele amor
menino parecia renovar sua alma. Por vezes sentia medo, pois, sabia que no ano
seguinte não teria Bianca por perto, ela iria fazer uma viagem ao exterior, intercâmbio
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Reencarnação Consciente
cultural, estaria fora pelo menos durante um ano. Jorge sabia que quando chegasse o
momento deveria dar-lhe forças para realizar essa viagem, fazia parte de sua formação
profissional, destino, aquela viagem seria importante para seu futuro como lingüista. Lá,
se tudo se repetisse, iria conhecer outro jovem, viveria um novo e intenso amor,
infelizmente acompanhado de uma grande desilusão também, os costumes brasileiros
são bem distintos dos Americanos. Nada é perfeito... Este é um mundo de imperfeição!
Ele não deveria demovê-la da viagem, muito ao contrário, devia dar-lhe apoio, com
amor e forças emocionais, aumentando sua autoconfiança, sua auto-estima, fazendo
com que pudesse enfrentar suas experiências futuras. Em tudo o grande-plano havia
sido claro: “só com teu exemplo é que deves promover mudanças”. Jorge temia ficar
apaixonado demais pela menina de seu passado... Bianca era um risco a ser corrido!
Na terceira semana Jorge pergunta-lhe se não nutria algum interesse por outro
rapaz da escola ou do bairro. Ela ficou meio engastada com a pergunta, tentou
dissimular, mas acabou confessando...
– Eu estava de asa arriada pelo Jasão, mas agora não sei... Estou começando a
pensar em outra pessoa, uma que conheci há pouco tempo, não sei... –
Bianca falava com doçura, não o olhava nos olhos, usando um charme que só
as mulheres sabem usar.
– Olha o que eu escrevi pra você... Sei que não é nenhuma obra prima, é uma
poesia que fiz pensando em nós dois. – ele usava o seu dom de escrever para
abrir o jogo em definitivo.
Ele esperava todo tipo de reação daquela menina, a que veio não foi tão
esperada assim, mas veio de encontro aos seus desejos. Ela abriu o caderno, retirou
uma folha de papel, nela havia o desenho de um coração, dentro estava escrito o nome
dele, ao redor várias marcas, impressas por seus lábios, feitas com batom. Ela já o
beijara em seus pensamentos... Quando ambos tiraram os olhos do papel... O beijo,
agora bem real, foi inevitável, foi natural, fruto de um desejo mútuo... Um beijo
apaixonado... Ela não imaginava... Como poderia? Ele estava matando as saudades
que há muito o maltratava, saudades de seus lábios... Já haviam se passado 36 anos
desde aquele inesquecível primeiro beijo que dera em Bianca... Só ele estava
revivendo a grande paixão!
paz. Só estudar... Quem tinha que trabalhar era seu pai, nada de contas, solicitações
de outras pessoas, um verdadeiro paraíso na terra. O silêncio de uma tarde... O canto
dos pássaros... O pôr do sol... O simples passar das nuvens... Como perdemos tanta
coisa enquanto estamos ensimesmados com nossos problemas? Perda de tempo e
energia!
Ao ouvir uma conversa entre seus pais deu-se conta dos problemas que surgem
quando é mudado o nosso passado. Os futuros se entrelaçam como fios de um tecido,
são as famosas linhas do tempo. Cada mudança ocasiona desdobramentos que sequer
podemos intuir. Quando cuidava de prevenir-se, não deixando as doenças destruírem
aquela parte de sua vida, tocou na linha do tempo de seu irmão, colocou em perigo
todo o desenrolar da vida dele. Caso o viajante não fosse hábil em seus entendimentos
com seus pais, o tal futuro brilhante de seu irmão, talvez, não se concretizaria. Trocar o
futuro conhecido pela incerteza do desconhecido poderia ser uma opção para o
viajante, mas o que será que diria seu irmão se conhecesse as possibilidades? Será
que iria querer arriscar-se? Jorge não se sentia no direito de mudar a vida de quem
quer que fosse, embora de certa maneira ele já viesse fazendo isso, ao se afastar de
muitos e ao se aproximar de outros. Ele tinha medo de contribuir para uma mudança
dessa ordem na vida de Alex.
Alex entrará numa linha temporal que o levaria a um futuro único, como todos o
são, graças a um de seus professores, grande responsável pelo surgimento do primeiro
trabalho de relevância, desempenhado com destaque, abrindo portas para Alex. A
empresa responsável, uma das maiores de seu ramo, levou-o pra trabalhar em sua
sede na Europa. Assim realizou uma série de intercâmbios, sendo treinado, preparado
para atuar mundialmente, realizando serviços altamente especializados, atuando em
desenvolvimento e implantação de tecnologia de ponta. Devido a isso Alex tornou-se
um dos maiores desse planeta em sua área de atuação, atuando em projetos da
NASA.
O pai de Jorge queria transferir Alex para uma universidade mais próxima de
casa. Da primeira vez isso também ocorrera, mas devido aos problemas de saúde de
Jorge os planos foram alterados. Os médicos haviam recomendado, quando possível,
uma mudança de clima, pois, Jorge não se adaptava ao clima frio e úmido daquela
cidade em sua primeira vida. Este fato havia selado o destino de Alex. A transferência
dele ficou sem sentido, tendo em mente que se buscava para Jorge uma Cidade com
as características daquela onde Alex morava. Deveriam enviar Jorge para lá, assim a
família é que iria buscar uma maneira de se transferir para onde os varões se
encontravam. Este desenrolar dos acontecimentos é que garantiu a Alex seu futuro
conhecido.
Seu pai, naquela época, mudara de empresa, mudara de ramo. A empresa em
que trabalhava não queria dar-lhe a transferência. Os médicos não sabiam explicar ao
certo o problema de Jorge, um deles chegando a proferir a sentença da não solução,
afirmando ser crônica a doença que afligia aquele rapaz. Dizendo que levaria a vida
como se tivesse oitenta anos de idade. Mas Jorge só tinha quinze anos de idade...
Como poderiam aceitar isso? Incrível, a consulta com tal sumidade havia custado o
dobro da despesa para manter Alex na universidade. Esse médico, grande especialista,
mantinha um consultório que era um luxo, carpetes com pelagem de cinco centímetros
de espessura, poltronas em couro, decorado com o que há de mais caro. Serviam do
bom e do melhor para os parentes “da vítima”, um total absurdo, principalmente
levando-se em conta o nível sócio-econômico da população brasileira e a eficiência do
médico... Não sei os motivos que levam as pessoas em teimarem com tal designação,
chamando-os de doutores.
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Assim sendo, seu pai acionou um “patrício”, grande amigo, o qual também
trabalhava com as ciências médicas. Ato contínuo, seu amigo, pediu para enviar seu
filho para o Rio de Janeiro, assim poderia levá-lo até a presença de alguns estudiosos
da medicina que não clinicavam por dinheiro, médicos que trabalhavam na Escola de
Medicina e Cirurgia do Estado do Rio de Janeiro. Foi lá, através de um médico
considerado doido, especializado na Alemanha, que se recusava em trabalhar sob
certas condições, sem consultório de luxo, realizando suas consultas em uma sala de
aula, que as soluções começaram a aparecer. A princípio parecia mesmo que Jorge
estava realizando uma prova, entregou a ele um questionário com 174 perguntas,
traçando um histórico da vida do paciente. Enquanto o paciente respondia as questões,
o médico se debruçava sobre o histórico médico trazido, estudando tudo que fora feito
até o momento. Somente depois de analisar todas as informações é que o “médico
doido” proferiu um parecer. Foram pedidos três exames apenas, um dos quais, depois
de perambular por todos os maiores laboratórios de análises clínicas do Rio de Janeiro
não houve como fazer. O próprio médico forneceu uma lista de materiais a serem
comprados para que ele mesmo fizesse o exame. Assim foi... No dia marcado Jorge
compareceu à escola para realizar o tal exame, que para ele consistiu em urinar num
recipiente de vidro. O tal médico excêntrico realizou a análise do material, executando
um procedimento químico que os outros diziam desconhecer.
Depois de solucionado o mistério veio a sentença:
– Você não tem mais nenhuma atividade infecciosa. Basta eliminar o foco e tudo
voltará ao normal, este exame laboratorial que realizei confirma tudo. É só
você operar a garganta e guardar repouso por uns 15 dias, depois volte a
viver uma vida normal. Depois disto me procure e vou lhe apresentar minha
conta... Quando você estiver restabelecido vou cobrar pelos meus serviços.
Foi o que foi feito, 15 dias após a cirurgia os exames confirmavam, não havia
mais nada de errado com os rins de Jorge, ele estava totalmente curado. O sentimento
de haver perdido um ano de sua vida, devido à incompetência médica, não o
abandonava, aquilo era muito doloroso. O sentimento de gratidão pelo homem que até
agora estava esperando seu pagamento era profundo.
– Aqui estão os resultados dos exames, tudo voltou ao normal! – falou Alex
entregando a papelada ao “excêntrico”.
– Por que o espanto? Eu tinha certeza que seria assim.
– Mas por que os outros fizeram a minha vida virar um inferno? Por que não
disseram que não podiam resolver o problema? Pra que mentir? – Jorge não
conseguia esconder sua fúria juvenil.
– Não posso responder pelos outros, cada um tem sua consciência pra
carregar. Quando voltei para o Brasil quase enlouqueci, fiquei um tempo em
uma clínica de repouso para me restabelecer. Não consegui trabalhar nas
condições em que meus colegas atuam. Fui colocado para trabalhar em
atendimento de pronto socorro, você, meu jovem, tem idéia do que é trabalhar
dentro de um pronto socorro sem ter condições para realizar os
procedimentos que sabemos que devem ser feitos? É pedra lascada e barro
fofo! Mas tudo isso é passado, vamos falar do futuro. Ainda não lhe disse
como você vai pagar pelos meus serviços!
– Anote este horário. É o horário das minhas aulas. Durante uma semana você
vai passar suas manhãs trabalhando comigo, para quem sabe num futuro
outros não passem pelo que você passou. É assim que você vai pagar sua
conta. Você vai ser objeto de minhas aulas, vai ficar cansado de contar sua
história. Se você quiser, eu peço as alunas para examinarem você, fazendo
um corpo a corpo. – o “excêntrico” deu uma gostosa gargalhada. – Então
quando podemos fazer isso?
– Na semana que vem eu trago ele, doutor. – Falou Alex.
– Muito obrigado doutor, muito obrigado mesmo. – Jorge quase chorou,
agradecendo humildemente, perante um ser humano de verdade.
– Vocês vão me dar licença, mas tenho muito o que fazer. Segunda logo cedo.
Tudo bem rapazinho?
– Sim doutor... Certo doutor.
– Não fique magoado com a vida, você vai aprender que nada é aquilo que
aparentemente nós pensamos que é! Tchau... Tchau.
Jorge estava angustiado com toda a situação que se desenrolava em sua mente.
A doença dele havia proporcionado vários desdobramentos no passado. Para seu pai
era mais fácil, e por que não dizer, mais econômico, transferir o filho mais velho e
seguir carreira dentro da empresa. Como manter parte do passado inalterado,
principalmente se ele já havia iniciado movimentos temporais expressivos? Não
poderia voltar novamente para mudar tudo outra vez! Mesmo que pudesse, quem em
sã consciência voltaria para sofrer, ainda mais sabendo que aquilo não era necessário?
O viajante tinha grande responsabilidade sobre seus ombros, não seria bom
falhar. Novamente os conhecimentos do passado viriam socorrê-lo no novo futuro.
Conhecia as ambições de seus pais, sabia o que era considerado por eles certo ou
errado, deveria tentar trabalhar com sua única arma, os pensamentos. Deveria
cuidadosamente disseminar idéias dentro se suas mentes. Iniciar o trabalho junto à sua
mãe e posteriormente com seu pai, este parecia ser o caminho mais viável.
Aproveitando a aversão de sua mãe à perda de tempo, ela não quereria ver os
filhos prejudicados no progresso escolar. Jorge procurou saber como a tal transferência
seria processada. Era inevitável a perda de pelo menos um semestre, sendo que Alex
deveria entrar na nova escola através de um novo vestibular. Ele teria que se dedicar
tanto aos estudos da universidade como também ao curso pré-vestibular. Assim Alex
estudando na PUC do Rio de Janeiro e estudando para um dos mais procurados
vestibulares do país, tinha grandes chances de ter problemas nas duas tarefas. O
curso onde ele estava era forte e exigia muito dos alunos, não é curso onde se possa
ser negligente com os estudos. Este era mais que um argumento para ser usado por
Jorge, e ainda por cima, para Alex, agradava e muito, a idéia de continuar no Rio de
Janeiro.
Assim Jorge iniciou a argumentação com sua mãe, colocava em sua mente o
combustível necessário para que a preocupação com a “perda de tempo” ficasse com o
volume indispensável!
Para acalmar o amor de mãe, argumentava sobre a experiência benéfica
proporcionada pela estada fora de casa, sendo muito bom para seu futuro “como
homem”. Era importante desenvolver o senso de responsabilidade de um ser humano,
opiniões cuidadosamente apoiadas em revistas, psicólogos, entrevistas dadas à mídia
por grandes personalidades da “atualidade”... O importante era chamar a atenção! O
assunto deveria ser tema dentro das conversas familiares, um tema de debate diário,
devidamente alimentado pelo rapaz que viajava entre as épocas.
Paralelamente ao problema de seu irmão começou a criar mais um, dizia que
queria estudar em faculdade federal, argumentava a respeito do curso de medicina.
Mostrava a seu pai as relações candidato vaga, comparando as do Rio de Janeiro com
as de São Paulo, ficando claro que as chances de entrar em uma escola pública no Rio
eram muito superiores às de São Paulo.
A argumentação era homeopática, como se as situações não guardassem
nenhuma relação entre si. Seus pais na verdade começaram a ver que possivelmente
em três anos no máximo, principalmente levando em conta a dedicação de Jorge aos
estudos, estariam com dois filhos morando no Rio de Janeiro. Eles já estavam se
acostumando à maneira de ser de seu filho do meio, o rapazinho falava cheio de
convicção, tinha uma argumentação muito consistente.
Jorge disse a seus pais que estava estudando meditação transcendental. Eles
ficaram bastante curiosos e até mesmo desconfiados, mas esta foi a maneira que ele
encontrou de buscar alguma confirmação, ou quem sabe, uma orientação vinda dos
dirigentes do “experimento”. Com ajuda de sua mãe montou um templo em seu quarto,
ali seria o local ideal para dar início a seu treinamento. Abertamente fazendo, sem
sobressaltos, o que era realizado às escondidas até então.
Durante três semanas ele concentrou-se e colocou-se como receptor, esperando
uma orientação do “grande plano”, até que numa manhã de terça-feira...
Subitamente ele foi interrompido por sua mãe que entrou no quarto com os olhos
cheios d’água. Fitava-o de uma maneira diferente, entre o espanto e o júbilo.
Sem entender muito bem o motivo, sua mãe sentou-se a seu lado. Ela era
treinada em ambiente Kardecista, aceitava algumas das realidades secretas. Ela havia
visto a realidade, vislumbrara o corpo de Jorginho unido a sua projeção mental, sua
real situação cronológica. A princípio ela pensou que seu filho estivesse possuído por
aquela entidade, aquele senhor, mas seu coração não lhe dizia isto, ela sentia ser uma
coisa só, aqueles dois eram um! Ali sentada ela também foi tocada pelos amigos do
“grande plano”.
– Não fique apavorada, você já viu tanta coisa, já sabe distinguir o bem do mal,
não vá confundindo tudo agora só porque você não entendeu o que viu. Cuide
dele, mas não se preocupe com ele, este serviço é nosso... Cuide de seu
coração, você anda se esquecendo dele, você também necessita amar e ser
amada... Ele pode ajudar muito... Cada um tem sua missão, você bem sabe,
não abandonamos a ninguém neste mundo... Quem se afasta o faz por
vontade própria... Procure não pensar muito no dia de hoje, guarda segredo
do que viu e ouviu nesta manhã... É segredo mesmo... Não comente com as
pessoas, pensando confiar nelas... Não esqueça que se a palavra é de prata o
silêncio é de ouro.
Aquela era a voz que havia embalado Jorge em sua viagem de volta. A voz de
um anjo... Como se esperava a mente do viajante ficou em estado de alerta a partir
daquele dia. Ele correria um grande perigo, caso sua mãe não mantivesse em segredo
o que tinha visto. Até hoje ele não sabe o que manteve sua mãe em silêncio, apenas
pode intuir seus motivos.
Fato é que sua mãe se mantinha por perto, espreitando, acompanhava seus
passos a curta distância, às vezes vinha pedir-lhe conselhos sobre assuntos diversos.
Ele sentia-se sendo posto à prova constantemente. Isto acabou aproximando-o muito
daquela senhora, criando uma amizade verdadeira entre eles.
Apesar de tudo ele não podia comentar nada com ela nem com qualquer outro
humano encarnado. A confidente que tanto desejava estava esperando por ele no
futuro, não tão distante assim. Certo mesmo, para ele naqueles dias, era o encontro
com seu mestre, com quem poderia falar abertamente de tudo, falar do que agora
estava vivendo e sentindo. Este encontro, ele sabia, tinha sua data fixada, local
combinado. O encontro se daria em frente ao cemitério, às 5 h e 30 minutos do dia 2 de
janeiro de... Só então poderia falar sem medo de tudo o que vivera, teria inclusive que
procurar alguém para divulgar sua história, fazer com que mais pessoas tomassem
consciência desta incrível jornada.
Os estudos corriam às mil maravilhas. Muito bem mesmo, ele e Bianca estavam
estudando pra valer, a pior média do primeiro bimestre foi um 7,5 em geografia. Os
pais deles estavam satisfeitos com os resultados daquele namoro... Somente no que
tange aos estudos. Existia um problema!
Aquele rapaz alimentava-se de uma maneira nada convencional. Recusava-se a
ingerir determinados alimentos, não comia nenhum alimento de procedência animal,
quando muito queijo não temperado, até o leite nosso de todo dia se recusava a beber
dizendo:
vezes sua condição de adolescente. Às vezes menos... Por vezes muito mais,
dependia do espaço que ele encontrava na mente dos ouvintes... Eu mesmo
tive que ouvir isso tudo!
– Bia! O que você está fazendo aqui? ...Entre logo, tá muito frio na rua, o vento
tá castigando. Vamos entre logo! – Falou esfregando as mãos.
– O pessoal lá de casa foi visitar meu tio, irmão de mamãe, ele voltou pra casa
hoje, tava trabalhando no Sul... Trabalha com moda masculina, veste muita
gente famosa.
– Por que você não foi com eles, menina? Teu tio vai ficar chateado com você!
– Não! Eu telefonei! Disse que tinha um compromisso marcado com meu
coração, disse que ia na casa de uma amiga – nesse momento ela deixou
escapar aqueles risinhos de menina, característicos de quem quer fazer
alguma estripulia – mesmo assim acho que ele entendeu tudo, ele é um cara
maneiro.
– Essa história está toda complicada – ele abraçou-a, deu-lhe um longo beijo e
olhou dentro de seus olhos, então Bianca iniciou sua narrativa.
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– Ninguém tinha dito nada sobre meu tio, quando me chamaram para ir fazer
uma visita para ele eu não quis ir. Inventei que já tinha marcado com a Márcia,
para sua mãe, a da Márcia, poder sair sozinha com o namorado novo, eles
vão ao cinema hoje. Márcia me disse que ia ficar sozinha em casa hoje. – ele
percebeu que Bianca estava bastante nervosa – Isso é verdade... A mãe dela
sabe que foi armação, vai dar cobertura, qualquer coisa a Márcia liga pra mim,
não tem problema nenhum, eu já liguei pro Tio, falei com ele... Ninguém vai
saber que vim aqui. – Jorge apenas fitava-a com ternura, começava a
entender o que ela estava fazendo ali, nervosa, arfante, ansiosa... – Eu sabia
que você ia ficar sozinho a tarde toda, eu queria ficar com você, sem ninguém
por perto. Entende?
– Muito mais do que você imagina. Só não gostei desse montão de gente
envolvida nessa história. Bia será que você está querendo o que penso que
está querendo?
– Não sei... Eu só sei que tou querendo você!
– Você quer só ficar a sós comigo ou imaginou ir mais além? – Ele perguntou
com calma e muita doçura na voz.
– Meu coração está disparado... Coloque a mão aqui. – Ela conduziu sua mão
para um ponto onde se sentia não somente o ritmo de seu coração, mas
também o bico de seu seio duro, furando a blusa – Tá sentindo, parece que
vou morrer... Tô sentindo um calor danado – tirou a blusa de lã, exibindo os
bicos duros de seus seios por baixo daquela fina blusa de malha, colada no
corpo. Agora ele podia sentir e ver aqueles seios apontados para ele.
– Pense bem na velocidade que você está indo. Não tenho certeza se você
deseja isto mais do que eu... Depois não tem volta. Você sabe o que está
fazendo? Eu te amo... Mas você... – ela colocou a mão sobre sua boca
impedindo-o de continuar aquela frase.
– Eu quero você, quero ser sua, mesmo que você não queira, eu vou ser só sua
hoje... Eu te quero tanto, não fale mais nada, só me faça sua, me leve pro céu
com você... Pode fazer o que você quiser, eu fiz as contas e tudo mais... Hoje
é meu dia... Hoje eu posso ser mulher sem problemas, sem nenhum grilo...
Diante daquele apelo todo ele não teve mais resistências. Levantou-se e diante
dos olhos atônitos dela despiu-se por inteiro, seu membro rijo mostrava-se seduzido
por ela... Ela... Que permanecia de joelhos à sua frente. Seu membro apontava para o
rosto da menina... Mesmo assim ela não recuou, levantou os olhos e encarou Jorge,
que então fez sinal para que ela ficasse calada e ajoelhou-se novamente à sua frente.
Foi retirando as roupas dela com mansidão, beijando cada parte daquele corpo,
cada pedacinho de carne que desnudava, descobrindo toda beleza daquele corpo.
Voltava... Beijava seus lábios, cheirava seu pescoço e partia para uma nova
descoberta, mais uma peça de seu vestuário era retirada. Beijou-lhe o seio,
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Aquela foi a mais romântica e mais bela de todas as vezes... A inocência dela e
seu amor por ela tornaram aquele momento irresistivelmente encantador. Não foi
naquela tarde que eles perderam a virgindade... Bia deveria aprender ainda que perdê-
la não significava tanto como dizem. Ela experimentou delicias que só os beijos de
amor provocam. A penetração veio com o tempo, lenta e gradualmente a sua
virgindade foi-se esvaindo. Somente no terceiro encontro intimo é que ela deixou de ser
uma menina, tornando-se a “mulher” que tanto almejava ser. A menina era um vulcão
de proporções até então desconhecidas, foi uma erupção lenta, porém, devastadora!
Aquele dia iria marcar para sempre suas vidas. A vida nova dele também estava
sendo remarcada. Sua intuição não anunciava nenhum problema pela frente, sentia
que tudo estava dentro dos limites impostos. Assim queria acreditar... O amor dele
explodia, deixava marcas no plano astral. Assim deveria ser para todos os seres
humanos, em todos os relacionamentos, deveria ser desta forma a primeira vez de
todos, com muito carinho, extremo desejo, consciência, um verdadeiro ato de amor.
Um acontecimento sem pressa de atingir seu desfecho, por etapas, num crescendo de
desejos e uma firme consciência do ato a ser consumado. Muito amor... Muito
sentimento...
Afinal de contas para ele era a segunda “primeira vez”! A primeira havia sido
mórbida, desprovida de sentimentos nobres, sem amor, um verdadeiro ato animal, puro
instinto. Desta vez tudo era diferente... Quem sabe os céus não estavam de acordo
com aquele relacionamento? Como reencarnado em vida tinha maiores
responsabilidades sobre seus atos, de seu sucesso muitos dependiam, primordial era
viver em paz, com a consciência limpa. Sexo com amor é muito lindo. Sexo também é
uma interação entre dois seres que se amam, não somente reprodução animal.
Embora o ser humano seja um animal, é especial, raciocina, sente e também possui
instintos, consegue equilibrar tudo isso dentro de sua mente! Sexo somente pelo sexo
é desprovido de toque interior, é puro deleite físico, mas não imprime mensagem na
alma do ser. Sexo para ter filhos unicamente é uma grande armadilha. Lembre-se que
o casamento monogâmico foi criado pelos abastados com o único intuito de manter
suas fortunas sob controle, dentro de suas famílias, tudo muito limpo, com total apoio
religioso, sob o aval de “Deus”... Então foi dado como correto! Assim caminha a
humanidade há milênios, essa é a história das civilizações!
“Amai-vos uns aos outros – ama a teu próximo como a ti mesmo – esta é toda a
Lei e todos os profetas – quem tem ouvidos que ouça “5 – assim falou um dos grandes
sábios que passou por este planeta... Quem é que segue seus ensinamentos? Quem?
Tanto tempo já se passou e nada! Absolutamente nada! É triste...
Jorge procurava o seu número e o de Bianca na lista dos aprovados e como era
de se esperar lá estavam eles, vinham listados em ordem decrescente de rendimento,
eles estavam quase no topo da lista, ambos passaram com médias acima de oito.
Excelente colocação para quem vinha de escolas de nível inferior. Aquela era uma das
melhores instituições de ensino do país.
O ano de 1975 prometia ser melhor ainda, um futuro folgado, pelo menos
academicamente, era o que começava a se desenhar à sua frente. A pior fase já tinha
sido enfrentada, a adaptação à escola e aos colegas fora processada com êxito, agora
era só dar continuidade.
O viajante estava muito satisfeito. Na primeira vez havia sido apenas um aluno
mediano, conseguindo destaque apenas já na universidade, isto graças às dicas de
Alex. Agora se orgulhava do desempenho alcançado não só por ele, mas também por
sua amada.
Nesse dia de tantas felicidades D. Maira detonou uma “bomba”... Jorge havia
esquecido por completo as pretensões da mãe de sua amada... D. Maira queria
mandar Bianca para os EEUU por um ano. De certa forma demonstrou carinho com o
menino, guardou a notícia até saírem os resultados do ano letivo, não afetando a
desempenho das crianças... Óbvio que protegeu sua filha!
Jorge não sabia, mas Maira já havia descoberto tudo sobre o relacionamento
entre os amantes, encontrara o calendário onde Bianca fazia os “cálculos”, seus
períodos de fertilidade estavam cuidadosamente assinalados. Maira havia encontrado o
livro de obstetrícia, comprado por sua filha, com partes marcadas, destacando doenças
transmissíveis pelo sexo, gravidez, etc. É bom lembrar que naquele tempo a AIDS não
era uma preocupação, nada se falava até então, somente o viajante conhecia o
transtorno guardado, encubado e pronto para aflorar no futuro. Maira também
encontrou anotações, de próprio punho, sobre a famosa “tabelinha”, anticoncepcionais,
prós e contras do coito interrompido.
Os dois ficaram sabendo simultaneamente deste fato. Quando entraram no carro,
voltando da escola, Maira iniciou o embate, comunicando a confirmação da viajem aos
EEUU, com os detalhes a respeito da família que acolheria sua filha. Os dois amantes
ficaram gelados, o viajante havia deletado por um tempo aquela curva do destino.
Começou a doer, a separação estava começando a pesar, mais do que era esperado.
Ele sempre soube que isso poderia acontecer. Nesse instante vieram em sua mente as
palavras do anjo, vieram com muita força: “... Não o amor doente, não o amor da
posse, use a força do amor divino...”. Perdeu os detalhes de quando e onde se daria a
partida de sua amada, estivera internado dentro de sua alma por longos segundos ou
talvez minutos.
Quando Maira terminou sua exposição inicial fez uma pausa estudada. Bianca
tinha lágrimas nos olhos, não dizia nada a respeito dos fatos colocados por sua mãe.
Tinha esquecido seu desejo antigo, a viajem já não tinha sentido, algo que havia
pedido aos doze anos, obtendo apoio e incentivo de seus pais.
Muitos adolescentes fizeram este tipo de acerto para passar uma temporada em
outro país, muito comum na época. No caso de Bianca seria um ótimo curso de inglês,
bastante eficiente, sem contar a oportunidade de convívio com outra cultura, dentro de
uma sociedade bem diferente da brasileira. Seria importante para o crescimento da
menina, responsabilidade, liberdade, independência, criando indivíduos, até certo
ponto, mais hábeis no manejo social. É um “curso” de risco também, verdade seja dita,
muitos voltaram viciados em drogas, comportamento rebelde, desamor por sua terra
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natal, tornando-se um problema para suas famílias, um verdadeiro teste para o núcleo
familiar... Fruto de quê? Não são todas as mentes que suportam o conflito entre os
vários modos viventes... Não havia nenhuma garantia que Bianca voltaria com seus
objetivos cumpridos, mas também não existiam garantias se ficasse por aqui, coisas
semelhantes poderiam se suceder. Os anos 70 foram bem conturbados para nossos
jovens, não existe manual para viver, aquele onde possamos ler como proceder, passo
a passo. Se assim fosse como seria fácil e entediante a vida. Como seria mais tranqüilo
ser bons pais! Cada vida guarda seus próprios desdobramentos, nem mesmo a alma
dos que nos amam podem antever.
Mas quem mordeu a isca de Maira foi Jorge...
– D. Maira eu sei que seria bom pra ela essa viajem, mas ela está sofrendo
muito com isso. A senhora bem que podia conversar com ela primeiro.
– Eu estava esperando que fosse ela a primeira a protestar. Concordo com você
que a viajem vai ser muito boa pra ela, vai ser bom pra ela e pra você
também.
– Por que a senhora diz isto D. Maira? – ele perguntou com calma.
– Vocês estão indo muito fundo nesse namoro... Não pense que ainda não sei o
quanto vocês já andaram fazendo juntos. É... Eu sei! Até certo ponto gostei da
maneira responsável como trataram a sexualidade de vocês, mas acho que
não é o momento de uma ligação tão forte assim. Seria prejudicial pra ela e
pra você também. Aposto que ninguém em sua casa sabe disso tudo! Você e
ela ainda precisam descobrir muita coisa sobre a vida, conhecer outras
pessoas, viver outras experiências... Você tem idéia do quanto ela gosta de
você?
– Acho que sim D. Maira... Eu gosto muito dela também, tenho feito tudo pra ela
ser a menina mais amada do mundo, mas creio entender o que a senhora
está dizendo.
– Se você não fosse um rapazinho tão centrado eu já tinha me indisposto com
você. Não acho que você saiba muito bem do que está falando, mas você tem
sido uma boa influência pra minha filha.
– Se o nosso amor for verdadeiro ele não morrerá em um ano. – falou a menina
pela primeira vez.
– É isto mesmo. – emendou a mãe – Espero que você se lembre do quanto eu e
seu pai temos nos empenhado para arranjar tudo para esta viajem. Você,
agora, não pode esquecer quem mais quis essa viajem... Quem pediu foi
você!
– Só que eu não esperava que acontecesse tudo isso na minha vida, não
espera encontrar o Jorge! – a menina deixando as lágrimas correrem – Foi
com ele que eu me fiz mulher! Sei que devo ter abalado sua confiança, mas
eu queimava por dentro... Eu amo ele demais!
– Muito bonito Bianca... Muito bonito! Só que você virou mulher no sentido
figurado, no sentido vulgar da palavra. – Maira já estava perdendo o tom
maternal que imprimia no início da conversa – Você é apenas uma menina.
Mal saiu das fraldas, uma menina inexperiente, teve sorte de ter uma boa
educação, caso contrário poderia ter engravidado e posto sua vida no lixo...
Perdendo todas as suas chances, jogando fora toda uma vida! Sem falar das
complicações pra esse menino, sem contar que eu não sou uma mãe bitolada,
uma mãe radical. Você tem idéia do quanto chorei quando descobri que você
já tinha mantido relações sexuais com alguém?
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– Se sua mãe fosse igual ao meu pai... Nossa! Não sei o que poderia acontecer!
– Jorge deixou escapulir sua fala.
– Cale a boca! Ela sabe muito bem o que pode acontecer se o pai dela souber
de toda essa história. Na visão dele ela é apenas uma menininha crescida,
acho que até agora ele não se deu conta de que sua filha usa sutiã. Imagina o
que ele acharia se soubesse que ela tem feito sexo por aí. Você fala às vezes
como gente grande, mas não passa de um moleque metido... Um pirralho
precoce... Às vezes até irritante, um chato! Ela vai fazer a viagem e pronto.
Esse assunto de sexo morre aqui, não se fala mais nisso... Entenderam? Eu
toquei nesse ponto só pra vocês saberem que eu sei... Sei até o quanto vai
doer essa separação, não sou uma mulher sem coração... Vocês têm 15 dias
pra se despedirem e se acostumarem com a idéia. A única coisa é que só se
encontrarão dentro da minha casa, não quero que vocês tenham nenhuma
idéia de jerico.
No resto do caminho ninguém falou mais nada. Jorge sentiu-se muito mal, pela
primeira vez nesta segunda vez era personagem de uma briga. Não se perdoava pela
má atuação naquela história toda, principalmente nessa conversa. Durante dois dias
ficou ensimesmado, esqueceu-se de ligar para sua amada por 48 horas. No terceiro dia
a campainha de sua casa tocou...
– D. Maira! Boa tarde. É com a senhora mesmo que eu queria falar – ela olhava
para ele apreensiva – gostaria de saber como posso ajudar a senhora,
gostaria que a Bia viajasse em paz, não quero que nada de mal aconteça com
ela. Peço mil perdões à senhora, por tudo que fiz a senhora passar esse
tempo todo. Espero que me perdoe se fiz algum mal para a sua família. O
nosso sofrimento não vai ajudar em nada... Peço perdão... Não quero ser
irritante. Perdoe-me! Poço ajudar em alguma coisa?
– Você é mesmo irritante! Mas você também é surpreendente! – ela olhou-o
bem nos olhos e disse uma coisa que o deixou estupefato – se você fosse
mais velho e eu não fosse casada... Quem namoraria você seria eu mesma –
deu uma sonora gargalhada – Bianca... Bianca, eu não disse que ele
sobreviveria a nossa conversa.
Na primeira vez foi assim, ela é que não sabia disso. Talvez uma boa parte do que
ocorreu na primeira vez voltasse a acontecer, afinal de contas somente ele é que era
um reencarnado em vida, para ela tudo era absolutamente desconhecido. Não havia
comparações a serem feitas. Ela viveria tudo com muita intensidade, faria a moda dos
adolescentes, pois, adolescente é o que realmente Bianca era... Uma adolescente
experimentando a vida.
Janeiro de 1975, agora tudo era diferente. Da primeira vez ele estaria de volta ao
Rio de Janeiro cuidando de sua saúde, fazendo exames e mais exames, se preparando
para uma cirurgia... Agora não. Estava no clube do bairro pegando uma cor,
desfrutando de refrescantes mergulhos na piscina, jogando basquete à tarde, curtindo
um verão bem diferente desta vez.
As saudades vinham mesclando o passado recente ao passado distante. Esses
momentos de mergulho no interior de suas memórias tornavam-se um grande
problema. Lembranças de amigos nos confins do tempo, na eternidade das épocas!
Como pode um ser humano ter tantas informações em seu cérebro? Para que isso
tudo? Em seu caso todas essas recordações castigavam a mente. Pessoas de vários
lugares, muitas não mais o reconheceriam caso fosse procurá-las, de fato não o
conheciam. Essa nova vida não havia permitido que seus caminhos se entrelaçassem.
Será que seria agradável reencontrá-las? A nossa memória não é muito fiel no que
tange a sentimentos passados, principalmente quando essas recordações estão
ligadas a sentimentos adquiridos no convívio humano. É importante lembrar que não
sentimos da mesma maneira uma situação revivida ao longo do tempo, as experiências
operam transformações, a nossa maturidade não nos permite sentir novamente as
mesmas emoções. Depois do primeiro beijo nunca mais sentimos outra emoção
exatamente igual. Depois que beijamos uma determinada pessoa, com ela, nenhum
beijo será como o primeiro. A vida caminha entre seus pontos de máximo e mínimo,
nunca se repete com exatidão, nada é idêntico, cada sentimento é único dentro de seu
tempo. Cada momento da vida é único! Conhecer uma pessoa já conhecida poderia
destruir uma boa recordação. Talvez não valesse a pena correr o risco. Esses
pensamentos, por vezes, tornavam-se um verdadeiro inferno pessoal para o viajante.
Ele ainda sofria com a recente separação, achava verdadeiramente incrível a
intensidade de todo o processo. Começava a sentir os apelos do corpo, considerações
a respeito de sua idade física vinham à tona, pensava nos apelos da vitalidade. Homem
e rapaz entrando em conflito! O mais experiente havia degustado os prazeres da vida
com força, saúde, mas com o vigor de um adolescente foi bem diferente. O rapaz, por
sua vez, usando sua constituição física privilegiada, usava a consciência de um homem
maduro. A situação não deixava claras as conclusões possíveis. Talvez tudo na vida
esteja envolto em uma névoa de confusão psíquica!
– Acho que vou arrumar um limão... Quem sabe com uma namorada nova,
totalmente desconhecida, sem vínculos com o passado, tão desconhecido
quanto o que estou vivendo agora? Quem sabe? Não vejo motivo para ficar
vivendo uma vida fora do comum, minha vida nunca será comum, como a de
qualquer um, mas não é necessário ser um estranho no ninho, disso eu posso
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me livrar! Levar uma vida mais normal pode ser uma solução. Dar uns beijos
na boca não fará tão mal assim. Evitar o sexo só pelo sexo vá lá que seja.
Tudo bem! Namorar não faz mal a ninguém, não quero viver no abandono.
Não gosto disso, nunca gostei! Completamente só... Esse tipo de vida é muito
dolorido a meu ver, sempre foi assim pra mim. Vou voltar ao mercado, vou
ficar em disponibilidade total! Tentar pelo menos... Responsabilidades sempre
existem.
dê defeito o dono será acusado de má utilização. Basta jogar fora, trocá-la... Muitos
nunca deveriam ter tido filhos!
Quando chegou mais perto a olhou bem nos olhos. Sentiu que ela não era mais a
mesma, agora tinha um olhar mais felino, muito mais mulher. Havia malícia naquele
olhar, ele não queria acreditar no que sentia...
– Você não mandou mais nenhuma carta. Não avisou que estava de volta.
Poderíamos ter feito uma festa na sua chegada, uma festa de boas vindas.
Desculpe-me... Que cabeça a minha... Oi, como vai você?
– Estou bem e você?
– Do mesmo modo. Estudando muito, montando meus planos para o próximo
ano. Você só pode fazer planos para o futuro até certo ponto, dali em diante
tem que esperar as reações desencadeadas pelos atos anteriores. Pela sorte,
se preferir! Eu tenho uma visão muito própria a esse respeito.
– É... Eu vou voltar lá pra escola, meu pai conseguiu a rematrícula. Agora já sei
o que quero, vou fazer jornalismo, gostei dos contatos que fiz nessa viajem.
Quem sabe consigo trabalhar por lá? Faço o curso básico aqui, depois faço
uma especialização por lá, indo como estudante. Se reconhecerem meu valor
eu fico por lá. Não é uma boa?
– Parece que voltou mudada... Eu acredito que primeiro temos que ter valor,
depois é que alguém pode reconhecê-lo, sabendo a utilidade dele é claro. Por
esse caminho as coisas andam com segurança. Eu quero saber se está tudo
bem com você, de verdade, como foi tudo por lá... Você não escreveu mais
nada! Aconteceram coisas significativas por lá?
– Pode se abrir comigo, até hoje tudo que vivemos ficou entre nós dois... É... E
sua mãe! A verdade é que guardei com muito carinho todas as nossas
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quem sabe o que quer fazer. Tenho muita coisa para lhe contar também,
tenho os meus planos para o futuro... Você não precisa ficar na defensiva
comigo.
– Olha Jorge, eu vou pensar nisso tudo que você me disse... Não pense que
estou tão frágil assim!
– O meu telefone continua o mesmo... É só ligar. Agora eu tenho que ir embora,
fiquei de dar uma força a minha mãe. Me liga... Nós temos que conversar com
calma, desarmados, caso contrário não valerá de nada essa conversa... Você
sabe disso.
– É... Vou pensar. Não sei por que estou te sentindo diferente.
– Quem sabe você começa a enxergar mais longe... Me ver um pouco mais.
– Não sei se é isso não... Minha mãe sempre disse que você parecia um velho...
Muito cheio de razão!
– Se você quiser é só ligar que conversamos a vontade. Falou? Tenho que ir...
É melhor eu ir embora! Tchau... Tchau!
Jorge deu as costas e saiu andando, sem olhar pra trás. Ele tinha ficado intrigado
com as reações dela, ela mudara em sua essência, não restava a menor dúvida.
Aquela frase: - “minha mãe sempre disse que você parecia um velho” – ficou em sua
mente, batia dentro de seu crânio como uma bala que ricocheteia dentro de uma esfera
de aço. Ele não sabia que tinha sido tão eficiente assim em sua atuação, só ali,
conversando com Bianca é que começou a ter idéia dos perigos aos quais havia se
exposto. Certamente, em sua maioria, as opiniões a seu respeito deveriam ser
parecidas, no mínimo, com as da mãe dela... Mas nem todos haviam convivido desse
modo com ele. Chegando em casa trancou-se no quarto e chorou... Até hoje não sabe
ao certo o motivo daquele choro. Um misto de sentimentos, perda e angústia... Um
peixe fora d’água. Sentiu-se como uma espécie de aberração, um monstro.
Realmente eles se encontraram naquele fim de semana. Ela só ligou no sábado,
no início da tarde. Duas horas depois ela já tocava a campainha de sua casa. Desta
vez não precisou insistir para que ela entrasse, ela foi logo passando do hall para a
sala, colocando sua jaqueta sobre o braço da poltrona, ato contínuo indo sentar-se na
sala de TV.
Ele não ficou tão surpreso como aparentemente ela pretendia, ela até ficou meio
sem jeito, meio desanimada com a atitude de naturalidade de Jorge. O importante é
que ela estava linda, com uma roupinha da moda, ainda cheirando a loja... Um convite
ao pecado!
Ele sentou-se ao seu lado e sem dizer palavra foi se servindo dela. Porque não
dizer que ela também! Foi ela quem entrou com a atitude diferenciada, como quem veio
para conquistar, derrubar todas as resistências. Ele somente entrou no jogo, sem
escrúpulos, sem medo, com muita vontade de degustar aquilo que lhe foi imposto. Uma
mulher decidida, madura, sem medos, experiente... Será que ela poderia arcar com o
peso de suas atitudes?
Fizeram sexo rasgado, carinhosamente, educado, mas um sexo de gente grande.
Aquilo era carne pura, não havia amor, era apenas a arte de fazer sexo, uma disputa
de performances. Ela fazia coisas que nem sequer ousava experimentar tempos atrás.
Agora fazia com desenvoltura, foi, é bem verdade, um dos melhores momentos sexuais
de sua vida até então, isso contando as duas vidas! Era de certa maneira maravilhoso,
mas não era nada ingênuo.
Durante o ano todo eles repetiram aquelas seções de sexo, até que outro rapaz,
mais velho, aos olhos dela, um que tinha automóvel, podia sair à noite, ir a lugares da
moda... Depois que ele entrou na história... É, a conduta deveria ser outra.
Jorge que vinha dos tempos em que uma doença aterrorizava a muitos, uma
doença sexualmente transmissível, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, a
famigerada AIDS, foi o primeiro a pedir para sair desse triângulo sexual estabelecido
por Bianca. Ele sabia que aquele comportamento era uma fase passageira, assim era
esperado, a realidade dos costumes de nosso país iria tocá-la em breve. Certo é que
da primeira vez ele não tinha vivido nada disso, não estava mais por ali para poder
pertencer a tal relação, não tinha nenhuma informação a respeito da vida daquela
mocinha depois da viagem aos EUA. Nesta época ele estava longe daquele lugar,
vivendo outros relacionamentos, passando por situações bem diferentes. Na verdade
fazendo um monte de besteiras de adolescente, como fumar maconha, arriscando a
vida de muitos ao andar como um louco nos “pegas” da vida, verdadeiro
comportamento desmiolado, usando o automóvel de sua mãe para disputar “corridas”
pelas ruas do bairro onde morava, metendo-se em brigas, bebendo até cair...
Destruindo a saúde não só de seu corpo, mas também da mente. Acho que desta vez
até que estava melhor com as seções de sexo... Mas não em forma de triângulo.
Para Jorge o ano era de muito estudo, para Bianca era ano de descobertas,
bares, noite, casas de show, drogas, sexo e todo tipo de sensações passíveis de
comercialização. Ela queria “experimentar o mundo”... “Comer o mundo”. Uma fase em
que muitos adquirem as mazelas do mundo moderno, alguns chegam a falecer em
nome da experimentação do que “todos fazem”. Os que saem fisicamente inteiros
desse mergulho, caso não restem traumas psicológicos em demasia, podem ser
considerados sobreviventes. Cheios de histórias pra contar! Histórias de caçadas
realizadas em florestas de concreto, fumaça de óleo diesel e asfalto. Florestas que
muitas vezes matam mais que as mais perigosas florestas do planeta. Caçadas mais
perigosas que as realizadas na Índia quando os ingleses corriam atrás dos tigres,
simplesmente pelo prazer de matar, exibindo sua pele ou somente a cabeça como um
troféu, um símbolo da masculinidade, honra e nobreza. Outro absurdo humano! A
diferença é que nas cidades são seres humanos caçando e sendo caçados pelos seus
iguais, uma caçada muito mais inescrupulosa ainda. É verdade... Todos nós sabemos
da existência desses comportamentos e não fazemos muito para mudá-lo, apenas
rezamos pedindo aos céus que nos protejam dos nossos iguais... Mas nem sempre os
jovens sabem rezar!
D. Maira teve uma série de dores de cabeça, aborrecimentos e noites sem dormir,
todo esse sofrimento em função dos desejos de uma filha. Algumas vezes D. Maira ao
encontrar Jorge na escola lhe dava um abraço fraternal, comportamento totalmente
diferente dos anos anteriores. Sabe-se lá quais os sentimentos que estavam por trás
daquele comportamento. Talvez a fala de Jorge anos antes agora estivesse fazendo
mais sentido! Ela era uma mulher bonita, corpo escultural, digno de uma professora de
educação física. Uma mulher que se exercitava todos os dias, com apenas 36 anos,
inteligente, mulher de garra... Tinha muita fibra mesmo!
Todos que a conheciam tinham fé que ela encontraria uma maneira de auxiliar
sua filha naquela época de transição. Ela não merecia aquele tormento.
Em setembro a notícia que Jorge tanto esperava chegou, seu pai iria trabalhar no
Rio de Janeiro já a partir de novembro. Como era de se esperar as coisas iriam ficar
mais parecidas com a primeira vez novamente, mas apenas parecidas. Ele voltaria já
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de 1981 seu pai seria uma espécie de morto vivo, alguém não estava mais lá no
passando antigo, mas agora seria salvo pela boca... É... Realmente o homem cava sua
cova com os próprios dentes.
Logo no início sua mãe se interessou pelos livros, pois tinha problemas com a
sacarose, um vício difícil de abandonar, para muitos na realidade. Mesmo com
reservas não demorou muito para começarem a seguir o exemplo do “médico” da
família, inclusive seu irmão que voltava ao convívio familiar. Todos gradativamente
entendiam a importância de mudarem seus hábitos alimentares, sentindo os benefícios
de uma alimentação saudável. Por exemplo, o açúcar branco refinado foi reduzido a
níveis aceitáveis, isso alterou a saúde de sua mãe completamente, contribuindo
decisivamente no desfecho daquele complô familiar. Através dos filhos, mostrando o
quanto tudo aquilo fazia bem à célula máter, que o plano de unir todos em torno de
uma filosofia de vida começou a dar seus frutos, assim teve início a grande mudança
daquele grupamento humano.
O consumo de carnes havia caído muito, saladas passavam a figurar como prato
indispensável nas refeições, como resultado direto seu pai foi forçado a consumir
folhas verdes cruas. Neste ponto o plano começou a surtir efeito. Seu pai confidenciou,
durante as conversas familiares, que seu problema crônico, aquele o afligia durante
anos, estava desaparecendo, cada vez menos recorrendo a “remédios”, laxantes, a
eterna prisão de ventre estava sendo vencida pelo consumo de frutas e verduras cruas.
Jorge não pensou duas vezes, deu de presente a seu pai um livro que descrevia todos
os desdobramentos do mal que possuía. O livro descrevia em detalhes o processo
desencadeado pelo constante mau funcionamento do intestino, levando a criatura a
uma morte prematura. O autor argumentava a respeito da impotência da medicina
tradicional em salvar os que sofriam desse mal, salvá-los de uma morte dolorosa e
inevitável, podendo ser salvo pela simples mudança da quantidade de fibras ingeridas
nas refeições diárias. O livro foi o golpe que faltava ser desferido. A luta começava a
pender para o lado do “jovem” médico da família. O problema crônico de seu pai
começava a sumir definitivamente. Seu pai agora sabia, através dos livros, que havia
se livrado de um possível câncer no intestino!
Agora só faltavam as campanhas contra o fumo, redução do consumo de cafeína,
uma refeição de frutas todos os dias, café da manhã à base de suco de frutas cítricas e
tantos outros expedientes que se fizessem necessários, visando ao cultivo da boa
saúde de todos os seus entes queridos.
Convidando seu pai, sempre que possível, a fazerem longas caminhadas, sentiu
que teria um pai por muito tempo ainda, desta vez iria poder vê-lo envelhecer junto a
sua mãe, caso Deus assim o desejasse. Durante as caminhadas conversava sobre a
possibilidade de vender a casa de São Paulo e comprar um sítio em uma cidade
serrana do estado do Rio. Onde poderiam passar os fins de semana, curtir o clima
ameno no verão, um chá perto da lareira no inverno, cultivar uma horta sem
agrotóxicos, fazer caminhadas ecológicas, viver uma vida mais pacífica, com harmonia.
A idéia logo arregimentou devotos. Sua mãe era por Petrópolis, seu pai tinha amigos
em Teresópolis, seu irmão também aprovava a idéia, independentemente do local
escolhido, o que interessava era a saúde, a irmã iria para onde o vento soprasse. O
reencarnado em vida pensando no futuro propôs um lugar em especial, a estrada que
fazia a ligação entre Friburgo e Teresópolis. Aquela foi uma sugestão surpreendente
para os familiares, especialmente após uma visita ao local, praticamente não existia
nada por lá. A segunda sugestão dele animou mais a sua mãe, um bairro de colonos
alemães, com lindas casas, chalés e casas coloniais, um bairro muito bonito mesmo,
dentro da cidade que o reencarnado acreditava ser indicada para o projeto futuro, ainda
não divulgado para o resto da família.
Pensando em morar lá e trabalhar no Rio seu pai inclinava-se por Petrópolis, que
obtinha forte apoio de sua mãe. Jorge pedia que estudassem bem o local do sítio,
deveriam estudar os possíveis crescimentos populacionais, preservando o fruto de uma
vida de trabalho, a calma era fundamental para se fazer um bom investimento.
Neste ponto o reencarnado sentiu-se à vontade para abrir o jogo com seus pais...
– Eu pretendo, logo que possível, montar uma clínica médica na cidade que
vocês escolherem agora, onde vocês irão morar quando se aposentarem.
Acredito que meu pai possa ser um grande administrador em qualquer área,
se possível montar um hotel fazenda, tratando das doenças através da
medicina alternativa, usando o conhecimento espiritual dos dois para ajudar
no tratamento mental dos enfermos, quero criar também um centro de
emagrecimento e tratamento de beleza para os mais abastados, com isso
poder financiar o tratamento daqueles que não tenham recursos, não todos,
mas apenas os escolhidos... Eu sei que vocês estão me entendendo! O
senhor seria de grande auxílio na administração desse complexo, utilizar os
conhecimentos adquiridos nas reuniões esotéricas feitas em São Paulo,
tratando tanto com auxílio da realidade invisível como também da medicina...
De uma forma ampla, sem preconceitos. Vocês me entendem?
Esta declaração foi feita em agosto de 1979, a partir daquele dia, seus pais
passaram a procurar o local para a construção da dita clínica, a família como um todo
se integrou ao projeto. As forças do grande plano ali entraram com muita abundância.
Seu pai estava definitivamente livre de morrer do maldito câncer que o acometera no
passado, não havia porque temer os próximos dois anos que viriam.
Alex já trabalhava no devido lugar. Sua atitude, porém, era diferente daquela
assumida no primeiro futuro, as mudanças se faziam notar. Já não tinha tanta pressa
de ir embora de seu país, a família não o incomodava como no futuro passado. No final
do primeiro 1979 ele já estava casado, desta vez nem falava nessa possibilidade.
Somente após suas primeiras viagens à Europa é que demonstrou a vontade de
assumir o papel de homem casado, ter uma companheira. Realmente ele também foi
afetado pelo processo... Compreendia melhor as idiossincrasias dos que o cercavam.
Gradualmente, com muito vagar mesmo, as mudanças eram por ele aceitas. Jorge
sabia, entendia, até certo ponto, o processo pelo qual seu irmão estava passando. Alex
foi o que mais conviveu com a antiga família, não participou das mudanças, esteve
ausente durante três anos. Na verdade ele via as mudanças com um olhar céptico. O
reencarnado ainda lembrava muito bem do passado, um que não reviveu nessa
segunda oportunidade. Alex vivenciou horrores no trato diário daquela família, o que
menos se beneficiou com as mudanças promovidas com a chegada do reencarnado.
O apoio encontrado por Alex fazia uma grande diferença, principalmente quando
tomava suas decisões. Agora não estava sozinho, tinha amigos dentro de casa,
conversava com todos sobre suas dúvidas. Da primeira vez nunca pediu a opinião de
Jorge para nada. Naquele tempo, a distância entre eles só foi crescendo com o
decorrer dos anos. Alex sequer tolerava a maneira de Jorge ver o mundo, não nutriu
nenhum respeito por seu irmão, considerava-o um incapaz, no mínimo um louco, com
certeza o antigo Jorge não era lá muito ligado à forma corriqueira de viver. Alex nunca
soube ver as diferentes manifestações da paz. Agora era diferente, ele podia contar
com todos, não sentia aquela necessidade de livrar-se de seus familiares.
As mudanças de Alex acabaram se refletindo no relacionamento que mantinha
com a antiga futura esposa. A influência exercida pela família daquela mulher não
encontrou terra fértil desta vez. Queria viver mais antes de assumir um compromisso
definitivo com uma mulher, gozar os proventos de sua privilegiada situação profissional,
mas ao mesmo tempo sentia-se muito solitário quando viajava para a Europa. Essa
maior liberdade acabou por levá-lo a conhecer outras mulheres, conseqüentemente
houve uma ruptura no vínculo mantido com a antiga futura esposa.
Definitivamente o apoio familiar é algo de vital importância na vida de um ser
humano civilizado. Apoio este que deve vir antes dos acontecimentos, nunca após os
fatos já estarem consumados. A amizade convivida cotidianamente tem uma força
esmagadora. A confiança na retaguarda nos garante uma ousadia decisiva em alguns
momentos. O amor penetra em tudo, vence obstáculos intransponíveis, confere alegria
constante, contamina o nosso entorno, sentido até pelos que não nos querem muito
bem. O amor acaba por nos libertar, fornecendo coragem nos momentos de escolha.
Isto aconteceu com Alex.
Jorge a princípio ficou apreensivo. Desta vez foi seu irmão quem desfez as
nuvens que pairavam sobre a cabeça do reencarnado. Eles agora eram amigos, o
irmão mais velho sentia-se orgulhoso do irmão médico, vivia dizendo que o tempo
elimina todas as diferenças. Conversavam muito nos momentos de folga, ambos
extremamente ocupados, viviam para o trabalho e os estudos. Em uma dessas
conversas Alex desabafou... Tinha medo de casar-se muito novo, deixar de realizar
uma série de sonhos nutridos desde a adolescência, sentia um desconforto por isso, no
entanto sabia ser possível realizá-los. Na verdade eram sonhos sem muita importância,
sonhos de consumo, iguais aos de muitos jovens daquela época. Outros nem tanto
assim, eram sonhos que envolviam a compra de bens, mas com maior relevância,
comprar seu apartamento, fazer investimentos de futuro. Sonhos conflitantes no
tocante ao lado financeiro, ficando entre gastar com “bobagens” e economizar para o
futuro, garantir um futuro folgado ou cair na gandaia. A verdade é que o reencarnado
não podia falar demais, correndo o risco de expor sua condição. Jorge frisou com
veemência um fato que não devemos jamais esquecer.
– Alex você não pode esquecer que cada sonho tem seu preço. Você vai pagar
o preço justo por cada um deles, conhecendo ou não o justo valor de cada um
deles. Pondere entre suas opções. Você pode ficar por aqui e viver a incerteza
deste país ou pode cavar um lugar na Europa, onde vai adquirir
conhecimentos que nenhuma escola no Brasil poderá te dar, você sabe que é
verdade! Vive falando das experiências de aprendizado que cada um vive por
lá. Não sei como é sentir na pele todas as situações que incomodam um
brasileiro na Europa... Torno a afirmar, isso sim, que você goste ou não cada
caminho tem dores e alegrias, fixadas por alguma força quântica... Cada
sonho tem seu preço. Não tire isso da cabeça... Força... Coragem meu irmão.
Alex casou-se com uma linda geóloga francesa. Alegando ter que resolver
problemas de ordem familiar da esposa desligou-se da empresa, não sem antes fechar
um acordo com a empresa européia que financiaria seus estudos por lá. Esses
acontecimentos foram considerados um “golpe baixo”, pois ele deveria render os frutos
do investimento nacional. Com muita diplomacia saiu do Brasil, sem fechar as portas
tão duramente abertas, sendo muito úteis no caminhar futuro. Muitos acontecimentos
transformaram-se em sucessos devido a sua capacidade de negociação. O mundo
sempre de olhos atentos aos detalhes, pequenos eventos que se tornam chaves do
sucesso, a diferença entre ser bem sucedido ou se tornar um fracasso... Alex conhece
isso muito bem.
Na verdade Jorge não se assustava tanto com as mudanças provocadas em sua
“segunda chance”, já sentia que a compaixão é uma força transformadora, fornece
vigor ao universo humano. O que é a matéria, as civilizações, nosso pequeno planeta,
diante da poderosa força do cosmo?
Compaixão... Energia moral que atinge os confins galácticos, transformando
homens em verdadeiros Deuses. Com o amor podemos sentir nossa insignificância em
relação ao físico e à imensidão dos poderes da mente. Essa é a energia que devemos
buscar sempre, tentando materializá-la em nosso cotidiano. Com disciplina mental
doutrinar a mente, lutando contra desejos dolorosos, vícios, sendo realmente um
integrante de uma raça superior, cumprindo o papel dos humanos na evolução
cósmica. Todos nós conhecemos como é difícil o caminho da iluminação! Assim já dizia
o mestre milênios atrás...
“No inicio do caminho da iluminação, há vinte dificuldades que devemos
sobrepujar neste mundo, tais como: 1. É difícil a um pobre ser generoso. 2. É difícil a
um orgulhoso aprender o Caminho da Iluminação. 3. É difícil procurar, à custa do
próprio sacrifício, a iluminação. 4. É difícil nascer no mundo da iluminação. 5. É difícil
atender ao ensinamento que conduz à iluminação. 6. É difícil manter a mente pura,
diante dos instintos do corpo. 7. É difícil não desejar as coisas que são belas e
atraentes. 8. É difícil a um forte não usar suas forças para satisfazer seus desejos. 9. É
difícil não se irar quando se é insultado. 10. É difícil permanecer inocente, quando se é
tentado pelas circunstâncias repentinas. 11. É difícil dedicar-se inteira e intensamente
aos estudos. 12. É difícil não desprezar um inexperiente. 13. É difícil manter-se
humilde. 14. É difícil encontrar bons amigos. 15. É difícil suportar a disciplina que leva à
iluminação. 16. É difícil não ser perturbado pelas condições e circunstâncias externas.
17. É difícil ensinar os outros, conhecendo-se suas naturezas. 18. É difícil manter a
mente tranqüila. 19. É difícil não opinar sobre o certo e o errado. 20. É difícil encontrar
e aprender um bom método 6“.
Como vemos não é tarefa para os desinteressados. Na verdade é uma árdua e
gratificante jornada, a ser vivida por cada um de nós nesse planeta.
Lembrem-se do que foi dito por outro grande mestre. “Ouviste o que foi dito aos
antigos: Não jurareis falso, mas cumprireis para com o Senhor os vossos juramentos.
Eu porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis; nem pelo céu, porque é o trono de
Deus; nem pela terra, porque é o escabelo de seus pés; nem por Jerusalém, porque é
a cidade do grande Rei; nem jureis pela vossa cabeça, porque não podeis tornar um só
cabelo branco ou preto. Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; Não, não; pois o que
passa daí, vem do maligno 7”.
E Ele continua: “Ouvistes o que foi dito: amareis ao vosso próximo, e odiareis ao
vosso inimigo. Eu, porém, vos digo: amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos
perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus; porque ele faz
nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos. Pois, se
amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem os Publicanos
também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis demais?
Não fazem os Gentios também o mesmo? Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o
vosso Pai Celestial. Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-
lho também vós a eles; porque esta é a Lei e os Profetas.”
É... Só posso dizer sim, sim... Somente isso... Sim, sim... Não, não...
A companheira
Aos 69 anos de “vidas” ele ainda não havia encontrado uma mulher que fosse
capaz de aninhar-se em seus pensamentos... Complementar-se... Uma união sem
restrições. A pessoa que buscasse a paz acima de tudo.
Sua vida já não guardava a mais remota ligação com o “passado distante”, tudo
era absolutamente novo. Sentia-se cansado dos relacionamentos superficiais
oferecidos pelas “mulheres do mundo”, preocupadas com os “mistérios gozosos do
imponderável”... Caçadoras da volúpia... Ocupadas com seu grandioso “lugar comum”!
Na verdade essa é uma condição humana. A maioria dos jovens, de ambos os
sexos, agem dessa forma, querem engolir o mundo de uma só vez! Desconhecem ou
não admitem ser impossível esta proposta. Perdem alguns anos de suas vidas, perdem
parte de sua “saúde”, em busca de algo desconhecido. Nunca se sabe exatamente o
que se busca... Quem foi que disse que satisfazer os cinco sentidos é o melhor a se
buscar? Realmente... Sobram, no máximo, muitas histórias pra contar, isso quando a
morte não lhe toma nos braços numa destas loucas e indefinidas buscas pela eterna
satisfação do corpo... Da mente?!? Só insatisfação!
Será que não existem outros meios para aplacar este vulcão de inquietudes?
Será que iremos sempre pelo mesmo caminho? Não somos, todos nós, por opção,
omissos? Assim sendo, não nos tornamos responsáveis diretos pelos atos destes
jovens?
Pensamentos são cuidadosamente inseridos nas mentes de nossos jovens.
Contaminados desde tenra idade com falidas concepções de vida. Ficando em total
abandono mental, sem ter com quem contar! Podemos esperar maravilhas neste
processo? Realmente os parâmetros condicionantes são de uma eficácia inegável!
Quem se importa?
As mulheres que o reencarnado em vida encontrava pelo caminho não estavam
fora do processo, ele é que estava fora do sincronismo moderno. Vivia dentro de
parâmetros discordantes dos vigentes, uma mente alienígena aos homens de sua
aparente idade. As mais maduras entravam em sintonia com suas idéias, mas as de
sua idade física queriam “viver a vida”. Ele ouviu várias vezes:
– Quando vou curtir a vida? Depois que estiver velha e acabada? O momento é
agora! Depois já era...
O problema, ou a solução, é que ele já tinha muita história pra contar.
Os momentos de folga eram um tormento de lembranças. Tantos amores na
primeira vez, já na segunda... Tão poucos! Somente Bianca e uma colega da
universidade tiveram algum significado. Mas este segundo amor tinha uma postura
radicalmente oposta a sua. Acreditava na medicina dos fármacos, não gostava de suas
idéias. Afirmava que sua linha de abordagem era um amontoado de sonhos e
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devaneios. O que ela não poderia saber é que ele conhecia o futuro da medicina.
Incompatibilizaram-se profissionalmente, a paz entre eles andava na corda bamba.
Ficavam impraticáveis os diálogos sobre seus projetos futuros, a sonhada clínica se
tornou um estorvo. Pior, a clínica já estava surgindo no plano físico... Terreno,
projetos... Não podia viver esses conflitos dentro de seu coração.
A ele faltava experiência, seria necessário trabalhar alguns anos dentro dos
parâmetros convencionais, enfrentamentos com a saúde pública, hospitais de grande
porte, clínicas privadas, atendimento de emergência, essas vivências seriam de suma
importância na construção de seu futuro profissional, diversificar experiências era
fundamental. Para tanto contou com a ajuda de amigos de seu pai, possuidores de
uma privilegiada posição dentro da comunidade médica, indicando, sempre que
possível, o “caminho das pedras”.
A realidade dentro das instituições de saúde mostrava-se desalentadora, andava
bem feia, e iria ficar ainda pior. As condições gerais da saúde pública no Brasil e em
muitos países em desenvolvimento, principalmente em determinadas épocas, são
deploráveis, um quadro capaz de provocar vômito, basta apenas não ser cego. Mudar
tão deprimente realidade não é trabalho para um só homem, é trabalho político,
utilizando programas governamentais e a determinação da sociedade em cobrar e
fiscalizar o processo de mudança. Infelizmente a saúde é negligenciada por muitos dos
que “lá” fazem fortunas. Jorge conhecia o futuro de seu país, sabia que a situação se
agravaria nas próximas décadas, tinha visto o caos da saúde no Estado do Rio de
Janeiro... Ele esperava estar fora deste circuito no máximo em 10 anos, podendo
clinicar com uma bagagem apresentável e ainda com sua psique saudável. Não sendo
inexperiente seria tratado de forma mais digna. Ali ele seria necessário durante algum
tempo, ajudando aqueles que necessitam do Sistema de Saúde Pública, não
privilegiados pelo sistema econômico... O que mais resta a esta gente?
Foi numa aventura de férias que veio a conhecer a pessoa que... Era uma noite
fria, o céu estava coalhado de estrelas, o guia sugeriu que fosse até o centro das
ruínas para contemplar a galáxia.
– Quem sabe alguma mensagem dos Céus chegue até você, aqui acontecem
coisas mágicas.
– Minha vida já está repleta de magia. É... Uma mágica a mais não faz mal.
Quem realmente conhece todos os desígnios de Deus? – Jorge sorriu, vestiu
seu casaco e pôs-se a caminho.
– Não vá se perder por ai...
sentiu, percebeu, que o poço estava quase transbordando. Águas como um espelho...
Ao olhar o reflexo daquela entidade vislumbrou um rosto de mulher!
Aquela enigmática figura encapuzada sacou de suas vestes uma pequena
concha de ouro, mergulhou-a nas águas daquele poço e oferecendo-a para ele fazia
gestos com a outra mão, indicando que aquela porção de água deveria ser sorvida...
Ele sentiu que não havia riscos naquela situação, alguma energia poderosa
estava presente, algo desconhecido por ele. Sentida na mente e, estranhamente,
refletida na parte baixa de seu corpo, causando formigamento entre seu ânus e seu
escroto. Com certeza uma força primária, animal, intensa... Podia senti-la dentro de seu
corpo. O temor não era uma opção, esse sentimento não apareceu naquele momento.
Deveria fazer exatamente o que a misteriosa figura solicitava... É... Falava dentro de
sua mente!
Ao beber daquela água, bebida de um só gole, se viu sendo puxado para dentro
do poço... Literalmente mergulhando naquelas águas. Sobrenatural circunstância... Viu-
se como um poderoso guerreiro, voltando da batalha, vitorioso, sedento, o corpo
gritando, exigindo que suas vontades fossem satisfeitas. Uma forte ereção tomou conta
de seu membro... Viu-se entrando num grande salão, repleto de mulheres. Ao ser
notado foi sugado por violento campo energético, magnífica atração exercida pelos
corpos femininos ao seu redor, inevitavelmente, mesmo sem tocá-las, ejaculou em
abundância. Quando elas tocaram seu corpo sentiu uma onda de orgasmos muito
fortes... Tão completos... Indefinível... Todos os poros de seu corpo experimentaram
uma sensação de gozo... O desmaio foi natural.
Abriu os olhos assustado... Tudo bem! Não sabia se havia sonhado ou realmente
vivido uma fantástica experiência. Uma aventura no plano astral.
Sentindo um pouco de cansaço, aquele bizarro acontecimento consumiu alguma
energia, decidiu voltar para o alojamento. Pôs-se a caminhar, não tinha percebido o
quanto estava distante dos alojamentos. Quando olhou para esquerda avistou uma
figura caminhando por outra trilha, uma mulher, assim parecia. Com cabelos
compridos, gorro na cabeça e bem agasalhada, ela caminhava apressadamente. Como
as trilhas se uniam um pouco mais à frente, o encontro seria inevitável.
Propositadamente coordenou o passo, chegando ao ponto de união das trilhas junto
com aquela mulher. Naturalmente eles pararam e se entreolharam... Sua expressão de
assombro prendeu a atenção dela. Ficou parado, completamente estático com os olhos
cravados em seu rosto. Ela deu alguns passos, parou e voltando até ele, ainda
paralisado...
– Não fique aí parado, parece que viu um fantasma. Por um acaso tenho cara
de assombração. – ela falava num “carioquês” fluente, notadamente tinha
vivido algum tempo no Rio de Janeiro. – Vamos cara! Você tá doidão? Tá um
frio danado... Reaja homem!
– Desculpe-me, é que tive uma experiência diferente, estranha, um treco fora do
comum. Peço perdão, não tem nada de errado com você, não, pode acreditar.
– Claro que não. Só que você não escapa sem me contar que experiência foi
essa. Onde você vai dormir?
– Você é bem direta, né? Tudo bem... Desculpe. Vou dormir na cabana que o
guia me arrumou.
– Com esse frio não dá pra ficar aqui parada. – ela riu. – Então vamos até lá
dizer a ele que você vai passar essa noite comigo. – fez uma carinha de
menina safada e riu gostosamente.
– Que isso? Por que eu faria isso?
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Ele foi baixando, retornando a seu corpo. Ela, ato contínuo, sentiu-se puxada de
volta ao seu. Ao abrir os olhos ela levantou-se rapidamente e ficou olhando-o com uma
expressão de assombro...
– Quem é você? Que loucura é essa? Sempre tentei fazer essas coisas e só
tinha conseguido as tais dores de cabeça. Eu também tenho outra imagem
quando saio do corpo? Que cara tenho? Nunca ouvi dizer nada sobre isso! É
muito louco! Quem é você?!
– Você não queria saber qual a experiência que vivi horas atrás? Já que você
conseguiu me ver claramente no plano astral, acho que posso te contar.
Ele contou em detalhes a sua experiência. Ela acompanhava com os olhos
arregalados a narrativa. Agora se dava conta que tinha convidado um estranho para
passar a noite em sua cabana, não entendia o motivo de ter feito aquilo. Era incrível
demais, no mínimo perigoso, o tal cara era muito louco, talvez um psicopata perigoso.
Ela estava à beira de um ataque de nervos.
– Você entende, agora, o motivo que me levou a ficar te olhando com tanto
espanto?
Ela permanecia calada... Ele ainda em posição... Fechou os olhos como que
dando uma opção a ela. Podia agredi-lo, fugir, enfim, fazer aquilo que sentisse ser
melhor... Nesses segundos, enquanto ela pensava no que fazer ele ouviu um antigo
amigo sussurrando em seu ouvido... Depois de tanto tempo em silêncio!
– Você não veio passar esse tempo aqui sem motivo algum. Não questione...
Apenas aceite o que vou te dizer. Ela é a cúmplice que tanto procuras, ajuda-
a, ela será uma grande companheira, a opção é sempre sua, não é a primeira
vez que vocês se encontram no labirinto das épocas. Trate-a muito bem,
jamais revele a ela... Este será o único segredo que terás de guardar dela...
Ela será uma das beneficiadas com tua experiência. Caso você tenha
sucesso, ela fará uma viagem como a tua... Não nessa vida... Em sua próxima
reencarnação. Já te disse... Trate-a com carinho... Nós a amamos muito...
Tanto quanto te amamos. Amamos muito! A todos vocês “viajantes internos”.
Vocês não possuem a real consciência do valor disto tudo que estão
vivendo... Assim deve ser... Em pequenos movimentos, como em um cântico
de amor... Pequenos movimentos, até ajustar todos os pontos, até atingir o
alinhamento perfeito... Perfeito... Como é tudo no Universo! Que o amor divino
reine em vossos corações.
Ela olhava para seu inusitado visitante e seu espanto aumentava, sentia “alguma
coisa no ar”. Via as lágrimas começando a brotar de seus olhos. Alguma coisa estava
acontecendo...
Ele abriu os olhos... Fitou-a... Sentiu que estava mais calma e pediu com
doçura...
- Sente-se novamente em posição, bem perto de mim, gostaria de lhe dar um
pouco de energia, um pouco de paz. Não tenha medo, nunca farei mal a você.
Quando as mãos deles se tocaram, um sentado em frente ao outro, sentiram a
força da “teia das épocas”. Ambos sentiram o amor que os envolvia há séculos. Ela
entendeu porque o tinha tratado com tanta intimidade, porque tinha convidado aquele
homem a passar uma noite em sua cabana. Ele não era um estranho e sim um de seus
mais antigos afetos. Ele entendeu porque as águas daquela mulher tinham sugado o
seu ser, levando-o a misturar-se em sua alma... Sentia seus lábios... Como que
beijando o próprio espírito daquela mulher... Sentimentos maravilhosos, puros, fortes e
ao mesmo tempo ingênuos.
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Ele beijou sua testa com o carinho eterno, suavemente... Transmitindo calma.
Pediu que tivesse paciência com ele. Contou como andava aflito, necessitando de
alguém com quem pudesse dividir suas “loucas” experiências.
Jorge passou a noite inteira explicando o que ele fazia... Seus planos... Ela
achava tudo uma grande loucura, mas não podia negar o que viu, um outro Jorge
astral, um homem mais velho, um monge! Ela não sabia que estava olhando para o
primeiro “Reencarnado em Vida”.
– Vai ficar aí parada mulher? ... É você mesmo, não é? Helena... Não é uma
visão, é? ... – Jorge arrancou aquelas palavras. Tentando não mostrar sua
condição. Vagarosamente dirigiu-se até ela que ainda tinha dúvidas se deveria
falar com ele. – Helena, por favor, diga alguma coisa, você quer que eu vá
embora? – baixou a cabeça e já ia começar a virar-se...
– Não, por favor, não... Eu quero você! – Ela não sabia bem porque havia dito
aquilo... Saiu sem querer.
Ele voltou seu olhar para seu esplendor, seu rosto... O beijo foi inevitável, mais
profundo e arrasador do que o primeiro, um beijo sonhado durante meses, ambos
haviam desejado aquele segundo beijo, durante todo esse tempo, jamais haviam se
perdoado, não poderia ter sido somente um, cada um a seu modo tinha se arrependido
por não seguir os impulsos da carne.
Ninguém saberia dizer o tempo que a cena durou, os dois só lembram o quão
bom foi aquele reencontro, o quanto representou para cada um.
– É ele, só pode ser ele! Helena, tá todo mundo olhando! – sua amiga provocou
o fim daquele transe.
Quando eles olharam havia várias pessoas sorrindo, cúmplices daquele
momento, um beijo contagiante. Exalando paixão e verdade... Amor.
Abraçaram-se e ficaram assim durante minutos. Se cheirando, se acariciando,
guardando sentidos, coletando emoções, tornando aqueles momentos eternos... Um
registro na aventura humana.
Ele tinha lágrimas em seus olhos... Ela parecia um anjo... O amor brotou com
força. Eles não se lembravam de haverem sentido algo parecido em suas vidas. Algo
espiritual, não somente uma coisa da carne. Ele há muitos anos já vivia repetindo ser
impossível “dois viverem vida de um”. A fusão era mental, homogênea, totalmente
indescritível.
Nunca mais Jorge e Helena se sentiriam sós. Aquele amor estava nas linhas do
tempo, caminho ditado pelos destinos do próprio cosmo. Nunca tentaram ser um, pelo
contrário, cada um passou a viver sua vida mais intensamente, sabendo ter um
repouso certo para seus corações, a sensação de solidão havia sido dizimada. Nunca
mais estar só... Mesmo estando na Antártida. Amar é jamais estar só.
Reencontrando o Passado
Chegou um pouco antes da hora marcada, com uma enorme curiosidade, por que
não dizer, com muita necessidade de confirmar a veracidade dessa aventura!
Subia aquele morro não com os olhos na igreja, subia buscando a cena que
pairava em sua memória... Dois homens seminus um de frente para o outro, na chuva,
executando movimentos lentos, uma situação muito estranha... Em frente ao mar, no
alto de um monte, ponto estratégico daquela cidade...
Quando se deparou com ele mesmo, nossa! Seu passado... O coração disparou...
Ficou desnorteado... Esgueirou-se tentando ficar escondido daquele outro ele. Quando
aquela cena atingiu seu ápice seu outro eu, o “dia da partida”, desapareceu em pleno
ar... Por alguns milésimos de segundo pensou ter sentido seu antigo eu presente. Saiu
correndo... Quando se deu conta estava quase no local combinado, não sabia bem por
que pôde ver aquela cena do passado... Não entendia... O choro foi saindo sem
controle, convulsivo.
Depois de controlar um pouco seu estado emocional, foi posicionar-se no local
combinado “dias antes”... Dias antes?! Agora já contava com 83 anos de vidas naquele
receptáculo. Olhou o relógio... Eram 5h e 45min, dia 2 de janeiro de 2007, uma manhã
que marcaria o destino da humanidade, a porção dela que vive naquele planeta,
desejando a evolução da espécie, um infinitésimo do cosmo... Naquele ponto
minúsculo da galáxia, mas que naquele momento, tão pequeno planeta, entrou para a
história dos seres sencientes do universo. Mais um passo havia sido dado, uma vez
mais foi fundido o passado e o futuro na luta eterna pela evolução. A própria eternidade
necessita evoluir.
– Mestre!
– Por que o espanto querido?
– Eu vi...
– Você tinha dúvidas... O grande plano foi, mais uma vez, generoso com você.
Apenas uma abertura no espaço-tempo... Fui orientado para isso.
– Sinto-me envergonhado mestre.
– Não fique assim... Você foi o primeiro.
– Venha Mestre... Venha conhecer uma pessoa, minha amada companheira. -
Abraçou seu antigo mestre emocionado, sentindo-se aconchegado mais uma
vez... Novamente com seu amigo.
– Não é necessário chamar-me de mestre! Agora você é o Mestre rapaz... Nós é
que teremos que aprender com você. Devemos procurar registrar tudo o que
você viveu... Assim outros poderão tentar também se reformar... Mesmo sem
terem feito a “inversão” que você realizou.
– O tempo é algo que só existe para os que não abarcaram a concepção da
eternidade, não conhecem as realidades quânticas do universo.
– Você... É... Você tem muito para ensinar.
– Mas mesmo assim sinto mais conforto chamando o senhor de mestre.
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Reencarnação Consciente
– Acho que o caminho, a pessoa certa para nos ajudar nesses registros está
muito próxima! O grande plano sabe como tecer a rede dos destinos.
– Vamos... Vamos então encontrar o próximo a ser envolvido nessa aventura.
– Temos todo tempo do mundo... Calma... Tudo há seu tempo.
– Venha Mestre...
Eles se abraçaram mais uma vez, Jorge limpou o rosto com o lenço. A segunda
etapa de aventura estava apenas começando... A eternidade começava a se
descortinar à sua frente mais uma vez. Uma infinidade de conhecimentos a serem
degustados. O caminho do conhecimento... Sempre ele!
Referências
1
A Bíblia Sagrada – João Capítulo 14, Versículo 02.
2
A Bíblia Sagrada – Lucas Capítulo 12, Versículo 48.
3
A Bíblia Sagrada – Mateus Capítulo 06, Versículos 25 a 34.
4
A Bíblia Sagrada – João Capítulo 15, Versículo 12.
5
A Bíblia Sagrada – Mateus Capítulo 22, Versículos 36 a 40.
6
A Doutrina de Buda – Dharma; O Caminho da Purificação; A Boa Conduta - item 10 – 1966 Bukkyo
Dendo Kyokai.
7
A Bíblia Sagrada – Mateus Capítulo 05, Versículos 33 a 37.