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Naquele momento, já passando quinze minutos das dez horas da manhã, a decisão seria ir ou
não ir até o ponto de atendimento da perícia médica. Estávamos com todos os documentos
exigidos, a única incógnita que nos assolava era o horário de atendimento do médico perito.
Como o que importava era poder ir pra casa com tudo resolvido e poder iniciar, o tão buscado,
tratamento do “Buraco do Mindinho”, resolvemos arriscar.
― Eu acho que ir de carro com os documentos todos vencidos é complicado, pode ser
que agente de cara com uma “blitz” e vamos ficar a pé no meio da estrada – falou o motorista
do carro que estávamos utilizando para atender o pobre funcionário acidentado.
― Eu só tenho moto! Posso tentar ir sozinho, meter mais atadura no pé, se não
sangrar... Quem sabe, talvez eu consiga resolver isso?
― Tá maluco? Para no posto e mete gasolina nesse carro e vamos logo. Qualquer coisa
agente mostra que somos todos funcionários públicos e estamos atendendo um colega. Tu
acha que polícia é o que? São funcionários públicos também, vão entender, ainda mais se você
mostrar esse buraco no pé – falou a acompanhante... Eu acho que esse papo de polícia ser
colega é algo meio duvidoso, mas o motorista ficou animado –.
― Se eu ficar largado na estrada com esse calor... Vou comer o rabo dos dois! – todos
nós rimos nervosamente, não tinha outra forma, paguei quinze reais de gasolina e fomos
procurar o perito.
Como eu tinha recebido umas dicas do meu Agente de Pessoal e conhecia bem a área onde
ficava o posto de atendimento, foi fácil chegarmos. Estacionar, liberar um dinheiro para o
motorista ir dar uma volta, entrar no posto e encarar a fila. Como informado, a fila se formava
e só bem mais tarde o perito chegaria, sendo super rápido o atendimento.
― Próximo – ouvi a voz da funcionária que recebe os tais AIMs... A fila se forma na
varanda, com telhado de amianto, com uns bancos e umas cadeiras escolares velhas e
quebradas.
― O meu Agente de Pessoal disse que são ordens. Deve ser escrito em todos os pedidos
de licença.
― É verdade! Pode parecer assim, mas como já disse são ordens. Vai ter algum
problema com isso?
― Ela tinha que informar que o Servidor não tem inquérito administrativo... Isso tudo
bem, mas ninguém é insubstituível! Assim está parecendo outra coisa. Quando foi que o
senhor tirou sua última licença médica?
― Eu quero saber a data, tenho que procurar nos arquivos e ver a sua situação. O
senhor não sabe pelo menos o ano em que ocorreu o acidente?
― Vou me informar, vou ligar para minha irmã, até para ver se tem algo lá em casa. Eu
sei que foi em 2002 ou 2003, faz muito tempo! – a senhora se levantou e foi procurar a “Minha
Ficha”, eu rapidamente procurei me comunicar com minha irmã que confirmou o ano, mas não
se lembrava da data correta. Acontece que na minha ficha...
― Achei. Foi em 2003! Não tinha motivo algum para escrever isso no seu AIM – lá
estava: “O servidor nos fará falta, pois não temos outro para substituí-lo.”
― Já disse que quem escreveu não pode ser responsabilizado por isso, são ordens.
― É... Mas quem assina pode até responder processo Civil. Tiveram outros que tentaram
pressionar a perícia e a coisa não ficou muito boa.
― O senhor não é daqueles que vivem querendo uma licença médica para poder correr
do trabalho. Está tudo certinho, basta aguardar o perito chegar.
Voltei para a fila e as conversas sobre acidentes, doenças, o péssimo atendimento nos
hospitais públicos, a dengue em Búzios (foi dito que está “Bombando” e a municipalidade está
escondendo!!!), as agruras de ser funcionário público no Rio de Janeiro e a desestruturação da
família nas últimas décadas. Olha... De certa forma estava melhor que as reuniões pedagógicas
típicas de início de ano letivo! Mais respeito, solidariedade e visão dos problemas reais da
educação brasileira... É verdade! Não tinha nenhum gestor atrapalhando os debates na fila.
Realmente foi rápido. Ouve uma certa apreensão quando certos sofredores da fila disseram:
“Esse é aquele que é grosso e brabo!”
Entrei com o máximo de humildade possível. Fui logo mostrando o meu “Buraco do Mindinho”
na foto, puxando o saquinho plástico com os remédios e contando a minha história... Não sei
se foi por ver que todos os meus papeis médicos eram do SUS ou a minha atitude humilde,
mas ele até me passou uma receita com um produto mais barato do que eu havia comprado,
deu orientações sobre como deveria proceder e falou: “Porra! Tu vai pra casa, bota essa perna
pro ar, e fica assim por uns 15 dias, de papo pro ar sem fazer porra nenhuma. Entendeu? Nada
de andar, se não essa merda não fecha. Entendeu?”.
Agradeci muito e fui embora. Passei na senhora da entrada e recebi as orientações finais... O
BIM foi parido! Um parto sofrido, mas muito instrutivo.
LUIZ CANELHAS
Enviado por LUIZ CANELHAS em 22/02/2011
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