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DAISAKU IKEDA

REVOLUÇÃ
O
HUMANA

Volume 4

Tradução de Dr. Fumio Tiba

Editora Brasil Seikyo Ltda.


São Paulo

1
Título da Obra
REVOLUÇÃO HUMANA

© desta edição EDITORA


BRASIL SEIKYO

2
Índice

Jardim da Vida ....................................................... 4


A Corrente do Tempo.............................................. 21
As Ondas Crescentes................................................ 36
O Vendaval................................................................ 49
As Ondas Bravias..................................................... 61
A Geada de Outono.................................................. 72
Jardim da Vida
Na noite avançada, Jossei Toda permanecia imóvel defronte à mesa, na biblioteca do sobrado.
Sobre a mesa, estendiam-se papéis para seus manuscritos. Na primeira folha apenas uma linha estava
escrita: 'A Filosofia-da-Vida. Jossei Toda! Estava brilhando em branco, por horas, sem ser prosseguida pela
segunda linha.
Era um evento muito raro para ele. Antes de escrever, mais do que qualquer pessoa, elaborava
minuciosamente o assunto e quando pegava a caneta, escrevia habitualmente de uma só vez até o fim.
Porém, nessa noite não acontecia assim.
O assunto todo já devia estar elaborado. O fluxo de idéias como que torrenciais, estava
turbilhonando qual ondas bravias, dentro de seu peito.
Sua respiração era forte e ofegante.
A seqüência dos assuntos que deveriam ser escritos já estava pronta. Citaria, inicialmente, um
parágrafo dos respectivos Capítulos Hiyu, Kejoyu e Nyorai Juryo do Hokekyo para elucidar em seguida cada
um dos parágrafos escolhidos do Kaimoku Sho e do Senji Sho do Gosho de Nitiren Daishonin, a fim de
interpretar a "Visão da Vida nas Três Existências". Após então, mostraria a importância do Capítulo Nyorai
Juryo, revelaria a Teoria da Eternidade da Vida, baseando-se nas obras de Nitiren Daishonin, como Tôtaigui
Sho, Sanze Shobutsu Sôkanmon Sho, eventualmente Ongui Kuden e Juppokai Ji e finalmente, como
conclusão, demonstraria concretamente os aspectos reais da Vida. O assunto para ele não seria tão difícil. Se
tentasse poderia elucidá-lo sistematicamente através da lógica.
Naquele momento estava diante de um dilema que o fazia preocupar com pensamentos e mais
pensamentos a ponto de pegar e abandonar a caneta por várias vezes, refletia sobre se poderia ou não atingir,
através dos sucessivos raciocínios lógicos, até a "A Própria Existência da Vida".
Ele sabia disso. Estava resguardando cuidadosamente no peito, o que adquirira com o risco de toda
sua existência — a própria compreensão da vida. Entretanto, perturbava-se enormemente quando
compreendia quanto era difícil transmiti-la.
Retirava e recolocava os óculos por diversas vezes. Tirava o cigarro, levava-o à boca, soltava
fumaças e apagava-o, esfregando sua ponta acesa. Em seguida pegava outro. Enfim, a pequena sala estava
repleta de densas fumaças.
Toda olhou o teto por um instante.
— Como está horrível!
Jogou pílulas de cânfora na boca, levantou-se e abriu a janela. Era uma noite de maio. Penetrava um
aroma de folhas verdes. Fora da janela, o panorama era de uma escuridão solitária que permitia ouvir os
longínquos latidos tristes de cães através da noite avançada. Permanecia em pé, contemplando a escuridão.
Após então, começou a andar levemente para a direita e para a esquerda da pequena sala colocando as mãos
à cintura, entre a faixa e o Kimono. Toda não sabia o que fazer com as idéias e os pensamentos que afluíam
de seu peito.
Enquanto ia e voltava, súbito recobrou a razão. "Naquela ocasião, eu também estava andando como
um animal dentro da cela, numa pequena sala, dessa maneira. . . "
— "Aquela ocasião" referia-se a cinco anos antes, quando durante a guerra fora detido
solitariamente como um criminoso ideológico, na Prisão de Sugamo, em Tóquio.
— Aquela sala era bem mais estreita do que a do sobrado onde nesse momento poderia andar
livremente. Aquela era uma sala sombria. No limite com o corredor, havia uma resistente porta de ferro de
cerca de um metro de largura. Abrindo a porta pesada, após retirado o cadeado por fora, havia um assoalho
de dois velhos "tatamis". Mais para a frente havia um assoalho de madeira na extensão de um "tatami". Na
parede, em frente, havia uma pequena janela retangular que abria para o lado leste, mas, as grossas barras de
ferro impediam a comunicação com o mundo exterior.
— Abaixo da janela, num canto do assoalho de madeira, havia uma caixa de madeira com a
superfície quadrada de 90 centímetros de lado. Levantando a tampa, percebia-se que serviria como armário.
Sobre a caixa, havia uma prateleira de 50 centímetros de largura e 45 centímetros de altura. Aí se podiam
colocar livros ou vasos de flores. Abaixo dessa prateleira, tendo a janela à direita, uma tábua que parecia ser
usada como mesa, sobressaía do meio da parede. Levantando a tábua, aparecia uma pia. A mesa era a tampa
dessa pia. Havia um assento de madeira na frente. Abrindo essa tábua, surgia um aparelho sanitário com
descargas d'água. A tampa servia também de assento.
— Naquela época, prosseguia sua profunda meditação andando na sala solitária, simples e
conveniente.
— Desde o Ano Novo de 1944, Toda resolvera ler diariamente o Hokekyo, por intermédio da
'Sagrada Escritura da Nitiren Shu'. Além disso, iniciara a oração de dez mil Daimoku ao dia. A leitura do
Hokekyo através da literatura chinesa era por demais difícil e penosa. Por estranho que pareça, aquele livro
retornava sempre a esse dono solitário, apesar de que tivesse mandado de volta para casa por diversas vezes.
Quando compreendeu que aquilo não fora provocado por artimanhas maliciosas dos carcereiros e dos
funcionários, murmurou como se descobrisse o enigma.
— Iniciarei a leitura! Sim. Lerei tudo. De início, começarei pelo Hokekyo.
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Sua decisão foi posta em prática, desde o primeiro dia do ano. Quando leu o Hokekyo escrito no
estilo chinês pela terceira vez, já era o mês de março.
Elaborou sua tarefa para executar metodicamente a oração de dez mil Daimoku por dia, fracionado
previamente em parcelas certas de várias centenas por vez e a leitura do Hokekyo também foi marcando
algumas páginas por dia. Além disso, lia os testamentos de Nitiren Daishonin, cuidadosamente, como se
tencionasse mastigar página por página. Era então um período de dois meses de intenso frio.
No início de março, quando o frio ainda não havia desaparecido, estava um dia reiniciando a leitura
do Hokekyo pela quarta vez, a partir da Sutra Introdutória que é o Muryoguikyo.
Muryoguikyo, Tokugyo-bon Dai-ichi
A Prática da Virtude, Primeiro Capítulo
Assim, eu ouvi:

Uma vez, o Buda vivia na Montanha


Guasshaku (Grdhrakuta), no castelo
do Rei (Rajagrha), junto com a multidão de
doze mil grandes discípulos-bonzos. . .

Para Jossei Toda, já se tornara familiar a descrição dessa cena panorâmica do tempo, quando o Buda
revelava o Capítulo da Prática da Virtude. Quando entrou no "Poema em Louvor ao Buda", logo após a
descrição da cena, concentrou toda sua visão, seriamente preocupado e desesperado, pensando:
—Como sempre, daqui para a frente, não consigo mais compreender. Como é grande, a grande
iluminação do
Grande Mestre Soberano!
Sem sujeiras, impurezas ou privações. . .
é o líder dos deuses, dos homens, dos
elefantes e dos cavalos.
A sua delicadeza moral e a fragrância da
virtude abençoam a todos.
E, além disso, nunca entrou no mundo das ilusões. Ele podia compreender até aí, na oitava linha.
Acaso, não seriam agudas as palavras elogiosas louvando o Buda, o Grande Mestre e Soberano possuidor de
uma grandiosa iluminação sábia? Apesar de compreender que era apenas um elogio dirigido à Suprema
Hierarquia do Buda, a partir da 9. a linha não entendia mais nada. Não obstante, parecia que a Entidade do
Buda era o indicativo de "Esse Corpo".
Essa entidade não é existência nem
inexistência;
Não é causa nem relação, não é sujeito
nem objeto;
Não é quadrado nem redondo, não é
curto nem longo;
Nãd nasce nem morre, não emerge nem
submerge;
Não se cria, não se constrói, nem é
efeito;
Não senta nem deita, não anda nem fica;
Não é movimento nem mutação nem
inércia;
Não avança nem recua, não é seguro nem
inseguro;
Não é racional nem irracional, não se
ganha nem se perde;
Não é isso nem aquilo, não é do passado
nem do futuro;
Não é verde nem amarelo, não é branco nem vermelho;
Não é escarlate nem violeta nem qualquer outra cor.
Compreendeu que esse trecho da poesia, era formado por doze versos e confirmou que havia nele,
trinta e quatro predicados negativos.
Continuando o trecho que seguia em versos 'O preceito, a concentração, a sabedoria e a compreensão
nascem da percepção', descrevia novamente os elogios à magnificência do Buda, despertando-a
consecutivamente com as múltiplas expressões honoríficas e titulares, até que passava a descrever o aspecto
real do Buda que é Ojin (a Entidade Física ou Corpo do Buda), porém, isso não parecia ser tão difícil de
compreender.
Somente o significado representativo dos trinta e quatro predicados negativos permanecia ainda
totalmente intocável.
O verso inicial 'Sua entidade não é existente nem inexistente' faz entender que a 'Entidade do Buda'
não pode ser definida apenas como um ser existenle ou inexistente. Segundo a Teoria do Budismo da
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Existência e da Inexistência (Kuukan), faz perceber que isso é compreensível até certo ponto. Entretanto, sua
entidade real não era tangível.
Além disso, se 'Essa Entidade' fosse considerada como sendo Hosshin, isto é, a entidade original e
imutável do Buda, então, o que seria, em última análise, essa existência imutável do Buda em forma de
Hosshin? Se isso não fosse compreendido, Hosshin nada mais seria senão uma existência apenas teórica.
Ele não podia conceber de maneira alguma que o Budismo de Nitiren Daishonin considerado como a
verdadeira espinha dorsal de todo o Budismo, não passasse de um mero idealismo em tese apenas teórica.
Apesar de que negasse absolutamente que isso era impossível, nessas doze linhas do verso, a Entidade do
Buda envolvia-se pelas neblinas teóricas.
Jossei Toda, agora não mais podia ler tranqüilamente como nas três leituras anteriores.
Sua prece diária de Daimoku e sua decisão com vontade fulminante de entusiasmo no sentido de ler
na sua totalidade o Hokekyo, atirando inteiramente o peso do seu corpo, fizeram com que detesse um dia,
nesse trecho.
Toda pensou:
— Os trinta e quatro predicados negativos não são apenas adjetivos qualificativos. Evidentemente
existe algo. Está procurando mostrar aqui algo que existe. Entretanto, quanto a essa existência, dizem que
não é existente e nem inexistente... Não é quadrado e nem redondo. Não é curto e nem longo.. . Não se move
e nem se rola. . . Nem tampouco permanece inerte. .. Parece um enigma. Afinal, o que vem a ser, então? O
que se sabe até então, é evidentemente uma grandiosa existência real irrefletida aos olhos enquanto não
forem elucidadas as expressões paradoxais. ..
Uma vez fatigado pela meditação, retornou às preces de Daimoku. Em suas mãos, havia colocado
um rosário feito de tampas de leiteira, um "juzu" sem igual no mundo.
Jossei Toda desejou uma compreensão total do significado das 12 linhas dessa poesia. Caso
contrário, decidira não mais prosseguir um passo sequer. Contra o Hokekyo, ele tomara aquela atitude
estratégica impossível de se voltar atrás. Essa resolução, sem recuo, não era meramente uma decisão
idealística, mas sim, um desafio à Vida.
Até então, como é do conhecimento da maioria, inúmeras lições e interpretações do Hokekyo
haviam sido publicadas nos livros. Entretanto, para ele que estava dentro da prisão, não era permitido
consultar esses livros e nem mesmo lembrar-se da existência da elucidação desse trecho.
O fato era tão evidente que a maioria dos livros de interpretações não comentava essa parte da Sutra
com devida atenção ou apenas elucidava em resumo para poder explanar mais cansativamente que o
gongorismo, as interpretações anteriores e posteriores. Às vezes, encontravam-se livros citando
interpretações como: "O Buda está fora das cogitações consuetudinárias, assim chamado no estado de
existência e inexistência", ou então, "não é quadrado e nem redondo.. . não é comprido e nem curto. . . isso
significa que o Buda se distanciou de todas as espécies de relações materiais e seu trabalho está isento de
todas essas relações cotidianas por transcender tudo isso". Do nosso ponto de vista atual, não se pode dizer
de outra forma senão que são interpretações absurdas.
Passando os olhos, retrospectivamente, na História do Budismo, mesmo Tien-tai, o Grande, famoso
como o primeiro e mais rigoroso intérprete do Hokekyo, há 1.300 anos, não esclarece claramente esse
trecho.
Dengyo, o Grande, que seguiu a linhagem ortodoxa da Escola de Tien-tai, vem, finalmente,
interpretar linha por linha esses doze versos na 'Interpretação do Muryogui-kyo'. Entretanto ele considera
'Essa Entidade' como sendo "a entidade que ilumina intrinsecamente" e, além disso, apenas define dizendo;
"a iluminação intrínseca do próprio ser físico". Portanto, não se poderia dizer senão que isso está longe de
abraçar a entidade realmente concreta.
No âmbito da Teoria de Itinen Sanzen e de Isshin Sankan da Escola de Tien-tai, talvez fosse
impossível interpretá-lo mais do que isso.
Apesar disso, os bonzos estudiosos da Doutrina Tien-tai consideram 'essa entidade' como sendo o
corpo do Buda, aceitando apenas a elucidação formal de Dengyo e interpretam os predicados negativos
como sendo os qualificativos abstratos para conceituar a entidade do Buda como uma existência sobrenatural
e impossível de ser concebida no pensamento.
Se 'essa entidade' fosse o 'Supremo Mestre e Soberano de Grande Iluminação' e admitisse que essas
doze linhas louvassem qualificando o Supremo Mestre e Soberano o mesmo tornar-se-ia apenas uma figura
ideal e teórica. Entretanto, sendo um poema declamado em louvor ao Buda com as vozes uníssonas de
seus discípulos, logicamente, o Supremo Soberano e Mestre não seria apenas uma existência ideal.
A chave da questão onde Toda considerava incompreensível nas doze linhas era o que significava
'essa entidade' escrita no verso inicial.
Ele percebia intuitivamente, com certeza, a existência de uma entidade real e que seria o sujeito
indicativo contido nas doze linhas.
Toda continuava acumulando seu Daimoku e avançando incessantemente sobre essa entidade real.
Revives-cendo em sua memória as 34 negativas, penetrava em profunda análise introspectiva à procura do
sujeito que poderia ser a entidade real contida evidentemente nos 34 predicados negativos.
Sua consciência não percebia a passagem do tempo, esquecendo-se até mesmo do próprio local em
que permanecia.
Subitamente, surpreendeu-se a ponto de perder a respiração. Surgiu em sua mente, o brilho de uma
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palavra chamada "A Vida".
Nesse instante, Toda conseguiu ler os doze versos até então incompreensíveis.
'A Vida' não é existência nem inexistência;
Não é causa nem relação, não é sujeito nem objeto;
Não é quadrado nem redondo, não é curto nem longo;
Não é escarlate nem violeta nem qualquer outra cor.
'Essa entidade', que se referia ali, não significaria, exatamente, 'A Vida'? Uma vez conhecido, deixa
de ser um mistério. O Buda significa a Vida!
Toda levantou-se. O frio cortante já estava no longínquo esquecimento. Nem percebia o tempo. Ele
somente respirava ofegantemente, corando a face, mostrando os olhos brilhantes e movendo-se
transbordante de alegria sem fim.
Isso aconteceu numa cela estreita. Nesse meio, rodeava passo a passo e firmemente, erguendo os
ombros imponentemente e cerrando as mãos com força, apesar do corpo emagrecido.
— Buda é Vida! é a revelação da Vida. Não é algo que existe fora. é o que existe dentro da própria
vida. Não somente isso, também existe fora. é a entidade real que é a Vida do Universo!
Ele queria clamar com altos brados a todas as pessoas. Naquele momento, a cela estreita e solitária,
parecia ser uma vasta extensão infinita. Enfim, após o delírio de alegria, voltou a acalmar-se, sentou-se em
direção ao Daissekiji e continuou suas orações de Daimoku, no avanço da escuridão profunda.
Esse instante da iluminação de Toda, pode-se considerar que foi o momento suficiente para
revolucionar no futuro, o conceito filosófico do mundo. — Creio que isso se tornará evidente com as rápidas
passagens do tempo.
Pode-se dizer que sua clarividência iluminada nessa oportunidade, fez o Budismo revivescer
admirável mente para a época contemporânea, em concordância com as modernas interpretações científicas e
sem floreios artificiais. Além disso, contribuiu ao Budismo, a compreensão de caráter objetivo e claro, bem
como a interpretação moderna. Mais que isso, não seria então, como a mola mestra memorável que
conduziria a Filosofia-da-Vida de Nitiren Daishonin à posição mais elevada que todas as filosofias do
passado e do presente?
No Hokekyo, não há um termo direto e integral como a 'Vida'. Apesar disso, Toda descobriu o que
estava imerso nos doze versos misteriosos, e que nada mais era senão a própria e a verdadeira vida.
Compreendeu a entidade real do Buda. A misteriosa entidade real da vida que se estende nas três
existências parecia mostrar seu contorno, lá no longínquo horizonte.
Após então, ele continuou a ler cada vez mais o Hokekyo. Foi vencendo as numerosas sentenças
difíceis de se compreender.
Ainda na prisão, a primavera despediu-se bem como o verão, e o outono estava para terminar. Nesse
ínterim, conseguiria compreender pelo menos quase a totalidade das palavras e as frases do Hokekyo, graças
ao esforço persistente e à sua meditação constante. Entretanto, surgira uma dúvida original. — Afinal, o que
Sakyamuni desejava revelar nos 28 Capítulos do Hokekyo?
Essa era a segunda questão que o preocupava.
Se o Hokekyo é o ensino fundamental de todo o Budismo de Sakyamuni, então o que seria a sua
essência? — Naturalmente, seria o Nam-myoho-rengue-kyo de Nitiren Daishonin, cujo princípio está
baseado no Gohonzon das Possessões Mútuas dos Dez Mundos, revelado na Era de Mappo.
Ele já estava ciente dessa conclusão lógica. Entretanto, foi obrigado a reconhecer que isso estava
longe de ser usufruído por ser uma sensação real que ainda não podia ser propulsionada.
Percebia-o com freqüência através da sensação súbita, quando, por vezes, falava sozinho dentro da
cela solitária e fria.
O céu anil de outono mostrava-se através da pequena janela. Quando ele o contemplava, parecia
ficar completamente alheio e desprendido por horas e horas.
Entretanto, sua mente, mesmo dormindo ou acordado, continuava a indagar sempre o que era a
verdade essencial do Hokekyo e o que era concretamente essa verdade.
— Se considerasse o Hokekyo apenas como um conto de Sakyamuni, poder-se-ia dizer que nada
mais seria senão um maravilhoso conto de fadas. Entretanto, Nitiren Daishonin diz afirmando e reiterando no
Gosho que as 69.384 ideografias do Hokekyo, todas elas, são Budas. Assim sendo, não deveria haver o
mínimo de dúvidas. Isso seria claramente compreensível para Nitiren Daishonin. Logicamente, a questão
seria apenas a impossibilidade de ser decifrado pelo humilde discípulo Jossei Toda.
No presídio, durante a guerra, embora estivesse sofrendo de má nutrição, ele não deixava de meditar
intensamente. Apesar da fadiga extrema e, vestindo as roupas mais simples sobre o corpo, praticamente
desprovido de músculos, devotava-se continuamente à intensa oração de Daimoku.
Em meados de novembro, a oração de Daimoku, decidida no dia do Ano Novo, estava alcançando o
número de dois mihões.
Uma certa manhã, ele irradiava seu Daimoku, com uma voz límpida e clara, para o céu azul, através
da pequena janela de onde vinham os raios solares que banhavam o seu corpo.
O que estaria ele pensando? Nada havia em seu pensamento. Naquele instante, os negócios na
iminência da bancarrota, o desespero de sair da prisão o quanto antes, a família que sofria de dificuldades, o
mestre venerável Tsunessaburo Makiguti que estava na mesma prisão, em sua memória, tudo havia
desaparecido.
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Nesses últimos dias, sobretudo, restava num canto de seu cérebro, apenas o 15.° Capítulo do
Hokekyo, Juti-Yu-juppon que lia e repetia.
O sol estava ardente. O vento que fazia lembrar a primavera, acariciava-lhe a face. Sentia o fluxo de
um prazer caloroso envolver-lhe o corpo com infinita paz e pureza, que parecia lavar e levar todos os
sofrimentos.
— Ouvindo as vozes sonoras da pregação do Buda Sakyamuni, todos esses Bodhisattvas emergiram
de baixo. Cada um desses Bodhisattvas correspondia a um líder que orientaria o Daimoku das massas.
Cada qual é seguido por seus semelhantes (kenzoku) equivalentes ao número de grãos de areias de
sessenta mil rios Ganges. é desnecessário dizer de outros que são seguidos por 3/4, 1/2, 1/3, 1/4, 1/5 ou 1/6
desse número. é desnecessário...
Sem que o percebesse, naturalmente ele se encontrava no espaço etéreo. Descobrira sua própria
existência, orando de mãos postas diante do Majestoso Dai-Gohonzon, os brilhos dourados no meio da
multidão incontável como os grãos de areia do Rio Ganges.
Não era sonho e nem ilusão. Esse momento pareceu ser alguns segundos, minutos ou horas. Era um
fato realmente experimentado pela primeira vez. O delírio de alegria corria-lhe por todo o corpo. — Não
deve ser mentira. Eu estou aqui! — Tentou clamar com altas vozes. Nesse momento, ele percebeu que estava
novamente dentro da cela solitária, sentado e banhado pelos raios do sol da manhã.
Ficou pasmado por um instante.
De seus olhos, lágrimas quentes afluíam incessantemente. Retirou os óculos, tentou contê-las com a
toalha, porém as lágrimas que já haviam rompido as barreiras não mais podiam ser detidas. O júbilo
transbordante fazia estremecer a sua vida.
Nadando em lágrimas, ele lia de corpo e alma a frase: "O Congresso em Ryojussen ainda não foi
dissolvido". O que ele viu? O que ele percebeu?
— Estas Três Grandes Leis Místicas foram transmitidas há mais de dois mil anos, tacitamente
por Sakyamuni e herdadas oficialmente por Nitiren, o líder dos Bodhisattvas da Terra dos Mil Mundos..,.
Toda delirava de júbilo.
Sentia-se perplexo, toda vez que indagava o significado do 'Testamento Verbal' sempre que lia
"Sobre a Transferência das Três Grandes Leis Secretas" (Sandai-hiho Bonjoji). Entretanto, conseguira afinal,
compreender que isso já não era mais segredo.
— Uma das pessoas que estava naquela multidão imensa como o número de grãos de areia do
Rio Ganges, era eu mesmo. Na verdade, o líder supremo daquela multidão deve ter sido Nitiren Daishonin.
Quão solene deve ter sido a cerimônia tão vivida, majestosa e eterna! Assim sendo, certamente, eu era
Bodhisattva da Terra.
Ele rodeou por inúmeras vezes em torno daquela cela estreita. Retornando em seguida à sua mesa,
começou a ler o Hokekyo novamente, a partir do 15.º Capítulo, Yujuppon.
Concordava profundamente, batendo a mesa e dizendo:
— é isso mesmo! é isso mesmo!
A leitura avançou para o 16.o Capítulo, Juryohon e passando sucessivamente pelos oito Capítulos,
chegou até ao 2Z° Capítulo, Zokurui-bon, onde cita a cerimônia da transmissão.
As ideografias desses Capítulos, rapidamente tornaram-se familiares e anunciavam-lhe o seu
significado. Até parecia uma recordação através da leitura das anotações do caderno escrito no passado.
Os significados ambíguos, agora podiam ser compreendidos claramente. Até ele desconfiava de seus
próprios olhos. Entretanto, não podia duvidar um pouco sequer do mistério de seu próprio espírito que
atingira dessa maneira a compreensão do Hokekyo. Dentro da sua profunda emoção, disse consigo mesmo:
— Isso mesmo! Minha existência já está definida. Não esquecerei jamais o dia de hoje.
Completarei minha existência propagando este majestoso e magnífico ensino.
Ao mesmo tempo sentiu-se convicto da própria missão. Em seguida, lembrando os tempos passados
e meditando sobre o futuro distante, reconheceu que estava com 45 anos de idade.
Ao lembrar a idade, surgiu-lhe na mente, o que um homem nascido na era de Meiji lembraria talvez
como ele. . . A análise sistemática da vida em décadas conforme a observação retrospectiva de uma
existência segundo a relação ideal e harmônica entre o pensamento e a idade, por Confúcio.
— Os homens, aos quarenta anos devem estar livres de vacilações e aos cincoenta devem
reconhecer a ordem celestial.
Para ele, contando com 45 anos, não correspondia nem um e nem outro. Porém, Toda do presente
reconheceu a convicção das duas décadas.
Ele andava a passos largos clamando em altas vozes, dirigindo-se a alguém:
— Estou livre de vacilações com cinco anos de atraso e com cinco anos de antecedência
reconheci minha missão divina.
Um carcereiro que percebeu esse grito, lançou olhares desconfiados para dentro da cela solitária de
Jossei Toda e em seguida, retirou-se.
Exatamente nessa ocasião, o Presidente Tsunessaburo Makiguti permanecia enfermo e sozinho numa
cela isolada sob um outro teto. Estava caquético em virtude da sua idade avançada. Além disso, ajuntava-se a
desnutrição conseqüente de um ano e meio de prisão. Em 17 de novembro de 1944, ele mudou para o
hospital do presídio e no dia seguinte, dia 18, encerrou tranqüilamente sua existência sublime de 73 anos.
Quando Jossei Toda soube da morte de seu honroso mestre, já era o ano seguinte, 51 dias após.
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Nesse dia, Toda soube da notícia por intermédio de um juiz investigador, no tribunal de julgamento
prévio.
Foi um choque tremendo. Sentiu-se tristemente indignado como se tivesse perdido o corpo e o
mundo. Chorou até esgotar e secar a última gota de suas lágrimas. Entretanto, como estava ciente do peso da
missão sobrecarregada em seu corpo, jurou consigo mesmo que iria vingar a injustiça com a realização de
uma grandiosa obra, a Paz Mundial.
O dia 3 de julho de 1945 foi a libertação da vida presidiária de Toda. Quando deu o primeiro passo
para a reconstrução da Gakkai, deixou de lado a 'Filosofia do Valor' do ex-Presidente Makiguti por um certo
tempo e começou a lecionar o Hokekyo junto com alguns de seus companheiros. Isso deve ter sido
intencionado pelo desejo de transmitir aos companheiros e aos discípulos, a missão e a resolução que ele
tomara na prisão, e, através disso, preparar o estado de espírito para a ressurreição da Gakkai com
autenticidade original, fazendo 'Hosshaku-Kempon' (deixar o provisório e revelar o real).
A razão por que Jossei Toda sentiu a flexibilidade da caneta, justamente no ato de escrever a
'Filosofia da Vida', nada mais foi senão superar esse assunto até então em voga nas lições do Hokekyo e nas
reuniões-de-palestra, que eram as explanações passivas e aceitáveis conforme as circunstâncias e ocasiões.
Era, por assim dizer, uma revelação no sentido relativo (Zuitai).
A Filosofia-da-Vida que ele pretendia escrever então, não seria apenas uma coleção de obras
sistemáticas. Muito mais do que isso, portanto, seria uma Filosofia-da-Vida que deveria ser chamada como a
lição preliminar para metodi-zar o estudo da Filosofia do Budismo de Nitiren Daishonin. Assim sendo, é
impossível deixar de apreender necessariamente o que se deve chamar de revelação própria no sentido
absoluto (Zuijii).
Assim como todos os assuntos são englobados na introdução e sabendo disso, ele sentia profundas
preocupações quanto à necessidade da sua obra possuir a validez universal sólida e capaz de ser aplicada em
todos os casos particulares, a expressão clara e concisa e o poder de se compreender convincentemente.
— Para que uma ideologia cresça, deve haver necessariamente uma fonte inspiradora. Enquanto
perambulava pela biblioteca, de repente, lembrou: — Naquela época também. . .
Percebeu que a sua Filosofia-da-Vida brotara no meio daquele sofrimento penoso da prisão. Sua
meditação fazia evoluir o grau de maturidade da sua Filosofia-da-Vida, à medida que revivescia em sua
memória.
A Filosofia-da-Vida que ele pretendia escrever, começou a ser revelada com viva naturalidade.
A noite aprofundava-se. Seu cérebro retornava à sã e clara consciência. Sentou-se diante da mesa. Já
havia esquecido completamente que a janela fora fechada e que o cigarro fora aceso.
A seriedade transparecia em sua fisionomia. Na sala, reinava o silêncio, sem outro sinal de vida.
Com a caneta na mão, escreveu 'O Mistério da Vida' na segunda linha e em seguida, passou à
terceira.
— Quando o Xintoísmo do Japão foi aproveitado pelo ultra-nacionalismo e pelo totalitarismo
que levou enfim a desencadear a desastrosa Guerra do Pacífico, o Mestre Honorável Ex-Presidente
Tsunessaburo Makiguti, meus queridos companheiros e eu protestamos veementemente criticando que a
política religiosa do Governo era extremamente contraditória. Advertimos desse modo a irracionalidade e a
imoralidade dos atos de imposição da prática dos preceitos dos templos xintoístas para o povo. Conseqüen -
temente, fui perseguido no verão de 1943 e, em seguida, condenado a viver na prisão por dois anos.
Chegou a escrever até aí, sem fazer pausa, como se estivesse escrevendo uma carta. Nesse momento,
surgiu o fluxo de uma fúria inexpressível.
Intensas e complexas emoções, invadiram o coração de Toda, nesse instante. Mas, enquanto fumava,
refletiu:
— Não, a verdade é que devo escrever com serenidade apenas o que é absolutamente certo.
Caso contrário, não poderei revelar a verdade.
— Enquanto vivia dias solitários numa cela fria como preso inocente, as meditações chamavam
os pensamentos após outros, até que cheguei a cruzar com a questão fundamental da vida humana,
extremamente complexa que é a essência real da Vida.
— O que é a Vida? Há vida somente nesta existência? Ou ela continuará eternamente? Eis o
eterno mistério que os mestres do passado e as eminentes personalidades da História vieram tentando
reponder cada qual á sua maneira.
Escrevendo desse modo, procurou enunciar as citações dos ilustres e dos sábios. Começou a escrever
as afirmações de Confúcio e de Cristo, porém, apagou imediatamente e rasgou o papel.
— Os problemas da Vida não podem ser elucidados através de um jogo de teorias sobre teorias.
Nem devem ser revelados dessa maneira. Sobre isso, o público já está cansado de saber. O que a maioria
deseja é saber a realidade. Meu desejo é levar ao conhecimento do público, a realidade tal como ela é. Em
suma, a verdade vive dentro do meu coração. Sim! Mostrarei abertamente meu coração. Ora, isso não seria a
minha Filosofia-da-Vida? Devo escrever pura, simples e modestamente. Embora enumere os termos
filosóficos complexos, nunca terá proveito algum, se a teoria não for compreendida por si e por outrem. A
maioria não aceitaria com satisfação.
Começou a escrever mostrando um sorriso na face, apesar de estar sozinho.
— Os piolhos proliferaram à vontade numa prisão anti-higiênica. Eles começaram a sair e
passear sem cerimônias, banhados pelos raios do sol da primavera. Quando juntei dois deles sobre a
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superfície de madeira, os mesmo moveram-se desesperadamente com os membros
superiores e inferiores. Esmaguei um deles e apesar disso o outro moveu como se nada estivesse
acontecendo. Afinal, para onde fora a vida do piolho esmagado? Acaso desaparecera para sempre deste
mundo?
Mostrou um sorriso traquinado. — Julgando ser o caso de piolhos um pouco indecente, escreverei,
então, sobre as belas flores.
Naturalmente, sentia, então, um prazer espontâneo.
— Admitamos o caso de uma cerejeira. Se cortarmos seu ramo e o colocarmos num vaso, os
brotos transformar-se-ão mais tarde em flores e ao mesmo tempo nascerão tênues folhas. A vida do ramo
dessa cerejeira e a da árvore originária é igual ou diferente? Quanto mais pensarmos, a vida torna-se ainda
mais misteriosa.
Sua peculiaridade consistia em fazer as pessoas compreenderem mais facilmente a questão mais
complexa, partindo de um exemplo mais próximo. Pode-se dizer que Jossei Toda possuía as qualidades dos
filósofos eminentes por ser conhecedor da questão por seu poder intuitivo.
Partindo da vida dos piolhos e das cerejeiras, ele atingiu a Vida Humana e avançou sobre a questão
da vida e da morte.
Ele meditara seriamente sobre a vida e a morte em plena juventude, quando então fora de encontro
com a morte da esposa e da filha. Em seguida, assistira a morte do pai. Os sofrimentos e as tristezas diante
das mortes sempre foram para ele fatos inesquecíveis. Na tentativa de solucio nar, ou melhor, levado pelo
temor ao imaginar a própria morte, procurara o caminho da salvação através do Cristianismo ou da Sutra
Amida.
Apesar disso, entretanto, não podia compreender sinceramente "o que era a Vida". E desse modo, ele
escreveu fielmente a sua própria experiência.
— ... Tal angústia foi mais uma vez repetida dentro da cela solitária. Eu, que desde o início,
possuía uma atração toda especial pelas pesquisas sobre a Ciência e a Matemática, não podia crer de maneira
alguma enquanto não pudesse compreender logicamente.
— Portanto, devotei-me assiduamente às leituras do Hokekyo e do Gosho de Nitiren Daishonin.
Em seguida, encontrei uma frase misteriosa do Hokekyo. Orei sinceramente o Daimoku, sujeitando-me
inteiramente aos ensinos de Nitiren Daishonin, com desejo fervoroso, até que pudesse compreender a leitura,
com todo o meu corpo.
A caneta foi movendo suavemente como a correnteza.
— Na véspera, dia em que o meu Daimoku atingira dois milhões, choquei-me com um fato
extraordinário que abriu para mim um vasto panorama de um mundo sem precedentes e jamais imaginado
antes. Tremendo de tanta alegria, declarei-o com altos brados aos Budas e aos Bodhisattvas das Três
Existências e dos Dez Setores do Universo e a toda humanidade, apesar de estar sozinho e preso numa cela
solitária.
— Estou livre de vacilações com cinco anos de atraso e com cinco anos de antecedência,
conheci a Missão do Céu.
— Através desse experiência, desejo elucidar a essência da vida baseada na Visão da Vida que
o Hokekyo ensina.
Toda escreveu até aí de uma só vez. Em seguida fez uma pausa para a revisão.
Sua miopia extrema exigia que arrastasse a face sobre a superfície do manuscrito. Sentiu-se satisfeito
por sua elucidação escrita com mais simplicidade do que ele próprio esperava.
Isso porque ele conseguira consolidar a base ilustrativa por meio dessa introdução para que, em
seguida, pudesse partir para a explanação de uma Filosofia-da-Vida. Ele já sabia que, sem o apoio dessa
retaguarda, não podia ser ressaltado o contorno da sua Filosofia-da-Vida e nem poderia satisfazer a
compreensão dos leitores.
Enfim, sentindo-se plenamente satisfeito, começou a tragar tranqüilamente o seu cigarro. Em
seguida, lembrou que faltavam apenas dois dias para o prazo de entrega do manuscrito e então começou a
planejar a seqüência dos assuntos a expor e abriu as anotações a serem investigadas. Porém, resolveu pensar
nos trabalhos do dia seguinte achando que o resto seria mais fácil embora fosse mais longo. Escreveu, então,
apenas 'A Vida nas Três Existências' e deitou-se. Um cansaço agradável envolvia todo o seu corpo.
As altas horas da noite já cediam lugar à madrugada.
O motivo pela qual pretendia completar a tese dessa Filosofia-da-Vida, mesmo varando a noite, era
devido à situação em que se achava na véspera do lançamento de uma revista nova chamada
'Daibyakurengue'.
A revista anterior chamada "A Criação do Valor" vinha sendo publicada desde sua primeira edição
de junho de 1946, como um órgão informativo. Porém, em conseqüência da cessação do fogo, o volume de
circulação era pequeno e apenas satisfazia em Tóquio com os núcleos regionais. Era um panfleto
mimeografado em papéis com um pouco mais de dez folhas. Com o aumento dos membros integrantes, a
circulação logo ultrapassou o limite da publicação das possibilidades do trabalho mimeografado.
Após o lançamento de seu número 16, em outubro de 1948, a situação obrigava-o forçosamente a
mudar para uma revista impressa. Quando essa proposta foi até à reunião anual dos Comissários desse ano,
foi aprovada por unanimidade para que a revista "A Criação do Valor" fosse impressa a partir do próximo
número.
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Toda, entretanto, pretendia de imediato, elevar a mesma para uma revista mensal de caráter
religioso.
Desde o Ano Novo, os editores responsáveis Takeo Konishi e Tyuhei Yamadaira concentraram seus
esforços no planejamento. Era necessário colecionar os materiais quatro a cinco vezes mais do que o
habitual. Além disso, tornar-se-ia necessário convocar numerosos escritores. Seria preciso elaborar os artigos
em série e as críticas dos autores. Os relatos de experiências cuidadosamente escolhidos tornar-se-iam
importantes.
O plano editorial foi se protelando sem solução de janeiro a fevereiro e chegou até março. E ainda, a
publicação da revista "Criação do Valor" estava sendo suspensa.
Mesmo que Jossei Toda respeitasse como sempre as críticas e opiniões livres, dessa vez não mais
conteve a paciência e ordenou a solução imediata do plano editorial.
Os responsáveis pela redação apresentaram seus planos com perplexidade. Apanhando-os nas mãos,
Toda caiu na gargalhada.
— Por mais que esperemos, não poderemos escrever algo de extraordinário com essa turma que
está sempre junta. Em primeiro lugar, aqui não há professores e nem críticos hábeis na escrita, não é
verdade? Seria muita falta de habilidade, trocar uma revista mimeografada apenas por uma outra impressa.
Resultaria numa revista religiosa por demais irrisória. Na verdade, a mesma deveria ser lida por pessoas da
sociedade, mesmo fora dos membros da Gakkai. Acaso não estariam vocês cometendo algum equívoco?
— Não, senhor. No ensaio de abertura, nós solicitaremos ao senhor que escreva o mais longo
possível. De resto, nós comentaremos sucessivamente as doutrinas de outras seitas para, em seguida refutá-
las, categoricamente. . .
Tyuhei Yamadaira começou a justificar com exaltação. Toda interrompeu-o, deixando de lado os
papéis de planejamento.
— É claro que eu prometo escrever. Escreverei tanto quanto necessário for, porém, pensem no
seguinte. Quantas folhas seriam necessárias para preencher as 32 páginas do tamanho oitavo? Além disso, é
uma publicação mensal. Com planejamentos fúteis, os assuntos esgotariam já no primeiro número. O
importante é quebrar de início o círculo que vocês visam, a fim de que possam agir mais corajosamente e
com uma visão bem mais ampla. Empreender um novo trabalho consiste em partir quebrando o círculo
rotineiro formado até então. O remediar provisoriamente seria condenável. Daremos grandes saltos para o
'Daibyakurengue', quebrando o limite da 'Criação do Valor'. Se numa revista os redatores não evoluíssem
mensalmente cada qual por si, algo cairia no maneirismo. Isso eu compreendo muito bem por ser um editor
de revistas.
Yamadaira e os colaboradores caíram no embaraço. Toda disse de maneira sucinta, olhando
novamente os papéis do planejamento.
— Então, hoje, nós vamos resolver. Como introdução, solicitaremos do Sumo Prelado Nissho
Shonin, a introdução celebrando a inauguração da revista, é uma idéia. Aproveitando a oportunidade, não
seria bom pedir também a caligrafia do título 'Daibyakurengue' para a nossa revista? Vocês estão
pretendendo que vá escrever o prefácio, não é? Também é necessário escrever o ensaio de abertura. Pois
bem, escreverei ambas as partes. Não há outra alternativa. Acaso, vocês já providenciaram o pedido de
colaboração para o ex-Sumo Prelado Nitikô Shonin?
— Sim. Como ele estava pesquisando sobre Nikko Shonin desde longa data, concordou em
ajudar escrevendo para nós.
— Isso mesmo, ê uma boa chance. Peçam encarecida mente. Não importa que o assunto seja
demasiadamente longo. Peço a todos que se dirijam até lá e solicitem lhe: isso, mesmo que ultrapasse
centenas e milhares de tolhas. Apesar de sua pesquisa ser tão minuciosa e de nível um tanto inatingível à
nossa compreensão. . .
Todos sentiram-se aliviados diante da face sorridente e das palavras traquinas de Toda.
Ninguém percebia que as obras de Hori Shonin fossen transformar-se mais tarde num volumoso
tratado sobre "A Bibliografia Detalhada de Nikko Shonin".
— O Diretor Geral da Nitiren Shoshu, senhor Horigome, escreverá algo para nós. A parte
eclesiástica está pronta. Agora, o que mais importa é nossa posição editorial.
Tyuhei Yamadaira, como um dos responsáveis pela redação, foi obrigado a dizer algo.
— Mestre, neste ano o senhor Ishiyama está travando polêmicas através de cartas com o senhor
Tomoo Yamada que pertence à Sociedade Ultranacionalista (Kokutyukai). Ouvi dizer que uma vez ele
recebeu a resposta de seu adversário. Escreveu de novo, mas não obteve resposta. Então, foi até Kamakura a
fim de dialogar com mais minúcias, porém, como o impasse permanecesse ambíguo, enviou uma outra carta
e, mesmo assim, não recebeu nenhuma resposta. Em vista disso, ele deseja desafiar com entusiasmo o debate
religioso em forma de cartas abertas. . .
Quando o assunto de Yamadaira chegou a esse pé, Toda respondeu imediantamente:
— Faça-o escrever. As respostas do senhor Yamada devem ser publicadas ao mesmo tempo na
revista. Em suma, devem condicionar nossas revistas como o local de debates. Enquanto ambas as partes
prosseguirem nos debates exaustivos travando lutas em cima da revista, os
olhos dos leitores estarão certificando sobre a superioridade e a inferioridade ou a veracidade e a falsidade. A
certeza não poderá aparecer claramente, se não houver meios de comparação, por mais que clame sozinho,
que é o mais certo. O mesmo acontece na Comparação Quíntupla ou na elucidação do segredo Triplo
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(Sanjuhiden). No portal da lei do Budismo, o absoluto suplanta todos os relativos. E o ponto focai onde o
Gosho de Daishonin mostra toda sua grandeza.
Tossindo, Toda limpou o peito. Em seguida, calou como se procurasse palavras. Todos, quietos,
permaneceram à espera das palavras seguintes. Sem querer, penetraram forças em suas palavras levadas pela
excitação.
— Se a comparação acaba em mera comparação, não resultaria apenas em polêmicas? Um
artigo destes poderá ser escrito a qualquer momento o quanto puder, à medida que venha no pensamento e
acho que isso seria inútil. Paru deter uma doutrina adversa, é necessário, inicialmente, descer até seu nível.
Assim sendo, poderemos compreender naturalmente seus equívocos, seus pontos fracos e contra dições. A
questão em seguida é como puxar esses erros cometidos até ao elevado nível correto. Eis a força do debate.
O poder persuasivo é uma força necessária nessa ocasião. Com as exigências unilaterais poderá resultar
apenas em discussões, mas, sem o poder de persuasão, não poderá fazê-los reconhecer a derrota.
— Por outro lado, o poder persuasivo de Nitiren Daishonin não é meramente persuasivo. Leiam
cuidadosamente. A base está na benevolência e daí emana força persuasiva. E grandioso por isso. Nós
estamos longe de fazer imitações desse modo, porém, devemos lutar pacientemente sobre as comparações
sólidas e dialogar convincentemente. Do contrário, nunca poderemos convencer as pessoas daqui por diante.
— O mais importante na revista 'Daibyakurengue' é nós lutarmos amplamente, dialogando em
meio às ondas e ventos da sociedade e debatendo com todas as filosofias existentes. Se não tivermos esta
decisão, nunca poderemos prosseguir. Já passou a época dos comentários somente
entre nós ou discutirmos os termos admissíveis apenas dentro da nossa religião. Revelando, então, a minha
opinião extrema, diria que a época irá exigir forçosamente que tal diálogo jamais permaneça somente dentro
do campo religioso, a fim de satisfazer apenas as suas argumentações. A Paz Mundial nunca será atingida
apenas com a refutação das doutrinas heréticas. Francamente falando, isso mostra uma luta ideológica sem
precedentes. Significa a disputa entre a grandiosa Filosofia-da-Vida de Nitiren Daishonin com as demais
filosofias.
Seus óculos estavam quase caindo. Levantou-os com os dedos e disse em seguida, lançando um
olhar rigoroso.
— Apesar dessa explicação, o assunto poderia ser concordado imediatamente. Gostaria que
gravassem na memória pelo objetivo da revista 'Daibyakurengue'. Vamos abrir amplamente as nossas portas?
Que tal, deixarmos o espaço reservado para os doutores da Universidade Rissho ou professores competentes
sobre a História do Budismo? Isso mesmo! Um escritor chamado Funaki estava falando que os fatos
históricos de Nitigi foram comprovados mais claramente com a Guerra do Pacífico e portanto, seria
interessante, se publicássemos em série.
Para a redação, as palavras de Toda pareciam por demais ressaltantes. O escritor Funaki era um
seguidor antigo, mas os doutores da Universidade Rissho não eram membros da Nitiren Shoshu. Não se
poderia afirmar que eles não iriam escrever coisas extravagantes. Temia que por alguma eventualidade
poderia ser manchada por eles a preciosa revista 'Daibyakurengue'.
Toda percebeu imediatamente o perigo com que os redatores se preocupavam. Então,
sorridentemente, voltando um olhar tranqüilo, disse:
— Não se preocupem. Façam com que eles escrevam. Eles não estão em condições de se
oporem frontalmente à Nitiren Shoshu. Por isso é penoso. No presente momento, nem podem provocar
tumultuações para criar dúvidas. Os ilustres professores irão aplicar seu cabedal de conhecimentos para a
interpretação literal do Budismo. Na sua inteligência não há o profundo ideal do Budismo e nem a convicção
da fé. Estão apenas confusos no assunto. No momento, urge a criação do campo de luta para os debates.
Embora desejassem travar lutas de diálogo, nada poderão fazer enquanto não tiverem o campo de batalha,
não é verdade?
- Está pronta a diretriz editorial. Ponham-se imediatamente em execução. Todos devem se
empenhar rapidamente cada qual com as suas atribuições e procurar encontrar-se com os escritores.
Em linhas gerais, a inauguração da revista 'Daibyakurengue' foi, assim, alicerçada, rápida e
simplesmente.
A determinação de Toda foi um golpe decisivo para a redação que viveu preocupada e indecisa por
três meses.
As folhas secas da revista 'Daibyakurengue' regeneraram prontamente.
Toda era fiel à diretriz editorial, lançada por ele. Eliminou todas as interpretações que faziam
lembrar os velhos sermões budistas. Em vez disso, procurou lançar o primeiro grito da Filosofia-da-Vida,
amplamente ao mundo todo, filosofia essa cristalizada pela sua convicção resultante da fé e criada pelas
experiências de meia existência da vida.
Nesse momento, por meio de sua convicção inabalável, ele acreditava na existência da vida. Não era
uma vida que tivesse o significado biológico ou médico ou que ela fosse apenas por uma existência entre o
nascimento e a morte. Era a própria existência da vida que se evidencia claramente por si e sem nenhuma
relação com uma outra existência misteriosa chamada 'alma'. Ele conseguiu crer na existência da vida que se
estende para as 'Três Existências', que são o presente, o passado e o futuro, através dos Capítulos do
Hokekyo que lhe serviram de prova literal.
Jossei Toda leu com especial consideração as obras de Daishonin como: Kaimoku Sho, Senji Sho,
Ongui Kuden, etc, que revelam a existência da vida com mais originalidade e profundidade do que os
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ensinos de Sakyamuni e toda vez que os lia, concatenava seus pensamentos com especulações sobre
especulações, sentindo profunda vibração de sua sensibilidade. Havia algo de sólido em seu pensamento
após sua vivência presidiária e que brilhava como o reflexo sobre um espelho polido e límpido. Apenas
hesitava com reserva por saber que era penoso transmitir aos outros, E por esse motivo que ele repetiu as
Lições do Hokekyo por diversas vezes. Havia necessidade de verificar o limite da compreensão de seus
discípulos.
Enquanto escrevia o capítulo das "Três Existências", vinham surgindo na sua imaginação, os
eruditos contemporâneos que eventualmente mostrariam risos de ironia. Continuou escrevendo como se
estivesse desafiando.
— . . . Muitos intelectuais, lendo as "Três Existências da Vida" poderão comentar que é mera
superstição ou rejeitar sorridentemente. Entretanto, vendo de minha posição, poder-se-ia lisonjear a
mediocridade das pessoas que as rejeitariam e que nem pensariam cientificamente mesmo em sua própria
vida.
— Como poderá a ciência existir ignorando a lei de causa e efeito? Em todos os fenômenos no
universo, há sempre a lei de causa e efeito. A teoria do advento da vida resultante da fusão dos
espermatozóide e o óvulo é meramente uma explicação do fato conseqüente, e não poderia ser admitido
como um pensamento originalmente causal.
Toda prosseguia escrevendo e imaginando na mente os aspectos excêntricos dos intelectuais que
vivem lutando dentro de sua carapaça formada, exigindo e impondo como certa, apenas a sua teoria.
— . . . Deve-se dizer que são por demais irresponsáveis para com a própria vida, os que
permanecem indiferentes em relação à Vida, por pensarem que em todos os fenômenos há causa e efeito e
que a vida surge espontaneamente neste mundo, mas que após a morte desaparece como bolhas.
— Os fenômenos da Vida que surgem são, na realidade, impossíveis de serem explicados, por
mais que a ciência progrida e que todos proclamem a igualdade ou a extinção de classes. Diante de nossos
olhos estão os homens, os gatos, os cães, os tigres ou as grandes árvores de cedro. A vida desses seres são
iguais? Ou são diferentes? Quais são as realções existentes entre eles?
Enfim, os intelectuais japoneses ignoram as religiões, quanto à superioridade ou inferioridade,
profundidade ou superficial idade, ou se são boas ou más, certas ou falsas e altas ou baixas. Além disso, há
certas atitudes peculiares que os caracterizam como o ato de criticar por criticar as religiões sem considerar
seu conteúdo, sua espécie e essência. Há os extremos que consideram que a religião é desnecessária e tentam
rejeitá-la frontalmente. Apesar de possuir um caráter consciencioso, próprio dos intelectuais, tornam-se
impulsivos. Desse modo, deixa de ser inteligente para tornar-se um animal sensivelmente emotivo.
— O que é um verdadeiro intelectual? Sobre isso, poderá haver uma série de argumentações.
Porém, em suma, não poderá ser um verdadeiro intelectual se n8o adquirir uma compreensão total da
essência do Budismo. Se os autênticos intelectuais não forem comprendidos, c mundo e a sociedade se
tornarão deformados. Agora não seria o momento em que deveria reconsiderar a definição do intelectual?
Toda apontou a diferença e a ingorância em relação à própria Vida, mais do que a ignorância dos
intelectuais em relação à religião. Além disso, tentava especular por todos os meios, a fim de procurar
elucidar da melhor maneira possível, que a vida além de se estender às Três Existências, é na realidade,
eterna ao mesmo tempo.
Aqui ele mudou de capítulo e o denominou "A Vida Eterna" e continuou a escrever mostrando como
é longa a vida.
Após a explanação das duas passagens do Nyorai Juryo-hon, 16.o capítulo do Hokekyo que revelam
a concepção de Sakyamuni sobre a Eternidade da Vida, tencionou escrever sobre a realidade da vida
baseando-se nas obras selecionadas do Gosho, como Sanze-Shobutsu-So-kanmonsho, Totaiguisho,
Juppokaiji e Ongui Kuden.
Em seguida, tentou prosseguir sua tese para argumentar que a Entidade Real da Vida é possuidora de
Itinen Sanzen (três mil mundos numa existência momentânea da Vida), porém sentiu necessidade de fazer
uma pausa, a fim de dar conclusão a respeito da Eternidade da Vida.
— Embora tema manchar a teoria original em questão com os meus comentários, deixarei uma
amostra sobre a Vida Eterna a ser exposta da seguinte maneira:
— A Vida existe junto com o Universo. Não teve sua origem antes do Universo e nem surgiu
depois, espontaneamente. Nem pode ter sido criada por meio do trabalho de alguém. O Universo em si é a
própria Vida. E errôneo pensar que a Terra é o possuidor único. Nós apenas estamos usufruindo a
benevolência infinita e imensurável de Nitiren Daishonin e sendo beneficiado dessa "misteriosa" Entidade da
Vida, a fim de que possamos nos devotar ao Dai Gohonzon de Itinen Sanzen Teórico e Prático para
podermos/alcançar diretamente a nossa meta.
Dentre os numerosos filósofos antecessores, houve alguns que especularam teoricamente o que é a
entidade real da vida e há outros que prosseguem pesquisas sobre a questão. Entretanto, o almejo de Toda
era bem diferente. Seu desejo consistia em levar ao conhecimento de cada pessoa, a dignidade e a eternidade
da vida, bem como a energia vital a favor da vida cotidiana.
Quando chegou a escrever até aí, sentiu a necessidade de quebrar o conceito, dificilmente superado
pela biologia moderna. Sua caneta foi movimentando-se rapidamente.
— Alguns poderão rejeitar a Eternidade da Vida exposta assim por mim, sustentando a hipótese
de que o Homem é um ser vivo mais evoluído que se originou da divisão celular amebiana. Se assim é,
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desejaria indagar por que as amebas surgiram quando a Terra esfriou ou então, de onde elas vieram voando
para cá?
— Seja na Terra ou nas estrelas, as amebas proliferarão quando as condições forem propícias à
sua existência, assim como as plantas crescerão e florescerão se o solo for fértil e o clima for favorável.
Embora não tivesse a intenção de rejeitar os crescimentos dos seres de conformidade com a teoria
evolucionista, a vida origina-se em qualquer lugar onde o ambiente condiciona propiciamente,
em virtude do Universo ser a própria Vida.
— Portanto, não é nada estranho pensar que os seres humanos viviam numa das estrelas há
milhares e milhares de anos e agora estão vivendo e crescendo nesta Terra. ... não se pode concordar
inteiramente com a teoria de que a vida nasceu num certo momento a partir das proteínas ou de outras
substâncias. A vida tem uma existência eterna, conjuntamente com o Universo.
Para escrever sua tese intitulada 'A Filosofia-da-Vida' e chegar até aí, já havia dispendido cerca de
uma semana. Não podia escrever todas as noites continuamente, em virtude dos intensos afazeres diários.
Durante o dia, havia uma luta a travar com os serviços do escritório. Mesmo os trabalhos de
imprensa não lhe permitiam descuidos, o mínimo que fosse, devido à situação periclitante da época.
Nem podia ausentar-se do escritório ou chegar atrasado ao serviço.
A tarde, precisava orientar os membros da Gakkai que viviam cada qual em situações diversas. Seus
problemas eram aflitivos e precários, forçosamente inevitáveis.
As lições, três vezes por semana, prosseguiam regularmente. Isso também jamais lhe permitiria
ausentar-se por conta própria.
Às 18:00 horas, iniciavam as lições e às 19:30 horas davam-nas por encerradas. Entretanto, após o
encerramen-to, ele permanecia sem saber o que fazer com as contínuas e sucessivas perguntas que lhe eram
feitas seriamente.
— Vamos deixar por aqui, não acham? Por favor, peço mil desculpas rendendo-me a vocês esta
noite. Não é que eu queira voltar mais cedo para tomar meus aperitivos. É porque estou escrevendo uma tese
muito importante. Do jeito que vai, não sei quando minha obra ficará pronta. Estou sendo reclamado pelos
editores da. revista 'Daibyakurengue' de que apenas falta o meu manuscrito. Tenham pena de mim. Eles se
queixam com razão, pois, já se passaram dois dias após o prazo de encerramento.
Sorrindo, Toda confessou pela primeira vez seu sacrifício e desespero naqueles últimos dias. Mas,
parecia que os presentes estavam ouvindo piadas interessantes. Gargalhadas inocentes explodiam em
conjunto.
— Então, vou indo. O resto confio em vocês.
Dito isso, Toda levantou-se e saiu sozinho, Chegando à escadaria, percebeu atrás de si, aplausos
intensos e inesperados.
— Terminarei minha tese esta noite, de qualquer maneira.
Decidiu consigo mesmo. Já fora do portão, seu corpo longilíneo, de passos acelerados, parecia
levemente corcunda.
Já eram mais de 21:00 horas quando abriu a janela de sua biblioteca e sentou-se diante da mesa com
o peso do corpo.
Era o último capítulo: 'A Continuidade da Vida'.
— Se admitirmos que a Vida é eterna, então, em que condições ela continuará existindo? O
assunto já se tornou realista. É da compreensão de todos, o sentido da existência da vida no presente. Porém,
como será elas após a morte? Eis uma questão de suma importância.
Imaginando as dúvidas corriqueiras e elaborando argumentos diversos, ele prosseguiu escrevendo
sobre a questão da vida após a morte, o assunto controvertido e sem prova concreta.
— Em primeiro lugar, uma visão popular, a mais comum o conceito de que a vida se transmite
aos descendentes é inteiramente absurdo.
— Se a minha vida vive no meu filho ainda vivo, isso que' dizer que eu vivo dentro do meu
filho. Se um dia os meus descendentes vierem a perecer, então, a minha vida também estaria extinta. Se a
vida fosse desaparecer com a destruição da terra, não haveria razão para se chamar de Vida Eterna. . .
Naquele momento, lembrou-se das palavras de Tyo-gyu Takayama (escritor japonês 1871 — 1902)
que o admirava no tempo de sua juventude.
Ele escreveu o enunciado que significa o seguinte: "A grandiosa obra de um homem permanecerá
para a posteridade e o mesmo viverá dentro dela".
— Será isso, certo?
— Admitamos que isso seja válido para os ilustres, porém, gente ordinária como nós, cães e
gatos, estaríamos muito longe de merecer uma vida eterna. A Vida Eterna deve possuir uma validez
universal. A permanência da fama não quer dizer o sinônimo da continuidade dessa pessoa quando era viva.
— Então, o que seria o conceito habitual de que a Vida continuará sempre tornando-se "Alma"?
Sem se cogitar do nascimento e da morte, o homem intensifica sua temeridade uma vez que não consegue
acreditar na existência da vida.
— Nem as crianças poderão acreditar na afirmação de que a vida permanecerá flutuando no
mundo após a morte, eternamente, em forma de espírito. Seria uma hipótese medíocre. Sobre essa opinião,
Sakyamuni rejeitou-a totalmente na Sutra de Nirvana considerando-a uma espécie de concepção falsa.
- A questão da vida após a morte é o assunto mais completo, mesmo na Filosofia Budista.
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Para compreendê-la é necessário o mais alto nível de conhecimento sobre o Budismo. Caso contrário embora
se cogitasse da vida após a morte, o Budismo não seria transmitido pelo público em geral, senão, através da
mistificação e da distorção.
Jossei Toda julgou ser necessário naquele momento, em primeiro lugar, conceituar essa questão, da
maneira mais simples possível, e com o bom senso comum.
Abandonou então as cogitações diversas extraídas de suas anotações, dos tratados e dos Goshos. Em
seguida, decidiu escrever apenas a verdade certa e indubitável na opinião de todos.
- No Jigague do Capítulo Juryo, há a citação 'Hoben-Guen-Nehan' que significa: a morte é um
meio ou estado provisório. Por exemplo, o sono para quem está acordado e ativo seria um meio ou estado
provisório. Em relação ao objetivo original do homem que trabalha, não há necessidade de repouso, mas,
sem este, não poderá eliminar o cansaço e nem poderá trabalhar vigorosamente. Desse modo, quando se
torna idoso, doente incurável ou sofre danos irreparáveis nos órgãos vitais, não poderá haver uma outra
alternativa senão, resolver por meio da morte que é o estado transitório.
Tentou explanar continuando a elucidar a existência real da vida, baseando-se na teoria dos Dez
Estados ou citando frases do Kanjin-no-Honzon-Sho, para demostrar a teoria do Itinen Sanzen como
postulado de todos os fenômenos da vida ativa. Porém, temendo que sua explanação desviasse da
simplicidade e do bom senso comum, necessitou dar um ponto final, escrevendo apenas: 'sobre esse assunto,
explanarei minuciosamente numa outra ocasião'.
Ele teve momentos de hesitação. A Vida, no senso real terá continuidade? Ou, não será contínua?
Qual é o melhor exemplo para elucidar melhor a questão? - Por diversas vezes, Toda fazia descansar sua
caneta e transformar os cigarros em fumaça.
Enfim, chegando até aí, decidiu escrever a respeito das 'atividades do espírito'. Isso é uma existência
indubitavelmente certa como parte dos fenômenos da vida, assim como a alegria e a tristeza.
— Embora alguém esteja contente, sua alegria desaparecerá com o passar do tempo. Mesmo
que ela não tivesse ido embora para algum lugar, não a acharia mais, por infiltrar-se em algum lugar do
espírito.
— Entretanto, com o passar do tempo, a mesma alegria torna a voltar. E depois, vamos supor
que alguém está triste por qualquer motivo. Passados alguns dias ou horas, a tristeza volta de novo através da
memória. Muitos dizem que as tristezas foram renovadas, porém, houve uma perfeita continuidade entre a
tristeza anterior e a posterior sem o estado intermediário.
— Há fenômenos idênticos em nossa vida cotidiana, como no caso do sono. Enquanto se
dorme, não se acha a mente. Porém, uma vez os olhos abertos, começarão as atividades mentais. A mente
está presente quando acordada e ausente no estado de sono. Qual é a verdade? Existe ou não existe? Quando
se afirma sua existência ela não existe e quando a nega, ela aparece.
Ele fez uma pausa para fumar.
Uma das questões mais complexas e abstratas da Filosofia Budista que é 'kuu' ou estado de
existência, foi assim explanada mais certa e genericamente.
Sentiu-se satisfeito por isso.
Na Filosofia Ocidental, os estados de existência e de inexistência colocam-se em posições
diametralmente opostas e o conceito de estado intermediário ou 'kuu' não está claramente definido. Sem a
compreensão do estado inter mediário revela por si, o aspecto da continuidade da vida, com toda a sua
maravilha.
Hoje, os pensadores ocidentais como Arnold Toynbee, historiador inglês; Sir Bertrand Russel,
filósofo inglês; o Conde Coudenhove-Kalergi, filósofo francês e outros, depositaram fortes esperanças no
Budismo do Oriente como sendo uma religião altamente conceituada, capaz de eliminar as inconveniências
ideológicas do século XXI. Através das luzes dessa opinião, compreende-se perfeitamente que a essência do
Budismo que resolveu as questões da vida se tornou forçosamente uma chave original para abrir uma nova
era.
Finalmente, ele chegou até à conclusão final da tese
— Como foi dito anteriormente que o 'Universo é uma Vida', nós morreremos um dia neste universo.
Nossa vida após a morte não poderá ser encontrada por mais que procurem, pois, ela se integra na Grande
Vida do Universo, de maneira imperceptível, como a mente não se acha no estado de sono, a tristeza não se
percebe entre as duas tristezas ou a alegria não se encontra entre as duas alegrias. Não se pode permanecer
flutuando no ar, como a assim chamada "alma assombrada". Embora ela se integre ao Grande Universo, nem
sempre permanece tranqüilo, assim como o estado de sono nem sempre é sereno. E o mesmo que nesse
estado, uns estariam no sono tranqüilo enquanto que os outros estariam em delírio ou agonia. . .
Toda julgou que não haveria outra alternativa senão de que sua tese fosse admitida pelo senso
comum da maioria como sendo uma hipótese, desde que, no estado atual da ciência não poderia ser decifrada
a questão complexa da vida após a morte.
Mesmo que fosse uma hipótese, estava convicto de sua própria experiência e, na realidade, aqueles
que creram diretamente nessa hipótese transformaram maravilhosamente seus destinos a fim de contrair a
própria felicidade absoluta do Buda.
Estava profundamente convicto de que essa hipótese, um dia seria aprovada como realidade.
Chegando finalmente em meados do século XX, a Astronomia Contemporânea dia-a-dia veio
provando cientificamente a Visão Budista do Universo, visão esta conceituada há cerca de três mil anos, sem
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que percebesse a existência da mesma. De igual modo, virá um dia em que a Filosofia-da-Vida de Jossei
Toda certamente também será comprovada. O mundo atual está em uma situação que não pode mais ignorar
a intuição aguda que se poderia chamar de Visão inteligente do Oriente.
Nem mesmo os intelectuais do mundo contemporâneo conhecem que o âmago da Visão é a
Filosofia-de-Vida de Nitiren Daishonin e mesmo os que já estão cientes não pretendem crer nisso. Em vez
disso, preocupam-se seriamente em fitar o céu infinito, colocando-se à beira de um profundo abismo de
infelicidade que se estende tenebrosamente do presente para o futuro.
Jossei Toda, com dor no coração, observava atentamente as manifestações das pessoas ignorantes no
panorama da vida moderna. Além disso, pretendia aplicar pelo menos na prática, tal intuição aguda, infalível
e eficiente, para aqueles que perderam todos os meios de salvação.
Ele precisava concluir da seguinte maneira:
— O aspecto da integração da vida após a morte na Grande Vida materna do Universo, poderá ser
naturalmente compreendido quando observar as Sutras ou gravar a Essência do Budismo dentro de si. Essa
vida após a morte surge um dia como atividade da vida cotidiana visível aos nossos olhos por uma
circustância causai, assim como após o abrir dos olhos notaremos que os trabalhos de hoje são continuações
subseqüentes aos de ontem. Portanto, uma "nova vida" deverá prosseguir às suas atividades nesta existência,
como conseqüência das heranças diretamente recebidas pelas predestinações da vida no passado.
Desse modo, tal como acorda e dorme, dorme e acorda. . . a Vida Eterna vem vivendo e morrendo,
morrendo e vivendo. . .
O manuscrito da tese 'A Filosofia-da-Vida' não passava de trinta páginas sendo escrito com
linguagem facilmente compreensiva. Entretanto, na verdade, esta obra contém numerosas leis e princípios,
inclusive novas teorias. Encontram-se recentemente pessoas que argumentam esse assunto em diversos livros
de tendências idealísticas, porém, naquela época, não deve ter havido alguém que chegasse a elucidar assim
tão claramente.
Sobre essa tese completada na noite profunda, dois dias após o encerramento do prazo de entrega do
manuscrito, a escrita no meio de intensas atividades, nem ele próprio podia perceber a mínima importância
sequer da posição filosófica que iria ocupar em destaque no futuro, bem como a grandiosa influência que iria
contribuir para a Civilização Humana.
Ele estava plenamente satisfeito com esse Trabalho árduo escrito com todo um esforço de corpo e
alma, cumprindo com a responsabilidade perante a primeira edição da revista Daibyakurengue. A seguir,
saboreou sozinho o Sakê dourado contido no cálice.
Como era agradável e refrescante aquela noite avançada de maio!
Atualmente, os leitores de 'A Filosofia-da-Vida' não são poucos absolutamente, e parece que o
verdadeiro valor contido nessa tese começou a ser compreendido por alguns intelectuais, embora
pouquíssimos em número. Essa pequena tese ainda que simples, porém clara, rigorosa e abundantemente
frutífera, começou a ser seu objeto de atenção, como possuidora de uma missão capaz de impulsionar
certamente o destino de um século.
Isso foi o mesmo que ocorreu com a Moderna Filosofia Européia que começou com seu patrono
René Descartes (1596 - 1650) através de sua obra 'O Discurso do Método', implantando assim a raiz de um
tronco que fez crescer os ramos e as folhas grandes e potentes da Filosofia Contemporânea, e essa mesma
missão prosseguiria ainda por mais centenas de anos.
Comparando ambas as teses, a de Toda e a de Descartes, imediatamente, percebe-se algo. E a
clarividên-cia quase que idêntica com a qual os dois autores chegaram a perceber, partindo cada qual com
seus respectivos métodos especulativos.
Relatando suas experiências através de uma linguagem cotidiana, ambos começaram a fazer brotar
idéias excepcionais que não poderiam surgir senão uma vez em cada centena de anos, tendo como ponto de
origem, o local onde foi alicerçado o respectivo princípio, para depois transformar em medula conceituai
filosoficamente imperecível. De maneira alguma, estou pretendendo manifestar aqui elogios a fim de
enaltecer o meu Mestre. Afirmo com razões suficientes e com profunda sensibilidade que até mesmo um
terceiro poderia sentir o mesmo no estado de serenidade.
O que se pode dizer sobre a comparação entre ambas as teses é a sensação de nova visão ao ressaltar
dos olhos, adquirida após a leitura. Em outras palavras, os leitores ficarão surpreendidos pela mudança de
linha conceituai adquirida pela nítida transformação nas impressões panorâmicas da visão própria do seu
pensamento, antes e após a leitura. Aqui, estariam excluídos por exceção, aqueles que lêem com idéias
unilaterais ou com sentimentalismo controvertido.
Talvez muitos comecem a rir quanto às últimas novidades. Se isso vier a acontecer, desejaria deixar
dito o seguinte:
— A correnteza do tempo, algum dia purificará as impurezas de toda a filosofia moderna, para em
seguida ressaltar subitamente a 'Filosofia-da-Vida'.
A única diferença entre a 'Filosofia-da-Vida' e 'O Discurso do Método' é o ponto básico sobre o qual
apoiaram suas respectivas convicções inigualáveis. Jossei Toda baseou-se na 'Existência da Vida' do
presente, passado e futuro com todos os fenômenos do Universo, ao passo que Descartes fundamentou-se na
'Existência da Razão', comumente chamada 'bom senso', inerente a todos os seres humanos desde seu
nascimento.
Jossei toda afirmou que os princípios universais da Vida Humana são causa originárias,
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fundarmentais e decisivas na determinação da felicidade e a infelicidade e em seguida aplicando esses
princípios na prática, ele procurou salvar as tragédias humanas.
Descartes concluiu que na pesquisa dos conhecimentos até chegar a uma verdade, não há outro
caminho, senão, orientar certamente a razão humana. Considerou duvidosos a priori, todos os conhecimentos
existentes até então e rejeitando-os desse modo, procurou dirigir a consciência para a construção de
uma filosofia completamente nova, com base na imutável razão universal.
A diferença fundamental na argumentação dos dois autores consiste na época, no país e nas
condições em que eles viveram. Porém, essa maravilhosa originalidade em traçar cada qual uma linha
inflexível diretamente para uma existência suprema revelando a verdade misteriosa e delicada, partindo das
experiências da vida cotidiana, penso eu, é mesmo o efeito de um raro poder de persuasão.
Somente no quarto capítulo do "Discurso do Método" pela primeira vez Descartes declarou a célebre
frase "Penso, Logo Existo" (Cogito ergo sum, Je pense, donc je suis. I think therefore I am) para demostrar
publicamente a existência da razão e isso ele considerou o primeiro princípio certo da Filosofia Cartesiana.
Entretanto, ele necessitava descrever longamente seus antecedentes especulativos no primeiro,
segundo e terceiro capítulo para finalmente elucidar uma simples frase conclusiva.
Não se pode pensar de outra forma senão, que um fato idêntico ocorreu com Toda quando ele
escreveu a 'Filosofia-da-Vida'. Ele também foi obrigado a descrever o enigma de sua experiência no primeiro
capítulo 'O Mistério da Vida' a fim de preparar o alicerce que seria o ponto de partida para a formulação de
seu conceito.
Diferente de Toda que era um homem atirado à prática, Descartes possuía tempo e recurso
suficientes. Desse modo, a parte preliminar do Discurso, naturalmente poderia ser descrita de um modo
extenso.
Descartes diz no primeiro capítulo de seu 'Discurso do Método' que desde a infância crescera em
meio aos estudos das letras.
Em seguida, freqüentou um colégio famoso, graduan-do-se aos vinte anos após ter feito estudos
intensivos na Universidade. Em contato com a sociedade e ao penetrar no meio dos intelectuais, começou a
duvidar de todos os conhecimentos adquiridos até então.
— . . . Procurei obter conhecimentos, aflito em meio às numerosas dúvidas e erros e apesar disso,
penso que não tive proveito algum, a não ser a revelação de minha ignorância.
Esse jovem filósofo não era orgulhoso nem pessimista. Ele não serviria de elemento de comparação
entre muitos intelectuais e críticos modernos presos na arrogância e na vaidade. A atitude de Descartes não
seria a mesma de um verdadeiro intelectual, o legítimo estudioso à procura da verdade?
Descartes concluiu que os conhecimentos da época os quais julgara estar adquirindo, apesar de
haverem sido reconhecidos pelos mestres da cultura, ainda eram falsos e com aparência de verdade.
Ele atingira a maturidade.
Uma vez libertado da vida estudantil, "abandonou totalmente os estudos através dos livros".
Desde então, decidiu não mais adquirir conhecimento a não ser os que fossem reconhecidos dentro
de um grande compêndio chamado o "Mundo". Em seguida, deixou o país partindo para uma longa jornada.
Enriqueceu seu cabedal de conhecimento através de várias pessoas, visitan-do cortes reais e exércitos.
Procurava adquirir sabedoria através da reflexão, analisando os fatos que surgiam diante de seus olhos.
Tornou-se oficial voluntário na Holanda e tomou parte na campanha militar para a Alemanha. Nessa
época, a Europa passava pela fase de início da Guerra dos trinta Anos, tendo a Alemanha como centro do
desencadeamen-to.
Uma vez, ao anoitecer do outono, hospedado em uma vila fria do subúrbio de Ulm, situada no alto
Danúbio, sem que pudesse ser molestado por alguém, absorveu-se em profunda meditação, num quarto
aquecido de um alojamento tranqüilo.
Em seu diário, ele diz o seguinte: "No dia 10 de novembro de 1619, descobri uma surpreendente
base de conhecimentos, uma vez dominado por inspiração.
Pode-se dizer que justamente aquele "pensamento no quarto diante da lareira", fora o momento
decisivo para a vida e a filosofia de Descartes. Ele percebeu a possibilidade de sistematizar todos os
conhecimentos e além disso, sua auto-confiança abalou-se no tocante ao domínio de todos os conhecimentos
por sua própria força. Portanto, pode-se dizer que aí ele definiu o método de estudo e os princípios de
conduta para a sua própria vida. Ele chegou a compreender a inteligência prática de como viver e os estudos
lógicos suficientes para distinguir a verdade do erro contra todas as eventualidades existentes.
Assim nasceu um novo filósofo.
Vendo anotações dessa época, encontra-se o seguinte: "Dentro das coisas há somente a força das
atividades. E o amor. E a benevolência. E a harmonia". Em outra passagem diz: "Dentro de nós, existe a
semente da sabedoria. Assim como se pode extrair a semente por meio da razão, o poeta inflama-a para que
o brilho se torne cada vez mais intenso".
Para o jovem Descartes, a decisão de dedicar genuinamente a vida inteira à pesquisa da Filosofia foi
na realidade, tirada fortemente na prática.
Sua decisão era firme, porém, não se apressava um pouco sequer.
Prorrogou a consolidação de sua base filosófica para .um futuro próximo, julgando que a época seria
ainda prematura. Desde então, passou a dedicar-se mais às análises experimentais em busca da verdade em
meio ás dúvidas, seguindo apenas a razão. Tal jornada era como uma viagem conscientemente livre e
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voluntária. Tal pesquisa durou nove anos. Diz ele: — Mesmo nos teatros apresentados diariamente pela
comunidade, procurava ser um mero expectador a ser um ator e andava sempre viajando como um errante.
Ele não era portanto, por assim dizer, um cético que duvidava para duvidar mais ainda. Ao contrário,
dedicava todos os seus esforços na procura de "algo que não pudesse mais ser duvidoso". Poder-se-ia dizer
que ele deu um golpe mortal na filosofia já existente, destruindo-a com seu machado de dúvidas.
Após a destruição da velha filosofia, começou a construção. No outono de 1628, aos 32 anos,
retirou-se para a Holanda, a fim de concentrar seus esforços na elaboração das bases para sua filosofia
própria.
Tornando-se mestre de seu método, começou a escrever 'As Regras para a Orientação do Espírito",
ainda que incompleta e conjuntamente com as Ciências Naturais abrangendo a Física, Astronomia, Biologia
e Psicologia, com o título de "Le Mond" (Teoria sobre o Universo). Entretanto, na mesma época, na Itália, o
cientista Galileu Galilei era julgado por ter aceitado a Teoria Heliocêntrica de Copérnico (a terra gira em
torno do sol), senso acusado de culpado. Ao tomar conhecimento de tal notícia, interrompeu imediatamente a
publicação da tese "Le Mond", porque guardava na mente, um plano ainda mais importante.
Era o "Discurso do Método" cuja obra foi completada em 1636, quando contava com 40 anos de
idade.
Esta obra totalizava seis capítulos, dos quais, os três primeiros descrevem longamente sua auto-
biografia e a história de sua filosofia pacientemente elaborada, bem como a passagem de meses e anos de
pesquisa sobre a verdade com toda segurança. O que ele quis dizer nesse Discurso? No quarto capítulo, ele
revela: "Após a dúvida contínua e sucessiva sobre todas as coisas enfim, cheguei a compreender apenas isto -
Penso, Logo Existo - Toda e qualquer dúvida não poderá abalar ou falsificar a existência do "EU". Embora
tudo seja falso, enquanto eu penso e quando eu penso, necessariamente devo ser alguém que existe".
Ele considerou a existência do "Eu Pensante" como o princípio de sua filosofia e aprovou-o como
sendo uma verdade tranqüilamente aceitável. Aqui, pela primeira vez, ele chegou a se convencer que
conseguira alicerçar as bases concretas para instalar a sua filosofia.
O que levou Descartes a chegar até essa conclusão, não foi a "Imaginação" tampouco o "Sentido".
Foi justamente a razão clara e evidente.
Desde o início, ele acreditou na Razão Humana como sendo um instrumento imutável "mais
eqüitativamente distribuído neste mundo" quer na sociedade civilizada ou na sociedade bárbara.
A existência do "Eu Pensante" chegou até a um ponto completamente fora de dúvida, como
conseqüência de provas evidentes da razão.
Não seria esse o motivo por que os filósofos da idade moderna até a era contemporânea retornavam
ao "Discurso do Método" de Descartes para fazer nascer novas idéias e recuperar a clareza da razão, toda vez
que caíam nos labirintos do pensamento?
O motivo pela qual se dispendeu tanto tempo até aqui, com relação a Descartes, foi devido à
necessidade de revelar quão importante é o alicerce profundo que fundamenta o campo conceituai por onde
faz emanar pela primeira vez, uma verdade inabalável, apesar de ser tão simples. Se isso não for
reconhecido, não poderá conhecer a profundidade da Verdade.
Talvez haja quem pense que a "Filosofia-da-Vida" de Jossei Toda é extremamente simples e
evidente. Parece entretanto, que a maioria não está percebendo a profundidade de seu campo conceituai.
Conseqüentemente, pode-se observar, também, que são raríssimos os que chegam a entender quão profunda
é sua "Filosofia-da-Vida".
Ele foi diferente do Filósofo Descartes, pois, gastou apenas algumas páginas para mostrar o motivo
da tese, no capítulo introdutório "O Mistério da Vida". Estava mais atarefado em salvar as pessoas infelizes
neste mundo humano do que em elaborar passivamente uma obra escrita. Portanto, foi antes de mais nada
um autêntico revolucionário em ação.
Descartes sempre foi um filósofo investigador. Na sua época, a revolução científica parecia estar-se
revelando aos poucos e essa ciência também estava entre as mãos da "Razão". Ele colocou a ciência no ramo
de seu sistema filosófico sob direção do "Eu Pensante" para poder distinguira verdadeiro do falso.
Uma vez concluída a prova existencial do princípio "Penso, logo existo". Descartes confirmou a
existência do "Eu". Entretanto, ele se deteve aí e não foi além disso. Sua pesquisa sobre a entidade real do
"Eu" não está bem clara na sua filosofia. Concluiu, apenas, descrevendo os fenômenos da sensibilidade,
percepção e imaginação.
Penso que aí está o limite do filósofo racionalista Descartes. Poder-se-ia dizer o mesmo em relação à
religião.
— A razão por que o homem reflete sobre a existência do "eu" como sendo incompleto é que
ele está ciente de que há outra mais completa existente.
— Este mais perfeito ser imaginável bem pode ser chamado de Deus Entretanto, esse Deus
nunca surgiu arbitrariamente do pensamento de' um ser incompleto como eu. Essa idéia que chama Deus foi
guardada dentro de mim por um ser perfeito existente chamado Deus. Desse modo, ele revelou o Panteísmo
e adquiriu a convicção de que a existência de Deus é idêntica à existência do "Eu". Mais uma vez, ela parte
de uma base imperfeita que é o "Eu Pensante"
Descartes acreditou na clareza da razão que Deus atribuiu equitativamente para todas as pessoas,
usando, evidentemente, seu mérito particular.
Quando os intelectuais modernos sentem-se aflitos pela degenerescência da razão humana dentro da
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Diviliza-ção Científica, nunca seria perdido se abandonassem o uso dos termos filosóficos ambíguos,
fizessem o uso pleno das linguagens cotidianas e servissem do bom sendo da razão como um espelho
precioso claro e sadio que contém a verdade profunda que Descartes citou.
Jossei Toda acreditou na Existência da Vida revelada no Budismo e, pela primeira vez, veio a
ensinar claramente. No fundo da existência do "Eu Pensante", Jossei Toda percebeu a "Vida".
Em conformidade com os Ensinos de Nitiren Daishonin, resistindo a todos os sacrifícios e
dificuldades e seguindo obedientemente as lições na prática, ele compreendeu o aspecto real da Vida de
"Issho-Jobutsu", isto é, a identidade do Buda e dos mortais comuns. Ao mesmo tempo, convenceu-se de que
isso é o único método fundamental e prático para eliminar as tragédias do mundo. Isto posto em
prática é o mesmo que Paz Mundial, que ele vinha tanto proclamando.
Segundo Toda portanto, o pensamento eqüivale á prática. Pode-se dizer também que a prática é
equivalente ao pensamento. Observem, com atenção, essa "Equivalência".
Agora, quando se pensa em Toda, é aí que se percebe o segredo dele surgir na mente das pessoas
como uma figura humana completamente nova, um filósofo moderno e religioso.
Desejaria afirmar que os filósofos Jossei Toda e Descartes, apesar de os assuntos revelados por eles
serem diferentes, ambos devem merecer atenções especiais por terem sido autores que se destacaram no
nascimento de uma filosofia.
Eis aí, a história de um homem. A Idade Moderna teve sua fonte na Renascença e pode-se dizer que
o espírito de renascimento humano teve sua origem com o advento de seres humanos por detrás da camada
social, com todo seu vigor e esplendor.
Os homens completamente imersos no obscurantismo da sociedade medieval, por vezes começaram
a perceber sua existência como um ser humano capaz de sustentar o peso do globo terrestre.
Os. gritos da liberdade, igualdade e a dignidade para os seres humanos, causaram violentas
transformações na sociedade. Ao mesmo tempo, a ciência dividiu rapidamente em especialidades a fim de
pesquisar melhor os conhecimentos em relação aos seres humanos e finalmente chegou a perder até a própria
originalidade que é o humanismo. Eis o aspecto inegável de uma sociedade civilizada do século XIX a XX.
A "Vida" está para surgir com todo seu esplendor, subitamente, por detrás das figuras humanas
desfocaliza-das, quando os homens começarem a perceber a perda e o afastamento do humanismo.
Passado a metade do século XX, os biologistas começaram sem demora as lutas ofensivas
contra o "Mistério da Vida". São os bioquímicos que surgiram após a guerra.
No verão de 1967 foi realizado o Congresso Internacional de Bioquímica no Japão. Nessa
oportunidade, congreram-se mais de cinco mil bioquímicos de todo o mundo e debateram os assuntos da
especialidade. Eles pareciam estar sonhando com a possibilidade da criação de uma vida, vendo-a dentro do
tubo de ensaio ou pesquisando atentamente seus fenômenos refletidos no microscópio.
Dessa maneira, o interesse cada vez maior à questão da Vida é realmente um acontecimento muito
elogiável.
Porém, embora conseguisse descobrir os genes da hereditariedade como os ácidos ribonucleicos
através dos métodos para pesquisar o lado material da vida, penso que não poderão ser elucidados tão
facilmente os mistérios que a vida possui.
— De onde veio e para onde irá? — Aqui está o mistério original de uma vida. Não está no tubo de
ensaio ou no microscópio. O que se pode encontrar ali, não seria apenas uma das facetas do fenômeno Vida?
Em última análise, a Vida existe originariamente dentro de nós mesmos. Assim sendo, a atenção
deve ser lançada especialmente para esse ponto, a fim de compreender o que é a Vida, bem como o meio de
restaurar originalmente o Homem
A "Filosofia-da-Vda" de Jossei Toda é realmente uma declaração que anuncia uma nova era da Vida
e certamente virá o dia em que isso será aprovado por unanimidade.
Daqui para frente, visando o século XXI, serão realizadas numerosas experiências relacionadas à
Vida. Surgirão discussões acadêmicas em torno do assunto e conseqüentemente uma série de hipóteses
poderão surgir. Uma parte da tese de Toda poderá, então, ser provada cientificamente. Desejaria estar
convicto de que, nessa época, a sua Filosofia-da-Vida começará a brilhar como uma verdadeira luz valiosa.
Quando os pesquisadores da Vida ficarem perdidos nos labirintos, nessa hora, eles sentirão
inesperadamente a felicidade por terem encontrado o caminho de retorno para a Terra Natal conhecendo a
"Filosofia-da-Vida". Gostaria de esperar essa época que certamente chegará.
Descarte foi como aquele precioso sol terrestre em relação à alvorada de uma civilização moderna.
Entretanto, penso que a sua missão já foi plenamente cumprida.
Já que a Vida mostrou o seu aspecto claro e evidente, por detrás dos homens, lógica e forçosamente
a "Filoso fia-da-Vida" de um filósofo prático Jossei Toda, não se tornaria uma fonte iluminadora para uma
nova era e ao mesmo tempo o impulso para a transformação social no curso da marcha para o Kossen-rufu?
Já era junho, quando a primeira edição da revista Daibyakurengue chegou às mãos dos leitores. A
inesperada mudança da revista familiarizada e mimeografada "A Criação do Valor", apresentada agora com
capa nova, foi o motivo de surpresa e alegria de todos.
Quem mais se alegrou com essa publicação, todavia, foi o próprio Toda.
Numa organização onde os seus impressos são amados e lidos com entusiasmo, ali existe sempre o
surto de sucessivos progressos. Em oposição, quando os seus impressos caírem na correnteza da rotina
perdendo a sincera consideração e estima dos leitores ao ponto de não mais serem tratados com cuidado e
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carinho devidos, essa organização estará perdendo por si o seu progresso.
Os leitores abriram as páginas da nova revista e leram inicialmente a "Filosofia-da-Vida" de Jossei
Toda. Entretanto, alguns leram superficialmente, pensando que fosse aquela lição do Hokekyo. Outros
criaram a coragem, decidindo levar essa "Filosofia-da-Vida" ao conhecimento dos seus amigos que estavam
sendo conduzidos ao Chaku buku. Outros, então, envergonharam-se do seu conheci mento medíocre no
Estudo sobre o Budismo, uma vez surpreendidos após a leitura. As impressões eram diversas assim como as
fisionomias são diferentes para cada pessoa. Entretanto, não havia um que percebesse quanto à importância
dessa tese filosófica ímpar que, com pura verdade, fala em prol do Século XXI, o Século da Vida.
Shin-iti Yamamoto já passou a metade do ano irahalhando como redator da empresa editoral de
Toda.
Levou consigo a primeira edição da revista e começou a ler com toda a sua atenção, a "Filosofia-da-
Vida", às altas horas da noite. Uma forte emoção invadiu subitamente a sensibilidade do rapaz que estava
mergulhado na solidão. Ele ficou chocado por muito tempo, mas, percebendo o seu cansaço, arrumou o leito
e deitou-se.
Era um quarto escuro. A sua cabeça estava mais quente ainda. A excitação inquietante tirou
totalmente o sono. Em seguida, saiu do seu leito e acendeu a luz da cabeceira. Depois abriu o seu caderno de
anotações.
Pensou de que maneira poderia expressar a seu modo, a sua profunda emoção dessa noite. Os
fragmentos de poesia surgiram na mente. A seguir, seu lápis começou mover por cima do papel.
ESPERANÇA AOS JOVENS
Oh!
Quantas luzes resplandecentes
Que lançam sobre o céu da alvorada
Com o levantar do sol ardente!
Ah!
Que emoção profunda!
A maravilha surpreendente do frenesi da Vida
ê o galopar do coração da juventude
O Jovens!
Agora, na era atômica do Século Vinte,
O que poderá salvar com a Filosofia do Espírito?
Não!
Quem acreditará
Que a Humanidade será feliz
Com a subversão, a violência e a Filosofia da Matéria?
Não.
Nunca. . .
Jovens!
A grandiosa Filosofia de Nitiren Daishonin
Que, demonstrando a Entidade Real da Vida,
Revelou a Fonte Original do Universo,
Devotarei a minha vida
Saibam, homens de visão inteligente.
Movam, os que amam benevolentemente a Humanidade,
A Paz Eterna e o Kossen-rufu.
Jovens!
Abram os seus olhos.
Sois vós, os que possuem a Magna Filosofia
Possuidores da força e paixão para o avanço.
Ele fechou seu caderno e penetrou no leito.
Após então, começou a respirar tranqüilamente no sono. A poesia dessa noite foi publicada
discretamente num dos cantos das páginas da revista Daibyakurengue.

20
A Corrente do Tempo
Três anos passaram-se desde que as Forças Americanas iniciaram a ocupação.
O plano de ocupação inicialmente idealista, visava erradicar o imperialismo militar, a fim de
transformar o Japão em um país pacífico e democrático. Porém, entrando no ano de 1949, esse ideal foi se
apagando nas sombras. Isso deve ter sido talvez um evento natural, pois as mudanças bruscas,. quer externas
ou interna, obrigaram forçosamente a desviar a reta do plano ocupacional da época.
Seria como um ditado: "O mundo não te vê como tu o vês".
As instalações militares bem como a indústria bélica foram destruídas com êxito. Depois disso, o
Japão tornou-se um país realmente sem soldados e sem produzir um único fuzil.
Entretanto, a reconstrução do Japão para um país democrático e adequado ao desejo dos americanos
foi sofrivelmente dispendioso. Além disso, o próprio sofrimento foi agravando em direção ao país vencedor,
os E.U.A. Passados os três anos, os sinais de uma guerra fria entre as nações aliadas apareceram sob forma
de duas oposiçoes rigorosas de Oriente e Ocidente, ameaçando o desenca-deamento do perigo explosivo a
qualquer momento em diversos lugares do globo.
Após a tempestade, sempre deverá surgir o céu azul. Entretanto, por que razão, somente neste
mundo em que os homens vivem, estende-se novamente e tão cedo o grande panorama da tragédia, após o
término da guerra, conseguido com tanto sacrifício!
Na Europa, os conflitos desencadeavam-se incessantemente desde que a Alemanha fora dividida em
Oriental e Ocidental.
No dia 1.o de abril de 1948, Berlim foi bloqueada subitamente pelos russos e as forças americanas e
européias reagiram formando uma ponte aérea ligando o setor isolado de Berlim Ocidental com os intensos
transportes por aviões.
Somente no ano seguinte, em 12 de maio de 1949, foi removido o bloqueio, após a conferência dos
ministros das relações exteriores da França, Inglaterra, E.U.A. e U.R.S.S.. Porém, no dia 6 de maio, a
Alemanha Ocidental estabeleceu o seu governo provisório e a Alemanha Oriental também no fim desse mês,
após a Conferência do Povo, estabeleceu a sua própria constituição. Foi assim declarada a independência das
duas Alemanhas e com isso, desapareceu o sonho da Alemanha unificada.
O anseio do povo alemão foi esmagado e apesar de ser uma nação, foi dividida em duas. Tiveram
que se opor na vanguarda, tendo na retaguarda os russos e americanos em oposição.
A União Soviética englobou os países da Europa Oriental no domínio comunista e ampliou o seu
poder e influência. Em oposição à Rússia e à Europa Oriental, o suposto inimigo, os E.U.A. organizaram o
Tratado de Aliança Militar do Atlântico Norte (OTAN) com onze países inclusive a Inglaterra e a França.
Na Ásia, após a ocupação da Coréia dividida em duas partes Norte e Sul pelo Paralelo 38, cada lado
declarou-se independente, anunciando a "República do Povo Democrático da Coréia" e a "República da
Coréia".
Já em setembro de 1948, a Rússia retirou suas tropas da Coréia do Norte. Os Estados Unidos
anunciaram também a retirada de suas tropas da Coréia do Sul em junho de 1949, talvez sob pressão da
crítica mundial e removeu o exército em 29 de junho, deixando apenas o grupo de conselheiros militares. O
sonho da Coréia unificada foi cruelmente, deixando os antagonismos que lavam seriamente o sangue pelo
sangue para deixar as feridas dificilmente recuperáveis.
A China Continental achava-se no meio da tumultua-ção em grande escala.
No dia 24 de abril de 1949, o Exército da Libertação de Mao Tsé Tung atravessou o Rio Yangtsé,
entrou em Nankin, atacou todo o setor sul da China de tal modo que a libertação de todo o território chinês
parecia ser apenas uma questão de tempo.
O exército Nacionalista sob comando de Chang Kai Shek retirou-se para Cantão. O vultuoso auxilio
militar com os conselheiros militares e os materiais bélicos modernos dos americanos acumulados por
longos anos, tornaram-se como que espumas flutuantes sobre a superfície das águas. O que decide o limite
dos aspectos de vitória e da derrota, não são os meros planos estratégicos ou poderios militares. Se não
conquistar o sentido da corrente da época e dos anseios do povo, serão eliminados, enfim com a derrota,
mesmo possuindo materiais bélicos dos mais modernos e táticas excepcionais.
Poder-se-ia dizer o mesmo no caso da Guerra do Vietnã. Em última análise, o mais importante é
indiscutivelmente a correnteza da ideologia original que impulsiona a força do próprio homem, o senso da
missão, a fé, a responsabilidade, o poder combativo e além disso o espírito do povo. Sobre isso, penso que
deverá exercer a inteligência e a força. Inevitavelmente, a posição dos E.U.A. na Ásia passou para a
defensiva. Ao mesmo tempo, no seu país começou a propagar-se a onda de pânico sobre o perigo
econômico. A euforia da prosperidade resultante do auxílio ao exterior e da ampliação do poderio militar dos
três anos após a guerra, transformou o país em estado deflacionário ao entrar no ano de 1949.
De acordo com as estatística de junho desse ano, a produção caíra 13% e o preço das mercadorias
por atacado baixara 9% e essa preocupação dos E.U.A. repercutiu direta e inevitavelmente sobre a posição
russa e da sua oposição crescente, os E.U.A. tiveram que alicerçar as bases para a defesa em vez de ataque.
A situação já não podia ser resolvida apenas com a convicção e a segurança própria de um país detentor
único das armas nucleares.
21
O General Mac Arthur, o Comandante Supremo das Forças Aliadas de Ocupação do Japão, foi
obrigado a deixar a posição de um administrador civil para se tornar um militar.
Na declaração de 4 de julho, ele pronunciou: "O Japão transformar-se-á num baluarte invencível
contra o comunismo." Mas, isso mostra evidentemente a sua irritação. O retrato azul do Japão foi
transformado, em um Japão de fortaleza anti-comunista e importante base no sistema da defesa contra o
comunismo. Os E.U.A., que perderam a China e cuja defesa da Coréia se tornou perigosa, tiveram
necessariamente que mudar de súbito o plano de ocupação até então utópico, a fim de fortalecer rapidamente
o poderio do Japão derrotado.
A mudança do plano de ocupação em 1949 tornou-se um novo peso sobre o país derrotado.
Inicialmente tornou-se necessário o planejamento básico para a restauração econômica do país. O governo
americano ordenou a execução de uma série de medidas violentas para deter a inflação galopante, a fim de
conseguir o balanço econômico a qualquer custo, mesmo deixando de lado inúmeros sacrifícios.
Essa Ordem Suprema de execução dos Nove Princípios para a Estabilização Econômica foi
denominada Linha Dodge.
Em meio a essas circunstâncias externas e internas, as atividades de Jossei Toda prosseguiam com
serenidade e segurança e sem oscilações de euforias ou desânimos. Seus passos atingiram não somente a área
metropolitana de Tóquio, mas também os subúrbios como Mitama e as prefeituras vizinhas como Kanagawa,
Tiba e Saitama. As orientações regionais começaram a movimentar-se intensamente nos sábados e nos
domingos. Enfim a Gakkai pareceu ter-se libertado daquela situação em que, se Toda não estivesse
presente como figura central, não podia realizar suas reuniões.
Atualmente, as reuniões que se realizam todas as noites em dezenas de milhares de locais diferentes,
são aceitas naturalmente e sem objeções. Porém, na época de 1949, as sucessivas realizações de reuniões,
tendo como figura central os líderes diretos de Toda, foram considerados um progresso notável. Nesse
aspecto, notavam-se nos participantes, radiantes de felicidade, o transbordar do senso de missão e da
esperança como pioneiros da nova era.
Antes da guerra, na época de Makiguti, quase todas as reuniões eram presididas por ele como figura
central.
Após a guerra, quando Jossei Toda começou a dirigir seus passos na primeira linha de reconstrução
da Gakkai, ele também presidia como figura central em todas as reuniões que visavam à restauração.
Entretanto, as situações antes e depois da guerra eram completamente diferentes.
Após a guerra proliferaram numerosas religiões novas e irresponsáveis que em seguida ampliaram
suas influências. Esse fato demonstra evidentemente a gravidade do desespero do povo que para se salvar
estava ao ponto de agarrar o primeiro galho que encontrasse.
Toda percebia muito bem a violenta transformação social bem como a maturidade do tempo a seu
favor. Apesar disso, não esquecia um instante sequer da destruição da Soka-Kyoiku-Gakkai pela opressão no
período da guerra. Impulsionava suas atividades, decidido profundamente até às entranhas, convicto de que
desta vez não haveria mais derrota.
Seus olhos acompanhavam o rápido crescimento das outras organizações religiosas. Conservava
dentro de si a esperança de um futuro longíquo e dedicava todos os seus esforços para a criação de valores
capazes de guiar como um cavaleiro que conduz os seus mil soldados.
Nas reuniões pregava o ensino para a gente humilde mergulhada na infelicidade. Ao seu lado,
seguiam sempre numerosos líderes com suor dentro das mãos cerradas. Para ele, o local dessas reuniões seria
o campo de treinamento de seus líderes. Exercitava rigorosamente o Estudo sobre o Budismo, a começar das
lições sobre o Hokekyo. Além disso, conduzia as orientações individuais para polir cada vez mais os
discípulos. A sua dedicação convicta era rigorosa e calorosa nos setores da fé, ação e estudo. Assim,
depositava toda a sua vida, enérgica e pacientemente para a construção de uma base sólida.
Os anos passaram. . . 1946, 1947 e 1948. Entretanto, no ano de 1949, os locais para a Reunião-de-
palestra foram de repente aumentados. Os que foram treinados como os responsáveis de reuniões-de-
palestra, foram sendo sucessivamente destacados para presidir a reunião, como figura central.
Diariamente, à tarde crepuscular, os responsáveis indicados para a reunião-de-palestra chegavam ao
escritório de Toda. Eram moças, estudante, operários, professores primários ou de inglês para os
universitários.
Toda orientava pormenorizadamente a cada uma dessas pessoas, como conduzir as reuniões da noite.
— Nunca se torne convencido levado pelas circunstâncias do ambiente. A reunião não deve ser
transformada num falatório contínuo de apenas uma pessoa, como na vez anterior.
— Sim, senhor, tomarei mais cuidado.
Em frente à sua mesa, o líder veterano da Divisão dos Jovens estava sentado em posição de sentido.
— Não mostre a face tão brava assim, pois os participantes fugirão atemorizados. As reuniões
não são apenas para os rapazes. Na reunião-de-palestra, uma atividade do Budismo de Nitiren Daishonin,
virão também moças e convidados. Devem promover as reuniões para que sejam as mais alegres do mundo,
repletas de amor e benevolência. Embora o mundo atual seja tenebroso e bárbaro, pelo menos nossas
reuniões devem ser absolutamente radiantes e originalmente repletas de convicção e coragem. Tendo a fé,
cuja atuação é segura, certamente a reunião mostrará o Estado de Bodhisattva ou de Buda. Se conversar com
essa fisionomia do diabo, então, você irá com o intuito de partir em pedaços o Estado de Buda, não é?
O rapaz sorriu:
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— Sim. Compreendi perfeitamente. Simpatizando com a franqueza do rapaz e o seu olhar puro,
sentindo, talvez, a alegria refletida no seu íntimo, Toda disse:
Confio em você. Vá e realize a reunião com toda a boa vontade.
O rapaz despediu-se e saiu.
A seguir, um líder da Divisão dos Adultos foi à frente de Toda. À primeira vista, parecia ser um
homem forte e resistente.
— Você. . . é um caso sério!
Toda começou a falar desse modo e sorriu:
— Como pode se portar como um tolo, brigando com um bêbado na reunião?
— Peço desculpas. E que. . . — o homem respondeu abaixando e coçando a cabeça.
— No começo, eu não dei confiança. Porém, depois ele provocou aos berros e pensei que não
seria justo rebaixar a Lei. . . e enfim, resultou naquela briga.
— Que sujeito irresponsável! Quem estava rebaixando a Lei era você mesmo. A pessoa que
vem à reunião bêbado e provoca a desordem, é claro, é um mau elemento. É desnecessário lutar corpo a
corpo aceitando o convite das provocações, não acha? Por acaso você estava embriagado também?
— Não, senhor. Nada de álcool. Apenas não agüentei mais a minha paciência. . .
Ao descobrir o dedão de sua mão coberto de ataduras, Toda perguntou sorrindo:
— Não há perigo nessa ferida heróica? Protegendo o polegar ferido com a outra mão, o
homem respondeu:
— Está tudo bem. Apenas afincou um fragmento de vidro quando a vidraça da porta foi
quebrada.
— Em primeiro lugar, não se deve deixar que bêbados entrem nas reuniões. No seu caso,
haveria maneira de evitar o desastre. Os bêbados apenas falam sozinhos reclamando que estão com sede.
Então, dê-lhes água para tomar e diga: Não quer descansar um pouco? Em seguida deixe-o deitado de lado,
num canto. Depois que acordar e se levantar para localizar-se onde está, eis a hora de conduzir um
Chakubuku rigoroso, mas dedicado. Que homem atrevido e desajeitado é você!
Sinto muito. Desculpe. Doravante tomarei os devidos cuidados.
— Na próxima vez que repetir a mesma tolice, nunca mais o deixarei presidir as reuniões.
Guarde bem essa advertência.
De repente, as expressões de Toda tornaram-se rigorosas. Aqui, ele não esqueceu de aconselhar que
deveria voltar ao local da reunião, a fim de pedir desculpas.
— Sim, senhor, compreendi bem. Nunca mais repetirei o mesmo erro.
— Isso mesmo. Aqueles que repetem um mesmo erro pela segunda vez, são chamados de tolos.
Enfim você chegou até aqui e tornou-se um homem admirável. A coragem e a violência são atos
completamente diferentes, não são?
O homem ficou diminuído e desanimado.
— Ué? Agora está ficando desanimado? ! Você não vai para uma noite fúnebre. Irá para uma
reunião-de-palestra como o responsável pelo sucesso. Vá com coragem, orgulho e otimismo.
O homem levantou a cabeça e sorriu. Logo em seguida, mostrou o peito cheio como uma criança. As
gargalhadas explodiram entre os presente. Toda também caiu na gargalhada. O homem do povo não seria o
pronome daquilo que mais cheira os seres humanos?
Os líderes diretos de Toda se concentravam em torno dele e dispersavam-se em seguida. Em tudo
que ele dizia, sentiam somente alegria. Seja o que for, para cumprir uma parcela da missão pesada de
promover as reuniões-de-palestra, agiram com a coragem, o senso de responsabilidade e a convicção de que
era o maior prazer da vida em quaisquer condições em que vivessem.
Dezenas desses minúsculos Bodhisattvas da Terra, comandantes da luta, movimentavam-se nas
atividades. Seus aspectos eram cheios de entusiasmos. Na turbulência de após guerra, por vezes, suas
atividades mostravam-se inevitavelmente como as de um combate.
Aconteceu em uma reunião no Distrito de Koiwa, em 12 de julho.
— Nas vésperas, em 30 de junho, surgiu um motim em Taira, Fukushima, onde centenas de
comunistas invadiram e ocuparam a delegacia de polícia.
No dia 6 de julho, pela manhã, foi descoberto o cadáver de Shimoyama, o Presidente da Ferrovia
Nacional do Japão, entre Kita-Senju e Ayame. Havia uma forte suspeita de morte por assassinato.
No dia 15 de julho, à noite, ocorreu um estranho acidente quando um bonde sem passageiro, ao se
recolher na garagem da estação de Mitaka, correu sozinho repentinamente e penetrou em uma residência
ferindo seriamente 13 pessoas, matando outras seis.
Tais casos temíveis e tumultuantes ocorridos em série, fazem lembrar a época em que reinavam as
violências a torto e a direito. O espírito das pessoas atemorizava-se debaixo das nuvens escuras das
violências desagradáveis. Os ferimentos e as facadas nos mercados de câmbio-negro e nas feiras, se repetiam
como o chá e a refeição do dia. Isso mostrava a ineficiência e o poder da polícia.
O povo assistia repetidamente o drama de um país derrotado dentro da extrema insegurança social e
descontentamento. Era um período de inferno tenebroso com sucessivos e contínuos medos pelo terror, sem
saber o que iria estourar em seguida.
A reunião em Koiwa, no dia 12, foi realizada em plena insegurança social. Apesar disso, os
membros antigos reuniram-se com ânimo. Uns vieram à procura da sombra de uma grande árvore, outros
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para satisfazer a insegurança ou então se livrar da cólera e da indignação.
O líder responsável para a reunião dessa noite era Hiroshi Izumida. Ele chegou um pouco atrasado,
devido à sua permanência mais demorada no escritório de Toda. Quanto mais elevado fosse o grau do Iíder,
a orientação de Toda era cada vez mais rigorosa.
— Senhor Izumida. O Distrito de Koiwa progrediu rapidamente nos últimos dias. Apesar disso, não
estão surgindo valores humanos. Sem dúvida, lá poderá crescer indefinidamente, pois o poder do Gohonzon
é ilimitado e imensurável. Se o senhor pensa que o crescimento é devido à sua própria força, nunca
despertará valores humanos, mesmo que estejam prestes a surgir, e aumentem numerica mente. Esse é o
problema atual de Koiwa.
Hiroshi Izumida, percebeu que Toda estava inteira mente com a razão. — Os valores humanos estão
prestes a sair, mas, não aparecem. O que poderei fazer? O mestre repreende-me dizendo que eu confiava
muito na minha capacidade. Assim sendo, estaria eu sendo otimista, montando de vento em popa? Sua
orientação poderia estar fora de cogitação, mas, também poderiam aquelas palavras estarem certas.
Contudo, Izumida sentiu que afirmação de Toda afincou diretamente no seu peito, como um golpe
mortal. No caminho para Koiwa, ele apressava os passos, pensativo e preocupado.
Quando chegou na porta da casa de Tetsuyuki Matsumura, um rapaz da Divisão dos Jovens, no local
onde se fazia a reunião, percebeu dois homens antipáticos de pé. Sentiu-se preocupado, porém, quando abriu
a porta, com surpresa ficou animado: — Hoje, a reunião será um sucesso! Em frente à porta, os sapatos, os
tênis e os tamancos estavam enfileirados no chão uns aos lados dos outros. Pareceu até que aquele
sofrimento da falta de valores humanos que o vinha preocupando no caminho, desapare cera.
Com a camisa esporte, fez uma curta oração de Daimoku e em seguida com a sua corpulência
voltou-se em frente à mesinha.
— Todos estão bem? Estava muito quente hoje, não é?
Piscando os olhos, ele esfregava com o lenço na testa larga para limpar o suor passando em seguida
para o pescoço. Entretanto, ele percebeu nesse instante, algo que constrangia esse ambiente. Não podia
deixar de sentir que era diferente da Koiwa de sempre.
Três rostos novos enfileiravam-se diante de Hiroshi Izumida. Eles pareciam ser coreanos.
— Há três convidados. Ele renovou sua convicção prometendo consigo: — Esta noite
demonstrarei a realização de uma reunião espetacular. Em seguida, ia palestrar num tom otimista, porém,
Hatsu Titani interrompeu-o:
— Apresento o marido da senhora Kaneki.
Um homem chamado Kaneki, apenas cumprimentou-o silenciosamente, olhando com seriedade para
Izumida. Atrás da Kaneki, sua esposa Yuriko, recém-convertida havia um mês, estava pálida e desesperada.
— O que está acontecendo com a senhora?
Yuriko fora convertida por meio da apresentação de Titani e Izumida já conhecia os problemas
familiares de Yuriko por intermédio de Titani.
Desde cedo, Yuriko seguia a Religião Messiânica Mundial, assim chamada a "Luz". Essa religião
era um estranho culto da fé e cura, com a publicidade: "O Tratamento da Pressão Digital induzindo a Alma
Sagrada'. Era uma seita criada por um dirigente dissidente da religião chamada Omoto-Kyo, com a mistura
de culto da fé e a terapêutica da pressão digital.
Em 1936, foi condenada pela fiscalização da Medicina, em 1940, foi intimada a abandonar o
negócio e em seguida a organização foi dissolvida.
Após a guerra, porém com a liberdade religiosa, ressuscitou e começou a pregar: "O paraíso sobre a
Terra" isento de doença, pobreza e guerra por meio de Jorei (alma sagrada). Prometia a colheita sem
fertilizantes, anunciando as pregações anti-científicas e consequentemente sofria críticas da opinião pública.
Yuriko era crente dessa seita religiosa. Freqüentava assiduamente as suas lições. Convidava
freqüentemente a sua vizinha Titani.
Ela por sua vez havia-se convertido à Nitiren Shoshu há um ano por intermédio da apresentação de
Yoshito Yamakawa. Após então, vendo a mísera situação familiar de Yuriko, entendeu a causa original da
infelicidade na sua existência passada. Em seguida, uma vez ciente do seu destino, ela esforçava-se nas
atividades da fé, junto com Titani.
Entretanto, seu marido que jamais contestava no tempo da "Luz", vinha agora de repente protestar
violentamente após sua conversão. Desde o início, Yuriko vinha chorando em conseqüência da brutalidade
do marido, porém, desta vez, tornara-se mais agressivo. Usava da violência e arrastava-a pela sala puxando-
lhe os cabelos. Não contentando com isso, pegava o cinto de couro e batia até que perdesse os sentidos. Tal
violência já parecia uma loucura e sadismo.
Pela primeira vez, Yuriko pensou seriamente no divórcio. Havia uma criança com paralisia infantil
desde o nascimento. Ela se pertubava, porém, julgava-se mais feliz ainda que se separasse do marido, mesmo
que sacrificasse a vida inteira junto com essa criança. Uma noite, ela exigiu o divórcio ao marido. Ele ficou
chocado pela primeira vez, ao notar a firme decisão da mulher.
Ela vinha então, suportando toda e qualquer tortura. Entretanto, essa mulher extremamente fiel
mudara de repente. Kaneki não compreendia por que motivo ela chegara a reagir tão fortemente assim. No
momento em que ia bater de raiva, ele percebeu a existência do Gohonzon no oratório. Ele foi avançando
diretamente para o oratório. Percebendo isso, Yuriko enrolou rapidamente o Gohonzon e guardou-o no peito,
entre o vestido.
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Kaneki percebeu a causa do divórcio. — Parece que esta religião transformou-a completamente em
outra pessoa. — Ele ficou furioso. — E bem provável que Titani, a velha vizinha tivesse vindo persuadi-la
do divórcio. Apesar de ser meia noite, ele entrou berrando na casa de Titani
A despeito de sua delicadeza, Titani ficou embaraçada. Foi muito difícil para ela, aclamar um
"pinguço". Não adiantava procurar fazê-lo compreender que era uma acusação falsa, dizer que era um
absurdo ter sugerido o divórcio. Sob vexame, contando as lágrimas, disse que vinha há muito tempo
demonstrando relações de boas amizades como vizinha. Apesar disso, Kaneki teimava dizendo que sua
religião era atrevida e que o responsável deveria dar satisfações. Enfim, Titani rejeitou-o dizendo que o
dirigente responsável viria por esses dias a uma reunião ali perto e então que fosse se entender com ele.
Kaneki invadiu a reunião dessa noite, trazendo como testemunhas, sua esposa Yuriko e seus
companheiros violentos.
Sem dúvida, eram novos convidados. Porém, eram três convidados novos e completamente
inesperados, sentados em frente de Izumida.
No momento em que Izumida perguntou, "como vai"? Yuriko levantou repentinamente a face e
abaixou a cabeça em seguida. Nesse instante, ele percebeu no olhar triste dessa mulher, algo fora do comum.
Passou então os olhos para Kaneki e comparou os dois companheiros que estavam sentados ao lado. Um
deles possuía uma cicatriz de ferimento profundo no pescoço que seria resultante de um golpe de espada e o
outro, possuía um olhar penetrante e agressivo, mostrando em torno da boca, um sorriso sarcástico. Kaneki
observava Izumida, sem desviar os olhos.
Izumida, ex-oficial aspirante do Exército Imperial, a essa altura, sentia até um choque mortal, porém,
não se abalava. Era, também, graduado na Academia de Esgrima. Já tomara uma atitude pronta para a
defesa.
— Desejaria perguntar um pouco. Por acaso, não poderia nos dizer o sentido da fé na religião
que estão professando?
Kaneki, inesperadamente, começou a falar num tom delicado. Havia um leve sotaque coreano,
porém, era um japonês corrente.
— O tipo da fé? Não há nada de particular. Como o senhor sabe, a sua esposa pratica admirável
mente, não é? O ex-oficial aspirante respondeu também serenamente.
— Não. O significado não é isso. Existe Budismo também na Coréia. O Buda é Sakyamuni.
Nunca ouvi falar do Budismo de Nitiren. Eu não posso admitir que isso seja verdade.
Com um nó na garganta e sem poder falar, os participantes apenas podiam acompanhar o
prosseguimento dos atos, desejando que a situação se solucionasse rápida e pacificamente, confiando na
atitude da figura central da reunião que ia convencendo logicamente, repleta de coragem e convicção.
A fisionomia de Kaneki tornou-se séria.
— Veja. Esta mulher virou uma má esposa, é por causa de Nitiren. Nitiren está errado.
Ele virou para trás e olhou agressivamente os participantes. Os dois companheiros o seguiram
também e tomaram atitudes para desafiar os presentes. Um deles enfiou a mão no bolso e mostrou que estava
segurando uma arma perigosa.
— O que desejam saber? Qual é o problema? Perguntou Izumida, pronta e decididamente.
— Não há o que dizer, é uma religião intrometida. Minha mulher começou a praticar. Diz que
vai se separar de mim. Onde poderá existir uma religião dessa?
— Espere um momento. Como o senhor sabe se o casal pretende separar ou não, isso é
problema familiar e particular que existe entre os dois cônjuges. O senhor diz que esta religião é atrevida,
porém, tal assunto se refere à prática da fé e essa questão deve ser averiguada para saber se a religião é certa
ou errada. O senhor está furioso por misturar essas duas questões, confundindo-se num só problema. Vamos
resolver uma de cada vez? Por exemplo, sou casado há mais de dez anos e segui fervorosamente essa fé por
nove anos. Entretanto, não pretendo me divorciar. A prova é que a minha esposa está aqui.
Ele apontou com o dedo, a sua esposa Tame Izumida que estava sentada no canto direito da sala.
— As vezes nós brigamos, naturalmente por sermos marido e mulher. Entretanto nunca
chegamos ao ponto de tentarmos o divórcio. Siga ou não esta religião, há muitos casais divorciados na
sociedade. Não conheço bem os motivos com pormenores e assim sendo, o senhor não poderia esclarecer a
razão por que chegou a pensar nos assuntos da fé e do divórcio, confundindo-os numa questão única?
Separar por que se converteu. . . isso não é verdade. A verdade não seria por que a vida conjugai não está
correndo bem, não é?
— Não. Não é verdade. Discordo! Kaneki, começou então a berrar.
— Vocês ensinaram para que ela se separe de mim e então minha mulher começou a falar que
vai se separar e não volta mais atrás. Disso, eu tenho certeza. Não há dúvidas.
O homem de ferimento a espada, como se quisesse encobrir as palavras dele, também berrou:
— Está completamente errado. Como é terrível essa fé! Não faça os outros de bobo.
— Espere um momento.
Izumida moveu amplamente os braços tentando acalmar os dois exaltados e decididamente disse:
— Então, o senhor acha que a sua esposa não se separará se abandonar a prática da fé, não é?
Muito bem, agora pergunto à sua esposa, se ela prossegue ou desiste da fé, pois eu acho que quem decide é a
própria pessoa de livre e espontânea vontade. Quem sugeriu o divórcio?
Yuriko moveu a cabeça para os lados.
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— Não. Ninguém disse isso.
— Não minta, sua canalha! Kaneki berrou de novo.
— No mundo do ser humano, na realidade, há demasiadamente famílias com brechas profundas
entre cônjuges. Quem é o responsável? A culpabilidade seria uma questão difícil de ser resolvida.
Independente disto, não posso deixar de lembrar as palavras de Claude Morgan, dedicadas ao
procedimento da esposa dentro do lar:
— O que eu desejaria que ela tivesse, não é amabilidade, a delicadeza e a feminilidade, é aquilo
que ela está perdendo: O impulso para o progresso, o ânimo para viver e a paixão que enaltece o espírito.
Izumida começou a falar com mais velocidade.
— Calma. Calma. Espere um pouco. Por favor, senhora, decida livremente se vai seguir ou não.
Eu não faço objeções, mesmo que pensa em abandonar a prática religiosa, se é para evitar o divórcio.
— Eu não deixarei a prática religiosa.
No momento em que Yuriko respondeu dessa maneira, Kaneki lançou os olhos a ela berrando mais
alto ainda.
— Deixe!
— Não deixo.
— Eu a mato!
— Morro, mas, não deixo.
— O que. . .?
Os três coreanos agressivos sentaram de novo com todo o peso do corpo e começaram a avançar
sobre Izumida.
Enfim, Kaneki derrubou Yuriko, berrando furiosamente. Os dois companheiros levantaram-se e
apartaram segurando os braços de Kaneki loucamente enfurecido.
— Deixe. Pare com isso, Kaneki. Você não veio aqui para bater na sua mulher. Não veio aqui
para dar lições nos canalhas que mandam praticar uma religião maldosa? Então, vamos dar ponto final na
conversa.
Após a cessação da Guerra do Pacífico, o território japonês foi limitado a uma estreita faixa de
quatro ilhas, perdendo toda a possessão no exterior. Isso não seria conseqüência inevitável do despotismo?
Em 15 de agosto, milhões de coreanos radicados no Japão, tornaram-se estrangeiros, do dia para a noite. Eles
conseguiram privilégios de serem estrangeiros. Portanto, foram considerados fora de alcance da Lei do
Governo Japonês. A polícia econômica bem como o fiscal de impostos nada podiam fazer contra eles.
Alguns japoneses astutos chegavam até a combinar com eles, a fim de aproveitar esses privilégios
estrangeiros.
Essa abrupta reviravolta com o eixo na derrota, parecia como a mudança de um ato teatral para
outro. Entretanto, as raízes eram muito mais profundas.
Com a anexação da Coréia ao Japão em 1910, o território coreano foi regido sob jurisdição japonesa
e passou para o domínio japonês. Desde então, a modernização da Coréia foi se processando gradativamente
com sucessivos motins e revoltas. Em seguida, com a intensificação da gravidade da Guerra do Pacífico, o
lema 'A Harmonia Japão-Coréia' forçosamente transformou-se na 'Unidade Japão-Coréia'. Em 1938, na
época de Minami, Governador Geral da Coréia, foi decretado o sistema especial de convocação dos
voluntários e começou o treinamento dos jovens coreanos para enviá-los à ilha de combate como soldados
japoneses. Nessa mesma época, foi ordenado o abandono dos nomes coreanos com substituição de nomes
japoneses.
No ano de 1942, em plena guerra, foi estabelecido o mesmo sistema de convocação dos soldados
que vigorava no Japão. Assim, o serviço militar obrigatório foi imposto aos coreanos. Entretanto, apenas a
participação política na Dieta foi prometida para o futuro.
A Coréia possui tal história controvertida de 35 anos. Certamente deve ter sido uma história de ódio
irresistível. Nessa situação, houve a rendição incondicional do Japão que trouxe uma vitória inesperada para
os coreanos. Os cidadãos coreanos sentiram-se vitoriosos como sendo membros de uma nação vitoriosa, sem
travar uma batalha. Naturalmente, o tal senso de vitória não tinha cabimento e pode-se pensar que houve
então uma espécie de vazio no espírito. O que restou em seguida foi evidentemente o ódio contra o domínio
colonial japonês.
Quando faço uma análise retrospectiva sobre a era do absolutismo militar, sinto-me como se
estivesse vendo a complexa e a profunda infelicidade da nação dominada pelos dirigentes políticos sem
nenhuma auto-reflexão. Pode-se compreender como é realmente importante, a existência de benevolência
numa contextura política.
Poder-se-ia considerar que seria natural a reação de vingança surgida nos coreanos em território
japonês contra o Japão, após a cessação do fogo.
Dir-se-ia que não haveria nada de estranho na ocorrência sucessiva de revolta dos coreanos em
diversos lugares do Japão.
Desse modo, os três vieram invadir também a reunião em Koiwa.
— Minha mulher que é japonesa, vem exigir o divórcio nesta época favorável para os coreanos;
ora, isso é o cúmulo da arrogância. Certamente deve haver japoneses manobrando nos bastidores. Ela vai
freqüentemente à reunião religiosa.. . E isso mesmo. Aquele grupo religioso de Nitiren, assim chamado
Gakkai, fez a minha mulher enlouquecer. Ela não desiste da fé, por mais que eu a torture. Não adianta. Vou
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quebrar essa organização e destruí-la de uma vez para sempre. Que japonês que nada!
O ódio da vingança talvez tenha sido inflamado chegando a esse ponto.
Nessa atmosfera crítica, Izumida pensou - A reu-nião-de-palestra transformou-se numa reunião
terrível. Não posso mais deixá-los à vontade. Seja o que for, não posso retroceder um passo sequer no campo
da doutrina religiosa.
Por momentos, ele pensou em chamar a polícia. Por outro lado, receou a possibilidade de resultar um
choque entre os três e os policiais. Ele resolveu em primeiro lugar, que não há outra alternativa senão
defender a integridade das dezenas de pessoas que estão aqui presentes. Não comunicarei à polícia por
enquanto. Aconteça o que acontecer, eu os deterei com o meu corpo.
Após a decisão de levantar-se sozinho, Izumida sentiu surpreendentemente a serenidade própria.
— Vamos resolver o assunto assim como me propuseram. Entretanto, os membros da Gakkai
aqui presente, não tem nenhuma relação com a sua questão familiar. Hoje à noite estamos reunidos entre nós:
Aqui é o local onde se discutem diversos problemas concernentes à fé. Para resolver os seus assuntos, há
vários outros lugares e lá poderemos resolvê-los. Agora devo prosseguir a reunião de palestra. Após então,
estarei às suas ordens. Digam o dia e
o local.
Ele falou calmamente. Porém, nesse instante, o homem ferido a espada provocou-o aos berros:
— Quer fugir?
— O que está dizendo?
Izumida levantou a voz pela primeira vez erguendo-se sobre os joelhos.
— Não fugirei e nem me esconderei. Esta reunião não lhes pertence exclusivamente. Todos os
presentes vieram reunir-se aqui. Estou dizendo apenas que eu conversarei depois, calmamente.
Kaneki tomou a posição de ataque. Yuriko foi à frente estendendo aos braços com a face pálida e
esverdea-da. O homem ferido a espada estava semi-sentado e de prontidão. Apenas o homem emudecido
estava sentado com um sorriso gelado na face. Ele tirou a mão direita do bolso e levou-a à altura do peito.
Parecia que possuía um pequeno revólver. Trocaram sinais com os olhos. Evidentemente os três mostravam-
se no estado de ira.
Nesse instante, o local da reunião estava num silêncio completo. As senhoras foram retrocedendo
formando grupos de dois a três. Havia os adultos aparentemente indiferentes, observando o decorrer da cena
e os rapazes com os olhos belicosos prontos para avançar sobre os três. Havia também os desesperados
aguardando os momentos de fuga.
Num dos cantos da sala surgiu quase em silêncio, a voz de uma pessoa fazendo orações de Daimoku.
Acompanhou-a em seguida mais uma pessoa. Duas, três, cinco e dez pessoas oravam em conjunto.
Para os coreanos, suas atitudes eram de ameaçar com intenções premeditadas. Porém, eles sentiram
que seu poderio ameaçador não despertava medo aos presentes. Poder-se-ia dizer que uma atmosfera
amenizadora estava se infiltrando invisivelmente dentro da reunião por ser uma Reunião-de-palestra do
Verdadeiro Budismo.
Realmente, os participantes sentiram pânico. Havia pessoas empalidecidas ou com o corpo trêmulo.
Entretanto, ninguém tumultuava com tremor e desespero.
De repente levantou-se um homem de cabelos esbran-qu içados com cerca de cinqüenta anos
chamado Hotta que parecia ser um operário.
— Não. Não façam isso. Deixem as violências. Parem. Estamos aqui em reunião. Mas, que
embaraço.
As palavras em sotaque de Kansai (falado em Osaka e adjacências) foram ouvidas como se fossem
comédia.
— Pensei que os novos convidados fossem animados. Que surpresa. Vamos, vamos. Cheguem
para cá. Estão aqui, senhoras e crianças. Peço aos visitantes esperarem um pouco na varanda vendo o jardim
até acabar a reunião.
Parecia estar falando desdenhosamente, porém a fisionomia de Hotta era séria e ele por sua vez
estava desesperado. O sotaque de Kansai falado em Kanto ( a região de Tóquio e adjacências) era ouvido
naturalmente com senso de humor. Se isso fosse falado em japonês corrente, os três coreanos certamente
mudariam de fisionomia de tanta indignação.
— Matsumura, vamos depressa, conduza os visitantes. Traga as almofadas.
Hotta falou com Matsumura que estava perto da porta de entrada e foi em direção à varanda. Os que
estavam sentados abriram rapidamente o caminho.
Chegando à varanda, percebeu dois homens em silêncio no outro lado do jardim escuro. Observando
bem, através da escuridão, parecia que eles estavam de revólver na mão. Ele se assustou.
Os dois vigilantes estacionados no jardim, talvez estivessem impedindo qualquer comunicação com
a polícia. Hotta percebeu que o plano deles estava previamente preparado. O local da reunião estava
totalmente cercado por cinco terroristas armados.
O ex-oficial aspirante Izumida, sendo o responsável, aguardava a chance para dissolver ilesa a
reunião, procurando convencer a si que o momento não permitia qualquer distúrbio.
— Como é? Não vai resolver o assunto? Disse Kaneki, orgulhosamente, estendendo o
corpo como se estivesse manifestando o seu triunfo.
— Encerra o assunto, sim! De que maneira quer que eu resolva? Respondeu Izumida
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calmamente, contendo sua exaltação de cólera. Então, o homem ferido à espada interrompeu-o:
— Não diga que não sabe! Em primeiro lugar, faça a senhora Kaneki renunciar à fé. Em
segundo lugar, entregue-nos um documento por escrito prometendo que não permitirá o divórcio do seu
marido.
Izumida ficou desapontado. Os pontos de vista sobre o assunto estavam completamente opostos.
Porém, ele pensou em vestir-se com a "armadura da paciência".
Ele reconheceu quão terrível é aquilo que se chama 'Idéia Preconcebida'. Sentiu como se estivesse
recebendo lições sobre quão terrível é uma avaliação concluída sem reconhecimento. Ele aprendeu de fato e
na prática, o que é o verdadeiro espírito de Chakubuku, que seria então o grito original para a verdade que
nasce espontaneamente a fim de aniquilar a 'Idéia Preconcebida'.
— A esposa é livre para decidir se prossegue ou desiste da fé. A fé não pode ser exercida sob
mandato de alguém. Desse modo, surgirá reações em vez de aprofundar-se na fé. Aqui não existem pessoas
desse tipo. O mesmo acontece com a questão do divórcio. Apesar de os terceiros ficarem
desesperados, quem resolve não é o próprio casal? Isso não poderá ser resolvido com a intromissão de
alguém, não é verdade? Nós estamos apenas ensinando a todos, com toda a nossa responsabilidade, os
ensinos corretos de Nitiren Daishonin. Aqui não é um tribunal de assuntos familiares e nem escritório de um
advogado. Não é também o conselho de familiares e parentes. Deve haver um mal entendido muito
complicado aqui, não é? Como é complexo, vamos resolver o assunto numa outra ocasião como foi dito,
marcando a data e o local.
Izumida falou calmamente até o fim. Um deles, repetia gestos como se estivessem brincando com o
revólver sobre a mão. Parece que não havia desde o início, a intenção de atirar para matar.
Cada vez mais e forçosamente, Izumida precisava pensar calma e friamente como deveria encerrar o
caso.
Os três olhavam-se uns aos outros. Suas exaltações foram transformando-se da fúria para a
manutenção da honra.
O homem ferido à espada disse com um sorriso cínico:
— Que bela demagogia! Não cairei nessa. Resolva aqui o caso e já.
— Não. Escolha um outro lugar. Darei uma solução definitiva. Não é bom incomodar mais esta
casa.
As palavras do ex-oficial aspirante continham atitudes decisivas de aceitar qualquer desafio mesmo
que fosse violento.
Após tais atitudes vangloriosas, os três não podiam mais ouvir humildemente.
O homem ferido à espada protestou de novo, rejeitando:
— Se não pode resolver aqui, onde então irá solucionar o assunto? Está complicando o caso.
Vamos então levar para o Quartel General. Como é, vai ou não?
— Oh, sim. Irei a qualquer lugar, seja Quartel General ou não.
Izumida queria dar fim ao incidente daquele local, o mais depressa possível. Já se passava de uma
hora.
— Está bem. VamosI
Quando o homem ferido à espada tentou por a mão em Izumida, Yuriko até então emudecida,
levantou de repente a voz em tom agudo:
— Esperem! Ninguém é culpado. Sou a única responsável. Levem-me. Se satisfazem as suas
vontades matan-do-me, então, que me matem.
— O que? Sua ordinária.
Yuriko mordia o braço de Kaneki, uma vez derrubada por ele. Ouviam-se sopros ofegantes em
conseqüência de ódio entre marido e mulher. A situação mudou completamente.
— Assim não é possível chegar a uma solução.
Senhora Titani, por favor, leve a Senhora Yuriko para casa. Vão juntas vocês também!
Izumida disse assim categoricamente para Titani e sua própria esposa.
Hatsu Titani refletiu por um instante. —Sou culpada de tudo o que aconteceu nessa reunião que
deveria ser feliz, por converter uma pessoa infeliz. Apesar disso, todos perdoar-me-ão por estarmos na
missão de salvar uma por uma, as pessoas infelizes.
Os três permaneciam também quietos, uma vez tomados pela surpresa.
Titani e Tame Izumida retiraram-se da sala parecendo carregar Yuriko.
Logo após, Izumida disse aos presentes, misturando com seu próprio sorriso.
— Esta noite, a reunião teve conseqüências desastrosas. Foi uma pena, já que todos vieram
aqui. Sinto muito! Peço desculpas. Daremos por encerrada a reunião desta noite. Vamos reabrir mais uma
vez a reunião-de-palestra num futuro próximo? Comunicarei oficialmente através do Distrito. Nessa ocasião,
peço comparecerem de novo com ânimo, está bem?
Todos foram tranqüilizados como se estivessem aguardando o momento chegado. Logo em seguida,
os participantes, deixando as suas despedidas, dirigiram se em grupos de três a cinco, para o portão de saída.
Izumida e os três intrusos permaneciam ainda na sala. Lá fora estavam Matsumura e Hotta na varanda e mais
dois homens no outro lado do jardim.
Todos retiraram-se ilesos do local da reunião. Izumida sentia o alívio da desincumbência da maior
parte da sua responsabilidade. Assim sendo, o direito de iniciativa já passou para as suas mãos.
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— Vamos então para o Quartel General?
Izumida mostrava-se como se pretendesse ir ao Quartel General a fim de fazer queixas. O poder
opressivo dos cinco valentes foi se perdendo. O perigo de morte havia desaparecido.
Nessa época, não havia outro lugar de maior poder senão o Quartel General. Não somente para os
japoneses, mas também para esses coreanos parecia ser o mesmo. Eles não podiam admitir que lá fosse o
lugar onde poderiam ser reconhecidas as violências injustas. Apesar de não temerem a polícia japonesa,
temiam com certeza o Quartel General. Embora eles viessem invadir essa reunião-de-palestra, reves tidos de
imponência como estrangeiros aliados aos países vitoriosos, recebendo por outro lado, o convite para chegar
até o Quartel General, tiveram momentos de hesitação por perceberem que seria uma idéia ridícula denunciar
o divórcio para o Quartel General.
A sala estava desanimada e vazia. Restaram para eles, apenas a indignação. Preocupavam-se com a
sustentação da moral.
O homem ferido à espada arrogantemente disse:
— Nós marcaremos o local. Virá sem falta?
— Sim. Irei a qualquer lugar.
Os três cochichavam nos ouvidos entre eles.
— A Associação é melhor. Vamos escolher a nossa associação daqui uma semana, no dia 19 de
julho às 14 horas. Está combinado?
— De acordo. Daqui a uma semana? Sim.
Eles insistiram por várias vezes ensinando o local de encontro denominado "Associação da Imprensa
Livre". A Associação parecia estar localizada perto da Ponte Única (Hitotsubashi, Kanda). Então, não era tão
distante do escritório de Toda.
O homem emudecido e de olhar terrível, disse para Izumida:
— ê promessa de homem para homem. Se quebrar, tomarei a sua vida.
Eles também se retiraram.
O ex-oficial aspirante, limpou de novo o suor que escorria da cabeça para o pescoço. Em seguida,
tomou deliciosamente a água do copo que estava sobre a mesinha.
As informações sobre os incidentes ocorridos na reunião-de-palestra, chegaram aos ouvidos de
Toda, nessa mesma noite ainda que avançada. Ouvindo os relatórios pelo telefone, em sua casa, ordenou
imediatamente que reunissem os principais líderes e os envolvidos no incidente, na manhã seguinte. Suas
instruções despachadas de prontidão e repletas de senso de responsabilidade, por si só demonstravam seu ato
de seriedade.
Relatando sumariamente a ocorrência do incidente à sua esposa Ikue que estava preocupada ao seu
lado, Toda começou a dar gargalhadas eufóricas.
— Deve ter sido um fato surpreendente para Izumida. Após a guerra, voltando de Nova Guiné,
pacificamente e sem acidentes quando menos esperava, é surpreendido terrivelmente na reunião-de-palestra.
Será que ele foi para pagar o seu pecado do passado? Ah! Ah! Ah!
Na manhã seguinte, chegaram mais de dez líderes, inclusive os envolvidos no incidente, no
escritório de Toda. Hotta, Matsumura e outros jovens estavam presentes. Notavam-se na fisionomia de
todos, expressões bem exaltadas.
Toda ouviu silenciosamente a descrição de incidente ocorrido na noite prévia contada em conjunto.
Um rapaz murmurou lamentando com muita pena por ter perdido a chance de comparecer àquela
reunião.
— Gostaria de estar na reunião de ontem à noite. Realmente é uma espécie de Três Inimigos
Potentes (Sanrui-no-Gôteki).
Com atitude profundamente emocionada, um líder que se devotava muito ao estudo do Budismo
disse:
— Isso já não é mais o primeiro, Zokushu Zojoman, nem o segundo, Domon Zojoman, desses
Três inimigos Potentes. São os usufrutores do poder vestidos de privilégios do Quartel General.
Evidentemente, é o último inimigo chamado Sensho Zojoman! Nesse incidente, houve manobras do poder.
Senhor Izumida, como o senhor está ficando grande!
Izumida ficou acanhado.
Toda entendera a causa originária do incidente, através das informações e dos diálogos entre eles.
Olhando aos presentes, disse sumariamente:
— Entendi. Porém, ainda é um pouco cedo para ser uma Perseguição à Lei.
Todos, como que desapontados, observaram conjuntamente a face de Toda.
— Foi um choque emotivo. Isso nada mais é do que uma colisão de sentimentos. Uma vez
desfeita a causa, tudo desaparecerá. Como é importante a orientação diária e persistente!
Toda sabia perfeitamente a força da Gakkai correspondente à época. Além disso, percebia também
seu potencial em larga escala para o futuro. Ele deve ter analisado a espécie de evento que ocorrera na noite
anterior dentro do período inicial do desenvolvimento da Gakkai. No seu cérebro devem estar sempre
inflamados e impregnados os primórdios evolutivos do longínquo Kos-sen-rufu. — Para ser uma
perseguição religiosa, a nossa força atual é ainda muito frágil. Considerar o fator como o inimigo mais
potente do tipo Sansho — Zojoman, seria o cúmulo da super-estimação.
Sorrindo forçosamente, com os olhos serenos e com ou ouvidos atentos, para as pessoas que estavam
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constrangidas, disse:
— Se fosse o inimigo mais potente chamado. Sensho Zojoman, ficaria muito grato por isso. O
Kossen-rufu então seria uma obra fácil de ser concluída. Infelizmente, não é tão fácil de ser conquistado.
Tossindo e limpando o catarro com o lenço, ele reforçou suas palavras, mudando sua atitude.
— O Kossen-rufu é a realização de uma grande obra sem precedentes. Além disso, aparecerão
com certeza, os Três Inimigos Poderosos. Devemos estar cientes disso. O nosso Kossen-rufu já entrou na era
da oficialização. Portanto, o Kossen-rufu é uma luta em todos os sentidos da sociedade humana. Pode-se
pensar até na eventualidade de que a sociedade toda venha contra nós. Tornar-se-á uma luta pluridimensional
nos setores da cultura, da educação, da economia e da política. Quaisquer que sejam os inimigos
poderosos, não devem temê-los, um pouco sequer. E uma época que marcará exatamente a abertura da
cortina do Kossen-rufu. Se essa época viesse logo eu estaria muito contente. Aconteça o que acontecer,
nunca deverão esquecer pelo menos fundamentalmente a forte atuação da fé, pois em tudo poderão vencer
por meio da prática da fé. Chegando essa época, vamos lutar juntos, valentemente? Acendendo o cigarro,
Toda continuou a dizer:
— Mas, isso é para um futuro remoto. Os que estão aparecendo atualmente são, no máximo,
alguns opositores comuns do tipo de Zokushu Zojoman. As seitas hereges começaram a tumultuar-se um
pouco, mas isso pode ser considerado como o início de Domo Zojoman. Quanto ao Sensho Zojoman, na
situação atual, ainda não apareceu, nem sua sombra nem sua forma. Isso é até lamentável.
Porém nada podemos fazer, enquanto as nossas forças são ainda insuficientes. Evidentemente surgirão no
futuro, os que virão fazer convencer-nos. Eis aqui o Sensho Zojoman, até dizermos basta! Nessa ocasião,
estejam preparados e prontos para não serem lisonjeados pelas suas atitudes embaraçosas, ao ponto de não
poder mais levantar de tanto susto. — Para isso, é necessário o exercício diário da fé. Os que estão aqui,
jamais deverão deserdar-se da fé. Compreenderam?
Dito isto, levou o cigarro à boca, mostrando os olhos já delicados. Soltando a fumaça, voltando-se
para Izumida, disse:
— Mudando de assunto, Senhor Izumida, o que o senhor irá fazer no dia 19?
— Eu irei. Se o caso resolver, mesmo que eu apanhe, considerar-me-ei satisfeito. Já estou
decidido.
Sua fisionomia estava séria.
Toda começou a rir com as pálpebras semi-cerradas.
— Vai, então, para receber surra? Que penitência! Batendo no Izumida à vontade e uma vez
satisfeitos, o que eles poderão ganhar com isso? Parece que ambos os lados não parecem ser inteligentes.
Uma vez que estão comprometidos, paciência, porém, eu não gostaria...
As pessoas que o rodeavam começaram a rir. Advertindo-lhes que não era brincadeira, ele disse
seriamente:
— Esta batalha já está decidida. Não é uma luta entre o Estado de Buda e o de Ira? Não há
razões para a derrota.
A tentativa da decapitação de Nitiren Daishonin em Tatsunokuti, é um exemplo ilustrativo. Não
somos discípulos de Nitiren Daishonin? Absolutamente, haverá defesa. Porém não poderá haver descuido da
fé.
— Esta batalha já está decidida. — Essas palavras de Toda repercutiram fortemente nos
presentes, normalizando o estado de espírito. Os perigos e as preocupações com relação a Izumida, foram se
apagando simplesmente, Toda, entretanto, voltou a falar severamente.
— Se pensarem que o caso se resolverá favoravelmente, se somente Izumida apanhar, estão
muito enganados. Não sabemos quantos são eles. Talvez estejam armados de revólveres. Se facilitarmos,
levados pelo hábito de que nós temos a fé e perdemos o tempo, aqui surgirá o descuido. Na luta, há sempre o
adversário, e portanto, devem preparar-se minuciosamente para todas as eventualidades. Isto se chama a "fé
posta em prática" (Chinjin). Nunca deverão pensar que as coisas se resolvem somente com o Daimoku. Com
relação a Shijo Kingo, por exemplo, quando este passava momentos perigosos, perseguido pelos inimigos,
Nitiren Daishonin não escrevia cartas recomendando com detalhes, todas as precauções possíveis? E nesse
momento que devemos estar cientes do ditado áureo 'Cada um deve tomar as devidas precauções'. Pensem
bem.
Cada um dos líderes começou a fazer sugestões a fim de planejar a estratégia. Havia um que sugeria,
dizendo que seria melhor denunciar à polícia e aguardar a solução, cancelando o encontro direto. Havia um
outro propondo que a melhor solução seria debater na presença da Polícia Militar Americana, já que a polícia
japonesa era insuficen-te. Havia um que planejava minuciosamente um ataque escoltando Izumida com
cinco ou seis membros da Divisão dos Rapazes, de braços fortes. Havia alguém que interpretava os artigos
do Código sugerindo a necessidade em obter armas a todo o custo, pois, os adversários estariam armados e
no momento decisivo poder-se-ia alegar legítima defesa.
As discussões foram se tornando cada vez mais beligerantes. Os planos, por sua vez, ampliavam-se
cada vez mais. Porém, quando cogitavam sobre aplicação, nenhum merecia ser aprovado.
Izumida, vendo as tumultuações cada vez mais crescentes e reconhecendo a fraternidade dos
companheiros, afirmou decididamente:
— Sou o único responsável. Uma vez que prometi, não posso deixar de ir. Por favor, deixem-
me ir sozinho. Aconteça o que acontecer, não quero trazer preocupações aos meus companheiros.
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Toda preocupava-se seriamente, pensando no perigo que corria o estimado discípulo chamado
Izumida. Apesar de alguns pensarem que os perigos raramente ocorreriam, havia porém, condições
excepcionais. Ele não interferiu em nada sobre os planejamentos, ouvindo a decisão de Izumida, começou
então, a falar.
— Está bem. Apesar disso, Matsumura, vá você em companhia de Izumida.
— Sim senhor. Se usarem o revólver, defenderei Izumida com o meu corpo, recebendo a bala.
O jovem Matsumura, com seu temperamento sangüíneo, mostrava-se como um herói trágico.
— Não. Não irá para brigar. E para sair da sala comunicar prontamente, quando a situação se
tornar perigosa. Desde já, deve procurar o telefone mais próximo. Estaremos aqui à sua espera.
Toda dava instruções sobre o local e explicava a maneira de entrar em contato com eles.
— De antemão, é bom que saiba que o melhor meio é comunicar imediatamente. . . uma outra
instrução, deixe comunicado à polícia, a respeito do acontecimento do dia 19. Posso pedir para Mishima e
Harayama?
Já havia sido resolvido o planejamento básico. Os responsáveis reuniram-se de novo, à noite, e
aperfeiçoaram os detalhes. Tudo preparado, faltava apenas esperar o dia 19.
O jovem Matsumura encomendara um terno deverão, para usá-lo nesse dia, por isso mandou
apressar o alfaiate. Começou a fazer o Daimoku violentamente, dia e noite. Ele deve ter encontrado seu
motivo de viver.
As palavras ditas por Toda 'A batalha já está decidida', não saíam dos ouvidos de Izumida. Se tivesse
um fim trágico, pensou, seria um pesar para o seu próprio destino. Convertido desde antes da guerra,
freqüentemente lembrava-se de uma canção tão na moda, desde os tempos de Makiguti. Sem que o quisesse,
saía também de sua boca.
"Ainda que aponte o revólver em meu peito,
Eu não retrocederei. Um passo sequer!
Por onde o homem vai, é um só caminho,
E, então, contemplo a alvorada do céu nascente".
Ele pensou: — Aconteceu exatamente como esta canção! Assim sendo, não posso retroceder um
passo sequer, E um fato verídico que cruzou à sua frente e é um caso importante do ponto de vista do
Budismo. Acovardar seria uma atitude contrária à fé.
Sinceramente, por meio de sua fé, desejaria transpor magnificamente essa montanha.
Nessa noite, após acompanhar Yuriko, e já voltando para casa, Titani sentiu-se responsável por ter
causado tal fato desastroso. No dia seguinte, foi à Editora 'Jornal da Mulher' onde Izumida trabalhava, a fim
de pedir-lhe desculpas.
Ficou surpreendida quando soube pela primeira vez que o encontro havia sido marcado para o dia
19. Ao perguntar os pormenores Izumida respondeu:
— Não se preocupe.
— Onde será o encontro?
Ela perguntou insistentemente sobre o local do encontro, porém, Izumida não lhe informou.
— Eu não disse para não se preocupar? Mesmo que fosse, nada poderia fazer. Não seria um
palco onde a mulher sai pela cortina. Aguarde. Resolverei definitivamente a questão.
Titani, então, retirou-se tristemente. Entretanto, não podia conter mais a inquietação crescente e
sucessiva a cada dia que passava.
Preocupada, começou a orar intensamente o Daimoku. Às vezes convidava sua vizinha Yuriko para
orarem juntas. A única coisa que podia fazer, era desejar através da oração que tudo corresse bem no dia 19.
Entretanto, ao lembrar aquele fato terrível, sentia-se vítima, ao censurar Yuriko. E, desse modo,
lamentava sozinha tristemente. Ela estava ficando demasiadamente pessimista.
— O que farei, se acontecer algo perigoso ao corpo de Izumida a quem devo tantos favores? O que
poderei fazer nesse caso? Fui eu quem converteu Yuriko, através do meu Chakubuku. Fui eu quem plantou a
semente desse incidente. Se eu plantei, devo colher as conseqüências. Ninguém tem culpa. A responsável
sou eu. O que poderei fazer, então?
Titani oprimia-se com o complexo de culpa dentro do seu pequenino peito. — Como poderei
desculpar às pessoas aflitas e vítimas, se acontecer algo desastroso? — A dor em seu coração tornava-se
intensa e tenebrosa.
Resolveu dar fim à questão, enfrentando, sozinha aqueles violentos. Por intermédio de Yuriko
procurou saber o endereço, porém, não o localizava. Embora visse Kaneki às vezes, ele não lhe respondia.
Ela andou perguntando sobre os locais suspeitos, porém, nem mesmo Hotta e Matsumura lhe ensinaram.
Ela não podia conter mais a paciência. Em 17 de julho, dois dias antes do encontro, à noite
avançada, após uma longa oração de Daimoku, decidiu: — A semente que eu plantei, colherei. Para isso, não
medirei as conseqüências, mesmo que seja morta ou ferida.
Hatsu Titani escreveu o testamento. A seguir, preparou a roupa nova para vestir no dia seguinte. A
essa altura, seu estado de espírito não vacilava mais. Subitamente sentiu saudades das pessoas que ela
conhecia. Sentia até pena de Kaneki e seus companheiros, embora fossem violentos.
A noite de verão alvorecia mais depressa. Logo cedo, celebrou o Gongyo da manhã. Lembrou-se do
marido que falecera na guerra. Agradeceu a sorte de ter criado vivas e sãs as seis filhas deixadas por ele,
sustentando-as por meio do seu negócio ambulante. A primeira filha casara-se e seu marido, após o serviço
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militar, trabalhava intensamente como pintor-desenhista. Agora, ela vive com seus dois netos. A segunda e
terceira filha tornaram-se moças e trabalhavam fora. As três últimas, estão cursando as escolas. Ela não
podia conter o afluxo das lágrimas quentes, quando contemplava o rosto adormecido das três filhas
pequenas.
— Os fracos são fracos, embora sejam fortes à sua maneira. Quando um fraco se mostrar forte,
surge então o: sinal da destruição do homem. — Esta frase dita por alguém não podia deixar de ser lembrada
nesse momento.
Bateu oito horas no relógio. Titani saiu de casa, foi ao escritório do Jornal onde Izumida trabalhava e
parou em frente à informação. Logo em seguida, apareceu a figura corpulenta de Izumida passando pela
calçada. Imediatamente ela saiu à rua e pegou Izumida.
Percebendo algo fora do comum na atitude de Titani, ele conduziu-a de antemão para a sala de
recepção.
— O que houve?
— Por favor, queira me ensinar o local do encontro de amanhã?
— O que a senhora pretende fazer?
— Quero encontrar aqueles homens para resolver definitivamente a questão.
— O comprometido sou eu. A senhora não terá que passar pela cortina para aparecer no palco.
Não há mais o que se preocupar.
Era dura a decisão de Titani. Izumida continuava convencendo, porém, ela persistia implorando:
— Quero colher as sementes que eu plantei. Não incomodarei a ninguém. A promessa do
senhor não tem nenhuma relação comigo. O senhor me impede por ser mulher? Ou, porque sou tola? Apesar
disso, creio que eu tenho a minha fé. Pode ser que eu seja tola realmente, porém, devo cumprir a minha
obrigação. Do contrário, não terei o que desculpar ao Gohonzon.
Diante do apelo veemente de Titani, seus olhos se molhavam.
— Já que insiste, então, ensinarei. Porém, a promessa é minha. Eu cumprirei. Não me perturbe,
sim? Além disso, não quero ser mal interpretado por meus adversários. Se a senhora quiser chegar até lá, é
da sua vontade. Não tenho nada a ver com isso. Que mulher teimosa!
— Entendi. Jamais trarei perturbações aos outros. Hatsu Titani, ouvindo o endereço da
Associação da Imprensa Livre, seguiu em direção à Ponte Única. Na sua marcha para um objetivo único,
esquecia-se de limpar o suor, apesar de estar suando em pleno calor do dia.
O prédio que ela localizou, parecia solitário e sem sombra de pessoas. Subindo a escadaria de pedra,
encontrava-se um portão aberto de ambos os lados. Havia mesas enfileiradas na sala, porém havia poucas
pessoas. Entrou para descobrir se por acaso acharia aqueles homens que haviam invadido a reunião do dia
12, porém, após observação cuidadosa não os encontrou. Ela se perdeu. Nesse instante, uma funcionária
chegou de fora. Titani perguntou de imediato:
— O Presidente desta Associação está?
— O Presidente? Quem é a senhora?
— O meu nome é Titani. Penso que o Presidente não me conhece. Porém, desejo encontrá-lo
com urgência e comunicar diretamente a questão sobre alguns coreanos.
Ouvindo isso, a funcionária entrou diretamente na sala à esquerda. Titani, preocupada, orou
Daimoku dentro de seu peito. A moça não saía da sala. Ficou pensando no que faria, se fosse recusada a
entrevista. Se isso acontecesse, esperaria, horas e horas, até que um dos três aparecesse por lá. Passados
cerca de dez minutos, a funcionária apareceu de novo.
— Por favor, entre por aqui e vamos ao terceiro pavimento.
Sua atitude era delicada e mostrava até um sorriso. Deve ser uma moça coreana. Percebendo uma
cor de trigo na face, lembrou-se de sua filha da mesma idade. — Na geração das moças não haveria conflitos
raciais horríveis. Por outro lado, não deveria desencadear conflitos entre as gerações. Os tempos estão
mudando. Hatsu desejava clamar para que a época se transformasse o quanto antes para a paz e felicidade.
A moça falou de novo:
— Por favor, venha junto e sem cerimônias.
Titani voltou a si. Subiu um por um os degraus da escadaria escura até o terceiro pavimento. As
pernas estavam um pouco trêmulas e por duas vezes, quase escorregou.
A moça abriu a porta e Titani viu uma sala bem clara. Perto da janela havia uma mesa grande diante
da qual um homem de uns quarenta anos falava algo por telefone com uma linguagem bem expressiva.
Titani cumprimentou-o e esperou até o fim do telefonema. O homem de cor clara tinha os cabelos
bem divididos e penteados, usando uma camisa branca e uma gravata fina de borboleta. Seus ombros eram
largos, porém não mostrava nenhum traço de imponência. Com exceção de seu olhar penetrante sobre Titani,
de resto parecia ser um cavalheiro delicado. Seu aspecto era bem diferente dos cinco homens daquela noite.
A impressão de Titani foi diferente do que imaginara.
O homem colocou o telefone no seu lugar, e convidou Titani a sentar-se no sofá situado num dos
cantos da sala, mudando a direção do ventilador.
— Estou às suas ordens. Por favor, qual é o assunto? Era um japonês falado sem sotaque.
Titani, embora embaraçada, detalhou de imediato sobre a ocorrência no local da reunião. A explanação
tornou-se confusa. O Presidente não pegou o fio do assunto. Ele percebeu apenas que a excitação da mulher
era fora do comum. Uma vez que acalmou a informação fragmentária de Titani, o cavalheiro começou a
32
perguntar os detalhes para a sua melhor compreensão.
— Madame, espere um momento. Esse tal de Kaneki, não é um homem que lida com negócios
do câmbio-negro? Isso mesmo! Parece que eu o encontrei uma ou duas vezes, mas, não o conheço bem.
Titani estava atrapalhada.. A explanação não se ordenava. O Presidente que observava sua
feição desesperada, perguntou como se estivesse orientando o sentido.
— Qual é a relação entre Kaneki e a senhora?
— Somos vizinhos e assim sendo conhecemos-nos mutuamente. Por conseguinte, converti a
senhora Kaneki através de Chakubuku.
— O que significa Chakubuku?
Desse modo, ordenando o diálogo, ia surgindo mais claramente o panorama total do incidente.
Pareceu-lhe não ser um conflito entre uma religião e outra. Finalmente, o Presidente chegou a compreender
que a religião fora aproveitada extorsivamente por Kaneki a fim de resolver seu problema familiar.
Era um incidente fora de questão política ou diplomática. O cavalheiro tranquilizou-se e disse a
Titani:
— Em suma, a senhora estaria satisfeita, se esses homens se reconciliassem, não é?
Nesse momento, a moça trouxe o chá. Ele mencionou o nome de um homem e pediu que viesse
urgentemente para o terceiro pavimento.
— Quero conciliar o desentendimento. Originalmente sou responsável. Não posso permitir que
causem mais perturbações à Gakkai. A causa está em mim. Portanto, se Kaneki e seus companheiros não
quiserem conciliar comigo, poderão atacar-me à vontade. Se quiser a minha vida em troca, darei com
satisfação para que eles façam o que bem entenderem.
Enquanto Titani falava com emoção, o Presidente procurava acalmá-la atenciosamente. Nessa
circunstância, não se viam antagonismo nem controvérsias entre as raças.
Percebia-se apenas o senso de humanismo de um homem que aceita com sinceridade o
desprendimento genuíno de um coração feminino.
— Madame. Calma. . . Averiguarei bem o fato.
Nesse momento, entrou um homem, negligentemente. Titani levou um susto. Era exatamente aquele
homem com cicatriz no pescoço, ferido à espada, visto naquela noite da reunião. O homem lançou um olhar
belicoso sobre Titani.
O Presidente mandou-o sentar ao seu lado e começou a falar algo em coreano.
O Presidente fez duas ou três perguntas. O homem ferido à espada argumentava respondendo com
linguagem violenta. Enquanto ouvia, o presidente entrelaçava perguntas curtas. O homem respondia
protestando, porém, ia ficando cada vez mais nervoso até reagir intensamente. O cavalheiro falava cada vez
mais severamente, como se estivesse inquirindo. O homem parecia estar reagindo violentamente. Enfim, o
Presidente perdeu a paciência e gritou ruborizado.
De repente, o homem ficou quieto e obediente. Em seguida, o Presidente foi falando sucessivamente
como se estivesse aconselhando. Naturalmente,. Titani nada podia entender do diálogo entre os dois, porém,
no que ouvia, percebia muitas vezes a palavra Kaneki. O presidente mandou o homem ferido à espada
retirar-se como se estivesse repreendendo e em seguida sorriu pela primeira vez, dirigindo-se para Titani.
— Madame. Agradeço muito por ter chegado até aqui. Se não tomássemos providências, talvez
a questão resultasse num fim desastroso. Peço desculpas.
O cavalheiro abaixou levemente a cabeça e tomou o chá.
— Eu me responsabilizarei por tudo. Pode ficar tranqüila. Às vezes eu me sinto penalizado com
tais problemas.
— Agradeço de todo o meu coração. Aliviada, Titani tinha lágrimas nos olhos.
— Como é espinhosa a missão de um Presidente! Já foi ameaçado por violentos como ele? O
senhor está arriscando a sua vida, não é?
Essa pergunta embora simples e inoportuna, trouxe alegria a ele. Sorrindo com satisfação, ele disse:
— Então, a senhora acha que estou arriscando a minha vida? Como a senhora é compreensível!
Embora a minha vida tenha um fim qualquer, ciaria por satisfeito, se o meu país" se tornasse uma nação
digna e independente. Eles não entendem o meu sentimento. Fui educado na Universidade do Japão e
conheço bem os defeitos e as qualidades dos japoneses e coreanos. Estou muito contente por estar chegando
uma época em que eu, apesar de humilde, posso dedicar-me para o bem do meu país e do Japão. Se a minha
vida é necessária para o seu bem, poderia, então, sacrificar a minha vida, sem qualquer remorso. A nossa
nação até ontem era a mais infeliz da Ásia. Essa infelicidade prolongou-se por várias décadas. Agora, uma
vez que se torna independente logo após a guerra, estou ficando quase delirante de tanta alegria. Ora, isso
não é sonho. Os japoneses talvez não poderiam compreender essa realidade.
Com os braços cruzados, parecia estar contemplando as emoções reminiscentes do passado remoto.
Uma vez desfeita a tensão. Titani ouviu-o vaga e passivamente, porém, através da atitude dele, conseguiu
adquirir uma sensação de confiança e sinceridade. Ela refletiu profundamente. — Foi bom ter decidido
corajosamente, ter chagado até aqui e usado da franqueza, no diálogo. Desde que o homem é homem, deve
agir com coragem e honestidade, até o fim. Ao contrário, talvez haja muitos prejuízos no decorrer de sua
vida. Uma vida acanhada com cerimônias é também, uma existência.
Ela não podia deixar de sentir algo como o afluxo de uma esperança na Nova Vida.
Hatsu Titani reiterou seu pedido ao Presidente.
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— Então, não haverá mais necessidade de preocupar-se com Kaneki e seus companheiros?
Todavia, gostaria de estar bem certa nesse ponto. . .
— Sobre esse ponto, não há o que se preocupar. Hoje mesmo chamarei todos e tomarei medidas
enérgicas. Se algo ocorrer amanhã, eu resolverei sob minha responsabilidade. Esteja tranqüila. Reconheço ter
causado dificuldade. Peço desculpas por meu intermédio. Eles, por sua vez, não estão habituados com a nova
situação. Peço perdão por eles. Apesar disso, são meus queridos companheiros. Um homem fraco não poderá
viver sem o apoio de alguém mais forte. Como marido, Kaneki não podia fazer mais nada contra a sua
esposa. Como sua força fosse insuficiente, ele pediu socorro aos companheiros com o pretexto de religião.
Assim, ele pretendeu impor sua pretensão, por intermédio da força dos companheiros. Sinceramente, estou
horrorizado com os múltiplos incidentes ocorridos recentemente. A religião é sempre livre. Não poderá haver
relação alguma entre a Sociedade Religiosa e a nossa Associação.
Foi uma explanação mais do que compreensível. Titani pensou em despedir-se e retirar-se. Todavia,
refletiu: — Talvez os outros não confiem na minha informação. Desejava levar algo que a comprovasse.
— Sinto muito, mas, não poderia me escrever uma declaração atestando que a questão já foi
encerrada?
O cavalheiro ficou sério por um instante, porém, retomou a serenidade, pegou a caneta e voltou à
mesa dizendo:
— Apenas por precaução, não é? Poderia, então, escrever sumariamente?
— Sinto muito pelo incidente ocorrido recentemente. Absolutamente, não há nenhuma
interferência da Gakkai e da Associação sobre o caso.
Assim que ele escreveu, entregou o papel para Titani. Titani leu o manuscrito e olhando outra vez a
face do Presidente, disse:
— Por favor, não poderia assinar e carimbar?
— Pois não. Como a senhora é rigorosa!
Com um sorriso forçado, o cavalheiro carimbou o papel, como ela queria.
Titani, até chegou a pensar, quando algo irradiou a sua mente. — Como é compreensível esse
Presidente! Devem ser raras as pessoas formidáveis como ele. São justamente pessoas como ele, que
merecem receber o Chakubuku.
Entretanto, percebeu que isso estava fora de seu objetivo, naquele dia. Titani, com o memorando na
mão, sorria com satisfação. Queria mostrar a prova a Izumida, o quanto antes. Cumprimentando
reiteradamente com gentilezas, Titani saiu da sala. A funcionária estava esperando com um sorriso
característico.
Titani dirigiu-se imediatamente para o 'Jornal da Mulher'. Guardava no peito, a mais preciosa
prova da vitória. Levando-a consigo com o máximo de cuidado, correu apressadamente, sentindo o coração
pular de tanta alegria. O trajeto, apesar que ser o mesmo, parecia ter mudado de 180 graus em relação à ida,
uma hora antes. Apesar de o sol, as pessoas e as alamedas serem os mesmos, naquele momento, a situação
mudara, isenta de nuvens escuras ou frio rigoroso. Ela sentia como se estivesse correndo numa planície
primaverial, cheia de flores. Não poderia deixar de lembrar o Princípio do Budismo de Mudança da Terra
por Três Vezes.
— Senhor Izumida! Olhe! Como está vendo, tudo foi
resolvido.
Titani passou às mãos de Izumida aquele manuscrito, contendo a vontade de chorar de tanta emoção.
Lendo o memorando, Izumida ficou atordoado por certo tempo.
— Então, o caso foi encerrado, assim, tão simplesmente? Estou desapontado. Eu que preparara
especialmente minha resolução de arriscar a minha vida.. . Está de parabéns! Devo comunicar o quanto antes
para o Mestre Toda.
Ele pegou o telefone.
Era uma noite de reunião de lição do Gosho por Jossei Toda. O primeiro andar da Nihon-Shogakkan
estava repleto de pessoas que se espalhavam até às escadarias. O calor humano formava auréolas, em pleno
calor vaporoso do verão porém, ninguém se mexia para não deixar de ouvir atentamente. O humorismo puro
e espontâneo de Toda no decorrer da lição, fazia explodir periodicamente as vivas gargalhadas salvando a
asfixia do ambiente.
Toda relatou a seqüência do incidente na noite da reunião-de-palestra de Koiwa e que tudo terminara
bem, desde a cabeça do dragão até à cauda da serpente e tranqüilizou as pessoas preocupadas com as
conseqüências eventuais.
— Na longa jornada do Kossen-rufu, surgirão naturalmente, problemas diversos. Porém, em
última análise, não há preocupações. A época transformou-se para que nada possa impedir o poder da Lei
Mística. Isso pode-se dizer tomando como base a diferença entre a época anterior e posterior à guerra.
Por exemplo, observem o caso recente. O atrito com os coreanos é um fenômeno que não poderia ser
experimentado antes da guerra. Eu penso que isso seria o presságio evidente de que o Budismo de Nitiren
Daishonin propagar-se-á do Japão para a Coréia e em seguida para os outros países do Oriente. Já há 700
anos, Nitiren Daishonin dizia isso claramente. Leia a parte final do Kangyo Hatiman Sho, por favor.
Uma jovem levantou-se e começou a ler com voz límpida.
— A Índia é chamada o país da Lua, onde o Buda fez seu advento. O país do sol é o Japão,
onde surgira o Verdadeiro Buda. A lua dirige-se do oeste para o leste. O sol surge de leste, é o presságio do
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retorno do Budismo do Japão para o país da lua. A Era de Mappo estará repleta de poderosos inimigos do
Veículo Supremo que virão evidenciar os benefícios do Fukyo-Bossatsu. Portanto, meus discípulos,
esforcem-se ao máximo.
— Aqui está profetizado exatamente o que está acontecendo atualmente. E como 'Estará repleto
de poderosos inimigos do Veículo Supremo. Não há uma polegada de diferença! Portanto, sinto
profundamente a chegada do tempo.
Jossei Toda disse que "a batalha já está decidida". Fazendo uma análise retrospectiva do referido
incidente, poderá ser certamente afirmada que a vitória ou a derrota já havia sido surpreendentemente
decidida.
Após o incidente, o Quartel General ordenou ao Governo Japonês o controle sobre as organizações
contra os interesses da Ocupação Americana. No dia 8 de setembro, a Liga dos Coreanos no Japão, a União
da Juventude Democrática Coreana e outras foram dissolvidas por serem "organizações que permitem a
violência" e seus bens foram forçosamente confiscados. Seria desnecessário citar aqui os detalhes e o fundo
da questão.
Hatsu Titani conta com 72 anos, neste ano, porém, seus cabelos não são tão brancos e aparenta
cincoenta anos. Trabalhando com vigor e jovial idade, goza o resto de sua vida. Sua primeira filha dedica-se
dia e noite como uma das principais dirigentes da Divisão das Senhoras.
Por outro lado, de Kaneki há muito tempo ignora-se o seu destino, mas surgiu a notícia de que ele
está em tratamento de doença há muitos anos'. Sabe-se que Yuriko obteve o divórcio, continuou persistindo
na fé e atualmente esforça-se como líder de grau médio, vivendo tranqüilamente. Passados dez anos, após o
incidente, o irmão mais novo de Kaneki converteu-se e agora ele se esforça para a propagação da Lei Mística
como líder de grau médio. Por intermédio dele, soube-se que aqueles companheiros, com muito pesar, já
morreram.

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As Ondas Crescentes
Joga-se uma pedra em uma lagoa. Surgem ondas concêntricas que se espalham. Fenômeno
semelhante pode ocorrer em uma estrutura social moderna. Quando uma nova política administrativa de
caráter artificial é posta em prática, isso repercute em todas as camadas sociais como ondas crescentes, cujo
alastramento é impossível de se deter.
A mudança da política administrativa da Ocupação do Japão apareceu na prática, no ano de 1949,
em forma de execução da meta objetiva dos 'Nove Princípios para a Estabilização da Economia', chamada
'Linha Dodge'.
A aplicação imperiosa dessa meta visava à restauração da economia e produção, porém, isso veio a
sacudir a vida diária de toda uma nação.
Assim como uma onda provocada por uma pedra espalha-se em toda a superfície da água, a
repercussão desses 'Nove Princípios' foi como ondas enormes num setor social e, num outro, transformou-se
numa avalanche para engolir as pessoas. Em contraposição, num outro setor, surgiram os privilegiados que
montavam sobre a maré alta da sorte, para desembarcar nas costas de um novo e grande empreendimento.
Os negócios de Toda receberam frontalmente a invasão dessa onda. Apesar de tentar a aplicação de
diversas medidas defensivas, ele foi obrigado a lutar dura e penosamente como aquelas pequenas e médias
empresas que não possuíam o capital suficiente em reserva. Pode-se dizer que a restauração econômica do
Japão após a guerra teve sucesso à custa das falências das empresas pequenas e médias. Assim como
inúmeros jovens eficientes desapareceram nos campos de batalha, numerosos e eficientes produtores das
incontáveis pequenas e médias empresas foram sendo absorvidos pelas grandes empresas.
Não obstante, a palavra "desnutrição" era cada vez menos ouvida entre as pessoas desde 1949. Dessa
época em diante, o povo conseguiu enfim, libertar-se da situação crônica da fome.
No período da guerra e pós-guerra, quantos milhões de japoneses foram mortos sob o domínio da
doença chamada 'desnutrição'! Nessa época, um poeta declarou indignado no rádio:
— A desnutrição seria a 'morte pela fome'. A nação lutava desesperadamente contra a 'morte pela
fome', apesar do corpo desnutrido. Notavam-se nas ruas homens com os colarinhos bem frouxos, mulheres
com a face encovada e com calças 'Mompe' e numerosos órfãos de guerra com a face envelhecida. — São
quadros que descrevem a severa e a tenebrosa infelicidade que são inimagináveis hoje em dia, mas que
naquela época podiam ser vistos corriqueiramente.
A luta contra a morte pela fome, que um dia viria a invadir inevitavelmente, transformava-se num
movimento chamado "Dai-nos o Arroz" e as demonstrações violentas assolavam o país inteiro. Faltava a
ração absolutamente necessária para viver. O Governo japonês não tinha forças para isso. A Força de
Ocupação distribuiu os alimentos importados para salvar a emergência e preencheu o estômago vazio do
povo com farinha de trigo e outros cereais. Ao mesmo tempo, a fim de evitar as epidemias, usou grande
quantidade de inseticidas, prestando assim, serviços para a Saúde Pública. A Força de Ocupação foi
agradecida pela nação japonesa em virtude de dois pontos: a distribuição de mantimentos e a ajuda à saúde
pública.
Ainda que sacudido pelas ondas torrenciais dessa inflação, Toda dirigia seriamente o leme do
barco, ampliando os seus negócios e vinha desse modo atravessando a crise depressiva. Entretanto, foi
obrigado a enfrentar novas ondas bravias chamadas "Nove Princípios da Restauração Econômica" que visava
deter a inflação e estabelecer uma economia auto-suficiente. Ele deveria, talvez, enfrentar a situação,
reorganizando e reduzindo os seus negócios. Entretanto, sendo um empresário ativo e objetivo, possuidor de
senso de humanismo apreciável, não permitiu que os empregados que vinham lutando em companhia dele
fossem despedidos sumariamente para depois suportarem a fome.
Durante o trabalho, muitas vezes surpreendia os outros com suas decisões espetaculares. Ao mesmo
tempo, estendia suas mãos para aqueles que iam mergulhando na miséria e isso também foi motivo de várias
surpresas para os que o conheciam.
Portanto, o empresário chamado Jossei Toda era totalmente destituído de atitude fria e desumana, o
que seria a primeira condição para ser um empresário da atualidade. O "homem pássaro como cotovia" teve
que se recolher naturalmente ao retiro. Todavia, com o decorrer do tempo, seus negócios começaram a
declinar também em conseqüência da aplicação dos "Nove Princípios" no mundo econômico.
Dessa época em diante, as condições nutritivas do povo começaram a mudar para melhor,
concomitante com o aumento da importação dos gêneros alimentícios. Prova é que surgiram as reaberturas
de bares e restaurantes e a venda de verduras no mercado livre em fevereiro.
Os gêneros alimentícios chegaram a atingir quase o nível mínimo da necessidade do povo, porém, a
sua vida diária, como sempre, continuava difícil. Tornou-se urgente a necessidade da estabilização da
economia da nação. Justamente nessa ocasião, tornou-se necessário para os E.U.A. transformar urgentemente
o Japão numa fortaleza avançada para a defesa da Ásia, em virtude do antagonismo do Oriente e do
Ocidente. Conseqüentemente, as duas necessidades, quer internas ou externas, obrigavam antes de mais nada
promover a autonomia da economia estável do Japão.
O que o Governo americano ordenou ao General MacArthur, foi a execução dos "Nove Princípios
para a Estabilização Econômica", a fim de fazer atingir urgentemente essa meta. Nessa época, nos ofícios
enviados para o Segundo Gabinete Yoshida, o conteúdo era surpreendentemente coercitivo, apesar de estar
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sob regime de ocupação.
— . . . Também esse apelo é para deixar temporariamente uma parcela de liberdade e do direito de
privilégio admitido para uma sociedade livre, a fim de fazer valer as austeridades crescentes em todos os
setores da vida dos japoneses. Os planos que fazem retardar e sabotar a realização dessa meta, deverão ser
reprimidos como sendo atos que ameaçam o bem estar da comunidade.
A nação, uma vez libertada do regime militarista, mal chegou a sentir o alívio, é subitamente forçada
a abandonar uma parte da liberdade e do direito de privilégio reconhecidos pela Constituição.
Então, qual era o conteúdo desses "Nove Princípios"? Os artigos principais são os seguintes: 1.o) O
balanço total do orçamento vigente (para deter a marcha da inflação). 2.o) Limitação rigorosa do
financiamento (para controlar os empréstimos). 3.o) Congelamento dos pagamentos (para deter o aumento
dos salários). 4.o) Intensificação da fiscalização no controle dos preços (para fazer reduzir o preço do arroz e
controlar os negócios grandes e centralizados). Até parecia que estava retornando à época do controle
econômico em plena guerra.
No dia l.o de fevereiro, logo após o término da eleição geral, Joseph M. Dodge, Presidente do Banco
Detroit, chegou ao Japão, como Conselheiro Supremo da Força de Ocupação para a política econômica-
financeira. Sua missão era evidentemente a execução dos "Nove Princípios Econômicos", sob a direção do
Governo de Washington. Na entrevista de 7 de março com os jornalistas, ele criticou severamente a situação
econômica do Japão.
— A economia do Japão não está com os pés no chão. Até parece estar montada sobre um cavalo de
bambu. Um dos pés está sobre a ajuda dos E.U.A. e o outro sobre os subsídios internos. Se os pés crescerem
demasiadamente, haverá o perigo de cair perdendo a cabeça. Há uma necessidade imediata da restrição.
O seu plano de reforma foi enviado ao Ministro da Fazenda Hayato Ikeda no dia 22 de março, com o
orçamento a ser exercido no ano de 1949.
Era um orçamento com superávit, eliminando todo o déficit. Dodge disse: "Como o óleo de castor, é
difícil de tomar, porém, é necessário que o engulam". Pode-se dizer que o' qualificativo de "óleo de castor"
foi realmente merecido.
A execução coercitiva da política do balanço financeiro começou com a suspensão dos novos
empréstimos emitidos pelo Banco de Financiamento para a Reconstrução. O empréstimo foi restringido e o
fornecimento foi totalmente abolido. Além disso, os subsídios para certas indústrias específicas foram
também interrompidos. Até então, as indústrias de produções importantes como o carvão, o ferro, a soda
cáustica, o sulfato de amônio, etc, dependiam da ajuda de 37 a 70% do Banco Financeiro. Portanto, o círculo
industrial teve que suportar repentina e inesperadamente esse pesado golpe.
Para contornar a situação, o Governo tentou elimiar o débito nacional através da aplicação do
orçamento do superávit e dos outros meios, financiando para os bancos em geral e responsabilizando os
fundos para as indústrias importantes. Além disso, os bancos comuns adotaram um organismo para exercer a
política de restrição monetária selecionando rigorosamente as indústrias. Conseqüentemente, as indústrias
médias e pequenas caíram na extrema falta de fundos.
Em última análise, e aplicação coercitiva do Plano Dodge trouxe o pânico financeiro para todos os
empresários.
O empresário Jossei Toda tentou superar esse pânico aplicando medidas corajosas. Para isso, pensou
organizar um pequeno sistema bancário a fim de criar um fundo para os seus negócios. Nessa ocasião, em
junho desse ano, chegou uma proposta oportuna.
Kurikawa que logo após a guerra alugou uma sala que serviu de escritório provisório para Toda em
Meguro, procurou-o inesperadamente. Ambos prosseguiram diálogos sob assuntos variados, mas, a certa
altura o tema central passou para a organização de um sistema bancário.
Kurikawa, vereador de Tóquio, era um político bem conhecido pelo público e ao mesmo tempo
astuto nos negócios. Percebendo a intenção de Toda, concordava com ele deixando transparecer um brilho na
face dizendo: "E isso mesmo! F isso mesmo!" esmurrando os seus joelhos.
— Estou inteiramente de acordo. Penso que nesta época o caminho da nossa sobrevivência é
obter um órgão financeiro. Não sei como será o resultado, porém, eu tenho uma boa proposta.
Ouvindo a proposta de Kurikawa, Toda pensou. Ele era rigoroso ao analisar as pessoas e o seu
sistema era o de não confiar nunca em certas pessoas, embora fossem conhecidos de longa data e trouxessem
notícias atraentes.
A proposta de Kurikawa era a seguinte: Havia um conhecido chamado Toru Oyi, o diretor geral de
uma cooperativa de consumo que era um oficial de alta classe no passado. Esse homem estava procurando
transformar a cooperativa de consumo em cooperativa de crédito. Porém, não encontrava um diretor de
confiança. Procurava desesperadamente uma pessoa indicada para dirigir esse empreendimento.
— Senhor Toda. Eu posso recomendá-lo tranqüilamente com minha apresentação. Não
desejaria tentar esse negócio? Oyi é um homem de caráter. Porém, é idoso e a
sua habilidade administrativa é muito arriscada. Apesar de pouco eficiente, colaborarei no que puder.
Transmitirei o quanto antes para o senhor Oyi, o senhor me permite?
Toda ouviu a proposta e sorrindo respondeu:
— Como c senhor é prestativo! O assunto não é mau. Porém, não deve ser tão fácil como pensa.
Se não fosse a sua conversa, eu não acreditaria. . .

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— Quanto ao senhor Oyi, não há o que se preocupar. O que lhe dificultaria é a questão da
formalização legal. Os mesmos investidores continuarão pertencendo a uma outra cooperativa e portanto,
não poderão reclamar. Criar uma cooperativa desde o seu início parece que é difícil, mas comparando com
isso, a reforma seria bem mais fácil.
Kurikawa falava de tal maneira que mesmo no dia seguinte parecia poder iniciar o negócio de
crédito. Toda estava pensativo mas perguntou a fim de obter mais segurança.
— Acaso essa cooperativa não estaria às vésperas de uma falência? Eu não poderei suportar
mais os fardos pesados. . .
— Está tudo bem. A situação da cooperativa, embora não seja deficitária, no momento há
poucos lucros por não existir um diretor habilidoso. O organismo em si é sólido, posso assegurar.
— Se isso é verdade, a proposta não é má.
— é isso mesmo! A proposta é ótima. Comunicarei imediatamente ao senhor Oyi. Não quer me
encontrar de novo daqui a dois ou três dias?
— Se é para encontrar apenas, poderei encontrá-lo quando quiser. Vamos resolver tudo na
próxima vez.
— Está bem. Então, comunicarei amanhã mesmo, se for possível.
Kurikawa tentou levantar-se da cadeira para se retirar, porém, lembrando-se de algo perguntou:
— Senhor Toda, como vai o ânimo nos negócios de publicações ultimamente? Há boatos de
que o senhor teve lucros fabulosos. Acertou em cheio, não é?
— Ainda não cheguei a esse ponto. Neste ano começaram a aumentar as devoluções. A inflação
acabou com os negócios publicitários. Agora, estou idealizando as medidas para salvar a situação.
— Não se preocupe. Resolverei com certeza o
assunto. Prepararei um arranjo perfeito e voltarei
depois...
Kurikawa foi embora, mostrando-se confiante. Passados alguns dias, Toda encontrou-se com
o Diretor Geral Toru Oyi. Ouviu a explanação detalhada sobre o trâmite do processo para as formalizações
legais, bem como a situação dos associados. Alem disso, quando abordou o assunto da organização interna,
ele ficou um pouco desanimado. A habilidade do ex-oficial da elite quanto ao empreendimento poderia dizer
que era praticamente deficiente.
O anseio de Toda como empresário, revivesceu fulminantemente nesse momento. — Desde a época
anterior à guerra, ele vinha aumentando sucessivamente o domínio dos seus negócios até que chegou a
englobar 17 empresas sob sua direção. A última empresa era a Companhia de Seguros com estabelecimento
em Kabu-to-Tyo, o "Wall Street" do Japão. Entretanto, com a perseguição do Governo Militar à Soka-
Kyoiku-Gakkai e culminada com a sua prisão, todas as empresas desmoronaram-se e retornaram à estaca
zero. Ele sentia com profundo pesar quão importante era, em última análise, o financiamento do capital para
a manutenção das bases em todas as empresas.
Ele aceitou a proposta de Kurikawa. Entretanto, a transferência dos negócios não era tão fácil como
se dizia.
Essa cooperativa com a longa denominação de Associação Toko de Crédito Mútuo de Compras e
Consumo para a Construção era, nessa época, uma empresa de atividade média, com o sistema cooperativista
baseado na legislação chamada Lei da Cooperativa de Produção. Portanto, estava sob controle do Ministério
da Indústria e do Comércio.
Se transformar a cooperativa de construção para a de crédito, o controle passaria para o Ministério
da Fazenda, de acordo com a Lei. Conseqüentemente, a aprovação do pedido de transferência deveria ser
necessariamente feita por dois Ministérios com dezenas de carimbos burocráticos. Oyi que possuía o
prestígio burocrático, estava confiante na aprovação da transferência, porém, o tempo corria inutilmente.
Na época em que Toda já estava esquecendo isso, o processo chegou até a ser aprovado pelo
Ministério da Fazenda. Estava em pleno outono. A Cooperativa de Crédito para a Construção Toko foi
inaugurada pelo Diretor Geral Toru Oyi e o Diretor Administrativo Jossei Toda. O escritório foi estabelecido
no primeiro pavimento do prédio da Nihon-Shogakkan. A maioria dos empregados do escritório eram
empregados da Empresa Publicitária de Toda. Os negócios da Empresa foram dissolvidos inicialmente. A
responsabilidade total dos novos negócios caía sobre Toda. Ele, por sua vez, dispendia esforços desespera -
dos, a fim de recuperar os sinais de prejuízos dos negócios publicitários.
Uma vez ele confessou: — Naquela época, travei uma luta árdua, despendendo toda a inteligência e
habilidade.
As ondas crescentes dos 'Nove Princípios Econômicos' da Linha Dodge repercutiram até nos
partidos políticos. Naturalmente provocava mudanças drásticas na plataforma política de cada partido. De
acordo com o pensamento atual, parece que a intuição dos políticos daquela época era pouco sensível.
O Gabinete Yoshida que conseguira obter a maioria absoluta na eleição geral, estava repetindo como
uma canção, as suas promessas políticas feitas na época da eleição — Eliminar o controle pelo Governo,
abolir os impostos elevados, restaurar as empresas pequenas e médias, liberar a quota e o preço do arroz e
elevar o salário para aumentar a eficiência. Essas promessas em público, talvez fossem ampla e fortemente
de encontro com o povo de pós-guerra que sofria miseravelmente para viver. Isso fez com que os Partidos
Democrático e Liberal crescessem predominantemente na Dieta. Entretanto, com a aplicação dos Nove
Princípios Econômicos, o Partido Democrático e o Liberal abandonaram a promessa política desculpan-do-
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se, dando motivos sucessivos. O poder político da maioria absoluta transformou-se, portanto num poder de
promoção para a execução dos Nove Princípios Econômicos.
Nessa época, a ala progressista como os Partidos Socialista e Comunista foram, naturalmente,
aplaudir a Linha Dodge. Muitos ficaram desapontados pelos aspectos ridículos e instáveis daqueles que
cortejavam a época.
As declarações de MacArthur e Dodge devem ter sido rigorosas e enérgicas. Pode-se dizer que os
políticos da linhagem progressista não possuíam senão uma visão extremamente otimista e míope quanto aos
tipos de repercussões que surgiriam em conseqüência das mudanças drásticas na política de Ocupação.
Mossaburo Suzuki, o chefe dos pesquisadores da política do Partido Socialista do Japão, disse que
esses Nove Princípios Econômicos eram ordens baixadas de Washington para o Gabinete Yoshida, após os
julgamentos importantes, com o fim de transformar a economia do Japão num sistema livre de "Laissez-
faire". Todavia, esse julgamento não foi ordenado para o Japão em si. Nasceu claramente da necessidade de
os E.U.A. mudarem a sua política externa. O chefe dos pesquisadores talvez não chegasse a descobrir essa
causa original.
Os líderes da Confederação dos Trabalhadores (Sodo-mei) e de outras organizações dos operários,
apoiaram os Nove Princípios Econômicos dizendo "é a chance absoluta para concretizar a economia
independente". Não seria isso como o drama de um sapo que vive no fundo do poço, ignorando o vasto
oceano? O Partido Comunista do Japão manifestou-se precocemente dando o seu parecer pela Secretaria no
dia 19 de dezembro de 1948, logo que foram publicados os Nove Princípios pelo Quartel General no dia 18.
— Os Nove Princípios para a Restauração Econômica, anunciados recentemente, significam que o
Governo Japonês tem o dever de cumprir fielmente, de acordo com a Rendição Incondicional imposta pela
Declaração de Pots-dam e conforme os Termos de Rendição. Indiscutivelmente torna-se um princípio básico
para a restauração econômica do país, depois da guerra.
Houve um crítico que comentou: "Até parecem os dizeres que os administradores civis do Quartel
General desejassem manifestar!"
O Congresso das Organizações Industriais sob influências comunistas, numa conferência dos líderes
realizada alguns dias depois, manifestando o seu apoio aos Nove Princípios, declarou: "Esses princípios são
os objetivos da nossa conquista para a restauração industrial da nação e unidos lutaremos com as nossas
mãos até conseguirmos a vitória.
Desse modo, a imposição dos Nove Princípios para a Restauração Econômica, apoiada por todas as
classes trabalhadoras foi executada de 1949 a 1950. Quando analisamos quais foram as influências exercidas
sobre os trabalhadores do país, sentimos tristezas dolorosas ao percebermos que não há outros causadores de
maior infelicidade para a nação, do que os políticos tolos em qualquer época, a massa popular nunca deverá
ser ignorante. O público deve fiscalizar sempre a política e os políticos em todas as épocas. Eis a base
fundamental onde se apóia a construção de uma verdadeira democracia e a tranqüilidade de uma nação.
Com o apoio total dos sindicatos trabalhistas e de todos os partidos políticos, o Quartel General
conseguiu realizar imponentemente o prosseguimento da aplicação dos Nove Princípios.
Confrontando-se com o primeiro dos Nove Princípios que regula a restrição do balanço
orçamentário, tor-nar-se-iam inevitáveis as reformas administrativas e o reajustamento da situação das
empresas.
Em outras palavras isso seria o desemprego em massa. As pressões políticas foram sendo exercidas
com esse propósito em todos os setores. A revisão das leis trabalhistas e a promulgação dos regulamentos da
Segurança Pública prosseguiam apressadamente em todas as prefeituras, cidades e vilas.
A imposição dos Nove Princípios causou a diminuição e o retardamento dos pagamentos pelos
fundos do Governo e das restrições do pagamento bancário e conseqüentemente surgiram os atrasos ou
suspensões nos pagamentos dos salários. De acordo com a estatística do Departamento de Padronização do
Trabalho, foram registrados de fevereiro a dezembro de 1949, 13.741 incidentes com o prejuízo de
8.570.000.000 ienes. Além disso, a falência das pequenas e médias empresas atingiram 10.546 nesse
período, com a demissão de 435.000 trabalhadores. Na realidade, deve ter sido maior o número de pessoas
que sofreram as conseqüências, mais do que se mostrava na Estatística Oficial.
Quanto às grandes empresas, sabe-se que o 'Reajustamento Industrial' agiu de início com a demissão
dos trabalhadores. Era um reajuste de grande escala, tão surpreendente como por exemplo: demissões de
3.000 dos 8.000 operários da Metalúrgica Daido, 3.500 dos 10.000 da Elétrica Nihon, 2.800 dos 6.700 da
Elétrica Oki e 4.500 dos 22.000 da Indústria Toshiba. Seria milagre para a sociedade inteira se isso não
provocasse agitações.
Além disso, no setor dos funcionários públicos e dos operários das empresas estatais, o
'Reajustamento Administrativo' lançou o plano ameaçador para demitir imediatamente as 420.000 pessoas.
Para forçar a execução desse plano, o governo teve que eliminar todos os seus obstáculos.
No dia 11 de maio, o ante-projeto de 'Lei da Seleção do Pessoal pelos Órgãos Administrativos'
chegou à Dieta e foi aprovada pela maioria absoluta, forçada pelos Partidos Conservadores.
A "elaboração" da Lei da Seleção do Pessoal pelos Órgãos Administrativos, visava facilitar a
demissão dos funcionários. Até então, mesmo que eles fossem demitidos, possuíam o direito de exigir a
revisão e a investigação das controvérsias. Entretanto, com essa Lei, o direito dos sindicalizados foi suspenso
pelo menos temporariamente.
São os homens que fazem a lei. Através da Lei, pode-se controlar as pessoas como desejarem. Nunca
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se deve mandar para a política, os homens que revestem a capa do poder de autoridade.
As ondas crescentes de uma pedra chamada "Nove Princípios para a Restauração Econômica"
repercutiram em todo o país, em poucos dias, como ressonância de dez mil ondas. Uma ordem como se fosse
um temível gigante, convulsionou o arquipélago japonês. Ninguém podia deter a devastação dia por dia do
indivíduo e da sociedade, apesar de viver na mesma família, vestir o mesmo uniforme de trabalho, estar em
serviço na mesma ferrovia ou na mesma fábrica.
Os sindicatos dos operários lutaram entre a vida e a morte na defesa do trabalho contra o fechamento
das fábricas por medida de emergência. Apesar disso, as suas lutas eram ingratas por estarem contra as leis
da Reforma dos Sindicatos, da Revisão das Relações Trabalhistas, da Seleção do Pessoal dos órgãos
Administrativos e da Segurança Pública. A época era totalmente diferente do tempo da greve de 1.° de
fevereiro. Além disso, os passos dos Partidos Progressistas que apoiaram os Nove Princí pios, foram se
desagregando diante da situação agravante e os antagonismos entre os partidos da direita e da esquerda
tornavam-se decisivamente sérios.
A Ferrovia Nacional tomou atitudes decisivas ameaçando demitir os 12.000 funcionários,
obedecendo à Lei da Seleção do Pessoal pelos Órgãos Administrativos. Os jornais começaram a anunciar
diariamente o desencadea-mento de acidentes provocados por sabotagens nos trens. O clima de insegurança
tornava-se cada vez mais intenso e naturalmente uma tensão atemorizadora deve ter-se intensificado no país.
No dia primeiro de julho de 1949, um Departamento da Ferrovia Nacional anunciou o 'Padrão de
Reforma' e o número de funcionários a serem demitidos. Além disso, no dia seguinte anunciou o
rompimento dos contratos coletivos.
No dia 4, a Lei da Seleção do Pessoal começou a ser executada e a primeira notificação das
demissões atingiu 30.700 pessoas. No dia 5, a União dos Ferroviários Nacionais e a União dos Empregados
de Comunicações fizerem declarações conjuntas tentando entrar em protestos conflitantes.
Nesse momento, o Presidente da Ferrovia Nacional Shimoyama teve repentinamente o seu destino
ignorado em plena luz do dia em Mitsukoshi. Nihombashi, Tóquio, e na madrugada do dia 6 foi encontrado
atropelado por um trem entre as estações de Kita Senju e Ayasse da linha Joban.
Os jornalistas inquiriram as relações causais na treva dos bastidores, porém, não conseguiram obter
provas para confirmar se fora suicídio ou assassinato.
A convulsão social era intensa e a posição da União dos Trabalhadores teve o decepcionante início
da sua manifestação. Poder-se-ia dizer que a morte do Presidente Shimoyama foi o primeiro sucesso captado
pelos trabalhadores da Ferrovia Nacional.
Passados alguns dias, no dia 15, à noite, surgiu um outro acidente misterioso. Um bonde recolhido
na estação de Mitaka, de repente, correu sozinho e penetrou numa residência matando 5 pessoas e ferindo
13. Eram surtos sucessivos de casos temerosos. Trinta minutos após o acidente, espalhavam-se boatos de que
os comunistas planejavam sabotagens.
Não obstante, o Governo prosseguiu com ataques persecutórios declarando a segunda demissão de
cerca de 62.000 pessoas no dia 12. Os trabalhadores de todas as ferrovias nacionais protestaram
abandonando os locais de serviço, recusando passageiros e fazendo greves "in loco". Porém, os sindicatos
foram se desagregando para a direita ou para a esquerda, perdendo assim, o controle central na comissão de
protestos.
Não há vitória onde há desunião. Embora houvesse isso, seria momentâneo, sujeita a ser derretida
como a neve e até poderia ser o ponto de partida para um novo círculo vicioso. O que é fundamental e
importante na luta é a união em primeiro lugar e o que há de mais temível, é a desagregação. Esse princípio
não mudou no passado, é imutável no presente e será o mesmo no futuro.
O Departamento de Investigações prendeu os nove comunistas e um não-comunista na estação de
bonde, Mitaka. A imprensa anunciava que era um crime provocado pelos comunistas, porém, após o
julgamento foram sentenciados inocentes considerando que a junta de conspiração era uma "organização
fantasma". Até mesmo a confissão de Takeuti, o detido não-comunista, não constitui provas que pudessem
incriminá-los. Casos misteriosos incompreensíveis ao povo, estavam acontecendo uns após outros.
Pode-se dizer que os acidentes sucessivos de Shimoya-ma e Mitaka fizeram com que levassem
êxitos espetaculares em represália contra as demissões dos trabalhadores da Ferrovia Nacional por duas
vezes. No dia 21 de julho, a empresa da Ferrovia Nacional anunciava o fim da execução da demissão de
95.000 trabalhadores. Nesse ínterim, o Sindicato dos Ferroviários Nacionais dividiu-se em dois partidos, o
da União e o da Democracia, e retirou-se derrotado diante da imposição dos Nove Princípios.
Onde existe a ruptura em partes, não pode haver vitória. A empresa, aproveitando-se da ruptura da
cúpula executiva do Sindicato, promoveu a agitação entre os sindicalizados e realizou a demissão em massa,
de uma só vez. O que se deve temer é p perigo da ruptura da organização.
Uma tigela partida não volta como era antes. Se analisar a causa remota dos aspectos atuais dos
sindicatos trabalhistas partidos em facções, pode-se dizer que já havia origem desde essa época. Enfim, a
tigela rachada não voltou a ser como antes. Não seria então necessário o nascimento de um novo sindicato
trabalhista como uma tigela totalmente nova para satisfazer às exigências da época?
A demissão dos empregados da Ferrovia Nacional e da Comunicação Estatal previamente
considerada como sendo uma questão mais difícil, já atingira a sua meta. Conse qüentemente, as ondas
crescentes do desemprego propagavam-se como ondas enormes sobre as empresas particulares. A indústria
Toshiba estava sendo vista como a linha de maior atrito. Já em outubro de 1948, tinha-se anunciado a
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demissão de 10.000 empregados, mas o Sindicato lançou o plano de reconstrução e estava sendo levada a
luta, para a produção controlada.
Todas as fábricas do país da firma Toshiba travavam lutas em grande escala para a defesa da
produção e da comunidade, envolvendo as populações locais para que não houvesse nenhuma demissão.
Conseqüentemente, os administradores da empresa resignaram-se assumindo suas responsabilidades. Em
substituição, entrou a turma de Taizo Ishikawa, que não conseguiu mudar a posição dos trabalhadores.
Entretanto, no dia do "Incidente Shimoyama" de 5 de julho, anunciou-se a demissão em massa de
20% dos empregados, ou 4.581 pessoas e no dia 16 de julho, um dia após o "Incidente Mitaka" anunciou-se
o aviso prévio individual para os empregados. Todas as fábricas do país, apesar de os sindicatos estarem
desagregados, entraram nas ondas da greve, travando lutas de vida ou morte para defesa.
Nessas circunstâncias, no dia 17 de agosto, houve o descarrilhamento de um trem às 3 horas da tarde
perto da estação de Matsukawa, na linha principal do Nordeste. O trilho havia sido despregado por alguém.
Morreram três passageiros. Em Matsukawa havia uma fábrica da firma Toshiba em plena greve de 24 horas.
Vinte operários da Toshiba e da Ferrovia Nacional foram presos. Os três incidentes sucessivos, Shimoyama,
Mitaka e Matsukawa ocorreram no período de um mês e o povo daquela época, acreditava naturalmente que
fossem causados por sabotagem dos comunistas e dos operários sindicalizados. Favorecido pelos sucessivos
incidentes, o Presidente Ishikawa declarava orgulhosamente que em fins de agosto, as demissões haviam
sido encerradas.
Eis a derrota da união dos trabalhadores. A linha de combate dos operários foi sendo vencida e
envolvida por uma cerração negra e enigmática.
O que se faz lembrar aqui, é a facilidade com que os administradores conseguiram obter as suas
pretensões de executar as demissões em larga escala, numa circunstância trabalhista sem precedentes na
história, e resolver tudo praticamente sem lutas evidentes.
Muitos podem aventar as hipóteses que levaram à maior derrota dos trabalhadores. Um dos motivos
deve ser a mudança do sentido político dos sindicatos trabalhistas.
Entretanto, a causa original pode ser percebida na fraqueza da própria união trabalhista que se
orgulhava da sua organização, como sendo de grande escala.
A união dos trabalhadores de pós-guerra foi criada pelo incentivo da "Emancipação Dirigida" pelas
Forças de Ocupação e poder-se-ia dizer que era o "Sindicato dos Trabalhadores de Potsdam". Em última
análise, era o Sindicato criado de pai para filho como um meio para a democratização do Japão.
Mesmo no seu apogeu antes da guerra, atingia apenas 400.000 membros que seria 7% de todos os
operários do país. Em apenas 3 anos após a guerra atingiu a 6.600.000 que abrangia 50% dos trabalhadores
do país em 1948. Portanto, foi organizado de maneira formal e apressada. Apesar de que tivessem a
consciência de serem empregados das fábricas, poder-se-ia dizer que a consciência da maioria dos operários
como um membro do sindicato trabalhista era ainda prematura.
Já em 1949, havia uma diferença considerável no entendimento entre os líderes sindicais e os
membros em geral, embora isso não fosse perceptível. Tão logo os líderes eram perseguidos, os membros em
geral transformavam-se como que em revoadas de pássaros.
Na ascensão ou queda de uma organização para as massas, estava inteiramente em jogo a
responsabilidade das orientações dos líderes. Os líderes sindicais incompetentes no poder da direção,
deveriam ser acusados e repreendidos por serem causadores das corrupções dessa natureza.
Enfim, o Gabinete Yoshida conseguiu estabelecer com sucesso, as condições prévias para a
reconstrução do Japão capitalista, quatro anos após a cessação do fogo. Nos bastidores havia vítimas com
sacrifícios enormes em conseqüências das reformas empresariais cruéis, das atitudes administrativas frívolas
e dos regressivos movimentos dos trabalhadores. Seria mais correto dizer de antemão que tudo foi levado a
efeito pelas Forças de Ocupação, do que pelo poder do próprio Gabinete Yoshida. A seguir, a sua maioria na
Dieta foi criando uma força administrativa cada vez mais decisiva, acompanhando o ritmo da execução dos
programas do Quartel General.
O início da partida do "Longo Período Administrativo de Yoshida" por um período de seis anos
dentro da história política moderna do Japão, pode-se dizer que correu sobre a exterminação radical das
forças de oposição daquela época. Havia críticas diversas, chamando-o de inteligente, astuto ou covarde,
conforme a opinião das pessoas.
Apesar de o povo ultrapassar a linha de fome, o seu alívio era curto, pois, logo entrou no período
crescente de desempregos. Encontrar um novo emprego em meio à depressão econômica era uma chance
muito rara. Não eram poucos os que procuravam o instituto de Previdência, tornando-se servente que ganha
por dia. Os que não conseguiam empregos, após vários dias de procura, chegavam até a depredar o Instituto
de Previdência.
Os desempregados resignados tornavam-se carregadores de arroz do câmbio negro para ganhar o pão
de cada dia, e mudavam de vida tornando-se viajantes de trens noturnos que ligavam a cidade e a zona
agrícola. A fiscalização policial era também rigorosa. O arroz do câmbio negro obtido após tantos sacrifícios
era confiscado totalmente. Em todas as estações perambulavam as pessoas que não tinham mais o que
chorar. Além disso, não havia lugar onde pudessem descarregar os lamentos e os descontentamentos.
A pobreza política! Não há outro fenômeno que mais ligue diretamente à infelicidade das massas. A
agonia do desespero em conseqüência da derrota! Para o povo, não existe outro sofrimento maior do que
este. Deve mastigar minuciosamente as vergonhas dessa época, para nunca mais repetir a mesma tolice no
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futuro.
As pessoas que haviam perdido os sonhos e as esperanças, riam-se mutuamente, cada qual relatando
a sua situação. Era uma época terrível em que isso se tornava às vezes um meio de consolo para as pessoas
sérias.
Jossei Toda dedicava seriamente os seus esforços, dia e noite, no prosseguimento rigoroso das lutas,
sob esse clima de niilismo que reinava em todo o território japonês. Ainda seria melhor, se fosse o ceticismo,
pois, o niilismo significa o estado de espírito humano que perdeu a fé em tudo o que poderia acreditar.
Ele possuía o Budismo de Nitiren Daishonin, digno de fé sem arrependimento, mesmo que arriscasse
a vida.
Desde aquela época em que se levantou sozinho num canto da planície incendiada, a sua luta
decisiva e árdua que se estendeu por 4 anos, chegara enfim, a criar nesse verão, mais de cem orientadores
para o Distrito. Esses discípulos começaram a trabalhar dedicando-se todas as noites às Reuniões-de-
Palestras em diversos lugares. Desde a área de Tóquio metropolitano até os subúrbios, o número de reuniões
atingiu 37 a 38 locais. Mesmo as reuniões promovidas tendo na liderança os jovens, podi am-se contar 17 a
18. Mensalmente as conversões chegavam a aproximadamente 70 famílias.
"A jornada de mil milhas começa com o primeiro passo. Forte é aquele que caminha à frente com
passos firmes. Na hora em que voltar os seus olhos para trás, a fim de saber quantas milhas caminhou,
perceberá nesse momento, a alegria da sua própria jornada".
Havia uma esperança radiante nesse grupo de recons-trutores da Gakkai, que então partira para um
objetivo comum, em número pequeno porém firme. Percebiam-se os passos rítmicos de uma união sólida.
As lições do Hokekyo que começaram com apenas quatro pessoas em janeiro de 1946, até à
cerimônia de encerramento do 8.o curso em julho de 1949, foram aprovadas cem pessoas de uma só vez,
com os pioneiros do Kossen-rufu.
O novo curso que se iniciou em setembro, era freqüentado por mais de cem pessoas que nas
tardinhas das segundas, quartas e sexta-feiras chegavam até ao segundo pavimento do prédio Nihon-
Shogakkan, uns mais apressados do que os outros.
O Quarto Curso de Verão realizado nesse ano, atingiu mais de 200 participantes e o congresso da
peregrinação apresentava um ânimo sem precedentes. As provas dos benefícios relatados pelas pessoas
brotavam-se em conjunto, como se fossem uma florada. Nesse período de cinco dias, o número de pessoas
que contaram os benefícios surpreendentes pela própria espontaneidade, atingiram a 62 e isso atesta a prova
real.
A cerimônia da 6.a Comemoração do Falecimento do ex-Presidente Makiguti foi realizada no dia 18
de outubro no Kankiryo Nakano, Tóquio (atual Templo Shorinji) onde se reuniram 80 pessoas. Dentre essas
pessoas, a maioria era de novos membros que não conheciam o Presidente Makiguti enquanto vivo.
Em contraposição, os líderes da época do Presidente Makiguti e que se afastaram da Gakkai de pós-
guerra, estavam totalmente desaparecidos. Poder-se-ia dizer que o tempo já estava começando a mudar de
conformidade com a época.
Toda, percebendo tal situação, concluiu o seu discurso dessa noite do seguinte modo:
— Aqueles que não esquecem que são discípulos de um herói mundial e que ouvem sinceramente o
Hokekyo por meu intermédio, peço estarem convictos de que são magníficos discípulos do Presidente. O
meu desejo para o futuro é comemorar anualmente a data do falecimento em escalas cada vez maior pelo
apoio dos discípulos que não puderam conhecê-los em vida. Apesar de não o conhecerem com vida, afirmo
sem receio que tais pessoas são os reais discípulos do Presidente Makiguti.
Sinceramente, ele estava contente porque após muitos esforços e dedicação os brotos das novas
sementes que ele tanto ansiava estavam começando a crescer.
Ele percebia que isso era um bom presságio para a construção de uma nova época.
A primavera estava se aproximando com o desabro-char das primeiras flores. Ele sabia
perfeitamente que tudo se resolveria se conseguisse obter as pessoas que vivem, constroem e lutam nessa
época.
No dia 23 de outubro foi realizada a 4.ª Convenção. A platéia e a arquibancada do salão da Sede
Educacional, estavam lotadas desde cedo. Muitas pessoas tiveram que sentar até nos corredores. Era a mais
rigorosa convenção dentre todas as outras que ocorreram no passado.
O Sumo Prelado Nissho-Shonin, o ex-Sumo Prelado Hori-Shonin e outros Reverendíssimos que
tinham vindo do Templo Supremo, estavam honrando com suas presenças. Entre eles, o Reverendo Hossoi
(o atual Sumo-Prelado) assistindo a animada convenção no início do seu discurso, disse:
— O Diretor Geral Toda, disse na Primeira Convenção, logo após a guerra, que iria mostrar este
salão totalmente cheio dentro de três anos. Sinto realmente uma alegria imensa ao ver hoje a sua promessa
realizada com a presença de seguidores da Nitiren Shoshu lotando completamente este enorme salão. . .
O Reverendo Hossoi desviou o olhar para Toda, com o rosto cheio e sorridente, que por sua vez
abaixou levemente a cabeça com o semblante radiante.
Os presentes que notaram esta passagem aplaudiram explosivamente a ponto de interromperem por
alguns momentos o discurso do Reverendo.
Pela primeira vez, na convenção de pós-guerra, o auditório foi dominado por uma alegria cheia de
convicção. A alegria como o nascer dos novos brotos, começaram a aparecer também em todas as reuniões.
Quando as reuniões se tornaram numerosas, os membros sentiram a falta da presença de Toda que
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não podia ser visto freqüentemente.
Assim sendo, em 27 de novembro foi organizada a primeira reunião-de-palestra conjunta tendo
como local, o Templo Myokoji, em Shinagawa. Eram mais de 200 pessoas presentes. Diante de numerosos
convidados, Toda evidenciava o exemplo de um Chakubuku simples e atraente, vigoroso e excelente. Para os
membros que se encontravam após um longo tempo, ele concedia uma oportunidade para que fizessem
livremente as perguntas e dava orientações minuciosas e rigorosas.
Aproveitando essas oportunidades, ele procurava, eliminar os atritos entre dirigentes e dirigidos para
melhor ampliação da organização.
Enfim, a Gakkai estava crescendo solidamente no 4.º ano da sua reconstrução, numa época em que o
leito da corrente social em geral estava cercado por um clima tenebroso. Sente-se um contraste violento
quando se percebe que a luz da esperança se apaga na vida de uma nação.
Quanto à empresa publicitária de Jossei Toda, não se podia dizer que estava levando vantagens. Não
se podia evitar as ondas convulsivas do mundo econômico, por ser uma parcela de um organismo social ao
todo. O insucesso não foi apenas devido à escassez de recursos financeiros. Sofreu também a prevista super-
produção dos impressos desde o início do ano de 1949.
As grandes empresas publicitárias que possuíam o capital e a tradição reconhecidos desde antes da
guerra, estavam reduzindo o volume de publicações no período de escassez de papel após a guerra. Porém,
quando o ritmo da produção foi restaurado, começaram a publicar rapidamente aquelas revistas que estavam
sendo suspensas, isso era o surto de um movimento novo no mundo da empresa em 1949.
A sua empresa Nihon-Shogakkan publicava mensalmente a revista feminina "Rubi", a revista
infantil "O Menino Aventureiro" e além disso, livros em volumes separados visando à leitura do público
em geral. Desde o início, foram devolvidos os estoques desses livros que não puderam ser vendidos. Então,
ele concentrou mais os esforços, principalmente nas revistas. Entretanto, nessa época, começaram a
aumentar as devoluções até dessas revistas. "Rubi" foi a pior e logo abaixou de preço até ao de custo.
Somente "O Menino Aventureiro" estava razoavelmente seguro. Para incentivar a produção dessa revista,
mudou seu nome para o "O Menino Japonês" em agosto. Porém, a reprodução das volumosas publicações
pelas grandes empresas foi absorvendo o mercado de venda dos impressos da Empresa Nihon-
Shogakkan. Chegando o outono, as devoluções atingiram até 70 a 80%. O preço caíra abaixo do custo e
continuava repetindo os déficits enormes.
Em 25 de outubro, quando com o outono se fazia sentir o frio, o céu escurecia desde o período da
manhã e o tempo sombrio ameaçava chuva. Nesse dia, um pouco antes das nove horas todos os empregados
estavam juntos em frente à mesa de Toda, no segundo pavimento do prédio Nihon-Shogakkan. Okumura que
era o coordenador dos trabalhos do dia, estava lendo os números minuciosamente, desde aquela hora. Era a
voz de um velho desanimado. Eram os números que evidenciavam que o curso do déficit do balanço
negativo era pior. A realidade elucidada francamente, anunciava um perigo desesperador. As devoluções
atemorizadoras apareceram sobre o número, como déficit de vários milhões de ienes por mês.
Os empregados pareciam estar duvidando até dos seus próprios ouvidos. Ninguém estava
imaginando que a empresa estivesse sofrendo tamanho golpe. Além disso, era o segundo dia após o sucesso
da 4.a Convenção. Em seus corações, ainda se conservavam os remanescentes do júbilo daquele momento.
Nos seus afazeres diários certamente eles percebiam que os livros retornavam em pilhas forman do montes.
Estavam cientes de que os pagamentos dos materiais para os impressos bem como dos desenhistas estavam
atrasados. Sabiam também que as papelarias e as tipografias não os recebiam com simpatia. Apesar disso,
havia neles, uma dose de segurança por confiar que pelo menos a empresa seria capaz de superar quaisquer
dissabores da depressão. Além disso, confiavam sinceramente nas atitudes do Presidente da Empresa, Jossei
Toda. Não podiam, portanto, acreditar nesses números fatais.
Com a triste revelação de Okumura, Toda começou a falar, olhando a todos:
— Revelei tudo abertamente para vocês, por serem as pessoas nas quais confio inteiramente. Eis a
realidade. Alguém tem alguma opinião?
Os óculos de Toda brilhavam. Perdendo a fala, ninguém podia se manifestar. Parecia até que haviam
perdido a coragem para pensar. Estavam desapontados. Passado um momento, o Administrador Utiyama
começou a manifestar com voz fraca, balançando a cabeça, como se não estivesse resistindo mais ao
silêncio.
— Senhor Okumura, esses números são verdadeiros?
Com as pálpebras trêmulas, Okumura observava a
fisionomia de Toda a fim de obter a confirmação. Toda, com a fisionomia séria, disse:
— O número é algo rigoroso, é realmente rigoroso. O número não pode mentir. É o resultado
que o senhor Okumura veio calculando desde ontem. Não podemos falsificar um cálculo como nós
desejamos, não é? O resultado desse cálculo é, infelizmente, essa resposta em números.
Aquele total começava a indicar algo a cada um dos presentes. Eles não podiam acreditar no que o
número mostrava, porém, o mesmo não podia mentir. Assim sendo, os trabalhos de cada um iriam cair
totalmente no perigo. Entretanto, de todas as maneiras, eles sentiram amargura por aceitarem a triste
realidade. Perturbados em ordenar o estado de espírito, eles não podiam permanecer senão em silêncio.
Toda continuou suas palavras:
— Os homens são arbitrários, pois, quando as condições lhes são desfavoráveis pensam
livremente, se é branco ou é preto, à sua vontade. Especialmente, isso acontece com os fracos. Entretanto, o
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número não age desse modo. Nunca se pode pensar que menos é mais. Apenas, revela corretamente a
realidade evidente. É necessário, portanto possuir a coragem para reconhecer francamente tal realidade.
Penso que os valores humanos se revelam quando solucionam a realidade baseada nesse número temível.
Isso, pode-se dizer, é a capacidade do homem.
Todos os que estavam observando a face de Toda, tranqüilizaram-se por um momento. Eles
pensaram que Toda conhecia totalmente as medidas necessárias. Todavia, as palavras de Toda eram
diferentes.
— Como poderiam resolver a situação baseada rigorosamente nesse número? Quem tiver
alguma opinião, queira se manifestar. Ainda esse número não exprime toda a verdade. Somente sabemos o
número exato das devoluções dos livros nos três últimos meses. Daqui para frente surgirão devoluções em
agosto, setembro e outubro. A linha ilustrativa da devolução poderá ser ascendente, porém, nunca
descendente. Desejaria que todos pensassem o que irá acontecer nos meses vindouros. Aparecerão como
números ainda mais severos. De nada adiantará se ficarmos desesperados daqui a três meses, deixando que o
tempo resolva por si sem tomarmos providências e não levarmos a sério os números mencionados há pouco.
A situação tornou-se tão séria que não podemos deixar de pensar rigorosamente. De maneira alguma, estou
censurando vocês. Apenas desejaria ouvir suas opiniões sobre como podem ser resolvidos.
A essa altura, os empregados chegaram a perceber a gravidade da situação.
Não havia uma simples brincadeira de Toda a ser ouvida naquele dia. Ele não era o Toda que se via
habitualmente despachando pronta e espontaneamente as instruções eficientes. Era o de uma seriedade total.
A sua testa larga que parecia estar guardando uma certa decisão muito importante, estava ofuscante para a
vista de todos os empregados. Naturalmente, eles não estavam em condições de darem opiniões adequadas
para responderem prontamente. Ao contrário, abaixaram a cabeça sem poderem manifestar algo. Uma
hesitação silenciosa e tensa continuava por muito tempo.
Toda aguardou a reação verbal dos empregados por momentos, mas começou a falar num tom gentil:
— Eu não estaria sofrendo, se tivesse uma idéia excelente. É muito justo que vocês não tenham
opiniões. Eu também pensei seriamente no assunto. Apesar disso, não encontrei nenhuma idéia excelente.
Porém, cheguei a uma conclusão.
Todos levantaram a cabeça ao mesmo tempo e a visão conjunta foi-se concentrando sobre ele.
Toda falou sem constrangimento, porém, tossindo intensamente.
— Quem analisa corretamente a situação interna e externa, poderá chegar a uma conclusão. É
uma conclusão mais do que evidente. — Penso que devemos suspender totalmente as publicações. . . depois
tomarei outra medida. Pode ser que chegue uma outra oportunidade para podermos reiniciar as publicações,
mas, de qualquer maneira, após uma análise comparativa e minuciosa entre o balanço positivo e negativo em
relação à nossa empresa, não há, no momento, outra conclusão. Gostaria que todos concordassem com esse
ponto de vista. Não há tolos que na realidade trabalham intensamente para aumentar cada vez mais o déficit,
não é? Durante o longo período de uma vida, talvez vá de encontro com a estupidez. Já que foi decidida a
suspensão do trabalho, peço dedicarem de imediato, corajosa e intensamente à liquidação da empresa. As
questões ulteriores trataremos na próxima oportunidade. Se ficarem desanimados por causa disso, não se
tornarão homens prestáveis. Liquidem-no limpando-o com o peito erguido. A suspensão da publicação será
penosa para a empresa, porém, isso não estará causando prejuízos aos outros. Absolutamente, não devem ser
pessimistas. Aos que se consideram discípulos de Toda, peço não serem covardes.
No momento em que ouviram "a suspensão da publicação", os empregados mudaram
expressivamente a fisionomia. Percebendo isso, Toda lançou imediatamente palavras de incentivos, porém,
sentia dor no seu coração.
Dois ou três visitantes já estavam esperando numa outra sala. Os empregados voltaram cada qual ao
local do trabalho, porém, o choque recebido era muito grande.
O que surgiu imediatamente na mente da maioria dos empregados após a notícia da "suspensão da
publicação" talvez fosse o de como viver daí para frente. Na mente de cada um, somente havia pensamentos
voltados para si, antes de pensarem em Toda ou na Empresa. Entretanto, não havia um que estivesse
perturbado ou contando seus lamentos ao outros.
Quem recebeu o maior choque foi Shin-iti Yamamo-to. Nessa época, era o responsável pela
publicação de "O Menino Japonês" que estava tendo um sucesso relativamente maior em comparação com as
demais revistas.
Desde que ele ingressou na Editora, no dia 3 de janeiro, vinha dedicando-se inteiramente à
elaboração dessa revista infantil. Ao chegar no mês de maio, tornou-se o responsável direto, pela
transferência do antecessor.
Um novo editor de 21 anos, estava animado após a mudança do título "O Menino Aventureiro" para
"O Menino Japonês" em agosto. Desde essa época, a orientação e a instrução de Toda tornavam-se
repentinamente enérgicas. Ele estava sendo diariamente repreendido, porém nessa oportunidade, desviava
toda sua energia para o trabalho, criando uma nova coragem através da reconsideração perseverante.
Shin-iti Yamamoto depositava seu orgulho nessa revista infantil. À medida em que se ia absorvendo
no trabalho, não resistia ao sentimento de amor e carinho para com os pequeninos leitores, meninos e
meninas. Vendo freqüentemente as crianças que se divertiam nos parques, que choravam após uma briga, ou
que estudavam com o lápis na boca, sentia uma vontade imensa de abraçá-las. O jovem editor pretendia fazer
tudo o que fosse possível para o bem das crianças.
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Sua paixão para com as crianças foi transformando gradativamente o conteúdo das páginas do "O
Menino Japonês". Sobre a superfície das páginas transbordava o sentimento genuinamente infantil e a sua
esperança para o futuro.
Além disso, a sua paixão fazia mover muitos pintores ilustrativos e escritores de novelas infantis.
Em muitas ocasiões em que ele visitava os escritores e pintores, dialogava em torno de assuntos pitorescos
após os negócios. Estava começando a aparecer escritores e pintores que estimavam esse jovem editor, fora
dos contratos do trabalho. Às vezes encontrava-se com a esposa do escritor que, reconhecendo o seu
cansaço, apoiava-o ajudando a obter o consentimento do marido descontente devido a um serviço difícil.
Dessa maneira enfim, atingiu a maturidade no trabalho, encontrando nesse meio a sua razão de
viver. Assim, a sua grande ambição para o futuro começara a crescer em forma de convicção no trabalho.
Descrevendo secretamente no seu sonho uma perspectiva enorme da publicação da revista do Ano Novo,
pulava para todos os cantos empenhando seus esforços nessa elaboração. Talvez tivesse o senso de
responsabilidade em acelerar a prosperidade da Editora.
Ele estava começando o seu entrosamento com dois ou três escritores e alguns pintores capazes e de
confiança. Seu pensamento estava repleto de páginas e páginas da revista do Ano Novo que iria ressaltar o
sucesso.
Pode-se imaginar facilmente o choque drástico dele, quando ouviu sobre a suspensão da publicação
diretamente de Toda. Se o motor do avião a jato parasse, é certo que o aparelho iria diretamente para baixo.
O piloto da revista juvenil foi obrigado a sentir forçosamente a queda do avião estimado "O Menino
Japonês". O desespero irrecuperável bloqueava-o diante dos seus olhos. A sua cabeça caiu no silêncio
mortal. Permanecia desapontado com olhares atônitos em torno da sala e com a sensação de que a terra iria
parar de repente a sua rotação, como se fosse o fim do mundo.
O que o salvou nesse momento, foram as provas da galé a fim de imprimir a revista para dezembro
que o menino da tipografia lhe trouxe. O tempo é precioso na hora atarefada; porém, não há outro tédio pior
do que passar o tempo de sobra perdido, sem trabalhos definidos e animados. Cheirando sem querer a tinta
da galé, foi se absorvendo no serviço, profundamente emocionado porque isso seria o último dos seus
trabalhos. O período da manhã passou num instante. Ele sentiu fome. Deixou a mesa do serviço para sair e
almoçar. Nesse momento, viu Toda jogando xadrez junto com o seu amigo visitante.
Rindo com altas vozes, ele parecia estar realmente divertindo-se. Não se via diferença entre o Toda
daquela manhã e o daquele momento.
— Que mestre grandioso!
Foi penoso compreendê-lo no momento. Porém, em seguida, aos poucos foi sentindo o
reconhecimento dessa personalidade chamada Jossei Toda.
— O mestre está bem. Aquela atitude mostra a disposição de alguém que diz: "Eu lutarei
novamente", ê o aspecto que demonstra o bem estar em quaisquer eventualidades.
Shin-iti Yamamoto não podia esquecer as palavras de Toda ditas alguns dias antes e que ainda
permaneciam retidas em seus ouvidos. Nesse dia, Toda e Yamamoto andavam juntos debaixo da chuva em
Kanda, a caminho de negócios. De repente, ele murmurou, sem deixar perceber o que estava pensando.
— Yamamoto! Na longa existência de uma vida, há
momentos perdidos. A perda de uma linha de combate não
significa a derrota de toda uma existência. Isso é diferente.
Haverá perdas na vida ou nos negócios. Porém, a vitória ou a derrota fundamental da vida não
poderão ser cogitadas sem a visão completa de uma existência. Shin-iti, o jovem apaixonado de filosofia
concordava por vezes, que nisso contivesse uma certa dose de lógica. Porém, ainda estava retido na fase
ideológica. Entretanto, com a derrota de Toda nos negócios, essa questão voltou à realidade. Ele meditava a
sério as palavras de Toda ditas naquele dia.
— O mestre estará bem, ainda que, por ventura a terra pare a sua rotação. Tomando
conhecimento da notícia: "suspensa a publicação", o público irá compartilhar da tristeza, ridicularizará ou
então virá criticá-lo. Surgirão naturalmente concepções falsas e contraditórias, como redemoinhos. Apesar
disso, ainda que o público venha a comentar o que quiser, o mestre será o mestre de sempre.
Certamente, uma personalidade portadora de uma grandiosa missão que é Jossei Toda, deve ser imutável.
Falando francamente, uma rara personalidade chamada Jossei Toda, não poderá ser afogada, mesmo que a
publicação seja suspensa ou que a empresa caia na bancarrota. Isso é um fato consumado sem erro. Sua força
irá superar quaisquer tempestades ou ondas torrenciais. Pode ser que haja momentos submersos no fundo de
um oceano de grandes ondas. Entretanto, a força dessas ondas levará o mestre na crista dessas ondas
vanguardeiras. Nessa hora certamente, o público reconhecê-lo-á e respeitá-lo-á como um grande homem.
Caía uma chuva fina. Shin-iti Yamamoto entrou num restaurante chinês da redondeza e tomou sopa
de talharim. Enquanto caminhava debaixo da chuva de outono ou em plena refeição, o seu pensamento
continuava absorvido desde após o impacto da manhã em busca da personalidade real de Jossei Toda.
— Aconteça o que acontecer, Shin-iti Yamamoto deve ser o Shin-iti Yamamoto de sempre. Minha
pessoa deve ser também imutável. Em quaisquer circusntâncias, a originalidade do homem não deve ser
mutável. Aparentemente, só estaria mudando à vista do público. Assim sendo, os olhos do público não
podem ser confiados no assunto de fidelidade. Seria uma estupidez temer os olhos do público que se movem
conforme o vento. O mestre é imutável. Eu sou também. Ora, só isso não bastaria? Sejam quais forem as
ventanias provocadas pela suspensão das publicações, seria o bastante, se me esforçar dedicando toda a
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minha vida como sempre, sob a orientação do mestre. Se é necessária uma nova reconstrução, não bastaria
nessa ocasião abrir o caminho confrontando infalivelmente quaisquer espécies de obstáculos, suportando
inteiramente em mim, as totais responsabilidades?
Ele voltou ao escritório. Quando sentou diante da mesa, já não havia mais abalo. Estava decidido.
Viu o calendário sobre a mesa. A remessa do pagamento ao pintor estava marcada para a tarde. Além disso,
as pranchas do desenho à pena que seriam imprimidas na revista de dezembro, estavam sendo esperadas
ainda nessa tarde. Reassumiu então as atividades diárias antes dos demais.
Jossei Toda ainda continuava no jogo do xadrez. Shin-iti Yamamoto saiu do escritório com o
pagamento para o pintor. Chuviscava friamente. Ele pensou que ia passar também esse ano sem a capa. A
casa do pintor ficava num subúrbio distante. Como sempre, ele abriu o livro dentro do bonde. Era de um
filósofo de uma época antes de Cristo e ao mesmo tempo político. As suas palavras devem ter sido gravadas
no corpo de Shin-iti.
Os livros tornam-se alimentos para os jovens, divertimentos para os velhos, ornamentos para os ricos
e consolos para as ocasiões difíceis.
O trabalho e a leitura misturavam-se freqüentemente dentro de sua cabeça. Porém, como jovem,
absorvendo a cultura, despendia suas energias constantemente sobre o seu trabalho.
Ao bater a porta, parecia que o pintor estava aguardando ansiosamente a vinda de Shin-iti. Procurou
ajuntar os fragmentos de carvão ainda acesos ao fogo e aumentou a brasa soprando a lareira. Por estranho
que pareça, apenas os seus olhos se conservavam limpos no meio da sala totalmente desarrumada; surgiam
múltiplas rugas à vista dos olhos. Shin-iti pensou: — Aqui também existe um infeliz.
O pintor recebeu Shin-iti, oferecendo o estimado chá Lipton. Pensando que seria o último encontro
com esse pintor, ele começou a falar sobre o Budismo de Nitiren Daishonin. Indubitavelmente seria o
Chakubuku, porém, era uma espécie de divulgação filosófica. O pintor que ouvia pela primeira vez, pareceu
simpatizar-se. Não possuía o preparo suficiente para argumentar contra a Filoso-fia-de-Vida de Nitiren
Daishonin. Aceitava tudo concordando sempre, até que a atitude transformou-se em seriedade a ponto de
chegar a uma compreensão. Manifestou porém, que desejava saber mais profundamente numa outra ocasião.
Com os dias chuvosos de outono escurecia rapidamente. Molhando-se na chuva e atravessando a
mata de Mussashino, Shin-iti apressou os passos para a estação. As chuvas que começaram a cair desde o
meio dia, formavam poças d'água aqui e acolá. No caminho, ao cair da tarde, Shin-iti pisava freqüentemente
as poças d'água. Ao chegar à plataforma da estação, lamentou sem querer, o incômodo que sentia dentro dos
seus sapatos completamente molhados. As águas entravam e saíam dos sapatos de segunda mão adquiridos
há dois meses. Percebeu que devia ser consertado urgentemente.
Já era noite quando Shin-iti Yamamoto chegou em Guinza. Eram raros os pedestres da chuvosa
alameda Guinza. Passou pela casa do fornecedor de pranchas, recebeu as duas para serem entregues a um
pintor e foi diretamente em direção a Shimbashi. Sentia um incômodo terrível dentro dos sapatos e chegava a
tremer até o corpo. A febre surgira outra vez. Ao chegar à beira da ponte, a superfície do rio projetava
fortemente os brilhos à direita. A propaganda luminosa do cinema estava refletindo luzes sobre as águas.
Ele entrou no cinema situado à beira do rio, como se fosse aspirado pelo mesmo. Sentando sobre a
cadeira escura, antes de ver a cena, tirou os sapatos. Tirou também as meias e torceu. Um cheiro azedo
estimulou as suas narinas.
A cena descrevia um rapaz dançando com uma moça americana. Nesse local aparece um homem
voltando da Guerra da Europa. Esse homem estava com amnésia total em conseqüência dos traumas da
guerra. Embora encontrasse com o amor de outrora, não a reconhecia. Apareceu um hospital. . . Shin-iti
Yamamoto deve ter adormecido. Quando acordou, já não entendia mais o cenário.
Havia muitas cadeiras vazias dentro do cinema. Lembrou-se de repente da reunião-de-palestra
daquela noite. Embora se desculpasse justificando que o culpado era a água que inundara os seus sapatos, era
apenas para antipatizar e censurar a si próprio. Talvez fosse a ressaca do choque da manhã. Censurou
drasticamente a si próprio que deveria lutar na reunião-de-palestra num dia como aquele.
Shin-iti não tinha se esquecido da reunião. Desejava consolar tranqüila e privativamente o fatigado
estado de espírito em conseqüência das convulsivas atividades, desde o período da manhã. Nessa
oportunidade, apareceu o cinema, diante de seus olhos.
O anúncio sobre a suspensão da publicação mudara a sala editorial num ambiente de pânico. Não
podia ser ignorado o desânimo que se mostrava nos atos e nas aparências dos empregados. Nesse meio,
Shin-iti corria durante o dia para encontrar-se com os escritores e pintores a fim de ajustar as contas da
liquidação. À noite compenetrava-se nas atividades da Gakkai.
Um vendaval aproximou-se dois dias após a suspensão da publicação. Apesar disso, ele procurou
comparecer na reunião-de-palestra de Kominato, com o veterano Yuzo Mishima, em plena noite de furacão.
As iluminações de Yokohama apagavam-se freqüentemente em virtude da tempestade. Após muitos esforços
chegaram ao local da reunião, com enorme atraso. Apesar da noite de tufão, cinqüenta pessoas estavam
aguardando sua chegada na reunião-de-palestra! Havia pessoas que tinham vindo debaixo de guarda-chuva
de pergaminho rasgado. Havia vários panos para limpar o chão. A reunião-de-palestra transformara-se numa
reunião animada. Esse clima de entusiasmo pareceu um incentivo para Shin-iti que se sentia sacrificado pela
aniquilação dos negócios. — A Gakkai está salva. O mestre Toda está bem. Eu também devo estar seguro.
No final da reunião, o vendaval intensificava cada vez mais a sua ferocidade. O relógio marcava
quase dez horas. Criando coragem, saiu e caminhou completamente molhado, orando o Daimoku. Quando
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chegou em casa, já passava da meia noite.
No dia seguinte o tempo era belo.
Foi o dia em que a revista "O Menino Japonês" para dezembro saiu da prensa. Seria o último
número. Shin-iti colocou a revista sobre a mesa, abrindo-a e acariciando-a por diversas vezes, tomado por
sentimento de separação.
Os empregados permaneciam quietos e desanimados. O que eles cochichavam, chegava até aos
ouvidos de Shin-iti. Alguém estava decidindo a demissão. Outros indagavam a respeito dos novos empregos.
Em suma, a maioria deles estavam indecisa. Tal cena era horrorosa para a sua vista e além disso era irritante.
Jossei Toda apresentou na tarde do dia seguinte, um novo objetivo, dentro do âmbito de um outro
negócio. Talvez ele tivesse percebido de antemão, essa atmosfera que reinava entre os empregados. O
assunto estava baseado na visão econômica de Toda. Ele falou acerca dos sucessos e dos insucessos das suas
experiências várias no decorrer de algumas décadas. O assunto passou da Economia Comunista para a
Economia Capitalista e chegou a elucidar os fundamentos da Cooperativa de Crédito.
Havia sempre um princípio filosófico no objetivo e na prática dos seus negócios. Além disso,
elucidando esse princípio, fazia as pessoas adquirirem o ânimo e a esperança para poderem ir avante.
Comunicou o motivo porque ele optara pela Cooperativa de Crédito para a Construção Toko, e
mostrou uma previsão para o futuro, baseando-se no princípio original.
Ele explanou com toda a sua energia. A maioria entre os empregados ouvia-o distraidamente. Havia
porém, algo que afluía do peito de Shin-iti.
No fim, Toda disse o seguinte:
— Em todos os negócios, há períodos de ascensão e queda. Na Economia há o que se chama leis
econômicas. Isso não deve ser desprezado. Uma vez que cientes disso, devemos compreender que os fatores
que levam os negócios ao sucesso ou fracasso, são o nosso esforço, o nosso entusiasmo e a nossa
persistência. O trabalho é o mesmo tanto para os pequenos ou grandes negócios. De acordo com a minha
experiência até agora, posso dizer que sempre o caminho será aberto, desde que não meçam esforços, mesmo
nos momentos em que estiverem desesperados.
Ele chamou o contador responsável. Em seguida, mandou pagar o saldo a todos os empregados
indistintamente. Os empregados receberam os salários proporcionais, sem perceber que aquilo fosse um
dinheiro tão precioso para a empresa.
Logo que o negócio foi praticamente liquidado, os empregados foram em seguida recontratados para
serem admitidos nos serviços da Cooperativa de Crédito para a Construção Toko.
Dentro dos Nove Princípios para a Restauração Econômica, impostos pela Linha Dodge, estava
incluído um artigo sobre a "Reforma para a Arrecadação". A fim de salvaguardar o balanço positivo
conforme o planejamento, era necessário aumentar os impostos e os fundos, por meio da racionalização da
arrecadação. Para esse objetivo, o Governo Americano enviou Doutor Shoup ao Japão, em maio de 1949. A
sua comissão de investigação examinou a situação interna do Japão durante 4 meses e anunciou o plano para
a reforma do Sistema de Arrecadação dos Impostos no dia 15 de setembro.
Conforme o que foi anunciado, foi proposto o Plano de Arrecadação de Impostos, determinando o
valor das propriedades de acordo com o preço elevado causado pela inflação, mais 6% sobre o valor
avaliado. Foram abolidos os Impostos de Renda que eram arrecadados progressivamente conforme as rendas
elevadas para serem colhidos 55% da renda total de todos que ganhavam acima de 300.000 ienes por ano.
Isso trouxe enorme vantagem para os que possuíam rendas elevadas. Para as empresas de pessoa jurídica
foram abolidos os impostos de renda até então vigorosos. Em suma, pode-se dizer que esse propósito visava
a incentivar o "aumento de capitais", diminuindo os impostos de renda e dos negócios da pessoa jurídica.
Portanto, esse déficit de arrecadação foi compensado de maneira inversa pelo aumento dos impostos
taxados ao público em geral. As deduções legais dos impostos de renda foram rebaixados e em vez disso
foram aumentadas as taxas públicas com exceção da taxa de admissão. Isso era a "compensação equitativa
dos impostos" nos dizeres de Shoup. Com a elevação da taxa de habitação ao dobro, mais a territorial e a
predial, o Imposto Municipal aumentou cinco vezes.
Além disso, em conseqüência da "modernização dos impostos" e a "reforma da arrecadação", foram
aumentadas as taxas públicas fáceis de serem arrecadadas. Com os motivos de que os impostos de renda são
pagos pelos trabalhadores, foram até arrecadados nas folhas de pagamento dos lavradores. Entretanto, parece
que o imposto não caía sobre os lucros proporcionais dos acionistas transformados em dividendos. Em
última análise, a reforma de arrecadação não significava senão o aumento das taxas e impostos sobre o
público em geral.
A nação inteira foi realmente obrigada a suportar uma vida de sacrifícios, apesar de a guerra haver
terminado há quatro anos.
Em quaisquer época, o sucesso ou o insucesso da política econômica leva a nação à felicidade ou à
infelicidade. Sobre a "defesa contra o dólar em perigo" que atualmente repercute em todo o mundo
econômico, desejaria aqui enviar meus apelos veemente que se devem em primeiro lugar visar a estabilidade
da nação inteira e não pensar apenas no interesse de seus pais. Ao mesmo tempo, no Japão, a política
econômica deve ser libertada do tipo daquela que visa o proveito dos trustes e em vez disso, deve transpor
sobre os trilhos da economia do bem-estar público, junto com o progresso da época. Além disso, não cesso
de almejar a ascensão de políticos que irão executar valentemente essa política do bem-estar da nação.
Entretanto em outono de 1949, aquela inflação galopante foi gradualmente freada e detida. Começa-
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ram-se a diminuir, aos poucos os preços das mercadorias. A estatística sobre o preço das mercadorias a
varejo em Tóquio (investigado pelo Banco do Japão) mostra realmente os fatos daquela época.
Considerando 100 o padrão de preços para mercadorias no período de 1934-36 que eram estáveis, no
ano de 1949 subiu vertiginosamente para 24.336,6. Entretanto, já no início de 1950, o índice cairá para
23.909,0 que marca a primeira baixa de preços após a guerra, apesar de ser insignificante.
Em outras palavras, o preço das mercadorias subira 243 vezes em 1949 em relação ao preço comum
vigorado em 1934 e no ano de 1950 apesar de ser reduzido um pouco, ainda era 239 vezes mais que 1934.
Era apenas isso, o que, na realidade, a Linha Dodge trouxera em benefício da vida diária. De qualquer
maneira, aquela inflação transformou-se aos poucos em deflação e trouxe uma espécie de alívio para o povo
que vivia atemorizado pelo horrível monstro da inflação.
Por que razão, a nação que fora encurralada em quatro ilhas após a guerra, teve que suportar os
sofrimentos e as misérias pressionadas pela Linha Dodge? Isso era difícil de ser compreendido, porém, a
situação internacional estava mudando em 1949 como as torrentosas correntes do oceano.
A U.R.S.S. anunciou oficialmente no dia 25 de setembro que já era possuidora de bombas atômicas
há dois anos. A Nação Americana que se orgulhava acreditando ser a única possuidora de armas nucleares
sobre a Terra, a partir de então, perdeu o direito de hegemonia sobre o poderio atômico. No dia 1.o de
outubro, a declaração do estabelecimento da República Popular da China foi transmitida de Pequim para
todos os rádios do mundo.
No dia 13, o Exército Nacionalista abandonou Cantão e transferiu a sua capital para Chunkin, porém
logo teve que mudar para Chentu em 13 de novembro. Mas, esta caiu também em 2 de dezembro. Os líderes
da China Nacionalista foram para a Formosa e estabeleceram Taipei como Capital.
Desse modo, o Exército Nacionalista foi totalmente expulso da China Continental e o vasto
continente chinês caiu nas mãos dos comunistas. A união e a convicção do Exército Comunista provou
realmente uma vitória sem precedentes.
Lutando ou não lutando,
Enfim morreremos.
Já que a morte é certa,
Lutaremos, então?
Dizem que os brados para a sua revolução começaram com essa canção. A sua coragem e a sua
perseverança podem ser reconhecidas naquela famosa retirada chamada "A Longa Jornada em Marcha".
Na Europa, a Alemanha Oriental declarou que a República Democrática da Indonésia foi
estabelecida no dia 27 de dezembro.
A guerra fria entre o Oriente e o Ocidente tornava-se mais intensa. Desse modo, os E.U.A. tiveram
que acelerar a transformação do Japão numa fortaleza avançada. No dia 1.o de novembro foram anunciados
pelo Departamento dos Estados Americanos, os preparativos para o Tratado de Paz com o Japão. Pode-se
supor que tudo isso significasse o saneamento das remanescências da Segunda Guerra Mundial para dar
início aos preparativos na tomada de posições vantajosas para uma era vindoura. Oxalá isso fosse uma
urgente necessidade.
O ano de 1949 encerrou-se com ventos e nuvens carregadas de conflitos e tensões.
As vésperas do Ano Novo, Shin-iti Yamamoto recebia lições do Gosho na casa de Jossei Toda. Após
então, foi convidado gentilmente para o jantar. Apesar de o ambiente estar tranqüilo, de repente asseverando
o seu olhar, Toda disse:
— Vivemos em plena convulsão social dentro e fora do país. Porém, agora é a hora de vocês jovens
acumularem os conhecimentos através dos estudos. Eu deixarei pronto o palco sobre o qual vocês irão travar
intensas atividades como os pioneiros da paz.

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O Vendaval
No Ano Novo de 1950, todos os jornais publicaram na primeira página, a mensagem do General
MacArthur, o Comandante das Forças Aliadas. O mesmo acontecia nos anos anteriores, porém, naquele ano,
os leitores não podiam deixar de ler como sempre.
— O povo do Japão comemorando hoje o 5.° Ano Novo após o término da guerra, pode-se
reconhecer indiscutivelmente um fato excepcional. Ainda que estivesse tecnicamente no estado de
beligerância, na realidade há poucos países sobre a Terra, mais pacíficos do que o Japão. ..
"Um fato excepcional" contido na sua declaração, significaria que o Ano Novo dos japoneses fosse a
paz sem um soldado e sem uma arma. De fato, pode-se dizer que era o aspecto de uma nação pacífica.
Talvez, com isso, ele quisesse elogiar o Ano Novo do primeiro país que renunciou perpetuamente à guerra
na sua Constituição. Entretanto, havia uma clara condição ligada estritamente à Ocupação e por isso, não
passava de paz emprestada pelas Forças de Ocupação.
Dentro dos programas do Plano Ocupacional, havia uma previsão sobre o Tratado de Paz que se
realizaria num futuro próximo. Nela estava incluída a mudança de aspecto do Japão, devido à sua situação no
vale da "Guerra Fria" provocada em conseqüência do agravamento das pressões do Leste e do Oeste.
Com a mudança de tática sobre a guerra mundial, os americanos tiveram que transformar o Japão em
uma fortaleza da sua defesa avançada. Assim sendo, MacArthur não poderia estar apenas admirando com
otimismo, o seu Plano Ocupacional sobre o Japão. No final de sua mensagem, ele começou a mudar a
interpretação do Artigo 9.o da Constituição:
— . . . Absolutamente, não posso interpretar que esta Constituição esteja rejeitando totalmente o
direito da legítima defesa inalienável contra o ataque provocado pela invasão dos inimigos, embora admitisse
todas as críticas. Não posso interpretar que ela esteja rejeitando absolutamente qualquer defesa. Isso não teria
outro significado senão uma forte evidência da fé na vitória última do Direito e da Moralogia Internacional
reconhecida pela nação sem armas, destruída pelas armas. Entretanto deve-se pensar que esse ideal sublime
levará muito tempo para ser compreendido pelo mundo, enquanto os "bandoleiros internacionais" estiverem
correndo sobre a superfície da Terra, saqueando com extorsões e violências e destruin do a liberdade dos
homens. . .
MacArthur não podia deixar de estar horrorizado pelas agressões dos "bandoleiros internacionais"
desde o estabelecimento da República Popular da China no outono do ano anterior. Os americanos insistem
que a justiça está a seu favor. Por outro lado, os comunistas chineses consideram que a justiça está com eles.
Então, onde estão o padrão e a essência da justiça?
Embora a renúncia perpétua da guerra merecesse tamanho aplauso por ocasião da promulgação da
Constituição, uma vez nessas circunstâncias, ele teve que acrescentar uma nova interpretação, dizendo
forçosamente que essa renúncia não condena o direito de auto-defesa.
Em resposta a essa questão, o Primeiro Ministro Yoshida teve que dar uma satisfação ingrata no
tocante ao direito de auto defesa, no dia 23 de janeiro, ao informar a política administrativa, no seu discurso
por ocasião da 7.a Sessão Ordinária da Dieta. Aqui também se mostrava o drama do povo japonês sem
convicção.
É natural que surjam graves conceituações em torno da segurança futura do nosso país,
porém,preservar a renúncia da guerra declara solenemente na Constituição do Japão não significa rejeitar o
direito de auto-defesa. . .
Não obstante, três anos antes, na Assembléia do Senado realizada no dia 28 de junho de 1946, o
Senador Sanzo Nozaka, do Partido Comunista levantou a seguinte questão do Artigo da Constituição que
trata sobre a Renúncia da Guerra:
— Não seria melhor a renúncia à guerra de agressão em vez. da renúncia total à guerra?
Contra essa pergunta, o Primeiro Ministro Yoshida respondeu claramente como se fosse a deusa da
paz:
— Quanto à renúncia à guerra elaborada no Artigo da Constituição, parece que a guerra pela
legítima defesa do país seria mais aceita, porém, reconhecer essa legitimidade acharia prejudicial, (aplausos)
Na maioria das guerras recentes, a realidade mostra que todas elas foram declara das em nome da legítima
defesa dos respectivos países. . .Portanto, reconhecer a guerra em legítima defesa ou em defesa da nação,
seria um pensamento prejudicial que poderia provocar a guerra. O próprio reconhecimento do direito da
legítima defesa de um país, seria prejudicial, quando um dia for criada uma União em torno da Paz Mundial
ou uma Organização Internacional para a Paz. Penso que essa questão resultaria no prejuízo sem proveito.
(aplausos).
A sua reposta condenando o direito de auto-defesa era mais do que evidente. A questão levantada
pelo Senador Nozaka, visava protestar contra a Nova Constitui ção. Era realmente um fato muito estranho, se
pensarmos atualmente baseando sobre o ponto de vista que exige a preservação dessa Constituição da Paz.
Dessa maneira, não estaria mostrando a ineficácia de um mortal comum que não consegue profetizar o
futuro?
Na ironia do destino, o Primeiro Ministro Yoshida teve que levantar em 1950, uma polêmica que lhe
era prejudicial.
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No dia 31 de janeiro desse ano, autoridades supremas do Comando Militar Americano vieram a se
reunir em Tóquio, com o General Joseph Collin, Chefe do Estado Maior do Exército Americano, o General
Omar Bradley, Chefe do Comando Militar Combinado, o Almirante Forrest Chairman, Chefe das Operações
Navais, o General Hoyt Vanderberg, Chefe do Comando Tático das Forças Aéreas Americanas e outros. Em
seguida, eles conferencia-ram com o General MacArthur, inspecionaram vários lugares prosseguindo as
conferências em série até 6 de fevereiro. E desnecessário dizer que o objetivo dessa visita era examinar
desde Hokkaido, ao norte, e Kyushu, ao Sul, a fim de consolidar e equipar as oito bases aéreas, a Base Naval
de Yokosuka e outras.
Naturalmente, o armamento foi um problema nacional muito sério, em conexão com o direito de
auto-defesa. Entretanto, o artigo 9.o da Constituição não permitia o rearmamento. Assim sendo, como o país
poderia resolver contra o eventual ataque estrangeiro? A defesa seria o rearmamento. Então, até que ponto o
Japão poderia se rearmar?
A época já entrara na Era Atômica. Um rearmamento irrisório não serviria para a defesa. Embora
levante a bandeira da neutralidade eterna, o Arquipélago Japonês é possuidor da capacidade industrial mais
poderosa da Ásia. Essa capacidade industrial que é uma das melhores do mundo, não poderia ser desprezada
por nenhuma das potências, quer do lado Oeste ou do lado Leste. Assim sendo, o Japão não poderia
aparentar um país neutro como a Suécia e a Suíça.
A defesa nacional é a questão mais difícil e séria de todos os problemas que um país enfrenta, porém
ainda não sofreu mudança radical nesse sentido desde 1950 até hoje, e permanece na mesma situação ingrata
e insolúvel. Até o momento, houve numerosas discussões e foram cogitadas diversas hipóteses. Por exemplo:
A permanência das Forças da ONU para sempre, desde que fossem soldados dos países neutros pertencentes
à ONU. Manterá neutralidade do Japão através disso seria o melhor sistema. Surgiu até essa hipótese, porém,
o último dos melhores planos ainda não chegou a ser descoberto. — Não seria apenas eu quem espera uma
política estável, o surgimento de estadistas de renome internacional e a união da consciência nacional.
Atualmente, não haveria nenhum país no mundo que tivesse confiança absoluta em sua defesa,
independentemente de ser um país possuidor ou não de armas nucleares. Não é somente o Japão que gravou
a renúncia da guerra na Constituição, o sofredor em virtude dos problemas da defesa.
Apesar de depositarem tantos esforços para a segurança da pátria, nenhum país chegou a obter um
plano ideal para a defesa. Isso porque o fim da Segunda Guerra Mundial trouxe a mudança radical na
qualidade do poder defensivo. Assim sendo, deve-se perceber que a dificuldade da defesa do próprio país é a
existência do poder nuclear que a humanidade ainda não pode controlar.
Atualmente, não poderá aparecer nenhuma conclusão imparcial e aceitável, embora pressionassem
todas as inteligências para resolver a questão da defesa, discutindo as opiniões convencionais quanto ao grau
de tensão internacional, detendo o crescimento do poderio nuclear, escolhendo a preferência de um dos dois
"guarda-chuvas" atômicos ou estabelecendo o equilíbrio do poder nuclear.
— Hoje, a dimensão do pensamento básico foi totalmente alterado. Penso que vivemos na era
em que devemos basear-nos em novas dimensões de pensamento, reconhecendo antes de mais nada a
realidade temível que é a existência da força destruidora da guerra nuclear.
— Nós, que somos as únicas vítimas da explosão atômica sobre a terra, sentimos forte e
profundamente pela própria experiência, a desumanidade e a tragédia de Hiroshima e de Nagasaki. — Então,
qual seria o potencial bélico nuclear armazenado até agora sobre a Terra? Isso é resguardado como sendo o
maior segredo militar e é impossível de ser calculado, a não ser por estimativa. Segundo o cálculo minucioso
feito por um cientista em questões atômicas, o Doutor Ralph E. Lapp (em 1962), "as bombas nucleares
armazenadas pelos E.U.A., incluindo as bombas de hidrogênio, poderão ser avaliadas em pelo menos 30.000
megatons, que são as quantidades suficientes para saturar um certo continente, ou eliminar a União Soviética
por várias vezes.
Para ter uma idéia sobre os 30.000 megatons, suponhamos que a bomba atômica que caiu sobre
Hiroshima fosse de 20 quilotons. O poder destrutivo da primeira é assutadoramente calculada, mesmo por
via dos pensamentos habituais, em 1 milhão e 500 mil vezes em relação à segunda.
Desde que Hiroshima sofreu o bombardeio atômico em agosto de 1945, em menos de uma década,
no dia 1.° de março de 1954 foi realizada a experiência sobre a explosão da bomba de hidrogênio no Atol de
Bikini, Arquipélago Marshal, quando os pescadores japoneses do 5.0 Fukuryu-Maru foram vitimados pelas
cinzas nucelares e aquela bomba calculava-se em 15 megatons. Portanto, era 750 vezes maior que a de
Hiroshima. Desde então, o poderio nuclear veio caminhando até hoje com aceleração cada vez maior.
Os estoques das armas nucleares poderão ser aumentados cada vez mais. Não somente isso, o
progresso e a disponibilidade dos aparelhos bélicos para transportar as bombas nucleares, bem como os
aviões especiais para bombardeios ou mísseis e submarinos foram consideravelmente aumentados. Os aviões
para bombardeios munidos de armas nucleares estão patrulhando constantemente o céu de todo o mundo. Os
submarinos aparelhados com mísseis nucleares cruzam os oceanos. Tal aspecto é conhecido por todos
atualmente. Há possibilidade de desencadeamento da guerra nuclear, a qualquer momento. — Como é triste
o destino humano que caminha sofrendo por si para a morte nesta terra que deveria ser feliz! Que estupidez
humana, apesar de a ciência ser criada pela inteligência dos homens! Na aurora da humanidade, não deve ser
desencadeada a luta ideológica medíocre. Penso que não há outra alternativa senão fazer toda a humanida de
sentir profundamente a dignidade da vida, com o retorno mais uma vez para o Humanismo!
Desejaria em seguida, calcular o número de aparelhos especiais de transporte de armas nucleares e o
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volume total do transporte. Assim pode-se calcular o poder destrutivo em combate num instante, medindo
em megatons as armas nucleares transportadas pelos americanos e pelos russos, sem considerar os estoques.
Há um cálculo estatístico, apesar de as informações não serem confirmadas. Podem, até certo ponto
ser deduzidas, avaliando as capacidades máximas e mínimas.
Os aparelhos de transporte são de 4 tipos: os bombardeios estratégicos, os mísseis balísticos inter-
con-tinentais (ICBM), os mísseis balísticos de alcance intermediário (IR.MRBM) e os mísseis de alcance
submarino (SLM).
Baseando-se nos números dos aparelhos bélicos e da possibilidade do seu transporte, pode-se
calcular que os americanos possuíam 29.326 megatons no máximo ou 7.684 no mínimo, e os russos
possuíam 37.025 megatons no máximo ou 16.030 no mínimo, em 1967.
Totalizando isso, pode-se avaliar a quantidade das bombas que poderiam explodir sobre a terra a
qualquer momento. Isso seria 66.351 megatons no máximo e 23.714 no mínimo.
Se tudo isso pode ser transportado como aperto de um botão a qualquer momento, a Terra estaria
suportando na realidade, uma quantidade enorme de bombas nucleares, muito acima das nossas imaginações.
Além disso, para melhor compreensão, se calcularmos que essa explosão será tantas vezes maior que a
explosão da bomba de Hiroshima com 20 kilotons, a estimativa será cerca de 3.310.000 vezes no máximo e
de 1.180.000 no mínimo. São bombas atômicas e de hidrogênio que podem ser usadas a qualquer momento e
que não estão armazenadas em estoque. O senso comum das guerras do passado já se tornou o maior
obstáculo para a época em que pensa na guerra nuclear.
Como um exemplo de imediato, a quantidade de bombas que os aliados lançaram sobre o Japão e a
Alemanha na Segunda Guerra Mundial é calculada em 5.560.000 toneladas e isso corresponde a apenas 5,5
megatons das bombas nucleares. Pelo cálculo, conclui-se que existe na superfície da Terra 20 anos após a
guerra, no mínimo, o poderio nuclear em megatons, 4.300 vezes mais destrutivos do que o total de
bombardeios que o Japão e a Alemanha sofreram na Segunda Guerra Mundial.
Admitamos que a guerra nuclear fosse desencadeada por um descuido qualquer, provocada por uma
imaginação desastrosa.
De início, todos os aviões de bombardeios dos E.U.A. e da U.R.S.S. levarão vôos transportando as
bombas nucleares. Em seguida, serão lançados os mísseis intercontinentais ou de alcance médio. Alem disso,
os mísseis submarinos abrirão fogos dos oceanos. .. Se todas essas armas nucleares forem lançadas ao
mesmo tempo, toda a superfície da Terra será envolvida por nuvens em forma de cogumelos em pouco
tempo. Não há provas que neguem essa afirmativa.
Analisando diretamente a realidade e chegando a essa altura, não poderia chegar a uma outra
concepção senão a de que as questões da defesa contemporânea ainda estão insuficientes.
é natural que cada país deva fazer tudo para a sua própria segurança. Pode ser que a Guerra do
Vietnan e a Crise do Ouro sejam, certamente, questões de máxima importância. Porém, pensar sobre as
questões de defesa nesse mesmo nível de importância, será o mesmo que esperar cem anos para que as águas
do rio fiquem limpas. Se desejar vigiar a defesa do próprio país, forçosamente, dever-se-á basear na defesa
da Terra. Eis aqui a dimensão do pensamento. O holocausto em conseqüência dessas armas nucleares que
poderá ocorrer no futuro da humanidade, não é um desastre natural, inevitável. Por sorte, a causa está
totalmente no próprio homem que irá ou não desencadear a calamidade por meio dessa matéria essencial. Se
é o desastre causado pelo homem, ele deveria possuir certamente em suas mãos, os meios e os métodos para
detê-lo.
Deve-se dizer que os assuntos primordiais dos políticos contemporâneos são as soluções para tais
questões básicas. Sem visar essas questões, penso que a solução dos problemas políticos atuais não terão o
seu significado. -Exige-se aqui a necessidade da Religião e da Filosofia que irão realizar um mundo ideal
que poderá ser chamado de Internacionalismo do Globo ou do Mundo e Federação ou Nação Mundial. O
grito dos anseios nesse sentido não será uma tendência natural, enquanto existir a inteligência genial da
humanidade? Desejaria dizer que isso seria uma fórmula única para liberar a humanidade dos seus lares
incendiados e envolvidos pelas guerras nucleares e conduzir para o Século XXI da Paz e da Tranqüilidade.
Não estou aqui cogitando as soluções técnicas para impedir os orçamentos militares que crescem
anualmente. Nem pretendo dizer em limitar as guerras locais cujas preocupações aumentam
progressivamente em cadeias. Não estou me referindo sobre a desvalorização humana proveniente da
decadência espiritual. Não estou sugerindo sobre a tática defensiva do próprio país, nem estou propondo o
plano e a ideologia teórica assim chamada a Paz e a Harmonia do Mundo. Estou apenas pensando em como
resolver a defesa da Terra que atualmente está sendo transgredida por uma certa força maldosa ainda não
identificada. Não posso deixar de apontar a debilidade do espírito contemporâneo que em vez de reconhecer
o iminente holocausto da humanidade, vive iludido como se isso fosse um desastre natural.
Atualmente os dirigentes dos países que possuem as armas nucleares devem estar preocupados em
deter o palpitar de seus corações diante do botão de alarme. Por vezes, na testa quente escorrerão suores
frios. Está chegando a época mais temível da história. Ninguém poderá perceber quando a sensibilidade
normal do homem com o passar dos tempos será anestesiada.
Diante desse perigo sem precedentes, quem pensou séria e conscientemente a respeito da defesa da
Terra, entre poucos estadistas, foi John F. Kennedy.
Penso que a sua visão política dotada de uma espécie de pureza original com a qual inspirou a
confiança e a esperança de muitas pessoas, não foi devido à sua excelente habilidade genial. Não seria
52
porque ele, sendo um estadista contemporâneo, percebeu diretamente a questão mais importante, que é a
guerra nuclear e preocupou-se profundamente com essa situação tão desprezível e tentou padronizar toda a
sua atividade política sobre esse ponto? Apesar de essa tarefa ter sido por demais complexa e insuportável
somente para as suas mãos e às suas meditações, pelo menos até o último dia de sua vida, isso estava sendo
nele como um peso em sua consciência.
No dia 25 de setembro de 1961, passado certo período após a sua posse como Presidente dos E.U.A.,
ele fez um discurso na 16.a Assembléia Geral da O.N.U.:
— . . . Todos os homens, as mulheres e as crianças vivem debaixo da espada nuclear de Dâmocles
suspensas por um fio muito tênue que poderá ser rompida a qualquer momento por um impulso acidental,
erro de cálculo ou loucura.
Ao sentar sobre a cadeira de Presidente na Casa Branca, ele não podia deixar de esquivar os olhos do
botão de alarme que comandava a terrível guerra nuclear. Quem aperta esse botão nos E.U.A. não pode ser
outra pessoa senão o Presidente. Quando ele tomou conhecimento disso, deve ter sentido pela primeira vez,
apesar do seu contra-gosto, o perigo real da existência da espada de Dâmocles dependurada sobre a sua
cabeça.
Kennedy deve ter concebido o quanto era trágica essa cadeira, mais do que todos os presidentes
antecessores dos E.U.A. Pode-se dizer que já nessa época se revelavam os presságios da sombra trágica dos
seus últimos dias devida.
Uma espada suspensa e dependurada sobre a sua cabeça, significava para Dâmocles o terror apenas
de sua morte. Isso foi descrito nas lendas da Grécia Antiga. Entretanto, Kennedy, foi obrigado a reconhecer
que a espada nuclear sobre a sua cabeça não atingiria somente a si próprio, como também infalivelmente
destruiria toda a Terra.
O seu temor significava a maior de todos os terrores desde que se iniciou a humanidade. Ele deve ter
analisado sob diversos prismas, o destino de Dâmocles do século XX. A glória do Presidente, então,
empalideceu-se.
Dionísio, o soberano de Dâmocles, ficou indignado quando soube que os seus cortesãos não
acreditavam que a gloriosa cadeira do Rei não era tão confortável como parecia para eles. Dentro do palácio
cheio de cortesias, ciúmes e vaidades, o rei não conteve mais a paciência diante do Dâmocles que vivia
invejando incessantemente a felicidade do Rei.
À noite, num banquete esplêndido, o rei Dionísio mandou Dâmocles sentar-se sobre a cadeira do Rei
e sobre sua cabeça, fez pendurar uma espada afiada e amarrada por um fio de pelo de um cavalo. O peso da
espada rebentaria o fio a qualquer momento. Forçosamente, Dâmocles foi obrigado a reconhecer que o
assunto da glória, por ser glorioso, está exposto ao perigo.
O Presidente dos E.U.A., um líder potentado de um país com armas nucleares, o Dâmocles do século
XX — certamente deve ter passado por momentos de insegurança extrema, consciente do dever de que um
dia teria que decidir a última resolução atemorizadora.
— A comunicação entre o Presidente dos E.U.A. e o Centro de Lançamento é de apenas alguns
segundos. A comunicação direta com os Postos de Fiscalização ou de Comando com o Presidente, onde ele
estiver, quer no avião, no automóvel, no Congresso ou no campo de golfe, persegue-o sempre atrás dos seus
passos. Se o alarme chegar, é que partiu de N.O.R.A.D. (Controle de Defesa Aérea Norte Americana) que
recebe e analisa continuamente dia e noite, as informações enviadas por um sistema de radar continental que
investiga o céu. O Presidente possui o telefone direto com o Comando Aéreo Estratégico (S.A.C.) e com o
Centro de Comando para os Submarinos Polaris em movimento, para ordenar a ação imediata. A decisão do
Presidente de entrar em ação ou não, deve ser resolvida dentro de 15 minutos ou menos, pois, é o limite
máximo de tempo até receber os ataques dos mísseis. (Ralph E.Lapp).
Certamente, os líderes mergulhados em tais condições devem existir em quantidade pelo menos nos
países portadores de armas nucleares. Se o país convocar o
Congresso para declarar guerra diante de tal perigo, então, o mesmo será destruído antes da decisão.
Pode-se dizer que o poder da resolução para a destruição da humanidade que se chama Guerra
Nuclear, está nas mãos de algumas pessoas dentro da população mundial de 3.500.000.000. é desnecessário
dizer que são os Dâmocles que reconhecem o seu medo de apertar o botão. Se tais líderes forem reunidos
numa sala, poderão dali resultar deliberações proveitosas, pois, todos são humanos e possuem consciência.
São líderes que reconhecem a importância da própria vida, possuem respectivas esposas e filhos e todos sem
exceção estariam desejando a paz e a felicidade dos seus respectivos lares. Com certeza, eles
compreenderiam simples e profundamente que também as outras famílias correladas, todas as nações e a
humanidade inteira anseiam os mesmos desejos.
Qual é a dificuldade que existe no Congresso para resolver por unanimidade, a questão que se inicia
com a defesa da Terra para resolver os problemas da defesa de cada nação com o fim de renunciar ao uso das
armas nucleares? é bom que se realizem Congressos por várias vezes e por vários dias até se obter os votos
de unanimidade. Mas, se isso for deixado a cargo dos representantes subordinados e irresponsáveis, então,
embora realizem tantos Congressos, a tensão internacional aumentaria cada vez mais, e o perigo tornar-se-ia
cada vez pior.
Não estou contando uma utopia da atualidade. A prova é que os Ministros das Finanças e os
Presidentes dos Bancos Centrais de dez países reúnem-se imediatamente a fim de resolver a questão do ouro.
Em nenhum lugar seria admissível a lógica que aceita o problema do ouro como o mais importante e
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que a questão da guerra nuclear sobre a Terra pode ser deixada de lado. Os líderes do mundo não deveriam
enfrentar essa questão mais importante da política com toda a sua coragem e seriedade? Além de ser o
representante de uma nação, deve considerar que é o representante da humanidade.
Em última análise, pode-se, dizer que a questão é simples. Feliz ou infelizmente, o povo não possui
os meios para compreender a ferocidade das armas chamadas nucleares, que estão sendo envolvidas por
segredos e complexidades. Somente poucos líderes dos países portadores de armas nucleares estão
preocupados com a pesada responsabilidade. É por isso que a Conferência deverá ser realizada apenas com
os mais responsáveis.
Para eliminar o medo de apertar o botão, bastaria destruir as desnecessárias e prejudiciais bombas
nucleares de ambos os lados e conferenciar no sentido de usar esses poderes científicos para o proveito da
paz. Assim sendo, indiscutivelmente poderá fazer nascer atualmente o novo mundo de um novo paraíso
sobre a superfície da Terra. Não poderá existir dirigentes que argumentarão o contrário, se eles acreditarem
no bom senso e na visão humana. Se existir por acaso, será certamente um insano mental. Será milhares de
vezes pior do que Hitler. A opinião pública mundial não perdoará nunca um líder dessa espécie. Certamente,
este Iíder deverá ser massacrado sobre a superfície da Terra. Se, apesar disso, ainda existir um fanática da
guerra nuclear, então, o público protestará aos gritos: — Vá você pular para dentro do forno atômico.
Não estou relatando sonhos em pleno dia. Estou expondo de maneira mais simples e realista, a
solução mais prática para resolver a questão das guerras nucleares.
O povo aceitaria tal solução apenas como se fosse um sonho. Enquanto isso, alguns ganham tempo
jogando tal questão para a mais sofisticada e controvertida política internacional, por meio das manobras
complexas e extremamente perigosas. Nesse ínterim, o que eles estão fazendo? Estão concentrando os
esforços para aumentar o poderio militar armazenando armas nucleares. Não seriam eles os visionários que
vagueiam obcecados nas trevas, delirando com pesadelos? Embora os gongos do sino soassem
desesperadamente, o sonho da infelicidade atual é muito mais profundo.
A força maldosa que envolve a Terra é atualmente espessa. Por exemplo, ainda fazem guerras,
inventando um termo conveniente que é a "Guerra Limitada". Se é possível realizar a guerra
conveniente, então por que são necessárias as matanças dos povos sem culpa? Desejo proclamar que deverá
"limitar" o quanto antes os danos e as tragédias dos coitados civis não combatentes. Por outro lado, enquanto
proclamam a "Grandiosa Sociedade", estão acumulando as bombas nucleares. Porém, quando sentem um
pouco a falta do ouro, ficam desnorteados a ponto de pedir socorros, convocando os Ministros das Finanças
de outros países. Se essa é a atitude, desejaria então que eles trabalhassem com mais coragem e senso de
missão, a fim de realizar a conferência dos responsáveis supremos para a abolição das guerras nucleares em
prol da segurança da Vida que eu proponho e que tanto a humanidade almeja.
Embora eu reconheça que não tenho qualidades para propor tal conferência, existem ainda outros
líderes no mundo. Se um deles acordar uma noite qualquer e retomar a sua consciência, convicta de que a
conferência desse tipo é necessária para a defesa da Terra; se ele advogar e exigir com veemência essa
necessidade para todo o mundo, a consciência mundial o apoiará por unanimidade.
Se há um herói do Século XX que todos esperam, um líder desse modelo será realmente digno de ser
mencionado como um herói. Nessa circunstância, poderá pela primeira vez assegurar a chave para solucionar
definitivamente o problema do inferno das guerras nucleares com o qual toda humanidade está preocupada
sem saber o que fazer.
Os movimentos em prol da paz contra as armas nucleares foram iniciados em torno de 1948 pelos
homens cultos de diversos países e ao chegar no ano de 1948, a Primeira Conferência para a Defesa da Paz
Mundial foi realizada por cerca de 3.000 representantes dos 64 países reunidos em Paris e Praga. Protestou
contra o rearmamento da Alemanha e do Japão, organizou a Conferência dos Membros da Comissão para a
Defesa da Paz Mundial e entrou em atividades duradouras.
No Japão surgiu a campanha para a assinatura dos 100.000 membros adeptos da paz em Hiroshima
no dia 22 de julho desse ano, no dia 6 de setembro enviou as 107.854 assinaturas para o Presidente dos
E.U.A., Harry S. Truman. Entretanto, ele se recusou em aceitá-las.
Em 1950, foi realizada a Conferência dos Membros da Comissão para a Defesa da Paz Mundial
desde o dia 15 de março em Estocolmo, Suécia e enfim, as atividades práticas entraram numa escala
mundial. A resolução dessa Conferência é conhecida como o "Apelo de Estocolmo" que teve grandes
repercussões:
— Nós exigimos a proibição absoluta das armas nucleares que são as armas do terror e do
extermínio das massas. Exigimos também o estabelecimento de uma rigorosa fiscalização internacional a fim
de garantir o controle desse impedimento. Consideramos o governo que usar primeiro as armas atômicas
sejam quais forem os países, como sendo aquele que comete o crime contra a humanidade e deve ser tratado
como criminoso de guerra. Alertamos as pessoas do mundo inteiro portadores de bom senso que assinem
esse apelo. Em 15 de março de 1950, surgiram ondas de assinaturas em todo o mundo em conseqüência
desse apelo. Em oito meses juntaram-se realmente 500 milhões de assinaturas.
Os jornais de Japão, talvez por estarem sob regime de Ocupação, não fizeram nessa época, as
divulgações em favor a esse apelo e nem sobre a Conferência dos Comissários da Paz. Apesar disso, as
ondas de assinaturas alastraram-se mesmo contra as demagogias e impedimentos criados pelas autoridades e
chegaram a obter seis milhões e centenas de milhares de assinaturas. Quanto ao número de assinaturas, o
Japão foi colocado em 3.o lugar entre os países capitalistas, logo depois da Itália e da França.
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Pode-se dizer que o ano de 1950 foi o ano em que se preocupou em escala mundial com a
manutenção da paz ou retorno da guerra. Portanto, o terror às armas nucleares começou a ser incutido como
perigo iminente no coração das numerosas pessoas conscientes do mundo. Sem dúvida, as ansiedades em
torno da guerra nuclear dirigiam para uma questão de suma importância e universal, no século de hoje,
ultrapassando os problemas da raça, da nacionalidade ou do país.
Enfim, a questão do poder nuclear existente na terra, não é apenas um problema de um país ou de
um bloco de países aliados, E um problema de toda uma raça humana. Eis uma evidente realidade. Apesar
disso, diante do problema das armas nucleares, nada mais fazem atualmente, senão tentar apenas remediar
precariamente com medidas de dimensões rudimentares e precárias. Desse modo, é impossível chegar a uma
solução. Além disso, os que conhecem o aspecto real do drama do holocausto da guerra nuclear são somente
alguns líderes que se colocam na posição da responsabilidade para apertar o botão de alarme.
Quando esses Iíderes se levantarem com a sua visão e compreensão do mesmo tamanho e extensão
da Terra, ou melhor, se interessarem na Democracia da Raça Humana e começarem a promover e assim
chamado "Globalismo" ou "o mundo é um só para todas as raças", somente desse modo conseguirão obter a
chave para a solução concreta desses problemas. Portanto, os dedos desse pequeno número de. dirigentes
possuem tanto o poder de apertar o botão nuclear como também de girar uma chave soluciona-dora da paz.
Tais condições evidentes prolongaram-se por mais de 20 anos após a Segunda Guerra. Esse é o
aspecto real que envolve a Terra em camadas baixas e pesadas de perdições, provocando sensações de mau
presságio que prosseguiriam até à destruição total do mundo. Tal situação permanece ainda sem o mínimo de
alterações.
Jossei Toda, seis meses antes do seu falecimento, deixou a seguinte declaração que é o primeiro
preceito testamentário, sobre a plataforma da Quarta Competição Esportiva da Divisão dos Jovens do Leste
do Japão, realizada no Estádio Mitsyzawa, em Yokohama, no dia 8 de setembro de 1957.
— Hoje, eu desejo definir claramente a minha atitude contra as experiências atômicas e de
hidrogênio bem como os testes nucleares que estão sendo comentados atualmente no mundo. Estão surgindo
no momento, protestos contra as experiências atômicas e nucleares no mundo inteiro.
Apesar disso, afirmo o meu desejo de arrancar as unhas que estão sendo escondidas atrás dos testes
nucleares. O que eu exijo é a pena de morte para todos os que usarem bombas atômicas ou de hidrogênio,
sejam quais forem os países de origem, vencedores ou derrotados.
O seu aspecto sobre a plataforma, embora estivesse em fase de recuperação da doença que reiniciou
desde a primavera, não mostrava a menor debilidade.
Sob o céu límpido e anil ele depositou a sua esperança sobre os dez mil jovens que poderão estar
aptos a cumprir o seu preceito testamentário e realizá-lo como missão futura.
— A razão da minha afirmação baseia-se no Direito da Sobrevivência de todos nós, os povos do
Mundo. Quem violar esse direito é Maldoso, é Satanás e é Monstro. Mesmo que seja vitorioso na guerra, o
país que usar armas nucleares, contra a sociedade humana deverá ser obrigatoriamente punido com a Pena de
Morte. Exijo isso em nome da humanidade. Mesmo que um país domine o mundo utilizando-se das bombas
atômicas, essa nação e os responsáveis pelo uso deverão ser considerados maldosos e demônios. Creio que a
missão de ensinar esse conceito para o mundo, cabe a todos os jovens japoneses. . .
Tal preceito que deveria ser chamado: "Declaração Contra As Explosões Atômicas e de
Hidrogênio", possui uma característica notável em comparação com as demais declarações.
Há intuição profunda no que se chama "Ato do Demônio" que se refere a todos os que puxam o
gatilho das explosões atômicas e de hidrogênio, embora pareçam conseqüências dos conflitos internacionais,
do choque de interesse entre as nações ou das pretensões de um país. Parece que os homens não podem
vencer facilmente contra os demônios. Vencer sobre o demônio, infelizmente parece que é uma conquista
muito difícil para os homens, apesar de fortalecer a convicção em demasia ou preencher por demais as boas
intenções. O mesmo acontece com um país, com uma organização social ou com um indivíduo.
Então, o que vem a ser essa "Maldade ou Demônio"?
O seu aspecto real até agora descrito e interpretado de modo abstrato, porém, ainda não foi revelado
de forma substancial. Todavia, a base original deve ser a força e o trabalho que fazem cair os homens para a
infelicidade cada vez pior.
Então, quem poderá descobrir esse "Demônio"? Aqui surge a importância da filosofia-da-vida. Em
conclusão, ninguém poderá destruir o "Demônio" senão a Vida do Buda. O Demônio nunca poderá derrotar
o Buda. Portanto, o trabalho do Demônio chamado o "Poder da Guerra Nuclear", em suma, chegará a ser
dominado diante do Exército de Buda.
A destruição total do poderio das armas nucleares é a missão do Exército de Buda que surgiu sobre a
superfície da Terra na mesma época do advento desses demônios no século XX. Jossei Toda considerava a
realização dessa missão como o primeiro preceito no seu testamento. Assim sendo, o legítimo líder dessa
opinião, qualificado como detentor das explosões atômicas e de hidrogênio, não está em qualquer outro
lugar. Devemos estar convictos de que somente a Nitiren Shoshu Sokagakkai, o Exército do Buda em
atividade dia e noite e sempre em prol da Paz Mundial (Kossen-Rufu) seguindo os Ensinos de Nitiren
Daishonin, é a possuidora nominal e legítima dessa missão e competência. Centenas de milhares de
movimentos em prol da paz dirigir-se-ão para esse grande rio e juntar-se-ão no futuro a essa corrente
principal da paz mundial.
Em torno de 1950, Toda sabia sobre o início da marcha dos movimentos para a paz mundial e que o
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eixo desse movimento era a explosão atômica e de hidrogênio, porém, infelizmente ele não possuía o poder
para declarar a sua convicção perante a sociedade. Nem mesmo o conceito de 'Obutsu-Myogo' que
atualmente é conhecido por todos os japoneses como sendo "a coincidência da política nacional com o
Budismo", não era senão murmurado entre os membros da Gakkai.
Dominando o seu coração palpitante, ele dedicava aos seus discípulos para que as espadas da fé
tornassem cada vez mais afiadas.
Sentia tristeza ao ver os aspectos do povo daquela época. Em relação aos males da políticas para os
quais nada podia fazer, ele apenas podia afirmar a sua convicção de que a base da política deve ser
fundamentada sobre os princípios do Budismo. Na Revista Daibyakurengue n.° 7 publicada em março desse
ano, ele mencionou brevemente no prefácio o seguinte:
— Somente a tristeza e o sofrimento preenchem inteiramente o país. Nem os empregados e nem os
desempregados podem sentir o prazer. Penso que não há outro coitado senão o povo que perdeu a paz, a
felicidade e a esperança. Pode ser uma boa retórica pedir ao povo uma vida austera, porém, quando isto se
traduz objetivamente na vida da nação, traz uma série de conseqüências trágicas. Se para os próprios
políticos isto tudo foi a própria injunção da época e não houve outra saída possível, para o povo também não
resta outra alternativa senão aceitar a situação com fatalidade.
Embora fôssemos obrigados a suportar a época dessa pior política, nem por isso não podemos ficar
passivamente conformados.
Intitulando "Tragédia sob Ocupação" o drama da sobrevivência do povo inflingido pela Linha
Dodge, ele continuou a escrever os princípios do seu plano de salvação:
— ... Se a Filosofia de Benevolência (do. Buda) fosse incorporada e revelada na política,
desapareceria o sistema político maldoso e incompetente como foi mencionado antes. Por que razão nós
respeitamos a política em todo o curso da sua história? Esse respeito nada mais é senão o reconhecimento
aos políticos que soubessem ou não, administraram a nação revelando os princípios do Budismo
incorporando a política.
Atualmente pode ser que esse argumento seja por demais óbvio. Entretanto ele não deixou de citar a
maldade e a incompetência dos políticos, que esqueceram o espírito de benevolência, fundamental à política.
Esse comportamento ainda continua sendo observado mesmo atualmente no Japão, como atitudes legais dos
políticos.
Ele argumentou sobre o caminho da transformação radical da política maldosa e incompetente visto
através do Budismo, da seguinte maneira:
— Em relação a essa filosofia, Nitiren Daishonin, referindo-se ao Princípio Último da Política,
declarou que:
— "A Política está contida no Budismo e o Budismo incorpora a Política".
— Embora fosse curta essa frase, não seria a chave que deveria merecer a maior atenção dos
políticos? Além disso, torna-se claro que nessa frase concentram-se todos os fundamentos da declaração
quando se contempla a imensidão da. benevolência contida nas palavras de Nitiren Daishonin: 'todos os
Sofrimentos do povo inteiro são os sofrimentos de Nitiren, somente! No Japão, quando virá a época em que
certamente a política estará incorporada ao Budismo e o Budismo integrado na política?
— Se essa época vier, o Verdadeiro Budismo será compreendido corretamente pelo povo e
aceito pela sua fé e por causa disso é que continuo aperfeiçoando e anuncian do em altas vozes que existe
uma religião correta para o povo.
Foi nessa época que Jossei Toda iniciou a escrever sobre a Filosofia de Obutsu-Myogo (Integridade
Política e Budismo).
Embora não possuísse muita esperança na compreensão das pessoas ainda imaturas, ele desejava
revelar tranqüilamente o caminho da solução única, tentando talvez com isso, dar um fio de esperança e um
raio de incentivo para os membros da Gakkai, que viviam perseguidos pela vida insuportável, como todo o
povo que vivia naquela época.
Ele próprio era vítima, assim como era toda uma nação. Apesar de ter deixado o negócio da
publicidade e estar empenhados num empreendimento novo que foi a Cooperativa de Crédito, a luta e o
sofrimento persistiam cada vez mais intensamente.
Em virtude da dificuldade financeira em conseqüência do mundo econômico da época, os
empréstimos eram solicitados incessantemente de tal modo que não podiam ser correspondidos nem um
décimo de pedido. Por outro lado, o investimento dos associados não cresciam como desejavam. Era uma
época em que os novos empreendimentos eram difíceis de prosperarem. Em última análise, parecia que todo
o negócio estava em jogo entre a abundância ou a escassez de capital de aplicação para o exercício. Apesar
de ele se esforçar desesperadamente em obter o caminho para aumentar os fundos, os associados tomavam
precauções contra o investimento para Toda, que havia suspendido o negócio das publicações. Aproveitando
essa oportunidade em que era difícil adquirir os fundos, começaram a aparecer ambiciosos de diversos tipos.
Entre eles, havia uma turma de empresários, discípulos de Makiguti que se entrosavam com Toda
por um longo tempo. Ele os chamava de companheiros da Escola de Makiguti, a posição deles tornava-se
apagada e afastada com o tempo, até desaparecerem da primeira linha das atividades diárias. Apesar disso,
eles apareciam infalivel-mente sobre a plataforma em todas as assembléias gerais. Tornaram-se por assim
dizer, os líderes de honra.
Toda sentia amargurado e freqüentemente confessava a sua esperança nos Iíderes jovens.
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— A Gakkai é baseada essencialmente na prática. E uma organização sublime que realiza a prática
do supremo bem. São desnecessários os bonecos que ornamentam a plataforma festiva. Enquanto os
diretores dos velhos tempos enfileirarem-se sobre a plataforma, não se poderá dizer que há progressos na
Gakkai. Vocês, jovens, devem tornar-se excelentes. Se os jovens não crescerem brilhantemente o quanto
antes, será difícil sustentar e manter a Gakkai para o futuro.
Esses empresários que estavam afastados de Toda, começaram a visitá-lo repentina e intensamente,
após a criação da Cooperativa de Crédito. Quando parecia que eles traziam os depositantes e os investidores,
logo em seguida traziam inúmeros candidatos para solicitar os empréstimos. Em qualquer sociedade, há os
detestáveis aproveitadores que observam astutamente a chance para tirar os proveitos.
Começaram a aparecer as diversas manobras para conseguir os recursos financeiros. Quando os
pagamentos dos empréstimos se tornavam inevitáveis, os apresentadores se afastavam. Enfim, dentro da
Cooperativa, a responsabilidade caía sobre Toda.
Após um ano de aplicação imperiosa dos 'Nove Princípios para Estabilização Econômica', o
sacrifício resultante era muito maior do que se esperava. Mesmo nas grandes empresas, começaram a
aparecer sucessivamente as fábricas à beira da suspensão das atividades ou redução do horário dos trabalhos.
Em relação às empresas médias e pequenas, a falência continuava a suceder incessante mente, desde o ano
anterior. Os jornais anunciavam diariamente os casos tristes e sombrios no lar com suicídios em
conseqüência das bancarrotas e das insolvências dos impostos. A questão econômica transformou-se
realmente numa séria questão social.
No dia 1 .o de março, o Ministro das Finanças Hayato Ikeda respondeu com otimismo a uma
pergunta sobre o perigo econômico dessa natureza, formulada numa entrevista realizada na Conferência dos
Jornalistas.
— Não posso dizer sem antes investigar até que ponto as falências e os aumentos dos impostos
causaram tantos suicídios.
.. . é natural que surjam cinco ou dez casos de suicídios ou alguns sacrificados em conseqüência de
uma operação política em larga escala numa época em que se adota as medidas para combater a inflação
depois que o país foi derrotado.
Era uma época em que tal pronunciamento podia ser declarado diretamente pelo ministro
responsável. Apesar de o povo ficar indignado, nada se podia fazer, uma vez oprimido pelo poder político e
perseguido pela vida insuportável.
Em meio a essa depressão econômica, Toda precisava liquidar o negócio das publicações e entrosar
com numerosos credores. Muitas vezes foi obrigado a retardar o pagamento dos empregados ou acertar
em parcelas. Com o passar do tempo, começaram a aparecer um ou dois demissionários no serviço. Ele não
procurava detê-los.
Indiscutivelmente, havia falta de novos fundos. Eram muitos os que desejavam empréstimos. Não
obstante, a via de suprimentos de fundos foi sendo cada vez mais escassa com o passar dos meses. O atraso
na recuperação dos débitos piorava ainda mais a escassez de fundos. Além disso, o número de empregados
foi também diminuindo. Finalmente, começou a aparecer os sinais prejudiciais nos seus negócios.
Apesar disso, Jossei Toda, como Diretor Geral da Gakkai, não demonstrava nenhum sinal de
sofrimento na fisionomia dentro das reuniões religiosas. Como sempre, implantava sementes da fé, livre e
espontaneamente através das suas orientações sob o rigor do Budismo, ora severamente, ora cheio de
benevolência. Promovia lições e reuniões obedecendo infalível mente aos programas habituais. Diariamente,
apesar de estar intensamente atarefado, arrumava o tempo, mesmo que fosse o mínimo para dar orientações
de alívio aos sofrimentos, a todos os que vinham à sua procura.
Embora ele não tivesse mais oportunidade para realizar as orientações interioranas, os seus líderes
promoviam-nas ativamente aos sábados e domingos, programando as lutas mensais na região de Totigui,
Gunma, Izu ou outros pontos estratégicos das Prefeituras.
Com exceção dos empregados da Cooperativa, os líderes que chegavam diariamente perto de Toda,
quase nada sabiam sobre os seus sofrimentos em relação à Cooperativa de Crédito. Apreciando a intensa
entrada e saída de pessoas, até pensavam que o negócio estava prosperando e assim, estavam inocentemente
satisfeitos.
Nessa época, Shin-iti Yamamoto corria por todos os cantos obedecendo às ordens de Toda. O seu
trabalho na maioria das vezes era a penosa luta diplomática. Ele que era introvertido e obediente, essa tarefa
de propaganda ofensiva lhe era muito ingrata. Apesar disso, nunca tentava desviar do caminho ingrato aberto
diante dos seus olhos. O senso de justiça não o permitia.
Suas atribuições tais como: corresponder aos credores, fiscalizar rigorosamente o controle, aceitar as
reclamações, etc. . ., não permitiam um descuido por falta de atenção. O cansaço acumulava dia após dia
pelo rigor da realidade e do peso da responsabilidade. Pode-se dizer que o jovem Shin-iti, cedo sofreu o
banho das ondas enormes. Além disso, na maioria das vezes sofria as desvantagens da época. Voltava à sua
pensão altas horas da noite e esforçava-se em orar o Daimoku. Porém, nada se podia fazer contra a exaustão
do seu corpo cansado. Além disso, a sua doença pulmonar fazia enfraquecer dia após dia seu corpo
debilitado.
Desde que saíra de casa um ano antes, ele vivia sozinho num apartamento em Omori. O seu quarto
árido e deserto, às altas horas da noite, fazia sentir às vezes a saudade do lar paterno. Um jovem de 22 anos
talvez no lar pudesse estender o corpo totalmente exausto, física e espiritualmente. Mesmo que fosse um
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soldado derrotado, com certeza os pais o receberiam de braços abertos. Poder-se-ia imaginar que, ao mesmo
tempo, eles, conforme os sentimentos paternais, odiariam o mundo que levara o filho a sacrificar a saúde ao
extremo.
Não desejava de maneira alguma lesar a pessoa chamada Jossei Toda, o mestre mais honroso deste
mundo. Em vez de dar o grito desesperado de socorro, ele se esforçava orando o Daimoku. Se o corpo fosse
sadio. . . ou se os afazeres diários prosseguissem tudo em ordem com o sopro do vento em popa. . . Se
tivesse uma dessas condições, não haveria nele tantos sofrimentos e aflições.
Tanto o corpo como o trabalho, ambos estavam envolvidos pelo perigo dos piores males. Dedicava o
máximo dos seus esforços para obter a recuperação. Porém, quanto mais se esforçava desesperadamente,
mais parecia sentir que as pernas estavam sendo arrastado para dentro do profundo lodo lamacento.
Nessa ocasião, à noite, ele procurava ler uma passagem do Gosho. Já se tornava hábito, escrever os
trechos lidos no seu diário. Pode-se dizer que isso era o único diálogo à noite, para um solitário como ele.
Além disso, fazia iluminar as noites seguidas com as luzes incessantes oriundas do seu coração. Uma dessas
noites ao alvorecer, ele foi surpreendido pela seguinte frase encontrada ao folhear as páginas do Kaimoku-
Sho:
— Deixar o lar paterno para se tornar Bonzo é salvar
infalivelmente os pais.
Embora ser bonzo para ele não significasse cortar todos os cabelos, mas, já que a sua existência fora
entregue inteiramente à missão para a grandiosa Revolução Religiosa, ele renovou a sua consciência de que
trabalhar com afinco sob os pés de Toda, após a despedida do lar paterno estaria criando causas para salvar
infalivelmente os pais. Ele decidiu conscientemente.
A luta árdua do presente é a prova causai para concretizar a própria revolução humana e ao mesmo
tempo fará os pais se tornarem felizes.
— Observem o futuro! Basta por enquanto enfrentar com destemor os momentos de sofrimentos e
dificuldades. Sou jovem. Avançarei para frente e sempre para frente, cheio de alegria e coragem. Tudo não
estaria sob a visão iluminada do Gohonzon? Quem quiser desprezar, que me despreze. Quem quiser, rir, que
ria de mim. Isso não me
importa!
Estendeu o corpo sobre o assoalho do quarto apertado e contemplou o teto com os olhos fitos. Por
vezes, o catarro prendia na garganta sem poder expelir. Os olhos sorridentes de sempre se transformavam
sem querer em olhar rigoroso.
Na verdade, Shin-iti não estava contemplando o teto. Estava inferindo as medidas defensivas, uma
vez que sentia na sua carne, o perigo que avançava sobre a sua vida. A sua decisão adquiria a intensidade até
mesmo de uma fúria. Parecia que ele estava no meio de um furacão.
Os ventos da sociedade sopravam também intensamente. Pode-se dizer que a nação japonesa se
desnorteava em pleno vendaval.
No dia 30 de maio foi realizado o "Congresso do Povo" na praça em frente ao Palácio Imperial.
Participaram também os 20 mil operários e estudantes esquerdistas com o seguinte lema "Vamos formar a
Frente Democrática do Povo".
Essa convenção visava também à comemoração em memória de um membro da União dos
Trabalhadores dos Transportes, falecido há um ano, por ocasião da demonstração de protestos, realizada no
dia 30 de maio, contra a ordem de Segurança Pública do Governo Metropolitano. Havia também uma
tendência fortemente anti-americana. Um policial estava anotando os discursos feitos nessa convenção.
Alguns participantes cercaram e protestaram ao policial. Os oficiais e soldados americanos defenderam-no.
A massa entrou em atrito com os soldados americanos e o incidente foi aumentando cada vez mais. Em
seguida, oito trabalhadores e estudantes foram presos e no dia seguinte foram julgados pelo Tribunal Militar
Americano e três dias depois foram sentenciados. Foram prontamente publicadas as sentenças nos jornais: a
pena de trabalhos forçados por dez anos para um, sete anos para seis e cinco anos para um.
Os sindicatos radicais convocaram a greve geral para o dia 3 de junho. Foram mobilizados todo o
corpo de bombeiros e a polícia metropolitana e assim foi organizado o estado de alerta contra o manifesto. O
governo proibiu as assembléias e as demonstrações. Tóquio estava, por assim dizer, sob estado de sítio.
Nessa situação, no dia 4 de junho foi realizada a eleição dos candidatos para o Senado. No dia 6,
MacArthur ordenou repentinamente a demissão do cargo de funcionários públicos para todos os 24 membros
do Comitê Central do Partido Comunista.
A ordem de MacArthur sobre a expulsão daqueles funcionários públicos enviados por escrito para o
Primeiro Ministro Yoshida nessa época continha um ponto de vista totalmente novo.
— O princípio diretor das Forças de Ocupação até agora se baseava na 'Proteção' e não na 'Punição'.
A sua aplicação abrangia o âmbito limitado, para os que estavam na posição dos que deveriam ser os
responsáveis pelo totalitarismo que conduziu o Japão à conquista e à exploração das outras nações.
— Entretanto, surgiu recentemente uma força indesejável não inferior à da ala direita da política
japonesa. . . Com o objetivo de aniquilar a tendência democrática, tentam transformar esse território num
campo de luta e de anarquia, através da distorção da verdade e da fomentação das violências. A manobra é
surpreendentemente semelhante às dos líderes militaristas japoneses do passado que iludiram a nação e que
desgraçaram o futuro do país.
O âmbito da aplicação da ordem de expulsão até então era limitado aos imperialistas envolvidos no
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mundo político econômico. Entretanto, desde esse dia, os líderes comunistas foram também atingidos. A lei
começou a trabalhar como uma espada de dois gumes. Como uma lei pode transformar o âmbito da sua
aplicabilidade tão surpreendentemente conforme o tipo de pessoa!
Naturalmente a lei criada pelos homens poderá ser transformada tantas vezes conforme a época e
que a mesma poderá demonstrar os novos sentidos conforme a interpretação das pessoas. Porém, não posso
deixar de afirmar a necessidade do Budismo que deveria ser considerado como Princípio Último da Causa e
Efeito, sendo o princípio básico que conduz a lei humana com a elevada generosidade, a imparcialidade e a
reta razão da justiça, dotada ao mesmo tempo de calor humano.
Seria o aspecto da integração mútua da Lei e do Budismo ou a relação idêntica e integrada entre a
política e a religião. Além disso, a relação entre a política e a religião ou a cultura e a religião deveria ser
equacionada na mesma relação. Essas relações fundamentam num princípio totalmente diferente da Unidade
Político-Religiosa (Seikyo-ltti) ou Unidade Político-Cerimonial (Sassei-Itti), que todos poderão compreender
e desejar desde que não sejam insanos mentais. Isso também deveria ser o motivo de anseio para a maioria.
No dia 7 de junho, um dia após o decreto da expulsão dos 24 líderes do Comitê Central do Partido
do quadro do funcionalismo público, os 17 editores do Jornal Akahata (Bandeira Vermelha) foram também
expulsos. Entretanto, o próprio Partido Comunista não foi considerado fora da lei. A maioria dos líderes
comunistas mergulharam-se nas atividades subterrâneas.
Desde cedo, o lado comunista deve ter observado essa situação. Dez dias antes, no dia 27 de maio, a
Missão Soviética do Conselho Aliado para o Japão, composta do General Kuzma Derevyanko e mais 49
delegados retiraram-se como vento para o seu país.
O antagonismo entre os E.U.A. e a U.R.S.S. caminhava cada vez mais para o conflito. MacArthur
elogiou o êxito da aplicação do seu Plano de Ocupação na mensagem do Ano Novo, dizendo: "Atualmente é
raro no mundo um país mais pacífico do que o Japão. . . " Porém, em menos de seis meses, o Japão foi
transformado no país mais agitado do mundo. Além disso, a nuvem de guerra começava a levantar as trevas
e avançava para o outro lado do Estreito da Coréia.
No dia 25 de junho, num domingo de céu totalmente limpo, o rádio transmitia como sempre o seu
programa de entrevistas. De repente foi interrompido. Passados um ou dois minutos, apareceu a voz do
locutor para os que ouviam atentamente.
— Anunciamos uma notícia extraordinária. Os ouvintes apavoraram-se lembrando imediatamente da
época da guerra cinco anos antes. Anunciava de início que o Exército da Coréia do Norte invadira a Coréia
do Sul. As tropas norte-americanas ultrapassaram o Paralelo 38 e penetraram no território sul coreano. Os
que estavam esquecendo o delírio da guerra passada, sentiram imediatamente o gelo nas vísceras com o
temor do estouro da Terceira Guerra Mundial. De repente a guerra fria fez explodir o fogo da guerra quente.
Nos ouvidos do povo, talvez tivessem chegado apenas as notícias unilaterais, pois naquela época sob
regime de Ocupação, os jornais do Japão estavam por assim dizer, "controlados". Atualmente colhendo
vários materiais informativos em relação à Guerra da Coréia, todos poderão compreender a realidade, porém,
para os japoneses foi a guerra mais. estranha deste mundo. Dir-se-ia que os japoneses estavam envolvidos
nos contos do lobo. Permaneciam satisfeitos com a ilusão por estarem de ouvidos tapados.
Nessa época, não se podia acreditar senão que a guerra de invasão fosse declarada pela Coréia do
Norte, conforme a notícia nos jornais. Entretanto, há pessoas que dizem atualmente que na primeira página
do jornal matutino Assahi de 26 de junho, estavam publicadas ao mesmo tempo, as notícias de Pyongyang
provenientes da AFP da Agência Francesa. A notícia de Pyongyang de alguns dias antes informa: "No dia
23, às 22 horas, as tropas sul-coreanas abriram de repente fogos intensos contra as posições norte-coreanas.
Além disso, lançaram 204 vezes os fogos de artilharia contra o Distrito de Pyokang na Península de Ongjin
da Coréia do Norte com canhões de 105 mm e de 81 mm até às 4 horas da manhã do dia 24. Em seguida
canhoaram 300 vezes desde 13:25 às 18 horas do dia 24 e pela terceira vez abriram fogo 200 vezes para as
posições norte-coreanas desde as 6 horas até às 10 horas da manhã do dia 25."
Se isso for verdade, não há outra conclusão senão admitir que a guerra fora iniciada pelas tropas sul-
coreanas. A guerra da Coréia era um enigma desde o seu início. A divulgação em favor próprio até seria
melhor ser chamada de propaganda. As informações fidedignas devem ser baseadas sempre nos fatos
objetivos.
Seja o que for, desde o início era uma guerra sem motivo justificável e sem objetivo admissível. Um
vasto potencial bélico das duas posições penetrou ao mesmo tempo numa estreita península coreana e
desenvolveu guerras encarniçadas por três anos e um mês, um empurrando o outro do norte ao sul e do sul ao
norte por diversas vezes. Alguém disse uma vez que uma guerra sem o motivo justo declarado é uma luta de
animais.
A Guerra da Coréia foi encerrada em toda extensão da península, em meio de uma devastação
trágica e uma grande massa de cadáveres mortos pelos próprios patrícios. Em seguida, separaram-se
retornando cada qual ao lado do Paralelo 38 e permanece até hoje como a "Guerra Sem Vitória".
Realmente pode-se dizer que a Coréia é um país sacrificado pelas duas potências: Leste e Oeste.
No início, tanto a Grande República da Coréia como a República Popular e Democrática da Coréia
estavam sonhando talvez com uma nação única e precipitaram as suas pretensões para unificar cada qual ao
seu domínio.
A Coréia do Norte organizou a unificação preparando a tática de guerrilhas com o mundo comunista
na sua retaguarda. A Coréia do Sul com o protesto da Fortaleza Defensiva Contra o Comunismo, procurou
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formar uma nação unificada o mais depressa possível com o apoio militar americano.
O Paralelo 38 que dividia as duas Coréias certamente não era o que eles queriam. Essa fronteira
artificial foi criada pelo confronto de água e fogo das duas potências Leste e Oeste que se colocaram na
retaguarda de ambos os lados. Não obstante, eles ignoravam que havia muralhas sólidas e invisíveis que não
podiam ser desmoronadas apenas pelas agressões ao lado Norte ou Sul.
Até hoje não foi provado claramente qual foi o lado que iniciou a invasão, porém a realidade mostra
que o lado Norte estava sendo treinado pelos conselheiros militares da Rússia e o lado Sul estava recebendo
treinamento pelos conselheiros militares dos E.U.A. O mais certo é que ambos os lados estavam vigilantes
aguardando o momento da invasão com cerca de 200.000 soldados em prontidão.
Analisando apenas os documentos deixados até hoje pelos líderes sul-coreanos Singman Rhee e
Chang Myun, pode-se pensar como a Coréia do Sul manobrou desepera-damente a política americana para
derrotar a Coréia do Norte. Naturalmente, pode-se suspeitar que a Coréia do Norte estivesse também com a
mesma pretensão. Seja o que for, em vez de considerar que isso fosse o resultado da manobra sul-coreana em
relação aos E.U.A., poder-se-ia pensar que o Departamento de Estado Americano tivesse interesse em abrir
uma brecha na Cortina de Ferro levado pelo ponto de vista de corromper o Mundo Comunista a fim de
manter o Sistema Capitalista do Mundo. Para alcançar esse objetivo, com certeza, a Coréia do Norte parecia
ser o ponto mais adequado para abrir essa brecha. Tal opinião parece que foi aceita unanimemente pelos
líderes sul coreanos e os estrategistas norte-coreanos.
No dia 17 de junho, uma semana antes do início da guerra, o Conselheiro do Departamento de
Estado Americano, John Foster Dulles chegou ao Japão, com o pretexto oficial de "Enviado Especial do
Presidente dos E.U.A. para apressar os preparativos do Tratado de Paz com o Japão". Entretanto, a sua
permanência no Japão durou apenas uma hora e meia e voou imediatamente em seguida para Seul, a .
Capital da Coréia do Sul.
Dulles encontrou-se com o Presidente Syngman Rhee em Seul e no dia 18 visitou o Paralelo 38 onde
incentivou os soldados sul-coreanos que defendiam as trincheiras da linha de frente.
— O momento de mostrar a sua bravura não está longe. . . Enfim, os comunistas perderão o
domínio da Coréia do Norte. (U.P. 19/6 Seul Express.)
No dia seguinte, em 19 de junho, Dulles fez um discurso no Congresso da Coréia do Sul.
— Os E.U.A. estão preparando e auxílio necessário, quer material ou espiritual para a Coréia do
Sul que luta contra o Comunismo.
Assim sendo, pode-se dizer inegavelmente que a sua visita para Tóquio foi para elaborar os últimos
preparativos com o Governo Sul-Coreano. Como conclusão final, o Paralelo 38 foi o local onde foi explodir
o fogo de choque entre as duas posições Leste e Oeste.
Se a troca do fogo fosse apenas entre a Coréia do Norte e do Sul, a guerra acabaria apenas como uma
revolução interna. Entretanto, as grandes potências estavam de prontidão em cada retaguarda.
Naturalmente a guerra da Coréia desenvolveu o aspecto de um conflito internacional desde o seu
início. O povo coreano quando menos esperava, foi obrigado a matar ou morrer pelos companheiros
patrícios. Pode-se dizer que aqui estava o maior drama da guerra coreana.
A fronteira artificial chamada "Paralelo 38" não foi determinada pelos coreanos. Nenhum coreano
compareceu à hora decisiva e nem por sonho eles sabiam disso.
Na última etapa da Segunda Guerra Mundial, a Rússia que declarava a guerra contra o Japão, fez o
seu exército avançar sobre a Península Coreana em agosto de 1945 e desceu rapidamente para o sul, mas
parou prontamente ao chegar até ao norte do paralelo 38.
Em setembro, as tropas americanas provenientes de Okinawa, desembarcaram em Puzan, subiram
rapidamente para o Norte e também pararam imediatamente ao chegar até ao sul do Paralelo 38. A
desmilitarização do exército japonês foi feita em ambos os lados, mas o fato primordial' foi o início da
ocupação da Coréia pelos russos e americanos. A Coréia, embora fosse um país vitimado pelo Japão,
absolutamente não era um país derrotado pela Segunda Guerra.
No dia 2 de setembro, o General MacArthur anunciou a Ocupação da Coréia dividida e decretou o
sistema de governo pela administração militar. Em dezembro foi realizada a Conferência dos Ministros das
Relações Exteriores dos E.U.A., da U.R.S.S. e da Inglaterra em Moscou, onde foi resolvida a administração
da Coréia sob Mandato dos E.U.A., da U.R.S.S., da Inglaterra e da China durante cinco anos, após os quais
estabeleceriam o governo unificado e democrático para a Coréia.
Entretanto, a disputa entre as comissões dos E.U.A. e da U.R.S.S. prejudicaram a formação do
governo unificado coreano e essa resolução estava sendo sumariamente posta de lado. O tempo passava
inutilmente como travessuras e cada lado da Coréia foi estabelecendo o seu governo: A República da Grande
Coréia do sul e a República Popular e Democrática da Coréia do norte.
O anseio desesperado da nação coreana para a formação de um Estado Unificado e soberano foi
pisado e esmagado pela guerra fria. As grandes potências, para manter as desavenças em virtude das
arrogâncias, disputavam-se dessa maneira, sacrificando as pequenas nações.
Durante séculos e séculos, a Península da Coréia foi invadida pelos chineses, japoneses e russos por
ser um cruzamento considerado estrategicamente muito importante. Agora, não se pode negar que os russos
e americanos visavam igualmente as mesmas pretensões para dominar a península. Como conclusão o caqui
maduro caiu partido em dois pedaços para se colocar sobre a mão dos russos e americanos.
No dia 26 de junho, o Presidente do E.U.A. Harry Truman ordenou imediatamente o auxílio à Coréia
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do Sul como se estivesse esperando o início da guerra e convocou ao mesmo tempo o Conselho de
Segurança das Nações Unidas. A reunião do Conselho realizada no dia 28, com a ausência dos delegados da
U.R.S.S. considerou a Coréia do Norte como sendo país agressor e aprovou a resolução militar seguindo a
proposta americana. Foi uma ação ultra-rápida como relâmpago sobre a pedra. Obedecendo esta resolução,
as tropas americanas estacionadas na Coréia do Sul foram logo denominadas de "Força das Nações Unidas".
Foram também preparadas as convocações e ajudas militares para os países pertencentes a O.N.U.
O avanço das forças norte-coreanas era também rápido como reflexo do relâmpago. Logo que
penetraram em Seul no dia 28, a Força Aérea e a Marinha Americana responderam atacando a Coréia do
Norte com bombardeios por aviões e belonaves. O desenrolar dos acontecimentos era tal que, no dia 29, um
sinal de alarme de ataque aéreo chegou a ser dado na base aérea de Itazuke, Kyushu, no Japão. No dia 30, o
Governo Nacionalista de Formosa resolveu enviar as três Divisões do Exército, porém, foram recusados
pelos E.U.A.
No mês de julho, entretanto, as tropas avançadas do exército americano chegaram à linha de
combate, mas as tropas sul-coreanas bateram em retirada, obrigando as forças americanas também a se
retirarem para concentrarem-se na margem do Rio Naktong. No fim de julho foram totalmente cercados
pelas forças norte-coreanas. Nesse intervalo de tempo, o Conselho de Segurança de O.N.U. designou o
General MacArthur como o Comandante Supremo das Forças de O.N.U. em 7 de julho. Assim sendo, as
forças sul-coreanas entraram simultaneamente sob seu comando.
O vendaval transformado em furacão sobre a Coréia, estendeu as nuvens tenebrosas para o mundo.
Recentemente os povos asiáticos ficaram sinceramente contentes vendo as luzes esperançosas da paz na
Indochina pelo ordem de suspensão dos bombardeios ao Vietnã do Norte, declarado pelo Presidente
Johnson. Apesar disso, na disputa da Coréia do Norte e do Sul em torno do Paralelo 38, no Muro de Berlim e
nos Conflitos do Oriente Próximo e Médio ainda não mostraram a alvorada para a solução. Sem a solução
fundamental dessas crises, não poderá chegar a brisa da paz que iluminará totalmente a Terra.
A ofensiva norte-coreana era supreendentemente forte. Os E.U.A. protestaram veementemente a
favor da Justiça Internacional, levantando a bandeira da O.N.U. No dia 17 de agosto, apelaram aos países
signatários da O.N.U. que enviassem urgentemente as forças terrestres. Não obstante, o Governo
Coreano de Seul transferido para Taegue teve que retirar para Puzan no dia seguinte, em 18 de agosto. Dessa
maneira, a primeira etapa da guerra da Coréia passa para a segunda etapa no dia 15 de setembro, com o
desembarque das forças americanas para Inchon: Após então, em todo o território da Coréia dividida em
Norte e Sul, as duas forças ora atacavam ora se retiravam por várias vezes, transformando as lutas em
guerras sangrentas. O povo coreano foi destinado a sofrer os horrores cruéis em conseqüência de
sucessivos avanços e recuos das duas forças.
A explosão da guerra sobre a península separada apenas pelo Estreito da Coréia, para o Japão não foi
simplesmente um fogo no outro lado da praia. O Arquipélago Japonês sob Ocupação transformou-se numa
fortaleza da linha avançada de combate, para servir de base estratégica para as três forças da terra, água e ar.
Naturalmente, foram reforçadas as medidas de segurança interna. Os planos para o rearmamento do Japão
ordenados pelas Forças de Ocupação, foram imediatamente postos em prática.
Ao mesmo tempo, com a declaração da guerra, foi suspensa a publicação do jornal comunista
"Akahata" (Bandeira Vermelha) por trinta dias e no dia 18 de julho a sua suspensão foi ordenada por um
tempo indefinido. Desde cedo, a partir de 16 de julho, as reuniões e as demonstrações estavam sendo
proibidas em todo o país por tempo indeterminado.
No dia 28 de julho foi iniciada a execução do assim chamado "o expurgo vermelho" e foram
expulsos com o pretexto de manter a paz e a segurança das empresas, os operários com tendências
esquerdistas que trabalhavam nos jornais, rádios e tele-comunicações. Com o tempo, essa ação coercitiva
atingiu todas as empresas e o total dos "expulsos" até 22 de novembro atingiu a 10.869 pessoas. No dia 30 de
agosto, a União de todos os Trabalhadores "Zenrôren" foi dissolvida pela ordem para o Restabeleci mento da
Organização.
A constituição e as Leis Internas do País não eram mais obstáculos para as Forças de Ocupação, pois
através das Ordens chegaram até a intervir na política interna do Japão.
MacArthur, por outro lado, ordenou de repente a instalação da Política Nacional de Reserva
convocando 75.000 homens e aumentou mais 7.000 homens para o Departamento da Segurança Marítima.
As despesas de manutenção tiveram que ser sustentadas por uma parte do fundo das reparações. No dia 10 de
agosto, foi decretada a instalação da Polícia Nacional de Reserva, baseada na Declaração de Potsdam e no
dia 23, já na primeira convocação havia completado o alistamento de 7.000 homens,, é desnecessário dizer
que isso foi feito para garantir a segurança do Japão após a transferência de todas as tropas norte-americanas
para a Guerra da Coréia.
O avanço das nuvens era tempestuoso. Quando a nação tomou conhecimento disso, pode-se dizer
que já estava sendo colocada virtualmente no estado em pé de guerra. Poder-se-ia dizer que o povo
compreendeu pela primeira vez o significado da execução coercitiva da Linha Dodge e o conseqüente
desespero da vida precária.
Nessa época, pode ser que o Japão fora obrigado a comportar-se dessa forma por ser um país
derrotado. Porém, a época marchava a passos largos, transformando amplamente o mundo. Além disso, a
transformação era uma necessidade.
O fato de as grandes potências sacrificarem as pequenas nações para o seu proveito é um ato que
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nunca deverá ser perdoado. Isso é contra o senso de humanismo. é um ato dos inimigos da humanidade.
Além disso, nunca chegará a primavera da paz sobre a superfície da Terra, se os países capitalistas
continuarem hostilizando os países socialistas, e os países socialistas continuarem lutando contra os países
capitalistas, visando somente à destruição do seu adversário. Não nascerá o diálogo sincero para a paz, em
meio ao antagonismo, ao conflito e à perversidade.
Toma-se obrigatoriamente necessário o nascimento da Terceira Força baseada na Filosofia Suprema
sobre as duas ideologias opostas. Será que a humanidade não estaria ansiando sinceramente por essa utopia?
A esperança está no sistema ponderado e fundamentado no Budismo que se poderia dizer de Princípio
Humanitário. Almejo sinceramente que o vendaval de nuvens guerreiras transforme-se numa brisa de paz por
meio dessa Filosofia.

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As Ondas Bravias
O dia 22 de agosto de 1950 era o dia mais quente do verão desse ano. Depois do meio dia, a
temperatura subiu até 34,2.°C em Tóquio. Apesar de ser um calor remanescente, os dias eram insuportáveis
para as pessoas que estavam cansadas pela sucessiva insolação.
Apesar disso, quando a tarde fazia o sol esconder atrás das sombras, e no céu, sobre os telhados das
casas, começavam aparecer as nuvens crepusculares avermelhadas no reflexo do sol, já se podia sentir as
brisas frescas penetrarem pelas janelas adentro. Tal panorama crepuscu-lar anunciava que o outono estava
para chegar. Via-se o aspecto das pessoas descansando um momento e apreciando ao mesmo tempo a
sensação agradável do ventos suaves que sopravam pelas ruas.
No segundo pavimento da Nihon-Shogakkan, já havia desaparecido o calor da tarde crepuscular e
penetrava os ventos agradáveis através das janelas totalmente abertas. Porém, a fisionomia dos empregados
que se juntavam debaixo das luzes claras, eram espinhosamente dolorosas e escuras.
Realizava-se uma reunião geral em torno de Jossei Toda. Os empregados estavam ouvindo por
intermédio do senhor Okumura, a respeito da suspensão dos negócios da Cooperativa de Crédito, a partir do
dia seguinte, dia 23. Apesar de tal situação não ser inesperada, o desespero inexprimível avançava sobre eles,
ao saberem que, apesar dos esforços intensos dedicados nesses últimos meses, chegou a esse resultado,
embora conservassem neles o fio de uma esperança. Era a segunda derrota. A primeira foi a suspensão dos
negócios da publicação no outono do ano passado e agora vem a suspensão da atual Cooperativa de Crédito.
Tais derrocadas seguidas não podiam deixar de causar profundos abalos para os empregados.
Eles olharam a face de Toda por instante. No otimismo habitual de Toda, notavam o evidente
aspecto dolorosamente exausto e desesperado. Aquele sorriso de sempre havia desaparecido da sua
fisionomia. Os lábios estavam fortemente cerrados e os olhos brilhavam melan-colicamente no fundo das
lentes espessas dos óculos.
Toda levantou a face e com a voz um pouco rouca, evidentemente como se estivesse mastigando as
suas próprias palavras, começou a falar:
— Assim como foi relatado agora, a Cooperativa de Crédito para a construção Toko será
inevitavelmente fechada amanhã. Sinto muito o que aconteceu. Todos os presentes que trabalharam com o
máximo de esforços devem estar sentindo a mesma tristeza. Reconheço isso. Ninguém é responsável. A
responsabilidade é de Toda, somente. Agradeço novamente as dedicações prestadas a mim.
Toda abaixou levemente a cabeça. Uma das escriturá-rias levou apressadamente o lenço a seus
olhos. As ondas emotivas devem ter chocado no coração de cada um. Eles estavam contendo pacientemente
a explosão de emoções. Se alguém chorasse para desabafar nesse momento, pode ser que a circunstância
fosse salva. Entretanto dominava no ambiente uma atmosfera tensa, não permitindo a mínima chance
atenuante. Parece que as lágrimas afluem quando uma pessoa possui ainda algum recurso. Os que estavam
presentes não vieram travando uma luta que ainda deixasse margem a tal recurso.
Os que quiseram sair, saíram, e os que ficaram, vieram até o fim, despendendo o máximo de esforço
por acreditar em Toda. Apesar de não terem o arrependimento na luta, começaram sentir o fluxo de
inconformações. Todos permaneceram com os seus ouvidos atentos, desviando seus olhos da face
melancólica de Toda.
— Esta vez fui derrotado pela luta econômica, porém não me considero absolutamente vencido
neste mundo. A minha fé está de pé, sem o mínimo de ruína. Podem crer sem objeções que aquela resolução
de sacrificar toda a minha vida pelo grande ideal do Kossen-rufu ainda permanece inabalável. Enquanto o
Budismo de Nitiren Daishonin não for vencido, a minha fé nunca poderá ser derrotada.
O ponteiro do relógio da parede do escritório apontava oito horas e meia. Toda continuou a
falar:
— Enquanto não for derrotada a minha fé, certamente Nitiren Daishonin estenderá as mãos
salvadoras, mesmo que eu estiver caído nos sofrimentos do inferno. Talvez agora eu estou sendo repreendido
por Nitiren Daishonin. Não pode existir um fato sem significado no mundo segundo o Budismo. Sinto muito
por ter causado as decepções a todos, mas eu me considero muito grato pelo que aconteceu.
Entre os que ouviam os dizeres de Toda, havia alguns que entendiam o que significavam, porém a
maioria não podia compreender nada. Os empregados mais conscientes sentiram a extensão dos sofrimentos
de Toda e conseqüentemente fizeram inflamar ainda mais intensamente a chama incessante da fé. Isso
porque eles reconheceram comoven-temente o aspecto de Toda que, mesmo a beira da bancarrota de sua
empresa, ainda lutava sentindo as advertências de Nitiren Daishonin em todo o seu corpo.
— Até o negócio chegar a esse estado, pensei profundamente por que razão chegou a esse ponto.
Refleti também. No início eu não entendia, mas ultimamente cheguei a compreender. Agora não é a época
para revelar a minha conclusão e portanto não revelarei. Mas, com muita gratidão, devo dizer que o Budismo
é rigoroso. Por existir essa rigorosidade é que todos podem ser salvos de toda e qualquer infelicidade que
existe neste mundo. Em última análise, pode-se dizer que pela primeira vez aprendi que eu não estava sendo
derrotado no tocante à minha fé. A minha situação no momento é horrível. Seria mentiroso, se dissesse que
eu estou tranqüilo diante desse obstáculo.
Mesmo pensando somente nos senhores que vieram sacrificando juntos, sinto-me como se estivesse
sofrendo a dilaceração do meu peito. E realmente horroroso reconhecer as perturbações que fomos obrigados
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a causar para os numerosos credores e investigadores. Apesar disso, estou resoluto em sustentar a inteira
responsabilidade e repararei todos esses danos causados. A luta tornar-se-à ainda mais penosa para mim e,
apesar disso, não desejo imitar nenhum ato de covardia. Não sei quanto tempo levará, mas o prejuízo será
certamente reparado. Antes de entrar no balanço da liquidação, desejo que todos compreendam a minha
decisão. As dívidas não poderão ser solvidas tão facilmente. Resta somente a luta que deverá ser travada com
esforço e sinceridade ainda maiores. Sinto-me constrangido ao reconhecer mais sofrimentos daqui por
diante. Entretanto, peço esforçar outra vez chegando a esse momento. Na liquidação há muitos trabalhos
espinhosos com poucos méritos. Todos sabem que obter a compreensão de cada um dos associados não é
uma tarefa fácil. Absolutamente não significa prejudicá-los. Se não obtermos a paciência de esperar a
recuperação, nada poderemos fazer no momento. Não há outro recurso. O ponto crucial consiste em acreditar
ou não em mim apesar dessa situação. Tudo depende de até que ponto vai ser reconhecida a sinceridade do
homem. E isto é o ponto crucial desta batalha. Penso que inicialmente devemos lutar até o fim da liquidação
para depois pensar na restauração no segundo período. Acho que os esforços iniciais terão frutos enormes no
futuro. "Transformar o veneno em remédio" (Hendoku-yaku) é fácil de falar, porém não é fácil de ser
aplicado na prática, se não tiver a coragem e a sinceridade com o elevado teor da fé. As calúnias e ofensas
surgirão como nuvens. Os mal-entendidos amontoarão sobre as falsas interpretações. Se nós temermos tudo
isso, estaremos causando o nosso suicídio. Vamos avançar para a luta com firme coragem, todos convictos
de que a verdadeira luta é daqui para frente?
Estavam repletas de vigor as palavras de Toda. Era a confissão de uma resolução drástica. Os
empregados conscientes aumentaram mais a alegria diante da energia vital de Toda, que não estava
enfraquecido nem um pouco sequer.
Um silêncio profundo invadia todos os recantos do ambiente. No clima de seriedade, ninguém se
atrevia intrometer com sua palavra.
Depois, desatando sua atitude rigorosa, Toda pediu que alguém trouxesse uma garrafa de sakê da
prateleira.
— Vamos tomar? Uma vez que já estamos resolvidos, não há mais o que se preocupar. Aceitem sem
cerimônias.
O sakê frio foi derramado nos cálices em frente de todos. Parecia ser o último cálice e ao mesmo
tempo o cálice da vida ou da morte para os que enfrentavam os sofrimentos e as dificuldades. Além disso,
para muitos empregados que iriam cuidar da própria vida, significava também o cálice da despedida.
O estado espiritual de Toda parecia estar simples e complexo ao mesmo tempo.
Desde maio, prosseguia diariamente uma luta penosa e desesperada até que a Cooperativa de Crédito
para Construção Toko chegasse a tal situação em tão pouco tempo. A causa fatal era a depressão econômica
desfavorável para as empresas médias e pequenas e que atingiu o máximo, no primeiro semestre do ano de
1950, porém nada se podia fazer quando o descontrole do depósito e do pagamento piorava dia por dia.
Procurou esforçar desepera-damente a fim de melhorar a cobrança dos pagamentos atrasados e aumentar os
depósitos. Além disso, foi planejado o aumento de crédito mensal e isso teve um sucesso razoável. Porém,
desde o meado de junho aumentou consideravelmente a devolução dos depósitos. Entrando em julho, a
situação tornou-se tão séria ao ponto de se fazer preocupar a possibilidade dos investidores avançarem em
massa para a retirada dos seus depósitos.
Toda pensou e tentou realizar uma reunião convocando os responsáveis dos negócios a fim de
planejar a ampliação dos créditos. Porém, ninguém desejava dividir os sacrifícios de Jossei Toda. Pelo
contrário, todos os responsáveis pela Cooperativa, sabendo da situação pericli-tante em que se achava o
negócio, apenas tomavam atitudes cautelosas. Alguns até pretendiam retirar os seus depósitos, justificando
por motivo qualquer.
Já que não podia contar com o apoio da inteligência dos responsáveis, não havia outro meio senão
planejar uma associação com outras cooperativas financeiras mais eficientes. Se isso tiver êxito, apesar de
Toda e sua Cooperativa caírem numa situação desvantajosa, pelo menos deixariam de trazer prejuízos aos
credores.
Ele convocou a reunião dos responsáveis e apresentou o plano de associação. Os responsáveis
incompetentes, ao perceberem que isso não traria prejuízos a eles, concordaram plenamente, porém ninguém
procurava transportar o plano de atividades prontamente para a prática.
— Confio na eficiência do senhor Toda. Eu não tenho objeções. Desejo que faça o melhor
possível.
— Vamos conceder carta branca ao sr. Toda? Entregaremos tudo em suas mãos!
Provavelmente eles se sentiram aliviados por enquanto. Em seguida, deixaram tudo a cargo de Toda
para escapar o quanto antes dos seus perigos envolvidos.
Entretanto, o momento exigia o sigilo e a urgência. A situação piorava dia a dia. Não se encontrava
uma cooperativa de crédito em situação vantajosa que consentisse tão facilmente em formar uma associação.
Quanto mais segura a cooperativa, mais difícil era aceitar a proposta de filiação.
A situação chegou a piorar ao ponto de aplicar as medidas drásticas. Toda pensou e refletiu. Em
seguida, percebeu que não havia uma outra estratégia senão jogar a sorte na vitória ou na derrota decidindo
sobre o último plano. Provavelmente ele percebeu diante dos seus olhos que receberia ordem de
impedimento ou liquidação pelo Ministério das Finanças que supervisionava os negócios, caso deixasse
passar dia após dia nessa situação. Já que a situação era essa, ele decidiu solicitar ao Ministério das Finanças
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a aprovação da filiação para outras cooperativas. Já era agosto. Entretanto, parece que não podia mudar
facilmente o rumo dos acontecimentos, quando alguém começa a rolar pelo caminho em declive.
A Cooperativa de Crédito para a Construção Toko solicitou oficialmente o seu pedido de associação
com uma outra associação, diretamente para o Ministério das Finanças, que era o órgão supervisor. O
Ministério mandou imediatamente os investigadores para analisar a situação em que se achava o negócio.
Toda apresentou os documentos e as contas correntes para os investigadores. Os dois investigadores
passavam em revista um amontoado de documentos e faziam suas anotações.
Na tarde do segundo dia, encerrou a primeira vistoria e um investigador mais idoso, com um olhar
compadecido, disse para Toda:
— Senhor Toda, que pretende fazer com essa Cooperativa daqui por diante?
— O que eu pretendo fazer? Não tenho uma idéia brilhante. Portanto, estou solicitando a
associação com outra entidade — respondeu Toda secamente.

— Quanto à questão da filiação, acho que é um problema extremamente difícil. Diante desta
folha de balanço. . . — disse o investigador inclinando a sua cabeça, como se estivesse compadecido de
Toda.
— Somente resta o sacrifício sem recompensa. Seria bom que a Cooperativa possuísse alguns
imóveis...
Toda categoricamente respondeu:
— Isso não existe. Pensei em formar fundos provenientes dos responsáveis, porém isso parece
que é impossível. No âmbito da minha responsabilidade parece que não há outro meio senão aliar-se a uma
outra entidade.
— Notificarei, em todo caso, ao meu superior. Solicitarei a ele o seu desejo. Porém, não posso
prometer nada. Senhor Toda, por que não pensa em tomar uma outra medida?
— Qual é o outro meio?
— É a dissolução da Cooperativa?
— Sim. Como uma última medida. . .
As atitudes dos investigadores foram calmas até o fim. Nesse momento, se Toda estivesse no lugar
deles, talvez daria a mesma resposta. E1e também estava calmo.
A reunião dos responsáveis martelavam sempre o mesmo assunto. O Diretor Geral da Cooperativa,
ex-funcionário de alto gabarito, batia por repetidas vezes a porta do Ministério, apesar do seu corpo já idoso,
para expor a situação e apresentar os pedidos, mas, nada se conseguiu.
O pagamento dos depósitos continuava aumentando rapidamente como se o público estivesse
percebendo o desenrolar dos assuntos internos. A situação caía a tal ponto que já não podia fazer mais nada e
nem deter os pagamentos, embora ajuntasse os fundos.
Coincidindo exatamente com o momento periclitan-te, chegou nessa época, no dia 22 de agosto, a
ordem do Ministério das Finanças para suspender os negócios a partir do dia 23.
A ordem de suspensão dos negócios estava baseado no Art. 6.° da Lei sobre os Negócios Financeiros
em relação às Cooperativas. Este artigo diz: ". . . aplicar inclusive a Lei Bancária e a Lei do Depósito
Bancário". A Lei Bancária aplicável para o caso, diz o seguinte:
"Art. 22°. Diante da situação das atividades bancárias ou dos bens, o Ministro competente em
exercício poderá ordenar a suspensão dos negócios, a restituição dos bens ou outras medidas se forem
necessárias".
Bastaria substituir apenas o "Banco" por "Cooperativa de Crédito". A Lei é o imperativo do Direito
de Estado. Portanto, há, logicamente, as punições. O Art. 8 da Lei das Cooperativas diz o seguinte:
"Art. 8.°. Os representantes, os diretores e os empregados das cooperativas de crédito, se cometerem
qualquer um dos seguintes itens abaixo, serão presos no máximo por um ano ou terão multa de um mil ienes
(daquela época):
Item I — No caso de violar as determinações previstas no Art. 4.º.
Item II — No caso de enganar os funcionários da administração ou o público pela escritura falsa nos
registros dos negócios previsto no Art. 10.º da Lei Bancária que aplica mutandis ao Art. 6.º, que rege os
certificados da inspeção e outros previstos no Art. 12.º da Lei Bancária.
Item III — No caso de impedir os exames previstos no Art. 21.° da Lei Bancária que refere aos
registros, livros e documentos, por meio de falsas declarações ou por outros meios.
Desse modo, a Cooperativa de Crédito não era simplesmente uma empresa comercial. Se fosse uma
empresa comercial, haveria muitos meios para resolver pacificamente através dos acordos com os credores.
Entretanto, a Cooperativa de Crédito sofria as mesmas responsabilidades bancárias perante a Lei. Mesmo
que desejasse a liquidação, necessitava de uma autorização do Ministério.
Jossei Toda, contra sua vontade, foi obrigado a travar forçosamente uma luta contra a Lei do País,
além dos ingratos trabalhos de liquidação que era extremamente difícil.
Não obstante, chegou um desafio público diretamente à sua frente. No dia 23 de agosto, primeiro dia
da suspensão dos negócios, Toda saiu junto com Shin-iti Yamamoto e estava de volta para o escritório após
o almoço. Ao chegar no posto de gasolina da esquina da Avenida antes de entrar no Nihon-Shogakkan,
Yamakawa, o seu 'office boy' estava aguardando a chegada dos dois com inquietação fora do comum. Em
frente ao escritório havia realmente um carro hasteando a bandeira da Imprensa.
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— Mestre! Um repórter do Jornal T. está à espera, desejando entrevistar o senhor. Disse que o
senhor está ausente, mas ele não quis se retirar.
— Não tem importância! Vamos encontrá-lo? — respondeu Toda despreocupadamente e
começou a andar.
O menino o impediu dizendo!
— Mestre! Não vá. Ele veio informado de que o negócio foi impedido. Momentos atrás ele
telefonava ao seu Jornal avisando o seguinte: "Eu tenho um assunto sensacional e portanto me espere
abrindo as páginas brancas do jornal. Aguarde até a hora de imprimir. Daqui a uma hora levarei com
certeza a notícia já pronta". Toda parou e viu o rosto de Shin-iti.
— Como chegou tão cedo! Já está começando a trazer os aborrecimentos.
Nesse dia estava marcada a reunião dos responsáveis da Cooperativa para 13:30 horas. Ele retirou o
relógio do seu bolso. Já estava em cima da hora. Toda chamou
Shin-iti.
— O que você acha, vamos nos encontrar com o
repórter?
— Desejo encontrá-lo antes, porém apenas para encontrar. Mestre, peço esperar fora como se
estivesse ausente.
Shin-iti Yamamoto, apesar dessa situação inesperada, tomou imediatamente a sua iniciativa própria.
— Então faça o que você pretende. Não sei até que ponto ele está sendo informado. Isso é um
problema. Não fique só falando, mas ouça bem o que ele diz.
Shin-iti entrou no escritório, na frente do menino. Um homem aparentando uns trinta anos, com a
boina sobre sua cabeça, estava escrevendo algo apressadamente no papel de rascunho sobre a mesa situada
num dos cantos do escritório. Percebendo a aproximação de Shin-iti, o homem ergueu a sua cabeça e disse
— "Como vai!", levantando levemente a mão. Quando Shin-iti se apresentou, ele disse, oferecendo o seu
cartão de apresentação, que desejava entrevistar com o responsável da Cooperativa. Shin-iti percebeu a
chegada de um momento que viria fatalmente acontecer um dia e assumiu olhares cada vez mais sérios.
— O Diretor Geral está ausente. O Diretor Responsável também está fora e penso que a sua volta
será muito tarde. Somente eu cheguei agora, mais cedo.
Shin-iti Yamamoto sentou sobre a cadeira que estava ao seu lado e olhou o cartão do repórter.
Estava escrito: "Repórter sobre os assuntos sociais do Jornal T." Sobre o seu corpo esbelto, mostrava a
fisionomia um pouco exausta apesar de os olhos e o nariz estarem proporcionalmente situados.
— Qual é o assunto?
— Ouvi a notícia da suspensão dos negócios da Cooperativa a que o senhor pertence e eu
cheguei aqui a fim de conhecer a situação real. Como é terrível! Sinto muito pelo que aconteceu. Assim
sendo, quantas pessoas são os investigadores? Desculpe falar em balanço total dos prejuízos, mas qual foi o
prejuízo da Cooperativa?
Imediatamente Shin-iti Yamamoto ficou admirado com a pergunta eficiente do repórter. Percebeu
que ele sabe usar o método sobre o diálogo e a orientação para com as pessoas, aplicando à fórmula
"essência, resumo e extensão", de acordo com a exigência do momento. Lembrou de uma orientação que
Toda dizia freqüentemente em relação ao diálogo: "Pegue o essencial quando é urgente, colha o sumário
quando o tempo lhe permite e explanação se é necessário estender o assunto".
Seja o que for, o repórter está apressado. Está desesperado para aprontar a notícia até à última hora
do encerramento da colheita do material. Shin-iti, apesar do seu temperamento apressado, achou que era
necessário ganhar tempo e dialogar minuciosamente, pois o caso era sério.
— Bem. Penso que a soma seria enorme, porém isso é ainda coisa de ontem ou hoje, e por
enquanto, não sei nada sobre os dados exatos.
— Sim. Eu concordo.
O repórter continuou a falar concordando como se fosse um homem compreensivo.
— Gostaria de saber os dados exatos, porém ficaria grato se fornecer os cálculos mais
aproximados. Por favor, peço que me faça pelo menos um balanço sumário.
— Poderia falar o balanço a grosso modo, porém, só o Diretor Responsável poderá fornecer os
dados exatos.
Deixaremos os dados exatos para. outro dia. No momento estaria satisfeito com o cálculo mais ou
menos aproximado, contanto que não esteja longe da verdade.
— Mas, a reportagem correta não é a vida de um jornal?
Surpreendido pelas palavras do jovem Shin-iti que procurava analisar todos os fatos com
sinceridade, o repórter tremulou as pálpebras e olhando para o seu relógio, disse:
— é isso mesmo! A reportagem correta é a nossa vida. Porém, nesse momento, devo concluir
pelo menos uma redação sumária. Como o senhor sabe, é uma profissão que é perseguida pelo tempo. O que
o senhor acha, concordaria comigo? Não escreverei de maneira desvantajosa para sua firma.
— E o meu desejo. Mas, como o senhor chegou tão cedo! Nenhum repórter conseguiu chegar
aqui ainda. . .
— Ora, a cobra conhece o caminho das serpentes. Tive a chance de conhecer casualmente. Os
companheiros de outros jornais, talvez ainda estejam ignorando totalmente o fato.
— Então seria um privilégio especial para o senhor?
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O diálogo entre os dois prosseguia dessa maneira e o tempo passava de momento a momento. O
repórter começou a falar orgulhosamente como conseguiu saber assim rapidamente. A cada palavra do
repórter, Shin-iti martelava com sua concordância a fim de estender o assunto.
Ele contava apaixonadamente a sua experiência para Shin-iti, que desejava ser jornalista. Em
seguida, olhou o seu relógio e percebeu que o momento de imprimir o jornal já estava em cima da hora
marcada.
— Que pena! Hoje não dá mais tempo. . . Por favor, queira emprestar-me o telefone?
O repórter comunicou ao seu jornal pelo telefone que a reportagem não dava mais tempo para ser
publicada e voltou desanimado para o seu lugar.
Sentindo-se aliviado, Shin-iti estava pensando no que ia fazer daí para frente.
— Senhor Yamamoto, vamos deixar para amanhã? Eu também não quero escrever um artigo
supérfluo e portanto desejaria colher os dados certos por intermédio do Diretor Responsável, E possível?
Sua voz parecia conter a imponência ou a exigência. Nesse momento, Shin-iti resolveu enfrentar
com sinceridade esse homem que era o repórter de um jornal. Poder-se-ia dizer que essa atitude valeria para
todas as ocasiões.
— Estaríamos em má situação, se o senhor escrevesse a esmo. Temos a convicção de não
prejudicar absolutamente as pessoas relacionadas com a Cooperativa. Por esse motivo estou aqui agora
analisando seriamente as medidas que devem ser tomadas. Nesse ínterim, o Jornal interfere e a sua influência
poderia talvez aniquilar tudo. Isso é o mais temível. Devo-me conformar, desde que a reportagem é baseada
em dados reais. Seremos prejudicados quando a nossa sinceridade for distorcida. Se o senhor pode reconhe-
cer o que estou dizendo, então poderei informar a situação real baseada em dados concretos. Assim, sendo,
penso que isso também poderia evitar os falsos boatos que poderiam ser comentados pelo público.
— É isso mesmo. E isso mesmo! Porém, peço não informar aos outros Jornais.
— Estamos combinados. Em troca, peço-lhe prometer que fará uma reportagem em dados
corretos.
— Se é para isso, pode estar tranqüilo. Como jornalista, orgulho-me também em viver pela
justiça social. Não sou aquele que trai o próprio princípio.
O repórter mostrava-se bem mais à vontade. Talvez ele estivesse satisfeito pelo privilégio em obter
todo o material para si. Shin-iti pensou que já conseguiu defender-se contra as notícias arbitrárias de última
hora. Percebendo que a entrevista no escritório daria muito à vista, marcou o encontro com Toda para o dia
seguinte às 11 horas no salão de chá onde se acha o Portão do Tigre.
Apesar disso, o repórter não se levantou e continuava investigando persistentemente. Para Shin-iti
parecia que ele, com aparência disfarçadamente despreocupada, estava aguçando seus nervos pelo senso da
própria profissão e observava com seus ouvidos atentos sobre os dizeres nos telefones e sobre os ruídos de
saída e de entrada dos empregados.
Shin-iti informou sinceramente a respeito da Cooperativa de Crédito, desde o seu início e da
personalidade respeitável de Jossei Toda. O repórter retirou-se com muita curiosidade.
Na manhã seguinte, dia 24, às 10,50 h., os três foram entrevistar-se num canto escuro da casa de chá
onde havia o Portão do Tigre. Talvez por ser período da manhã, quase não havia sombra de pessoas.
O repórter foi examinando com cuidado o material que Shin-iti trouxera e continuou fazendo duas
ou três perguntas. Toda mantinha sua dignidade e não mostrava o mínimo remorso. Parece que a força da sua
sinceridade moveu o repórter. Finalmente, o repórter disse:
— Como há muitos títulos não coletados, se puderem arrecadá-los, então poderão cobrir todos
os débitos, não é?
— É isso mesmo. Porém, no momento é impossível arrecadar tudo. E necessário a ajuda do
tempo. Como não desejo causar prejuízo para os credores, solicitei para o Ministério o nosso desejo de filiar
a uma outra cooperativa mais eficiente. Entretanto, a resposta é a ordem de suspensão dos negócios. Foi uma
surpresa como o jato de água no ouvido de alguém que dorme. Isso só agravou a situação.
Toda explanou claramente os pontos-chave. O repórter mostrou a fisionomia surpreendida.
— Isso é demais! O senhor confessa e imediatamente a sentença é a suspensão. Que decisão
cruel e fria!
— Ah, ah, ah. O senhor disse "confessar"? Essa foi boa!
Toda riu euforicamente. Shin-iti e o repórter começaram a rir. Em seguida, percebendo
intuitivamente a chance para obter a compreensão decisiva, Shin-iti disse:
— No momento, o público desconhece a realidade. Se a nessa situação fosse levada diretamente
ao público, a notícia da suspensão do negócio seria imediatamente interpretada como sendo iminência de
dissolução e conseqüentemente os credores virão nos invadir. Além disso, na véspera da suposta liquidação.
Não encontrarão pessoas de boa fé em devolver o dinheiro emprestado. Conseqüentemente não haverá mais
solução. Acabará dando prejuízos aos credores. Isso para nós é um fato mais doloroso. Embora possuíssemos
a convicção de saldar certamente no futuro, a suspensão para nós é realmente uma tristeza. Se nós não
tivéssemos "confessado", como o senhor diz, talvez não teria sido declarada a ordem de suspensão dos
negócios. Embora fosse declarada, isso viria com certeza posteriormente. Nesses últimos dois meses nós
estávamos esforçando desesperadamente para colocar tudo em ordem. Certamente seria recuperado, embora
levasse tempo.
— Entendo. . .
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O repórter parecia refletir algo, abaixando a sua cabeça. Vendo a fisionomia do repórter, Shin-iti
percebeu que chegou a hora de apresentar claramente a conclusão.
— É realmente uma desgraça em cima do fracasso. A liquidação tornou-se mais difícil ainda.
Não desejo prejudicar a liberdade de imprensa, mas, se forem comentados pelos jornais, justamente nesse
período, os nossos esforços serão perdidos inutilmente como borbulhas. Os credores invadir-nos-ão e os
devedores deixarão de saldar aproveitando-se da situação. O acordo mútuo será impossível de ser realizado,
a Cooperativa será difamada de fraudulenta e será eliminada para sempre. Se fosse uma empresa comer
cial, ainda seria admissível, mas tratando-se de uma instituição financeira, o caso toma-se mais complicado.
Se
for declarado mais tarde, daqui a dois ou três meses, a liquidação estará praticamente concluída e a
Cooperativa não sofrerá tantos prejuízos. ..
O amor próprio de Shin-iti não permitia a súplica. Somente disse claramente a verdade, orando com
seu inteiro bom senso. Não havia o mínimo de expressão ou conduta que sugerisse qualquer tipo de
artimanha.
O repórter ouvia com sua face erguida. Talvez estivesse preocupado com a questão da liberdade e do
poder da imprensa e da sua influência correspondente. A glória do seu noticiário não deixa de sacrificar a
vida de numerosas pessoas. Parece que ele sentiu o arrependimento de ter penetrado profundamente nesse
caso.
— Que pena!
O repórter foi obrigado a pesar forçosamente sobre a balança, a sua aspiração à fama e a crueldade
da imprensa, apoiando-se sobre a justiça social. O prato da balança parecia equilibrar-se e o ponteiro não
parecia inclinar nem para um lado e nem para o outro.
O silêncio reinava por momentos. Todos acabaram de dizer o que desejavam e estavam tomando o
café já frio.
A "Canção Cigana" chegava aos ouvidos proveniente de um fonógrafo colocado no canto da sala.
DEIXANDO ATRÁS A SUA TERRA QUERIDA,
A PROCURA DO PARAÍSO DOS SEUS SONHOS.
CONTEMPLANDO A ALVORADA DO CÉU NASCENTE,
ADMIRANDO O CREPÚSCULO DO CÉU POENTE,
DESDE O LEVANTAR COM O CHILREAR DOS PÁSSAROS. . .
CIGANOS! PARA ONDE IREIS? O POVO ERRANTE!
POVO ERRANTE! CIGANOS! PARA ONDE IREIS!
Talvez por ser intervalo de almoço, alguns homens e mulheres entraram na sala mostrando atitudes
animadas.
Jossei Toda, que permanecia até então em silêncio, subitamente, nesse momento, disse:
— Enfim, todo o poder de decisão, de ajudar ou prejudicar a nós, os dependentes da
Cooperativa de Crédito, está inteiramente em suas mãos. A nossa vida ou morte depende da sua decisão. O
resto, faça o que a sua consciência manda.
Shin-iti observou o repórter com seus olhos brilhantes, assustado pela coragem de Toda. Ele estava
com a cabeça baixa enrugando a testa, mas levantou imediatamente a sua face e como se estivesse
declarando a sua resolução, disse:
— Entendi. Está bem, vou esperar. Peço comunicar-me quando o seu negócio estiver em
ordem. O valor da notícia está perdido mas não tem importância.
Shin-iti, sorrindo e embrulhando os documentos, respondeu sorrindo:
— Faça isso, por favor. Assim, a nossa Cooperativa poderá cumprir pelo menos as
responsabilidades. Cumprirei certamente esta promessa.
— Apesar disso, foi uma pena perder uma reportagem tão sensacional! — sorriu levemente o
repórter, mostrando a sua inconformação.
Shin-iti voltou seus olhos para Toda. Ele estava fumando intensamente, olhando para o forro do teto,
soprando a fumaça nessa direção.
Ambos despediram do repórter em frente da casa de chá. Quando Shin-iti tentou chamar o táxi. Toda
interrompeu-o dizendo:
— Está fazendo muito calor. Vamos andando?
Os dois foram caminhando pela calçada em direção ao Parque Hibiya. O céu mostrava a véspera de
chuva, com o vento soprando fortemente. Caíam folhas das árvores das ruas. Duas folhas, três folhas. . .
Enquanto andavam juntos, ambos ficavam a pensar que se foi mais uma dificuldade. Nesse instante, Toda
voltou seus olhos para Shin-iti e, conscienciosamente, lembrando talvez algo importante, disse:
— Shin! O jornal possui uma força extraordinária na sociedade atual. Que ele dá trabalho, dá.
Mas, possuir um jornal significa possuir uma força poderosa. Nós, da Gakkai, precisamos possuir o jornal
numa oportunidade mais breve possível, não acha? Shin! Vá estudando o caso.
Shin-iti reconhecia também o poder de um jornal, porém, ainda não se havia lembrado de um jornal
para a Soka-gakkai. O Jornal Seikyo Shimbum publicado pela primeira vez no ano seguinte, em 21 de Abril
de 1951, começou a ser elaborado justamente nessa época tumultuosa.
Os dois caminharam até próximo à Sede da Polícia Metropolitana. Toda contemplava
profundamente o prédio impotente por um certo tempo, mas não disse nada. Há sete anos, após a repressão
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do Governo Militar, ele e seu honorável mestre Makiguti perderam as liberdades e foram presos no porão
daquele prédio no calor do verão de 1943. Na consciência de Toda, a memória dos sete anos atrás,
juntamente com a lembrança de Makiguti, deve ter perpassado sua mente numa sucessão rápida e contínua.
Shin-iti chamou um táxi. Dentro do carro, Toda permanecia em silêncio, parecendo pensar em algo
importante. Mesmo após o retorno ao escritório, passou pela sala de administração e foi direto à sala do
segundo andar e fechou-se evitando quaisquer comunicações.
Naquela sala, estava à sua espera Yuzo Mishima, que era o chefe editorial da Nihon-Shogakkan e, ao
mesmo tempo, o Diretor da Gakkai. A moça do escritório, que levou o jantar à tarde até lá, retornou ao
escritório e comunicou num tom murmurante que Toda e Mishima combinavam algo importante num
ambiente de tensão.
Nessa noite, a lição do Hokekyo estava marcada para as 18 horas.
Aproximadamente a essa hora, vinham chegando apressadamente os numerosos membros da
Gakkai, entre os quais muitos rapazes e moças. O calor abafado com o cheiro de suor preenchia toda a sala,
porém isso também era sinal de desprendimento de vigor radiante. Uns cumprimentavam-se mutuamente,
outros contavam piadas, humoristicamente e alguns liam o texto em conjunto. Aqui o ambiente era
completamente oposto de um clima de séria compenetração que reinava no escritório lá em baixo.
Passados os momentos, Toda compareceu junto com Mishima. Em seguida, explanou o Hokekyo
como de costume.
A lição de Toda, com clareza original e senso de humor, prosseguia sem alterações e mesmo sem
nenhuma sombra de aflição. A fisionomia dos ouvintes, persuadidos pela lição, mostrava-se radiante e com
olhares vividos. A cena da lição do Hokekyo em nada diferia das vezes anteriores.
A lição encerrou-se às 20 horas.
De repente, com a atitude solene e com força nas suas palavras, Toda começou a dizer:
— Esta noite, eu tenho um assunto que gostaria que todos ouvissem com atenção.
As pessoas que estavam guardando o caderno e o texto, imobilizaram suas mãos para observar Toda.
— Não é o assunto que se relaciona diretamente com os senhores. E um assunto exclusivamente
pessoal. Na verdade, a Cooperativa de Crédito está com as atividades suspensas desde ontem. Sou
inteiramente responsável. Assim sendo, eu devo resolver esse difícil problema e deixar tudo limpo. Não há
relação alguma com a Gakkai, porém essa tarefa tornou-se um caso demasiadamente sério para mim. Após
uma análise profunda, cheguei a uma conclusão consciente, e por motivo de força maior, resolvi deixar o
cargo de Diretor Geral da Gakkai.
Foi uma surpresa. Era como um relâmpago inesperado em pleno céu azul. Nesse instante, os
ouvintes duvidaram de seus próprios ouvidos. Uma vez certificado de que não foi um mal-entendido, todos
observaram Toda com seus olhos arregalados.
— Consequentemente, peço ao senhor Yuzo Mishima ocupar o cargo de Diretor Geral.
Agradeço a todos que apoiaram com os maiores esforços a minha pessoa incom petente e ao mesmo desejo
solicitar os mesmos apoios para o novo Diretor Geral. Isso não quer dizer que eu abandonei a minha fé. A
decisão de oferecer a minha vida para a grandiosa obra do Kossen-rufu permanece inalterada. Por conservar
essa resolução é que eu devo agora atirar-me dentro do pleno sofrimento. Aconteça o que acontecer para
mim, a Soka-Gakkai deverá permanecer absolutamente sã e salva e, além disso, acredito com toda a
convicção que está sob proteção absoluta do Dai-Gohonzon. Em suma, não podem criar o mínimo de
tumultuações por causa de coisas tão pequenas como a substituição do Diretor Geral. Se alguém criar
dúvidas, críticas e manobras sobre esse ponto, a sua própria atitude fará com que se torne o inimigo do Buda.
Peço encarecidamente que
não cometam o erro de interpretação. Dentro de mim, possuo também, e profundamente, uma resolução.
Desejo incessantemente que daqui para frente todos prossigam conservando a união sólida num só espírito
em torno do novo Diretor Geral, senhor Mishima.
A fisionomia de Toda, por demais séria, parecia estar empalidecida. Katsu Kyohara permanecia
ouvindo com seus olhos totalmente congestos. Izumida, Harayama e Konishi mostravam também a
fisionomia inconformada e sombria com o aspecto de tristeza indefinível. Não apenas eles, mas também a
maioria dos dirigentes não se conformavam, e mal suportavam seus sentimentos angustiantes.
O discurso do novo Diretor Geral Mishima prosseguia. Embora suas palavras entrassem nos
ouvidos, nada restava no espírito vazio das pessoas.
A maioria dos dirigentes diretamente ligados a Toda estava presente nessa noite. Porém, diante desse
fato inesperado que não esperavam nem por sonho, não puderam pensar no que deviam fazer. Toda ordenou
que não devem causar o mínimo de tumultos. Entretanto, o estado de espírito deles não se conformava.
Talvez estivessem percebendo levemente os sofrimentos de Toda e, portanto, estivessem sofrendo sem saber
como devia interpretar. Apesar disso, ninguém levantou a questão. A surpresa era tal que eles eram
incapazes de fazer perguntas para esclarecer a ocorrência.
Toda fechou-se outra vez na sala do segundo andar. Não como sempre, esta vez os presentes
retiraram-se silenciosamente. Os dirigentes mais chegados a Toda, tensos, discutiam algo em torno de Yuzo
Mishima. O próprio Mishima estava perplexo pela demissão de Toda.
Shin-iti Yamamoto sentia vinculado a uma frase dita por Toda: "Dentro de mim, possuo também, e
profundamente, uma resolução". Ele não podia compreender a Soka-gakkai sem a presença de Jossei Toda.
Na verdade, a Gakkai era a vida de Toda, e Toda era a própria vida da Gakkai.
69
Shin-iti saiu da turma que rodeava Mishima e em seguida foi sozinho para a sala de Toda. Ele
estava fumando com a cabeça apoiada sobre a palma da mão sustentada sobre a mesa pelo cotovelo.
— Diga, o que aconteceu?
Shin-iti não podia responder de imediato. Sentou educadamente diante da mesa, concluiu o
pensamento e finalmente disse:
— Mestre...
Seus olhos estavam repletos de lágrimas.
— O que quer?
— Mestre, agora que o senhor Mishima é Diretor Geral, então ele será o meu mestre?
— Não, isso não! Apesar de ter-lhe dado somente sofrimentos o seu mestre sou eu!
Como num reflexo, voltou a resposta franca de Toda. Shin-iti queria saber esta resposta com toda a
pureza da vida de que é capaz um jovem. Além disso, ele desejava ouvir de Toda esta resposta. Um calor
agradável e inexprimível invadiu o seu corpo. Isso era como a luz de um farol vista brilhantemente do
oceano tenebroso e tormentoso. Parecia renascido pela fonte d'água pura num oásis em pleno calor
incandescente do deserto.
— Isto é tudo. Aconteça o que acontecer, mesmo que a Cooperativa de Crédito vá a bancarrota
ou que Toda deixe o cargo de Diretor Geral, enquanto o vínculo entre Toda e eu permanecer intacto, nada
mais me importa.
Entretanto, esse seu pensamento não se traduziu em palavras. Shin-iti permaneceu emudecido,
fitando Toda com sua fisionomia radiante. Já não se via mais o sofrimento na fisionomia de Toda, porém as
lágrimas brilhavam nos seus olhos.
— Shin, o que houve?
— Nada, Mestre. Não houve nada.
O seu sentimento, invadido pela sensação de imenso prazer, não deixava definir seu desejo nem
formular as palavras.
— Mestre, boa noite.
Depressa, Shin-iti despediu-se e deixou o local. Em seguida, desceu a escadaria. Calçou os velhos
sapatos, e saiu sozinho. Foi andando pela calçada dentro da noite, a passos largos a denunciar sua
incontida alegria, assobiando a sua canção predileta, "A Lua Sobre os castelos em Ruínas". No seu íntimo,
frisava a sua afirmação.
— "O meu Mestre é Jossei Toda. E ele o Mestre para toda minha existência. E ele, sim. Está tudo
bem. Para mim, isso é tudo.
O dia 24 de agosto era, para Shin-iti Yamamoto, o terceiro aniversário da sua conversão.
O próprio Toda não deixou de pensar na sua demissão do cargo de Diretor Geral como expediente
em último caso, mas não imaginou que essa ocasião viesse tão cedo. Talvez ele tivesse tomado providências
para que as ondas conseqüentes da suspensão dos negócios da Cooperativa de Crédito não viessem influir
em primeiro lugar sobre a Soka-gakkai. Entretanto, antes que isso acontecesse, as ondas bravias ressoavam
como um caso social.
Hoje de manhã, Toda pensava nisso na casa de chá do Portão de Tigre. Embora conseguisse impedir
de início a reportagem no Jornal, há outros jornais. Poder-se-ia imaginar outras investigações semelhantes.
Além disso, não. podia pensar com otimismo, pois o Ministério das Finanças poderia talvez resolver o caso a
qualquer modo sob pretexto da lei.
Jossei Toda era Diretor Administrativo da Cooperativa de Crédito para a Construção Toko e, ao
mesmo tempo, Diretor Geral da Soka-gakkai. Era portanto, seu responsável máximo, após o falecimento de
Makiguti. Os olhos duvidosos da sociedade, serão naturalmente dirigidos para a Soka-gakkai. Quando
pensava na possibilidade de que o caso viesse lesar a Soka-gakkai, Toda sofria terrivelmente, mais do que se
estivesse ferido o próprio corpo. Ele podia suportar críticas quantas viessem, se isso fosse em relação à
Cooperativa de Crédito. Entretanto, não podia suportar jamais as críticas que viessem desonrar a Soka-
gakkai em conseqüência da suspensão do negócio financeiro.
Os sofrimentos amontoavam-se em dobro. Ele soube que estava bem no meio das ondas bravias. Era
necessário atravessar forçosamente as ondas torrenciais e dar a vasão de escape. Se fosse engolido por ondas
tenebrosas, tudo verteria em derrota e tudo se acabaria em vão. Ele pôs em ação toda a coragem de seu ser.
Com a demissão do cargo de Diretor Geral, ele procurou defender pelo menos a Soka-gakkai, sem provocar
qualquer lesão, mesmo que ele próprio sofresse os danos.
Dispendeu horas e horas à tarde para a meditação nesse sentido. Em seguida, à noite comunicou
inesperadamente para os membros da Gakkai. Estava absolutamente ciente de que os discípulos iriam sofrer
e entristecer-se e que isso iria influir no ritmo da marcha do progresso da Soka-gakkai.
Toda devotou-se corajosamente na liquidação da Cooperativa de Crédito. Entretanto, a situação era
grave e muitas vezes sentia ser arrastado para dentro da profunda lagoa lamacenta e submergido nesse lodo,
caso ficasse parado. Iniciou a luta desesperada para escapar dessa lagoa lamacenta. Elaborou a lista dos
credores, e pôs todos os funcionários a visitá-los pessoalmente, começando com aqueles investidores de
maior monta. Não se tratava, porém, de algo que pudesse ser aceito já na primeira visita. Uma vez informada
a notícia, Toda lançava imediatamente a instrução seguinte. Os empregados incentivados saíam de novo e
voltavam exaustos. Tal atividade transformava-se numa luta séria de vida ou morte sem perda de tempo, pois
a atitude do Ministério das Finanças era por demais intransigente.
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Shin-iti Yamamoto queria superar o mais depressa possível os sofrimentos e as dificuldades em
todos os sentidos. Ele esforçou mais intensamente do que qualquer pessoa. Uns desistiram, outros
debandaram e, por fim, ele ficou sozinho na primeira linha de combate em defesa dessa luta. Eles
abandonaram com astúcias, ou alegando as dificuldades do sustento, ou receiando a opinião pública, ou
ainda evitando as responsabilidades. Guardando a ira dentro de si, Shin-iti almejava tão somente a
restauração de Toda, e atirava-se na luta, diariamente, até avançando horas da noite, com a fúria diabólica de
um demônio.
Era surpreendente como aquele corpo doentio pudesse ainda possuir tanta reserva de energia.
Sábado, dia 26 de agosto. Na véspera de domingo, Shin-iti saiu de casa e foi para o escritório com a
decisão de lutar intensamente o dia inteiro.
Shin-iti visitou três, cinco ou dez casas dos credores, até esgotar sua resistência física, defendendo os
interesses da Cooperativa. Talvez pela exaustão, veio a sensação febril. Sentia dor nas costas e mal-estar no
peito. Apesar do corpo definhado, tratava dos difíceis negócios com os credores sem outro recurso que não a
sua cândida honestidade.
Entretanto, onde ele ia, encontrava o impasse. Tentava resolver com paciência, porém, quando ouvia
os desaforos, sentia-se indignado. Noutras vezes, penalizado com a situação precária dos investidores, sentia
dificuldade em tratar do assunto. Nesse dia, teve que trabalhar até altas horas da noite.
Enfim, retornou exausto ao escritório após 22 horas, mas a sala do térreo estava escura com as luzes
apagadas. Subindo ao primeiro andar, encontrou Toda sozinho e solitário, aguardando a chegada de Shin-iti.
Shin-iti, surpreso disse:
— Desculpe-me. Cheguei tarde. Onde foram os outros?
— Agradeço seus esforços. Como todos estavam cansados, sugeri que voltassem mais cedo
para casa. Shin-iti, como foi o resultado de hoje?
Ele relatou pormenorizadamente os detalhes dos negócios do dia para Toda, que aguardava
ansiosamente a notícia. Talvez desejasse saber claramente a conseqüência das medidas aplicadas após a
suspensão dos negócios. Toda insistiu em certificar-se dos pormenores do relatório das atividades do dia.
Ambos concordaram em reconhecer que a ordem de suspensão das atividades financeiras fazia piorar cada
vez mais a situação.
Perceberam que, sem a aplicação de um novo método, não poderia obter êxito na elaboração dos
negócios para o futuro. Ninguém iria confiar, se não provasse a honestidade sob alguma forma concreta. Isso
era tanto mais necessário para uma Cooperativa que estava perdendo o crédito.
A deliberação e o planejamento de ambos prosseguiram na sala totalmente silenciosa até à noite
avançada.
Já era uma hora da madrugada, quando Shin-iti chegou a Shirogame, na residência de Toda, em sua
companhia. Tocada a campainha do portão, veio Ikue receber apressadamente. Percebia-se nesse instante
uma sombra de preocupação na sua fisionomia. Porém vendo Shin-iti atrás do seu marido, ela abrandou sua
atitude e chamou Shin-iti como quem quisesse confortá-lo:
— Desculpe-me dar trabalhos até essa hora da noite.
— Shin, vamos entrando?
Toda, manifestando também o agradecimento a Shin-iti, foi subindo na frente, pela escadaria, para o
primeiro andar.
Foi diretamente à frente do oratório e sentou-se.
— Vamos fazer a oração da noite?
Shin-iti sentou-se atrás de Toda e acompanhou o Daimoku às altas horas da noite até sentir-se
satisfeito.
Logo após o Gongyo, perceberam os passos de Ikue. Ela veio trazendo sobre a bandeja o sakê para
Toda e soda para Shin-iti.
— A oração de hoje à noite tornou-se numa cerimônia especial de Ushitora-no-Gongyo, não é
mesmo?
Sorridente, Toda pegou o copo na mão. Ikue, preocupada, perguntou para Toda.
— Como vai a Cooperativa?
— E um negócio danado. Não se preocupe. Não adiantaria nada a sua preocupação. Vá dormir,
que é melhor — disse Toda como que murmurando e perguntou para Shin-iti, consultando sua fisionomia.
— Como é? Topa uma partida de shogui? (Xadrês)?
— Disputar SHOGUI a essa hora! E tarde. Não querem deixar para amanhã? — disse Ikue em
tom de desaprovação.
— Não faz mal. Vá dormir.. . amanhã terá o trabalho de amanhã. Shin-iti, traga o tabuleiro de
shogui!
Shin-iti foi até a alcova e trouxe o tabuleiro. Toda ficou animado como criança e foi colocando as
peças do jogo, ordenando-as em fila sobre o tabuleiro.
Era um jogo de shogui em plena noite avançada. A turbulência do espírito de Shin-iti foi se
tranqüilizando sem que percebesse. — "A Cooperativa na bancarrota e o Diretor Geral demitido; apesar
disso, Toda compenetrava-se assim na jogada do Shogui com os olhos atentos sobre o tabuleiro. Vendo essa
atitude, todo estado de sofrimento parecia mentira ou delírio. As atividades diárias dos últimos dias,
passados em meio aos sofrimentos talvez, sejam, atitudes efêmeras como um estado provisório. De qualquer
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modo e em qualquer tempo, deve sempre conservar a própria atitude original". Assim pensou Shin-iti.
Admirado com a atitude inabalável de Toda, e distraído com seus próprios devaneios, Shin-iti
perdeu facilmente o primeiro jogo. Toda, então, como se percebesse a distração dele, disse:
— Venha. Desafie mais uma vez.
Os dois começaram a enfileirar de novo as peças do jogo. A certa altura, ambos estavam totalmente
absorvidos no jogo. O desafio transformou-se numa violenta luta ofensiva. Finalmente, após a uma jogada
perigosa, Shin-iti venceu. Acabaram-se empatando, no cômputo geral.
— Vamos dormir? Shin, venha dormir debaixo do meu acolchoado.
Toda foi deitar sob o acolchoado que havia no quarto ao lado. Embora concordasse, Shin-iti sentiu-
se embaraçado. Desceu escada abaixo à procura da pia para lavar as mãos. Em seguida, ao subir, percebeu o
corpo adormecido de Kyoiti descoberto chutando o seu acolchoado. Foi cobrir o ginasiano Kyoiti, e acabou
deitando-se também debaixo desse acolchoado.
O dia seguinte era domingo.
Toda e Shin-iti terminaram tarde o almoço. Ikue estava magra como quem tivesse emagrecido
devido ao excessivo calor de verão. Provavelmente ela também estava sofrendo, preocupada pelo andamento
da Cooperativa.
Tomando o chá, Toda mostrava-se irritado pelo desânimo da esposa.
— Deixe as preocupações inúteis.
- Embora se diga dessa maneira, a preocupação não deixa de ser uma preocupação — respondeu
Ikue esfregando o dorso da mão cheia de veias intumescidas.
— Por isso mesmo eu disse que pare com isso. Há momentos em que as preocupações são úteis
e outros em que são inúteis. Agora isso é inútil. Apenas irá prejudicar sua saúde. Tome cuidado. Estará
completamente enganada se pensar que uma existência acabou após um ou dois desastres nos negócios.
Tenho uma grandiosa obra a realizar daqui para frente. No longo curso de uma vida há vezes em que se
apanha uns resfriados.
— Até hoje, muitas vezes tropecei nos negócios. Apesar disso, não vim levantando a cada
tropeço? Acredite mais em mim!
Mas, agora é diferente dos tempos em que era mais novo.
— O que? Não diga asneiras como ovelhas. Sou ainda cincoentão. Ah, ah, ah. Não é uma idade
madura para um empresário?
Toda estava mau humorado. Desejava confessar que iria causar-lhe mais um sofrimento. Entretanto,
o gênio valente de Toda não permitia declarar dessa maneira. Isso o deixava mais aborrecido.
Toda saiu junto com Shin-iti. O bonde, por ser domingo, estava vazio. Enquanto andavam de bonde,
sem querer o diálogo versava sobre as questões do Budismo, da leitura e da política. Em seguida o assunto
desembocou fatalmente no futuro da Soka-gakkai. Mesmo estando no meio das ondas bravias, nunca ele
esquecia de escrever essas reflexões às altas horas da noite no seu caderno de anotações.
Quando Toda e Shin-iti chegaram ao escritório em Kanda, os empregados estavam preparando cada
qual os documentos relacionados com a liquidação da Cooperativa e que precisavam ser entregues ao
Ministério das Finanças.
Para os empregados, era um domingo sombrio. Entretanto, somente no coração de Shin-iti
continuava iluminado, desde a noite anterior, a luz radiante da imortalidade.
Passaram dois meses desde que foi desencadeada a Guerra da Coréia, porém ela se ampliava e o
fogo das batalhas intensificava-se.
A "Liberdade", a "Paz" e a "Democracia", que foram introduzidas após a guerra, mudavam de
coloração a cada minuto que passava, depois de cinco anos de cessação do fogo. Isso porque a diretriz
política das Forças de Ocupação foi baseada no "Impedimento da Invasão" e "Apoio às Forças da ONU".
Foi discutido até o plano de recrutamento dos soldados voluntários japoneses no Congresso dos
E.U.A. no dia 4 de agosto. Felizmente isso não foi aprovado, em virtude do parecer enviado, no dia 8 de
agosto, pelo General MacArthur, o Comandante Supremo das Forças da ONU segundo o qual o
recrutamento dos soldados voluntários japoneses seria melhor após a conclusão do tratado de Paz com o
Japão agiu no sentido de restringir e impedir a ação do próprio General MacArthur. Apesar disso, a política
pacifista da nação japonesa foi inclinando dia por dia para o sistema de cooperação com a guerra, pondo-se
em estado de semi-prontificação.
Tornou-se urgente para os E.U.A. a aquisição dos materiais para a guerra. No dia 27 de julho, o
Quartel General transformou a Sede da Estabilização Econômica num Centro de Pesquisa e Consultoria para
processar as informações e despachar as ordens especiais. Portanto, foi criado um órgão para prover-se de
materiais de guerra no Japão. Desde o início da Guerra Coreana até 28 de agosto, os gastos especiais de
guerra atingiram a 14.400 milhões de ienes em apenas dois meses, segundo a informação da Sede de
Estabilização Econômica. Em seguida, até o fim de 1950, o orçamento dos gastos especiais chegou a atingir
pelo menos cem milhões de dólares.
Para o mundo econômico do Japão, que sofria de uma profunda depressão em conseqüência da
aplicação forçada do plano Dodge, tudo isso parecia uma chuva de misericórdia em pleno período de seca.
Alguns empresários pularam de alegria, dizendo que veio soprar o vento divino, o "Kamikaze", que deixou
de soprar por ocasião da Guerra no Pacífico. A invenção de um novo termo como a "Onda da Prosperidade"
revela como foi surpreendente a transformação no círculo econômico.
72
Junto com a onda de prosperidade, a exportação mostrou também o seu crescimento rápido. O total
de exportação em 1950 atingiu a 780 milhões de dólares em conseqüência da prosperidade do segundo
semestre. Comparando com 510 milhões de dólares do ano anterior, houve um aumento de 50% na
exportação. As indústrias que estavam no extremo da depressão, começaram a crescer de repente,
especialmente nos setores da química, das máquinas, da metalurgia e da madeira. As produções extrativas e
manufaturadas restauraram-se, já em outubro de 1950, até o nível de antes da guerra.
A partir do início da Guerra da Coréia, a produção da indústria japonesa aumentou em 46% no
período de um ano e realizou um progresso rápido num tempo sem precedente no mundo econômico
mundial.
Tal "surto no meio de confusão", provocado pela guerra coreana, favoreceu a restauração das
grandes empresas, especialmente a imediata restauração dos capitais no setor das indústrias. O aumento de
produção para os materiais bélicos foi até sacrificar a produção dos artigos de consumo.
Não há um fenômeno mais temível e rigoroso do que a mudança do tempo ou a transformação de
uma época. Por exemplo, surge um transtorno qualquer num fenômeno que existe no mundo. Em
conseqüência disso, surge inesperadamente a projeção ou a queda de certas pessoas. As situações divergem-
se. Os longos anos de esforços podem ser perdidos como bolhas d'água ou uma persistência diária poderá vir
florir à luz do dia. E impossível deixar de admirar o mistério da correnteza do tempo!
Desde o ano de 1950, a produção do Japão começou a mostrar o progresso surpreendente em torno
da indústria pesada e química. De acordo com a estatística sobre a renda das 600 grandes empresas, sua taxa
de crescimento vai de 18,3% no primeiro semestre de 1950 para 48,2% no segundo semestre, 118,5% no
primeiro semestre de 1951 e 70,3% no seu segundo semestre, é uma escala ascendente que traz tanta
surpresa e até pode ser difícil de ser acreditada. Essas rendas fabulosas foram aplicadas na ampliação,
modernização, e na renovação das grandes indústrias já obsoletas e isso gerou a "onda de investimento de
capitais". Isso manteve até hoje servindo de energia propulsora do progresso econômico surpreendentemente
rápido. Isso não resultou em virtude de guerra do seu próprio país. O desenvolvimento industrial do Japão
não sofreu diretamente nenhum sacrifício ou danos conseqüentes da guerra. Quanto mais intensificava a
guerra em outros países a sua renda subia fabulosamente às custas de tais sacrifícios. Desse modo a
economia industrial do Japão, indiferente aos sacrifícios dos países beligerantes e da tragédia do povo
coreano, deu um passo para o progresso acelerado com a restauração econômica mais rápida e eficiente.
Jossei Toda teve que concentrar seus esforços na liquidação dos negócios justamente nessa época em
que a economia do Japão de após guerra começou desenvolver a sua vitalidade. Se a Cooperativa de Crédito
resistisse mais seis meses, talvez pudesse ter desviado o negócio desastroso para uma situação mais
favorável pelo surgimento da maré da sorte.
Porém, essa suposição era apenas uma ilusão. Para Jossei Toda, havia uma grandiosa missão sem
precedente, desconhecida por todos, mas que somente ele sabia.
O semente da missão de realizar a Paz Mundial já havia sido implantada desde que o país foi
destruído. Chegou a oportunidade com a maturidade do tempo e agora nem o pior dos demônios poderia
fazer secar o recém-nascido broto do Kossen-rufu.
Diante dessa missão o sucesso ou o insucesso dos negócios era um fato insignificante. A única coisa
que se pode dizer é que, para despertar nele o senso dessa missão e levar a efeito a decisão drástica que é o
ato de. "Hosshaku-Kempon", talvez tenha sido necessária a ação de vários obstáculos colossais. Que ele
sofreu com os danos econômicos, nada mais foi senão a prova vivida da resistência contra o pior
veneno (Nigô-Dokushi). Uma vez suportada essa dura prova, sua convicção pelo senso de missão tornou-se
finalmente inabalável.
A guerra coreana, que refletiu nos olhos de Toda, era o epítome de uma deflagração mundial.
Numa pequena península da Ásia, os exércitos das dez nações confrontaram-se, dividindo-se entre as
forças norte-coreanas e as forças da ONU, criando uma confusão sangrenta. Por que enigma do destino o
povo coreano teve que suportar a guerra devastadora? Toda meditava profundamente.
A tragédia da guerra que surgiu no país vizinho levou-o a pensar no grande sofrimento que foi
submetido o povo coreano.
— Realmente, a época é Mappo, a era dos maldosos numa terra maldosa. Ninguém é culpado.
O povo japonês, também ele, não vivia com o mesmo sofrimento há cinco anos atrás? Agora, vendo o drama
da guerra coreana, o Verdadeiro Budismo deverá ser propagado para o Japão o quanto antes, a fim de evitar
que o país seja destruído outra vez e que o povo repita o drama do povo errante. —Assim, pensou ele.
Vendo a calamidade coreana no espelho da Lei Mística, Toda não podia deixar de reafirmar sua
convicção de que já surgiu o presságio do chegado momento da propagação do Budismo de Nitiren
Daishonin para a Ásia.
— O Budismo de Sakyamuni partiu da índia para propagar-se na China e foi introduzido ao
Japão através da Coréia. O Budismo de Nitiren Daishonin retornará à índia pelo mesmo caminho como o sol
dirige do Leste para Oeste.
Analisando a confusão reinante no país vizinho, ele pensou, profundamente comovido, no mistério
do Budismo.

73
A geada de outono
Jossei Toda ouvia críticas e condenações de todos os lados.
Com o início da liquidação, à medida que a suspensão dos negócios da Cooperativa de Crédito para
a Construção Toko ia sendo reconhecida pelos interessados, todas as
críticas foram concentrar sobre Toda. Entre os credores, havia alguns que mandavam invadir o
escritório de Toda, para forçar os pagamentos por intermédio das agências de rábulas. Ao reconhecer que
isso não dava resultado, alguns ameaçavam furiosamente, dizendo: "Denunciarei à Polícia e ao Ministério".
Toda, sendo o responsável, estava decidido a receber quaisquer críticas, desentendimentos ou
calúnias, sem quaisquer excusas.
— Não posso pagar já, neste momento; porém, prometo que eu pagarei mais tarde. Peço esperar
mais um pouco.
— Não posso esperar! — Essa era a vontade do credor. Nessas circunstâncias, naturalmente,
era difícil obter a compreensão sob quaisquer propostas. Apesar disso, numerosos credores assinavam os
contratos, concordando que a dívida fosse com o próprio Toda, por acreditar na sua honestidade e na força da
sua sinceridade.
Entretanto, o que mais causava dor no coração de Toda, não eram tais fatos.
A maioria dos membros da Gakkai não possuía relação alguma com a Cooperativa de Crédito, com
exceção de alguns credores no meio da maioria absoluta dos cooperados. Esses membros investiam ou
depositavam o seu dinheiro por livre e espontânea vontade. Porém, sentiram-se tremendamente chocados ao
tomar conhecimento do colapso dos negócios de Toda.
— Nós aceitamos a fé, com o objetivo de livrarmo-nos da infelicidade, a fim de atingirmos a
felicidade absoluta. Apesar disso, por que razão devemos ser vítimas da falência dos negócios dirigidos por
um líder supremo da Sociedade Religiosa? — As dúvidas transformavam-se em desconfiança e
conseqüentemente surgiram até alguns que começaram a criar dúvidas em relação ao Gohonzon.
Sentia-se amargurado. Embora fosse natural que os credores o odiassem, era penoso para Toda,
ouvir a respeito das pessoas que deixavam as atividades da fé ou que se afastavam do Gohonzon, admitindo
como se o colapso fosse um motivo justo para duvidar do Gohonzon.
Isso fazia com que bloqueasse os caminhos para as suas respectivas felicidades.
Não obstante, esses exemplos não eram dos piores. Os mais difíceis de serem salvos eram aqueles
que por ventura tomaram atitudes para destruir a Organização Religiosa, ora incutindo dúvidas nos recém-
convertidos, ora levantando calúnias para iludir os membros inocentes que não possuíam as mínimas
relações com o negócio, para tentar legitimar as suas represálias contra Toda, em virtude dos seus prejuízos
sofridos pela Cooperativa.
Evidentemente, as revoltas dessa espécie pertencem a um dos Cinco Pecados Graves estabelecidos
no Budismo que se chama "Hawagossô" ou atos de anarquizar a ordem e a harmonia. Embora tomasse
conhecimento de tais ocorrências, ele nada podia fazer senão pedir ao Gohonzon pela proteção a tais
pessoas.
Jossei Toda nunca prejudicou uma pessoa sequer neste mundo em relação à Nitiren Shoshu. Em vez
disso, ele sacrificou seu próprio bem estar, a fim de ensinar o Budismo de Nitiren Daishonin, ora com suas
orientações rigorosas, ora com seus incentivos, para criar ânimo e esperança de tal modo que cada uma das
centenas e milhares de pessoas que viviam na profunda miséria de pós-guerra, conseguissem mostrar a
felicidade através da respectiva prática religiosa. Ninguém as salvou. Embora diga-se de passagem que isso
foi devido à benevolência infinita do Gohonzon, se não encontrassem Toda, não poderiam ter a oportunidade
para mudar o seu destino infeliz.
Ele podia suportar toda e qualquer condenação em relação à liquidação dos seus negócios, porém,
não podia suportar que as conseqüências fossem atingir o Budismo de Nitiren Daishonin.
Embora sofresse tanto por causa dos problemas da Cooperativa, isso não passava de um sofrimento
no âmbito da sociedade humana. Seria, evidentemente, uma luta penosa, porém quando isso envolvia as
questões religiosas, seus sofrimentos agravavam-se consideravelmente. Ele não revelava tais sofrimentos a
ninguém. Era um fato secreto que ele precisava suportar forçosamente sozinho.
O sofrimento espiritual de Toda, ao extremo, não podia deixar de repercutir sobre seu corpo.
A mudança das estações do ano passava para o clima de outono e fazia sentir a chegada de sopros
suaves das brisas noturnas. Apesar disso, o leito de Toda mostrava pela manhã, nitidamente, o contorno do
seu corpo inteiro no lençol manchado de suor. Diante desse fato, Ikue, sua esposa, nada podia fazer, senão
sofrer consigo, com o seu sentimento de horror. Dias temíveis dessa espécie prosseguiram ininterruptamente.
Havia os credores que invadiam sua residência em Shirogane pela madrugada. Toda os atendia na
porta com o seu corpo febril e dizia forçosamente:
— Compreendo os seus desejos. A questão é como solucionar. Vamos nos entender no escritório
diante dos dados concretos. Por favor venham comigo.
Subitamente, ele saía de casa, andando na frente. Os credores perseguiam-no protestando algo em
voz alta. Isso contrastava nitidamente com a cena em todas as ocasiões, quando ele voltava das reuniões-de-
palestras, seguido de figuras simpatizantes. Agora era a vez dos demônios cobradores que o seguiam atrás.
74
Toda conservava o seu auto-domínio, apesar de fazer notar evidentemente a exaustão irreconhecível
pela maioria. Shin-iti, por sua vez, sentia-se penalizado ao ver essa fisionomia de Toda. Ele também estava
exausto.
Certa noite, encontraram-se ambos no escritório às altas horas.
Toda, observando meticulosamente a fisionomia de Shin-iti que se mostrava esgotado, disse:
— Shin! O que houve? Você perdeu a vitalidade!
Se enfraquecer a energia vital, perderá a luta. Venha aqui comigo.
Toda mandou Shin-iti sentar diante do Gohonzon, expressando incentivos enérgicos. A cerimônia do
Gongyo foi iniciada vigorosamente e prosseguiu-se a oração de Daimoku.
Um mestre sem igual, apesar da sua exaustão, orou séria e fervorosamente ao Gohonzon, a favor de
um discípulo esgotado e que muito ele amava. Shin-iti procurava esforçar-se para conter suas lágrimas.
Nessa noite, .as emoções de Shin-iti não se apagavam nem mesmo um pouco sequer, mesmo
voltando para o seu alojamento.
Dentro da noite profunda, as lágrimas emocionantes de um jovem, cristalizaram-se num poema.
Servirei ao mestre Como servi no. passado, Nas místicas eras. Sempre, Imutável serei, Ainda que
outros mudem!
Shin-iti passou a limpo o seu poema e guardou no bolso do seu paletó, pois desejava oferecer para
Toda a todo custo.
Na manhã seguinte, Shin-iti e Toda cumprimentaram-se um preocupado com a saúde do outro e
lembrando-se do diálogo da noite anterior.
— Shin! Conseguiu dormir à noite? Você não pode emagrecer mais.
— Sim. Agradeço o conselho. Peço ao senhor que descanse pelo menos um pouco. Por favor.
Shin-iti retirou do seu bolso, aquele papel e ofereceu para Toda.
Toda leu o poema como se estivesse esfregando seus olhos míopes sobre a superfície do papel.
— Sim. Compreendo.
Toda mostrou uma atitude muito séria por um instante, mas logo sorriu em seguida, para ver a
fisionomia de Shin-iti.
Um poema inocente de um jovem deve ter causado momentos de prazer indescritível para Toda que
sofria de críticas por todos os lados! Nos momentos em que repetia a leitura do poema, e|e ficava esquecido
das condenações alheias.
— Está bem. Em retribuição ao seu poema, eu oferecerei o meu. Você tem o papel? Então. ..
Com a caneta na mão, Toda contemplava por alguns instantes e em seguida, começou a escrever
energicamente.
Com o meu próprio corpo Quantas vezes batalhei Nos campos de luta. Sem largar conservando A ti,
espada minha.
— Eis o meu presente.
Shin-iti estendeu as mãos agradecendo-o a fim de receber o poema escrito no papel. Porém, Toda
não quis entregá-lo.
— Espere um pouco. Tenho mais um.
Ele permaneceu imóvel por instantes, segurando a sua caneta. Após então, moveu-se e escreveu mais
um poema.
Pálido e exausto estou, o Rei. Na minha morte deixarei A ti, coroa minha.
— Pronto. Acho que está bom.
A fisionomia de Toda ora parecia contente, ora triste. Desse modo, ele ofereceu dois poemas para
Shin-iti. Após a uma leitura simples e rápida, Shin-iti emocionou-se profundamente. Nada podia fazer para
deter a sensibilidade emocionante que percorria o seu corpo inteiro.
— Seria eu, realmente a Espada do Mestre? Acaso possuiria realmente o valor para merecer a
Coroa do Mestre? Como o Mestre está ciente de tudo! A seu respeito e do meu caso inclusive.. .
Shin-iti levantou os olhos.
O amor profundo e benevolente de Toda, atravessava nesse instante e para sempre a vida de Shin-iti.
Os dois corpos apesar de diferentes, formavam um só espírito de Itai-Doshin, fundindo-se desse modo numa
grandiosa Entidade da Vida para revelar o aspecto real da existência, desde o infinito passado chamado
'Kuon'.
Toda sorriu espontaneamente ainda que em silêncio.
— Muito obrigado.
Isso era tudo que ele podia falar cortesmente com todo o seu esforço. Com sua decisão de vida ou
morte, observou claramente os olhos de Toda que se achavam no fundo das lentes dos seus óculos. Seus
olhos brilhavam límpida, terna e rigorosamente.
As atividades da Gakkai prosseguiam sem abalos visíveis, mesmo após a demissão de Toda como
Diretor Geral. Mishima dedicava seus esforços nas lições, às segundas, quartas e sexta-feiras, substituindo
Toda.
As reuniões-de-palestras foram realizadas como sempre, de acordo com o programa pré-
estabelecido. Toda comparecia também às reuniões, quando o seu tempo permitia. A queda dos negócios de
Toda, parece que não está repercutindo tanto sobre as atividades religiosas em si.

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Prova disso é que o ritmo de Chakubuku foi crescendo seguramente em linha ascendente.
Os membros da Gakkai, entretanto, eram milhares de convertidos nos últimos anos pela conversão
em massa. Entre eles havia alguns que se relacionavam de certo modo com a Cooperativa de Crédito e
quando seus interesses foram sendo prejudicados, alguns entre eles em alguns lugares, fomentavam
desordens aproveitando-se da Organização, para criar agitações no meio dos membros, com suas atitudes
contraditórias e opressivas. Os líderes responsáveis pelo setor, defenderam a Organização, lutando contra
esses subversivos e ensinando aos membros com ênfase o que é a pureza da fé.
Em qualquer época e em qualquer sociedade — Há sempre alguém que age arbitrariamente,
mostrando atitude dos insanos mentais por confundir tudo, a fé, a Organização e o Budismo, quando o
interesse próprio é prejudicado.
Havia um membro da Gakkai na cidade "I" em Izu que era um dos investigadores da Cooperativa de
Crédito oara Construção Toko. Sendo recém-convertido, conheceu a Nitiren Shoshu após o investimento.
Quando soube que a Cooperativa de Crédito fora suspensa, ele exigiu violentamente os direitos, enviando o
seu advogado. Como essa tática não resultou no efeito desejado, lançou um ataque explosivo contra Toda,
fomentando revolta nos membros da região.
Cerca de 60 modestas famílias convertidas dessa cidade caíram facilmente na onda de agitação,
acreditando no boato "Não se iludam com a Gakkai".
Ume lyida e Kiyo Yamanishi que eram figuras centrais da Organização dessa cidade, foram
comunicar o fato à Sede, após os seus embaraços aos extremos.
Katsu Kiyohara, a responsável pela região, ao receber a notícia do fato, partiu imediatamente para a
cidade I. Foi uma ação ultra-rápida. O laço de amizade que não permite a distância de alto a baixo é o mais
forte de todos.
A Nitiren Shoshu é forte por causa disso. Não há, nem um pouco sequer de uma fetidez burocrática.
Essa é a relação ideal que liga a Sede de Comando e a linha de combate e conseqüentemente não há
derrota.
Ao chegar, Kiyohara, antes de mais nada, promoveu uma reunião-de-palestra.
Ume lyida e sua sobrinha Kiyo Yamanishi estavam sustentando um pequeno bar nessa cidade. A
região não possuía um local adequado para as reuniões e portanto, quando se falava em reuniões, era de
praxe oferecer com satisfação o bar para o local das reuniões.
Nessa noite em que Kiyohara chegou, a reunião foi realizada nesse ambiente saudoso. Apesar de ser
uma comunicação de última hora, reuniu-se, com surpresa, a maioria dos membros da Gakkai.
Estavam presentes numerosas fisionomias curiosas e desconhecidas por Kiyohara. Ela percebeu de
início o ar poluído num ambiente estagnado em conseqüência do descrédito em relação à fé.
Não havia aquele ânimo nos convidados e em vez disso, olhares desconfiados brilhavam entre os
presentes.
Com ânimo e coragem, Kiyohara começou a falar com sua voz franca e sonora:
— Confesso a todos que eu reconheço o que os presentes estão pensando neste momento. Entretanto,
qual seria a conseqüência, se os pensamentos dos presentes fossem contrárias ao Budismo de Nitiren
Daishonin? E a minha maior preocupação. O Budismo é rigoroso e portanto, aqueles que cometerem os erros
fundamentais da fé, estarão abandonando ao esmo, todos os direitos de se tornarem felizes. . .
Os presentes ouviam quietos e calados. Ao contrário do habitua!, não havia ninguém que se
manifestasse para responder às perguntas de Kiyohara.
Suas palavras foram se transformando num desafio feroz.
Nesse instante, um homem de jaqueta, começou a falar furiosamente:
— Não estamos dizendo que vamos abandonar a fé. Prosseguiremos na prática pois a Religião é
boa. Apenas não queremos depender da Gakkai. Ninguém gosta de ser enganado, não é?
Kiyohara levantou-se e, erguendo a voz, disse:
— O que o senhor está dizendo? Quando a Gakkai enganou o senhor? Responda!
O assunto desviou para a Cooperativa de Crédito e as críticas contra o Diretor Administrativo Toda
foram se tornando em condenações diretas contra a Gakkai e tal preconceito não podia sair tão facilmente da
mente dura e teimosa.
Tais desentendimentos talvez fossem fatos inevitáveis quando vistos superficialmente pelo senso
comum das pessoas. Apesar disso Kiyohara procurou despender todos os seus esforços para convencê-los
através dos princípios da razão humana.
O sucesso ou insucesso no empreendimento dos negócios e o certo e o errado nas atividades da fé
são dois campos totalmente distintos Dentro do Budismo to-nar-se-á calúnia (Hobô) criticar erroneamente a
única Organização Religiosa que mais procura seguir pura e genuinamente, os ensinos de Nitiren Daishonin.
Ela foi convencendo os presentes que seria incorreto confundir as atividades da religião com os negócios de
crédito.
Kiyohara descreveu pormenorizadamente a personalidade admirável de Toda e advertiu!
— Os tropeços nos negócios de Toda não feriram absolutamente a Nitiren Shoshu.
— Exigir direitos de cada um é o ato livre e voluntário das pessoas relacionadas com a
Cooperativa de Crédito. Apesar de tais exigências não serem condenáveis pelo Budismo como sendo Hobô,
pessoas como os presentes que não possuem nenhum vínculo com a Cooperativa, pretender se afastar da
Organização, significaria desviar do trilho único da correta atuação da fé. Uma vez desviada dessa trilha,
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poderão prosseguir na caminhada para a felicidade?

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Além disso, ela apresentou vários casos verídicos e orientou séria e dedicadamente, respondendo
uma por uma as perguntas. Apesar disso, as resoluções teimosas não foram reviradas ao avesso e
continuaram firmes no propósito de "Não abandonarei a fé; prosseguirei a minha prática formando uma nova
agremiação".
Kiyohara que lutou sozinha nessa batalha, sentiu-se decepcionada. Finalmente, ela afirmou a sua
conclusão definitiva.
— Devo dizer que o Budismo é Vitória ou Derrota. O que eu afirmei aqui, se é certo ou não e se o
pensamento dos presentes é 'certo ou não, um dia será certamente revelado sobre as provas reais e evidentes.
Se a minha afirmação não for acertada, eu e a senhora lyida andaremos esta cidade com os braços no chão e
de pernas pro ar.
Apesar disso, os sorrisos irônicos não desapareceram da face dos presentes.
E desnecessário dizer que não houve necessidade de que Kiyohara fosse obrigada a marchar na
cidade de pernas para o ar; porém, infelizmente, com exceção de Ume lyida e Kiyo Yamanishi, todos os
membros dessa cidade afastaram-se da Organização.
Um ano, dois anos e três anos.. . As duas senhoras remanescentes reiniciaram os passos do
Chakubuku, a partir do marco zero. Não havia outros meios senão recomeçar imperiosamente. Nos dias de
hoje, tornaram-se alicerces da Nitiren Shoshu dessa região que congrega atualmente dez mil famílias. Ambas
revolucionaram admi-ravelmente as condições de vida, eliminando aqueles sofrimentos de outrora, para
viver atualmente gozando de fartura e estabilidade para o resto da sua existência.
Passados dez anos aproximadamente após o "caso das pernas pro ar", um dia, Ume lyida encontrou-
se com o ex-líder subversivo, na estação de uma vila próxima. Esse homem estava com seu corpo
hemiplégico e andava penosamente coxeando com o auxílio de uma bengala. Enquanto aguardava o trem,
ambos sentaram-se lado a lado num banco da estação. Os dois anciões contavam as histórias do passado.
Enfim, lyida começou a relatar o fato ocorrido na noite de outubro de 1950. As lembranças daquela época
ainda permaneciam inesquecíveis dentro da cabeça do velho hemiplégico. Ele confessou tristemente,
balançando a sua bengala.
— Realmente nós estávamos errados. Fomos totalmente vencidos.
Evidentemente, nesse momento lyida reconheceu com profunda admiração a sua própria felicidade
ao saber o destino final da existência desse homem. — Aproveito a oportunidade para relatar que o filho de
Ume lyida é atualmente o vereador da cidade.
Isso é um fato raríssimo que ocorreu numa vila afastada do interior. Casos semelhantes, surgiram
também em alguns lugares da metrópolis, mesmo no centro de Tóquio.
Havia um depósito de madeiras de nome consagrado que se chamava "madeiras de Tóquio". O seu
proprietário exercia grandes influências como um dos líderes principais da Ordem Religiosa P, desde os
tempos anteriores à guerra. Porém, converteu-se à Nitiren Shoshu em 1947 por intermédio das atividades do
Chakubuku de pós-guerra. Era um comerciante de madeiras que possuía uma corpu-lência bem aparentada e
simpática.
Esse homem chamado Juro Horibe, portador de uma vasta experiência nos convívios sociais,
protestava contra as orientações da Gakkai por possuir o seu gozo da vaidade íntima e um pouco de prestígio
financeiro.
O que ele esperava após a sua conversão, não eram os benefícios mas sim, a segurança contra as
depressões nos seus negócios.
Uma vez que alguém decide a seguir um caminho qualquer, deve-se prosseguir o sentido da sua
direção. Se por acaso, caminhar a seu modo e por conta própria e não percebendo ou rejeitando as
orientações, com pretensões de mostrar a sua glória, não haveria significado por que razão escolheu tal
caminho.
Juro Horibe reagia sempre contrariando violentamente os líderes encarregados. Entretanto, foi
aprendendo aos poucos a rigorosidade do Budismo da Nitiren Shoshu e enfim, começou a seguir resoluta e
obedientemente. Após então e por conseguinte, seus negócios prosperaram.
Apesar de ele estar satisfeito, não podia abandonar aquela mania de líder da religião anterior.
Desprezava os membros pobres da redondeza por sentir-se orgulhoso em pensar que "adquirira o que
não conseguira obter antes" e mantinha o espírito de arrogância e convencimento.
A rigorosa benevolência de Toda, percebendo esse defeito, procedia com serenidade particularmente
contra Horibe. Uma vez Toda precisou reprendê-lo severamente:
— Não posso deixar o precioso Gohonzon aos cuidados de uma pessoa como o senhor. Vá
imediatamente ao templo e devolva o Gohonzon.
Horibe sentiu-se revoltado com a repreensão de Toda, mas conservou-a dentro de si e continuou
mostrando-se aparentemente obediente. Parece que escondia suas ambições por pretender escalar a
graduação dos dirigentes. Porém, sem que o percebesse, foi se degenerando na fé.
No outono de 1950, uma parcela de críticas contra Toda fez inflamar a ambição de Horibe.
Fomentando descontentamentos, juntou dezenas de famílias e criou uma nova agremiação pretendendo dar
revanche confrontando com Toda. Tornou-se líder dessa agremiação Nitiren Shoshu e dizia: — Essa religião
possui prática excelente e portanto jamais abandonarei. Se a Gakkai não passa de uma agremiação da Nitiren
Shoshu, a nossa não seria também a mesma? Vamos praticar mais prazerosa, tranqüila e livremente a nossa
fé?
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A sua tática e o seu sofisma nada mais seriam senão o resultado da disputa revelada pelo espírito de
revolta inteiramente contra Jossei Toda. A prova de que esse procedimento de Horibe era, ao mesmo tempo,
uma revolta contra Nitiren Daishonin, tomou-se clara num curto tempo de alguns anos.
Horibe, o líder da nova agremiação, falhou originalmente como um pastor da paróquia que não se
enquadrava na advertência severa de Nitiren Daishonin: Bons paroquianos seguem a Lei excelente
estabelecida por um Mestre eficiente. Suas orações não foram alcançadas. Em vez disso, em menos de três
anos, o seu negócio de madeiras foi à bancarrota. Se fosse apenas uma bancarrota não seria novidade.
O modo com que processou a bancarrota foi temivel-mente surpreendente, visto pela tradição dos
negócios de madeira.
O sucesso e o insucesso nos negócios de madeira mostravam como sempre as reviravoltas intensas e
isso não era considerado novidade e era admitido naturalmente, assim como as sete quedas para oito
ascensões são comuns nesse ramo de negócio.
Talvez por causa disso, desde a época em que Tóquio ainda se chamava Yedo (1603 — 1868)
quando um negociante de madeiras entrava na falência, a maioria dos negociantes do mesmo ramo, ajudava-
o para evitar a falência e restaurar o negócio. Essa norma tática e consuetudinária de ajudar a restauração a
qualquer custo, vem vigorando até pós-guerra. Deve ser uma tradição criada inteligentemente pelo esforço e
auxílio mútuo, dentro do negócio peculiar que é o comércio de madeira.
Entretanto, o caso da bancarrota de Horibe teve um fim trágico e foi totalmente ignorado pela
tradição reinante, a ponto de chegar a surpreender os próprios negociantes de madeira, embora tomassem
conhecimento da situação periclitante de Horibe, não havia um negociante do seu ramo que viesse estender a
mão salvadora para ele. Deve-se dizer que foi um aspecto abandonado pela defesa dos Deuses Budistas por
cometer as calúnias contra o Budismo?
Horibe foi obrigado a abandonar os negócios de madeiras e fugir para viver escondido num outro
lugar. Mais tarde foi rejeitado até pelos próprios seguidores. A família desagregou-se e o famoso negociante
de madeiras deixou tristemente este mundo com sua morte solitária.
Os membros da Nitiren Shoshu que naquela época estavam arriscados a pertencer à agremiação de
Horibe após o convite persuasivo e que desistirem por um fio, contam esse episódio até hoje, sentindo ainda
escorrer suores gelados.
Jossei Toda visitou o Templo Supremo da Daissekiji no final de outubro. Num dos alojamentos, ele
aguardava a hora da cerimônia de Ushitora-Gongyo, dialogando com numerosos membros da Nitiren
Shoshu.
Ao terminar a cerimônia da Meia Noite, realizada no Salão de Recepção conforme a hora marcada,
ele se afastou da turma e foi em frente ao Gohonzon.
O Templo do Tesouro, dentro da noite profunda, estava em silêncio absoluto e completamente
cercado de floresta de cedros seculares. O frio de outono dominava o ambiente em cuja atmosfera percebia-
se uma impressão solenemente magnificiente.
Ele foi subindo em direção ao pavimento diante do Gohonzon, pisando uma por uma as escadarias
de pedra e sentou-se sobre o piso diante do Gohonzon. Ao levantar os olhos, percebia uma porta espessa
feita de barro, além das escadarias de pedra.
Toda começou a orar Daimoku suavemente, diante do Templo do Tesouro, em cujo interior se
achava conservado o Dai-Gohonzon. A voz do Daimoku não estava nem alta e nem baixa.
Apesar de parecer tranqüila, cada oração de Daimoku possuía como que uma consistência de aço e
ressonava como se fosse incutindo os ritmos dentro da atmosfera mergulhada no silêncio tranqüilo da noite
profunda.
O pavimento duro e frio de pedra, talvez fosse insuportável aos joelhos de Toda, com corpo
extremamente exausto. O frio da montanha e a cobertura de neve sobre o Monte Fuji faziam lembrar o
inverno que viria dentro em breve. Tal circunstância evidentemente prejudicava a sua circulação sangüínea.
Entretanto, nada ele sentia; nem o formigamento das pernas e nem o frio que puncionava a pele. Era
o momento em que ele concentrava toda sua sensibilidade na sublime confissão dos seus arrependimentos
para o Dai-Gohonzon. Chegava até a suar um pouco.
Dentro do seu cérebro, chegavam e desvaneciam todos os acontecimentos de pós-guerra. Surgiu até
e evidentemente o aspecto real da sua vida no presente. Ele confessava o arrependimento da sua contraversão
(Hobo) em relação ao Budismo.
— Cinco anos passaram, desde que a guerra cessou. Entretanto, a Nitiren Shoshu ainda está
longe de consolidar sua estrutura básica. Por que será? Comecei com a lição do Hokekyo em janeiro de
1946, explanando para os quatro líderes no alojamento do Templo Supremo.
— Isso por que tive amargas experiências no período da guerra, quando os líderes
companheiros se bateram em retirada diante da opressão do governo militar, em conseqüência da
imaturidade em relação aos conhecimentos sobre o Budismo. Não posso concordar que a minha diretriz
estivesse errada. Apesar de o objetivo estar no rumo certo, parece que eu errei quanto ao modo de elucidar o
Budismo de Nitiren Daishonin.
— Apesar de estar lecionando com certeza baseando no Onguikuden ou Testamento Oral de
Nitiren Daishonin, os ouvintes tiveram dificuldades sérias em compreendê-lo. Então comecei a explanar por
intermédio da lógica meticulosa de Makashikan, a obra de Tendai. Eles compreenderam melhor. Porém, o
que os ouvintes compreenderam enfim, não era o Hokekyo de Nitiren Daishonin que é o Nam-myoho-
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rengue-kyo e sim a Sutra de Lótus que cheirava a Doutrina Tendai.
— Então a culpa seria dos discípulos que possuíam o baixo nível de compreensão? Não! O
culpado não é outra pessoa senão eu, o autor da lição. Logicamente eu estaria recebendo as repreensões de
Nitiren Daishonin. Isso é mais do que evidente. Que grave erro cometi!
Orando Daimoku, sentia necessidade premente de arrepender-se prostrando.
O primeiro Presidente Tsunessaburo Makiguti persuadiu as pessoas da atualidade por meio de sua
obra, a "Filosofia do Valor", para fazê-las compreender o Budismo de Nitiren Daishonin. Apesar de a
Filosofia do Valor estar baseada no valor supremo do imensurável e ilimitado Budismo de Nitiren
Daishonin, no âmbito filosófico da sua obra havia o limite. Conseqüentemente, fazia limitar o Budismo de
Nitiren Daishonin. Ora, o Budismo de Nitiren Daishonin tem sua existência em si e por si real e perenemente
no Universo, independente da existência ou não da 'Filosofia do Valor'.
Jossei Toda que se tornou o Segundo Presidente, deixou a Filosofia do Valor de lado por um
período, pois, desejava que os ouvintes compreendessem diretamente a própria filosofia de Nitiren
Daishonin. Porém, eles eram incapazes de se libertar dos velhos preconceitos budistas convencionalmente
estabelecidas. Além disso, os membros da Gakkai que foram educados pelo sistema educacional vigente que
se baseia nos conhecimentos científicos, não conseguiam compreender o Budismo de Nitiren Daishonin por
considerar algo logicamente transcendental.
Para suprir essas deficiências, Toda citava o 'Makashi-kan' de Tendai que era a mais perfeita
interpretação do Hokekyo e utilizou-o aproveitando da sua lógica silogistica-mente precisa, como
complementos para dar a melhor elucidação.
Entretanto, mesmo essas noções complementares requeriam um esforço máximo por parte deles a
fim de que pudessem ser compreendidas. O que Toda percebeu por si próprio após a conseqüência da
Punição Divina pelo uso indevido da Doutrina de Tendai, foi o afastamento dos Ensinos dos Testamentos
Orais de Nitiren Daishonin (Onguikuden) para uma longa e infinita reminiscência do passado.
Passaram as épocas do Primeiro e do Segundo Presidente e após então, chega hoje, época da
realização do ideal da Paz Mundial. Os Testamentos Orais de Nitiren Daishonin tiveram a explanação direta
para os discípulos pela primeira vez na época em que a Força da Grande Lei vem florindo. Foi assim
elucidado diretamente para que os discípulos conseguissem atingir de imediato a essência do Budismo de
Nitiren Daishonin. As condições amadureceram e pode-se dizer que várias experiências e esforços de 700
anos passados foram todos resguardados para a época atual.
Jossei Toda, com sua oração contínua de Daimoku, arrependia-se severamente do seu próprio
pecado.
— O que eu fiz nestes cinco anos? O Cristianismo desembarcou no Japão como ondas bravias,
junto com as Forças de Ocupação imediatamente após a cessação do fogo. Porém, retirou-se enfim, como a
maré baixa, sem poder se radicar profundamente no solo japonês. As religiões antigas estão titubeando no
ritmo dos seus passos em conseqüência da Reforma Agrária. Somente as religiões novas continuam
proliferando como brotos de bambus após a enxurrada, para colher atrevidamente as suas vantagens do país.
Reiyukai que anunciava orgulhosamente dois milhões de adeptos alguns anos atrás, apesar do
enfraquecimento pela divisão interna e revezes da sonegação de impostos, ainda proclama um milhão e meio
de adeptos. A Associação Religiosa que mais progrediu numericamente deve ter sido Rissho-Kosei-Kai.
Registrava-se apenas 1.307 adeptos em 1945; porém, chegou a clamar 60 mil famílias ou 300 mil pessoas
adeptos cinco anos após, em 1950. Outras religiões novas como a Associação Religiosa S., Religião
Universal Q, etc. . . chegaram a aumentar suas influências, aproveitando a ignorância e a infelicidade do
povo de pós-guerra.
— O que não podia tolerar realmente nesses últimos anos, era a avalanche de infelizes caindo
no abismo do infortúnio, iludidos pela pregação arbitrária dessas religiões fundamentalmente heréticas.
Além disso, aproveitavam-se da Religião com um bom empreendimento comercial de ocasião propícia para
aumentar seus prestígios. Afinal, quem é o culpado de tudo isso?
Em frente ao Templo do Tesouro, Toda fazia estremecer o seu corpo, horrorizado pelo seu
arrependimento, quando inferiu que tal culpa era sua.
Ele teve que admitir realmente a insuficiência das atividades da Gakkai nesses cinco anos.
Quando percebeu a fragilidade da Organização, não teve outra alternativa senão reconhecer que ele
era o próprio culpado e responsável por deixar passar 6 anos sem o Presidente, sucessor para a Nitiren
Shoshu.
— Já é véspera da comemoração do sétimo ano do falecimento do honroso mestre Presidente
Makiguti. Além disso, a minha existência atual mergulhou-se no sofrimento profundo. Vinha se esquivando
no íntimo da posse à Presidência, apesar de estar ciente da minha grandiosa missão. Que atitude totalmente
contraditória foi a minha! A posse da presidência foi deixada sempre para mais tarde, pressentindo um
excepcional peso da responsabilidade.
Entretanto, essa covardia deixou cair o povo nas mãos das seitas heréticas, exatamente no momento
mais crítico da história do Japão.
— Por essa culpa, realmente mereceria a pena de morte.
Havia outra razão pela qual Jossei Toda evitava a posse da Presidência.
Desde a época do Presidente Makiguti, ele veio mantendo sozinho a despesa da Gakkai. Quando
iniciou a reconstrução da Nitiren Shoshu pós-guerra, ele apressou em primeiro lugar o estabelecimento da
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base econômica e deixou o progresso da Organização em segundo lugar.
Pela sua experiência como empresário, temia que a realização de uma obra grandiosa como a Paz
Mundial viesse a interromper no meio do caminho dentro do mundo capitalista, caso não tivesse recurso
econômico suficiente. Percebeu então o erro do seu pensamento por ter colocado a questão financeira
humanamente controlável diante da questão fundamental de todas as atividades humanas que é a Revolução
Religiosa. Em outras palavras ele percebeu que a fé convicta na missão poderia resolver os problemas
financeiros.
Sua luta íntima extremou-se nesse momento. Então ele decidiu:
— Devo superar esses obstáculos, mesmo que venham sucessivos sofrimentos e dificuldades. Já
a causa não está apenas em mim. E para a realização da minha missão.
Absolutamente, não devo deixar em vão, todos os ditos áureos de Nitiren Daishonin. Peço ao
Majestoso Dai-Gohon-zon a permissão para que Jossei Toda, embora merecesse a pena de morte, realize-a,
caso tiver a competência.
Ele continuava orando Daimoku de corpo e alma em direção à porta do Gohozo. De súbito, começou
a ouvir os cânticos dos passarinhos. A noite rigorosa das florestas começava a clarear pela alvorada que se
mostrava no céu das montanhas do leste.
Jossei Toda tinha muitos inimigos, mas, por outro lado, possuía muito mais amigos. Muitos o
admiravam, mesmo fora das atividades da fé, confiando na sua personalidade atraente e humanamente
simpática.
São raras as pessoas que cultivam as amizades como ele na infância, na juventude, na era em que foi
empresário antes da guerra ou em quaisquer outras épocas.
No meio desses numerosos amigos, havia alguns que se chocaram terrivelmente, quando souberam
do desastre fatal do seu negócio. Um ou dois amigos desde os tempos anteriores à guerra sugeriram em
meados de outono, que se levantasse outra vez, criando um negócio totalmente novo e diferente da
Cooperativa de Crédito.
Toda havia abandonado a sua ambição em se colocar na primeira linha dos negócios. Em vez disso,
havia decidido prosseguir firmemente na fé em linha reta, mas não podia abandonar a sua vida diária. Ele
estava preparando preliminarmente o lugar de conselheiro supremo para uma nova empresa convidando o
seu amigo chamado Irie, ex-funcionário do Governo, para ser o seu representante em relação ao público.
Entretanto, a época era desfavorável. Naturalmente, nisso também foi obrigado a prosseguir nos seus
trabalhos, arduamente, como uma navegação penosa.
As atividades da Nitiren Shoshu prosseguiam firmemente sem diferir em nada em relação ao período
anterior. Porém, quando a maioria dos membros da Gakkai souberam da mudança situacional de Toda, já
havia passado vários meses.
Hatsu Titani que faz lembrar aquele episódio do revólver, estava no meio dessas pessoas. Durante as
reuniões que Toda comparecia às vezes, percebeu que ele deixara de fumar. Inicialmente, pensou que tal
abstinência fosse por motivo de saúde. Isto suposto, ele se mostrava realmente emagrecido, mesmo que
permanecesse eufórico e animado.
Preocupada, ela perguntou secretamente para uma das orientadoras da Divisão das Senhoras, as
condições de saúde em que se achava Toda. Foi minuciosamente informada de que Toda estava sofrendo
atualmente em conseqüência do desastre fatal dos seus negócios.
Quando ouviu a verdade, ela chorou sem poder conter o choque. No caminho da noite, enquanto
retornava para casa, ela pensou sozinha:
— Como fui tola! Até agora não percebi esse fato. Ninguém me ensinou que o Mestre estava
sofrendo tanto. Que tristeza! Eu que tanto devo a ele. . .
Ela ficou indignada com seus dirigentes. Em seguida não conteve mais a paciência.
— O que eu poderei fazer. . . ? Sim. Não deixarei absolutamente faltar pelo menos o cigarro
para o meu Mestre.
Ela voltou para casa serenamente resoluta. Em seguida, procurou sua caderneta bancária. Na
madrugada do dia seguinte, procurou a residência de uma orientadora da Divisão das Senhoras e entregou
milhares de ienes solicitando insistentemente que fosse entregues em mãos de Toda.
Mesmo que fosse penoso aceitar o favor solicitado pela insistência de Hatsu Titani e que estivesse
ciente da repreensão de Toda, essa quantia foi entregue com temeridade, junto com o recado a pedido de
Titani.
— Como? Isso me deixa embaraçoso! — disse Toda como que murmurando. Ele não podia
desprezar a boa vontade pura e sincera proveniente de um pequeno peito de uma criatura. Ele compreendia
até dolorosamente o sentimento de solidariedade surgido espontaneamente do coração de Titani.
— Não posso aceitar. Está bem, aceito como empréstimo por enquanto.
Toda mandou registrá-la e essa diminuta quantia de Titani foi também considerada como fundo para
a nova empresa.
— Peço transmitir claramente o recado. Agradeço a boa vontade. Porém, Titani não precisa se
preocupar com meus negócios. Fique apenas preocupada com as atividades da fé.
Quando um boato entra a boca das mulheres, não há como fazê-lo cessar.
A esposa de Shozo Oba, dono de uma peixaria à margem de um rio de muito peixe em Tsutiji,
Tóquio, soube dos apertos de Toda, numa das reuniões. O casal converteu-se pelos sofrimentos em
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conseqüência da sua criança portadora de paralisia infantil e recebia freqüentemente as orientações de Toda
para continuar sinceramente a prática religiosa através da fé genuína. Toda comprava revistas para a criança
e ensinava até a escrever com a mão paralítica. O filho paralítico um dia chegou a rir de tanta alegria quando
se encontrava com Toda. De antemão, foi evidenciada mais inteligência. Para os pais desesperados, a
presença de Toda era mais segura do que a dos melhores médicos.
O choque do casal foi violento quando soube do desastre financeiro de Toda. Até parecia que o
futuro do casal fosse tenebroso.
O casal Oba deixava escorrer as lágrimas, quando contemplava a face inocente do seu filho
adormecido. Em tais circunstâncias, reconheciam o amor e a benevolência profunda de Toda e desejavam
ajudá-lo de qualquer forma. Shozo Oba vendeu alguns seguros que possuía e adquiriu o dinheiro. Entregou
receosamente a um dirigente para que o enviasse para Toda como se isso fosse um donativo de consolo.
Toda, ao reconhecer que tal fato de solidariedade partira de boa vontade espontânea do casal e sem
ser mandado de outrem, fez registrar essa quantia como fundo operacional da nova empresa. Toda não
esqueceu nunca a boa vontade das pessoas dessa época e lembrou-as para sempre até o resto da sua vida.
Dentro de alguns anos, toda quantia registrada foi devolvida com lucro; porém, não fazia questão do valor
em dinheiro. Dava mais valor à boa vontade elevada ou não e pela sinceridade pura ou impura.
Absolutamente, ele não se afrouxava pela boa vontade dos outros. Pelo contrário, até sofria por isso.
Traçava dentro de si uma linha dura e inflexível de tal maneira que o seu sofrimento individual não fosse
lesar a Organização Religiosa. Embora não desse a mínima atenção para as críticas condenatórias, ele
procurava corresponder aos favores provenientes da boa vontade dos outros com a atitude mais distinta
possível.
Os principais líderes de Toda como Koiti Harayama, Katsu Kiyohara e Hissao Seki, ao perceber o
estado de sofrimento do seu Mestre, penalizavam-se como discípulos. Entretanto, eles eram assalariados de
pós-guerra. A vida como brotos de bambu chegava até o fundo da miséria. Porém, quando soube que a
esposa de Toda começara a trabalhar para o sustento do seu lar, seus desesperos atingiram o auge. Após os
entendimentos mútuos, decidiram reservar uma parte dos seus ordenados, embora baixos, para oferecer uma
quantia fixa à família de Toda, a fim de que a mesma servisse como parte do sustento diário. Em seguida tal
proposta foi apresentada para Toda.
Nesse dia, Toda repousava no sobrado da sua residência para se recuperar da extrema fadiga.
Ouvindo a proposta dos três que vieram fazer visita preocupados com a saúde, Toda levantou-se
imediatamente, eliminando o acolchoado e disse:
— O que vocês estão dizendo? Quando eu ensinei essas asneiras a vocês? Como vocês ousam dizer
tolices tão atrevidas!
Os três ficaram boquiabertos diante da súbita explosão furiosa de Toda.
— Não pensei que vocês fossem tão tolos assim. Embora eu caísse no sofrimento pela miséria,
o que vocês têm a ver com isso? Absolutamente, eu não tenho a mínima intenção em depender dos seus
favores. Tudo foi decidido pelo Gohonzon. Vocês não compreenderam ainda? Vão embora!
Toda deitou-se e virou as costas. Para os três, tal circunstância deve ter sido a mesma dos náufragos
abandonados sem ilha. Os três, desapontados pela surpresa, podiam apenas olhar uns aos outros. Após alguns
intervalos de silêncio, começaram a descer a escadaria. Nesse momento, a voz de Toda seguiu atrás:
— Peço cuidar bem dos membros seguidores. Não se preocupem por mim. Está certo?
— Sim, Senhor.
Já havia desaparecido a fúria na voz de Toda. Os três não entenderam bem, porém, retiraram-se
tranqüilamente.
Por que motivo Toda rejeitou categoricamente a proposta do grupo de Harayama? De maneira
alguma foi motivado pelo desgosto causado pela intenção dos três. Embora fossem três, entre eles há uma
organização. Mesmo que as manifestações partissem da boa vontade, naturalmente, o ponto de vista de cada
um seria diferente. Às vezes dois concordam com o primeiro por obrigação moral. Outras vezes um pode
forçar o dever de obediência para os dois. Acaso, os três estariam de acordo e concordariam com os
membros da Organização para chegar finalmente a angariar fundos para sustentar a pessoa de Toda? Ora,
não estariam realmente aproveitando a Organização? O que Toda temia era a destruição e o proveito
indevido da Organização baseada puramente no Budismo de Nitiren Daishonin.
Toda veio defendendo o rigor da Organização, mesmo com o sacrifício de si próprio, traçando-o
como uma linha reta e suportando-o sob a severidade do Budismo. Ele estava ciente de que a
Organização que deveria ser chamada união harmoniosa da Nitiren Shoshu, era mais importante do que a
própria vida.
Pode-se dizer que aqui se via a diferença entre a proposta dos três e a das manifestações espontâneas
de Titani e Oba.
Entretanto, em última análise, Toda não esquecia nem um instante que não podia levantar-se de
outra forma senão com a força da fé, assim como o Budismo ensina: "Para quem caiu por terra, não há outra
alternativa senão levantar-se outra vez do mesmo lugar".
O inesperado acontecimento para Toda que teve seu início no dia 23 de agosto, realmente causou
reações diversas em várias pessoas. Pode-se dizer que tais reações demonstravam plenamente o resultado da
fé profunda ou superficial e pura ou impura de cada pessoa.
"Seu mundo objetivo é o reflexo da sua fé subjetiva", esse princípio chamado "Shinjim-soku-Jissô"
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forçosamente vem a mostrar o seu aspecto real por uma circunstância causai conseqüente da fé. — Os que se
revoltavam contra Toda, os que se afastavam dele, os que sofrem intimamente longe do seu Mestre, os que
procuram precaver-se com atitudes neutras, os que mostram ser inteligentes através das suas críticas, os que
inflamam a sua ambição, os que pensam com pessimismo, os que perderam o gosto de enfrentar
corajosamente e assim por diante... Na era pacífica e tranqüila surgem figuras humanas totalmente
desconhecidas até então, mostrando seus aspectos multi-formes no palco da sociedade.
Muitos desejavam a pronta restauração de Toda. Porém, quantas pessoas estariam resolutas em
devotar-se sacrificando toda a sua vida e abandonando tudo? Shin-iti Yamamoto já deixara passar três anos
dedicando-se à fé. A conseqüência desse episódio, fazia distinguir dia a dia o laço predestinado e o encontro
fatal de Toda e ele, para torná-los natural e extremamente sólidos.
No meio das circunstâncias contraditórias como a luz e a treva, foi realizada a 5.a Assembléia Geral
e Ordinária no Estádio Educacional em 12 de novembro.
Presidente Makiguti e portanto, nesse dia antes da Assembléia foi realizada a cerimônia
comemorativa às 10 horas da manhã. A cerimônia foi prosseguida solenemente com a leitura de Sutras e a
queima de incensos pelo Sumo Prelado Mizutani Shonin. Ouviram-se em seguida o epitáfio ao ex-Presidente
pelo Reverendo Horigome e então, alguns representantes da Escola de Makiguti manifestaram o louvor, a
gratidão e a nova decisão evocando a memória dos tempos idos e vividos do saudoso Mestre.
Finalmente, Toda foi marchando em direção à plataforma da tribuna. Ele esteve ausente na
peregrinação para o curso de verão desse ano e talvez por saberem da sua presença em estado de saúde, os
membros regionais enviaram até aplausos calorosos de um dos cantos do salão. Toda começou a falar como
se estivesse meditando.
— Lembrando os trinta anos passados, quando eu contava 21 anos incompletos, encontrei-me
com o Mestre com seus 50 anos. Desde então, convivemos indistintamente sobre os laços de Mestre e
discípulo, de pai e filho e de chefe e servidor.
— Além disso, acompanhei os seus quatro principais obstáculos. O primeiro foi a demissão do
Grupo Escolar Nishimati; o segundo foi o afastamento do Grupo Escolar Mikassa e o terceiro foi a
exoneração do Grupo Escolar Shirogane, em Shiba, como diretor. O quarto obstáculo foi em 1943, quando o
acompanhei à prisão de Sugamo em conseqüência da opressão do governo militar pela causa do Budismo.
Toda parecia estar analisando os obstáculos que ora enfrentava, ao relatar como foi resistindo aos
quatro grandes obstáculos junto com Makiguti. O Mestre com quem devia se entender, já se foi para o
longínquo passado. Dentro da nostalgia do Mestre, sentia agora, a infiltração dos obstáculos dentro do seu
corpo solitário. Aproveitando o momento, ele falou sobre a obra de Makiguti "Estudo Sistemático sobre a
Criação do Valor na Educação", em quatro volumes e sua respectiva publicação. Além disso, relatou o
episódio em relação ao Mestre e discípulo quando foi transferido da Detenção à Prisão, no período da
opressão tempestuosa. Quando a narração chegou a revelar o final da existência de Makiguti que faleceu
resistindo contra os obstáculos, o auditório retornou ao silêncio absoluto e o mesmo foi envolvido por um
clima absolutamente solene.
— 'Makiguti morreu'. Como sofri desesperado quando
ouvi essa notícia! Chorei a noite em claro dentro da prisão.
Ao receber o impacto da ressonância da indignação de Toda, os presentes sentiram como se uma
facada afiada atravessasse o seu peito. Chorando como homem, ele foi relatando a sua decisão drástica.
— E a cerimônia fúnebre do Mestre? A essa pergunta, a resposta foi que ele estava
acompanhado de três membros da Gakkai com mais uma ou duas pessoas e além disso o corpo voltou para
casa carregado sobre o ombro do jovem Kobayashi. Que decepção! Que ódio! Nessa ocasião, mesmo que a
situação fosse desfavorável, os demais não compareceram. Por que não sabiam? Ou não vieram ainda que
soubessem? Está bem! Com o meu corpo, certamente farei a cerimônia honrosa!
— Desde que eu prometi dessa maneira, senti do fundo do meu coração, a minha razão para
viver. A vida do Mestre é eterna. Onde está o Mestre? Ele está ligado pela causa do Budismo através da
oração de Daimoku dirigida pelos discípulos e da cerimônia conduzida pelo Sumo Prelado. Aqui é a. terra
iluminada do Buda. A vida do Mestre está aqui!
— Embora, por ventura e por hipótese, ele estivesse num banho de fogo da fatalidade do
inferno, estou convicto de que, certamente hoje, ele deve estar no Estado de Buda.
Os presentes não podiam deixar de sentir uma emoção profunda.
Ao meio dia, a cerimônia foi encerrada.
Após um intervalo de 40 minutos, a Assembléia Geral foi reaberta às 12h45min. Foi uma reunião
pomposa, sem um espaço vazio sequer no auditório. Além disso, o senso de plenitude dominava o ambiente.
A Assembléia foi reaberta com o discurso do Diretor Morikawa e o relato de atividades foi
transmitido em seguida pelo Diretor Harayama. No momento em que foi anunciada a substituição do Direto
Geral, o auditório vacilou por um instante. Após o relato financeiro pelo Diretor Izumida, o Diretor Geral
antigo e o novo, cada qual fez o uso da palavra.
Toda fez um discurso rápido e simples como Diretor Geral antecessor, dentro do clima de
tranqüilidade. Porém, cada palavra provocava as emoções como se estivesse engolindo a saliva endurecida.
— Sinto-me profundamente grato pelo progresso da nossa Sociedade, chegando ao ponto de
lotar plenamente este auditório pela presença de todos, após 20 anos de permanência no cargo de Primeiro
Diretor Geral, desde que o Mestre Makiguti se tornou Primeiro Presidente.
83
— Desde o falecimento do Presidente Makiguti, o lugar do Segundo Presidente ainda
permanece vago e apesar disso, vim ensinando o Hokekyo de Sakyamuni como sendo o princípio básico de
orientação para a Nitiren Shoshu. Percebi que isso era o meu grave erro. Assim sendo, pensando no futuro da
Nitiren Shoshu, no seu progresso majestoso daqui para a frente e reconhecendo ao mesmo tempo e
profundamente o erro da minha conduta em desacordo com Nitiren Daishonin, resolvi transferir o meu cargo
para o Segundo Diretor Geral Mishima. . .
— Alguém poderá indagar: "Então, o que pretenderás, em seguida? " Entretanto, eu espero algo
muito importante. Recebi o Gohonzon majestoso e creio respeitosamente em Nitiren Daishonin, o fundador.
Estou decidido a dar minha vida pelo Nam-myoho-rengue-kyo e pelo progresso da Nitiren Shoshu,
defendendo sempre a Sociedade enquanto estiver vivo.
Os olhos do auditório seguiram simultaneamente o retorno de toda para o seu lugar.
"Espero algo muito importante". Essas palavras de Toda devem ter sido resguardadas pelos presentes
com imensurável esperança e fé. Por outro lado, poder-se-ia dizer que deve ter havido muitos que talvez não
entenderam nada sobre o seu significado.
A Assembléia prosseguiu com o discurso do novo Diretor Geral Mishima, a apresentação dos novos
Diretores, os relatos de experiências e a conferência especial do Sumo Prelado Mizutani Nissho Shonin
seguido de mais três representantes eclesiásticos.
Já eram mais de três horas da tarde e a Assembléia prosseguia. Intercalado por um discurso caloroso
da Diretoria Kiyohara versando "Sobre Chakubuku", houve novos relatos de experiências e cinco pessoas
relataram os seus resultados. Pode-se observar quanto uma experiência real da vida diária é mais importante
do que centenas de teorias metafísicas.
A seguir, teve o discurso do Diretor Geral Mishima e em último lugar Toda foi à tribuna do auditório
pela terceira vez, para responder ao tema "A Lição do Professor Toda". Apesar de a explanação ser bem
curta, ele falou sobre a sua missão em relação à "Ordem do Buda".
— A Paz Mundial é o anseio do Buda e é ao mesmo tempo, a Ordem do Buda. Nunca poderá
ser manobrada por nós com nossas forças de um mortal comum. Sem o anseio do Buda, absolutamente,"
nunca será realizada.
Ele revelou claramente que a construção do Verdadeiro Santuário da Paz Mundial (Honmon-no
Kaidan) por nós, os discípulos do Buda na Era de Mappo, é a Ordem do Buda e que isso é a missão mais
importante. A seguir, finalizando, disse:
— Mesmo que eu enfrente as grandes dificuldades uma vez que orei Daimoku, desejo
prosseguir na jornada visando à Paz Mundial, junto aos meus companheiros de luta enquanto tiver a minha
vida, ainda que me sustente só de água ou raízes de plantas e que a morte venha ameaçar um dia. Este é o
meu maior e único desejo.
'Considerar sua missão como Ordem do Buda', essa concomitância deve ter sido então, uma questão
muito difícil de ser aceita por ele, uma vez que a mesma era difícil de ser compreendida se o desejo seu
estava ou não de acordo com o anseio do Buda. Para provar isso, ele teve que aguardar pacientemente até
colher a prova evidente e que ele mesmo não podia naturalmente adquirir com suas forças.
No domingo, sob um céu nublado de outono, a 5.a Assembléia foi encerrada com sucesso, às
16h40min.
Certamente, a Assembléia Geral teve seu fim tranqüilo e sem acidentes; porém, a luta penosa de
Toda continuava ininterruptamente. Shin-iti Yamamoto, por outro lado, corria diariamente para todos os
recantos. O outono corria apressadamente para o inverno. A rajada de vento frio soprava dentro e fora.
Quando encontrava Shin-iti, Toda aconselhava-o freqüentemente:
— Shin! Budismo é vitória ou derrota. Vamos lutar como homens enquanto estivermos vivos?
A vida é eterna. O resultado certamente aparecerá de alguma forma nesta existência.
Aproveitando até alguns instantes de sobra, ele ensinava pormenorizadamente o futuro e o rumo da
Nitiren Shoshu e aconselhava deliberadamente que ele deveria suceder e prosseguir sua obra quando
porventura, um infortúnio avançasse sobre Toda no futuro.
Em fins de novembro, caía chuva de neve. Jossei Toda, ao retornar do Ministério das Finanças,
jogou o peso do seu corpo sobre a cadeira do escritório e para Shin-iti que até então esperava sozinho a sua
chegada, disse:
— Como o mundo está ficando frio!
Cada dia que passava, era uma sucessão de lutas decisivas. O que mais fazia sofrer Shin-iti nesses
dias subseqüentes de corridas era a falta de camisas para trocar, o seu sapato furado, o seu terno rasgado e
sem par de meias. Precisava costurar as meias furadas com suas mãos desajeitadas. O rasto por onde passou
a agulha, deixava linhas tortuosas como ondas do oceano. O mais penoso era enfrentar a passagem do
inverno que vinha chegando e suportar o frio sem capa ou sobre-tudo. Os ordenados estavam atrasados por
mais de três meses.
— Apesar disso, Shin-iti não se dava por vencido. Ele que compartilhava as lutas penosas com
Toda, não podia retroceder, nem um pouco sequer. O que sustentou Shin-iti, nada mais foi senão, a
instrução especial de Toda que encontrara nesta existência e do Budismo de Nitiren Daishonin. Sobre isso,
ele meditava ao extremo.
- Se o Budismo é realidade, a Lei da Causa e Efeito deve ser rigorosa. Olhai a Nitiren Shoshu daqui
a dez anos! Observai, então após vinte anos. E a minha existência também!
84
Fins de outubro do ano de 1950.
Shin-iti Yamamoto decidiu a prática de dez mil Daimoku por dia e com essa decisão posta em ação
suportava todos os sofrimentos e dificuldades em torno dele.
A Daito Indústria e Comércio S/A. começou a rodar modestamente como nova empresa, porém, os
empregados remanescentes eram apenas Shin-iti e dois ou três parentes de Toda. Shin-iti, com apenas 22
anos, foi colocado no posto de alta responsabilidade, como chefe do Departamento de Negócios. Embora
apressasse os trabalhos sobre a liquidação da Cooperativa de Crédito, a petição para o Ministério das
Finanças nem sempre prosseguia favoravelmente.
Entrando no mês de dezembro, Toda dividiu o trabalho em duas partes e a Daito S/A. foi transferida
para o bairro das Cem Pessoas em Shinjuku, Tóquio. Era uma garagem deserta onde antes fabricava lentes
no período da guerra e que no momento não possuía máquina alguma. Ali se instalou o escritório sobre o
chão de terra.
Shin-iti começou a trabalhar ativa, dedicada e corajosamente para construir e fazer progredir a nova
empresa sob sua responsabilidade. Entretanto, era uma obra que forçosamente precisava começar pelo marco
zero. Além disso, uma outra luta árdua desafiava-se nessa época.
Na véspera do final desse ano, Shin-iti faz análise retrospectiva das atividades do ano que parecia
estar esquecendo. — Foi uma sucessão de grandes males. Somente a Lei Mística, Myoho, podia ser
acreditada para que os grandes infortúnios fossem transformados na maior boa sorte.
Quando Shin-iti refletia sobre as lutas penosas travadas com todo o seu esforço no período de um
ano sob a direção de Toda, descobriu a ausência de qualquer arrependimento próprio. Sentiu-se até
profundamente satisfeito de que sua maior felicidade estivesse dentro dessas circunstâncias. Isso não seria
devido à convicção por estar ciente de que era a única pessoa que plenamente compreendia quanto à
grandiosa missão resguardada no íntimo de Toda?
O maior desejo seu era a libertação de Toda dos seus sofrimentos para que o mestre pudesse realizar
o seu grande sonho da Paz Mundial e dirigir livre e plenamente essa obra o quanto antes. Fortaleceu ainda
mais a sua decisão sólida de jamais se esquivar de quaisquer sofrimentos e sacrifícios, se os esforços fossem
destinados para tal fim.
Dentro do seu quarto, sua cabeça permanecia quente, mesmo sem lareira, apesar do frio do inverno
em dezembro. Refletindo a sua vida diária durante todo o período de um ano, ele percebeu que nunca deveria
ser vencido pela corrente de sacrifícios.
— Este ano eu não consegui realizar o meu desejo; porém, no ano que vem desejo agir com o
máximo de meus esforços como um membro da Divisão dos Jovens. Além disso, desejo ler os livros ao
máximo. Isso mesmo! No próximo ano, eu devo sem falta, recomeçar o meu curso noturno.
Ele recordava sempre do seu curso noturno 'Tais-sei-Gakuin' que deixara de freqüentar desde outono
do ano anterior. Talvez estivesse com saudades dos colegas de classe que estudavam juntos sobre as carteiras
em filas debaixo de lâmpadas sem globo. A interrupção no caminho em direção ao estudo, fazia sentir-se
inconformado. Desejava pelo menos ouvir as lições sobre a 'Política.' e a 'História Política daquele jovem
diretor, Professor Yudo Takada.
O Professor Takada pretendia, talvez, revelar através de suas lições, a 'Teoria Política' de sua autoria.
Era uma explanação única e sem igual e cujas expressões entusiásticas faziam penetrar a pureza das emoções
no coração dos alunos como Shin-iti.
Os estudantes aclamavam-no com dignidade e consideração, respeitando e amando a personalidade
simpática e humana do Diretor Takada. Ele, por sua vez, sofria de tuberculose há longo tempo. Faltava
muitas vezes à lições, porém, isso não era problema para os alunos, pois sua personalidade e suas lições com
original idades, formavam em todas as aulas, um ambiente intelectual todo especial e excêntrico na época de
pós-guerra em Tóquio.
A 'Taissei Gakuin' era uma escola fundada por Yudo Takada. Após o curso completo em Economia
Política da Universidade de Wasseda em 1933, ele continuou seus estudos de pós-graduação nessa
especialidade, vivendo como um pesquisador estudioso. Entretanto, em 1943, fundou uma escola,
convidando os alunos dissidentes e em situação precária, com intuito de criar homens de valor, independente
do Curriculim Vitae e de aprovações formais.
Ele pensou — se forem capazes, tomar-se-ão valores dentro da sociedade e além disso, poderiam
eventualmente ser transferidos para os cursos universitários desejados. Todos os professores em torno dele
eram os mais competentes das Universidades. Para funcionar realmente como uma escola constituída, teve
seu início somente na primavera de 1949, por azar dos incêndios durante a guerra. Apesar do seu corpo
doentio, empenhava todos os seus esforços na realização do seu ideal e da construção da sua escola. O
idealismo educacional seu era 'A Paz Mundial pelo Humanismo' e foi criando os valores humanos para esse
fim.
Ele dizia e repetia como de costume, toda vez que havia oportunidades e dialogava sempre em torno
da sua missão e do seu ideal.
— Estou confiando o futuro do Japão aos meus discípulos que cresceram sob minha orientação. Para
isso, devo educá-los de maneira única e original.
Assim, ele educava originalmente os estudantes ávidos de cultura e o projeto de construção chegou
até a fundar a 'Universidade Fuji para Cursos Intensivos'.
O pesquisador emérito desgastou sua vida inteira para a realização do seu ideal. A Universidade Fuji
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foi reconhecida pelo Ministério da Educação em abril de 1951 e o seu fundador faleceu logo em seguida, em
maio.
Nos campos devastados de pós-guerra, houve um educador heróico e precioso que deu a sua vida
pela realização do seu ideal educacional a favor dos jovens do futuro e que lutou até à sua morte, aos 42 anos
de idade.
Passados três anos após a sua morte, seus amigos elogiaram seus trabalhos como fruto de sua
dedicação à Cultura e publicaram a tradução da famosa obra de F.W.Maitland, 'História da Constituição da
Inglaterra', juntando suas anotações ainda em vida. E a sua única obra póstuma.
Naquela época, a existência de Yudo Takada, ao mesmo tempo com sua perspicácia, visão
intelectual e pujança da personalidade portadora de uma paixão ímpar, era uma força suficiente para
satisfazer o forte anseio cultural de Shin-iti. O jovem Shin-iti deve ter desejado muito e sinceramente
freqüentar as lições do Professor Yudo. Infelizmente, a situação não o permitia. A publicação das revistas da
Nihon Shogakkan, as responsabilidades quanto à organização da Sociedade Religiosa e além disso, tarefas
obrigatórias a efetuar com seu corpo febril.. . — No outono de 1949, preocupado pela saúde, Toda sugeriu
que a freqüência ao curso noturno fosse suspensa. A intenção de Toda seria talvez, a de fazer restaurar
primeiro a saúde, para depois permitir o ingresso numa Universidade famosa. Entretanto, com os sucessivos
insucessos nos negócios, as subseqüentes demissões da maioria dos empregados e o início das atividades da
nova empresa, forçosamente obrigaram a começar uma luta individual dura e árdua para Shin-iti. Mesmo que
toda não esquecesse do reingresso de Shin-iti para o curso, essa oportunidade foi perdida, pois sua
existência era indispensável para a empresa e com o tempo tornou-se o eixo primordial para a
organização religiosa.
Toda sentia-se sempre penalizado com o desejo primário do jovem Shin-iti. Um dia, quando a luta
árdua contra os sofrimentos e dificuldades deixou de ser intensa, disse para Shin-iti:
— Shin! Não se preocupe. Ensinarei todos os estudos universitários. Espere com paciência. Quanto à
escola, deixe comigo.
A partir dessa época, ele chamava Shin-iti todos os domingos. Começou a ensinar particularmente a
Política, a Economia, o Direito, a Literatura e todas as outras matérias com exceção de línguas. Poder-se-ia
dizer que era um perfeito professor particular. Não sendo suficiente os domingos, foram gastos o período da
manhã, antes do início do trabalho na empresa. Isso durou por vários anos.
Sem Jossei Toda, pode-se dizer que não haveria a formação de uma personalidade chamada Shin-iti
Yama-moto. Além disso, no período de 1951 ao início de 1952 em que a luta penosa era intensa, mesmo que
o período fosse curto, com certeza, Jossei Toda teria caído numa solidão absoluta, se realmente Shin-iti
Yamamoto não estivesse ao seu lado.
Pode-se dizer que a causa decisiva para a existência e o progresso da Nitiren Shoshu de hoje, havia
sido formada dentro da história secreta que ambos criaram nesse período.
Se indagarmos por que razão a Nitiren Shoshu progrediu assutadoramente após a posse de Jossei
Toda como Segundo Presidente e seu subseqüente desenvolvimento rápido, indiscutivelmente pode-se dizer
que toda a fonte original estava na magnificência do Budismo de Nitiren Daishonin, mas por outro lado,
poder-se-ia dizer que nesses períodos penosos e sofridos, já estava criada a semente decisiva do crescimentos
para o futuro.
Um grão de semente desprovido de princípios filosó ficos à primeira vista, foi implantado
profundamente no lodo e com o tempo chegou a possuir brotos com expectativa de uma rara e fenomenal
eflorescência.
Nesse período, Toda ensinou para Shin-iti essa florada e esse período. Ele conseguiu compreendê-
los. A intensão de Shin-iti que compreendeu o pensamento de Toda estava na altura de estar de prontidão
para ir até à prisão no lugar dele, caso fosse perseguido pela lei do país.
A lição magistral de Toda em todos os domingos, prosseguia sinceramente e sem uma falha. Eram
aulas em dois períodos: de manhã e de tarde, sem reservar o tempo para seu descanso. Sua lição como um
dialético possuidor de uma cultura magistral e excepcional era, realmente, maravilhosa. Shin-iti admirava-se
incondicionalmente, diante da precisão da lição magnificente.
No período da manhã, também ensinava rigorosamente, apesar do seu corpo exausto. Poder-se-ia
dizer que foi uma lição impulsionada por uma forte decisão de ensinar tudo sem reserva, as experiências
acumuladas nos cincoenta anos de sua existência. Até parecia ser a revelação do testamento oral dos seus
últimos desejos, à véspera da morte, dizendo:
— Talvez, morrerei amanhã e portanto, estou aqui agora, ensinando com todos os meus esforços.
Pode-se dizer que foi uma demonstração do aspecto de como o pensamento se evidencia realmente
(Kyoti-Myo-go). Em certas ocasiões, Shin-iti acordava tarde na sua pensão devido à exaustão e chegava
muitas vezes atrasado diante de Toda que o esperava pacientemente.
Pode-se dizer que os líderes da Gakkai nessa época, por incrível que pareça, passavam por uma
verdadeira seleção natural.
Os pretenciosos com fé impura afastaram-se na totalidade e permaneceram naturalmente os sinceros.
Pode-se dizer que nesse curto período de tempo, a Organização foi se transformando surpreendentemente
numa unidade pura e sincera, constituída de lutadores fiéis ao ideal da Paz Mundial.
Ao mesmo tempo que Toda assegurava e prova evidente da vitória da Lei do Budismo sobre a Lei
do País, percebia que a oportunidade para a posse do Segundo Presidente da Nitiren Shoshu estava sendo
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amadurecida, quer interna ou externamente. O resto era só apreciar a chegada de uma jornada de mil milhas
correndo com toda a velocidade.
Para Jossei Toda, esse período de alguns meses, parecia ser realmente como o episódio de
Tatsunokuti' para Nitiren Daishonin. Para Shin-iti Yamamoto era uma época em que se podia dizer:
Nesse instante da vida, esgotei-me de todos os sacrifícios desde o remoto passado.
Logo em seguida, Toda encontrou o dia da revelação mais importante de sua vida (Hosshaku
Kempon), e Shin-iti começou a provar na sua prática, os ditos áureos de Nitiren Daishonin:
— Cada instante de uma vida é a revelação das atitudes do Buda de Mussa-Sanjin e portanto,
Nam-myoho-rengue-kyo é o aperfeiçoamento contínuo para o progresso.
Ora, uma vez que chegamos a tal decisão, isso não seria nada mais senão o espírito de Hosshaku
Kempon que é o espírito de renascimento da Nitiren Shoshu?
As emoções irresistíveis dominavam o ambiente. Os presentes nada mais podiam fazer senão
responder pelos aplausos tempestuosos com lágrimas nos olhos. Certamente devem ter havido no meio deles
os que sofriam de doenças, de pobrezas persistentes, de vida na profundidade do inferno ou mergulhados nos
desesperos. Apesar disso, eles não podiam deixar de reconhecer intuitivamente nesse momento que não
haveria outro meio para a mudança total do seu destino senão prosseguir a vida diretamente sobre a reta
única da fé, superando todos os sofrimentos.
— Na véspera do ano da celebração do Sétimo Centenário da Fundação da Nitiren Shoshu,
reforço a resolução de que finalmente chegou a época para realizar um grandioso movimento de Chakubuku
em todo o país. Hoje, ao despertar com a convicção de que devemos dar a nossa vida para a realização da
Paz Mundial aceitando respeitosamente a Ordem do Buda, eu desejaria solicitar para o Sumo Prelado
Mizutani Nissho Shonin conceder o Dai-Gohonzon da Paz Mundial desejada fervorosamente pela Nitiren
Shoshu.
Jossei Toda, embora reconhecesse conscientemente a natureza e o caráter do futuro da Nitiren
Shoshu, poder-se-ia dizer que nesse dia fosse ao mesmo tempo um dia de 'Hosshaku Kempon', isto é, o seu
dia decisivo para o resto da sua vida. Entretanto, a distância para o futuro era tão vertiginosa como se
andasse pelas cristas de montanhas arrojadas lançando-se para o céu.

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