Você está na página 1de 168

Prefácio por Prof. Dr.

Elizeu Coutinho de Macedo


Todos os direitos deste livro são reservados pela
Editora Quatro Ventos.

Proibida a reprodução por quaisquer meios,


salvo em breves citações, com indicação da fonte.
Editora Quatro Ventos
Rua Liberato Carvalho Leite, 86
(11) 3230-2378
(11) 3746-9700
Todas as citações bíblicas e de terceiros foram
adaptadas segundo o Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa, assinado em 1990, em vigor
desde janeiro de 2009.

Todo o conteúdo aqui publicado é de inteira


responsabilidade do autor.

Diretor executivo: Renan Menezes


Editora responsável: Sarah Lucchini Todas as citações bíblicas foram extraídas da
Almeida Revista e Corrigida, salvo indicação
Equipe Editorial:
em contrário.
Paula de Luna
Revisão: Eliane Viza B. Barreto
Diagramação: Vivian de Luna Citações extraídas do site https://www.bibliaonline.
Capa: Vinícius Lira com.br/arc. Acesso em junho de 2020.

1ª Edição: Julho 2020

Ficha catalográfica elaborada por Geyse Maria Almeida Costa de Carvalho – CRB 11/973

H413a Hayashi, Sarah

Águia renovada / Sarah Hayashi. – São Paulo: Quatro


ventos, 2020.
168 p.

ISBN: 978-65-86261-46-2

1. Desenvolvimento pessoal. 2. Desenvolvimento CDD 240


espiritual. 3. Vida com Deus. I. Título. CDU 267.073
SUMÁRIO

1. Por que a timidez? ......................................... 21


2. A resiliência pode ser desenvolvida? ................ 31
3. Dignidade e nobreza ...................................... 39
4. Consciência limpa .......................................... 49
5. Honestidade demais ....................................... 59
6. Família e amizade ........................................... 67
7. Viver o chamado é fortalecedor ...................... 75
8. Reobote ........................................................ 83
9. Perdas e ganhos .............................................. 91
10. Quem é esta que sobe do deserto? ................ 99
11. A esperança e a coragem da águia renovada .. 107
12. É preciso amadurecer para viver bem .......... 115
13. Aceitando o curso normal da vida .............. 123
14. Cuidando da saúde em cada ciclo da vida ... 131
15. A cultura de Deus nos Sete Montes ............ 141
16. Esperança para coisas novas ......................... 149
17. Amar a Deus acima de tudo ........................ 157
DE D I CATÓ RIA

Dedico este livro, em que narro algumas das


muitas experiências do meu andar com Deus, a meus
queridos netos e bisnetos. Tenho fé no nosso Deus
fiel que as minhas gerações vindouras carregarão o
legado espiritual, moral e intelectual que recebi de
meus pais e avós paternos e maternos.

7
AGRADECIMENTOS

Deus traz pessoas valiosas ao nosso caminhar.


Nesse caso, refiro-me a duas pessoas especificamente:
Dr. Elizeu e minha querida filha, Zoé. Eles me
incentivaram muito a escrever sobre minhas
experiências de vida com Deus.
Dr. Elizeu, professor e doutor em Psicologia, é
uma pessoa muito inteligente, com quem gosto de
conversar e receber conselhos e sugestões.
Zoé, minha filha tão querida, sempre me
encorajando a procurar meios para eu poder me
ocupar no meu chamado de ensino, encorajou-me
a escrever este livro. Ela me ajuda a me atualizar na
tecnologia da mídia e, assim, posso compartilhar
minhas experiências e conhecimentos teológicos,
especialmente através da escrita. Ela sabe o quanto
amo livros, livrarias e bibliotecas e, acima de tudo,
a Bíblia.
Meus sinceros e profundos agradecimentos
vão para essas duas pessoas, com oração para que
o nosso Senhor Deus lhes retribua com muitas
riquezas celestiais.

9
PREFÁCIO

Ouvir e ler histórias da vida de pessoas que


realizaram grandes coisas sempre me fascinou!
Talvez essa atração seja porque podemos aprender
a viver melhor ouvindo sobre a trajetória existencial
e espiritual de pessoas que vivem uma vida com
sentido. Viver melhor pode ser entendido como
escolher caminhos que propiciem alegria e evitem
dor desnecessária. Podemos viver melhor aprendendo
e observando as formas como algumas pessoas que
realizaram grande feitos encontraram para superar os
desafios e como encontraram curas para suas dores e
feridas emocionais.
No entanto, contar a sua própria história
nem sempre é fácil, pois temos episódios que não
gostaríamos de ter vivido. Lembrar-nos de algumas
experiências que passamos pode nos machucar
profundamente, e pode parecer que nunca serão
curadas. Compartilhar essas experiências nos torna
vulneráveis. Contudo, reconhecer-nos vulneráveis é
libertador, pois aprendemos que muitas coisas que
tememos não podem mais nos destruir.

11
O livro que a Dra. Sarah Hayashi escreveu
apresenta parte de sua história e como aprendeu a
ser amada e aceita por Jesus. Ele serve de referência
para pessoas que estão iniciando uma caminhada de
crescimento espiritual, emocional e profissional. Serve
também para todos aqueles que, independentemente
da fase em que estão, buscam uma vida com sentido.
As lutas, desafios e superações descritas servem
como profundas lições para aqueles que desejam
deixar um legado para gerações futuras: Jesus é
amor, amor!
Em um momento como este, em que buscamos
estar em evidência e receber o maior número
possível de likes nas redes socais, este livro apresenta
argumentos na direção contrária: Jesus é a pessoa que
deve estar em evidência. Se Jesus está em evidência
em nossas vidas e Ele nos ama da maneira como
somos, podemos olhar para a nossa natureza e
história de maneira honesta. Dessa forma, podemos
aprender com as experiências da Dra. Sarah, como
a intimidade com Jesus nos ajuda a lidarmos com
aquilo que nos feriu nos relacionamentos com
familiares, amigos, companheiros de ministério,
líderes e até ovelhas.
Há diversas formas de dar sentido às experiências
dolorosas que vivemos. Parte do trabalho terapêutico
é possibilitar à pessoa ter uma outra perspectiva
daquilo que viveu. No entanto, a compreensão

12
e aceitação de que Jesus nos ama como somos
é libertadora! Obrigado, pastora Sarah, por nos
mostrar isso com a sua vida!

PROF. DR. ELIZEU


COUTINHO DE MACEDO
Psicólogo e professor da Universidade
Presbiteriana Mackenzie

13
IN T RO D UÇÃO

Vêm à minha mente as palavras de Jesus, algo


que me encoraja, me consola e também me faz sentir
envergonhada quando reclamo: “o servo não é maior
que seu senhor” (João 13.16).
Quando leio na Bíblia o que fizeram com
Ele (Marcos 14.65; 15.19-20), choro muito e até
me envergonho de muitas vezes ter lamentado,
sentindo-me maltratada, rejeitada, ridicularizada e
menosprezada pelos mais achegados. O que é isso
perto do que meu Mestre e Redentor sofreu por mim
e pelo mundo todo?
As narrativas deste livro têm como objetivo
compartilhar um pouco das inúmeras lições
que tenho aprendido em minha vida através de
circunstâncias inesperadas. Quem espera as durezas
da vida? Ninguém. Tenho, porém, tantas experiências
lindas com este nosso amado Deus triúno! Deus é
mais que maravilhoso, Ele é indescritível, e espero
que as minhas narrativas possam expressar um pouco
de quem Ele é.

15
Meu desejo é que elas sirvam para levar o
leitor a conhecer o nosso tão precioso Deus em
vários aspectos de Seu caráter. A mente humana não
consegue captar quem é Deus, a não ser pelo Espírito
Santo; e, mesmo assim, tudo é enigmático e nublado,
pois vemos em parte, como que pelo espelho (1
Coríntios 13.12). Nossa vida terreal nos limita, mas
somos cheios de esperança e alegria só de pensar
como será lindo, pleno e inefável o nosso encontro
com Jesus Cristo na eternidade! Pelo espírito, nós O
veremos na totalidade.
Do ponto de vista bíblico, aplica-se a mim
o seguinte:

Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente


sábio: por que te destruirias a ti mesmo? (Eclesiastes 7.16)

Na maioria das vezes em que passei por


sofrimentos e tribulações, mal sabia eu que, ao querer
ser muito correta, as pessoas tiravam proveito de mim
e me desrespeitavam. Com razão, pois, na verdade,
era isso que ignorantemente eu estava atraindo.
Numa fábula que li na minha infância, eu
represento a tartaruga: um dia, um coelho quis
apostar uma corrida com a tartaruga, como zombaria.
No meio do caminho por eles traçado, o coelho bem
adiantado, viu a tartaruga de longe, ainda no início.
Vendo o ritmo dela, decidiu dormir. Enquanto isso,

16
a tartaruga, com seus lerdos passos, ultrapassou-o.
Chegou ao fim da linha e deu o brado de vitória!
Sou do tipo de pessoa que congela debaixo de
pressão. Nessa hora, tenho declarado: “Sou devagar,
mas eu chego lá”.
Com a graça do nosso Senhor Deus e a ajuda
do Espírito Santo, tenho fé que cumprirei o Seu
chamado em minha vida. Toda a nossa trajetória de
vida será em vão se não apontar para o Criador e se
não vivermos um relacionamento estreito e íntimo
com Ele. O propósito final de nossa existência não
é apenas usufruir de tanta bondade e misericórdia,
mas de levantar a Cristo, para assim Ele atrair todos
os homens a Si. O Seu amor é ter a nós. Ele nos
ama tanto!
Deus tem um ritmo específico para cada um
de Seus filhos. Ele jamais nos trata no coletivo, mas
como indivíduos: cada um com a sua unicidade.
A nós cabe sempre olhar para Jesus Cristo, autor
e consumador de nossa fé, e depender totalmente
do Espírito Santo a cada passo ou em cada estação
da vida.
Quando algumas pessoas me perguntam qual é
o segredo de terminar bem a vida, a minha resposta é
o que procuro fazer: andar no Espírito, estar sempre
me enchendo do Espírito Santo e ser guiada em toda
a verdade. Jesus Cristo é a verdade. Ele é o Verbo
vivo. A Bíblia é a verdade. Sua Palavra é “lâmpada

17
para meus pés e luz para meu caminho” (Salmos
119.105).
Dependo diariamente das misericórdias, da
fidelidade e do amor do nosso Deus. Jesus Cristo
se encarnou, viveu como homem, morreu como
um criminoso, mas ressuscitou e vive hoje, e Deus
Pai valoriza tal sacrifício de Seu Filho. Como Deus
desistiria de nós se pagou um preço tão alto – a
vida de Seu Filho? Hoje, somos consolados toda vez
que nos lembramos que Jesus Cristo está à direita
do Pai, intercedendo por nós e nos defendendo
como advogado justo e misericordioso. Ele jamais
desperdiçará todo o Seu sacrifício feito por cada um
de nós. É de nossa escolha e decisão participarmos
dessa grandiosidade divina.
Através de cada dificuldade e tristeza, insegurança
e medo, derrota e vitória, escape e alívio, esperança
e consolo, alegria e sucesso, choro e riso... Pude e
continuo podendo conhecer a este tão maravilhoso e
tremendo Deus triúno!
Prossigo cada vez mais vislumbrada ao conhecer
o Seu caráter e os Seus caminhos:

Porque meus pensamentos não são vossos pensamentos,


nem vossos caminhos, meus caminhos, diz o Senhor.
Porque, assim como os céus são mais altos do que a terra,
assim são meus caminhos mais altos do que vossos

18
caminhos, e meus pensamentos mais altos do que vossos
pensamentos. (Isaías 55.8-9)

Deus não cessa de nos surpreender e de nos


deixar extasiados.

19
Capítulo 1

POR QUE A
TIMIDEZ?
Estranhamente, não me lembro da minha
infância de um a quatro anos de idade. A partir dos
cinco anos, lembro-me vagamente da rotina, mas
somente de alguns fatos marcantes. Parece que a
minha vida começara aos sete anos. Lembro-me que
eu implorava à minha irmã Ruth que me ensinasse
a escrever e que eu queria ir para a escola. Então,
comecei a escola primária aos oito anos, o que é muito
tarde, mas já sabia ler e escrever tudo. Parece que eu
tinha sido esquecida na família com relação à escola.
Será por isso que eu valorizo tanto a Educação? Tive
uma apaixonante carreira de professora.
Havia um piano francês bem velho em casa e
ninguém queria ter aulas nele. Éramos oito irmãos.
Tocar piano era um dos planos de meus pais para
seus filhos, mas dos mais velhos para os seguintes,
não persistiram. Então, chegou a minha vez, e eu
quis tocar. Eu tinha nove anos de idade.
Eu amei ter as aulas de piano com a dona
Elizabeth Chemp, uma senhora russa que
orgulhosamente se lembrava da placa na sua porta:
“Professora de piano. Formada na Europa”. Depois
que fiquei adulta, percebi o quanto o seu método
engessara os alunos: não podia olhar o teclado, apenas
a partitura; os alunos que tocavam de ouvido eram
punidos, e tocar música popular era considerado
pecado mortal.

23
Todos os anos, a dona Eliza (assim ela queria
ser chamada) alugava um teatro e fazia audições
ou eventos com toda pompa possível: convites
chiques em envelopes, flores no palco, iluminação
especial, todas as mulheres vestidas de branco
com saias bem rodadas e armadas, os rapazes com
calças pretas, camisas brancas e gravata-borboleta...
Tal era a importância desse evento anual. Ela
tinha trazido da Europa partituras para quatro
mãos em um ou dois pianos, seis mãos em um
piano e oito mãos em dois pianos. Era algo raro,
que a enchia de orgulho, e os alunos se sentiam
muito especiais.
Surpreendentemente, eu sabia de cor todas as
músicas que aprendia nas aulas. Nas festas em que
havia piano, eu era chamada para tocar, e eu fazia
aquele sucesso. Em geral, as festas de aniversário
aconteciam na casa do meu professor da escola
dominical na Igreja Metodista Livre, um senhor que
chamávamos de Yamada-sensei.
Yamada-sensei não somente foi discípulo de meu
pai no cristianismo, mas também de odontologia.
Recebeu o direito oficial de exercer a profissão como
“Dentista Prático Licenciado”. Em troca disso,
minha família toda tinha os tratamentos dentários
sem pagar nada. Era um lindo consultório situado
num lugar privilegiado, bem na rua Senador Feijó,
no centro da cidade de São Paulo.

24
O que mais forte permanece em minha
memória foi o convívio que tive com Yamada-sensei.
Por muitos anos, ele foi meu professor de escola
dominical, e todos os domingos, impreterivelmente,
eu era escolhida para orar no início e no fim da aula.
Além de meus queridos pais, ele foi a pessoa que
muito me incentivou a amar a Deus. Nesse período
de convivência com ele, fui muito valorizada e brilhei
em todas as atividades da igreja: nas peças teatrais
de Natal, nos concursos bíblicos, nas competições
esportivas durante as escolas bíblicas de férias e em
todas as celebrações especiais da igreja.
Outra pessoa que marcou minha vida na infância
foi dona Celina. Ela foi minha primeira professora do
curso primário no Grupo Escolar Marechal Floriano,
no bairro de Vila Mariana (a escola ainda existe). Eu
tirava sempre o esperado “100” com louvor. Eu era a
“queridinha da professora” (como me chamavam as
colegas da classe) e a “primeira da classe”, que usava
diariamente a faixa verde e amarela, cores da bandeira
brasileira. Essa faixa era colocada transversalmente do
ombro à cintura. Somente uma aluna por classe tinha
essa faixa.
Era eu também a aluna que devia “puxar a
fila” para entrar na sala, ao som de uma estrondosa
campainha, e me sentava na primeira carteira. As
últimas carteiras eram reservadas para os maus
alunos. Que método pedagogicamente errado!

25
Algo aconteceu no segundo ano primário.
Aquela menina brilhante se foi... Minha faixa
verde-amarela foi substituída pela faixa vermelha-
-branca-preta, cores da bandeira de São Paulo, que
significava segunda aluna da classe, e me sentava na
segunda fileira.
Meu rendimento escolar caiu. Não me dei
bem com a professora que, apesar de ser eficiente
e conhecida como a melhor professora do segundo
ano primário dessa escola, era excessivamente severa,
insensível e não tinha amor pelas alunas. Não lhe
escapava nenhuma oportunidade para envergonhar
as alunas quando cometiam algum erro.
Foi desse ano em diante que me tornei uma
menina tímida e medrosa. A timidez e os sentimentos
de rejeição, de medo, de derrota, infelizmente, atraem
“vibrações” negativas, e o mal vai se avolumando.
Uma vez, umas senhoras da igreja, assustadas,
falaram em voz alta que eu tinha cabeça grande como
uma melancia. Minhas irmãs mais velhas (há tempo,
foram perdoadas) me chamavam de “agozuda” e feia
(que se referia ao meu prognatismo1). Em japonês, agô

1
Prognatismo é quando o osso da mandíbula cresce muito e acaba
projetando o queixo para frente, consequentemente, causando uma
desarmonia na face e problemas dentários. Mais informações no
conteúdo sobre Prognatismo publicado pela Academia Nacional
de Medicina. Disponível em: http://www.anm.org.br/conteudo_view.
asp?id=2437&descricao=PROGNATISMO. Acesso em: junho
de 2020.

26
é queixo. Diziam mais: “Como você nasceu quando
éramos pobres por causa da guerra, você vai ser
sempre pobre” – ao que veementemente, dentro do
meu coração, negava e falava para mim mesma que eu
não seria.
Mesmo não aceitando os comentários negativos,
por muitos anos fui acometida pelo complexo de
inferioridade: cabeçuda, queixuda, feia e pobre.
Na adolescência, as coisas pioraram, porque fiquei
gorda demais.
O que mais me ajudou a vencer esses complexos
foi o fato de eu decidir, com toda determinação, que
me apegaria a Jesus e que O amaria como uma noiva
ao noivo. Como Deus considera tais decisões! Pude
constatar isso quando li a passagem em Daniel 10.12:

Não temas, Daniel, porque desde o primeiro dia em


que aplicaste teu coração a compreender e a humilhar-te
perante Deus são ouvidas as tuas palavras; eu vim por
causa das tuas palavras.

Deus é muito bondoso e fiel. Enquanto eu


lutava para vencer esses complexos de inferioridade
com minhas próprias forças, pouco progredia. Anos
depois, percebi como o Senhor estivera guiando os
meus passos em direção à uma solução surpreendente.
Em geral, os complexos de inferioridade ou
de superioridade são gerados pelos comentários

27
ou situações desfavoráveis e até maldosos. Além
disso, nós mesmos alimentamos tais complexos por
insegurança e sentimento de rejeição incontrolável.
Tais complexos acabam nos colocando estigmas
e nos fazem sentir inferiores. Deus não quer isso.
Como fui aceitar esses comentários? Algumas vezes,
pude vencer tais comentários maldosos porque
declarava dentro do meu coração: “Não! Não vou
ser isso. Vou me apegar a Jesus e terei muitas boas
amigas! Vou ser feliz com Jesus!”. Realmente tive
algumas vitórias.
Uma coisa aprendi e apliquei na criação de meus
filhos. Toda vez que pessoas invejosas e maldosas
falavam algo ofensivo aos meus filhos, e eles vinham
chorando a mim, eu lhes dizia: “Deixa eles! Não liga,
não! Eles têm problemas! Deus nos ama!”. Creio que
isso os ajudou a serem blindados contra a inveja e a
maldade das pessoas.
Se permitirmos essas falácias penetrarem em nós,
elas se tornarão estigmas difíceis de se apagarem da
nossa mente; mas, se procurarmos o “colo” do nosso
Deus Pai, amorosamente Ele tratará conosco e nos
fará sentir tão especiais e amados, pois enfatizará a
nossa unicidade.
Você e eu somos únicos na face da Terra. Cada
ser humano tem um propósito único para Deus.
Ninguém é igual a ninguém. Meu pai dizia: “Você é
você; outros são outros”. Essa fala poderosa de meu

28
pai levou-me a ter resiliência e a descobrir quem eu
sou ao longo dos anos, que ainda continuam.

29
Capítulo 2

A RESILIÊNCIA
PODE SER
DESENVOLVIDA?
Pela ordem de nascimento, sou a sétima entre os
nove filhos de meus pais. Uma irmã de quatro anos
faleceu logo que eu nasci, portanto não a conheci.
Lembro-me da casa onde nasci. Havia um corredor
sem fim, com vários quartos, e bem no fundo estava
o banheiro, o único da casa, a cozinha e, no quintal,
algumas árvores e uma casa menor, onde meus pais
acolheram uma família japonesa sem-teto.
Ao longo da minha adolescência, meus
irmãos mais velhos me contaram muitas coisas que
aconteceram quando eu ainda era criança.
Nasci na época do fim da Segunda Guerra
Mundial, quando os japoneses foram muito
perseguidos no Brasil. Os policiais entravam nas
casas e confiscavam todo tipo de literatura japonesa;
mas a nossa casa, que era grande e comprida, ficou
invisível aos policiais, que um dia passaram direto
e invadiram aquela casa dos fundos. Assim, minha
família foi protegida por Deus.
Nas ruas, as pessoas zombavam dos japoneses e,
na escola, meus irmãos mais velhos foram bastante
perseguidos pelos professores, especialmente de
Português, devido ao sotaque japonês. Lembro que
eles voltavam da escola e choravam junto do papai e
da mamãe.
Comprar comida era difícil. Havia fila até para
comprar pão. Quando chegava a vez de meus irmãos,
que sempre iam de dois, mandavam para o fim da fila

33
por serem japoneses. Um dia, voltaram chorando,
trazendo apenas um pequeno pedaço de pão. O que
meu pai fez? Ele fez a família toda se sentar à mesa,
cortou aquele pedaço em pedacinhos, pegou o suco
de uva e fez a Ceia do Senhor.
Essa lembrança me enche de orgulho do
papai e da mamãe, guerreiros vencedores. Meu
relacionamento com papai era escasso, porque ele
era muito envolvido nas atividades da igreja que
começara em casa. Minha mãe era mais acessível e eu
podia sentir muito amor da parte dela.
Os anos se passaram e as opressões de algumas
pessoas mais velhas e maldosas começaram a
refletir no meu comportamento – opressões que
me travavam cada vez mais, pois eu ia ficando dia
a dia mais introvertida. Não havia percebido o
quão travada eu era, até que fui para um excelente
colégio estadual, onde muitos japoneses, filhos de
agricultores, vinham do interior de São Paulo para
a capital a fim de se prepararem para ingressar nas
universidades.
Minhas colegas de classe, meninas de segunda
geração de imigrantes japoneses como eu, eram bem
diferentes das pessoas nascidas e criadas na grande
São Paulo. Eram muito extrovertidas e não tinham
complexo de inferioridade por serem descendentes
de japoneses. Por que eu não era tão livre como elas?
Entendi que elas vinham de colônias de japoneses

34
agricultores e tinham o seu clube e sua própria cultura,
portanto, sem opressão dos demais brasileiros não
asiáticos. Elas eram espontâneas e alegres.
Foi assim que eu entendi como eu era uma
nissei1 travada, medrosa e tímida como muitas em
São Paulo. Com o passar dos anos, fui me libertando
do complexo de inferioridade em vários aspectos,
mas foi um tempo bem longo.
O que me salvou de mais dores foi a minha
forte decisão de me apegar acirradamente a Jesus. A
psicologia chama essa força de “resiliência”. Todos
têm uma porção de resiliência, pois nascemos com o
instinto de sobrevivência.
Quando pessoas mais velhas e maldosas queriam
colocar em mim estigmas para me inferiorizar, eu
decidia dentro do meu coração que iria me apegar a
Jesus Cristo para vencer e proteger outras pessoas que
sofriam semelhantes preconceitos. Essa resiliência foi
uma bênção de Deus em minha vida, apesar de não
escapar de muitas das consequências do meio em
que vivia.
Através dessas situações difíceis, Deus me deu
uma vontade muito forte de lutar pelos sofridos,
rejeitados e solitários. Como diz o ditado: “há males
que vêm para o bem”.

1
Nissei é o nome dado a filhos de pais japoneses, nascidos no
continente americano.

35
Havia dentro de mim um desejo de pegar as
crianças da rua para cuidar e fazer um orfanato. Tal
desejo nunca se cumpriu, pois Deus sempre tem um
chamado específico para cada um de Seus filhos, e
creio profundamente que a vontade de Deus sempre
é a melhor: no Seu tempo e no Seu ritmo.
Levei muitos anos para ser liberta do complexo
de inferioridade. E se eu não prestar atenção, lá vem
novamente o diabo querendo semear coisas negativas
em minha mente e coração. Temos de estar atentos,
como disse Jesus: “Vigiai e orai, para que não entreis
em tentação; o espírito, na verdade está pronto, mas
a carne é fraca” (Marcos 14.38).
As táticas de Satanás não mudam, pois ele
não tem criatividade. A melhor forma de detectar
as astutas ciladas do diabo é conhecer e vivenciar
as palavras do nosso Deus, com a ajuda do
Espírito Santo.
Até hoje preciso continuamente derrubar as
fortalezas que se levantam contra o conhecimento
do nosso Deus amoroso e poderoso. Os ataques
começam na nossa mente, então penetram no
nosso sentimento e depois no espírito. Nossa luta
é espiritual:

Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas,


sim, poderosas em Deus, para destruição de fortalezas;
destruindo imaginações, e toda altivez que se levanta

36
contra o conhecimento de Deus, levando cativo todo
pensamento à obediência de Cristo. (2 Coríntios 10.4-5)

Constantemente, eu me via na necessidade


de lutar contra os resquícios negativos de minha
infância e adolescência. Mas eu precisava persistir e
fortalecer ou aumentar a minha resiliência. Crer em
Deus e em Sua Palavra foi o combustível para isso.

37
Capítulo 3

DIGNIDADE E
NOBREZA
Honestidade, verdade, justiça e consciência
limpa são valores que herdamos de nossos pais.
Eles foram profundamente impressos em minha
personalidade e coração desde a minha infância. Creio
que a própria presença de Deus, tão densa que eu já a
sentia, quando, furtivamente, ia espiar e escutar meus
pais orando e lendo a Bíblia na sala de visitas, com as
cortinas fechadas, todas manhãs por duas horas, forjou
tais valores em meu ser. Esses preciosos momentos
ainda repercutem na minha vida e na vida de meus
filhos, e tenho fé que frutificará em mais gerações de
nossa família.
Dignidade e nobreza são oriundas do nosso
belo e amado Deus triúno. Não podia ser diferente!
Seres humanos podem produzir algo através de
muita aplicação, esforço, dedicação, trabalho, mas
sem Deus, o que restará?
Quem tem andado com Deus concorda com
estas palavras:

Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham


os que a edificam; se o Senhor não guardar a cidade,
em vão vigia a sentinela. Inútil vos será levantar de
madrugada, repousar tarde, comer o pão de dores [...]
(Salmos 127.1-2)

Dignidade e nobreza são dádivas do nosso


Deus, pai das luzes: “Toda boa dádiva e todo dom

41
perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em
quem não há mudança, nem sombra de variação”
(Tiago1.17).
No Seu plano, o Senhor Deus resgatou em nós
a Sua imagem pelo sangue do Cordeiro, mas nossa
parte é andar no Espírito Santo, que nos transforma
à semelhança de Jesus Cristo:

Mas todos nós, com o rosto descoberto, refletindo como


um espelho a glória do Senhor, somos transformados de
glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito
do Senhor. (2 Coríntios 3.18 – ACF)

Essa imagem fora roubada no Jardim do Éden,


mas Cristo Jesus nos resgatou de toda maldição e
nos comprou para o Pai, e nos fez reis e sacerdotes
para Ele:

Àquele que nos ama, e em seu sangue nos lavou dos


nossos pecados, e nos fez reis e sacerdotes para Deus e
seu Pai, a ele, glória e poder para todo o sempre. Amém!
(Apocalipse 1.5b-6)

Como ter em nós essa dignidade e nobreza?


Devemos permanecer totalmente em Cristo e
cooperar com o Espírito Santo nesse processo
da santificação.

42
A vida de meus pais me ensinou bastante, mesmo
sendo imperfeitos como todos nós o somos. Meu pai
tinha vindo da aristocracia, de uma casta nobre de
samurais, assim como meus avós paternos. Quando
ele foi deserdado e expulso de sua família aristocrata
no Japão por ter se convertido ao cristianismo,
suponho que ele mal sabia que o Senhor Deus iria
honrá-lo com dignidade e nobreza celestiais, que
ultrapassam as de sua raiz natural.
Primeiro o natural e depois o espiritual: “Mas
não é primeiro o espiritual, senão o natural; depois
o espiritual” (1 Coríntios 15.46 – ACF). Pude ver
a nobreza no papai muito mais do que em outras
pessoas cristãs de nosso convívio.
Todos aprendemos esses valores na escola do
Espírito Santo, e eu me refiro à velocidade e ritmo de
crescimento no sentido espiritual. Posso verificar que
a mentalidade de pobreza e de orfandade se torna
empecilho maior em pessoas que não têm ambições
e aspirações desde o berço natural. Também a
transformação pode ser muito lenta por falta de
exemplos ou de ensino bíblico, por preguiça mental
ou emocional ou mesmo por influência da sociedade
em que nasceu e cresceu.
A dignidade e a nobreza não se atêm à
exterioridade, como riquezas materiais, diplomas
de universidades ou viagens pelo mundo afora,
por exemplo.

43
Tive uma empregada doméstica por uns vinte
anos. Dalva, como ela gostava de ser chamada, tinha
vindo de uma família analfabeta e de trabalhadores
rurais. Quando ficou adulta, o pai a enviou para
São Paulo a fim de ganhar dinheiro. Ela morava
em uma favela com alguns conhecidos quando veio
trabalhar em minha residência. Algo muito valioso
pude ver nela: serviço muito caprichado, esmero na
limpeza e tudo bem feito com boa vontade. Nunca
vi nela inveja, insatisfação, ganância ou complexo
de inferioridade. Ensinei-a a escrever o nome e fazer
contas. Logo, ela entregou sua vida a Jesus. Eu não
conseguia dar-lhe estudo bíblico porque ainda não
lia nem escrevia, mas ela aprendeu a orar e começou
a frequentar a nossa igreja.
Agora que conhecia a Bíblia, disse-me um dia
que ela era como aquela mulher samaritana que se
encontrou com Jesus no poço de onde tirava água.
Teve cinco homens e um filho de cada um. Todos os
seus filhos se converteram e todos estão indo a uma
igreja. Muitas vezes, eu ficava a pensar: de onde ela
aprendeu a ser tão digna? Isso é nobreza! Até hoje não
sei, mas sei que Deus olhou para ela com bondade e
misericórdia. Alguém deve ter orado por ela.
Uma pessoa pode ter muito dinheiro, viver
numa linda casa, ter estudado em escolas renomadas
e ter viajado o mundo todo, mas se ela não tiver boas
maneiras e polidez de alma, pode demorar muito

44
a adquirir a nobreza e a dignidade de Deus, por
mais que conheça a teologia cristã e seja cristã por
muitos anos.
Haja vista os fariseus. Eles eram considerados a
nata da sociedade, talvez oradores de alta categoria,
suntuosos no andar e no vestir, bem versados no
conhecimento do Antigo Testamento, mas eram
especialistas em viver a exterioridade.
O segredo para adquirir a semelhança de Jesus
Cristo, tão digno e nobre, é a intimidade com Ele.
A intimidade vem com o tempo de qualidade que
passamos aos Seus pés, não por religiosidade, mas
com sinceridade.
Quando percebo que estou passando tempo
com Deus apenas por hábito, procuro quebrá-lo
imediatamente. Como? Mudo o horário, o lugar
e a maneira. Posso até continuar lendo a Bíblia
conforme o meu calendário para lê-la inteira durante
o ano, mas abro em outras passagens, saio da rotina,
canto a Palavra ou a leio em voz alta. Sou uma
pessoa que tem facilidade de cair na rotina e sou bem
sistemática, por isso, preciso reagir para não ficar no
“piloto automático”.
Estou compartilhando isso, porque é muito
importante cada um encontrar seu jeito próprio
de manter a comunhão com Deus. Intimidade
requer tempo, mais do que maneira ou método;
entretanto, se alguém gosta de seu método, não há

45
nada de errado nisso. É só prestar atenção para que
a presença de Deus permaneça bem intensa e forte.
O mais importante não é o método nem o tempo
marcado no relógio, mas sentir e vivenciar a presença
maravilhosa e doce do nosso Deus triúno.
Relacionamento e reciprocidade andam de mãos
dadas. É mais do que um diálogo, é uma interação
entre pessoas. Intimidade requer tempo, dedicação e
muito amor.
Se no relacionamento natural é assim que se tem
intimidade, muito mais no nosso relacionamento
com Deus! A intimidade com Deus requer
aprendizado. Por isso, disse Jesus: “[...] aprendei
de mim que sou manso e humilde de coração [...]”
(Mateus 11.29). Será que temos tido com o Deus
triúno um relacionamento manso? Com humildade?
Ou de desespero e súplica apenas? Espero que não.
Um nobre não se desespera, pois nada lhe
falta. Como o rei Davi dizia: “Nada me faltará”
(Salmos 23). O sentido dessa afirmação é: “Estou tão
satisfeito! Deus cuida tão bem de mim, que não sinto
falta de nada!”. É por isso que ele descansa como se
estivesse deitado no gramado verdejante perto das
águas tranquilas. Isso, sim, é vida de nobre! Que
lindo cenário!
Uma pessoa nobre pode até viver em uma favela
ou no meio de escombros, mas o seu cantinho é limpo
e agradável; talvez tenha plantas, flores e perfume,

46
pois a natureza e os céus e a Terra manifestam a glória
de Deus (Salmos 19).
O nobre tem um vocabulário de vitórias,
que produz esperança e bondade nos corações
tristes e pesarosos. Jamais o vocabulário de um
nobre é grosseiro, de queixas, negativo, pessimista
ou maldizente.
Em tudo ele dá graças a Deus e não entristece ao
Espírito Santo, pois sabe que o Senhor Deus Pai não
erra e transforma tudo em bem para os Seus filhos:

Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em


Cristo Jesus para convosco. Não apagueis o Espírito. (1
Tessalonicenses 5.18-19 – ARA)

Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem


daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados
segundo seu propósito. (Romanos 8.28 – ARA)

47
Capítulo 4

CONSCIÊNCIA
LIMPA
A consciência faz parte do nosso feitio. A
questão já foi levantada por alguns estudiosos no que
diz respeito à sua localização: na alma ou no espírito?
Isso não é claro, mas, com certeza, está dentro
de nós.
Consciência, no grego, suneidesis, significa:
“conhecimento de Deus e dos homens, conhecimento
de nossos atos, estado ou caráter no que diz respeito
ao certo e ao errado, a faculdade, poder, ou princípio
que decide a legitimidade de nossas ações, o olho,
juízo e direção do homem interior, mencionada na
Bíblia 32 vezes”.1
Por mais que a consciência tenha sempre existido
no ser humano, a primeira menção dessa palavra na
Bíblia é encontrada num acontecimento em que
Jesus trouxe à tona a consciência dos acusadores
que estavam prestes a cumprir a lei que ordenava
apedrejar uma adúltera: “Mas Jesus, inclinando-se,
escrevia com o dedo na terra. E, como insistissem,
perguntando-lhe, endireitou-se e disse-lhes: Aquele
que dentre vós está sem pecado seja o primeiro que
atire pedra contra ela. [...] Quando ouviram isso,
redarguidos da consciência, saíram um a um [...]”
(João 8.6-9 – ACF).
Jesus Cristo sempre levou as pessoas,
principalmente os fariseus, a penetrarem no seu
1
HAYNES, Pr. Gary. Bíblia de estudo Dake. São Paulo: Atos, 2010,
p. 1733.

51
profundo ser, e não se apoiarem na aparência e
formalismo religiosos. Ele quebrou preconceitos,
hábitos mecânicos, conclusões precipitadas e
julgamentos baseados na ótica humana e superficial.
Sua vida aqui na Terra teve verdadeiramente o
propósito de destruir as obras do diabo em todos os
sentidos (1 João 3.8).
O apóstolo Paulo mencionou a palavra
“consciência” vinte e nove vezes, o que revela o
quanto ele entendeu o valor dela. Alguns exemplos:

Em Cristo digo a verdade, não minto (dando-me


testemunho a minha consciência no Espírito Santo).
(Romanos 9.1)

Porque a nossa glória é esta: o testemunho da nossa


consciência, de que, com simplicidade e sinceridade
de Deus, não com sabedoria carnal, mas na graça de
Deus, temos vivido no mundo e maiormente convosco.
(2 Coríntios 1.12)

Dou graças a Deus, a quem, desde os meus antepassados,


sirvo com uma consciência pura [...] (2 Timóteo 1.3)

A consciência e a responsabilidade estão


intrinsecamente ligadas. Deus deu ao homem e à
mulher o livre-arbítrio, e é nossa responsabilidade

52
escolher e decidir. Por que Adão e a mulher se
esconderam de Deus após terem comido da árvore
proibida? A própria consciência os acusara. A
consciência é o mais justo e eterno medidor e a voz
que fala sem erros, mas ela deve ser escutada.
Temos a responsabilidade de não abafar ou calar
a nossa consciência, pois podemos até cauterizá-la,
como Paulo alerta Timóteo sobre o fim dos tempos:
“Mas o Espírito expressamente diz que, nos últimos
tempos, apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a
espíritos enganadores e a doutrinas de demônios,
pela hipocrisia de homens que falam mentiras,
tendo cauterizada a sua própria consciência”
(1 Timóteo 4.1-2).
Agradeço imensamente aos meus pais que
lidaram severamente com a consciência e a
responsabilidade. Jamais me esqueço da mamãe, de
avental, saindo da cozinha para o quintal, falando
em voz alta: “Olha a consciência!” (com sotaque bem
japonês) aos meus irmãos que saíam correndo com a
bola de futebol nas mãos e chuteira nos pés.
Todas as vezes em que meus pais disciplinavam
os filhos, eram muito persistentes até que houvesse
um verdadeiro arrependimento. A disciplina parecia
sem fim. Repreendidos, tinham de ir ao quarto orar e
se arrepender diante de Deus. Enquanto isso, mamãe
continuava com seus afazeres do lar, na maioria das
vezes, cozinhando ou tricotando.

53
Com certeza, ela ficava em oração no seu
espírito, pois quando o filho ou filha saía do quarto
pedindo perdão, ela dizia: “O Espírito Santo
ainda não me mostrou que você teve o verdadeiro
arrependimento”. E fazia voltar a orar. Ela estava
lidando com a consciência e com a convicção do
arrependimento pelo Espírito Santo.
Às vezes, eu ficava com tanta pena de meus
irmãos! Por outro lado, aprendia muitas coisas vendo-
-os sendo lidados na disciplina, mas acabei indo para
o extremo oposto. Houve momentos de sofrimentos
na minha vida por ter sido justa e exigente demais.
Vivia em cobrança rígida comigo mesma.
Ter a consciência limpa é uma virtude, mas
como aconteceu com o apóstolo Paulo, devemos
achar o ponto de equilíbrio. Como um fariseu
excelente, ele era muito correto ao ponto de
prender os cristãos e aprovar o apedrejamento
deles, como Estêvão, exemplar seguidor de Jesus
Cristo. Paulo amadureceu, e seus conselhos e
revelações de Jesus Cristo são notáveis em todo o
Novo Testamento.
A consciência sem a luz do Espírito Santo leva
uma pessoa a erros de exagerada retidão e justiça
excessiva. Muitas vezes, tive de me lembrar: “Porque
a ira do homem não opera a justiça de Deus”
(Tiago 1.20).
Meu consolo é que o tempo de Deus não é
medido de acordo com o nosso. Há esperança para

54
mim e para você. Ele é eterno e não Se limita ao
nosso tempo. Acima de tudo, as Suas palavras são
poderosas, transformadoras e perfeitas:

Porque assim como descem a chuva e a neve dos céus e


para lá não tornam, mas regam a terra e a fazem produzir,
e brotar, e dar semente ao semeador, e pão ao que come,
assim será a palavra que sair da minha boca; ela não voltará
para mim vazia; antes, fará o que me apraz e prosperará
naquilo para que a enviei. (Isaías 55.10-11)

Algumas vezes, eu me senti muito mal por ter


sido demasiadamente correta e benevolente sem ter
sido correspondida. Percebia, bem depois, que as
pessoas tinham abusado dessa minha fraqueza de ser
honesta demais. Faltava em mim esperteza. Melhor
dizendo, faltava a astúcia que Jesus nos disse para
ter: “Eis que vos envio como ovelhas no meio de
lobos; portanto, sede prudentes como as serpentes
e símplices como as pombas” (Mateus 10.16).
“Símplices” não significa “crédulas”. Esse foi o meu
maior erro.
Deus, o nosso Pai perfeito jamais se distrai. Ele
está vendo tudo com amor. Quantas vezes eu disse:
“Deus vê tudo! Ele perscruta minha consciência”.
Assim eu me consolava no Seu amor e justiça, mas
também tive de aprender a viver com “astúcia” ou
com a Sua sabedoria. Oro diariamente para que Ele
me dê sabedoria.

55
Realmente, a Palavra de Deus é lâmpada para
os meus pés e luz para o meu caminho. Ela tem me
sustentado em todos os momentos! Ela tem me dado
alegria e força, sempre e sempre. O que seria de mim
e onde estaria eu sem Deus? Sem as Suas palavras
poderosas e fiéis que não voltam vazias?
Toda vez que eu me sentia fracassada, achava
força na Sua presença. Jamais saí desses momentos
preciosos sem uma palavra consoladora, uma delas
é a seguinte:

Os passos de um homem bom são confirmados pelo


Senhor, e ele deleita-se no seu caminho. Ainda que
caia, não ficará prostrado, pois o Senhor o sustém com
a sua mão. Fui moço e agora sou velho, mas nunca vi
desamparado o justo, nem sua descendência mendigar
pão. (Salmos 37.23-25)

É melhor errar e perder com consciência limpa


do que errar e ganhar com a consciência pesada.
O “melhor” é o inimigo do “ótimo”; é necessário
prosseguir para o excelente. O espírito excelente é
o próprio Espírito Santo em nós, como foi visível
em Daniel e seus três amigos enquanto escravos
na Babilônia (Daniel 6.3). Vivendo e aprendendo.
Sempre melhorando, pois ainda falta muito para ser
como Jesus.

56
Dou graças a Deus que tive pai e mãe íntegros,
e mentores também íntegros, citando a apóstola
Elvina Miller e o pastor Jack Schisler, todos eles já
descansando no Paraíso. A integridade e a consciência
limpa foram as marcas de personalidade e caráter
mais fortes que eu pude testemunhar e aprender
com eles.

57
Capítulo 5

HONESTIDADE
DEMAIS
Creio que a excessiva honestidade se iguala
à excessiva rebeldia. Em geral, os extremos são
negativos. O extremo da honestidade é menos mau,
mas não deixa de trazer consequências prejudiciais.
Ambas as atitudes refletem insegurança, rejeição e
autoproteção.
Apesar de eu ter sido muito amada pela minha
mãe, reconheço que faltou em minha vida uma
convivência maior com meu pai. Ele era ocupado
demais com suas atividades como provedor do lar
e como pastor de muitas pessoas e igrejas. Depois
de adulta, porém, minha admiração e gratidão por
sua vida e ministério foram crescendo bastante. Ele
faleceu em 2002 com noventa e um anos de idade e
sessenta e cinco anos de ministério no Brasil. Tanto
a mamãe como o papai faleceram vitoriosamente e
descansam no Paraíso.
Através de meus estudos de Psicologia,
especialmente de Psicanálise, fui deduzindo algumas
falhas em minha personalidade como consequência
da falta de uma forte e presente figura masculina.
Mamãe foi uma figura forte e me ajudou muito por
causa de sua fé e dedicação no ministério junto com
papai. Sempre admirei muito a vida de oração de
meus pais, o amor à Palavra de Deus e a integridade
fora do comum que cultivavam. Eu considero essas
qualidades as mais fortes marcas do legado que
recebemos como filhos.

61
Por natureza, eu já era muito honesta e franca.
Pouco antes de mamãe falecer, antes de ser entubada
e amarrada para não tirar as sondas, tive a grande
oportunidade de visitá-la na UTI. Entrei, não
como filha, mas como pastora, em visita religiosa,
apresentando meu cartão de credencial de capelania
hospitalar. O estado da mamãe era tão grave que as
visitas estavam proibidas. Não revelei aos enfermeiros
que eu era filha, pois desejava ardentemente vê-la.
Tivemos algumas trocas de palavras cheias de
amor e gratidão. Ela me elogiou, dizendo que eu nunca
tinha mentido e que eu era muito correta (madimê) e
falou algumas coisas como que recomendando para
cuidar de meus irmãos.
Realmente, eu detestava fingimento, falsidade e
mentira. Eu era até “justiceira”. Se alguém mentisse
ou fingisse, eu era implacável e não perdoava. Minha
mãe teve de lidar muito comigo sobre o perdão,
pois eu perdoava qualquer falha, mas não a mentira
e a falsidade.
Eu me sentia amada pela minha mãe. Com ela,
me sentia segura e confiante. De onde, porém, veio
a minha insegurança? Creio que de minha própria
personalidade e dos valores cristãos que vivi de
modo exagerado.
Não querendo diminuir o valor de meu pai,
mas sentia falta do convívio com ele. Jamais deixei
de admirá-lo e vê-lo como um “santo” dentro de

62
casa, mas carecia de uma conversa, de andar de mãos
dadas ou de braços dados com ele.
A minha carência aumentou quando eu tinha
onze anos de idade e estava no quarto ano primário,
que existia somente no turno da manhã, no mesmo
Grupo Escolar Marechal Floriano.
Morávamos em um bairro chamado Bosque
da Saúde, e era realmente um bosque de mata
cerrada. Papai saía cedo de casa para trabalhar no
seu laboratório de prótese na Praça da Sé, bem no
centro de São Paulo. Então, agora no quarto ano
primário, eu deveria tomar o bonde junto com ele.
Era uma caminhada de uns dez minutos até o ponto
de bonde, o que me parecia uma hora ou mais.
Papai ia cantando, orando e tinha o seu
momento particular com Deus. Ele não era de dar
a mão nem diminuir o ritmo de seus passos para me
ver andando ao seu lado. Eu, muito ofegante, com
meus passos pequenos, mais corria do que andava
para me manter ao seu lado. Tanto ele como eu,
cada um com a sua mala. Esperávamos o bonde
sempre calados.
Lá chegava o bonde! Ele subia primeiro e
não me ajudava a fazer o mesmo. Minhas pernas
não eram compridas o suficiente, e me esticava
desesperadamente para agarrar o poste do bonde e
subir no estribo para, assim, entrar e me sentar ao
lado do papai. O bonde era aberto e tinha fileiras

63
de bancos para umas cinco pessoas. Imediatamente,
papai abria um livro ou a Bíblia para ler até chegar
na Praça da Sé. Eu descia bem antes e só me despedia
em japonês: I-te mairi-massu, que significava: “Já vou
indo”. Era só isso.
O inverno passou a ser para mim uma estação
sem fim. A neblina era muito densa, e mal podia
enxergar além de uns dois metros à frente. Como
sempre, ele ia louvando a Deus, orava e andava com
seus passos normais, enquanto eu corria ofegante,
com medo de perdê-lo de vista, tal densa era a
neblina.
Esse inverno causou em mim um medo muito
grande de perder de vista o papai e não conseguir
ver a direção em que estávamos indo até o ponto
do bonde. Detestei profundamente o quarto ano
primário e indagava com aflição: “Por que não
fizeram uma classe de quarto ano à tarde?”.
Meu rendimento escolar baixou muito. Nunca
antes tinha tirado nota oitenta e cinco, o mínimo,
até então, era noventa. Por isso, tornei-me uma aluna
medíocre, e não mais exemplar e satisfeita.
Passei a me compensar na honestidade e no
fervor espiritual, com o fim de conquistar a atenção
do papai. De certa forma, meus pais supervalorizaram
o Samuel, o segundo filho homem. Fiquei sabendo
mais tarde que o sonho de meus pais era vê-lo no
ministério eclesiástico. Em tudo favoreciam o

64
Samuel, até se esquecendo do primogênito, que é
algo forte na cultura japonesa.
A reação dos demais filhos a essa nítida
preferência variava de um para o outro. A minha
reação foi querer ser missionária, achando que essa
vontade atrairia a atenção do papai. Ledo engano!
Essa não era a vontade de Deus para mim, e nem
conquistei o lugar de filha preferida.
Jamais culpamos nossos pais por isso, pois
significava algo nobre e também porque nosso irmão
Samuel era muito especial, inteligente, talentoso e,
acima de tudo, muito bondoso. Era mesmo muito
querido por todos os irmãos. Até hoje!
A origem de minha excessiva honestidade pode
ter vindo dessa carência, eu creio. Eu sabia que
a honestidade era um valor nobre e cristão, e que
agradava a Deus, mas vinha de uma raiz equivocada.
Tal exagerada honestidade formatou a minha
personalidade, e ao mesmo tempo que havia acertos
louváveis, houve muitas consequências funestas.
Na minha família, quatro irmãos seguiram a
área da Saúde; um irmão, a área da Engenharia e
duas irmãs, o magistério. E eu? Faria Direito para ser
uma advogada? Meu chamado, porém, era mesmo
ser mestra e educadora.
Na verdade, a minha natureza era originalmente
de guerreira e brigava pela justiça e retidão, a tal
ponto que, na minha adolescência, minha mãe dizia

65
que eu seria uma ótima advogada. Vejo que mesmo
sendo professora e educadora, posso puxar água desse
“poço do senso de justiça” e ainda cavar mais fundo,
jamais deixando-o secar. Muitos podem ainda saciar
a sua sede nesse “poço”.
Nesta idade adulta, ainda preciso me lembrar
deste versículo: “Não sejas demasiadamente justo
nem demasiadamente sábio; por que destruirias a ti
mesmo?” (Eclesiastes 7.16).
Honestidade e justiça são valores muito bons,
porém o mal me veio por causa do extremismo,
religiosidade e por falta de orientação tanto espiritual
como emocional.

66
Capítulo 6

FAMÍLIA E
AMIZADE
Vim de uma família grande e, mesmo em meio
a algumas dificuldades comuns a qualquer família,
tenho boas lembranças dos tempos antigos. A marca
principal foi o temor de Deus e a seriedade de viver
a Sua Palavra.
Integridade é algo que valorizo muito. Graças
a Deus, fui discipulada por pessoas não perfeitas,
porque ninguém o é, mas foram pessoas muito
íntegras: meus pais, sister Miller e o Pr. Jack Schisler.
A seriedade e a integridade deles no andar com
Deus foram marcas muito importantes para mim.
São valores raros especialmente nestes tempos
pós-modernos.
Vivemos tempos em que o estilo “custo-
-benefício” se tornou esperteza, e o sucesso é
medido pela exposição nas mídias sociais e por
ter milhares de followers. A tecnologia facilita
e incentiva tal mentalidade. Ela nos encanta e
facilita muito a nossa vida, mas é também uma
“faca de dois gumes”. Traz vantagens em muitos
aspectos, mas tem roubado o calor humano do
convívio nas famílias e na sociedade em geral. Tudo
parece caminhar para a impessoalidade, em troca
da praticidade.
As pessoas conscienciosas correm atrás de uma
busca de equilíbrio entre estarem atualizadas na
tecnologia moderna e viverem os valores de família
e amizade.

69
Nosso consolo e força estão na imutabilidade
do nosso Deus e da Sua Palavra, que são eternas,
fonte de força, sabedoria, amor e poder. Nosso
relacionamento mais seguro e leal é com Deus,
apesar de Ele nos proporcionar, às vezes, amigos
mais achegados que irmãos: “O homem de muitos
amigos deve mostrar-se amigável, mas há um amigo
mais chegado do que um irmão” (Provérbios 18.24
– ACF).
Nas horas de adversidades pode nascer um
amigo. Isso é raro. Nem Jesus teve alguém nos
momentos mais árduos de Sua vida, no jardim
Getsêmani, por exemplo. Parece que o discípulo
João aprendera a lição, pois esteve aos pés da cruz
com Maria, mãe de Jesus, até o último respiro de
Cristo. Alguns aprendem, outros não.
Como somos seres tripartidos, crescemos no
espírito, na alma e no corpo. Quando dizemos
“corpo”, englobamos aquisições e confortos materiais.
Todos lutam para alcançar satisfação nessas três áreas,
o que é natural do ser humano:

E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo


o vosso espírito, e alma e corpo sejam conservados
irrepreensíveis para a vinda do nosso Senhor Jesus
Cristo. Fiel é o que vos chama, o qual também o fará. (1
Tessalonicenses 5.23-24 – ACF)

70
Também na carta do apóstolo João ao presbítero
Gaio: “Amado, desejo que te vá bem em todas as
coisas e que tenhas saúde, assim como bem vai a tua
alma” (3 João 1.2).
Como seres sociais, necessitamos e gostamos
da companhia de pessoas com quem nos
compatibilizamos. É raro encontrarmos alguém que
se compatibiliza nas três áreas. Graças a Deus, tenho
minha filha, a única filha, é tão querida! Quando
ela tinha meses de vida, duas pessoas profetizaram
que, quando ela ficasse adulta, nós nos tornaríamos
melhores amigas. Isso realmente aconteceu.
Zoé é o nome dela. Na época em que ela nasceu,
esse nome era raro, mas eu tinha certeza de que esse
deveria ser o seu nome. Representa vida abundante,
trazida por Jesus Cristo: “[...] eu vim para que tenham
vida e a tenham com abundância” (João 10.10).
Como o meu primeiro filho tão querido, que amo
tanto, recebeu de Deus o nome em grego (Teófilo:
amigo de Deus), também desejei para minha filha
um nome em grego, e foi assim que aconteceu.
Ela é uma mulher madura, equilibrada, íntima
do nosso Deus triúno e, graças a Ele, casou-se com
uma pessoa que também é parecida com ela, isto é,
fiel, sincero, inteligente, discreto e amável. Posso, de
coração, dizer que ela se tornou a profecia cumprida:
minha melhor amiga, depois de Jesus Cristo.

71
Muitas pessoas boas passaram pelo caminho
da minha vida. Amo meus irmãos consanguíneos e
considero todos eles amigos. Tenho a certeza de que
a nossa união é eterna. Como não somos perfeitos,
algumas vezes houve desavenças quando crianças e
jovens, mas depois de adultos há muito respeito e
compreensão entre nós e nossas famílias.
É impressionante o poder do laço sanguíneo.
Creio que no fim de nossas vidas, se alguém
permanecer junto a nós, será certamente alguém
com o mesmo sangue.
Pelas experiências que tenho tido, tenho notado
essa verdade. Raros são os amigos nas horas mais
difíceis da vida. Penso eu que deve ser porque o
mais fiel e infalível amigo é Jesus Cristo. Quando
me senti traída enquanto pastora, vi pessoas me
deixarem sozinha nas horas mais difíceis – como diz
o ditado: “no mato sem cachorro”. Entendi, então,
que Jesus Cristo quis revelar-Se meu amigo infalível
e insubstituível. Algumas pessoas, como meus filhos
e meus irmãos sanguíneos, considero “lucro”.
Dependendo do tipo de sofrimento ou de
necessidade, algumas pessoas se revelam amigas. Isso
é natural. Uma coisa, porém, eu sei: Deus Pai; Deus
Filho, Jesus Cristo; e Deus Espírito Santo jamais
falharão para mim. Acima de todos, Deus prevalece!
Como não amar O tão fiel e lindo Senhor Deus?
Deus é o nosso único infalível amigo. Por mais que

72
eu tenha meus filhos tão preciosos, por quem daria
a minha vida se necessário fosse, Deus ainda é o
primeiro e o último.
Posso entender o que Jesus falou aos Seus
seguidores: “Quem ama o pai ou a mãe mais do que
a mim não é digno de mim; e quem ama o filho
ou a filha mais do que a mim não é digno de mim”
(Mateus 10.37).

73
Capítulo 7

VIVER O
CHAMADO É
FORTALECEDOR
Fui professora de Ensino Médio e amei lidar
com adolescentes. O período de transição da
infância para a idade adulta é bastante desafiador,
mas aprendi a lidar com meus alunos inconstantes,
rebeldes, amorosos, inseguros e indefinidos. Sem
dúvida, havia exceções. Alguns passam por essa fase
de modo mais tranquilo, mas a maioria necessita de
cuidados “flutuantes” conforme eles flutuam.
Nesta vida, passamos por sequências de fases
ou ciclos, alguns completos, outros incompletos.
Confesso que alguns ciclos foram mais difíceis de
eu fechar.
Vivi no meio de japoneses que, na sua maioria,
parecem viver numa linha emocional contínua, sem
muito aprofundamento ou sem “altos e baixos”,
calmos e pouco briguentos. Pode ser que isso se deva
ao temperamento fleumático.
Minha mãe, porém, parecia exceção. Nós,
filhos, brincávamos, dizendo que ela era uma senhora
italiana: gorda, alta e forte, extrovertida, falava em
voz alta, fazendo brincadeiras ou brigando por onde
ia passando. Rápida nas contas, exímia contadora
no soroban (um tipo de calculadora japonesa) e na
aritmética.
Um fato hilariante sobre a minha mãe é que na
feira sempre tinha a resposta antes dos feirantes, que
ainda estavam fazendo o cálculo com lápis e papel
para somar a grande e variada compra de verduras

77
e legumes. A compra era grande, pois alimentaria
muitas bocas de uma família numerosa como a
nossa, além de hóspedes, que eram frequentes.
Ela viveu o seu chamado de evangelista e
pregadora, e faleceu satisfeita e feliz aos setenta e três
anos. Era uma evangelista “de mãos cheias”. Levou
muitas vidas para Jesus. Faleceu muito cedo, mas o
que importa é que ela sentia que tinha feito tudo que
Deus lhe pedira e que não restava mais nada a fazer.
Mamãe ainda estava viva e bem saudável, e eu
era uma professora feliz, quando aconteceu algo
inesperado. Eu tinha a liderança dentro de mim,
mas jamais havia pensado que um dia seria uma
pastora. Tanto o papai como a mamãe, quando
perceberam o meu novo chamado, incentivaram-
me a abrir uma igreja e ser pastora. Eles me
deram força total. Orientaram-me a escolher um
nome para a igreja, escrever estatutos, ter o
registro num cartório, alugar um local, colocar a
placa etc.
Até morrerem, diziam-me para eu jamais deixar
a Igreja Monte Sião [atual Zion Church]. Eles
morreram dizendo que a Igreja Monte Sião era o
único galardão de todo o seu ministério no Brasil,
já que vieram do Japão como missionários para
implantar a cultura do Reino de Deus.
Não deixei de ser mestra. Meu chamado era
mesmo de mestra e educadora. O pastor tem o papel

78
de educador, pelo menos é como eu enxergava o
pastoreio das ovelhas. E foi isso que fiz.
Nunca tinha sido treinada para ser uma pastora.
Teologicamente, tive um bom preparo, graças a
Deus, o que fez com que o ensino bíblico se tornasse
um bom fundamento para a Igreja Monte Sião.
Minha maior dificuldade era com pessoas. Não
soube lidar com ovelhas difíceis e rebeldes nem com
pastores de outras igrejas, tão diferentes de meus pais.
Quando olho para trás, fico até impressionada
como enfrentei “lobos”. Mas, como disse Jesus, Ele
nos enviaria como ovelhas no meio de lobos. Essa
verdade se aplicou em minha vida pastoral.
De certa forma, a Igreja Monte Sião sempre foi
muito cobiçada, e tive de enfrentar pessoas que se
diziam “apóstolos enviados por Deus” que queriam se
apoderar da nossa igreja. Deus me deu discernimento,
muita autoridade e forças para enfrentá-los. Eu me
sentia como Davi que, para salvar uma ovelha, rasgou
a boca de um leão e, noutra ocasião, de um urso. Eu
não teria conseguido proteger e salvar a igreja se não
fosse pela força do Senhor Deus.
Vejo como é grande o poder de um chamado.
Quando o chamado é claro e definido, temos forças
sobrenaturais. É importante que todos conheçam e
vivam o seu chamado.
Há etapas ou ciclos na vida. O chamado pode
ser único, mas as fases ou ciclos mudam. Agora

79
estou aposentada como professora e pastora, mas
resta em mim o chamado. As atividades mudaram,
minha atuação mudou, as pessoas são outras...
Tudo mudou.
Sou pastora dos idosos da igreja, e é muito
prazeroso estar com eles e ajudá-los a usufruir da vida
até o fim.
Eu mesma estou em transição, tentando me
entender de maneira nova. Claro que, lidando com
os idosos, eu me sinto até renovada, mas tenho de
continuamente me adaptar às mudanças desta época.
Tenho constatado que o chamado não muda.
Tudo muda ao nosso redor. A tecnologia, por
exemplo, deixa os idosos perdidos, mas podemos
praticar o básico. É interessante que muitos estão se
atualizando com a ajuda dos netos.
Vivemos a época pós-moderna, e muitas coisas
são bem diferentes. A tecnologia tem avançado
rapidamente, e não podemos mais viver no ritmo em
que estávamos acostumados.
Um fato, porém, é consolador: Deus não muda e
os valores de Seu Reino também não. Isso é realmente
um consolo. Deus é eterno. Isso significa que Ele é
atemporal. Mesmo que eu tenha de me adaptar ao
novo e ao moderno, continuo tendo a segurança
do Absoluto.
O nosso papel como aposentados não é parar,
mas descobrir o novo ciclo para que o chamado

80
não fique estagnado. Acho que os aposentados não
deveriam se contentar apenas com os benefícios que
a sociedade oferece aos idosos. Eles deveriam esperar
a valorização por sua sabedoria de vida. A questão
é descobrir meios para regar as novas gerações com
algo benéfico para serem melhores do que nós.
Tenho aprendido, a duras penas, que devemos
parar de esperar que os jovens e mesmo adultos
das gerações seguintes nos compreendam. Como
entenderão o que nunca viveram?
Mais certo é que achemos meios e recursos
para adicionar benefícios à vida das novas gerações,
lembrando que o nosso chamado morrerá quando
morrermos. Cada um nasceu com um propósito. Deus
fez cada ser humano com a sua unicidade, atuação
e importância.
Creio que a aposentadoria não é ficar sem
atividades ou viver só para si. O que compartilho
neste livro é algo que sofri por uns cinco anos, quando
parecia que o meu chão se tinha ido. Fiquei perdida.
Olhava para algumas pessoas da mesma faixa etária
vivendo uma vida pacata, e eu não me conformava
com aquilo. Não encontrava ninguém que estivesse
passando o que eu estava passando.
Não me considero uma pessoa altamente
intelectual, mas sinto falta de estar com pessoas
que refletem sobre assuntos da vida, que leem livros
interessantes e compartilham, e que apreciam as artes

81
em geral. Sinto falta de revelações novas da Palavra de
Deus e de estar sempre experimentando algo novo.
Essa busca me levou a um novo poço.

82
Capítulo 8

REOBOTE
Reobote é o nome de um dos três poços que
Isaque tinha herdado de seu pai, Abraão. (Gênesis
26.12-25). Poços eram herança importante
naquela época.
Isaque foi muito abençoado desde o seu
nascimento, chamado, por isso, de filho da GRAÇA e
da PROMESSA. Ele realmente representa a GRAÇA
de Deus na história da humanidade. As bênçãos e as
promessas de Abraão iriam se perpetuar por toda a
sua descendência. Após Jesus Cristo ter morrido e
ressuscitado, essas bênçãos estão se cumprindo em
todos os que creem n’Ele, chamados filhos de Abraão
pela fé.
A atitude de Isaque diante dos invejosos filisteus
deve ser também a nossa neste mundo. Em primeiro
lugar, temos de ser invejados. Ninguém inveja um
fracassado, pobre, maltrapilho, pessimista, preguiçoso,
nem alguém com uma mentalidade de órfão e
de mendicância.
Em segundo lugar: de onde vem a nossa
verdadeira felicidade? O termo “bem-aventurado”,
usado por Jesus no Sermão do Monte significa: “tão
feliz ao ponto de causar inveja”. Claro que Ele oferece
o poder do Espírito Santo para cada bem-aventurança,
sem o qual não conseguiremos vivenciá-las.
Os verdadeiros filhos de Deus vivem de vitória
em vitória, como lemos sobre a vida de Paulo, em
sua carta aos filipenses, capítulo 4, versos de 11 a 13:

85
[...] porque já aprendi a contentar-me com o que tenho.
Sei estar abatido e sei também ter abundância; em toda a
maneira e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter
fartura como a ter fome, tanto a ter abundância como a
padecer necessidade. Posso todas as coisas naquele que
me fortalece.

O caminho da vitória é aprendido.


Desde o jardim do Éden, Satanás tenta fazer as
pessoas pensarem que a felicidade vem por meio das
coisas materiais e sucessos visíveis que impressionem
seus amigos e parentes.
O apóstolo João claramente alerta as pessoas
equivocadas a esse respeito:

Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo.


Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele;
porque tudo que há no mundo, a concupiscência da
carne, a concupiscência dos olhos, e a soberba da vida,
não procede do Pai, mas procede do mundo. (1 João
2.15-16 – ARA)

Muitos crentes são envolvidos ativamente numa


igreja local, na obra de Deus ou em missões, mas
alguns têm a mentalidade de derrotado e pobre.
Muitas pessoas vêm a Cristo ou à igreja com propósitos
errados. Tanto igrejas como pessoas têm pregado

86
um “evangelho” para resolver problemas pessoais de
relacionamentos, de finanças e enfermidades. Cristo
não veio para tais propósitos. O plano de Deus é
bem superior e os Seus valores são tão diferentes que
requerem uma profunda mudança de mentalidade.
Viver satisfeito é um aprendizado na escola
do Espírito Santo. O mundo oferece lições fáceis,
práticas, plásticas, rápidas e... Lá se foram as aulas
que vieram do andar com Jesus Cristo, lado a lado
como o novilho atrelado ao boi velho num só jugo,
às vezes, levando as “varadas” do Espírito Santo
(Mateus 11.29-30).
O mundo pós-moderno diz: “Não! Isso é perda
de tempo! Os dias estão mudados!”. Sim, os tempos
mudaram, os métodos podem ter mudado, mas não
os princípios de Deus. Assim como não jogamos
fora o Antigo Testamento só porque vivemos a época
da graça, e não mais da lei, não jogaremos fora o
Novo Testamento tampouco. Os Testamentos se
completam e se explicam entre si. A Palavra de Deus
não muda.
Jesus Cristo fez mais do que cumprir a lei. Ele
aprofundou e enriqueceu a lei através da graça. Ele
não só desentulhou os poços que o Inimigo entulhou,
como escavou mais poços ainda. O maior poço que
Ele cavou foi no coração da mulher samaritana,
que representa a Igreja, especialmente nestes
tempos pós-modernos.

87
Se o poço é Eseque, que foi entulhado por
alguns motivos da vida, como as dificuldades e
tribulações comuns à vida terreal, desavenças, atritos
nos relacionamentos, sonhos que se evaporaram, não
paremos por aí.
Prossigamos em abrir outro poço, o Sitna.
Pensamos que este ninguém iria entulhar? Ledo
engano. As pessoas são de todo tipo. Sofremos com
ataques daquelas que são mal resolvidas, invejosas,
que querem colher onde não plantaram.
Cavemos outro poço: REOBOTE. Só que esse
deve ser tão profundo que jorre águas vivas para fora
dele. Suas águas devem jorrar torrentes tão fortes que
espirram até pedras e entulhos para longe.
Quase tudo na nossa vida depende de nossas
decisões. Decisões começam na nossa mente. Se a
nossa mente é transformada e é igual a de Cristo, não
mais iremos permitir que o Inimigo consiga entulhar
o Reobote. Reobote, agora, ocupa uma área bem
mais espaçosa. O diâmetro da área vai aumentando
mais e mais, porque rios de águas vivas trazem vida
por onde permeiam, tanto no deserto como no ermo.
“Por que a gente leva tanto tempo para aprender
as coisas?”, eu me pergunto.
Criei meus filhos com tudo que pude, e lhes
dizia: “Vocês vão ser melhores do que eu!”. Uma
coisa eu sei: meus filhos, vendo os meus sofrimentos,
ganharam sabedoria e, além disso, ganharam astúcia.

88
Bem que Jesus Cristo disse: “[...] sede prudentes
como as serpentes e símplices como as pombas”
(Mateus 10.16).
Lembro-me de quantas vezes Teófilo dizia
com seu coração de guerreiro: “Quando eu crescer,
não vou deixar as pessoas maltratarem você; e não
vão fazer comigo o que fizeram com você”. Por
outro lado, a Zoé, minha filha mais introvertida e
profunda, pensava da mesma maneira, mas com o
seu plano calado e muito segura internamente.
Graças a Deus, esses meus filhos queridos estão
vivendo vitoriosamente, ativos, cada um com o seu
próprio chamado. Creio que eles são o Reobote: fortes
como guerreiros destemidos, invadindo desertos e
ermos; por outro lado, suaves e firmes como um rio
de paz e adoração melodiosos e incessantes.
Como filhos de Abraão, junto com Isaque,
símbolo da graça, vivemos o cumprimento das
promessas de Deus: “[...] em ti serão benditas todas
as famílias da terra” (Gênesis 12.3).
Meus filhos, com suas famílias e suas
descendências, serão como as estrelas do céu,
brilhando no firmamento:

Os sábios, pois, resplandecerão como o resplendor do


firmamento; e os que a muitos ensinam a justiça refulgirão
como as estrelas, sempre e eternamente. (Daniel 12.3)

89
Desde o início de 2004, ano após ano, Deus me
confirma uma promessa: “Eis-me aqui, com os filhos
que me deu o Senhor, como sinais e maravilhas em
Israel da parte do Senhor dos Exércitos, que habita
no monte de Sião” (Isaías 8.18). Isso é fortalecedor,
especialmente quando me vejo quase sem esperança.
Tudo pela graça de Deus! Semeamos, plantamos
e regamos, mas o crescimento vem de Deus:

Eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimento.


Pelo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que
rega, mas Deus, que dá o crescimento. (1 Coríntios 3.6-7)

Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como


da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos,
e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Porque quem
compreendeu o intento do Senhor? Ou quem foi seu
conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele para que
lhe seja recompensado? Porque dele, e por ele, e para ele
são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém!
(Romanos 11.33-36)

90
Capítulo 9

PERDAS
E GANHOS
Há perdas que não doem muito, mas algumas
realmente machucam bem no profundo. Tive duas
perdas que considero bem grandes.
Agradeço a Deus por Ele ser sempre o nosso
refúgio e fortaleza na angústia. Quantas vezes falo
com Ele: “O que seria de mim sem o Senhor?”. Não
consigo imaginar.
Por todos os sofrimentos que já passei ao longo
de minha vida, posso testemunhar como Ele é fiel e
jamais nos desampara. Não tenho dúvidas quanto a
isso. Quando falo de sofrimentos, não tenho a intenção
de apelar para a comiseração; muito pelo contrário,
meu propósito é enfatizar a fidelidade, bondade e o
poder de Deus.
O que mais me deixa extasiada é o Seu poder de
extrair um bem de um mal. Podemos chorar muito
pela perda, mas realmente todas as coisas concorrem
para o nosso bem, de uma forma ou outra, em
pequena ou grande escala. É impressionante como
Ele tem poder e amor. Amo e aplico para mim esta
passagem: “[...] da fraqueza tiraram forças [...]”
(Hebreus 11.34).
Deus conhece a nossa alma e nos satisfaz de
acordo. No meu modo de pensar, toda mulher
gostaria de viver um lindo romance, como lemos
nas literaturas. Fui estudante de literatura brasileira,
portuguesa, americana e inglesa. É uma arte que
alimenta muito a nossa imaginação e desperta

93
sonhos românticos. Para uma estudante como eu,
lia os contos e romances apenas como uma obra de
arte, que ficavam nas páginas dos livros e nas telas de
projeção dos cinemas.
Algo inesperado, porém, me aconteceu. Tive
um relacionamento com um rapaz mexicano, colega
de pós-graduação em teologia cristã, numa faculdade
nos Estados Unidos da América. Como latino, era
muito romântico, até demais para uma nissei como
eu. Creio que Deus quis me mostrar muita beleza
num relacionamento entre um homem e uma
mulher, com toda pureza e honestidade.
Ele descrevia com detalhes como iria ser o nosso
casamento e a nossa futura família. Como dizem os
norte-americanos, era “too good to be true”.
Havia no campus um prédio-dormitório
enorme para homens e outro para as mulheres. Toda
vez que ele passava pela rua em frente à minha janela,
jogava uma pedrinha para eu aparecer, e ele lançava
um beijo. Todos os dias, impreterivelmente, antes de
nos despedirmos, orávamos juntos.
Cada aluno tinha uma caixa de correio, e quase
todos os dias eu recebia uma cartinha toda perfumada
com lindos dizeres que arrebatavam meu coração.
Várias vezes, quando entrava no meu quarto,
havia uma cesta de flores em cima de minha
escrivaninha com um cartão lindo com dizeres
românticos. Ele entregava para a responsável do
dormitório para colocar em meu quarto.

94
Enfim, chegou a nossa formatura e tínhamos de
decidir onde iríamos viver. A bolsa de estudos que
tínhamos recebido exigia que cada aluno levasse os
benefícios dos estudos para o seu país de origem.
Depois de muito orar e pensar, acabamos vindo para
o Brasil. Todos da minha família e da igreja gostaram
muito dele, mas ele se tornou infeliz. Não se adaptou
à realidade brasileira. Um dia, ele decidiu ir embora.
Foi para mim uma grande perda que me causou
uma angústia muito profunda. Todo aquele castelo
de meus sonhos se arruinou. Palavras não podem
descrever a inexplicável dor que parecia me levar à
morte. Eu chorei copiosamente diante de Deus.
Qual foi o ganho dessa dor? Por muitos meses,
parecia que eu estava em luto. No profundo do meu
ser, sabia que Deus tinha algo para me ensinar, mas
um coração ferido tem grande dificuldade de ouvir
a voz de Deus.
Essa dor me levou a procurar ajuda espiritual.
Uma amiga me levou a uma igreja pentecostal
onde havia forte operação de dons espirituais, que
eu desconhecia em todo o meu andar com Deus. A
pastora tinha o dom da palavra do conhecimento,
realmente sobrenatural. Eu nunca tinha visto tal
acuidade, tanto poder e exatidão em tudo que ela
falou sobre o que eu estava passando. No meu
espírito, pude constatar que era algo do Espírito
Santo, pois uma paz e consolo invadiram o meu
coração, dissipando assim toda aquela angústia.

95
Suas palavras me levaram de volta ao propósito
pelo qual eu tinha ido aos Estados Unidos estudar
teologia. Eu estava à procura do poder dos altos que
lia no livro de Atos dos Apóstolos, especialmente
o acontecimento do capítulo dois. Tinha estudado
tanto para alcançar aquela experiência de Pentecostes
e que nenhum professor conseguira me explicar.
A pastora profetizou que eu iria falar a língua
dos anjos dentro de poucos dias. Mal sabia eu que
essa língua dos anjos era o resultado da experiência
do batismo no Espírito Santo, e que eu receberia
aquele tão procurado poder dos altos. Quantas vezes
eu tinha lido a Bíblia toda e nunca havia reparado
que existia a “língua dos anjos” (1 Coríntios 13.1).
Outro ganho da perda do meu sonho de
casamento foi a beleza e a pureza das “Bodas do
Cordeiro”. Esse noivo descrevia com expectativa
como seria a nossa noite de núpcias, tomando a Ceia
do Senhor e passando a noite e a vida juntos para
sempre. A pureza e a beleza do nosso relacionamento
à espera dessa noite de núpcias me levaram a
imaginar quão lindo e indescritível será o nosso
encontro com Jesus Cristo na Sua segunda vinda.
Nosso relacionamento foi utópico, mas valeu a pena
só por isso.
Mais uma perda: nunca chorei tanto em
algum falecimento como no de um filho espiritual
chamado Kazuya. Ele tinha se convertido a Cristo

96
através de uma estudante de cursinho, no local onde
ele trabalhava. Veio para a nossa igreja aos dezoito
anos de idade, e seu crescimento espiritual foi muito
rápido e especial. Ele era faminto por Deus e estava
procurando algum caminho para satisfazer sua fome
espiritual. Estava prestes a entrar numa seita, mas
Deus o salvou e atraiu-o para Si, trazendo-o para o
nosso convívio.
Eu passei por várias dificuldades no ministério
por causa de pastores ou “apóstolos” (como se
cognominavam para se apossar da Igreja Monte Sião),
mas ele esteve sempre junto a mim, fazendo de tudo
que podia para reerguer a nossa igreja, que passava
por crises de fundo espiritual, que se refletiam no
aspecto financeiro.
Kazuya foi um filho espiritual muito especial,
entre vários outros filhos espirituais no meu tempo
de pastora. Era muito fiel, leal, inteligente e capaz.
Fora um ótimo aluno na Faculdade de Engenharia e
um profissional muito bem-sucedido. Parecia mesmo
um filho mais velho para meus filhos. Fazíamos
planos para o futuro.
Casou-se, e nossas famílias costumavam viajar
para o exterior uma vez ao ano. Era o nosso trato.
Tínhamos um sonho de comprar uma casa grande
para sua e minha família na cidade de Campos do
Jordão, meu lugar preferido para passar as férias em
São Paulo. No ministério, eu planejava colocá-lo

97
como meu pastor assistente e o preparava para isso.
Apesar de ele ser engenheiro, seria pastor em tempo
parcial. Juntos, orávamos e nos preparávamos para
isso. Ele pregava bem e tinha toda veia espiritual
herdada de meus pais, a quem ele admirava e
respeitava muito.
Faleceu muito jovem, com ataque cardíaco. Foi
a maior perda que a Igreja Monte Sião teve, como
entendo, mesmo até hoje, após quarenta e três anos
desde a sua fundação, em 1977. Sei que Deus tem
o tempo para todas as coisas, mas ainda lamento a
perda desse discípulo, filho e amigo.
A sua esposa, Sueli, é a minha assessora fiel e
leal até hoje. Posso considerá-la um ganho, pois a sua
fidelidade e eficiência são incomuns. Considero-a
como uma filha que ganhei. Quando meus filhos
eram pequenos e eu precisava de babysitter era o
casal Kazuya e Sueli com quem eu podia contar,
ainda recém-casados.
Creio que ainda verei mais ganhos dessa dor da
perda de um filho espiritual tão especial. Creio que
as gerações de seus dois filhos, com seus cônjuges
e famílias, trarão grandes ganhos para o Reino
de Deus.

98
Capítulo 10

QUEM É E STA
QUE SOBE DO
DESERTO?
Quem é esta que sobe do deserto e vem encostada tão
aprazivelmente ao seu amado? (Cântico dos Cânticos 8.5)

Se os desertos me deram essa chance de eu poder


me dependurar nos braços do meu Amado Senhor,
digo que tudo que o deserto me causou, ou tudo que
passei ali, valeu a pena!
Que intimidade é essa? Que direito eu teria de
ter tal intimidade com o Amado de nossas almas
e o Desejado de todas as nações? Mais do que nós
desejamos estar perto d’Ele, é Ele quem nos convida
para esse lugar de aconchego, tamanho é o Seu
amor por nós. Se Deus deu Seu Filho Unigênito
para morrer por nós e trazer-nos a Ele, como não
valorizaria tal sacrifício e não nos amaria com
tanto amor?
Deus não é contraditório, nós é que precisamos
entender tal amor. Esse amor vai muito além
do nosso entendimento. Se não é pelo poder do
Espírito Santo, não conseguimos entender a largura,
o comprimento, a altura e a profundidade do amor
de Deus.
Seria bem mais fácil sentir a dimensão e o peso
desse amor se eu estivesse sozinha naquela profunda
intimidade! Há muitos anos, porém, fui surpreendida
pelo que li na carta de Paulo aos Efésios, que o amor
se compreende perfeitamente “com todos os santos”,
isto é, com meus irmãos não só da igreja local que

101
amo tanto, mas com todos os irmãos do corpo de
Cristo (Efésios 3.15-18).
Infelizmente, onde mais encontrei dificuldades
nesse aprendizado não foi no meio de pessoas
incrédulas que não conhecem a Jesus, mas no meio
dos chamados “ministérios de pastores e apóstolos”,
que têm uma ideia errônea de que o “ministério
na igreja é uma escada para subirem na vida”, para
ganhar fama, poder e autossatisfação. É algo muito
triste que vi acontecer. Tive de deixar no deserto
essa tristeza também. Tudo que não combina
com o caráter de Cristo é carcaça que tem de ficar
no deserto.
Jesus Cristo passou por tudo que podemos
imaginar. Ele esteve no deserto por quarenta dias,
sem comida e sem bebida, sendo tentado em todas as
áreas, no corpo, na alma e no espírito, a fim de vencer
todos os tipos de tentação e entregar-nos a vitória.
Além de passar pelo deserto, além de ser atacado
e perseguido pelos Seus compatriotas judeus, Ele foi
até o fim, morrendo a nossa morte, e morte de cruz,
o mais vergonhoso modo de ser castigado na época
em que viveu. Quanta afronta Ele recebeu do diabo,
que usa pessoas que não conhecem o amor de Deus e
muito menos a caminhada pelo deserto da vida.
O preço tão alto que Jesus pagou pela redenção
do mundo, a fim de voltarmos a pertencer a Deus
Pai, deu-nos o direito e a ousadia para declararmos:

102
Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação,
ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez,
ou o perigo, ou a espada? [...] Mas em todas estas coisas
somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou.
(Romanos 8.35-39)

Deserto não é um lugar nada agradável e nem


um lugar para permanecer. O povo de Israel, libertos
da escravidão egípcia, poderia ter passado pelo deserto
numa caminhada de três anos e meio; entretanto,
foram mais de quarenta anos de caminhada.
Demorou muito até Deus esperar os remanescentes
com a mentalidade de realeza e nobreza. Quantas
gerações se passaram até que houvesse no povo de
Israel a mentalidade de realeza sacerdotal em troca
da de escravidão?
Saindo do Egito, alguns israelitas que nasceram
durante a escravidão não tinham conhecido o Deus
de Abraão, de Isaque e de Jacó. Deus esteve lidando
com Seu povo através de Moisés, que também,
a princípio, nem O conhecia quando recebeu o
chamado para tirar o povo de Israel do Egito e levá-
lo para a Terra Prometida. Deus, porém, escolheu
Moisés, fruto da oração e sabedoria de Joquebede,
sua mãe, e de seus irmãos, Miriã e Arão.
O deserto representa um lugar da nossa vida
onde somos trabalhados e transformados na alma.
Nosso espírito sempre está pronto, mas a carne é

103
fraca, como disse Jesus. O apóstolo Paulo refere-se à
“carne” como a alma não tratada pelo Espírito Santo.
A transformação à semelhança de Cristo requer
muita aprendizagem na escola do Espírito Santo
e muitos tratamentos profundos, que vão além da
exterioridade, da verbosidade e da exposição pelas
mídias sociais.
No deserto de nossas vidas, aparecem todas as
nossas imperfeições. Pelo menos comigo, toda vez
que passei por dificuldades, eu tive de admitir tantas
fraquezas, umas desconhecidas e outras que estava
lutando para vencer. Confesso que algumas vezes
até fiquei surpresa com a feiura de meu coração:
pensamentos, sentimentos e reações negativas,
como raiva, ira, falta de perdão e assim por diante.
Apareciam uns traços e áreas que jamais pensava que
faziam parte de minha natureza.
Muitas vezes, eu me sentia injustiçada,
procurando os culpados e procurando também
consolo em ombros errados. Várias pessoas más
passaram pelo meu caminho, então eu corria aos
pés do Senhor para receber consolo e explicação.
Nem sempre tive explicação. Eu só tinha de perdoar,
entregar tudo ao Senhor e pacientemente aceitar o
meu tempo de tratamento no deserto.
O que mais aprendi nos desertos foi confiar
apenas em Deus e em Suas palavras. No deserto, não
há ninguém perto para que possamos desabafar. Só

104
Deus, olhando para nós e trabalhando com Seu fogo
na bigorna, extraindo as impurezas da nossa natureza
de ferro misturado com barro.
A Palavra de Deus não falha e jamais falhará.
Mesmo que eu não entenda com clareza as crises
e sofrimentos, a Sua Palavra tem me sustentado
até hoje.
A minha parte é guardar o meu coração livre de
ofensas e amarguras. Ainda estou sendo capacitada
e estou entendendo que devo deixar no deserto as
minhas “carcaças”, como aconteceu com o povo de
Israel que reclamava contra Deus (Números 14.26-
29). Carcaças devem ficar no deserto: “Mas com quem
se indignou por quarenta anos? Não foi, porventura,
com os que pecaram, cujos corpos caíram no deserto?”
(Hebreus 3.17).
Nesse ínterim, vou aprendendo a amar a Deus
de todo o meu coração, de toda a minha alma e de
todas as minhas forças. Proporcionalmente, estou
aprendendo a amar o próximo.
A amada do Senhor teve de deixar no deserto os
seus corpos que certamente tornaram-se “carcaças”:
insegurança, todo complexo de inferioridade e de
feiura, sentimento de dor, incapacidade, rejeição,
perseguição... A lista é longa, já que vivi tantos anos.
No deserto é onde eu fico sozinha somente com
Deus, ninguém mais. A solitude é tão consoladora
e traz tanta mudança no meu ser que, quando

105
tiver de passar novamente pelo deserto, creio que a
esperança de que subirei mais ainda encostada no
Amado vai me dar forças. Sei que é uma experiência
gratificante: cada vez mais venho subindo do deserto,
dependurada no meu Amado prazerosamente e com
mais amor por Ele no meu coração.

106
Capítulo 11

A ESPERANÇA
E A CORAGEM
DA ÁGUIA
RENOVADA
A águia me ensina muitas coisas. Nos quarenta
e dois anos de ministério, tive a oportunidade de
usufruir de dois períodos sabáticos de seis meses e
outros de algumas semanas. Sempre foram períodos
de muita renovação e perspectivas de vida renovadas.
No meu primeiro período sabático, passei seis
meses na Inglaterra, junto com meus filhos: Teófilo,
de dez anos, e Zoé, de sete anos de idade. Foi um
tempo necessário para a nossa redefinição de família
sem a figura do pai biológico. Eles tiveram uma forte
experiência da revelação da paternidade de Deus, o
que os tem preservado, até hoje, corajosos e tementes
a Deus e servindo ao Senhor com amor.
Essa redefinição de família superou as minhas
expectativas. Os seis meses foram tão frutíferos como
se tivessem sido um período de dois anos. Depois
de adultos, meus filhos ainda estão usufruindo
da bondade de Deus que nos cobriu naquela terra
britânica. Ali, tivemos também a oportunidade de
sermos hospedados no palacete que pertencera ao
missionário Fawell Buxton, enviado para o Japão
como missionário, no século XIX. Tanto a minha
bisavó materna como os meus pais se tornaram
cristãos através desse missionário e seus discípulos.
Quanta gratidão encheu os nossos corações!
Esse lindo e milenar palacete está localizado em um
terço das terras que pertenciam à família Buxton,
e que fora doado a uma escola de formação de
missionários: All Nations For Christ.

109
Mais tarde, quando meus filhos já estavam na
faculdade, ambos nos Estados Unidos da América,
tomei um tempo para outro sabático. Fui estudar
mais e, para surpresa minha, obtive o doutorado em
ministério prático.
Enquanto eu passava os seis meses sabáticos
em Colorado Springs, também nos Estados Unidos,
algo me dizia que a nossa igreja local não estava
bem. Meus substitutos não perceberam a intrusão
de algumas pessoas astutas que, na minha ausência,
queriam abocanhar a nossa Zion Church, que, na
época, se chamava Monte Sião. Penso eu que tal tipo
de pessoas não percebe que a presença de Deus é
que faz toda diferença, e que todos podem ter essa
bênção sem precisar ter inveja.
Mal sabia eu que, naquele período sabático,
Deus havia me levado aos rochedos muito altos,
onde eu estava sendo “depenada” e que o meu bico
travado de velhice estava sendo gasto no rochedo a
fim de poder se alimentar novamente.
A águia, de tempos em tempos, é renovada dessa
maneira: vai ao mais alto rochedo, arranca todas as
suas penas e depois desgasta o seu bico na rocha. Passa
um tempo no rochedo até readquirir novas penas para
poder voar e um novo bico para se alimentar.
Quando voltei, percebi a cilada do Inimigo, e
Deus já tinha me renovado com novas forças e nova
coragem para lutar e preservar a igreja.

110
Deus é muito fiel! Ele é poderoso para guardar
o meu depósito até o dia final, como Paulo falou
a Timóteo:

Ó Timóteo, guarda o depósito que te foi confiado, tendo


horror aos clamores vãos e profanos e às oposições da
falsamente chamada ciência. (1 Timóteo 6.20)

Tive uma força e coragem que seriam impossíveis


de ter vindo de uma pequena mulher como eu. Com
a força do Espírito Santo, lutei com forças renovadas
e afugentei os “ladrões”.
Enquanto Deus nos dá as oportunidades,
devemos lutar para preservar a Sua presença onde quer
que sejamos colocados para servi-lO. Normalmente,
a nossa visão é míope, só enxergamos uma pequena
parte do grande propósito de Deus. Com muita
tristeza, falo que pude ver o mundo feio de pastores e
apóstolos digladiando-se em competição, na ganância
de atingir fama e poder. Infelizmente, essa foi e
ainda é a realidade que presencio perto e longe. Esse
tipo de comportamento e mentalidade me assusta
e me entristece, mas com o tempo não mais me
atingirão. Deus está vendo tudo e posso dizer como o
apóstolo Paulo:

Verdade é que também alguns pregam a Cristo por


inveja e porfia, mas outros de boa mente; uns por amor,

111
sabendo que fui posto para defesa do evangelho; mas
outros, na verdade, anunciam a Cristo por contenção,
não puramente, julgando acrescentar aflição às minhas
prisões. Mas que importa? Contanto que Cristo seja
anunciado de toda a maneira, ou com fingimento, ou
em verdade, nisto me regozijo e me regozijarei ainda.
(Filipenses 1.15-18)

Em tudo, até hoje, o Senhor, tão presente e


onisciente, trabalha em meu coração com o batismo
do fogo, queimando dentro de mim toda “[...]
madeira, feno, palha” (1 Coríntios 3.12), através
de acontecimentos desagradáveis e difíceis, mas que
podem me levar mais perto da semelhança de Cristo.
Preciso desse fogo.
Cada vez que Deus me conduz ao deserto da
minha jornada terreal, Ele me ensina a voar nas Suas
asas de águia, e cada vez mais alto, como lemos em
Deuteronômio 32.10-13:

Achou-o na terra do deserto e num ermo solitário cheio


de uivos; trouxe-o ao redor, instruiu-o, guardou-o como a
menina do seu olho. Como a águia desperta o seu ninho,
se move sobre seus filhos, estende as suas asas, toma-os e
os leva sobre as suas asas, assim, só o Senhor o guiou; e
não havia com ele deus estranho. Ele o fez cavalgar sobre
as alturas da terra [...]

112
Nesses momentos de solidão no rochedo mais
alto, como uma águia, necessito ser renovada, ganhar
uma nova visão e ser restaurada para voar mais alto
com o nosso Amado Deus, enquanto eu existir.
Sair da zona de conforto não é agradável. Com
todo Seu imenso amor, Deus sabe quando estraçalhar
o ninho, desfazer o conforto e forçar os Seus filhos
a voarem.
De período em período, preciso enfrentar o
deserto e a solidão das alturas. Preciso saber o exato
momento de voar mais alto como águias renovadas
na visão e forças.
Estou aprendendo, nesta idade da casa dos
setenta, que não devo esperar ser valorizada pelas
pessoas, especialmente pelos jovens. Devo prosseguir
no meu chamado com a alegria de uma águia
renovada. O deserto e a solitude me ensinam essa lição
tão importante.
A questão é como e onde aplicar o meu
chamado? As pessoas e a tecnologia mudaram. As
gerações mudaram. O Espírito Santo, o Espírito
da verdade, é quem me guiará para o lugar devido,
onde posso continuar servindo ao Senhor Deus com
disposição e satisfação. Deus jamais muda. Cada dia
é um novo dia.

113
Capítulo 12

É PRECISO
AMADURE CER
PARA VIVER
BEM
Há alguns anos, passei um período de descanso
em Redding, uma pequena cidade da Califórnia,
porque tinha a curiosidade de conhecer o famoso
pastor Bill Johnson e sua igreja local. Um dia, fui
participar de uma reunião semanal do “Diamantes”,
ministério para pessoas de mais de cinquenta anos de
idade. Fui muito bem recebida e até me convidaram
para participar da reunião da liderança desse
ministério. Todos, muito gentis, incentivaram-me a
começar o “Ministério Diamantes” em minha igreja
local, inclusive a usar o mesmo nome.
Assim que voltei ao Brasil, apresentei essa ideia,
de uma nova atividade para pessoas de cinquenta
anos para cima. Tem sido muito gratificante pastorear
ovelhas dessa faixa etária.
A reunião dos Diamantes acontece uma vez ao
mês, no primeiro sábado, em nossa igreja local: Zion
Church [antiga Monte Sião]. Cantamos, oramos,
entregamos uma mensagem bíblica, compartilhamos
experiências com Deus – há, normalmente, curas
físicas e milagres – e almoçamos juntos. Trazer
comida e bebida é voluntário; passamos tempos de
comunhão muito agradáveis, almoçando a variedade
de “comida dos outros”, como gosto de falar.
Procuro sempre ter algo diferente além do
costumeiro programa. Às vezes, convido profissionais
para trazerem palestras condizentes com essa idade,
como nutricionistas, fisioterapeutas, médicos,

117
dentistas etc., que apresentam assuntos interessantes,
adicionam e enriquecem a saúde física, emocional e
espiritual do grupo.
Cooperamos sistematicamente com o sustento
de algumas missões e projetos de assistência às pessoas
de alta vulnerabilidade; fazemos excursão de lazer ou
de acréscimo cultural, temos um coral para o culto de
Natal, fazemos trabalhos manuais para o bazar de Natal
e, assim, nos ocupamos com atividades beneficentes
e espirituais.
Nossa visão é sermos relevantes neste mundo,
sendo a luz que Jesus Cristo nos chamou a ser, e unir
as gerações. Sempre lembramos que Deus é Deus de
três gerações: de Abraão, de Isaque e de Jacó.
Tenho lutado para ajudar os idosos a não serem
velhos. Podemos ter idade avançada, mas temos de
nos valorizar e compartilhar as nossas experiências de
modo especial. Eu tenho aprendido muito nesse meu
novo ministério.
Muitos podem até ser aposentados, mas eu luto
para que não aceitem ser encostados e deixados de
lado, como se fossem inúteis e sem valor. Esse é um
dos propósitos desse ministério. Vivemos uma época
muito diferente, mas temos de nos lembrar de que
estamos no século XXI, com a tecnologia que se
acelera com velocidade sem precedentes.
Nesses encontros dos Diamantes, procuramos
superar as dificuldades sociais e geracionais na igreja,

118
com a eficiência e o amor de Deus, compreendendo
as mudanças sem permitir que os nossos corações
sejam feridos.
Os humanos estão cada vez mais “coisificados” e
impessoais. Os valores de bom caráter também estão
em degradação e desuso. Neste tempo, a fama e o
poder são alcançados pela exposição nas mídias, e
não tanto pelo heroísmo e dedicação humilde por
meio do estudo, do trabalho, do conhecimento e da
revelação da Palavra de Deus. O respeito aos idosos e
a busca de conselho dos experientes da vida ficaram
para trás.
Começamos a convidar e inserir voluntários das
gerações novas com o fim de integrar as gerações.
É benéfico para todos, tanto para os idosos como
para os jovens. O interessante é que muitos jovens
têm vindo a nós oferecendo ajuda porque desejam
conviver conosco. Eu digo que esses jovens são
inteligentes. Isso traz uma alegria muito grande, pois
une gerações num convívio familiar.
Enquanto somos jovens, dificilmente pensamos
em como envelhecer bem, mas quando eu tinha uns
trinta anos de idade, começaram a sair livros sobre
esse assunto, pelo menos em São Paulo.
Apresento, nas seguintes páginas, alguns
aspectos que considero importantes para uma
pessoa envelhecer com satisfação e terminar bem a
sua jornada terreal. O quanto antes nos preparamos

119
para o envelhecimento, melhor ele será. Por isso,
eu procuro compartilhar em nossas reuniões alguns
conceitos e modo de pensar vitoriosos, sob a luz da
Palavra de Deus.
O fator mais importante é a nossa comunhão
com Deus, ao ponto de desenvolvermos intimidade
com Ele, afinal Ele nos criou para Si, e Ele é não
somente o nosso Criador, mas o nosso Deus, Senhor
e Pai.
É primordial manter um ótimo estilo de vida de
espiritualidade. Manter assiduamente um tempo de
qualidade com Deus é essencial para qualquer cristão
em qualquer idade!
Como o ser humano foi feito à semelhança
de Deus, o preenchimento do vácuo espiritual é
uma necessidade inegável. Uma pessoa pode ser
muito inteligente, talentosa, saudável fisicamente
e capaz, mas não se sentirá completa se não
alimentar e sustentar o seu lado espiritual. Haja
vista as incontáveis religiões que existem no mundo
todo. Isso é sinal da necessidade de saciar não só a
curiosidade, mas encontrar uma solução para os seus
questionamentos a respeito do mundo espiritual,
sobrenatural ou além-morte.
Todas as religiões nasceram com o propósito de
beneficiar o ser humano, mas nenhuma tem o poder
de perdoar os pecados, trazer a paz do perdão e nos
levar para mais perto de Deus num relacionamento
de Pai-filho.

120
Somente Jesus Cristo foi o sacrifício suficiente
para nos trazer a paz do perdão e a salvação. Sozo
é a palavra grega que significa “salvação” de um ser
humano e de toda a Terra.
A salvação bíblica consiste em três fases, porque
o ser humano é tripartido: espírito, alma e corpo. Só
mesmo Deus é quem teve o poder de resgatar o homem
inteiramente, dando o Seu Filho Jesus Cristo, que
morreu a nossa morte, foi castigado em nosso lugar,
morreu e ressuscitou para patentear a vitória sobre
a morte.
O cristão jamais deve cessar de desenvolver
o seu relacionamento com Deus, experienciar a
paternidade divina e viver realmente como um filho
do Deus único, todo poderoso, eterno, fiel, bondoso
e amoroso. É uma vida sobrenatural. Jesus Cristo
pagou o preço para termos essa vida abundante.
Quando passamos tempo de qualidade com o
nosso Deus, o nosso fim será muito gratificante e
feliz, como vemos na vida de muitos personagens da
Bíblia, como o rei Davi, por exemplo:

Confia no Senhor e faze o bem; habitarás na terra e,


verdadeiramente, serás alimentado. (Salmos 37.3)

O Senhor conhece os dias dos retos, e a sua herança


permanecerá para sempre. Não serão envergonhados nos
dias maus e nos dias de fome se fartarão. (Salmos 37.18-19)

121
Os passos do homem bom são confirmados pelo Senhor,
e ele deleita-se no seu caminho. Ainda que caia, não
ficará prostrado, pois o Senhor o sustém com a sua mão.
Fui moço e agora sou velho; mas nunca vi desamparado
o justo, nem a sua descendência mendigar pão.
(Salmos 37.23-25)

Nota o homem sincero e considera o que é reto, porque o


futuro desse homem será de paz. (Salmos 37.37)

122
Capítulo 13

ACEITANDO
O CURSO
NORMAL DA
VIDA
Algo está errado quando uma pessoa não aceita o
envelhecimento. Desde que nascemos, já entramos no
processo de envelhecimento. Por que há pessoas que
têm medo ou vergonha de sua idade, especialmente
após a adolescência? Em geral, ao redor do mundo,
existe tal constrangimento sem explicação. Não há
nada de errado em se tornar idoso, que é diferente de
se tornar velho.
Muitas vezes, nos surpreendemos como a
sociedade tem força em nossas vidas, enquanto as
palavras de Deus parecem não ter efeito, especialmente
em situações que envolvem dificuldades. Não devia
ser assim. Temos de aprender a valorizar os planos e
os pensamentos de Deus (Jeremias 29.11).
Normalmente, dizem os estudos, que os
pais ou genitores são os que imprimem nos filhos
a identidade e a segurança. Há muitas razões para
definir a identidade e a segurança de um indivíduo,
mas a verdade é que, quanto mais conhecemos a
Deus, mais somos completos e seguros.
Quando estava entrando na adolescência, fui
acometida por tantos complexos por me achar:
feia, gorda, “burra”, pobre e daí por diante. Sei que
o tempo da adolescência é um tanto difícil, mas
para mim foi avassalador. Sem perceber, fui me
entregando às falácias que tinha ouvido na minha
infância e permitindo que elas se tornassem estigmas
que, na verdade, são mentiras do diabo.

125
Deus, na Sua bondade e fidelidade, tratou
comigo de modo transcendente. Eu sabia que a minha
segurança viria de Deus e de Sua Palavra, mas, para
a minha surpresa, Ele trouxe pessoas maravilhosas ao
meu caminho.
Vale a pena, neste ponto da narrativa, mencionar
algumas pessoas especiais que foram usadas por Deus
para eu ser curada e me aceitar como a pessoa que
sou, bem no meu interior. É possível amadurecer
com cura interior e libertação das opressões que nos
aparecem no percurso da vida.
Meus problemas pessoais da adolescência eram
guardados em segredo no meu coração. Minha ida
aos Estados Unidos da América para estudar me
providenciou um tempo de sossego e de liberdade
de ser o que eu era. Lá, ninguém me conhecia, e eu
pude ser eu. Não havia olhares de escrutínio que me
criticassem ou condenassem por qualquer coisa, só
por ser a filha do reverendo Hayashi. Pude respirar e
viver à vontade.
Eu podia cantar com todo gosto na igreja que
eu frequentava. Ali, ninguém iria rir da minha voz.
No campus, havia algumas salas de música com
piano e qualquer aluno podia entrar e estudar seus
instrumentos. Muitas vezes, lá ia eu com as partituras
das aulas de piano e também os meus hinários que
eu tinha levado, tocar e cantar com muito gosto, por
um bom tempo, os meus hinos preferidos.

126
Havia no dormitório das mulheres, no corredor
de cada andar, umas pequenas salas de oração. Era
um outro lugar que me trazia muita alegria e paz em
poder ser eu.
Certo domingo, após o culto da igreja
que eu frequentava, uma senhora inglesa de
aproximadamente oitenta anos de idade achegou-
-se a mim e quis me conhecer. Ela tinha se tornado
viúva recentemente e estava passando férias na casa
do pastor dessa igreja. A razão de ela se aproximar de
mim foi um ato de extrema bondade. Ela desejava
me ensinar a cantar e tratar da minha dicção.
Tivemos encontros semanais que aconteceram na
residência pastoral. A esposa desse pastor vinha me
pegar no dormitório do campus e me levar à sua
casa, onde me esperava a senhora inglesa. Sentada ao
piano, ela me ensinava a cantar. Depois me fazia ler
alguns salmos em voz alta e corrigia minha postura
e dicção. Quanta bondade! Fui perdendo o medo
de falar e ganhando a liberdade de cantar. Aquelas
aulas levaram embora grande parte da vergonha e
timidez. Eu estava conseguindo falar e cantar com
segurança e prazer. Mal sabia que, um dia, eu seria
uma pregadora.
Outra pessoa que Deus trouxe ao meu caminhar
foi o meu ex-noivo mexicano, que já mencionei.
Ele foi usado por Deus para levar embora o meu
complexo de feiura. A minha aparência exterior

127
não mudou, mas o meu interior, sim. Ele falava
que eu era bonita, o que algumas vezes me levava
a brigar e discutir com ele, por achar que ele dizia
mentiras. O amor, incrivelmente, faz milagres. Todo
o complexo de feiura se foi, e o que mudou foi a
minha mentalidade e, consequentemente, os meus
sentimentos. Passei a não mais me preocupar com a
minha aparência.
Algo muito pessoal guardava como segredo
dentro de mim era o meu problema do maxilar
inferior. Surpreendentemente, quando eu pastoreei
uma igreja em Curitiba por uns anos, um casal
começou a frequentar os cultos. Esse casal é
inesquecível. Ele é um dentista exímio em cosmetic
dentistry1, um professor e cirurgião de altíssimo
escalão, que percorre o mundo todo oferecendo
cursos. Um dia, após o culto, ele me convidou a
ir ao seu consultório e quis, de coração, oferecer o
tratamento completo, gratuitamente. Até hoje oro
para que Deus lhe recompense! Ele e sua esposa
foram anjos enviados por Deus.
Assim como eu vivi essas experiências, acredito
que muitas pessoas também têm feridas, estigmas
ou marcas negativas adquiridas no passado, que as
fazem se sentir constrangidas quanto à sua idade
e aparência. Concordo que olhar-se no espelho e
1
Dentística ou odontologia estética é o ramo da odontologia que
atua na área da cosmética e restauração dental.

128
encarar as rugas e a flacidez não é agradável; mas é
uma realidade do curso natural da vida.
A depreciação do envelhecimento pode até
ser um fator cultural. No Japão, por exemplo,
algumas firmas de grande porte preferem contratar
funcionários de meia idade, porque valorizam a
experiência. Pelo que sei, ali, os idosos são valorizados
pela sabedoria que vem das experiências. Na família,
são valorizados pelas suas vivências.
No mundo moderno, infelizmente, a aquisição
de cultura e conhecimentos gerais não está sendo tão
valorizada como em tempos passados; pelo contrário,
valorizam aspectos superficiais e lucrativos, tanta é a
supervalorização do poder, da fama e da exposição
visual pelas mídias sociais.
Muitas pessoas têm se tornado desumanas, e a
exposição nas mídias sociais tem tomado a frente em
quase todas as áreas. Digo “quase”, porque, graças
a Deus, Ele continua o mesmo Deus que valoriza o
interior, e não o exterior.
O que vai contar no fim de tudo, no trono
do julgamento do Senhor, será o amor: quanto O
teremos amado? Em tudo o que fazemos, teremos
feito por amor a Ele? O que conta é a qualidade de
viver e o viver somente focalizado n’Ele. Tudo por
amor a Deus!

129
Capítulo 14

CUIDANDO
DA SAÚDE EM
CADA CICLO
DA VIDA
SAÚDE NO CORPO E
NAS NECESSIDADES MATERIAIS

Saúde física é uma preocupação de todo pai e


mãe para a sua família. E o que falar, então, quando
chegamos na metade da vida, por volta de trinta
ou trinta e cinco anos? É aconselhável dar atenção
real à saúde física e ao bom preparo da qualidade de
vida na velhice. O corpo segue o curso normal de
crescimento, desde a infância até o envelhecimento.
O Antigo Testamento versa muito sobre
alimentação e hábitos para manter a saúde física. O
livro de Levítico, basicamente, lida com a saúde física
através de instruções detalhadas sobre alimentação e
também oferece muitos regulamentos morais para
manter a dignidade humana. No Antigo Testamento,
os nossos patriarcas faleceram de velhice, e não por
enfermidades.
Nestes tempos modernos, há especializações
na área da nutrição e até médicos nutrólogos, além
de fisioterapeutas e outros profissionais da área da
Saúde que cuidam especificamente da sanidade do
corpo físico. Através das mídias sociais, há facilidade
de recorrer à ajuda de muitos profissionais, a fim de
viver com saúde e com ótima qualidade de vida.
Do ponto de vista bíblico, também somos
responsáveis por cuidar da saúde física, por motivo
de santidade advinda de Deus, por exemplo:

133
Ou não sabeis que nosso corpo é o templo do Espírito
Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que
não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por
bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo e no
vosso espírito, os quais pertencem a Deus. (1 Coríntios
6.19-20)

Além de médicos nutrólogos e profissionais


que trabalham em favor da conscientização da
importância da saúde física, existem academias por
todos os lados da cidade. Até as indústrias de roupas
esportivas estão lucrando, em favor das academias,
com sua tecnologia avançada com relação ao material
e arte em cores alegres, sugestivas e atraentes.
Alguns países europeus têm infraestrutura
centenária para a prática de esportes, muito bem
planejada e adequada às estações do ano. É uma
questão cultural muito benéfica. Eles se aprimoram
no avanço e modernidade de cada esporte, o que
incentiva a criatividade e oportunidades industriais,
profissionais e sociais.
A busca de uma boa alimentação também
incentiva o desenvolvimento de muitas áreas da
sociedade: agricultura, apicultura, criação de animais,
aprimoramento de indústrias alimentícias etc.
Sendo nutricionista e enfermeira, a mamãe
sempre deu muito valor à nutrição. Dizia ela que quem
se alimenta bem não precisa de médico, pois sofre

134
menos enfermidades. Foi um fato que verdadeiramente
aconteceu. Eu mesma fui à médica e ao hospital
pela primeira vez na vida somente para dar à luz os
meus filhos.
Mamãe até fazia emplastros quando meus
irmãos voltavam machucados por causa de esportes.
Ela curava quase tudo com remédios naturais e
oração. A primeira coisa que ela fazia era oração e
depois os remédios que ela mesma preparava com
gengibre, limão, inhames etc.
Ela nos ensinava algumas coisas durante as
refeições. Apontava os alimentos sobre a mesa e
dizia as vitaminas que havia: cálcio, proteína, e por
aí vai. Tanto os meninos como as meninas estavam
aprendendo o que se deve comer, o porquê, como
cozinhar para não destruir as vitaminas e o que não
podia faltar na alimentação diária e semanal. Ela era
muito criativa e inteligente, e variava as suas próprias
receitas.
Quando um filho não gostava de comer algo, ela
explicava sobre os benefícios e, muitas vezes, apelava
dizendo que se comesse aquele alimento indesejado,
ele seria mais inteligente e melhor aluno na escola.
Tentei aplicar esse ensinamento com meus filhos, mas
o difícil foi fazê-los comer fígado e salada quando ainda
eram crianças.
Na minha família de origem, um dos nossos
momentos inesquecíveis era na cozinha. Todos os

135
filhos entravam lá para cozinhar, especialmente
comidas diferentes. Como a família era numerosa,
a quantidade também tinha de ser grande. Então,
era como se fosse uma pequena fábrica de alimentos,
em que cada um fazia uma parte, como se fosse uma
produção em série. Depois trocávamos de lugar, e
assim nos divertíamos muito. O importante de tudo
isso é que todos os filhos aprenderam a cozinhar.
Nós nos alimentávamos muito bem, além de
rirmos bastante. Um dia, um menino da igreja disse
que gostava de vir à nossa casa porque era o mesmo
que ir a um circo!
O mais indesejado lugar era a pia amontoada
de utensílios e vasilhas para lavar. Mesmo após cada
refeição, tínhamos de fazer escalas, pois ninguém
podia escapar, com exceção de mim. Meus irmãos
mandavam eu tocar piano enquanto eles lavavam
e enxugavam as louças e panelas e varriam o chão.
Trabalhavam ao som da música, e eu era poupada,
para a minha felicidade.

SAÚDE NA ALMA

Não importa a idade, todos desejam viver


bem, independentemente do tipo de família,
nacionalidade, religião, nível de escolaridade, dos
aspectos socioeconômicos etc. Deus tem planos bons
para cada um de nós:

136
Porque bem sei os pensamentos que penso de vós, diz o
Senhor; pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o
fim que esperais. (Jeremias 29.11)

Na alma estão: personalidade, temperamento,


raciocínio, emoções, vontade e livre-arbítrio. A alma
é responsável por promover a todo ser humano
a qualidade de saúde no corpo e no espírito. O
DNA, tipo de família, educação e o meio ambiente
influenciam muito no nosso modo de pensar, de
escolher e de tomar decisões. Quem não quer fazer
escolhas acertadas e tomar decisões corretas? Todos
nós nascemos despreparados para acertos e sucessos,
entretanto, Deus está sempre ao nosso lado como
Pai bondoso – Ele está cuidando de cada um de
Seus filhos.
Vivemos uma época sem precedentes, a era
digital, em que tudo tem de ser rápido, imediato. É
só deslizar o dedo no celular e lá vêm as informações,
os contatos e até a comida. No sentido geral, as
pessoas não são criadas para terem paciência e para
enfrentarem desafios. Há momentos, porém, em que
teremos de encarar os desafios. Está ficando difícil
para esta geração esperar e perseverar. Tudo “tem de
ser para ontem”, como dizem muitos na pressa.
Graças a Deus, Ele é o mesmo ontem, hoje e
sempre. Seus caminhos não são como os nossos. Seus
pensamentos são altos demais, e não entendemos

137
muitas vezes; mas sabemos que Ele sempre deseja ver-
-nos corajosos e vitoriosos.
Devemos ser como Josué e Calebe, que não
se enxergaram como gafanhotos diante do povo
de Canaã, como o fizeram os demais dez espias
enviados por Moisés (Números 13). Os gigantes se
tornam pequenos se tivermos o olhar de Deus. As
dificuldades continuam existindo, mas se vemos
como Deus vê, não nos sentiremos como gafanhotos
diante de tantos desafios. Os gigantes serão como
pão para nós, isto é, seremos bem maiores que os
problemas e seremos fortalecidos na fé em Deus.
Quem é maior que o nosso Deus? Cada vez
mais, somos curados e restaurados e nada poderá nos
impedir de prosseguir vitoriosos n’Ele.
Não importa a idade, a cura deve estar
acontecendo em todo momento de nossas vidas,
seja em pequena ou grande escala. Nossa mente é
que deve ser transformada. Todos nós precisamos
ser trabalhados, de uma forma ou de outra, até Jesus
Cristo voltar! O Espírito Santo é o nosso consolador
e guia em toda verdade.
Deixemos que Ele continue nos transformando
à semelhança de Jesus Cristo. Que jamais percamos a
sensibilidade à nossa consciência e ao Espírito Santo.

138
SAÚDE NO ESPÍRITO

[...] para te dar a entender que o homem não viverá só de


pão, mas de tudo o que sai da boca do Senhor viverá o
homem. (Deuteronômio 8.3)

O tempo com Deus em particular é muito


importante e essencial, mas não devemos nos contentar
somente com isso. É dando que se recebe. Precisamos
achar um meio de dar o amor de Deus. Costumo
dizer que todo cristão necessita de um “Paulo” e de
um “Timóteo”.
Uma das maneiras práticas de crescimento
espiritual é estar envolvido na obra do Senhor. Há
muitas oportunidades para servi-lO. Se não for
dentro de uma igreja local, sempre haverá alguma
forma, por exemplo, andar pelas ruas ou shoppings
centers procurando pessoas que talvez precisem de um
sorriso, de dinheiro, de uma oração, de cura física, de
atenção etc.
Tive um aluno que andava com um pacote
de “Bis”, que são pequenos biscoitos cobertos de
chocolate, embrulhados um a um. Por onde andava,
ia distribuindo esse biscoito e falava do amor de
Deus. Esse aluno ficou conhecido como o “homem
do Bis”.
Uma vez, um senhor de nossa igreja compartilhou
um testemunho. Disse que ele andava orando por

139
cada pessoa da rua. Um dia, resolveu sentar-se na
calçada com uma pessoa, ela era uma prostituta. Ele
lhe apresentou Jesus Cristo e o plano da salvação, e ela
se converteu ali na calçada. Aconselhou-a a procurar
uma igreja perto da casa dela e frequentá-la. Depois
de um tempo, viu um casal andando em sua direção.
Qual foi a sua surpresa? Aquela moça prostituta,
que havia se convertido, tinha ido a uma igreja, e lá
estava o seu ex-marido também convertido. Foi um
encontro sobrenatural. Renovaram a sua aliança de
casamento e estavam felizes frequentando a igreja.
Muitas vezes, não sabemos como Deus pode nos
usar, mas sempre me lembro de que uns semeiam,
outros regam e outros colhem (1 Coríntios 3.5-7).
Façamos algo em todo tempo que pudermos. Isso
traz saúde para o nosso espírito.

140
Capítulo 15

A CULTURA
DE DEUS NOS
SETE MONTES
Cada século tem as suas características ou
ênfases. No meu período sabático, em 2001, quando
estive estudando na escola de ministério com Peter
Wagner, na virada do século, era novidade falar
das sete esferas da sociedade, algo novo que estava
sendo mencionado nas aulas. Mas agora, nestas
últimas décadas, muito se tem pregado sobre o lugar
dos cristãos no topo de cada monte ou esfera da
sociedade: família, saúde, igreja, educação, negócios,
política, artes e entretenimentos.
Tudo nesta vida tem base bíblica. O homem
não inventa nada, apenas descobre. Nós, como
cristãos da Igreja Monte Sião [atual Zion Church],
já tínhamos o legado dessa visão desde que meus pais
foram enviados como missionários cristãos para os
imigrantes japoneses aqui do Brasil.
Muitos já devem ter ouvido esse relato, mas
vou recordar aqui. Meu pai era dentista e, quando
sobrenaturalmente recebeu o chamado para vir com
a mamãe ao Brasil, trouxe equipamentos para dois
consultórios dentários. Mamãe, por sua vez, era
enfermeira e nutricionista. Foram trabalhar no único
hospital japonês existente em Manaus, capital do
Amazonas, naquela época. A mentalidade deles era
trazer a cultura do Reino de Deus através de suas
profissões, na montanha da saúde.
Uma vez, conversando com papai, perguntei-
-lhe por que ele nunca falava sobre o Japão. Ele

143
me respondeu: “Eu não vim ao Brasil para trazer a
cultura japonesa, mas a cultura do Reino de Deus”.
Entendi cedo a sua mentalidade e considero isso um
rico legado.
Nós, os oito irmãos, seguimos as nossas diferentes
profissões. Nossos pais diziam que devíamos trazer o
Reino de Deus, cada qual na sua área de atuação, e
ser bons cristãos e boas testemunhas de Jesus Cristo,
cumprindo com dedicação as responsabilidades
profissionais e jamais cessando de aprofundar o
conhecimento de sua área. Essa mentalidade que
recebemos de nossos pais deve se estender para a
terceira geração, de netos e bisnetos, especialmente
na Igreja Monte Sião [atual Zion Church].
O nome Sião [em inglês, Zion] é mencionado
na Bíblia cento e trinta e duas vezes. Algumas vezes,
o nome Sião refere-se a uma cidade. São profecias
para valiosas e poderosas promessas e diretrizes para
os últimos tempos.
No início deste século XXI, fiquei surpresa
quando percebi que a nossa igreja local tem andado
nessa trilha em direção aos montes da sociedade,
preparando gerações de nossos filhos e netos.
A Igreja Monte Sião nasceu bem no avivamento
da Palavra, e as revelações da Palavra eram as
riquezas desse avivamento. No início da nossa igreja,
cantávamos muitos cânticos que eram versículos
bíblicos ipsis litteris, isto é, letras cantadas exatamente

144
como na Bíblia. Entre muitas passagens maravilhosas,
a seguinte foi uma das menções que nos inspiraram
para o nome de nossa igreja:

Grande é o Senhor e mui digno de louvor na cidade do


nosso Deus, no seu monte santo. Formoso de sítio e
alegria de toda a terra é o monte Sião sobre os lados do
Norte, a cidade do grande Rei. (Salmos 48.1-2)

Outro cântico que cantávamos muito, mas em


inglês, é:

Os que confiam no Senhor serão como o monte Sião, que


não se abala, mas permanece para sempre. Como estão
os montes à roda de Jerusalém, assim o Senhor está em
volta do seu povo, desde agora e para sempre. (Salmos
125.1-2)

E acontecerá, nos últimos dias, que se firmará o monte


da Casa do Senhor no cume dos montes e se exalçará por
cima dos outeiros; e concorrerão a ele todas as nações. E
virão muitos povos e dirão: Vinde, subamos ao monte do
Senhor, à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine o que
concerne aos seus caminhos, e andemos nas suas veredas;
porque de Sião sairá a lei, e de Jerusalém, a palavra do
Senhor. (Isaías 2.2-3)

145
Creio que o monte ou a esfera da Igreja é
responsável para estar acima de outeiros, isto é,
acima de outros montes, que seriam outras esferas
da sociedade. Entendo que a Igreja é o lugar para
preparar muitos cristãos, com forte presença de Deus
em suas vidas, ocupando o seu lugar na sociedade
com a cultura do Reino celestial.
Muitas vezes, tenho dito: “Primeiro Deus e
depois a saúde. Sem saúde, é difícil servir a Deus”. É
necessário ter saúde física, mental, emocional, muita
disposição e, acima de tudo, saúde espiritual, a fim
de servirmos a Deus com excelência.
Podemos fazê-lo com ou sem Deus; com
ou sem a bênção de Deus. Que tal cumprirmos
essa responsabilidade junto com Deus e com a
Sua bênção?

A bênção de Deus é que enriquece, e ele não acrescenta


dores. (Provérbios 10.22)

Em Jesus Cristo, foi quebrada toda maldição,


e não temos de comer o pão do suor do rosto,
como Adão e sua descendência sem Cristo Jesus
(Gênesis 3.19).
No Sermão do Monte, Jesus Cristo mostra
como Deus cuida de cada um de nós, suprindo todas
as nossas necessidades. A única condição para termos
a Sua bênção em todas as áreas e situações da vida é,
primeiramente, buscar o Seu Reino e Sua justiça:

146
Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem segam,
nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta.
Não tendes muito mais valor do que elas? [...] E, quanto
ao vestuário, por que andais solícitos? Olhai para os lírios
do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam.
E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda sua
glória, se vestiu como qualquer deles. Pois, se Deus assim
veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada
no forno, não vos muito mais a vós, homens de pequena
fé? [...] Vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de
todas elas. Mas buscai primeiro o reino de Deus, e sua
justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
(Mateus 6.25-33)

A condição para a saúde física e material é buscar


o Reino de Deus e a Sua justiça em primeiro lugar.
Não nos contentemos com as bênçãos materiais
apenas. Busquemos com todo coração o Reino de
Deus e a Sua justiça em primeiro lugar.
De certa forma, a maioria dos problemas de
relacionamentos surge da insatisfação material.
Muitos são enganados por “Mamon”, o deus das
riquezas materiais, que sugere a abundância dos
bens como solução dos problemas comuns ao ser
humano. A Palavra de Deus não falha. Precisamos
ser saciados nas necessidades materiais, mas isso
não é tudo. Precisamos ser saciados no espírito,
na alma e no corpo. Enquanto vivemos aqui na

147
Terra, necessitamos de recursos materiais, mas isso
representa apenas um terço das nossas necessidades.
Somos chamados para apresentar o Evangelho
completo. Precisamos levar o Reino de Deus a todas
as esferas da sociedade, mas basicamente nas três áreas
do Homem tripartido. Tem de começar conosco,
com as nossas famílias trazendo a transformação de
nosso bairro, cidade, estado, país e todas as nações
do mundo.

148
Capítulo 16

ESPERAN ÇA
PA RA COISAS
NOVAS
Eu sempre fui muito ativa e entusiasta no
ministério pastoral e de mestra, na esfera da Igreja.
Graças a Deus, havia dentro de mim um coração
guerreiro que Deus e a Sua Palavra nutriam. Amo
estudar e jamais pretendo parar de estudar e conhecer
coisas interessantes e novas. Herdei essa resiliência de
meus pais.
Por seis anos, após entregar o ministério para
que o meu filho se tornasse pastor sênior da nossa
igreja, minha vida passou por algo inesperado. Por
mais que eu tivesse tido a convicção que o passar
o bastão para a geração seguinte era da vontade de
Deus, parecia que o meu chão tinha desaparecido.
Ver o meu filho assumir o ministério gerou em
mim uma sensação nova e estranha, uma mistura de
satisfação, alegria e insegurança. Por muitos anos,
minha vida parecia que corria conforme o planejado,
apesar das dificuldades comuns a todo ser humano.
Tive de me adaptar a muitas coisas diferentes. Creio
que o processo é sem fim, pois as mudanças são também
sem fim.
Deus colocou em meu caminho duas pessoas
incríveis, inteligentes e bondosas para me ajudarem
nesse processo de grandes mudanças: um psicólogo
muito competente e a minha preciosa filha, uma
grande, íntima e fiel amiga.
Tenho experimentado inúmeras vezes a verdade
do salmo já mencionado, que diz que os meus

151
passos são ordenados por Deus, e que mesmo que
eu caia, Ele me levanta e com sorriso me empurra
para prosseguir.
Lutei, sem sucesso, para me encaixar nos moldes
diferentes que a Igreja Monte Sião [atual Zion
Church] estava adquirindo com a nova geração,
mas, quanto mais eu lutava, mais inúteis eram os
meus esforços.
“Antes tarde do que nunca!” é um ditado
que traz consolo e esperança para muitos como
eu, que sou devagar e sistemática. Poderia ser bem
inteligente, mas sou o que sou, como dizia meu pai:
“Você é você; outros são outros”.
Após muito tempo, entendi que não temos
de nos “encaixar” nos moldes das gerações novas
ou ao modo de viver da pós-modernidade. Certas
mudanças são bem diferentes e até inconcebíveis
para os “Diamantes”, e tento ajudá-los, à medida
que vou descobrindo e entendendo as características
desta modernidade.
Muitas coisas que aprendo, vou compartilhando
com os Diamantes. Talvez eles nem desejem tais
aprendizados, mas é meu dever diante de Deus
pastoreá-los. É meu prazer compartilhar as lições da
vida para manter a qualidade satisfatória e, assim,
continuarmos a manter a saúde física, emocional,
intelectual e espiritual.

152
Entendo que não tenho de me conformar nem
com os Diamantes nem com a geração moderna.
Talvez certos Diamantes nem sintam o que sinto, mas
talvez os futuros Diamantes possam ser beneficiados
por este material. A minha parte é deixar algum
legado que seja útil para as gerações vindouras.
Sou colérica demais para viver entre os
fleumáticos. Preciso ainda ser muito trabalhada na
paciência. Às vezes, não entendo como os fleumáticos
vivem a rotina de modo tão superficial. Não os
considero inferiores, é óbvio. Os fleumáticos, como
qualquer tipo de temperamento, têm seus pontos
positivos e louváveis. Amo, porém, estar no meio de
pessoas que desejam galgar níveis mais altos, que não
se conformam com a “mesmice” e que “filosofam”
para perscrutar mais a fundo o sentido de viver.
Depois que deixei de ser pastora sênior, percebi
que algumas pessoas tinham sido serviçais e solícitas
ou, em outras palavras, tinham sido subservientes.
Não eram tão achegadas e guerreiras ombro a
ombro comigo, como eu pensava que fossem.
Minhas expectativas eram irreais por minha própria
ignorância. Realmente, não tenho mágoa nenhuma,
porém tive de entender que certas pessoas valorizam
o próximo pela sua posição, e não pelo que é, e elas
são o que são. Ponto-final.
O meu papel é apenas ficar à disposição das
pessoas do meu convívio, caso me procurem para

153
conselhos ou ajuda, tanto no meio das pessoas de
minha faixa etária como de novas gerações. As
mudanças têm sido bem diferentes e rápidas.
A ambição por poder e fama tem prevalecido
entre muitos jovens desta época. O feminismo
pós-moderno tem se vestido com roupa diferente.
Não é apenas a busca da valorização das mulheres,
o que é certo, conforme Jesus Cristo introduziu
ao cumprir a dispensação da Lei. O feminismo da
pós-modernidade, porém, tem como característica
a “desmasculinização” (termo atual em Psicologia).
Estamos vendo o que a Bíblia já tinha nos avisado:

Sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos


trabalhosos; porque haverá homens amantes de si mesmos,
avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes
a pais e mães, ingratos, profanos, sem afeto natural [...]
(2 Timóteo 3.1-3)

Compreender e amar a geração pós-moderna


não significa que temos de nos amoldar a ela.
A Palavra de Deus nos chama para que sejamos
transformados pela renovação da nossa mente, mas
sem tomar a forma da mentalidade deste século
(Romanos 12.1-2). Precisamos do entendimento
gerado pelo Espírito Santo. O ponto de partida é o
nosso corpo no altar como sacrifício vivo, santo e

154
agradável Deus, a fim de conhecer a perfeita, boa e
agradável vontade de Deus.
Temos de ser como Jesus que, encarnado, viveu
neste mundo corrompido e trouxe uma revolução de
mentalidade. Ele esteve mais nas ruas com o povo do
que nas sinagogas com os sacerdotes. Ele operou muitas
curas, libertações e milagres andando e convivendo
com o povo. Ele ultrapassou a mentalidade da época
e trouxe o Reino celestial por onde andou. Cumpriu
o Seu propósito na cruz do Calvário ao bradar:
“Está consumado!”.
Jesus Cristo amou até o fim!

155
Capítulo 17

AMAR A
DEUS ACIMA
DE TUDO
Entendo que o nosso dever, mais do que nunca,
é sempre amar. Guardar o meu coração é um cuidado
constante nestes meus últimos anos diante de tantas
mudanças: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda
o teu coração, porque dele procedem as fontes da
vida” (Provérbios 4.23).
Vejo-me na necessidade de cavar novos poços
“Reobotes”. Não posso me conformar com o mundo,
mas ser transformada na mente e ter a mente de
Cristo, que foi até o fim, até a morte de cruz, por
mim e pelo mundo todo.
Tenho ainda diante de mim as caminhadas no
deserto me esperando. Depois de tantos desertos, até
espero por mais, porque tenho aprendido que posso
sair do deserto ainda mais prazerosamente encostada
no meu Amado. Em cada caminhada no deserto, fico
liberta das carcaças de meu ser.
Como a águia, que se isola e voa para a rocha
mais alta para se renovar, de vez em quando, preciso
também buscar mais o meu tempo a sós com meu
Deus. Jesus Cristo realmente é como mel, Ele adoça
o meu coração, e o Espírito Santo me dá poder
para estar neste mundo, sem me amargurar nem
me conformar com a mentalidade contrária à de
Jesus Cristo.
Deus tem me falado para eu buscar algo que me
traga prazer de viver, mas não de modo egocêntrico.
Como mencionei antes, o chamado não morre antes

159
de nós. O chamado ainda está dentro de mim, mas
preciso encontrar uma nova maneira de vivê-lo,
com criatividade.
É o tempo da segunda carreira, diferente de
hobby ou atividade de lazer apenas. Meu melhor
hobby é lidar com as plantas e flores do meu pequeno
jardim, onde atraio os passarinhos com bananas
e mamão. Meu segundo hobby é tocar ao piano
aquelas antigas partituras. Entendo que a segunda
carreira deve ser algo prazeroso, mas não apenas
para distração ou para me aliviar do cansaço. Posso
estar aposentada como uma profissional, mas não
como pessoa.
Devo extrair lá do fundo do meu ser as reservas
de talento. Se precisar, por que não “cavar um outro
poço”? Há muitas reservas bem nas profundezas,
porque somos feitos à imagem de Deus e Ele é
profundo, eterno e sem fim. Ainda há poços que
jorrarão águas para fora, para fazer rios no deserto e
caminhos no ermo.
Como as águias, tenho ainda oportunidades
para ser renovada e ter saúde física e uma visão nova
da vida. Nosso amado Deus deseja nos ver assim,
como lemos:

Mas os que esperam no Senhor renovarão as forças,


subirão com asas como águias; correrão, e não se cansarão;
caminharão, e não se fatigarão. (Isaías 40.31)

160
A segunda carreira, que é livre de imposições
de chefes ou das demandas dos familiares ou da
sociedade, com certeza me ajudará.
Podemos viver a vida abundante que Jesus
Cristo nos trouxe, porém creio que precisamos, pelo
menos, dessas três coisas, resumidamente falando:
cavar poços “Reobotes”, passar por desertos secos
e árduos — onde as nossas carcaças ficam — e ser
renovados como águias nas alturas das rochas bem
altas, independentemente da nossa idade. Subiremos
de cada deserto prazerosamente encostadas no nosso
Amado? O melhor é continuar andando assim ao
Seu lado, prazerosamente encostada n’Ele, sempre e
até morrer.
No dia do julgamento final, na balança de Jesus
Cristo, não seremos pesados pela quantidade de
curas, de milagres ou de vidas que teremos trazido
a Deus; em outras palavras, o que vai contar não é a
quantidade de obras, mas o amor a Deus.
Existe uma escala no mandamento de Deus,
resumindo os Dez Mandamentos em duas partes:

E um deles, doutor da lei, interrogou-o para o


experimentar, dizendo: Mestre, qual é o grande
mandamento na lei? E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor,
teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e
de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande
mandamento. E o segundo, semelhante a este, Amarás

161
teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos
dependem toda a lei e os profetas. (Mateus 22.35-40)

Quanto mais curados e libertos, mais amaremos


a nós mesmos e, por consequência, seremos capazes
de amar o nosso próximo. A ordem não falha:
primeiro amar a Deus. É Ele quem nos capacita a
amá-lO, pois nada podemos sem Deus. O segundo
mandamento é a consequência do primeiro.
O amor de Deus é derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo (Romanos 5.5), e o
primeiro fruto do Espírito Santo é o amor (Gálatas
5.22). O amor é a essência de Deus, pois Ele é o
AMOR que nunca falha. Detalho aqui uma descrição
de Deus em 1 Coríntios 13.4-8:

O amor é sofredor
O amor é benigno
O amor não é invejoso
O amor não se ostenta
O amor não trata com leviandade
O amor não se ensoberbece
O amor não se torna público
O amor não se irrita
O amor não se ressente
O amor não se amargura
O amor não é facilmente provocado
O amor não pensa mal

162
O amor crê no melhor
O amor se dá o benefício da dúvida
O amor oferece segunda chance
O amor nunca falha!
(Tradução livre da autora)

É desse amor que tanto necessito! É com esse


amor que Deus nos mede.

163
FIM
Ó profundidade das riquezas, tanto da
sabedoria, como da ciência de Deus! Quão
insondáveis são os seus juízos, e quão
inescrutáveis, os seus caminhos! Porque quem
compreendeu o intento do Senhor? Ou quem foi
seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a
ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele,
e por ele, e para ele são todas as coisas; glória,
pois, a ele eternamente. Amém!
(Romanos 11.33-36)
Este livro foi produzido em Adobe Garamond Pro 12 e
impresso pela Gráfica Promove sobre papel Pólen Soft 70g
para a Editora Quatro Ventos em julho de 2020.

Você também pode gostar